POESIA TODA
José da Graça Andrade nasceu na Europa donde nunca saiu e jamais voltou. Tem vivido largos períodos fora de Portugal, sem profissão certa nem ocupação regular, limitando-se a viver a vida, sempre ao ritmo de um dia de cada vez. Como pessoa é desprendido de tudo excepto dos seus sonhos, não possuindo quase nada nem sequer idade. É autor de uma vasta obra nunca publicada que abrange todos os formatos e géneros literários, desde listas de compras até textos científicos sobre a influência dos dezassete diferentes tamanhos do gene receptor da vasopressina na fidelidade masculina. Actualmente vive só, perto do mar, onde lê, escreve e ouve música.
SEI QUE ESTÁS POR AÍ
Sei que estás por aí Descendo pelas sombras das nuvens O trilho de argila seca da falésia castanha do sol Olhar aberto sobre a distância brilho de lua Num gesto felino de água em passos dançantes de onda Mão dada com o céu sorriso brando de duna
Por aí sei que estás Ardendo na chama negra duma beleza adulta Entrando nas vagas da minha melancolia molhada e nua Caminhando à beira mar da minha solidão de areia Eternizando num simples olhar fugaz o tempo o ar E o mar - espelho gelado do céu - da praia dos meus sentidos
Estás por aí eu sei Mulher só sentada frente a um mar de chamas súbitas Cabeça entre joelhos procurando no areal com a alma nos dedos Tesouros ocultos amores escondidos um pedaço de mim? Criança madura brincando na espuma do fim da tarde Corpo a fazer de dique por onde perdido meu olhar escorre Que idade tens As deusas não têm idade
Sei que estás por aí E talvez não seja ainda tarde para gritar por esse corpo De mulher sem género poema sem palavras Para prender o meu olhar de sal no mistério dos teus cabelos E neles esconder o espanto dos meus olhos cheios da luz irreverente da tua pele onde ilusões antigas se precipitam esquecidas E a felicidade (ou dela o desejo) se escreve numa página em branco
Nada sei de ti nem sequer o rio do teu nome As letras que por ele correm o som da sua pronúncia És bela e chocaste contra mim como um oceano Quando sorris iluminas o quarto escuro da minha vida E sinto como se ouvisse a secreta respiração de um sonho
Rio da Prata Julho 99
ANATOMIA DE UM ROMÂNTICO
O romântico está sempre à procura de encontrar a mulher dos seus sonhos. Um dia encontra-a. Mas essa mulher não estando à sua espera está indisponível e, na maior parte dos casos, nem sequer dá por ele. Recomeça então o romântico nova procura ou nova espera e, sendo ingénuo, passe a redundância, consegue ainda continuar a sonhar com essa mulher. Frente ao mar, na solidão do seu quarto ou, simplesmente, com os olhos no céu imagina como seriam as circunstâncias do seu primeiro encontro, que palavras trocariam, o mistério do primeiro beijo, a magia da entrega recíproca. Mas a mais grave ingenuidade do romântico é pensar que a mulher dos seus sonhos também é romântica. E que, como um espelho ou um universo paralelo, essa mulher está igualmente a sentir, a pensar e a agir como ele e por causa dele.
O MEU AMOR POR TI É DIFERENTE
O meu amor por ti é diferente, deusa maior no altar dos meus sentidos nascer do sol em fogo no meu horizonte longínquo
MECO
Nus ao lado de nus estranhos entre si mostrando-se aparentemente desinteressados pretendendo não reparar em nada para manter a ilusão de não serem observados
SONETO IMPERFEITO
Ao longo dos dias da semana o homem A via nítida e bela na solidão da praia Mas via além dela e do seu corpo jovem A sua graça madura o espírito de catraia
Cativo o olhar naquela única direcção Tudo nela o deslumbrava e prendia Enfeitiçado mal disfarçava a emoção Oceano da paixão que tímido escondia
Nada dela recebia nem a esmola do olhar Mais se convencia que perdia a razão A maré do mar descia a do amor subia sem parar
Dela nada sabia mas sua alma estava rendida Finalmente compreendia do fundo do coração Que amaria aquela mulher o resto da sua vida
OLHO A VIDA À DISTÂNCIA
Olho a vida à distância Como se não fosse parte interessada E aquilo que vejo não me emociona Nem me é indiferente
Se a minha vida tivesse um sentido era este
Olho para ti e vejo-me a mim Olho para mim e vejo-te a ti
Vejo-te sempre que fecho os olhos Ou quando uma nuvem passa a mão Por debaixo do sol e parece noite
MEU CORAÇÃO VIAJANTE
Aqui, na gare deste amor errante onde chego e parto sem destino meu coração viajante é criança inconstante correndo para ti em desatino
CADA DIA SEM TI
Cada dia sem ti é um peso morto que arrasto como profundo lastro
Cada dia sem ti é um trapo velho que cobre e descobre o meu mundo
Cada dia sem ti é um veneno suave que bebo com as duas mãos juntas
A CIDADE DOS ANJOS
Como um anjo visitarei as tuas noites Para nos teus sonhos navegar teu sono E velar por ti enquanto como um anjo dormes
Como um anjo acompanharei os teus passos Esconder-me-ei na tua sombra a respirar o perfume Dos teus cabelos e serei a pele de anjo da tua pele
Como um anjo vou cair de amor por ti para me salvar Renascendo como alguém que se apaixona por quem não deve Ou faz amor como um anjo que quer ser humano
Como um anjo que é o que não queria ser Abrirei meus olhos para serem a luz dos teus Comendo a areia doce de uma pêra como um anjo que chora
UMA ESPLANADA NO DESERTO
Era um mar onde tudo era deserto Eu punha a minha vida a teus pés O ar cheirava a laranjais suspensos
Fechava os olhos para não ver nada Tu vinhas em transparências de máscara Bela e misteriosa como um arco-iriado
Estranho paladar tem a dor do amor desprezado O vestígio de uma mentira maior onde em reflexo Me vejo como o amante que nunca chega a tempo
Queria ser grande em tudo mas a vida é assim Tu sabes um buraco de desejo uma rosa negra De fogo na qual sorvo a acidez nua de um morango
Escrevo como se pintasse um quadro e te desenhasse De um só traço com medo que desaparecesses bem sei Que a vida troca as voltas aos amantes inseguros
“Mantenham-se juntos mas não demasiado próximos Porque os pilares do templo estão afastados E o carvalho e o cipreste não crescem na sombra um do outro”
Kahlil Gibran
Será a poesia mais real que a verdade dos sentidos?
Lawrence Durrell
A única forma de conhecer instantaneamente um ser na sua totalidade é através da intuição, que é uma manifestação do espírito. A intuição não necessita de nenhum elemento para julgar: ela penetra instantaneamente no coração dos seres e das coisas e pronuncia-se de imediato sem nunca se enganar. Para ela nada fica escondido, só ela pode conhecer a realidade na sua totalidade.
Omraam
AMOR DE OUTONO
Não sabes desconheces e nem imaginando consegues sentir quanto é doce este amor tardio de uvas e vinho
Este amor que tomou conta de mim como um olhar que se debruça sobre um rio de memória nele se demorando
Pego na tua imagem pela mão e sinto a vida a tremer ouvindo ao longe um solo de saxofone
O tempo passa por nós com a força do mar procuro abrigo no sonho como alguém que planta flores no deserto
Julgo ver-te nas sombras da noite e espero que algo aconteça mas tua presença é uma verdade ainda por revelar
O desespero é um amigo vive comigo no lado obscuro da lua alguém dentro de mim morrendo por te amar
Mas como só me resta a esperança sinto ter ainda tudo
O AMOR
O amor é um sentimento feminino impiedoso de olhar assustado
ESTRELAS PEQUENINAS
As minhas filhas são estrelas pequeninas Nascidas da implosão do amor Cresceram ocupando o meu mundo Que à sua volta gravita Num eterno movimento de translação
Junto delas sou completo e absoluto como um céu de Agosto Elas são o meu oposto não sendo o meu contrário E quando me olham sei porque me lembram o mel
Com elas nunca estou só e juntos somos a multidão Que todos os dias se reúne na praça do meu carinho Cidade luz que me abriga iluminando-me todo
Elas fazem-me sentir menino cavaleiro de mim Irmão mais velho que se ri da sua idade
Às vezes dizem-me pai tens uns olhos lindos É verdade porque reflectem a imagem delas
MORTE DOCE
Não digas nada, deixa-me só olhar-te, é a última vontade de um condenado a amar-te
SERRA DE SINTRA
Vista daqui a serra parece uma ilha marítima arranhando o céu de Sintra
CANTIGA
Olha para mim vê como estou alegremente triste e tão perto das lágrimas não te importes sei cada vez melhor como sofrer e aguentar os dias um a um quando quiseres vem ter comigo estarei à tua espera e tudo se há-de resolver
SE NÃO FOSSES TU
Se não fosses tu eu não seria mais Que uma árvore crescendo para dentro da terra Sombra a acompanhar os nossos passos perdidos Planeta errante vagueando em universos esquecidos
O meu amor é um filho teu saído de mim Criança com o sentido da impossibilidade Chorando com sons de vidros a partir Pequeno aprendiz da arte de sonhar
Podes gravar para sempre este instante Mosaico de amor profundo puro constante E se tu quisesses se tu quisesses Dava-te o meu corpo Para sempre fazer parte das tuas mãos
Não sinto dor nem prazer só tristeza O tempo pára e arranca E eu peço-te livra-me de mim Pois sou alguém que de tanto te procurar Já não se leva a sério
O FRIO DA TUA AUSÊNCIA
Olho o sítio onde a tua pequena tenda azul costuma estar e apenas vejo um espaço vazio no meio do areal tua ausência invade-me como um frio de deserto irreal que nem o sol nem o mar nem o céu ajudam a suportar
A TUA CANÇÃO ( para ser cantada ao som da “your song” de Elton John)
É um pouco estranha e peculiar Tanta tristeza no teu olhar Não tenho a certeza mas se a tivesse Dava-me todo se me quisesses
Se fosse poeta mas até nem sou Sou só alguém que te ama e a quem me dou Sei que é pouco mas quem dá o que tem Entrega-se todo pelo amor d’alguém
E podes aceitar rir ou chorar Desligar mentir ou negar Eu só te peço eu só te peço Dá-me uma chance De tornar infinito cada instante
Estamos na praia olhando o mar Como é bom poder conversar Mas os dias passam e eu já não sei Se já estarei no fim do que não comecei
Não aceito a ideia de não mais te ver Entrares e saíres sem te conhecer Tudo o que quero é olhar para ti És a mais bela mulher que jamais vi
OLHO O CÉU
Olho o céu Vejo-te cavalgar uma nuvem Fazes-me adeus e desapareces
Olho o céu Sonho acordado e tu lá estás como eu olhando para baixo
Olho o céu Fecho os olhos tu apareces Caída por dentro de mim
A PRAIA SEM TI
A praia sem ti não cheira a iodo não sabe a mar nem o sol aquece por entre o nevoeiro que cedo se levantou e ninguém sabe quando se irá deitar
DEITO A MINHA VIDA AO SOL
Deito a minha vida ao sol e vejo-a adormecer sonhando que estás dentro dela
QUE SERIA DE NÓS
Se eu fosse um grão de areia E tu uma gota do mar
Se eu fosse uma crista de onda E tu um reflexo do sol
Se eu fosse um grito de gaivota E tu a luz do céu
Se eu fosse um sopro de vento E tu um fio de ar
Se eu fosse um canto de ave E tu a sombra de um véu
Se eu fosse uma ilha selvagem E tu a única habitante
Se eu fosse uma estrela cadente E tu um brilho de luar
Se eu fosse o vermelho do sangue E tu o azul do céu
Se eu fosse um vestígio de nuvem E tu um rasto de ave
Se eu fosse um grito de dor E tu um suspiro de prazer
Se eu fosse uma nota de música E tu a minha canção
Se eu fosse o teu homem E tu a minha mulher
Que seria de nós?
