Os 170 Anos do Parlamento Gaúcho

Volume IV

A Democracia Reconquistada (1983-2004)

Cláudio Pereira Elmir

Porto Alegre, 2005 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL Superintendente-Geral: Alvaro Alvares

Superintendência de Comunicação Social Superintendente: Marcelo Villas-Bôas

Departamento de Relações Institucionais Carlos Roberto Coelho

Autor Cláudio Pereira Elmir

Fotos: Marco Couto

Editoração Juçara Campagna – CORAG – Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas

E48d Elmir, Cláudio Pereira A democracia reconquistada (1983-2004) / Cláudio Pereira Elmir. - : CORAG, 2005. 80 p. : il. - (Os 170 anos do Parlamento Gaúcho ; v. 4).

1. Assembléia Legislativa – Rio Grande do Sul – História 2. História política – Rio Grande do Sul I. Título. II. Série.

CDU 342.533 (816.5) (091)

CIP - Catalogação na publicação: Carlos L. A. de Moraes - CRB 10/867 MESA DIRETORA

Presidente Deputado Vieira da Cunha

1º Vice-Presidente Deputado João Fischer

2º Vice- Presidente Deputado Manoel Maria

1º Secretário Deputado Luis Fernando Schmidt

2º Secretário Deputado Márcio Biolchi

3º Secretário Deputado Heitor Schuch

4ª Secretária Deputada Jussara Cony

Suplente Fabiano Pereira

SUMÁRIO

Algumas palavras iniciais ...... 7

Prefácio ...... 11

1. Preparando o terreno: o começo do ocaso do Regime Militar . 13

2. Os agitados anos 1980: a crise, os movimentos sociais, as Diretas-Já ...... 25

3. A “Constituição cidadã lá e aqui: entre a democracia sonhada e a democracia cumprida ...... 46

4. A década de 1990 espreita o século XXI: desafios que o pre- sente propõe para o futuro próximo ...... 58

Referências Bibliográficas ...... 71

A DEMOCRACIA RECONQUISTADA (1983-2004)

Cláudio Pereira Elmir

ALGUMAS PALAVRAS INICIAIS

ste pequeno livro quer ser uma modesta contribuição à história da Assem- bléia Legislativa do Rio Grande do Sul no seu período mais recente, com- Epreendido entre os anos de 1983 e 2004. Talvez estejamos diante da fase mais livre e autônoma de atuação desta Casa Parlamentar. Talvez em nenhum outro momento de sua história, ao longo de 170 anos, a Casa do Povo Gaúcho tenha podido justificar tão plenamente este nome que sustenta na sua porta de entrada. O presente, para muitos de seus críticos açodados, freqüentemente é visto como o espaço privi- legiado para a realização das piores experiências. Neste sentido, e numa perspectiva oposta, o passado seria, por excelência, o campo do reconhecimento das melhores de nossas qualidades, porque é lá que nossos feitos mais dignos tiveram lugar para o seu inteiro desenvolvimento. Não é isto que pensamos. Não é esta premissa que rege nos- so olhar à ação política da Assembléia gaúcha nestes pouco mais de vinte anos. Não estamos diante do infausto. O sentimento da queda, da ruína ou da decadência não move nossa avaliação – por mais tateante que ela possa ser ainda neste momento – do empenho dos homens públicos do Rio Grande no caminho da melhor consecução das virtudes políticas a que foram alçados pelo mandato a eles conferido por nós, que os fizemos, provisoriamente, “primeiros entre os iguais”, para aqui avocar uma expres- são cara aos gregos antigos. O ponto de partida deste ensaio, dizemo-lo de princípio, reside no entendimento de que o presente encerrado pelas duas últimas décadas está grávido de nossas mais férteis sementes. As pétalas que vão ao chão no inverno de nossa desesperança carregam consigo, não raro, as sementes de flores e frutos mais vigorosos que a primavera de nossos desejos não deixa de anunciar a cada novo ciclo da vida. Este livro quer falar justamente do belo e do bom da democracia reconquis- tada; esta que temos colhido a cada nova estação e que se renova pela única razão de que temos feito a boa rega. A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, através da ação continuada de seu corpo funcional e da intervenção positiva de seus melhores homens públicos, reafirma, na ação de cada dia, o único destino que podemos admitir num Estado de direito: o do regime da liberdade e da democracia, e com justiça.

1 Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). 7 Mas não nos enganemos. Se, por um lado, acreditamos que o tempo presente carrega consigo a promessa de nossa melhor fortuna, é também nele que reside, sor- rateiro, o imprevisível, o inesperado, o destino incerto de nossas ações. O vir a ser apenas parcialmente se coloca sob o nosso controle. Daqui para a frente, somos precá- rios navegantes. Mesmo com todos os instrumentos à nossa disposição, não devemos menosprezar a força do acaso; tampouco, aquela outra, mais solerte, dos defensores de outras causas, que não esta que nos move a celebrar o Estado de direito, o regime de liberdade e democracia e a justiça. Se não houvesse outras funções a serem cumpridas pelo Poder Legislativo – e há, e são muitas -, suficiente seria a de velar incansavel- mente, diuturnamente, pela mantença qualificada da democracia. O Parlamento é, por vocação, o garante da democracia. Fazer a travessia segura da democracia formal à democracia substantiva deve ser o seu mais louvável empenho. Se assim for, todo o resto é decorrência.

Tratar da história recente do Parlamento Gaúcho, por outro lado, é tarefa difícil para um historiador. Profissional afeito às causas do passado, fica inseguro quando se lhe demandam falar sobre seu próprio tempo. Diferentemente de outros profissionais do campo das Ciências Humanas - como o antropólogo, o sociólogo e o cientista po- lítico - , o historiador uma vez aprendeu que um dos elementos de dignidade de seu trabalho ancorava-se justamente na fuga do presente e no refúgio no passado. Este te- mor do presente não deixa de ser, em certo sentido, temor de si mesmo; temor das suas causas, da sua subjetividade; temor de ser assaltado pela própria imagem ao postar-se diante do espelho. Mesmo assim, é real.

Não é fácil produzir uma narrativa sobre a história de uma Instituição cujos mem- bros estão de prontidão a não tolerar qualquer inverdade, qualquer omissão, qualquer juízo que venha a gravar-lhes a memória. Os mortos, no máximo, reclamam incorre- ções por meio de suas viúvas (intelectuais ou afetivas). Os vivos, de outra sorte, têm a palavra autorizada sobre eles mesmos, e qualquer deslize da fala alheia pode ser suficiente para desencadear a réplica mais veemente. Há que contar com isto. Este é um corolário inexpugnável do historiador que se aventura a contar a história de seus coetâneos. Ao mesmo tempo em que se persegue justiça, moderação, parcimônia e senso de verdade, assim como são homens os que fazem a história, da mesma maneira, são sujeitos os que a escrevem. Precários na sua humanidade, ainda que infinitos no seu desejo de acertar. Que esta pouca história que me coube contar faça justiça àqueles que me deram motivo para poder produzi-la. E que os anos vindouros possam retificar os equívocos de avaliação que minha presença no bosque tenha eventualmente trazido à opacidade de meu olhar.

* * * * *

8 A pesquisa para este livro foi realizada com o prestimoso auxílio do Prof. Cláudio de Sá Machado Júnior e por Michelle Pereira Elmir. Contei ainda com a disponibilida- de e gentileza que sempre Maria Conceição Gonzalez e Maria Regina Barnasque me ofereceram na Divisão de Biblioteca e Memória Parlamentar do Departamento de Re- lações Institucionais da Assembléia Legislativa. O texto foi revisado proficientemente pela Profa. Vera Lúcia Cardoso Medeiros. A todos eles, quero registrar meu sincero agradecimento. Este ensaio é dedicado à memória de Marcos Justo Tramontini, que nos deixou tão cedo.

Porto Alegre, dez/jan 2004-5.

9

PREFÁCIO

Completa-se com este livro, “A Democracia Reconquistada”, de autoria do Pro- fessor Doutor Cláudio Pereira Elmir, a série de quatro volumes com que a nossa As- sembléia Legislativa buscou oferecer, a este Estado e a este País, larga visão da evolu- ção do Parlamento Gaúcho de 1835 a 2005, precisamente quando se comemoram 170 anos da Casa do Povo. De 1983 à atualidade, vivemos um período repleto de fatos políticos significativos. Em 1982, reconquistava-se o direito de eleger pelo voto direto os governadores de Estado, embora com o casuísmo do voto vinculado. A Nação vive uma das maiores campanhas cívicas da história, o movimento pelas “Diretas Já”, em 1984. Em 1989, retoma o povo brasileiro o direito de escolher pelo voto o seu presidente. Em 1992, um presidente renuncia para escapar do “Impeachment”. Foram fatos marcantes da história recente do Brasil, vividos com intensidade pelo povo gaúcho, que teve sempre na sua Assembléia uma firme trincheira na luta pela reconquista e fortalecimento do regime democrático. Ao apresentar este quarto e último volume da série que conta a trajetória do parla- mento gaúcho desde sua instalação, em 1835, quero afirmar da honra que tive de presi- dir uma Casa Legislativa que é uma referência positiva nacionalmente reconhecida. Aqui no Rio Grande felizmente se faz política com dignidade e espírito público. Continuemos assim, pois temos 170 anos de uma rica História a honrar.

Palácio Farroupilha, janeiro de 2005.

Dep. Vieira da Cunha, Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. 11

1. PREPARANDO O TERRENO: O COMEÇO DO OCASO DO REGIME MILITAR

ue história contar da atuação da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul dos últimos vinte e dois anos? A tarefa de escolher os assuntos a Qcompor uma pauta mínima para a história recente da Assembléia reves- te-se de tantas dificuldades quantas são as de abordar estes mesmos assuntos. Neste processo, é sempre inevitável que, no mesmo momento em que estabelecemos priori- dades – e as incluímos em nosso repertório de análise – , tenhamos que excluir tantos outros pontos de inserção a demandar, igualmente, o nosso ponto de vista. A seleção é, neste caso, tarefa cruel mas incontornável quando se pretende garantir exeqüibilidade ao nosso empenho. Quando tem início a história recente da Assembléia Legislativa, destacada ago- ra de mais de um século e meio de trabalho? Qual é a contemporaneidade da ação política da Assembléia que pede, hoje, nosso olhar detido? Esta história começa a se delinear no termo dos anos 70 do século passado, para claramente se fazer visível a partir do ano de 1983. As razões que justificam este marco temporal do princípio encontram-se, de maneira solidária, tanto na história política nacional, quanto nos desdobramentos que esta revela em nível regional e municipal. Os vínculos que cada uma destas dimensões estabelece com as outras duas não são necessariamente ime- diatos, mas assumem feições de dependência, tendo em vista a organização do Estado brasileiro, sob um regime não democrático, que estava na base das transformações pelas quais o país veio a passar, num ritmo cada vez mais acelerado, desde o final dos referidos anos 1970. A história recente da Assembléia Legislativa se confunde, desta forma, com o processo mesmo de redemocratização pelo qual passa a política nacional, especial- mente a partir do governo do último general-presidente, João Baptista Figueiredo (1979-1985). Neste caso específico, a promulgação da Lei da Anistia há vinte e cinco anos, sob a gestão de Figueiredo, no dia 28 de agosto de 1979, afigura-se em marco simbólico deste processo que, para muitos, se completaria apenas dez anos depois, com a primeira eleição direta para presidente da República desde a instauração do regime que sucedeu ao abortado Governo de João Goulart (1961-1964). Mas esta não é uma posição consensual:

(...) visto de hoje, um quarto de século depois, o processo democrático deflagrado pela Lei da Anistia ainda é para muitos uma obra inacabada, ou parcial. Isso porque os dois maiores traumas históricos do período ainda não foram resolvidos: 13 a punição dos torturadores e o esclarecimento do paradeiro daqueles considerados “desaparecidos” pelo regime (FOLHA DE SÃO PAULO, 22 de agosto de 2004).

O debate recente acerca da propriedade e da justeza das indenizações pagas pelo Estado brasileiro àqueles que sofreram perdas em função das arbitrariedades come- tidas pelo regime autoritário e as discussões, mais recentes ainda, em torno ao des- tino dado a documentos produzidos pelos inúmeros órgãos de segurança do Regime Militar e, surpreendentemente, ainda fabricados depois de 1985, deixam claro que a ferida produzida na memória pelos acontecimentos havidos não foi cicatrizada de maneira adequada. Mais do que isto, estes fatos demonstram – entre tantos outros aqui omitidos – que promover a sentença sobre a história do tempo que toca à nossa razão sensível é tarefa ingente. Em longa entrevista recentemente concedida ao Programa de História Oral do Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, em 07/06/2004, o advogado criminalista Omar Ferri lembra da importante atuação da Assembléia Legislativa por ocasião do seqüestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Dias, durante o governo de Sinval Guazzelli, cuja explicação não pode ser dissociada das ditaduras vigentes no Cone Sul da América Latina naquele momento. O papel da Assembléia Legislativa naquela circunstância foi decisivo, segundo o juízo de Omar Ferri, que também atuou, esporadicamente, como Deputado Estadual.

A Assembléia Legislativa ouviu testemunhas, juntou documentos, fez um relatório muito bom. O primeiro relatório foi feito pelo Jarbas Lima. Ele contratou o Manoel Braga Gastal, PL, cujo parecer fez o jogo da Polícia e o jogo da ARENA, que negavam a existência do seqüestro. (...) o Jarbas Lima concluiu que, não havendo provas do delito, não haveria autoria, e não houve o episódio. Dessa forma, não havia como o relatório apontar responsáveis. Então, pediu arquivamento. O parecer dele foi rejeitado. A Assembléia Legislativa designou o Ivo Mainardi, que era Promotor, Deputado e que deu um parecer excelente, que foi aprovado e remetido ao Ministério Público. Isso serviu de base para a denúncia ou entrou como prova na ação penal, que, enfim, resultou apenas na condenação de Didi Pedalada (Justiça & História, Revista do Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, v.4, n.8, 2004, p.252).

No que diz respeito, especificamente, aos documentos do último regime de exce- ção e à controvérsia acerca da manutenção ou não do caráter reservado de seu conheci- mento, Fábio Konder Comparato chama atenção, em artigo recém publicado no jornal Folha de São Paulo (“O direito à verdade no regime republicano”), para as razões 14 anti-republicanas que explicam uma certa tendência à perpetuação de uma condená- vel atitude de silêncio. Em uma crítica que atinge não apenas o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas também o de Luís Inácio Lula da Silva (a partir de 2003), o jurista sentencia, sem tergiversar: A recusa dos recentes governos em abrir os arquivos dos horrores praticados du- rante o regime militar contra os então dissidentes funda-se, na verdade, em outras razões bem conhecidas de todos. É a proteção ignominiosa dos torturadores, assas- sinos, estupradores e todos os que deram apoio, nos mais diversos órgãos do Estado, muitos dos quais estão vivos ainda hoje, a gozar de escandalosa impunidade. É, ainda, o indigno temor de enfrentar uma revolta no oficialato das Forças Armadas, adestrado tradicionalmente a defender a corporação militar acima de tudo (FOLHA DE SÃO PAULO, 26 de dezembro de 2004, p.A3). Comparato demonstra indiretamente, em sua reflexão, as tensões existentes entre aquilo que prescreve o novo ordenamento jurídico do Estado Brasileiro, inaugurado com a Carta de 1988, e que está explicitamente fundado, acima de tudo, na defesa de uma ordem democrática e, de outra parte, os interesses particulares que negam estes mesmos princípios. Mais uma vez, a democracia reconquistada não é um estado, mas um exercício cotidiano de reiteração de uma condição que somente se realiza pela luta diuturna de uma nação. Penso que não é demais trazer a justificativa jurídica da defesa da publicidade das “coisas comuns” e, portanto, da República, feita por Fábio Konder Comparato no referido texto:

Em hipótese nenhuma os crimes cometidos por agentes públicos (ou seja, etimologicamente, funcionários do povo) podem ser subtraídos ao conhecimento público. Nenhuma razão de política interna ou internacional podem jamais justificar a violação desse princípio. No campo da política interna, o encobrimento oficial de delitos representa, sempre, a superposição do interesse particular de grupos, classes ou corporações ao direito fundamental do povo de conhecer a verdade, isto é, a identidade dos criminosos e as circunstâncias do crime. No plano internacional, a pretensa razão de Estado, invocada para fundamentar o sigilo, nada mais é do que a afirmação do interesse próprio de um país contra o bem comum da humanidade. Em ambas as hipóteses, portanto, há uma patente negação do princípio republicano (Idem).

Se a Lei da Anistia é uma “obra inacabada”, ou se “O Brasil fez uma anistia pela metade”, como avalia hoje D. Paulo Evaristo Arns (Revista Cult, ano VI, n. 78, março de 2004, p.60) – um dos mais renitentes opositores do Regime de 1964 -, a democracia reconquistada , que dá nome a este nosso livro, não pode ser vista nem como uma obra redentora, nem como a retomada de algo perdido num tempo anterior e que agora, ao longo da primeira metade dos anos 80, é trazido de volta. 15 A bem da verdade, não podemos embarcar no deslumbramento ingênuo da re- tórica salvacionista que um trágico presente é capaz de projetar para o futuro que se almeja, tampouco devemos cair na armadilha de localizar no passado, por meio de uma visão retrospectiva romântica, o lócus de nossas melhores e mais elevadas obras. Neste sentido, fazendo um balanço dos 40 anos do Regime Militar, completados em abril de 2004, diz o historiador Boris Fausto, na mesma edição da Revista Cult men- cionada acima:

Eu acho que a lição da época para as pessoas de hoje é justamente a lição que diz respeito à questão da democracia mais do que a qualquer coisa, porque em 64 a direita realmente não apostava no regime democrático, mas a esquerda também não apostava na democracia como um valor muito importante, relevante era a reforma social ou, para certos grupos, a revolução. Democracia, para alguns, era até um entrave a essa perspectiva de grande transformação social, então, uma das tragédias desse período foi esse abandono da crença na democracia e na necessidade de preservar um sistema político (Idem, p.12).

Portanto, quando falamos em “democracia reconquistada”, não estamos tratando de uma espécie de reinvenção de um tipo de realização da vida política típico do perío- do pré-1964, considerado até então, e com justiça, o mais democrático da história bra- sileira, desde a deposição de Getúlio Vargas em 1945. Um exame minimamente detido desta fase da história republicana brasileira – que talvez nem pudesse ser tratada com a homogeneidade de características que freqüentemente se lhe supõe -, permite perceber as profundas diferenças que a mesma guarda com a história que sobreveio a março de 1985, com a consternada posse de José Sarney no cargo de Presidente da República. Além disto, para os que imaginam ser ocioso deitar linhas para justificar o título deste trabalho, nunca é demais dizer que os sentidos que atribuímos às palavras es- tão a serviço dos propósitos mais diversos e, com freqüência, até mesmo inusitados. Élio Gaspari, ao reconstituir a reunião do Conselho de Segurança Nacional, presidida pelo então Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, na sexta-feira do dia 13 de dezembro de 1968, na qual foi anunciada aos seus ministros a edição do Ato Institucional n.5, conclui sua narrativa com as seguintes palavras: “Durante a reunião falou-se 19 vezes nas virtudes da democracia. E 13 vezes pronunciou-se pejorativamente a palavra ditadura. Quando as portas da sala se abriram, era noite. Duraria 10 anos e 18 dias” (citado na Revista Nossa História, ano 1, n.1, novembro de 2003, p.57). Descontando-se possíveis erros na precisa contabilidade do jornalista, o relato feito originalmente em seu livro A ditadura envergonhada, lançado pela Editora Companhia das Letras, em novembro de 2002, deve colocar-nos atentos a respeito da distância que separa nossas supostas intenções dos efeitos materiais que elas, volunta- riamente ou não, são capazes de produzir. 16 Quase uma década após a aprovação da Lei da Anistia, o início do processo cons- tituinte no país (1988), já sob o governo de José Sarney – último presidente investido no cargo através de pleito indireto – consolida um sentido para a palavra democracia que vinha se gestando pelo menos desde o mandato de seu antecessor. Francisco Carlos Teixeira da Silva esclarece esta (nova) compreensão da democracia, na qual a cidadania torna-se um necessário termo correlato:

É nesse contexto que a democracia passa a ser entendida de forma diferenciada pelos diversos grupos sociais em presença. Para a maioria dos setores sociais concentrados nos novos partidos e nas organizações da sociedade civil, democracia era concebida como a ampliação da participação do indivíduo na vida pública, ou seja, no exercício ampliado de cidadania. Esta não é mais compreendida, como no receituário liberal clássico, como os direitos e obrigações políticas de cada indivíduo. Cidadania agora engloba uma ampla gama de direitos ditos sociais sem os quais o exercício do voto, por exemplo, por si só, não garante a felicidade e tornaria a vinculação do indivíduo com o Estado precária e incompleta. Assim, a cidadania é produto de uma relação entre os indivíduos e o Estado; uma relação de poder composta de pressões e contrapressões, produzindo imagens simbólicas dinâmicas de auto-reconhecimento dos grupos sociais e dos seus projetos. Os partidos políticos, instrumentos clássicos de intermediação Estado/Indivíduo, perdem, por sua vez, o monopólio da representatividade. A chamada “sociedade civil organizada”, as associações profissionais, de bairros, de consumidores, os sindicatos, assumem o papel de interlocutores legítimos com o Estado (e mesmo os partidos), mostrando que os mecanismos clássicos de representação – o indivíduo e seu voto – estavam em crise. Em grande parte, a desconfiança face ao político “profissional” resultava de seu distanciamento e isolamento em Brasília, dos sucessivos escândalos de corrupção e do complicado jogo de poder praticado nos corredores do Congresso. Tudo isso reforça as práticas de representatividade direta, onde as organizações ditas de “base” consideram-se mais legítimas que os partidos (In: LINHARES, Maria Yeda. História Geral do Brasil. 6aed. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p.342).

