Poéticas Das Vozes Incendiárias: Percussões Dos Corpos Livres Nas
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Poéticas das vozes incendiárias: percussões dos corpos livres nas poesias de Solano Trindade e França Poéticas de las voces incendiarias: percusiones de los cuerpos libres en las poesías de Solano Trindade y França José Juvino da SILVA JÚNIOR 1 Resumo : Poesia como ato de resistência aos massacres físicos e simbólicos de atos racistas entranhados no cotidiano, poesia de luta pela "emancipação dos negros de todas as cores" e também propiciadora da diversão do ritmo e do aprendizado dos movimentos dos corpos e mentes livres. Ao aproximarmos as poéticas de Solano Trindade (1908-1974) e do poeta França (1955-2007), para este estudo, poderemos averiguar afinidades e sutilezas incrustadas em poemas que abordam vivências da cultura negra brasileira ao longo do século vinte. Neste sentido, orientamos nossa atenção para questões importantes que atravessam e informam estas poéticas, tais como: a atenção ao corpo na liberdade da performance, a recuperação e repercussão das raízes africanas, o amor como princípio de liberdade, a voz do canto poético como amplificadora das potências contra as interdições que ainda persistem nos caminhos e vidas dos afro-brasileiros. Por fim, encontraremos esta poesia como dispositivo estético capaz de agenciar mananciais da memória negra ancestral, desdobrando- os em vozes subversivas e criativas, políticas e divertidas, na construção de uma realidade, simbólica e efetiva, mais justa, dançarina e amorosa. Palavras chave : Poesia. Negritude. Voz. Solano Trindade. França. Resumen: La poesía como un acto de resistencia a las masacres físicas y simbólicas de los actos racistas arraigados en la vida cotidiana, la poesía de la lucha por la "emancipación de los negros de todos los colores" y también por la diversión del ritmo y del aprendizaje de los movimientos de los cuerpos y las mentes libres. Cuando nos acercamos a la poética de Solano Trindade (1908-1974) y del poeta França (1955-2007) para este estudio, investigamos afinidades y sutilezas incrustadas en los poemas que abordan experiencias de la cultura negra brasileña durante todo el siglo XX. En este sentido, orientamos nuestra atención hacia las cuestiones importantes que se cruzan e informan estas poéticas, tales como: la atención al cuerpo en la libertad de la performance, la recuperación y la repercusión de las raíces africanas, el amor como principio de la libertad, la voz del canto poético como una amplificadora de los poderes contra las prohibiciones que aún persisten en los caminos y en la vida de los afro-brasileños. Por último, nos encontramos con esta poesía como un dispositivo estético capaz de agenciar manantiales de la memoria negra ancestral, desdoblándolos en voces subversivas y creativas, políticas y divertidas, en la construcción de la realidad, simbólica y efectiva, más justa, bailarín y amorosa. Palabras clave : Poesía. Negritud. Voz. Solano Trindade. França. É relativamente fácil encontrar, numa pesquisa em sites de busca da internet, uma fotografia do poeta França junto à estátua do poeta Solano Trindade – obra que fica no Pátio de São Pedro, no Recife e integra o Circuito de Poesia, feita pelo escultor Demétrio Albuquerque. Solano Trindade é o único poeta negro representado entre as estátuas do Circuito de Poesia, projeto de homenagem realizado pela Prefeitura da Cidade do Recife e que conta com nomes como João Cabral de Melo Neto, Carlos Pena Filho, Manuel Bandeira, Mauro Mota, entre outras figuras. Numa das fotografias, o poeta França sorri ternamente, como que próximo de um amigo de velha data. Sobre Solano Trindade, França escreveu: 1 Doutorando em Teoria da Literatura | UFPE Poéticas das vozes incendiárias: percussões dos corpos livres nas poesias de Solano Trindade e França José Juvino da Silva Júnior Falar sobre Francisco Solano Trindade (1908-1974) é para mim uma atividade cotidiana. Eu, basicamente, vivo Solano. Gosto de imaginá-lo como o “grande avô” da negritude brasileira em todas as suas expressões culturais. Outros negros houve que se dedicaram a uma atividade política ou que deram a sua vida pela causa do negro nas Américas. Solano Trindade, no entanto, fez da sua trajetória um alinhavado de ações que transformaram as relações raciais do seu tempo, abrindo caminho para esta espécie de “orgulho de ser negro” que as gerações atuais carregam consigo hoje, e, por que não dizer, esta tendência à eliminação dos preconceitos raciais que caracteriza o imenso universo dos jovens de hoje. 2 Solano Trindade, nascido no bairro de São José, no Recife, no começo do século XX, foi um sujeito de múltiplas expressões, tendo enveredado pela poesia e por áreas como teatro, cinema e pintura. Foi operário, trabalhou no comércio e colaborou na imprensa, além de realizar importantes mobilizações de resistência da cultura afro, como os congressos Afro- Brasileiros e ter fundado, junto com outros artistas, a Frente Negra Pernambucana e o Centro Cultural Afro-Brasileiro. Solano publicou os livros: