Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

GLOSSÁRIO E ABREVIATURAS

Arribas – Definem-se como um ressalto com um pendor acentuado (15º a 90º), com ou sem cobertura vegetal, se então em evolução atual, cuja génese resulta da ação combinada de processos continentais (físico-químicos e biológicos) combinados com processos ligados à dinâmica das águas do mar na faixa litoral.

Caldeiras vulcânicas - É uma depressão arredondada que resulta do abatimento da parte interior de um cone vulcânico por esvaziamento do reservatório de magma que lhe estava subjacente. Quando estão cheias pelas águas das chuvas assumem o aspeto de lagoas.

Chaminé vulcânica - Conduta mais ou menos cilíndrica no interior do aparelho vulcânico por onde sobe o magma.

Deltas lávicos - São formações vulcânicas que dão origem às Fajãs. A sua génese está nas escoadas lávicas que ao avançarem para o mar, adquirem uma morfologia aplanada que resultam em extensões planas junto ao nível do mar e na base das encostas das arribas.

Disjunção colunar prismática - Fragmentação do corpo rochoso vulcânico em porções com forma de prisma.

EROT - Programa Nacional de Esquema de Regulamento do Ordenamento do Território

Filões – São formas subvulcânicas que constituem corpos intrusivos de pequena profundidade, podendo gerar relevos residuais que marcam igualmente a paisagem vulcânica.

Jorra - Material de escória de lavas de cor escura, com densidade e formas variadas associadas a magma pouco viscoso, nomeadamente o basáltico-andesítico, que ao atingir o solo, solidifica e confere formas diversas. Este material é utilizado na construção de infraestruturas como substituto da areia.

PANA II - Plano de Ação Nacional para o Ambiente, elaborado pelo Governo

PDM - Planos Diretores Municipais

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

PROGEO - Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico, que tem como objetivo geral incentivar a conservação do património geológico (geoconservação) e a proteção de sítios e paisagens de interesse geológico.

RPALCDP - Rede Parlamentar para o Ambiente na Luta contra a Desertificação e a Pobreza.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

CAPÍTULO I

I.1.Introdução Geral

Partindo do princípio que um dos objetos de estudo da Geografia consiste na observação das paisagens, o conhecimento de Cabo Verde e em particular da Ilha de São Nicolau, despertou-me interesse do ponto de vista do valioso património natural (geopatrimónio) – motivo pelo qual decidi dedicar a presente tese ao estudo desse tema.

Na sociedade, em muitos casos, o património é conhecido por elementos de valor cultural que traduzem acontecimentos de valor histórico (monumentos, artes) e ainda pelos bens e heranças adquiridos dos nossos antepassados. De modo equivalente, alguns elementos naturais pelo seu significado científico, didático, simbólico e cultural, também podem ser considerados como valores patrimoniais, incluindo-se em duas vertentes: a componente biótica, que se integra na biodiversidade, e a componente abiótica, ou seja a parte mineral da terra, cujas caraterísticas são indispensáveis para o suporte da biodiversidade e de toda a vida no planeta, incluindo a dos Seres Humanos. Contudo, os elementos do geopatrimónio associados à cultura refletem na paisagem uma ligação importante.

Segundo Vieira (2008, p. 532) “uma das questões que se coloca, logo de início, à definição de qualquer tipo de património, quer seja ele cultural, artístico, histórico, natural (…) e presumivelmente também, o património geomorfológico, relaciona-se com a importância que as sociedades atribuem aos diferentes bens e à necessidade de classificação, recuperação e preservação dos bens considerados mais importantes enquanto heranças passadas e legado para as gerações vindouras”.

Com efeito, numa definição mais abrangente, Coelho (1992, cit. por Pereira, 2006, p. 17), define o património como “um conjunto de bens móveis e imóveis cuja conservação seja de interesse social, quer pela ligação com factos históricos relevantes, quer pelo excecional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico, compreendendo os monumentos

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau naturais, os sítios e as paisagens que seja importante conservar e proteger, pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana”.

A temática a que dedico esta tese tem sido pouco estudada em Cabo Verde. As principais investigações têm-se centrado sobretudo na importância da sustentabilidade biológica. Existem trabalhos de investigação desenvolvidos na Universidade do Minho (Portugal) a respeito do geopatrimónio, em algumas ilhas de Cabo Verde nomeadamente na Ilha do Fogo, como é o caso da Dissertação de Mestrado de Alfama (2007) e na Ilha de Santiago, com a Dissertação de Doutoramento de Pereira (2010). Contudo impõe-se a necessidade de realizar mais estudos no sentido de conhecer e esclarecer melhor a temática em estudo.

Quando observamos uma paisagem natural, estamos a contemplar não só a flora e a fauna existentes, mas também o seu suporte geológico e geomorfológico. É este suporte geológico e/ou geomorfológico, que serve de base a toda a biodiversidade existente desde do chão que pisamos até ao espaço envolvente. Brilha (2005), um dos primeiros especialistas na promoção do geopatrimónio em Portugal, realçou a importância do património natural como um todo, integrando os elementos excecionais de geodiversidade e da biodiversidade.

É neste contexto que surge o presente trabalho de investigação, dedicado ao estudo do geopatrimónio da Ilha de São Nicolau. Para cumprir este objetivo, será indispensável identificar a diversidade geológica existente na ilha, dedicando particular atenção aos elementos geomorfológicos de interesse patrimonial e outros que a eles se associam, como se pode verificar na Fig. 1.

Através desse exercício esperamos dar a conhecer o património geológico e geomorfológico da Ilha de São Nicolau e contribuir para a divulgação de Cabo Verde para além das suas fronteiras, bem como contribuir para a valorização e preservação dos seus recursos naturais, não só no contexto das áreas protegidas mas também noutras que poderão vir a ser reconhecidas como tal. Por fim, pretende-se ainda com este estudo promover uma organização mais racional e equilibrada do território cabo-verdiano.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Património Paisagistico

Património Cultural Património Natural

Religião Música Elementos Elementos abióticos bióticos

Agricultura Literatura

Geopatrimónio

Gastronomia Artesanato Património Geológico Património Geomorfológico

Figura 1. Esquema representativo do património em categorias temáticas articulado com outros elementos no contexto paisagístico da Ilha de São Nicolau (adaptado de Figueiró et al, 2013).

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

I.2. Objetivos e Metodologia

O presente trabalho centra-se numa proposta de metodologia de estudo de alguns geossítios da Ilha de São Nicolau.

Para alcançar este objetivo geral, propomo-nos atingir os seguintes objetivos específicos:

 Analisar a atual situação do ambiente geológico e geomorfológico de Cabo Verde, com particular destaque para a Ilha em estudo.  Definir alguns conceitos de base para a implementação de uma estratégia de geoconservação e a sua aplicação no Ordenamento do Território.  Inventariar e avaliar os geossítios da Ilha de São Nicolau, de modo a com base em critérios de seriação, contribuir para a implementação da estratégia da geoconservação.  Aplicar estratégias de conservação de modo a garantir uma gestão sustentada dos recursos geológicos e/ou geomorfológicos, essencialmente nos geossítios que possuem inegável valor científico, cultural, turístico ou outro bem como em relação aos processos naturais que neles se desenvolvem.  Valorizar e divulgar o geopatrimónio, de modo a que o público possa reconhecer o valor desses geossítios, acompanhado da produção de meios que favoreçam a sua divulgação.  Propor estratégias de desenvolvimento a nível geoturístico, de forma a contribuir para a valorização da Ilha de São Nicolau.

Quanto à metodologia utilizada, primeiramente procedeu-se à consulta de dados documentais e bibliográficos que permitissem uma análise de algumas ilhas de Cabo Verde, nomeadamente o Património Natural da Ilha do Fogo, e da Serra da Malagueta na Ilha de Santiago. Foram ainda consultados alguns relatórios elaborados pelas Câmaras Municipais da Ilha de São Nicolau, nomeadamente um Esquema Regional e o Plano de Ordenamento do Território, legislação, entre outros relatórios do Ministério do Ambiente de Cabo Verde (o

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

1 PANA II 2004-2014) . Para além destes trabalhos científicos, foi ainda consultada uma variedade de suportes bibliográficos de autores especialistas na proteção, valorização e divulgação do património geológico em Portugal, nomeadamente a metodologia seguida por Brilha (2005) e pelo grupo que pertence à Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico em Portugal (PROGEO).

Numa segunda fase, realizámos o trabalho de campo para a inventariação a recolha fotográfica dos geossítios e procedeu-se à construção da ficha de análise dos geossítios inventariados. A caraterização geológica e/ou geomorfológica dos geossítios baseou-se na análise da carta geológica da ilha, à escala 1/50.000 de Macedo et al. (1975) e na consulta da publicação da constituição das formações geológicas e geomorfológicas do arquipélago de Cabo Verde de Bebiano (1932) e no estudo do solo da mesma ilha da autoria de Nunes (1962).

Com o auxílio do software ArcGis10.1 e o recurso ao Software Excel, procedeu-se à construção de toda a cartografia, dos gráficos e das tabelas presentes no trabalho. Os dados para a construção dos gráficos de precipitação média mensal, foram disponibilizados pelo Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica da Cidade da Praia (Cabo Verde). Os dados populacionais presentes nos quadros foram recolhidos na plataforma do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Do ponto de vista da sua estrutura, o presente trabalho encontra-se dividido em cinco capítulos fundamentais. O primeiro capítulo, aborda a introdução, os objetivos e metodologia e as questões relativas ao enquadramento teórico que fundamenta a temática do geopatrimónio, incluindo os conceitos-chave e a sua aplicação nas Ilhas de Cabo Verde, bem como uma revisão do estado da arte.

No segundo capítulo, foi elaborada uma caraterização geral da área em estudo - Ilha de São Nicolau (Cabo Verde), que abrange a sua localização geográfica, a formação geológica e

1 Pana II, representa o segundo Plano de Ação Nacional para o Ambiente, elaborado pelo Governo. Entre os principais objetivos do relatório destacamos os seguintes: Definir as orientações de política de gestão principal dos Recursos Naturais; Estabelecer oportunidades ambientais e prioridades de desenvolvimento; Identificar as intervenções que facilitam o uso efetivo e eficaz de recursos naturais; Definir as estruturas institucionais e os mecanismos necessários para a coordenação setorial; Promover a integração das preocupações ambientais nos planos de desenvolvimento socioeconómico bem como promover as condições de vida da população.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau geomorfológica bem como as caraterísticas da situação socioeconómica, incluindo os elementos sociais e os hábitos culturais.

O terceiro capítulo, ou seja a componente prática do trabalho, abrange a caraterização dos geossítios selecionados e inicia-se com uma abordagem de alguns autores com conhecimento das metodologias ou critérios que foram utilizados para a inventariação dos mesmos geossítios e para a avaliação da metodologia proposta.

O quarto capítulo aborda a inventariação e várias fases que constituem uma estratégia de geoconservação e, por último, o quinto capítulo apresenta um plano de estratégia do geoturismo, abrangendo os geossítios presentes neste trabalho.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

I.3- Estado da arte

Para efetuar uma inventariação em termos genéricos é preciso recorrer à recolha de dados. Por este motivo, aquando da enumeração dos objetivos pretendidos, além do trabalho de campo efetuado de maneira a identificar e reconhecer os geossítios inventariados, foi necessário proceder a uma revisão bibliográfica recorrendo a várias temáticas de caráter científico que abordam temas relativos ao geopatrimónio das ilhas de Cabo Verde, no caso particular, à Ilha de São Nicolau.

Apesar de não ter encontrado nenhum trabalho de investigação científica que aborde esta temática para a ilha em estudo, foram examinadas temáticas semelhantes para as outras ilhas que acabam por se aplicar ao presente estudo.

Landim (2013) apresentou à Universidade de Évora a sua Dissertação de Mestrado sobre o tema “Serra da Malagueta (Santiago Cabo Verde): Estratégia de Conservação e Valorização do Património Histórico e Cultural”. Para a mesma ilha, também foi apresentado o trabalho de Pereira (2010) sobre o tema: “Concetualização de uma estratégia de geoconservação para Cabo Verde e a sua aplicação para a Ilha de Santiago”.

Com a mesma temática desta vez referente à Ilha do Fogo destaca-se o trabalho de Alfama (2007) sobre o tema: “Inventariação, caraterização e proposta de valorização do Património Geológico da Ilha do Fogo”. Pereira e Alfama (2008) abordaram o tema sobre o “Património Geológico da Ilha de Santiago e da Ilha do Fogo (Cabo Verde) ” e Victória (2008) abordou o tema: “O papel das geociências e o lugar da geologia em Cabo Verde”.

No primeiro Congresso de Desenvolvimento Regional em Cabo Verde, Pereira et al. (2009) nos seus trabalhos, fizeram uma proposta para a ”Compreensão do Património Geológico e da Geoconservação na Conservação da Natureza em Cabo Verde”.

Alves (2009) enfatizou a importância do “Ecoturismo no Património Arquitetónico de Cabo Verde, das Potencialidades à Prática”. Perante as referências apresentadas, podemos concluir que existem já bastantes trabalhos científicos realizados acerca desta temática no país.

Do ponto de vista da Ilha de São Nicolau, não existe uma vasta bibliografia sobre esta temática, no entanto procedeu-se à consulta do trabalho de Monteiro e Cunha (2009) acerca

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau das “Tempestades de setembro na Ilha de São Nicolau”. Consultaram-se ainda outros trabalhos mais antigos sobre o estudo dos “Solos da Ilha de São Nicolau” de Nunes (1962), o “Estudo de precipitações em São Nicolau” de Olivry (1981) e o trabalho da “Ilha de São Nicolau nos séculos XV a XVIII” de Teixeira (2004).

Do ponto de vista geológico, a revisão consistiu também na consulta da “Geologia do Arquipélago de Cabo Verde” de Bebiano (1932).

I.4.Geopatrimónio em Cabo Verde – diagnóstico da situação ambiental atual.

Quando se abordam questões relacionadas com a geodiversidade, a paisagem é um dos principais fatores a ter em consideração. Em todas as paisagens naturais a geodiversidade exerce o seu contributo, tendo presente que são os diferentes tipos de substrato rochoso, do relevo, do clima e da vegetação que a caraterizam.

No âmbito do património natural, a biodiversidade tem sido a grande prioridade mesmo a nível internacional. Ora, a natureza para além dos seus componentes bióticos, ou seja a diversidade da natureza viva que a constitui (espécies de seres animais e vegetais) é também composta por componentes abióticos, que constituem o substrato natural do solo onde se desenvolve toda a atividade orgânica, bem como as variedades de estruturas geológicas, tectónicas, geomorfológicas e de materiais geológicos (litologia, solos, minerais e fósseis) (Nieto, 2004 cit. por Pereira 2010, p.29).

No âmbito da filosofia ambiental a geodiversidade é algo de grande valor. Por isso, existe a necessidade de a proteger e conservar. O ato de proteger e de conservar alguma coisa segundo Brilha (2005, p. 33), justifica-se porque lhe é atribuído algum valor seja ele económico, cultural, sentimental ou outro. Gray (2004, cit. por Brilha 2005, p. 33) também discrimina de seguida o valor intrínseco, cultural, estético, económico, funcional, científico e educativo da geodiversidade.

Este mesmo autor afirma que de todos os valores da geodiversidade, o valor intrínseco assume-se como o mais subjetivo. Esta subjetividade prende-se com a dificuldade da sua quantificação e também com certos valores religiosos, filosóficos e culturais próprios de cada sociedade.

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O valor cultural da geodiversidade do ponto de vista de Pereira (2010, p. 33) está, relacionado com as questões arqueológicas e históricas, também associadas aos bens da diversidade geológica do meio físico que influenciam direta ou indiretamente, as atividades sociais, culturais e religiosas do ser humano. Muitas pessoas procuram certas explicações transcendentais entre o meio cultural e o meio físico.

Grey (2004, cit. por Pereira 2010, p. 33) utilizou o termo geomitologia para explicar esta realidade. O conceito em estudo poderá ser ilustrado através do exemplo do Forte da Preguiça na Ilha de São Nicolau em Cabo Verde, que marca na paisagem a história do trajeto de Vasco da Gama a caminho do Brasil. Do ponto de vista arqueológico e paleontológico, podemos tomar como exemplo o seminário da Ilha de São Nicolau.

O valor estético da geodiversidade também apresenta um caráter subjetivo. Todas as paisagens naturais possuem algum tipo de valor estético relativamente a um determinado elemento ou a uma estrutura geológica. A forma como as pessoas observam a paisagem é muito relativa. Para Brilha (2005, p. 36) as paisagens naturais quando observadas constituem uma atividade de lazer bastante consensual. Decidir se uma paisagem é mais bela de que outra é algo inevitável e discutível.

Na perspetiva do valor económico, Brilha (2005) considera que no caso da geodiversidade este já é mais percetível pois praticamente todos os bens e serviços são dotados de um valor económico adquirido através da exploração do petróleo, carvão, gás natural, da exploração de minerais, da construção de barragens etc. Podemos também referir- nos à exploração de materiais para a construção (os inertes no caso da areia, brita e jorra), entre outros recursos naturais.

Grey (2004, cit. por Pereira, 2010, p. 36) reafirma que a importância económica desses recursos naturais não se limita apenas aos valores económicos já mencionados no início do capítulo, mas são também igualmente importantes os fósseis, solos, recursos paisagísticos, energia geotérmica entre outras riquezas existentes.

Do ponto de vista do valor funcional a geodiversidade é indiscutível no âmbito da conservação da natureza. Segundo Grey (2004, cit. por Pereira, 2010 p. 36), “tanto os solos, como os sedimentos, as paisagens e as rochas têm um valor funcional no sistema ambiental, quer seja do ponto de vista físico ou biológico”. Este autor considerou o valor funcional da geodiversidade em duas perspetivas:

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1- O valor da geodiversidade in situ de caráter utilitário para o ser humano, referindo-se à valorização da geodiversidade no seu local original ao contrário do valor económico depois de explorado para a (construção de barragens, cidades, vias de comunicações…). 2- O valor da geodiversidade enquanto substrato para a sustentação dos sistemas físicos e ecológicos na superfície terrestre. Esta tem influência direta na biodiversidade, quer na criação de condições para a sua fixação quer no seu próprio desenvolvimento e manutenção. Refere-se a certos locais onde existem condições para o desenvolvimento de certas espécies de vegetais e para a fixação de aves, que reúnem condições para a sua alimentação ou então para a sua reprodução.

No que diz respeito ao valor científico da geodiversidade, segundo Brilha (2005, p. 40) quer no domínio das Ciências da Terra quer noutras áreas científicas, este requer uma investigação e interpretação do seu conhecimento.

De acordo com Vieira (2008, p.554) um elemento geomorfológico do ponto de vista científico, ganha valor através da sua representatividade mediante os processos que evoluem na superfície terrestre. Assim um elemento geomorfológico patrimonial ganha importância, enquanto objeto de estudo de interesse para uma comunidade científica. Este mesmo autor realçou a importância de “inserir no âmbito do valor científico, os recursos didáticos e pedagógicos, na sua capacidade de transmissão de processos geomorfológicos e ambientais que conduzem à elaboração das formas atuais da superfície da terra”.

Muitos dos estudos científicos realizados nos últimos tempos, revelam preocupação perante as ameaças à geodiversidade em todo o mundo. Ameaças essas que advêm direta e indiretamente da ação do ser humano, através da exploração dos recursos naturais, provocando impactos negativos a vários níveis:

Ao nível da paisagem, na fragmentação dos ecossistemas e através da desflorestação (por exemplo em Portugal têm-se verificado em alguns locais, a exploração de pedreiras a céu aberto e paisagens queimadas pelos incêndios – fenómenos que se assumem como verdadeiros flagelos);

Ao nível dos afloramentos rochosos, a atividade extrativa pode consumir “objetos geológicos nomeadamente fósseis ou minerais, de valor científico, pedagógico ou outro”

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(Brilha, 2005), e ainda ao nível das infraestruturas, para a execução de estradas, construção de barragens entre outras construções. Todas essas e outras explorações que não foram aqui mencionadas têm impactos diretos ou indiretos na geodiversidade.

No caso de Cabo Verde, também o ser humano faz do seu espaço geográfico diferentes usos de acordo com as formas que encontrou para potencializar os recursos naturais. Segundo Pereira (2010, p. 42) “a exploração dos recursos geológicos é das atividades mais antigas, se entendermos que os primeiros instrumentos eram feitos de pedras”. Na Ilha de São Nicolau ainda hoje, se encontram aldeias feitas com pedras basálticas, algumas cobertas de palha de cana-de-açúcar, outras com telhados cuja telha é localmente conhecida por “Telha Branca”. Outras habitações já se encontram em estado de degradação, como é o caso da localidade de Ribeira Funda, como se pode observar nas fotografias das Figs. 2 e 3.

Figuras 2 e 3- Habitações construídas com pedras de basalto, palha de cana-de-açúcar e telha branca.