Esta descrição de um conceito de democracia no qual o reconhecimento à ativa participação do cidadão no processo da vida política é um pressuposto intrínseco está muito distante do brasileiro a quem se demandava em relação ao governo, na vigência do Regime Militar, a fidelidade absoluta e silenciosa da esposa contrita que se sabia traída. Através deste conceito de imponderabilidade, definitivamente, para consumo externo, a edição do AI 5 só poderia realizar em sua finalidade um único desiderato: a própria democracia. 17 Se, por um lado, as eleições são capazes de consumar uma relação débil entre os cidadãos-eleitores e os governantes-Estado – como nos lembra Teixeira da Silva para o período pós 1985, nos últimos dez anos do regime militar, são elas o caminho mais promissor para o enfraquecimento desta ordem política entendida como discricionária pelos setores organizados da sociedade. É justamente a hipertrofia do Estado – espe- cialmente do Executivo Federal – o elemento que, ao tolher as manifestações orga- nizadas da sociedade civil, impulsiona, involuntariamente, o acirramento da crítica consentida, concentrada na única agremiação política de oposição legalmente admiti- da no período que vai de 1965 a 1979, a saber, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Com o estabelecimento do Ato Institucional n. 2 (27 de outubro de 1965), que consumou o fim do sistema multipartidário no país e a criação de um regime biparti- dário, o MDB aglutinou boa parte das forças de oposição ao Regime Militar. Em con- trapartida, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) congregava os representantes do sistema. O ano de 1974 torna-se um marco na reversão da hegemonia situacionista, fazendo recrudescer, pela via do Legislativo, a crítica aos detentores do poder. Em termos nacionais, constata Rogério Schmitt:

O pleito de 1974 foi o grande divisor de águas do bipartidarismo brasileiro. Realizada já no contexto do lento e gradual processo de abertura política iniciado pelo quarto presidente militar, o general Ernesto Geisel, a eleição de 1974 acabou trazendo resultados surpreendentes até para a própria oposição. O MDB quase duplicou a sua bancada na Câmara de Deputados, a qual passou a ter pela primeira vez uma distribuição de poder próxima a um autêntico sistema bipartidário. Nas eleições para o Senado Federal, o MDB elegeu praticamente o triplo do número de senadores eleitos pela ARENA. O processo eleitoral adquiriu o caráter plebiscitário que marcaria os anos restantes do bipartidarismo. Os votos da oposição ao regime passaram a se dirigir ao partido originalmente destinado a uma função meramente figurativa (SCHMITT, Rogério. Partidos Políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. p.45).

Neste sentido, afirmam ainda Hélgio Trindade e Maria Izabel Noll, para o caso do Rio Grande do Sul:

Nas eleições de 1974, o MDB consegue mobilizar o eleitorado de oposição ao regime através da candidatura ao Senado de Paulo Brossard, oriundo do PL. O clima da campanha, marcado pela defesa da democracia, denúncia do regime autoritário e crítica liberal à ausência de direitos políticos, canalizou o voto da população urbana identificada com o MDB e certamente 18 uma parcela significativa do eleitorado do antigo PTB que preferira, até então, optar por anular o voto. O retorno à arena política da força trabalhista associada ao MDB vai restabelecer o vigor das disputas políticas no Rio Grande do Sul, marcadas pela alternância das forças partidárias na hegemonia eleitoral (TRINDADE, Hélgio e NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul. Partidos e eleições (1823-1990). Porto Alegre: Sulina / Editora da UFRGS, 1991. p.83).

Nestas eleições, Paulo Brossard de Souza Pinto obteve mais de 53% dos votos, enquanto o candidato da ARENA, Nestor Jost, alcançou pouco menos de 35%, com uma diferença, em números absolutos, de quase 500 000 votos a favor do candidato do MDB. Esta relação de diferença se repete, na mesma eleição para a Assembléia Legis- lativa, porquanto o MDB perfaz 33 cadeiras, ao passo que a ARENA consegue chegar apenas a 23 vagas (cf. NOLL, Maria Izabel e TRINDADE, Hélgio. Estatísticas elei- torais comparativas do Rio Grande do Sul (1945-1994). Porto Alegre: ALRS / Editora da UFRGS, 1995. p. 186 e 197). Em 1982, candidato à reeleição, Paulo Brossard tem que enfrentar as artimanhas de uma nova legislação eleitoral. Embora isoladamente fazendo o maior número de votos (31,83%), Brossard perde a eleição para Carlos Chiarelli, candidato do PDS beneficiado pelo instituto da sublegenda, embora alcan- çando este apenas 23,86% dos votos. Seu último e comovente pronunciamento feito da Tribuna do Senado no dia 3 de dezembro de 1982 é uma peça exemplar de lucidez política vertida na linguagem de um orador sem par (v. VALLS, Luiz. Brossard: 80 anos na história política do Brasil. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2004. p.398-401). Trinta anos após sua eleição para o Senado da República, Paulo Brossard, aos 80 anos, continua sendo reverenciado por aqueles que cultivam a boa memória da vida política brasileira. No final de 2004, o Senado brasileiro o distingue, escolhendo o eminente filho do Rio Grande do Sul como um seu representante no Conselho da Re- pública, sob o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) (v. BROSSARD, Paulo. O Conselho da República. In: Zero Hora, 03 de janeiro de 2005, p.13). O justo desvanecimento do ilustre jurista com a posição assumida não deixa de significar uma confirmação de sua vocação para a intransigente defesa do Estado de Direito. Não é nosso interesse aqui trazer os números das eleições parlamentares de todas as legislaturas estaduais e federais, mas partir deles para identificar um processo que não é exclusivo do Rio Grande do Sul, embora tenhamos aqui o nosso melhor ponto de observação, qual seja: o avanço do MDB, a partir de 1974, teve como contrapar- tida, no âmbito da legislação eleitoral, a ofensiva do governo federal no sentido de inviabilizar juridicamente, de maneira autoritária, a construção da hegemonia desta agremiação política nos diferentes níveis de representação política. A instituição dos “senadores biônicos”, através do famoso “Pacote de Abril” (Emenda Constitucional n.8, de 14 de abril de 1977; sob o Governo Geisel) e, depois, a volta do pluripartida- 19 rismo (Lei n. 6978, de 19 de janeiro de 1979; sob o Governo Figueiredo) foram ações implementadas pelos governos militares a fim de coibir esta tendência de reversão da hegemonia parlamentar. No âmbito da representação majoritária, o restabelecimento das eleições diretas para Governador (Emenda Constitucional n.15, de 19 de novembro de 1980) cumpre, no Rio Grande do Sul, o projeto de travar o avanço das oposições, agora divididas. A impossibilidade de se realizarem coligações eleitorais e os imperativos do “voto vinculado” constituíram-se em táticas políticas eficientes na estratégia de inviabilizar a tomada do poder, no executivo estadual, pelo, agora, PMDB. Nas eleições de 1982, o candidato deste partido, Senador Pedro Simon – que havia sido eleito para a Câmara Alta em 1978 com uma estrondosa votação (55,97% dos votos) - perdeu a eleição a governador para o candidato do PDS (partido sucessor da ARENA), por trágicos 22.643 votos. O Candidato do Partido Democrático Social, Jair Soares, contabilizou 34,10% dos votos, enquanto Pedro Simon somou 33,50% (cf. NOLL & TRINDADE, 1995, p.204 e 228). Um aspecto interessante a destacar desta eleição é que todos os três candidatos derrotados tornaram-se, nas eleições que se sucederam, governadores do estado: Pe- dro Simon (PMDB), em 1986; Alceu Collares (PDT), em 1990; Olívio Dutra (PT), em 1998. Nos casos de Collares e de Olívio Dutra, antes, porém, galgaram o Paço Municipal de Porto Alegre. Alceu Collares, em 1985, foi o primeiro prefeito eleito por voto direto na capital desde a instalação do Regime Militar e a cassação de Sereno Chaise (8 de maio de 1964). Olívio Dutra, logo a seguir, em 1988, cumpriu o primeiro de quatro mandatos sucessivos do Partido dos Trabalhadores no executivo municipal, apenas interrompidos com a eleição de José Fogaça (PPS), no pleito de 2004. Na eleição que leva Alceu Collares à frente da Prefeitura de Porto Alegre (1985), a campanha empreendida por seu partido e pelo próprio candidato constrói uma iden- tidade popular entre Collares e seus potenciais eleitores. Uma análise do conteúdo do discurso político constante de sua propaganda revela um distanciamento tanto da con- cepção liberal de democracia quanto de uma concepção que coloca o cidadão no cen- tro das decisões políticas – a exemplo dos preceitos estabelecidos pela Constituição Federal de outubro de 1988. Ao fazer um discurso que pretende negar o autoritarismo, resgatar o trabalhismo e, mais do que isto, implantar o socialismo trabalhista, Collares não deixa também de esboçar a tonalidade populista de seu discurso, aparentada com uma prática política bastante comum entre as lideranças partidárias do período pré- 1964:

O slogan “Collares, o prefeito da gente” mexia com questões como a personalidade, carisma, simpatia do candidato e também com sua condição racial de mulato, o que lhe granjeou o apoio incondicional e automático de muitos adeptos da negritude que viam em sua vitória as condições efetivas para o combate 20 à discriminação. A tão propalada democracia racial brasileira também entrou em cena, desembocando em frases de simpático deboche, muito propaladas na época: “Não vote em branco, vote em Collares”; ou: “O negrão é gente nossa” (MAGALHÃES, Nara Maria Emanuelli. O povo sabe votar. Uma visão antropológica. Petrópolis / Ijuí: Vozes / Editora da UNIJUÍ, 1998. p. 57).

O desaparecimento da principal liderança do PDT, , em 2004 (fa- lecido no Rio de Janeiro, aos 82 anos, no dia 21 de junho), e a tradição do Partido, ao longo de sua existência de quase um quarto de século, de manter uma estrutura de funcionamento centralizada na figura pessoal de seu mentor, propõem a reflexão quanto aos rumos que irá tomar o Partido Democrático Trabalhista, daqui para a fren- te. Neste sentido, vale o conceito trazido pela cientista política Denise Ferreira, para outro contexto: “(...) um partido político se institucionaliza na medida em que não só cristaliza uma imagem, um perfil, como também assegura sua sobrevivência após o desaparecimento de seus pais fundadores e/ou líderes, demonstrando ter desenvolvido uma vida e dinâmica próprias, autônomas em relação a suas lideranças” (FERREIRA, Denise Paiva. PFL x PMDB: Marchas e contramarchas (1982-2000). Goiânia: Editora Alternativa, 2002. p.56-7). Já a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, por meio da eleição de Olí- vio Dutra para a prefeitura de Porto Alegre, dar-se-á sob a vigência da Carta Consti- tucional de 1988. Embora seja absolutamente precária qualquer relação direta que se estabeleça entre a lei maior e as práticas governativas deste partido, não é descabido apontar a congruência entre os princípios de participação popular previstos neste do- cumento e a construção de um sentido particular de cidadania pelo discurso das prin- cipais lideranças do Partido dos Trabalhadores que, sem qualquer dúvida, deslocou a centralidade da política (e do âmbito decisório) dos governantes para os governados. Num momento em que ainda não haviam iniciado as obras da Terceira Perimetral – maior empreendimento viário de todas as administrações do PT no município, e que entra na etapa final em 2005, já sob a administração de José Fogaça (PPS) -, assim foram avaliados os dois primeiros governos do PT (Olívio Dutra e ) em Porto Alegre:

As últimas administrações se caracterizaram por pequenas obras em todos os bairros: pavimentação de ruas, extensão das redes de água, esgoto e iluminação pública, construção de escolas e casas populares. O processo de democratização levou a uma experiência inédita entre as capitais brasileiras: o Orçamento Participativo, instituído em 1989, para ampliar a participação da comunidade nas decisões de obras e investimentos – onde calçar ruas, instalar postos de saúde ou iniciar obras de saneamento (História Ilustrada de Porto Alegre. Porto Alegre: Já Editores, 1997. p.179). 21 Voltando à conjuntura política primordial de nosso interesse, o final dos anos 70 e o início dos anos 80 assistiram, no Brasil, a uma série de alterações no quadro institucional (político-partidário), responsáveis, em boa medida, pela feição que iria assumir a política regional nesta última década e na seguinte. “Entre janeiro e maio de 1980, seis novos partidos políticos foram organizados no Congresso e posterior- mente registrados pelo TSE. Cinco deles estão em pleno funcionamento até os dias de hoje” (SCHMITT, Rogério. Idem. p. 48). Além do PMDB e do PDS, estruturam-se o PDT (Partido Democrático Trabalhista), sob a liderança nacional de Leonel Brizola; o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), encabeçado por Ivete Vargas; O PT (Partido dos Trabalhadores), cujo centro de irradiação localizava-se nas lutas sindicais paulistas do final dos anos 70, e o PP (Partido Popular), que congregava dissidentes da ARENA e moderados do MDB, e que, tendo em vista as severas exigências da legislação eleito- ral, acabou voltando ao leito de sua origem, agora representado pelo PMDB, sem ter participado de qualquer eleição. Apesar da admissão teórica da atuação de vários partidos políticos, os óbices criados pelo Regime Militar à efetiva participação eleitoral das diversas siglas surgi- das conseguiram retardar a melhor organização e difusão das legendas no território nacional. Neste sentido, o estabelecimento do “voto vinculado” e da obrigatoriedade feita a cada partido para oferecer candidatos a todos os cargos eletivos nas eleições es- taduais (“Pacote de Novembro” – Lei n.6978, de 19 de janeiro de 1982), contribuíram à manutenção do PDS e do PMDB como partidos hegemônicos no cenário político. Se, por um lado, “Na Câmara (...) pela primeira vez na história do regime autoritário, o partido do governo (...) não obteve a maioria absoluta das cadeiras” (SCHMITT, Idem, p.57), alcançando 49,1% dos votos, de outro, “O PT (...) teve o pior desempenho entre as pequenas legendas, elegendo menos de 2% dos deputados federais” (SCHMITT, Idem, p.58). Em termos regionais, no entanto, “Com a reformulação partidária de 1979 (...) o PMDB e o PDT recuperam a maioria dos municípios tradicionalmente dominados pelo PTB”, e “(...) o conservadorismo-liberal entra em declínio e o partido com apelo populista ou popular urbano tende a ascender” (NOLL, Maria Izabel e TRINDADE, Hélgio. Estatísticas Eleitorais do Rio Grande da América do Sul 1823/2002. Porto Alegre: ALRS / Editora da UFRGS, 2004. p. 102 e 106). Uma variável importante a ser levada em conta nesta equação é a alteração havida ao longo de três décadas na composição rural/urbana da população gaúcha: “Em 1950 dois terços de sua popula- ção vivia na zona rural e 30 anos depois a situação se invertia. Em 1980, 67,5% dos seus habitantes tornaram-se urbanos” (NOLL e TRINDADE, Idem, p.29). O peso relativo do PDS na composição da Câmara Federal, comparando o núme- ro total de votos angariados pelo partido do governo em nível nacional (49,1%) àquele que o partido da situação faz no Rio Grande do Sul (33,62%), inverte a situação a favor da oposição (PMDB + PDT) no estado. Se a ARENA e o PDS têm sido vistos, historicamente, não apenas como os partidos de sustentação política do governo au- 22 toritário em sentido mais amplo, mas também, como aqueles que conseguiram fixar sólidas raízes nos grotões do país, a menor densidade de sua penetração política para os cargos que dependem de arranjos mais amplos repercute no seu paulatino enfra- quecimento:

É no Congresso que se reflete a crescente competitividade do sistema político brasileiro, e é nele também que se manifesta com veemência a agonia do controle oligárquico. O que os oligarcas modernos interpretam como desordem parlamentar, proliferação de minorias desgarradas, indisciplina, são ao contrário os principais indicadores de que, extinto o Ato 5, não mais existia qualquer bridão oligárquico para substituí-lo. Governar com o Congresso é o mesmo que dizer “governar com coalizões”, cuja solda obtém-se pela mistura de parcial identidade de interesses e bastante persuasão (SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Regresso. Máscaras institucionais do liberalismo oligárquico. Rio de Janeiro: Opera Nostra, 1994. p.4).

Considerado o número de votos conseguidos tanto para Câmara e o Senado quan- to para o Executivo Estadual e a Assembléia, o PDT desponta, nas eleições de 1982, como a terceira força política do Estado e que iria alcançar, nos próximos pleitos, uma posição de destaque no cenário político regional. Na Assembléia Legislativa, de maneira particular, a soma dos votos do PMDB, do PDT e do PT (que não elege deputado) produzem 33 cadeiras para o oposição contra 23 conseguidas pelo sucessor da ARENA, repetindo os mesmos números da eleição de 1974. Já em 1986, sob outra conjuntura política, a distribuição das forças políticas regionais entre o eleitorado torna-se mais complexa. No dia 31 de janeiro de 1983, tem início, assim, a 46a Legislatura da Assem- bléia Legislativa, prenunciando os grandes debates que terão lugar naquela Casa Parlamentar e que, nos dois próximos anos - dada a aproximação do fim do mandato do Presidente da República - estarão centrados na sucessão de João Figueiredo. No governo do Estado, está Jair Soares (PDS) e na Prefeitura de Porto Alegre, em subs- tituição a Guilherme Socias Villela (08/04/1975 a 08/04/1983), João Antônio Dib (PDS), último prefeito nomeado (08/04/1983 a 01/01/1986) e que, a partir do final de seu governo, terá uma destacada atuação como vereador, acumulando até agora 8 mandatos, e tendo iniciado, em janeiro de 2005, sua nona legislatura na Câmara Municipal. Como veremos no próximo capítulo, é nesta conjuntura que a população das grandes cidades brasileiras, agora majoritária, irá se reconciliar com a política, e a voz das ruas irá se aliar aos parlamentares que fizeram das praças ao ar livre a verdadeira tribuna da democracia. Em seu discurso, no ato da instalação da primeira Legislatura sob o regime mul- tipartidário, o Presidente da Sessão, Deputado Camilo Moreira (PDS), destaca o papel do Legislativo e, especialmente, do Parlamentar. Afirma o Deputado: “Já se disse que 23 o Poder Legislativo é a cabeça pensante do Estado. O parlamentar será o tecido nervo- so a sentir e receber os estímulos da sociedade para, em arco reflexo, transmitir ao todo orgânico os impulsos necessários a sua defesa e ao seu desenvolvimento”. Diz ainda: “O parlamentar traz consigo o que de mais legítimo existe na representação; mais do que representante, ele personifica cada um dos representados, que o elege por sentir nele a sua própria personificação”. Já o Deputado Antenor Ferrari (PMDB), na qualidade de novo Presidente do Po- der Legislativo do Rio Grande do Sul, desloca a centralidade de seu discurso para aqueles que estão excluídos do jogo político institucional, chamando a atenção para a necessidade de acolhê-los nas lutas que estão por vir. Diz ele: “Três partidos estão representados na Assembléia Legislativa do Estado (...) Contudo, olhamos mais longe: vários segmentos da população, militantes ou simpatizantes de partidos sem represen- tação parlamentar, precisam assegurar seus espaços no grande debate nacional”. Um ano depois deste pronunciamento, a campanha pelas eleições diretas para presidente da República irá condensar estas batalhas numa só luta. Se hoje sabemos que ela não pôde ser tudo, também é certo que ela constituiu um grande momento simbólico de uma vontade nacional finalmente desperta. A geração nascida sob a vi- gência do Regime Militar teve a sorte de não conhecer os momentos mais duros da ditadura. Por outro lado, ela teve a felicidade de, nos alvores de sua formação para a cidadania, saber que a política é a arte de colocar a palavra em disputa, no centro, na ágora. E se, naquele momento, esta mesma geração ainda falava pouco, ela soube ou- vir as melhores lições daqueles que, calejados pelas agruras da experiência, bradaram por um futuro do qual todos nós pudéssemos nos orgulhar. Neste caso em particular, hoje sabemos que o presente é melhor que o passado. A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul também foi protagonista nesta história, e a memória da palavra ofere- cida à tribuna, que hoje buscamos, nos ajuda a melhor discernir os lugares de onde os deputados falavam naquele preciso momento. E é isto o que vamos ver a seguir.