FAZENDO AMOR COM OS OLHOS
Nua pareces uma mancha negra de prazer no lençol branco da cama onde te possuo com o azul dos meus olhos começando por esmagar suavemente a tua boca onde as línguas crescem mornas e imprevistas, resvalo depois para o pescoço e nele abro por entre as veias sulcos sinuosos de saliva, entretanto, fechas os olhos e sentes a pele arrepiada e hirta enquanto prossigo a perigosa descida travada pelos bicos firmes dos teus seios de rapariga que sôfrego sorvo pelo céu da boca até ao coração. Empurrada por um gemido viras-te convidando- me a descer com a língua a longa escadaria das tuas vértebras uma a uma até ao sítio em que a mulher é mais criança para trás deixando as concavidades entre os braços e por detrás dos joelhos onde a pele é mais branca. Mais para baixo seguindo as mãos deslizam os lábios procurando os outros que entre os sobressaltos das ancas mais a sul os aguardam como guardas de um templo entre colunas escondido para o beijo fatal e húmido de duas diferentes bocas. Abres os olhos e o teu corpo oscila como barco à deriva em alto mar ou flecha tensa num arco inglês pronta a disparar é nesse momento que me vês crescer para ti tapando-te como um cobertor de pele e nos fundimos com as tuas pernas esguias e altas querendo tocar o céu.
QUERO APENAS TUDO
Quero que gostes de mim obsessivamente Como se nada mais no mundo existisse
Quero que sintas por mim tudo quanto Teu coração por alguém pode sentir
Quero ser para ti o princípio e o fim de tudo Teu primeiro desejo e tua última vontade
Quero ser tua sede e tua fome Tua respiração e o suor da tua fronte
Quero ser único nos teus pensamentos Teu sol teu céu e teu mar
Quero ser o brilho dos teus olhos Tua estrela da sorte da vida e da morte
A SEREIA
O sol era seu escravo A água seu elemento As ondas no seu rebentamento Lançavam-lhe pétalas de gotas E a areia levantava-se Ficando suspensa no ar Em nuvens de apoteose
Eu fiquei então a saber Que chegara uma sereia E a praia se tornara uma tela Onde com todas as cores a tua presença se exprimia
OXALÁ
Oxalá sejas tu a mulher por quem espero se não fores não faz mal na vida e no amor, o importante é continuar e o meu amor ficará sempre de pé diante de ti oxalá tu sejas ela
EDMÉA
Teu nome tem uma letra a mais no fim É a primeira de todas as letras Abre o meu nome inicia o que sinto por ti Dorme no meio do mar é o fim da guerra Sem ela não existia paz
É uma vogal redonda aberta Que no teu nome devia cair Por uma questão musical por força da rima Não me leves a mal deixa-me explicar Repara se essa letra não estivesse lá Onde acaba o teu nome português Eu poderia fazê-lo rimar Com o que para mim tu és em francês Ma désireé trés aimeé Edmeé
EDMÉA
Brinco à volta do teu nome sentindo-me cada vez mais criança três vogais e duas consoantes que rimam para mim com esperança
HÁ MUITO, MUITO TEMPO
Se meus poemas ainda não to disseram Digo-o agora baixinho e em segredo Amo-te à distância amo-te em silêncio Há muito, muito tempo
Tua ausência dói-me muito para além Do medo de perder-te princesa encantada Escondida em muralhas de solidão Há tanto, tanto tempo
Deixa-me ser a íris dos teus olhos negros e antigos As tuas palavras quentes teu cabelo africano O arco perfeito das tuas sobrancelhas Por muito, muito tempo
Diz-me na tua simplicidade desarmante Que sonhos cresceram contigo desde a infância Quantos reis e príncipes lutaram por ti até à morte Durante quanto, quanto tempo
Ama-me docemente como só tu sabes Abraça com teu cabelo minha face E sem abrir os lábios diz serei sempre tua Por muito, muito tempo
NÃO ESTOU HABITUADO A SER TÃO FELIZ
Não estou habituado a ser tão feliz Ser amado pela mulher que amo A felicidade plena deve ser assim Estranha-se e entranha-se como um vinho
Olhamo-nos rimos sem saber porquê Cantamos encantamo-nos até ao fim Falamos ouvimo-nos um ao outro Em silêncio ou aos gritos como loucos
QUANDO ESTÁS PERTO DE MIM
Quando estás perto de mim estou completo Sinto em mim universos por descobrir
Quando me olhas com teu olhar de mel Vejo mundos profundos de brilho e luz
Quando me tocas o coração pára de bater A respiração por instantes suspende o seu viver
Quando me beijas sinto por mim entrar Fogo doce de prazer numa pétala de rosa
Quando me amas teus dedos são chamas Que me queimam o corpo e o incendeiam todo
QUANDO TE FORES EMBORA
Quando te fores embora não leves contigo teu sorriso deixa-o ficar aqui comigo pegarei nele ponho-o em mim e na tua ausência ficarei menos triste
CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Beija-me com os beijos da tua boca O aroma dos teus perfumes é melhor Com razão as raparigas amam-te
Não estranheis estar morena contra mim resplandeceu o sol
Formosas são as tuas faces mais que os brincos Tua garganta mais que os colares Tal como a macieira entre as árvores da floresta O meu amado entre os jovens Anseio sentar-me à sua sombra e morder o seu fruto doce O meu amado é semelhante a um gamo ou a uma cria de gazela O meu amado é para mim e eu para ele o pastor dos lírios Antes que o dia expire e os sonhos se alonguem Voltará meu amado igual a um gamo ou a uma cria de gazela Pelo quebranto dos montes
Não estranheis estar morena contra mim resplandeceu o sol
És bela minha amada e teus olhos são pombas Por detrás do teu véu Teu cabelo um rebanho de cabras que descem do monte Galaad Teus dentes ovelhas tosquiadas que sobem do banho Todos geraram suas crias nenhuma há estéril entre elas Como fita escarlate teus lábios que formosa é tua boca Tuas faces são metades de maçã Por detrás de teu véu Teus seios são dois filhotes gémeos de gazela Que se apascentam entre os lírios
Roubaste-me o coração com um só dos teus olhares Com uma só conta dos teus colares Que doces tuas carícias melhores que o vinho A fragrância dos teus perfumes do que todos os odores Teus lábios são favos escorrendo mel e leite Sob a tua língua És jardim fechado fonte selada cisterna de água viva
Não estranheis estar morena contra mim resplandeceu o sol
Levanta-te vento norte vem vento do sul Soprai no meu jardim espalhai os seus perfumes Entra o meu amado no seu jardim E come os seus frutos doces Meu amado passou a sua mão pela fresta da porta E eu já sou puro tremor Meu amado é alvo e rosado distingue-se entre dez mil Sua cabeça é de ouro maciço Uma copa de palmeira seus cabelos negros como o corvo Seus olhos como pombas nos baixios das águas Banhadas em leite pousadas no ribeiro Seus braços ceptros de ouro seu ventre marfim polido Suas pernas pilares de alabastro firmes em bases de ouro fino Seu paladar a própria doçura todo ele é desejável Esse é o meu amado esse é o meu amigo
Não estranheis estar morena contra mim resplandeceu o sol
As curvas dos teus quadris parecem colares Obra das mãos de um artista Teu umbigo uma taça redonda que o vinho nunca falte Teu ventre monte de trigo cercado de lírios Como és bela como és desejável Amor em delícias Semelhante à palmeira é o teu porte cachos de uvas são teus seios Pensei vou subir à palmeira vou colher os seus frutos O hálito da tua boca perfume de maçãs
Tua boca guarda o velho vinho que na minha se derrama Molhando-me lábios e dentes
Não estranheis estar morena contra mim resplandeceu o sol
Vem meu amado corramos no campo Passemos a noite sob os cedros Lá te darei as minhas carícias
Forte como a morte é o amor voraz a paixão como o abismo Seus ardores são chamas de fogo labaredas do Senhor Por maiores que sejam as águas jamais apagarão o amor Rio nenhum o poderá submergir Entregasse alguém toda a riqueza da sua casa Para comprar o amor Seria ainda tratado com desprezo
ERA O TEMPO
Era o tempo das mãos dos olhares cruzando-se nos ares entornando nas mesas o amor gota a gota
Era o tempo dos dedos fechados na pressa do mel ou da seda de uma valsa estranha ininterrupta
Era o tempo das vozes à distância de uma saudade branca e violenta a prender os dedos com força lenta
Era o tempo de abrir tuas mãos e ver nas linhas do meu rosto nascerem flores que oferecias aos meus olhos
Era o tempo do amor brotar das mãos agarradas por entre a pele dos dedos num bailado cego interminável
Era o tempo em que moravas dentro das minhas águas-furtadas e te beijava as mãos sonhando beijar-te a boca
SABE BEM ESTAR À TUA SOMBRA
Sabe bem estar à tua sombra Descansar nos teus braços verdes e respirar Teu cheiro doce de fruta por colher
Sabe bem estar à tua luz Ler teus pensamentos escondidos e soprar Baixinho ao teu ouvido segredos tímidos
Sabe bem estar à tua espera Apertar o coração aflito e sentir Quase a chegar teu sorriso quente e bonito
Sabe bem estar a pensar (enquanto não chegas) Que não vais tardar e me vens trazer O arrepio de te ter só para mim
A TUA CASA
A tua casa é um oásis de amor à beira-mar do desejo onde os nossos corpos nus escalam montanhas de seda e se abrem como veias.
A tua casa é uma veia de amor aberta onde oásis de desejos se escalam como montanhas nuas e se abrem à beira-mar como a seda dos corpos.
A tua casa é um corpo nu de amor e desejo onde nos abrimos como uma montanha de veias à beira-mar de oásis de seda.
A tua casa é um desejo de seda à beira-mar onde oásis de corpos se abrem escalando nus amores de montanhas e veias.
A tua casa é uma montanha de desejo onde os nossos corpos de seda se abrem de amor escalando oásis de veias e desejos nus à beira-mar.
A tua casa é uma seda onde montanhas de oásis se abrem aos desejos de amor como veias à beira-mar dos corpos escalados e nus.
EM VIAGEM
I
Vem Partamos em viagem colemos os corpos num só corpo todo de fúria feito Sente o mastro do meu corpo barco navegar-te por cima e por baixo Toca-me com a macia suavidade das penas todas as minhas partes
Vou Incendiar-te a pele Assistir ao nascer do desejo no crepúsculo de medo do prazer que mereces e queres mais até do que eu
Vamos Trocar de pernas inverter os braços inventar gestos e mexer os sexos como cordas de guitarra dedilhadas em excesso ou estrelas a riscar o céu
Vem-te e tal como eu sente fugir o instante morte breve clarão inocente do aguilhão de prazer que desaparece em lava quente por dentro de nós.
