SELEÇÃO SEMANAL DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 178 [20/02/2014 a 26/02/2014] Sumário

CINEMA E TV ...... 3 O ESTADO DE S. PAULO - Robocop de elite ...... 3 LE MONDE - « Les Bruits de Recife » : échos fantômes de la paranoïa brésilienne ...... 4 LE MONDE - Les leçons sonores de Kleber Mendonça Filho ...... 4 ESTADO DE MINAS - Animação mineira em competição ...... 5 FOLHA DE S. PAULO - Wagner Moura será Pablo Escobar em série de Padilha ...... 6 TEATRO E DANÇA ...... 7 O ESTADO DE S. PAULO - Lições de como construir o sublime ...... 7 O ESTADO DE S. PAULO - Golpe de cena ...... 8 O ESTADO DE S. PAULO - Teatro teve de driblar a censura durante o golpe militar ...... 9 FOLHA DE S. PAULO - Religiosos se unem contra 'Jesus Cristo Superstar' ...... 10 FOLHA DE S. PAULO - Peça expõe lapsos da comunicação cotidiana ...... 12 ARTES PLÁSTICAS ...... 13 ESTADO DE MINAS - Esquizofrenia do olhar ...... 13 O ESTADO DE S. PAULO - Obras de Cândido Portinari voltam a ser expostas ...... 14 ESTADO DE MINAS - A arte dos BRICS ...... 15 AGÊNCIA BRASIL – Das aldeias para as galerias de arte ...... 17 MÚSICA ...... 18 ESTADO DE MINAS - Eterno carnaval ...... 18 O ESTADO DE S. PAULO - Quatro sambistas em turnê pelo Brasil ...... 18 BRASIL ECONÔMICO - Tenho um lado regional, mas sou maior do que ele / Entrevista / Luê ...... 19 ESTADO DE MINAS - Criador atômico ...... 20 THE NEW YORK TIMES (EUA) – Jazz at Lincoln Center Season to Include Tributes to Billie Holiday and Wayne Shorter ...... 22 CITYPAPER (EUA) - Cyro Baptista brings voodoo jazz to the Warhol ...... 23 FOLHA DE S. PAULO - Coletivos de DJs levam às ruas de SP o novo hip-hop instrumental ...... 24 FOLHA DE S. PAULO - CD de revela mudanças nos -enredos ...... 24 LUSOJORNAL (FRANÇA) -Xème Festival de choro de Paris ...... 25 LIVROS E LITERATURA ...... 26 VALOR ECONÔMICO - Mistura intrigante de ensaio com imaginação ...... 26 O ESTADO DE S. PAULO – Crônicas do Brasil ...... 27 QUADRINHOS ...... 28 FOLHA DE S. PAULO - Livro reúne três décadas de tiras de Adão Iturrusgarai ...... 28 ARQUITETURA E DESIGN ...... 29 ISTOÉ – A redescoberta da cadeira de ...... 29 FOTOGRAFIA ...... 30 EL PAIS (ESPANHA) - “Para a fotografia, tem que saber experimentar o prazer de esperar” ...... 30 O ESTADO DE S. PAULO – Dois olhares que se cruzam nas ruas de São Paulo ...... 34 O ESTADO DE S. PAULO - A paisagem da cidade segundo o esteta refinado Carlos Moreira ...... 35 ESTADO DE MINAS - Aula de história ...... 36 OUTROS ...... 37 THE GUARDIAN - puts the arts in the pockets of the poor with new cultural coupon scheme 37 SAPO (PORTUGAL) - Escritor e músico Ernesto Dabó confia na nova geração de políticos ...... 38 LUSOJORNAL (FRANÇA) - Festival Travelling rio, à rennes ...... 39 VALOR ECONÔMICO – Franceses treinam para mostrar no pé ...... 40

2 CINEMA E TV

O ESTADO DE S. PAULO - Robocop de elite

José Padilha vê paralelos entre seu filme, que estreia amanhã, e 'Tropa de Elite'

Segurança. Diretor diz ter feito o filme que pretendia

Flavia Guerra

(20/02/2014) "O Robocop é o Black Bope", brinca o diretor José Padilha, em conversa com o Estado sobre seu mais novo filme, Robocop, que chega amanhã a 700 salas do Brasil depois de ter ficado em terceiro lugar entre as melhores bilheterias do EUA no último fim de semana. Vinda de quem é estudioso atento das origens e consequências da violência, a frase não poderia ser mais acertada.

"Tem tudo a ver com o Tropa. Há o apresentador manipulador, a família, o policial... Este universo em que o homem se insere no contexto violento", diz a atriz Maria Ribeiro, que em Tropa de Elite vive a mulher do Capitão Nascimento, ao sair da sessão para convidados na terça à noite, no Rio. Exageros comparativos à parte, há de fato muito de Tropa em Robocop. Na verdade, há muito de José Padilha nesta atualização da história original, dirigida em 1987 pelo holandês Paul Verhoeven.

"Só aceitei fazer o filme porque José estaria nele. Além de ser um diretor que adoro, sabia que teria ideias fortes sobre o assunto e traria algo de novo, que não seria um remake sem identidade", diz o ator Joel Kinnaman, que interpreta o papel-título.

Ele e Michael Keaton, que no filme vive o vilão Raymond Sellers, estiveram no lançamento do filme no Brasil. "José é incapaz de fazer um filme comum. Até se ele dirigisse Débi & Lóide ele ia encontrar alguma coisa e a gente ia sair do cinema pensando que a estupidez até que é interessante", brinca Keaton. Mas o que de tanto há do irônico e corrosivo Tropa de Elite neste blockbuster sobre o policial meio homem meio robô que ganhou o mundo há 27 anos, ganhou duas sequências, virou franquia, série de TV e até desenho animado? Talvez, o fato de que tanto o oficial Alex Murphy quanto Capitão Nascimento sejam dois homens atormentados pelo contexto de violência e questões éticas em que a polícia de seus países se inserem. Ou então a percepção de que ambos compartilham o dilema de enfrentar a desumanização da polícia em face do cumprimento e da justificativa de atitudes violentas extremas. "O filme tem um eixo político e um eixo existencial", comenta Padilha. "Há um cara que um dia acorda sem saber o que aconteceu com ele, olha para um cientista e ouve: 'Você é um robô'. Ele olha para si e se pergunta: 'O que sobrou de mim?' É a questão do 'sou um homem ou uma máquina?'", completa o diretor, "Se você parar para pensar, o conceito implícito no personagem do Robocop está presente no Tropa 1 e no 2. Há uma ideia filosófica que me interessa, de que a violência extrema acontece quando o agente da violência, o policial, perde a sua capacidade de crítica, de pensar sobre o que ele está fazendo", analisa o diretor. "Verhoeven percebeu este conflito. E criou um personagem que já tem esta questão dentro de si. Este conflito entre automatização e o humano ocorre dentro do personagem. Esta sacada é genial", continua.

Interferência. Padilha conta que praticamente pediu para filmar Robocop. "Estava em uma reunião e o pessoal do estúdio queria que eu fizesse o Hércules. Não queria, mas vi um pôster do Robocop na parede e disse: este aí eu quero fazer." Segundo ele, conseguiu fazer o filme que queria e ter a palavra final sobre o longa. "Posso dizer que 50% do tempo eu gastei argumentando e 50% fazendo o filme. Mas valeu a pena. A questão política, por exemplo, não abri mão dela, e os testes com o público atestaram que funcionava. A ideia de que a automatização da violência abre uma janela para o fascismo é uma ideia importante. O que aconteceu no Iraque? Os EUA saíram de lá porque soldados americanos estavam morrendo. Se trocarem os soldados humanos por robôs, o que vai acontecer? Eles vão sair do Iraque? Aí se despolitiza a guerra internamente."

3 LE MONDE - « Les Bruits de Recife » : échos fantômes de la paranoïa brésilienne

Noémie Luciani

(25/02/14) Setubal, quartier aisé de Recife, sur la côte brésilienne, semble être enfermé sous un globe de verre. Ses habitants vivent une existence routinière et confortable, dont les plus grandes contrariétés sont la livraison tardive du nouvel écran de télévision, le chien du voisin qui aboie trop fort, ou, plus grave mais guère plus piquant, l'ennui. Pourtant, Recife est l'une des villes les plus meurtrières du monde, que le sociologue José Luiz Ratton croque en un parallèle inquiétant : « Le problème de , c'est le crime organisé. Ici, c'est le crime désorganisé. » Mais si, dans les quartiers populaires, des groupuscules trop sauvagement constitués pour qu'on les qualifie de « mafieux » s'affrontent tous les jours, rien, presque rien de cette violence ne parvient jusqu'à Setubal.

ENFERMÉS VOLONTAIRES

Ce presque rien (un autoradio volé, une voiture rayée) suffit pourtant à entretenir auprès des habitants une paranoïa constante, qui tient lieu de fil rouge au film de Kleber Mendonça Filho, qui signe, avec Les Bruits de Recife, son premier long-métrage. A la suite du vol de l'autoradio, les membres d'une société de surveillance se mettent à démarcher les habitants du quartier pour proposer leurs services, assez rapidement acceptés. A croire que les sas, grilles, murs de béton sur lesquels les caméras de contrôle poussent comme de la mauvaise herbe ne font pas assez pour la tranquillité d'esprit des résidents. Dès lors, Setubal se dédouble. A l'abri de leur voiture ou derrière les murs, ils s'accrochent avec détermination à leur statut d'enfermés volontaires. Dans les rues, où l'on ne croise ordinairement personne, les membres de la société de surveillance affrontent l'extérieur, sous un petit chapiteau portatif qui les protège des pluies et des grandes chaleurs, sans que rien de plus menaçant ne se profile.

Si le sujet pouvait se prêter idéalement à une approche documentaire, Kleber Mendonça Filho a préféré convoquer la grammaire de la fiction. Le travail du son en est la marque la plus évidente : estompés ou accentués, imaginés ou en « son off » (c'est-à-dire, sans que la source soit visible pour le spectateur), les bruits du voisinage nous font accéder aux subjectivités troublées qui les perçoivent et s'en emparent pour entretenir leurs craintes. Le cinéaste pousse encore plus loin dans les codes fictionnels, ménageant au cœur de sa matière réaliste des espaces oniriques. Une jeune fille rêve qu'une horde silencieuse envahit sa maison. Une cascade claire se charge de sang. Un vieil homme part se baigner la nuit, en pleine tempête, comme pour défier des forces tout aussi invisibles que la menace tant redoutée des habitants de Setubal, mais peut-être, au bout du compte, plus réelles.

Loin de laisser la vérité humaine à distance, cette mise en fiction du réel semble n'avoir pour but que de nous en rapprocher, comme si nous y étions poursuivis à notre tour par les spectres sonores. Célébré au Brésil comme à l'étranger, Les Bruits de Recife vaut pour la force du tableau sociétal qu'il propose autant que comme objet cinématographique rare, alliance étonnante d'inventivité et de rigueur. Film brésilien de Kleber Mendonça Filho avec Irandhir Santos, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, W.J. Solha (2 h 11).

LE MONDE - Les leçons sonores de Kleber Mendonça Filho

Aureliano Tonet

(25/02/14) Le premier long-métrage de Kleber Mendonça Filho, Les Bruits de Recife, porte bien son nom. Cela faisait longtemps qu'un film brésilien n'avait pas rencontré un tel écho, tant à l'étranger, où il a collectionné les honneurs, qu'à domicile : le chanteur , dont on entend quelques notes sur la bande-son, a déclaré qu'il s'agissait d'un des « meilleurs films réalisés récemment dans le monde », tandis que la présidente Dilma Rousseff en a vanté la beauté sur son compte Twitter.

Comme le hasard fait bien les choses, c'est non loin de la Maison de la radio, à Paris, que l'on fait la connaissance de cet ancien critique de cinéma de 46 ans, auteur, avant Les Bruits de Recife, d'une poignée de courts-métrages retentissants. « Depuis petit, j'adore le son, confie-t-il dans un portugais suave et mélodieux, en dégustant une tartine de beurre d'Echiré. Les bandes-son des films sont de

4 plus en plus bruyantes et américanisées. Or, le son de la vie à Recife n'est pas le même qu'à Bordeaux. Je cherche à restituer le son local. »

Le cinéaste a filmé Les Bruits de Recife dans la rue où il vit depuis 1987 : « C'est un quartier de plage, résidentiel et sans histoire. La paranoïa sécuritaire pousse les gens à habiter de plus en plus haut, dans des tours. C'est absurde. » Charmant et massif, l'homme est polyglotte : marié à sa productrice, la Française Emilie Lesclaux, il a grandi en Angleterre. « Lorsque je suis rentré à Recife, à 18 ans, j'ai demandé à mes amis : “Pourquoi y a-t-il des barreaux sur les fenêtres, ici ?” Ils m'ont répondu qu'ils ne s'en étaient jamais rendu compte. Si je fais du cinéma, c'est pour rendre visible ce que l'on ne voit plus. »

« RAPPORTS ARCHAÏQUES »

Fils d'une historienne spécialiste de l'esclavage et d'un professeur de droit, il traque, jusque dans les recoins les plus modernes de sa cité, la « continuation des rapports archaïques de domination » : « Les Brésiliens aisés entretiennent des relations très troubles avec leurs domestiques, où se mêlent la tendresse, le désir et la servitude. » Il cite avec révérence les travaux de l'anthropologue Gilberto Freyre et du documentariste , assassiné le 2 février dernier, qui « résonnent » avec son film : « Comme dans Cabra Marcado para Morrer (1984), de Coutinho, j'enregistre les répercussions d'un incident passé sur le présent. »

De fait, son film est tout en « cassures de rythme », concède-t-il, comme en témoignent les trois parties qui le structurent, intitulées « Chiens de garde », « Gardes nocturnes » et « Garde-côtes ». Mélomane avisé, il tire une grande fierté de la richesse musicale de sa ville, du rock rural d'Alceu Valença au mangue beat de Chico Science. « Mais aujourd'hui, corrige-t-il, le cinéma a supplanté la musique. Recife abrite une quinzaine de jeunes réalisateurs très talentueux. » Kleber Mendonça Filho n'est pas le moins vibrant d'entre eux.

ESTADO DE MINAS - Animação mineira em competição

O curta Macacos me mordam, de Sávio Leite e César Maurício, foi inspirado em conto de

(26/02/2014) O curta de animação Macacos me mordam, de Sávio Leite e César Maurício, está concorrendo ao Bang Awards, competição dinâmica direcionada às novas tecnologias e para um público integrado nas artes digitais, multimédia, ilustração e cinema de animação.

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Por se desenrolar numa plataforma on-line, o Bang chega a todos os utilizadores e pode ser acompanhado a partir de qualquer visor, em qualquer ponto do mundo. Inspirado em conto homônimo de Fernando Sabino, o curta mineiro conta a história de uma cidade que fica em polvorosa com a chegada de muitos macacos. A animação já teve quase 20 mil visualizações e cerca de 1.120 votos.

A segunda edição do Bang Awards, concurso internacional de animação subordinado ao tema “Povos cruzados”, é uma coprodução luso-brasileira promovida pelo Município de Torres Vedras, Portugal, e pela prefeitura de Ouro Preto, Brasil, e integra as comemorações do Ano de Portugal no Brasil e Ano do Brasil em Portugal.

Entre os destaques do evento, a presença de John Malkovich como presidente do júri, personalidade eclética que se identificou com o desejo do Bang Awards de promover a criatividade e a inclusão digital em comunidades ao redor do mundo, aproximando artistas e públicos de novos caminhos e técnicas de animação.

A votação segue até 6 de março no site www.bang-awards.com.

FOLHA DE S. PAULO - Wagner Moura será Pablo Escobar em série de Padilha

Diretor de 'RoboCop' discutirá ações antidrogas na produção para a Netflix

Cineasta também tem gravado entrevistas com personagens das manifestações no Brasil para outro projeto

Isabelle Moreira Lima

(27/02/2014) O que esperar de José Padilha depois de "RoboCop"? O diretor de "Tropa de Elite" nem terminou a divulgação do blockbuster que marcou sua estreia em Hollywood e já negocia os detalhes de uma série para o serviço de TV sob demanda Netflix.

A trama gira em torno do tráfico de drogas no circuito Colômbia-México-Estados Unidos e tem o colombiano Pablo Escobar (1949-1993) como um dos personagens centrais. "A série vai permitir que a gente fale sobre a natureza da política antidrogas", disse à Folha em São Paulo.

"É uma história colombiana, mas também americana porque Pablo Escobar virou quem é por causa da demanda dos EUA", diz Padilha sobre a série, que deve ser falada em inglês e espanhol.

Para interpretar o traficante, pensou em Wagner Moura. "Conversaremos na quinta [hoje] sobre isso. O Netflix quer e acha genial ele ser o Pablo Escobar. E eu acho que o Wagner vai arrebentar como Escobar. É um ator do nível dos melhores do mundo."

Moura confirmou à Folha a participação na série de José Padilha.

Outros quatro projetos dividem, com o de Pablo Escobar, a atenção do diretor. O primeiro é uma ficção científica para o estúdio Warner Bros, que espera dirigir.

Padilha desenvolve ainda um filme a partir do roteiro sobre a tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, escrito por Nick Schenk ("Gran Torino", 2008) e dirige uma das histórias do longa "Rio, Eu te Amo".