24 2. OS AGITADOS ANOS 1980: A CRISE, OS MOVIMENTOS SOCIAIS, AS DIRETAS-JÁ

a primeira metade dos anos 80, as cidades brasileiras foram o espaço privilegiado para as manifestações políticas e sociais que alavancaram Na crítica àquele que seria o último governo do Regime Militar no Brasil. Como vimos anteriormente, em 1980, cerca de dois terços da população já vivem nas áreas urbanas. Esta importante concentração populacional traz consigo uma série de outros elementos que concorrem para um processo de mudança na sociedade brasilei- ra. Se a televisão tem início no Brasil em 1950, é nos anos 80 que ela atinge enorme penetração nas casas das famílias mais pobres. Neste sentido, e alguns acusam a Rede Globo de Televisão de ter protelado ao máximo a repercussão midiática da Campanha das Diretas-Já, em 1984, esta atitude deve-se, em parte, ao reconhecimento do poder multiplicador - relativo que seja – a um veículo (e também à mensagem) capaz de aportar nos lugares mais recônditos do país. Cabe lembrar, neste caso em especial, o Comício realizado em Curitiba no dia 12 de janeiro de 1984. Organizado pelo PMDB e pelo governo do Paraná, reuniu – segun- do dados díspares – entre 30 e 50 mil pessoas.

Embora acompanhando com apreensão o êxito do evento, o governo preferiu não explicitar nenhuma intenção de contrapor- se à mobilização. As declarações do porta-voz da Presidência da República, Carlos Átila – “Que comício? Ninguém sabe onde é” – procuraram transmitir ao público, de modo pouco convincente, uma suposta indiferença palaciana, o que confirmava a impressão de falta de controle da situação por parte do Planalto (RODRIGUES, Alberto Tosi. Diretas Já. O grito preso na garganta. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. p.43-4).

Foi justamente a esta manifestação pública que a Rede Globo de Televisão ne- gou cobertura. “Tratava-se de uma decisão política tomada pela família de Roberto Marinho, sob pressão do governo militar. E a Globo não noticiou nacionalmente o comício de Curitiba” (LEONELLI, Domingos e OLIVEIRA, Dante de. Diretas Já. 15 meses que abalaram a ditadura. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 347). Os Deputados Federais pelo PMDB à época, Domingos Leonelli e Dante de Oliveira, registram hoje a coragem e a independência do jornal Folha de São Paulo e da Rede Bandeirantes de Televisão em assumirem, de imediato, a decisão de darem plena cobertura ao mo- vimento político que então se iniciava (Idem, p. 328-30 e 349-50). As revistas Veja e 25 Isto É também apoiaram a campanha desde o seu princípio (cf. MENDONÇA, Daniel de . Tancredo Neves: da Distensão à Nova República. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004. p.56). O Deputado Dilamar Machado (PDT) lembra, em pronunciamento feito na As- sembléia Legislativa, precisamente no momento em que se iniciava a Campanha pelas Diretas, a censura sofrida pelos jornalistas na imprensa local no período da ditadura:

Já foi lembrado aqui que atualmente temos mais liberdade de imprensa e devo dizer que sei o que é imprensa cerceada, pois durante o regime negro da ditadura militar deste País, apesar da minha condição de cassado, continuava trabalhando na imprensa, inclusive dirigindo setores da imprensa local, tendo sido durante dez anos chefe de jornalismo da RBS, à época Rádio e TV Gaúcha. Muitas vezes, vi nos quadros assinados pela diretoria mensagens como por exemplo: “Fica terminantemente proibido durante as próximas 48 horas veicular qualquer notícia que envolva o nome do Presidente da República”. Realmente, era lamentável e assustador. Certas palavras – uma delas Brizola – eram proibidas; o redator de rádio, televisão ou jornal que citasse o nome de Brizola, era despedido, porque certas palavras tornaram-se proibidas neste País. Mas, hoje, efetivamente, estamos no limiar de uma abertura democrática, não sendo fruto de boa vontade do Governo Central, mas apenas trabalho de um grupo de homens e mulheres brasileiras que, durante muitos anos, vieram lutando para que viesse a lei da anistia para o País, abrindo-se assim novos caminhos e novos campos para a recuperação política de muitas pessoas (Dilamar Machado; Sessão Plenária do dia 17 de fevereiro de 1983).

São inúmeras as manifestações culturais desenvolvidas no bojo do Regime Mi- litar e que, de maneira mais ou menos velada – conforme a censura que sofreram –, puderam elaborar a crítica ao “autoritarismo”, palavra que condensava a aversão aos militares e aos demais grupos dirigentes da situação que os cercavam. Neste caso, o final dos anos de 19 60 e a década de 1970 foram mais pródigos na geração de uma forte crítica cultural à inexistência da política, ou à anti-política identificada na ditadu- ra. Afinal, se, em um regime onde vigora a política, o principal instrumento de poder é a palavra, então não havia política no país neste período. Contudo, não podemos imaginar que a crítica ao Regime Militar constituísse re- gra e estivesse, portanto, disseminada no conjunto da sociedade. Para que ela tenha eficácia, não basta que a crítica seja produzida. É preciso, ao mesmo tempo, que ela encontre ativa e majoritária ressonância entre a população. Mesmo na segunda metade da década de 1970, havia importantes setores sociais que faziam a defesa do Regime Militar; entre eles, setores do empresariado. Pesquisa realizada pelo IBOPE entre de- zembro de 1977 e fevereiro de 1978, com 100 empresários cariocas, apontava que, na 26 opinião dos empresários, o sucessor do Presidente Ernesto Geisel deveria ser militar (57%). O General João Batista Figueiredo alcançava, na mesma pesquisa, a preferên- cia de 32% dos entrevistados entre os candidatos apresentados pelo questionário (cf. GONTIJO, Silvana. A voz do povo. O IBOPE do Brasil. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996. p.130). No entanto, a mesma pesquisa destacava a expectativa deste mesmo grupo, em relação ao próximo governo, para que democratizasse o país e estabilizasse a economia (Idem, p.129). Em âmbito regional, sabemos que a elite empresarial gaúcha, representada pela FIERGS (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), deu apoio ao golpe de 1964:

Durante o ano de 1964, as manifestações da entidade tinham um duplo sentido: de apoiar a “Revolução” e de conscientizar o empresariado gaúcho da importância de sua colaboração com as Forças Armadas, nos esforços de “(...) reorganização e reerguimento econômico do País, que acaba de emergir de uma grave crise política, da qual saíram vitoriosas as forças democráticas”, como consta na Ata da reunião conjunta da Diretoria e do Conselho de Representantes da FIERGS, de 15.04.64 (Relat. Anual FIERGS/CIERGS, 1964) (GROS, Denise Barbosa. Burguesia industrial gaúcha e o Estado Nacional 1964- 1978. 2aed. Porto Alegre: FEE, 1990. p.60-1).

Já no momento em que tinha início o processo de liberalização política do país (1977-8), a entidade dos industriais gaúchos assumia uma posição ambígua frente ao novo contexto institucional que se anunciava: “Quanto à liberalização do regime, a FIERGS entende que ‘o país todo busca e anseia por isto’, que ‘ela é uma evolução natural do movimento de 64’, mas que deve ser conduzida lentamente para não causar perturbações” (GROS, Idem, p.73). É justamente no âmbito econômico-social que encontramos a exacerbação da cri- se que potencializa a derrocada do Regime de 1964. Não estamos, com esta afirmação, identificando a causa primacial (e, tampouco, única) para este desfecho. No entanto, não há como subestimar o importante papel que os indicadores econômicos do país e da vida da população desempenham no acirramento da identidade que a oposição constrói entre o Regime Militar e o desempenho sofrível da economia. Passado o pe- ríodo do “milagre econômico”, em que a inflação alcançava seu menor índice (15,5%, em 1972), entre os anos de 1979 (77,2%) e 1982 (99,7%), os números começaram a fugir do controle (cf. TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. A modernização autoritária: Do golpe militar à redemocratização 1964/1984. In: LINHARES, Yeda. História Geral do Brasil. 6aed. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p.317). Na primeira metade dos anos 1980, os compromissos assumidos pelo Governo com o pagamento da dívida externa comprometeram, ano após ano, um volume cada 27 vez maior do Produto Interno Bruto (PIB). Os desnutridos, em relação ao conjunto da população, aumentaram vertiginosamente entre os anos de 1961-63 (38%) e 1984 (65%) (cf. TEIXEIRA DA SILVA, Idem, p. 330). Pesquisa realizada pelo IBOPE com 5300 eleitores, em 15 estados brasileiros, em junho de 1980, apontava – tanto nas metrópoles quanto no interior – que a alimentação constituía o problema a exigir a solução mais urgente, com mais de 50% das escolhas. As outras preocupações, nas metrópoles, eram: policiamento (15%), habitação (11%), saúde (10%), ensino (7%) e condução (2%) (cf. GONTIJO, Idem, p.135). Hoje talvez a hierarquia de prioridade entre estes itens seja outra. Junto a tudo isto, a concentração de renda aumentou entre os 20% mais ricos da população. Nos dois últimos anos de governo do Presidente Figueiredo, a inflação atinge patamares insustentáveis: 211%, em 1983, e 224%, em 1984 (cf. TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Brasil, em direção ao século XXI. In: LINHARES, Yeda. História Geral do Brasil. 6aed. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 346). É no quadro deste ambiente econômico-social pouco menos que dramático em nível nacional que vamos inserir a ocorrência de importantes movimentos sociais no Rio Grande do Sul ao longo da década de 1980 e a interlocução que os mesmos logra- ram fazer com a Assembléia Legislativa do Estado. Não respeitando rigorosamente a ordem cronológica dos eventos, deixaremos para o fim a abordagem da Campanha das Diretas-Já, tendo em vista sua notável importância para a criação de uma nova ordem política, pós-1984, sem a qual não temos como entender o novo processo de institucionalização do Estado Brasileiro, levado a efeito entre 1987 e 1988. Mas este já é assunto para o próximo capítulo.

* * * * *

A década de 1980 inicia, para o Rio Grande do Sul, em termos políticos, com a retomada de importantes movimentos sociais, como aqueles dos agricultores sem- terra. Sob o Governo de Amaral de Souza (ARENA/PDS) - e cujo desfecho se deu já sob o Governo de Jair Soares (PDS) -, o acampamento de Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta, de 1980 a 1983, trouxe mais de 1000 dias de movimentação política e social, com repercussões não apenas no estado, mas com a intervenção do próprio Governo Federal. Telmo Marcon estudou minuciosamente a trajetória deste grupo, tendo defendido sua dissertação de mestrado em história na Universidade de Brasília, em 1990, sobre esta temática. Para o referido autor, o acampamento e as reivindicações dos agricul- tores por terra devem ser compreendidos no contexto da crise de legitimidade dos governos militares, expressa, entre outras manifestações, pelo avanço da pressão de diferentes movimentos sociais rurais e urbanos, o que denota, para ele, um processo de fortalecimento da sociedade civil frente à sociedade política (cf. MARCON, Telmo. 28 Acampamento Natalino. História da luta pela reforma agrária. Passo Fundo: Editora da UPF, 1997. p.15-31). Vistos, num primeiro momento, como aproveitadores, preguiçosos, bandidos, os agricultores e suas famílias, ao longo de três anos – e com o auxílio de importantes setores organizados da sociedade – , reverteram estes conceitos, construindo um outro significado para a sua luta, na medida em que ela alcançava, por meio destes mesmos setores, legitimidade social. Se, como temos visto ao longo deste livro, a história re- cente da Assembléia Legislativa está umbilicalmente ligada à conquista de um novo sentido para a cidadania, a história deste movimento social contribui para realizar a ressignificação do termo: “No caso dos acampados, a conquista da cidadania passava pelo acesso à terra no próprio estado e não como propunha o governo, pela transferên- cia para projetos de colonização em outras regiões do país” (MARCON, Idem, p.25). Mais do que isto, o acampamento, instalado cinco anos antes da criação do MST (1985),

(...) se constitui num marco fundamental para a retomada da luta pela reforma agrária, pois recolocou em discussão a concentração fundiária no estado, bem como as políticas agrárias implementadas pelos governos militares no sentido de eliminarem os focos de tensão social no campo pela transferência dos agricultores sem-terra ou dos pequenos proprietários para as regiões de fronteira agrária e agrícola (MARCON, Idem, p.26).

Marcon chama a atenção, em sua detalhada narrativa, para as diferentes forças políticas, sociais e religiosas envolvidas no embate travado acerca do destino a dar ao grupo e às suas demandas, especialmente quando parte dos agricultores decide vir a Porto Alegre. O autor menciona em seu texto que “(...) setores da Igreja Católica liga- dos a D. Vicente Scherer e a D. Cláudio Colling acusaram publicamente o movimento de estar sendo manipulado por algumas cabeças pensantes (MARCON, Idem, p.84-5); posição esta que, evidentemente, não encontrava guarida no baixo clero, empenhado ao lado da causa dos trabalhadores, mas que sofria as fortes críticas de alguns jornalis- tas da grande imprensa do estado. Em longo depoimento dado recentemente à historiadora Loiva Otero Félix, a irmã Maria Augusta Ghisleni (da congregação Filhas do Sagrado Coração de Jesus) faz ver as grandes distâncias que existem entre o alto comando da Igreja Católica e as organizações de base a ela relacionadas. Com uma enorme vivência religiosa em di- ferentes instâncias da Igreja – no Brasil e no exterior- e tendo sido chefe de gabinete do secretário-geral da CNBB, D. Ivo Lorscheiter, no período de 1969 a 1978, a Irmã lembra inúmeras divergências e conflitos que tiveram lugar no seio da Instituição. Mi- litante dos Direitos Humanos e simpatizante da Teologia da Libertação, a Irmã destaca as posições conservadoras assumidas pelo então Arcebispo de Porto Alegre, Vicente Scherer, e o papel destacado que tiveram as mulheres no movimento dos sem-terra 29 (especialmente para o caso de Encruzilhada Natalino), freqüentemente negligencia- do ou subsumido nas abordagens que se fazem do mesmo (v. FÉLIX, Loiva Otero e SILVEIRA, Daniela Oliveira. Escrevam porque as ditaduras não duram para sempre. Passo Fundo: Editora da UPF, 2004. p.16, 18, 20, 142-4, 160, 168-71 e 175). Em um universo de 164 famílias que foram finalmente assentadas em 1983, ocor- reu o deslocamento de 185 acampados para Porto Alegre em 1981, a fim de pressionar o governo do estado para uma solução que atendesse aos objetivos dos agricultores. A esta decisão de acamparem na praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, o Gover- no Amaral de Souza respondeu com uma nota da Secretaria de Segurança proibindo tal medida. Neste impasse, as negociações somente foram retomadas com a interme- diação dos deputados Celso Testa e Antenor Ferrari, representantes da Comissão de Direitos Humanos, dos representantes da Comissão Pastoral da Terra e da FETAG/RS (MARCON, Idem, p.100-103). Se, de um lado, havia a completa hostilidade do governo do estado com os agri- cultores, cuja manifestação era vista, de certa forma, mais como uma questão policial do que social, de outro, a Assembléia Legislativa procurou, através de alguns deputa- dos, intermediar e solucionar os impasses criados no sentido do melhor desfecho ao conflito. Contudo, não havia consenso na Casa Legislativa sobre a forma como esta- vam sendo encaminhadas as negociações. Segundo Marcon, aqueles agricultores que estavam em Porto Alegre, pressionando o governo, acampados na Praça, permane- ciam durante o dia na Assembléia, onde recebiam alimentação por conta da casa. Este fato produzia, entre os deputados, as mais diferentes reações. Evidentemente, aqueles pertencentes ao partido do governo, eram os que faziam mais restrições a tal atitude:

A permanência dos acampados durante vários dias na Assembléia Legislativa provocou a reação de deputados governistas. Rubi Dhiel (do PDS) lançou uma nota acusando os colonos de estarem prejudicando os trabalhos normais do Legislativo. Para ele, “a Assembléia não é local para fazer acampamento, cujo espetáculo, propositadamente, tolhe a normalidade dos trabalhos”. O problema, para o deputado, era o “barulho das crianças, trovas, cantos e espetáculos gaudérios de gaitas”. A nota concluía dizendo: “não culpo as infelizes criaturas, mas responsabilizo a administração da casa por permitir que, em caráter continuado, dias seguidos, permita uma verdadeira usurpação e tomada das dependências do Legislativo. Em resposta às acusações do deputado Dhiel, várias entidades elaboraram uma nota responsabilizando o governo, do mesmo partido a que pertencia o deputado, pelo espetáculo deprimente e por não ter atendido as reivindicações dos acampados. Dizia a nota: se as crianças choram, é porque sua fome não pode, mercê da incompetência do governo, ser mitigada pelo trabalho de seus 30 pais, homens da terra. Se cantam ao som da gaita, é porque o canto é a única forma de alimentar-lhes o espírito, feridos por meses sofridos à beira da estrada e por repetidas ameaças, pressões e indiferenças do governo e seus prepostos.

A nota concluía dizendo:

Apenas quem pertence a um governo que usurpou, pela força, o poder do povo pode conceber que a luta desta mesma gente e sua presença na casa, que deveria ser dela, seja usurpação; pois se sabe que os poderosos temem perder, um dia, o poder e os privilégios de que se apropriaram à custa do sangue e lágrimas dos pequenos (cf. MARCON, Idem, p. 176-7).

Este episódio, que não temos como sintetizar aqui senão de maneira insuficien- te, ajuda a compreender a precária noção de cidadania que ainda reinava nas hostes governamentais, ao mesmo tempo em que projeta, em contrapartida, o “cidadão” não mais como o sujeito de uma interpelação policial, que o torna equivalente a uma ex- pressão pejorativa cara ao universo dos representantes da ordem: “elemento”. O mo- vimento dos acampados de Encruzilhada Natalino tem a nos dizer que os agricultores querem ser vistos como sujeitos de direito. Os deputados da oposição, ao acolherem sua causa, sabiam disto. Infelizmente, o tamanho da questão fundiária no país e, em particular, no Rio Grande do Sul, é muito maior do que o desenlace relativamente satisfatório que assu- miu este caso na primeira metade da década de 1980. A constituição do Movimento dos Sem-Terra (MST), em 1985, é um sinal inequívoco da premência do problema da terra no Brasil. Já sob a “Nova República”, o segundo ano do Governo de José Sarney (1986) será assaltado, na capital gaúcha, por uma enorme manifestação de trabalha- dores rurais:

Em 23 de junho , cerca de 100 000 agricultores sem-terra chegaram a Porto Alegre, vindos do Paraná, de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, para participarem de romaria que visava pressionar o governo a tomar uma atitude mais decisiva. A romaria implicou quatro meses de caminhada, com os colonos saindo de Sarandi em fevereiro e chegando à capital em junho (PESAVENTO, Sandra Jatahy. Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul: a trajetória do Parlamento Gaúcho. Porto Alegre: ALRS, 1992. p.125-7).

