Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

MARCOS PEDRO MAGALHÃES ROSA

O ESPELHO DE VOLPI: O ARTISTA, A CRÍTICA E SÃO PAULO NOS ANOS 1940 E 1950

Campinas 2015

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A comissão examinadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação, composta pelos professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada no dia 10 de Dezembro de 2015, considerou o candidato Marcos Pedro Magalhães Rosa aprovado.

Profª. Drª. Heloísa André Pontes

Profª. Drª. Ana Paula Cavalcanti Simioni

Prof. Dr. Luiz Gustavo Freitas Rossi

A ata de defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno. Resumo

O pintor (1896 – 1999) nasceu na Itália e se formou em São Paulo no contato com artistas imigrantes. Ele é considerado, por diversos estudiosos, um dos mais importantes pintores brasileiros. Vários críticos dedicaram-se às suas obras, quase sempre recorrendo a uma narrativa a respeito de sua biografia e personalidade. Essa forma de analisar Volpi, embora exista até hoje, remonta a Mário de Andrade (1893 –1945) e Mário Pedrosa (1900 –1981). Mais precisamente, ao período entre 1944 e 1957, quando, em São Paulo e no Rio de Janeiro, aconteceram importantes exposições do artista. Respectivamente, a primeira mostra individual e a primeira retrospectiva. É nesse período que Volpi é abrasileirado e ascende ao nosso panteão. Tomei essa personalidade pública como foco de análise, o que significa que me debrucei sobre a relação entre os críticos de arte e o próprio artista no período em que Volpi atuava. Há um diálogo entre as expectativas dos primeiros e a produção do segundo. Nessa conversa, mais ou menos tensa, a noção de pessoa, tema clássico da Antropologia, é mobilizada para embaralhar a posição do sujeito e sua obra. Nessa dissertação, ambos, pintor e pintura, criam-se simultaneamente e dividem a prerrogativa heurística para apreensão do processo. É, ao abrasileirar Volpi, que os críticos conseguem renovar a história da arte e relativizar os cânones que já haviam se estabelecido. Ou seja, é ao instituir uma personalidade específica, um proletário com pendor artesanal e isolado no subúrbio de São Paulo, que os críticos e o artista fizeram a história da arte nacional se desenrolar. Esse processo, analisado por outro ângulo, revelou a importância das redes de artistas imigrantes em São Paulo e a centralidade de instituições, como os colégios técnicos, que, na capital paulista, possibilitaram o surgimento de uma iconografia brasileira feita por imigrantes e filhos de imigrantes. O artista, por meio de sua obra, e a crítica de arte são espelhados um no outro. Ambos revelam uma negociação ao redor das ideias de nacionalismo e modernidade que situa e consagra Alfredo Volpi.

Abstract

The Mirror of Volpi: the artist, the critic and Sao Paulo in the 1940-50’s

The painter Alfredo Volpi (1896-1999) was born in Italy and raised in Sao Paulo beside immigrant artists. He is also considered, by many scholars, one of the most important Brazilian painters. Several critics analyzed his work, almost always resorting to a narrative regarding his biography and personality. This way of analyzing Volpi, although still present nowadays, date back to Mario de Andrade (1893-1945) and Mario Pedrosa (1900-1981). More specifically, to the period between 1944 e 1957, when, in Sao Paulo and Rio de Janeiro, important exposées of Volpi‟s work took place. Respectively, his first individual display and the first retrospective. It is in this precise period that Volpi pointed Brazilian and ascend to our pantheon. I took this public personality as analytical focus, which means that I leaned over the relation between art critics and the artist himself, as well as the dialogue between their expectations and his artistic production. In this relatively tense conversation, the notion of personhood, a classical anthropological topic, is deployed to shuffle the subject‟s position and his work. In this dissertation, both painter and painting create themselves simultaneously and divide the heuristic prerogative for that process‟ apprehension. In making Volpi Brazilian, the critics manage to renew the history of art and render relative established canons. Put it differently, in instituting a specific personality – an isolated proletarian man living in the Sao Paulo‟s suburbs with artistic penchant – the artist and his critics uncoiled the national history of art. That process, viewed by another angle, revealed the importance of immigrant relation nets and also the centrality of institutions, such as the technical schools that, in sao Paulo, made possible the outcome of an Brazilian iconography created by immigrants and their children. The artist, through his work, and the art critic are mirrored in one another. They both reveal a negotiation surrounding ideas about nationalism and modernity that locate and consecrate Alfredo Volpi.

Agradecimentos

Começo receoso esse agradecimento. Ele só pode ser uma traição. São muitas as pessoas a quem devo e a economia de palavras e memórias me obrigarão a deixar a maioria de lado. Continuo a escrever com o dever da justiça: algumas pessoas são tão importantes que não mencioná-las seria pior que a deslealdade.

Evidentemente há a infinidade de funcionários que não me lembro do nome e muitos que só conheço pelo resultado de seus trabalhos: dentre eles está a maioria dos funcionários dos arquivos, bibliotecas e museus que frequentei. Os funcionários do MASP, do MAC, do MAM-RIO, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, da biblioteca Alfredo Volpi, da biblioteca do Instituto de Artes, de Estudos da Linguagem e o de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP. Da biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da USP, do centro de documentação Alexandre Eulálio, do arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo. E também os funcionários da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, que patrocinou essa pesquisa.

À Camila, devo agradecer pela ajuda em momentos difíceis e pelas risadas. À Carol, Adriana, Jana, Chun, Babi, Adriane, Thainã, Thami e Raquel por viver junto.

À Ju, Allão, Anita e Ligia por terem sido minha casa!

Por todas as cervejas, conversas e descobertas, eu agradeço aos colegas da Bienal. Em especial à Ju, Tânia, Maria, Vini, Caio, Fabana e Naka. Ao Lucas, que foi meu professor, e à Rê, por me mostrar a beleza e a arquitetura dos caminhos paralelos.

Por todas as sextas feiras, trocas e divisões de angústias, eu agradeço aos colegas de Mestrado. Em especial ao Rafa, com quem tenho muito a aprender. À Tatá, pela facilidade que é estar junto. À Ju, por dividir comigo aquelas águas escuras. À Andrea, pelas leves confusões.

Ao Gustavo, Sobral e Vitor que também leram o meu projeto e o comentaram com generosidade.

À minha mãe que sempre esteve comigo, em todos os sentidos e em todas as dimensões. Ela, eu carrego nos espaços entre as letras e no coração. Ao meu pai, pelo apoio e pelo mistério que, às vezes, se abre ao bom descobrimento. À tia Lúcia, em

quem sempre penso com carinho. À minha vó que me mostra a beleza das rochas. À minha outra vó, que me ensinou que uma vida mal vivida é veneno.

Ao Marco Antônio Mastrobuono, que aceitou me receber. Na nossa conversa eu pude ver um Volpi vivo.

Aos professores do centro de pesquisa de Arte & Fotografia que me receberam como aluno ouvinte. Dentre eles, um agradecimento especial a Tadeu Chiarelli. Aos meus professores do IFCH, pelo aprendizado e generosidade. Dentre eles, agradeço especialmente a Jorge Coli, Guita Grin Debert e Luiz Marques, que me ensinaram a ver. O professor Omar está no começo dessa pesquisa e ainda o reencontro quando me pego pensando de uma ou outra forma. Silvana Rubino participa dessa pesquisa não só como professora. Agradeço a ela e ao Sérgio Miceli pelos comentários certeiros na banca de qualificação. À Professora Ana Paula Cavalcanti Simioni e ao Professor Gustavo Freitas Rossi, que compuseram a banca de defesa e comentaram a minha dissertação de forma cuidadosa e instigante.

À Helô, minha orientadora, por tudo. Hoje é difícil mensurar o tamanho de sua importância. - Você apostou em mim e nessa dissertação; você possibilitou o espaço para que eu pudesse pensar sobre Volpi. Só em diálogo com você, eu pude estruturar a maioria das minhas ideias... E sua leitura atenta e presença segura são enormes privilégios que carrego. OBRIGADO

Suma rio

Introdução ...... 10 O gênio do lugar...... 29 O círculo...... 49 A linha ...... 67 Epílogo ...... 91 Referência bibliográfica ...... 99

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Introduça o

Alfredo Volpi viveu quase cem anos (1896 – 1988) e foi pintor da década de 1910 a 1980. Mesmo hoje, quase trinta anos após sua morte, sua presença é marcante: em vida foi considerado o maior artista nacional e no presente é destaque do nosso panteão.1

Ele atravessou, ainda vivo, toda a história da arte moderna do país. E sua trajetória alinhava períodos que, aos olhos da historiografia consagrada, são marcados por rompimento. Sua carreira inicia-se em São Paulo, no meio migrante, provavelmente na década de 1910, num contexto aparentemente à margem da célebre semana de 1922, mas que nem por isso, passou à baila do modernismo, ela perpassou a década de 1940 e 1950 com a consolidação de um abstracionismo internacional e, mais tarde, o neoconcretismo.

Trata-se da história de um pintor que, só recentemente, foi sistematizada no formato de biografia.2 Ao longo dos anos, ela era invocada quase como uma lenda ou uma mitologia. Várias pessoas o descreviam, em especial críticos de arte, cada uma dizia coisas diferentes, mas todas com um núcleo comum que pode ser bem visualizado no convite de uma exposição realizada em 2007, no Museu Oscar Niemeyer em Curitiba.

1 Mário Pedrosa, em 1957, aclama Volpi como “o mestre” daquele tempo. Pedrosa era o mais influente crítico daquele período e sua admiração por Volpi não era isolada, mas compartilhada por diversos outros intelectuais. Mais recentemente, o crítico Rodrigo Naves cita Volpi juntamente com Aleijadinho como o único artista nacional cuja reputação é inquestionável. Cf. Mário Pedrosa, O mestre brasileiro de sua época, 2011 [1957], p.71. Rodrigo Naves é um crítico atuante na contemporaneidade e essa informação pode ser conferida na edição de 2011 de seu livro A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. P. 17. 2 Trata-se da bibliografia escrita pelo colecionador de arte Marco Antônio Mastrobuono, Alfredo: pinturas e bordados, 2013.

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A parte externa do convite é um anuncio da exposição e traz uma tela de Volpi fragmentada. A tela realiza a função de fecho e mantém o convite cerrado.

A parte interna traz uma fotografia do pintor, em roupas cotidianas, à mesa do jantar. Não há outras informações no convite além da localização, dos patrocinadores e dos horários da exposição. Todo o discurso centra-se nesse senhor idoso que se abre para uma relação amistosa a um observador situado como um interlocutor numa conversa à mesa.

A lógica do convite iguala uma visita à exposição com uma visita ao pintor. No entanto, Volpi não estava mais vivo, morrera em 1988. Mas, se a presença do pintor era fisicamente impossível, a de sua obra possibilitava o evento. A fragmentação e a transformação da tela em fecho torna a pintura subserviente ao discurso sobre um

12 sujeito em suas roupas simples, localizado no seu ambiente doméstico, distante, portanto, de discussões públicas e cosmopolitas sobre arte.

Quem tem alguma familiaridade com a obra de Volpi, seja na posição de crítico, de artista ou de admirador, sabe que o pintor está na sua própria casa, num sobrado no bairro Cambuci, em São Paulo. Mais especificamente na Rua Gama Cerqueira nº 54. Com efeito, Volpi foi apelidado por Mário Pedrosa em 1957 de “insular do Cambuci”. Um título que, ao mesmo tempo o situa no subúrbio (hoje o Cambuci não é mais, mas na época o era) e o isola do restante da cidade, em especial dos centros urbanos, onde se localizariam, segundo Pedrosa, as grandes discussões internacionais sobre arte.

Entender essa simplicidade, esse isolamento e o vínculo dessas características com certa ideia de Brasil, perpassando uma experiência social imigrante na cidade de São Paulo, é o foco dessa dissertação. De Mário de Andrade (1893 – 1945) a Mário Pedrosa (1900 – 1981), Volpi sempre foi descrito como humilde, calado e de alguma maneira, um brasileiro. Trata-se de uma personagem da cidade de São Paulo, palco para um contingente enorme de imigrantes.3 Volpi nasceu em Lucca, na Itália, veio para o Brasil aos três anos e tornou-se pintor num meio artístico paulistano ocupado por estrangeiros. O queijo e o vinho, na fotografia, sobre a mesa são heranças dessa origem. Ele produzia telas e as lendas sobre ele, críticas de arte em sua maioria, eram produções culturais de literatos advindos de famílias tradicionais paulistanas.4

A mitologia de Volpi começou a ganhar importância ao ser narrada por Mário de Andrade na virada da década de 1930 para 1940.5 Esse crítico o descrevia como membro de um grupo, e esse grupo de artistas como liminar ao mundo da arte. Volpi, assim como os outros membros desse grupo, seria proletário, operário, artesão e sua arte

3 Os textos de Mário de Andrade são analisados no Capítulo 2. Para uma boa análise e descrição do enorme contingente de imigrantes em São Paulo no Século XX cf. Michael Hall, Imigrantes na Cidade de São Paulo, 2004. 4 A presença de imigrantes no meio cultural paulistano e sua relação com os membros de famílias tradicionais paulistanas são comentadas com mais vagar no Capítulo 1. 5 Cf. Mário de Andrade, Esta Paulista Família, 1971 [1939]. Um Salão de Feira 1, 1941. Um Salão de Feira 2, 1941. E Ensaio sobre Clovis Graciano, 1971 [1944].

13 seria inteira devedora da psicologia que a classe condicionava. O isolamento seria em relação aos artistas da geração de 1920, aos ricos e aos próprios críticos de arte.6

Essa liminaridade vai constituir-se, no que diz respeito a Volpi, em excepcionalidade, em raridade. Nos anos seguintes às críticas de Mário, as descrições o individualizaram, tornando-o não só proletário, mas o “insular do Cambuci”, bairro do subúrbio paulistano no qual, segundo as críticas, ele teria crescido ingênuo e silencioso. Essa singularidade, no entanto, não rompeu com o enquadramento de classe que Mário de Andrade havia conferido a esse artista. Pelo contrário, todas as características apontadas nele são ancoradas na posição social.7

Há pouco tempo, Marco Antônio Mastrobuono, um colecionador de arte brasileira que se diz, e provavelmente o é, o maior colecionador de Volpis, descreveu-o, numa conversa comigo, como um Zen. Realçava, com isso, a relação orgânica do artista com o pincel: um como extensão do outro. A pintura surgiria como o respirar, como algo absolutamente espontâneo.8 Relatou-me também que gosta das telas de Volpi porque a pessoa é muito mais bonita do que a obra que produziu. O que o cativaria seria a capacidade volpiana de viver desinteressado, sem as necessidades do pensamento ambicioso e pragmático que governaria o cotidiano dos humanos comuns. Esse artista, segundo ele, teria vivido alheio ao que chamamos de destino, de linearidade da vida. Teria vivido um dia de cada vez, cada momento de forma única e espontânea, e seus quadros seriam pegadas na areia, deixadas por um homem excepcional.

No conjunto dos textos que visam descrever Volpi; as críticas, as homenagens e as reportagens; encontramos um homem humilde e calado, que gostava de usar tamancos confortáveis, que tinha a rotina composta por refeições, pintura e jogos de paciência. Que usava sempre o mesmo baralho, velho e gasto pelo tempo. Que fabricava suas próprias telas, suas tintas e até mesmo o cabo do martelo que usava.9

6 A versão mais acabada das críticas de Andrade tomou corpo em 1944 no Ensaio sobre Clovis Graciano, 1971 [1944]. Esse assunto será tratado com mais cuidado no capítulo 2. 7 Confira as críticas de Mário Pedrosa da década de 1950 sobre Volpi. É desse crítico o título de “Insular do Cambuci”, Mário Pedrosa, Volpi -1924 – 1957, 1998 [1957] e, do mesmo autor, O mestre brasileiro de sua época, 1998 [1957]. 8 Entrevista realizada em 24 de Janeiro de 2014. 9 Sobre os tamancos, ver Catia Kanton, Volpi, a sabedoria da pintura, 2002. Quem o chamou de insular do Cambuci foi Mário Pedrosa. Volpi, 1924-1957, 1998 [1957]. O alheamento à arte também está expresso nesse texto de Pedrosa. Sobre o jogo de paciência, ver, por exemplo, Olívio Tavares de Araújo, Dois estudos sobre Volpi, 1986. As demais informações foram colhidas em entrevistas com

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Quando, na década de 1930 e começo da de 1940, os críticos analisavam os quadros dos pintores daquele grupo e consequentemente de Volpi, eles ressentiam-se de uma falta de genialidade ou síntese, da escassez de imaginação.10 O paradigma reinante era Cândido Portinari (1903 – 1962), pintor de predileção de Mário de Andrade – crítico de maior destaque e relevância na época.11

Na comparação entre as primeiras pinturas de Volpi e as pinturas de Portinari, o contraste é elucidativo:

colecionadores, críticos, artistas e curadores. Quase todos (se não todos) os termos repetem-se em boa parte dos comentários sobre Volpi. As referências bibliográficas dessa nota devem ser tomadas como exemplos. 10 Como exemplo, cito um texto de 1939 e outro de 1944. cf Mário de Andrade. Op.cit, 1971 [1939] e Mário de Andrade, op.cit., 1971 [1944]. 11 Sobre a centralidade de Portinari, um bom exemplo é o relato de um autor que viveu o período como Paulo Mendes de Almeida, De Anita ao museu, 1976, pp. 141-155. Uma boa análise da relação entre Portinari e Mário de Andrade atenta a como o crítico se espelhava no pintor e ao papel que Portinari ocupa na concepção de Andrade do que era o modernismo, é encontrada a de Tadeu Chiarelli, Pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade. 2007, pp. 123 – 141, Uma análise muito fina que posiciona Mário de Andrade como central à compreensão da arte no período de 1940 e 1950 , que observa Portinari como um inventor de poéticas que agradavam a Mário de Andrade e reafirma a centralidade desse pintor perpassando os gostos do crítico é a de Nelson Aguilar, Figuration et spatialisation dans la peinture moderne brésilienne: le séjour de Vieira da Silva au Brésil (1940-1947). 1984.

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PORTINARI, Cândido. Café. 1935. Óleo sobre tela. 130 x 195 cm. Museu Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro

VOLPI, Alfredo. Paisagens. Déc 1920 ou 1930. Óleo sobre tela. 39 x 48 cm. Coleção Mastrobuono. São Paulo.

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Em café, Portinari cria dois caminhos em perspectiva na invenção de um espaço ideal onde é alocado um inventário de gestos, tensões ou poses próprios à cafeicultura, e consequentemente à vida econômica e social no Brasil. No tratamento dos volumes dos corpos (que se assemelham às sacas de café), na construção da montanha ao lado direito da pintura, há uma reminiscência da pintura mural renascentista e pré-renascentista, em especial de Giotto. Trata-se da arte clássica mobilizada como repertório para um discurso sobre o Brasil.12

Muitas das primeiras pinturas de Volpi, em especial as da década de 1920 e 1930, também se dedicam a cenas de cotidiano. Essa, da década de 1930, por exemplo, é uma paisagem onde dois homens realizam alguma atividade em um barco. A metade superior da tela é ocupada por uma casa sob um céu claro. Há um diálogo entre o firmamento e as águas que realçam a luminosidade da cena. Ao longe, outra construção é vista e, além dela, os morros azulados. Não há separação entre a estrutura do quadro e as pessoas: os seres humanos e a natureza compartilham da mesma substância de pinceladas espessas. Em outras palavras, não se trata, como em Portinari, da invenção de um espaço ideal para a retórica, de onde se pode retirar os atores e o mundo continuaria igual, mas da construção de um lugar que se realiza ao ser visto, ao ser pintura. É possível imaginar em Café a paisagem sem os trabalhadores. Na pintura de Volpi isso é impossível: o espaço natural e os homens são uma mesma substância diante do observador.

Infelizmente, não consegui rastrear as origens culturais dessas primeiras pinturas de Volpi. Os primeiros anos deste pintor são misteriosos. A mitologia do artista afirma seu autodidatismo, alguns historiadores da arte, como Tadeu Chiarelli, dizem que ele estudou na Escola Masculina do Brás, onde teria tido aulas de pintura com um professor italiano próximo aos pintores de mancha que, na Itália, faziam telas num movimento artístico batizado de Machiaiollo. Não consegui confirmar essa informação.13

12 A minha descrição dessa tela é muito devedora da análise de Nelson Aguilar sobre ela e outras pinturas de Portinari. Cf. Idem, ibidem, 1984. 13 A escola confirma essa informação, mas não consegui ter acesso aos documentos que a comprovam. Para complicar a situação, os próprios funcionários da escola disseram não ter certeza da existência desses papéis. Essa informação é confirmada também no verbete Alfredo Volpi da enciclopédia Itaú Cultural. O próprio Volpi, em entrevista da década de 1970, nega ter frequentado alguma escola com exceção de uma particular quando era bastante criança, e por pouco tempo. A biografia escrita por Marco Antônio Mastrobuono corrobora com a entrevista de Volpi. Cf. Tadeu Chiarelli. Um modernismo

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De qualquer maneira, há uma recorrência de pinturas de paisagens em São Paulo naquela época. Muitas dessas paisagens assemelham-se, pelo aspecto mais atento à mancha de cor que à linha, às pinturas de Volpi.14

Na década de 1930, Volpi frequentou o ateliê do chamado Grupo Santa Helena e lá travou contato com artistas que vieram da Itália trazendo para São Paulo uma arte dedicada à restauração do que se entendia como valores eternos da pintura, com efeito, tratava-se de uma releitura de formas clássicas, como a perspectiva, a volumetria ou mesmo algumas iconografias sob aspectos modernos. Esse movimento italiano estava em consonância com uma reação às vanguardas que se espraiava pela Europa e pela América.15 Lorenzo Mammì chama a atenção para o fato de que o Grupo Santo Helena, muito mais que a geração de 1920, estava atento aos limites da arte e, consequentemente, a uma ideia de que a pintura se realizava no campo da pintura e não numa retórica definida por críticos-literatos.16

Era também sob a influência desses movimentos europeus que Mário de Andrade, leitor de revistas de arte estrangeiras como L’ Esprit Nouveau, abriu seu livro Paulicéia desvairada se dizendo passadista, mais atento aos valores supostamente antigos que a tendências contemporâneas na arte.17 Se Portinari era o pintor de predileção de Mário de Andrade, isso se dava, em grande parte, graças à consonância a esses valores e à manutenção do clássico em suas obras. Se tomarmos a arte moderna

que veio depois. 2012. Pg. 29. Verbete Alfredo Volpi. . A página comemorativa dos cem anos da antiga escola Masculina do Brás, atualmente ETEC Getúlio Vargas. . As entrevistas estão arquivadas no Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo e a biografia é de autoria de Marco Antônio Mastrobuono, Op. Cit., 2013. 14 Cf. o catálogo Iconografia Paulistana em coleções particulares, 1999. E o catálogo organizado por Ruth Sprung Tarasantchi, Pintores do Litoral Paulista, 2003. A dissertação de Carlos Eduardo de Barros Moreira Pires traça relações interessantes entre a pintura de Volpi e a de alguns pintores de paisagem. Cf. Carlos Eduardo de Barros Moreira Pires Expressão e construção: Alfredo Volpi, João Cabral de Melo Neto e a arte moderna no país, 2013, pp.30 – 55. 15 Sobre o Retorno à ordem brasileiro, ou Novecento brasileiro, minhas análises são devedoras do trabalho de Tadeu Chiarelli, que se dedica construir uma história da arte brasileira pautada no metabolismo desses valores modernos de reação às vanguardas. Cf. Tadeu Chiarelli, L‟Italia è qui: uma prezentazione in: Novecento sudamericano: relacione artistiche tra Italia, Argentina, Brasile e Uruguai, 2003. Um modernismo que veio depois: Arte no Brasil – primeira metade do século XX, 2012. Pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade, 2007. 16 Cf. Lorenzo Mammì, Volpi, 2011, p. 8. 17 A relação entre Mário e o retorno à ordem internacional, as revistas estrangeiras que o crítico lia e a análise dessa passagem de Pauliceia desvairada é desenvolvida por Tadeu Chiarelli, Op. Cit, 2007.

18 brasileira como arte pós-1917, perceberemos essa reação internacional antiprogressista no horizonte de boa parte dos seus artistas e críticos.18

Na década de 1940, as telas de Volpi abandonaram gradativamente a observação do real e se tornaram pinturas de ateliê. Volpi recebera, assim que começou a ser notado pelos críticos, uma cobrança de síntese nas suas obras. Para Mário de Andrade, isso queria dizer a presença de uma retórica, em especial uma retórica do nacional: a tradição da pintura, a linguagem plástica, deveria ser mobilizada cuidadosamente com esse objetivo, sem se tornar um fim em si mesmo nem ser abandonada.19

Por um lado os críticos; por outro, os pintores italianos. A obra de Volpi se modificou, tornou-se mais sintética, sem, no entanto, apresentar qualquer pretensão de retórica. O próprio espaço pictórico, a linguagem clássica, em especial a arquitetura que, no renascimento italiano, fora personagem da invenção da perspectiva, torna-se seu objeto de reflexão. Sua síntese consiste no abandono do dispensável até a depuração de formas essencialmente planas que são recombinadas num jogo geométrico e de reminiscências de casarios e estruturas de profundidade.