Por último, tem entrevistado pessoas de destaque nas manifestações pelo Brasil desde a morte do cinegrafista da Band Santiago Andrade. O trabalho é feito em parceria com o diretor de fotografia e Felipe Lacerda, codiretor de "Ônibus 174" (2002).

Esta última atividade é a mais incerta: Padilha diz que não tem ideia sobre qual será o produto final. "A gente decidiu não ficar dizendo o que é o filme. Vamos documentar, apenas. Aconteceu uma coisa, apareceu uma pessoa chave, a gente vai e filma", afirma o cineasta.

6 Já sobre as imagens das manifestações, Padilha diz que espera usar o material feito pelos próprios manifestantes e pela polícia. "É um pouco como é o Ônibus 174', eu não filmei aquilo."

Entre os já entrevistados estão o advogado dos acusados pela morte do cinegrafista, Jonas Tadeu Nunes, seu estagiário e a ativista Elisa Quadros, conhecida como Sininho. O cineasta espera gravar entrevista com Marcelo Freixo, deputado estadual (PSOL-RJ), de quem é amigo.

Questionado se a proximidade com o político determinaria uma posição sobre os eventos, Padilha diz que não precisa "concordar com as pessoas para conversar e ser amigo", embora "às vezes" concorde com Freixo. "Eu gosto de ter minha posição, não preciso ter um lado. Tenho a minha opinião."

BARRIL DE PÓLVORA

Quando as primeiras manifestações ocorreram no Brasil, Padilha estava entre EUA e Canadá, com as gravações de "RoboCop" em curso. Após a morte do cinegrafista da Band, resolveu acompanhar de perto para entender melhor o que acontecia.

Padilha acredita que as manifestações estejam ligadas a problemas reais, como má qualidade do serviço público e a má locação de recursos. "Invariavelmente eu simpatizo com os manifestantes e acho que eles têm razão. É inegável que o Estado brasileiro funciona muito mal."

Ele diz entender também a violência dos protestos. "É natural, com a polícia que a gente tem. Houve truculência policial antes da violência dos manifestantes."

E a violência de seus filmes? "É um dado da realidade. Antes de estar no meu filme, está na rua. O Brasil parece um barril de pólvora."

TEATRO E DANÇA

O ESTADO DE S. PAULO - Lições de como construir o sublime

‘Tira Meu Fôlego’ reúne seis artistas que fazem cintilar proposições surpreendentes e innovadoras

Espetáculo traz soma de propostas

Helena Katz

(21/02/2014) Tira Meu Fôlego faz o que anuncia: difícil não ficar naquele estado de espanto que estanca a respiração a cada vez que uma cena mais instigante que a outra vai sendo apresentada. E como elas são seis, haja fôlego. Elisa Ohtake (que concebeu, dirigiu e também atua) e seus cinco maravilhosos colaboradores criadores (Rodrigo Andreolli, Sheila Ribeiro, Raul Rachou, Cristian Duarte e Eduardo Fukushima, por ordem de entrada) fazem cintilar uma sequência de proposições surpreendentes, divertidas, provocadoras.

Se fosse necessário identificar, a tag seria “deslocamento”. Porque esta é uma legítima produção dos tempos de agora. Tem um pouco de teatro, mundo pop, artes visuais, one man show, stand up comedy, tudo cozido em um caldo de referências consagradas e, é claro, também de dança. O trabalho se organiza na convergência dessas e de outras mídias. Tira Meu Fôlego é o mais novo chafariz da pracinha da cultura digital, fazendo companhia para Receitas e Dúvidas, que Gustavo Bitencourt, Sheila Ribeiro e Wagner

7 Schwartz produziram em 2012. Não porque faça dela o seu assunto, não porque esteja no campo da dança tecnologia; mas porque opera com o deslizamento e com a construção de pontes, tudo ao mesmo tempo. Tem piscina de bolinha e laser. Tem Sepultura e samba-enredo da .

Aqueles assuntos caros às artes do espetáculo estão todos lá, afilados e sorrindo de/para nós: autoria, colaboração, representação, narratividade, presença, multidão, expressividade, o que separa o moderno do contemporâneo, biografia, a relação entre aquecimento e performance, etc., etc. Mas vão ficando com cara de lembranças esculpidas no gelo.

Tira Meu Fôlego recoloca na prateleira, e, portanto, disponibiliza para consultas futuras, a pergunta sobre o que sucede com uma informação que está online e é vista por milhões de pessoas. Estes seis artistas simplesmente são as misturas dessa outra ordem, que agora pauta a criação: não trabalham os materiais como citações, nem referências. Talvez seja essa a beleza maior dos exemplos que estão lá: o Franko B. de I Miss You (2000) virou duas gotinhas de pimenta nos braços de Eduardo Fukushima; o Body Tracks (1982), de Ana Mendieta, toma outra trilha na parede pelas mãos de Elisa Ohtake; Martha Graham perfura o sublime da dança de Raul Rachou.

Um herói puído pelo desgaste, que tem algo de familiar? Cristian mostra. Vendo-o dançar, se crê em tudo o que ainda não foi dito. Uma imagem totalmente trans, sexualmente fetichista, que esbarra na dança do ventre e no funk, emoldurada/borrada pelo mel? Sheila faz. Rodrigo empilha movimentos vindos dos mais fundos alicerces da dança que vive fora dos palcos e faz deles íntimos enfeites. Cada corte preciso de Fukushima vai produzindo um novo rosto para seus movimentos, em um timing que transforma a força em impulso.

A trilha mais parece um Tratado sobre a Ambiguidade versão ponto 2014. Música popular tratada como clássica. Dolores Duran, Sepultura, Carly Simon, Jennifer Lopez, Tom Zé, Nazareth, Elza Soares, Roberto e Erasmo, etc., incluindo Take My Breath Away (Tira Meu Fôlego), com a banda Berlin. A cenografia e iluminação são da mesma materialidade que os textos que cada um deles diz: o rigor está resguardado pelo faro fino de uma química que modula ironia e astúcia. A proposta de Tira Meu Fôlego é a de provar, em 1h30, como se dança quando se está apaixonado. Só podia mesmo produzir uma alegria inteiramente física. Pois é, como na paixão.

O ESTADO DE S. PAULO - Golpe de cena

No aniversário de 50 anos da ditadura militar, série de novas peças reveem o período

Maria Eugênia de Menezes

(24/02/2014) A tortura, os interrogatórios, o exílio. São temas que saíram de cena a partir dos anos 1980, com a redemocratização do País. Mas que, gradativamente, voltam a ocupar os palcos.

Às vésperas da efeméride que marca os 50 anos do golpe militar - que ocorreu em 31 de março de 1964 -, uma série de montagens revisita a problemática que o Brasil levou tanto tempo para conseguir encarar de frente. E, ao menos cinco delas, podem ser vistas nos próximos meses. "Nos últimos anos, as coisas estão começando a aparecer. Mas ainda é uma questão difícil de ser aberta. Uma panela de pressão que não conseguimos destampar", comenta Claudia Schapira, diretora do espetáculo Orfeu Mestiço - Uma Hip-Hópera Brasileira. "Cada lugar tem um modus operandi. Alguns países já fizeram esse exame. No Brasil, isso só está acontecendo agora", comenta ela, que tem origem argentina, mas vive em São Paulo.

De fato, o teatro latino-americano já reflete sobre suas ditaduras há muito mais tempo. No Chile e na Argentina, uma vasta produção dá conta dos horrores vividos durante esse período bem como de suas sequelas.

No Orfeu Mestiço as ações não se passam apenas no passado. É em um tempo bem recente que o protagonista precisa lidar com a perda. Logo depois do AI-5, Orfeu viu sua mulher ser arrastada aos porões do Dops e desaparecer. Durante 30 anos, ela pairou como um fantasma sobre sua vida. Até ele receber uma carta, em 1998, sendo chamado a reconhecer sua ossada.

8 Tal qual um cadáver insepulto, o regime militar no Brasil ainda não foi devidamente exumado e enterrado, acreditam os artistas que resolvem se deter sobre esse mote. Cantata para Um Bastidor de Utopias, criação da Cia. do Tijolo que acaba de retornar ao cartaz, debruça-se sobre um aspecto negligenciado da herança nefasta dos anos de chumbo: não foram apenas os artistas e intelectuais, integrantes da classe média, que foram mortos e torturados. "A historiografia não lembra dos trabalhadores que morreram. Mas eles foram muitos. Entre as vítimas também havia pobres, pretos, miseráveis", pontua Dinho Lima Flor, ator e um dos idealizadores do espetáculo. São rememoradas as trajetórias de vítimas quase desconhecidas, como João Virgílio e Manuel Freire Filho. "Queremos fazer falar àqueles que tiveram suas vozes caladas", observa Lima Flor.

Sem fronteiras. A importância da revisão histórica do período é inequívoca. Uma das particularidades dessa nova safra de montagens, porém, está na abertura que seus criadores pretendem dar ao assunto, fazendo conexões com o que aconteceu em outros países e épocas. Na Cantata, os depoimentos de vítimas brasileiras são amarrados à luta de Mariana Pineda - mártir espanhola que lutou contra a monarquia - e de Federico García Lorca - poeta que foi um dos 30 mil assassinados pela Guerra Civil que levou o general Franco ao poder. A violência que explode hoje nas grandes cidades brasileiras é outra das paisagens que aparecem na obra.

Em Morro Como Um País, a cia. Kiwi de Teatro também explodiu as fronteiras. Em cerca de 30 cenas independentes, o foco do diretor Fernando Kinas não é uma situação de violência específica, mas a suspensão do Estado de Direito e das liberdades individuais em diferentes contextos. "São esses momentos de exceção que acontecem normalmente durante as ditaduras, mas também podem ocorrer durante os períodos de normalidade democrática", comenta o encenador, que mesclou trechos de obras literárias com registros documentais no espetáculo. Também neste caso, os vínculos com a atualidade ficam patentes. "Existe um recrudescimento em curso hoje. Pessoas que não têm nenhum pendor ditatorial, por exemplo, são capazes de defender uma lei antiterrorismo contra as manifestações", diz Kinas, que fez a peça se apoiando no texto do grego Dimitris Dimitriadis.

Em Pedro e o Capitão, o autor é o escritor uruguaio Mario Benedetti. Mas a situação representada remete diretamente ao que se passou por aqui. O público acompanha as sessões de interrogatório entre um preso político e um oficial militar. E permanece no ar, sem resposta, a pergunta que o homem alquebrado lança a seu algoz: "Como é que um homem, se ele não é louco nem uma besta, pode se tornar um torturador?".

O ESTADO DE S. PAULO - Teatro teve de driblar a censura durante o golpe militar

Espetáculos têm um novo momento na cena do país nos anos de 1950

Maria Eugênia de Menezes -

(24/02/2014) Antes do golpe chegar, o teatro brasileiro já havia dado sua guinada política. O surgimento do Teatro de Arena, em São Paulo, durante os anos 1950, vinha inaugurar um novo momento na cena do País: as preocupações sociais ganhavam espaço. A dramaturgia nacional também. É dessa época Eles Não Usam Black-tie, de (1958): texto que tratava de problemas que o público conseguia identificar em sua realidade. As estreias de Chapetuba Futebol Clube, de Vianinha (1959), e de Revolução na América do Sul, de (1960), também engrossavam essa corrente.

Com a instalação de uma ditadura militar, o Arena acirra suas posições e passa a querer responder aos acontecimentos de forma ainda mais contundente. Arena Conta Zumbi, criação de Boal e Guarnieri, inaugura essa fase. Fala de resistência a uma força opressora e da possibilidade de revolução. Com o AI-5, decretado em 1968, as peças de protesto contra a ditadura se reinventaram. Era um teatro que precisava driblar as restrições impostas e, ao mesmo tempo, conseguir dar conta da complexidade daquele momento nacional.

Além da turma do Arena, tiveram importante participação nessa época, dramaturgos como Dias Gomes, Plínio Marcos, Leilah Assunção, , José Vicente. Espetáculos como Rei da Vela e Roda Viva, ambos dirigidos por José Celso também foram marcos dessa geração, duramente reprimida.

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Atos heroicos à parte, é preciso dizer que o saldo da ditadura para o teatro foi a sua quase completa aniquilação. Morreram as companhias, faliram os produtores, perderam lugar os autores. Uma triste história da qual ainda somos vítimas.

FOLHA DE S. PAULO - Religiosos se unem contra 'Jesus Cristo Superstar'

Petição para cancelar o financiamento do espetáculo com recursos públicos é organizada por associações católicas de SP que se dizem ofendidas pela figura do filho de Deus vestindo só jeans Musical trata do tema da fé com 'delicadeza e extremo respeito à Bíblia', afirma o diretor, Jorge Takla

Gustavo Fioratti

(26/02/2014) Quarenta e três anos após "Jesus Cristo Superstar" estrear nos EUA, o musical com letras de Tim Rice e música de Andrew Lloyd Webber ainda é capaz de cutucar instituições religiosas no Brasil.

O calo apertou no pé de grupos católicos de São Paulo, onde nova montagem estreia no dia 14, no teatro do Instituto , com direção de Jorge Takla.

A Associação Devotos de Fátima colocou na internet petição defendendo o cancelamento do financiamento da peça com recursos públicos.

Com apoio da Associação Sagrado Coração de Jesus, o grupo espalhou sua mensagem de repúdio ao espetáculo e obteve adesão de blogs e páginas no Facebook.

"Não é lícito ao Estado laico violentar barbaramente a fé de milhões de pessoas, promovendo, com o dinheiro dos contribuintes, o evento blasfemo que ocorrerá no dia 14 de março, com o lançamento da ópera-rock Jesus Cristo Superstar'", diz o texto.

Produzida pela T4F, uma das maiores empresas de entretenimento do país, e a Takla Produções, a peça foi autorizada a captar R$ 5,7 milhões pela Lei Rouanet.

A petição, que até a tarde de ontem havia reunido cerca de 26.500 assinaturas, é endereçada ao Ministério da Cultura e à ministra Marta Suplicy. "Não creio que esse Ministério teria coragem de promover 1% de algo que criticasse Maomé (ou mesmo Fidel Castro!...)", diz a carta.

Em resposta, o ministério informou apenas que o musical foi autorizado em dezembro a captar via Lei Rouanet e que se enquadra como "espetáculo teatral".

"Leigo de vida consagrada", Marcos Luiz Garcia, 60, coordenador de campanhas da Devotos de Fátima, disse à Folha que "não se trata de [pedido] de censura". "É um direito que temos de pedir que nosso dinheiro não seja utilizado para atacar nossos valores e nossa fé."

Em que ponto, porém, a peça poderia atacar a fé cristã?

Segundo Fábia Johansen, 27, membro da Devotos de Fátima e assessora da instituição e da Sagrado Coração de Jesus, a peça "ofende a imagem de Cristo porque apresenta uma versão da história a partir do ponto de vista de Judas e tem coreografias com mulheres seminuas". Ela diz ter visto a versão do musical para o cinema, de 1973.

Também incomodaram, diz Fábia, os cartazes da nova produção brasileira, que mostram o ator Igor Rikli de peito nu como Jesus, "usando calça jeans sem camisa".

"Toda obra de arte, quando é boa, pode ser considerada transgressora", responde Takla. "Só que Jesus Cristo Superstar' trata do tema com delicadeza e extremo respeito à Bíblia", diz o diretor, que se declara católico.

10 Há na peça um questionamento sobre a fé. E algum ceticismo fica evidente nas falas de Judas, interpretado no Brasil por Alírio Netto. Exemplo: "Quando tudo isso começou, não te chamavam de Deus, você era apenas um homem", reclama Judas.

Jesus, na peça, não faz milagres, mas, de resto (cuidado, spoiler à vista), morre crucificado. E torna- se mito, como em outras versões.

Para o padre Tarcísio Marques Mesquita, indicado pela Arquidiocese de São Paulo para falar sobre o tema, a obra não desrespeita a figura de Jesus. "O musical faz uma atualização da imagem de Cristo, mas é uma ficção que deve ser lida como tal", diz. "Obras como esta, que trazem questionamentos sobre a fé, nos ajudam a amadurecer. Os religiosos também têm seus questionamentos. A única coisa é que achei aquelas cantorias meio chatas, para falar a verdade", conclui.

EL PAIS (ESPANHA) - Noches con sabor brasileño en El Cairo

Ricard González

El dramaturgo Marco Magoa estrena en Egipto una obra sobre la fusión de culturas y la experiencia agridulce de la emigración

Actores de 'Brasil ... una noite no Cairo'. / Rafik Beshay

(26/02/2014) Después de una incursión en el mundo de la política con su Zenocrate and Zenobia (the exiled), el actor y dramaturgo español Marco Magoa retorna en su última obra teatral a uno de sus temas favoritos: la fusión de culturas. Sin embargo, en esta ocasión, su punto de referencia no es la cultura española sino la brasileña. En Brasil ... una noite no Cairo”, estrenada la semana pasada en la capital egipcia, se inspira en los poemas de varios poetas brasileños, como , Murilo Mendes y Manuel Bandeira para explorar la experiencia agridulce de la emigración.