Em 1989, com a invasão da Fazenda Santa Elmira, a Assembléia novamente se vê às voltas com a questão da terra. Manifestações de apoio e de repúdio à ação dos co- lonos são feitas pelos deputados. Elogios e críticas à atuação da Brigada Militar com- 31 parecem nos debates parlamentares. Acusações recíprocas entre eles dão a tônica dos debates: “O PT era denunciado pelos deputados pedessistas por propiciar agitação entre os colonos, enquanto que o PMDB sofria igualmente ataques por não resolver a questão em nível estadual quando era governo” (PESAVENTO, Idem, p.127). Estamos no final do Governo de Pedro Simon (1987-1990), e o golpe mais forte estava por vir. “O problema assumiria um ponto crítico em agosto de 1990, por oca- sião do confronto havido entre os colonos sem-terra e a Brigada Militar, na Praça da Matriz, incidente em que perdeu a vida o PM Valdeci, morto por um golpe de foice” (PESAVENTO, Idem, p.127). A repercussão deste acontecimento adquiriu proporções descomunais na imprensa gaúcha (especialmente na cobertura feita pela RBS) e ser- viu, em alguma medida, para que se estabelecesse uma ligação direta entre o Partido dos Trabalhadores – que saiu em defesa dos agricultores – e esta ação criminosa. Vale lembrar que, neste momento, o PT cumpria, através de Adão Pretto, José Fortunatti, Raul Pont e Selvino Heck, seu primeiro mandato na Assembléia. Às posições extre- mistas assumidas de lado a lado, o Deputado Jauri Oliveira (PSB), de certa forma, contemporizava, “(...) dizendo considerar a praça pública como um lugar de manifes- tações e não ver inconveniente que se tenha propiciado que os agricultores pudessem vir à cidade reivindicar. O deputado concluía que brigadianos mal pagos e colonos sem-terra eram vítimas da mesma injustiça social” (cf. PESAVENTO, Idem, p.129). Talvez este trágico episódio ainda esteja a merecer um estudo menos aparente, que dê conta - num âmbito menor, mas em profundidade -, das relações entre a imprensa e a política.

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Ao lado dos movimentos sociais rurais, como o dos trabalhadores sem-terra, as demandas dos professores estaduais, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, têm assumido lugar de destaque tanto na Assembléia Legislativa quanto na imprensa do Rio Grande do Sul. Este fato se deve, em parte, à gravidade da situação social (baixo salário e precárias condições de trabalho) enfrentada por esta categoria profissional e à sua capacidade de organização, através de um sindicato atuante, em parte, pela pró- pria repercussão social que qualquer mobilização deste grupo assume, tendo em vista a sua disseminação por todos os rincões gaúchos e os grupos majoritários de alunos – de baixa renda e, portanto, sem outra alternativa de ensino – envolvidos em qualquer movimento da classe. Neste sentido, a greve sempre foi vista pelos professores estaduais como um efi- ciente instrumento de pressão a fim de alcançar as suas reivindicações. O complexo jogo político que envolve o magistério não deve ser menosprezado nos momentos de acirramento das relações entre os professores e o governo do estado. Afinal, trata-se de funcionários do Poder Executivo, ligados à Secretaria de Educação, e que encontram, muitas vezes, nas lideranças políticas dos partidos da oposição ao governo do estado, 32 guarida para a defesa de seus pleitos. A intermediação da Assembléia Legislativa nes- tes conflitos, portanto, não é fato isolado. Ela se insere como um veículo paritário ao Executivo Estadual no intuito de melhor efetivar uma solução aos litígios que se insta- lam na sociedade. A legitimidade de sua ação está assentada tanto no papel represen- tativo que desempenha de uma maneira geral, quanto, particularmente, na capacidade que tem de estabelecer uma mediação ponderada de interesses divergentes. Em abril de 1979, sob o governo de Amaral de Souza, os professores entraram em greve, reivindicando melhores salários para a categoria:

A legitimidade do movimento fora considerada incontestável pela bancada do PMDB (deputado Antenor Ferrari). A greve era entendida como um instrumento normal, legítimo e justo em qualquer regime democrático, e as declarações do Secretário de Estado da Educação sobre a ilegalidade da greve vinham demonstrar que o país não vivia ainda numa verdadeira democracia (deputado Cezar Schirmer) (PESAVENTO, Idem, p.115).

Em que pese a justeza das reivindicações feitas pelos professores, devemos con- siderar que a defesa de seus direitos feita pelos deputados do MDB encerra também o objetivo mais amplo de fazer a crítica ao governo dos militares. Embora tenha havido um ligeiro decréscimo na participação do MDB na legislatura estadual de 1978, rela- tivamente a 1974 (passando de 33 para 31 cadeiras), sua supremacia sobre a ARENA (23 cadeiras em 1974 e 25 cadeiras em 1978) continuava assegurada. Uma rápida análise das matérias de imprensa da época permite perceber a impopularidade do go- vernador, associada, o mais das vezes, ao caráter autoritário de seu governo no ponto de vista da oposição. Desde então, foram realizados vários outros movimentos paredistas, sob a admi- nistração das mais diversas cores partidárias no estado. O site do CPERS/Sindicato hoje traz uma síntese deste histórico de lutas, no qual encontramos um resumo das reivindicações feitas pelos professores (ver www.cpers.com.br) e, eventualmente, a duração das greves que foram deflagradas para pressionar o governo do estado a estas conquistas.

33 GREVES DO MAGISTÉRIO ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL

GOVERNO ANO DURAÇÃO DA GREVE Amaral de Souza 1980 21 dias Jair Soares 1985 60 dias Pedro Simon 1987 96 dias Pedro Simon 1988 09 dias Pedro Simon 1989 42 dias Sinval Guazzelli 1990 58 dias Alceu Collares 1991 74 dias Olívio Dutra 2000 32 dias

Como podemos observar no quadro acima, a greve mais longa ocorreu sob o governo de Pedro Simon (PMDB), em 1987, tendo sido deflagrada em abril daquele ano, quando recém o governo se instalara. A greve de 1990 se deu sob a gestão de Sin- val Guazzelli (PMDB), vice-governador do estado investido no cargo de governador (02/04/1990 a 15/03/1991) em função da desincompatibilização de Pedro Simon para candidatar-se ao Senado. Ao longo destes anos, identificamos pelo menos dois momentos de maior reco- nhecimento do Legislativo à luta dos professores estaduais pela sua dignificação polí- tica e econômica, da qual as greves constituem apenas um recurso extremado de ação. Por solicitação da Deputada Maria Augusta Feldman (PSB), a Assembléia Legislativa realiza uma sessão no dia 18 de abril de 1995 na qual o Grande Expediente é dedica- do a homenagear o CPERS/Sindicato pela passagem de seus 50 anos de existência, momento em que a Secretaria de Educação estava sendo ocupada pela Profa. Iara Wortmann. Dirigia o CPERS na ocasião o Prof. Paulo Egon Wiederkehr. A Deputada Maria Augusta – que esteve à frente da Presidência do CPERS no período de 1990/1993 – dividiu a história da Instituição, em seu discurso de home- nagem ao Sindicato, em três grandes fases. A primeira delas, caracterizada como de criação-afirmação, compreende os anos de 1945 a 1962. “Entendida como entidade de ‘mulheres’, mas contrariando as expectativas, não se fez filantrópica ou recreativa. Mostrou em todos os seus atos: vocação para a combatividade e defesa dos interesses de seus associados, registrando-se, nesta fase, importantes lutas e vitórias” (Deputada Maria Augusta Feldman; Sessão Plenária do dia 18 de abril de 1995). O segundo ciclo de atuação da entidade (afirmação-expansão) “(...) se expressa: no aumento de associados; no reconhecimento pela coletividade gaúcha e pela con- quista de prestígio nacional” (Idem). Já a terceira fase (expansão-consolidação) tem início no final da década de 1970, quando “Foi deflagrada a greve de 1979, movimento épico para o magistério gaúcho, alavanca na organização em marcha do poder civil” (Idem). 34 A Deputada Feldman encerra seu discurso chamando a atenção para o caráter democrático e participativo da entidade, projetando para o tempo a seguir, em seu desejo, uma quarta fase de “consolidação-valorização”, a qual, passada uma década, parece que não se cumpriu. Diz ela:

O CPERS/Sindicato é exemplo no movimento sindical, principalmente pela estrutura democrática como se organiza. Todas as decisões são por voto, em todas as instâncias, o que assegura que uma diretoria não delibera e nada faz sozinha. As decisões não podem ter pressa, precisam de zelo. Estabelecendo um paradigma com a Assembléia Legislativa, aqui também é preciso espaço para analisar, discutir e negociar. É preciso cautela e muita responsabilidade (Deputada Maria Augusta Feldman; Sessão Plenária do dia 18 de abril de 1995).

Ao seu pronunciamento, seguiram-se apartes assentidos de membros de diversas bancadas, todos eles fazendo coro às palavras de encômio que a Deputada verteu para a insigne Associação: Alcides Vicini (PPR), Alexandre Postal (PMDB), Jussara Cony (PC do B), Beto Albuquerque (PSB), Flávio Koutzii (PT), Heron de Oliveira (PDT) e Iradir Pietroski (PTB). Da mesma forma, o Presidente da Mesa Diretora, Deputado José Otávio Germano (PPR), já havia aberto a Sessão rejubilando-se com a iniciativa da Deputada. Em 1996, o CPERS filia-se à Central Única de Trabalhadores (CUT). A Câmara Municipal de Porto Alegre, por iniciativa do Vereador Raul Carrion (PC do B), entregou ao Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul o Prêmio Mérito Sindical, por ocasião dos 57 anos de existência da entidade e de sua luta neste período. Também naquela Casa Legislativa foi feita homenagem ao CPERS/Sindicato.

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A Campanha das Diretas-Já compreende, sem dúvida alguma, um dos momentos mais emblemáticos da história política republicana, quando a rua foi feita o espaço público por excelência para o exercício da livre manifestação política. Se, no início da Campanha, tivemos uma passeata que reuniu cerca de 5 000 pessoas em Porto Alegre (13/01/1984) – um dia após o Comício de Curitiba que referimos no início deste texto -, exatos três meses depois (13/04/1984), já eram 200 000 pessoas exigindo, em praça pública, a realização de eleições diretas imediatas para Presidente da República. O último comício realizado no Rio de Janeiro (10/04/1984) reuniu 1.000.000 de pessoas e o de São Paulo (16/04/1984), 1.500.000 (v. RODRIGUES, Alberto Tosi. Diretas Já. O grito preso na garganta. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. p.105-7). Alberto Rodrigues chama a atenção para as diferenças que separam as manifesta- ções populares havidas no período pré-1964 e estas que têm lugar no ocaso da ditadura e, mesmo, depois, como por exemplo, na campanha pelo impeachment do Presidente 35 Fernando Collor de Mello, em 1992. O surto democrático que pode ser identificado nestas manifestações não guarda semelhança com os eventos políticos populares ocor- ridos, especialmente, a partir de 1950:

A diferença fundamental está na ruptura desses novos atores sociais com a “relação de manipulação” típica do populismo (Idem, p.101). Ao contrário da política populista, a marca dessa incorporação foi a autonomia dos atores, que tornaram a si próprios sujeitos do processo (Idem, p.101).

As pessoas saíam às ruas para ver a si próprias, para espantar-se com a própria capacidade de indignação, para ver com os próprios olhos e demonstrar com a própria presença o que as sondagens de opinião apontavam: que havia uma extensa maioria de cidadãos dispostos a pressionar pela mudança imediata dos dispositivos que garantiam sobrevida ao regime autoritário de 1964 (Idem, p.102). Neste sentido, é importante dizer que a explicação para a transição política bra- sileira do Regime Militar a um Estado Democrático de Direito, se assim podemos designar o governo instalado a partir de 1985, apenas nos acordos estabelecidos pelas lideranças políticas – quer fossem de oposição, quer fossem da situação -, é insuficien- te. A chamada “transição pelo alto” ou o “pacto das elites” não dá conta da complexa situação potencializada pela Campanha das Diretas, cujo início remonta a março de 1983, embora oficialmente ele tenha se dado em janeiro de 1984 (cf. MENDONÇA, Daniel de. Tancredo Neves: da Distensão à Nova República. Santa Cruz do Sul; EDU- NISC, 2004. p.49, 53 e 55). O cientista político Daniel de Mendonça constrói sua explicação tanto para a Campanha pelas Diretas quanto para a posterior eleição de Tancredo Neves pelo Colé- gio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, por meio do conceito de “significante vazio”, apropriado de Ernesto Laclau. Para Mendonça, “Tancredo representava difusamente uma multiplicidade de sentidos, uma ‘Nova República’, um país melhor e mais justo, mesmo sem que se soubesse da dimensão prática que isso efetivamente significava na vida de cada brasileiro” (Idem, p.106). A comoção popular havida por ocasião da doença e da morte do Presidente Eleito (entre os dias 14 de março e 21 de abril de 1985) corrobora, em parte, este entendimento. Da mesma maneira, a “Campanha pelas Diretas” (1983-4), dada a amplitude de demandas paralelas e subsidiárias que se condensavam sob esta rubrica, a tornava um “significante vazio”. De certa forma, o mesmo processo iria se dar em 1987-8, quando dos trabalhos da Constituinte Federal. Como veremos no próximo capítulo, a “Constituição Cidadã“ de 1988 também con- densou no seu texto o repositório de inúmeros desejos difusos, alguns dos quais até mesmo inconciliáveis. O importante, contudo, para aquele momento (1983-4) talvez não fosse a absoluta convergência de sentido na luta ou a clareza inequívoca das posições assumidas, de 36 parte a parte no jogo político, mas uma encenação reiterada – ao longo de 15 meses – da inconformidade com a lentidão do processo político da abertura. Naquele 13 de abril de 1984, em Porto Alegre, havia 200 000 pessoas na Praça Montevidéu, no Largo da Pre- feitura. O governador do Estado, Jair Soares (PDS), teve de liberar os funcionários do estado para assistir ao comício. Havia muitas faixas e cartazes; muitas pessoas vestindo a camiseta das Diretas. Chuva de papel picado. Os irmãos kleiton & Kledir cantaram a música Vira-Virou e mais de 60 discursos foram feitos; os dois últimos, por Leonel Bri- zola e Ulysses Guimarães (cf. LEONELLI, Domingos e OLIVEIRA, Dante de. Diretas Já. 15 meses que abalaram a ditadura. Rio de Janeiro: Record, 2004. p.502-4). Onde estava a Assembléia Legislativa do Estado nestes meses de grandes agi- tações? Como os Deputados gaúchos receberam / participaram deste movimento? Quem estava ao lado de qual posição? Inúmeras foram as manifestações dos depu- tados, ao longos dos anos de 1983 e 1984 a respeito da situação política nacional. O debate sucessório foi amplamente abordado por parlamentares dos mais diversos partidos. Recuperar as posições assumidas pelos deputados, na sua integralidade, é ta- refa impossível de cumprir no âmbito desta exposição geral, razão pela qual optamos por flagrar apenas alguns momentos das discussões em Plenário e que podem dar uma idéia, tênue que seja, do interesse suscitado pela temática. Na Sessão do dia 10 de janeiro de 1984, a Deputada Dercy Furtado (PDS) traz a Plenário a leitura de uma entrevista concedida por Dom Cláudio Collling no dia anterior para o jornal Zero Hora. Nesta entrevista, confirma-se a postura conservadora do religioso, já aludida anteriormente, com a qual a Deputada do partido governista concorda. Diz D. Cláudio: “Mesmo nas diretas, o povo não escolhe, porque é subor- dinado a um nome ungido nas cúpulas partidárias, o que convenhamos nem sempre é mais democrático do que quando a delegação é concedida ao colégio eleitoral”. Depois de digredir sobre um certo autoritarismo interno que regula o fazer partidário e que, conseqüentemente, tornaria a escolha dos eleitores menos legítima, a Deputa- da encerra seu pronunciamento, dizendo: “E, como acreditamos que os bispos têm sempre a inspiração do Divino Espírito Santo, cremos que ele estava muito inspirado quando deu a entrevista”. Ainda em 1983, quando a campanha das Diretas-Já não tinha esquentado, os de- putados da situação faziam a defesa incondicional do Governo Figueiredo. O Deputa- do Airton Vargas (PDS), propugnando um sucessor para o Presidente João Figueiredo “(...) competente, capaz de administrar e, simultaneamente, (...) um estadista que te- nha (...) o consenso nacional e o apoio popular”, identificava no mais alto mandatário da República estas mesmas características. Fazendo uma avaliação muito distante da forte crítica política dirigida pelas oposições ao General-Presidente, dizia o deputado da tribuna:

(...) o Presidente João Figueiredo, como estadista, sempre contou com o consenso nacional e com o apoio popular. 37 Realmente, ninguém pode negar que, quando o Presidente elegeu a democracia como efetiva meta de seu Governo, tanto as oposições como a grande maioria da sociedade ajudaram- no a levar adiante o seu projeto. De modo especial, nunca lhe faltou o apoio de seu Partido, dos seus companheiros, dos seus amigos da agremiação situacionista (Airton Vargas; Plenário da Assembléia Legislativa, 5 de maio de 1983).

No mesmo sentido, vai o pronunciamento do Deputado Vercidino Albarello (PDS). O Deputado entende prematuro o debate sucessório, excessivo o número de nomes dentro do próprio partido postulantes ao cargo, reivindicando, mais uma vez, um nome de consenso, para que sejam evitados conflitos:

O candidato do consenso deverá ter um programa igualmente consensual sobre os verdadeiros problemas a serem enfrentados e sobre as formas de como a atual crise deverá ser tratada. Quanto aos setores radicais da Oposição, deverão ser isolados, pois a sua única preocupação é negar e destruir tudo o que foi feito. Querem ver o circo pegar fogo, mas a caravana passa, enquanto os cães ladram. E, ao invés de querermos ver o circo pegar fogo, devemos, em conjunto, unir as nossas forças e, mesmo na substituição do Presidente João Batista Figueiredo, discutir um nome que seja o consenso da Nação brasileira e a vontade de todos os segmentos da sociedade que compõem este País (Vercidino Albarello; Plenário da Assembléia Legislativa, 29 de junho de 1983).

O Deputado Pedro Américo Leal (PDS), ao analisar o quadro da sucessão presi- dencial, faz - como é de seu feitio - fortes provocações à oposição, defendendo suas idéias com altivez. Causídico obstinado do Exército, onde fez sua vida profissional, o Deputado refere matéria publicada no jornal Zero Hora e questiona: “(...) está a in- dagação de que o candidato deve ser civil: o que é candidato civil?” (Pedro Américo Leal; Plenário da Assembléia Legislativa, 16 de maio de 1983). A provocação dirigida aos deputados do PMDB retorna, de maneira mais veemente, em outro pronunciamen- to do deputado:

(...) queria responder aos Deputados das Oposições, principalmente aos rebeldes e inconformáveis Deputados , colegas meus do PMDB, que ficam reclamando e gritando – e repito é o partido da gritaria – que deve haver eleições, agora, diretas, para a Presidência da República; e batem pé, fazem malcriações, querem porque querem. E não são capazes de se conscientizar de que uma eleição agora é quase inviável. Vejam bem meus queridos Deputados, somos os representantes do povo. O que falamos aqui, o povo ouve. Não estamos aqui 38 falando qualquer coisa; não estamos aqui nos divertindo, nós estamos falando pelo povo. Assim foi imaginada a grande democracia grega, nós somos delegados dele. Deixo aqui para os que me estão ouvindo, para que o povo simples caia em si: sente numa cadeira, ponha a mão na cabeça e veja se os Deputados do PMDB não são insensatos, porque propõem uma eleição num momento em que temos graves problemas para resolver e que essa eleição conturbaria o panorama nacional, de tal maneira, que não poderíamos controlar o estado de coisas que ia instalar-se no Brasil (Pedro Américo Leal; Plenário da Assembléia Legislativa, 07 de julho de 1983).