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A carência de materiais para a construção civil sempre esteve presente em Cabo Verde, daí a grande necessidade de recorrer aos recursos geológicos locais. Os impactos das atividades antrópicas refletem-se cada vez mais, no aumento da pressão urbanística e na construção de estradas e outras infraestruturas. Estas atividades, quer seja de forma legal quer seja de forma clandestina, têm gerado grandes problemas relacionados com a exploração desses recursos sobretudo de materiais piroclastos, areias, jorras e britas.

Em São Nicolau, no Município do Tarrafal são particularmente notórios os impactos das atividades extrativas na paisagem, sobretudo a nível visual, devido às quantidades de materiais extraídos, como as fotografias das Figs. 4 e 5 ilustram.

Figuras 4 e 5 - Impactos visuais na paisagem no domo da : Explorações abandonadas.

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De igual modo no Município de Tarrafal também se verifica a destruição das praias devido ao consumo excessivo de areia, contribuindo não só para o desaparecimento por completo das mesmas, mas desencadeando também efeitos negativos nos lençóis freáticos e na biodiversidade costeira, como se poderá observar na fotografia presente na Fig. 6.

Figura 6- Ilustração das atividades antrópicas (extração de areia) exercidas na Praia do Barril.

Nas áreas mais montanhosas como no caso do parque verde de , a biodiversidade no que se refere à flora também tem sido muito afetada pela prática da agricultura, a existência de animais soltos e a destruição da floresta para a criação de recursos lenhosos, que por sua vez têm contribuído para a degradação dos solos colocando em risco um número considerável de espécies.

A partir do século XX, mais propriamente de 1975, a população Cabo-Verdiana começou a consciencializar-se dos problemas ambientais que ocorriam à escala internacional, intensificando-se a legislação no que concerne à conservação da natureza. Em 1992, as Nações Unidas organizaram uma conferência no Rio de Janeiro sobre o ambiente e o desenvolvimento, na sequência da qual foi criado um tratado da diversidade biológica. Este

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau tratado, deu origem ao desenvolvimento de publicações através da criação de artigos, livros conferências, workshops etc. que têm vindo a ganhar ênfase no âmbito da biodiversidade.

Em 1993, Cabo Verde, em conformidade com outros países após a conferência do Rio, adotou o seu primeiro instrumento legal ambiental, que definiu as leis de base da política do ambiente.

No entanto, com a elaboração do plano de Ação para o Ambiente (PANA II) - documento orientador das intervenções no setor do ambiente - foi estabelecido um objetivo estratégico para o período compreendido entre 2004-2014. Esse objetivo consistiu na gestão sustentável dos recursos ambientais, avaliando problemas de caráter ambiental nomeadamente ao nível da biodiversidade, desertificação, mudanças climáticas, ordenamento do território, gestão de recursos hídricos, solos, paisagens, recursos oceânicos, orlas costeiras e recursos energéticos.

Apesar de todos os progressos e avanços no domínio ambiental, a temática da geodiversidade tem sido pouco reconhecida. Em Cabo Verde no que se refere à conservação da natureza em particular, verifica-se um crescente interesse pelo tema. No entanto, ainda é atribuída pouca importância ao património geológico e/ou geomorfológico. Em termos científicos, o interesse pela temática também tem vindo a crescer, com o aparecimento de publicações e trabalhos de investigação centrados no estudo de algumas ilhas de Cabo Verde.

Embora já tenha referido anteriormente a este nível é importante desde já referir, a Dissertação de Mestrado de Vera Alfama (2007) - “Inventariação, caraterização e proposta de valorização para a Ilha do Fogo”, a Dissertação de Doutoramento de José Pereira (2010) aplicada à Ilha de Santiago - “Concetualização de uma estratégia de geoconservação para Cabo Verde e sua aplicação para a Ilha de Santiago” e ainda a mais recente Dissertação desenvolvida por José Landim (2013), também aplicada à Ilha de Santiago - “Estratégia de Conservação e valorização do património”. Todos insistiram na necessidade de inventariação de propostas de geossítios, de modo a promover a sustentabilidade do património geológico destas Ilhas.

Atualmente têm sido elaborados planos de gestão ambiental, alguns já aprovados, para a criação de parques naturais em algumas Ilhas, nomeadamente o Parque Natural do Monte Gordo na Ilha de São Nicolau, o Parque Natural da Ilha do Fogo e o Parque Natural da Serra

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau da Malagueta, na Ilha de Santiago. Com a divulgação da geodiversidade presente nesses parques Naturais, a temática do geopatrimónio tem vindo a ganhar uma maior ênfase.

Em agosto de 2012, a rede parlamentar para o ambiente na luta contra a desertificação e a pobreza - a RPALCDP, apresentou o projeto “7 maravilhas de Cabo Verde” no sentido de preservar a excelência das condições naturais que o país proporciona, de modo a promover e divulgar o seu potencial paisagístico, enfatizando os monumentos naturais, paisagens e locais de interesse científico com destaque para os patrimónios naturais e os ecossistemas.

O Arquipélago de Cabo Verde carateriza-se por um ecossistema frágil, tendo em conta a conjugação de diversos fatores, nomeadamente o clima e a ação antrópica. A este nível, o governo tem vindo a implementar medidas de caráter legislativo com vista à proteção e conservação dos recursos naturais.

Neste contexto, tem ainda demonstrado a preocupação e intenção de criar redes de áreas protegidas, atendendo à necessidade de proteção de espécies ameaçadas em vias de extinção e de recuperação dos ecossistemas mais vulneráveis. Respondendo aos desafios ambientais que o país enfrenta e à necessidade de preservar e conservar a exploração de recursos geológicos naturais que têm sido explorados de forma descontrolada (Lopes, Ermelinda, 2010, pp. 54-64), dadas as necessidades das populações, os recursos naturais (areias, jorras, britas) têm vindo a ganhar maior importância, junto do governo bem como a suscitar uma maior sensibilização da população.

Contudo o país tem beneficiado de apoios financeiros nomeadamente das Nações Unidas (PNUD), através da implementação do projeto de “Consolidação do sistema de áreas protegidas em Cabo Verde 2010”, com o objetivo de realçar a importância da conservação/ valorização das áreas protegidas marinhas e Parque Naturais. Apesar dos gabinetes e serviços do sector ambiental existentes em Cabo Verde não terem prestado grande interesse à questão do geopatrimónio, vimos que a política do governo na matéria do ambiente e conservação está presente na lei de bases geral e nos Planos Diretores Municipais (PDM).

O Município de São Nicolau em particular, através do Esquema Regional do Ordenamento do Território (EROT), aprovado pelo decreto-lei nº3/2003, possui uma alínea que serve de complemento à lei das áreas protegidas. Este instrumento rege a organização espacial da Ilha com o objetivo de promover o seu desenvolvimento sustentável.

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Este decreto-lei (EROT) diz, ainda que à administração pública compete na matéria “realizar uma espécie de catálogo das paisagens da Ilha com a identificação e cartografia dos espaços com potenciais valores paisagísticos devendo estes ser objeto de medidas específicas (espaços de valor cénico, itinerários de interesse paisagístico, botânico, ambiental etc.). Porém, a cartografia visual da paisagem permitirá estabelecer normas e critérios para cada um dos espaços classificados com valor paisagístico”.

No segundo plano de Ação Nacional para o Ambiente (PANA II- 2004-2014), encontram-se definidos planos e projetos até ao ano 2014, sublinhando vários temas nomeadamente a educação ambiental e a proteção da biodiversidade em Cabo Verde bem como o programa de conservação da biodiversidade biológica terrestre e da biodiversidade biológica marinha.

Ora, os elementos da biodiversidade e da conservação gravitam em torno dos ecossistemas, da flora, da fauna e da proteção de espécies ameaçadas. Se os elementos geológicos ou geomorfológicos constituem o suporte desta biodiversidade, porque não comtemplá-los nestes planos ou projetos?

Mesmo que o património biológico seja uma prioridade, o que seria hoje do país se todas estas leis tivessem sido aplicadas partindo do princípio que, desde 1990, o ambiente foi integrado nas políticas nacionais para o desenvolvimento sustentável. Certamente grande parte dos problemas ambientais descritos anteriormente não teriam causado tantos constrangimentos e a necessidade de conservação seria vista numa perspetiva mais alargada.

Verifica-se que ainda hoje a sociedade atribui pouca importância e valor ao património. Contudo, tem vindo a verificar-se uma maior preocupação com o desenvolvimento socioeconómico tendo em conta os recursos naturais que o país proporciona.

Mesmo a legislação, manifesta esta preocupação através da lei de bases em matéria do ambiente e conservação da natureza. A Constituição da República publicada em 1980, já apresentava no seu artigo nº7, alínea K, medidas sobre a proteção da paisagem, da natureza, dos recursos naturais e do meio ambiente, bem como em relação ao património histórico- cultural e artístico nacional, frisando no artigo 6, alínea b, a soberania sobre todo o território abrangendo as águas, o mar territorial assim como os respetivos leitos e subsolos.

Em 1990, foi previsto na lei nº102/90, de 29 de Dezembro, o estabelecimento das bases do património cultural e natural. Em 1993, o decreto-lei nº86/93 de 26 de julho, definiu

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau a base da política ambiental. Mais tarde em 2003, o decreto-lei nº3/2003 de 24 de fevereiro estabeleceu o regime jurídico das áreas protegidas através do qual foram criados alguns Parques Naturais, nomeadamente o Parque Natural do Monte Gordo na Ilha de São Nicolau, o Parque Natural da Serra da Malagueta na Ilha de Santiago e o Parque Natural do Fogo na própria Ilha.

Ainda dentro da temática do ambiente, encontramos referências às áreas protegidas no decreto-lei nº 44/2006, defendendo a valorização de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado bem como a necessidade de executar políticas adequadas de Ordenamento do Território e a promoção nacional de todos os recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação, a estabilidade ecológica e a educação ambiental.

Mais tarde na portaria nº3/2006, o governo elaborou o segundo plano de Ação para o Ambiente (PANA II) - documento orientador das intervenções no setor do ambiente durante o período de 2004-2014 - abordando um conjunto de problemáticas ambientais englobando os setores públicos, privados e municipais/governamentais. Mais se encontra um quadro de tabela de legislação, que pode ser consultado em anexo I.

Como vimos a legislação cabo-verdiana evidencia uma grande preocupação com a gestão dos recursos naturais nomeadamente os recursos hídricos, em particular a escassez de água devido à irregularidade da precipitação, à exploração descontrolada de inertes (areia…), bem como em relação à erosão que tem afetado o País nestes últimos tempos. No entanto, continua a verificar-se a necessidade de colocar em prática a legislação, de modo a divulgar e valorizar o património.

Sendo, o património geológico, um importante componente do património natural, pode ser definido, como “recursos geológicos não renováveis que pelo seu valor estético, cultural, educativo e científico devem ser preservados para a geração vindoura” Brilha, (2005). Neste sentido, com base na temática em estudo, seria importante definir as ações de proteção e valorização do património geológico, ou seja, implementar medidas de geoconservação de forma sustentável para o bem-estar do país.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

I.5. Geopatrimónio e Património Geomorfológico - Conceitos.

Segundo Vieira (2008 p. 532) ”uma das questões, que se coloca logo de início, à definição de qualquer tipo de património, quer seja ele cultural, artístico, histórico, natural (…) e presumivelmente também, ao património geomorfológico, relaciona-se com a importância que as sociedades atribuem aos diferentes bens e à necessidade de classificação, recuperação e preservação dos bens considerados mais importantes enquanto heranças passadas e legado para as gerações vindouras”.

O geopatrimónio define-se por um conjunto de geossítios inventariados e caraterizados numa dada área ou região (Brilha, 2005 p. 52) sendo um termo abrangente, que integra os elementos notáveis da geodiversidade, nomeadamente o património petrológico, hidrogeológico, geomorfológico, mineralógico, paleontológico, mineiro entre outros. Do mesmo modo, o conceito de geopatrimónio habitualmente não integra as coleções museológicas de rochas, fósseis e minerais por duas ou mais razões.

Primeiramente, porque os elementos destas ocorrências já não se encontram no seu estado natural, segundo, porque as amostras que se encontram nos museus públicos estão automaticamente protegidas da deterioração por processos naturais, roubo, vandalismo etc. Contudo é inegável que essas coleções possuem valor patrimonial científico, pedagógico, estético, económico (…).

Carvalho (1999) define o geopatrimónio como qualquer ocorrência de natureza geológica, tal como um afloramento rochoso, uma pedreira abandonada, uma jazida com fósseis, etc. desde que assuma um valor documental que justifique a sua preservação como herança às gerações vindouras.

Para Brilha, o geopatrimónio corresponde a um conjunto de ocorrências de elementos da geodiversidade com excecional valor, nomeadamente os geossítios conhecidos também como geomonumentos, quando estes apresentam uma particular grandiosidade. Os geomonumentos por sua vez são uma ocorrência geológica ou geótopo com interesse geológico (científico e pedagógico), que apresenta caraterísticas de monumentalidade, beleza, raridade e grandiosidade.

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Ainda segundo Brilha (2005, pp.54), “o património geomorfológico também faz parte do património geológico, que abarca as formas e modelação da paisagem. No património geológico integram-se todos os “elementos que constituem a geodiversidade, englobando o património geomorfológico, o património paleontológico, o património hidrogeológico”. Partindo da ideia deste autor, aqui também podemos integrar na geodiversidade o património cultural paisagístico bem como os recursos derivados do património geológico.

Rodrigues (1989, cit. Pereira 2006, p. 49) foi uma das primeiras investigadoras a fazer referência ao termo património geomorfológico em Portugal. Na sequência da realização do estudo de caso das Fórnia de Alvados no Maciço Calcário Estremenho, a autora defendeu o interesse patrimonial geomorfológico e paisagístico das geoformas bem como a necessidade de as conservar de modo a defender o aproveitamento racional das suas potencialidades. Ao mesmo tempo reconheceu os seus valores de interesse estético, científico e económico.

Rodrigues (1989, et al. 2011, pp. 281-294) define o património geomorfológico/geológico, como um conjunto de elementos naturais abióticos existentes na superfície da terra e que devem ser preservados por gerações após gerações, devido ao seu valor patrimonial incluindo assim o património geológico, geomorfológico, pedológico, hidrológico. A grande diferença em relação aos trabalhos de Brilha é que os trabalhos de Luísa Rodrigues não consideram que o património geológico integre o património geomorfológico, que é considerado contrariamente, daquele, como se vê na citação anterior.

Na sequência dos aspetos concetuais do património geomorfológico, Cunha e Vieira (2002/2004, p. 19) incluem dois tipos de ocorrências com elementos do património geomorfológico: “as formas do relevo e depósitos correlativos, que de per se ou em conjunto são representativos de determinados processos morfogenéticos. Estes depósitos, quer sejam grandes ou pequenos, isolados ou formando conjunto sistémicos, valerão em função do caráter de excecionalidade e originalidade, associada ou não à raridade que apresentam,” representada na Fig. 7.

De acordo com Vieira (2008, p. 549) os sítios geomorfológicos ou geomorfossítios são elementos constituídos por formas de relevo e depósitos correlativos desenvolvidos a várias escalas, aos quais se atribuem um conjunto de valores (científico, estético, cultural, ecológico e económico) decorrentes da perceção do ser humano. ”Estes elementos geomorfológicos,

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau apresentando elevado valor patrimonial devem ser objeto de proteção legal e promoção cultural, científico-pedagógico e para atividades de lazer, desporto e turismo”

Cumbe (2007, p. 41) classifica um geossítio como uma parte integrante da geosfera que apresenta uma particular importância para a compreensão da história geológica da terra, apesar de estar limitado em termos de espaço físico.

Já Brilha (2005, p. 52) define um geossítio como um local de “ocorrência de um ou mais elementos da geodiversidade (afloramentos quer em resultado da ação de processos naturais quer devido à intervenção humana), bem delimitado geograficamente e que apresente valor singular do ponto de vista científico, pedagógico, cultural, turístico ou outro”.

Do ponto de vista geomorfológico, os geossítios são conhecidos por geomorfossítios - termo proposto por Panniza (2001, cit. por Cumbe, 2007, p. 42). Este autor considera os geomorfossítios como “paisagens geomorfológicas (incluindo processos) com valor científico, cultural/ histórico, estético, social e económico de acordo com a perceção e o uso humano”.

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Figura 7- Esquema concetual do património geomorfológico (Cunha e Vieira 2004, p.549).

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I.6. Como aplicar estes conceitos no Ordenamento do Território?

Em Portugal, a Lei de bases do Ambiente nº11/87 de 7 de abril, artigo nº5, alínea b, define o ordenamento do território como um processo integrado da organização do espaço biofísico, tendo como objetivo o uso e a transformação do território de acordo com as suas capacidades, vocações e a permanência dos valores de equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspetiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida.

A Carta Europeia de Ordenamento do Território de 1983 define-o como uma disciplina científica, uma técnica administrativa e uma política que se desenvolve numa perspetiva interdisciplinar e integrada, tendente ao desenvolvimento equilibrado e à organização física do espaço segundo uma estratégia de conjunto. A mesma carta destaca a gestão responsável dos recursos naturais e a proteção do ambiente, como principais objetivos do Ordenamento do Território.

Neste contexto, as geociências têm adquirido em Cabo Verde maior importância nomeadamente nas áreas do ensino da geografia, biologia e na investigação (Victória, 2008 p.290). Os planos implantados pelo governo têm vindo a dar ênfase à necessidade de proteger o ambiente nas áreas de suporte da biodiversidade e dos recursos naturais (recursos hídricos, geológicos e minerais) e aos impactos ambientais. Contudo, a componente geológica tem vindo a ganhar consistência à medida que a sociedade adquire consciência do seu valor no âmbito da educação, suporte da biodiversidade e na valorização do património natural.

Assim o papel das Geociências, do ponto de vista científico é cada vez mais importante no Ordenamento estratégico do Território, na melhoria do ambiente e na valorização do património natural, pois ou uma vez que, o património é um recurso importante para o desenvolvimento (…). Cabo Verde constitui uma grande maravilha da natureza e possui uma variedade de geossítios de grande interesse que requer medidas específicas de conservação, de modo a promover a gestão racional dos recursos naturais e a valorização do património natural. A sua valorização como local de interesse geomorfológico é vista na perspetiva, de unidade territorial com atributos geológicos relevantes para incluir no Ordenamento do Território.

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A necessidade de preservar as referências do património natural de um determinado lugar uma vez que este se considere inigualável, é um dos motivos para garantir a sua preservação. A paisagem física não é somente a flora e a fauna. É também e sobretudo o suporte geológico. Carvalho e Brilha (2010, p.436) enfatizam o interesse científico da conservação dos geossítios uma vez que esta é essencial para garantir o desenvolvimento das Geociências. Mas, para isso, é preciso pôr em prática as políticas e estratégias de conservação da natureza e de Ordenamento do Território.

Para o Planeamento e Ordenamento do Território, devem ter-se em conta os valores patrimoniais e locais com interesse geológico ou geomorfológico. Por isso, os geossítios quando integrados num programa de um roteiro ligado ao turismo da natureza, contribuem para o desenvolvimento das sociedades locais.

Na Ilha de São Nicolau, a atividade turística encontra-se numa fase ainda muito incipiente. Os valores patrimoniais que ela possui poderão motivar o aparecimento de muitos mais espaços naturais valorizados com vista a desenvolver a ilha no sentido económico e sociocultural. Por outro lado, deve apostar-se na política educativa para que haja um conhecimento sobre o geopatrimónio, alertando dessa forma as populações, para as questões de sensibilização e proteção do ambiente.

Segundo Brilha (2005) o património geológico pode constituir um recurso de elevado valor seja ele científico, pedagógico, turístico ou económico. Estes conceitos podem ser aplicados como estratégias para o desenvolvimento territorial com base na geodiversidade.

Até à atualidade poucos têm sido os trabalhos dedicados aos temas relacionados com a geoconservação e a geodiversidade em Cabo Verde. Devido às suas condições climáticas, as ilhas estão sujeitas a grandes ameaças face à sua suscetibilidade no que diz respeito a grandes riscos geomorfológicos nomeadamente à erosão, aos riscos de cheia, à escassez de recursos geológicos, à perda da biodiversidade etc. Esses problemas estão também relacionados com o ordenamento do território. Por este motivo, é necessário preservar os recursos contra a sua exploração.

A falta de consistência destes materiais traz graves consequências ao nível de potenciais riscos geomorfológicos. Para além destas consequências, é importante ter em mente que são recursos esgotáveis cuja perda será irreversível.

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CAPÍTULO II. ÁREA EM ESTUDO

II. 1-Enquadramento Geográfico

O Arquipélago de Cabo Verde localiza-se aproximadamente a 455 km da costa ocidental Africana, entre os paralelos 17º13´ e 14º 18´ de latitude norte e entre os meridianos 22º 42´ e 25º 22´ de longitude oeste de Greenwich e a 1400 km a sul sudoeste (SSW), das Canárias.

O Arquipélago é constituído por um conjunto de dez ilhas e cinco ilhéus principais. Estas dez ilhas foram divididas em dois grupos consoante a sua exposição ao vento dominante que sopra do nordeste (ventos alísios): o grupo de Sotavento e o grupo de Barlavento.