“Uno de los puntos de contacto entre las culturas árabe, y específicamente egipcia, y la brasileña es fruto de la emigración a finales del siglo XIX y sobre todo durante las primeras décadas del siglo XX, de cientos de miles de sirios, libaneses, palestinos y egipcios hacia allí en busca de un futuro mejor”, explica Magoa, que ha contado con la financiación de la Embajada de Brasil en El Cairo para su espectáculo, representado en el Teatro Falaki, prácticamente lleno en todas sus funciones.

Nadia, una joven egipcia que vive en la capital egipcia, es la protagonista principal de la obra. Un día recibe la noticia de la muerte de su abuela en Brasil, donde había emigrado siendo una niña, junto con una caja de sus pertenencias en la que encuentra cartas, poemas, fotos, periódicos y música brasileña. A través de los recuerdos de su abuela, Nadia se interesa en recuperar la memoria de

11 aquellos emigrantes, muchos de los cuales nunca volvieron a su tierra natal, y funda un grupo de descendientes de emigrantes que se reúne cada jueves en una azotea de El Cairo para compartir experiencias.

“El tema de la emigración me interesa porque, después de varias décadas, España se ha vuelto a convertir en un país de emigrantes a causa de la crisis”, remarca el joven dramaturgo, que con “Brasil ... una noite no Cairo” estrena su cuarta obra seguida en Egipto, país que se ha convertido en su segunda patria. “Yo mismo soy un ejemplo de esta generación de jóvenes que se ve obligada marchar ante la falta de oportunidades. Ahora mismo, el alquiler de un teatro en Madrid es prohibitivo si uno no dispone de una generosa financiación”, agrega.

A pesar de contar con unos recursos limitados, y gracias a la imaginación y al ingenio, la puesta en escena de la obra no desmerece la exuberancia de la cultura brasileña. Por el escenario, decorado con varios metros de hiedras de plástico, desfila un grupo de capoeira, una rúa carnavalesca y hasta un . Sin olvidar la presencia de la música brasileña, cuyas notas entona el propio Magoa, echando mano de la experiencia atesorada en su pasado como actor de zarzuela en Madrid.

Representada sobre todo en una mezcla de árabe clásico y dialecto egipcio, el actor Alex Amaral, un brasileño afincado en España desde hace un par de décadas, aporta a la obra el sonido meloso de la lengua portuguesa. Amaral es el encargado de recitar los versos de varios poetas brasileños, entre ellos Thiago de Mello, Augusto dos Anjos, Chico Xavier y Elias Farhat. Este último, por cierto, de origen árabe. Sin duda, Brasil es un país de moda. Y más lo será este verano gracias al Mundial de fútbol. Pero Brasil tiene mucho más que aportar a la cultura global que las genialidades de sus astros del balón.

FOLHA DE S. PAULO - Peça expõe lapsos da comunicação cotidiana

'Opus 12 para Vozes Humanas' usa cenografia estilizada e diálogos desencontrados para falar sobre relações

As falas compõem um quadro de perguntas, respostas e réplicas desencontradas no tempo

Marcio Aquiles

(27/02/2014) Junção de duas peças de Sérgio Roveri ("Um Dia" e "Uma Noite"), o espetáculo "Opus 12 para Vozes Humanas" trata de um tema onipresente na arte contemporânea: a dificuldade de comunicação e entendimento.

Na primeira cena, múltiplos sujeitos aparecem nos diálogos entre dois atores imóveis, frente a frente. A mulher discorre sobre a previsão do tempo e a respeito de um guarda de trânsito; enquanto isso, seu parceiro fala sobre o PIB brasileiro, acerca de um pôster, e por aí vai.

Ambos discursam como autômatos, como se estivessem possuídos por vozes que não lhes pertencem. Em alguns momentos, no entanto, seus discursos se reencontram, como se voltassem a fazer parte da mesma história.

Na cena seguinte, dois casais conversam sobre temas variados durante um jantar.

Suas falas, porém, têm lapsos, compondo um quadro de perguntas, respostas e réplicas desencontradas no tempo. O comentário sobre uma afirmação desponta minutos depois. Uma resposta a um questionamento surge descontextualizada no meio da conversa posterior.

A anfitriã só quer saber da salada de batatas orgânicas, seu marido deseja conversar sobre os vinhos que ganha de seus pacientes, enquanto o outro casal briga por não conseguir concordar com nada.

Para esse caos verborrágico, o diretor José Roberto Jardim concebeu uma montagem estilizada. Os personagens são figuras verossímeis --afinal de contas, a imagem de casais que não se comunicam bem é algo conhecido.

12 O que os distingue é que se comportam como alegorias abstratas. O personagem de Felipe Folgosi, Lucas, está sempre sorrindo; o de Anna Cecília Junqueira, Carol, mantém um recipiente de vidro erguido o tempo todo.

A peça transmite, com isso, uma sensação de estranhamento por meio de uma linguagem universal, facilmente compreensível, como o jantar na casa de amigos.

CORES NA ESCURIDÃO

Com penumbra dominante no palco, a iluminação da montagem é pontual, com focos de luz vindos de um projetor (azul), de dois abajures (amarelo) e de uma lâmpada vermelha. As cores primárias fazem o contraponto ao figurino em tons escuros.

Essa estética minimalista, aliás, é bastante próxima à utilizada nas encenações do Club Noir, onde está em cartaz, assim como a duração breve do espetáculo, de aproximadamente 45 minutos.

O final parece ter sido concebido para deixar o público estupefato, sem compreender a história, reforçando a tese da peça sobre a incomunicabilidade dominante.

ARTES PLÁSTICAS

ESTADO DE MINAS - Esquizofrenia do olhar

André Burian apresenta trabalhos de projeto realizado no Aglomerado da Serra. Misto de pintura e fotografia, obras trazem influências do expressionismo

Imagem Quarto na Vila do Cafezal, de André Burian, remete a Quarto em Arles, de Vincent Van Gogh

Mariana Peixoto

(20/02/2014) “Este é um livro de ficção”, anuncia o autor no início da publicação. Ele é André Burian, criador mas também personagem de André Burian no Aglomerado, livro com imagens de impacto que, a partir do real, constroem uma história ficcional. Terceiro livro do artista – que lançou, a partir de

13 2010, André Burian em Belo Horizonte e André Burian em Ouro Preto – ganha lançamento hoje, na Quadrum Galeria, quando também haverá exposição das imagens que originaram o livro.

Durante um ano e meio, o artista foi a uma série de comunidades de Belo Horizonte – Morro das Pedras, Cabana do Pai Tomás, Santa Lúcia, Vila do Índio, Vila Pantanal etc. –, registrando o que chamava a sua atenção. “Sou tímido, a favela não é um lugar onde você pode tirar retrato do jeito que quer”, conta ele. Para registrar suas imagens, André utilizou três métodos. “No começo, pagava a uma moça que vive no Cafezal e ela me guiava lá dentro. Só que o povo da favela não gosta de ser fotografado, acha que tudo é denúncia, então senti muita tensão nessa forma de contato”, relata.

Num momento posterior, contou com a ajuda de Jorge Quintão, que desenvolve trabalho com crianças no Aglomerado Santa Lúcia. Conseguiu uma entrada maior, mas longe da ideal. Até que conseguiu novo “guia”. “Um geólogo da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), que havia me sugerido o livro, quatro anos atrás. As pessoas abriam suas casas para eles, não havia desconfiança”, continua.

Uma vez com as imagens em mãos, Burian ia para o ateliê, onde desenvolvia a pintura. Ele faz as projeções das fotografias e, em cima delas, pesquisa o material que pode utilizar na superfície. “Semente, areia, açúcar, vela, sabonete”, conta Burian, finaliza tudo no computador. “O grande momento da obra é justamente o ateliê”, acrescenta. “Coloro de um jeito superlivre. Coisas que ficariam ruins na imagem plana acabam se adaptando ao meu processo. A luz do projeto é o impressionismo de Van Gogh e Monet, mas com uma esquizofrenia nos olhos. O personagem (que conduz a narrativa) não é um cara brilhante, é semibobo.”

O narrador apresenta seu cotidiano de maneira simples. Denuncia os problemas, mas vê o futuro com otimismo. “Ainda não temos tudo”, escreve/ilustra com uma imagem de casas na Vila do Índio. “Mas já não nos falta nada”, complementa a partir de uma pia, com pratos de comida, numa residência na Vila do Cafezal. “Tenho a intenção de fazer 50 livros. Paris, Alasca, Japão, África... Os livros são meu grande projeto de vida, e gostaria de criá-los de forma mundial. O personagem está pronto e meu método, um pouco peculiar, não se vê todo dia”, finaliza Burian.

O ESTADO DE S. PAULO - Obras de Cândido Portinari voltam a ser expostas

Avaliados em R$ 67 milhões, painéis passaram por processo de restauração

Público pode acompanhar trabalho de restauro em igreja de Batatais

Rene Moreira

(21/02/2013) Após serem restauradas, as telas do maior acervo sacro de Cândido Portinari começaram a voltar para a igreja Matriz do Senhor Bom Jesus da Cana Verde, em Batatais, no interior de São Paulo, onde ficarão em exposição. As primeiras pinturas a terem a restauração finalizada foram as cinco que compõem a coleção Jesus e os Apóstolos. Elas foram recolocadas na quarta em seus lugares.

Para ontem estava prevista a finalização de A Sagrada Família, que tinha furos de cupins e outros problemas. No total, 25 telas atingidas por insetos, além de infiltração de chuva e outros agentes, estão sendo recuperadas pelo Estado a um custo de mais de R$ 350 mil. O acervo todo deverá ficar pronto até o final deste ano e todas as peças ficarão expostas na igreja que as recebeu como doação de Portinari, que nasceu em Brodósqui, cidade vizinha.

14 Portinari (1903-1962) fez essas obras em óleo sobre tela e as cinco primeiras a ficarem prontas exigiram dois meses de trabalho. A responsabilidade ficou por conta de uma empresa especializada nesse tipo de situação e que já havia restaurado obras do mesmo pintor que se encontram na sede do Banco Central.

O altar da igreja, localizada no centro de Batatais, foi reformado antes de receber as telas que, atacadas pelos cupins, tiveram os chassis trocados e receberam nova cobertura de verniz. Também foi realizado um procedimento delicado que tem como objetivo manter a pintura fixada às telas em alguns pontos onde, por conta da ação do tempo, a tinta já começava a se descolar.

De acordo com os restauradores, a demora em iniciar esse trabalho fez com que a situação das obras se agravasse. A reforma das telas somente ocorreu após uma disputa que se arrastou por mais de cinco anos. Igreja, prefeitura e Estado vinham discutindo a quem caberia arcar com esse gasto até que, com a intervenção do Ministério Público e decisões judiciais, no fim de 2013 foi definida a restauração.

As obras estão avaliadas em R$ 67 milhões e a última vez que o acervo foi restaurado foi na década de 1970. Para recuperá-lo, foi montado um ateliê no salão da igreja. A população tem, assim, a oportunidade de acompanhar todo o trabalho delicado que vem sendo desenvolvido.

Portinari nasceu em 1903 numa fazenda de café, sendo filho de imigrantes italianos de origem humilde e tendo cursado apenas o primário. Mas isso não impediu seus dons artísticos e, com 15 anos de idade, ele já começou a se destacar na pintura ao mudar para o Rio de Janeiro e ingressar na Escola Nacional de Belas Artes.

ESTADO DE MINAS - A arte dos BRICS

Mostra reúne no Rio de Janeiro trabalhos de artistas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que representam a modernidade do século 21. Dois são mineiros

Trabalho de Alberto César Araújo que também integra a mostra no Bairro Flamengo

Walter Sebastião

(21/02/2014) Rio de Janeiro – “Há 100 anos, o berço da modernidade foi Berlim, Paris e Moscou; e, a partir do fim do século 20, Nova York. Acredito que, agora, a modernidade do século 21 vai surgir nas

15 grandes megalópoles, cidades com mais de 10 milhões de habitantes, de China, Brasil, Índia e África do Sul”. Essa é a explicação do alemão Alfons Hug para a mostra Brics, organizada por ele e por Alberto Saraiva, que está sendo apresentada até 20 de abril no Oi Futuro/Flamengo, Rio de Janeiro. A mostra reúne vídeos e fotos de artistas que vivem nos países do Brics. Entre eles os brasileiros Silvino Santos, Juliana Stein, Romy Pocztaruk, Alberto César Araújo, Raimundo Valentim, Lula Sampaio, Silvino Santos, Paulo Nazareth e Cao Guimarães – os dois últimos, mineiros.

São obras que, por vários caminhos, trabalham motivos que aludem as relações entre desenvolvimento industrial, econômico e o impacto do processo sobre a vida das cidades e das populações. Tocando em vários temas – desde imigrações até a reconstrução da imagem das nações, passando por visões, realistas ou alegóricas, da vida urbana. E, para Alfons Hug, o drama urbano extremo, a luta pela sobrevivência, vai marcando a modernidade do século 21. “A maioria das obras tem um pouco do milagre econômico e muito da luta pela sobrevivência e até da precariedade dessas metrópoles”, observa o curador, que tem na questão metropolitana tema de interesse recorrente.

O curador Alberto Saraiva, que organizou a mostra junto com Hug, explica que os artistas que estão participando são autores cuja obra vem sendo reconhecida em exposições em várias partes do mundo. A mostra consumiu dois anos de pesquisa, que levou também à visita de várias exposições e bienais, e priorizou criadores que detalham questões ligadas ao desenvolvimento. “É um olhar crítico sobre a realidade e todos pontuam a precariedade da paisagem urbana, questão sentida por quem vive na cidade e sofre, mais diretamente, os impactos da transformação econômica. O que se vê é uma pasteurização global, especialmente nos dramas”, observa.

A opção pela fotografia e o vídeo, como conta Alfons Hug, tem explicação. “São setores em que se vive, hoje, momento muito produtivo em quase todos os países, inclusive emergentes e em locais como a Índia, com pouca tradição em pintura. Depois, vem a logística para a mostra de vídeos e fotos; como não envolve transporte, é mais econômico de organizar”. A exposição teve como cocuradores Sarat Maharaj, Gao Shiming, Joseph Backstein e Bose Krishnamachari.

Para Juliana Stein, artista gaúcha que vive e trabalha em Curitiba, a importância da mostra é estimular o pensamento crítico, a reflexão sobre o momento vivido por todos, onipresente, mas que permanece invisível. Ela valoriza o fato de a exposição reunir artistas de vários países e o conjunto de trabalhos, por permitir criar outra narrativa. Para a também gaúcha Romy Pocztaruk, está nas obras processo fascinante e assustador, já que põem em relevo tanto novas possibilidades trazidas pelo desenvolvimento econômico como a manipulação por meio de estratégias de marketing.

BRICS Coletiva de vídeo e fotografia de artistas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Obras de Silvino Santos, Juliana Stein, Romy Pocztaruk, Paulo Nazareth, Cao Guimarães, Alberto César Araújo, Raimundo Valentim, Silvino Santos e Lula Sampaio (Brasil); IpYuk-Yiu, Chen Chieh-Jen, CaoFei, Yang Fudong, e Gao Shiqiang (China); Haim Sokol, Elena Kovylina e Roman Mokrov (Rússia); Vivek Vilasini, Sarnath Banerjee e Navin Rawanchaikul (Índia); Donna Kukama e Mikhael Subotzky (África do Sul). Oi Futuro, Rua Dois de Dezembro, 63, Flamengo, níveis 2, 4 e 5. Informações: (21) 3131-3060. Aberta de terça a domingo, das 11h às 20h. Até 20 de abril.

Três perguntas para... lfons Hug, curador

Como o senhor vê a arte feita nos países que integram o Brics? Toda arte contemporânea está interligada. Cada região, sobretudo Ásia, Índia e China, tem características muito próprias. Mas não é algo intransponível. A arte contemporânea no seu melhor momento é uma língua franca, que se entende a todos os países.

O que se vê é arte universal? Cada país e cada continente tem uma matriz cultural que estará presente na arte contemporânea que ele faz. É como no cinema, cada país tem uma linguagem e elementos próprios. Não devemos procurar uma arte universal, mas é bom que haja pontos de contato e entendimento. Um vídeo chinês, embora seja cultura distante do Brasil, é legível para nós.

Que relações o senhor vê entre desenvolvimento econômico e arte nesses países?

16 O desenvolvimento econômico tem certas vantagens para a cultura. A infraestrutura cultural ficou melhor. A China está, neste momento, construindo mil museus, nem todos de arte moderna, mas históricos, de ciências etc. O mesmo ocorre em outra escala no Brasil, na Rússia e na Índia. O auge econômico trouxe certa pujança, recursos para o cinema, as artes visuais, o teatro, para tudo. Várias bienais de arte foram criadas nos últimos 10 anos nos países BRICS – as de Moscou, de Xangai e da Índia, por exemplo.

AGÊNCIA BRASIL – Das aldeias para as galerias de arte

Marcelo Brandão

(23/02/14) Um mergulho no pensamento das tribos indígenas da América do Sul, um festival de estética, cores e histórias diferentes, contadas por uma simples escultura ou por uma grande pintura rica em detalhes e emoção. Essa é a exposição ¡Mira!, que vai até o dia 9 de março, no Museu dos Correios, em Brasília.

A exposição é composta exclusivamente por obras de artistas indígenas de várias tribos amazônicas. Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador estão representados entre os 54 artistas, autores de 120 peças que compõe a ¡Mira!.