II
Vem Façamos a viagem como lhe chamo o sinal de partida são teus olhos que eu amo depois as mãos a boca teu cheiro estranho
Vais Andar e parar em mim várias vezes nos contornos do pescoço nas curvas dos ombros nos montes do peito ou de Vénus nas planícies do tronco sem esquecer o umbigo
Vão Teus dedos escrever-me na pele palavras ilegíveis pinturas sem tinta que leio sem voz desenho sem ver só as sinto em arrepios e ouço em gemidos
Vou Aquecer as mãos no fogo do teu sexo lamber-lhe as chamas de modo lento espreitar-lhe o desejo fazê-lo crescer por mim a dentro
Vens-te mas sou eu que grito ao te sentir irromper num esgar aflito então sorrindo acredito que tua alma ascendeu linda ao meu céu
FOTOARTE
Colocas a objectiva do silêncio no tripé da vida e abres a grande angular do sonho
Acendo a luz da escrita em cenários de ternura aguardando que dispares a máquina e reveles imagens impressas do meu medo
Mas é o brilho dos teus olhos a sensibilizar a película da minha pele abrindo num zoom largo grandes planos de mim
Eu então digo: ontem duas nuvens caíram desamparadas do céu tu dizes: os meus pensamentos como cavalos alados levantaram voo e eu afirmo: a fotografia é a arte de parar o tempo tu respondes: as tuas palavras são pássaros que cantam em silêncio
Nada mais havia a dizer Despimo-nos e caímos no abismo puros e tímidos
PENSO EM TI
Penso em ti alma de cristal Ouço cristalino teu riso pueril Sonata de piano soando em segredo
Penso em ti amor etéreo Sinto na saliva um sabor doce Sonho de criança em viagem
Penso em ti alegria de água Vejo na noite o fogo elevado Salto dos sentidos nunca negado
Penso em ti porta do presente Rezo em mim oratórias de amor Religião sem igreja e sem deuses
Penso em ti corpo de luz Sinto a liberdade de estar preso a ti Barco que o amor afoga ou salva
Penso em ti nuvem indía Como uvas na tua língua Abrindo os olhos às escuras
Penso em ti pedra de seda Sofro a dor da tua ausência Noite que nunca mais termina
Penso em ti espuma de onda Recordo o perfume da tua presença Manhã que nunca mais chega
Não te preocupes comigo Estou só cansado dos meus sonhos Amanhã o sol voltará a cair no mar E o amor será sempre uma longa viagem
O NOSSO AMOR É UMA FLOR
O nosso amor é uma flor dócil como o junco virgem como a laranjeira tem a força do carvalho a doçura da amendoeira
O nosso amor é uma flor sincero como o feto fiel como o castanheiro tem a paz da oliveira a glória do loureiro
O nosso amor é uma flor vermelha como as papoilas ou os gerânios azul como as esporas ou os jacintos
O nosso amor é uma roseira brava apaixonada por uma romãzeira ou um amor-perfeito roxo e amarelo
O POETA E A FOTÓGRAFA
Eles já se amavam antes de se conhecerem embora ainda não o soubessem e quando um dia se encontraram numa praia o amor cresceu por dentro deles e elevou-se como uma montanha de fogo mais brilhante que o sol. Ele escrevia-lhe poemas cantando-lhe o rosto, o riso e o corpo e ela tirava-lhe fotos fixando-lhe a alma, o olhar e a expressão. Passavam assim os dias fechando as mãos nas mãos em novas geometrias de amor, entrelaçando os olhos assomados de luz pelo brilho puro da paixão e bebendo água de beijos nas fontes frescas das suas bocas. Neles não se distinguia a linguagem do diálogo e do silêncio porque comunicavam em ambientes de palavras e pausas, olhos e mãos, risos e gargalhadas e à noite cavalgavam um no outro desenhando à luz das velas chamas de sombras no suor dos corpos. Às vezes, poucas, uma sombra de medo ou tristeza pesava nos seus olhos, e se se perdessem…? Mas nenhum dizia nada, era apenas a nuvem negra de um vago pensamento que não chegava a chover. E quando tinham de separar-se choravam por dentro a forçada perspectiva da ausência como se sentissem a perda irreparável desses momentos e mesmo ainda juntos logo começavam a sentir-se feridos de saudades. Por isso, nos últimos instantes, ele decorava-lhe o rosto e gravava-lhe as expressões para depois se iluminar todo no escuro da solidão. Quando ele dizia, e estava sempre a dizer, És tão linda! Ela baixava os olhos e, tímida, sorria como recusando acreditar no que ouvia. Outras vezes, passeando- lhe a mão pela testa com os dedos a pentear os cabelos, segredava-lhe baixinho, Amo-te mais que à vida! Ao que ela respondia tentando parecer pouco convencida, As coisas que tu dizes… A felicidade não era para eles um prazer era um estado de ser que lhes saía em sons pelos lábios em murmúrios de canções só deles conhecidas e só por eles ouvidas. Então, ele pegava-lhe na mão e colocando-a no lado esquerdo do seu peito perguntava-lhe: Sentes o meu coração? Só bate por ti. E ela fazendo pequenas ondas na enseada da testa e fixando-lhe os olhos como se contemplasse pedras preciosas dizia: És terrível…
AMOR SEM FUTURO
O nosso amor não tem futuro Já não sei se tem presente E um dia só terá passado Porque o nosso amor não é nosso É só meu
Sinto-o vendo teus olhos Cobrirem-se de um manto súbito de tristeza Ou quando digo Amo-te E me respondes apenas Também eu…
A minha poesia não abriu a porta Do teu amor Só uma pequena fresta Por onde a tua curiosidade Espreitou
Tentaste amar-me mas as almas livres Não se entregam facilmente A um qualquer como eu E o desencanto desta realidade desabou inteiro sobre mim Como um universo de pesadelo
Alimentei a ilusão deste amor Como quem atira miolo de pão Aos cisnes de um lago E regresso agora à minha solidão Como quem após uma viagem Volta a casa e a reencontra intacta
A deusa alada Na minha secretária pousada sorri beatificamente E com as duas mãos juntas Parece orar Talvez Por mim
NO MEU QUARTO
No meu quarto o frio cheira pior que a morte dispo-me lentamente o meu corpo magro e nu estremece falta-me o teu riso quente o teu olhar de fogo a tua alegria ardente e o Verão ainda tão distante do Inverno do meu presente
DOR
Apaguem as velas de todos os altares Que as crianças não cresçam o seu riso se cale Fechem as portas e janelas de todos os andares Que o sol nunca mais nasça e a sua luz se apague
Pisem as flores de todos os jardins Que o seu perfume comece a cheirar mal Fiquem todas as gaivotas em terra Que a maior das sedes seque os mares
Que as mais ferozes epidemias recrudesçam E as piores doenças dizimem a humanidade Que mais nenhuma música se ouça E os instrumentos desafinem e emudeçam
Cortem-me os dedos que lhe afagavam o cabelo Tapem-me a boca que lhe beijava as mãos Ceguem-me os olhos que me alimentavam o sonho Queimem-me o corpo e arranquem-me o coração
O meu amor partiu e não mais o verei O meu amor deixou-me e só eu fiquei O meu amor morreu e com ele morri eu
ÉS COMO ÉS
És selvagem e inocente como uma criança Passas como o vento foges como as nuvens Os rios gostariam de ser como tu libertos das suas margens Dentro de ti há um deus que ri e se passeia todo iluminado por dentro
És frágil e humilde como uma flor exposta ao risco da beleza Simples e única como uma gota perdida num oceano de paz És mulher e homem tal como eu a querer ser capaz De aprendermos juntos a eterna geometria do amor
És minha oração e minha prece minha Ave Maria Cheia de graça a única entre as mulheres És misteriosa e inacessível como um universo longínquo Esperarei sempre por ti, procurar-te-ei infinitamente
CONFERÊNCIA
Enquanto o orador falava Voaste dos meus braços Como uma pomba assustada
Foste poisar no espaldar de uma cadeira Dominando a sala deslumbrando Os participantes adormecidos
Cruzaste as pernas as mãos Sobre os joelhos e ficaste atenta Assistindo silenciosa aos trabalhos
No teu rosto sério compenetrado Teus olhos procuravam os meus Os cabelos descansavam soltos no pescoço
Ao intervalo desapareceste Deixando no ar um frio de ausência
ACENDO UMA VELA
Vejo-te quando abro os olhos pela manhã saindo pela noite Acendo uma vela a chama desenha teu coração Vejo-te frente ao espelho poisada no meu ombro Duas maçãs de rosto beijando-me o pescoço Acendo uma vela a chama queima-me o corpo Vejo-te quando entro no carro dou à ignição Teu sorriso iluminado senta-se ao lado do meu carinho Acendo uma vela e a chama mostra-me o caminho
CONTRADIÇÕES
És as margens do meu rio meu anjo e meu demónio meu amor e meu ódio minha noite e meu dia meu calor e meu frio minha força e minha fraqueza meu sono e minha vigília minha fome e meu alimento Estás tão longe e estás tão perto
Nada te peço tudo te dou Tudo quero nada obtenho Nada curo tudo estrago Tudo perco nada ganho Nada comecei tudo terminei Tudo espero nada vem Nada tenho tudo desejo Tudo imagino nada realizo Nada sou tudo sonho Tudo ofereço nada recebo Nada faço tudo idealizo Tudo te peço nada te dou
PENSAMENTOS ZEN
Gosto mais de ti que do sol do sal ou de mim
Sou inocente. Confio. Tenho o maior poder do mundo.
Toda a minha vida procurei o cofre do tesouro. Quando o encontrei não tinha a chave.
Não quero ser o melhor em nada. Quero ser bom em tudo.
TENHO UMA CRIANÇA
Para Bhagwan Shree Rajneesh (OSHO)
Tenho uma criança que me conduz a passo E se maravilha com tudo como alguém Que não precisa de acreditar em Deus porque o conhece
Uma criança que me cresce interiormente como uma verdade Viva que se celebra e liberta porque a sentimos intensamente Tornando todos os momentos irrepetíveis e divinos
Uma criança que me ensina a não ter desejos do passado Para que na harmonia oculta o futuro chegue imaculado
NÃO TREMES NOS MEUS BRAÇOS
Não tremes nos meus braços nem vibras nos espaços abertos do meu corpo tua água apaga meu fogo mil labaredas de mágoa incendiando-me de tristeza combustão de mim apagada frio de mortalha sem fim calor de vida inventada
OBRIGADO AMOR
Obrigado amor pela ilusão Que me deste Desta imitação de felicidade Que comigo viveste
Obrigado amor pelos dias de sol Com que me aqueceste Pelas noites frias Em que comigo adormeceste
Obrigado amor pela alegria Que me doaste Pelo sorriso quente Com que me iluminaste
Obrigado amor pela ternura Que me ofereceste Pelas palavras doces Que sempre me disseste
Obrigado amor pela atenção Que nunca recusaste Pelos braços abertos Com que me esperaste
Obrigado amor pela esperança Que me criaste De viver um amor recíproco Feito de dádiva e intensidade
Obrigado amor pela honestidade Com que me falaste Dos erros e limitações Que em mim observaste
Obrigado ainda amor por todas as coisas Que não me pudeste ensinar E pela coragem que me deste Para tranquilo as procurar
ENTARDECER
Penso numa praia que já não existe onde o mar de tão manso vinha beber à nossa mão e as ondas jogavam na areia molhada espelhos de espuma iluminada que mirravam e desapareciam de repente
O AMOR NÃO É FOZ MAS FONTE
O amor não é foz mas fonte Como a chama é sempre diferente Sinto-me ponte sustendo um rio Quando não quero desejar tua presença
A vida não se deixa controlar Tudo acontece no seu devido tempo Hei-de ser capaz de olhar sem pensar E como uma nuvem no céu Irei para onde o vento me levar
NUNCA CONHECI UM POETA FELIZ
Nunca conheci um poeta feliz A todos lhes doía a existência como uma ferida aberta A sua poesia emanava de uma dor profunda interior Um desajuste da natureza ou do ser Até os poetas do amor escreveram os seus mais belos poemas Quando amavam sem serem amados Quando do amor só possuíam a esperança o ideal Porque terá de ser sempre assim?
