Augusto Castilho E a Revolta Da Marinha Brasileira Em 1893-94: O Conflito Entre Princípios Humanitários, Rigor Militar, Acção Política E Diplomacia
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João Freire AUGUSTO CASTILHO E A REVOLTA DA MARINHA BRASILEIRA EM 1893-94: o conflito entre princípios humanitários, rigor militar, acção política e diplomacia Academia de Marinha João Freire AUGUSTO CASTILHO E A REVOLTA DA MARINHA BRASILEIRA EM 1893-94: o conflito entre princípios humanitários, rigor militar, acção política e diplomacia Investigação realizada no âmbito da Academia de Marinha Lisboa 2018 Ficha Técnica Título: Augusto Castilho e a revolta da Marinha Brasileira em 1893-94 Edição: Academia de Marinha, Lisboa Data: Junho 2018 Tiragem: 250 exemplares Impressão e Acabamento: ACD PRINT, S.A. Depósito Legal: 444105/18 ISBN: 978-972-781-140-3 Índice Apresentação 7 1. Quem era Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha: uma carreira marítimo-colonial com desempenhos relevantes 9 2. A implantação da República Brasileira e as suas atribulações iniciais: causas e implicações da revolta da Marinha 21 3. Rio de Janeiro: a gestão de uma crise prolongada, em registo naval-diplomático 33 4. O asilo aos revoltosos nos navios portugueses 67 5. A ida das corvetas para o Rio da Prata e a fuga dos refugiados 87 Uma semana de mar sem novidade 88 Em Buenos Aires, até aos incidentes do dia 8 de Abril 89 As diligências e confusões para o transporte dos asilados para Portugal 93 Estadia em Montevideu e a clamorosa fuga de 27 de Abril 96 A cadeia rompe sempre pelo elo mais fraco 101 O regresso dos navios e o fim da missão 104 6. Relações diplomáticas Portugal-Brasil em dificuldade 107 Relações consulares afectadas (isto é: interesses económicos e sociais) 108 A interrupção das relações diplomáticas 112 Mediação e superação do conflito diplomático 121 7. Crítica e reabilitação de um marinheiro 125 Notas conclusivas 149 Fontes e Bibliografia 157 5 APRESENTAÇÃO O nome de Augusto de Castilho não figura em qualquer rua de Lisboa ou do Porto mas apenas em um arruamento de Ourém (ou talvez em alguma outra modesta vila de província), quiçá por influência maçónica de uma sua pretérita vereação. Entre os curiosos da história pátria, é mais conhecido pelo nominativo atribuído a um improvi- sado navio-patrulha que já no final da Grande Guerra, em 14 de Outubro de 1918, foi afundado por um submarino alemão perto dos Açores, para onde seguia sob o comando do primeiro-tenente Carvalho Araújo, que pereceu no combate. Porém, para os conhecedores da história da Armada e da moderna colonização portuguesa em África, Augusto de Castilho é um nome de referência que merece ampla- mente ser recordado para os novos públicos de leitores, ainda que de maneira sumária, como aqui é feito. Por exemplo, já em Do Controlo do Mar ao Controlo da Terra (Ed. Cult. Marinha, 2013) o autor havia sido confrontado com o seu papel como governador-geral de Moçambique entre 1885 e 1889, durante o qual comandou a acção naval de ocupação da baía de Tunguè (depois chamada Palma), afrontando os negreiros e os interesses do Sultanato de Zanzibar, e ordenou nova campanha de guerra na Zambézia, que acabou por ditar a sua exoneração do cargo, por desacordo com a política de Lisboa quanto à questão dos “prazos”. Por outro lado, poucos conhecerão hoje o facto, os contornos e as incidências de, em 1894, o Brasil ter cortado as relações diplomáticas com Portugal devido à ocorrência de um episódio político-militar em que Augusto de Castilho foi uma das personagens fulcrais, no “olho do furacão” daquela que ficou conhecida como a Revolta da Armada, na recém-criada República dos Estados Unidos do Brasil. Contudo, vale a pena dizer que, segundo recorda o comandante Cyrne de Castro, por volta de 1950 o professor da cadeira de Direito Internacional Marítimo da Escola Naval do Alfeite, comandante Joaquim Quelhas Lima, referia este como um case study dos conflitos morais, jurídicos e diplomáticos para os quais qualquer oficial de marinha devia estar preparado no exercício das suas missões de comando. Estes foram os elementos de motivação que incitaram o autor a meter ombros a nova investigação de arquivo quando, por casualidade, descobriu que um livrinho havia sido editado em Paris logo em 1894 sob o título Le Portugal et le Brésil: Conflit diploma- tique tendo como figura central o comandante Castilho e o seu julgamento em conselho de guerra em Lisboa, na sequência do referido caso da revolta da esquadra brasileira. O que se segue é o resultado da investigação realizada. As fontes historiográficas utilizadas foram principalmente a correspondência diplomática guardada no Arquivo Histórico- -Diplomático e os documentos conservados na Biblioteca Central de Marinha-Arquivo Histórico, além da imprensa e da bibliografia que vai referida no final. 