A década de 1940 é o momento da morte de um dos mais influentes opositores ao abstracionismo no Brasil, Mário de Andrade (1945), e também o período em que se intensificam as exposições de arte abstrata e geométrica. Volpi frequentava regularmente o meio artístico nesse período e sua obra estava cada vez mais geométrica.

O marco historiográfico, que comumente demarca a hegemonia da abstração no país, é 1953, quando (1897 -1976) divide o prêmio da 2ª Bienal com Volpi.20 Em 1957, Pedrosa, o mais influente crítico do período, consagra Volpi o mestre de seu tempo e, consequentemente, o exemplo que deve ser seguido por todos os pintores nacionais.21 Mário Pedrosa militava pelo abstracionismo e reivindicava Volpi em detrimento de Portinari ou Di Cavalcanti, dois retóricos do que seria o Brasil. Tratava-se de fundar as novas bases para a pintura nacional. Pedrosa é,

18 Nessa generalização acompanho Tadeu Chiarelli. Idem, ibidem. 19 Esse assunto será desenvolvido no capítulo 2. 20 Cf. Ana Maria Pimenta Hoffman, A arte brasileira na segunda Bienal do museu de arte moderna de São Paulo: o prêmio Melhor Pintor Nacional e o debate em torno da abstração, 2002, p.19. 21 Pedrosa o faz ao organizar a primeira exposição retrospectiva do pintor no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro. Cf. o catálogo da mostra arquivado no mesmo museu. Cf o texto do catálogo Mário Pedrosa. Volpi – 1924 – 1957, 1998 [1957].

19 geralmente, associado a um rompimento com o contexto artístico brasileiro e à vinculação internacional, seja a favor de uma arte comunicável a qualquer ser humano (por ser pura forma) independente de nacionalidade, seja pela militância trotskista.22 Ao falar de Volpi, no entanto, falava do Brasil. Volpi não seria paulistano, seria antes brasileiro, seria a expressão do que um brasileiro faria ao se deixar levar plasticamente pelo fenômeno das cores e formas de nossos subúrbios. A arte de Volpi era a possibilidade de afirmar uma vocação concretista para o Brasil e a nação não era um tema novo para a crítica de arte. Muito pelo contrário, já estava sob holofotes quando Mário de Andrade dominava o cenário.

Na historiografia da arte brasileira, são raros os livros como os de Gonzaga Duque Estrada (1888), Walter Zanini (1983) ou Paulo Mendes de Almeida (1961) que visam um panorama histórico amplo. Independente disso, Volpi é personagem central das narrativas dispersas, que os críticos e intelectuais criaram (e ainda criam) para dar conta desse assunto.

Volpi viveu essa história de nossa arte não só como objeto das descrições, mas como sujeito e autor dela. Não escreveu, ou pelo menos eu nunca vi uma palavra escrita por ele. No entanto, pintou uma quantidade absurda de telas e, com isso, inventou uma brasilidade espontânea, doce e tranquila. Seus trabalhos foram tomados como expressão não de uma nação (como os de Portinari que representava o Brasil), mas da mente de um nacional. Volpi inventou-se ao inventar um Brasil.

“Esse pintor brasileiro, Alfredo Volpi, é mais do que paulista, é do Cambuci”. Essa era a frase de abertura do catálogo da exposição de 1957 que Pedrosa havia organizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.23 Foi a primeira retrospectiva de toda a produção do pintor e o crítico tratava de minimizar a cidade de formação de Volpi, lançando mão da liminaridade do bairro de subúrbio, impregnando-a no pintor e tornando-o brasileiro e universal.

Patrícia Reinheimer, em seu trabalho sobre Mário Pedrosa e Portinari, disserta sobre a “não linearidade” de um “processo de transformação axiológica e

22 Para uma análise conjunta da militância política e artística em Mário Pedrosa ver: Marcelo Mari, Estética e política em Mário Pedrosa (1930 – 1950), 2006. Essa relação é retomada em Patrícia Reinheimer. Candido Portinari e Mário Pedrosa: uma leitura antropológica do embate entre figuração e abstração no Brasil, 2013, Cap.2. 23 Cf. Mário Pedrosa, Volpi, 1924 – 1957, 1998.

20 epistemológica” no mundo artístico brasileiro após a segunda guerra: essas seriam “mudanças tão radicais quanto aquelas instituídas pelo romantismo na Europa através da reformulação das representações do artista e da arte moderna”. E, segundo a autora, Mário Pedrosa é um dos principais responsáveis por essa mudança histórica. Se antes vivia-se um éthos da responsabilidade social e da perícia técnica do pintor, depois instaura-se uma nova forma de viver o mundo artístico, voltada para a valorização da raridade e da excepcionalidade do artista e marcada pelo discurso da autonomia da arte. Portinari e Pedrosa seriam, então, personagens enquadrados em momentos dissonantes da história que se chocaram em situações de transformação social.24 Portinari, pela formação acadêmica que obteve antes da segunda guerra; Pedrosa, pelos contatos com a crítica e instituições artísticas internacionais e conversão ao meio artístico somente após a segunda guerra. Trata-se, para Reinheimer, da disputa entre dois “regimes de avaliação da produção artística e de representações sobre o artista e a obra de arte”. 25

A excepcionalidade de Volpi realmente cristaliza-se no pós-guerra, em grande parte vinculada à figura de Mário Pedrosa, mas a concepção de sua arte como produto de uma dimensão subjetiva e, de alguma maneira, a valorização dela por isso e não simplesmente pela perícia, é anterior e pode ser localizada no começo da década de 1940. Por outro lado, Pedrosa ainda valoriza a capacidade técnica de Volpi. Dessa maneira, realçar um rompimento de Pedrosa com o discurso nacional da arte e uma consequente modificação no mundo artístico brasileiro deve ser calibrado sob o risco de posicionar o crítico no espaço que sua própria escrita da história engendrou. Mesmo o nacionalismo (enquadrado no primeiro “regime de avaliação”) não fora abolido, sendo mobilizado por Pedrosa ao falar de Volpi.26

Onde os contadores de histórias impõem marcos e disjunções, a trajetória de Volpi revela uma gradação interna que vai de uma pintura de mancha figurativa a uma pintura cada vez mais geométrica. Como eu disse, Volpi acompanha a história do nosso modernismo. Sua carreira é anterior à semana de 22, perpassa a chamada rotinização do modernismo e continua para além da internacionalização abstrata das décadas de 1950 e 1960. Sua lenda, de uma brasilidade espontânea e simples, também é contínua e coloca

24 Cf. Patrícia Reinheimer. Op. Cit. 2013. A primeira citação é da página 17 e a segunda da página 16. 25 Idem, ibidem. 2013. 26 Patrícia Reinheimer fala mesmo da convivência dos dois regimes de avaliação. Cada ator invocaria um deles, ou elementos de um deles, para dar conta de uma situação específica. Mas, acredito que a imagem da história que sua analise cria é muito dura para enfocar Volpi que, no lugar de rompimentos em sua trajetória, parece sempre se adaptar, sem abrir mão do passado.

21 para a historiografia a obrigação de pensar uma história da arte brasileira para além dos rompimentos estabelecidos pelos críticos e, ao mesmo tempo, a partir de suas falas que não são mais as de atores principais, mas de interlocutores do artista que se realiza ao pintar.

***

Desde o ensaio Absorção e Intimismo em Volpi, de Rodrigo Naves, surgiram, pelo menos, mais três trabalhos que possibilitaram a minha dissertação: Volpi de Lorenzo Mammì, Alfredo Volpi, um moderno no subúrbio de Sônia Salzstein e A complexidade de Volpi, também de Rodrigo Naves. No primeiro ensaio de Naves, o fulcro da análise é uma dificuldade em estruturar o quadro presente na obra volpiana.27 No lugar de um projeto pré-concebido e determinado, que manipula a matéria para se realizar, o que se encontra nas telas de Volpi, segundo Naves, é uma dinâmica mais próxima a mimeses, ao ilusionismo, na qual as formas abstratas surgem da memória que decompõe o objeto. Nas telas analisadas pelo crítico, a composição impõe diferenciações demasiado sutis entre uma área e outra, nunca unívocas, sempre prontas a desaparecer.

A experiência que está na base da obra de Volpi supõe um convívio longo e paciente com as coisas. Na produção e na recepção ideal de sua pintura pressupõe-se um indivíduo absolutamente singular, a quem a familiaridade com objetos e práticas vai aos poucos fornecendo um perfil inconfundível. (...) Pede-se sim um caráter variado e generoso – nem tão austero que submeta tudo a imperativos categóricos, nem tão complacente que impeça a sua formação. Algo como um homem experimentado das cidades do interior.28 Trata-se de indivíduos que não se adequam, por exemplo, ao isolamento do drama expressionista, pois sob eles “se estende uma experiência comum que os reúne e solidariza”. Eles veem na sociedade brasileira o lugar da tirania e da opressão e vivem no “anonimato, mas na posse de singularidades irredutíveis”. A arte de Volpi engendra esse tipo de indivíduo, ela, portanto, “recusa a noção moderna de trabalho, voltando-se mais para uma atividade de ordem artesanal”: os procedimentos para a construção

27 Rodrigo Naves, A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira, 2011, pp. 191 – 207. A primeira edição desse livro é de 1996. 28 Idem, ibidem, p. 196.

22 dessas telas “se repetem, é certo, mas com o apoio de um saber acumulado durante séculos, e não em função de uma organização industrial do trabalho”.

Esse saber ancestral repleto das provações do mundo também recusa a exterioridade da ciência e sua falta de intimidade e afeição para com as coisas. O que se procura com essa experiência é a possibilidade de uma atividade ao mesmo tempo afetiva e reflexiva – ainda que corra o risco de ser tão irrefletida quanto os provérbios. Melhor dizendo, o esforço formalizador de Volpi persegue uma espécie de sabedoria em ato, em que inexiste uma separação ou precedência entre teoria e prática, pois ambos são momentos de uma mesma atividade reflexionante, avessa ao dualismo sujeito-objeto. Há muito de pré-capitalismo nessa posição. Contudo, há mais, pois também um socialismo tolerante se move sob esse manto aparentemente medieval.29 Esse recurso à pressuposição de indivíduos – seja na condição de produtores ou de expectadores – permite a Naves decantar na obra de Volpi uma visão e um discurso sobre o Brasil moderno (capitalista). Trata-se de sujeitos anônimos, dados a experimentações recorrentes, distantes, portanto, do indivíduo que toma um quadro como o produto de um projeto e que assim se apresenta, de maneira imediata e definitiva, como sujeito da ação, tal como a condição moderna deveria suscitar.

Os quadros de Volpi são então, para Naves, a indicação da

ausência no Brasil de ações que deem de fato determinação e caráter ao tempo – ou seja, a constituição de uma verdadeira história – deve ser suprida pela criação de objetos imemoriais, testemunhando a permanência cultural desse setor da população que não pode deixar outro tipo de vestígio. 30

No Brasil de Volpi – que se mantém, digamos, até a década de 1970 – é postiço falar em massa. Sem que os aglomerados humanos realizem aquela mesma experiência profunda – e, agora, coletiva – dos indivíduos, teremos apenas multidões amorfas, conduzidas passivamente de um lado para o outro. Não há como não enxergar a agudeza dessa compreensão, que de resto é também o seu limite. Na ausência de institucionalização da cidadania e de movimentos coletivos, resta sublinhar a dignidade do anonimato. Tal concepção do Brasil dispensa ilusões: como nas formas instáveis de seus quadros, os indivíduos

29 Idem. Ibidem. P. 195. 30 Idem. Ibidem. P. 202.

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de Volpi se veem sempre na iminência de submergir numa amplidão que os indiferencia.31 O ensaio de Lorenzo Mammì, segundo na cronologia a partir de Naves, reconstrói a trajetória de Volpi acompanhando os conflitos entre tradições diversas e a resolução desses impasses nas telas do pintor. Volpi é situado por Mammì no Grupo Santa Helena, na geração de 1930, onde colheu ensinamentos de um “Cézanne italianizado”, muito diferente da pintura da geração anterior, que estruturava o quadro pelo desenho. No amadurecimento da obra de Volpi, Mammì aponta também a tradição francesa (com destaque para o colorido de Matisse), os expressionismos de Segall, Goeldi e especialmente de Ernesto de Fiori, e a pintura popular.32 Toda a trajetória de Volpi aparece no ensaio de Mammì como encadeada, cada momento é a resolução de problemas surgidos no encontro de tradições novas com aquelas que o pintor já havia sedimentado em seu estilo. Essa corrente de elos entre tradições inicia-se num ponto que Mammì toma como dado. Este ponto é justamente o pressuposto de que, para o Grupo Santa Helena, pintar é um “ofício”.33

O argumento de Mammì para explicar a paleta daqueles pintores segue o mesmo pressuposto. O crítico descreve o uso da cor por Volpi, e pelos santelenistas nos anos 1930, como uma luminosidade sólida ou coagulada, que se expressa, por exemplo, na composição de um firmamento onde uma pincelada amarela aparece entre pinceladas cinza. A cor, segundo Mammì, só poderia existir para aqueles pintores como “extração da matéria pelo trabalho do pintor” e não como um pressuposto (como era entre os membros da geração de 1920).34 Os resultados dessa premissa seriam um uso tímido da cor, geralmente decorrente de uma redução drástica da paleta. Volpi seria, então, o melhor produto dessa geração que teria superado a anterior ao promover uma “integração maior entre composição, feitura pictórica e cor”, e os frutos dessa geração só serão bem visíveis nas têmperas que Volpi pintará na década de 1940.35

Isso que é dado em Mammì é o argumento de Mário de Andrade. Fora o poeta da Pauliceia quem descreveu a psicologia proletária dos pintores para explicar uma técnica que tende ao artesanato e uma timidez formal nos quadros (em especial no uso

31 Idem. Ibidem. Pp. 198 – 199. 32 Lorenzo Mammì, op.cit, 1999. 33 Idem. Ibidem. P. 18. 34 Idem. Ibidem. P. 18. 35 Idem. Ibidem. P. 18.

24 da cor).36 A partir desse argumento, Mammì analisa a proximidade entre Volpi e De Fiori. O pintor das bandeirinhas teria aprendido com De Fiori que

há muitas coisas, sob a superfície dos fenômenos, que esperam para ser ordenadas. Para ele [Volpi], porém o que caracteriza os homens e as coisas é o processo de criação, o trabalho – interioridade é atividade. Procurar uma figuração que deixe entrever o eu do artista significa, então, tornar evidente o percurso, cheio de percalços e desvios, que leva à obra acabada. Para tanto, já não serve a pincelada curta, cézzaniana, de meados da década de 1930: é demasiado objetiva e unívoca. Volpi a substitui por uma tinta mais diluída, cada camada deixando transparecer as camadas inferiores.37 Na sequência dessa citação, Mammì convoca as outras tradições que o pintor metaboliza obedecendo ao influxo de sua personalidade. Referindo-se e referendando o primeiro ensaio de Naves, vincula as imagens de Volpi a uma poética da memória e a uma ética de trabalho pré-industrial e faz de Volpi (ainda que en passant) uma ancoragem para a reflexão sobre a modernidade e o fim da modernidade brasileira.

Um ano após o ensaio de Mammì, Sônia Salzstein publicou a sua interpretação da obra do pintor.38 O texto de Salzstein descreve Volpi como um pintor que sedimentou tensões e referências incompatíveis em sua obra. Sua genialidade residiria exatamente aí. Mesmo a cor das obras que pintou nos anos 1920 e 1930 (elemento central na análise de Mammì, que a remete a um éthos artesão) é fruto da acomodação da “modernidade francesa do século XIX, filtrada, ao que tudo indica, pelo academismo de muitos daqueles professores e artistas italianos.”39

Diferente dos ensaios de Naves e Mammì, as notas de rodapé do trabalho de Salzstein são bastante detalhadas e nelas a autora desenvolve os argumentos apresentados. Seu ensaio também é acompanhado por um levantamento cuidadoso de fontes de pesquisa e de uma cronologia do pintor. Se o argumento do artesanato deixa Mammì e Naves muito próximos a Mário de Andrade, Sônia Salzstein parece mais próxima de Mário Pedrosa. Para ela, o que confere personalidade a Volpi é sua trajetória

36 Isso será desenvolvido no capítulo 2, Paisagens e sensibilidades. 37 Idem. Ibidem. P.22. 38 Sônia Salzstein, Volpi, 2000. 39 Idem. Ibidem. P. 21.

25 liminar, que “vingou como fenômeno razoavelmente isolado, em um recolhimento quase puritano em face das principais tendências artísticas do período.”40

Não se pode desconsiderar, ademais, que tal fisionomia moderna se esboçava na obra de um artista que provinha de um meio proletário, que passara aquela década de 1920 e talvez uma parte da seguinte – período de formação – alheio aos fatos que haviam agitado a elite intelectual paulista desde 1922, alheio, portanto, ao menos naqueles anos, às estripulias de Tarsila do Amaral em seus percalços para aplicar à paisagem brasileira o regime bidimensional da pintura moderna.41 Após o lançamento do ensaio de Salzstein, Naves publicou seu segundo texto sobre Volpi, no qual se contrapõe à mítica de que o pintor seria um isolado singelo, alheio ao centro das discussões da plástica moderna. Nesse sentido, Volpi emerge como um artista não-teórico, mas experimentalista que, num ambiente culturalmente muito rico, decantou sua poética na frequentação de exposições e nas rodas de convivências de pintores e críticos.42 Para Naves, nesse ensaio, a maturação da obra volpiana conjugaria “uma grande dose de experiência” plástica que o pintor entrega “traduzida, flexionada, aos olhos de quem quer ver.”43 O foco desse novo ensaio são as obras concretas de Volpi, quando o pintor estabelece uma suspensão de sua poética ambiguamente figurativa e se dedica a obras eminentemente geométricas, quando se “torna evidente que Volpi, ao menos por uns poucos anos, realmente dispôs-se a pôr de lado alguns aspectos marcantes de sua pintura anterior.”44 Após esse período, Volpi retoma a sua poética anterior incorporando elementos dessa última fase. O fim desse projeto concretista se deve, segundo Naves, à poética volpiana que é elogiosa ao trabalho pré- capitalista. Ou seja, Naves volta-se para seu ensaio anterior.

Essa progressiva ampliação da fortuna crítica de Volpi me possibilitou relativizar as críticas clássicas que ele recebeu em períodos anteriores, em especial as dos Mários, de Andrade e Pedrosa. Ou seja, ela me levou a questionar a gênese das observações desses dois intelectuais, a estranhar esse pendor proletário-artesanal e o isolamento que os Mários atribuem a Volpi, e que a crítica contemporânea mantém

40 Idem. Ibidem. P. 11. 41 Idem. Ibidem. P. 15. 42 Rodrigo Naves, A complexidade de Volpi: notas sobre o diálogo do artista com concretistas e neoconcretistas, 2008. 43 Idem. Ibidem. P. 140. Trata-se de um depoimento de Willys de Castro que Naves usa para compor seu argumento. Cf. Willys de Castro. Volpi pinta vôlpis in: Aracy Amaral (org.). Alfredo Volpi: pintura (1914 – 1972). Rio de Janeiro: MAM-RJ. 1972. P.39. 44 Idem. Ibidem. P. 143

26 intocada. De fato, isolamento e pendor proletário-artesanal são feixes pelos quais os três autores contemporâneos se aproximam dos dois Mários.

Além dos ensaios de Naves, Mammì e Salzstein, há ainda duas teses recentes sobre Volpi. A primeira é o mestrado de Paula Salgado Quintans, defendida em 2003, no Programa de História Social da Cultura da PUC-Rio. Trata-se de uma apreciação da obra de Volpi que é expressa na forma de trajetória.45 A trajetória apresentada por Quintans corrobora a que foi traçada por Mammì e reafirma a centralidade das noções de trabalho e artesanato para o entendimento da obra volpiana. O início de sua introdução parece mesmo um decalque do ensaio de Mário de Andrade, de 1944.

(...) pela pintura, Volpi busca cumprir uma ordem comum de trabalho, com um sentido amplo que relaciona o desafio particular a uma história coletiva. A partir dessa postura, um tanto contrária à noção romantizada da figura de artista, é que constrói a historicidade de sua obra.46

A segunda, defendida em 2013, é o doutorado de Carlos Eduardo de Barros Moreira Pires no Programa de Teoria Literária da Universidade de São Paulo. Nele, Alfredo Volpi é convocado junto a João Cabral de Melo Neto para “testemunharem” as mudanças complexas que se desenrolam no mundo da arte e da cultura no Brasil do século XX. A trajetória de Volpi é desenvolvida a partir do texto de Mammì e, com reservas, a partir também do ensaio de Salzstein. Inscrito no quadro mental dos críticos contemporâneos, seu desafio é traçar um diagnóstico sobre a modernidade de nosso país.47

Minha dissertação serve uma perspectiva distinta dos críticos contemporâneos e se inspira nos trabalhos produzidos no âmbito da Sociologia da cultura e da etnografia das práticas intelectuais e artísticas, com ênfase naqueles voltados para a análise do mundo cultural paulistano no meio do século XX. Dentre estes, destaco aqueles que indicam uma topografia nesse campo onde os imigrantes tendiam a permanecer longe dos espaços da escrita, como a literatura e a crítica (Pontes, 2010, 2011 e 2014, Miceli, 1996, 2001 e 2003 e Arruda, 2001). Devo ao trabalho de Pontes sobre os críticos do Grupo Clima, uma melhor compreensão do ambiente paulistano no meio do século e a

45 Paula Salgado Quintans, Alfredo Volpi: forma e narrativa, 2003. 46 Idem. Ibidem. P. 2. 47 Carlos Eduardo de Barros Moreira Pires, Expressão e construção: Alfredo Volpi, João Cabral de Melo Neto e a arte moderna no país, 2013.

27 forma, ao mesmo tempo de pesquisa e de teoria, pela qual se apreende o mundo intelectual paulistano em transformação: onde a geração de críticos, estabelecida na década de 1920, recebia os novos aspirantes do mundo intelectual formados, pela primeira vez no país, numa tradição universitária pautada pelo rigor da pesquisa e da teoria. Pontes demonstra como é possível apreender o mundo intelectual na linguagem de seus produtores: em particular, a maneira de esmiuçar os textos dos críticos e revelar, na linguagem, a autodefinição deles, a captura dos concorrentes e as investidas de cada um no jogo comum.48

Se isso me levou a observar os movimentos da crítica, eu não abri mão da agência do artista na definição da sua própria imagem. Isso me legou um novo desafio: Volpi era conhecido pelo silêncio e não deixou nada escrito. Como seria possível então, no presente, me aproximar de sua pessoa?

Quase toda a reminiscência de Volpi constitui-se hoje em dois tipos de artefatos: quadros modernistas e críticas. As críticas datadas, os quadros com datas aproximadas, ambos os conjuntos eram, portanto, facilmente situados numa linha cronológica. Isso me possibilitava uma leitura processual das formas de descrever Volpi. Boa inspiração para responder a essa pergunta foi a historiografia contemporânea sobre a arte modernista, que vem demonstrando a simbiose do artista e do crítico, ou seja, da obra e da narrativa histórica. Segundo T. J. Clark, a busca por valores autônomos, típica da arte modernista, exige uma figura específica como o crítico. Profissional eminentemente moderno, ele é responsável por negociar a arte frente aos valores burgueses mais amplos, possibilitando a existência dos valores específicos (e relativamente autônomos da arte). Segundo Jonathan Harris, os críticos e os artistas são colaboradores mútuos e sua relação envolve uma “dialética de codeterminação do valor”, onde a obra do artista inspira o crítico. O crítico, por sua vez, dá significado a essa obra e, retrospectivamente, à história da arte.

Tomar então os quadros de Volpi como coprodutores da narrativa sobre o artista significa observar a própria agência do pintor na construção de sua lenda. Seus quadros são parte fundamental da crítica que descreve seu trabalho e sua personalidade.

48 Sobre o grupo Clima e a mudança no mundo cultural paulista no meio do século XX, ver Heloísa Pontes. Destinos Mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940 – 1968), 1998. Sobre os estrangeiros e sua recepção no mundo cultural, ver da mesma autora. Imigração, estrangeiros e imaginação na metrópole, 2011 e o texto, em coautoria com Sérgio Miceli, Figuração em cena da história social, 2014.

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Essa mitologia, no entanto, é a criação da figura do próprio artista, uma pessoa específica inventada pelo mundo da arte brasileira através de suas próprias convenções. E o formato dessa mitologia é composto por autores que, pressionados por anseios diversos, mobilizam essas mesmas convenções, modificando-as e atualizando-as. Volpi não existe hoje separado de sua mitologia e sua existência, no mundo artístico, significou a construção dessas descrições. A história da arte feita pelos críticos e o reconhecimento de Volpi como um indivíduo adequado a esse mundo moldaram-se mutuamente, sem que nenhum adquirisse a preponderância heurística sobre o outro. Como afirmou Marylin Strathern:

As relações sociais são intrínsecas, e não extrínsecas à existência humana. Assim, ao considerarmos as pessoas como objeto de estudo antropológico, não podemos concebê-las como entidades individuais. Ou seja, tomar a pessoa como tema de análise antropológica responde ao anseio de não reificar as ideias de sociedade, de indivíduo ou de cultura. A pessoa não tem existência autônoma ao seu contexto, ambos se produzem concomitantemente e, no caso do mundo artístico modernista, trata-se de uma produção na e pela narrativa histórica.