MEU AMOR É EXCESSIVO
Meu amor é excessivo Não me cabe no coração Demónio cruel e possessivo Que me rasga de emoção
Meu silêncio é um grito Meu olhar não o cala Sinal desesperado e aflito Que não se ouve nem fala
Minha tristeza é água Profunda e parada Mar de dor e mágoa No meu rosto espelhada
Meu olhar é oblíquo Nada vê além de ti Espelho fiel e esfíngico Da paixão que senti
Meu corpo é estrada Sem princípio nem fim Curvas de pele e mais nada Por onde fujo de mim
DEVAGAR, AMOR
Devagar, amor, quem tem pressa? Quantos Invernos demora, um carvalho a crescer Até os seus braços nos fazerem sombra? A luz do sol percorrendo o espaço até beijar a terra? A agonia de uma estrela até renascer em planeta? O tempo só existe para quem pensa nele Ou não sabe o que o tempo é
Nós sabemos que o tempo é uma estrada sem fim Que nos percorre em espirais de dúvidas e mágoas Devorando a alma secando o sangue De quem procura o amor e a verdade
Devagar, amor, para melhor conheceres O caminho, o destino ou o sentido de ti E ao mesmo tempo conheceres-me a mim Que por ti espero há tempos sem fim
ESTÁ TUDO TÃO CLARO
Está tudo tão claro És para mim uma deusa mas eu Não sou para ti um deus E devia ser fogo não água Devia ser riso e não mágoa Serei talvez a pálida macieza da neve
Em vão esperei à esquina das palavras Pondo ordem no meu desejo Digo que te quero Mas sem incêndios nas veias Teu corpo não me ouve E arde-me o sangue na agonia da impaciência
Fujo à solidão inevitável Da paisagem dos corpos juntos Colhidos de frio inexplicável atrito Quando as tuas palavras se desprenderam Como chuva de folhas secas Cobrindo meu coração aflito No silêncio nupcial da madrugada
A memória do teu corpo em vão se demora Na noite dos meus dias Sorris e ainda me iluminas todo Mas já quase não sinto nem ouço A secreta respiração do meu sonho
TIVE MEDO
Tive medo Das tuas palavras que me escrevem os dias E me ofereces para saborear como doces
Quis esconder-me Dos teus olhares que me desvendam segredos E se me abrem por dentro como flores
Mas tu vieste como um sol Envolveste-me como um mar Abraçaste-me como uma onda E deixaste-me na pele um rasto de sal
NOITE DE NATAL
Alma pura corpo de luz Sentes-te só pensas em mim Não estou longe estou perto de ti Chama em silêncio estarei aí À meia-noite deste dia sem fim Num pensamento dentro de ti
Abre os presentes vais encontrar Luz de estrelas sonhos sem par És criança ris sem parar São lembranças da infância em Tomar Beijas a Marta queres chorar Lágrimas de amor neste Natal
POEMAS CHINESES
I
Nossos corpos nus vestidos de medo São estranhos ausentes perdidos de sono A chuva e o vento embalam a casa Um frio de inverno envolve-nos a alma
II
Plantamos na vida as raízes dos desejos Nascem ramos de frustrações e sofrimentos No inferno as almas morrem de sede Não há paz nos infernos de desejos que criamos
III
Dizem: o amor é o mais puro dos sentimentos Uma qualidade nobre que nos envolve A natureza sempre deu lições ao homem O amor não é só uma qualidade é a minha natureza
IV
Tudo em nós na vida e no mundo muda Numa lógica de desejos não realizados Invento uma relação iluminada de graça divina O amor segue os movimentos da imaginação
V
Para o passado se manifesta da alma inclinação À mudança se resiste com melancólica força Vagueio pelos siderais espaços da tua ausência Germina-me na alma um bolor de resignação
VI
O tempo da tua presença é azul como um céu Nele entro e me sinto fora do tempo e de tudo Lá fora o mundo respira sem tempo e a custo Dentro de nós marcamos o tempo do mundo
VII
Na terra o medo cresce entre as sombras das árvores Em silêncio os homens sonham a felicidade esquecida Escrituras antigas falam de continentes perdidos Contigo estou a caminho da minha terra prometida
AMO UMA MULHER
Amo uma mulher que fala com as árvores e as abraça em afagos de ninho
Amo uma mulher que escuta os sons do vento e os entende com um dom divino
Amo uma mulher que toca nas pedras e as faz vibrar em cristais de cor
Amo uma mulher que nasceu do mar Seu corpo é água que lava os sentidos
VAIS LEMBRAR-TE DE MIM
Vais lembrar-te de mim quando a meia-noite fechar o dia e o silêncio fizer ouvir no vazio do teu quarto a fala dos cristais de quartzo
VOU MORRER ÀS TUAS MÃOS
Vou morrer às tuas mãos na praia do meu desejo incontido. Que se passa comigo? Desejo, mas não dou prazer. Quero amar e não consigo. Vou afogar-me sozinho neste mar deserto de mim
MULHER DE AZUL
Mulher de azul ouro e fogo Teu olhar é farol que me guia e chama Danças na noite iluminando-a Minha ternura que te vê e ama
Mulher de azul terra e âmbar Teu corpo é palmeira barco e cana Vives a vida desenhando-a Em espiral de cores que a luz engana
Mulher de azul cristal e água Teus cabelos são crianças dormindo em paz Sentes alegria inventando-a Meigo fascínio que sorrindo me dás
Mulher de azul escamas e luz Teus gestos são ondas que enrolam no ar Escondes a alma revelando-a És filha do sol e das estrelas do mar
O MEU AMOR É UM DEUS
O meu amor é um deus tentando atrair a tua atenção Profundo e sem limites como um céu nocturno
ESQUECE
I
Esquece Apaga o coração em chama Lança as cinzas ao vento
Esquece Jamais conhecerás a mulher Aprende com a eternidade das marés
Esquece Tenta não enlouquecer Aceita o amor como um mistério
Esquece Lambe da ferida a dor Aceita o facto de não seres amado
Esquece Os porquês não importam nem deus os conhece Lembra-te apenas e sempre de ti
II
Esquece Apaga dos olhos a luz Oferece o clarão ao tempo
Esquece Transcende a realidade Não lutes por nadas que não existem
Esquece Vive sem desejos Renuncia aos sonhos para não sofrer
Esquece Só o que és importa És como deves ser um rio criando seu caminho
Esquece Faz deste inferno céu das noites manhãs Aceita o que a vida te dá
EM DESESPERO DE CAUSA
Ainda que fosses cega surda e muda prostituta ou drogada Apaixonar-me-ia por ti
Ainda que fosses pobre suja e miserável despedida ou desempregada Envaidecer-me-ia por ti
Ainda que fosses paralítica doente incurável virgem ou muito bem casada Perder-me-ia por ti
Ainda que fosses profissional incompetente espírito ruim ou alma penada Rebaixar-me-ia por ti
Ainda que fosses assassina ladra ou delinquente louca perigosa ou irresponsável Entregar-me-ia por ti
Ainda que fosses dissidente ou refugiada menina bem ou cigana deplorável Converter-me-ia por ti
Ainda que fosses negra indía ou mulata só corpo e absolutamente mais nada Apaixonar-me-ia por ti
AGNÉSE
Abres o silêncio numa respiração de água e assinalas o tempo com a frescura das linguagens
O mesmo mar une os dois países que te preenchem a alma num abandono de paisagens
E sendo possível riscarias os céus voando entre ambos numa migração de aves
CAFÉ BAGDAD
Tomam os sons o caminho das luzes derramando-se indolentes como nevoeiro fino
No meu canto assisto à noite entrando na cidade como pensamentos negros incontidos gerando memórias de medo nos homens adormecidos
ÉS
És meu poeta e porto seguro abrigo que me protege a alma só com o calor das mãos
És meu amigo e estrela do norte farol que me guia o caminho só com o clarão dos sentidos
És meu amor e tranquila paixão sol que me ilumina a vida só com a luz dos olhos
AOS DEZASSEIS ANOS
Para a Marta
Aos dezasseis anos a água da vida é fresca e melodiosa a sua corrente porque a foz ainda está longe da nascente todos os dias são manhãs únicas luminosas esculpidas em alegria num ritmo de música
Aos dezasseis anos os sonhos são o tacto da pele luz viva iridescente a reflectir as cores da alma no céu da vida e porque a meta ainda está longe da partida o tempo não existe para quem sonha muito
Aos dezasseis anos o amor é um filho da gente frágil e adormecido não tem pais nem avós nem parentes é um embargo de voz soluço inconsequente porque o que se sente ainda não é tudo
ENTREGA
Entrega-me as tuas mãos como se oferecesses o mundo nelas me guardarei fiel e mudo
Entrega-me o teu corpo como se me desses tudo nele renascerei eterno e puro
Entrega-me os teus sonhos como se fossem alcateias de lobos neles mergulharei audaz e louco
Entrega-me o teu silêncio como se tocasses um concerto nele respirarei em paz e mistério
Entrega-me a tua alma como se cantasses um hino nela habitarei nu e divino
SE EU FOSSE AMADA
Se eu fosse amada nada mais importava
Se eu fosse amada o verão seria logo em Janeiro
Se eu fosse amada as flores nunca murchavam
Se eu fosse amada a alegria estaria sempre primeiro
Se eu fosse amada a minha voz não se calava
Se eu fosse amada não haveria noites só madrugadas
Se eu fosse amada o riso seria a minha face
Se eu fosse amada meu coração estaria sempre em viagem
Se eu fosse amada todos os ruídos soariam música
Se eu fosse amada sempre que chovesse seria prata
SE EU FOSSE AMADA (I)
Se eu fosse amada nada mais importava e o verão seria logo em Janeiro
Se eu fosse amada as flores nunca murchavam e a alegria estaria sempre primeiro Se eu fosse amada a minha voz não se calava e o riso seria luz na minha face
Se eu fosse amada não haveria noites só madrugadas e meu coração estaria sempre em viagem
Se eu fosse amada todos os ruídos soariam música e sempre que chovesse seria prata
SE EU FOSSE AMADA (II)
Se eu fosse amada nada mais importava a alegria estaria sempre primeiro e o Verão seria logo em Janeiro as flores nunca murchavam a minha voz não se calava e o riso seria luz na minha face
Se eu fosse amada não haveria noites só madrugadas as flores seriam prata e o meu coração estaria sempre em viagem todos os ruídos soariam música o coração seria riso e sempre que chovesse seria prata
Se eu fosse amada todas as vozes soariam música o coração seria a minha face e o riso estaria sempre em viagem o Verão seria prata não haveria ruídos só madrugadas e a alegria não se calava
Se eu fosse amada o meu coração teria só madrugadas todos os ruídos seriam prata e sempre que chovesse soaria música o Verão não se calava o coração seria luz na minha face e a alegria nunca murchava se eu fosse amada as flores seriam a minha face o coração soaria música e a alegria seria logo em Janeiro o Verão nunca murchava e nada mais importava se eu fosse amada
O LAGO ONDE CHEGÁMOS
O lago onde chegámos está mais distante que um planeta escondido lá os sons da alma aparecem e o tempo por onde passa se esquece
O ar sabe ao perfume das árvores o silêncio toma o lugar de tudo entre a luz que vibra intensa e breve a água espelha a sombra dos montes como desenhos de infância numa tela verde
O nosso grito acordou as aves ou seria o som da pedra a rasgar as águas talvez os olhares entregando-se à paisagem enquanto a manhã crescia nas mãos dadas e o nevoeiro caminhava à nossa frente
Sentados lendo à esquina das palavras bebemos chá enquanto o sol morria a noite foi cúmplice de secretos devaneios e o dia deu voz aos pinheiros que diziam: Lembrem-se de nós como da paz de um sonho
A NOITE VESTIU-SE DA TUA PELE
A noite vestiu-se da tua pele para amar as estrelas para nos amarmos à sua luz de vela negra e luzidia De olhos bem fechados pelo esgar dos sentidos renascemos em luz imitando o dia O amor soltou seu nocturno grito chamando os corpos dos amantes adormecidos e a noite escondeu o tempo nos anéis do teu cabelo escurecido
QUE VÉU É ESSE, AMOR
Que véu é esse, amor de tristeza tecido como do céu caído do teu olhar se desprende
Que vê teu coração adivinho no fundo do horizonte lágrimas dor e sangue alegria pão e vinho?
A vida em ti existe tu a criaste não desafies o destino não lhe chames má sorte fiquei só dentro de ti quando me amaste
AO APERTAR-TE NOS MEUS BRAÇOS
Ao apertar-te nos meus braços quero tocar-te a alma beijar-te o coração no meio dos lábios desconhecendo se já é dia, Maio ou Verão ou se irei nascer a teu lado
NA PRAIA
Abriu-se um espaço à nossa volta de dunas mar e céu onde as mãos como gaivotas vinham comer nas nossas bocas migalhas de pão de alegrias insatisfeitas e os nossos corpos eram terno chão de areia molhada por solidão
(quem passava talvez perguntasse se aqueles amantes indiferentes como aves sós voando saberiam onde estavam…)
DESCES O CHIADO
Desces o Chiado numa desordem de cabelos Riso desperto de criança brincando nos olhos
Tua beleza de mulher doce orquídea mística Virou a esquina da minha vida com o sol brilhando por trás
(Espera coração ansioso não te percas em labirintos de espelhos Também as flores perseguem o cheiro fútil das cores)
Desces o Chiado subo eu o Inverno de um tempo inseguro Vê como as folhas novas libertam Março de um Abril tão próximo
O SILÊNCIO CALA O SENTIR
O silêncio cala o sentir deste olhar estranho cálida borboleta esvoaçando de mim a fugir entre palavras de amor ferido
A noite apaga o rosto deste sorriso triste anjo caído inerte espelhando o desgosto do segundo sentido da morte
IRRADIAS A PAZ DA LUA
Irradias a paz da lua quando meditas no vazio em que estás não estando quando falas calando na alma um vago grito em que pensas sonhando e apagas brilhando meu ser clandestino que passa ficando quando chegas saindo em corpo e espírito e te esqueces lembrando que me amas sorrindo
PENSO EM TI
Penso em ti luz do céu meu amor estrangeiro fresca cascata clareira bosque jardim e quando te vejo vejo sempre com o assombro da primeira vez o deslumbrado clarão que nos deixam as coisas simples e belas o mar o sol quando nasce ou um dia de Primavera
THINKING OF YOU
Algo na melodia dos dias cinzentos me lembra mares de Inverno o disco de Kitaro que me ofereceste os mistérios longínquos do Oriente ou a cor escondida do céu na nostalgia do poente
DIÁLOGO ENTRE MARGENS
Vou ao rio partilhar a luz e o calor com que o sol te preenche
O mar pergunta por ti que lhe digo?