Segundo Bacelar (1932, pp. 10-12) “as ilhas emergem de um soco submarino, em forma de ferradura, situado aproximadamente a 3000 metros de profundidade. Deste soco emergem três pedestais, que se podem observar na Fig. 8: a norte compreende as Ilhas de Santo Antão, São Vicente, os Ilhéus (Raso, Branco) e a Ilha de São Nicolau; na parte Leste- Sul as Ilhas do Sal, Boavista, Maio, Santiago e Ilhéus (…); e a Oeste as Ilhas do Fogo, da Brava e os Ilhéus. Entre a Ilha de São Nicolau e a do Sal, existe um pedestal secundário que chega quase a atingir a superfície do oceano com cerca de 80 metros de profundidade.

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Figura 8- Distribuição das Ilhas de Cabo Verde nos três pedestais. Pereira, (2010 p. 113), adaptado a (Bebiano 1932).

A Ilha de São Nicolau é a quinta ilha do Arquipélago inserida no grupo de Barlavento. É a última ilha deste grupo, na direção nordeste-sudoeste (NW-SE), atingindo 1500 m de altitude acima do nível médio da água do mar, tendo como ilhas vizinhas Santo Antão, seguido de São Vicente, a noroeste e na parte extremo do sudoeste, a Ilha deserta de Santa Luzia e os Ilhéus Branco e Raso. Em direção a norte-noroeste (N-NE), encontra-se a Ilha do Sal, Fig. 9.

Situa-se entre os paralelos 16º 28` N e 16º 40` 41`` N e os meridianos 24º 00` 47`` e 24º 25` 57``W (Macedo et al; 1988) e ocupa uma superfície com cerca de 343 km2. O comprimento máximo é de 45 km na direção este-oeste e a largura máxima de 25 km na direção norte-sul. Possui uma formação muito peculiar, semelhante ao continente africano na parte ocidental (norte-sul), que abrange a ponta do Espechinho à Vermelharia com 23 km, e a ponta da Prainha e Brouco com 16 km.

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A configuração da Ilha de São Nicolau é bastante distinta das outras ilhas, devido à falha do campo da Preguiça, que a separa em duas partes. A parte mais larga, tanto para a vertente norte como para a vertente sul, é constituída por vários esporões que formam entre elas verdadeiros canhões, que se denomina de corpo da Ilha. A outra parte mais adelgaçada, tem um alongamento em forma de uma cauda, com cerca de 38 km de comprimento e 5 km de largura média respetivamente na direção oste-este.

Figura 9- Enquadramento Geográfico da Ilha de São Nicolau

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II.2- O Clima

Do ponto de vista climático, Cabo Verde localiza-se entre a zona dos Anticiclones Subtropicais e a zona de Baixas Pressões Equatoriais, onde predominam os chamados ventos gerais ou alísios do nordeste. O clima de Cabo Verde está muito dependente da posição da convergência intertropical (CIT), que corresponde a uma superfície de descontinuidade que separa o ar húmido proveniente das duas zonas de divergência de massa de ar e de natureza diversa, situadas em cada um dos hemisférios.

As posições do Anticiclone dos Açores e da convergência intertropical (CIT) determinam principalmente a sucessão dos tipos de tempo que constitui a dinâmica do clima das ilhas, (Ribeiro, 1960, pp.49-50). Os dois tipos de tempo são designados de tempo das águas que correspondem aos meses mais chuvosos (os meses de julho a outubro), em que a Frente Intertropical se desloca para norte transpondo o Arquipélago, de maneira que este fica atingido pela massa de ar quente e húmido temporariamente.

A instabilidade das massas de ar deve-se sobretudo ao “ar da monção” quente, húmido e instável que se associa às depressões vindas de Leste e outras depressões que se formam no Atlântico sul das ilhas. São estas instabilidades, que dão origem a chuvas por vezes violentas e escassas provocando mau tempo, e outras vezes de forma prolongada, mas de intensidade variada (Ribeiro, 1960, pp. 53-54). O tempo seco corresponde aos restantes meses do ano. O facto de os ventos alísios não transportarem ar húmido, faz com que o país apresente seca durante quase todo o ano.

Segundo Semedo (2004, cit. Alfama, 2007, p. 26) devido à influência da corrente fria do norte das ilhas, designada também de Corrente das Canárias, a precipitação e a humidade sofrem influências marítimas. Quando ocorrem os ventos alísios, a massa de ar proveniente do anticiclone dos Açores arrefece em contato com o mar frio. Este fenómeno faz com que as condições da atmosfera estabilizem, dificultando a ocorrência de precipitações.

Rebelo (1999, p. 48) do ponto de vista da climatologia, salientou “ a posição relativa da CIT no decorrer do ano, porque a ela se associa uma massa de ar fortemente pluviogénica de ar tropical marítimo instável da moção de sudoeste, do qual o arquipélago recebe os aguaceiros da estação das águas”.

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As ilhas possuem caraterísticas áridas e semiáridas com tendência para a seca reforçada pelos ventos alísios do nordeste (NE) que determinam a estação seca, também conhecida pelo harmatão. É uma corrente de ar quente e seco muitas vezes acompanhado de poeiras, que sopra de Este do Continente Africano (Teixeira, 2004) que se faz sentir no início do ano por vezes com frequência no mês de outubro.

Nunes (1962) define duas regiões climáticas para a Ilha de São Nicolau. Estas duas regiões climáticas são afetadas pelos condicionalismos à escala local consoante a exposição das vertentes. A primeira região climática abrange a ponta Leste, estendendo-se pelo Campo de Preguiça e englobando toda a zona Sul do Oeste da Ilha, avançando para W e NW.

O facto de esta área possuir declives e altitudes baixas, faz com que o ar tenha dificuldades em atingir alturas suficientes devido aos movimentos de convecção, o que vai resultar numa fraca formação de nuvens e consequente precipitação. A segunda região climática possui características mais húmidas, com o predomínio de relevos mais acentuados que distinguem estas duas regiões climáticas.

É nesta segunda região climática da ilha, que se avistam os grandes vales bem como as áreas agrícolas de maior relevância para a agricultura (vale de Fajã) e para o sequeiro (Cachaço, Lobo Pelado, Pico Agudo, Covoada, vale de Camarões e de Matim). A ilha de São Nicolau possui um clima suave, mas que não se diferencia tanto do clima geral do país. A temperatura é amena chegando a atingir valores máximos mensais que rondam os 26 a 27º C.

Um estudo feito por Olivry (1981, p. 40) sobre a ”Precipitação em São Nicolau” com base nas classificações geográficas e climáticas, indica que a ilha apresenta um clima árido. Também realçou que as particularidades de cada área fazem sobressair a grande diversidade, em função dos fatores locais.

Na realidade, acontece que muitas vezes chove numa parte da ilha enquanto na outra nem sequer chega a cair uma gota de chuva. Por vezes a chuva nem chega à terra, ficando mesmo no oceano. São os contrastes do sistema montanhoso que explicam as diferenças de precipitação entre as partes das ilhas.

O clima tem uma influência muito forte na paisagem presente nos diversos pontos da ilha. Nas palavras de Orlando Ribeiro (cit. Correia, 1996 p.85) estão sempre presentes as influências: do quadro local geográfico, da exposição das vertentes, da morfologia, da altitude e da componente atmosférica que marcam esta diversidade. No entanto, a precipitação é um

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau aspeto que merece destaque devido à sua escassez, variabilidade e irregularidade que se relacionam com a forma como esta se distribui na ilha.

Amaral (1964, p.17), na sua Dissertação de Doutoramento sobre a “Ilha de Santiago Cabo Verde: a terra e os homens”, realçou a importância do clima, como um fator primário na paisagem da ilha uma vez que a condiciona em todo o seu aspeto. Segundo este autor “o clima determina um tipo de particular solidariedade entre as diversas ordens de fenómenos, como a evolução do relevo, os solos e a vegetação, o regime hidrográfico e a ocupação humana”.

A importância do clima reflete-se na paisagem e em todos os aspetos da vida do Cabo- Verdiano. É a abundância de precipitação que assegura a agricultura (cultivo do milho e do feijão), que constitui a base de subsistência de grande parte das ilhas sobretudo nas áreas rurais. Caso contrário, a sua escassez origina transtornos para quem depende dela para a sua sobrevivência.

A chuva reflete um tipo particular de solidariedade na alma do povo que se transmite na cultura, música, gastronomia e também na literatura locais. Muitos poetas e escritores fornecem-nos essa descrição, através da cartografia real e simbólica dos espaços da paisagem e da sociedade com belíssimos romances do país.

Por exemplo, o poeta escritor Eugénio Tavares diz “o que seria de Cabo Verde se a natureza decidisse abençoar-nos com chuvas regulares? (…). Mas infelizmente (…) em menos de um mês, toda essa alegre beleza começa a secar, a definhar de novo e o castanho cobre a ilha. A voz do poeta eugeniano continua toda a hora a escoar na boca das ribeiras, nos campos áridos das Ilhas Cabo Verdianas, nas cordas dos instrumentos musicais (…) no coração amigo dos imigrantes, em todas as latitudes, nas vozes livres do poeta” (in Romance Mornas e Cantigas Crioulas, Eugénio Tavares).

Já Lopes Chiquinho sobre esta temática afirma o seguinte: “O ano agrícola começou com boa cara, com a chuva geral logo em princípio de agosto. Toda a ilha foi semeada. Mamãe recomendava (…) que semeasse todo o milho. A prenda que tinha na cabeça imunizava-me contra o trabalho agrícola. Enxada não é para a gente aprendida (…)” (Romance Caboverdiano, Lopes Chiquinho).

Com base nas precipitações médias mensais num período de vinte anos (1980-2000) verificadas nas cinco estações meteorológicas selecionadas nas diferentes partes da ilha

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(gráficos 1 a 5, ver anexo II) é possível ter uma noção da variabilidade da precipitação e da influência dos ventos alísios durante os meses a partir de outubro. No período mais chuvoso influenciado pela convergência Intertropical (CIT), como se pode verificar nos gráficos acima mencionados, os valores de precipitação mais elevados registam-se nos meses de agosto e setembro, em todos os cantos da ilha.

Um dos fatores condicionantes está ligado à orografia, ou seja, ao contraste do sistema montanhoso. Como se pode observar, são valores que se registam nas localidades que estão abrangidas pela região mais húmida, de relevos muito acentuados e com exposições voltadas a N e NE - é o caso do posto de Canto Fajã com cerca de cento e vinte milímetros, do posto da Praia Branca com cem milímetros, seguido do posto de Cachaço aproximadamente com oitenta milímetros. Contrariamente o posto da Ladeira da Vila de Ribeira Brava, apresenta aproximadamente setenta milímetros, e por fim, o do com cerca de oitenta milímetros, onde se verifica uma ligeira influência da exposição do relevo refletindo-se em valores de precipitação relativamente mais baixos.

II.3- Aspetos geológicos

Do ponto de vista geológico, a Ilha de São Nicolau assim como as outras ilhas que constituem o Arquipélago, são de origem vulcânica. Em geral, esta ilha é ocupada por mantos basálticos (Fig. 10) também designados por “série basáltica” que formam camadas extensas, quase sempre inclinadas para as áreas costeiras com o pendor que varia entre os 6 a 10º. Estes mantos são acompanhados de produtos piroclásticos (brechas, aglomerados, lapilis, tufos e escórias).

Estes produtos vulcânicos foram derramados principalmente pela cratera principal que atualmente ocupa a área designada de Monte Gordo, Bebiano (1932, p. 99). Esta série basáltica por vezes é cortada por filões de rochas ácidas. Estas formações verificam-se em algumas áreas, sobretudo as que abrangem o vale da ribeira Brava, o vale da ribeira do Recanto e a de Coxe. Os filões apresentam um certo contraste entre a cor branca das rochas ácidas e a cor escura do manto basáltico, que Bebiano designou por “complexo da Vila”.

O mesmo autor afirma que a parte mais adelgaçada da ilha que será mencionada mais à frente do capítulo, formou-se a partir dos vulcões secundários situados nas proximidades do

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Monte Bissau, Tope Simon e Monte Vermelho. Em certas áreas, observam-se alguns vulcões que foram expelindo grande quantidade de lapilis, nestas áreas. Vulcões, esses, que se apresentam hoje em formato de “caldeiras”, como por exemplo na cratera que se verifica a norte nas proximidades do aeroporto da Preguiça com cerca de 2 km, a Caldeira do Manjolo Grande e Ladrão com cerca de 6 km e a do Morro Galinha a sueste do Juncalinho etc.

De acordo com a Notícia Explicativa da Carta Geológica da Ilha de São Nicolau (Cabo Verde), escala de1/50.000 de Macedo et al. (1988, pp. 1-32) admite-se que a história geológica da ilha tenha ocorrido em “três ciclos eruptivos completos, muitas vezes interrompidos por deposições sedimentares, nomeadamente os calcarenitos, conglomerados e areias, produzidas sobretudo nos períodos de relativa calma vulcânica - (Complexo Eruptivo Interno Antigo, o Complexo Eruptivo Principal e os Depósitos Sedimentares).

Os materiais piroclásticos distribuem-se pela maior parte do maciço montanhoso e também pelo resto da Ilha, nomeadamente nas extremidades de NW (Localidade de Praia Branca) e nas direções de SW e Sul (na região do Monte Gordo, Monte Bissau, Casinhas, Ponta Calheta e Porto Lapa).

Na costa da ilha, os depósitos fossilíferos terciários são dominantes por vezes intercalados de mantos basálticos, com maior representação nas áreas do Carriçal, Castilhianos, Ribeira Alta e Chão do Barril.

As rochas granulares estão presentes em alguns locais e são de origem “mentílica”, (Mendes, 1980, cit. por Macedo, 1988, p. 4) e incorporadas em escoadas basálticas de carbonatitos e blocos soltos de natureza calcítica.

Do ponto de vista geotectónico, Mateus Nunes (1962) identificou uma interrupção de uma fratura na região da Preguiça que separa o corpo da ilha de uma cauda. A mesma falha geológica na direção norte-sul foi também identificada por Bacelar Bebiano (p. 115). A descoberta dos sedimentos fossilizados bem como a presença de fósseis marinhos no Monte Focinho vieram comprovar que o atual campo da Preguiça esteve submerso, tendo sido levantado mais tarde a superfície que se observa com cerca de 200 metros de altitude.

Mediante a informação presente na Notícia Explicativa Geológica, do ponto de vista da estratigrafia, a ilha apresenta as seguintes unidades estratigráficas que também se podem observar no quadro da Fig.11.

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1- Complexo Eruptivo Interno Antigo - representa a unidade de afloramentos rochosos mais antiga da ilha, constituída na maior parte por filões de origem basáltica acompanhados de brechas intravulcânicas, escoadas lávicas, materiais piroclásticos de natureza fonolítica, numa idade mais recente. A maior parte destes afloramentos verifica- se nas áreas da Vila de Ribeira Brava, na encosta escarpada de Calenjão, na localidade de , Pombas, Cabeço de Vaca e Baia de Barreiro. 2- Sedimentos do Miocénico Superior - representam os níveis de conglomerados de calcário e calcarenitos fossilíferos intercalados entre as rochas do Complexo Eruptivo Antigo. A maior parte desses afloramentos verifica-se no Campo da Preguiça e na Ribeira do Boqueirão. 3- A formação de Figueira de Coxe - é constituída por derrame lávico e piroclásticos submarinos, separados em alguns locais por sedimentos da idade Miocénica Superior. Esta unidade também se verifica na Vila de Ribeira Brava, Queimada, na área de Carvoeiro, Belém, Ponta de Cachorro, Juncalinho, Moro Braz e Ribeira Alta. 4- Depósito Conglomerático-Brechóide - esta unidade contém uma estratigrafia semelhante ou idêntica às Ilhas de Santiago, Boavista, Maio e São Vicente. É constituída essencialmente por depósitos sedimentares (elementos poligénicos, rolados e angulosos de varias dimensões). Estes materiais verificam-se praticamente na estrada que vai da Ribeira Brava ao Calenjão, nos planaltos de Fajã, , Belém e Juncalinho. 5- Complexo Eruptivo principal - esta unidade geológica domina a maior parte da ilha. A estratigrafia é comparada com o complexo eruptivo do Pico de Antónia na ilha de Santiago e a formação de Calheta na Ilha de Boa Vista. A maior parte, constitui-se por escoadas subaéreas e submarinas e ainda piroclastos de natureza basáltica. Esta formação observa-se na localidade do Carriçal, Debaixo de Rocha, a norte de Ribeira Brava, no Talho, Ribeira de Boqueirão, Cabaçalinho, Fajã e nas principais ribeiras como a ribeira de Calhau, ribeira Seca, Prainha, ribeira Manca, e entre e Praia Branca. 6- Formação de Preguiça - está associada a outras formações, nomeadamente o Complexo Eruptivo Principal mencionado anteriormente, a formação do Monte Gordo e os Sedimentos Quaternários, que serão abordados seguidamente. É constituída por escoadas subaéreas e submarinas, acompanhadas por piroclastos. Estas formações estendem-se pela área de Cachaço, sobretudo os piroclastos em forma de filões, em todo o vale da Fajã, Cabaçalinho, Morro Alto, Chão Bonito, nas áreas litorais do sul de Tarrafal, do porto da Preguiça, da Ponta Preta e da Boca da Ribeira.

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7 - Formação do Monte Gordo - esta formação tem um paralelismo com os episódios vulcânicos que ocorreram nas outras ilhas de Cabo Verde, como por exemplo as formações de Monte das Vacas na Ilha de Santiago.

Os materiais piroclásticos (lapili, escórias e bombas) do Monte Gordo marcam praticamente a morfologia da maior parte da Ilha bem como as escoadas lávicas do Complexo Eruptivo Principal. Em algumas partes orientais, encontram-se aparelhos secundários que conservam ainda as crateras (por exemplo nas proximidades do aeroporto da Preguiça). Verificam-se também os maiores afloramentos com os mesmos materiais nas áreas do Parque Natural do Monte Gordo, Praia Branca, Vila da Ribeira Brava, Morro Alto, Monte Bissau, etc.

8 - Formações Sedimentares Quaternárias - estes sedimentos plistocénicos são essencialmente calcários, de fáceis marinha, alguns terraços e dunas fósseis. No entanto os sedimentos de maior desenvolvimento nesta ilha são na sua maioria da idade holocénica, compostos por depósitos de vertentes, enxurradas e cones de dejeção, com predominância de aluviões e areias em algumas áreas.

As fáceis marinhas são representadas por areias e cascalheira das praias. Alguns desses depósitos podem ser encontrados na foz e a montante da Ribeira Brava, Ribeira do Chamiço, Ribeira Prata, Cabeço de Vaca, Campo de Preguiça, Chão de Norte, estrada de Juncalinho, Ponta Preta, Carriçal, e a Noroeste do Tarrafal.

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Figura 10. Carta Geológica da Ilha de São Nicolau (Macedo et al. 1988).

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Figura 11- Quadro Estratigráfico da Ilha de São Nicolau

Idade Formações Fácies Continentais e Fácies Marinhas

Aluviões (a), Areia (ar), depósitos de vertente (dv), Depósitos de Holocénico enxurrada (de)

Cones de dejeção (cd), Cascalheira de praia (cp), areias de praia (ap)

Plistocénico Terraços (t), Dunas fósseis (df),Calcários (cal)

Formação do Monte Gordo Cones de piroclastos (pi), Pequenas escoadas (m), basaltos

Escoadas subaéreas (mPG) e submarinas (LRPG) e Piroclastos Pliocénico Formação da Preguiça basálticos (PiPg)

Mantos subaéreos (M), Piroclastos (Pi), Chaminés fonolíticas intercaladas

Mantos submarinos basálticos das séries inferiores (LRi) e superiores (LRs)

Sedimentos intercalados (conglomerados, calcários, calcarenitos, fossilíferos e dunas fósseis)

Complexo Eruptivo Lavas submarinas superiores, Lavas submarinas inferiores, Principal conglomerados, calcários, calcarenitos fossilíferos (cgcal)

Depósitos conglomeráticos brechóides (CB), conglomerados e Miocénico Superior-Pliocénico brechas sedimentares e camadas areno-argilosas

Mantos (ф) e piroclastos (π) submarinos

F. de Figueira de Coxe Conglomerados, calcários e calcarenitos fossilíferos de Monte Focinho Miocénico Superior

Escoadas, Chaminés (ch), piroclastos (Pi) Fonólito (Ø) Complexo Eruptivo Interno Ante Miocénico Superior Antigo (CA, sl) Filoniano de base e brechas intravulcânicas (CA,sr)

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

II.4 - Aspetos Geomorfológicos

Segundo Bebiano (1932) a orientação das ilhas derivou dos diversos diques e filões que se encontram hoje na Ilha de Santo Antão e também devido ao relevo submarino das ilhas de Sotavento. Este fato, parte do princípio que as ilhas se formaram ao longo da fratura de orientação E-W, proveniente dos fenómenos vulcânicos.