Verdadeiras histórias são contadas em apenas uma tela, como é o caso da obra do peruano Santiago Yahuarcani López. Seu quadro conta como indígenas de várias tribos eram escravizados e dizimados durante a extração de borracha, no início do século 20. O quadro de López, assim como outros, carrega uma história tão profunda que é acompanhado por um texto, traduzindo o que já é possível perceber nas tintas.

Outras obras são marcadas pela mistura de temas e estéticas, como no caso do quadro Protección, do também peruano Ruysen Flores Venancino. Sua pintura, dominada por tons de azul, mostra um híbrido de onça e homem em um plano divino, rico em detalhes. A obra sempre revela algo novo, a cada olhada do espectador, e por isso merece ser vista várias vezes na mesma visita.

“O objetivo é mostrar um pouco do pensamento deles, de seus conhecimentos. Embora jovens, os artistas têm conhecimento profundo de suas culturas ao mesmo tempo em que estão com o pé no mundo, em contato com a arte contemporânea e expondo em galerias, viajando”, disse Maria Inês de Almeida, curadora da exposição. A ¡Mira! foi idealizada pelo Centro Cultural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dirigido por Maria Inês.

À Agência Brasil, ela explicou que contou com o apoio de embaixadas brasileiras em países sul- americanos, curadores, galerias de arte e universidades. Em seguida, fez contato com esses artistas em seus países, em suas aldeias. Ela revelou ainda que uma exposição como essa, exclusiva de indígenas e com tantas etnias distintas, é inédita na América do Sul.

A diretora do Centro Cultural da UFMG também explicou a importância do resgate histórico de uma mostra como a ¡Mira!, sobretudo para as novas gerações. “Além de contribuir para a valorização das obras dos artistas indígenas no mercado da arte, a gente quer contribuir para que, principalmente os jovens, tenham mais informação não só sobre os povos indígenas da América do Sul, como também sobre os biomas onde vivem. Essa exposição resulta em um material didático privilegiado”.

De Brasília, a exposição segue para São Paulo; Medellín, na Colômbia; e Lima, no Peru. Em 2015, há previsão das obras serem expostas em Madrid, na Espanha. Em Brasília, a ¡Mira! pode ser visitada gratuitamente de terça-feira a domingo. De terça a quinta-feira, entre as 10h e as 19h, e nos fins de semana das 12h às 18h.

17 MÚSICA

ESTADO DE MINAS - Eterno carnaval

Há mais de 40 anos na estrada, Maria Alcina lança disco com repertório que junta canções antigas e inéditas de , , Karina Buhr e Péricles Cavalcanti

Maria Alcina levou dois anos para concluir este álbum, que sai pelo selo Nova Estação, de Thiago Marques Luiz

Kiko Ferreira

(20/02/2014) A cantora Maria Alcina fará 65 anos em abril. Mas continua uma intérprete vigorosa, irreverente e original, como na estreia, em 1972, cantando Fio Maravilha, de Jorge Benjor. Há dois anos, para comemorar as quatro décadas de carreira, ela e o produtor Thiago Marques Luiz começaram a gravar o disco De normal (bastam os outros), lançado agora pelo selo do próprio Thiago, Nova Estação.

Como toda boa festa, o disco mescla memórias marcantes com novidades. São 13 músicas distribuídas em 12 faixas. Só quatro delas inéditas. A primeira, Eu sou Alcina, de Zeca Baleiro, representa bem a personalidade da mineira de Cataguases, traduzida como sapeca, moleca, altiva, ativa, montada e ladina, uma “safada fada fadada/ a ser o que eu sou”. A faixa De normal, de onde saiu o título do CD, é de Arnaldo Antunes, segue linha semelhante e defende o estilo inusitado da figura Alcina. Cocadinha de sal, tema menos inspirado de Karina Buhr, tem melhor forma que conteúdo. E a marchinha Dionísio, deus do vinho e do prazer, de Péricles Cavalcanti, soa como uma mistura de e Zé Celso Martinez Corrêa.

Aliás, uma mescla óbvia de estilos, que já deveria ter acontecido há tempos, finalmente se concretiza. Alcina encontra numa das melhores faixas, uma leitura refrescante do clássico Bigorrilho (Sebastião Gomes, Paquito e Romeu Gentil), samba com DNA de coco que foi sucesso na voz de Jorge Veiga. Outro standard, Segura esse samba, de Oswaldo Nunes, também ressurge em interpretação mais do que convincente, incluindo trecho de Dondoca, de Adoniran Barbosa. E o baião Não se avexe não, de e Haydee de Paula, ganha tempero superior ao da gravação original de Dolores Duran.

Na linha de letras maliciosas de duplo sentido, que ela consagrou em músicas como Prenda o Tadeu e É mais embaixo, aparece Concurso de bicho, com presença de uma das autoras, Anastácia. E o carimbó Fogo da morena, do paraense Felipe Cordeiro, assim como Nhem nhem nhem, de Totonho, reafirma o diálogo da cantora com as novas gerações, explicitado no ótimo disco que ela gravou há 10 anos com o grupo Bojo.

A dupla João Bosco & Aldir Blanc, de quem ela chegou a gravar quatro faixas num só disco (incluindo o hit Kid Cavaquinho), reaparece num tema pouco conhecido, da safra dos anos 1990, O chefão. Mesmo habituada aos dribles e maldades das letras de Blanc, Alcina soa um pouco sem cintura na faixa. Situação semelhante ao da música Sem vergonha, de Jorge Benjor, que ela mesma já havia gravado em 1992. Apesar de ter sido um presente do Babulina, não está no rol de sua melhor safra.

Sucessor do álbum Maria Alcina, confete e serpentina, de 2009, De normal (bastam os outros) é um bom suporte para celebrar os 40 anos de vida artística da mineira. É prova inconteste de que ela tem uma qualidade rara numa época de poucos riscos: estilo. E sugere que um show dela com Ney Matogrosso seria, no mínimo, sensacional.

O ESTADO DE S. PAULO - Quatro sambistas em turnê pelo Brasil

Martinho da Vila, Alcione, Roberta Sá e Diogo Nogueira antecipam os 100 anos do samba em apresentação com 27 canções

Julio Maria

18 (20/02/2014) Depois de criar turnês para homenagear Elis Regina com Maria Rita em 2012 e Tom Jobim com Vanessa da Matta em 2013, a empresa de cosméticos Nivea decidiu trocar os imortais por um patrimônio imaterial. O centro do novo espetáculo dirigido por Monique Gardenberg e roteirizado por Hugo Sukman é o samba, que fará 100 anos em 2016, quando fecha um século desde a gravação de Pelo Telefone, por , considerada a pedra fundamental do gênero na indústria fonográfica. Na noite de terça, no Vivo Rio, uma apresentação para a imprensa e convidados deu início à turnê e mostrou como produtores e artistas lidaram com os desafios de se colocar o universo dentro de uma garrafa.

A escolha dos nomes pode ser o primeiro deles. Martinho da Vila e Alcione levam peso e imprimem legitimidade. Roberta Sá e Diogo Nogueira são ali o sangue novo, a continuidade da espécie e a conexão com um público que talvez não tenha chegado ainda às raízes. Mas suas escalações podem ser também efeito colateral de um fenômeno preocupante. Uma cantora que não é exclusivamente do samba e um cantor que, como diz o próprio roteiro, representa mais o pai lendário, João Nogueira, do que a si mesmo, refletem a ausência da produção de ídolos duradouros e de massa no samba. Se não fossem Roberta e Diogo, que nome de respeito do segmento com menos de 40 anos cumpriria uma agenda pelo Brasil levando 30 mil pessoas a cada show?

A escolha das músicas é o segundo. A primeira seleção pensada por Sukman e Monique tinha 60 canções, das quais 27 passaram pelo funil dos ensaios. A sequência é bem amarrada em blocos e pinta um quadro significativo, naturalmente, sem esgotá-lo. Dos que poderiam estar lá mas não estão, Pelo Telefone talvez seja o mais óbvio, já que o mote do projeto é justamente sua gravação, há quase 100 anos.

Os artistas se revezam desde o início, em um esquema que começa preso e se solta com o tempo. Depois da abertura em grupo com A Voz do Morro, de Zé Keti, Roberta Sá canta Eu Sambo Mesmo; Martinho faz Casa de Bamba; Diogo Nogueira lembra o pai em Poder da Criação e Alcione volta com Não Deixe o Samba Morrer. E uma outra escolha, agora de direção artística, começa a ficar evidente. Alceu Maia, cabeça por traz das amarrações, pensou em um espetáculo para grandes plateias em locais sobretudo ao ar livre. Depois de Porto Alegre (16/3), Rio (23/3, na Praia de Copacabana), Brasília (6/4), Recife (13/4) e Salvador (27/4), São Paulo será a última parada (25/5, às 16h30), no Parque da Juventude.

O caminho para vencer acústicas difíceis, de propagações de som sujeitas às condições climáticas, foi o do samba cheio e grande, sustentado por uma massa volumosa criada por quarteto de cordas (dois violinos, viola e violoncelo), sopros, teclado e coro, além da seção de dois violões, percussão, bateria e contrabaixo: 19 músicos ao todo. A vida feita de escolhas do diretor, de novo, não pode abraçar o mundo. Se por um lado glamouriza lindamente temas como O Mundo É Um Moinho, de (um diamante na voz de Alcione) e Feitiço da Vila, de (o dueto da noite entre Alcione e Martinho), por outro anestesia o impacto do samba de pele, do cavaquinho e do pandeiro dando as ordens no terreiro. Nada que as plateias sentirão falta. Afinal, a grande força do samba mora nele mesmo. Basta que alguém comece a cantar.

BRASIL ECONÔMICO - Tenho um lado regional, mas sou maior do que ele / Entrevista / Luê

Cantora, compositora e instrumentista paraense

(21/02/2014) Criada em meio a uma mistura de ritmos, a cantora Luê atraiu para o seu CD de estreia artistas como Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Curumin, Pupi- llo, Guizado, Regis Damasceno, Zé Nigro e Felipe Cordeiro. Em turnê do dis- co “A Fim de Onda”, a paraense, de 24 anos, se arrisca em belas composições. Ela se apresenta na próxima quarta, dia 26, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.

Qual o primeiro contato com a música de que você se lembra?

19 Tudo começou quando era tão nova que sempre fez parte de mim. Todos os dias, meu pai toca- va violão e batia um papo com a gente na roda. O primeiro show que fui foi da banda dele (Junior Soares, um dos fundadores do grupo paraense Arraial do Pavu- lagem). Cresci nesse mundo.

Quando começou a estudar música?

A partir dos 9 anos, quando meus pais me matricularam no Conservatório Carlos Gomes. Lá, escolhi o violino. Depois estudei na Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFPA (Universidade Federal do Pará).

Por que migrou da música erudita para a pop?

Foi tudo muito natural. Estudava música clássica, mas sempre tive contato com os ritmos populares em casa. Cresci com os dois lados, escutando muito Geraldo Azevedo, Clube da Esquina, Alceu Valença e Novos Baianos. Hoje, eu toco rabeca nas minhas músicas e tento unir o erudito ao popular.

E quando começou a cantar?

Cantar sempre foi muito distante da minha realidade. Até que um dia, em uma das reuniões de família regada a muita música, resolvi tentar. Todos prestaram atenção e gostaram. Dai veio a coragem para me apresentar. Comecei, então, a fazer shows em bares e festas de Belém até chegar aqui. Foi tudo muito rápido!

Quando resolveu sair do Pará?

Em 2010, eu vim para São Paulo para participar do Festival Ter- ruá Pará. Tinha umas músicas gravadas, a curadoria do festival gostou e me convidou para fazer parte. Esses shows me ajudaram a me firmar como cantora. Em seguida, engatei na produção do meu disco, “A Fim da Onda”.

Você afirmou no lançamento do disco,que não quería um álbum regional. Por quê?

Tenho um lado regional, mas sou muito maior do que ele. Sou MPB, rock, clássico, carimbó e brega também. Um conjunto de muita informação que sempre quis misturar, então, reuni tudo o que tinha de referências e arrumei um jeito de costurar.

Como teve contato com tantas parcerias que formam seu disco?

São Paulo é uma loucura, mas também é muito bacana. Aqui conheci muita gente da cena, através do meu produtor, o Be- tão Aguiar. Tudo no boca a boca. E, durante as gravações foi muito astral cada um deixou um pouquinho do seu jeito de tocar.

ESTADO DE MINAS - Criador atômico

Caixa reúne três discos lançados por Jorge Mautner nos anos 1970. Aos 73 anos, artista prepara shows e álbum de inéditas, além de retomar a carreira literária

Jorge Mautner vai republicar sua Trilogia do Kaos e escrever livro sobre sua amizade com

Ailton Magioli

(21/02/2014) Fundamentais. É como o próprio Jorge Mautner classifica os três primeiros discos de carreira, da década de 1970, reunidos agora no box Três tons, da Universal Music, sob a coordenação do jornalista Renato Vieira. Produto de um período em que, além da excitação criativa característica da idade, o artista vivia às voltas com o peso da ditadura militar, que acabou levando-o ao encontro de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em pleno exílio londrino, Para iluminar a cidade (1972), Jorge Mautner (1974) e Mil e uma noites de Bagdá (1976) trazem a essência de uma obra. Mesmo sob o rótulo de maldito, o artista já havia mostrado a que vinha, com o lançamento de quatro livros, entre eles Deus da chuva e da morte, além do filme O demiurgo.

20 Aos 73 anos, avô de Júlia, de 6, a quem promete dedicar uma das canções do próximo disco de inéditas, Mautner diz viver a alegria de “um novo Brasil”, curtindo a passagem do tempo com todos os problemas que a idade implica. “A gente vai ficando mais fraco”, reconhece o cantor, compositor, instrumentista, escritor e cineasta, cuja entrevista foi concedida pouco depois de uma consulta médica. Os 40 anos da profícua parceria com Nelson Jacobina (1953-2012), que integrou a Banda Atômica do artista, ao lado de Vinícius Cantuária e Arnaldo Brandão, são lembrados com carinho. “A presença dele é maior ainda”, emociona-se Mautner.

O lançamento de Três tons de Jorge Mautner vai começar pelo Rio, onde o multiartista se apresentará em 20 de março, no Teatro Rival, em companhia da Banda Tono, do filho do amigo Gilberto Gil, Bem Gil. No mesmo período, o cantor promete voltar ao estúdio para gravar disco de inéditas, no qual, além de parcerias com Gil e Caetano Veloso, deverá incluir as que vem fazendo com o jovem Iuri Brito, da banca carioca Exército de Bebês. Entre as regravações prometidas estão Jesus de Nazaré e Bandeira do meu partido. Mautner anuncia ainda para este ano a reedição, em pequenos volumes, da trilogia Mitologia do Kaos, que está esgotada. Inédito, ele promete para o segundo semestre livro das memórias com o amigo e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil.

Recém-descobertas pelo pesquisador Marcelo Fróes, seis canções inéditas de Mautner também deverão integrar um álbum duplo, ao vivo, que o selo Discobertas deverá lançar em abril. “Eu nem sabia deste show, que fiz com Nelson Jacobina, antes do Pirata”, recorda, referindo-se ao show Para iluminar a cidade, gravado ao vivo, no Teatro Opinião, do Rio, em 1972. “Foi uma tentativa talvez para fazer minha música tocar no rádio”, acrescenta, a respeito da sugestão do executivo da gravadora, André Midani, que, ironicamente, viria a se tornar o primeiro “disco pirata” do Brasil. “Só no Recife vendeu 7 mil cópias”, lembra, salientando que o produto foi comercializado pela metade do preço então praticado no mercado.

Dos três discos reunidos na caixa, o próprio Jorge Mautner destaca o de 1974, batizado com seu nome, em que reuniu no repertório aqueles que hoje são considerados os seus maiores clássicos: Maracatu atômico, Cinco bombas atômicas e Guzzy muzzy. Além da direção artística de Gilberto Gil, que havia gravado antes o Maracatu atômico, Mautner promove a estreia, no disco, de um jovem instrumentista. Trata-se de Roberto de Carvalho (piano, piano elétrico, órgão, violão e guitarra), que iria se tornar marido e principal parceiro de .

A estreia propriamente dita da carreira fonográfica de Jorge Mautner ocorreu em 1966, quando ele lançou um compacto simples. Na composição em si ele já estava desde os anos 1950. Vale lembrar que Para iluminar a cidade já havia sido relançado em CD, em 2002, com três faixas bônus, enquanto Jorge Mautner e Mil e uma noites de Bagdá também chegaram ao formato, nos anos 1990, em reedições de selo independente carioca.

Palavra de especialista

Marcelo Fróes / Produtor e pesquisador Artista múltiplo

Jorge Mautner é qualificado pelos preguiçosos como cantor e compositor. Ainda que os três álbuns dos anos 70 sejam efetivamente assinados por este cantor e compositor, Jorge Mautner, antes de ser Jorge Mautner, já era escritor, pensador e agitador da melhor espécie. A música pode ter lhe dado fama, já nos anos 70, quando voltou de Londres com Gil e Caetano e montou banda para fazer shows. Sua carreira fonográfica parece nunca ter sido prioridade, mas os três CDs do box contam uma história interessante. Eles guardam o mesmo caráter: são muito raros e mereciam uma remasterização bacana para o novo milênio. Conheço Mautner desde o século passado e sinto que 2014 é seu ano. Além do box e de outras coisas que ele está preparando, vou lançar em abril pela Discobertas um CD duplo ao vivo inédito, produzido a partir de gravações muito raras e que, para nossa surpresa, incluem nada menos que seis canções cujo título Mautner nem sequer lembrava. Devemos preparar mais coisas de Mautner na sequência, tanto em CD quanto em DVD. Ele é o máximo!