Diz-lhe que sentirá os meus beijos e o meu amor quando o rio aí chegar
A água é móvel e fluída nela vai o meu ser
Ao fundo o rio cola-se ao mar em paz está o céu e eu cheia de sol
Esse sol era eu a aquecer-te o corpo com os meus dedos de chama
TALVEZ EU NÃO SEJA, MULHER, O TEU SONHO…
Talvez eu não seja, mulher, o teu sonho… a paisagem que vês quando olhas o horizonte a alma do homem que ames acima de tudo
Talvez eu seja o sino de uma torre caída suspenso na varanda de um céu nocturno a luz de um candeeiro apagado e soturno
Talvez eu seja um véu transparente e obscuro cobrindo a fugaz sombra de um fraco vulto pouco mais que nada muito menos que tudo
PARÁBOLA
Ele disse: Amo-te Ela disse: És louco. Não tens mais nada que fazer? Ele voltou a dizer: Amo-te Ela disse: Não conheço essa palavra. Tens lume? Ele disse ainda: Amo-te Ela disse: Não sei se deva acreditar em ti. Ele disse mais uma vez: Amo-te Ela disse: Podes telefonar para sairmos juntos. Ele continuou a dizer: Amo-te Ela disse: Tens um olhar doce. Ele disse como se fosse a primeira vez: Amo-te Ela então disse: Já não sei viver sem ti. Ele apenas disse: Amo-te
MULHER
Quando sentires a teus pés o chão abrir os dedos as mãos furando olhares perdido e o coração aflito do peito quiser fugir
Quando sem ar estremecendo respirares inundares de veias as margens do corpo e quente um lago rubro no rosto espelhares
Quando o pensamento gravar como chicote rasgos de sangue na branca pele da mente e a garganta para as palavras for garrote
Quando mais nada no teu mundo existir e disposto estiveres a tudo deixar ou perder sem desejo de ficar nem vontade de partir
Saberás então que amas uma mulher
MENSAGEM
Ligados neste invisível fio que nos chama sem chamar falamos sem falar num sinal sem voz num quieto olhar de silêncio que vemos sem nos vermos
E as tuas palavras tão reais que me dizes sem dizer ouço-as sem as ouvir num espaço iluminado num leve brilho acetinado que nos toca sem tocar
SÓ SILÊNCIO É ORAÇÃO
Só silêncio é oração tempestade o amor e a poesia religião minha doçura dilacerante
Abraço a nostalgia do fim de dia música de piano da mais pura melancolia
Dentro de mim flores se abrem quando rezo falo contigo e ninguém está ouvindo
Felicidade é o que sinto curto instante canto de pássaro que depressa passará
TEU CORAÇÃO DE MAR E AREIA
Teu coração de mar e areia habita uma ilha de espuma onde navios sem velas acordam fadas e sereias navegando cegas pelo sangue das minhas veias
MEA CULPA
Na eternidade daquele instante sei que ascendi ao pleno conhecimento de ti meu amor minha ausência sem fim és em mim toda presença dia de primavera alma luz jardim
Todos os dias celebro o instante em que te conheci esquecido está o que perdi meu amor minha flor solitária és janela para a montanha caminho para o céu criança água jasmim
Recordo aquela tarde única quando te ofereci um poema que escrevi meu amor minha estrela perdida desculpa pouco sou para ti apenas uma doce voz suave música Mea culpa Mea culpa
TRAVESSA DOS TEATROS
Vejo-te com a nitidez de um recorte de árvore no azul claro do céu és luz entreaberta vislumbre de frésias dando cor às janelas de um simples telhado em plano inclinado do Chiado antigo
MENSAGENS
Olá ternura! fui ao rio partilhar do teu calor.
Meu sol, luz que me aquece e irradia.
Onde andas amor, que nada sei de ti?
Doce poeta, ilumina-me com a luz dos teus olhos…
Vou agora dormir. O ar da montanha…
Quero-te.
Boa-noite amor, sonha comigo.
Beijos
SONETO
Quando a teus pés o chão sentires abrir os dedos as mãos furando olhares perdido e o coração aflito do peito quiser fugir na busca de um lugar onde ficar escondido
Quando sem ar estremecendo respirares de veias inundares as margens do corpo e um vermelho lago no rosto espelhares alastrando na alma um quente sopro
Quando o pensamento gravar como chicote rasgos de sangue na branca pele da mente e a garganta para as palavras for garrote
Quando mais nada no teu mundo existir saberás que amas alguém finalmente sem desejo de ficar nem vontade de partir
O TEU SORRISO
O teu sorriso é um poema que nasce do teu olhar tímido como a nascente de um rio de aldeia fresco como o mar prateado pelo sol poente é alegre e brilhante como uma boa ideia
O teu sorriso tem um som de sino chamando a rebate meus olhos fiéis à comunhão dos sentidos abre janelas de jade ilumina altares de anéis é mapa secreto dos meus sonhos perdidos
DEIXA-ME DA MÃO
Deixa-me da mão poupa-me desse olhar doentio de cão vadio sem dono e pára com tanta atenção que só escancara o vazio destes tristes dias de Outono
Não, não é ingratidão o que digo é sentido mar de fel revolvido por magma de vulcão amor desencontrado ou perdido vagueando errante sem perdão
Era de outro quem eu queria o olhar as palavras a mão articulada por fios de ilusão minha alma artista seria bailarina sem palco mas de coração dançando no tempo à luz do dia
O ANJO DA MORTE
O anjo da morte despindo seu hábito de trevas chega todas as noites para preparar os dias
Eu espero sempre por ele vestindo meu hábito de luz preso a um cordão de prata
UMA PEDRA
Uma pedra não é uma pedra é um ser vivo adormecido
CONTAR ATÉ VINTE
Repito o teu nome religiosamente como se fosse um mantra vivo no teu mundo sofregamente como se fosse a única realidade em que desapareço sem mais saber quem sou
Cem anos depois reapareço como se estivesse escondido em mim na cela do meu corpo e vagueasse errante nos labirintos da solidão buscando a luz escondida das estrelas na palma da tua mão
Ninguém sabe onde estou a lareira em que habito cercado pelas chamas do teu amor antigo minha fortaleza de luz se ao menos a dúvida me restasse se ao menos o teu olhar ilusionista continuasse a fazer magias com o meu coração…
Fecho os olhos Pausadamente e pergunto: Voltas quando eu tiver contado até vinte?
NEM COM TODO O TEMPO DO MUNDO
Chega de bater contra a rocha como um mar enraivecido de palavras caídas em abismos de silêncio
Chega de olhares desaparecidos em nevoeiros de gelo de vazios infinitos em caminhos desertos
Chega de sonhar sozinho na noite que não amanhece e de amar tanto quem o amor desconhece
Conheces o amor, pergunto (ris em silêncio) compreendo o amor não se conhece nem com todo o tempo do mundo
GENESIS
Amor foi no começo a palavra depois surgiu a luz espalhada com sabedoria para iluminar com a força da verdade a beleza da paz dos primeiros dias de pura liberdade
A TUA AURA ROSA
A tua aura rosa é chama laranja que quero sentir é voz interior que quero ouvir é melodia sem notas musicais
O teu corpo azul é palácio do céu que quero habitar é peito de mãe que quero esgotar é pecador sem pecados capitais
A tua luz branca é manhã clara que quero respirar é rosa vermelha que quero cheirar é poema sem pontos finais
O VENTO ARRASTA O VERDE DAS ÁRVORES
O vento arrasta o verde das árvores para longe dos meus olhos desabrigados dos rigores da tua ausência e chove-me na alma como na rua numa invernia de silêncio
NO DIA QUATRO DE ABRIL
No dia quatro de Abril do ano dois mil um terço do mundo vive com quatrocentos escudos cinco crianças morrem de fome em cada segundo e as águas do mar subiram um pouco mais
QUANTAS VEZES JÁ DISSE QUE TE AMO?
Quantas teclas tem um piano e numa harpa quantas cordas são tocadas?
Quantas nuvens correm pelo céu e quantas estrelas o iluminam?
Quantos litros de água enchem o mar e quantos grãos de areia uma praia?
Quantas folhas crescem numa árvore e quantos metros têm as suas raízes?
Quantos genes se contam numa célula e quantas células vivem num ser humano?
Quantas perguntas se fazem neste poema e quantos segundos passam num ano?
Quantas maçãs já comeste e quantas vezes te vieste?
Quantas vezes já disse que te amo?
AS CRIANÇAS MORREM PRIMEIRO
Quando numa monótona repetição de mim mesmo digo que és linda e te amo as minhas palavras são crianças rindo e brincando nos baloiços da sua inocência às escondidas repetindo contos lindos de infância
Abres um sorriso tímido não respondes nem é preciso basta o silêncio comprometido que não quero julgar e mesmo sem palavras só pelos olhos ou com as mãos continuarei no tempo a conjugar os tempos todos do verbo amar
O meu amor é altivo lembra um exilado no estrangeiro sem nada e sem ninguém que se ergue e entrega como inocente prisioneiro que só tem o pouco que tem mas lembra-te amor quando há fome as crianças morrem primeiro
AMOR EM CONSTRUÇÃO
Como operário o nosso amor construí pedra a pedra traço a traço o desenhei momento a momento o escrevi pedaço a pedaço poema a poema o cantei
Como criança o nosso amor inventei dia a dia noite a noite o sonhei passo a passo o percorri metro a metro pouco a pouco o alcancei
Como deus o nosso amor criei sol a sol astro a astro o concebi peça a peça o montei dor a dor pena a pena o sofri
Como lutador pelo nosso amor me bati taco a taco palmo a palmo lutei nunca e nunca desisti sempre e sempre mais e mais te amei
À TUA ESPERA
E se agora aparecesses aqui diante de mim desta minha angústia de pedra feita estátua e se eu sem dar por ti te chamasse baixinho num murmúrio de água feito mar e se tu fingindo distância respondesses sorrindo estou aqui meu amor para te amar
QUANDO MORRER
Quando morrer quero estar a escrever um poema de amor para ti feito das últimas palavras que o meu coração conseguir ditar e a mão escrever
Quando morrer quero olhar no teu rosto a mesma paz que vou encontrar para lá de nós para além daqui fora do mundo dentro de ti
Quando morrer não quero sentir mais nada além da tua mão nas minhas mãos
os teus dedos meigos em gestos estreitos adormecendo-me para sempre o coração
QUERO NASCER CONTIGO
Quero nascer contigo ver a luz da manhã brilhar nas árvores e ouvir ao amanhecer o rebentar delicado do tempo
Quero viver contigo vibrar como um cristal rindo até o estômago doer e chorar ao entardecer a beleza da criação do mundo
Quero morrer contigo estremecer no teu corpo o falo sempre sedento e amar ao anoitecer a morte do último dos sentidos
ORAÇÕES
I
Senhor dá-me a luz mostra-me o caminho Faz nascer uma flor a cada passo que der Uma fonte de vida brote de cada palavra Em tua direcção quero ir para dentro de mim Ser um sol e uma lua através de ti Viver a perfeição de cada dia no teu incomparável amor
II
Senhor aproxima a minha mente do meu coração Dá-me a confiança que provém da sabedoria e não da ignorância O desejo ardente de saber tudo sobre todas as coisas Permite-me aceder à verdade e ao conhecimento de ti Quero sentir a vontade que move o interesse e vence a indiferença Deixar de ser uma simples nuvem para ser um deus em evolução
III
Senhor ajuda-me a perceber a nossa existência como uma passagem O nosso presente como um momento entre duas existências Para não ser uma semente fechada ao crescimento Alcançar a eternidade das ondas o oceano que vive em cada gota
IV
Senhor guia-me ao que não pode ser dito Abre-me a porta do teu templo conduz-me ao silêncio Inspira-me a vida como um sonho onde tudo acontece Para cada momento ser único como um céu aberto
V
Senhor ajuda-me a ser casto sem ser assexuado Para me entregar todo à mulher que amo Ensina-me a usar o sexo como veículo de perfeição Para despertar dar e receber um amor total e completo
VI
Senhor permite-me ver o céu para além das nuvens Receber dentro de mim os pensamentos como visitas Nunca me esquecer que nenhum pensamento é meu Serei apenas uma efémera passagem no seu caminho
VII
Senhor liberta-me das preocupações sobre as coisas Que estão para além de mim e do meu domínio Quero estar sempre na direcção do teu caminho Ser uma borboleta que a tua luz imensa atrai
VIII
Senhor ajuda-me a não julgar para não ser julgado A não interpretar a parte por não conhecer o todo Ter das coisas o distanciamento que a lua tem da terra Para aceitar o que acontece com um sorriso desprendido
DESPEDIDA
No meu amor por ti há um pássaro que esvoaça sem ninho nem céu por abrigo ou destino e antes que o apanhes na tua mão com os teus olhos longínquos admira-lhe o voo um rasto colorido de penas caídas como folhas no chão Ó meu amor no meio dos desertos no secreto poço de mim tens tanta água para beberes e quando quiseres pintar eu serei a cor impossível que hás-de inventar em cada recomeço
QUANDO OS DEUSES CHORAM