Os três capítulos que se seguem são o desenvolvimento direto dessas questões. O primeiro, “o Gênio do lugar”, volta-se para a cidade de São Paulo, onde Volpi iniciou sua carreira como pintor. Nele, descrevo o chão institucional e simbólico no qual o artista caminhou atento às instituições paulistanas que pudessem servir de controle para a reflexão dos outros capítulos. Nos outros dois, eu me posiciono ao lado dos críticos e tento ver, por cima de seus ombros, o que eles veem ao descrever um quadro. No mesmo movimento, posiciono-me distante para traçar as modificações históricas que me permitem flagrar os críticos ao descreverem e analisarem o pintor e sua obra, se situarem e jogarem as “cartas” do mundo intelectual. “O círculo” detém-se na década de 1940 e no movimento de consagração empreendido por Mário de Andrade. “A linha” volta-se para a década de 1950 e para a reivindicação de Volpi por Mário Pedrosa.

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O ge nio do lugar

Brasil amado não porque seja minha pátria, Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...

Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso, O gosto dos meus descansos, O balanço das minhas cantigas amores e danças. Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada, Porque é o meu sentimento pachorrento, Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir. Mário de Andrade - 1924

UCELLO, Paolo. O contra-ataque de Michelotto da Cotignola na batalha de San Romano (detalhe). 1455. Têmpera sobre madeira. Museu do Louvre. Paris.

VOLPI, Alfredo. Mastros e faixas. déc. 70. Têmpera sobre Tela. 136 x 68 cm. Coleção Laerto Moura Ferão. São Paulo.

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VOLPI, Alfredo. Sem título. Década de 1970. Têmpera sobre tela, 48, 4 x 70 cm. Coleção Mastrobuono. São Paulo.

UCELLO, Paolo. O contra-ataque de Michelotto da Cotignola na batalha de San Romano (detalhe). 1455. Têmpera sobre madeira. 132 x 317 cm. Museu do Louvre. Paris.

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Os mastros da tradição italiana renasceram em São Paulo na década de 1970. Se no passado somavam-se às bandeiras sugerindo profundidade de batalhas, nessa vida perderam o ímpeto bélico. Agora, apenas ilusionam um jogo de múltiplas dimensões: objeto e fundo, movimento e ritmo. Não é mais a guerra, mas a dança entre eles que os define.49

Foi Alfredo Volpi quem os pintou. Não era essa a primeira vez que traços italianos ganharam corpo na Pauliceia e mesmo em cidades próximas. Fúlvio Pennacchi (1905 – 1992), amigo do pintor dos mastros, fez uma série de São Francisco de Assis, baseados na obra de Giotto.50 Volpi fez pinturas que remetiam à Capela Escrovegni (confira as imagens abaixo). E, com Mário Zanini (1907 – 1971) em 1936, pintou as paredes e o teto de uma capela em Piracicaba. A capela, cujo projeto fora baseado na Igreja de Bozzano na Itália, fora encomendada por um italiano chamado Pedro Morganti (1876-1941) que adquirira terras no Brasil e enriqueceu.51

49 A relação entre Paolo Ucello e Volpi foi desenvolvida por Rodrigo Naves: “Num dos quadros da série A batalha de São Romano, O contra-ataque de Micheletto da Cotignola, de Paolo Ucello, as lanças estabelecem um jogo complexo entre superfície e profundidade. Ao verticalizarem o quadro, definem um espaço plano que o cotejo horizontal das lanças irá problematizar, pois novamente devolve o trabalho a um espaço mais profundo. Esse tipo de movimento será fundamental na obra de Volpi, embora em suas telas, os elementos estruturais tenham uma importância menos acentuada.” Cf. Rodrigo Naves, Op. Cit, 2011, P. 203. As imagens de Paolo Ucello, bem como a reprodução do quadro Mastros e Faixas foram retiradas também dos slides de aula de Rodrigo Naves cf. http://arquivos- arte.blogspot.com.br/2013/10/particularidades-da-arte-moderna.html . 50 Sobre Pennacchi ver o catálogo Pennacchi: 100 anos, 2006. 51 Trata-se da Capela de São Pedro do Monte Alegre, cuja história e detalhes são narrados em http://www.capelamontealegre.com.br/ .

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GIOTTO, di Bondone. Cenas da lamentação de Cristo: a deposição de Cristo. 1304-6. Afresco. Capela Escrovegne: Pádua. (detalhe)

VOLPI, Alfredo. Sem título. Meados da déc. 1940. Óleo sobre duratex. 15,5 x 23,5 cm.

VOLPI, Alfredo. Sem título. Início da déc. 1950. Têmpera sobre tela colada sobre papelão. 18 x 23 cm.

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Outras telas de Volpi traçam diálogo com artistas italianos modernos como Carlo Carrà (1881 -1966) (confira as imagens da página 51).52 Na década de 1940, suas obras agitadas tornam-se esquemáticas. Desaparecem as personagens humanas e a arquitetura adquire um peso central. Intensificam-se as relações entre planos e a decomposição de objetos ao ponto arquetípico. Talvez essa mudança seja a metabolização da exposição de arte moderna italiana que ocorreu em São Paulo em 1937. Nessa mostra, vieram obras comprometidas não com o contingente na paisagem, mas com os elementos construtivos, suas linhas e massas essenciais; tratava-se da natureza “revelada no seu significado íntimo de colaboração com o homem”, em pinturas cujos autores contavam com

profunda comprehensao, para os mestres da Renascença: Masaccio, Paolo Uccello, Piero della Francesca. Nelles a pintura moderna encontra conforto nas pesquisas do estylo para vencer a quotidiana realidade analytica e attingir qualidades eternas e universaes.53

Essa exposição não veio para São Paulo levianamente. Tratava-se, conforme a capa do catálogo informa, da comemoração do centenário da imigração italiana para o Brasil e de uma campanha de Mussoline para levar a cultura produzida sob o seu regime às colônias italianas ao redor do mundo.54

A exposição destas obras terá conseguido o seu maior objectivo, se atravéz de uma simples amostra de nossa arte, o visitante chegar a reconhecer alguns aspectos fundamentaes da alma italiana e, se italiano, sentirá a saudade de seu paiz, se estrangeiro será attrahido pela fascinação da força, da pureza, da conquistadora doçura de uma terra que talvez não conheça ainda.55

Essa remição à tradição italiana perpassava a produção pictórica de São Paulo: característica individual era também um traço coletivo que adquiria feições próprias no

52 Houve uma mostra de arte italiana em São Paulo no fim da década de 1930 que será discutida mais a frente. Nela vieram algumas obras de Carrà. A obra em questão, no entanto, não consta no catálogo da exposição. O que me faz crer que essas obras circulavam como reprodução em São Paulo. O que reforça a tese de uma estreita proximidade entre os contextos paulistanos e italianos. Ver catálogo Mostra D’arte del Padiglione D’Italia, 1937. 53 Idem. Ibidem. 54 Idem. Ibidem. 55 Idem. Ibidem.

34 pincel de cada artista. A cidade de São Paulo, ao longo do século XX, é palco onde a pessoa e a pintura de Volpi surgem e é para esse cenário que esse ensaio se volta.

***

Fúlvio Pennacchi que, em São Paulo, deu a luz às imagens de São Francisco, era um pintor imigrante que chegou à Pauliceia em 1929. Havia se formado na Real Academia de Arte Augusto Passaglia em Lucca na Toscana e fora aluno de Pio Semeghini (1878 – 1964).56 Em São Paulo, na década de 1930, reuniu-se com um grupo de outros imigrantes ou filhos de imigrantes, a maioria de origem italiana e todos eles artistas plásticos de tendência modernista. Alfredo Volpi era membro do grupo. Com eles, havia pintores como Alfredo Rizzotte (1909 – 1972) que também estudaram arte na Itália. Cada um trouxe consigo imagens mentais ou reais, cadernos e anotações, e em São Paulo ajudaram a enriquecer repertório artístico da cidade.

Se, no Rio de Janeiro, a Academia Imperial de Belas Artes funcionava desde 1826, ao contrário, e durante muito tempo, São Paulo não teve uma instituição dedicada ao ensino exclusivo de Artes. Diferentemente da provinciana São Paulo, o Rio de Janeiro era a capital do país e mobilizava expectativas específicas de seus artistas e intelectuais. A formação acadêmica de quadros artísticos fora iniciada ali com o apoio de Dom João VI (1767 – 1826). Com a proclamação da república, a instituição mudou de nome para Escola Nacional de Belas Artes e passou a ser palco de disputas sobre a melhor maneira de representar o Brasil. Mesmo indireta, a sede do Estado exercia uma enorme pressão sobre os intelectuais e artistas cariocas: sobre eles pesava o fardo do imaginário da capital – a cidade era a epítome do país a ser gerida.57

Se seguirmos o rastro do tempo, perceberemos o quão tarde esse tipo de instituição surgiu em São Paulo. A Escola de Belas Artes da Bahia, em Salvador, havia sido fundada em 1877, a de Porto Alegre em 1908, a de Belém em 1918 e a paulista apenas em 1925.58 São Paulo, cidade provinciana, era apenas uma vila até boa parte do século XVIII e só com o desenvolvimento econômico da cafeicultura viria a crescer e

56 Ver José Roberto Teixeira Leite, “PENNACCHI, Fúlvio” in: Dicionário Crítico de Pintura no Brasil. 1988. 57 Sobre as expectativas diversas depositadas em São Paulo por contraste ao Rio de Janeiro, ver José Murilo de Carvalho, Sobre o pré-modernismo, 1988; sobre a fundação da Academia, ver Elaine Dias, Paisagem e Academia: Félix-Émile Taunay e o Brasil (1824-1851), 2009. Sobre a querela a respeito da melhor forma de representar o Brasil, ver Tadeu Chiarelli, Pintura não é só Beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade, 2007, Pp. 171, 172. 58 Ver Walter Zanini, Arte contemporânea brasileira, 1983, p. 504.

35 requerer instituições como essas. Mas, se não havia uma academia de artes em São Paulo, outras instituições ocuparam um espaço semelhante e possibilitaram a existência de artistas na capital de província.

Em 1873, um grupo, que reunia nomes vinculados à cafeicultura ou à indústria, fundou um colégio técnico e gratuito na capital paulista. Na época foi sustentado pela iniciativa privada e recebeu o nome de Sociedade Propagadora da Instrução Popular. Seus objetivos eram a democratização da ciência e a abertura de caminhos para uma prosperidade industrial. Oferecia aulas de alfabetização e visava preparar cidadãos que seriam práticos e úteis à sociedade - marcados pela ética do trabalho. Em 1882, o nome da instituição tornou-se Liceu de Artes e Ofícios e no seu currículo figuravam disciplinas como desenho e pintura. O que prevalecia era, no entanto, uma concepção de arte prática, inclinada para arquitetura e construção civil.59

A passagem para a república levou o Liceu a uma crise e, se este sobreviveu, deveu-se a uma reestruturação baseada em incentivos do governo. Havia acusações de que a instituição fosse um feudo monarquista, o que repercutiu em cortes de verbas públicas e na consequente debandada dos supostos apoiadores da realeza. Estes eram, no entanto, os mantenedores da instituição.60

Em 1895, sob um processo de renovação, o arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851 – 1928) assumiu a direção da instituição e realizou suas mais profundas reformas. Se o liceu dependia de oficinas para aulas, estas foram construídas sob sua gestão. Os alunos adquiriram o estatuto de aprendizes, capazes de vender seus trabalhos e atuar como profissionais através da própria escola. Sob sua batuta, iniciou- se o período áureo do Liceu que duraria até 1930.61

É importante frisar que, apesar da importância do incentivo governamental, Ramos de Azevedo assumiu a direção através de uma sociedade civil que garantia sustento à escola. O arquiteto era o vice-presidente desta instituição e esta era liderada por Cerqueira Cézar (1835 – 1911). Dela também faziam parte Almeida Nogueira (1851 – 1914), Teixeira da Silva e Reinaldo Porchat (1868 – 1953), de forma que a sociedade

59Ver Ana Maria de Moraes Belluzzo, Artesanato, arte e indústria, 1988, p.104. 60Idem, ibidem., p.105. 61Idem, ibidem., p.107.

36 mantinha importantes aliados financeiros e, no plano político, contava com apoio da Presidência do Estado, Bernardino de Campos (1841 – 1915). 62

O liceu e outras escolas do mesmo feitio, a exemplo da Escola Profissional Masculina do Brás, atraiam alunos mais ou menos desprovidos de capital cultural e econômico. Aulas gratuitas de alfabetização, aritmética e outras disciplinas para aqueles que visassem adquirir as primeiras letras. E também cursos de desenho, modelagem e outras disciplinas do escopo das belas artes para um público inclinado às artes plásticas. Por suas salas, passaram grandes artistas nacionais, de forma que a instituição configurava-se como um ponto aglutinador de personagens de nossa história ou mesmo como local de formação para nossos artistas.63

Academia e escola profissional, duas instituições contrastantes: uma voltada para a representação e reflexão sobre o Brasil, outra para a produção técnico-civil. Duas ordens diversas de mecenatos e duas maneiras diversas de se relacionar com o fazer artístico.

O pintor italiano Rosalbino Santoro (1858 – 1920), por exemplo, que havia estudado na Academia de Nápoles e desembarcou no Rio de Janeiro por volta de 1884, logo após sua chegada e simultâneo estabelecimento na corte, concorreu à cadeira de paisagista da Academia Imperial de Belas Artes e foi recusado. Alguns anos depois, em 1887, ele se encontrava em São Paulo, onde faria parte do corpo docente do Liceu de Artes e Ofícios e realizava encomendas para a elite que cultivava café.64 Assim, as portas fechadas para o pintor Rosalbino Santoro no Rio de Janeiro são sinais de uma institucionalização onde quadros profissionais já haviam se estabilizado sem que houvesse uma expansão suficiente das vagas. Se a capital federal não pôde mantê-lo, São Paulo, em crescimento, oferecerá oportunidades irrecusáveis. Ramos de Azevedo e os diretores anteriores tomaram proveito da mão de obra qualificada que os imigrantes (principalmente italianos) ofereciam. Santoro foi apenas um dos professores nessa situação que o Liceu contratou e, consequentemente, manteve na cidade.65

62Idem, ibidem., pp. 101-109. 63 Idem, Ibidem., p.122 e p. 131. E Walter Zanini, Op.CIt, 1983, p. 571. 64 Ver José Roberto Teixeira Leite, “SANTORO, Rosalbino” in: Dicionário Crítico da Pintura no Brasil. 1988. 65Ana Maria de Moraes Belluzzo. 1988. Op. Cit. P.107.

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Para aqueles que não poderiam ter ou não quisessem essa garantia profissional, São Paulo oferecia outras possibilidades de sustento: vender seus quadros para a burguesia, fundar empresas especializadas ou mesmo dar aulas para um grupo de aspirantes a artistas carentes de conhecimento qualificado.

Hoje, disperso entre páginas de livros, encontra-se o mestre Rollo que, na década de 1920, dava aulas de escultura a Raphael Galvez (1907 – 1998 – descendente de italianos).66 Também é possível descobrir a Osirarte, indústria de azulejos fundada pelo pintor de origem migrante Paulo Rossi Osir (1890 – 1959). Essa azulejaria, na década de 1940, empregou artistas como Alfredo Volpi ou Mário Zanini (1907 – 1971), ambos filhos de italianos.67 Encontra-se também a Clamor, uma indústria de comunicação visual fundada na cidade de São Paulo na década de 1930 pelo nosso já citado, Fúlvio Pennacchi que havia imigrado da Toscana para o sul de Minas Gerais, onde alguns de seus parentes se firmaram como prósperos plantadores de café (um deles era detentor do título de Coronel da Guarda Nacional). Pennacchi, estabelecido em São Paulo, inaugura sua empresa e realiza suas atividades profissionais suprindo a demanda de uma cidade que expandia num processo de modernização.68

Alfredo Volpi, por sua vez, chegou a São Paulo com dois anos de idade e residiu no bairro do Cambuci até a morte. Na infância, sua família mantinha uma loja de queijos e vinhos naquele bairro e comercializava para trabalhadores italianos das indústrias próximas. Volpi estudou em colégio particular italiano e passou a vida sem falar corretamente a língua brasileira.69 Sua família não era propriamente exígua de capital financeiro. Detinha uma casa própria e as crianças receberam educação formal. Sua língua era uma mistura do português brasileiro com as línguas que se falava na península, uma forma de falar específica das famílias italianas que Oswald de Andrade (1890 – 1954) reproduziu na sua sátira Juó Bananeri.70 Era essa a forma de

66 Ver o texto memorialístico de Raphael Galvez “O Escultor Vicente Larocca e o Salão Juventus Paulista” In: Marco Antônio Mastrobuono, Volpi: pinturas e bordados, 2013, pp. 107 – 111. 67 Ver José Roberto Teixeira Leite, “OSIRARTE” in: Dicionário Crítico de Pintura no Brasil, 1988. 68 Ver site.http://www.fulviopennacchi.com/d20.html . Sobre a Clamor, ver Michele Yara Urcci, Os pintores do Palacete Santa Helena: imagens de São Paulo entre 1935 e 1940, 2009. 69 Sobre a infância de Volpi, consulte “O Mestre de sua época” in: Revista Veja. Ed 398/Abril de 1976. 70 Sobre a língua, a família e a educação de Volpi ver Marco Antônio Mastrobuono, Op. Cit., 2013.

38 comunicação nos bairros marcados pela imigração como o Cambuci, o Brás ou o Bexiga.71

São Paulo ergueu-se com a presença de forasteiros, em especial a italiana. Em 1920, 35% dos paulistanos não eram nativos do Brasil. Em 1934, 67% eram filhos de estrangeiros ou estrangeiros. Juntos, eles formavam a mão de obra que movimentava o processo de industrialização em curso.72

Em Buenos Aires, as ondas de imigração e o consequente aumento da cidade foram amparados por um ensino público estatal gratuito, que favoreceu a expansão do público leitor e o surgimento de intelectuais de letras capazes de concorrer com os nativos.73 Em São Paulo, por contraste, a possibilidade de um imigrante ser recrutado para a literatura era mínima. Os intelectuais de letras brasileiros eram, em sua grande maioria, provenientes de antigas e poderosas famílias: situação que só se alterará com a fundação da Universidade de São Paulo em 1934 e do Teatro Brasileiro de Comédia em 1948.74

Em linhas grosseiras, é possível falar em dois perfis de imigrantes italianos. Aqueles que vieram do Vêneto através de subsídios federais ou privados e foram trabalhar em fazendas de café. Esses eram proletarizados e se diferenciavam de outros mais bem qualificados profissionalmente. Os outros vieram do sul da Itália, não receberam subsídios de patrões ou do Estado para a viagem e, no geral, instalaram-se nas cidades. O ambiente urbano era um campo mais fecundo para o exercício das profissões que já detinham. Eram sapateiros, marceneiros, alfaiates, costureiros...75 Em síntese, pessoas dedicadas a ofícios artesanais, para os quais as escolas técnicas figuravam como espaço e oportunidade de aprimoramento desses saberes.

Volpi frequentou a escola italiana durante quatro anos. Depois a abandonou para aprender um ofício. Trabalhou durante seis meses como aprendiz de carpinteiro. Mais tarde assumiu a posição de pintor decorador.76

71 Ver Alice Brill, Mário Zanini e seu tempo: do Grupo Santa Helena às bienais, 1984, p. 23. 72 Ver Michael Hall, Imigrantes na cidade de São Paulo, 2004. 73 Ver Beatriz Sarlo, Modernidade Periférica: Buenos Aires 1920 e 1930, 2010. 74 Ver Heloísa Pontes, Imigração, estrangeiros e imaginação na metrópole, 2011 (mimeo). 75 Sobre os perfis de migrantes, em especial aquele que se dirige para as cidades, ver: Ana Lucia Duarte Lanna. Aquém e Além-Mar: imigrantes e cidades. 2012 76 Ver Marco Antônio Mastrobuono, Op. Cit., 2013.

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As possibilidades de fazer a vida no artesanato brilhavam no céu paulista. As escolas técnicas, como o liceu, dedicadas ao artesanato, abriam a possibilidade do manejo de pincéis e de experimentar um saber artístico. Artesanato, pintura e escultura figuravam lado a lado como caminhos possíveis para aquelas pessoas. Se o destino das letras era sombrio (pelo exíguo domínio da língua), o das artes plásticas mostrava-se muito mais provável para os descendentes de imigrantes urbanos.

São Paulo reunia então uma quantidade considerável de imigrantes que aspiravam às artes plásticas. Na década de 1930, por exemplo, encontrava-se no Palacete Santa Helena um grupo de pintores, cujos membros eram estrangeiros ou filhos de estrangeiros. O edifício, localizado no ponto central da cidade (a Praça da Sé), oferecia aluguéis a preços módicos, que eram divididos por artistas como Pennacchi ou Mário Zanini. Esses ateliês eram frequentados por outras personagens das artes, como Volpi.77

O encontro entre esses pintores travou-se em dois tipos de lugares: as instituições profissionalizantes, como o Liceu ou a Escola Masculina do Brás, e nos eventos artísticos, como exposições ou salões. Ambos os espaços fortemente marcados pela presença italiana.

A trajetória de encontros e as formações do grupo evidenciam uma sociabilidade que se espraia pela cidade amalgamando paisagens imigrantes e instituições artísticas. Zanini havia sido apresentado em 1934, por Paschoal Graciano, ao pintor Gonsales (1902 -1980), filho de imigrantes espanhóis. Manoel Martins (1911 – 1979) e Humberto Rosa (1908 – 1948) frequentaram o curso de desenho com modelo vivo oferecido na Sociedade Paulista de Belas Artes, o mesmo lugar onde Rebolo e Zanini se conheceram. Essas aulas também foram frequentadas pelo pintor Clóvis Graciano (1907 – 1988), que mais tarde fez parte do grupo. (1906 – 1974) havia estudado no Liceu de Artes e Ofícios, e passou um período na Itália, onde frequentou a academia de Florença. Bonadei conheceu Rebolo nos salões paulistanos em que expuseram juntos. Mário Zanini e Rebolo estudaram na escola masculina do Brás. Manoel Martins havia estudado com Antônio Rocco (1880 – 1944), professor do Liceu de Artes e Ofícios. Alfredo Rullo Rizzotte (1909 – 1972),

77 Ver Patrícia Martins Santos Freitas, O Grupo Santa Helena e o universo industrial Paulista (1930 – 1970), 2011, p. 41.

40 filho de imigrantes, havia morado dez anos na Itália, onde estudou na Academia Albertina de Turim.78

Talvez a única exceção ao grupo seja Volpi e Zanini, artistas plásticos, descendentes de italianos e falantes da mesma língua. Os dois não se conheceram em exposições ou aulas de arte, mas no bairro de imigrantes onde moraram a vida inteira, o Cambuci.79

Todos esses artistas trabalharam no Edifício Santa Helena e aproveitavam a convivência para dividir custos de aulas de desenhos com modelo vivo. Se a cidade não oferecia uma instituição pública de peso para o ensino exclusivo de artes, os pintores encontraram alternativas na própria convivência, envolvendo em relações amistosas artistas em trânsito entre Itália e Brasil.80 A mesma rede de relações também oferecia possibilidade de renda. Em 1940, por exemplo, o pintor Paulo Rossi Osir, aproveitando a demanda de azulejos, fundou uma empresa de azulejaria onde se empregaram Volpi, Zanini e outros artistas imigrantes como a alemã (1913 – 1994) ou o italiano de formação alemã Ernesto de Fiori (1884 – 1945).81

A Sociedade Juventas organizou o I Salão Paulista de Bellas Artes no Palácio das Indústrias em 1925. Talvez tenha sido a primeira exposição da qual Volpi participou. A instituição era presidida por Vicente Larocca e reunia todos os integrantes da mostra. Dentre eles, Bernardino de Souza Pereira, José Cucé, Henrique Zucca, Humberto Cozzo, Orlando Tarquinío Rossi (1894 – 1970) e o poeta Arsênio Palácios. Todos, ou quase todos os membros da sociedade, eram de origem imigrante, muitos estudaram no Liceu de Artes e Ofícios e o teor da mostra era mais afastado do modernismo que do academicismo. Todos parecem ter se conhecido na escola de desenho e pintura que o pintor italiano Giuseppe Pasquale Perissimotto abriu no Brás em 1919.82 Em 15 de Julho de 1925, o jornal A Folha da Manhã publicou uma reportagem sobre a Sociedade Juventas e o seu salão. O texto celebrava o valor

78 Idem. Ibidem, pp.11-26. 79Sobre Mário Zanini e Volpi, ver Alice Brill, Op. Cit.,1984. 80 Sobre o cotidiano dos artistas no palacete e também a formação da rede de contatos, ver Patrícia Freitas, O Grupo Santa Helena e o universo industrial paulista (1930 – 1970), 2011. . 81 Sobre a importância da Osirarte para esses artistas, ver Idem, ibidem. Com foco mais fechado na trajetória de Alfredo Volpi, ver Marco Antônio Mastrobuono, Op. Cit., 2013. 82 Encontrei poucas referências a esses pintores. A informação de que vinham de meio migrante e de que frequentaram tais escolas é de Marco Antônio Mastrobuono, ibidem. Sobre Perissimotto também não encontrei dados. “TARQUÍNIIO, Orlando” figura como um verbete no dicionário crítico de Pintura no Brasil de José Roberto Teixeira Leite, 1988.