A Ilha de São Nicolau na sua totalidade apresenta uma variedade de formas de relevo que lhe confere uma configuração única face às restantes Ilhas. De acordo com a descrição de (Nunes, 1962) já mencionada anteriormente, esta configuração divide-a em duas formas dando-lhe a aparência de um corpo na direção Norte-Sul (o Maciço Montanhoso do Monte Gordo) e mais adelgaçante em forma de uma cauda, no sentido Este-Oeste.

Estas caraterísticas resultaram da diferenciação da natureza dos mantos geológicos que cobriram a superfície da ilha nas últimas décadas da erupção vulcânica, que resultou a sua divisão geológica. No entanto, a origem e a idade muito recentes atribuem à ilha um relevo de caráter violento, marcado pela erosão em quase toda a sua superfície (Nunes,1962). Por outro lado, a orografia e os ventos alísios devido ao seu comportamento em função da distribuição do relevo, oferecem-lhe um caráter mais árido para a região sul.

A ilha inclui dois maciços montanhosos: um deles domina a parte central e destaca-se pelos relevos mais significativos do ponto de vista orográfico, atingindo o ponto mais alto - o Monte Gordo com 1312 metros de altitude e o Alto das Cabaças com 656 metros de altitude. O outro maciço localiza-se a oriente cujos alinhamentos se estendem nos sentidos Este-Oeste em forma de cristas, que terminam no Monte Matias e no Morro Vermelho, como se pode observar na Fig. 12.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Figura 12. Mapa hipsométrico da Ilha de São Nicolau

A configuração geomorfológica define por vezes uma paisagem marcada por elevações em terrenos de piroclastos (escória e lapilis em forma cónica), alternados com uma certa assimetria e sem interrupções, que geralmente se encontram nas proximidades de algumas nascentes de água (áreas de Hortelã, Torno d´Água…).

Por outro lado encontram-se relevos muito acidentados, que chegam a atingir valores superiores a 40º, numa cadência quase ritmada, separados por vales profundos e muito encaixados que cortam as formações basálticas e as escórias vulcânicas (Fig. 13). Em alguns casos, estes vales apresentam formas muito alargadas de vertentes abruptas ou em forma de anfiteatro, como por exemplo, o vale da Vila da Ribeira Brava. Em outros casos, instalaram- se em filões de traquito e outras rochas duras que desenham na paisagem formas de cristas e picos.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Figura 13. Mapa de declives da Ilha de são Nicolau

Os afloramentos rochosos apresentam alternâncias de matérias lávicas, piroclásticas e disjunções basálticas. Devido a esta alternância, o fundo dos vales mantém grande quantidade de carga sólida que ao ser arrastada pelas correntes confere-lhe uma platitude bem marcada.

Devido à riqueza do solo, grande parte dos campos aluvionares dos fundos dos vales são aproveitados para a prática da agricultura. O solo distribui-se na ilha respeitando os efeitos climáticos. Por exemplo nas superfícies de maior elevação, apresenta uma tonalidade mais escura com vários horizontes de acumulação em comparação com os solos áridos que constituem as crostas carbonatadas de profundidades variáveis nas plataformas costeiras.

Relativamente à hidrografia, as ribeiras já referidas anteriormente, são geralmente muito profundas e com poucos afluentes. Alguns leitos são pedregosos e apresentam percursos variados de caráter torrencial e temporário, devido ao regime a que estão sujeitos. Em tempos, parte das linhas de água acabaram por se instalar nos depósitos de vertente, à medida que os sedimentos arrastados se iam acumulando.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Excecionalmente em algumas ribeiras a água brota nas nascentes - é o caso da Ribeira Funda, Camarões, Queimada, Ribeira Brava, Ribeira Prata, Fontainha e a ribeira de Calhau. Na parte oriental verificam-se os casos da Ribeira Seca, Ponte d´água e Ribeira Alta. A existência destas nascentes faz com que a vegetação apareça em certas áreas e nas ribeiras que se iniciam no Maciço Montanhoso do Monte Gordo.

As orlas costeiras da ilha materializam-se por imponentes falésias que alternam com plataformas litorais de encostas, constituídas na sua maioria por materiais na fase de alteração e de desmoronamento adjacentes. A linha de costa apresenta formas modeladas bastante recortadas e irregulares, que desenham em determinados troços grandes formações de deltas lávicos dando origem a grandes baías. Muitas dessas baías são constituídas por substrato rochoso variado que, por vezes, dá origem a praias de areias com dimensões e cores diferentes.

Deste modo, pode-se dizer que a morfologia vigorosa da ilha é responsável por paisagens diversificadas e de grande valor estético que por isso têm um elevado valor patrimonial.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Figura 14 - Sistema Montanhoso do Arquipélago em altitude. Fonte: Saraiva (1961, p.28).

II.5 - Dinâmica sociodemográfica

As ilhas foram descobertas provavelmente em dois períodos: em 1460, o grupo de Sotavento e em 1462 o grupo de Barlavento, no qual está inserida a Ilha de São Nicolau. Foi preciso introduzir tudo: “homens, animais, a cultura alimentar vinda de Portugal, de África, do Brasil e da Índia. O cruzamento destes povos deu origem ao povo Cabo-verdiano e à sua cultura como a musica (a Morna, o Batuque, a coladeira), a gastronomia (o milho) introduzido do Brasil e à própria língua o “Crioulo” (Amaral, 1964, p.19).

Desde do período da colonização, o Ser Humano privilegiou os recursos da Natureza através da navegação - o mar. O Ser Humano sempre desenvolveu no seu espaço geográfico a prática de diversos atividades, de modo a satisfazer as suas necessidades, daí que o meio tenha sido obrigado a sofrer determinadas alterações.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Do ponto de vista administrativo a ilha divide-se em dois concelhos: o Concelho da Vila de Ribeira Brava e o Concelho da Vila do Tarrafal (Fig.15).

Figura 15. Divisão administrativa dos dois concelhos.

Com base nos dados do censo de 2010, presentes no quadro da (Fig.16), a ilha tem uma população total de 12817 habitantes. O Concelho da Vila de Ribeira Brava possui um total de 7580 habitantes distribuídos por vinte e cinco localidades, enquanto o Concelho do Tarrafal possui um total de 5237 habitantes, distribuídos por cinco localidades.

Figura 16. Quadro da população total por concelho segundo o sexo

População total por concelho segundo o sexo Concelho Masculino Feminino Ribeira Brava 3886 3694 Tarrafal 2735 2502

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Censo 2010

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

O gráfico presente na Fig.17 apresenta as barras do crescimento demográfico a desde 1940 até ao ano de 2010 para a Ilha de São Nicolau. Como vimos a população até aos anos cinquenta do século passado teve um crescimento muito lento, marcado por longos períodos de crise provocados pela fome, doenças sanitárias e infeciosas (gastroenterite, paludismo etc.) e as secas prolongadas de 1941-1942 e 1947-1948.

18.000,0 Evolução da população num período de 70 anos 16.000,0

14.000,0

12.000,0

10.000,0

8.000,0 População 6.000,0

4.000,0

2.000,0

0,0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Figura 17- Gráfico da evolução da população (1940-2010)

Graças à melhoria das condições sanitárias, às medidas tomadas através de programas de assistência médica (como a vacinação) e à consequente diminuição da fome, foi possível reduzir a mortalidade.

O período de 1950-1960 reflete a explosão demográfica de 10366 para 13866 habitantes na Ilha de São Nicolau. Este crescimento ficou marcado por um período de elevada natalidade e uma mortalidade decrescente em todo o país. Como se pode observar no gráfico, os anos de 1970 registaram a maior subida de população desta ilha com cerca de 16308 habitantes. A partir desta data até 2010, a população diminuiu significativamente.

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Esta diminuição da população esteve associada ao fenómeno emigratório sobretudo da população jovem à procura de novas oportunidades para outras ilhas nomeadamente, a Ilha de São Vicente e a Ilha Sal, devido às ofertas de emprego ligadas ao turismo. De destacar ainda a emigração para o estrangeiro (Angola, Portugal, EUA, Holanda…).

Com base nos dados estatísticos presentes no quadro da Fig.18, é possível verificar que a população ativa e ocupada, concentra-se na sua maioria no concelho da Vila da Ribeira Brava, com destaque para os indivíduos do sexo masculino. Pelo contrário, os valores mais elevados da população desempregada verificam-se no concelho do Tarrafal afetando sobretudo a parte masculina.

Figura 18. Quadro da população ativa e desempregada nos dois concelhos em percentagem.

População População ativa ocupada Masculino Feminino desempregada Masculino Feminino (total) em (%) (total) Vila de Ribeira Brava 2.750 64,2 35,8 136 66,2 33,8 Vila do Tarrafal 1.825 64,9 35,1 190 55,8 44,2 Ambos os sexos 15-24 25-44 45-64 > 65 - Vila de Ribeira Brava 4,7 11,2 3,2 2,6 0 - Vila do Tarrafal 9,4 18,4 7,7 5,9 0 -

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Censo 2010

Quanto ao nível de ensino, apesar de existir uma escola de ensino básico e secundário em cada concelho, a vila do Tarrafal é a que apresenta maior percentagem de população sem escolaridade, e com nível pré- escolar, relativamente alto em relação ao concelho da Vila de Ribeira Brava. A desigualdade que se verifica entre os dois concelhos ao nível do desemprego pode justificar-se, pelos diferentes níveis de instrução/escolaridade nos dois concelhos, Fig.19.

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Figura 19. Quadro do nível de ensino da população com três ou mais anos em percentagem

Nível de ensino da população 3 anos ou mais (%) Bacharel Sem nível / nunca Pré- Alfabetiza Ensino Curso Secundário ou frequentaram escolar ção básico médio superior

Vila de Ribeira Brava 4,7 4,3 2,3 54,9 23,2 0,7 1,8 Vila do Tarrafal 12,4 6 1,8 52,3 23,2 0,9 1,4

Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Censo 2010

II.6. Dinâmicas das atividades económicas

Desde o final do século XVII a forma de sobrevivência da população já assentava no seu património natural ou nas suas riquezas naturais, através da exploração dos recursos do solo nomeadamente a urzela2, o algodão e o dragoeiro (planta autóctone da ilha) e outros produtos florestais.

Mais tarde, no século XVIII, assistiu-se ao surgimento do café e de plantas oleaginosas como a purgueira (jatropha curcas) entre outras plantas produtoras de fibras como o caso do Carapete (furcraea foetida), que constituíam a riqueza económica da ilha bem como a criação de gado. Esta foi a primeira fonte de rendimento económico da ilha desde o século XV (Teixeira, 2004, p. 94). Desde sempre a agricultura de sequeiro, por outras palavras o cultivo do milho e do feijão bem como a criação de gado já mencionada, foram os produtos-chave que marcaram o desenvolvimento de São Nicolau e das outras ilhas em geral, como por exemplo a Ilha de Santiago, Amaral (1964).

A chuva, apesar dos constrangimentos provocados no aproveitamento da colheita do milho e dos seus derivados desempenha um papel primordial na dinâmica económica da ilha,

2 A urzela trata-se de um líquen que nasce nas rochas das áreas costeiras. Essa planta foi aproveitada como tintureira para a confeção de tecidos, no país em que esta atividade estava mais desenvolvida, sobretudo as manufaturas holandesas e inglesas.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau porque em períodos de pluviosidade abundante a produção de produtos agrícolas é garantida e a agricultura é um setor que representa a base de subsistência de quase toda a economia do país.

Dada a sua importância, a ilha possui uma forte vocação para a atividade agrícola. A Câmara Municipal de São Nicolau tem vindo a contribuir para aumentar a produção diversificando-a para as zonas húmidas. Embora seja uma agricultura de autossuficiência, continua a ter dois tipos de exploração: a de sequeiro e a de regadio. A cultura de regadio existe em pequena proporção e em espaços agrícolas muito dispersos, nomeadamente no vale de Fajã.

Desenvolve-se em terrenos irrigados, cuja água provém de galerias. Na cultura de regadio predomina essencialmente o cultivo da banana, cana-de-açúcar, produtos hortícolas, raízes e tubérculos.

A pesca embora seja importante para a economia local, continua a ser deficientemente explorada pelas populações. Embora seja significativo para a economia, o peixe destina-se essencialmente ao sustento familiar. Contudo, constitui uma mais-valia para a economia no Concelho do Tarrafal (onde se encontram as respetivas fábricas de conserva do peixe), não só pelo número de pessoas empregadas direta e indiretamente como também para o consumo alimentar da população.

Destaca-se ainda a venda de peixe no mercado no Concelho da Ribeira Brava pela população vinda da localidade da Preguiça. Os condicionalismos ligados à falta de infraestruturas, de incentivos à população e a uma deficiente rede de transportes de ligação entre as ilhas, faz com que a distribuição do peixe seja feita basicamente no seu estado natural para o mercado, como por exemplo o peixe salgado feito de forma tradicional bem como o enlatado de atum.

O comércio, quer em São Nicolau quer em todo o Arquipélago, desenvolve-se em virtude da posição geoestratégica que lhe proporcionou o Oceano Atlântico como ponto de referência para a navegação e linha de ligação entre as outras ilhas.

Quanto ao turismo, mesmo que as vocações estejam mais viradas para a praia e o mar, a atividade turística presente na ilha encontra-se em fase de iniciação. Entre as principais razões que poderão justificar esta realidade poderão apontar-se a falta de infraestruturas, manutenção, a ausência de um plano estratégico de desenvolvimento do turismo a nível

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau ambiental e consequentemente de um roteiro turístico nacional. São Nicolau apresenta grandes potencialidades políticas e ambientais em vários domínios, que poderão contribuir para um desenvolvimento dinâmico caso sejam bem aproveitadas, sobretudo pela sua diversidade paisagística, patrimonial e cultural.

Na sequência de todas estas condições/condicionalismos vimos desde do início que o ser humano sempre aproveitou os georecursos em todas as atividades, na produção dos seus utensílios e na exportação dos seus bens.

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CAPÍTULO III. GEOPATRIMÓNIO DA ILHA DE SÃO NICOLAU

III.1- Caraterização dos geossítios com interesse geopatrimonial

Na Fig. 20, apresenta-se o mapa com a localização dos geossítios que foram identificados, localizados e descritos na Ilha de São Nicolau. Para cada geossítio foi elaborada uma ficha de identificação de acordo com a metodologia de Brilha (2005), seguida de uma breve descrição das características geológicas, geomorfológicas e estéticas bem como do valor científico e didático que se associa a cada um dos locais assinalados levando a considerá-los como elementos do Geopatrimónio.

Figura 20. Mapa da Localização dos Geossítios da Ilha de São Nicolau

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Geossítio A1, Figura 21

Sítio de interesse patrimonial identificado - A1 Ribeira Funda

Localidade e Concelho Concelho de Ribeira Brava

Coordenadas 16.39`02.50``N 24.19`47.28 O

A B

C D

Legenda: A- aspeto do fundo do vale; B- aglomerado habitacional construído com basalto; C- panorâmica sobre a baía a partir do aglomerado populacional; D- prática de plantações agrícolas de espécies (tubérculos, cana de açúcar, banana…).

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Este sítio trata-se de um elemento patrimonial de caráter paisagístico. Pela sua localização privilegiada observa-se um conjunto particular de elementos patrimoniais, de índole geológica (os mantos de basalto escuro e as escórias vulcânicas)3 geomorfológica, hidrológica e cultural.

A norte deste local, observa-se um vale designado “vale da Ribeira Funda”, que apresenta um aspeto muito cavado e profundo. Devido à acumulação de grandes patamares de materiais de vertente proveniente do arrastamento das grandes chuvadas e à existência de uma nascente de captação de água que se conserva ainda na galeria que aí se verifica, o homem usufrui deste vale para o desenvolvimento de plantações agrícolas (cana de açúcar e tubérculos).

Para o setor sul, verifica-se a morfologia litoral. Observa-se que o domínio do mar dá uma configuração costeira em forma de baía. Nas arribas que vão recuando, à medida que aumenta a extensão da praia e diminui a agitação marítima, observam-se calhaus rolados de várias dimensões.

O aglomerado habitacional que se observa é construído utilizando produtos autóctones, o basalto e palhas de cana-de-açúcar como materiais de construção demostrando a sua originalidade. Trata-se de uma área com caraterísticas rurais. Atualmente sofreu a influência do fenómeno do êxodo rural, encontrando-se habitada apenas por um único morador.

Apesar do percurso ser exclusivamente pedestre, a partir da localidade mais próxima (Estância de Brás) a acessibilidade ao local considera-se boa.

Tendo em conta alguns fatores mencionados, este local possui valores que podem ser considerados como património associado à paisagem rural, agrícola e litoral. São valores que podem ser visitados e aproveitados por exemplo para o desenvolvimento socioeconómico da ilha.

3 A escória trata-se de um material bastante permeável, que permite um fácil escoamento da água da chuva. Também atua como um filtro purificante da água.

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Geossítio A2, Figura 22

Sítio de interesse patrimonial Praia do Barril identificado- A2

Localidade e Concelho Concelho da Vila do Tarrafal

Coordenadas (Google Earth) 16.36`09.46``N 24.24`50.72``O

A A

B C

Legenda: A- sinais de pressão antrópica (extração de areia); B- dunas de areia com propriedades medicinais; C- pormenores da praia do Barril.

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Considera-se este sítio de caráter paisagístico. Trata-se de uma das maiores praias da ilha. Localiza-se no litoral do Município da Vila do Tarrafal em direção ao eixo da via da Praia Branca. Os elementos patrimoniais identificados são essencialmente de natureza geomorfológica, sendo de destacar as baías em forma de conchas, os recursos minerais não metálicos (areia da praia para a construção civil e areia das dunas com propriedades medicinais) e o domínio da paisagem pelo mar.

Destaca-se também a presença de dunas que possuem caraterísticas muito particulares devido à composição química dos materiais locais no que diz respeito por exemplo, ao tratamento de doenças com indicações terapêuticas, nomeadamente o reumatismo, osteoartrose, inflamações entre outras.

Para além dos elementos geomorfológicos, a praia possui outras particularidades de valor ecológico, por exemplo em relação às desovas das tartarugas marinhas. Tanto a acessibilidade como a visibilidade deste local são bastante favoráveis.

Tendo em conta os elementos aqui presentes, este geossítio deverá ser considerado um local de interesse para a geoconservação uma vez que possui valores importantes que podem ser explorados a nível científico, económico e estético. No entanto, a vulnerabilidade do seu estado atual é elevada devido à exploração de areia exigindo uma estratégia de geoconservação a curto prazo.

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Geossítio A3, Figura 23

Sítio de interesse patrimonial Carberim identificado- A3

Localidade e Concelho Concelho da Vila do Tarrafal

Coordenadas (Google Earth) 16.39`01.34``N 24.25`01.02``O

A B

C D E

F G H

Legenda: A- estruturais sedimentar em forma de cunha; B- Dobras intercaladas; C e D- pormenores de laminação horizontal e sub-horizontal; E e F- Sucessão de formações de pias; G- Pormenor dos lapili e tufos de escória estratificados de cor amarelada; H- formação de ouriços- do- mar.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este geossítio localiza-se nas interfaces costeiras próximas da localidade da Praia Branca. Trata-se de um local de grande interesse geomorfológico que apresenta formas diversificadas. Este geossítio evidencia-se na paisagem pela sua representatividade e singularidade no conjunto das ilhas.

Os elementos geomorfológicos aqui identificados destacam-se pela variedade de formas vulcânicas resultante das ações erosivas de caráter eólico, marinho, formas litológicas (sedimentares), estratigráficas, formas de dobras intercaladas e outras em formas de laminação sub-horizontal e em forma de fendas encrustadas. Este sítio é ocupado na sua maior parte por lapili e tufos de escória4 que se dispõem verticalmente em estratos alternados de cor amarelada, com abundância de crostas carbonatadas.

No limite inferior das plataformas, observam-se diversas lagoas circulares e ainda uma sucessão de pias provenientes da dissolução do sal, algumas ocupadas por ouriços-do-mar. Este sítio destaca-se também pela escultura natural em forma de cunhas, em sedimentos bem consolidados, que variam à medida que o vento muda de direção. Na sua periferia, inclui também outros elementos de interesse local nomeadamente (areias e jorras). Não restam dúvidas de que este geossítio possui um conjunto de elevados valores científicos, didáticos e complementares.

A vulnerabilidade é reduzida, relativamente a ações antrópicas, mas elevada face aos processos naturais dependente quase exclusivamente das ações erosivas que provocam o desmantelamento dos materiais piroclásticos na sua estrutura interna. Apesar do percurso apresentar alguns desníveis no terreno, a visibilidade é boa em todos os quadrantes. Propõe-se a integração deste local no património geomorfológico da ilha.