Já no auge do movimento em 1984, e na mesma linha de Dercy Furtado, o Depu- tado Pedro Américo Leal (PDS) “(...) considerava que o êxito da campanha se devia ao sucesso publicitário de alguma empresa contratada pelo PMDB, PDT ou PT” (cf. PESAVENTO, Sandra Jatahy. Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. A traje- tória do Parlamento Gaúcho. Porto Alegre: ALRS, 1992. p.111). Entre os deputados da oposição, erigiram-se duas posturas frente ao dilema do re- torno das eleições diretas para Presidente da República: uma, de adesão à proposta de realização do pleito já em 1985, como previa a Emenda Constitucional do Deputado Dante de Oliveira (Proposta de Emenda à Constituição n.5, de 1983) e defendida pelo PMDB; e outra, surgida entre setores do PDT, que propugnavam a prorrogação do mandato do Presidente Figueiredo, marcando as eleições para o final de 1986. Em seu relato sobre os bastidores desta controvérsia (prorrogação ou não do man- dato), Domingos Leonelli e Dante de Oliveira, vinte anos após a mal sucedida votação – a proposta de Emenda foi derrotada -, trazem, em sua caudalosa narrativa, algumas versões para a história, não de todo desconhecidas na circunstância mesma dos acon- tecimentos. Por meio de iniciativa do Deputado José Camargo (PDS de São Paulo), a proposta legislativa de reeleição do Presidente foi levada a diversos governadores de oposição, com a intenção de mobilizar os deputados dos respectivos estados.

A visita a Brizola foi a mais produtiva para o deputado Camargo. O governador recebeu-o no Palácio Guanabara em companhia do presidente e do vice-presidente nacionais do PDT, Doutel de Andrade e Alceu Collares. Condicionou seu apoio à proposta a acrescentar-lhe uma emenda que limitasse o mandato do presidente Figueiredo, se reeleito, a dois anos. Assim, em 1986, teríamos eleições diretas. Era o “mandato-tampão” com Diretas. Mas a “reeleição” de Figueiredo também encontraria sérias resistências no próprio sistema. Eminências como Ernesto Geisel, Golbery de Couto e Silva, de fora do governo e o almirante Maximiano da Fonseca, o vice-presidente Aureliano Chaves, ministros e parlamentares colocavam-se contra a idéia 39 da “reeleição” daquele presidente que nunca fora de fato eleito (LEONELLI e OLIVEIRA, Idem, p.146).

Houve, na ocasião, muitas críticas ao Governador Brizola pela proposta que li- derou de prorrogação do mandato do Presidente. Os comentários elogiosos feitos a Figueiredo, pela condução do processo democrático, foram muito mal vistos pelos demais setores da oposição. Em termos práticos, se a proposta vingasse, a candidatura de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, ainda em 1985, alimentada nos acordos paralelos que se faziam entre algumas lideranças governistas e setores da oposição ligados a Tancredo, estaria inviabilizada. Mais do que isto, os candidatos fortes da oposição, em 1986, seriam o próprio Leonel Brizola (que assumiria para si a autoria da solução de consenso) e Ulysses Guimarães (cf. LEONELLI e OLIVEIRA, Idem, p.168-71). O General Golbery de Couto e Silva, em entrevista ao Correio Braziliense do dia 07 de agosto de 1983, sabedor de que a proposta de reeleição estava sendo articulada com o aval do próprio Figueiredo, declara sobre o Presidente: “Não tem vontade de dirigir o país, não está interessado em dirigir o país e não tem mais saúde para dirigir o país” (apud LEONELLI e OLIVEIRA, Idem, p.205-6). Sem que estas articulações tivessem alcançado sucesso para seus defensores, no Rio Grande do Sul, Dilamar Machado (PDT) era um dos deputados que se alinhava a elas, enquanto o deputado Pedro Américo Leal nomeava o governador do Rio de Janeiro como “homem muito hábil”, avaliando a proposta de Brizola de “ladina”. Diz Leal: “Ele está tentando fazer com que o Presidente João Batista Figueiredo seja o juiz da partida! Ele sabe que ganha!” (Pedro Américo Leal; Plenário da Assembléia Legislativa, 10 de maio de 1983). Na mesma sessão, o Deputado Porfírio Peixoto (PDT), contumaz freqüentador da tribuna – abordando, repetidas vezes, os assuntos políticos e econômicos de inte- resse nacional – faz menção ao consenso nacional por eleições diretas. E acrescenta: “Aqui mesmo, nesta Casa, foi feita uma pesquisa: dos cinqüenta e seis Deputados, quarenta e oito, se não estou equivocado, são favoráveis às eleições diretas para Presidente da República” (Porfírio Peixoto; Plenário da Assembléia Legislativa, 10 de maio de 1983). O mesmo deputado traz um relato de uma entrevista recente con- cedida pelo General Octávio Medeiros, Chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), na qual o General entende que eleições diretas somente poderiam realizar-se em 1991. Questionado sobre o porquê, teria dito: “agora não dá, porque a coisa está muito feia”. A este pronunciamento do ministro, retrucou o deputado: “Ora, Sr. Pre- sidente e Srs. Deputados, se não se fazem eleições diretas quando as coisas vão mal, por certo também não se fazem quando as coisas vão bem. Quando as coisas vão mal, não se muda porque há o perigo de mudar e, quando estão bem, não se muda porque não é preciso mudar” (Porfírio Peixoto; Plenário da Assembléia Legislativa, 08 de setembro de 1983). 40 O Deputado Antenor Ferrari (PMDB) faz um longo pronunciamento da tribuna da Assembléia sobre a conjuntura política e econômica nacional que reputamos da maior lucidez. Quando se trata de abordar a “história imediata” ou a “história do presente” (que, a rigor, não são absolutamente equivalentes), um prestigiado historiador francês, Paul Veyne, lembra-nos que as sociedades não são transparentes para elas próprias. Por isto precisam, ex post facto, de historiadores. O discurso do Deputado Antenor Ferrari constitui-se num contra-exemplo deste juízo. Vejamos apenas alguns trechos desta preclara ode à democracia, no limiar de sua realização:

Em seu último pronunciamento, o General João Baptista Figueiredo, Presidente da República, anunciou que o processo político brasileiro de abertura entra agora em sua segunda etapa. Creio que essa expressão não se constitui unicamente numa figura de retórica. Devemos encará-la como um fato, como um desdobramento necessário da abertura política que o país experimentou, muito mais como decorrência das pressões e reivindicações dos movimentos sociais e das entidades da sociedade civil do que de uma concessão do regime. (...) Por outro lado, as dificuldades e impasses determinados pela profunda crise econômica que atinge o País, também interferem decisivamente nesse processo. O modelo econômico, que nunca correspondeu aos interesses nacionais e às necessidades do povo, chegou ao esgotamento. A economia do País, falida, vive a ameaça da insolvência. Isso também está a ameaçar as condições de unidade do grupo dirigente. Assim, o regime enfrenta o desafio de conduzir a bom termo a administração da crise, quanto de recompor a sua unidade interna, seriamente corroída. (...)

(...) a sucessão presidencial pode ser o caminho para a conciliação entre as cúpulas políticas do País, com a exclusão dos setores democráticos e populares do processo de definição e encaminhamento das saídas para a crise política do regime. (...) Isto não é impossível de acontecer, pois já são percebíveis sinais evidentes de uma tendência de conciliação por cima (...) Nós, da Oposição democrática e popular, não pretendemos ser intransigentes. Se os compromissos e interesses populares nos impuserem, não fugiremos à negociação e ao diálogo. (...) Acredito que um ponto de partida fundamental para a construção da Democracia em nosso País seja o reconhecimento e a institucionalização de uma sociedade de conflitos.(...) (...) é necessário fazer com que o Parlamento brasileiro, a começar pelo Congresso Nacional e também pelas Assembléias Legislativas, se torne o canal principal do fluxo dos conflitos e das aspirações da sociedade brasileira (Antenor Ferrari; Plenário da Assembléia Legislativa, 29 de março de 1983). 41 Uma sociedade de conflitos. Legitimamente, uma sociedade de conflitos. Esta, a senha que faltava para ingressarmos definitivamente numa nova era. Estávamos ainda em março de 1983, mas a democracia começava a se anunciar. Com a veemência deste pronunciamento e, também, com o alerta de outro discurso, do Deputado Carrion Júnior (PMDB), que serve, agora, para avançarmos mais ainda a abordagem da história política brasileira, quase sempre em compasso de recomeço, voltamos nossos olhos para mais um desafio, o da(s) Constituinte(s). Mas este já é assunto para o próximo capítulo:

A roda de nossa História tem sido pródiga em exemplos de retrocesso. As redemocratizações têm sido aceitas pelas elites econômicas enquanto não passam do reino da palavra, enquanto não tocam em privilégios. Toda vez que o povo brasileiro tentou levar estes processos democráticos da boca ao estômago, tocando, ainda que de leve, no privilégio destas minorias, teve a resposta da intransigência impacífica e brutal da repressão. Por isto a nossa História não avança socialmente, e ainda por conseqüência nosso País não se desenvolve. Hoje começamos novamente a chegar no limiar deste espaço: é a esperança de uma nova História, ou a desesperança de um novo retrocesso: a responsabilidade de todos nós, como de outras gerações que já fracassaram, é mais uma vez imensa (Carrion Júnior; Plenário da Assembléia Legislativa, 02 de março de 1983).

Em Brasília, no dia 25 de abril de 1984, na Câmara dos Deputados, era rejeitada a Emenda Dante de Oliveira à Constituição. Apesar de ter alcançado 298 votos a favor e apenas 65 contra, todos estes últimos do PDS, faltaram 22 votos para que se alcançasse a maioria de 2/3. Do total de 479 deputados, 113 estiveram ausentes à votação (v. RO- DRIGUES, Alberto Tosi. Diretas Já. O grito preso na garganta. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003. p.92-3). Se estes deputados absenteístas estivessem na cidade de Atenas, na Grécia do Período Clássico, lugar onde se inventou, pela primeira vez, uma democracia, certamente teriam sido alvo de julgamento e poderiam ter perdido seus direitos políticos. A democracia ateniense, por fazer o elogio máximo do público, da publicidade das coisas que diziam respeito a todos, odiava os que escondiam suas opiniões. A exposição clara daquilo que se pensa é um dos corolários do regime demo- crático. Os nomes daqueles que negaram seu voto, qualquer que ele tivesse sido, estão gravados na história, para sua desonra. Seria preciso começar de novo... No dia 15 de janeiro de 1985, novamente em Brasília, o Colégio Eleitoral elegia Tancredo Neves (PMDB) Presidente da República com uma votação estrondosa. O representante do PDS, Paulo Maluf, alcançou escassos 180 votos enquanto o ex-go- vernador mineiro obteve 480 votos.

Um Colégio Eleitoral em que 686 cidadãos fizeram as vezes de 60 milhões de eleitores habilitados levou 3 horas e 27 minutos 42 para cruzar a ponte que ainda separava 21 anos de regime autoritário da democracia. O Colégio Eleitoral nasceu para prolongar a transição e, na prática, ganhar a eleição presidencial para o governo. Ganhou um homem que passou 21 anos na oposição (Veja n.855, 23/01/85, “A oposição chegou lá”, p.12, apud MENDONÇA, Daniel de. Tancredo Neves: Da distensão à Nova República. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. p.95).

No dia 15 de março de 1985, assumia o governo da República, no impedimento do presidente eleito, o homem que serviu à ditadura por longos anos e que havia dei- xado a direção do PDS para concorrer na chapa liderada por Tancredo Neves. No dia 21 de abril, o grande artífice da oposição no período final da transição, morria. A nação enlutada chorou nas ruas, de certa forma, também a perda de si. José Sarney (agora PMDB) iria governar o país para, segundo suas palavras, cumprir de maneira contrita a “liturgia do cargo”. Foi sob o seu governo – talvez, mais uma vez, um governo de transição – que se deu uma nova feição à ordem institucional do país, com a deflagra- ção do processo constituinte em 1987. Novamente impõe-se o paralelo com os gregos, para quem a democracia é o governo das leis sobre o governo dos homens – palavras que o General Péricles teria declinado em um discurso feito em 430 a C. No Brasil, esta lição deveria ser aprendida ao longo dos próximos anos, durante a construção da “Constituição Cidadã”. É isto o que vamos ver a seguir.

43 44 45 3. A “CONSTITUIÇÃO CIDADÔ LÁ E AQUI: ENTRE A DEMOCRACIA SONHADA E A DEMOCRACIA CUMPRIDA.

m 1981, o grande jurista brasileiro Raymundo Faoro fazia publicar um pe- queno livro intitulado “Assembléia Constituinte: a legitimidade recupera- Eda”. Nele encontramos, na fase final do Regime de 1964, um libelo político à realização de uma Constituinte no país, convocada, segundo seu desejo, pelo Poder Legislativo, para se submeter, pelo mandato oferecido, ao império do povo. Faoro é claro na crítica àqueles que não querem uma nova (ou verdadeira) Constituição para o país, naquela conjuntura dramática vivida pelo país no início da década de 80, e que tivemos ocasião de analisar, embora sumariamente, no capítulo anterior. Diz Faoro:

A elite não precisa de constituinte, senão que esta a ameaça no núcleo de seus interesses, como dela não precisam os privilegiados que detêm o poder exatamente porque seu mando não deriva da vontade popular. Quem dela tem necessidade são os que não têm voz no estreito círculo da chamada classe política: a classe média com oportunidades decrescentes no esgotamento do regime cooptativo do favor e a classe operária, reduzida a peça auxiliar no quadro do poder, com os sindicatos sitiados e seus direitos tutelados (FAORO, Raymundo. Assembléia Constituinte: a legitimidade recuperada. 5aed. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.87).

Cinco anos depois, o cientista político Leônidas Xausa publicava uma série de pequenos artigos, que vieram a lume originalmente nas edições dominicais do jornal Zero Hora, nos quais expressava seus pontos de vista acerca de temas candentes da política nacional, entre os quais se destacavam a convocação da Constituinte e as controvérsias acerca de seu caráter exclusivo ou não. Em outras palavras, Xausa fazia a defesa de uma Constituinte Pura, contra a tese que, finalmente, venceu, de investir um Congresso já existente de poderes constituintes. Para ele - escrevendo em 1985 -, o Congresso que assumiria em 1986, estaria tão maculado quanto o anterior para cum- prir a alta tarefa que se anunciava (v. XAUSA, Leônidas. A constituinte questionada. Porto Alegre: L&PM, 1986. p. 19-21). Indo ao encontro de sua crítica, é importante lembrar que faziam parte do Con- gresso Nacional, naquele período, os “senadores biônicos”, embora este não tenha sido o caso para o Rio Grande do Sul. Dos três nomes que compunham a bancada gaúcha no Senado, José Fogaça e José Paulo Bisol (PMDB; 1987-1994) foram eleitos 46 já sob a vigência de uma outra legislação eleitoral. Apenas Carlos Alberto Chiarelli (ARENA /PFL; 1983-1990) havia se beneficiado do instrumento da sublegenda (v. Assembléia Nacional Constituinte – 1987. Repertório Biográfico dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte de 1987. 2aed. Brasília: Câmara dos Deputados, 1989. p.187, 468 e 491). Vale a pena explicitar aqui o seu significado:

A sublegenda era um mecanismo que permitia aos partidos apresentarem até três candidatos para os cargos de prefeito e senador. Somados os votos de todos os candidatos da mesma agremiação, o eleito seria aquele mais votado do partido campeão nas urnas (cf. MESSENBERG, Débora. A elite parlamentar do pós-constituinte. Atores e práticas. São Paulo: Brasiliense, 2002. p.30-1).

Deixando de lado as controvérsias envolvidas neste debate pré-Constituinte, as quais não temos como dar conta no estreito espaço deste texto, vamos nos restringir a fazer uma breve análise da Constituição que foi promulgada no dia 05 de outubro de 1988 pelo Presidente da Câmara, Deputado Ulysses Guimarães (PMDB), avalis- ta do Governo de José Sarney. A principal tarefa a que os setores progressistas da Assembléia Constituinte se propunham – ou, pelo menos, aquela que estava no hori- zonte imediato de realização para os congressistas – residia no expurgo ao chamado “entulho autoritário” reinante na ordem jurídica brasileira, por imposição do Regime Militar, ao longo de sua permanência de 21 anos no poder. Neste sentido, o processo constituinte cumpria uma finalidade eminentemente política, assentada na negação peremptória às soluções jurídicas de mais amplo alcan- ce engendradas no âmbito de um “Estado de exceção” ou de um “Estado de arbítrio”, desde o ponto de vista dos críticos do Sistema, muito embora estas mesmas “soluções” atendessem ao imperativo de buscar a “normalização” da ordem jurídico-social, na perspectiva dos detentores do poder. Em outras palavras, tenta-se “legalizar” aqui- lo que, para a oposição, jamais poderia alcançar legitimidade, posto que o Regime Militar houvera nascido de um ato de força, miasma este que somente poderia ser extirpado do solo quando tudo aquilo que tivesse sido construído pelos governos dos Generais-Presidentes fosse, definitivamente, eliminado. O processo constituinte, para boa parte dos mandatários eleitos em 1986 e para vastos setores da sociedade civil organizada (como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa), se constituiria, ao final, no solene ato fúnebre a enterrar os traidores do passado recente do povo brasileiro e, junto a eles, a sua des- ditosa obra. Assim, a auto-designação “Nova República”, para o governo instalado por Tancredo Neves / José Sarney (na campanha, auto-nomeada “Aliança Democrática”), fazia parte deste esforço de negação do passado. Um exame dos pronunciamentos feitos na Assembléia Legislativa, ainda na Le- gislatura anterior a que tomará para si a tarefa de realizar a Constituição Estadual de 47 1989, permite perceber a preocupação de vários deputados com o processo constituinte federal, visto este como decorrência natural tanto do esforço de imprimir legitimidade ao governo recém instalado em Brasília, quanto, mais ainda, da necessidade jurídica de oferecer uma nova e legítima ordem institucional para o país. O Deputado Francisco Dequi (PDT) critica a morosidade que se anuncia no de- sencadeamento da Constituinte, rejeitando a constituição de uma “Comissão de notá- veis” pelo governo federal para dar início às discussões (Plenário da Assembléia Le- gislativa; 19 de março de 1985). Já o deputado Rubi Diehl, agora no Partido da Frente Liberal (PFL), faz a defesa de que ao mandato dos eleitos em 1986, conforme acordo entre PMDB e PFL, seja conferido caráter constituinte (Plenário da Assembléia Legis- lativa; 09 de abril de 1985), contrariamente ao que preceituava tanto Raymundo Faoro quanto Leônidas Xausa, antes referidos. Os deputados Ivo Mainardi (PMDB), Romeu Martinelli (PDS), José Ivo Sartori (PMDB) e Nivaldo Soares (PMDB) também se assomam à tribuna em 1985 para registrar a importância do debate constituinte. Débora Messenberg, ao avaliar o trabalho feito pelos Constituintes (fev. 1987- out. 1988), numa visão retrospectiva, reputa-o como longo e conturbado, marcado por práticas fisiológicas percebidas na ingerência do Poder Executivo no processo. Identifica ainda a falta de compromisso ideológico e partidário de muitos parlamen- tares e localiza, nesta conjuntura, “(...) a fragmentação interna do principal partido de sustentação da Nova República, o PMDB” (MESSENBERG, Débora. A elite par- lamentar: atores e práticas. São Paulo: Brasiliense, 2002. p.33). Este esfacelamento irá se expressar, concretamente – entre outras manifestações – na constituição de um novo partido político, em junho de 1988, O PSDB. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) tem sua origem associada a divergências travadas na Constituinte Federal e que se acirraram a um ponto de insustentabilidade:

Nascido da dissidência de 48 parlamentares do PMDB, descontentes com a amplitude ideológica assumida por esse partido e, particularmente, insatisfeitos com a vitória das emendas do presidencialismo e da ampliação do mandato do presidente Sarney, o PSDB assumiu a princípio um perfil mais progressista, apresentado-se como uma alternativa partidária de centro-esquerda na linha das teses da social-democracia (MESSENBERG, Idem, p.33).