41 educativo da Arte e o contrato que a mostra estabelecia entre as indústrias e a estética. A primeira cedeu o salão onde os quadros foram expostos, a segunda aperfeiçoava as condições espirituais e morais da população. Na mesma reportagem, há queixas dos organizadores quanto à falta de incentivo estatal e ausência de uma escola de belas artes. Ainda assim, afirmavam o ímpeto de repetir a experiência do salão nos anos posteriores.83

Outras redes de contato entre artistas e intelectuais podem ser traçadas em São Paulo e dificilmente não se cruzariam com imigrantes. Mesmo os modernistas da geração de 1920 abarcavam, por exemplo, Anita Malfatti (1889 – 1964), filha de imigrantes e o italiano Victor Brecheret (1894 – 1955). A contradição paulista é ser o berço do modernismo brasileiro. Sem histórico de investimento estatal forte na formação de artistas plásticos, a cidade foi palco da exposição de Anita em 1917. O evento é mitificado como a faísca disparadora de todo o movimento cultural que atingiria seu drama na semana de 1922.84

Os pintores modernos dessa geração inaugural viajavam principalmente para Paris, onde bebiam de tradições contemporâneas para articular seus próprios projetos. Eram personagens abastados, vinculados a grupos poderosos, que puderam deslocar-se e trazer questões plásticas novas ao contexto brasileiro. As viagens, no entanto, não explicam a relativa aceitação com a qual o modernismo contou em terras paulistanas, quando comparada ao que ocorreu no Rio de Janeiro. Em 1943, por exemplo, duas exposições de arte modernistas tiveram telas depredadas. Uma das mostras foi organizada por Alberto da Veiga Guignard (1896 – 1962) com obras de seus alunos particulares e aconteceu na Escola Nacional de Belas Artes. Foram os alunos da instituição que, descontentes com as tendências modernas, atacaram os quadros. A outra exposição reunia obras de Lasar Segall (1891 -1957).85

Em São Paulo, na década de 1930, a arte modernista já contava com os Salões de Maio, liderados por Flavio de Carvalho, e com os Salões da Família Artística Paulista. Ambos se repetiram durante três anos e chegaram a polarizar uma discussão

83Ver “Os acontecimentos artísticos de ontem: um pugillo de “novos” funda o Salão Artístico de Bellas- Artes” in: Folha da Manhã, São Paulo, 15 de Julho de 1925. 84 Ver Paulo Mendes de Almeida. De Anita ao Museu. 1976. 85 Ver Walter Zanini. A Arte no Brasil nas Décadas de 1930-40: o Grupo Santa Helena. 1991. Pp. 34 – 35.

42 eminentemente modernista sobre a possibilidade da abstração e a necessidade do figurativismo.86

Mesmo em uma mostra pautada pelo espírito acadêmico, como O Salão Paulista de Belas Artes, de 1936, seis anos antes dos atentados mencionados acima no Rio de Janeiro, o que se observa é um medo tímido dos pintores tradicionalistas. No jornal Correio de São Paulo, de 18 de dezembro daquele ano, um anúncio elogioso da exposição do artista modernista Ernesto de Fiore ladeia uma notícia interessante. O jornalista nos conta que os artistas acadêmicos estavam indignados pela não aceitação de seus trabalhos na mostra daquele ano e se sentiam ameaçados pelo crescente número de modernistas compondo o Júri. O tom é de indignação com a inadequação àquele espaço, onde sempre foram hegemônicos. A maneira como reagiram também foi anunciada na reportagem: divulgaram os planos de criação de um Salão dos Recusados.87 São Paulo, carente de investimento estatal em artes plásticas, parece ter se tornado campo fértil para experimentações. A pouca institucionalização da formação artística reverbera numa fluidez da educação do olhar. Conjugavam-se, no ambiente, uma multiplicidade de professores desvinculados a escolas e provenientes dos mais diversos locais. Ao que parece, essa configuração garantiu maior liberdade frente aos cânones e à consequente aceitação de novas tendências. Não havia instituição ou tradição que centralizasse a formação dos artistas. Estes adquiriam lições como no mercado. Escolhiam algo que um pintor recém-chegado oferecia e no dia seguinte estudavam com outros. Relação parecida figura por trás do surgimento da pintura modernista com Manet e seus contemporâneos, na Paris do Século XIX. A inauguração dos museus surgiu como uma nova pedagogia do olhar. Nos corredores do Louvre, os pintores passaram a deliciar-se com uma multiplicidade de imagens. Com seus cavaletes em frente às telas, faziam cópias de quadros provenientes das mais diversas tradições. Aos poucos o cânone foi diluindo-se, não havia mais um único passado ao qual se poderia fazer menção, mas vários – contraditórios e igualmente fascinantes. Não era mais possível uma educação do olhar unívoca como aquela recebida de forma

86 Ver Paulo Mendes de Almeida. Op. Cit. 1976. pp.87-129. e Walter Zanini. Op. Cit. 1991.pp31-48. Imagino que tal facilidade possa ser uma ilusão historiográfica que realça eventos negativos ao modernismo no Rio e positivos em São Paulo. Mesmo que isso seja verdade, e tal facilidade não tenha sido maior em São Paulo, tomo a própria historiografia e a plausibilidade de uma relação orgânica entre São Paulo e o modernismo como sintomático de uma relação específica entre a cidade e as artes plásticas. 87 Ver Correio de S. Paulo, São Paulo, 18 dez. 1936, pág. 6.

43 controlada nas academias. Foram lançadas as primeiras cartas do modernismo plástico.88 Em São Paulo, a relação é outra, mas com consequências análogas. A falta de instituições centralizadoras lançava os aspirantes a artistas a se educarem com uma variedade de repertórios que encontravam-se pulverizados pela cidade sem necessária coerência entre si. Havia uma liberdade ao cânone que, tal como em Paris, realizava-se pela ausência de uma pedagogia unívoca e pela distância à academia.

Mesmo escolas como o Liceu, não monopolizavam a formação de seus alunos. Se Raphael Galvez, por exemplo, havia estudado no Liceu, ele também tinha sido aluno de Mestre Rocco na década de 1920.89 A maleabilidade da formação carrega no seu avesso uma fluidez das relações. O Rio oferecia uma instituição que deveria ser disputada pelas diferentes concepções de arte. Em São Paulo, os artistas necessitavam da manutenção de sua rede de relações. Havia até mesmo demandas financeiras supridas pelo convívio, um pagava ao outro que, por sua vez, o ensinava. Nessa inter-relação, as disputas estéticas não eram radicalizadas e a convivência entre os artistas fazia esmaecer, aos olhos dos acadêmicos, o próprio processo de implantação do modernismo. Sob os seus cuidados, no seu próprio salão, os artistas tradicionalistas não perceberam a ameaça que era a incorporação de modernistas no corpo do Júri. Até que, finalmente, não puderam tolerar a hegemonia que estes já detinham.

Os Salões de Maio (que ocorreram em São Paulo nos anos 1937, 1938 e 1939), liderados por Flávio de Carvalho (1889) e Geraldo Ferraz (1905 – 1979) trouxeram, muito provavelmente pela primeira vez, telas e discussões sobre a abstração e o surrealismo para a Pauliceia. A implantação dessas correntes significava, naquele momento, a vinculação a questões plásticas evidentemente internacionais - entre as paredes do Salão, por exemplo, encontravam-se obras de artistas europeus trazidas especialmente para a mostra.90 Significava também levar a cabo uma proposta de autonomia da arte e negar sua função retórica ou comunicativa.

Paulo Rossi Osir organizou, no mesmo período, os Salões da Família Artística Paulista (1937, 1939). Osir mantinha uma dupla intenção: por um lado, projetar seus artistas amigos, dentre eles os que se encontravam no Edifício Santa Helena. Por outro

88 Sobre o surgimento da pintura moderna em Paris, ver Jorge Coli, O corpo da liberdade, 2010, p 158- 160. 89Ver “Raphael Galvez” in: Constantino Cury, Dicionário de artistas plásticos brasileiros, 2005. 90 Ver Paulo Mendes de Almeida, Op. Cit., 1976, pp. 96 – 97.

44 lado, opor-se ao que ele acreditava serem os arroubos que o termo moderno legou à pintura – o abstracionismo e o surrealismo. A mostra de Osir congregava, por oposição ao Salão de Maio, uma coleção de obras tradicionalistas, ou com certo apelo clássico. No catálogo dizia-se que um quadro ou escultura deveria ser valorado pela sua qualidade própria e não pelo seu pertencimento a uma determinada corrente moderna.91

Esse foi um momento marcante para a rede de pintores italianos. Mário de Andrade (1893 – 1945), que tendia a se opor ao abstracionismo e ao surrealismo por não resguardarem a função comunicativa da arte, visitou a exposição por convite de Osir. Crítico reconhecido, Mário incentivou o grupo e, com sua atuação no jornal, projetou-os no debate público, sem dizê-los imigrantes ou filhos de imigrantes.92

Geraldo Ferraz, ao contrário, fez questão de lembrar a nacionalidade desses artistas e a consequente referência italiana de seus quadros. Ao retomar a história dos Salões de Maio, enfocou a oposição da Família Artística descrevendo-os como tradicionalistas, “defensores do carcamanismo artístico da Pauliceia, a morrer de amores pelos processos de Giotto e Cimabue.”93

As fontes de renda de Volpi eram baseadas em vendas esporádicas de quadros nos salões e na ajuda do marchand e escultor italiano (radicado em São Paulo) Ottone Zorlini (1891 – 1967). No fim da década de 1930, acompanhando o processo de industrialização, surgiram mecenas como Carlo Tamagni (1900 – 1966) e Ciccillo Matarazzo (1898 – 1977), homens italianos enriquecidos pela indústria que se tornaram importantes apoios financeiros de Volpi. Em 1944, alguns de seus amigos, Tamagni, Bruno Giorgi (1905 - 1993 - filho de migrantes italianos) e Mario Schenberg (1914 – 1990), alugaram um espaço na Galeria Itá para que o pintor fizesse sua primeira exposição individual: nessa mostra, ele vendeu todos os seus trabalhos.94

É evidente que havia uma rede através da qual os imigrantes italianos se formavam e se apoiavam. E embora ela envolvesse personagens em ascensão social, as artes plásticas ainda dependiam da crítica nacional e esta, vinculada à literatura, era monopólio dos membros de antigas famílias brasileiras. Graças às disputas próprias à

91 Idem, ibidem., 133. 92 A posição de Mário de Andrade com relação ao abstracionismo, surrealismo e nacionalismo será discutida no capítulo seguinte. 93 Ver Paulo Mendes de Almeida, Op. Cit., 1976, p. 116. 94 Sobre a trajetória de Volpi, ver Marco Antônio Mastrobuono, Op. Cit., 2013.

45 crítica de arte, a Família Artística se projetou. As precauções de Sérgio Milliet e Mário de Andrade em relação às vanguardas históricas e ao rumo que elas tomaram, ofereceram condições para que esses artistas ganhassem nome. Volpi expunha junto à família e com ela figurou como artista notável. Na década de 1940, ele ganhou nome e individualidade.

Na virada da década de 1920 para a de 1930, São Paulo havia passado por convulsões políticas, econômicas e sociais. A crise de 1929, a revolução de 30 e a ascensão de Vargas estabeleceram um complexo de transformações sobre as quais a sociedade se reconfigurou.95 Antes, a cafeicultura dominava economicamente e a elite agrária paulistana era politicamente hegemônica no contexto nacional. A partir daí, a indústria ganhou fôlego e, com ela, vários imigrantes passaram a viver um processo de ascensão social que dará sinais de estabilidade no meio do século, quando São Paulo se tornava metrópole.96 Essas transformações ofereceram substrato para importantes transformações nos mais diversos campos da produção cultural. A consolidação da economia industrial, em detrimento da cafeicultura, lançou as bases do desenvolvimento do terceiro setor, com oferta de cursos profissionalizantes, serviços, lojas de luxo. A cidade se transformava em ritmo acelerado descobrindo problemas como a poluição e o trânsito caótico.97 As instituições de produção cultural emergentes eram ligadas a frações imigrantes que se sustentavam com a indústria. O Museu de Arte Moderna é criado por Francisco Matarazzo Sobrinho; o Museu de Arte de São Paulo por Assis Chateaubriand (1892 – 1968); o Teatro Brasileiro de Comédia por Franco Zampari (1898 – 1966).98

Uma parcela dos imigrantes, finalmente, começa a alcançar o topo da escala social em diversos âmbitos da cidade: meios de comunicação, cinema, 1º setor, comércio... Houve, na verdade, uma acomodação dos novos grupos estrangeiros à antiga burguesia num processo de relativa integração. Para a burguesia em decadência, restava consolar-se em alguns nichos da cultura, como o teatro ou a poesia. Os bares, salões de

95Não só a cidade, mas todo o Brasil. Ver Antônio Cândido, A Revolução de 1930 e a cultura, 1984. 96 Essa constatação ancora-se nos seguintes trabalhos: Sérgio Miceli, Intelectuais à Brasileira, 2001. Maria Arminda do Nascimento Arruda, Metrópole e Cultura: São Paulo no meio do século XX, 2001. Richard Morse, A Formação Histórica de São Paulo, 1970. 97 Sobre São Paulo no meio do século, ver Maria Arminda do Nascimento Arruda, Op. Cit., 2001. 98 Idem, Ibidem.

46 chá ou mesmo os finais de semana em Guarujá figuravam como ponto de encontro onde grupos diversos se representavam.99

***

Como vimos, os quadros dos pintores imigrantes apontavam para o passado, chamavam a tradição italiana para figurar em São Paulo. A obra de Volpi, especificamente, amalgamou-se às tendências concretistas e se nivelou pela emulação da cultura emblemática do Brasil: bandeirinhas e casarios de subúrbio, volutas de igrejas barrocas, santos populares... Se, no entanto, o observador conhece a história da arte italiana (a obra de Margarittone d‟Arezzo, por exemplo), a Itália é convocada à memória e a filiação internacional se valida como interpretação das telas de Volpi.

Essas obras modernistas podem ser vistas como a concretização da promessa estabelecida no catálogo da primeira exposição do Grupo Santa Helena, realizada na década de 1930. Os pintores, naquele momento, diziam ansiar pela integração

nas mais legítimas tradições da pintura, que ligam, através dos séculos, as realizações de um Cimabue às de um Masaccio, a de um Masaccio às de um Giorgione, as de um de Giorgione às de um Cézanne, as de um Cézanne às de um Matisse. A cidade, onde essas obras brotaram e foram expostas, só existe no tempo, num processo contínuo de cristalização e manifestação de múltiplos antagonismos. Há, portanto, uma miríade de temporalidades simultâneas na produção cultural urbana. Cada uma resultante de transformações nas relações sociais, nas disputas por legitimidades expressivas, nas configurações das instituições. Dessa maneira, as obras do espírito que florescem sobre campo urbano guardam na sua seiva a própria história daquele lugar.

Um tipo de produção cultural urbana são as imagens-quadros-esculturas. Jogos de linguagem por excelência, elas convocam a memória do observador no instante em que se realizam, por um processo de semelhanças entre algo que já fora visto e resta perdido e algo que se apresenta no próprio quadro. O que ressurgirá no ato de ver é relativo a quem observa e se realiza no jogo induzido por uma imagem que limita e agencia todo o processo.100

99 Idem, Ibidem. 100 Ver Georges Didi-Huberman, O que vemos, o que nos olha, 1998.

47

A Itália é considerada o berço da pintura ocidental. Suas cidades amalgamam- se a obras de arte: igrejas com afrescos canônicos, esculturas lendárias e uma história da arte para se invocar com orgulho. Em São Paulo, os italianos e seus filhos observavam sua língua desaparecer enquanto estavam submetidos a estigmas mais ou menos declarados. Alguns desses italianos, no entanto, atingiram a prosperidade econômica e se dedicaram ao mecenato cultural. Essas imagens que ligavam Cimabue (e Giotto) a Matisse numa sobreposição de processos de desenvolvimento plástico, reinvocam a própria Itália, seus louros e suas ruas, suas igrejas, seus museus, sua experiência urbana e cultural. Essas imagens unem, pela imantação do espaço em que se encontram, duas pontas de uma vida: a pátria de origem e o novo lar. Os italianos, ao se integrarem à elite brasileira, trouxeram os ídolos de sua pátria - como mastros e bandeiras - e os fincaram com orgulho em solo paulistano. Às sombras dessas flâmulas, tornaram-se brasileiros. O modernismo que eles construíram era a condição de implantação da tradição. Com ele vinculava-se o Brasil ao solo de Michelangelo.

A ambiguidade própria da pintura, nesse caso específico, agencia diversas utopias e sela um matrimônio simbólico entre “carcamanos” e “paulistas”. Todo o processo mantém-se como resquício e as próprias imagens, nascidas dessas dinâmicas, o espelham quando vistas sob determinada luz.

Volpi, italiano, abrasileira-se na medida em que a cidade de São Paulo se torna cosmopolita e, consequentemente, herdeira de Roma e do Renascimento. Em uma de suas críticas de arte, Mário de Andrade questiona um catálogo de uma exposição onde constava a nacionalidade italiana de Volpi. Não haveria, para o crítico, nenhum ganho nessa informação: Volpi seria um legítimo membro da escola de São Paulo. Fazia parte de um grupo que intuiu a dimensão humana do subúrbio e só o fez por sua característica proletária. Segundo o crítico, outro grupo, também paulista, é aquele da geração de 1920, que era aristocrático. Ao inventar um Volpi paulistano, Mário de Andrade estava inventando também uma cidade de São Paulo moderna onde os operários se opunham aos aristocratas. Com efeito, os limites desse proletarismo são maiores que Volpi. No mesmo texto, Mário comenta que o literato que, em São Paulo, se dedicou a revelar a poesia dos pobres, fora Alcântara Machado com seu Brás, Bexiga e Barra Funda.

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Justamente esse romance que se abre com uma dedicatória aos italianos, chamados de novos mamelucos, e se propõe a uma narrativa jornalística de sua forma de vida.101

Esse texto de Mário, escrito em 1941, contrasta com o enriquecimento de uma parcela dos imigrantes italianos e com a atuação que eles terão no cenário cultural da cidade. Contrasta também com o catálogo da exposição de arte moderna italiana de 1937, que citei no começo desse capítulo. Este catálogo, ao tratar de pinturas de paisagens muito parecidas com as que se faziam em São Paulo, reinvoca a tradição italiana num discurso muito parecido com aquele do catálogo da Família Artística Paulista. Para ambos, tratava-se de retomar o vigor da história da arte já pavimentada e que tem seu início na península de Giotto.

Volpi transitou entre essas diversas constelações, era uma pessoa dessa cidade. Se ela era moderna, ele era proletário. Se ela era brasileira, ele também o era. Se ela era marcada pela imigração, suas obras também o são. Não quero dar a entender que um se reduz ao outro, mas basicamente que a pessoa que vai se instituindo como uma biografia precisa de um cenário onde atuar e ambos, pessoa e cidade, são feitos simultaneamente. Sua obra, ao se inventar, inventava também aqueles que a viam: faziam-se paulistanos.

101 Ver Mário de Andrade, Um salão de feira 1, 1941, do mesmo autor, a continuação do texto, Um Salão de Feira 2, 1941 e Antônio de Alcântara Machado, Brás, Bexiga e Barra Funda, 1997.

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O cí rculo

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados... Foi o sol que por todo o sítio imenso do Brasil Andou marcando de moreno os brasileiros. Estou pensando nos tempos antes de eu nascer... A noite era para descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos... Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.

Mário de Andrade – 1924

VOLPI, Alfredo. Final da déc 1930. Óleo cartão. 26 x 34 cm. Coleção Luisa Anna Cirenza, São Paulo.

VOLPI, Alfredo. Sem título. Meados/ fim da década de 1940. Têmpera sobre tela. 45 x 76,5cm. Coleção Domingos Giobbi. São Paulo.

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Entre o fim da década de 30 e a metade da seguinte, a trajetória de Volpi cursou mudanças decisivas. Ele fora reconhecido como um grande artista, teve sua primeira exposição individual (1944) e, progressivamente, mudou a forma como pintava. Da tinta a óleo passou à têmpera, ou seja, abandonou um material que facilitava o ilusionismo e a composição diáfana, e adotou uma tinta opaca que ressaltava a presença do pigmento na superfície da tela.102

A mudança da técnica acompanha a passagem da pintura a céu aberto para uma pintura gerida inteiramente em ateliê, centrada, portanto, num esforço de imaginação e reminiscência. Vejamos as duas telas reproduzidas acima, uma da década de 1930, outra da década de 1940. Com o tempo, seus quadros agitados acalmam-se. Deita-se sobre a composição um silêncio, como se o mundo houvesse perdido a pulsação. Desaparecem os movimentos atmosféricos e somem as pinceladas caligráficas que afeiçoavam pessoas. Agora, na têmpera, o que surge são cidades, geralmente litorâneas, onde as paredes, telhados, mares... adquirem preponderância e deixam a cor respirar com mais facilidade nos contrastes entre azuis e tons terrosos. Diferente dos cenários estáticos de Giorgio De Chirico (1888 – 1978), que atomizam o espectador e se impõem como enigmas, as paisagens volpianas têm um ar nostálgico de tranquilidade e espera.

DE CHIRICO, Giorgio. O enigma de um dia. 1914. Óleo sobre tela. 83 x 130,5cm. Museu de arte contemporânea – MAC- USP: São Paulo.

102 A têmpera que Volpi adotou na década de 1940, é um tipo de tinta feita com gema de ovo, pigmentos vegetais ou minerais, antifúngico (geralmente própolis) e um pigmento branco. Essa técnica permite uma opacidade que a tinta a óleo só permitia ao ser muito diluída e consequentemente tomar um aspecto ralo, ou seja, com pouca concentração de pigmentos: em outras palavras – com a cor enfraquecida. Para uma descrição dessa técnica veja: Marta Werneck, Têmperas, 2010. Sobre Volpi e a sua conversão à têmpera veja: Marco Giannotti, Volpi ou a reinvenção da têmpera, 2006.

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VOLPI, Alfredo. Sem título. Final déc. 1940. Têmpera sobre Tela. 53,8 x 64 cm. Coleção Ladi Biezus. São Paulo

CARRÀ, Carlo. Depois do crepúsculo, 1927. Oléo s/ tela, 0,49 x 0,70 m. Coleção Jesi. Milão

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Alguns de seus quadros lembram o pintor Carlo Carrà que, em São Paulo, participou da exposição de arte italiana de 1937. Nas imagens reproduzidas acima, temos basicamente a mesma composição: em ambas, o barco é avistado entre duas construções e em frente ao mar que, como uma faixa, separa o firmamento do solo. Carrà cria espaços desocupados: a sombra da torre insinua toda uma profundidade entre a edificação e o espectador. A perspectiva dos prédios à esquerda é acentuada. À direita, há uma angustiante área vaga, onde o cenário é interrompido apenas por um toco. Cada objeto ganha então dramaticidade, monumentaliza-se pela sua presença inequívoca num mundo vazio. Volpi, por sua vez, faz da arquitetura, do chão, do mar e do firmamento, uma reflexão colorística a qual a têmpera é muito adequada. A composição de Volpi, mais próxima do espectador, deixa os planos de cores dissonantes justapostos e a perspectiva só existe como uma sugestão muito leve no prédio da esquerda. Não há dramaticidade, mas simplesmente o esforço de compor o encontro dos planos e mostrar a vibração entre as cores.

Carrà, De Chirico e outros pintores, que estavam na Itália daquele momento, produziam arte moderna em oposição às vanguardas.103 Em reação à diluição das tradições nacionais e do figurativo, eles retornavam ao que consideravam valores intrínsecos da pintura e da tradição local (Carrà escreve sobre Giotto, Margarittone d‟Arezzo e Piero de la Francesca).104 Se a vanguarda italiana, o futurismo especialmente, era uma arte que se voltava para instantes efêmeros, esses artistas zeraram a agitação da tela e se dedicaram à ordenação dos elementos da paisagem. Carrà acreditava que a composição bem construída era expressão do gênio mediterrâneo aflorada nos pintores sobre os quais ele escreveu. Esse artista moderno, pautado nesses valores, buscava então ângulos de apreensão da paisagem onde a natureza revelava caráter organizado e de aspiração ao eterno. O fundamento idealista (a dimensão de ordem e atemporalidade) do mundo fundia-se, desse modo, à observação do pintor resultando na cooptação da natureza, ao mesmo tempo, pela imaginação e pelo referencial empírico. O foco não é o mundo, mas a apreensão da natureza pelo gênio mediterrâneo: pela visão organizadora que pode construir tanto a perspectiva renascentista e pré-renascentista, quanto a relação entre áreas de cor e formas.105

103 Tadeu Chiarelli, L’Italia è qui: uma prezentazione, 2003. 104 Vittorio Fagone, Carlo Carrà: tutti gli scritti a cura di Massimo Carrà, 1978 105 Idem, ibidem, 1978.