4 De salientar também que este geossítio foi eleito uma das 7 maravilhas do país, em Dezembro de 2013.

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Geossítio A3.1 Figura 24

Sítio do elemento patrimonial Carberim identificado- A3.1

Elemento identificado Grutas

Localidade e Concelho Concelho da Vila do Tarrafal

Coordenadas (Google Earth) 16.39`01.34``N 24.25`01.02``O

A C

B D

Legenda: A - parte superior da gruta; B- aspeto de uma tuna lávica; C- diversidade florística no interior da gruta; D – Pormenor de pequenas exsurgências.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Para além do interesse do seu património geomorfológico, Carberim considera-se também um conjunto dotado de valor com significado arqueológico ou mesmo da conservação de biodiversidade, dada a existência de grutas ou tunas lávicas aqui presentes.

No seu interior, verifica-se a presença de uma superfície húmida que sustenta a diversidade florística que aqui se manifesta, bem como pequenas exsurgências de concentração de água de forma difusa. No teto da gruta, observam-se formações com alternância de estalactites lávicas resultantes da solidificação de pingos de lava.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A 4. Figura 25

Sítio de interesse patrimonial Domo/cone de escórias de Praia Branca identificado- A4

Localidade e Concelho Concelho da Vila do Tarrafal

Coordenadas (Google Earth) 16º38`43.88 N" e 24º 24`04.56"W

B A

C D

Legenda: A- material de escória e do calcário fossilífero de cor branca; B-formações estratigráficas no seu interior, com camadas intercaladas de lapili e tufos; C- sinais de degradação da paisagem (exploração da jorra); D- Domo rochoso ou cone de escórias.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este sítio localiza-se nas proximidades da Praia Branca. Neste local, destaca-se o Domo rochoso como elemento geomorfológico dominante bem como as formações estratigráficas existentes no seu interior, constituídas por camadas de lapilis e tufos. Destaca- se ainda, a presença de calcário fossilífero 5 de cor branca, assente sobre o manto basáltico - limburgítico olivínico.

A génese deste domo estará relacionada com as características de erupção vulcânica (traquitos que formam os domos sobre as camadas basálticas), bem como a idade, intensidade e atuação dos agentes erosivos. Os materiais piroclastos à medida que se foram acumulando, deram origem a elevações vulcânicas como estas, também conhecidas em forma de “cones de escória”. Este local destaca-se também pela importância dos recursos minerais (Jorra), que já foram mencionados nos sítios anteriores.

As condições de acesso e de observação são favoráveis. Este sítio apresenta ainda algumas riquezas do ponto de vista estético e pedagógico, às quais poderá ser atribuída alguma importância.

5 Este calcário fossilífero, assenta sobre um manto basaltico-limburgítico olivínico, e é coberto por outro manto de um basalto olivínico. Este calcário apresenta cor branca, dura, constituída por pequenas partículas sub- angulosas, conchas de animais marinhos, cristais de augite, olivina e por basaltos muito alterados” (Bebiano, 1932, p. 112). Os domos ou cones escória, estão na origem dos vulcões monogenéticos basálticos, que originam acumulações gerando formas efusivas cónicas e em agulhas como essas.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A5, Figura26

Sítio de interesse patrimonial identificado- Debaixo de Rocha A5

Localidade e Concelho Concelho da Vila do Tarrafal

16.36`38.65``N / 24.15`46.17``O Coordenadas (Google Earth)

A

B B

Legenda: A- Pormenor de um perfil colunar basáltico flabeliforme ou prismático e a formação de dunas de areia branca que se acumulam na sua base; B- Aspeto da praia.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este sítio localiza-se a sudeste da Vila do Tarrafal. Apesar das condições de circulação serem um pouco desfavoráveis devido à própria constituição do solo, é possível obter uma boa visibilidade.

Aqui os elementos identificados do ponto de vista do património, estão associados à sua pequena baía e à morfologia que se lhe associa. A arriba que aqui se observa apresenta um perfil colunar, alternado do basáltico também designado de prismas. Por vezes, estas formas encontram-se intercaladas por blocos que disjuntam destes prismas, dando origem a formas triangulares designados por leque. Estas geoformas resultaram-se do arrefecimento das diferentes qualidades de lavas.

Na paisagem destaca-se a existência de grandes cordões de dunas de areia que se vão acumulando na base das vertentes devido à força do vento. Trata-se de um local muito conhecido pela comunidade local e também muito favorável à prática do turismo balnear e de diversões na altura do verão. Estes fatores atribuem a este sítio algumas riquezas que merecem ser visitadas, divulgadas e preservadas.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A6, Figura 27

Sítio de interesse patrimonial Piscina natural do Juncalinho identificado - A6

Localidade e Concelho Concelho da Vila de Ribeira Brava

16.36`13.50``N / 24.11`19.40``O Coordenadas (Google Earth)

A B

Legenda: A- a morfologia da piscina em formato de disjunção esferoidal; B- plataformas de abrasão marinha com pavimento poligonal.

A piscina natural da Lagoa localiza-se na mesma povoação de Juncalinho. A acessibilidade é bastante favorável devido à sua conexão com a via principal da Vila de Ribeira Brava, e possui boas condições de observação.

Os elementos geomorfológicos aqui representados destacam-se na paisagem pela morfologia da piscina com forma circular privilegiando a observação do fenómeno geológico de disjunção esferoidal presente nas escoadas lávicas que ali ocorrem. Destaca-se também a disjunção colunar, cortada por plataformas de abrasão marinha que emergem na superfície com aspeto de um “pavimento poligonal”. Além do interesse geológico, existem outros interesses relacionados com o turismo balnear, bem como o valor cultural das festividades de verão.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A7, Figura 28

Sítio de interesse patrimonial Forte da Preguiça identificado – A7

Localidade e Concelho Concelho da Vila de Ribeira Brava

Coordenadas (Google Earth) 16.33`11.92``N / 24.17`59.24``W

A

B C

Legenda: A- Baía e a presença de estruturas colunares e/ou prismáticas; B - Símbolo da conotação histórica das embarcações conduzidas por Vasco da Gama; C- Canhões Militares do antigo Forte da Preguiça e o ponto de observação da morfologia do relevo envolvente.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este sítio representa o antigo forte da Preguiça situado na mesma localidade. O presente miradouro constitui um ponto de observação importante quer para o mar, quer para um conjunto de colinas morfo-estruturais de relevos assimétricos.

Trata-se de um local emblemático da ilha, devido à sua conotação histórica/ cultural relacionada com a existência do antigo forte chamado “Forte da Preguiça”. São notáveis os canhões militares e a estátua que retrata o percurso da rota marítima das primeiras embarcações conduzidas por Vasco da Gama a caminho do Brasil. Possui um porto de desembarque marítimo conhecido como um dos mais antigos da ilha, que atualmente se apresenta alguns sinais de degradação.

No entanto continua a ser alvo de alguma utilidade, nomeadamente para o desembarque de pequenos barcos/botes de pesca local. De salientar ainda, do ponto de vista morfológico de que deste mesmo porto, se observa a presença da arribas com alternância de estruturas colunares e/ou prismáticas resultantes da disjunção do basalto. Os acessos tanto para este ponto de observação como para o porto são favoráveis, partindo quer da Vila da Ribeira Brava quer do Campo da Preguiça.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A8, Figura 29

Sítio de interesse patrimonial Carriçal identificado – A8

Localidade e Concelho Ribeira Brava

16.46`16.11``N / 23.57`35.13``W Coordenadas (Google Earth)

A

B C

Legenda: A- formações de deltas lávicos; B- arriba/falésia e o pormenor da vegetação devido à criação de lençóis de água freáticos; C- local de desembarque de pequenos barcos de pesca local.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este sítio localiza-se a cerca de quarenta quilómetros da Vila de Ribeira Brava. O trajeto até esta localidade considera-se muito pouco acessível, devido à natureza árida e pedregosa do solo. A aproximação deste sítio permite uma observação magnífica quer a nível da geomorfologia quer a nível da paisagem.

Considera-se particularmente importante a morfologia dos deltas lávicos, resultante do afastamento da planície junto ao nível do mar bem como as camadas calcárias intercaladas com mantos basálticos. Estas geoformas tiveram origem em escoadas de lava. Ao avançarem para o interior do oceano originaram um recuo da linha de costa. São formações muito conhecidas também na Ilha da Madeira e nas Ilhas do arquipélago dos Açores.

Outra particularidade que se identifica diz respeito “à formação arribas”, nas encostas. Estas arribas e/ou falésias na maior parte das vezes encaixam nos troços terminais das ribeiras que desaguam junto ao mar. Os materiais fluviais que aí se depositam proporcionam a criação de lençóis freáticos no solo que favorecem a prática da agricultura.

Para além dos elementos de interesse geomorfológico, destacam-se outros aspetos históricos/culturais - caso do reconhecimento da mais antiga fábrica de conserva do atum e do pescado em São Nicolau.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A9, Figura 30

Sítio de interesse patrimonial Monte Gordo identificado – A9

Localiza-se na interface entre o concelho da Vila da Ribeira Brava e Vila Localidade e Concelho do Tarrafal.

Coordenadas (Google Earth) 17º 2´20.11´´N/ 24º 8´52.55´´W

A B

C D

G E F

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Legenda: A- entrada do Monte Gordo; B- pormenores de formações de buracas de dimensões variadas nas vertentes; C- morfologia altimétrica em formato de agulhas e cristas; D- comunidade de dragoeiros; E- comunidade de tortolhos; F- maciço montanhoso em imagem de satélite; G- formações de esterias nas vertentes.

Este sítio localiza-se na área de Cachaço conhecida pelo maciço montanhoso do Monte Gordo. É o setor de maior altitude da ilha (1312 m), na parte ocidental, com uma superfície de 952 hectares. Foi reconhecida como Parque Natural a nível nacional, pelo decreto-lei nº3/2003 de 24 de fevereiro, aprovado pelo decreto regulamentar nº 10/2007, de 3 de setembro.

Aqui existe uma forte ligação entre o clima, a vegetação, o relevo e a atividade humana. A variedade dos elementos naturais existentes no local assume uma importância variável. Do ponto de vista geomorfológico, destaca-se desde já a importância deste conjunto montanhoso.

Alguns setores conferem uma morfologia altimétrica em formato de agulhas e cristas, bem como a presença de depósitos de vertentes estratificados em esterias e de grandes perfurações resultantes da sobreposição do manto basáltico sobre a lava conferindo um aspeto vesicular e cavernoso. Estas perfurações podem ser também designadas de buracas se assim se entender).

Os vales são geralmente profundos, alguns em forma de escombreiras cobertas de vegetação da base ao topo da ao longo do parque. As formações subvulcânicas salientes, distribuem-se, geralmente em formato de filões e diques desmantelados de rochas granulares (traquitos e fonólitos) que cortam a “série basáltica”, de altitude e direções variadas.

Do ponto de vista hidrogeológico, trata-se de uma paisagem marcada por um ecossistema húmido que beneficia da topografia local, da variação topo climática e da ocorrência do nevoeiro que envolve o cabeço do maciço durante todo o ano. Destaca-se também pela divisão feita por duas grandes ribeiras: a ribeira de Calhau e a ribeira Prata, com grande predomínio de intrusões de rocha andesítica.

Nas superfícies mais aplanadas, destaca-se também a importância do valor ecológico da flora resultante de diferentes tipos de vegetação composta por eucaliptos (eucalyptus),

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau pinheiros bravos (p. pinaster) e ervas gramíneas. Em particular encontram-se algumas espécies endémicas, exclusivas da própria ilha, como por exemplo o dragoeiro6 (Dracaena Draco), o tortolho que abrande a maior comunidade (Euphorbia tuckeyana) e algumas espécies de género angiospérmico ameaçadas de extinção.

Neste sítio existe o miradouro mais espetacular da ilha quer a nível da morfologia quer a nível da paisagem. Nos dias de céu limpo, é possível avistar a Ilha vizinha de São Vicente e os dois principais Ilhéus: Ilhéu raso e ilhéu Branco. Permite ainda apreciar o empenho do homem no amanho das terras em locais inacessíveis.

Para além destes fatores, integra um património associado à paisagem de caráter agrícola. Integram-se ainda os aspetos culturais relacionados nomeadamente com a agricultura de sequeiro baseado no milho, nos feijões e na batata ao longo da escarpa de falha (designada de Cachaço) bem como com a criação de gado e o artesanato (por exemplo a tecelagem feita pelas folhas do dragoeiro).

Do ponto de vista da sua valorização, os elementos identificados apresentam um conjunto de valores de elevado nível científico, cultural, ecológico, estético e económico relevante para a compreensão da composição geomorfológica do solo, do clima, da vegetação e da paisagem.

6 O dragoeiro tem um crescimento muito lento. Os que foram plantados aproximadamente nos anos 80, possuem cerca de cinco palmos de altura. Já os que apresentam medidas superiores a esta e com aspeto mais envelhecido, considera-se que possuem aproximadamente 300 a 400 anos. Esta planta contém uma certa utilidade para o fabrico da tecelagem, inclusive o próprio sangue que é utilizado na confeção, na colagem etc.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A10, Figura 31

Sítio de interesse patrimonial Hortelã identificado – A10

Localidade e Concelho Concelho da Vila do Tarrafal.

Coordenadas (Google Earth) 16º35`51.35``N/ 24º21`57.8``W

A B

C D

Legenda: A- presença de grandes extensões de materiais piroclastos de cor escura sem coesão (jorra); B- estratigrafia de lavas submarinas antigas, e sedimentos de cor amarelada; C- estratos sob a forma de laminação de sedimentos; D- presença de elevações ou relevos assimétricos, de declives variados, em forma de um domo endógeno achatado.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este sítio pertence a um pequeno núcleo populacional que se localiza no limite SW, mais precisamente na “parte do amortecimento” do parque do Maciço Montanhoso do Monte Gordo. Na sua área dominam grandes extensões de materiais piroclásticos (lapili e escórias sem coesão de cor escura).

Do ponto de vista geomorfológico, destacam-se neste sítio três elementos de particular interesse: a estratigrafia de lavas submarinas antigas, a sedimentologia de cor amarelada, acompanhada de materiais de escória soltos. Estes elementos apresentam, dimensões variáveis em estratos de laminação sub-horizontal e em forma de dobras, provenientes dos materiais acima referidos. Na parte este, o terreno é constituído por um conjunto de elevações ou relevos, de materiais piroclastos (de escória e lapili), que se apresentam em forma de cone escória ou em forma de domo7 endógeno achatado, muito regulares, simétricos e com declives variados. De destacar também a grande abundância de recursos minerais (jorras).

Este sítio possui ainda um miradouro através do qual se avistam algumas ribeiras de interesse local (a ribeira de Calhau e da Fragata). A paisagem apresenta um aspeto muito árido, esculpido e acastanhado, com destaque para a cobertura de espécies exóticas. As características presentes neste local justificam intervenções no que diz respeito à vulnerabilidade e ao seu valor científico.

7 Os Domos estão na origem dos vulcões monogenéticos basálticos, que originam acumulações, gerando também formas efusivas cónicas como aquelas em forma de agulha que se verificam no geossítio nº12.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A 11, Figura 32

Sítio de interesse patrimonial Vale de Fajã de Baixo identificado – A11

Localidade e Concelho Concelho da Vila da Ribeira Brava

Coordenadas (Google Earth) 17º 2`29.39``N/ 24º 8`9.05``W

A B

Legenda: A- aspeto da paisagem com a permanência da agricultura tradicional de regadio; B- aspeto morfológico da plataforma do vale.

Este sítio enquadra-se nas formações de Fajãs. O termo Fajã do ponto de vista geomorfológico, geralmente resulta de plataformas que emergem muitas vezes nas orlas costeiras das ilhas, constituídas por escodas lávicas provenientes do material basáltico e do desmoronamento adjacente das arribas (muito comum nas Ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde). Resultam também da acumulação de materiais aluvionares provocados pelo arrastamento de chuvas intensas na foz das ribeiras, formando plataformas de dimensões variadas suscetíveis à prática de culturas de regadio - o caso do vale da Fajã em São Nicolau.

O elemento patrimonial aqui apresentado destaca-se do ponto de vista paisagístico, geomorfológico e orográfico, pela aproximação do maciço montanhoso do Monto Gordo. Ao nível dos recursos hidrogeológicos, destaca-se a existência de uma galeria de captação de

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

água proveniente da exsurgência que ocorre no subsolo do Monte Gordo em direção às Fajãs. Esta galeria possui 2300 metros de comprimento e drena as águas subterrâneas por um vale fóssil num total de 500m3/dia.

Para além dos elementos identificados, associa-se a esta paisagem um património de caráter agrícola assente em grandes culturas tradicionais de regadio, suportados pela existência desta galeria. Atualmente já se verificam novas técnicas de regadio como por exemplo a irrigação por gotejamento. As condições de acesso e de observação não apresentam nenhum obstáculo.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A12, Figura 33

Sítio de interesse patrimonial Monte Sentinha identificado – A12

Localidade e Concelho Cachaço, Concelho da Vila da Ribeira Brava

Coordenadas (Google Earth) 17º 0`58.03`` N/ 24º 8`37.25``W

B A

Legenda: A- localização do Santuário de Nossa Senhora de Monte Sentinha B - afloramento rochoso em formato de agulha e/ ou domo- chaminé, cristas e a presença de campos de cultivo do sequeiro (milho, feijão)

Este geossítio localiza-se na área de Cachaço. O elemento geomorfológico aqui identificado evidencia-se na paisagem, no afloramento rochoso que é constituído por mantos de basalto em forma8 de chaminé, pico e cristas. Esta formação, possui caraterísticas morfológicas que levam a integrá-la no grupo dos relevos residuais.

8 Com base no estudo de novos conceitos em vulcanologia elaborado por Nunes (2002; p. 5-22), as geoformas da área em estudo estão relacionadas com os diferentes momentos da erupção vulcânica, com as características da sua ocorrência, dinâmica, natureza e a atuação dos agentes erosivos. As suas estruturas estão relacionadas com os fluxos de lava e materiais piroclásticos que se verificam em grandes proporções por todo o país. Na sequência destas manifestações, originaram estas geoformas.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

A sua formação resulta da erosão que pode originar corpos intrusivos em pequenas profundidades dando origem a formas de agulha e /ou domo- chaminé como as apresentadas. Este afloramento rochoso possui um valor essencialmente estético e científico que justifica a sua importância para a compreensão dos processos que contribuíram para a sua formação. Para além da componente paisagística, também poderá valorizar-se a posição que este afloramento ocupa no conjunto do relevo da ilha.

A este elemento geomorfológico associam-se alguns aspetos culturais e rituais religiosos, devido à aproximação do Santuário de Nossa Senhora de “Monte Sentinha”, que possui particular importância para a comunidade local e a ilha em geral.

A acessibilidade não apresenta qualquer obstáculo e as condições de observação são favoráveis.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Geossítio A13, Figura 34

Sítio de interesse patrimonial Miradouro do Caminho Novo identificado – A 13

Localidade e Concelho Cabaçalinho, Concelho do Tarrafal

Coordenadas (Google Earth) 16º 40`27.09`` N / 24º10`58.69`` W

A

B

Legenda: A- miradouro, que permite alcançar todo a parte note do vale da Ribeira Brava; B- Pormenores da morfologia do relevo em forma de pequenas agulhas, aspeto do fundo do vale e consequente predomínio da agricultura ao longo da sua extensão.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Este sítio localiza-se na proximidade de Cabaçalinho, a este, do lado oposto ao Monte Sentinha. Do miradouro aqui apresente, é possível observar toda a parte norte do vale da Ribeira Brava (Espomba, Campim, Água das Patas, Talho).

O aspeto geomorfológico aqui está relacionado com a cobertura vegetal, bem como, com a presença dos respetivos aglomerados, particularmente importantes ao longo do fundo de todo o vale. É ainda de referir a presença de regos, também designados por socalcos, onde predomina tanto a agricultura de sequeiro como de regadio.

Considera-se importante destacar as rochas basálticas, com pormenores em forma de agulhas e a morfologia do relevo. O facto de nos encontrarmos num local muito elevado, permite uma magnífica visualização. Podemos atribuir alguns valores como o valor científico relacionado com as formas do relevo assim como valores estéticos, paisagísticos e culturais.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

III.2- Discussão teórica e metodológica sobre os critérios de avaliação dos geossítios

A avaliação, consiste, no cálculo do valor que cada geossítio apresenta de acordo com os critérios utilizados. Brilha (2005), afirma que após a inventariação, cada geossítio deve ser sujeito a um processo adequado de avaliação ou quantificação do seu valor ou relevância.

O processo de quantificação numérica de geossítios não é tarefa fácil e raramente é efetuado, principalmente por não se encontrarem bem definidos os seus principais critérios de base (Brilha, 2005). A avaliação ajuda-nos a estabelecer prioridades na seleção dos geossítios de interesse geopatrimonial que queremos conservar (…). Por esta razão, pode revelar-se “comprometedor dizer que o geossítio A é mais importante do que o geossítio B”. Após a avaliação dos geossítios, prossegue-se para as etapas seguintes onde deve ser aplicada uma estratégia de geoconservação: classificação, conservação, valorização, divulgação e monitorização.

A definição dos critérios ou modelos de avaliação dos elementos patrimoniais, tem sido, objeto de análise muito discutido entre vários autores. Deste modo, têm vindo a surgir várias propostas de novas metodologias de modo a reduzir a subjetividade associada a este método de avaliação.