Três perguntas para... RENATO VIEIRA (Coordenador de Três tons de Jorge Mautner)

Por que reeditar Jorge Mautner?

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Quando o Filho do Holocausto saiu, vi que os álbuns iniciais dele, há anos fora do mercado, faziam falta, porque os três são a base do Mautner como intérprete e compositor, como ele mesmo salienta. Tudo o que ele faria depois se sedimentou aí. É uma trilogia semelhante à de João Gilberto na Odeon, a gênese está ali. É um ponto de partida que é ao mesmo tempo o destino, aonde ele sempre quis chegar. Achava que era necessário que esses discos fossem ouvidos e reavaliados hoje, em um momento em que o Mautner se aproxima de um público da nova geração e também com músicos novos. Há algo de jovem e inconsequente ali, mas nunca caindo no banal.

Como você caracteriza a obra de Mautner?

O Mautner é atemporal, está sempre pensando no futuro. Ele fala em bomba atômica, astronautas, no uso da tecnologia. E essas coisas são pertinentes hoje e acho que, felizmente ou infelizmente, sempre serão. Além disso, ele é um cara alegre. Em uma entrevista a Nelson Motta, em 1975, ele reconheceu isso e citou Nietzsche, dizendo: “A alegria anseia a eternidade”. Concordo com essa visão. Além disso, suas músicas são sempre regravadas por pessoas que vão chegando. O volume de gravações é um exemplo de que a obra dele permanece pertinente.

Entre os três, qual disco você prefere?

É difícil falar em uma preferência, não só porque os discos são ótimos, mas por serem muito diferentes entre si. Porém, acho que o disco pelo qual o Jorge Mautner será lembrado é o de 1974, batizado com o nome dele. É um disco que traz os grandes clássicos do repertório dele – Cinco bombas atômicas, Maracatu atômico, Guzzy muzzy – e que foi gravado com uma banda fabulosa, sob a direção artística de Gilberto Gil, que soube deixar os músicos livres para criar.

THE NEW YORK TIMES (EUA) – Jazz at Lincoln Center Season to Include Tributes to Billie Holiday and Wayne Shorter

Ben Ratliff

(24/02/2014) Jazz at Lincoln Center’s 2014-15 season, running from September through next June, connects musical traditions that start with jazz and open out to the Americas in general — North and South, Cuba and the Antilles. The details of the concerts, lectures, workshops and other events on the organization’s premises within the Time Warner Center and elsewhere are to be released Tuesday, with a piece of added news. What was formerly the Allen Room — the amphitheater within Frederick P. Rose Hall, with 50-foot-high glass windows overlooking Columbus Circle — will be renamed the Appel Room, in honor of Robert J. Appel, chairman of Jazz at Lincoln Center’s board, who donated $20 million to the organization earlier this year. (Allen & Co., the financial company for which the room was named in 2004, agreed to give back naming rights to a new donor.)

As in previous years the season includes mini-festivals. One is dedicated to Brazil, including a concert by the Jazz at Lincoln Center Orchestra with the guitarist Mario Adnet interpreting the music of the composer Moacir Santos, and an appearance by the SpokFrevo Orquestra, playing improvised versions of carnival music from northeastern Brazil (Oct. 24 and 25); one to Billie Holiday, including a concert by the rising singer Cecile McLorin Salvant (April 10 and 11); one to Wayne Shorter, including three concerts by Mr. Shorter and the Jazz at Lincoln Center Orchestra (May 14-16) and one by Sound Prints, a band led by the saxophonist Joe Lovano and trumpeter Dave Douglas and inspired by Mr. Shorter’s work (May 15 and 16).

In the season’s “Life of a Legend” concert the vibraphonist Bobby Hutcherson will be the honoree for an evening (Nov. 8). As for music beyond jazz from the 50 states John Scofield and Taj Mahal will explore the work of Muddy Waters (April 24 and 25). There will be a “Roots of Americana” Series, anchored by the guitarist Bill Frisell, including a Woody Guthrie-related concert featuring Mr. Frisell’s Big Sur Quartet (Sep. 19 and 20); and one on Highway 61 as a musical trail (May 29 and 30) wending through Dixieland jazz via Davenport, Iowa, home of Bix Beiderbecke; Memphis soul; and Mississippi Delta blues.

And back to Pan-Americanism: Sept. 18-20, Wynton Marsalis collaborates with the Cuban pianist Chucho Valdes and the percussionist Pedrito Martinez. The saxophonist and clarinetist Paquito

22 D’Rivera plays music from Brazil, Puerto Rico, Cuba, and elsewhere in Latin America (March 27 and 28). The singer Ruben Blades performs for three nights (Nov. 13-15). And on June 12 and 13, the Jazz at Lincoln Center Orchestra plays the music of Machito, from Havana; Tito Puente, from Spanish Harlem; and Carlos Henriquez, the Orchestra’s 34-year-old bassist and the evening’s musical director, from Mott Haven, in the Bronx. Schedules and ticket information can be found at jalc.org.

CITYPAPER (EUA) - Cyro Baptista brings voodoo jazz to the Warhol

"We are in the business of eating people, no?"

Mike Shanley

(26/02/2014) In terms of musical diversity, few musicians can top percussionist Cyro Baptista. Since he left his native Brazil for New York more than three decades ago, he has worked with acts ranging from legends like Yo-Yo Ma, Paul Simon and Herbie Hancock to musical iconoclast John Zorn. Today, he is speaking by phone from a place even more remote — a rainforest in Bahia, Brazil.

"My life here is very hard," he deadpans. "We don't know if we're going to drink coconut water or if we're gonna have juice of some tropical fruits." He punctuates the comment with a hearty laugh that will recur throughout the conversation.

The location of the call is significant because Baptista keeps referring to the rainforest as a metaphor for stints with his musical friends. "They are part of my rainforest, part of my environment, no? I love these guys so much before I played with them," he says. "And then they came to me! These people are so charged with nature inside them, an incredible force. That's something that I feel when walking around here [in] the rainforest."

Baptista came to New York in 1980, first visiting the Creative Music Studio on a farm in Woodstock. There, musicians from around the world traded ideas with open-minded jazz men like trumpeter Don Cherry, blending music of different countries long before "world beat" came into the vernacular. "It was the first place, maybe, that [musicians] said, ‘Maybe if I take one note from my music and you put one note there, we can play together, no?'" he recalls. "This moment was so full of mystic energy. It opened the door for me, a really big door. ... I'm still high from that."

That eclecticism fuels his own projects, including Banquet of the Spirits, which he brings to Pittsburgh next week. On the band's 2008 album, released by Zorn's Tzadik imprint, Baptista describes the music with a term that originated with the 1930s Brazilian art movement: anthropofagia. "‘Anthropo' is people and ‘fagia' is eating," he explains. "We are in the business of eating people, no? Playing with Yo-Yo, playing with Zorn, I feel that I'm eating them. They start to live inside me.

"That's the way we explain how Brazil is the way it is. We ate all this culture — the American Constitution, the French Revolution, Miles Davis, Celine Dion, John Kennedy."

Musically, the four-piece group bears this out. In addition to Brazilian music, the members draw on Middle Eastern melodies. When Zorn's squalling alto saxophone guests on a track, the sound touches on the heavy free jazz of Zorn's band from the '90s, Naked City. More recently, the group released Caym, a set of Zorn's compositions from his second "Masada book," which also draws on diverse styles.

In Brazil, Baptista has been recently been playing candomblé, a style of Afro-Brazilian voodoo music which will inspire his March 5 show at The Andy Warhol Museum. "It's like a ceremonial thing. I'm gonna bring this energy to Pittsburgh. I hope we do some kind of voodoo there that makes everybody in Pittsburgh very ... happy," he drawls, adding that trademark laugh.

CYRO BAPTISTA'S BANQUET OF THE SPIRITS. 8 p.m. Wed., March 5. The Andy Warhol Museum, 117 Sandusky St. / North Side./ $25./All ages. / 412-237-8300 / warhol.org

23 FOLHA DE S. PAULO - Coletivos de DJs levam às ruas de SP o novo hip-hop instrumental

Grupos têm como política a utilização do espaço público para apresentar propostas musicais Disc-jóqueis do Metanol e do Beatwise Recordings misturam rap até com estilos como drum'n'bass

Carlos Messias

(26/02/2014) Uma nova cena do hip-hop se forma em São Paulo, com grupos que se dedicam exclusivamente à discotagem. Essa cultura nasceu em Nova York, por volta de 1973, sobre quatro pilares fundamentais: o MC, o disc-jóquei, os break dancers e o grafite.

Esses novos DJs, entretanto, desenvolvem uma estética costurada a partir de beats (a partícula fundamental do rap), com elementos de UK garage, funk, trap e até techno e drum'n'bass.

O Metanol, formado por cinco DJs (que tocam separadamente) e um VJ, começou em 2009 como um programa de rádio on-line (www.metanol.fm), até hoje transmitido às terças-feiras à noite.

Desde 2011, eles realizam festas, a maioria aberta ao público. A "Metanol na Rua" foi de esquinas e praças da Vila Madalena, com público médio de 1.400 pessoas, a edições na Praça das Artes e ao festival SP na Rua, realizado no último dia 8 no centro da cidade.

Akin, criador do grupo, ressalta o aspecto ideológico do coletivo. "Temos uma política de utilização do espaço público para apresentar novas propostas musicais. Não é só festa", disse ele à Folha.

Mas foram as batidas dançantes de um dos DJs do Metanol que renderam menções no exterior. No início do mês, o DJ Seixlack foi citado na lista dos cinco melhores novos artistas do mês no site da revista norte-americana "Spin".

Em janeiro, sua faixa "Tele-Sexo" entrou na seleção de músicas da semana do jornal "Washington Post". A faixa faz parte do seu novo EP, "Seu Lugar É o Cemitério", lançado pelo selo carioca 40% Foda/Maneiríssimo.

"Na Metanol, sou o que mais faz house e techno. Mas também vejo o meu trabalho como hip-hop, já que me interessei por música eletrônica a partir de artistas como Flying Lotus, Aphex Twin e Prefuse 73", diz Seixlack.

MJP, Cybass e Soul One,também da Metanol, são alguns dos DJs do elenco do selo Beatwise Recordings, voltado para a criação de hip-hop instrumental. Colaborando em faixas ou dividindo as picapes em festas, os produtores do selo têm parceria constante com os integrantes do Metanol.

SonoTWS, que lançou o seu EP de estreia, "T.W.S.", conhece Akin das ruas, quando grafitavam juntos. "Procuro utilizar elementos que remetem ao universo do grafite, como samples de cães latindo e barulho de telhas quebrando", diz.

"Esta é a terceira geração e uma das mais criativas da música eletrônica autoral brasileira. Os DJs produzem nos seus computadores e lançam seus trabalhos em plataformas on-line. Por isso, conseguem experimentar mais", diz Chico Dub, produtor e curador do festival carioca Novas Frequências.

FOLHA DE S. PAULO - CD de Martinho da Vila revela mudanças nos sambas-enredos

Álbum reúne composições para o Carnaval desde 1957 até 2013, ano em que a Unidos de venceu

Luiz Fernando Vianna

(26/02/2014) A importância de um CD com 24 sambas-enredos de Martinho da Vila ultrapassa a obviedade de ele ser um dos maiores nomes do gênero.

24 Ao percorrer do "Carlos Gomes", de 1957, com que estreou na Aprendizes da Boca do Mato, à composição que deu à o título de 2013 ("A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo, Água no Feijão que Chegou Mais Um"), "Enredo" reflete as mudanças por que os sambas das escolas passaram nas últimas cinco décadas.

Martinho começou quando os enredos tratavam da história do Brasil e, como se dizia, de seus "grandes vultos". Lindos sambas foram feitos naquela época, mas o travo oficialista era inevitável.

"Machado de Assis" (Boca do Mato, 1960) é prova de como o jovem Martinho, imbuído das regras de então, transformou um bom tema num samba enfadonho.

Nos anos seguintes, ele mostraria que narrativas históricas mereciam outras interpretações, e com músicas mais criativas.

É só ouvir no disco, por exemplo, "Glórias Gaúchas" (1970) e "Onde o Brasil Aprendeu a Liberdade" (1972), duas maravilhas que têm em comum o uso de refrões folclóricos, marca do autor.

Temas afro-brasileiros, indígenas e da cultura popular se tornaram frequentes: "Tribo dos Carajás" (1974), "Raízes" (1987) --um ousado samba sem rimas--, "Gbalá, Viagem ao Templo da Criação" (1993) e outros, incluindo o mais célebre de todos, "Yayá do Cais Dourado" (1969).

Ousadia inesquecível foi "Sonho de um Sonho" (1980), baseado no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade. Levou-se para a avenida um assunto literalmente onírico.

E ainda há o comovente samba "Pra Tudo se Acabar na Quarta-feira" (1984), obra-prima sobre os verdadeiros (e anônimos) realizadores do Carnaval.

TABU

Este e muitos outros sambas reunidos em "Enredo" não resultaram em títulos. E muitos nem foram vitoriosos nas disputas internas da Vila Isabel.

Martinho enfrenta o tabu existente nas escolas de que, em nome da união, sambas derrotados devem ser esquecidos. E ainda dá a cara a tapa ao mostrá-los.

Ele se irritou ao perder a escolha para 2006, e a Vila foi campeã sem a sua presença. Mas a parceria com Luiz Carlos da Vila não estava à altura do talento dos dois. "Simon Bolívar Foi um Bamba" não chega a ser um grande verso.

Das criações recentes, aliás, destaque para "Noel - A Presença do Poeta" (2010), bálsamo em meio à mesmice dos tempos atuais, mas que sucumbiu diante da correria que está acabando com os desfiles das escolas.

A opção por fazer um CD com cordas e sopros revestiu de luxo as faixas, mas as esfriou um pouco. A aposta na percussão seria mais bonita.

E informar no encarte as datas dos sambas seria importante para o ouvinte entender a evolução de Martinho e as mudanças que ele ajudou a promover no Carnaval.

Participam do disco, entre outros, , Alcione e Mart'nália.

LUSOJORNAL (FRANÇA) -Xème Festival de choro de Paris

(26/02/2014) Le Club du Choro de Paris organise le Xème Festival de Choro de Paris et les Rencontres Internationales de Choro de Paris, du vendredi 21 au dimanche 23 mars. Pendant ces 3 jours de la plus grande fête du choro en dehors du Brésil, auront lieu des rencontres, des concerts, des rodas et des ateliers (chant, guitare 7 cordes, instruments mélodiques, pandeiro, piano, accordéon, cavaquinho, travail d’oreille et transmission orale, cordes frottées - violon, alto… - percussions, langage du choro). Au Théâtre Lúcio Costa de la Maison du Brésil à la Cité Universitaire Internationale de Paris, le vendredi 21 mars, à 21h00, il y aura un double- concert: Olivier Lob,

25 Regional de Toulouse et Elaine Lopes et l’orquestre et ensembles des élèves du Club du Choro dirigés par Marcelo Chiaretti, Rubinho Antunes, Fernando do Cavaco, Lúcia Campos, Renata Neves, Jef Calmard et Thierry Moncheny. Le samedi 22 mars, 21h00, il y aura un «Choro Braseiro» avec Luzi Nascimento en quartet, Aix-en-Provence. Finalement, le dimanche 23 mars, 19h30, il y aura un concert de Toca de Tatu, Belo Horizonte (Brésil) et de Gabriel Schwartz, Trio Quintina, Curitiba (Brésil).

LIVROS E LITERATURA

VALOR ECONÔMICO - Mistura intrigante de ensaio com imaginação

Cadão Volpato

(21/02/2014) O crítico de arte e professor Rodrigo Naves publicou um magro livro de ficção em 1998. Chama-se "O Filantropo". Chegou sem noite de autógrafos, discreto como o autor prefere ser. Não foi um best-seller, mas abriu um espaço entre os leitores que topam encarar algum tipo de desafio para chegar à boa literatura.

"O Filantropo" trazia uma mistura de gêneros: ao mesmo tempo em que tratava da vida de um personagem que poderia ser o que aparece no título, estendia outros fios narrativos na direção de pequenos perfis, de artistas a pugilistas. Sempre com um olhar generoso e límpido, às vezes cruel, mas nunca sarcástico.

Rodrigo Naves escreve o que considera essencial, na medida. Não é à toa que "O Filantropo" trazia uma simples régua na capa. Os textos pareciam perseguir essa exata medida. Faziam isso, no entanto, com um corte irônico, destilando a sensualidade meio "gauche" do personagem, que passava das axilas das mulheres maduras para os corpos das meninas quase adolescentes com muita leveza. Enfim, falava de gente que existiu e de um narrador que não existiu, mas foi construído na medida certa. "O Filantropo", estranho como era, entre o ensaio, a ficção e a memória, ficou na cabeça de algumas pessoas.