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Tal como De Chirico e Carrà, a nova pintura de Volpi apontava para a calmaria. Volpi, à sua maneira, fundia a reflexão sobre elementos atemporais da pintura com uma reflexão da dissonância das cores. A presença dessa pintura italiana em São Paulo fora sentida nas exposições da década anterior e no trânsito entre a península e o Brasil. Não é de se surpreender que houvesse na pintura volpiana reflexões parecidas sobre a natureza, sobre a arte e sobre a história. Um bom exemplo do desembarque dessas concepções na Pauliceia é o catálogo da exposição de arte italiana realizada em 1937. Nele se lê

Daqui nasce a tendência a accentuar ainda mais o caracter constructor da paysagem, em suas linhas e em suas massas essenciaes, já não tendo como pretesto a differenrença das estações, ou das horas, ou mesmo aquillo que se chamou "estado de alma", mas antes a profunda natureza revelada no seu significado intimo de colaborar com o homem.

Em 1939, enquanto Volpi iniciava a transformação em seu estilo, Mário de Andrade visitou a exposição da Família Artística Paulista, da qual Volpi participara, e redigiu um artigo que impulsionou a carreira dos diversos pintores que expuseram ali. As palavras do poeta foram uma “verdadeira intervenção no campo das artes plásticas”. Elas produziram “alterações significativas na posição de vários” daqueles artistas, içando-os da “condição periférica em que estavam situados” para uma posição “reservada, até aquele momento, apenas para os letrados e pintores modernistas da primeira geração ou para aqueles relacionados com ela”.106

Mário de Andrade ocupava uma posição no mundo cultural brasileiro que fazia dele alguém autorizado a criar e derrubar ícones. A ele, diversos intelectuais e artistas recorriam pedindo autorização ou inspiração. Ele foi um intelectual brasileiro e moderno que jogou com trunfos e cicatrizes pessoais, traçando alianças com instituições e grupos políticos até o momento em que se tornou uma figura única no país, respeitado por sua produção autoral e a quem os novos deveriam beijar a mão.107 Sua presença fora tão marcante que ele convertia outros críticos em seus porta-vozes e conduzia artistas a caminhos e ideias que ele mesmo havia arquitetado.108

106 Heloísa Pontes, Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940 – 1968), 1998, pp. 46 – 47. 107 Sérgio Miceli, Mário de Andrade – A invenção do moderno intelectual brasileiro, 2012. 108 Uma boa análise da potência de Mário de Andrade é a dissertação de Nelson Aguillar. Esse autor demonstra como a pintora portuguesa Vieira da Silva, ao chegar ao Brasil, adequou sua pintura às

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O modernismo brasileiro, sob a liderança de Mário de Andrade, inclinava-se a renovar a estética em nome da atualização das maneiras de ver e valorizar o país. E, em nome dessa expressão brasileira em chave pictórica, Mário de Andrade pendia a ser um poderoso opositor à abstração em pintura. Para o crítico, a arte deveria se voltar ao povo e narrar (comunicar).109 A burguesia havia rompido essa função essencial ao estabelecer o obscurantismo e o individualismo. O impressionismo seria, para Mário de Andrade, expressão disso. O modernismo, que ele praticava, seria, por sua vez, uma retomada do que ele entendia ser a função da arte: a comunicação com fins à definição artística do nacional e tendia a se opor ao que pudesse ameaçar tal função comunicativa.110 Dessa maneira, Mário de Andrade considerava o surrealismo e o abstracionismo exageros da arte moderna – respectivamente a exacerbação do individualismo e da estética.111

Em 1942, esse crítico deu uma conferência sobre a narrativa histórica do modernismo nacional. A sua história, a história de suas obras e a história do movimento figuraram entrelaçadas nesse relato e o crítico optou, em boa parte do texto, por falar exclusivamente de si. Mário de Andrade se descreveu como um filho da aristocracia num mundo em que ela não tinha mais espaço.112 Antes de acatar essa conclusão, acredito que ela é uma pista importante do sentimento de falta de lugar que o atormentava no fim de sua vida. Toda a sua produção epistolar e o arquivamento de documentos sobre si mesmo e sobre o modernismo são indícios de que a personalidade do poeta havia se construído na intenção de um projeto que ganhou dramaticidade na célebre semana de 1922.113 A conclusão de sua conferência, culpada e angustiada, é que o modernismo havia falhado em um ponto:

diretrizes traçadas por Mário de Andrade. Cf. Nelson Aguilar, . Figuration et Spatialisation Dans la Peinture Moderne Bresilienne: le sejour de Vieira da Silva au Bresil (1940/1947), 1984. 109 Tadeu Chiarelli demonstra como a crítica de Mário de Andrade estava em sintonia com a produção internacional, em especial aquela denominada de “retorno à ordem”. Isso significava que o crítico opunha-se às vanguardas e valorizava a representação nacionalista e o elogio da técnica artística. Cf Tadeu Chiarelli, pintura não é só beleza: a crítica de arte de Mário de Andrade, 2007. 110 Idem, ibidem, pp. 17-51 111 Idem, ibidem, pp. 164 – 170. E também as páginas, 21, 27 e 28. 112 Mário de Andrade, o movimento modernista, 1974 [1942]. 113 Gilda de Melo e Souza tem um ensaio magnífico sobre a relação narcísica que Mário mantinha com a própria obra e a formação de sua coleção. Cf. Homenagem a Mário de Andrade: o colecionador e a coleção. 1998.

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E eu que sempre me pensei, me senti mesmo, sadiamente banhado de amor humano, chego no declínio da vida à convicção de que faltou humanidade em mim. Meu aristocracismo me puniu. Minhas intenções me enganaram.114 A repercussão dessa falha, dessa culpa pessoal, seria, segundo o poeta, uma obra apolítica, pouco inclinada a guiar os brasileiros naqueles tempos “tenebrosos”, e consequentemente uma obra falha em sua função para com o “povo.”115 A avaliação pessimista do crítico pode, segundo Heloísa Pontes, ser atribuída “em parte, ao ajuste de contas que o escritor modernista vinha fazendo consigo mesmo”. O poeta havia sido obrigado a deixar a direção do Departamento de Cultura de São Paulo quando Getúlio Vargas desferiu o golpe de 1937. O crítico mudou-se, em 1938, para o Rio de Janeiro, onde assumiu a cátedra de Filosofia e História da Arte e a direção do Instituto de Arte da Universidade Federal.116 Mas

(...) sua diligência em instaurar um projeto educacional e artístico sem precedentes no país malogrou rapidamente, em razão do fechamento dessa universidade, em 1939, em consequência da política repressiva do Estado Novo. No entanto, Mário (assim como uma série de outros intelectuais progressistas) continuou a colaborar com o programa cultural do Estado Novo. Através da ligação com o Ministério da Educação, dirigido por Capanema, exerceu o cargo de consultor técnico do Instituto Nacional do Livro e realizou diversos trabalhos para o SPHAN. Apesar da ambiguidade de sua situação, desfeita em parte com a volta para São Paulo no começo de 1941, Mário mostrava-se implacável com os intelectuais que se entregaram á “fantasia arlequinal do conformismo e sujeitaram a inteligência a toda espécie de imperativos econômicos.”117 Em 1941, Mário de Andrade fora convidado a escrever na edição inaugural da revista Clima. O tema deveria ser a nova inteligência brasileira. Segundo ele, a sua geração falhara e os novos intelectuais estavam aquém daquilo que a época demandava. A técnica, no entanto, aquele saber disseminado por professores estrangeiros nas novas

114 Mário de Andrade, Op. Cit, 1974 [1942]. 115 Idem. Ibidem. Daniel Farias, ao estudar a construção da persona de Mário em seus textos, deixa bastante claro o anseio do poeta por um sacrifício pessoal como meio de pensar a participação política e o quanto esse apolitismo de Mário deve ser nuançado dentro de uma concepção própria ao poeta do que é política, mais associada ao “burburinho das ruas” e ao conflito que à participação no jogo de poder. Mário, com efeito, havia mantido um projeto que envolvia a pesquisa e o fortalecimento da nação e a consequente educação do povo. Ele, ao assumir a cadeira de secretário de cultura, adquiriu também a possibilidade de colocar em prática seus projetos urbanos e nacionais. Cf. Daniel Farias, O Mito modernista, 2006.

116 Heloísa Pontes, op. Cit, 1988. Pp. 67. 117 Idem. Ibidem. Pp. 67 – 68.

56 faculdades de São Paulo, engendraria uma esperança pela consciência profissional que conferia aos novos intelectuais. Técnica e consciência profissional podiam então, para o poeta, salvar a nova geração do pecado de seus predecessores: o abstencionismo político.118

Por um lado, a narrativa do modernismo brasileiro engendrava a autobiografia de Mário de Andrade e sua influência era tamanha que se reafirmava na própria prática intelectual da época. Por outro, é interessante perceber como o mundo da cultura começava a escapar entre os seus dedos. No artigo sobre a Família Artística, ele afirmava que a vinda dos pintores estrangeiros teria sido mais importante para a consolidação das características da pintura paulistana que a própria semana de 1922. São Paulo se transformava e os estrangeiros chegavam. Os intelectuais franceses davam aulas na faculdade, pintores e escultores se reuniam. A cada dia surgiam novas pessoas com valores e saberes muito dissonantes aos de Mário de Andrade.

No texto sobre a Família Artística Paulista, o que se instaurava era uma revisão da história da arte nacional que Mário de Andrade levará a cabo até 1945, ano de sua morte. O fulcro do texto de 1939 é um elogio à técnica dos pintores paulistas: o argumento chocava-se, portanto, com o ideário da primeira geração modernista conformada na ligação entre liberdade de pesquisa e experimentalismo artístico com fins nacionalistas. O que Mário descrevia nesse texto eram pintores que pintavam bem, melhor do que os do Rio de Janeiro. E a origem dessa pintura, de uma perícia técnica exemplar, seria a presença de artistas estrangeiros em São Paulo na década de 1930 e o papel destes na renovação das artes plásticas brasileiras.119 Em especial, a presença de Paulo Rossi Osir, ítalo-brasileiro e Vitorio Gobbis (1894 – 1968), italiano que, juntamente com Lasar Segall, um judeu russo, teriam, segundo Mário de Andrade, legado à arte paulista a sua característica mais marcante, justamente o esmero técnico. Como vimos no capítulo anterior, as artes plásticas constituíram em São Paulo, durante um longo período, um lócus de atuação para imigrantes e seus filhos: é isso que a presença, por exemplo, de Antônio Rocco ou Anita Malfatti atesta. Mas, na década de 1930, a presença desses estrangeiros é incontornável: nesse momento, toda uma geração de artistas plásticos, da qual os que expunham na Família Artística, era parte

118 Mário de Andrade, Elegia de Abril, 1941. E para uma análise deste ensaio enquanto a recepção dos novos intelectuais, formados na Universidade de São Paulo, ver Heloísa Pontes, op.cit, 1998, p. 47. 119 Mário de Andrade, Esta paulista família, 1971 [1939].

57 considerável, era proveniente de ambientes imigrantes. A análise de Mário de Andrade seria então um reconhecimento de que o mundo das artes plásticas daquela cidade expandia-se para além das fronteiras nacionais e que o saber dos artistas, transmitido por contatos em trânsito internacional, caracterizava a pintura paulista mais do que a inspiração nacional da geração de 20.

Esse elogio à técnica dos pintores não era inequívoco, pelo contrário, levou Mário de Andrade a uma posição reticente. Para o crítico, os quadros daquela geração, formada na década de 1930, seriam tímidos, faltar-lhes-ia a expressão individual e o diagnóstico do poeta também incidia sobre os estrangeiros que traziam o legado da técnica. Era justamente a timidez dos professores que levava os alunos à mesma condição. A única exceção seria Lasar Segall, mas este, segundo Mário de Andrade, não era bom mestre.120

Em 1944, Mário de Andrade lançará o Ensaio sobre Clóvis Graciano, onde desdobrará a análise daquela geração e logicamente de Volpi. Esse texto será um marco decisivo na fortuna crítica daqueles pintores e as análises, que o crítico desenvolveu ali, serão retomadas até na contemporaneidade constituindo uma espécie de fórmula a qual a crítica de arte nacional recorre para falar daquela pintura. Volpi, como membro daquela geração, faz parte da reflexão do ensaio e a descrição, que hoje conhecemos desse pintor, é subserviente dessa fórmula.

Nesse texto de 1944, Mário de Andrade descreveu os quadros dos santelenistas como paisagens impressionistas. Com isso, frisou o caráter “não-emblemático” daquelas imagens. Nas telas de Francisco Rebolo, membro do grupo e autor de paisagens que Mário colecionou, essa dimensão é evidente.

120 Idem, ibidem.

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Francisco Rebolo. Paisagem com espantalho, s.d.. Óleos/ tela, 40 x 50,3 cm. Col. Mário de Andrade/ Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

Francisco Rebolo. Paisagem com Casas, 1940. Óleos/ tela, 73,5 x 92,5 cm. Col. Mário de Andrade/ Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

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Trata-se de paisagens com casas simples perdidas entre morros delicados. Em um quadro, paisagem com espantalho, o terreno funde-se ao céu numa sugestão de continuidade; em outro, paisagem com casas, o horizonte é interrompido por uma sucessão de elevações onde tons de verde sugerem caminhos e diluem as diferenças entre um morro e outro. São paisagens que se abrem numa sugestão de infinito para além da tela e para o próprio observador que, posicionado num lugar elevado, tem a impressão, ao olhar o terreno sob seus pés, que ele continua em declive para dentro da tela.

As casas se repetem dentro de cada quadro e em ambas as obras. Rebolo pinta suas paisagens como achados triviais em meio ao mundo, achados doces, imersos numa natureza acolhedora de maneira diferente, por exemplo, de Gado na montanha de Lasar Segall.

Lasar Segall. Gado na montanha, 1939. Óleo com areia s/ tela, 60 x 65 cm. Museu Lasar Segall.

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Nessa obra de Segall, os morros também continuam para além da tela, mas o espectador observa apenas eles. Não há céu, não há horizonte, o contorno das montanhas é definido com precisão à semelhança do desenho curvo ou mais ou menos anguloso do gado que se encontra na tela. Em Segall, a paisagem se impõe como definitiva. Trata-se de certo formato de morros e não de uma paisagem surgida do infinito, como em Rebolo. Sabe-se que o judeu-russo pintou essa tela em Campos do Jordão, no ano de 1939, em um momento que, como diria Mário de Andrade, estava tentando domar essa paisagem. De Rebolo se diz que tinha o hábito de pintar os arrabaldes de São Paulo, o local exato não importa.

Mário de Andrade, no ensaio, se ressente que o grupo jamais pintava as igrejas barrocas, historicamente relevantes, das cidadezinhas e que suas paisagens não eram emblemáticas, como as de Campos do Jordão que Segall e outros modernistas ousaram pintar. Tratava-se de lugares desprovidos de significado: fugidios e aleatórios que o crítico remetia às paisagens impressionistas onde pouco importava qualquer tipologia. Segundo Mário de Andrade, eram obras de pintores arreligiosos, materialistas e sem Deus.

Nada de perceber as paisagens deslumbrantes, onde é mais fácil encontrar o dedo de Deus, Alto da Serra, os luxos amplos dos perfis da Cantareira, ou Campos do Jordão.121

Sabe-se que, para o crítico, o impressionismo foi o início de um processo que liberou o artista para o uso da imaginação e, ao mesmo tempo, alicerçou um individualismo nas artes que descambou no surrealismo (o artista voltado para si mesmo) e no abstracionismo (o artista voltado exclusivamente para o belo, renegando o assunto e o espectador, ou seja, o povo). 122 A própria questão da paisagem é um tema delicado para Mário. O catálogo da sua coleção artística revela escassez desse gênero historicamente associado aos impressionistas.123

Os Santelenistas, a despeito de Mário, eram paisagistas. Com exceção de Clóvis Graciano - pintor que tem Portinari como figura marcante em sua formação e, que talvez por isso, tenha se dedicado à figura humana - todo o grupo é conhecido por suas paisagens de subúrbios. O crítico, no entanto, não explicava o gênero de pintura entre os

121 Mário de Andrade, Ensaio sobre Clovis Graciano, 1971 [1944]. P. 160. 122 Tadeu Chiarelli, op. Cit, 2007. Pp. 164 – 170. E também as páginas, 21, 27 e 28. 123 Coleção Mário de Andrade: Artes plásticas. 1998.

61 santelenistas, pelo obscurantismo burguês. Muito pelo contrário, fazia-o por uma psicologia proletária: aqueles artistas pintariam daquela maneira por serem trabalhadores e só terem os finais de semana para pintar. Dedicar-se-iam então a retratar os lugares que viam: os espaços de lazer do proletariado, as cidadezinhas do litoral ou os arrabaldes de São Paulo. As casas que pintavam simbolizariam o desejo de possuir pequenas propriedades e a técnica, esta seria em si artesanal. Cada um, ao modo do artesão, dedicar-se-ia a socializar com os outros as conquistas de aprendizado artístico, de forma que a coletivização estabelecer-se-ia como regra e suplantaria arroubos de expressão individual. Fariam da arte a possibilidade de ascensão social. Através dela conseguiriam educação e circulação entre as diversas camadas da sociedade. Escreveu Mário: “A meu ver, o que caracteriza esse grupo é o seu proletarismo. Isto determina a psicologia coletiva, e consequentemente, a sua expressão.”124 E a técnica seria a principal expressão disso. Em Segall, ao contrário, nos diz o poeta, a técnica não servia a uma coletivização ao modo artesanal, como se dava entre aquela geração, servia sim para atingir uma dimensão pessoal do artista e expressá-la. O movimento da análise consiste em afirmar que a arte era a própria classe no Santa Helena. Seus integrantes, como um coletivo, teriam aprendido a pintar entre si e teriam feito da coletividade a sua expressão. Portanto, a paisagem e a natureza morta (tema também caro ao grupo) foram vistas por Mário como uma maneira de “burlar” a classe. Ambos os gêneros, vinculados ao surgimento da burguesia, seriam para Mário de Andrade, pinturas hedonistas que, no caso desses artistas, teriam permitido a libertação aos valores funcionais do assunto e, portanto, uma transcendência social. O subúrbio e os locais de descanso constituiriam temas privilegiados. Esses lugares teriam sido, segundo o crítico, a negação do funcional, a recusa do trabalho pelo seu duplo aspecto: enquanto local de lazer e enquanto paisagem, ou seja, gênero artístico125.

Estamos, portanto, em um momento diverso para a análise daquela geração de pintores. O que era central para explicar suas características formais em 1939, a presença de estrangeiros qualificados em São Paulo, deixa de ter prerrogativa em 1944. O que passa a figurar como prioritário é a classe daqueles artistas e o pintor que, segundo o ensaio, mais se destacaria era Clóvis Graciano. Ele

124 Mário de Andrade, op. cit. 1971 [1944]. 125 Idem, Ibidem.

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...não era apenas um pintor consciente de sua técnica, como todos os outros o eram com igual essencialidade, prefixados pela instância artesanal. Clovis Graciano é, mais que da estética, um pintor consciente de sua arte. Consequentemente dos seus assuntos. E também por isso, o único que trouxe uma consciência de classe e melhormente se afirmou numa obra de combate.126

Com o ensaio sobre Clovis Graciano, Mário de Andrade fecha o ciclo de reconhecimento que ele mesmo começara a traçar em 1939 ao redor desses pintores. E até que essa conclusão fosse lançada, outros intelectuais começaram a reivindicar notoriedade individual para Volpi. Luís Martins (1907 – 1981) afirmou, por exemplo, em 1941127 que “sobre ele [Volpi] ninguém escreve, ninguém faz conferências, ninguém realiza faróis esplêndidos”. “Apenas dois ou três amigos, também artistas, possuem a generosa dedicação de reclamar para ele, nas palestras sobre arte tão comuns em S. Paulo, o direito a um posto destacado entre todos os nossos pintores contemporâneos.”128 Esse texto de Martins reivindicava um espaço para Volpi entre os artistas reconhecidos e também comentava a premiação do pintor no concurso do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda para a melhor representação dos monumentos de Embu e São Miguel. Cinco dias depois, no mesmo jornal, O Estado de S. Paulo, um texto assinado por “Capitu” acusa de injustiça o fato da autora mal conhecer esse artista.129 Ambos os textos descreviam quem era Volpi. Para Luís Martins, ele seria modesto, não saberia dar palpites, e não frequentaria os lugares onde os mais sábios brilham. Ele só exporia em mostras coletivas, não saberia procurar os jornalistas nem se “insinuar entre os críticos de arte”.

Porque ele não possui nenhum brilho pessoal e assiste às intermináveis discussões de café com um ar quietarrão e aparentemente sem importância. Porque ele, sabendo falar o italiano e o português, sabe melhor se calar nessas duas línguas. Porque ele é pobre, pensa na vida como num terrível cotidiano e tem como único refúgio a sua arte, que nada lhe rende, ou pouco mais que nada.130

126 Idem, ibidem. 127Luís Martins (Rio de Janeiro 1910 – São Paulo 1981) foi um crítico, escritor e jornalista que atuou em São Paulo a partir de 1937 com o lançamento de ”A pintura moderna no Brasil”. Sobre ele, ver Heloísa Pontes, op. cit. 1998. 128 Luís Martins, Um pintor, 1941. 129 Capitu, crônica, 1941. Capitu era o pseudônimo de Maria do Carmo de Almeida, primeira mulher jornalista profissional do Brasil. 130 Luís Martins, Op. Cit, 1941.

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Capitu, por sua vez, ressalta a condição espontânea de seus quadros: suas obras seriam feitas com

aquela poesia eterna, profunda e cujas raízes se encontram no seu subconsciente de criança grande e boa, altamente dotada e emotiva que sabe transmitir a beleza que a emociona.131

Em 1944, no ano em que Mário de Andrade fechou o círculo de consagração ao redor daqueles pintores, Volpi fez sua primeira exposição individual num salão alugado por amigos e apoiadores de origem migrante.132 A importância desse momento reside no próprio caráter da mostra, afinal o nexo lógico que garante a existência desse tipo de exposição é a Pessoa, essa característica que une um quadro a outro através da invenção de um ser, a qual todas aquelas obras remetem e tornam dignas de interesse. Tratava-se de garantir o reconhecimento como membro de um mundo social específico, com efeito, aquele dos artistas modernos paulistanos.

Mário de Andrade analisou Volpi em dois outros momentos: um conto presente n‟O banquete e uma crônica sobre a primeira exposição do pintor, ambos de 1944.133 Nesses dois textos, a imagem que surge de Volpi é a de um pintor inquieto, com obras cheias de dissonância, com um uso contraditório da técnica que impediria àqueles quadros de se aproximarem das regras estéticas instituídas pelas classes dominantes. Seus quadros não se limitariam, segundo Mário de Andrade, a nenhuma norma ou expectativa, seriam refratários a qualquer normatização imposta pela classe dominante. O crítico acreditava que um observador diante desse tipo de pintura era conduzido a uma inquietude e agitação que poderia reverberar em descontentamento social. Isso se dava pela contraditoriedade das diversas técnicas usadas e pelo aspecto inacabado da tela que impossibilitavam uma posição segura e confortável para a fruição do quadro. A imagem que Volpi causa em Mário de Andrade é então ambígua, embora ele figure no Ensaio sobre Clóvis Graciano e no texto de 1939 dissolvido em sua geração, ele parece também se diferenciar dos seus contemporâneos e, por mais que o crítico tenha valorizado Volpi, a posição de destaque dada a Clóvis Graciano indica a prioridade que Mário de Andrade conferia ao assunto em detrimento da forma de expressão.134

131 Capitu, Op. Cit, 1941. 132 Ver Marco Antônio Mastrobuono, Op. Cit. 2013. 133 Mário de Andrade, “Encontro no Parque” in: O Banquete, 1989 [1944]. E Mário de Andrade, Alegro e Valsa, 1944. 134 Cf Nelson Aguilar, op. cit, pp -

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A explicação pela classe, que Ensaio sobre Clóvis Graciano imputa sobre Volpi, torna explícito um elemento que reverbera nos dois outros textos de Mário de Andrade sobre Volpi. Se a sua técnica era inquieta, aquilo que a agitava era a posição social do pintor que conformava sua condição psíquica e profissional. Naquele momento, no fim de sua vida, Mário de Andrade se voltava para artistas muito diferentes dos que antes havia reivindicado. No passado, apoiara-se em ícones pessoais da arte nacional: Aleijadinho, Almeida Junior e Portinari. Com a tomada de poder por Vargas e o enrijecimento do regime, a produção crítica de Mário volta-se para o estudo ou incentivo de movimentos culturais pautados no inconformismo e na excitação social.135 O crítico inicia então a pesquisa sobre Padre Jesuíno de Monte Carmelo, e encontra nas obras desse artista uma revolta popular contra a ordem social vigente. Há uma analogia entre a reivindicação de Volpi pelo poeta e a reivindicação do Padre:136 em ambos os casos, tratavam-se de artistas provenientes do povo, cujas obras revelavam vontades coletivas e indicavam certa inconformidade dos artistas às estratificações sociais que os pressionava.137

Seja o mecanismo da “burla” e coletivização descrito no ensaio, seja a revolta que se expressa na dissonância técnica, a classe figura como inconsciente e como agente, seja da produção artística ou mesmo do inconformismo. Tomemos qualquer texto de Mário de Andrade para situar Volpi, o que encontraremos é uma expressão subjetiva do artista para explicar aquilo que era atribuído aos estrangeiros em 1939: a técnica e a forma de expressão. Mário, em O artista e o artesão de 1941, identificava três âmbitos do fazer artístico: a técnica, que seria a maneira de mobilizar o material, o som ou a tinta, por exemplo; a virtuosidade, que nada mais é que a erudição artística e o conhecimento das diversas técnicas desenvolvidas na história e, finalmente, a solução pessoal do artista.138 O que ele faz no Ensaio sobre Clóvis Graciano é tornar a técnica e a solução pessoal daqueles pintores uma mesma coisa e confundi-las com o artesanato, apontando não para a singularidade absoluta que caracteriza, segundo o poeta, o surrealismo, mas para a diluição na classe, num saber coletivo. Nesse processo, iluminam-se traços inconscientes ou espontâneos aos artistas, que passam a situar-se

135 Nelson Aguilar. Op.CIt. 1984. P.49. 136 Nelson Aguillar não expande a análise para todo o grupo Santa Helena, mas acredito que seja possível. Aguilar analisa Volpi e Clóvis Graciano em contraste aos olhos de Mário e se volta para a ressurreição de Padre Jesuíno de Monte Carmelo. Cf. Idem. Ibidem, pp. 47-49. 137 Essa análise é subserviente da de Nelson Aguilar sobre Volpi. Cf. Idem. Ibidem. PP 50-53. 138 Mário de Andrade, O artista e o artesão, 1975 [1941].

