ENTRE PORTOS E RITOS a Memória Do Candomblé Angola Em Santos

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ENTRE PORTOS E RITOS a Memória Do Candomblé Angola Em Santos 1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS JANAÍNA DE FIGUEIREDO ENTRE PORTOS E RITOS A memória do Candomblé Angola em Santos DOUTORADO EM ANTROPOLOGIA São Paulo 2016 2 JANAÍNA DE FIGUEIREDO ENTRE PORTOS E RITOS A memória do Candomblé Angola em Santos Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Antropologia. Área de Concentração: Antropologia Orientadora: Profa Dra Teresinha Bernardo São Paulo 2016 3 Banca Examinadora ________________________________ ________________________________ ________________________________ ________________________________ ________________________________ 4 Dedico ao meu pai, meu tata, companheiro de travessia. 5 AGRADECIMENTOS À professora Teresinha Bernardo pelo carinho, pelas observações e críticas cuidadosas realizadas durante a pesquisa, que me possibilitaram reflexões importantes para este trabalho. Aos membros do Núcleo de Pesquisa Relações Raciais: Memória, Identidade e Imaginário (PUC/SP), com os quais compartilhei momentos afetivos e de discussão calorosa, contribuindo muito para minha formação acadêmica. Aos professores, Dr. Acácio Sidinei Almeida Santos e Dra. Eliane Hojaij Gouveia, pelas arguições minuciosas no exame de qualificação. Ao querido amigo Patrício Carneiro Araújo cuja interlocução e amizade no decorrer desta pesquisa foram essenciais para aquecer muitas das reflexões aqui desenvolvidas. Muito obrigada, amigo! Às amigas queridas: Camila Vieira, Flávia Bandeca Biazetto, Ana Helena Passos, Giovanna Capponi, Joanice Conceição, Renata Del Monaco e Maria Célia Virgolino. Ao Tata Kajalacy, Ataualpa de Figueiredo Neto, meu pai amado, que me ajudou e, por vezes, me guiou na trama do Angola. Ao Baba José Luiz Badeh no qual a ajuda no fornecimento dos contatos foi de grande contribuição. Aos interlocutores desta pesquisa, os quais dedicaram dias às minhas entrevistas. Levo para esta vida grande aprendizagem com todos vocês! Aos amigos e irmãos do Ilê N’Zambi, meu sincero carinho. À minha família pelo amor, incentivo e pela força: Tânia M. G. de Figueiredo, mãe querida, carinhosa e dedicada; Leandro de Figueiredo, Fabiano de Figueiredo e Maurício de Figueiredo, estimados irmãos. À minha cunhada Daniela Soares e aos meus sobrinhos. À minha sogra Elma Garrido que me ajudou no cuidado com meus filhos em alguns momentos desta pesquisa. E, por fim, ao meu marido, Daniel G. Araújo, que sempre colore a minha vida com muita paixão. E aos meus filhos amados: Catarina, Leonardo e Lucas, inspiração e sentido para essa travessia. 6 AGRADECIMENTO Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) pela concessão da bolsa, tornando possível a dedicação exclusiva à pesquisa. 7 Meu terreiro, minha morada Na pequena travessa enlameada, escondida entre uma tímida urbanização e uma vegetação pesada e umedecida pelo charco, eis o meu terreiro, minha morada. Com a visão entorpecida pela pouca iluminação e pelo som dos tambores sou guiada pelo mastro de Kitembo. Os largos passos me levam rapidamente à sua entrada. Defronte, a farofa e a cachaça espalhadas pela rua sinalizam mais uma festa. Ao entrar, avisto o barracão com as suas grandes janelas pintadas de azul-claro que se destacam nas largas paredes caiadas de branco. Ao invés de entrar, prefiro fazer uma caminhada ao seu redor. Quase como um ritual, vou beirando as janelas, todas decoradas com folhas secas de dendezeiro. Aprecio a festa pelas frestas. Do lado de fora, com o espírito hipnotizado pelo ingoma, vejo o Candomblé Angola. O chão de barro coberto de insabas de eucalipto ainda verdes, no teto as folhas de coqueiro indaiá enfeitam o barracão e impregnam o ambiente de um aroma difícil de se esquecer. Algumas crianças brincam do lado de fora de pega-pega, outras estão na roda e se silenciam com o rigor dos mais velhos. É pela janela que observo os ritos, os códigos e os segredos. Debruçada, ora em uma, ora em outra, contemplo os seus detalhes. Tateio o sagrado. Algumas vezes, me permito entrar no barracão e, sentada entre os convidados, a festa se revela sob outro ângulo. Aguardo o momento lírico da pemba. O seu sopro me liberta. Cantam para Janaína, entro na sintonia do rito e reverencio o meu nkisi. Me jogo aos pés da cumeeira e, em seguida, do ingoma. O meu corpo se rende à entropia e sente a energia dos ancestrais. Contudo, num breve instante, hesito. E então, saio desse êxtase e volto para a janela, lá onde tudo se mostra de outra forma. Janaína de Figueiredo 8 9 Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem, é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito sim, por educação. Mas não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança. INUNDAÇÃO in O Fio das Missangas. Mia Couto. 