7 AUGUSTO CASTILHO E A REVOLTA DA MARINHA BRASILEIRA EM 1893-94 1 – QUEM ERA AUGUSTO VIDAL DE CASTILHO BARRETO E NORONHA: UMA CARREIRA MARÍTIMO-COLONIAL COM DESEMPENHOS RELEVANTES Augusto de Castilho figura entre os nomes grandes da Marinha portuguesa da segunda metade do século XIX. Mas hoje a maioria desconhecerá provavelmente os motivos que deram origem a essa reputação. Porque Castilho é a figura central dos dra- mas acontecidos no Brasil com a “revolta da armada”, justifica-se que façamos aqui uma referenciação sumária aos principais passos da sua carreira naval quando chega a águas brasileiras em 1893, contava então 52 anos de idade. Augusto Castilho nasceu em Lisboa a 10 de Outubro de 1841, segundo filho de D. Ana Carlota Xavier Vidal, senhora madeirense que foi a segunda mulher do escritor, poeta, pedagogo e polemista António Feliciano de Castilho (1800-1875), que em 1870 recebeu do rei D. Luís o título de visconde e em 1865-66 ficara no auge – e em cheque – com a “questão Coimbrã” (ou do “bom senso e bom gosto”), polémica literária, social e veladamente política desencadeada por um grupo de jovens universitários liderados por Antero do Quental contra os compadrios e o academismo romântico oficial, insta- lados no país sob a égide do invisual Feliciano. Entre os seus seis irmãos distinguiram-se também o poeta Eugénio de Castilho e sobretudo o funcionário da Biblioteca Nacional, olissipógrafo e memorialista Júlio de Castilho (1840-1919), que herdou o título do pai. Augusto de Castilho teve como padrinho Alexandre Herculano, amigo de seus pais. Quiçá influenciado pelo tio Alexandre Magno de Castilho (1835-1871), oficial de mari- nha e geógrafo, autor de Descrição e Roteiro da Costa Ocidental de África desde o cabo de Espartel até o cabo das Agulhas (1866-67), o estudante Augusto frequentou em Lisboa as cadeiras preparatórias na Escola Politécnica e assentou praça na Escola Naval a 22 de Setembro de 18591, como aspirante de 3ª classe do curso de marinha2. Com regulari- dade, foi passando, de ano em ano, a aspirante de 2ª e de 1ª classes, e a guarda-marinha em 2 de Março de 1862. Segundo autor não identificado3, Castilho fez o seu percurso académico com louvores dos seus mestres e na Politécnica frequentou mesmo cadeiras não exigidas para a Escola Naval. Também é a mesma testemunha secreta4 que nos revela 1 O seu requerimento foi deferido nessa data, conforme consta em documento singular conservado em arquivo (BCM-AH, Doc. Avulsa, Cx. 760). 2 Para leitura de enquadramento da evolução da Armada portuguesa ao longo do século XIX e seguinte, pode sugerir-se o livro de Freire, Jornal da Marinha, 2016. 3 Mas seu próximo colega de estudos, que fornece interessantes detalhes do seu temperamento em Le Portugal et le Brésil - Conflit diplomatique, 1894: 7-20. 4 O livro tem data de 1894 (embora só decerto publicado em 95, pois inclui já a sua absolvição judi- cial), quando estava vivíssima a polémica pública suscitada pelos acontecimentos no Brasil e o seu julga- mento em Conselho de Guerra. Daí a compreensível reserva na identificação deste autor, seu camarada. 9 JOÃO FREIRE alguns traços menos conhecidos da sua personalidade como, além do desembaraço e desprendimento, a facilidade com que falava várias línguas estrangeiras5. Ainda aspirante, embarcou em 1860 na corveta Bartolomeu Dias, então comandada pelo infante D. Luís, que foi a Angola chefiar a expedição ao Ambriz (da qual guardou a respectiva medalha comemorativa), contra os negreiros e as ambições britânicas de pegarem pé naquela zona. De acordo com o autor acima referido, Castilho evidenciou-se também aos olhos do seu comandante pela maneira como era capaz de recitar poemas líricos: «on dirait que la poésie changeait de forme; elle semblait toute nouvelle, telle était la vérité, la grâce d’expression, l’art puissant dont le jeune élève savait rendre les traits de l’auteur, et d’en augmenter l’éclat». Porém, segundo a mesma sigilosa testemunha, um conhecido articulista desvendou em 1864 na Gazeta de Portugal que o jovem aspirante tivera a ousadia de oferecer à prima-donna Tédesco, que encantara São Carlos, alguma da sua produção poética, mas confessando: «Je crains que ces premiers vers ne soient ses derniers. Auguste de Castilho n’a plus touché de sa lyre»6. Em Maio de 1861 seguiu para a Índia na fragata D. Fernando, onde ficou até 1864 embarcando mas pouco navegando no brigue Conde de Vila Flor (do capitão-tenente Pery de Linde)7 e depois na corveta à vela Damão8. Com pouco serviço náutico, cola- borou então com o Padroado Português do Oriente, ao tempo do governador conde de Torres Novas, em tarefas arqueológicas e de delimitação do seu círculo de jurisdição, realizando também missões para o estudo das instalações da Marinha e reforma do arse- nal de Goa, bem como a aquisição de madeiras para a conclusão da corveta Damão. Na “informação”9 prestada pelo comandante deste navio a 1 de Janeiro de 1864, tinha Castilho 22 anos de idade, diz-se que: «É robusto e tem boa saúde.