65 numa classe social específica numa cidade em processo de metropolização e num país que Mário de Andrade se dedicava a conhecer através da estética.

Essa fórmula, que torna a técnica interna ao pintor pela posição social, perdurará sobre Volpi. Talvez pela própria posição de Mário no cenário brasileiro, talvez pela oposição entre técnica-estrangeira e solução local ser uma questão fundante do pensamento artístico nacional (sempre tensionado entre o dispêndio da importação cultural e sua justificativa local). Essa permanência no tempo não congela, contudo, a equação: ela adquirirá feições diversas na voz de diferentes autores, assegurando um lugar especial para Volpi em diversos contextos.

Sérgio Milliet, por exemplo, em 1948, separa o mundo da pintura entre paisagistas e compositores. Em um, a paisagem domina o artista, se impondo como sensibilidade em suas telas. No outro, o artista imagina a melhor maneira de tratar a pintura, compondo racionalmente sua obra, mesmo que esta seja uma paisagem. Volpi é o grande exemplo de paisagista e, nas palavras de Milliet, paisagem é sinônimo de sensibilidade. O complemento lógico do raciocínio de Milliet é que ninguém pode ser sensível à outra coisa que não seja àquilo que o envolve: a paisagem só pode ser a paisagem de um lugar e, no caso de Volpi, esse lugar só pode ser brasileiro e suburbano. Seja qual for a técnica, ela se torna, na análise de Milliet, subserviente para realização de uma sensibilidade. A paisagem volpiana, aquelas imagens de bairros periféricos, que Mário de Andrade acreditava ser subserviente à inconsciência da classe, é, também em Milliet, fundida ao criador, ali o pintor é a própria paisagem. Trata-se de uma

perfeita comunhão entre seus arrabaldes humildes e sua alma ingênua de poeta dos simples... Para essa alma sensível, a expressão é a paisagem.139

A narrativa dessa mitologia de Volpi corresponde então a uma revisão da história da arte brasileira. Mário de Andrade, atormentado pela situação política da época, buscava um novo caminho para o modernismo. Essa nova estrada circunscreveu Volpi junto aos outros pintores de sua geração e os situou no Brasil. A consolidação desse espaço possibilitou o reconhecimento aos artistas e o desenvolvimento de um projeto para as artes. Mário de Andrade, ao descrever os pintores como proletários e como homens prenhes de revolta, indicou um novo norte para a arte nacional.

139 Sérgio Milliet, A paisagem na moderna pintura brasileira, 1948.

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Todo esse projeto, no entanto, foi a invenção de pessoas, de psicologias e de personalidades. Ele permitiu a ascensão do grupo Santa Helena e de Volpi, mas exigiu que Mário de Andrade eclipsasse o que poderia desterrar o pintor lançando-o em debates, por exemplo, com questões da Itália. O aprendizado com estrangeiros é então abafado em função da expressão local e Volpi tornou-se brasileiro, proletário e paulistano: um pintor nosso, digno de figurar no panteão brasileiro.

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A linha

Nada poderia estar mais distante da arte autêntica de nosso tempo do que a ideia de uma ruptura de continuidade. A arte, entre outras coisas, é continuidade, sendo impensável sem ela. Sem o passado da arte, e a necessidade e compulsão de manter seus padrões de excelência, a arte modernista careceria tanto de substância quanto de justificativa. Clement Greenberg. 1960.

A potência do modernismo de 20 não cessou em 1945, quando Mário de Andrade morreu. Ela amalgamou-se à São Paulo, cidade moderna, que na década de 1950, sediou as Bienais e se tornou destaque mundial pela recepção das novas tendências artísticas. O ideário do poeta também sobreviveu: a oposição à abstração em favor da expressão nacional tornou-se ética para diversos artistas e críticos. Emiliano Di Cavalcanti, por exemplo, que fora um dos pintores da Semana de Arte moderna, atacava a arte abstrata por considerá-la “hermética”, “individualista”, “afastada da realidade” e praticada por artistas de uma “solidão irreparável.”140 Di Cavalcanti se opôs como militante às novas tendências e, para ele, defender a arte não-figurativa era esforçar-se para “definir o indefinível.”141

Esse aferro declarado contra a abstração não é tudo. A semana de 22 e a geração inaugural do modernismo, Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Segall... ocupavam um local de destaque nas narrativas sobre a arte brasileira. Eles foram sagrados como os responsáveis pelo maior desenvolvimento artístico que havia se desenrolado no país e Portinari figurava como o grande herdeiro dessa geração. Com efeito, a presença de Portinari no meio do século era incontornável. Ele fora aclamado em centros cosmopolitas como Paris ou Nova York e oferecia a esperança de reconhecimento internacional para a arte brasileira. Portinari fora o artista dileto de Mário de Andrade, a quem o crítico confiava suas ambições para a pintura do país.142 Seus quadros ou murais voltavam-se para a representação nacional e fundiam-se à ética apregoada pelo Partido Comunista, ao qual o pintor era filiado e pelo qual se candidatou

140 Aracy Amaral, Arte para quê?, 1984, pp. 232 - 234 141 Idem. Ibidem. P. 233. 142 Cf Tadeu Chiarelli, op.cit., 2007.

68 a senador. As imagens de Portinari inspiravam vários artistas e a esse artista acorria o governo Vargas, ou mesmo ao estadunidense Roosevelt, em busca de uma iconografia elogiosa do trabalho e da miscigenação pan-americana.143

Portinari, Di Cavalcanti, a narrativa e o legado do modernismo de 1920 fundiam, ética com figuração e com nacionalismo e ocupavam posições estratégicas frente às quais as novas correntes abstracionistas vão se chocar. A primeira mostra brasileira, que contou com uma quantidade substancial de arte abstrata, foi o Salão de Maio que, em 1939, expôs, em São Paulo, obras de artistas estrangeiros vinculados à abstração e ao surrealismo.144 A não-figuração, no entanto, demorará uma década para se fortalecer. É em 1948 que podemos ver sinais de vigor nessa nova tendência no Brasil. Foi nesse ano que o artista estadunidense Alexander Calder (1898 – 1976) expôs no Rio de Janeiro e que foram fundados os museus de arte moderna em São Paulo e na capital federal, sob os moldes do Museu de Arte Moderna de Nova York.

A arte abstrata era acompanhada de uma voga cosmopolita que se expressava, por exemplo, na nacionalidade de Romero Brest (argentino, 1905 - 1989) e Léon Degand (belga, 1907 - 1958) que, em 1948, realizaram conferências em São Paulo sobre abstração.145 Degand estava na capital paulista a convite do industrial Ciccillo Matarazzo para dirigir o MAM. Esse crítico belga, aficionado pela abstração, organizará em 1949 uma mostra intitulada do figurativo ao abstrato, que abrirá as atividades expositivas do museu. A conferência de Degand era justamente a preparação do público para a mostra que, apesar do título, não apresentou pinturas figurativas e contou com pintores europeus e três brasileiros recém-convertidos à não-figuração.146

1949 é também o ano que Waldemar Cordeiro voltou a residir definitivamente em São Paulo, esse jovem artista estava vivendo na Itália e passou a se dedicar à pintura não-figurativa. De volta à Pauliceia, ele se tornou um forte defensor de uma arte concreta, que ambicionava estabelecer-se como uma ação frente à cidade e à indústria: um quadro concretista queria ser um objeto atuante e não uma representação, ou seja, queria ser algo ao mesmo tempo funcional e estético. Os concretistas defendiam uma

143 Portinari havia sido escolhido para pintar os murais do Ministério da Educação no Rio de Janeiro e os da biblioteca do congresso, em Washington. Duas capitais federais de dois países. Um presidido por Getúlio Vargas, outro por Roosevelt. 144 Aracy Amaral, textos do Trópico de capricórnio, 2006, p. 112. 145 Idem, ibidem p. 114. 146 Idem, ibidem, p. 115.

69 arte que julgavam mais adequada ao mundo contemporâneo, eles acreditavam que os métodos para a representação não faziam mais sentido na sociedade industrial e buscavam uma pintura que fosse “conhecimentos deduzíveis de conceitos”, que fosse algo acima da opinião, ou seja, uma arte que se comunicasse por princípios lógicos e universais, o que, aos olhos das antigas gerações, deveria soar antinacionalista e frio.147

Em 1950, São Paulo sediará uma mostra do artista concretista suíço Max Bill que ganhará o prêmio de melhor escultura na Primeira Bienal de 1951.148 As próprias Bienais, que surgiram como atividades do MAM-SP, marcavam esse desejo de vínculo internacional para a cultura paulistana. De dois em dois anos, São Paulo recebia novos artistas e críticos estrangeiros e expunha, lado a lado, a produção artística brasileira, a europeia e a norte-americana.

A tensão entre figuração e abstração expressava-se no choque entre dois conjuntos de valores: de um lado artista que viam na representação populista do país uma ética social e, de outro lado, artistas que visavam universalidade, rigor e atualização dos valores estéticos. E foi Volpi quem ofereceu uma imagem consistente para a superação dessas dicotomias e a consequente acomodação das novas tendências sobre os ideários antigos. Na virada de 1940 para 1950, as pinturas de Volpi tornaram- se inequivocamente planas, com raros elementos que remetessem à profundidade ou à terceira dimensão. As casas, reduzidas a fachadas e consequentemente à bidimensionalidade, organizam-se, por exemplo, no quadro reproduzido abaixo, como uma colcha de retalhos, onde cada elemento guarda certa autonomia e figura quase como uma tela em si. Trata-se da justaposição de diversas facetas, cada uma com seus detalhes e adornos próprios. Juntas, elas compõem a tessitura maior da tela.

147 Sobre o concretismo, ver o manifesto Ruptura que foi lançado em 1952 na ocasião da mostra de arte concreta do grupo. Assinaram o manifesto “Charroux”, “Cordeiro”, “de Barros”, “Fejer”, “Sacilotto” e “Wladyslaw”. O manifesto é reproduzido no site do MAC – USP cf: http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo3/ruptura/images/manifesto_ ruptura.jpg 148 Sobre a primeira Bienal de São Paulo, de 1951 cf. Ana Maria Pimenta Hoffman, Arte brasileira na II Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo: o Prêmio de Melhor Pintor Nacional e o Debate em Torno da Abstração, 2002, pp. 52-71.

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Alfredo Volpi. Sem título, Início déc 1950. Têmpera s/ tela, 38,3 x 55,2 cm. Coleção Ladi Biezus.

Mário Pedrosa atribuiu a acentuação do plano na pintura volpiana à viagem que o pintor fez em 1950 para Itália, onde visitou obsessivamente a obra de Giotto, viu Piero dela Francesca e se apaixonou por Margarittone de Arezzo. Na Itália, segundo Pedrosa, Volpi teria reforçado essa bidimensionalidade que já estava em curso na evolução de sua obra.149 Concordemos ou não com Pedrosa, o que não podemos negar são as fusões que Volpi realiza nessas pinturas. Como eu disse antes, Margarittone de Arezzo, Giotto e Piero são três pintores italianos reivindicados por Carlo Carrà. Volpi, muito provavelmente, já havia visto Giotto por reproduções, como as imagens da página 32 nos fazem imaginar. Mesmo a paleta, com forte presença de tons terrosos e azuis, remete a este pintor pré-renascentista. As composições arquitetônicas já eram objeto de predileção de Volpi e, nessas novas telas, ele faz uma decomposição das paisagens urbanas em planos e, na justaposição desses planos, cria relações complexas de espaço: ora um objeto está atrás, ora está na frente; às vezes uma faceta do quadro é rua, outras vezes ela é parede, em algum momento é céu, em outro é mar. Ou seja, esses quadros amalgamam o antigo ideário do pintor com a necessidade de análise lógico-espacial dos concretistas.

149 Pedrosa, Volpi, 1924-1957. 2004 [1957], P. 269.

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Esses quadros encantaram Waldemar Cordeiro, líder do grupo de artistas concretos Ruptura. Para Cordeiro, a pintura de Volpi atuava:

Elevando o sentimento visual do povo brasileiro à linguagem universal. Retirado na pequena casa da Rua Gama Cerqueira, 154, [Volpi] apronta quadros para representar a nação em Veneza, Tóquio, Paris, Chile e pelo mundo afora.150

O artigo, onde Waldemar Cordeiro escreveu sobre Volpi, concluía-se situando Volpi como “um grande artista... um ralé na vida”, intocado pelo “poder público” que não se lembrava de “criar uma condição social para os artistas”, e esquecido também “por aqueles que desperdiçam somas na aquisição de quadros falsos e comerciais” sem descobrir “que existe arte.”151 Tratava-se então de reivindicar Volpi para o grupo concretista e, com isso, clamar por legitimidade e mecenato para a nova geração. Os quadros volpianos eram, ao mesmo tempo, nacionais e universais, paisagens e conceitos lógicos. Eles permitiam, portanto o cruzamento de dois discursos – aquele de uma arte pautada na reforma da sensibilidade humana (o concretismo) e aquele das gerações anteriores, nacionalista por princípio. Ou seja, eles eram imagens adequadas para justificar uma pintura abstrata frente ao ideário já consolidado pelas gerações anteriores.

Há dois pontos de apoio para a argumentação de Cordeiro: o primeiro são as próprias telas de Volpi que se adequavam às expectativas dos concretistas e dos nacionalistas. O segundo ponto aproxima-se da fórmula que Mário de Andrade traçou na década anterior. Cordeiro nos conta que

há cerca de dez anos, Volpi deixou de pintar construções. Quando volta à parede, é para realizar seus lindos murais, como na igreja do Cristo Operário ou nas residências de luxo que decorou. Porém a sua arte, ainda quando desenvolve um problema intelectual, tem sempre o sabor daquelas tintas do saibro da choupana de pau a pique.152

Mesmo para os concretistas, era a condição proletária e o artesanato que conferiam alma, ou “sabor” (como prefere Cordeiro), às telas de Volpi. E o ponto nevrálgico para a legitimidade que Cordeiro aspira, era o tal do “sentimento visual do povo brasileiro” que Volpi elevaria. Em outras palavras, era ao transformar o popular

150 Waldemar Cordeiro, Volpi, o pintor de paredes que traduziu a visualidade popular: o rapazola que comprou uma caixa de aquarelas usadas – Nas mansões, servia ao cosmopolitismo, mas amava os coloridos do saibro, 1952. 151 Idem, Ibidem. 152 Idem, ibidem.

72 em universal que o pintor das bandeirinhas se tornava especial para Cordeiro. E o que havia de popular era a visão e o gosto das periferias urbanas da época.

Os bairros de subúrbio que Volpi pintava, e também o Cambuci, onde morava, haviam surgido em São Paulo a partir de 1870 quando a aristocracia começou a vender suas chácaras abrindo espaço para o surgimento de zonas industriais ou residenciais.153 Alguns desses locais eram atravessados por ferrovias que facilitavam o escoamento de produtos.154 Nesses locais instalaram-se fábricas, vilas operárias ou mesmo loteamentos de casas proletárias: bairros construídos por pedreiros e mestres-de-obras de origem italiana. Se, no centro da cidade, os arquitetos projetavam casas manipulando elementos de tradições diversas, como o clássico italiano ou gótico inglês, nos subúrbios, os pedreiros construíam casas manipulando esses mesmos elementos de acordo com sua própria interpretação e conveniência sem, no entanto, sistematização ou método.155

Quando os primeiros arquitetos modernistas chegaram a São Paulo em 1925, encontraram uma cidade com forte gosto por cores vivas, oposta, portanto, à normatização branca que defendiam.156 Os subúrbios tinham sido recém-construídos ou estavam em expansão pelas mãos de mestres de obras com gostos ecléticos.157 A crítica de arte italiana, Margarita Sarffatti, visitou o país em 1948. Em São Paulo, fora ciceroneada por Sérgio Milliet e conheceu a pintura de Volpi. O texto que resultou dessa viagem encontra-se no livro Espejo de la pintura actual e descreve os subúrbios brasileiros imersos em casas coloridas.

Y las afueras de los barrios suburbanos florecen em casitas bajas color rosado de dentífrico, verde de pastilla de jabón, celeste de gragea; uma sarta de caramelos para sueños de ninõs, de cuentas para collares de mozas, que los ángeles delizaron sobre cerros azules, entre plátanos y palmeiras, com persianas guiñadoreas como pestanas.158 A pintura de Volpi, um trabalhador, comungava então, para Cordeiro, desse ambiente suburbano e proletário. Ela fazia desses lugares uma reflexão universal e elevada. Essa transformação da visualidade popular em linguagem concreta foi também

153 Antônio Egídio Martins, São Paulo antiga II, 1912. P. 14 154 Cf. Antônio Egídio Martins, São Paulo Antiga II, 1911-12. P. 155 Anita Samoni e Emma Debenedetti, arquitetura italiana em São Paulo 1981, p. 36. 156 Idem, ibidem, p. 45. 157 Maria Cecília Naclércio Homem, O Prédio Matinelli, a ascensão do imigrante italiano e a verticalização de São Paulo, 1984, p. 35 158 Margarita G. de Sarffatti, Espejo de la pintura actual, 1947, p. 108.

73 o que impressionou o crítico inglês Herbert Read (1893 – 1968), membro do Júri da 2ª Bienal, em 1953. Naquele ano, os jurados haviam decidido que o prêmio de melhor pintura nacional seria oferecido a Di Cavalcanti, mas Herbert Read impôs forte resistência até que o prêmio fora dividido entre Di Cavalcanti e Volpi.159 Segundo Read, a pintura brasileira naquela Bienal era

(...) muito viva – “very lively” – Mas demonstra que os artistas brasileiros estão muitíssimo conscientes do que está se processando no mundo. [...] ao percorrer a representação brasileira senti, como o senti, aliás, em todos os países, que existe o perigo do desenvolvimento de um estilo internacional, que apague imperceptivelmente todos os sentimentos e sensibilidades locais. Andei à procura de algo que tivesse, mesmo, brotado desse país.160 Herbert Read encontrou esse germe local nas pinturas de Volpi e descreveu o pintor como “um artista consciente do movimento geral, mas que criou algo original. Fez algo contemporâneo com um tema indígena: as formas e as cores da arquitetura brasileira moderna.”161

A divisão desse prêmio é um marco historiográfico para a consolidação da pintura abstrata no país e projetou Volpi ao centro das discussões contemporâneas em arte. Premiado na Bienal de São Paulo e reivindicado pelos concretistas, ele aumentou substancialmente sua influência no meio artístico brasileiro, seu poder comercial e seu atrativo para os críticos. Os pintores concretistas aproximaram-se de Volpi e ele passou a se dedicar a obras exclusivamente geométricas sem, no entanto, deixar o referencial empírico. Se os concretistas queriam quadros que partissem de princípios ideais e lógicos, Volpi faz quadros de origem empírica sintetizada em geometria.162 Exemplar desse processo é a obra cata-vento exposta na Bienal de 1955. Essa tela é, ao mesmo tempo, uma composição de triângulos coloridos organizados para sugerir rotação e reminiscência do brinquedo que dá nome ao quadro. Junto a esse trabalho, Volpi apresentou telas de fachadas e, segundo o crítico José Geraldo Vieira, o que esse artista

159 Ana Maria Pimenta Hoffman, op. cit., 2002, p. 105. 160 Ivone Jean, Sir Herbert Read fala da participação brasileira na Bienal e do abstracionismo geral, 1953. 161 Idem, ibidem. 162 “Cabe dizer, em todo caso, que a adesão de Volpi às poéticas concretas nunca foi incondicional, tampouco representou uma fratura na evolução de sua linguagem. Como os poemas concretos de Manuel Bandeira, que são quase sempre acrósticos amorosos, as melhores telas concretas de Alfredo Volpi não expressam tanto a busca da objetividade quanto o pudor de uma subjetividade que, à força de depurações, se tornou forma geométrica. Não são ideias que se tornam realidades, e sim realidades que se tornaram ideias.” Lorenzo Mammì, Op. cit, 2011, p.33.

74 alcançara entre as duas bienais, a de 1953 e a de 1955, seria “o apuro de um concretismo ao mesmo tempo sólido e harmônico”, embora voltado a “impregnar tudo isso com o lirismo de uma atmosfera sensível onde o fenômeno urbano pressupõe”: “a vigilância da humanidade que se pressente”. Para José Geraldo Vieira, Volpi permanecia o “pintor da rua, de calçada, do quarteirão, tanto do centro como de arrabalde.” 163

Alfredo Volpi. Cata-vento, meados déc 1950. Têmpera s/ tela, 73 x 50 cm. Coleção Tito Enrique da Silva Neto.

163 José Geraldo Vieira, O urbanismo lírico de Alfredo Volpi, 1955.

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Esse apuro do concretismo chamará a atenção do maior defensor desse tipo de arte no Brasil: o crítico Mário Pedrosa, que além de intelectual, era também um militante político vinculado ao trotskismo e à IV Internacional. Pela sua militância, esse crítico fora exilado do país em 1937, durante o Governo Vargas e sua posição sobre as artes é devedora do que viveu fora do Brasil, em especial em Nova York, junto a outros intelectuais e militantes.

A crise de 1929 havia assolado os Estados Unidos e a década de 1930 fora marcada, naquele país, por uma reconstrução nacional implementada pelo Estado. O governo Roosevelt investiu fortemente na criação de empregos e, vinculado a isso, investiu também em cultura. Washington criara em 1935 o Federal Art Project, órgão responsável por subsidiar obras destinadas a edifícios públicos e essa instituição incentivava a exaltação do trabalhador como reconstrutor da nação.164 Mais tarde, em 1937, a arte incentivada pelo Federal Art Project passa a denominar-se “realismo democrático” e fecha-se como uma arte nacionalista, feita por americanos para americanos.165

No correr da década de 1940, os frutos dessa ideologia serão estendidos por Washington sobre a América Latina como parte de um projeto de hegemonia cultural e política. Os EUA temiam, naquele momento, a expansão de governos fascistas ou comunistas no continente e os possíveis prejuízos econômicos e militares que decorreriam disso.166 Pedrosa, que era militante socialista, latino-americano e um exilado do governo Vargas, se opunha ao que considerava imperialismo norte- americano. Para ele, a luta dos EUA por hegemonia no continente envolvia a perpetuação do capitalismo e o subsídio a ditaduras no Brasil, no Chile e em outros países latino-americanos.167

Por outro lado, A URSS não oferecia um caminho alternativo. O governo Stalin, nos tribunais de Moscou, havia exterminado seus opositores, fossem eles de esquerda ou de centro.168 Mesmo no âmbito internacional, os partidos comunistas, sob as diretrizes da URSS, cooperavam com as burguesias nacionais, no intuito de afastá-las das ideologias fascistas. E, por motivos parecidos, os partidos apoiavam qualquer

164 Marcelo Mari, Estética e política em Mário Pedrosa (1930 – 1950), 2006, pp. 77-88. 165 Idem, ibidem, p. 86. 166 Idem, ibidem, pp. 108-119. 167 Idem, ibidem, p. 113. 168 Idem, ibidem, p. 74.