Chove…e quando como agora os deuses choram a ti se entregam meus pensamentos deusa marítima que os meus sentidos adoram
O TEMPO
O tempo se pudesse sentava-se num banco de jardim protegendo-se assim cautelosamente do sol
AROMATERAPIA
Como o sol pelo dia ou a luz pela manhã entraste na minha vida como um cheiro de pão a sair do forno aroma quente de café leite morno casca de limão
Como um mar de cabelos ao vento impregnaste meu corpo como um cheiro de relva cortada a entrar na pele sabor de canela e baunilha mel a ferver terra molhada
DEPOIS DOS QUARENTA
Depois dos quarenta a vida nunca mais faz anos oferece-os como flores inesperadas ou prendas desembrulhadas e já vistas
Depois dos quarenta o tempo nunca mais tem idade bebe-se como um vinho novo envelhecido ou águas perdidas e sem fonte
Depois dos quarenta as manhãs nunca mais são velhas ensinam-nos a contar as estrelas como ilhas ou olhos de deuses no mar do céu
Depois dos quarenta ama ainda mais a vida dá-lhe ainda mais prazer e se quiseres faz-lhe ainda mais uma filha
NAQUELE INSTANTE
Naquele instante o mar nasceu doce da tua boca como um rio perdido como um raio de luz nas nossas mãos aquecido
Naquele instante um pássaro voou dócil dos teus lábios como um canto vivo como um rasto de céu nos nossos olhos escondido
Naquele instante o dia caiu quente dos teus braços como um orvalho delicado como um manto de cores nos nossos ombros esquecido
Naquele instante o amor se ergueu grande do teu corpo como uma pálpebra fechada como um mastro de água nos nossos sexos metido
EXISTO COMO ME SONHAS
Existo como me sonhas quando sou o braço invisível nos teus ombros a musica inaudível que só tu ouves ou quando sou todas as cores das pedras que descobres ou das flores que à noite se abrem nos teus sonhos
CONTEMPLAÇÃO DO CORPO
Ao contemplar o teu corpo mulher compreendo melhor esse poder dos sentidos desordeiro que fez chorar imperadores que amansou violentos guerreiros com ele quantas histórias já escreveste em caligrafias de pele em filigranas de cetins com ele quantas vezes já morreste minha tangível impressão minha sensação de sede assassino sinuoso de mim
ANATOMIA DE UM AMOR
Calmo silêncio barco à vela a partir lento passar do tempo leve sentir de vento o teu respirar
Lavra-me na pele um fogo de verão chamas de vento ar do deserto as tuas mãos
Cisnes amando-se na calma de um lago delírios de seiva escadas para o céu os teus lábios
Rios correndo negros no teatro da noite guerra de mundos ondas de mistério os teus cabelos
Murmúrios de água em brilho de pedras luz de fogueiras estrada lisa de seda a tua pele
Alma nua bebendo a frescura de um bosque passagem breve delicado toque a tua língua
Jardins árabes ocultos por muros de céu anjos nus maviosos véus os teus olhos
Mundos neles assentam e movem flores e pétalas terra benta os teus pés
PEQUENO DICIONÁRIO DE TI
Edmente – Louco por ti
Edmeamania – Patologia crónica de natureza obsessiva que provoca a visualização permanente e o pensamento constante na mulher amada. Incurável.
Edmealogia – Doutrina que estuda e analisa a doçura de carácter de uma mulher muito especial.
Edmeólogo – Aquele que é particularmente dotado de perspicácia edmeóloga, isto é, que adivinha e compreende rapidamente os sentimentos e os pensamentos da mulher que ama.
Edmeasofia – Indagação e reflexão filosófica sobre uma mulher e o seu mundo com o propósito de encontrar uma explicação definitiva.
Edmealheiro - Porquinho de barro pintado à mão onde vou guardando o dinheiro dos jantares que teimas em pagar.
Edmeirar – Aspirar o perfume da pele do meu amor…
Edmel – O sabor dos teus lábios
Edamor – Tudo aquilo que sinto por ti
Edmirar – Olhar para ti com espanto. Ficar maravilhado e surpreendido cada vez que te vejo.
Edmirador – Eu.
LIÇÃO DE AMOR
desces a partir da boca e da garganta lambes-me os bicos dos peitos e voltas a descer pela frente até ao umbigo depois não pares vai vai-me até ao sexo aperta-o suavemente desprende-lhe os pêlos abre-lhe os lábios molha-os com saliva passeia-lhe os dedos ternamente se quiseres podes enfiá-los fundo e também afastar-me por dentro as pernas devagar deixando lento na pele um rasto quente desejo tanto que o metas mas não ainda não volta-me antes ao contrário beija-me os ombros o pescoço marca-o com os dentes segue até ao fim pelas costas morde-me as nádegas aperta-as com suave força quero sentir o calor dessa mão tão boa a respiração da tua boca agora mete sim mete-me a língua macia pelo meio das coxas e faz sim faz-me senti-la como se ma metesses na boca
NÃO ESQUEÇAS
Não esqueças nunca este olhar amante que t’ateia no rosto mil fogos de instantes meus olhos em chama que em ti entram e me chamam
Lembra-te sempre destas mãos errantes no teu corpo viajantes minha paixão incontida mil atenções desmedidas que em ti lavram e me lavam
RUI 82
Suaves traços esquecidos em fragmentos de tinta na memória do tempo perdidos
Brandos sonhos lembrados em brancos espaços numa tela de luz encontrados
DESENHAR
Desenhar é como riscar o céu com o olhar tirar uma fotografia com os dedos dar à luz os sonhos pelas mãos
AMIGOS
Sentem-se e deixem-se estar diria se quiserem demorem-se nos nossos dias entrem na paisagem que nos sai dos olhos acordem-nos as mãos sempre tão próximas da fala diria que sendo o tempo tão breve o outro presente pode esperar lá longe ao norte onde a chuva tem sempre frio e o dia cedo adormece diria ainda entre damas da noite e buganvílias de estrelas que a ausência não é distância para de quem a presença se sente
Lisboa, ano dois mil, no fim d’Agosto
GOTA DE CHUVA
Gota de chuva na terra quente da minha língua milagre de dias há muito apetecidos doce sabor de uva a morar na boca alegria de encontrar sonhos perdidos
ALMA GÓRDIA
Nenhum sentido é clandestino ou perdido quando um fogo ocultista se busca fundo numa irreprimível tensão meu gáudio, nó górdio, caminho decantado às trevas Há uma gutural árvore nascendo sem tempo raiz funda de água ferida exumada de mim és ou não ciciante metáfora poema cifrado minha pena matriz Falas e lanças no escuro uma espessa dedada de luz retinta de mistificações complacentes Minha alma, rasura-me de ti
ÓPERA
Igreja de palcos altar de amantes luzes à capela heteronomia do canto exegese de vozes num ciciar iriado música de algum deus canto santo busca interior arrepiante
MEIA-NOITE ONTEM POIS
Prostrado sob o pálio da tua imagem me resigno quando o silêncio atende os telefonemas que te faço meu amor, é tão frágil esta altivez de totem índio à volta do qual dançam os meus medos e depois os poemas que te dei deixaste-os estragar no esquecimento de uma prateleira cheia de livros eu sei por isso o meu corpo traça o coração da noite a lápis de gemidos não silvestres não pacíficos em tantos riscos tantos riscos rubiscentes
LISBOANDO
És nuvem na palma da mão das colinas marca de água na paisagem com o céu ao fundo ali onde rios inclinados de ruas desaguam no mais belo dos aquedutos
Há em ti um mar branco arquejante numa paz de sono fora nada existe só a margem entre o azul e o verde
Lisboa minha raiz quadrada de tudo onde vagueio em gerúndio
OUÇO O MAR QUANDO ME FALAS
Ouço o mar quando me falas quando os teus longos dedos d’água me escorrem pela alma nua ficando no chão uma poça onde medos e silêncios se vislumbram
NA BOCA A ARIDEZ
Na boca a aridez de um sabor sem nome e nos olhos a cor da noite minha dor incógnita a chamar pelo teu nome num murmúrio branco e doce de criança cega olhos presos ao céu como duas lâmpadas sem luz acesas ininterruptamente
CORAÇÃO PENDURADO
Pendurei o teu coração na parede do meu quarto no mesmo canto onde duas velas grávidas guardam uma imagem tua de papel esse coração que em tela embrulhada me deste no dia em que não queria fazer anos no dia em que te olhei com doçura de criança me entreguei sem sofreguidões de sede e te amei com a paciência de um irmão mais velho
QUERIA SER CHUVA SE FOSSES TERRA
Queria ser chuva se fosses terra sangue nas veias a correr-te frio ou neve se lã fosses o mais suave pincel se fosses tela seria até mosca se fosses teia ou vela se te acendesses chama os dentes do teu riso ou marca de pegada se fosses lama mel seria se fosses favo ou manta da tua cama ou anão palhaço no teu circo folha voando se fosses vento
ávida boca se pão fosses anel enroscado nos teus dedos água se fosses areia ou lenço aconchegando os teus cabelos seria ainda e mais coisas estranhas os teus pés se fosses meia ou até espanhol se fosses Espanha!
PESSOA’S LAST WORDS
Dá-me os óculos para ver a morte encará-la de perto e tocar-lhe a alma num abraço forte para toda a vida
ATENÇÃO, TALENTO
Num escaparate de livraria uma colorida seta de cartolina apontava para um livro informando: Atenção, talento!
AMOR MEU
teu amor engrandece-me tua simplicidade toca-me tua timidez comove-me tua independência surpreende-me tua ternura desvanece-me teu sorriso ilumina-me tua beleza apetece-me
DIA DOS NAMORADOS
Vais abrir as janelas da casa do amor olhar nas mãos o tempo carpir os dias e aspirar o seu perfume
QUANDO COMO LARANJAS
Quando como laranjas é do cheiro que nas mãos fica que mais gosto enquanto as descasco sinto-lhes a redonda rugosidade da casca liberto-lhes suaves brisas e sem querer às vezes faço-lhes pequenas feridas donde espirram gotas de vida ácidas tantas vezes
RASGA-OS
Rasga os meus poemas e não me procures mais assim será melhor amor os poemas que eu te dei se ainda os tens não sei mas se tiveres rasga-os deixa-me sózinho porque assim eu fico bem esperando o dia de ser amado e de amar também os poemas que eu te dei se ainda os tens não sei mas se tiveres rasga-os rasga-os rasga-os
POR FIM ABRIL
Há um sol arrependido nas minhas mãos que te beija e o teu sorriso persegue o verão no céu de espelhos das nossas bocas ainda húmidas das últimas chuvas
AMOR DE TODAS AS MINHAS VIDAS
Amor de todas as minhas vidas horizonte a que nunca mais chego barco ou ponte ave tímida sobre mim a pique tinta da minha escrita visão única e breve como a serra de Sintra quando as nuvens parecem neve
NÃO ME AMES, NÃO
Não me ames não que um mar se abre a outros ventos do coração que se parte e desfaz no peito de quem lava estrelas à mão não me ames, não, desiste, o amor é utopia não existe como só os grandes amantes sabem
Eu: devíamos ser capazes de voltar a ser como crianças esquecidas de tudo o que se aprendeu, se sabe ou se viveu e começar de novo como se fossemos ainda virgens aos quarenta anos Tu: isso é impossível! Como queres que esqueça as minhas vivências? os homens que entraram por mim adentro e me fizeram ouvir os meus próprios gritos... que me fizeram sentir cheia e possuída e vencida... como queres que troque essas memórias pelas tuas que não tenho porque nunca mas deste? As tuas carícias ou me arranham ou não as sinto Eu: estás a diminuir-me com a subtileza bruta que só as mulheres são capazes esqueces que és tu que entras na cama completamente vestida e te apagas... Tu: sim! Não suporto o contacto da tua pele nem as tuas mão a escorrer-me pelo corpo, o único desejo que nessa altura sinto é fechar os olhos e ficar muito quietinha abraçada ao teu calor de forno mas nada mais que isso… não quero fazer amor... não te desejo... não me apetece ! Eu: Não sei se é o teu corpo que não me reconhece se é a tua cabeça que não te deixa o corpo libertar-se e entregar-se. Tu: talvez seja e se fôr? Eu: estou a sentir-me ridículo! Olha, volta para os teus homens ou mata-os de vez. Eles não podem continuar a dormir entre nós... e como posso eu competir com a memória de dois homens excepcionais, um dotado de um sexo descomunal e o outro que fodia como um deus... Tu: desculpa, amor, mas é o que sinto. Tenho tanta pena de nada sentir contigo… Eu: amor? Que sabes tu do amor para além de ser uma palavra de quatro letras? Eu dou-te tudo... não posso aceitar menos. A tua indiferença falta-me ao respeito, mutila-me o amor próprio. Como poderá um homem continuar a encarar-se quando a mulher que ama não o olha com aquele olhar que vê em nós tudo porque não sente com ele qualquer prazer? O teu corpo não está à vontade com o meu, desconfia dele, levanta dúvidas, ironiza, repele, está sempre forçado...os nossos corpos não se reconhecem, estão cegos um para o outro!
