ORQUESTRA SINFÓNICA CORO CASA DA MÚSICA CONSELHO DE FUNDADORES EMPRESAS AMIGAS DA FUNDAÇÃO Presidente CACHAPUZ DO PORTO CASA DA MÚSICA LUÍS VALENTE DE OLIVEIRA CIN S
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27 Mar 2015 Orquestra 21:30 Sala Suggia – MORTE E Sinfónica RESSURREIÇÃO do Porto Casa da Música ANO ALEMANHA Coro Casa da Música Olari Elts direcção musical Karen Wierzba soprano Annely Peebo meio ‑soprano Mati Turi tenor Michael Nagy barítono Ludwig van Beethoven Missa Solemnis (1818 ‑23; c.1h20min.) 1. Kyrie 2. Gloria 3. Credo 4. Sanctus 5. Agnus Dei Texto original e tradução nas páginas 7 a 9. tempo do que o previsto, completando‑a ape‑ Na impossibilidade de contar com a presença dos solistas Ludwig van Beethoven nas no final de 1822. A partitura seria sujeita Elizabeth Watts (soprano) e Zoltán Nagy (barítono), por BONA, 16 DE DEZEMBRO DE 1770 a várias revisões até meados do ano seguinte motivos de força maior, a Casa da Música agradece a Karen VIENA, 26 DE MARÇO DE 1827 e entretanto a obra tinha tomado proporções Wierzba e Michael Nagy a disponibilidade para interpretarem gigantescas. Além disso, implicava um con‑ a Missa Solemnis de Beethoven, à última hora, com a Missa Solemnis teúdo expressivo de tal forma dramático e Orquestra Sinfónica e o Coro Casa da Música. colocava tais dificuldades de execução que Devemos ao pintor Joseph Karl Stieler aquela se provaria desadequada não só ao contexto que é certamente a imagem mais popu‑ da cerimónia a que aparentemente seria des‑ lar de Ludwig van Beethoven, que acedeu a tinada como a qualquer uso estritamente posar para Stieler pelo menos quatro vezes litúrgico. em 1820. As mãos foram pintadas de memó‑ Na verdade, constata ‑se facilmente que ria; nelas, a partitura de uma composição a Missa Solene é uma expressão eminente‑ em que Beethoven estava então particular‑ mente pessoal do compositor, da sua forma mente imerso e da qual Stieler se preocupou de ver a relação com Deus e com o mundo. em obter os detalhes correctos para que figu‑ Homem inequivocamente religioso, Beetho‑ rassem no manuscrito ostentado no quadro: ven manteve um pensamento bastante inde‑ “Missa Solemnis in D#” (“D#” denota a prá‑ pendente, ao que não será alheio o impacto tica alemã segundo a qual o símbolo de sus‑ dos ideais iluministas e racionalistas que tenido indicava tonalidade maior), que Bee‑ rodearam a sua juventude. A liberdade era thoven referiria como a melhor entre as suas o denominador comum a múltiplos aspec‑ composições. tos da vida deste homem de posturas inqui‑ A ideia de compor uma nova obra reli‑ sitivas e críticas. A procura espiritual de Bee‑ giosa desenhava ‑se na mente de Beetho‑ thoven não passava pela identificação com ven já em 1818. Quando soube que o arquidu‑ organizações religiosas. Não ia regularmente que Rodolfo da Áustria – seu amigo, patrono, à igreja, que frequentava mais a propósito de aluno de longa data e dedicatário de várias instrução musical do que dos rituais litúrgicos. MECENAS ORQUESTRA SINFÓNICA das suas obras anteriores – seria nomeado Venerou desde cedo a natureza e sim, atra‑ arcebispo de Olmütz, acabou por tomar o vés dela venerou Deus. A mesma visão quase evento como pretexto oficial para a compo‑ panteística, em conjugação com os ideais sição de uma missa solene, cuja estreia ficou revolucionários de liberdade e fraternidade PATROCINADOR OFICIAL ANO ALEMANHA PATROCINADOR ANO ALEMANHA inicialmente planeada para Março de 1820, universal, estaria também na base da música altura da entronização. Beethoven mostrou‑ que Beethoven escreveria sobre a Ode à Ale‑ ‑se entusiasmado: “o dia em que uma missa gria de Schiller para o último andamento da solene composta por mim for executada sua Sinfonia nº 9, datada do mesmo período. durante as cerimónias solenizadas para Beethoven não se poupou a um minu‑ CO-FINANCIADO POR Sua Alteza Imperial será o dia mais glorioso cioso trabalho de preparação para a escrita da minha vida, e Deus iluminar ‑me ‑á de forma da Missa Solene, desde logo a começar pelo a que o meu modesto talento possa contri‑ estudo dos textos litúrgicos, tanto a nível A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE buir para a glorificação desse dia solene”. de prosódia como de semântica. No plano Contudo, trabalharia na obra por muito mais musical propriamente dito, empreendeu um 3 estudo aprofundado do modalismo ecle‑ peça tinha para o seu autor um significado binário, rodeiam o trecho central “Christe elei‑ Ao Credo Beethoven fez uma abordagem siástico e da música religiosa do passado, realmente especial. Sobre os compassos ini‑ son”, feito em Si menor e compasso ternário. peculiar. Começa bem assertivo, com um apoiando ‑se até em leituras teóricas que ciais do Kyrie que abre a missa, Beethoven O segundo Kyrie, contudo, não é uma mera motivo de tal forma vincado (rítmica e melo‑ incluíam tratados renascentistas. O fascínio deixou a inscrição: “vindo do coração – que repetição do primeiro. Para