Com maior densidade de representação parlamentar no sudeste brasileiro, o PSDB terá, no seu início, uma escassa expressão política no Rio Grande do Sul. Na Assembléia Legislativa, apenas a deputada Ecléa Fernandes migra do PMDB para o PSDB no decorrer da 47a Legislatura (1987-1991), criando assim uma nova bancada (cf. AXT, Gunter. A constituinte de 1989. História da Constituição dos Gaúchos. 2aed. Porto Alegre: ALRS, 1999. p.76-8). 48 Voltando à avaliação da Constituição Federal de 1988, é consenso entre seus ana- listas que um de seus “defeitos” é de ter resultado um texto “excessivamente detalhis- ta”. Débora Messenberg associa este aspecto, de um lado, aos múltiplos interesses corporativistas que a Carta acabou atendendo e, de outro, a uma certa “mentalidade bacharelesca” vigente na cultura política brasileira, a qual estaria assentada no supos- to de que a norma jurídica seria capaz de criar o fato social (MESSENBERG, Idem, p.34). Para o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, no entanto, “(...) o caráter enciclopédico da Constituição derivava do medo ao retorno do arbítrio, ainda muito recente na memória nacional. Colocava-se, assim, ao abrigo da lei maior as conquis- tas tão almejadas pelo povo” (TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Brasil, em direção ao século XXI. In: LINHARES, Yeda. História Geral do Brasil. 6aed. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p.344). Talvez uma outra forma de interpretar o caráter caudaloso de nossa Carta Cons- titucional se encontre na concepção mesma de democracia que ela foi capaz de forjar e que percorre todo o texto. Não apenas uma necessidade estrutural ou uma escolha pragmática, o “excesso” no tamanho do texto constitucional pode ser entendido como a forma mais eficiente de dar a saber a natureza do Estado de Direito que o documento reverencia em seu conteúdo. Ao analisar o sentido de democracia expresso na Constituição de 1988, Luis Fer- nando Barzotto afirma tratar-se de uma democracia deliberativa, fundada na razão prática (dialógica). Para o autor, a República brasileira está estruturada, no documen- to, teleologicamente, pois tem em vista objetivos, finalidades, bens a realizar. E estes dizem respeito ao povo, entendido como uma comunidade de pessoas humanas. Para a Constituição, a justiça é um valor supremo: a justiça social e a justiça particular. “O Estado de Direito, para a constituição brasileira, é um Estado de justiça” (BAR- ZOTTO, Luis Fernando. A democracia na Constituição de 1988. In: A democracia na constituição. São Leopoldo: UNISINOS, 2003.p.189). Portanto, “A constituição brasileira não é neutra acerca do que é a vida boa para o ser humano” (Idem, p.193). Liberdade, saúde, segurança, educação; todos estes fins estão a serviço da realização da “dignidade da pessoa humana”. Se “(...) a pessoa humana é mais do que a natureza humana. É a natureza humana somada ao ‘ato de existir’ de um indivíduo concreto” (Idem, p.195) e se “(...) a pessoa humana é um ser relacional ou social” (Idem, p.197), o jogo entre o individual e o coletivo é bem mais complexo do que pode parecer. A Constituição de 1988 tomou para si o desafio de dar conta desta complexidade. Barzotto oferece, em seu texto, um conceito de democracia deliberativa que pode nos ajudar a compreender algumas das razões por que a expressão do sintético não lo- grou êxito em nosso texto constitucional, fazendo ele, ao contrário, o elogio do prolixo:

A democracia deliberativa é o governo dos muitos, ou seja, é a democracia que assume a pluralidade da condição humana 49 (Arendt), o fato de que nós somos diferentes, e que o mundo se apresenta para cada um de modo distinto. A determinação racional do conteúdo dos conceitos de vida boa e de bem comum presentes no texto constitucional exige o pluralismo, isto é, a consideração do maior número de pontos de vista possíveis (BARZOTTO, Idem, p.204).

Neste sentido, um dos avanços da Constituição de 1988 foi ter constituído uma instância garantidora dos direitos e das garantias individuais autônoma do Poder Executivo, a ponto de ter legitimidade para litigar contra o Governo (v. também a Constituição Estadual, art.107 a 113). Desde a promulgação desta Carta, o Ministério Público é a instituição que fiscaliza de perto a preservação dos direitos assegurados ao cidadão (cf. BAJER, Paula. Processo penal e cidadania. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. p.50). Diz Gunter Axt a este respeito:

Pela primeira vez, um texto constitucional disciplinou de forma orgânica e harmônica a organização e as atribuições da instituição no País. (...) Na área criminal, a Constituição explicitou que ao Ministério Público competia, privadamente, a promoção da ação penal pública. Conferiu-lhe ainda o exercício do controle externo da atividade policial, na forma de lei complementar de iniciativa da instituição, ao nível federal e estadual. Permitiu-lhe requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial. Na área cível, além da promoção da ação de inconstitucionalidade, a Constituição passou a reconhecer ao Ministério Público a função de defesa dos interesses indígenas em juízo e a promoção da ação civil pública. Alem disso, a Constituição deferiu explicitamente ao Ministério Público a vigilância da probidade administrativa dos governantes (AXT, Gunter. O Ministério Público do Rio Grande do Sul. Evolução Histórica. Porto Alegre: Procuradoria-Geral de Justiça. Projeto Memória, 2001. p.127-8).

No momento em que era promulgada a Constituição Federal, os deputados gaú- chos se pronunciavam sobre ela. O Deputado Jauri Oliveira (PMDB/PSB) destacava a sua superior representatividade e legitimidade frente às Constituições anteriores feitas pelos militares. Reconhecia seus avanços no campo institucional e social, mas iden- tificava retrocesso na questão agrária, por exemplo. O Deputado Sanchotene Felice (PMDB/PL), por sua vez, chamava a atenção para o fato de que a Constituição, por si só, não resolveria os problemas nacionais. Já o Deputado Raul Pont (PT), na mesma sessão, fazia duras críticas ao processo de construção da Constituição, renegando, por isto, sua legitimidade:

Votamos não a essa Carta porque foi fraudada desde o seu início. Não tivemos uma Assembléia Nacional Constituinte soberana, 50 nem democrática e muito menos exclusiva. Esta Carta já nasce fraudada pela figura de um Congresso Constituinte, onde a desigualdade de condições de voto marcava os Constituintes. (...) As razões, além das apontadas, que nos levaram a negar esta Constituição, são no sentido de que, durante todo o transcorrer de sua apreciação, ela foi tutelada pelo Poder Executivo e pelas Forças Armadas. Pelo Poder Executivo, através da corrupção mais desenfreada que já conheceu a história deste País, através de verbas públicas, comprando-se abertamente parlamentares com doações de canais de rádio e televisão, com remessas de recursos para as cidades por eles indicadas. (...) A tutela militar manifestou-se em vários momentos. Para exemplificar, talvez o mais grave tenha sido a ameaça de golpe, que era transmitida às lideranças partidárias, às lideranças de bancada – via imprensa, via reuniões dentro do próprio Congresso – quando se votava o mandato do Presidente José Sarney (Raul Pont; Plenário da Assembléia Legislativa, 05 de outubro de 1988).

Quase um ano depois, os membros do PT na Constituinte Estadual protagoni- zaram uma cena inusitada. Por decisão do Diretório Estadual do Partido, a bancada votou contra o texto final; mas, depois, assinou a Carta no ato de sua promulgação (cf. AXT, Gunter. A constituinte de 1989. História da Constituição dos Gaúchos. 2aed. Porto Alegre: ALRS, 1999. p.60).

* * * * *

As eleições de 1986, no Rio Grande do Sul, definiram os deputados que iriam compor a Assembléia Constituinte Estadual, a ser instalada durante os trabalhos da 47a Legislatura (1987-1990). Tendo iniciado os trabalhos no dia 26 de outubro de 1988, três semanas após a promulgação da Carta Federal, a Constituição do Rio Gran- de do Sul foi promulgada no dia 03 de outubro de 1989, resultando de um intenso labor de onze meses. Esta eleição colocou, no governo do estado, o Senador Pedro Simon (41,68% dos votos) – tendo ficado a coligação PDT-PDS na segunda colocação (com 23,65% dos votos), e proporcionou ao PMDB o número majoritário de cadeiras tanto para a Câma- ra Federal (17) quanto para a Assembléia Legislativa do estado (27). Este é o primeiro pleito em que o Partido dos Trabalhadores constitui bancada, com a eleição de 4 de- putados (Raul Pont, José Fortunati, Adão Pretto e Selvino Heck). O Partido da Frente Liberal, criado em janeiro de 1985 (após a eleição de Tancredo Neves para Presidente da República), conquista uma representação maior que a do PT – que já tinha então quase sete anos de existência -, somando, o PFL, 5 assentos na Assembléia (Germano Bonow, Athos Rodrigues, Elói Zanella, Tufy Salomão e Nestor Schneider). O PDS e o PDT, por sua vez, fazem a segunda e a terceira maior representação, com 10 e 9 vagas 51 respectivamente. Vimos, anteriormente, que nova bancada seria criada (PSDB), com a saída de Ecléa Fernandes do partido do governo no início da constituinte estadual. Ao lado dela, apenas Hilda de Souza (PMDB) e Jussara Cony (PMDB/PC do B) – embora por um curto espaço de tempo – compuseram a representação feminina nesta legislatu- ra (v. NOLL, Maria Izabel e TRINDADE, Hélgio. Estatísticas eleitorais comparativas do Rio Grande do Sul. 1945-1994. Porto Alegre: ALRS / Editora da UFRGS, 1995. p.254, 266, 272 e AXT, Gunter. A constituinte de 1989. História da Constituição dos Gaúchos. 2a ed. Porto Alegre: ALRS, 1999. p.76-8). O historiador Gunter Axt, especialista na história política do Rio Grande do Sul do período da República Velha, fez um trabalho primoroso reconstituindo os momentos mais importantes da Constituinte gaúcha de 1988-9. Sobre o seu resultado, afirma:

(...) pela primeira vez em sua história o Rio Grande teve um processo constituinte que se desdobrou inteiramente livre de eventuais interferências desviantes do Poder Executivo. Tenho esta convicção porque pela primeira vez o Rio Grande teve uma Constituição assinada por todos os deputados constituintes e que não foi fruto da vontade preponderante de um partido ou de um líder (AXT, Gunter. Idem, p.17).

Eleita já no âmbito do regime democrático instalado em 1985, a 47a Legislatura irá incorporar – para fazer disto uma louvável tradição na Assembléia – a prática de constituir mesas diretoras pluripartidárias (v. Constituição Estadual, art.53, XXXIII), o que faz com que todas as legendas se vejam representadas nas diferentes funções adstritas às mesmas. Na Sessão Solene de Instalação daquela Legislatura, o Presidente que saía, Valdomi- ro Lima (PDT), ao mesmo tempo em que reconhecia a homologia que unia a Assembléia à sociedade nos seus méritos e defeitos, chamava a atenção para o caráter transparente do Parlamento Gaúcho. Lamentava a “campanha difamatória deliberada” feita contra o Parlamento, contra-argumentando que “(...) os deputados, ao longo do exercício dos seus mandatos, perdem praticamente o patrimônio”. Trazia ainda a compreensão parti- cular que sustentava sobre a atuação daquele que detinha este cargo eletivo:

(...) o deputado comprometido com setores populares é aquele que escuta e que vai conhecer o problema de suas bases “in loco” e que procura esmiuçá-lo, dominá-lo, para que possa, nas Comissões Técnicas da Assembléia, através de exaustivos estudos, oferecer a melhor solução para que eles não mais existam, e não aquele deputado do discurso bonito, mas que desconhece inclusive a sociedade pela qual foi eleito ( Deputado Valdomiro Lima; Plenário da Assembléia Legislativa, 31 de janeiro de 1987). 52 O Presidente que assumia a direção dos trabalhos, Deputado Algir Lorenzon (PMDB), destaca a tarefa da elaboração da Constituição Estadual, que se coloca pela frente, saúda os deputados de todas as bancadas e afirma, num tom conciliador, quem são os mandantes a quem os parlamentares devem fidelidade:

Nossas vozes haverão de falar pelos empresários, pelos trabalhadores, pelos estudantes, pelos agricultores, pelos profissionais liberais, pelas donas-de-casa e também pelos desprotegidos, pelos carentes, pelos desempregados, pelos presidiários, não afastando jamais a idéia de que fomos para cá trazidos por cinco milhões de eleitores, mas que representamos, isso sim, oito milhões e meio de cidadãos rio-grandenses (Deputado Algin Lorenzon; Plenário da Assembléia Legislativa, 31 de janeiro de 1987).

De fato, os trabalhos da Assembléia Constituinte Estadual demonstraram a intensa participação dos mais diversos setores da sociedade, com propostas que – pretendiam - fossem incorporadas no texto final. Nas várias fases do processo, ao longo dos onze meses, inúmeras entidades compareceram à Casa do Povo para se fazer ouvir e para tentar falar por meio de seus representantes. Os grupos de pressão foram utilizados para fazer valer os interesses de muitos segmentos da sociedade organizada:

No balanço final dos 75 dias de trabalho das comissões temáticas foram protocoladas 2.750 emendas. Destas, 274, ou 10% do total, eram populares. Reuniam um conjunto de assinaturas que equivalia a cerca de 5% do eleitorado gaúcho. Outras 86 emendas foram encaminhadas pelos poderes Executivo e Judiciário: registravam 3% do total. A maior parte, 2.390, tinha origem no trabalho dos parlamentares, perfazendo 87% do total (AXT, Gunter. Idem, p.46).

Não devemos imaginar, contudo, que a pressão exercida por estes grupos se cons- titua numa interferência exógena e ilegítima no processo de construção da Carta. Cer- tamente houve, em muitas ocasiões e para muitos propósitos, a comunhão de interesses destas forças da sociedade com a própria representação parlamentar. Se, como vimos anteriormente, não houve pressão do governo do estado no sentido de tentar tutelar os trabalhos da Constituinte, em boa medida este fato se deve à simples razão de que o PMDB, partido do governo, detinha a representação majoritária na Assembléia nesta legislatura. Coincidentemente, observamos o mesmo fenômeno em nível da Assembléia Nacional Constituinte. Ricardo Corrêa Coelho percebe, para este caso, que o “controle das decisões continuou (...) estritamente partidário e orientado pelo PMDB “ (apud RO- DRIGUES, Leôncio Martins. Partidos, ideologia e composição social. Um estudo das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. São Paulo: Edusp, 2002. p.34). 53 Ao lado disto, é importante considerar uma variável poucas vezes discutida e que joga um papel fundamental no curso das decisões tomadas em qualquer casa par- lamentar, seja no âmbito da representação federal, estadual ou municipal. Estou me referindo às “lideranças partidárias” que, quase sempre, formam os “núcleos domi- nantes” dos partidos (RODRIGUES, Leôncio Martins. Idem, p.36). Débora Messen- berg explicita, em seu estudo, os atributos que concorrem para a incorporação de um parlamentar a este seleto grupo:

(...) a ascendência de um parlamentar à elite encontra- se relacionada a certos condicionantes, que podem ser atendidos de forma parcial ou total, aludindo principalmente às seguintes questões: a ocupação de postos-chave do Poder Legislativo, a representação de interesses sociais e/ou institucionais organizados e a posse individual de faculdades ‘especiais’ reconhecidas entre os membros dessa comunidade como próprias de um líder (MESSENBERG, Débora. Idem, p.16).

Elegendo como universo de pesquisa deputados que integraram a Câmara Alta brasileira no período de 1989 a 1994 - portanto, no pós-Constituinte –, a autora detec- tou que o Rio Grande do Sul foi o segundo estado da federação a concentrar as elites políticas parlamentares, com 14,9%, ao lado do Rio de Janeiro, e atrás apenas de São Paulo. Este agregava 23,3% das lideranças (MESSENBERG, Débora. Idem, p.72). Messenberg explica a importância do estado mais meridional do país na composição de forças nacionais da seguinte maneira:

(...) é oportuno ressaltar que, além da forte tradição política do Estado, refletida na ampla e decisiva participação dos gaúchos na vida pública nacional, existe uma excelência nos indicadores socioeconômicos registrados em boa parte de seus municípios. Com efeito, dentre todos os Estados do país, o Rio Grande do Sul é o que apresenta os melhores índices de qualidade de vida (MESSENBERG, Débora. Idem, p.73).

Atestando, em consonância com os depoimentos concedidos, que os congressis- tas do Sul e do Sudeste apresentam os maiores índices de fidelidade partidária – ou seja, as taxas de rotatividade de partido são baixas – (MESSENBERG, Débora. Idem, p.93), a autora elege, do Rio Grande do Sul, Pedro Simon, Odacir Klein e Nelson Jobim para justificar seus argumentos. Jobim, que teve destacada atuação na Consti- tuinte Nacional, auxiliou também a bancada do PMDB gaúcho no debate constituinte estadual. Simon, em seu discurso e no entendimento da autora, consuma o “mito do complô” (cf. Raoul Girardet) na tentativa de explicar sua derrota para o governo do Estado em 1982. Embora extemporaneamente em nosso texto, vale a pena reproduzir sua percepção daquele momento: 54 Em 1982 eu fui candidato a governador. Entre aspas “perdi”, mas na realidade ganhei e não levei, porque eu fui... Verifiquei a mesma fraude que o Brizola teve no Rio de Janeiro, quando ele se elegeu em 1982 e que a Embaixada da Alemanha nos avisou que ia ter... Aqui eu não fui avisado, não tivemos força e se consumou (Depoimento de Pedro Simon a Débora Messenberg. Idem, p.128).

Mas afinal, quem eram os deputados gaúchos na Constituinte Estadual de 1988- 9? Qual a sua origem geográfica e profissional, e o seu perfil?

Dos 55 deputados eleitos a maior parte deles tinha sua base eleitoral na Grande Porto Alegre, Vale dos Sinos e nordeste do Rio Grande do Sul, computando cerca de 31%. A região do Planalto e das Missões elegera outros 30%. Seis deputados receberam votos no Estado todo. A maior parte dos parlamentares, 52,7%, tinha entre 45 e 54 anos de idade. Havia apenas duas mulheres para 53 homens. Quase 30% dos eleitos eram juristas; 67% chegaram à Assembléia em primeiro mandato; apenas 9% possuíam mais de dois mandatos. A renovação dos quadros políticos era muito grande (AXT, Gunter. Idem, p.31).

Novamente, uma coincidência com a Assembléia Nacional Constituinte. A reno- vação dos parlamentares, muito embora as críticas dos que reivindicavam uma As- sembléia Exclusiva, era da ordem de quase 60% dos mandatos (cf. RODRIGUES, Leôncio Martins. Idem, p.35). No caso da Assembléia gaúcha, que nos interessa mais de perto, e levando-se em conta apenas a Comissão de Sistematização da Constituinte, dispomos no quadro abaixo alguns dados sobre o Presidente e os Relatores:

Quadro feito a partir dos Anexos II e IV de AXT, Gunter. A Constituinte de 1989. História da Constituição dos Gaúchos. 2ª ed. Porto Alegre: ALRS, 1999. p. 79-80 e 89.