JÁ TIREI DE TI O SENTIDO
Já tirei de ti o sentido… não queiras ainda partir-me o coração em bocados mais pequeninos…
Sabes lá o que é o amor… pensar em ti antes de tudo lamentar a tua ausência a cada segundo…
Olha, só quando a minha barba não te picar e a sentires como uma carícia saberás que me amas acima de tudo
SENTO-ME À VARANDA DA TARDE
Sento-me à varanda da tarde e só peço que ninguém dê por mim leve é a alma destes dias branda a luz coada pelo céu de canas doce é o silêncio da madeira a sua cor estranha onde poisam as aves os olhos dormem nas palavras uma alegria calma atravessa o verão enquanto a terra nos lava as mãos e o verde da água é como sombra para as flores
AMA À TUA MANEIRA
Ama à tua maneira da forma que sabes do modo que queiras não interessa como os outros gostavam queriam ou sonhavam ser amados desde que ames inteira ama à tua maneira
AMAME
amame amame amameamame amame amame amame amameamameamame amame amame ama me sim? Não!
DEIXA ESTAR
Sei que estás por aí mas se não estiveres deixa estar estou cá eu
A QUE ALTURA ESTÁ O TEU CÉU
A que altura está o teu céu, amor a luminosa tranquilidade do sexo bem feito o estalar satisfeito do corpo parecendo morto a que distância estamos, amor, um do outro, da doce infinidade dentro da noite daquele momento fora do tempo e porque, também no amor, estamos sozinhos grita o teu amor denuncia o que sentes olha que até Deus precisa de sinos
O SILÊNCIO
no silêncio da luz dormem as cores e a noite é um silêncio negro
o silêncio é o espaço entre nós e a morte é o silêncio no corpo todo
as palavras têm o seu próprio silêncio e o perfume é o silêncio das flores
CANTINHO GOIANO
Para o Rui
Como seria se te perdesses nos anos como seria agora que o amor não é exaltação do tempo presente mas uma vogal de água ainda bem que para ti a vida tem banda sonora a música deitada de costas as tuas mãos em ramo
Agosto de 2005
GOSTO
Gosto que me prendas as mãos entre as tuas e as leves devagar aos lábios como um cálice de ternura que beijas ou bebes
PERGUNTA
O que pensas quando fechas os olhos e a noite se faz dia dentro de ti?
PAT
Neste dia irrompeu em ti um mar de lava barro ou estanho ou seria nos teus olhos o abrir do castanho a colorir o sorriso de teu nariz levantino
EUGÉNIO DE ANDRADE PEDIU
Eugénio de Andrade pediu para ser enterrado de pijama por mim enterrem-me como quiserem de preferência nu desta forma tal como me vim assim me vou
HOJE PENSEI EM TI
Hoje pensei em ti naquele momento próximo do despertar quando se sonha que se está a sonhar
FIM
Acabámos. Acabámos sim mas aos beijos e com carícias de ternura e pena, com olhos tristes e palavras dignas. Adeus amor, sem lágrimas.
ADAMASTOR
Ontem passei cinco horas na esplanada do Adamastor à espera de mim. Bebi um café e uma água, olhei o rio e li um livro quase todo. À luz do dia sucederam-se as luzes da noite e eu nunca mais aparecia.
DOMINGO
Domingo. Praia. Sol. Areia. Solidão. Afinal com um bom livro quem é que sente a falta de uma mulher?
O AMOR É O MEU DESERTO
O amor é o meu deserto a noite onde por fim adormeço à tua maneira o amor é uma espécie de morte feita de sismos repentinos só, o amor vive sempre só, mesmo assim já te disse amo-te mil vezes de mil maneiras diferentes
IT’S A PITY
Bebemos chávenas de chá verde, trocámos velas de cheiro de todos os tamanhos, corações de pano e madrepérola, livros, discos e garrafas de vinho escrevi-te poemas, pintaste-me num quadro um coração amarelo e vermelho mas não me fotografaste e a minha cama é mais agradável com o meu saco de cereais quente que contigo a meu lado
DÁDIVA
Enquanto mos ofereceres não renunciarei a sentir nos teus lábios o frio da morte
NÃO SEI SE CONSEGUIREI VOLTAR A DIZER
Não sei se conseguirei voltar a dizer amo-te e antes era tão fácil dizê-lo pelos olhos, por palavras, com gestos, através do silêncio ou da simples alegria de estar contigo.
Amo-te querido. Perdoa o meu amor. Fui apanhada como um pássaro que se extraviou no caminho Quando o meu coração foi tocado perdeu o véu e ficou ao desabrigo Cobre-o com piedade, querido e perdoa o meu amor Se não me podes amar perdoa a minha dor Eu voltarei para o meu canto e ficarei sentada no escuro E cobrirei com as mãos a nudez do meu recato
R. Tagore
MODINHA
Quer eu queira quer não queira Quer tu queiras ou não Ficarei sempre na tua vida Ficarás sempre no meu coração Parabéns alma rebelde Parabéns solitário coração
12 de Julho de 2003
PENSAMENTO BAILARINO
Há trinta dias que danças dentro de mim um pas de deux com o meu coração
PENSAMENTO SUJO
O trânsito fluía compacto como cagalhões no esgoto
PENSAMENTO REALISTA
O que sinto por ti já não é amor, é vício; já não é paixão é teimosia
PENSAMENTO DIVINO
Jesus disse: “Não penseis no amanhã. Olhai os lírios do campo, estão floridos agora.” O agora é o único tempo.
BEIJO
Náufrago no mar dos teus olhos me sinto mas não perdido antes vento de verão acariciando a rosa vermelha e bailarina da tua boca
LINDA
Vivem em ti mulheres de todas as raças numa subtil aliança entre mãe e cortesã que escondes e disfarças no teu sorriso de criança no teu corpo de garça.
LINDÍSSIMA
Cabelos africanos olhos orientais rosto europeu lábios americanos
COMO DIZEM OS BUDISTAS
Não sei se como dizem os budistas o mundo não será um deus a brincar às escondidas consigo próprio
OSHO
Em tuas palavras o silêncio fala, nos teus olhos o universo nos vê. És uma flauta nos lábios do infinito
MECO
A praia que eu mais gosto em todo o mundo é esta ampla aberta e nua onde um dia minha alma deserta se enamorou para sempre da tua.
NÃO EXISTES
Não existes. Nunca exististes. a minha solidão criou-te o sonho deu-lhe um corpo e a imaginação fez o resto.
Não sei por quem choro à noite, não sei em quem penso de dia talvez chore por mim pensando em ninguém.
O céu, o mar e a areia molhada não se conseguem distinguir partilham da mesma cor e brilho parecem saídos do mesmo útero original e a tua imagem, lânguida e serena, repousa sobre as águas
Que farás neste momento? Enrolas lentamente um cigarro por entre os dedos, Lambes bem a mortalha para lhe selar o magro corpo que prendes entre os lábios aspirando a sua mortal combustão.
CONFUSÃO
Sabia que estavas por aí Agora já não sei nada. Agora já não sei se sabia... ou se só o pensava Agora já não sei se realmente estavas
Ao Rui
CAPICUA
Desces à terra trazendo as cores dos céus que penduras nas paredes das casas para nos lembrarmos do teu riso
Outras vezes cortas as cores em bocados e ofereces aos amigos para lhes colorir a vida
Hoje é dia de capicua mas só na idade. Com que cores pintarão a sua vida as crianças de cinquenta e cinco anos?
26 em Agosto de 2002
MASOQUISMO
Olhando a linha fina do horizonte frente ao mar espero por ti como o dia espera a noite como o viajante aguarda um porto numa espera feita onda de um mar que não existe
MULHERES!
A primeira mulher a quem entreguei vinte e dois anos da minha vida, felizmente, deixou-me; a segunda mulher a quem pretendi, uma vez mais, dar a minha vida não a quis para nada; a terceira mulher com a qual estava disposto a passar o resto da minha vida pediu-me para esperar. Mulheres!
POEM FOR AN UNKNOWN WOMAN
Poucas mulheres me despertam a vontade de as conhecer Falta-me talvez o instinto predador da espécie Mas por vezes sinto “um não sei quê que vem não sei de onde” nem porquê
Que me faz querer saber mais…
Se és de água? Se és de fogo? De sol ou de lua?
Gostas do corpo, já sei Mas sentirás a vida a pulsar? Amas a solidão ou vives a sonhar… Como te sentes nua? Se habitas uma nuvem ou vieste de uma estrela ou do mar Qual o som da tua respiração Se amas amar ou não!
Quem és? Mais uma a correr na passadeira da vida
Para o R
EREMITA PINTOR
Era uma vez um pintor que só pintava fora do silêncio Sempre o mesmo quadro um atrás do outro, um dentro do outro Entre céus de ausências e ruas de um bairro antigo Eremita de si mesmo se tornou com o vagar dos anos Escondido em vida ficou como quem repousa e adormece Sem sequer dar por isso
Mas ele sabia que pintar é amar a cores a solidão da tela
Meco em Agosto aos cinquenta e nove anos
TRÉS DEUSAS
Tenho três deusas comigo.
A deusa das águas e dos céus, a deusa do amor e da dança e a deusa da luz e da sabedoria.
A deusa das águas e dos céus entrou na minha vida vinda do mar onde sempre regressa para respirar. O seu mundo é marítimo e tudo dele conhece. Também é dos céus porque é a mais espiritual e esotérica.
A deusa do amor e da dança só sabe mesmo amar e dançar e não faz mais nada.
A deusa da luz e da sabedoria ainda não entrou na minha vida e só eu é que sei. Quando o universo explodiu toda a luz da criação ficou para sempre guardada nos seus olhos e ela sabe tudo de tudo.
WISH YOU WERE HERE
Desces pelos raios de sol o trilho de areia da falésia olhar aberto sobre a distância em gestos felinos de água em passos dançantes de onda
Entras nas vagas da minha melancolia molhada e nua eternizando num simples olhar fugaz a minha solidão de areia e o mar da praia dos meus sentidos
Mulher só em pensamentos de fumo e olhos de mar será que procuras no areal com a alma nos dedos tesouros ocultos amores escondidos um pedaço de mim?
Talvez não seja ainda tarde para gritar por esse corpo e para prender o meu olhar de sal no mistério do teu cabelo e nele esconder o espanto dos meus olhos
Nada sei de ti nem sequer o rio do teu nome és bela e chocaste contra mim como um oceano mas sinto como se ouvisse a secreta respiração de um sonho
Rio da Prata 07
CINQUENTA ANOS
Cinquenta anos. E chegado aqui sei apenas algumas coisas. A primeira é que todos estamos sós e, no mais fundo de nós mesmos, continuamos à espera de um milagre que mude as nossas vidas. A segunda é que as coisas mais simples são as mais difíceis de alcançar, como amar e ser amado. A terceira é que a vida é um milagre que nos acontece sem que façamos nada para isso e que deve ser vivida um dia de cada vez. E por último que tudo é breve e relativo.