Poemas d’uma vida simples (1944), Seis tempos de poesia (1958) e Cantares ao meu povo (1961). Após seu falecimento houve o lançamento de alguns títulos, entre reedições e antologias. Sua obra poética chegou a ser reunida em “ Solano Trindade – o poeta do povo ”, pela Cantos e Prantos, uma pequena editora de São Paulo, em 1999. Mas, devido às limitações estruturais da editora, a obra não 2 teve grande circulação, não chegando a ser lançada em Pernambuco, por exemplo. Valdemilton Alfredo de França nasceu em 1955, na área rural da cidade do Cabo de Santo Agostinho, no Engenho Pirapama. Desde criança, esteve em trânsito entre o Cabo e Olinda, onde morava Carolina, sua avó. Primogênito, era bastante articulado nos espaços que frequentava: escola, igreja, trabalho. Foi o único da família a realizar estudos acadêmicos. Passou por Psicologia, Economia, sem concluir. Chegou às Artes Cênicas, lá na Universidade Federal de Pernambuco, onde participou da colação de grau in memoriam, depois de seu falecimento, em 2007, como uma forma de homenagem e reconhecimento da Universidade por suas contribuições como ator, encenador, arte-educador e poeta, nas ruas e nos palcos. Lúcido, consciente dos valores e determinações sociais oriundos da opressão e do preconceito racial, França soube entrar nos circuitos para subverter expectativas e papéis predeterminados, mostrando-se como sujeito capaz e inventor de sua própria jornada. E em sua jornada, em sua caminhada no presente em direção ao futuro, não se esqueceu de 2 “Uma vida em negrito”, artigo de França sobre Solano Trindade, Portal Interpoética. Anais do Viva a Pernambucanidade Viva XIV | Letras | FAFIRE Poéticas das vozes incendiárias: percussões dos corpos livres nas poesias de Solano Trindade e França José Juvino da Silva Júnior trazer junto de si os ecos e presenças das histórias ancestrais. Neste quesito, França entendia, entre outras coisas, sua atuação poética como uma missão de reverberação, de desdobramento, de permanência e pertinência das forças da cultura negra em anos sem fim de vivência e transmissão. E este entendimento não é um ato intelectual, apenas. Ao contrário, engloba o corpo, enraíza-se na experiência física, biológica. Assim, o corpo é um vetor de atualização da memória e da história negra, ativo no desmonte das estruturas simbólicas que sustentam cada privilégio: Desarme-me dos meus olhos / se não sustentarem seu olhar / Da minha boca, se não o delatar / Das minhas mãos, se o adularem / E do meu sexo, “para não enrabar sua filha”. // Mas, me devolva a Língua-Mãe / A minha cultura, o meu baseado / A minha caneta e o meu papel / Pois eu tenho o dever de / Registrar a minha história (FRANÇA, 2011, p. 87). E no registro desta história, no encontro com seus antepassados, França deu atenção e destaque para Solano Trindade. Como afirma Rafaela Valença Gomes, pesquisadora da obra de França e editora de sua obra reunida, na apresentação de Poeminflamado – a voz tridimensional do poeta França : O artista teceu sua filosofia de vida e sua arte na organicidade da conexão entre voz, corpo e território, sempre partindo de um fértil processo de construção de 3 suas localizações identitárias no plano do gesto e do corpo. Foi buscar na cultura de seus ancestrais africanos a articulação simbólica da corporalidade com a territorialidade. Adotou como intercessores diretos Solano Trindade e Zumbi dos Palmares. E foi viver a experiência corporal como uma forma de conhecimento intuitivo, direto sobre o mundo. Entender seu corpo como um microcosmo do mundo e como parte integrante da natureza, não como seu contraponto. Experimentou em seu próprio corpo a sua cultura, sua memória, as relações com o divino, a sua luta e a resistência: no cabelo e na filosofia Rasta, nos movimentos da capoeira, na poesia falada (GOMES in FRANÇA, 2011, p. 10). Este ano completaram-se quarenta anos da morte de Solano Trindade e a oferta de livros com seus textos em livrarias e bibliotecas é parca diante da importância das contribuições de seu canto poético de resistência. Frente a isso, conseguir estabelecer contato com sua obra poética é um feito, um gesto de força contra o esquecimento. E obter informações sobre suas atividades culturais favorece uma visão crítica dos embates e lutas contra a discriminação e o racismo contra negros e negras brasileiras ao longo do século XX e possibilita também reconhecer as potências e articulações em defesa da cultura negra e na afirmação das raízes ancestrais africanas. Anais do Viva a Pernambucanidade Viva XIV | Letras | FAFIRE Poéticas das vozes incendiárias: percussões dos corpos livres nas poesias de Solano Trindade e França José Juvino da Silva Júnior Uma vez feito o contato, percebemos que sua obra poética extrapola a leitura silenciosa, clamando pela voz e atualização de sua fala, com poemas repletos de musicalidade e ginga. E este contato é primordial e precisa ser desdobrado, uma das intenções deste pequeno artigo, ao trazer também para perto a obra do poeta França, fomentando reverberações para ambas as produções poéticas e seus temas.