55 Embora o PDS tivesse a segunda maior representação na Assembléia, bastante distante do PMDB, Jarbas Lima foi o escolhido para presidir a Comissão. Ao lado de eventuais acordos partidários na divisão dos cargos, este fato explica-se, em boa medida, pelo amplo conhecimento jurídico reconhecido ao parlamentar e ao fato de estar cumprindo a quarta legislatura. Não obstante a menor experiência de todos os demais membros da Comissão, é um dado significativo que todos eles tenham forma- ção jurídica. De alguma maneira, o capital intelectual específico contribuiu à elevação destes cinco nomes à tarefa de dar forma final ao texto constitucional; trabalho este que, talvez, pudesse ser melhor exercido por estas lideranças. Gunter Axt destaca que a negociação foi o motor de todo o processo. O Plená- rio, que não ofereceu problemas de quorum, participou ativamente das discussões, e os parlamentares, à exceção do PT, não se submeteram integralmente às diretrizes traçadas pelas legendas às quais pertenciam. Se as críticas mais fortes ao texto consti- tucional partiram do Partido dos Trabalhadores, o PDS e o PFL foram os mais condes- cendentes com o resultado final. No ato da promulgação, o Deputado Celso Bernardi (PDS) apontava que a Carta “(...) expressa a razão média da população sul-rio-grandense”. Já o líder da Bancada do PFL, Deputado Antonio Carlos Azevedo, elogiava a “solidariedade” e o “consen- so” como virtudes expressas no texto constitucional. Mendes Ribeiro Filho também destacou, em seu discurso, “(...) a busca permanente do consenso” como “idéia-força” (Deputados Celso Bernardi, Antonio Carlos Azevedo e Mendes Ribeiro Filho; Sessão Solene de Promulgação da Constituição Estadual, 03 de outubro de 1989). As críticas desferidas pelo Deputado José Fortunati (PT) são, de fato, as mais du- ras e tocam em questões fulcrais da administração do futuro próximo do Estado, como a polêmica das privatizações, a mais recorrente dos anos 1990:

Quanto às despesas do Estado, o quanto e como ele gasta seus recursos, manteve-se uma situação funcional por todos conhecida como caótica, pesada e injusta. Foram mantidas as diferenciações e os múltiplos quadros funcionais, impedindo a isonomia constitucional e a própria justiça funcional, mantendo o funcionalismo público preso à lógica corporativa e economicista em suas relações internas e diante do próprio Estado. Não é demais lembrar que as permanentes campanhas antifuncionalismo público, antiempresas públicas, pela privatização das empresas estatais, se apóia decididamente num longo e continuado processo de sucateamento das empresas e do serviço público (...). (...) consagrou-se a desestruturação da máquina administrativa, os privilégios da relação empresariado-estado, a confusão da estrutura funcional (Deputado José Fortunati; Sessão Solene de Promulgação da Constituição Estadual, 03 de outubro de 1989). 56 Texto longo (268 artigos), qual a Constituição Federal, a oitava Constituição do Rio Grande do Sul, pelo acento colocado na parte social, não poderia ser menos que um texto analítico (cf. AXT, Gunter. Idem, p.70-75). O Presidente da Sessão, Deputado Gleno Scherer (PMDB), justifica, em seu discurso, esta opção: “Diante do nosso qua- dro social, exageradamente heterogêneo, impossível uma Constituição sintética, como desejavam os puristas” (Deputado Gleno Scherer; Sessão Solene de Promulgação da Constituição Estadual, 03 de outubro de 1989). Alguns destaques podem ser feitos às conquistas alcançadas (embora algumas vezes descumpridas pelo Poder Executivo), como por exemplo: a destinação de 35% do orçamento estadual para a educação; a virtual eleição de diretores de escolas pela comunidade escolar; e a destinação de 1,5% do orçamento para ciência e tecnologia (cf. AXT, Gunter. Idem, p.67). Restabelecidas as eleições diretas para Governador de Estado (1982) e para Pre- feito (1985), consolidadas as bases de uma nova ordem Constitucional, em nível na- cional (1988) e em âmbito estadual (1989), a Federação e o Estado do Rio Grande do Sul caminhariam, finalmente, para a grande conquista em termos eleitorais: a escolha do maior mandatário do país, em eleições diretas para Presidente da República (1989); a primeira desde 1960. O final dos anos 1980 alimentaria muitos outros sonhos. A década seguinte talvez não pudesse cumprir todos. A normalização da ordem jurídica impunha, a partir de agora, sua reversibilidade social.

57 4. A DÉCADA DE 1990 ESPREITA O SÉCULO XXI: DESAFIOS QUE O PRESENTE PROPÕE PARA O FUTURO PRÓXIMO.

primeira eleição direta para Presidente da República desde 1960 iria consagrar a força da mídia eletrônica na formação da opinião pública. AFernando Collor de Mello foi eleito, em segundo turno, com 37,8% dos votos, ao passo que Luís Inácio Lula da Silva (PT), na sua primeira tentativa de alcan- çar o Palácio do Planalto, fez 31% dos votos. O candidato de um partido de ficção, o PRN, através de um discurso politicamente moralizador (contra a corrupção e contra os marajás) e economicamente modernizante, conseguiu tocar a sensibilidade de um amplo espectro do eleitorado. Este foi um triste exemplo, na história política brasileira recente, em que a arena política se transformou no campo de uma luta individual do bem contra o mal. O cetro da virtude extrema empunhado por Collor – o tempo fez a tarefa de revelar – não passava de encenação, e os vícios que o então candidato reco- nhecia em seus adversários acabaram se voltando sobre ele mesmo e contra o pequeno grupo que lhe cercava junto ao poder. As acusações de corrupção feitas pelo irmão do Presidente avançaram para uma larga investigação parlamentar que resultou em um processo de impeachment pelo qual Collor foi, no final de 1992, afastado definitiva- mente do cargo e teve a perda dos direitos políticos por oito anos. Este fato, inusitado na história política brasileira, ofereceria um termo caro à pauta política dos anos 1990: a ética na política. A situação econômica e social do país não foi substancialmente alterada desde a instalação da “Nova República”, em 1985. Os sucessivos planos econômicos implan- tados no decorrer do governo do Presidente Sarney (1985-1990) não lograram suces- so, a não ser a capitalização política feita pelo PMDB do “Plano Cruzado” – quando este recém começava a fazer água – nas eleições de 1986. Alguns indicadores revelam a persistência da crise econômica após o término do Regime Militar e apontam que não existe congruência necessária entre crise institucional e situação econômica. Se a falta de legitimidade dos governos militares não contribuía à solução dos graves problemas nacionais, a existência de um governo com relativa sustentação popular, de outra parte, não acarretava a dissolução dos impasses estruturais que entravavam o crescimento econômico do país, sua sustentabilidade e, mais do que isto, o desenvol- vimento como um todo da nação. O valor do salário mínimo, por exemplo, vertido em dólar, teve sucessivas quedas de 1986 a 1992 para, timidamente, experimentar uma subida de 1993 a 1995. Excetu- ando-se o ano atípico de 1986 – pela situação artificial criada pelo “Plano Cruzado” – os índices de inflação foram muito elevados entre 1987 e 1994. No início dos anos 58 90, “(...) somente 5,8% da população recebem mais de 10 salários mínimos por mês, caracterizando uma sociedade bastante desigual e injusta” (TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Brasil, em direção ao séc. XXI. In: LINHARES, Yeda. História Geral do Brasil. 6aed. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p.335-379). Mais do que isto, o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva chama a atenção para a inexistência de correspondência necessária entre queda nas taxas de inflação e melhoria na qualidade de vida da população:

Ainda não se percebia, como ainda hoje pouco se percebe, que inflação e pobreza não são necessariamente fenômenos idênticos; era possível acabar com a inflação sem acabar com a imensa pobreza vigente no país. Para a eliminação da pobreza precisava-se de políticas globais contra as injustiças sociais, a desigualdade e a imensa concentração de renda existente (TEIXEIRA DA SILVA. Idem, p. 358).

Escrito no início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995- 1998), talvez fosse necessário considerar agora, numa visão retrospectiva daquilo que resultou o Plano Real instituído no final de 1993 pelo então Ministro da Fazenda de Itamar Franco, alguns resultados benéficos do referido Plano, especialmente no aumento da capacidade de consumo da população de baixa renda, tendo em vista a possibilidade de se fazer um planejamento de custos que onerasse menos o bolso das famílias pobres e/ou assalariadas. Para esta finalidade, o fato de os índices de inflação não terem ultrapassado o patamar de 10% ao ano desde 1996 até hoje (2004), segundo levantamento da FIPE, deve ser reconhecido (cf. O Sul, 02/01/2005, Caderno Repor- tagem, p.3). De qualquer maneira, o diagnóstico feito por Teixeira da Silva, no geral, perma- nece válido hoje na análise que faz dos grandes desafios enfrentados na primeira me- tade dos anos 1990. O perfil industrial do Brasil permanece atrasado relativamente aos grandes centros de produção mundial. O “desemprego tecnológico” é uma realidade observada não apenas nas atividades produtivas e no sistema bancário, mas começa também a se expressar no próprio sistema educacional, a julgar pela situação do Ensi- no Superior, que vive hoje – especialmente nas instituições privadas – uma situação de concorrência no limite do selvagem. O racismo, tornado crime inafiançável pela Carta de 1988, continua a fazer vítimas dezessete anos após sua promulgação. Recentemen- te, dois jovens negros de uma família de classe média que estavam correndo para não perder o horário da prova do Vestibular, em Porto Alegre, foram abordados por três policiais militares de armas em punho, supondo serem os rapazes assaltantes (cf. Zero Hora, 11/01/2005, p.34 e 12/01/2005, p.4, 5, 16 e 55). Ao avançarmos para o início do século XXI e ao levarmos em conta a situação es- pecífica do Rio Grande do Sul, constatamos que o elogio feito ao fato de o estado deter a “melhor qualidade de vida do Brasil” serve muito menos como diagnóstico preciso 59 da real situação vivida pela população gaúcha do que exercício retórico de auto-elogio feito pelos próprios gaúchos – no sentido de construir uma identidade diacrítica de su- perioridade em relação aos demais estados da Federação – ou de elogio externo – que pode visar, eventualmente, desresponsabilizar financeiramente o Estado brasileiro de possíveis obrigações que mantenha com o estado sulino. Se, de fato, é o Rio Grande do Sul – ao lado de Santa Catarina – o estado com o menor índice de população abaixo da linha de pobreza, este número chega a 17,5% da população em 2000. Aqui, a expectativa de vida alcança 71 anos, colocando o es- tado na primeira posição. Da mesma forma ocupa a melhor posição – e inversamente – quanto à taxa de mortalidade, de 19,4%. A taxa de analfabetismo entre maiores de 15 anos de idade atinge 6,8% da população, mas o analfabetismo funcional é de 20,2%. Todos estes dados referem-se ao final da década de 1990 (cf. MAGNOLI, Demétrio; OLIVEIRA, Giovana e MENEGOTO, Ricardo. Cenário Gaúcho. Representações his- tóricas e geográficas. São Paulo: Moderna, 2001. p.95-6). Se o panorama industrial brasileiro não é dos mais promissores, a participação do Rio Grande do Sul na produção industrial do país, percentualmente, tem-se mostrado praticamente estagnada há décadas (8,0% em 1958; 7,3% em 1980 e 8,4% em 1991), embora a perda mais significativa encontre-se no estado do Rio de Janeiro, numa perspectiva de mais longa duração. De outro lado, a metropolização é um fenômeno identificável em todo o país e, no caso do Rio Grande do Sul, a Região Metropolitana de Porto Alegre tem-se constituído num importante pólo industrial emergente, com mais força desde a segunda metade da década de 1990 (especialmente as cidades de Gravataí, Cachoeirinha e Viamão). Mas o crescimento populacional desta região de- safia os governantes a enfrentar questões sociais, de infra-estrutura e de saneamento de grande monta. “A Região Metropolitana de Porto Alegre, que tinha pouco mais de 1,5 milhão de habitantes em 1970, aproximava-se de 3,5 milhões em 2000” (cf. MAGNOLI, OLIVEIRA e MENEGOTO. Idem, p.60, 64 e 97). Esta relação entre crescimento industrial e aumento da população não produz necessariamente uma equação favorável, do ponto de vista social. Os dados sobre a evolução do desemprego no Rio Grande do Sul são bastante preocupantes, dadas as perspectivas desfavoráveis projetadas para o curto prazo:

As taxas de desemprego na RMPA [Região Metropolitana de Porto Alegre], segundo a PME (Pesquisa Mensal de Emprego) do IBGE, mostram que o desemprego aberto passou de 3,9%, em dezembro de 1992, para 6,3%, em 1999. Além disso, a população regularmente empregada no estado caiu de 1.880.000, em 1989, para 1.761.000, em 1997, ou seja, houve um recuo de 6,3%, o que significa a extinção de 119 mil postos em oito anos. Dessa forma, o crescimento do desemprego tem sido pequeno, mas constante, podendo levar a sérias crises sociais (MAGNOLI, OLIVEIRA e MENEGOTO. Idem, p.68). 60 Em pesquisa recém concluída, Regina Weber oferece um diagnóstico de setores da juventude das cidades de Cachoeirinha e Gravataí, e de suas práticas sócio-cultu- rais ao longo da década de 1980. Com um forte referencial proveniente dos estudos antropológicos – e tomando como contraponto de análise alguns estudos sobre cultura operária e popular inglesa -, a autora traz a vivência destes jovens metropolitanos a partir da auto-representação que os mesmos são capazes de elaborar sobre si. O maior valor de sua obra é o de mostrar que culturas que se estruturam na periferia dos grandes centros urbanos são capazes de produzir códigos próprios, ao mesmo tempo em que realizam interlocução com formas de sociabilidade que não são exatamente as suas. Embora se associe estes municípios, o mais das vezes, a um determinado pa- drão de vida sócio-profissional, em que o trabalho assalariado de baixa remuneração nos setores industrial e comercial é predominante, Weber demonstra, por meio de um trabalho empírico rigoroso, situações de inversão deste padrão esperado: “(...) causou surpresa (...) os padrões culturais do grupo de jovens estudados que remetem a uma cultura de classe média relativamente intelectualizada ou, na falta de outro termo, ‘alternativa’” (WEBER, Regina. Os rapazes da RS-030. Jovens metropolitanos nos anos 80. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p.18). Junto a isto, a autora discute os tipos específicos de situações que a vivência social da rua – nas tribos e gangues – gera nestes espaços vistos com preconceito, para quem está de fora. Este estudo nos faz pensar que é preciso considerar como legítimas formas de exercício da cidadania que passam por outros protocolos que não apenas aqueles que regem o mundo dos cidadãos numa certa acepção liberal clássica de realização da política.

* * * * *

Em termos da política partidária estadual, os anos de 1990 iniciam com a posse de Alceu Collares como governador do estado, eleito em segundo turno. Com Collares, o PDT irá governar o Rio Grande do Sul na primeira metade da década (1991 a 1995). Pedro Simon volta ao Senado com uma maciça votação (30,17% dos votos). Na As- sembléia Legislativa, as bancadas do PDT, do PDS e do PMDB fazem, praticamente, o mesmo número de cadeiras (13, 13 e 12); o PT aumenta uma vaga em relação à legislatura anterior (5 cadeiras); e o dado novo é a significativa votação do PTB, que conquista 8 vagas, com quase 10% dos votos (cf. NOLL, Maria Izabel e TRINDADE, Hélgio. Estatísticas Eleitorais Comparativas do Rio Grande do Sul. 1945-1994. Ed. Da UFRGS / ALRS, 1995. p.311, 325 e 333). Percebe-se, com isto, que o quadro partidário começa a ficar mais complexo no Estado, com uma distribuição menos desigual do espaço político parlamentar, o que irá requerer maior negociação entre as lideranças políticas. Na Sessão de Instalação da 48a Legislatura, o Deputado que deixa a Presidência da Casa, Gleno Scherer (PMDB), faz um discurso no qual demonstra reiterada preo- cupação com a imagem que o Poder Legislativo tem na sociedade e a capacidade de estabelecer uma comunicação eficaz com a mesma. Diz ele: 61 Muito temos a aprender e longo caminho a percorrer: aprofundar, melhorar o relacionamento institucional com a sociedade, com todos os setores organizados; desburocratizar, desregulamentar o acesso às instâncias do poder. Esta Casa precisa, vive da liderança civil, da ação política cotidiana, indicando os rumos da sociedade (Deputado Gleno Scherer; Sessão de Instalação da 48a Legislatura, 31 de janeiro de 1991).

No mesmo sentido, Gleno Scherer critica a “busca voluptuosa da evidência” entre os deputados, chamando a atenção para a demanda à “conduta ética do parlamentar”. A seguir, o Deputado César Schirmer (PMDB), que assumiu a Presidência da Mesa Diretora, reafirmou os pontos destacados pelo presidente anterior, fazendo, desta vez, a defesa do Parlamento:

Não queremos ser um caro, inútil, despreparado, ineficaz e desacreditado departamento de pessoal do Poder Público Estadual (...). É bom que se diga que o Poder que legisla, fiscaliza, controla e propõe, guardião da Constituição e da Lei, tem apenas 1,4% do Orçamento Estadual, bem menos que outros poderes de Estado, que outras secretarias, empresas públicas e fundações (...) A ética é a afirmação da ação sobre a retórica, da verdade sobre a mentira, da sinceridade sobre o falso, da transparência sobre o logro, da firmeza sobre a indecisão, da esperança sobre a descrença (Deputado César Schirmer; Sessão de Instalação da 48a Legislatura, 31 de janeiro de 1991).

Nesta mesma Legislatura, sob a Presidência do Deputado Renan Kurtz (PDT), e atendendo a uma disposição da Constituição Estadual de 1989 (art.53, inciso X), a As- sembléia Legislativa institui o Código de Ética Parlamentar (Resolução n.2.514, de 30 de novembro de 1993). Em seu artigo segundo, são expressos os princípios que devem nortear a atividade parlamentar: legalidade, democracia, livre acesso, representativi- dade, supremacia do Plenário, transparência, função social da atividade parlamentar e boa-fé. Nele consta a instituição da Comissão de Ética Parlamentar que, entre outras competências, deve: “promover cursos preparatórios sobre a ética, a atividade parla- mentar e o Regimento, os quais serão obrigatórios para os Deputados no exercício do primeiro mandato” ; “receber declaração de renda dos Parlamentares ao início e ao final de cada legislatura”. No Capítulo V que trata “Dos deveres dos deputados”, o artigo 33 reza o seguinte:

I- agir de acordo com a boa-fé; II- respeitar a propriedade intelectual das proposições; III- não fraudar as votações em Plenário; 62 IV- eximir-se de manipular recursos do orçamento para beneficiar regiões de seu interesse, de forma injustificada, ou de obstruir maliciosamente proposições de iniciativa de outro poder; V- distribuir, criteriosamente, os auxílios e benefícios destinados a instituições e pessoas carentes, sem utiliza-los em proveito próprio; VI- não perceber vantagens indevidas, tais como doações, benefícios ou cortesias de empresas, grupos econômicos ou autoridades públicas, ressalvados brindes sem valor econômico; VII- exercer a atividade com zelo e probidade; VIII- combater o nepotismo; IX- coibir a falsidade de documentos; X- defender, com independência, os direitos e prerrogativas parlamentares e a reputação dos Deputados; XI- recusar o patrocínio de proposições ou pleito que considere imoral ou ilícito; XII- atender às obrigações político-partidárias; XIII- não portar arma no recinto da Assembléia Legislativa; XIV- denunciar qualquer infração a preceito deste Código.

