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Totalpoesia.Pdf POESIA TODA José da Graça Andrade nasceu na Europa donde nunca saiu e jamais voltou. Tem vivido largos períodos fora de Portugal, sem profissão certa nem ocupação regular, limitando-se a viver a vida, sempre ao ritmo de um dia de cada vez. Como pessoa é desprendido de tudo excepto dos seus sonhos, não possuindo quase nada nem sequer idade. É autor de uma vasta obra nunca publicada que abrange todos os formatos e géneros literários, desde listas de compras até textos científicos sobre a influência dos dezassete diferentes tamanhos do gene receptor da vasopressina na fidelidade masculina. Actualmente vive só, perto do mar, onde lê, escreve e ouve música. SEI QUE ESTÁS POR AÍ Sei que estás por aí Descendo pelas sombras das nuvens O trilho de argila seca da falésia castanha do sol Olhar aberto sobre a distância brilho de lua Num gesto felino de água em passos dançantes de onda Mão dada com o céu sorriso brando de duna Por aí sei que estás Ardendo na chama negra duma beleza adulta Entrando nas vagas da minha melancolia molhada e nua Caminhando à beira mar da minha solidão de areia Eternizando num simples olhar fugaz o tempo o ar E o mar - espelho gelado do céu - da praia dos meus sentidos Estás por aí eu sei Mulher só sentada frente a um mar de chamas súbitas Cabeça entre joelhos procurando no areal com a alma nos dedos Tesouros ocultos amores escondidos um pedaço de mim? Criança madura brincando na espuma do fim da tarde Corpo a fazer de dique por onde perdido meu olhar escorre Que idade tens As deusas não têm idade Sei que estás por aí E talvez não seja ainda tarde para gritar por esse corpo De mulher sem género poema sem palavras Para prender o meu olhar de sal no mistério dos teus cabelos E neles esconder o espanto dos meus olhos cheios da luz irreverente da tua pele onde ilusões antigas se precipitam esquecidas E a felicidade (ou dela o desejo) se escreve numa página em branco Nada sei de ti nem sequer o rio do teu nome As letras que por ele correm o som da sua pronúncia És bela e chocaste contra mim como um oceano Quando sorris iluminas o quarto escuro da minha vida E sinto como se ouvisse a secreta respiração de um sonho Rio da Prata Julho 99 ANATOMIA DE UM ROMÂNTICO O romântico está sempre à procura de encontrar a mulher dos seus sonhos. Um dia encontra-a. Mas essa mulher não estando à sua espera está indisponível e, na maior parte dos casos, nem sequer dá por ele. Recomeça então o romântico nova procura ou nova espera e, sendo ingénuo, passe a redundância, consegue ainda continuar a sonhar com essa mulher. Frente ao mar, na solidão do seu quarto ou, simplesmente, com os olhos no céu imagina como seriam as circunstâncias do seu primeiro encontro, que palavras trocariam, o mistério do primeiro beijo, a magia da entrega recíproca. Mas a mais grave ingenuidade do romântico é pensar que a mulher dos seus sonhos também é romântica. E que, como um espelho ou um universo paralelo, essa mulher está igualmente a sentir, a pensar e a agir como ele e por causa dele. O MEU AMOR POR TI É DIFERENTE O meu amor por ti é diferente, deusa maior no altar dos meus sentidos nascer do sol em fogo no meu horizonte longínquo MECO Nus ao lado de nus estranhos entre si mostrando-se aparentemente desinteressados pretendendo não reparar em nada para manter a ilusão de não serem observados SONETO IMPERFEITO Ao longo dos dias da semana o homem A via nítida e bela na solidão da praia Mas via além dela e do seu corpo jovem A sua graça madura o espírito de catraia Cativo o olhar naquela única direcção Tudo nela o deslumbrava e prendia Enfeitiçado mal disfarçava a emoção Oceano da paixão que tímido escondia Nada dela recebia nem a esmola do olhar Mais se convencia que perdia a razão A maré do mar descia a do amor subia sem parar Dela nada sabia mas sua alma estava rendida Finalmente compreendia do fundo do coração Que amaria aquela mulher o resto da sua vida OLHO A VIDA À DISTÂNCIA Olho a vida à distância Como se não fosse parte interessada E aquilo que vejo não me emociona Nem me é indiferente Se a minha vida tivesse um sentido era este Olho para ti e vejo-me a mim Olho para mim e vejo-te a ti Vejo-te sempre que fecho os olhos Ou quando uma nuvem passa a mão Por debaixo do sol e parece noite MEU CORAÇÃO VIAJANTE Aqui, na gare deste amor errante onde chego e parto sem destino meu coração viajante é criança inconstante correndo para ti em desatino CADA DIA SEM TI Cada dia sem ti é um peso morto que arrasto como profundo lastro Cada dia sem ti é um trapo velho que cobre e descobre o meu mundo Cada dia sem ti é um veneno suave que bebo com as duas mãos juntas A CIDADE DOS ANJOS Como um anjo visitarei as tuas noites Para nos teus sonhos navegar teu sono E velar por ti enquanto como um anjo dormes Como um anjo acompanharei os teus passos