De 1996 para cá houve um hiato: Naves não publicou mais nenhum livro de prosa. Seus escritos sobre arte, no entanto, são muito conhecidos no meio. "A Forma Difícil" (1996, com reedição em 2011), por exemplo, uma interpretação da arte brasileira, já é um pequeno clássico. Ele manteve o ritmo de professor no curso livre de história de arte que dá há mais de 20 anos, boa parte numa antiga e bela casa branca em frente do Sesc Consolação. Um sucesso feito no boca a boca, ano após ano.

De repente, o ano da Copa no Brasil trouxe uma surpresa: a ficção de Naves está de volta. Seu novo livro, "A Calma dos Dias", já se revela um acontecimento - tão magro e tão impactante quanto "O Filantropo". Aliás, é curioso como os dois são parecidos, como se não tivesse havido um tempo entre eles. Naves uniu os fios de sua ficção. Quem ficou na saudade de "O Filantropo" vai encontrar em "A Calma dos Dias" uma espécie de extensão daquela mistura intrigante de ensaio com imaginação. O narrador do outro livro parece ter se transportado para o novo: é o mesmo homem que observa as minúcias da vida da cidade e também da vida no campo - o autor passou a infância no interior e por isso o olhar é tão aguçado quando trata da natureza.

Naves admite a alegria que, às vezes, só a ficção pode dar, escrevendo o seguinte na nota introdutória: "Assim como a arte tende àquilo que não é propriamente estético (os indivíduos, a realidade social), acredito existir na vida momentos extraordinários em que a realidade revela uma leveza encantadora e libertária. E com as palavras certas essas experiências podem ir além dos nossos limites".

Em "A Calma dos Dias", ele introduz um elemento até mais radical: a poesia. Um dos textos aparece em quatro versos. Os outros continuam acentuando um tom bastante lírico, ressecado pelo humor e uma certa filosofia irônica. De certa forma, o novo livro radicaliza os procedimentos do primeiro. "A Moça Mais Bonita da Terra", por exemplo, é um texto que procura entender um fenômeno chamado Gisele Bündchen, a modelo. "Afinal, seria um pouco demasiado querer montar o cavalo de Napoleão

26 pintado por David, ou trocar a água dos vasos de flores de Manet", escreve Rodrigo. "Creio que diante de Gisele Bündchen Kant vacilaria. O que não é o meu caso: reumático, 1,70 metro, calvo e meio torto, aqui é o observador que não existe. O que, infelizmente, dá na mesma." Rodrigo Naves não é Kant, mas usa uma filosofia espirituosa para encarar os seus assuntos. Tudo feito com uma expressão correta, tranquila, bem medida.

"A Calma dos Dias" é também um título irônico: por trás da calma existe o sobressalto. Naves enxerga o que está escondido nas dobras do cotidiano, e ali o terreno é um pouco mais nervoso. A simbiose entre um homem e um cão; Michael Jackson; meninas comparadas a maritacas; imortalidade ("decidi ser imortal hoje, enquanto molhava as plantas do jardim"); saúde; mesa de trabalho; as amizades com o escritor José Paulo Paes e os artistas Willys de Castro e Mira Schendel; nucas de mulheres; um certo funcionário do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), onde Rodrigo trabalhou durante alguns anos; tangos. Esses são os temas do livro.

No caso dos tangos ("Tango" é o título e o espírito de um dos textos), vale uma lembrança do escritor. Em 2012, ele passou longo período no hospital. Saiu de lá com duas pontes de safena e uma mamária. Durante três noites, não dormiu. Em cada uma, fez uma coisa extraordinária: cantou João Gilberto, contou um filme baseado em Agatha Christie; e cantou tangos, uma infinidade de tangos cujas letras sabe de cor. "O corpo não é mais o mesmo", diz. "Mas nunca estive tão bem. O sangue circula, estou mais animado. Estou vendo a praia com muita clareza."

A experiência hospitalar, porém, é posterior ao novo livro, que foi escrito em grande parte antes da doença. O tom geral, no entanto, é algo que se pode chamar - pegando um pouco pesado, talvez - de "alegria post-mortem". "Eu vi o negócio de frente", relata. "O resto, agora, está relativizado." Tão relativizado que Naves decidiu o lançar o livro numa noite de autógrafos, ocasião em que pretende reencontrar os amigos.

Tudo faz sentido: o escritor tem uma porção de amigos. Foram alguns deles que o substituíram nas últimas semanas de aula de 2012, quando ele deveria estar presente, mas não pôde. Um desses amigos, o artista plástico e escritor Nuno Ramos, ganhou um perfil no livro - algo mais próximo das argutas visões do crítico de arte que também é Rodrigo Naves, um homem que esconde muitas dobras de generosidade na sua vida cotidiana, seja ouvindo os mendigos do bairro de Higienópolis, ajudando pessoas em busca de um lugar ao sol ou plantando uma das 200 árvores que já espalhou pela cidade nos últimos anos.

"A Calma dos Dias". Rodrigo Naves. , 176 págs., R$ 34

O ESTADO DE S. PAULO – Crônicas do Brasil

Em livro, Mário de Andrade revê arte e política nacional

'Sejamos Todos Musicais' reúne pela primeira vez 22 crônicas escridas entre 1938 e 1940

João Marcos Coelho

(26/02/2014) Depois de praticamente 70 anos de sua morte, em fevereiro de 1945, ainda temos de admitir que não conhecemos ou temos acesso à íntegra da obra do intelectual mais múltiplo que o Brasil já teve. Poeta, escritor, musicólogo, gestor cultural, o autodenominado "lobo sem alcateia" Mário de Andrade fez questão de espraiar seu talento caleidoscópico por todos os setores da vida cultural brasileira.

O escritor em ilustração de Anita Mafaltti

O mais recente acréscimo é o do pequeno e precioso volume Sejamos Todos Musicais, reunindo, pela primeira vez em livro, as 22 crônicas escritas entre agosto de 1938 e junho de 1940 para a Revista do Brasil, período em que morou no Rio.

27 Com introdução, estabelecimento do texto e notas de Francini Venâncio de Oliveira e introdução de Flávia Camargo Toni, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, ele preenche um vazio entre a intensa atuação pública de Mário como diretor do Departamento de Cultura de São Paulo e seu período final já de volta a São Paulo, quando praticou um engajamento político mais escancarado, enxergando praticamente um modelo no realismo socialista soviético e em Shostakovich seu ídolo preferencial. Ele continua em sua cruzada permanente contra os virtuoses (seus lemas eram "o princípio mesmo da grande virtuosidade é um vício, uma imoralidade" e "a alta virtuosidade se desencaminha e principia a ter a sua finalidade em si mesma"). Mas esses quase três anos no Rio lhe dão novas certezas. Contrapõe ao doentio culto ao solista e ao virtuose a opção pelo coletivo. Daí a comovente crônica, por exemplo, sobre um coral de crianças na Escola Nacional de Música: "O simples fato de acostumar essas crianças, ainda facilmente moldáveis ao exercício coletivo da música, é um grande golpe na falsa virtuosidade que ainda domina entre nós".

Nascidas logo depois de sua abrupta demissão do Departamento de Cultura paulistano, as crônicas exprimem a dor do exílio a que se impôs. Em várias, o tom é de paizão ainda acariciando suas crias a distância. Na quarta, de novembro de 1938, lambe as feridas ainda abertas. "O correio me traz semanalmente os programas dos concertos fonográficos que realiza, em São Paulo, a Discoteca Pública do Departamento de Cultura... Não há um dó de peito. São sempre obras importantes, na sua maioria difíceis de serem executadas entre nós."

Queixa-se, como há poucos anos, de que a música não está na moldura da formação cultural (na expressão de outro agudo intelectual, Edward Said). Em Outro Dia Era Um Compositor, observa: "O que assusta, o que é sintomático da nossa cultura literária, mesmo da mais elevada, é o desconhecimento completo da música em que vivem os nossos escritores (...) lhe desconhecem a existência (...) falta-lhes a polidez que só a música dá".

Dá e provoca muitas risadas no hilário O Mundo da Musicologia e da Ciência, em que, após comentar pesquisas médicas sobre a surdez de Beethoven, confessa: "Uma bela manhã, senti nos ouvidos um ruído singular, um ronquido longínquo, e não sei que anjo danado da vaidade me segredou que eu estava destinado a sofrer a mesma doença de Beethoven". O doutor foi enfático: era cera no ouvido. "Saí do consultório com ouvidos ótimos e, palavra de honra, bastante desligado de Beethoven, julgando-o já com menos adoração e maior clarividência. Não durou um mês e eu já comentava em voz alta e mesmo com certa maldade, defeitos e cacoetes do sublime surdo."

Mas também se sentia, de certo modo, gratificado por ver a consistência de seu pioneiríssimo – e até hoje fundamental – trabalho de organização da vida musical paulistana (com a instituição dos corpos estáveis do Teatro Municipal, por exemplo, hoje sob discutível fogo cruzado).

Rio de Janeiro. Dedica uma crônica deliciosa à comparação entre a vida musical carioca e a paulistana, em que a primeira é uma ópera e a segunda uma sinfonia: "O Rio de Janeiro é uma ópera, basta de ópera. Ninguém quer ópera? Guarde-se a ópera. Talvez então a orquestra do Rio nos possa dar mais concertos. E não teremos então quatro ou cinco concertos sinfônicos por ano, quando em São Paulo só o Departamento de Cultura terá 14 em 1938, a Cultura Artística terá os dela, e agora a Sociedade Filarmônica, recentemente fundada, pretende dar (e já está realizando o seu programa) sete ou oito em cada temporada de ano".

Conclui orgulhoso, ciente do dever cumprido: "O individualismo arrasa a nossa castidade racial. O individualismo deseduca o nosso povo, no entanto, bem mais nacional que o paulista. Mas em São Paulo a música caminha no sentido de formar uma consciência coletiva".

Detalhe: não deixe de ler a primeira crônica, que dá título ao livro, na qual Mário conta da descoberta de Confúcio e dos pensadores chineses e distingue o "músico" treinado para ser virtuose dos "musicais", protótipos dessa consciência coletiva do fazer musical pela qual tanto batalhou.

QUADRINHOS

FOLHA DE S. PAULO - Livro reúne três décadas de tiras de Adão Iturrusgarai

'A Máquina do Tempo' traz trabalhos feitos pelo cartunista gaúcho desde 1983

28 Volume expõe mudança no estilo dos desenhos: 'Traço esculachado, mais solto, é o que me agrada mais', afirma

Cesar Soto

(27/02/2014) Com a proposta de apresentar seu lado menos conhecido, o gaúcho Adão Iturrusgarai, cartunista da Folha, lançou a "A Máquina do Tempo", coletânea das três décadas de sua carreira.

Em ordem cronológica decrescente, o livro expõe as mudanças no estilo do desenhista de 49 anos ao longo tempo --incluindo momentos dos quais diz não sentir tanto orgulho.

"O álbum começa e acaba com traço esculachado, mais solto, que é o que me agrada mais. Quando tento fazer uma coisa mais bonitinha não fica legal, porque acaba num meio-termo", conta ele.

"Nunca fui um desenhista virtuoso. Quando descobri o [Georges] Wolinski e o [1944-88], fiquei feliz, porque vi que podia fazer quadrinhos", diz, referindo-se aos traços simples do cartunista francês cocriador do quadrinho erótico "Paulette" e do brasileiro criador do Fradim e da Graúna, entre outros.

Boa parte do conteúdo do livro são os quadrinhos que Adão publicou no "Folhateen" entre 1993 e 2011, mas a coletânea inclui trabalhos que nunca saíram no Brasil, como os que fez para a revista argentina "Fierro".

Entre as tiras do livro, uma de suas preferidas está na última página. "É uma das mais antigas minhas. Tem mais velhas, mas ou foram perdidas ou são muito ruins", ri.

A tira preferida, "Sadomaso...", saiu em 1983 na sessão de leitores da revista "Chiclete com Banana", criada pelo cartunista Angeli.

Nascido em Cachoeira do Sul (RS), aos 17 anos Adão teve seu primeiro desenho publicado no "Jornal do Povo", de sua cidade natal. Aos 18, conseguiu emplacar seu trabalho na "Chiclete com Banana", uma das mais influentes publicações de quadrinhos adultos no Brasil.

Adão conta que ficou maluco quando viu seu trabalho na revista. "Anos depois, o próprio Angeli me disse que tinham ficado em dúvida se a tirinha deveria ser publicada. Acho que eu teria um infarto se isso acontecesse."

O gaúcho mudou-se para São Paulo em 1993 e entrou para a turma de desenhistas que idolatrava: Angeli, Glauco (1957-2010) e . O último, aliás, tem participação especial em "A Máquina do Tempo" --a coletânea inclui uma história de 1988 criada por Adão e desenhada por Laerte.

ARQUITETURA E DESIGN

ISTOÉ – A redescoberta da cadeira de Lina Bo Bardi

Sete décadas após ser desenhada pela arquiteta ítalo-brasileira, a Bowl Chair é produzida pela primeira vez e lançada na Europa em edição limitada

Fabíola Perez (25/02/2014) Os mesmos traços firmes e inovadores que ergueram o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Sesc Pompeia, também em São Paulo, poderão ser apreciados na sala de estar de casa. O Instituto Lina Bo e P.M. Bardi acaba de lançar na Europa, em parceria com a empresa de design italiana Arper, uma edição limitada das cadeiras Bowl Chair, desenhadas pela arquiteta modernista ítalo-brasileira Lina Bo Bardi e que nunca haviam sido produzidas em larga escala. Foram mais de dois anos de negociação com os herdeiros da arquiteta para que a peça fosse confeccionada seguindo fielmente os croquis de 1951. “É uma cadeira com um formato sintético, uma meia esfera e pontos de apoio muito simples, um objeto oval que parece flutuar”, diz Renato Anelli, diretor do instituto e professor de arquitetura da Universidade de São Paulo. Serão fabricadas 500 peças e comercializadas em vários países por 4.200 euros. “É um produto pensado para ocupar espaços modernos, como os projetados por ”, afirma Anelli.

29 MODERNO A Bowl Chair foi criada em 1951: ela será comercializada em vários países por 4.200 euros

A arquiteta graduou-se na Itália na década de 1930 e escolheu viver no Brasil para fugir da Europa devastada pela Segunda Guerra Mundial. Logo, passou a se dedicar ao design de móveis. Enquanto projetava as instalações do Masp, Lina criou a primeira cadeira moderna do Brasil – uma peça dobrável de madeira e couro para o auditório. Na sequência, fez esboços da Bowl Chair.

Na década seguinte, sua obra assumiu um caráter essencialmente modernista e brasileiro, deixando em segundo plano a influência europeia. “A arte de Lina traz dois momentos importantes da arquitetura brasileira: a sintonia com o processo de industrialização e a interação entre o moderno e o popular”, diz Anelli. A vivência entre dois períodos e duas realidades completamente distintas foi um dos fatores que fizeram a empresa italiana Arper investir no projeto. “Essa edição limitada cria uma conexão entre o passado e o futuro”, afirmam Luigi e Cláudio Feltrin, diretores da companhia. A tradição do design italiano, com mão de obra de qualidade e produção artesanal, também valoriza a peça e a originalidade dos desenhos de Lina.

FOTOGRAFIA

EL PAIS (ESPANHA) - “Para a fotografia, tem que saber experimentar o prazer de esperar”

Se uma palavra pode definir o trabalho de Sebastião Salgado, essa é a “épico”.

Jesús Ruiz Mantilla

JAMES RAJOTTE

(22/02/2014) A pé, a cavalo, o olhar aprende de outro jeito. A melhor escola como fotógrafo para Sebastião Salgado foi talvez a daqueles deslocamentos para conduzir o gado pelas terras de seu pai durante dias, percorrendo centenas de quilômetros. Foi assim que a sensibilidade visual de quem é hoje um dos grandes do mundo se foi educando. Passo a passo, aprendendo, diz, “o prazer da espera”. Por oito anos andou imerso em seu último projeto –Gênesis, em exposição até maio no museu Caixaforum, de Madri–, oito anos nos quais se fixou nas origens do planeta, ainda presentes em muitas paragens preservadas –ou em perigo– da Terra. O olhar ecológico, ideológico desse brasileiro exilado na França durante os anos duros da ditadura, nômade, mas tremendamente familiar, moldou uma ética e uma estética global que nos ajuda a compreender muito melhor o mundo.

Que carro tem?

Tenho dois. Um no Brasil e outro na França, um Prius (híbrido).

Lendo as suas memórias, De minha terra à Terra (publicadas na Espanha por La Fabrica), não me negará que um “dois-cavalos” dava para muita coisa. O senhor percorreu a Europa. De Praga à Alemanha, de Genebra à Costa do Sol.

Aconteceu algo muito engraçado com esse dois-cavalos. Percorremos toda a costa mediterrânea espanhola em junho de 1970. Acampamos antes na França e, quando chegamos a Granada, um cheiro horrível. Achamos que um rato tinha morrido dentro. Paramos, comemos enquanto todo mundo dormia a sesta, e tiramos tudo, até os assentos. Debaixo de um deles encontramos um

30 camembert podre. Ali estava a causa. Nessa época não existia o Mercado Comum, quase ninguém conhecia camembert. Colocamos esse queijo onde pudemos. Uma senhora que passava pegou a caixinha e só pelo cheiro a jogou no chão; que coisa, naquela época ninguém tinha ideia do que era o camembert, e os presuntos estavam proibidíssimos no restante da Europa, como se fossem uma praga que estivesse para invadi-los, enquanto eles deviam proteger essa linguiça que comem em Bayonne. Quão perto estávamos e ao mesmo tempo, quão distantes. Sim, sim, mas era assim. Embora essa distância tenha diminuído entre a França e a Espanha, ainda persiste entre a Itália e a França, acho. Vivem de costas.