ele Beethoven dicamente) que é praticamente um impera‑ pela escrita modal ficaria, de resto, expresso possa voltar ao coração”. criou música nova baseada no material motí‑ tivo. É notório que Beethoven opta por dar de forma muito significativa no “Heiliger Imediatamente após o trabalho de com‑ vico anterior. De notar, imediatamente na pri‑ relevos diferentes a diferentes partes do Dankgesang” (Canto de Acção de Graças) do posição da missa, Beethoven esforçou ‑se meira enunciação vocal, o arrojado contraste texto, certamente de acordo com a sua iden‑ Quarteto op. 132, escrito no modo lídio e com por promover a obra, tentando que as cor‑ dinâmico entre as duas primeiras sílabas da tificação pessoal com cada uma delas. Tendo carácter alusivo a música vocal sacra. Desde tes europeias subscrevessem a edição da palavra “Kyrie” (fortes) e a última, num jeito em conta as já referidas reservas de Bee‑ o canto gregoriano medieval até ao Messias partitura. Embora os direitos de impressão tipicamente beethoveniano. A visão religiosa thoven em relação à Igreja, não é de estra‑ de Händel, as referências são abrangentes e tenham sido adquiridos pela Schott em 1824, pessoal de Beethoven tem também forma nhar que tenha, por exemplo, optado por ajudam a compreender a amálgama estilís‑ a obra acabou por ser publicada só depois da de se manifestar através de simbolismos camuflar a parte do texto que remete para a tica tão rica e peculiar que distingue esta cria‑ morte do compositor, em Abril de 1827. musicais que faz corresponder a sentidos do crença na Igreja Católica (confiada aos teno‑ ção de Beethoven. A primeira audição da Missa Solene ocor‑ texto. Beethoven colocava Cristo como ser res). Aí recorre a entradas efusivas do coro O trabalho na obra propriamente dita teve reu em São Petersburgo em Abril de 1824. Do humano, alguém que caminha ao nosso lado – (que repete “credo”) para o efeito. Por outro início no Outono de 1818 e desenrolar ‑se ‑ia lado de cá da Europa, a estreia foi primeira‑ e Cristo é invocado com vozes à distância de lado, aquando da referência à remissão dos de acordo com a sequência das cinco partes mente parcial, a 7 de Maio de 1824 em Viena. terceiras, simbolizando o caminho a par, dife‑ pecados, soprano e alto já fazem também a que compõem o texto do ordinário da missa: Nesse dia, Beethoven dirigiu o Kyrie, o Credo rentemente do Deus que é Espírito inatingível enunciação clara do conteúdo, resultando na Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei. e o Agnus Dei, todos em versão alemã e anun‑ e misterioso. sugestão de uma versão menos dogmática Anton Schindler, amigo e admirador ciados como “Três Grandes Hinos”. O pro‑ O Gloria chega impetuoso e triunfante do texto: “acredito na remissão dos pecados”. devoto de Beethoven, escreveu uma grande grama do concerto – o último dado por Bee‑ e segue o curso emocional do texto. Em tre‑ Perto do fim, dedica especial atenção à linha quantidade de memórias sobre o compositor, thoven – era extensíssimo: nele se ouviu ainda chos de louvor predominam as ricas textu‑ “et vitam venturi saeculi” (“e a vida do mundo entre as quais se lê um relato sobre a fase de a abertura A Consagração da Casa e a Sinfo‑ ras imitativas, ao passo que em momentos que está para vir”), evidenciando a sua fé no composição da Missa: “Eram quatro da tarde. nia nº 9 (é desta ocasião o célebre momento de súplica são favorecidos os solos. Face ao futuro, que toda a sua conduta e arte sempre Na sala de estar, atrás de uma porta fechada, em que o compositor, já em profunda sur‑ ímpeto da melodia ascendente inicial, o supli‑ puseram em evidência. ouvimos o mestre a cantar partes da fuga do dez, não se apercebia do aplauso efusivo cante “miserere nobis” contrapõe ‑se con‑ O Sanctus é particularmente contido e Credo – a cantar, a berrar, a bater com o pé. que lhe era dedicado pelo público vienense). tido em termos melódicos. Detalhes como introspectivo. Só quando chega o texto “pleni Depois de termos estado a escutar por longo A missa, à semelhança das restantes obras o pianissimo de “adoramus te” e o fortissimo sunt coeli et terra gloria tua” há contraste, tempo a cena quase horrível, e estando já do programa, estava repleta de passagens de “omnipotens” (onde entram finalmente irrompendo então uma fuga triunfante. O para ir embora, a porta abriu ‑se e Beethoven que testavam os limites de cantores e ins‑ os trombones) são notáveis. Na secção que “Osanna in excelsis”, também fugado, traz apareceu diante de nós com a cara franzida, trumentistas, envolvendo passagens longas começa com o “Qui tollis peccata mundi”, uma ascensão melódica no final após a qual calculada para provocar medo. Parecia que sem respiração devidamente prevista para Beethoven permitiu ‑se acrescentar vocati‑ chega um dos momentos mais encantadores tinha estado em combate mortal com todos instrumentistas de sopro, notas sustentadas vos exclamatórios (“o”, “ah”) que reforçam a de toda a obra.