76 governo que se opusesse ao fascismo.169 Isso resultou no apoio a Getúlio Vargas na eleição de 1945: tomada de posição que passou por cima de toda a perseguição do Estado Novo contra líderes e apoiadores do comunismo. No plano estético, as diretrizes de Moscou se aproximavam das de Washington: o foco também era a exaltação do trabalhador em chave pictórica.170

Prensados entre o realismo democrático e o realismo soviético, alguns intelectuais americanos convertiam-se à arte abstrata. 1934 é o ano de fundação da Partisan Review, onde Trotsky publica com Breton e Rivera o manifesto por uma arte independente e Clement Greenberg defende Jackson Pollock. Se a arte realista fora cooptada por potências estatais e perdera o seu papel crítico, a abstração surgia como revigorante.171 Pedrosa converte-se ao abstracionismo em 1944, quando visita uma exposição de Alexander Calder no MOMA de Nova York.172 Calder esculpia formas abstratas e as organizava em móbiles. A mecânica dessas esculturas movimentava as peças de forma imprevisível. O que esse artista ofereceu a Pedrosa, fora a junção de uma racionalidade técnica, tipicamente moderna, com uma dimensão humana e irônica. A mecânica era usada para lançar no imponderável a realização da obra, desnaturalizando assim a própria técnica, suprindo-a de graça inventiva. A posição de Pedrosa, enquanto crítico, deveria então seguir o caminho indicado por essa revelação e fundir vigor teórico e paixão pela arte.

169 Idem, ibidem, p. 113. 170 Idem, ibidem, p. 85. 171 Idem, ibidem, pp. 72 – 125. 172 Otília Beatriz Fiori Arantes, Mário Pedrosa: Itinerário crítico, 2004, p. 53.

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Alexander Calder. The circle, 1934, arame, chapa metálica, madeira, cerâmica, corda e tinta. 91,1 x 80 x 33 cm. Frances Lehman Loeb Art center, Vassar College, Nova York.

É na Gestalt que Pedrosa encontra uma filiação intelectual para suas ideias. Com base nessa corrente, escreve a sua tese, da natureza afetiva da forma na obra de arte, na qual defende que “o que há de específico no conhecimento artístico é a intuição. E a revitalização desta é dada justamente como a grande missão educativa da arte moderna.”173 À arte moderna caberia romper a separação entre inteligência e sensibilidade e consequentemente a separação entre subjetividade e objetividade, entre forma e expressão.174 Essas junções só seriam possíveis, segundo Pedrosa, pois as leis que governavam a estruturação da obra guiavam também a percepção e a realização artística. Portanto, era nas características intrínsecas ou formais que a arte se realizava e era na própria intuição (e não em uma narrativa externa) que a obra cumpria seu papel

173 Idem, Ibidem, p. 69. 174 Idem, ibidem, p. 72.

78 revigorante. “Haveria, portanto, no mínimo, um parentesco ou uma homologia perfeita que tornaria inócua a oposição tradicional sujeito-objeto e explicaria o caráter não discursivo, intuitivo da arte.”175 E se a Gestalt vai ser a principal inspiração de Pedrosa, outras virão, balanceando o formalismo exacerbado com a busca de um elemento afetivo ou, em alguns momentos, inconsciente ao artista. As atenções, que Pedrosa prestava às obras, deslocavam-se entre os fundamentos humanos (íntimos aos artistas e socialmente localizados), e uma vontade estruturadora e universal (onde o rigor técnico era incentivado).176

De volta ao Brasil, em 1945, ele se torna o primeiro crítico profissional do país. Afastando-se dos seus predecessores, ele buscou, no rigor teórico, a chave para uma nova maneira de pensar a arte sem, no entanto, isolar-se no discurso acadêmico, atuando principalmente em jornais e instituições culturais e sem nunca abandonar a militância política.177 Ele cria, ao mesmo tempo, entre 1945 e 1946, a União Socialista Popular, o semanário Vanguarda Socialista e a seção de artes do jornal Correio da Manhã. A defesa do livre pensamento é postulada como um dos pilares do semanário e permitirá a crítica ao Partido Comunista.178

No fim da segunda Guerra, o Partido Comunista contava com apoio de diversos intelectuais e artistas nacionais. Essa organização figurava como uma vencedora do fascismo e como uma instituição que, a maior parte do tempo, lutara contra a ditadura de Vargas. A recém-instaurada democracia brasileira permitiu que o partido voltasse à legalidade e que ele exercesse enorme atração sobre intelectuais e artistas brasileiros. Jorge Amado participava do partido, assim como Caio Prado Junior.179 E Cândido Portinari se juntará a eles. Os críticos do Semanário se opuseram à cooptação da inteligência brasileira, em especial à de Portinari que se candidatou em 1945 e 1947, respectivamente, a deputado e a senador pelo partido.180 Portinari colocava em consonância o ideário modernista da geração de 1920 e o do Partido Comunista: esse pintor defendia uma arte com efeitos didáticos para o povo, consequentemente uma

175 Idem, ibidem, p. 74. 176 Idem, ibidem, pp. 77 – 100. 177 Idem, ibidem, p.20. 178 Marcelo Mari, op. cit., p 152. 179 Idem, ibidem, p. 167. 180 Idem, ibidem, p. 168.

79 estética figurativa, de fácil apreensão e pautada na representação das mazelas nacionais.181

Não é de se estranhar que Pedrosa entrasse em choque com a herança consagrada do modernismo de 1920: cooptação política e defasagem estética se combinavam como motivos para o crítico se opor à herança da semana de 1922. E a figura de Portinari constituirá um adversário privilegiado, afinal o pintor se aproximava, ao mesmo tempo, do ideário de Moscou, via Partido Comunista e do ideário do governo norte-americano.182 O artista pintou, por exemplo, os painéis Descobrimento, Catequese, Descoberta do ouro e Desbravamento da mata em 1941, na biblioteca do congresso, em Washington. Todos os painéis são imagens de pessoas em atividades laborais. Fora Catequese, os outros três elogiam a potência corporal do trabalhador. É como se dissessem: o Descobrimento, por exemplo, só é um feito magnífico por que os marinheiros das caravelas foram hercúleos. Esses acontecimentos históricos se passaram, segundo os painéis de Portinari, ao mesmo tempo na história e no corpo dos trabalhadores que o desenvolveram, pois somente um corpo monumental podia fazer frente à potência da natureza e romper a maré ou vento no desbravamento dos oceanos.

Cândido Portinari. Descobrimento 1941. Têmpera. 316 x 316 cm. Biblioteca do Congresso (pinturas murais). Washington.

181 Idem, ibidem, pp. 171 – 173. 182 Idem, ibidem, pp. 119 – 144.

80

Com o acirramento da Guerra Fria, a tensão entre crítico e artista aumenta. Em 1947, por pressão norte-americana, o governo Dutra dilui o Partido Comunista e, em 1948, Portinari pinta o Painel Tiradentes, onde retrata o mártir da inconfidência com o rosto de Luís Carlos Prestes (1898 – 1990) e faz da obra um elogio nacionalista contra o colonizador. Ecos dessa mensagem poderiam ser ouvidos tanto na conjuntura brasileira frente aos EUA, quanto na posição que a URSS tomou na Guerra da Coreia. Esse painel rendera a Portinari homenagens de intelectuais vinculados ao Partido Comunista na França e em Varsóvia e um pretexto para que, contra ele, Pedrosa desferisse seus mais duros golpes.183 As acusações do crítico voltaram-se principalmente para a subserviência da composição à narrativa. Pedrosa demonstra, em sua crítica, como isso levou o painel a perder dramaticidade, bom gosto ou mesmo continuidade. Para Pedrosa, o painel narrativo também era inadequado ao prédio moderno que ocuparia. O edifício constituía-se de vidro, concreto e outros materiais usados, segundo o crítico, de forma, ao mesmo tempo, estrutural e estética. O prédio não seria, portanto orgânico a uma obra que não se adequasse à fusão entre o decorativo e o funcional. Nem mesmo a escolha cromática foi perdoada por Pedrosa que a acusava de remeter impensadamente ao prazer em certas passagens dolorosas da narrativa.184

A posição de Pedrosa, diametralmente oposta às diretrizes do Partido Comunista, não pararam por aí. Ele também se aproximou da Bienal, enquanto o partido proibiu a participação de artistas filiados na mostra de 1951.185 A participação do crítico na Bienal, que colocava Pedrosa em trânsito entre São Paulo e Rio, aproximou-o dos jovens pintores abstratos da Pauliceia 186, mas foi principalmente entre os cariocas que Pedrosa teve influência. De alguma maneira, os artistas do Rio de Janeiro se reuniam em torno do crítico e foram seus protegidos. Eles se denominavam Grupo Frente e Pedrosa os informava ideologicamente e mobilizava sua rede de relações, oferecendo

183 Sobre a composição do painel e a admiração do partido comunista internacional cf. Idem, ibidem, pp. 196 -198. 184 Mário Pedrosa, O painel de Tiradentes, 2004 [1949]. 185 Marcelo Mari, op. cit., p. 215. 186 Ana Maria Pimenta Hoffman, op. cit., P.259.

81 subsídios institucionais, seja junto ao MAM-Rio, seja junto ao Jornal do Brasil ou mesmo em outras instituições.187

Se as heranças do modernismo de 1920 demandavam da nova arte uma resposta ética e de participação social, Pedrosa a encontrou em Calder e na teoria da forma. O catálogo da mostra do grupo Frente em 1955, escrito pelo próprio crítico, deixava isso evidente:

A arte para eles [os artistas do grupo Frente] não é uma atividade de parasitas nem está a serviço de ociosos ricos, ou de causas políticas ou do Estado paternalista. Atividade autônoma e vital, ela visa a uma altíssima missão social, qual a de dar estilo à época e transformar os homens, educando-os a exercer os sentidos com plenitude e a modelar as próprias emoções.188 Faltava, no entanto, enunciar o que o concretismo dizia especificamente do Brasil. E essa dimensão nacionalista da arte será arquitetada em 1957 por Pedrosa e terá Alfredo Volpi como seu pilar de sustentação. A pedra fundamental desse edifício fora a Exposição nacional de arte concreta, realizada no fim de 1956 em São Paulo e no começo de 1957 no Rio de Janeiro. Volpi fora convidado para expor nessa mostra, ocasião que permitiu a Décio Pignatari (1927 – 2012, também um expositor) aclamá-lo, no Rio de Janeiro, como o maior artista nacional.189 Também por ocasião da mostra, Mário Pedrosa e seu aliado, Ferreira Gullar lançaram três textos, dois de Gullar e um de Pedrosa que separavam os artistas da exposição entre Paulistas e Cariocas e os analisavam contrastando as características próprias dos artistas de cada cidade.

Pedrosa sabia que São Paulo havia adquirido uma centralidade sobre as artes plásticas no país, principalmente com as bienais, e seu texto buscava situar a cidade e sua produção intelectual num lugar preciso e limitado da arte brasileira.190 Segundo o crítico em Paulistas e cariocas, havia uma diferença entre povos “mais teóricos” e outros a quem a teoria não tem tanta proeminência. Pedrosa pergunta-se, “porque será (...) que o italiano é sempre mais teórico que o francês, o alemão que o inglês, o russo que o americano (...) e o paulista que o carioca?” Tratava-se, portanto de definir, por

187 Flávio Rosa de Moura, Obra em construção: a recepção do neoconcretismo e a invenção da arte contemporânea no Brasil, 2011, p. 25 188 Mário Pedrosa, Grupo Frente, 2004 [1955]. 189 Ferreira Gullar entrevista Décio Pignatari in: Jornal do Brasil, 13 de Janeiro de 1957.

82 contrastes, os paulistas, os brasileiros e os cariocas. O brasileiro seria menos teórico que o resto dos latino-americanos e,

entre as duas metrópoles intelectuais mais importantes, entre São Paulo e Rio, podemos notar também algo dessa diferença de atitude. Desde a Semana de Arte Moderna que São Paulo se apresenta ao Rio como centro propulsor de ideias e teorias estéticas. Os modernos não nasceram apenas em “Pauliceia Desvairada”, mas sua doutrina, sua teoria ali é que foi definida e codificada.191 Há um contraste grande entre esse texto e uma conferência que Pedrosa fez em 1952 sobre a semana de 1922. Na conferência, não havia razão para diferenciação entre Rio e São Paulo, e o desembarque do modernismo no país teria se dado na capital paulista, quando as artes plásticas, em especial as de Anita Malfatti e Brecheret, revelaram aos literatos (principalmente a Mário de Andrade) uma fenomenologia do Brasil. Pedrosa dizia, em 1952, que “o Brasil de Mário de Andrade entra pelos sentidos. Daí sua força plástica e concretizadora”. A poesia andradiana carregaria então, para Pedrosa, na conferência, um “extraordinário vigor plástico e cromático da evocação da natureza brasileira. Sua paleta lembraria os tons vivos do fauvismo e a violência da cor pura de Van Gogh”.192 Mário de Andrade figurava na conferência como o poeta de um “Brasil direto – natural, anti-ideológico”.193 Em 1957, no texto Paulistas e Cariocas, Mário de Andrade figurava como um ideólogo do modernismo que intercalaria um livro de poesia com um de “sabença”. E os cariocas, em oposição aos paulistas seriam, “mais empíricos, ou então o sol, o mar os induzem a certa negligência doutrinária”. Pedrosa, em 1957, situa então o Rio de Janeiro numa posição metonímica daquele Brasil que antes fora revelado por Anita Malfatti e Brecheret. A história da arte modernista brasileira torna-se então destacável do modernismo paulista. “O modernismo não nasceu apenas em „Pauliceia desvairada‟, mas sua doutrina, sua teoria ali é que foi definida e codificada”.194 Volpi é descrito como uma exceção entre os paulistas. E Pedrosa o chama de: “o velho mestre já glorioso” “que empresta aos rapazes do concretismo o gesto generoso e protetor de sua solidariedade”. 195 Portanto, numa mesma tacada, São Paulo perde a centralidade, a posição de ponta de lança que tinha

191 Mário Pedrosa, Paulistas e cariocas. 2004 [1957], p. 253. 192 Mário Pedrosa, Semana de arte moderna, 2004 [1952]. 193 Idem, ibidem. 194 Mário Pedrosa. Paulistas e Cariocas, 2004 [1957]. p. 253. 195 Idem. Ibidem.

83 para a história da arte nacional, e a Volpi é associada uma brasilidade solidária aos artistas cariocas.

Pedrosa não parou por aí. No mesmo ano, organizou uma retrospectiva de Volpi no MAM-Rio. Essa mostra fora acompanhada de perto pelo Jornal do Brasil onde Pedrosa escrevia. Nas páginas desse periódico, a mostra fora anunciada como um evento de suma importância para o mundo artístico carioca. No dia 12 de junho, a exposição foi aberta e o crítico organizou uma programação densa com palestras, debates, entrevistas, todos os eventos reproduzidos ou comentados no jornal. Acompanhar esse processo e a tensão que ela gerou frente aos outros críticos, é testemunhar um movimento de revisão da história da arte nacional. Do topo da hierarquia de admiração, Pedrosa destitui os filiados ao modernismo paulista de 1920, Segall, Di Cavalcanti e principalmente Portinari e, no lugar dos modernistas, reivindica Volpi.

O catálogo da retrospectiva de Volpi, escrito por Pedrosa, abre-se em consonância com o ensaio Paulistas e Cariocas e descreve o artista como “mais do que paulista”; o pintor das fachadas seria, segundo Pedrosa, “do Cambuci”. Nessa apresentação, o que há de externo ao bairro não é a cidade de São Paulo, mas o “centro cosmopolita da cidade, pelo Rio e pelo Brasil, e mesmo pela estranja”. E a semana de 1922 fora, segundo o crítico, um acontecimento do qual Volpi não tomara conhecimento e que se realizara – o autor faz questão de ressaltar – no Teatro Municipal de São Paulo. Ou seja, no centro da capital paulista.

Nem Volpi, o decorador, sabia da existência daqueles grandes nomes cosmopolitas de intelectuais e artistas, nem eles sabiam da existência da glória plebeia do Cambuci.196

Nesse ensaio, Volpi recebeu o epíteto de “insular do Cambuci” e Pedrosa concluiu o catálogo situando a si mesmo entre os cariocas: “Cariocas, meus irmãos, aqui está Volpi” e prossegue, “Agradeçam ao Museu de Arte Moderna a sua apresentação. A posteridade vai guardar o nome dele. É o mestre de sua época”.197 A mostra, uma retrospectiva, era, à sua maneira, uma remontagem e uma maneira de refundar a história da arte nacional. A obra volpiana, reunida ali, cobria o período entre 1924 e 1957, ou

196 Mário Pedrosa. Volpi 1924-1957.2004 [1957]. 197 Idem. Ibidem. P. 269.

84 seja, praticamente toda a história da arte modernista brasileira. No catálogo, Pedrosa é explícito:

A arte de Volpi guarda todas as marcas dessa evolução. Nos longos anos de trabalho honesto e eficiente na profissão, passou, naturalmente, sem saber como, por todas as fases da pintura moderna, do impressionismo ao expressionismo, do fauvismo ao cubismo, até o abstracionismo.198 E essa nova narrativa da arte brasileira, contada por Pedrosa, só pôde se desenrolar graças à liminaridade que Volpi havia adquirido. Ao insulá-lo no Cambuci, ele se tornou independente da Semana de 1922. E é a condição proletária e artesanal que garante o motor dessa história:

(...) se na sua fase atual, de onde fica o amor aos velhos materiais e talvez a preferência final pela têmpera (sem falar no apego ao muro em si), já não se adapta a sua arte aos estilos artesanais da construção civil de sua mocidade, prova ela, contudo que a verdadeira escola de um pintor não são as academias de belas artes nem as escolas especializadas (afastadas do mundo do trabalho e da produção), mas o próprio aprendizado industrial do dia. (...) Conseguiu ele, no entanto, chegar ao ápice da evolução moderna, partindo do ofício de decorador de paredes. Daí talvez lhe ter sido dado guardar a pureza, a ingenuidade artística, a fatura manual dramaticamente precária e rica de sua matéria, mesmo nas mais abstratas ou “concretas” composições da última fase.199 Quem primeiro saiu em oposição a Pedrosa fora um antigo colaborador de Mário de Andrade, o paraibano Antônio Bento, que no passado realizara pesquisas de músicas folclóricas para o poeta de Pauliceia e que já havia se dedicado a escrever sobre Portinari. Bento elogiou “a excelente organização dessa retrospectiva”, mas se declarou incapaz de se “incluir no coro dos que estão entoando um cântico de exaltada e mesmo desmedida admiração pelo pintor”. E se os concretistas apresentaram Volpi “como o maior artista brasileiro” e “o mestre de sua época”, esta afirmação não teria para Antônio Bento “o menor valor crítico, pois é extremamente parcial”. O colaborador de Mário de Andrade acreditava que, à frente de Volpi, estavam “Portinari e Segall, Di Cavalcanti e Guignard”. E mesmo na arte concreta, era preciso considerar “a obra de Milton Dacosta superior à de Volpi, que quase nada tem a dizer na linguagem abstrata”.

198 Idem, ibidem. 199 Idem, ibidem.

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Pelo que se pode verificar das características irredutíveis de sua arte, Volpi é um pintor primitivista ou popular. Não pode, consequentemente, aspirar a uma posição mais avançada na hierarquia das tendências da arte de vanguarda, no Brasil.200 O argumento de Antônio Bento era duplo. Por um lado, reafirmava os cânones da história do modernismo e, por outro, situava Volpi longe das vanguardas. Mário Pedrosa foi figurado, por Antônio Bento, como emotivo, sentimental, detentor de uma postura problemática para o papel que o crítico deve desempenhar. Antônio Bento, ao contrário, se pensava como um crítico sensato, capaz de vislumbrar todas essas problemáticas envolvidas num juízo estético. Pedrosa respondeu a Bento, dois dias depois, no Jornal do Brasil. No artigo O Mestre Brasileiro de sua época, Pedrosa afirmou que a admiração não era mesmo uma atitude crítica, mas normativa. E normativa também seria a atitude de Bento em colocar outros pintores à frente de Volpi. Pedrosa reafirmava novamente a excepcionalidade de Volpi:

Só essa simbiose, perfeitamente realizada (como o severo crítico de Volpi reconhece), de uma rigorosa composição abstrata com o lirismo das cores vivas e cantantes das casinhas populares do interior, é para nós, um acontecimento artístico de primeira ordem; trata-se, com efeito, de uma criação original em toda a pintura contemporânea. Eis por que Volpi pode ser considerado, entre outros motivos, como “o mestre brasileiro”, por excelência. E sua linguagem pictórica é, no entanto, moderna, universal. Eis também por que sua mostra representa o grito de independência da pintura brasileira em face da pintura internacional e da Escola de Paris.201

A polêmica continuou. No dia 23 de Junho, Antônio Bento publicou um texto homônimo ao de Pedrosa, no Diário Carioca, onde afirmou não ter negado Volpi apaixonadamente, “mas procurado apenas demonstrar que ele não era „o mestre de seu tempo‟ nem „o mestre brasileiro‟”. O artista seria apenas, para Antônio Bento, um grande pintor de sua tendência específica, tendo conquistado dentro dela, e apenas dentro dela, “um lugar de primeiro plano no panorama da pintura nacional”. Tratava-se de colocar Volpi no “justo lugar”. Antônio Bento realçou que, se tivesse negado essa “posição ocupada pelo artista, aí sim, estaria sendo apaixonado ou tendencioso”. O foco desse novo texto era contestar duas afirmativas de Mário Pedrosa: “A primeira se refere à importância da Retrospectiva Volpi”, que, segundo Pedrosa, representaria “o grito de

200 Antônio Bento. A retrospectiva Volpi. In: Diário Carioca. 16 de Junho de 1957. 201 Mário Pedrosa, O Mestre brasileiro de sua época, 2004 [1957].

86 independência da pintura brasileira em face da pintura internacional e da Escola de Paris”. Essa afirmativa não corresponderia para Bento à verdade pois

não há ninguém que possa ver em Volpi o D. Pedro I da pintura brasileira moderna. Ao contrário, tirando-se a fase das paisagens urbanas e das fachadas de casas coloniais, não existe na pintura de Volpi nada que seja representativo do Brasil. (...) Retirem-se os quadros dessa época e Volpi deixa de ser um pintor nosso, podendo aparecer como um representante de qualquer país europeu.202 Graças à fase das fachadas, Volpi teria ascendido, segundo Antônio Bento, ao panteão dos artistas nacionais. E enunciando isso, o crítico atestava sua própria idoneidade no julgamento justo da posição de Volpi. Para Antônio Bento, se o pintor das fachadas não era o maior artista do país, era um dos maiores.

A segunda afirmativa que ele atribui a Pedrosa é a imputação a Volpi do protagonismo em trazer “a pintura brasileira contemporânea do „impressionismo às preocupações plásticas mais recentes‟”. Esse juízo seria equivocado para Antônio Bento, pois:

Desde a Semana de Arte Moderna de 1922 que isso vem acontecendo no Brasil cabendo a Anita Malfati, Tarsila, Segall e Di Cavalcanti o papel de pioneiros. Depois veio Portinari que, para crédito do Brasil, está tendo acesso aos dicionários e livros de história e crítica que tratam da pintura moderna, no plano internacional.203

Nesse texto, Antônio Bento deixou evidente que a questão era o espaço onde se deve situar Volpi na história brasileira. O artista não podia ser desmerecido, ele já fazia parte do panteão. O interlocutor era Pedrosa (e, por extensão, os concretistas), o motivo da discussão é a narrativa oficial da arte brasileira e os pivôs da trama são as paisagens de Volpi que fundiam imagens populares (a dos bairros suburbanos) com o ideário concretista, e assim abriam caminho para que os críticos revisassem a história da arte nacional.

Essa tensão levou Pedrosa e os concretistas a assumirem, contra os opositores, uma postura entre a galhofa e a violência. No mesmo dia que Antônio Bento publicou a segunda resposta a Pedrosa, o suplemento dominical do Jornal do Brasil publicou uma

202 Antônio Bento, O mestre brasileiro de sua época, 1957. 203 Idem, ibidem

87 estranha enquete intitulada Volpi na Berlinda, na qual os concretistas falavam os motivos pelos quais consideravam “tolos aqueles que não gostam de Volpi”. Quase no topo da página, em letras garrafais, lê-se “Mário Pedrosa, no decorrer de um debate sobre a obra volpiana: se alguém aqui não gosta destes quadros será expulso daqui a pontapés”.

Entre diversos depoimentos publicados naquela página, ressalto o de Bruno Giorgi:

os que não acreditam nele [Volpi] não devem ter muito amor às coisas da vida. São, na certa, adoradores de cemitérios, de coisas mortas.

O de Franz Weissmann (1911 – 2005):

... é preciso ser muito cretino para não gostar deles [os quadros de Volpi]. O de Mário Pedrosa:

Não gosto dos que não acreditam no disco-voador. Detesto gente que não tem forças para acreditar em coisa alguma, gente que precisa de uma chancela oficial para reconhecer as coisas novas e belas que aparecem diante de nossos olhos. Eles não sabem admirar: não sabem admirar, por exemplo, um grande artista como Volpi. Considero-os simplesmente imbecis. E o de Lygia Clark (1920 – 1988):

Primeiro, não acredito que alguém não goste de Volpi. Mostre- me um desses e depois lhe digo minha opinião a respeito dele, embora não prometa que minha opinião seja publicável... Volpi tem uma tal riqueza de experiências que é praticamente impossível encontrar alguém que não goste de pelo menos uma de suas fases.204 Quem se levanta contra Pedrosa e os concretistas é o antigo participante da Semana de Arte Moderna, poeta renomado e também crítico de arte, Manuel Bandeira, que publicou, no dia 29 de Junho no Jornal do Brasil, o texto “Volpi”:

Em política há os golpistas; na pintura os volpistas. A retrospectiva de Volpi foi o 11 de novembro das artes plásticas: uma junta presidida por Mário Pedrosa, Ferrabrás simpaticão, depôs Portinari da presidência e deu posse ao bom velhinho Alfredo Volpi, ítalo-brasileiro do Cambuci.