Falando de distâncias, isso para o senhor foi de grande importância em sua vida. A que separa Madri e Paris era quase a que seu pai percorria conduzindo gado de um lado a outro em sua região no Brasil, em Minas Gerais.

A extrema direita de meu país está dominada pelo negócio agrário Também já estão diminuindo. Hoje fazemos essa distância em meia hora de voo. Mas na época não havia nem estradas, somente caminhos: levava-se o gado de vale em vale, procuravam-se pontos específicos para cruzar o rio. Contávamos os deslocamentos em tempo, não em quilômetros. Isso entrou na minha vida. Eu caminho muito, realizo parte de minhas reportagens a pé porque nesse momento olho e sinto a vida, a natureza, Agora ando com GPS e me oriento melhor. As distâncias são muito, muito relativas. Talvez caminhe quilômetros para me aproximar de um ponto que pode estar a 800 metros em linha reta.

Graças a essas voltas, o senhor aprendeu a enxergar melhor?

Aí é quando observo. O tempo certo no qual se produzem e se desenvolvem os fenômenos naturais. Lentamente, senão ocorre um curto-circuito. A essência muitas vezes está nas curvas, nas voltas que você dá, não na linha reta. Olhar e saber esperar. É preciso saber experimentar o prazer de esperar. Como dizer? Uma possibilidade imensa de viver junto ao passado. Desfrutar momentos da sua vida, sua história, recordar. Assim a gente pode esperar horas porque está se transportando a experiências cruciais. É um prazer muito grande. Os caçadores, que vivem a espera, sabem disso que estou te falando. Entende-se bem neste mundo em que vivemos obcecados pelas pressas. Vivemos em um acelerador de partículas, em um clima de expectativas. É como funcionam os mercados, quando às vezes a economia vai muito bem, e as finanças, muito mal, quando você vê que a indústria funciona, mas as agências de classificação te alertam que vai piorar, e é quando isso acontece que as expectativas bloqueiam, com uma percepção às vezes falsa, o bom funcionamento das coisas.

Justo o contrário da fotografia?

Supõe-se que essa arte deva acompanhar a realidade de um tempo ou um acontecimento, e congelá- la. Se você vive para a fotografia, você se vê imerso nos processos autênticos. Quase tudo o que ocorre pode se tornar interessante. O que você precisa é compreender isso, participar disso para captar.

Isso é muito zen, não?

Bem, ouça, quando a gente viaja muito consigo mesmo, acaba por ser um tanto zen. Essa é uma profissão muito solitária. Meu primeiro livro se chamava “Outras Américas”, publicado por Luis Revenga, um editor. Foi lançado por ocasião dos 500 anos do descobrimento. Com esse livro eu aprendi a viajar. Eu tinha retornado ao Brasil, de onde saí por problemas políticos; adentrei em comunidades de índios, que são muito desconfiados dos ocidentais. Para poder me achegar a eles tive de passar muito tempo a seu lado, explicar-lhes o que queria fazer. Acabei contando histórias que lhes interessava porque me pediam.

O que os atraía?

Histórias da Palestina, do Amazonas, e eles me contavam as suas. Era uma época em que eu não tinha muito dinheiro. Ia de ônibus e andando, mas não podia voltar porque só dispunha de dinheiro para a ida. Minha família fazia muita falta, minha mulher, meu filho mais velho, minha pequena célula tribal, mas em troca fui aceito na comunidade deles. Aprendi a ficar só. Essas fotografias têm um valor muito grande para mim.

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Persegue um ideal com a fotografia que pratica?

Muitas vezes me rotularam de documentarista, militante, de ter um olhar baseado na economia. Nada disso. A fotografia é minha vida, minha forma de viver com coerência.

Cabe alguma objetividade detrás da objetiva da câmera?

Não, as pessoas fotografam com seu passado, com sua ideologia, com seus traumas, com seus pais, sua infância, sua personalidade nas costas, à contraluz, a favor da luz. Não cabe. É assim, profundamente subjetiva.

No que o senhor nunca quis se transformar é no fotógrafo que captou o atentado contra Ronald Reagan e que acabou sendo sempre definido por esse estigma. Como conseguiu transcender isso?

Isso foi um acidente. Minha primeira viagem a Washington. Qualquer fotógrafo teria ficado de bom grado com tal qualificação. Não acredita? Sim, mas eu não queria que aquele segundo me trouxesse uma marca que eu não desejava. Tenho as fotografias, guardei-as e elas não circularam mais.

O senhor não se importa de ter passado para a história por séries como A mão do homem? Tinha consciência, quando estava fazendo esse trabalho, de que o mundo vivia uma transição para uma outra coisa?

Sim, eram os anos oitenta, não se falava em globalização, não existia a Internet. Eu tinha consciência de que estava testemunhando o fim de uma era. Tanto que a série se chamou também de Trabalhadores, Uma arqueologia da época industrial. Para mim era o fim de um mundo anterior às máquinas e aos robôs. Senti que alguma coisa forte estava acontecendo e que eu devia fazer uma homenagem à classe trabalhadora. De fato, eu queria que o livro se chamasseProletários, mas o editor não gostou da ideia, achava que isso não venderia nada. Mas eu me baseei em teorias marxistas, minha formação tinha sido essa para olhar para a mineração, a agricultura, não os serviços. Com isso eu tive uma ideia aproximada do que viria a ser a globalização, de que se produziriam grandes movimentos entre países e foi assim que começou meu projeto sobre migrações, Êxodos, o passo seguinte ao fenômeno que produziu aquilo, a consequência.

Entretanto, em vez de fotografar o mundo tecnologizado e frio do presente, preferiu buscar nas origens e empreender ‘Genesis’. O senhor tem uma ideia de como seria para a sua câmera o mundo asséptico dos trabalhos de hoje na grande cidade?

Não que isso me apeteça muito. Poderia ser feito de uma forma muito espetacular, mas por outras pessoas com grande identificação com esse mundo. Eu não dedicaria oito anos, como fiz com Gênesis, a isso. É preciso ter um grande amor pelo que se está empreendendo. Mas para quem queira, acho que este é um grande momento para levar a cabo um projeto desses, alguém que venha de uma formação moderna, da engenharia, da tecnologia, mas que queira se dedicar à fotografia.

Que não contem com o senhor para isso, não é?

Eu, não, não. Eu não sei nem enviar um fax, só uma mensagem por este telefone, isso sim. Criaram uma coisa modernas dessas no Museu de História Natural de Londres por causa de Gênesis... Não no Twitter, no outro...

No Facebook?

Isso, no Facebook, acho que sim, mas eu nem vi. Não é para mim. Eu estou considerando voltar ao Amazonas e defender uma cultura que está em perigo por causa da alta tecnologia agrícola que procura se expandir, para protegê-los para denunciar o acosso que sofrem esses povos indígenas.

Fale com Dilma Rousseff, que é amiga sua, ou com Lula, para que o detenham.

32 Eu falo, mas não é culpa deles. O Brasil é uma democracia e a extrema direita do meu país está dominada pelo negócio agrário. Essa classe conservadora tem um poder brutal, não com um partido, mas em todos, estão em cada esquina. Tanto faz que a Dilma queira pará-los, eles vão adiante com essas leis. É muito forte a luta com o governo e com os grupos ecologistas, embora tenham conseguido que esses exploradores deixem as terras indígenas que tinham ocupado.

Bem, já é alguma coisa. O senhor se mostrou muito partidário dessa classe política que agora está no poder no Brasil, que foram perseguidos na mesma época que o senhor e presos.

Não só os que estão agora, mas desde a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Aí começou tudo.

Mas foi muito eclipsado depois por Lula e pela própria Dilma.

Não tanto, eles o reconhecem, em que pese suas distintas procedências dentro da esquerda. Cardoso vinha da burguesia; os outros, do proletariado puro.

O senhor provém da classe de proprietários.

Quando eu era criança, meu pai chegou a ter umas dez fazendas. Era um latifundiário. Possuía 15.000 cabeças de gado, muito. Depois foi se desfazendo delas até ficar com uma, na qual depois plantamos um bosque. Mas tampouco temos tanto. Mil hectares no Brasil é uma propriedade pequena, algumas têm 100.000.

De onde se sente?

É difícil saber. Eu viajei a vida toda. Tenho sete irmãs, eles se casaram, eu ia de um lado para o outro. Depois me formei economista, me mudava com a Organização Mundial do Café em missões na África, por todo o planeta. Mas se eu assistir a uma partida de futebol, torço pelo Brasil. Se entrou em um avião, fico mais contente se este estiver se dirigindo ao Brasil, embora tenha aprendido tudo pelo mundo.

E a França?

Eu a adoro. A França e os franceses. Eles foram tudo, solidários, generosos no momento em que sofríamos essas ditaduras tão terríveis na América Latina. É um país muito próximo para os brasileiros. Nossa Constituição tem como modelo a francesa, em qualquer cidade com mais de 100.000 habitantes existe uma Aliança Francesa, aprendi sua língua no Brasil, estudávamos mais francês e latim na escola do que inglês.

Em que pese aquela influência racionalista e laica, a esquerda na qual o senhor militou estava muito marcada por movimentos eclesiásticos.

O Brasil, nesse sentido, teve uma Igreja muito de vanguarda até a chegada desse papa polonês que desmantelou aqueles movimentos, sobretudo a Teologia da Libertação. Eu nunca fui crente, mas eles contribuíram em muitas coisas e a esquerda atual de hoje foi formada em grande parte por eles.

Custou-lhe muito tomar essa decisão de passar da economia para a fotografia? O senhor vivia mais folgadamente.

Não me custou. Quando me instalei na Inglaterra e dali comecei a viajar para a África pelo meu trabalho, a fotografia me proporcionava mais prazer do que os relatórios que eu tinha que fazer. Então um dia me meti com Lélia num barquinho de um lago em Hyde Park e discutimos o tema durante horas. Eu tinha um convite para ser professor na Universidade de São Paulo, outro para trabalhar em Washington no Banco Mundial; para um jovem economista era um futuro fabuloso.

Mas fechou essas portas.

Eu me lembro do dia em que apresentei minha carta de demissão ao meu chefe na Organização Mundial do Café. Ele disse que sabia que eu iria para o Banco Mundial; quando lhe disse que não,

33 que ia me dedicar à fotografia, ele disse: “Mas você é um idiota! Eu também quero ser fotógrafo, e minha mulher e minha filha!”.

A partir daí se deu uma contradição curiosa na sua vida. O senhor se converteu num nômade que se aferrava muitíssimo a uma família que não se rompeu. O senhor continua casado com Lélia Wanick mais de 50 anos depois...

Acho que viajo pelo prazer de voltar. A grande alegria em mim se produz quando tomo esse último taxi que me leva para casa. Minha mulher é fantástica. No começo, ela podia ir de Paris a Bruxelas para me buscar em carro porque eu me metia em voos muito baratos. Ela desenha os meus livros pondo um coração imenso nesse trabalho. Viajou comigo para parte de Gênesis, monta as exposições. Um fotógrafo é a ponta de um iceberg, mas eu tenho um núcleo que é a minha família. A vida é essa. Tive muita sorte, minha fotografia não seria a mesma sem ela, sem meus filhos, Giuliano e Rodrigo; o segundo com síndrome de Down.

Que sensibilidade o Rodrigo lhe trouxe?

Outra relação com a comunidade próxima. Depois de tê-lo me dei conta, caminhando pelas ruas, da quantidade de gente que existe na sua condição. Quando vou à sua escola, me relaciono com todo tipo de garotos; ele nos deu uma oportunidade única para nos inserirmos no seu mundo. Está dotado de uma doçura tão grande, de uma simplicidade e uma sensibilidade extremas, é fabuloso. Quando você tem um filho assim não vive uma vida como a dos outros. Ele ficou sempre conosco, não o internamos em lugar nenhum. Não nos relacionamos muito socialmente porque devemos ficar com ele. Ele nos uniu, nos abriu a mente em diversas direções.

Em Gênesis, eu vejo o olho de Deus. Era essa a sua intenção?

Bem, eu não acredito em Deus, mas sim nessa ordem estabelecida entre todos os elementos do universo, fruto da evolução natural, com esse saber natural, essa interação de milhões de anos, talvez seja produto dessa comunhão entre a solidão e a natureza. O que sim eu encontrei na Etiópia foram comunidades próprias do Antigo Testamento, sem contato com outras comunidades do entorno, mas extremamente modernas em sua organização interior, produtivas. Quando você chega, lhe lavam os pés. Noções que permitiram essa fertilidade às margens do Nilo no Egito e que foram cruciais para a construção da nossa história moderna. Eu vi todas essas coisas. Uma viagem para mim absolutamente essencial.

O ESTADO DE S. PAULO – Dois olhares que se cruzam nas ruas de São Paulo

O cearense Chico Albuquerque é homenageado com fotos de São Paulo

A cidade também é tema de livro e mostra de Carlos Moreira

Antonio Gonçalves Filho

(26/02/2014) O cearense Chico Albuquerque (1917-2000) tinha 25 anos quando foi contratado como fotógrafo de cena de It’s All True (É Tudo Verdade), que o mítico cineasta Orson Welles (1915-1985) rodou no Brasil em 1942. O diretor de Cidadão Kane começou filmando favelados cariocas e terminou registrando a chegada de jangadeiros, vindos de Fortaleza, terra natal de Chico, para se encontrar com o então presidente Getúlio Vargas e reivindicar direitos trabalhistas. Um dos jangadeiros, Jacaré, após 61 dias no mar, navegando com três outros companheiros, morreu durante as filmagens, ao cair da jangada. Uma semana depois, partes do seu corpo em decomposição foram encontradas dentro de um tubarão capturado na Barra da Tijuca. Welles voltou para os EUA e o filme jamais foi concluído. Albuquerque mudou para São Paulo em 1945, instalando aqui um estúdio, na Avenida Rebouças.

34 Vitrine da loja de eletrodomésticos Três Leões, na avenida São João, em 1955.

Chico Albuquerque foi pioneiro da fotografia publicitária, registrando campanhas para montadoras de automóveis e a nascente indústria da moda, ainda nos anos 1940. Paralelamente, fazia fotos experimentais, dialogando com outros adeptos do fotoclubismo no histórico Foto Cine Clube Bandeirante, como Geraldo de Barros, Thomas Farkas e German Lorca, trio que dividiu com ele uma sala na segunda edição da Bienal de São Paulo, em 1953. Esses registros são até mais conhecidos que as fotos publicitárias, apesar de seu imenso acervo – cerca de 70 mil imagens, hoje sob a guarda do Instituto Moreira Salles. Para corrigir essa falha, o IMS abre em seu centro cultural no Rio, a exposição O Estúdio Fotográfico Chico Albuquerque, com curadoria de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do instituto.

São 130 fotos que cobrem o período de atuação do fotógrafo em São Paulo, registrando cenas da cidade, gente de teatro (a atriz ), políticos (Jânio Quadros), representantes do mundo literário () e artistas visuais (Brecheret). Em todas elas, é visível a preocupação de Albuquerque com a composição formal, que, ele admitia, só foi incorporada graças ao convívio com o esteta Welles durante as filmagens de It’s All True. A experiência foi tão marcante que ele voltou ao Ceará dez anos depois, em 1952, para fotografar a paisagem de Fortaleza e os jangadeiros. Morreu sem ver pronto o livro com essas fotos, Mucuripe, 63 arrebatadoras imagens que ele ainda teve tempo de editar.

Mundialmente premiado (na Argentina, Alemanha e Itália), Chico teria sido o primeiro fotógrafo brasileiro a usar flash eletrônico. É possível notar o uso racional que faz da luz artificial, tentando controlar as sombras como se fazia nos antigos filmes de gângster da Warner. A foto maior desta página, que mostra a fachada da loja Três Leões, na Avenida São João, nos anos 1950, parece até cenário de um desses filmes noir dirigidos por Howard Hawks, mas era apenas um inofensivo comércio de peças de automóveis que passou a vender também geladeiras e televisores.

O enquadramento amplo, a posição da câmera, a inclinação que buscava o ponto de fuga da pintura, tudo faz das fotos de São Paulo por Chico uma cidade "de cinema" que poucos diretores (além de ) souberam explorar.

O ESTADO DE S. PAULO - A paisagem da cidade segundo o esteta refinado Carlos Moreira

Fotógrafo frequentou o ateliê do expressionista paulistano José Antonio Van Acker (1931-2000), aprendendo com ele a desenhar e pintar.