Assim, para além do modelo de avaliação e inventariação do geopatrimónio e/ ou património geomorfológico proposto por Brilha (2005), têm vindo a surgir outros modelos mais atualizados que têm sido objeto de estudo por parte do mesmo e de outros autores que fazem parte do grupo da associação Europeia para a conservação do património geológico (PROGEO) em Portugal, autores como Paulo Pereira, Diamantino Pereira e M. Isabel Alves.

Relativamente à metodologia de avaliação do património geomorfológico aplicaram ao Parque Natural do Montesinho, uma nova metodologia utilizando como critérios, “a importância científica reconhecida na caraterização geomorfológica e/ou em trabalhos científicos anteriores; a estética, valorizando-se a peculiaridade e as caraterísticas da dimensão do local em comparação com outros locais existentes na mesma área, a nível regional e/ ou a nível nacional; a associação entre os elementos geomorfológicos e culturais, por exemplo castros, castelos, práticas agrícolas e assentamentos de povoações; a associação

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau entre elementos ecológicos e geomorfológicos como por exemplo a nidificação de aves de rapina em escarpas, o habitat de morcegos em grutas e a existência de vegetação de altitude”.

Galopim Carvalho (1999) conhecido em Portugal como “pai do património geológico” incluindo o geomorfológico, no seu trabalho, “geomonumentos: Uma reflexão sobre a sua caraterização e enquadramento num projeto nacional de defesa e valorização do Património Natural” considerou três tipos de geomonumentos, cuja definição da escala assenta nos seguintes critérios:

A nível de afloramentos, ou a nível local, reúne pequenas ocorrências de valores geológicos ou paleontológicos, com dimensões na ordem de dezenas de metros (jazidas paleontológicas, dunas, aspetos litológicos particulares); a nível de sítio, inclui os elementos geológicos ou geomorfológicos, envolvendo áreas a uma escala um pouco maior no geral, suscetíveis de delimitação (os campos de lapiás, os vales das buracas, campos de dunas que se verificam em Portugal); a nível da paisagem, este abarca a partir de um ou mais pontos de observação, grandes áreas de interesse geológico e geomorfológico, à escala quilométrica (o miradouro) da Cascata do Pulo do Lobo, o vale Glaciário do Zêzere, Portas do Ródão em Portugal.

Considera-se ainda a metodologia de avaliação do património geomorfológico dos autores Lúcio Cunha e António Vieira (2004) para espaços de montanha, tendo como referência a região centro de Portugal. Este critério procede à avaliação de elementos geomorfológicos, definindo entre eles valores, que parecem ser mais indicados para a avaliação, como base na “Diversidade, Conservação, Datação, Raridade/Originalidade, Vulnerabilidade, Recursos pedagógicos, Recursos didáticos, Valor ambiental, Situação sociogeográfica, Valor histórico e Valor espiritual”.

Em torno desta discursão, António Vieira (2008) na sua Dissertação de Doutoramento ao avaliar o “Património Geomorfológico da Serra de Montemuro”, atribui ao Valor intrínseco/valor científico, critérios como: raridade/originalidade, diversidade, representatividade, interesse paleogeográfico, integridade e conhecimento científico.

O valor cultural integra-se os critérios de: Importância histórico-arqueológica, importância religiosa/espiritual, e eventos artísticos/culturais. O valor económico considera os critérios de Importância turística, Recurso turístico, Importância desportiva, prática desportiva, existência de itinerários turísticos/culturais.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

O Valor estético é avaliado segundo os critérios: de diversidade paisagística, presença de água, contraste de cor e a Presença de elementos não harmónicos. O Valor ecológico inclui a Diversidade ecológica, Importância ambiental e Ocorrências de habitats específicos. Finalmente o Valor de Uso e Gestão, integra: a Acessibilidade, Vulnerabilidade, Proteção, Condições de observação, intensidade e uso.

Panizza (1991, 2001, cit. por António Vieira, 2008) também se propõe a avaliar o património geomorfológico de forma simplificada, com base nos valores científicos dos elementos geomorfológicos, tendo em conta o valor didático e a qualidade enquanto, exemplos da evolução geomorfológica. Para o Valor científico, este autor utilizou um outro critério que consiste no grau de preservação apresentado em cada elemento patrimonial.

Já António Gomez - Ortiz et al (2010), no trabalho que realizaram sobre o Parque Nacional da Serra da Nevada em Espanha, do ponto de vista científico atribuem à paisagem critérios como: a originalidade, singularidade, a diversidade paisagística (geomorfológica, pedológicas, botânicas hidrológicas-microfaunísticas, lençóis de água).

O Valor cultural confere, critérios de importância histórico - cultural da paisagem (paisagens culturais, a estrutura interna e a arquitetura local, paisagens humanas, o modo vida de a distribuição da população). Ao valor de uso, atribuem-se critérios como a proteção e a vulnerabilidade (uso de práticas agrícolas tradicionais, práticas de pecuária, culturas em terraços irrigados, redes de canais).

O Valor socioeconómico é composto, por critérios relacionados com a importância dos recursos. Finalmente o Valor ecológico, assenta em critérios com base na diversidade, ambientes ecológicos, vulnerabilidade, e a capacidade de carga.

Como vimos a metodologia utilizada nas etapas de inventariação é muito discutível e subjetiva. Desde dos trabalhos publicados pelos autores mais antigos até à atualidade, ambos procedem em avaliar os mesmos valores utilizando critérios que consideram mais adequados aos elementos presentes nas áreas em análise bem como nas suas variantes. Verifica-se igualmente uma certa aproximação dos autores na avaliação de valores quantitativos do património geomorfológico.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Ao mesmo tempo, tendo em conta que, cada geossítio pode variar de acordo com os elementos patrimoniais que neles existem e a sua dimensão, quer seja ela grande ou pequena, existe a necessidade de ter em conta a importância da escala, quando comtemplamos um património geológico e/ou, geomorfológico.

Por exemplo, Cunha e Vieira (2004, p. 20) enfatizaram o interesse da escala de análise na classificação de elementos patrimoniais geomorfológicos. No mesmo sentido, Galopim Carvalho (1999) também, chamou a atenção para a importância da escala em que se pode observar um património geomorfológico. Ao nível da escala, estes elementos são avaliados não só pela dimensão das formas geomorfológicas e a dimensão da paisagem, mas também pela forma como estes elementos se articulam. Assim, os autores acima referidos consideram a existência de três tipos de escalas de análise:

A nível local ou elementar integra-se em regra um único elemento geomorfológico, na ordem das dezenas de metros. A nível intermédio onde se associam vários elementos geomorfológicos na ordem das centenas ou milhares de metros. A nível geral pode ser analisada de forma mais ampla na ordem dos quilómetros.

Uma vez clarificada a importância da escala na análise, passamos à fase da inventariação.

Neste trabalho, para a definição dos elementos geomorfológicos de valor patrimonial foram propostos parâmetros de quantificação mediante os critérios baseados na metodologia de Brilha (2005) mais ou menos modificados, por uma questão de adequação do local. Assim sendo serão considerados os seguintes critérios:

A- Critérios intrínsecos/ científicos ao geossítio

A.1- Abundância/raridade

A.2- Extensão em m2.

A.3- Grau de conhecimento científico

A.4- Utilidade como modelo para a ilustração de processos geológicos

A.5- Diversidade de elementos de interesse

A.6- Local-sítio

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

A.7- Associação com elementos de índole Cultural

A.8- Associação com outros elementos do meio natural

A.9- Estado de conservação

B- Critérios relacionados com o uso potencial dos geossítios

B.1- Possibilidades de realizar atividades (científicas, pedagógicas, turísticas, recreativas

B.2- Condições de observação

B.3- Possibilidades de recolha de objetos geológicos

B.4- Acessibilidade

B.5- Proximidade a povoações

B.6- Número de habitantes

B.7- Condições socioeconómicas

C- Critérios relacionados com a necessidade de proteção dos geossítios

C.1- Ameaças atuais ou potenciais

C.2- Situação atual ou legal.

C.3- Interesse para a exploração mineira

C.4- Valores dos terrenos (euros/m2)

C.5- Regime de Propriedade

C.6- Fragilidade

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III.3. Estratégias de Geoconservação

A geoconservação é um novo paradigma que surgiu no contexto da conservação da natureza, no âmbito de iniciativas internacionais promovidas pela UNESCO e pela Associação Europeia para Conservação do Património Geológico (PROGEO). Para estas entidades, para a conservação da geodiversidade de qualquer região é indispensável delinear estratégias de geoconservação, pois só assim é possível combater as ameaças ao geopatrimónio e promover a conservação dos geossítios encontrados.

Para autores como Galopim Carvalho (1999) e José Brilha (2010, p. 435) a geoconservação considera-se uma nova área de especialidade das Geociências que integra as vertentes de geoconservação partindo primeiramente da inventariação, seguido da identificação, avaliação, conservação e gestão de elementos da geodiversidade de elevado valor. Estas etapas devem ser analisadas, de forma sequencial, tendo em conta os objetivos que se pretendem atingir (Fig. 35).

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Figura 35. Fluxograma que integra as várias etapas de implementação de uma estratégia de geoconservação em áreas limitadas, (Brilha, 2005).

De acordo com Galopim Carvalho (1999, p. 5) à semelhança de qualquer património construído, que pelo seu significado e/ou grandiosidade é considerado um monumento, o mesmo se aplica às geoformas pelas suas caraterísticas, seja um domo rochoso, uma fajã, uma paisagem vulcânica, uma disjunção prismática, filões de mantos lávicos entre outros elementos de ocorrências geológicas e/ou geomorfológicas. O mesmo se aplica também aos georecursos culturais e/ou históricos que com eles se articulam.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Pereira et al (2009, p. 3198) sublinham que, “a geoconservação sugere conservar elementos geológicos com valor de exceção, da mesma forma que a conservação da biodiversidade prevê conservar espécies que ostentam caraterísticas de exceção”. Assim sendo a conservação do meio natural, envolve o recurso a um conjunto de medidas e ações que visam manter a recuperação do valor natural de um determinado lugar.

Sharples (2002, cit. Pereira et al.; p. 3199) afirma que a geoconservação só é bem- sucedida se englobar a conservação da biodiversidade e da geodiversidade. A geoconservação apesar de ser uma temática mais recente, é a mais indicada para descrever as iniciativas de conservação da geodiversidade, não só na perspetiva de base de sustentação dos habitats mas também na articulação deste conceito como os processos geológicos naturais para a formação da paisagem.

Num trabalho publicado por Brilha et al. (2008, p. 433) sobre a “geoconservação como uma oportunidade entre os países lusófonos”, salientaram-se que ainda em 2008, não se conheciam iniciativas oficiais no âmbito da geoconservação. No entanto depois desta data têm sido publicados alguns trabalhos de investigação que já foram mencionados numa fase anterior deste trabalho, assim como alguns inventários de geossítios de promoção turística, tendo em vista a sua conservação e valorização.

Neste sentido é importante conhecer os geossítios com elementos de interesse geomorfológico, não apenas da ilha em estudo em particular mas sim de Cabo Verde em geral de forma a contribuir não só para a sua divulgação, mas também para promover iniciativas do ponto de vista legal para a sua conservação.

Como já foi referido anteriormente, de acordo com Brilha, et al. (2008, p. 434) a geoconservação deve estabelecer eixos de ligação estruturantes nomeadamente na conservação da natureza, uma vez que o património natural é constituído por elementos de valores abióticos que englobam o termo da geodiversidade (rochas, solos, formas do relevo…) e valores bióticos (a flora e a fauna).

O Ordenamento do Território deve ter tido em conta, na definição de linhas estratégias para o planeamento do territorial devendo considerar, as caraterísticas dos sítios serem analisados. Neste caso os sítios com elementos de valor patrimonial devem ser agrupados quando se incrementam opções estratégicas no território.

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

A política educativa desde que foi implementada pelo desenvolvimento sustentável das Nações Unidas que decorre até 2015, assim como qualquer iniciativa que promova um uso sustentado da natureza, estão enquadradas nas referidas opções estratégicas. O valor educativo do património geomorfológico é indispensável em todos os níveis de ensino incluindo alunos e professores.

Ainda dentro da política educativa, Brilha e Galopim; (2010, p. 436) enfatizam a importância do valor científico na geoconservação, pois este deve ser devidamente sustentado em critérios científicos e didáticos, que encaixam nas políticas de conservação da natureza e de ordenamento do território, Fig. 36. Uma vez que os geossítios constituem elementos integrantes do património natural, é de esperar que estas políticas considerem, com o mesmo grau de importância, quer a conservação dos elementos notáveis da geodiversidade, quer os da biodiversidade.

Assim sendo o turismo da Natureza, também se apoia nos princípios do turismo sustentável. Os geossítios podem possuir valores turísticos, estando inseridos nos programas do turismo da natureza ou neste caso no geoturismo. Quando estes são apoiados podem gerar receitas de apoio à comunidade local.

É nesta perspetiva que enquadramos a estratégia da geoconservação, no sentido de concretizar uma metodologia de trabalho que vise sistematizar as tarefas no âmbito da avaliação do património geomorfológico. Esta tarefa pode ser realizada num país, num concelho numa área protegida ou num outro sítio (Brilha, 2005, p. 94).

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Figura 36. Esquema de critérios científicos enquadrados nas políticas de conservação da natureza e do Ordenamento do Território (Brilha e Carvalho, 2010, p. 437).

CAPÍTULO IV. ETAPAS DE ESTRATÉGIAS DE GEOCONSERVAÇÃO

IV.1- Inventariação

Tendo em conta as geoformas que cada geossítio apresenta, na sua avaliação, de acordo com Pereira (2006, p. 63; 2006) é importante saber o que se vai avaliar, porquê e como? Estas três questões, presentes na Fig.37, consideram-se importantes na avaliação do património geomorfológico e/ou geológico,

As geoformas serão avaliadas em função da sua variedade, formação, dimensão e sobretudo o seu valor, observados numa perspetiva diferente do ponto de vista da paisagem ou tendo em conta a paisagem em que se encontram.

Porque avaliamos? Esta questão, num sentido restrito, procura soluções para a preservação desses elementos e valorizá-los enquanto recursos naturais. Em sentido lato, considera-se que os sítios com elementos de interesse geomorfológico sejam integrados, numa política de conservação da natureza. Por último, o como? – remete-nos, para a metodologia mais adequada para a avaliação de cada elemento, tendo em conta as primeiras questões que se colocaram inicialmente (o que e porque avaliar?).

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Avaliar

O Que ? Porque ?

Como ?

Figura 37. Esquema representativo das três questões importantes que se colocam no âmbito da avaliação dos elementos geomorfológicos Pereira (2006, p. 63).

Em termos gerais, esta inventariação consiste na realização da recolha bibliográfica (trabalhos científicos relativos à temática em estudo), e cartográfica (para um melhor conhecimento geológico da ilha).

Posteriormente, a esta fase de recolha de dados, seguiu-se o trabalho de campo que se centrou na seleção dos geossítios, com elementos de interesse patrimonial, de reconhecimento geomorfológico e outros que se integram no local de inventariação bem como as caraterísticas naturais (a vulnerabilidade, o tipo de ocupação, valor etc.), e a ilustração fotográfica dos referidos geossítios.

Cada um dos geossítios possui uma ficha de avaliação, com os resultados adaptados a cada caso, acompanhada das ilustrações fotográficas e cartográficas através da apresentação de cartas geológicas. Encontram-se também os aspetos relacionados com a necessidade de proteção, o seu valor, uso e as suas potencialidades. As fichas de avaliação encontram-se no anexo III.

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Os geossítios distinguem-se pela variedade de formações geológicas e geomorfológicas, os recursos minerais e outros valores que neles se articulam. Cada geossítio de acordo com as suas caraterísticas pode apresentar um ou mais elementos de interesse diferentes: geomorfológico (estrutural, estratigráfico), sedimentológico, recursos minerais, interesse cultural etc.

O domínio geomorfológico permite distinguir formações litorais, vulcânicas, hidrogeológicas, estratigráficas, Fajãs e os recursos naturais. As formações diferenciam os geossítios. Alguns pelos diversos estratos climáticos que apresentam distinguem-se em áreas: áridas, semiáridas, húmidas e semi-húmidas. Distinguem-se ainda pela raridade, diversidade de elementos paisagísticos e outros elementos que neles se articulam.

Na sequência do processo da inventariação, foram identificados treze geossítios de elementos patrimoniais diferentes distribuídos pela ilha, incluindo ou englobando uma área protegida - o Parque Natural do Monte Gordo.

IV.2- Avaliação numérica/quantificação

Esta avaliação abrange somente os geossítios com elementos de interesse geomorfológico, propostos para a classificação que se apresentam no quadro cinco, Fig.38. Após a etapa da inventariação dos elementos identificados, os geossítios serão submetidos à avaliação numérica (Brilha, 2005, p. 90). Esta etapa consiste em estabelecer um valor numérico relevante a cada elemento de forma a estabelecer uma comparação entre eles. Quando esta etapa é utilizada na inventariação dos geossítios a avaliação será mais precisa, principalmente se o objetivo for enquadrá-los nas etapas de conservação e/ ou divulgação Pereira, et al (2007, p.240).

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A1 Ribeira Funda A2 Praia do Barril A3 Carberim A4 Domo de Praia Branca A5 Debaixo de Rocha A6 Piscinas do Juncalinho A7 Forte da Preguiça A8 Carriçal A9 Monte Gordo A10 Hortelã A11 Fajã de Baixo A12 Monte Sentinha A13 Miradouro do Caminho Novo

Figura 38. Geossítios proposto para a classificação

Com base na discussão metodológica descrita no ponto anterior (III.2), para a avaliação quantitativa dos elementos geomorfológicos presente neste trabalho, optou-se pelos critérios definidos por Brilha (2005) por uma questão de adaptação às caraterísticas do local, nomeadamente (a dimensão, reduzido número de habitantes, publicações, condições económicas etc.). Os critérios estão presentes no quadro seis que se encontra no anexo IV. Cada elemento patrimonial proposto para a área em estudo, obedece a um parâmetro de ponderação de classificação numa escala crescente de 0 a 5, presente no quadro sete da Fig. 39.

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Figura 39- Quadro dos resultados numéricos dos critérios de avaliação

Designação A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 T B1 B2 B3 B4 B5 B6 B7 T C1 C2 C3 C4 C5 C6 T Média

GS. 1 Ribeira Funda 3 2 2 1 4 3 2 3 3 23 1 3 4 3 1 1 1 14 5 5 3 1 3 3 20 19,0

GS. 2 Praia do Barril 5 3 3 5 4 3 3 3 2 31 3 5 3 3 2 4 3 23 1 3 5 3 3 3 18 24,0

GS. 3 Carberim 5 3 3 5 5 5 4 3 4 37 5 3 3 3 3 4 3 24 3 3 3 2 4 4 19 26,7 Domo de Praia GS. 4 3 2 3 3 4 3 2 3 2 25 3 5 3 3 3 3 3 23 5 5 4 2 4 3 23 23,7 Branca GS. 5 Baixo Rocha 4 2 3 3 4 3 3 2 4 28 3 3 3 3 3 3 3 21 5 3 3 1 4 3 19 22,7 Piscinas de GS. 6 4 2 2 3 4 3 2 2 4 26 3 3 3 3 2 2 3 19 3 5 3 2 4 3 20 21,7 Juncalinho GS. 7 Forte da Preguiça 5 2 3 1 4 3 4 2 4 28 3 5 3 3 3 4 3 24 3 3 3 2 3 3 17 23,0

GS. 8 Carriçal 4 2 3 3 4 3 3 2 2 26 3 3 3 2 1 1 1 14 5 5 3 1 3 3 20 20,0

GS. 9 Monte Gordo 5 3 4 5 5 5 3 5 4 39 5 5 3 3 4 4 3 27 3 1 3 3 4 5 19 28,3

GS. 10 Hortelã 5 3 4 5 5 5 3 3 2 35 5 3 3 2 2 3 3 21 5 1 5 3 3 4 21 25,7

GS. 11 Vale Fajã de Baixo 4 3 3 3 3 3 3 3 4 29 3 5 4 5 4 4 3 28 3 3 3 4 1 3 17 24,7

GS. 12 Monte Sentinha 4 2 3 3 4 3 3 3 4 29 3 5 4 3 4 4 3 26 3 3 3 2 3 5 19 24,7 Miradouro do GS. 13 3 3 3 3 3 3 3 3 3 27 3 5 4 3 3 3 3 24 3 3 3 2 3 5 19 23,3 Caminho Novo

Os geossítios presentes, cujos elementos de interesse geomorfológico foram propostos, para a avaliação de valores, numéricos ou quantitativos, abrangem, somente os que se encontram localizados na cartografia da, Fig. 20. O Parque Natural do Monte Gordo, neste caso, deve ser enquadrado numa categoria aparte. O facto de se tratar de uma área protegida faz com que seja valorizado e alvo de interesse do ponto de vista legislativo.