10 RESUMO Neste trabalho situo a memória do Candomblé Angola na cidade de Santos, identificando o papel do caboclo nessa estrutura religiosa. As lembranças apontaram um “ponto fixo” no espaço, qual seja o cais do porto. Este se tornou o cenário, a paisagem, em que a memória de um Candomblé à beira-mar estava ancorada. Nas vozes dos interlocutores, os mastros, as velas, os bondes, as ruas e os becos da cidade se manifestaram como “retóricas caminhatórias” e, igualmente, recompuseram o tecido pelo qual diversas práticas e dinâmicas culturais estavam atadas. Nessa rede de sentidos e significados, a nação Angola ocupa lugar privilegiado nesta análise. Defendo que o caboclo constitui peça fundamental na estrutura religiosa dessa nação. Essa entidade trouxe, como se tenta argumentar, certa unidade ao Candomblé Angola, marcado por cisões em seu interior. Umas das premissas que envolve a análise do caboclo consiste em lhe atribuir o papel de manutenção da memória e identidade do Candomblé Angola. Esta tese constitui um trabalho sobre a memória em muitos sentidos: no olhar do pesquisador, nas lembranças entrecruzadas, no papel dos guardiões da memória, nas performances do caboclo, entre outros aspectos. Palavras-chave: Candomblé; nação Angola; caboclo; Candomblé à beira-mar; porto; memória; nkisi. 11 ABSTRACT In this paper I place the memory of the angola candomblé in Santos city, indentifying the caboclo’s role in this religious structure. The memories pointed out a “fixed point” in space, which is the pier. The pier became the scenery, the landscape, in which the memory of a candomblé by the sea was anchored. In the speaker’s voices, the masts, the sails, the streetcars, the streets and the city allies have expressed themselves as “walking rhetoric” and also pieced together the web in which several practices and cultural dynamics were attached. In this net of sense and meaning the angola nation takes a privileged spot in this analysis. We defend that the caboclo is a key component in this religious structure of this nation. This entity brought, as one tries to argue, a kind of unity to the angola candomblé. One of the premises which involves the caboclo’s analysis consists in giving him the role to keep angola candomblé memory and identity. This thesis is a paper about the memory in many ways like: the researcher’s view, the crossed memories, the memory guardians’ role, the caboclo’s performances, and other aspects. Key-words: Candomblé; angola nation; caboclo; candomblé by the sea; port; harbor; memory, nkisi. 12 LISTA DE MAPAS E ILUSTRAÇÕES MAPA 1 - EXPANSÃO URBANA DE SANTOS E SÃO VICENTE. .............49 Figura 1 – Casebres do Quilombo do Jabaquara.................................................53 Figura 2 – Imagem de Quintino de Lacerda........................................................54 Figura 3 – Homenagem junto à encosta do Monte Serrat ...................................55 Figura 4 e 5 – Bonde da linha 19 em 1950..........................................................58 Figura 6 – Cartão postal .....................................................................................68 Figuras 7 e 8 – Nossa Senhora de Monte Serrat e a Capela................................69 Figuras 09 e 10 – Revista X9 ..............................................................................75 Figura 11 – Ilustração do Kalunga ......................................................................96 MAPA 2 – TERREIROS EM SANTOS. ..........................................................134 Figura 12 – Ilustração de Tata Kajalacy............................................................170 Figura 13 – Tempo, encruzilhada e ciclos de vida............................................172 Figura 14 – Kaitumba........................................................................................198 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................14 CAPÍTULO 1 – KIANDA BAILA SOBRE O CAIS ..........................................................34 1.1 Cais: lugar de memória ......................................................................................................35 1.2 O cais do porto de Santos ...................................................................................................43 1.3. Santos: um sopro de liberdade...........................................................................................48 1.4 A paisagem do cais: ruas, becos e esquinas........................................................................57 1.5 Entre os caminhos do
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