Antonio Gonçalves Filho

Como Murnau. Vista da represa de Guarapiranga nos anos 1980 lembra o clássico Aurora

(26/02/2014) O fotógrafo Carlos Moreira ganhou uma exposição recente em São Paulo, no Sesc Bom Retiro. Foi um bom motivo para sair de casa e ver como era a cidade antes de ser destruída por pichações e inimigos do patrimônio arquitetônico. Quem não viu, tem ainda uma chance: Moreira também ganhou um livro com textos da curadora da mostra, Rosely Nakagawa e outros profissionais curadores, além do diretor regional do Sesc, Danilo Santos de Miranda. É um justo tributo a um fotógrafo que, a exemplo de Chico Albuquerque, frequentou o Foto Cine Clube Bandeirante. E, como o cearense, buscou nas ruas não um embate realista, mas a composição formal estudada.

A curadora Rosely Nakagawa lembra no livro que Moreira frequentou o ateliê do expressionista paulistano José Antonio Van Acker (1931-2000), aprendendo com ele a desenhar e pintar.

35 Perfeccionista, registrou inúmeras vezes o Vale do Anhangabaú, o Ibirapuera e a Sé em busca de uma síntese imagística da cidade, seja por meio de um gesto captado ao acaso ou um rosto refletido nas vitrines.

Formado em economia, Carlos Moreira, nascido em 1936, fotografa a cidade há 40 anos. Não é um fotógrafo de laboratório, mas ligado à estética da straight photography – a do contato direto com a realidade sem intervenções artificiais –, conforme observação de Rosely Nakagawa. Nos anos 1960, durante o regime militar, essa era uma atitude um tanto suspeita, conclui a curadora. Moreira só escapava da repressão por usar discretamente sua Leica. O livro tem fotos da época, nenhuma delas com registros de passeatas de protesto. São imagens do centro, ainda frequentado por homens de terno e gravata, ou do Ibirapuera, onde casais pacíficos namoram sob as árvores do parque.

As fotos mais recentes têm uma vocação menos acidental e mais construtivista, fragmentária, privilegiando detalhes arquitetônicos da metrópole. Uma das imagens marcantes do livro mostra a figura de um homem contemplando a paisagem na represa de Guarapiranga, nos anos 1980. Parece uma cena do clássico filme Aurora (1927), do alemão Murnau. Um assombro.

ESTADO DE MINAS - Aula de história

Mostra de fotografia em cartaz no CCBB ajuda a compreender a trajetória sociopolítica do país. As imagens explicitam os contrastes que marcam o Brasil desde o período do Império

Tuca Vieira registrou o contraste entre opulência e a miséria em São Paulo, a maior metrópole brasileira

Walter Sebastião

(26/02/2014) Trezentas imagens, cobrindo período que vai de 1883 a 2003, pontuam momentos de transformação de nosso país. Em cartaz no CCBB de Belo Horizonte, a exposição Um olhar sobre o Brasil tem curadoria assinada pelo fotógrafo Boris Kossoy em parceria com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz. “Está nessas fotos o caldeamento de etnias, culturas, conjunturas políticas e acontecimentos cuja mescla vai determinar o nosso desenvolvimento cultural, econômico e social. O espectador verá diante de si a transformação do Brasil acontecendo”, explica Kossoy.

O conjunto reúne ícones, documentos e descobertas, cujas interpretações podem ser múltiplas. Kossoy evita tratar a mostra como panorama da história da fotografia brasileira. “É um olhar sobre o

36 Brasil”, afirma, informando que não foi tarefa simples tratar arco tão extenso de tempo. A seleção de fotos não se deu a partir de critérios exclusivamente estéticos. O curador explica que se valorizaram conteúdos, em especial o registro de transformações históricas, pontuando a formação política do país desde o Império. A partir do distanciamento possível de acontecimentos antigos ou recentes pode-se ver uma história de rupturas e persistências, reforça Kossoy.

“Construímos uma nação, mas ainda falta muito para chegar à situação digna para todos. Temos vitoriosos, mas individualmente”, pondera o fotógrafo. O “nó” do país continua sendo saúde, educação e segurança: a foto do edifício de luxo vizinho da favela paulistana é a imagem emblemática do Brasil. “Somos o país dos contrastes”, constata Boris Kossoy. Há maior conscientização política atualmente, mas ela ainda se mostra incapaz de tirar o Brasil de “situação nebulosa”, acredita ele.

O farto material reunido na mostra traz boas-novas. “Temos acervos fotográficos fantásticos. Há grande avanço do poder público e também de instituições privadas no sentido de compreender a enorme importância dos acervos documentais do Brasil”, comemora o curador. “Estamos mostrando cerca de 300 fotos, mas poderiam ser três mil”, brinca. Kossoy sonha em ver ainda mais aprofundado o processo de localização, recuperação e disponibilização de acervos. “Cada estado, cada município precisa buscar as origens da sua história também considerando o momento em que um fotógrafo carregando sua máquina passou por ali e registrou as situações que encontrou”, defende.

OUTROS

THE GUARDIAN - Brazil puts the arts in the pockets of the poor with new cultural coupon scheme

Andrew Downie

(22/02/2014) Like millions of other São Paulo residents, Telma Rodrigues spends a large part of her day going to and from work. She hates the commute, and not just because public transport is packed, slow and inefficient. She finds it boring.

Now there's light at the end of the tunnel. As of last month, the Brazilian government is giving people such as Rodrigues a "cultural coupon" worth $20 a month – enough, the 26-year-old said, to buy a book to enliven her daily ride.

The money, loaded on a magnetic card, is designated for purposes broadly termed cultural – though that could include dance lessons and visits to the circus in addition to books and movie tickets. In a country still battling high levels of poverty, the initiative has won widespread praise as a worthy and yet relatively cheap project. But it has still provoked questions. Is it the state's job to fund culture? How will poor Brazilians use the money? How do you, or even should you, convince people their money will be better spent on Jules Verne rather than Justin Bieber?

"What we'd really like is that they try new things," culture minister Marta Suplicy said in a telephone interview. "We want people to go to the theatre they wanted to go to, to the museum they wanted to go to, to buy the book they wanted to read."

Although it has made significant advances in recent years, the South American nation is still relatively isolated and many of the poorest Brazilians are unsophisticated in their tastes. They pick up an average of just four books a year, including textbooks, and finish only two of them, a study published last year by the São Paulo state government showed. Almost all of Brazil's 5,570 municipalities have a local library, but only one in four has a bookshop, theatre or museum, and only one in nine boasts a cinema, according to government statistics.

When asked what they most like to do in their spare time, 85% of Brazilians answered "watch television".

The rechargeable coupon, known in Portuguese as a Vale Cultura, is available to workers who earn up to $300 a month, or about five times Brazil's minimum wage. So far, 356,000 people have signed

37 up, and government officials hope as many as 42 million could eventually join, helped by firms that enrol their employees and companies who sign up to accept the card in lieu of cash. Several credit card firms are making and distributing the cards.State-run companies are obliged to participate, and ministers are encouraging unions to demand the Vale Cultura as part of their annual wage negotiations.

"This is innovative and cool, and no one in the world is doing anything like it," Suplicy said. "My hope is that it will be revolutionary for culture here. It provides an opportunity for people who never had it and, at the same time, has an impact on cultural production."

Such grand ideological gestures are not uncommon in Brazil, particularly under the Workers' party government that has ruled for the past 11 years. The administration's cash transfer programme, which gives monthly grants of between $15 and $125 for sending a child to school and participating in pre- and post-natal care, has lifted at least 20 million people out of poverty.

But the projects are sometimes divisive. Although the cash transfer programme has been replicated all over the developing world – and helped the Workers' party to three consecutive election wins at home – it is seen by some as a golden trap for the poor.

Suplicy pointed out the majority of the money flowing through the Vale Cultura will stay in Brazil and give vital local support. She also stressed, however, that people need time to develop their tastes. "The point is social inclusion," she said. "But I am under no illusions that it will happen quickly. It is a big challenge, and it is going to take time."

What the Vale Cultura could do is have an immediate impact on democratising access to culture.

At the moment, thousands of films, plays, books and concerts are dependent on corporate sponsorship, and big Brazilian companies invest $800m a year on cultural projects in return for tax breaks. But that money too often goes to the safest and most insipid ideas, said André Forastieri, a cultural commentator at one of Brazil's big TV channels. The Vale Cultura gives power directly to the people.

"The Vale Cultura is not to be celebrated as a huge step forward," Forastieri said. "But it is better than having the money invested by bureaucrats and marketing directors of big companies."

Most people acknowledge that the majority of the money will probably go on what might charitably be described as low culture – self-help books, concert DVDs, and shows or downloads by sexually explicit rappers. But like the culture minister, who thinks people will gradually become more demanding, Forastieri said the first step is getting people involved.

"Rap is considered part of the culture in the US, but 30 years ago they were trying to ban it," he said. "It's stupid to think the money will be spent homogeneously. There's no better and more democratic way than to put the money in the hands of the people to spend it as they want."

And people are seizing that opportunity. One of the most encouraging aspects of the programme is that the most enthusiastic backers are not multinationals, private banks or other big employers. Almost three-quarters of the initial signatories are small family firms, alerted to the idea by their employees. "My workers told me about it and suggested we sign up," said Mayra Toledo, owner of a patisserie in São Paulo. "I thought it sounded interesting, so I did, and all four of my employees will get it. It's something that is good for them and cheap to do."

Other workers, who like Rodrigues are hopeful of joining the programme, said the money can help them open unexpected doors.

"There are so many ways to spend it," said Kath dos Santos, a 26-year-old office worker, who can afford cinema tickets but said that exhibitions and theatre out of reach.

SAPO (PORTUGAL) - Escritor e músico Ernesto Dabó confia na nova geração de políticos

38 (25/02/2014) - O escritor e músico guineense Ernesto Dabó acredita que o debate político no PAIGC, partido maioritário, e na Guiné-Bissau, pode estar à beira de evoluir graças a uma geração mais bem preparada de intervenientes.

Em declarações à Lusa, Dabó antevê uma "nova transição, desta vez de paradigmas de governação, em que há uma progressão em termos geracionais nos aparelhos partidários, com perspetivas de acontecer também no Estado".

"Acredito que o debate pode ter um outro nível e poderá ter uma maior sofisticação, pois os atores são outros, com melhor preparação do que, por exemplo, na minha geração", referiu o artista de 74 anos.

Ernesto Dabó falava no final da apresentação do livro "PAIGC, da maioria qualificada à crise qualificada" que decorreu na noite de segunda-feira, no Centro Cultural Brasileiro, em Bissau.

O país vive um período de transição, com um governo e presidente nomeados após o golpe de Estado militar de 12 de abril de 2012, sendo que as eleições gerais já estiveram marcadas por três vezes - agora estão agendadas para 13 de abril de 2014.

Ao longo de 40 páginas, um dos artistas mais conhecidos da Guiné-Bissau (apesar de ser jurista) debruça-se sobre a política e faz uma visita guiada pelo seu Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), no qual assumiu vários cargos e foi um militante ativo em diferentes momentos.

Apesar de retratar uma história de 1980 até ao presente recheada de instabilidade, com assassínios políticos, golpes de Estado e impunidade nas páginas mais negras, o autor acredita na mudança.

"O PAIGC ainda é o partido com maior experiência e com conteúdo que, tratado como deve ser, pode trazer uma nova contribuição e pode oferecer uma nova perspetiva de desenvolvimento e estabilização do país", referiu.

Para tal, considera essencial que "a direção [do partido] seja capaz de fazer uso do aparato teórico que [Amílcar] Cabral lhe legou". As ideias foram deixadas perante uma plateia em que se encontrava, entre outros, o novo presidente do PAIGC, Domingos Simões Pereira, que aplaudiu a apresentação e troca de ideias. "Geram-se contraditórios", referiu, apontando a discussão crítica como o caminho para melhorar o debate político.

No fim, para Ernesto Dabó, toda a discussão política deve passar sempre pela melhoria das condições de vida da população, que na Guiné-Bissau são das mais pobres do mundo.

"Quando há muita gente com fome, quem tem pão sozinho deve ter muito cuidado. Deve tentar repartir para viver em paz com os outros", concluiu.

Depois desta incursão pela política, o escritor pretende voltar a apresentar outro trabalho em breve, mas noutra temática.

"Estou a acabar de preparar uma revista no domínio da arte e cultura, porque me parece que temos de parar de escrever só sobre política, política a toda a hora", desabafou, acrescentando que "é preciso cultivar as pessoas para fazer melhor política".

LUSOJORNAL (FRANÇA) - Festival Travelling Rio, à Rennes

Dominique Stoenesco

(26/02/2014) Cette année, le Festival Travelling rend hommage à la ville de Rio de Janeiro. Ainsi, le jeudi 27 février, de 17h00 à 19h00, une rencontre, suivie d’un verre de l’amitié, aura lieu à la cafétéria du bâtiment L, Département de Portugais de l’Université de Rennes II, avec l’écrivain brésilien Ronaldo Correia de Brito, auteur du conte «Mensonge d’amour», choisi pour le concours «Scénario d’une Nouvelle».

39 Cette rencontre sera dirigée par Rita Godet, professeur de Portugais. Rappelons que le recueil de nouvelles «Le jour où Otacílio Mendes vit le soleil», de Ronaldo Correia de Brito, a été publié aux éditions Chandeigne, en mars 2013.

Le deuxième temps fort de ce Festival sera musical et cinématographique. Il aura lieu le dimanche 2 mars, aux Champs Libres, à Rennes. Afin de mettre en valeur l’excellence poétique de la musique populaire brésilienne (la MPB), où les frontières entre poésie et musique sont fluides, on évoquera les noms de ses plus illustres musiciens-poètes, nés à Rio, Vinicius de Moraes et Tom Jobim. La rencontré comptera avec la présence de Maria de Medeiros, marraine de cette 25ème édition du Festival Travelling, qui interprètera quelques chansons. Enfin, la projection du film «Justiça », de Maria Ramos, est également prévue au programme de ce dimanche 2 mars.

VALOR ECONÔMICO – Franceses treinam para mostrar samba no pé

Elisa Soares

(27/02/2014) Mestres na cozinha e craques no vinho, os compatriotas de Edith Piaf agora tentam dominar o samba. Com forte presença no carnaval carioca desde 2009 - ano da França no Brasil - os franceses começaram a fazer aulas de dança há três anos para provar que samba no pé é uma questão de alma (e esforço), e não só de sangue. François Dossa, presidente da montadora Nissan no Brasil; Claudine Bichara, presidente da Câmara de Comércio França Brasil (CCFB); Yves-Marie Gayet, diretor da CCFB; e Alexis de Vaulx, ex-executivo da Tok & Stok e atual diretor da Global Marketing e Eventos, fazem parte de um grupo de 15 franceses que uma vez por semana se reúnem para aprender a sambar.

Cada dia na casa de um, eles arrastam os móveis, ensaiam e se preparam para a Sapucaí, onde a maioria vai desfilar. "Há dois anos contratamos um professor para fazer bonito na avenida. Era uma farra", disse Claudine, que é irmã do franco brasileiro Carlos Ghosn, presidente mundial da Renault Nissan. Ele vem ao Brasil sempre que pode; já Claudine mora aqui. Este ano ela vai sair na Beija Flor, junto com outros amigos, uns até vindos da França. Por sua vez, apesar de mangueirense, Dossa deve sair no Salgueiro. A escola este ano conta com R$ 3 milhões de patrocínio da aliança Renault Nissan.

Vaulx, da Global, especializada em eventos corporativos, vai desfilar pela Grande Rio - escola que adotou. "Em 2009, fiz um projeto de desfile da França junto com a Grande Rio e, de lá pra cá, tenho saído na escola", disse.

O camarote Espaço França-Brasil, organizado pelo consulado francês, pela câmara de comércio e pela Global Marketing e Eventos, conta com uma estrutura de apoio para convidados que queiram desfilar. Dentro do espaço do camarote, de 800 metros quadrados, há um camarim que permite a troca de roupa, e há seguranças para acompanhar o grupo até a concentração. "A gente coloca uma pulseira em cada um, que permite o regresso diretamente para o camarote, sem ter que sair da Sapucaí", afirmou Vaulx.

Este ano há cerca de 20 pessoas no camarote que vão desfilar, sendo a maioria pelo Salgueiro. Três sairão na Grande Rio e quatro na Beija Flor.

Com o apoio da Renault Nissan ao Salgueiro, cerca de 200 executivos da aliança automotiva devem circular pelo camarote em todos os dias de evento. E 30 desfilam, mas nem todos devem passar pelo camarote. "A empresa ganhou 30 fantasias, que estão sendo distribuídas internamente", acrescentou o diretor da Global.

Para Claudine, o camarote serve como relacionamento, e registra a maneira dos franceses de trabalhar. "Mergulhamos na cultura local, é nossa maneira de dizer que não somos estrangeiros", explicou. O camarote é composto por 60% de empresas de origem francesa. Apenas empresários e seus convidados têm acesso ao espaço.

"O carnaval é o único evento no mundo que tem tantas horas de duração. Onde no mundo as atividades econômicas param por quatro dias? Só no Brasil. Os empresários estão onde nessa época? Na Sapucaí. Faltava lugar para reunir esses empresários. O camarote é uma ferramenta

40 inacreditável onde todos têm tempo de conversar, de se conhecer melhor e assistir ao espetáculo", disse Vaulx.

Um dia de acesso ao Espaço França-Brasil na Sapucaí custa, em média, R$ 5.550,00. Até o fechamento desta edição 15 empresas haviam comprado ingressos para o camarote. A previsão é chegar a 40 companhias em todos os dias de festa.

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