204 Teresa Trota, “Volpi na berlinda” in: Jornal do Brasil, 23 de Junho de 1957.

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Bandeira afirmou ter gostado da exposição de Volpi e isso seria, segundo ele, um alívio frente aos diagnósticos que os concretistas imputaram aos que não gostavam do pintor. Afirmando que não considerava Volpi “o mestre”, e sim “um mestre”, Bandeira não ousou atacar o pintor. Ao contrário, de maneira indireta, reafirmou os traços que já foram indicados na personalidade do artista e os elogiou:

Fio que Volpi me compreenderá. É um velhinho tão simpático! Tenho que o próprio Volpi há de ter sorrido quando um dos seus tremendos admiradores decretou que ele, Volpi era “o primeiro grande pintor do Brasil, o maior pintor das Américas e um dos maiores do mundo”. Decretaram mesmo outros golpistas ou volpistas que ele era o primeiro pintor brasileiro e a sua pintura “a primeira manifestação de sua arte autenticamente brasileira”. Ora isso é fazer do excelente Volpi um gato morto para bater na cara de Portinari, Di e outros pobres pintamonos estrangeiros. É uma falta de respeito, não para com Portinari e Di, mas para com Volpi. Volpi, cuidado com os amigos da onça: eles não dormem.205 Pedrosa respondeu a Bandeira admitindo o mau gosto das brincadeiras e explicou que o objetivo fora descontrair o ambiente, seja no debate, onde ameaçou expulsar as pessoas a pontapés, seja no jantar na casa de Lygia Clark, onde foram colhidos os depoimentos da enquete. Quanto ao centro do debate, “o golpe”, Pedrosa ponderou:

considerarmos Volpi “maior” que Segall, não quer dizer que se tire o valor deste, mas, ao contrário, apesar do grande e autêntico valor que lhe reconhecemos, como pintor. (...) Quem pode, também, negar a importância de Portinari e, sobretudo a sua impar significação histórica no desenvolvimento e triunfo da arte moderna no Brasil? No entanto para nós, “volpistas”, estamos absolutamente certos de que Volpi, como pintor, é bem maior que o glorioso mestre dos murais do Ministério da Educação. Quanto ao Di, o nosso velho Di, é um temperamento de pintor até debaixo d’água. Tem seu lugar seguro – e lugar importante – na história da pintura brasileira. Sua obra, entretanto, não tem a inteireza da obra volpiana, nem o desenvolvimento, em profundidade desta. No entanto, a despeito de seu grande talento, Di foi levado pelo temperamento a fazer uma separação entre a vida e a pintura e, frequentemente sacrificou a pintura à vida. Com Volpi, porém, vida e pintura é uma coisa só.206

205 Manuel bandeira, “Volpi” in: Jornal do Brasil, 26 de Junho de 1957. 206 Mário Pedrosa, ““O mestre”, apesar dos amigos” in: Jornal do Brasil 29 de Junho de 1957.

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Mário Pedrosa, enquanto se dedicava à exposição de Volpi e à crítica da mostra, insistia também em defender o pintor contra todos os opositores. O comprometimento desse intelectual revela a centralidade de Volpi para seu projeto artístico e nacional. Pedrosa não estava apenas arquitetando uma destituição dos antigos cânones, ele estava forjando a linha da história através de Volpi: o pintor, descrito por Pedrosa, vivera toda a história da arte e fundia, em seu trabalho, sensibilidade ao subúrbio com técnica (artesanal). Tratava-se, portanto, de um artista que Pedrosa julgava exemplar, em quem as novas gerações deveriam se inspirar. O crítico aconselhou que os pintores mais novos aprendessem com Volpi a lição da humildade, a serem modestos, a aprenderem com populares e anônimos.207 Em 1958, no artigo Problemas da Pintura Brasileira, Pedrosa comentou, entusiasmado, uma visita ao ateliê de Djanira. Segundo o crítico, as paisagens da artista o fizeram refletir sobre o “desenvolvimento genial” desse gênero em Volpi. Pedrosa, nesse artigo, identificava um paralelo entre Djanira, Volpi e outros pintores brasileiros no que concernia à pintura de paisagem. Tratava-se, também nesse momento, de identificar uma brasilidade plástica e de se posicionar como o contador de uma história que continuaria a se desenrolar no futuro.

Na transposição plástica, que daí possa advir se encontra a possibilidade de uma interpretação geral, fenomenológica, das nossas coisas e da nossa natureza e que não poderá deixar de ter uma significação mais profunda, mais permanente e transcendental para a formação da sensibilidade coletiva e a definição de nossa fisionomia espiritual e estética, ou talvez, enfim, apesar de atrasada no tempo histórico, no plano mundial, de uma escola brasileira.208 Volpi precisou que um crítico narrasse a história que ele criava na forma de quadros: na posição de artista isso era impossível. O mestre do Cambuci, em contrapartida, ofereceu a possibilidade de se pensar uma brasilidade alternativa à que comumente conformava as narrativas oficiais. Volpi fora um bálsamo para um militante exilado que acabara de retornar ao país, assim como o fora para os artistas que reivindicavam seu próprio lugar ao sol. Isolado, por sua própria mitologia, dos centros cosmopolitas, o pintor forjou imagens que comungavam do pitoresco nacional e abriam uma alternativa ao ideário oficial. Descrever Volpi, narrar sua história e analisar sua obra significava, no meio do século, alinhavar o passado e o futuro. O mestre, insulado

207 Mário Pedrosa “Volpi, uma lição de ética” in: Jornal do Brasil. 8 de Junho de 1957. 208 Mário Pedrosa. Problemas da pintura brasileira. 2004. P. 300.

90 no subúrbio, era o presente. Na sombra de sua pessoa, os artistas deveriam viver e, só nesse espaço, poderiam mirar o amanhã.

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Epí logo

A descrição e escrutínio da personalidade de Volpi deu corpo a duas revisões da história da arte nacional. A primeira, implementada por Mário de Andrade, aconteceu no fim da vida do poeta, quando o governo Vargas enrijeceu-se e represou as energias criativas do modernismo.

Para o poeta da Pauliceia, Volpi figurava como membro de uma nova geração artística e essa nova geração foi descrita por Mário de Andrade como proletária e voltada para o esmero técnico-artesanal. A classe engendraria, assim, uma produção plástica dissonante aos valores pré-fixados pela elite. Embora estivesse reticente, esse crítico tinha esperanças de que a nova estética pudesse se converter em inconformismo político. Todo esse processo, de escrutínio psíquico e de circunscrição na classe, abafou algo que o próprio poeta havia notado antes – o estilo daqueles artistas era devedor do fluxo de pintores entre Itália e São Paulo. Volpi nascera na Itália e sua produção é reveladora de uma experiência imigrante na capital paulista, que amalgamava ambientes artísticos com locais de atuação de estrangeiros.

A segunda revisão foi construída sobre a mítica que a primeira já consagrara. Tratou-se de Mário Pedrosa, que se dedicava a atacar os cânones modernistas e a abrir espaço para um novo estilo de arte, o concretismo (em especial, o carioca). Volpi foi reivindicado por Pedrosa como um pintor formado à margem da célebre semana de 22 e dos centros de discussões artísticas e intelectuais. A trajetória de Volpi, narrada por Pedrosa, é uma história brasileira de um pintor que teria vivido sozinho a evolução da arte modernista encerrado num bairro suburbano e operário, o Cambuci. O motor dessa evolução, o coração da poética volpiana, seria uma inspiração local, as cores do subúrbio, que se fundia a um esforço sistematizador devedor da condição operária e artesanal.

Essa fusão entre sensibilidade e técnica é muito próxima ao que Pedrosa e os concretistas reivindicavam para a arte. Esses artistas, especialmente em sua vertente carioca, buscavam amalgamar inspiração (subjetividade) e esforço sistematizador (objetividade). Além disso, essa história de Volpi era uma narrativa do modernismo que independia da Semana de 22, dos intelectuais, dos artistas paulistanos e dos cânones

92 artísticos derivados da geração de 20 – Anita, Brecheret e Mário de Andrade num primeiro momento, e depois Portinari e Di Cavalcanti.

Pedrosa isolou Volpi no subúrbio e criou, com isso, uma história alternativa da arte nacional. Essa nova narrativa, pautada na evolução dos estilos volpianos, apontava para o futuro e Pedrosa a apresentava como o germe de uma escola nacional de pintura. Mais do que uma destituição dos antigos cânones, trava-se de projetar as intenções do crítico sobre o futuro do Brasil.

A construção da história da arte moderna exige um tipo de personagem específico, que é o artista. A história da arte brasileira não foi diferente e engendrou a narrativa de um indivíduo singular que, no caso de Volpi, se construiu em dois tempos. No primeiro momento, construiu-se em um isolamento de classe e, no segundo momento, em um isolamento suburbano. Os dois momentos tratam de uma personagem forjada ao se associar produção pictórica com certa psicologia engendrada pela classe social. Ao ser descrito como proletário, Volpi permitiu que o situassem à distância das discussões canônicas do modernismo brasileiro. Nessa chave, a sua produção artística poderia ser descrita como expressão de uma brasilidade específica: suburbana, proletária e relativamente espontânea. Classe, lugar urbano, estilo pictórico e psicologia são variáveis mobilizadas pela mesma equação, que se resolvia sem recorrer ao trânsito entre a Europa e o Brasil. Inventar Volpi como suburbano significava também inventar uma brasilidade simbiótica à narrativa de um Brasil moderno, um operário suburbano, numa cidade moderna e num país tropical, onde as tradições ainda deveriam ser forjadas. Tratava-se de três movimentos entrelaçados do mesmo processo de consagração: o percurso das obras, o percurso da narrativa histórica e o percurso da pessoa. A pessoa surgiu dentro da narrativa e a vertebrou. As obras, diferentemente, podem tanto reforçar a narrativa, extrapolá-la ou até mesmo negá-la. As telas das décadas de 1930 e 1940, por exemplo, podem, sob determinado enquadramento histórico, ser lidas na consonância com o mundo artístico italiano e, consequentemente, na dissonância de uma narrativa nacionalista. Essas mesmas obras, enquadradas na narrativa oficial, podem também ser lidas na semelhança com as telas de outros pintores paulistanos e como mimese dos subúrbios nacionais. As imagens, pela multiplicidade de chaves de entendimento que ofereciam, atuavam instigando, ao mesmo tempo, os críticos, os imigrantes enriquecidos e os artistas. As telas eram então matéria prima para as construções que os críticos faziam do pintor e das múltiplas admirações que vertebravam o renome de Volpi.

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Volpi é o típico artista moderno pela sua marginalidade, sua diferenciação aos outros indivíduos, e consequente isolamento. Nele, poderia ecoar a descrição que Bourdieu fez de Baudelaire na ocasião da autonomização do campo literário, ou seja, do surgimento do modernismo: “Depois do período militante de 1948, [Baudelaire] junta- se a Flaubert em um desencanto que conduz à recusa de qualquer inserção no mundo social e à condenação de todos aqueles que oferecem sacrifício ao culto das boas causas (...)”.209 Trata-se da recusa a valores que não sejam próprios ao seu campo de atuação artística. Volpi saciava-se dedicando-se apenas à pintura e, embora não tenha condenado outros artistas, como Flaubert e Baudelaire fizeram, ele ofereceu uma poderosa solidariedade aos pintores concretistas, contra as investidas dos literatos e dos políticos. Na década de 1930 e 1940, os artistas (imigrantes) precisaram dos literatos (oriundos de famílias de longa linhagem nacional) para se legitimar. Aos literatos, naquele período, cabia a crítica de arte. Na década de 1950, a relação parece ter se invertido. Mário Pedrosa, o maior crítico do novo período, não era nem romancista nem poeta, ele estava muito mais para um profissional da crítica de arte que reunia saberes técnico-científicos oriundos da Filosofia, da História da Arte e da Psicologia. Se Pedrosa invocava Volpi como exemplar, os literatos, como Ferreira Gullar e Décio Pignatari, foram cooptados a expor, lado a lado com os artistas plásticos e a responder, em sua obra, a questões que tinham origem no campo da pintura, especificamente, da pintura concretista. O surgimento das bienais, a presença de críticos profissionais e a potência de um artista eminentemente moderno (ou seja, dedicado puramente aos valores de sua arte) havia reconfigurado o campo das artes plásticas e a relação entre os mundos culturais.

O paradigma desse tipo de artista moderno seria, segundo Nathalie Heinich, Van Gogh, identificado por ela ao anacoreta, sacerdote que, no começo da era cristã, isolava-se no deserto e se condenava a viver a fé na solidão. Vivia, com efeito, pela dúvida, na incapacidade de obter legitimação ou confirmação da certitude de seus atos. Inventava, em contrapartida, uma forma religiosa que seus seguidores buscavam memorar e se inspirar. Esse artista moderno, ao buscar aquilo que está latente no seu íntimo, distancia-se dos outros mortais recolhendo-se na sua interioridade e dedicando- se ao futuro, àqueles que estão por vir, já que os contemporâneos são incapazes de

209 Pierre Bourdieu, As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário, 2010, p. 99.

94 compreender sua obra. Há uma analogia entre interioridade e futuro que a lenda de Van Gogh equaciona. Trata-se, na analise dessa autora, de um tipo ideal de artista que, em outras personagens se configurará na perdição, no álcool, na loucura, no isolamento, nas errâncias boêmias.210 Van Gogh, dessa maneira, é, na leitura de Heinich, o ponto temporal onde se configura um novo paradigma para a história da arte que se desdobrará na história das vanguardas dedicadas a criar pateticamente o novo, numa condição enervada pelo artista incompreendido.

Volpi não se enquadra bem nessa história da arte e nos obriga a relativizar a historiografia de Heinich. A lenda volpiana é isenta de pathos, de incompreensão. Ele, por sua própria inclinação, não se volta para o futuro. A relação entre história e obra (e também artista) é central à modernidade europeia ou ocidental. Uma não se realiza sem a outra. Foi junto ao estabelecimento da ideia de história da arte, ou seja, de um papel delimitado para a arte num continuo linear do tempo (Hegel) e da ideia de que um determinado estilo do passado não era o objetivo necessário para se alcançar, visto que vários estilos estavam disponíveis lado a lado (fundação dos museus), que os artistas entregaram-se à sua própria expressão e iniciaram a busca por ultrapassar o presente e ir além (a vanguarda), superando-se constantemente no mesmo movimento descrito por Heinich.211

Essa história, no entanto é, segundo Hans Belting, uma ideia europeia que funciona como enquadramento para obras e criadores. Belting percebe que sem um fundamento claro para definir o que é arte, visto que esse fundamento havia sido abandonado pela modernidade, a arte encontrava sua definição na corrente histórica onde se enquadrava e definia seu valor na transformação que almejava como futuro. Cada obra moderna é, dentro dessa mitologia historicista, descrita como uma forma inacabada que só se realizará plenamente com o passar do tempo e com a concretização da revolução que a arte se propôs. Portanto a relação entre história e arte é central, mas Belting também identifica os limites dessa ideia. Segundo esse filosofo, a ideia de história enquadra a produção artística, mas a relação entre história, obra e criador adquire feições divergentes em cada país, mesmo dentro da Europa. A crença nesse modelo histórico, também segundo Belting, dificulta algumas compreensões. Afinal, se os artistas olhavam para o futuro, eles olhavam, muitas vezes também, para o passado (a

210 Cf. Nathalie Heinich. La gloire de van Gogh: essai d’Anthropologie de l’admiration.1991 211 Cf. Hans Belting. O fim da história da arte. 2006.

95 arte primitiva) e para os lados (a arte étnica), ou seja, para fora da história, a fim de revitalizar a própria história da arte. E também, ao produzirem algo novo, engendravam reações a esse mesmo novo, que por sua vez, reafirmavam a potência e centralidade da história.

Dessa maneira, é significativo que a historiografia da arte modernista tenha descrito a produção italiana do entre guerras como reacionária ou antivanguardista, em suma, como uma não-arte ou uma má arte. Na Itália, os artistas e críticos contrapunham- se, naquele período, ao internacionalismo vanguardista da escola de Paris. Eles também valorizavam certa ideia de classicismo, ou seja, de passado, e relacionavam-se, de maneira ambígua, com o governo fascista. A partir da década de 1980, uma revisão historiográfica revelou o debate complexo dessa produção com a vanguarda e as posições diversas daqueles que, dentro da própria Itália, aproximavam-se de formas opostas ou concorrentes da escola de Paris e do ideário de Mussolini. Portanto, o rótulo de reacionário ou de má arte limitava, em muito, a compreensão daquele fenômeno.212

Nesse sentido, o artista modernista não pode ser tão facilmente definido por um paradigma que aponta apenas para o futuro. Ele está sempre enlaçado na narrativa que o situa e que ele ajuda a criar. É preciso, antes de classificar, escutar essas histórias variadas e ver como essa modernidade se realiza em contextos específicos e como o próprio artista a realiza em sua obra e concepção.

Volpi nunca visou ultrapassar a arte fundando o novo numa solidão atormentadora. Seu isolamento significava sempre o contato com algo fora do tempo, algo doce e gentil, um cotidiano despretensioso, capaz mais de revigorar do que de revolucionar.

Se o mundo artístico modernista é um ambiente relativamente autônomo, eu creio que o artista modernista pode ser observado como uma forma própria pela qual esse mundo cria as pessoas que o compõe. Um processo que envolve, no seu reverso, a criação desse próprio ambiente enquanto contexto. Dessa maneira, mais do que a expressão de uma individualidade, cara ao nosso macro contexto cultural, minha analise de Volpi atenta para as regras e disputas próprias ao mundo artístico. Por isso, chamo a atenção para a ideia de história que, como uma narrativa mítica, é central ao mundo dos

212 Ana Gonçalves Magalhães, Classicismo, realismo e vanguarda, 2013.

96 artistas modernistas e indica que artista e “história da arte” estão em processo de construção simultâneos. No caso da história da arte brasileira, mesmo que pouco sistematizada enquanto narrativa panorâmica, ela existe como uma constelação de fragmentos, de críticas e de intenções onde os artistas são dispostos e avaliados, uns contra os outros e, no caso de Volpi, exaustivamente descrito.213

A relação entre narrativa e pessoa foi explorada por Jean Pierre Vernant no contexto da Grécia arcaica. Ou seja, em uma cultura “em que cada um existe em função de outrem, sob o olhar e pelos olhos de outrem, em que as posições de uma pessoa são tanto melhor estabelecidas quanto mais longe se estende sua reputação”. Nesse tipo de relação estrutural, “a verdadeira morte é o esquecimento, o silencio, a obscura indignidade, a ausência de fama”. E, por outro lado, “existir é – esteja-se vivo ou morto – ser reconhecido, estimado, honrado; é, sobretudo, ser glorificado: ser objeto de uma palavra de louvor, de uma narrativa que conta, sob forma de uma gesta, retomada e repetida sem cessar, um destino por todos admirado”. O processo de superação da morte, para os gregos, residia então na “bela morte” como era denominada a morte em combate: ao morrer na guerra, no auge da juventude, esta era como que preservada e o guerreiro heroico ocupava uma posição de destaque na memória, oferecendo a trama na qual as gerações vindouras se inspiravam.214

Nesse sentido, pela glória que ele soube conquistar devotando sua vida ao combate, o herói inscreve na memória coletiva do grupo sua realidade de sujeito individual, exprimindo-se numa biografia que a morte concluiu e tornou inalterável. [...] Tornada lendária, sua figura tece associada com outras, a trama permanente de uma tradição que cada geração deve aprender a tornar sua para aceder plenamente, através da cultura, à existência social.215 Essa trama maior era um gênero literário específico, a epopeia, que só existia se os guerreiros morressem jovens em combate. Naquele contexto, “honra heroica e poesia épica são indissociáveis”: Não há “grandes feitos gloriosos realizados pelos homens de antanho” senão através do canto e, nesse processo, é a poesia que perpetua a lembrança, tornando os heróis “mais presentes aos ouvintes que sua pobre existência

213 E desconfio que essa história da arte brasileira tenha sempre como pano de fundo uma ideia de nação brasileira. A história, a nação e a arte de nosso país são três mitos que, provavelmente, estão sempre juntos. 214 Todas essas observações: as relativas ao nosso contexto ou as relativas ao contexto helênico, são de Jean Pierre Vernant. A bela morte e o cadáver ultrajado. 1978. 215 Idem, ibidem, p. 41.

97 cotidiana”. No mundo da Grécia arcaica, as mortes dos jovens guerreiros e seus feitos “só adquirem sentido quando encontram lugar num canto pronto a acolhê-las para as magnificar” e conferir “ao próprio herói o privilégio de ser aoídimos, assunto de canto”.

É pela transposição literária do canto épico que a personagem do herói adquire tal estatura, a densidade de existência e a perenidade que apenas elas, podem justificar o extremo rigor do ideal heroico e os sacrifícios que ele impõe [...] Mas para que a honra heroica permaneça viva no seio de uma civilização, para que todo o sistema de valores permaneça marcado pelo seu selo, é preciso que a função poética, mais do que objeto de divertimento, tenha conservado um papel de educação e formação, que por ela e nela se transmita, se ensine, se atualize na alma de cada um deste conjunto de saberes, crenças, atitudes, valores de que é feita uma cultura. O contexto da Grécia arcaica e o nosso são extremamente distantes e eu me satisfaria com a inspiração conferida por Vernant para pensar a relação entre pessoa, feito (obra) e narrativa (gênero literário) num mundo onde o renome é importante. Mas é o próprio Vernant quem aponta a existência das “mesmas relações estruturais” entre a pessoa própria da Grécia arcaica e a “pessoa de hoje”:

Entre a pessoa antiga, pessoa para outrem, implantada na opinião pública e sua vontade de sobreviver em “glória imperecível”, e a pessoa de hoje – o eu interiorizado, único, separado – e sua esperança de sobrevivência sob forma de uma alma singular e imortal, existem as mesmas relações estruturais: a epopeia desempenha o papel de Paideia, exaltando os heróis exemplares, assim como os gêneros literários “puros” como o romance, a autobiografia, o diário íntimo o fazem hoje.216 Mais do que o romance, parece-me interessante frisar a posição do artista moderno frente à narrativa da história da arte. É ele que passa a fazer parte de uma trama maior e que serve de elogio e matriz à noção de pessoa própria à nossa cultura. Absolutamente cindido, ele contrasta com o herói grego que integra uma narrativa coletiva ao viver (e morrer) àquilo que se espera dele. Se Aquiles, na Ilíada, cumpre a profecia de existir como um guerreiro e, assim, de morrer em combate, Van Gogh faz de sua condição cindida a possibilidade do futuro, ao gerar algo absolutamente novo. Em contraposição às narrativas gregas, as nossas sobre os gênios, não valorizam a morte, mas a vida. É a vida que é importante memorar e não o seu fim. É ela quem gera história ao gerar obra. É no próprio viver: no íntimo do artista, no tempo fora do tempo,

216 Idem, ibidem, p. 32.

98 no âmago incompreendido ou ensimesmado, que nasce a possibilidade de narrar uma história, de fazer o tempo correr. Por outro lado, há também semelhanças entre o artista e o herói, pois ambos dependem do seu acolhimento numa narrativa e da opinião de um público sobre ele (renome). O artista moderno está para a história da arte, e nesse sentido Volpi e Van Gogh coincidem, como os heróis gregos estão para a epopeia. Eles são a possibilidade da narrativa. São eles, ao viver cindidos, isolados, calados, abismados, atormentados ou simplesmente fora do quotidiano, que criam o clímax de uma história. Volpi, ao pintar, inventou a si mesmo e inventou também nossa história da arte. Ele se tornou exemplar ao fazer parte de uma trama maior de artistas mortos e vivos, situados numa posição de excepcionalidade, digna de investimento de memória e admiração. Uma trama que, por sua vez, é inseparável da reprodução do mundo artístico moderno.

A história de Volpi, especificamente, coloca em contato os narradores e os artistas. Ela os situa, cada um em seu mundo intelectual e em sua cidade. Disputas intelectuais, metropolização, revolta política e diásporas dão tons à trama e a enervam. Hoje, resta uma trama composta de imagens e palavras. Nessa trama, cada uma das personagens é como um ponto onde se cruzam feixes de transmissão de saberes. Volpi viveu e morreu, produziu muitas telas, tornou-se memorável e levou, com ele, o mundo social para uma narrativa: uma trama que ele propiciou e que, por sua vez, o sustenta como alguém que inspira e faz sonhar, alguém para se reverenciar e visitar, numa exposição, no panteão – no museu, no Brasil.

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