Aprovado num contexto político nacional em que as discussões sobre corrup- ção político-administrativa tomaram conta do debate jornalístico e parlamentar (Caso Collor-PC Farias), a instituição do Código de Ética Parlamentar certamente foi uma medida positiva no sentido da qualificação do trabalho da Assembléia Gaúcha. O ru- moroso caso do assassinato do Deputado José Antônio Daudt (PMDB), na vigência da Legislatura anterior (04/06/1988), e as suspeitas de autoria que recaíram sobre um colega seu de bancada, Antônio Dexheimer, atingiram profundamente a imagem do Legislativo Gaúcho na ocasião. O fato de ter sido julgado por foro privilegiado (os desembargadores do Pleno do Tribunal de Justiça) e não por um Tribunal Popular (já que se tratava de crime contra a vida e sem vinculação à atividade parlamentar) foi motivo de celeuma à época. A condição de réu em potencial de Dexheimer criou alguns constrangimentos no trabalho da Constituinte (v. AXT, Gunter. A Constituinte de 1989. História da Constituição dos Gaúchos. 2a ed. Porto Alegre: ALRS, 1999, p.42-3). Segundo o Promotor Daltro de Aguiar Chaves,

Antônio Dexheimer, emérito caçador, depois de denunciado e na posição de réu em processo crime, foi eleito por seus pares do partido para a presidência da Comissão Temática de Defesa dos Cidadãos, Saúde e Meio Ambiente. Colocá-lo para presidir exatamente essa comissão naquele momento se constituiu não só numa ironia, mas também num escárnio à população rio- grandense (CHAVES, Daltro de Aguiar. Caso Daudt: A morte à procura de um autor. Porto Alegre: Sulina, 1990. p.63). 63 Em julgamento iniciado no dia 20 de agosto de 1990, no Palácio da Justiça, e que se prolongou por três dias, sendo inclusive televisionado o voto dos desembargadores ao vivo em canal aberto, o Deputado Antônio Dexheimer, por maioria de votos, foi absolvido da imputação contida na denúncia (CHAVES, Idem, p.95-6). Com certeza, este episódio contribuiu ao fortalecimento das convicções expressas no Código de Ética Parlamentar aprovado em 1993. No final desta Legislatura (48a), a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, presidida pelo Deputado Marcos Rolim (PT), inaugura uma prática que vem ao encontro dos princípios estabelecidos pelo Código de Ética Parlamentar, dando livre-acesso, transparência e demonstrando a função social da ati- vidade dos deputados. A CCDH-ALRS publica em dezembro de 1994, pela primei- ra vez, o Relatório Azul. Trata-se de um importante documento no qual tem-se uma idéia do diagnóstico da violência praticada no estado, em suas múltiplas dimensões e afetando o maior espectro possível de situações e de pessoas (crianças, adolescen- tes, mulheres, prostitutas, travestis, homossexuais, violência policial, presídios, saúde mental, índios, racismo, velhice, fome/miséria, aids, mortos e desaparecidos políticos) (v. Relatório Azul. Garantias e violações dos Direitos Humanos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CCDH-ALRS, 1994). Hoje, completados dez anos deste trabalho exemplar, o ex-deputado Marcos Ro- lim oferece um depoimento da importância do Relatório, tanto para o poder público quanto para a sociedade:

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa prepara uma edição especial do Relatório Azul – 2004, comemorativa aos 10 anos de vida desse que é, desde sua primeira edição, o mais amplo e sistemático documento em Direitos Humanos editado no Brasil. Entre os projetos que tive a satisfação de conceber e coordenar em minha vida, o Relatório Azul ocupa um lugar muito especial. Editei os quatro primeiros relatórios, entre 1994 e 1998, ao lado de uma equipe de assessores que assegurou à comissão um invejável grau de excelência, e fomos testemunhas da importância que ele alcançou, transformando-se em um projeto permanente e no documento mais solicitado à Assembléia Legislativa até hoje. O Relatório Azul é, na verdade, um projeto de monitoramento a respeito das violações e das garantias dos Direitos Humanos no RS. Ele permite uma visão muito concreta a respeito do drama vivido pelas vítimas da violência atendidas diariamente pela comissão. Além desse trabalho, o relatório reúne informações produzidas por várias ONGs e profissionais dedicados à garantia dos direitos fundamentais e agrega os indicadores do Estado a respeito dos temas tratados pela comissão. Tudo isso acaba sendo “amarrado” em textos objetivos que permitem ao leitor uma compreensão geral a respeito de cada um dos temas/ 64 capítulos. Os nomes dos suspeitos ou acusados pelas violações aos Direitos Humanos são preservados, em observação ao princípio constitucional da presunção da inocência. Em muitas oportunidades, o mesmo cuidado é tomado quanto às vítimas , de tal forma que elas não sejam ainda mais expostas. O relatório não faz apenas denúncias de casos de violação, mas destaca também as melhores práticas e as iniciativas meritórias em Direitos Humanos, além de se orientar fortemente para a apresentação de sugestões e para a construção de políticas públicas alternativas. Por conta disso, muitas das propostas apresentadas pelo relatório passaram a influenciar as ações do Estado e inspiraram iniciativas e projetos promissores em muitos municípios. Nunca poderíamos imaginar que o Relatório Azul seria recomendado pelas Nações Unidas e que se transformaria em uma referência incontornável para a militância e os pesquisadores em Direitos Humanos no Brasil. Redigi-lo, de qualquer modo, sempre foi – e acredito que continue sendo – uma tarefa muito difícil. Descobrimos isso quando passamos a rever os casos tratados. Essa tarefa nos colocava em contato com nossos próprios limites. Retomando os casos, encarávamos o abismo que persistia e os silêncios arquivados. A dor se renovava pelo relato e nos trazia novas perguntas. O relatório, então, passou a exercer uma função de monitoramento também sobre o trabalho da comissão, o que contribuiu, em muito, para o seu aperfeiçoamento. Nos tempos difíceis que vivemos, diante da inclinação sempre presente em favor da intolerância e do preconceito e diante do descaso, ainda tão freqüente, do poder público para com as vítimas – estejam elas onde estiverem e sejam quem forem -, o Relatório Azul talvez seja o mais urgente e revelador entre todos os documentos públicos produzidos em nosso Estado (Ex- Deputado Marcos Rolim; Dez Anos do Relatório Azul, Zero Hora, 31/10/2004, p.22).

De uma maneira geral, confrontando-se as ocorrências policiais registradas no período que compreende o governo de Alceu Collares (1991-1994), cujos dados fo- ram fornecidos pela Secretaria da Justiça e Segurança Pública, observa-se uma certa estabilidade nos índices. Aqueles que mais sofreram aumento foram os envolvendo tóxicos, estelionato e roubos. Neste último caso, de 16.664 ocorrências registradas no ano de 1991, passa-se para 25.034 em 1994. As taxas de homicídio mantêm-se estáveis ao longo deste mesmo período (v. Relatório Azul. Garantias e violações dos direitos humanos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CCDH-ALRS, 1994, p.82; e 1995, p.105). Contudo, é no ano de 1994 que ocorre um dos maiores – senão o maior – motim já visto no sistema penitenciário gaúcho, quando, no início de julho, alguns presos se 65 rebelam e protagonizam uma fuga espetacular do Presídio Central de Porto Alegre. (v. ELMIR, Cláudio Pereira. O crime da Última Hora. Porto Alegre na passagem dos anos 50. Porto Alegre: PPGH-UFRGS, 1996. p.1-15 e COIRO, José Rafael Rosito e CASAGRANDE, Diego. Porto Alegre: 48 horas sob terror. Melara e a rebelião no Hospital Penitenciário. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997). Na ocasião, o jornal Zero Hora deu grande destaque ao acontecimento, e o então Diretor de Redação do perió- dico, jornalista Augusto Nunes, produziu pesadas e sistemáticas críticas ao governo do estado e, notadamente, ao governador Alceu Collares, que estava por encerrar seu mandato. Nesta oportunidade, a Assembléia Legislativa participou ativamente das ne- gociações que envolveram a liberação dos reféns e a fuga dos apenados, através de uma Comissão constituída por membros dos diversos poderes, fato que foi louvado inclusive pelos opositores do governo, a despeito da posição assumida pelo jornal da RBS. O Deputado Marcos Rolim (que participou daquelas negociações representan- do a Assembléia), no início do próximo governo, deu um depoimento em Plenário para relatar, desta vez, visita feita às Penitenciárias de Charqueadas, denunciando, da tribuna, a maior degradação da situação atual (1995) dos apenados: “(...) durante os seus quatro anos de mandato [de Alceu Collares] não ocorreu nenhum caso em que a Brigada Militar tenha entrado em presídios atirando contra os presos. Neste governo [de Antonio Brito], em três meses, já temos cinco casos (...) O governo atual consagra, com relação ao sistema penitenciário, a tradição do Rio Grande do Sul, que é a impu- nidade. As sindicâncias e os inquéritos são abertos, mas ninguém é responsabilizado ou punido” (Deputado Marcos Rolim; Plenário da Assembléia Legislativa, 18 de abril de 1995). Nas eleições de 1994, em uma coligação que uniu o PMDB, o PSDB e o PL, An- tônio Brito foi eleito governador do estado em segundo turno, com 52,2% dos votos. O segundo colocado, Olívio Dutra (PT), reunindo os partidos de esquerda, alcançou 47,8% dos votos. Para o Senado da República, os eleitos foram José Fogaça (PMDB) e Emília Fernandes (PTB). Na Assembléia Legislativa, o PPR (ex-PDS) manteve a primeira posição, com 13 vagas, o PMDB ficou com 10 cadeiras (duas a menos que na eleição anterior) e o PTB, por conta do “fenômeno Zambiasi”, repetiu a expressiva vo- tação do pleito de 1990, alcançando agora 10 cadeiras. Sérgio Zambiasi fez a votação extraordinária de 289.025 votos, seguido de perto por Maria do Carmo Bueno, com quase 210 000 eleitores. O PDT registrou a maior queda no pleito – talvez pelo desgas- te de ser o partido do governo no período anterior- baixando de 13 para 9 cadeiras. O PT registrou um crescimento mínimo, aumentando uma vaga e fazendo 6 cadeiras. O PSB, que fizera apenas um deputado em 1990, agora obtinha 3. PSDB, PFL, PC do B e PL tiveram um representante cada (cf. NOLL, Maria Izabel e TRINDADE, Hélgio. Estatísticas eleitorais comparativas do Rio Grande do Sul. 1945-1994. Porto Alegre: Ed. Da UFRGS / ALRS, 1995. p. 341-423). Sem dúvida, o grande debate político deste período (1995-1998) ficou centrado na questão das privatizações de empresas estatais, estimuladas e levadas a termo pelo 66 Executivo Estadual. A “conciliação” e a “convivência respeitosa entre os opostos” reclamadas pelo Presidente da Assembléia, na Sessão de Instalação da 49a Legisla- tura (31/01/1995), não pautaram as ações políticas de todos as instâncias de poder e partidárias, e o confronto, algumas vezes, assumiu o lugar do bom senso. Ao deixar a Presidência da Casa, o Deputado José Otávio Germano (PPB) fazia a defesa das me- didas tomadas pelo governo, não sem antes revelar os dados de pesquisa do IBOPE, em que a atuação do Parlamento Gaúcho era aprovada por 68% dos rio-grandenses. Na ocasião, disse o Deputado:

Com altivez, colocando os interesses maiores do Rio Grande acima de considerações meramente partidárias, a Assembléia Legislativa contribuiu decisivamente para a aprovação de projetos e para a sustentação de propostas, dentre as quais poderíamos citar como exemplares as relativas ao enxugamento da máquina estatal, à inovação administrativa e à criação de condições para que ingressássemos em um decisivo ciclo de crescimento – aí incluídos a supressão de milhares de cargos, a extinção de empresas públicas e de autarquias, a privatização de rodovias, o Programa de Demissões Voluntárias, a renegociação da dívida imobiliária, a abertura do capital da CRT, a desestatização parcial da CEEE, a obtenção de financiamentos de vulto junto às agências internacionais de fomento, a participação de capital privado em obras de infra-estrutura de caráter reprodutivo, a ampliação do Pólo Petroquímico do Sul e da Refinaria Alberto Pasqualini, dentre inúmeros outros passos significativos (Deputado José Otávio Germano; Sessão Solene de Posse e Transmissão dos Cargos dos Integrantes da Mesa Diretora da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, 31 de janeiro de 1997).

De certa forma, o Presidente no biênio 1995-6 dava resposta às críticas elabo- radas no seio do Parlamento Gaúcho pelos setores de oposição ao Governo Brito. Se, de um lado, o Deputado Onyx Lorenzoni (PL), que compunha a base governista, saudava como grande negócio a venda da CRT, o Deputado Flávio Koutzii (PT), em contrapartida, denunciava o que, no seu ponto de vista, afigurava-se como um conluio de interesses que estaria na base do processo de privatização:

Nada foi mais exitoso, em todo o processo de desestatização brasileiro, do que o episódio CRT: o Governo do Estado vende por mais de 3,4 vezes o valor do seu patrimônio. Nem nos melhores sonhos de qualquer um que estivesse diretamente envolvido com esse processo poder-se-ia supor que se conseguiria um preço tão alto. Falam em uma pequena diferença de 3 milhões de reais. Não sei para quem ela é tão pequena, para mim ela é abissal (Deputado Onyx Lorenzoni; Plenário da Assembléia Legislativa, 18 de dezembro de 1996). 67 O Governo, presidido por um governador profundamente ligado à empresa que ganhou a concorrência, tem vínculos evidentes, inclusive nas recentes eleições de 94. Muito mais do que isso, (...), quem sabe, há uma questão de sociedade muito importante e um acúmulo gigantesco de poder. Já não chegam as emissoras de televisão, as rádios, o canal de televisão comunitária – a TVCOM-, os empreendimentos imobiliários e tudo aquilo que já tem como poder? Além da ação considerada pública, que é a sua presença dirigindo jornais e veículos de comunicação, passa a ter agora o controle direto da CRT (Deputado Flávio Koutzii; Plenário da Assembléia Legislativa, 18 de dezembro de 1996).

O maior confronto ainda estava por vir. Por meio de convocação extraordinária, requerida pelo Governador do Estado, a Assembléia Legislativa reuniu-se no período de 16 a 31 de julho de 1997 para votar importantes matérias de interesse do governo. A mais polêmica delas dava conta da privatização completa da CRT:

Nas galerias do Plenário da Casa, na sessão de 23 de julho de 1997, servidores públicos, lideranças sindicais e político- partidárias, bem como representantes dos movimentos sociais, se manifestavam, visando sensibilizar os parlamentares para que não aprovassem a proposta de privatização da CRT apresentada pelo governo do Estado. Toda a tensão, neste dia, culminou com a ocupação pelos manifestantes da área restrita aos deputados, no Plenário. Os manifestantes ocuparam o local durante 27 horas (BARBOSA, Vânia Maria. Invasão da Assembléia? Os discursos dos jornais Zero Hora e Correio do Povo (TCC). São Leopoldo: UNISINOS, 1998. p.55). A sessão interrompida no dia 23 de julho à noite foi retornada às 10h35min do dia 24 de julho, no Plenarinho da Assembléia Legislativa, permanecendo o Plenário ocupado pelos manifestantes. Com forte esquema de segurança, impedimento da participação do público e portas cerradas, a autorização para privatizar a CRT foi concedida, após três horas de discussão, com o voto de 30 deputados. (BARBOSA, Vânia Maria. Invasão da Assembléia? Os discursos dos jornais Zero Hora e Correio do Povo (TCC). São Leopoldo: UNISINOS, 1998. p.57).

Os jornais de maior circulação e venda do Estado deram ampla repercussão ao episódio. No caso da Zero Hora, as palavras escolhidas para descrever a situação ex- perimentada pela Assembléia foram muito pouco amenas: “(...) a maioria dos par- lamentares vociferava contra a invasão do plenário”. “Baderna” e “tumulto” foram termos recorrentes.

Brito classificou de baderneiros e bagunceiros os manifestantes que invadiram o plenário, e disse que a manifestação tinha a 68 identidade clara de uma ação do PT. ‘Não é possível que o PT não saiba a diferença entre um protesto saudável e um ilegítimo’, afirmou (Zero Hora, 24/07/1997, p.14).

Foram trinta votos a favor da privatização total da CRT contra 23 desfavoráveis. O Deputado João Luiz Vargas (PDT), Presidente da Assembléia, votaria apenas em caso de empate. O Deputado Sérgio Zambiasi, líder do PTB, não estava em Plenário no momento da votação: “Zambiasi só apareceu no Plenarinho depois da aprovação da venda da CRT” (Zero Hora; 25/07/1997, p.4). As Telecomunicações constituem apenas um exemplo de um processo muito mais abrangente da retirada do Estado de áreas consideradas estratégicas no decorrer dos anos de 1990. As reformas envolveram também o setor de energia elétrica (de onde o Estado sai parcialmente, com a cedência da distribuição para o setor privado), sanea- mento (permanência do Estado, com importantes concessões a prefeituras) e infra-es- trutura de transporte rodoviário (saída parcial do Estado) (cf. MAGNOLI, OLIVEIRA e MENEGOTTO, 2001, p.88). O discurso da modernização do Estado e do enxugamento da máquina pública que esteve na base da ação do Governo de Antônio Brito não pode ser dissociado de uma tendência que vem se estruturando desde o Governo de Fernando Collor e que, nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso consolidou-se. A vitória de FHC nos dois pleitos em que concorreu, em primeiro turno (1994, com 54,3% dos votos e 1998, com 53,1% dos votos), e as alianças que constituiu com o PFL – segunda maior sigla do país – deram respaldo à política empreendida. O PSDB da origem (1988), a rigor, não pode ser confundido com o PSDB (1994) do governo. O discurso social- democrata da fundação cedeu espaço, claramente, a uma tendência em direção ao liberalismo. No Rio Grande do Sul, é bom lembrar, da coligação que colocou Antônio Brito no governo, fazia parte (além do PSDB) o Partido Liberal. Nas eleições de 1998, PMDB e PT apresentaram os mesmos candidatos do pleito anterior. O PT, que vinha consolidando uma confortável posição hegemônica na capital e, com menos força, também na Região Metropolitana, finalmente chega ao governo do Estado, com a eleição de Olívio Dutra, o último dos candidatos do pleito histórico de 1982 a se eleger. Uma explicação possível para a derrota do candidato do PMDB encontra-se na própria ação governativa empreendida por ele e seu secretariado:

A cultura política local tende, também, a valorizar a ação do Estado e, nesse sentido, as privatizações não foram necessariamente bem- vistas, assim como a palavra empenhada por Antonio Brito em 1994 de que não privatizaria as grandes estatais gaúchas pode ter sido interpretada como quebra de promessa de campanha (NOLL, Maria Izabel e TRINDADE, Hélgio. Estatísticas eleitorais do Rio Grande da América do Sul 1823/2002. Porto Alegre: Editora da UFRGS / ALRS, 2004. p.116). 69 Seguindo este raciocínio, nas eleições de 2002 também teríamos mais dois motivos de “traição política” a indicar a vitória, agora, de um candidato cuja candidatura surge de ma- neira muito tímida no seu começo: (PMDB). Antonio Brito novamente apresenta-se como candidato, só que, desta vez, por um outro partido, o PPS, ao qual se filiam, também, alguns peemedebistas próximos ao ex-governador. A trajetória histórica da qual resulta este partido (sucessor do Partido Comunista Brasileiro) torna difícil expli- car, com razoabilidade ideológica, a presença de nomes muito pouco afeitos a posturas de esquerda, mesmo as mais suaves. Por outro lado, a renúncia do quarto prefeito eleito pelo PT para a prefeitura de Porto Alegre, na primeira metade do mandato, para assumir a candidatura ao governo do Estado, criou um constrangimento ético de difícil solução na campanha eleitoral. Acrescido a este fato, as disputas históricas entre os grupos que se colocam, dentro do PT, sob a liderança de Olívio Dutra ou de Tarso Genro, colocaram a aguerrida militância do partido, pela primeira vez no pleito de 2002, em compasso mais lento. Este fato, de certa maneira, repetiu-se na mais recente campanha pela prefeitura de Porto Alegre (2004), quando, após dezesseis anos de administração petista, rompe-se a he- gemonia, com a eleição de José Fogaça (PPS). Desta vez, deve contar também o desgaste natural de um governo tão longo, bem como a expectativa do “novo”. No Parlamento Gaúcho, os grandes confrontos político-partidários ocorridos na 50a Legislatura (1999-2002), sem sombra de dúvida, deram-se entre os grupos que apoiavam e/ou constituíam a base governista do PT e aqueles que se viram derrotados no pleito de 1998, especialmente o grupo ligado mais de perto ao ex-governador Anto- nio Brito. O tema central do confronto, ao longo dos quatro anos de mandato de Olívio Dutra, foi o da Segurança Pública. As críticas sofridas por esta área do governo e, em especial, pelo Secretário José Paulo Bisol, com enorme e reiterada realimentação pela grande imprensa local, não têm termo de comparação com nenhum outro período da história política recente do Rio Grande do Sul. Hoje a Assembléia Legislativa chega a sua 51a Legislatura (2003-). O Poder Legislati- vo gaúcho se modernizou. O programa de informatização, que vem sendo implantado com sucesso nos últimos anos, alcança índices cada vez maiores de excelência. A comunicação com a sociedade torna-se mais rápida e eficaz. Inúmeros documentos produzidos no Parla- mento Gaúcho estão disponíveis a tantos quantos queiram acessá-los no site mantido pela Assembléia (www.al.rs.gov.br). Os gregos do mundo antigo muito se orgulhavam de terem construído, pela escassa população, pelo diminuto território, pela regime de governo, uma “sociedade face a face”. A democracia ateniense é fruto deste tipo de situação. Nos alvores do século XXI, temos inúmeros mecanismos para realizar, de novo mas de outra forma, esta mesma sociedade face a face, esta ágora virtual a serviço, também, da democracia. Para que se faça o legal (legalidade), para que seja com todos (democracia), para que todos possam chegar (livre acesso), para que possamos nos ver no outro (representatividade), para que o maior número possa falar (supremacia do Plenário), para que todos saibam sempre (transpa- rência), para que tudo retorne a quem legou (função social da atividade parlamentar), para que sempre haja sinceridade (boa-fé) é que deve existir o Poder Legislativo. 70 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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73 46ª LEGISLATURA (31/01/1983 – 31/01/1987)

74 47ª LEGISLATURA (31/01/1987 – 31/01/1991)

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78 51ª LEGISLATURA (31/01/2003 – 31/01/2007)

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