Esconder-me-ei na tua sombra a respirar o perfume Dos teus cabelos e serei a pele de anjo da tua pele Como um anjo vou cair de amor por ti para me salvar Renascendo como alguém que se apaixona por quem não deve Ou faz amor como um anjo que quer ser humano Como um anjo que é o que não queria ser Abrirei meus olhos para serem a luz dos teus Comendo a areia doce de uma pêra como um anjo que chora UMA ESPLANADA NO DESERTO Era um mar onde tudo era deserto Eu punha a minha vida a teus pés O ar cheirava a laranjais suspensos Fechava os olhos para não ver nada Tu vinhas em transparências de máscara Bela e misteriosa como um arco-iriado Estranho paladar tem a dor do amor desprezado O vestígio de uma mentira maior onde em reflexo Me vejo como o amante que nunca chega a tempo Queria ser grande em tudo mas a vida é assim Tu sabes um buraco de desejo uma rosa negra De fogo na qual sorvo a acidez nua de um morango Escrevo como se pintasse um quadro e te desenhasse De um só traço com medo que desaparecesses bem sei Que a vida troca as voltas aos amantes inseguros “Mantenham-se juntos mas não demasiado próximos Porque os pilares do templo estão afastados E o carvalho e o cipreste não crescem na sombra um do outro” Kahlil Gibran Será a poesia mais real que a verdade dos sentidos? Lawrence Durrell A única forma de conhecer instantaneamente um ser na sua totalidade é através da intuição, que é uma manifestação do espírito. A intuição não necessita de nenhum elemento para julgar: ela penetra instantaneamente no coração dos seres e das coisas e pronuncia-se de imediato sem nunca se enganar. Para ela nada fica escondido, só ela pode conhecer a realidade na sua totalidade. Omraam AMOR DE OUTONO Não sabes desconheces e nem imaginando consegues sentir quanto é doce este amor tardio de uvas e vinho Este amor que tomou conta de mim como um olhar que se debruça sobre um rio de memória nele se demorando Pego na tua imagem pela mão e sinto a vida a tremer ouvindo ao longe um solo de saxofone O tempo passa por nós com a força do mar procuro abrigo no sonho como alguém que planta flores no deserto Julgo ver-te nas sombras da noite e espero que algo aconteça mas tua presença é uma verdade ainda por revelar O desespero é um amigo vive comigo no lado obscuro da lua alguém dentro de mim morrendo por te amar Mas como só me resta a esperança sinto ter ainda tudo O AMOR O amor é um sentimento feminino impiedoso de olhar assustado ESTRELAS PEQUENINAS As minhas filhas são estrelas pequeninas Nascidas da implosão do amor Cresceram ocupando o meu mundo Que à sua volta gravita Num eterno movimento de translação Junto delas sou completo e absoluto como um céu de Agosto Elas são o meu oposto não sendo o meu contrário E quando me olham sei porque me lembram o mel Com elas nunca estou só e juntos somos a multidão Que todos os dias se reúne na praça do meu carinho Cidade luz que me abriga iluminando-me todo Elas fazem-me sentir menino cavaleiro de mim Irmão mais velho que se ri da sua idade Às vezes dizem-me pai tens uns olhos lindos É verdade porque reflectem a imagem delas MORTE DOCE Não digas nada, deixa-me só olhar-te, é a última vontade de um condenado a amar-te SERRA DE SINTRA Vista daqui a serra parece uma ilha marítima arranhando o céu de Sintra CANTIGA Olha para mim vê como estou alegremente triste e tão perto das lágrimas não te importes sei cada vez melhor como sofrer e aguentar os dias um a um quando quiseres vem ter comigo estarei à tua espera e tudo se há-de resolver SE NÃO FOSSES TU Se não fosses tu eu não seria mais Que uma árvore crescendo para dentro da terra Sombra a acompanhar os nossos passos perdidos Planeta errante vagueando em universos esquecidos O meu amor é um filho teu saído de mim Criança com o sentido da impossibilidade Chorando com sons de vidros a partir Pequeno aprendiz da arte de sonhar Podes gravar para sempre este instante Mosaico de amor profundo puro constante E se tu quisesses se tu quisesses Dava-te o meu corpo Para sempre fazer parte das tuas mãos Não sinto dor nem prazer só tristeza O tempo pára e arranca E eu peço-te livra-me de mim Pois sou alguém que de tanto te procurar Já não se leva a sério O FRIO DA TUA AUSÊNCIA Olho o sítio onde a tua pequena tenda azul costuma estar e apenas vejo um espaço vazio no meio do areal tua ausência invade-me como um frio de deserto irreal que nem o sol nem o mar nem o céu ajudam a suportar A TUA CANÇÃO ( para ser cantada ao som da “your song” de Elton John) É um pouco estranha e peculiar Tanta tristeza no teu olhar Não tenho a certeza mas se a tivesse Dava-me todo se me quisesses Se fosse poeta mas até nem sou Sou só alguém que te ama e a quem me dou Sei que é pouco mas quem dá o que tem Entrega-se todo pelo amor d’alguém E podes aceitar rir ou chorar Desligar mentir ou negar Eu só te peço
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