Através do conhecimento que possuo do local, considero que alguns geossítios em análise atingiram valores de quantificação diferentes daqueles que havia pensado previamente. Como por exemplo, o Hortelã (GS 10), em relação ao Vale da Fajã (GS11) e ao Monte Sentinha (GS12), o Debaixo de Rocha (GS5),em comparação com o Forte da Preguiça, e a Ribeira Funda (GS1), em relação a Carriçal (GS 8).

Algum dos critérios como a abundância/ raridade, local tipo, possibilidades de realizar atividades científicas, pedagógicas, turísticas e recreativas atingiram valores superiores aos que Brilha (2005) considerou para a definição dos elementos patrimoniais de âmbito nacional e internacional. Contudo, por uma questão de adequação à ilha em análise os geossítios foram todos considerados no âmbito Regional ou Local.

A aplicação da quantificação, consiste no resultado da média simples dos três conjuntos de critérios, que se encontra no quadro da, Fig.40. Tendo em conta a formula que foi utilizada considera que: Q- corresponde à quantidade final da relevância do geossítio (arredondada ás décimas) e o A, B e C- correspondem à soma dos resultados obtidos para cada conjunto de critério. Neste caso, quanto maior é o valor do Q, maior é a relevância do geossítio e a necessidade de aplicar uma estratégia de geoconservação.

Quadro modelo de avaliação

Geossítios de âmbito Geossítios de âmbito Regional ou local Internacional ou Nacional Q=2A+B+1.5C/ 3 Q=A+B+C/3 A1 > 3; Os geossítios de âmbito nacional ou internacional são A3 > 4; aqueles que possuem, em acumulação, os seguintes A6 > 3; valores. A9 > 3; Os que não se enquadram nestes valores devem ser B1 >3; considerados como sendo de âmbito regional ou local. B2 > 3;

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Figura 40. Quadro dos resultados finais dos valores quantificados dos critérios

Critérios Q= (A+B+C) /3

A B C Valor do Q GS1 Ribeira Funda 23 14 20 19,0 GS 2 Praia do Barril 31 23 18 24,0 GS 3 Carberim 37 24 19 26,7 GS 4 Domo de Praia Branca 25 23 23 23,7 GS 5 Debaixo de Rocha 28 21 19 22,7 GS 6 Piscinas de Juncalinho 26 19 20 21,7 GS 7 Forte da Preguiça 28 24 17 23,0 GS 8 Carriçal 26 14 20 20,0 GS 9 Monte Gordo 39 27 19 28,3 GS 10 Hortelã 35 21 21 25,7 GS 11 Vale de Fajã de Baixo 29 28 17 24,7 GS 12 Monte Sentinha 29 26 19 24,7 GS 13 Miradouro Caminho Novo 27 24 19 23,3

IV.3.Classificação

Após os geossítios terem sido avaliados quantitativamente, procedeu-se à fase da classificação dos mesmos, requerendo os elementos de interesse patrimonial/ geomorfológico um enquadramento legal existente para a sua proteção. Sob o ponto de vista legal, a nível mundial, não se conhecem leis específicas para a classificação de geossítios e do património geológico (Alarcón et al.2004, cit. por Pereira, 2010).

No entanto para alguns autores como Brilha (2005, p.106) os procedimentos de classificação adotam percursos diferentes consoante o âmbito em que se enquadram:

A)- Classificação de geossítios de âmbito nacional (a proposta deverá ser aprovada em Conselho de Ministros e a classificação publicada em decreto -lei regulamentar).

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B)- Classificação de geossítios de âmbito regional e local (a classificação de áreas protegidas neste âmbito deverá ser aprovada pelo Ministro do Ambiente e posteriormente publicada em Decreto Regulamentar).

C) Classificação de geossítios de âmbito municipal (é um processo mais simples e a classificação depende apenas da autarquia, aprovada pela Assembleia Municipal).

Estes procedimentos dependem da legislação usada por cada país. Em Cabo Verde, apesar de a legislação não ser bem esclarecedora sob o ponto de vista desta temática, surgiu em 2003 o decreto-lei nº3/2003, de 24 de fevereiro, que veio demonstrar algum interesse pela classificação dos espaços naturais, paisagens, monumentos e lugares. A classificação dos espaços naturais, quer seja a biodiversidade, e/ ou os recursos naturais de função (ecológica, cultural, turística e de interesse socioeconómico), leva a que estes se considerem relevantes e merecedores de ser integrados na Rede Nacional das Áreas Protegidas.

O decreto de lei em cima referido, criou, tipologias de áreas protegidas bem como instrumentos de gestão capazes de diferenciar diversos interesses como a conservação da biodiversidade, aspetos geológicos e geomorfológicos, a proteção de valores culturais, estéticos e a satisfação das necessidades básicas do cidadão.

Os elementos patrimoniais dos respetivos geossítios inventariados/avaliados neste trabalho foram classificados no âmbito da escala local, intermédia e geral. Neste sentido partilhamos da posição de Brilha (2005, pp. 106-107) que propõe a ideia da classificação ser considerada no âmbito destas três escalas e pelas autarquias, onde se encontra inserido cada geossítio, pelo facto de este ser um processo mais simples do ponto de vista burocrático.

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IV. 4 Conservação

Esta etapa tem como principal objetivo manter a integridade física do geossítio e ao mesmo tempo assegurar a acessibilidade do público (Brilha, 2005 p. 107). Esta fase consiste em avaliar cada geossítio, tendo em conta as vulnerabilidades e fragilidades que eles apresentam. Também deve estar relacionada com a degradação ou grau de perda, face à intervenção de fatores naturais e/ou antrópicos.

Como não é possível conservar todos os geossítios, talvez por uma questão de disponibilidade de recursos financeiros de cada país, convém ter em atenção os que se encontram mais vulneráveis e degradados quer por fatores antrópicos ou naturais quer em função da sua vulnerabilidade ou da sua relevância, de forma a decidir e definir uma estratégia futura. Os geossítios que não foram inseridos nestas duas etapas (conservação e divulgação) terão de aguardar por uma próxima oportunidade, sabendo que qualquer inventário tem sempre continuidade. Contudo o objetivo aqui é manter a integridade física de todos eles, criando condições sobretudo de acesso ao público para que possam ser reconhecidos e eventualmente integrados numa possível inventariação.

Neste contexto, face à degradação ou perdas provocadas na maioria dos casos por fatores antrópicos, que se observa no quadro nove da, Fig.41, e de acordo com a perceção que fiquei da observação feita no trabalho de campo, proponho uma ação de conservação para os geossítios que necessitam de uma proteção especial.

Assim, proponho em primeiro lugar a conservação da localidade de Hortelã, (GS 11), no sentido de minimizar a extração de lenha, evitar os animais soltos, a prática da agricultura e a extração de jorras, de forma a recuperar o aspeto da paisagem e aplicar medidas legislativas que permitam evitar situações que contribuam para a sua degradação.

De seguida, proponho a conservação da Praia do Barril (GS 2) e o Domo rochoso da Praia Branca (GS4), no sentido de suspender a extração de areia de forma ilegal e incontrolável, promovendo ações de formação que sensibilizem as pessoas para as consequências causadas pela perda de recursos naturais, enquanto perdas irreversíveis, no sentido de preservar a integridade física dos mesmos.

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De acordo com Cumbe (2007, p.46) em algumas situações poderá não ser possível conservar um determinado geossítio no seu estado natural, em virtude de fatores de ordem natural, da degradação ou outros (vandalismo, por exemplo despejos de lixos). No entanto, poderá haver uma nova proposta de conservação para aos geossítios que apresentem alguma degradação, após terem sido alvo de intervenções tendo em vista a sua recuperação.

Figura 41. Quadro de informação relativa ao Grau de interesse que apresenta cada um dos geossítios bem como a vulnerabilidade e a necessidade de proteção de cada um.

Grau de Necessidade Geossítios Área de interesse Vulnerabilidade interesse de proteção Geomorfológico, hidrogeológico, turístico, A1 B B P científico Geomorfológico, recursos minerais, turístico, A2 A A U científico Geomorfológico, estratigráfico, sedimentológico, A3 A B U turístico, paisagístico, científico Paisagístico, Geomorfológico, estratigráfico, A4 M A U recursos minerais, científico Geomorfológico, estratigráfico, recursos minerais, A5 M B P turístico, científico Geomorfológico, interesse Cultural, turístico, A6 M B P científico Paisagístico, interesse cultural, geomorfológico, A7 B B P científico A8 Geomorfológico, paisagístico, turístico, científico B B P Geomorfológico, Sedimentológico, A9 A B P Hidrogeológico, Paisagístico, científico Geomorfológico, Estratigráfico, Recursos minerais, A10 A A U paisagístico, científico Geomorfológico, hidrogeológico, Interesse cultural, A11 M B P Paisagístico, científico Geomorfológico, Sedimentológico, paisagístico, A12 M B P científico Geomorfológico, Sedimentológico, A13 A B P Hidrogeológico, Paisagístico, científico

Nota: O Grau de interesse científico e de Vulnerabilidade considera-se: (A- Alto, B- Médio) e para a necessidade de proteção (U – urgente, P- pouco urgente).

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IV.5 - Proposta de valorização e divulgação

“Entende-se por valorização, um conjunto de ações de informação e interpretação, que ajudam o público a reconhecer o valor dos geossítios. Estas ações podem ser divulgadas por intermédio da produção de painéis informativos e /ou interpretativos, que são colocados nas proximidades de cada um dos estabelecimentos de percursos temáticos, que abrangem vários geossítios numa região”. Independentemente da escala em que foi inserido qualquer geossítios e da sua relevância, serão alvo de valorização e divulgação, aqueles que apresentarem menor valor de perda, baixa vulnerabilidade de degradação e se encontrarem em bom estado de conservação (Brilha, 2005 p.108).

Neste sentido, os geossítios mais vulneráveis aguardam por condições adequadas, para que futuramente possam ser alvo da respetiva valorização e divulgação. Por conseguinte, os geossítios menos vulneráveis, estando enquadrados numa estratégia de geoconservação e com uma avaliação prévia da sua vulnerabilidade, poderão ser devidamente valorizados e divulgados.

Consideraram-se num primeiro momento dois geossítios: em primeiro lugar o Monte Gordo (GS.9), por possuir maior pontuação e pelo facto de se tratar de uma área protegida, deve ser enquadrado numa categoria aparte. Considera-se uma área valorizada e com condições criadas do ponto de vista legislativo. Apesar disso devem- se valorizar todos os elementos da geodiversidade, uma vez que o processo de inventariação é feito sistematicamente, para que todos, sejam, incluídos.

Por esta razão, e tendo em conta o critério da igualdade na valorização dos elementos da geodiversidade, sugere-se que os elementos de interesse geológico e/ou geomorfológicos sejam aqui integrados.

Em segundo lugar proponho o Carberim (GS3 e GS 3.1). Apesar de estar comtemplado nesta etapa de valorização e divulgação, merece uma atenção especial da parte das entidades locais e municipais. O facto de ter sido eleito há aproximadamente seis meses uma das sete maravilhas do Arquipélago de Cabo Verde, é também uma mais-valia que deve ter, tida em consideração. Para além disso, este geossítio possui interesse do ponto de vista

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau científico, pois integra diferentes categorias temáticas do ponto de vista geomorfológico, estratigráfico, climático e etnográfico, entre outras, que certamente não tiveram ainda oportunidade de ser consideradas, nos diversos domínios das Geociências.

Neste sentido, no âmbito do cumprimento do artigo 16 do decreto-lei nº 3/2003 de 24 de fevereiro, proponho que o Carberim seja integrado num plano de gestão de uma área protegida, criando-se estratégias no sentido de o valorizar como património geomorfológico da ilha.

Num segundo momento, propõem-se, os geossítios que apresentaram valores numéricos inferiores ao Monte Gordo e ao Carberim, o caso do Monte Sentinha (GS 12), Fajã de Baixo (GS11), o miradouro do Caminho Novo (GS13), o Debaixo de Rocha, (GS 5), Forte da Preguiça (GS 7), Piscinas de Juncalinho (GS 6), Ribeira Funda (GS1), e Carriçal (GS8).

Num terceiro momento, concedera-se estarem enquadrados nesta mesma etapa os geossítios, que aguardando uma avaliação prévia da sua vulnerabilidade9- o caso da Praia do Barril (GS 2), o Domo da Praia Branca (GS 4) e o Hortelã (GS 10).

Pode-se dizer que a fraca sensibilização das pessoas pela conservação da natureza, reflete-se muito na cultura e na comunidade. No contexto da ilha em estudo, a população apenas começou a ter consciência da importância da valorização dos recursos naturais que esta possui muito tardiamente.

É neste sentido que a educação ambiental revela a sua utilidade. De acordo com Vieira (2008, p. 590), a ausência de uma política de educação ambiental traduz-se na reduzida informação dada desde dos níveis do ensino secundário as temáticas relacionadas com o ambiente físico e ou/geológico, condicionando o conhecimento dos indivíduos relativamente aos elementos geomorfológicos (Fig. 42).

9 O domo Rochoso da Praia Branca, (GS4), apesar de apresentar fortes sinais de degradação, a probabilidade de perda dos elementos que possui, é menor em relação à Paria do Barril (GS 3) e à Hortelã (GS 10). Por este motivo, não se encontra, num terceiro momento dos geossítios que aguardam uma avaliação prévia da sua vulnerabilidade.

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Figura 42. Esquema metodológico para o desenvolvimento e a promoção do património geomorfológico Vieira (2008 p. 589).

O autor, também sublinha, a importância do “desenvolvimento estratégico como um elemento fundamental que potencie iniciativas de divulgação e sensibilização dirigidas aos diferentes público-alvo (públicos-alvo em geral e públicos-alvo específicos), e em especial à população estudantil, com capacidade de interiorização de mensagens de caráter ambiental mais elevado”.

A ilha tem muito para descobrir! Mas o descobrir por si só não é o suficiente. É preciso conhecer o seu valor a nível científico e recorrer aos recursos interpretativos e informativos, que abrangem os elementos que se observam.

Assim sendo, primeiramente é importante adotar a utilização de estratégias, dando prioridade e incentivando a observação do campo, porque quando qualquer aspeto é observado seja ele um elemento geomorfológico ou outro, há sempre uma reflexão e motivação por parte do observador na leitura da paisagem. É uma estratégia que pode ser efetuada, por exemplo, através de percursos educativos, turísticos e outros acompanhados por técnicos com adequada formação científica que através do reconhecimento dos sítios onde se encontram estes elementos, poderão prestar informações úteis sobre estes assuntos.

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Em segundo lugar, deve ter-se em atenção a escolha do público-alvo que deverá ser diferenciada, desde as temáticas mais simples até aos conteúdos científicos mais aprofundados, de acordo com as suas motivações, caraterísticas e escalões etários.

As ações de divulgação, consideram-se, também importantes através da produção de recursos interpretativos. Segundo, Dias, et al, (p. 133) esta produção assume-se como um importante recurso com base nos painéis interpretativos, incluindo dois tipos de audiência: o público em geral e a população escolar em particular. O público em geral inclui os turistas, a população local e os visitantes. Este grupo atrai visitantes muitas vezes por simples lazer, por motivação ou por interesse científico. A população escolar é considerada a dois níveis: ao nível do ensino básico e do ensino secundário. Esta divulgação também poderá ser desenvolvida através de revistas, folhetos, produção de páginas na Internet, criação de DVD´S e CD ROMS etc.

IV.6- Monitorização

Segundo Pereira (2006, p. 313) a monitorização, diz respeito à análise e verificação da evolução do estado de conservação de cada geossítio ao longo do tempo. Trata-se de um controlo periódico da degradação do geossítio a qual ocorrendo por processos naturais e/ou antrópicos, poderá, levar a uma segunda definição de estratégia de gestão de modo a garantir e salvaguardar o valor do geossítio.

Brilha (2005), frisou a importância da monitorização, sugerindo, que esta seja realizada pelo menos de forma anual. Após este período, os elementos devem ser inseridos na estratégia de conservação, independentemente do nível em que o geossítio for enquadrado.

Com o tempo, os geossítios podem sofrer alterações provocadas por fatores tanto de origem antrópica, como de origem natural. De acordo com Pereira (2010, p. 323) existe a necessidade de implantar medidas de correção e mitigação como por exemplo- obras de drenagem para evitar o desmoronamento e erosão de taludes; corte de vegetação e/ou desrame sobretudo (dos elementos que impedem a visibilidade quer a nível turístico e/ou científico) e limpezas através de recolhas de lixo entre outras medidas pertinentes e previstas pela legislação.

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Em suma, a monitorização permite não só manter o estado de conservação do geossítio como também avaliar o comportamento da sua vulnerabilidade. Brilha (2005, p.110), sublinha a importância de comunicar às entidades competentes a situação atual e a quantidade da perda dos elementos de cada local, de modo a retificar todo o processo anteriormente descrito.

“Os técnicos responsáveis pela monitorização deverão acompanhar todas as etapas prévias de modo a ter uma perceção mais concreta das modificações que os geossítios vão apresentando”. A mesma responsabilidade deve caber também à entidade responsável pelos espaços naturais protegidos, integrando ações que visem a monitorização dos mesmos.

CAPÍTULO V. PROPOSTA DE ESTRATÉGIA GEOTURÍSTICA

V.1- Proposta de estratégia geoturística para o desenvolvimento da Ilha de São Nicolau.

O conceito de Geoturismo, começou, a ser utilizado em meados dos anos noventa e continua a ser aplicado até à atualidade. Uma das primeiras definições muito divulgada foi de Thomas (2000).

Thomas (cit. Figueiró, et al. 2013, p. 68) adaptou o conceito direcionando-o para os aspetos geológicos dos destinos turísticos. Para este autor, o geoturismo consiste em disponibilizar “serviços e meios interpretativos que promovam o valor e o benefício social de geossítios geológicos e geomorfológicos, assegurando simultaneamente a sua conservação para o uso de estudantes, de turistas e outras pessoas com interesses recreativos e de lazer”.

Segundo Rodrigues (comunicação oral, 6 de fevereiro de 2014), o conceito de geoturismo, pode ser considerado em sentido restrito ou em sentido lato. Em sentido restrito, o geoturismo centra-se na sustentabilidade do geopatrimónio, que inclui os geoturistas, que usufruem da sua beleza adquirindo conhecimentos que contribuem para a sua valorização e conservação.

A população local, é, a que retira maiores benefícios das receitas gerados pelo geoturismo promovendo-o de forma sustentável e valorizando-o como um recurso natural

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau local. Em sentido lato, o geoturismo é uma forma de turismo que usufrui do sustento do geopatrimónio, articulando outros valores do património histórico/cultural (material e imaterial) de uma região.

O geoturismo é uma atividade que se baseia na geodiversidade. Mesmo assim nem todas as definições relacionam de forma clara, o turismo, a geodiversidade e o geopatrimónio (Brilha, 2005). Por exemplo a Nacional Geographic Society (2001, cit. por Brilha 2005, pp. 121-122) entende o geoturismo, como um tipo de turismo que reforça as caraterísticas principais de um local a ser visitado, concretamente o ambiente, a cultura, a estética, o património, sem se esquecer do bem-estar dos seus cidadãos.

Esta atividade é cada vez mais comum nas escolhas dos turistas a nível nacional e internacional e tem contribuído para o desenvolvimento económico de muitos países no mundo. Este conceito está ainda relacionado com os elementos abióticos da Terra. Assim sendo é impossível falar do geoturismo sem o geopatrimónio. Ao acrescentar-se esta componente geoturística, exige-se que os geossítios sejam visitados tanto para atividades de lazer, como para o ensino, tendo presente ao mesmo tempo o seu valor económico.

Dada a importância das estruturas físicas no sustento da ecologia dos recursos bióticos, muitos autores consideram que o estudo do geoturismo difere do turismo tradicional, porque está ligado à temática das Ciência da Terra e a conceitos da geodiversidade (elementos abióticos, geopatrimónio, geossítios etc.). Também difere do turismo da natureza e/ou ecoturismo, porque este está sobretudo ligado à flora, à fauna e a outras atividades (...).

Segundo Brilha (2005, p. 124) o ecoturismo tem-se baseado especialmente na biodiversidade de destinos turísticos. Mas a geodiversidade contém algumas vantagens relativamente ao ecoturismo como por exemplo: é uma atividade que se pratica todo o ano e não se restringe às estações sazonais, as ofertas podem ser complementadas, promove o desenvolvimento do artesanato ligado à diversidade local, não está dependente dos hábitos da fauna e serve de aconchego ao turista quando se encontra em locais sobrelotados.

Em Cabo Verde, já se ouve falar muito do mercado turístico tanto a nível nacional como internacional. Em relação aos anos anteriores, este fator tem sido um potencial gerador de emprego em algumas ilhas onde se verifica uma maior concentração da população. O crescimento de estabelecimentos hoteleiros aumentou de forma significativa nos últimos anos em todas as ilhas (Cunha e Jacinto, 2013).