BLIND DATE
Ao encontro cego te entregaste fosse o que fosse, viesse o que viesse, pensaste. Não sei o que achaste, talvez estranhando gostasses do sabor da poesia do calor das palavras sussurradas do som da lareira feito maresia das caminhadas ou do vento quente que soprava mas não penses sente se pudesse pensar o coração parava
BLIND DATE
Ao encontro cego te entregaste fosse o que fosse, viesse o que viesse, pensaste não sei o que achaste talvez estranhando gostasses do sabor da poesia do calor das palavras sussurradas do som da lareira feito maresia das caminhadas ou do vento quente que soprava mas não penses sente se pudesse pensar o coração parava
VOTO
Para que a sorte tenha Ao longo da tua vida Até aos seus momentos finais O peso e o tamanho Do maior dos animais
EUMECO
Sou para os meus amigos e todos aqueles que gosto de amar um espaço de liberdade perto do mar
A NOSSA SINA
Frequenta os nossos sentidos e percorre-nos os corações esta estranha inquietude esta inquietante estranheza que faz de nós seres perdidos nómadas de afectos e coleccionadores de emoções
ANÚNCIO
Cúmplice procura-se para uma vida a dois de entrega e partilha e atenções
INSTANTE
Vieste e partiste Chegaste e saíste Entraste e fugiste Sem darmos por isso
NÃO DEIXES CAIR O PANO
Já não há aplausos nem flores e há muito que não agradeces com vénias à boca de cena mas não deixes cair o pano na tua vida ou sobre ti a plateia não te agradece nem na tua dor se reconhece eu serei sempre o teu maior admirador que te enaltece e envaidece com palavras simples de amor
INVENÇÃO DO AMOR
Nas tuas mãos repousa a minha vida Falta-me um gesto teu para acordar Pássaro triste asa enfraquecida Sem o teu corpo o céu para voar Nas tuas mãos deixei a minha vida parar
Se tu soubesses tudo o que eu invento Se adivinhasses quando eu te chamo Amigo noivo nardo irmão lamento Rosa de ausência que desfolho e amo Se tu soubesses como o tempo é lento esperando
Tu voltarias como o sol na primavera Trazendo molhos de palavras como cravos Trazendo um grito de uma força que se espera E cheira a seiva medronhos bravos
Tu voltarias como a chuva no Outono Trazendo molhos de palavras como nuvens Trazendo a calma que abre as portas para o sonho Trazendo o corpo sabendo a uvas Tu voltarias cantando
Nas minhas mãos renasce a nossa vida e sei que posso falar-te a toda a hora Basta cantar-te para possuir-te És o sítio onde o canto se demora Estou a inventar-te e a destruir-te agora
Ary dos Santos
SÓ
Eu só quero estar só Respeitem a minha solidão Deixem-me em paz Não me forcem a viver fora de mim próprio
A tristeza é só minha ilumina-me como uma vela e eu choro por dentro sem lágrimas e em silêncio escondido de mim e de ti e só quero estar só
MORTE EM VENEZA
Morro de tanto olhar este mar de saudades, as velas ao vento dos cabelos em ondas, o barco do corpo em contraluz, amar, o meu último sopro
AZUL
Já tinha visto os teus olhos nas asas das borboletas que perseguia em criança
Os teus olhos cantam o nascimento das cores que vivem no grande silêncio da terra quando vista do espaço
É uma cor feita de água debruçada nas tuas pálpebras lentas onde a beleza adormece ao som de cânticos
Abraço a nudez desse olhar e quase morro só de o contemplar
A MAGIA DAS PEDRAS
Para a Joana
A magia das pedras ou seriam as mãos de água, óleo ou jasmim acariciando um corpo sem principio nem fim no cinzento das salas à luz de velas ao som das palavras ditas em silêncio
Meco, 22 de Julho de 2007
A SURPRESA
Para o Rui,
A surpresa abate-se inteira na calada da noite frente ao rio A surpresa é quente e súbita A surpresa cai. A surpresa voa para longe levando os nossos corações sem voz A surpresa é. A surpresa acende um rastilho de água nos nossos olhos abertos de espanto
Quando quer a surpresa também mata mas para morrer não é preciso viver tanto
Meco, 26 de Agosto de 2007
ECLIPSE TOTAL
No luto das cores um eclipse nasce de um outro olhar num desígnio esmagado pelo luar de um céu de que não me lembro não me lembro mesmo de nada e assim desapareço com a vida nos dedos
EPITÁFIO
Ao Romeu
Como uma vela de amor Iluminaste-nos até ao fim e depois apagaste-te
Dormes agora coberto por um manto de cores em flor
quando florirem será como se sorrisses
A MULHER CERTA
Para a Fatu com a maior admiração
Ela voa, selvagem do coração Flor de montanha, força doce
A sua luz tem uma cor estranha Tudo nela nos pede água porque nos põe em fogo Sem palavras e sem chamas Só com o seu riso súbito bruto e rouco
Olha a chuva, como cai aqui Olha, Inventa ou imagina se não souberes explicar a razão de seres pura beleza insensata Perdoa, mulher, se gostamos de ti
Beato, 6 de Fevereiro de 2008
UM CALMO BRILHO DE MAR
Para a Paula no dia do seu aniversário
Já tinha visto os teus olhos nas asas das borboletas que perseguia em criança
Eles cantam o nascimento das cores que vivem no grande silêncio da terra quando vista do espaço
É um olhar de uma cor feita de água debruçada nas pálpebras lentas onde a beleza adormece ao som de cânticos e a todos ilumina com um calmo brilho de mar
18 de Abril de 2008
I POD
Um amor antigo talvez som de voz ou música interior cantada em sussurro ao ouvido e devagar muito devagar
FRACTAIS
Objectos que se quebram nas suas linhas, cores e texturas perante o olhar do tacto. Esplendor de cores ou murmúrios berrantes de vento que parecem, quando em movimento, loucuras brandas no feminino ou a alma do caos em silêncio.
Fractais ou fracções de pensamentos no espaço, suspensos na vida como metáfora de todos nós, isto é, coloridos objectos de infinitos detalhes e de padrões repetidos na eterna geometria dos afectos.
A FAZER AMOR JÁ GRITEI
A fazer amor já gritei, ri e chorei Já o fiz calado e com gemidos, sensível ou embrutecido Já fiz amor sentado, de pé e deitado por cima, por baixo e de lado na cama, em sofás ou em tapetes e até no frio do chão já o fiz entrando pela frente e por detrás como missionário ou em sessenta e nove com a língua ou com a mão já o fiz ao nascer e ao pôr-do-sol na areia das praias e nas águas do mar no duche e em banhos de imersão à sombra de pinheiros em carumas de edredão em profundo silêncio ou com fundo musical Já fiz amor durante horas e em poucos minutos por vezes não o consegui fazer já o fiz durante o dia e à noite escondido ou em segredo já me ouvi a mim próprio e cheguei até a ser escutado já o fiz cheio de vontade e com indiferença rígido feito pedra ou voando como uma ave no carro e em qualquer divisão da casa desde o céu de um sótão às profundezas de uma cave
FEEL HE PA
Posso chamar-te sem voz pois sei que me ouves Imaginar-te tão só pois sei que me sentes sem que o saibas de verdade
Posso ver-te de olhos fechados, sentir-te sem te tocar e passar por diante de ti sem que o saibas na realidade
Posso renunciar ao teu amor adolescente pôr o meu ar mais sério e desistir de mim sem que saibas a verdade
Posso ser tudo o que quiseres como o pai a quem dares a mão o brilho do teu olhar ou o teu animal de estimação
Posso ser ainda mais e porque não o sopro do teu coração a linha do teu horizonte ou o teu professor de distribuição
O teu olhar tem o brilho das pedras preciosas
FIRST EXPOSITION
Insubmissa na sua constante fuga da lógica, a pintura de Francisco Rousseau busca o intangível, o irreal, o onírico da cor numa rebelde insubmissão às formas arcaicas e convencionais.
A liberdade das formas e dos pensamentos que as geram são uma constante desta pintura não só de ruptura mas de repúdio dos lugares comuns e académicos mais vulgares como o acabamento, o pormenor ou a perspectiva.
Nestas obras as imagens erguem-se como campos de incêndios inesperados, em fuga por abismos sem sombras colhidos pelos nossos olhos surpreendidos. Dir-se-ia que nelas não existe inocência, só talvez, memória por onde nos tocam as jovens mãos do desejo.
Como dizer palavras que não existem e sons que se não ouvem? Eis a proposta: colagens de cores esquecidas e reinventadas, lavadas, que se as olharmos com atenção nelas sentiremos muito vivo o fim de um tudo ou de um nada.
Lúcia
Podem ler-se estas paisagens como um milagre da ressurreição de tecidos ou um prodígio de aproveitamento de trapos, em formas subtis e modestas, como arco- íris e flores de pano, chapéus imaginários, árvores de sonhos a cores com pássaros empoleirados nos ramos. Recuando no tempo, de volta à infância dos nossos sentidos, podemos colher as flores, entrar na parte mais quente das inúmeras casas, abrir as janelas fechadas, sentir a bruma das cores e ouvir uma voz estranha, um tudo ou nada rouca, como quando se tem de emoção, um embargo na garganta. Podemos também mover os olhos, lentamente, de mão dada com uma infantil atenção e depois parar bem no meio destas imagens simples, mais paisagens de, montes e vales como seios estranhos, cidades de casas cómicas, aves em céus castanhos. Vive nesta obra uma história de vida, um olhar das coisas, não sei se do passado ou se do futuro, um espírito de anjos ingénuos a tremerem de silêncio.
P
O meu céu interior é negro mas os teus olhos são claros luminosos como um céu alentejano e calmos como a superfície de um lago
PÁSSARO SOLITÁRIO EM GAIOLA DE RIMAS
Sou um pássaro solitário Sem fêmea e sem crias Voo no meu imaginário Prescindo de companhias
O amor nega a morte E dá sentido à vida Às vezes falta a sorte Tantas ocasiões perdidas
Tenho uma dor no peito Talvez por amar demais Se não fosse desse jeito Não saberia viver mais
Meu coração é um lugar triste Embora não vazio nem gasto Só deu o que não pediste Um amor puro e casto
Lembrar-te já sem chorar Rever-te sem querer fugir Sentir vontade de amar Querer dar sem ter de pedir
Esquecer-te? Inútil e cruel Pior que lembrar o teu olhar Feito de chama luz e mel Mais fácil seria esvaziar o mar
BAILADO
Vi mazurca fogo de Pina Bausch Sublime. Tal como esperava. De pé. Sozinho. Na galeria. Chorei e ri. Oh meu amor triste, Minha dança sem par de mim
PATÉTICO
Entrou na minha vida uma loucura branda De olhar de crista e doçura tímida Oh meu amor adolescente e senil
ATOPOS RAJAS
As mulheres têm esta capacidade que lhes nasce do ventre. Surgem-lhes pensamentos quentes por dentro das mãos. Quase se consegue ouvir a memória dos signos dando novas formas ao coração, formas místicas de véus e vénias como pequenos e coniventes objectos e sujeitos de desejo. São lugares puros feitos de silêncios interiores que saltam de flor em flor, de linha em linha, num mundo voltado para dentro de si próprio. São estórias sem história, delicadas, por exemplo, há um espanto redondo pendurado ao peito, outro caído do pescoço e os dedos perdendo-se nos sonhos perfurados por finas agulhas. São máscaras que se escondem sem mentir num imaginário andrógino, num teatro de paixão onde se representam peças tais como brincos, pregadeiras e colares, bordados a luz e tecidos a cores. São jóias únicas e ascéticas representando não sei se sóis se luas, numa atopia que fascina por imprevista e inocente. Olhamo-las e ficamos por instantes surpreendidos, numa breve apneia dos sentidos mas logo depois tocamo-las com a intimidade de amantes. O suspiro criador também é feminino e escorre solícito em direcção ao Oriente, a memória mais antiga.
MIL DIAS DE LUTO
Mil dias de luto se passaram sem ti E não sei o que mais me doeu Agora e aqui Na neblina desta ausência Se a espada da abstinência Se a esperança que faleceu Neste desperdício de tempo
AMAR É ESTAR SEMPRE CHEGANDO
Quando te conheci Desconhecia ter chegado Agora que te perdi Sinto não ter regressado
A CASA
Para o Rui no seu aniversário em 2008
A casa era um útero a que o homem regressara. Voltara donde partira: ao quintal seu território de infância às janelas abertas ao vento, aos candelabros de cristal
Na sua noite a noite, o homem comia e bebia, dormia e acordava, lia e ouvia, por vezes chorava A casa respirava sobre quem nela entrava tocando-nos impudicamente
A casa escrevia-se nas paredes. O homem torturava-se a olhar. Já nada podia fazer senão renascer e sonhar