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

Essa atividade vocaciona-se quase exclusivamente para o segmento Sol-Praia, verificando-se poucas ofertas turísticas vocacionadas para a diversidade paisagística que o território proporciona. O segmento turístico Sol-Praia, tem exercido uma forte pressão sobre o ambiente. Cabo Verde é um país insular, de dimensão reduzida com ecossistemas frágeis, sujeitos a grandes problemas de escassez de recursos naturais, provenientes da variabilidade das condições climáticas nomeadamente a – seca. A construção dos grandes resorts e hotéis tem intensificado um turismo de massas nomeadamente em algumas ilhas.

Esta atividade revela-se inconciliável num território, com carência de recursos para a construção de grandes infraestruturas. Contudo em todas as ilhas, como poderá constatar-se na tabela que se encontra no anexo V, existe uma diversidade de potencialidades não só direcionadas para o Sol – Praia, mas também para a geodiversidade, associada aos valores culturais/históricos, económicos, sociais e outras modalidades alternativas.

Tendo isso em conta, é importante dar prioridade à sustentabilidade da atividade turística, objetivo que se pode conseguir também através do Geoturismo, pois este não implica pressão sobre o ambiente, e ao mesmo tempo, promove a sua conservação e valorização, podendo ter efeitos nos setores assentes nesta atividade.

De acordo com a National Geographic Society (cit. por Brilha, 2005, pp.122-123) o geoturismo também procura minimizar o impacto natural e ambiental, nas comunidades que acolhem os “fluxos turísticos, inserindo-se num conceito mais alargado de turismo sustentável”. Também é importante analisar as ameaças e as fragilidades do local de modo a estabelecer a capacidade de carga ou utilização que o geossítio pode suportar, o tipo de atividade que mais se adequa ao local, acompanhados da monitorização periódica.

Brilha (ob. Cit.), afirma que, um local com potencialidades paisagísticas deve ser comtemplado com estratégias que visem a geoconservação para a garantia da sustentabilidade dos geossítios. Pois bem, esta poderá ser a mentalidade a desenvolver nas ilhas de Cabo Verde.

Segundo, Fidalgo et al. (2010, p.3) “na atualidade o que mais pode condicionar a prosperidade de um lugar será o número de pessoas talentosas e criativas que nele residem, ao contrário do que sucedia na era industrial, onde pouco mais que o número de residentes importava”.

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Cunha e Vieira (2002-2004) também revelam que a revitalização de espaços economicamente deprimidos coloca algumas questões em termos de gestão de recursos ambientais. E os que particularmente se ligam com as formas do relevo, acabam quase sempre por funcionar como geotópos, muito procurados pelas suas caraterísticas que assentam na sua raridade, interesse científico, originalidade, grandiosidade ou beleza, que constituem um verdadeiro património geomorfológico e/ou geológico. Neste sentido pretende-se relacionar ou integrar o geoturismo num modelo global que promova um património particularmente diversificado de elementos. Aqui o marketing territorial, poderá, ser entendido numa perspetiva de pensar e planear um desenvolvimento a partir das expetativas e necessidades atuais, em estrita articulação com os potenciais recursos que a ilha possui. Como já foi dito anteriormente, em Cabo Verde, e que se pode observar nos quadros presente em anexo VI, o turismo, sofreu um rápido desenvolvimento em todas as ilhas. Excetuando a Ilha do Maio, em comparação com as outras ilhas, o turismo em São Nicolau ainda se encontra em fraco desenvolvimento. Neste contexto, entende-se que é importante propor uma estratégia de desenvolvimento adequada aos seguintes objetivos:

Objetivos gerais:

1. Preparar a sociedade para o conhecimento desta temática; 2. Aplicar as estratégias de conservação do ambiente, de valorização e conservação do geopatrimónio; 3. Melhorar a conetividade de ligação de redes de transportes marítimos e terrestres; 4. Integrar o Município de São Nicolau num destino turístico sustentável tendo em conta as suas potencialidades naturais. 5. Integrar o Parque natural do Monte Gordo de forma mais rentável valorizando-a geoturisticamente.

Objetivos específicos: Promover propostas no sentido de: 1. Integrar o património geológico/geomorfológico em diferentes estratégias de desenvolvimento local e regional. 2. Formação profissional e ambiental. 3. Definir locais de acesso para a mobilização das pessoas e veículos.

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4. Desenvolver produtos turísticos através de um roteiro geoturístico. 5. Introduzir painéis ilustrativos correspondentes a cada temática nos locais de observação, respeitando as especificidades do público-alvo. 6. Edificar e requalificar os espaços (limpezas e condições de manutenção). 7. Criar um marketing de destinos através de brochuras e guias de painéis informativos. 8. Produzir sítios Web para divulgação. 9. Criar condições de ligação de vias de transportes marítimos e aéreos 10. Apostar nas políticas públicas de desenvolvimento de espaços rurais para a criação de percursos pedestres e percursos propostos com base no património geomorfológico para o Monte Gordo e para o Carberim. 11. Aproveitar a qualidade do mar e do sol para a promoção de atividades desportivas nomeadamente o mergulho desportivo, a pesca desportiva, Surf, body board etc.

No âmbito do desenvolvimento sustentável, podemos aqui mencionar por exemplo o contributo que os geoparques têm exercido como potenciadores do geoturismo. O geoparque é um projeto criado pelo financiamento da UNESCO, onde se englobam muitos países da Europa. Dentro deste grupo de países no qual Portugal se encontra inserido, foram criados o geoparque Naturtejo ou da Meseta Meridional, geoparque das ilhas dos Açores, geoparque de Arouca, e mais recentemente o geoparque Terras de Cavaleiros.

Estes possuem áreas onde a geomorfologia se destaca e constituem lugares de elevado interesse turístico, cultural, cénico, didático e científico. Para Rodrigues et al. (p. 1355) um geoparque centra-se na geoconservação, educação e geoturismo provenientes dos valores da geodiversidade de um determinado território, incluindo o património arqueológico, histórico/cultural e cultural (Fig.43).

Nestes geoparques encontram-se vários produtos geoturísticos ao dispor dos visitantes, desde os culinários, aventuras, percursos pedestres, dança, artesanato etc. Em Cabo Verde ainda não foi proposta a criação de nenhum geoparque. No entanto, no país domina uma diversidade de riqueza natural cuja, a singularidade de certas geoformas podem ser valorizadas num plano estratégico geoturístico cujas potencialidades que poderão atrair vários visitantes.

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Segundo Rodrigues e Carvalho (2009, p.1359) um destino torna-se mais desenvolvido quando maior for a variedade de ofertas, mesmo quando se trata do geoturismo ou de um turismo especializado ou de “nicho”. Num local que apresenta grandes valores do património geológico é importante articular os valores históricos, culturais, naturais (biológico e geológico). Também é importante dizer que o geoturismo não vem sobrepor-se ao ecoturismo mas sim complementar outros valores pertencentes à geodiversidade que contribuem para o desenvolvimento local. Neste contexto, o geopatrimónio funciona como um impulsionador dos roteiros geoturísticos integrando as vertentes naturais e culturais. Ao mesmo tempo é uma forma de valorizar este património.

Relativamente a esta temática não tenho conhecimento de nenhum percurso no âmbito do geopatrimónio na área em estudo. No entanto, em Cabo Verde conheço o caso do Parque Natural da Ilha do Fogo, com percursos interpretativos propostos por Vera Alfama (2007).

No caso português, têm vindo a desenvolver-se alguns trabalhos científicos com exemplos de percursos específicos, no âmbito do património geomorfológico, como, por exemplo, os propostos por Vieira (2008), para a Serra de Montemuro, assim como outros percursos propostos para o Maciço de Sicó por Cunha e Vieira (2002/2004) e no Parque Natural de Montesinho por Paulo Pereira (2006).

É neste sentido, que proponho um percurso geoturístico para os geossítios inventariados na Ilha de São Nicolau. O objetivo é enquadrá-los numa proposta de valorização e conservação através do geoturismo, que visa conhecer os seus valor a nível educativo, natural e cultural, trazendo se possível, contributos para o desenvolvimento local.

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Geodiversidade Educação e Ecoturismo Conservação Geoturismo Valores culturais

Figura 43. Esquema concetual do Geoturismo articulado, adaptado a (2008 Rodrigues, p. 44).

V.1.1- Descrição do percurso ecoturístico

Para conhecer os geossítios inventariados, avaliados e classificados, propõem-se os seguintes percursos que se observam na, Fig. 44. Estes poderiam, ser efetuados, em três dias para não ser tão exaustivo para os turistas, uma vez que, os percursos propostos incluem setores com declives muito íngremes e que só poderão ser percorridos a pé, exigindo desse modo algum esforço físico (é o caso, por exemplo, da Ribeira Funda - GS1). Na figura 45, também se verifique, uma cartografia que representa um roteiro geoturístico, representativo dos caminhos de acesso aos respetivos geossítios.

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Figura 44. Descrição dos percursos dos geossítios

No primeiro, segundo e terceiro dias, poderia iniciar-se e terminar o percurso a partir da Vila da Ribeira Brava, devido à possibilidade de ai pernoitar. Sendo assim no primeiro dia, seguir-se-ia da Vila da Ribeira Brava em direção à localidade de Estância de Brás, onde se iniciaria o ponto de partida, para a localidade de Ribeira Funda (GS1), através de um caminho exclusivamente pedestre mas que também poderia ser percorrido através de montados (burro, cavalo). Ao longo deste caminho observar-se-ia o domínio do mar de um lado e do outro, o sistema montanhoso do “Cenoral”.

O primeiro ponto de observação, seria, um pequeno miradouro chamado de “Montador do Burro” onde se visualiza uma parte da aldeia, já desabitada e o mar. O segundo ponto de

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau observação seria o miradouro de Cruz. Aí poderia disfrutar-se da excelente paisagem da aldeia e dos elementos naturais existentes.

O ponto de paragem seria feito na própria aldeia onde haveria a oportunidade de observar a morfologia do mar, do relevo, o encaixe do vale de Camarões (aldeia vizinha), de um lado e do outro lado o vale da Ribeira Funda, assim como a presença das atividades exercidas pelo ser humano no amanho da terra (GS 1). Nesta localidade, poderia aproveitar-se o resto do dia para algumas atividades piscatórias, práticas balneares e de lazer como por exemplo um piquenique.

No segundo dia, partindo da Vila da Ribeira Brava, o primeiro ponto de paragem poderia iniciar-se em Fajã (GS11). Ali, poderia contemplar – se a paisagem, o cultivo de (banana, cana de açúcar, tubérculos…), bem como a prática agrícola de regadio, e os relevos imponentes, envolventes. De seguida seguir-se-ia em direção ao Monte Sentinha (GS 12).

Ao aproximarmo-nos da localidade de Cachaço, verifica-se uma mudança, clara na topografia do local. O afloramento rochoso ou domo rochoso de Monte Sentinha destaca-se com bastante clareza, em forma de chaminé e/ou pico. À sua volta destaca-se a cor verde, sobretudo devido ao predomínio do cultivo da agricultura de sequeiro (milho e feijão, batata…). Ao avançar se para a direita do domo rochoso encontra-se a respetiva Capela de Monte Sentinha que representa interesse do ponto de vista cultural e religioso para a comunidade local.

Desta paragem seguir-se-ia para o ponto mais alto da ilha, Monte Gordo (GS 9) – ponto central do respetivo Parque Natural. Ainda na localidade do Cachaço, verifica-se na sua periferia a escarpa de falha coberta de vegetação, nevoeiros e uma parte exterior do Maciço. O ponto de paragem seria feito já dentro do Parque Natural. Primeiramente, haveria, a oportunidade de desfrutar da magnífica e ampla diversidade da paisagem ao longo de todo o setor.

Ao circular-se pelo parque vai-se comtemplando a vista panorâmica do encaixe dos vales, das formações geomorfológicas de filões, cristas, buracas, ao longo das vertentes e dos relevos mais acidentados. Também seria possível observar a diversidade de espécies vegetais em destaque, grandes comunidades de tortolho (Euphorbia tuckeyana), dragoeiro (Dracaena Draco), entre outras espécies endémicas bem como comunidades de eucaliptos e de pinheiros.

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Seguindo-se pelo Caminho Novo em direção à Vila do Tarrafal, a próxima paragem seria no miradouro, onde haveria a oportunidade de visualizar todo o vale que liga à vila principal: a Vila da Ribeira Brava. Observar-se-ia ao mesmo tempo a morfologia do relevo e a disposição dos pequenos aglomerados dispersos ao longo do vale e das vertentes.

Deste ponto, logo á direita deslocar-nos-íamos para a Hortelã (GS 11), que corresponde à área de amortecimento do Parque Natural do Monte Gordo, mas com morfologia e contraste paisagísticos diferentes. À entrada do local, seria feita uma paragem para observar a morfologia do relevo em forma de domo achatado, depósitos de vertentes e escoadas de materiais piroclásticos. Mais para o interior do local, encontra-se um cenário um pouco diferente com uma formação estratigráfica proveniente de materiais piroclásticos formidáveis.

Da Hortelã, seguir-se-ia para a Vila do Tarrafal, pela estrada que liga á Praia do Barril (GS 2). Nesta paragem, haveria a oportunidade de usufruir de uma excelente baía, da praia, do domínio do mar, dos recursos minerais (areia) bem como observar os sinais ou vestígios da sua extração.

Continuando pela mesma estrada, seguir-se-ia para o domo rochoso da Praia Branca (GS 4). No seu interior, à medida que o Ser Humano vai aproveitando para extrair os recursos minerais (jorra), podem-se observar grandes filões de formações estratigráficas, provenientes dos materiais piroclásticos (lapili, tufos) e a presença de calcário fossilífero de cor branca. Aqui poderia também visualizar-se o aglomerado populacional da localidade da Praia Branca.

O próximo ponto de paragem seria o Carberim (GS 3). Neste local, haveria a oportunidade de observar uma grande variedade de elementos geomorfológicos. Também se poderia disfrutar da riqueza que a paisagem proporciona e das pequenas lagoas que aí se apresentam para efeito balnear.

Por último, para terminar o percurso do dia regressar-se-ia pela mesma estrada em direção à Debaixo Rocha (GS 5). Ao longo do caminho, poderiam observar-se diversas morfologias do relevo, do solo e ainda algumas pedreiras abandonadas. Ao aproximarmo-nos do local o cenário torna-se diferente, ou seja, varia do castanho para o azul.

Haveria a oportunidade de observar um grande perfil horizontal com formas de disjunção colunar basáltica, também designadas por prismas ao longo da sua arriba. Seria ainda possível encontrar formações de dunas de areia branca transportadas pelo vento que se

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau vão acumulando na base desta vertente. Por outro lado, haveria a possibilidade de terminar o dia a disfrutar da praia.

Como já se referiu no parágrafo anterior, devido ao facto de alguns dos geossítios se encontrarem muitos dispersos uns dos outros e com acessos pouco favoráveis, como por exemplo para a localidade do Carriçal, no terceiro dia o primeiro ponto de paragem poderia iniciar-se no Forte da Preguiça (GS 7). Para chegar a este local, segue-se pela estrada, partindo da Vila da Ribeira Brava ou do Aeroporto da Preguiça.

O primeiro ponto de paragem seria no miradouro, onde haveria a oportunidade de estar em contato com os antigos canhões militares que lá se encontram, e com uma estátua que retrata o percurso da navegação de Vasco da Gama a caminho do Brasil. Este mesmo ponto, possibilita uma observação magnífica quer para um conjunto de relevos residuais, quer para o mar e para a própria localidade.

Ao avançar-se para o antigo cais, poderia fazer-se uma segunda paragem de modo a observar a praia junto à falésia ou arriba e as formações de estruturas prismáticas ao longo da vertente. Também poderiam observar-se os processos erosivos desencadeados pelo mar bem como a pesca tradicional local.

Daqui, seguir-se-ia em direção à piscina do Juncalinho (GS 6). Ao longo do percurso, haveria a oportunidade de disfrutar de excelentes vistas para o mar de um lado, do outro lado aspetos geomorfológicos de elementos de natureza basáltica e conhecer o aglomerado populacional de Moro Braz.

O primeiro ponto de paragem seria feito na própria localidade, onde haveria a oportunidade de dialogar com a população e apreciar a disposição do povoamento. O segundo ponto de paragem, seria, na piscina, onde haveria a possibilidade de a utilizar para fins balneares. Para além disso, seria possível observar com pormenor as formações do basalto escuro em forma de disjunção colunar, a própria piscina em formato esferoidal e ainda alternâncias de pias de água, que se foram formando à medida que o mar avançou para a terra.

Do Juncalinho, continuar-se-ia o percurso em direção ao Carriçal (GS 8). Embora seja transitável por carro, o percurso é moroso devido às condições do terreno que possuem caraterísticas muito pouco favoráveis. Ao longo do caminho, a observação dos elementos geomorfológicos de natureza basáltica seria constante.

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A vista da entrada do Carriçal é fabulosa. De imediato, surge-nos uma imagem de uma superfície mais ou menos aplanada e o predomínio das formações de escoadas de lavas em forma de deltas bem como a presença do aglomerado populacional. Ao avançarmos para a sua periferia que se considera a parte mais central e mais frequentada pelos visitantes, haveria a oportunidade de conhecer a antiga fábrica de conserva do peixe, embora em avançado estado de degradação. Na sua arriba contemplar-se-ia a vegetação proveniente do lençol freático, a praia para efeitos balneares, o mar e ainda atividades piscatórias tradicionais.

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Figura 45. Roteiro geoturístico representativo dos caminhos de acesso aos respetivos geossítios

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Considerações Finais

Ao realizar este trabalho surgiram algumas dificuldades na obtenção de dados bem como as deslocações para a ilha em estudo. Porém os objetivos foram em meu entender alcançados. A realização deste trabalho permitiu-me conhecer a Ilha de São Nicolau, de uma forma mais pormenorizada e, sobretudo do ponto de vista dos seus elementos geomorfológicos. O trabalho de campo e a seleção dos geossítios contribuíram sem dúvida para um maior enriquecimento a este trabalho. Esta investigação trouxe-me, também, grande incentivo para aprofundar mais o conhecimento desta temática, motivação para conhecer melhor esta ilha e desenvolver melhor os elementos que compõem a sua natureza.

No entanto, espero que sirva também como um incentivo, e que futuramente, possam surgir novas investigações, representativas de elementos geopatrimoniais com o mesmo interesse, ainda desconhecidos da grande maioria da população e dos visitantes da ilha.

Do ponto de vista do geoturismo, este poderá constituir uma estratégia que as entidades locais poderão desenvolver ou aplicar no sentido de promover o desenvolvimento económico, de valorizar, conservar esses geossítios e fazer destes sítios locais de interesse, para a prática de atividades pedagógicas, recreativas e de lazer tendo em vista o bem-estar de todos.

Pelo que foi referido ao longo deste trabalho, o estudo da geodiversidade tem dado grandes contributos para a conservação e valorização do património geológico e/ou geomorfológico em todo o mundo. Em Cabo Verde, em particular na Ilha de São Nicolau, esta temática requer maior atenção na área científica e pedagógica, através da criação de recursos didáticos e pedagógicos capazes de transmitir o seu conhecimento e contribuir para a sua divulgação junto das populações.

Do ponto de vista do património natural, o país possui uma grande riqueza de valores, que normalmente não têm sido utilizados na promoção e no desenvolvimento desses lugares. Na verdade, as entidades governamentais e municipais, muito têm contribuído através da criação de algumas áreas protegidas e revelando preocupações perante ameaças adversas, como a exploração dos recursos e a fragmentação dos ecossistemas. O país reúne condições

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau do ponto de vista legislativo e governamental no âmbito da política da conservação da natureza e do ordenamento do território com medidas que visam a sua proteção, mas que precisam de ser postas em prática com maior vigor.

No âmbito da conservação da natureza, através das iniciativas promovidas pela UNESCO e por outras entidades como a Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico em Portugal, as estratégias de geoconservação têm contribuído para combater muitas ameaças referentes ao geopatrimónio. Ao mesmo tempo, as técnicas de geoconservação (inventariação, avaliação, classificação, valorização e monitorização), que têm sido aplicadas e discutidas por vários autores em diversos países, contribuem para a sua valorização e inserção em políticas de desenvolvimento sustentável.

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Carta Geológica de Cabo Verde: ilha de S. Nicolau http://www.tvciencia.pt/tvccat/pagcat/tvccat03.asp?codcat=CDI-1839-1983 (consultado no dia 9/6/2014 ás 12:11h).

Sistema de informação ambiental http://www.sia.cv/ (consultado no dia 9/06/2014 ás 12:13h).

Legislação de Cabo Verde http://geoheritage-iugs.mnhn.fr/tggsearchlaw.php?recherche=cv (consultado no dia 9/06/2014 ás 12:15h).

Biografia e obra de Eugénio Tavares http://www.eugeniotavares.org/docs/pt/obra/index_obra.html (consultado no dia 9/06/14 ás 12:19h).

Vida e obra de Baltasar Lopes Chiquinho http://lusofonia.com.sapo.pt/baltasar_lopes.htm (consultado no dia 9/06/2014 ás 12:20h)

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Geopatrimónio da ilha de São Nicolau

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