Cem Anos De Música No Brasil : 1912-2012 / Organização João Marcos Coelho
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Andreato Comunicação e Cultura Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Supervisão editorial João Rocha Rodrigues Diretor de arte Dennis Vecchione Designer Rodrigo Terra Vargas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cem anos de música no Brasil : 1912-2012 / organização João Marcos Coelho. -- 1. ed. -- São Paulo : Andreato Comunicação e Cultura, 2015. Vários autores. 1. Compositores - Brasil 2. Música - Brasil - História e crítica 3. Música clássica 4. Música erudita I. Coelho, João Marcos. ISBN 978-85-60456-08-6 15-05236 CDD-780.981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Música : História 780.981 Patrocínio: Realização: Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura, Programa de Ação Cultural 2012. Organização JOÃO MARCOS COELHO 1ª edição 2014 Prefácio E ACABOU, MESMO, A MÚSICA ERUDITA? GILBERTO MENDES 4 CEM ANOS DE MÚSICA NO BRASIL (1912-2012) histórico o escândalo que provocou a estreia da “Sagração da Primavera”, de Stravinsky, dançada por Les Ballets Russes de Diaghilev no Théâtre des Champs Elysées, em Paris. Não émuito tempo depois, essa impressionante obra-prima do século 20 já fazia parte da programação normal de concertos, aceita tranquilamente entre Mozart, Beethoven & Cia. Ilimitada. Igualmente “L’après-midi d’un Faune”, de Debussy, foi outro escândalo, dançado pelo fabuloso Nijinsky. Também em pouco tempo essa extraordinária peça – cujo início Debussy engenhosamente sacou daquela já praticamente atonal abertura do “Tristão e Isolda”, de Wagner – já entrava para o repertório da música de concerto tradicional, ao lado de Brahms, Tchaikovsky e outras delícias carameladas. E o que acontece com a tão arrogante, dominadora – embora inegavelmente superinventiva – Neue Musik, da Escola de Darmstadt, que até hoje não conseguiu emplacar nenhuma de suas obras-primas no repertório tradicional que é programado para o frequentador habitual de concertos? Até hoje não vi um “Marteau Sans Maître”, de Boulez, um “Zeitmasse”, de Stockhausen, um “Incontri”, de Luigi Nono, dentro de uma programação, poderíamos dizer, normal da Sala São Paulo, do Teatro Municipal de São Paulo, junto com os clássicos habituais. Mesmo no exterior, o problema é o mesmo! O que poderíamos chamar de música erudita clássica, de nosso tempo, não é tocada nos concertos habituais tradicionais de música erudita. Ela é ouvida somente em festivais de música de vanguarda, de música nova, como algo 5 prefácio à parte, que não combina com a música como sempre ela foi feita. Talvez possamos começar por esta constatação a tentativa de explicarmos o que está acontecendo. Estaria, talvez, morrendo, ou, ao menos, desinteressando irremediavelmente essa provável música erudita, digamos, de vanguarda? Como não existe uma outra música de nosso tempo que não seja essa de vanguarda, será que presenciamos, na verdade, o fim da música clássica de concerto, o fim do desenvolvimento histórico da linguagem musical? Na verdade, não é a música que nascemorre, se desenvolve por si mesma. É o homem que conduz seu desenvolvimento. Muda o homem, muda a música. Homem novo, música nova, diria Gramsci. A música dominante será sempre aquela de quem tiver mais força para emplacá-la. A luta de sempre, com a vitória do mais forte. Com a morte de Stockhausen, Nono, Berio, o Boulez já bem velho, a Neue Musik vai enfraquecendo, e novos compositores farão a música clássica futura. A que eles quiserem. Mas sempre a serviço de uma classe. O problema, portanto, não é da linguagem musical. É do homem que lida com essa linguagem, às voltas com os pedidos de sua classe. Se vai acabar a música erudita? Mas ela já acabou! Foi a música que serviu a uma classe dominante. Beethoven e Mozart compunham para uma alta classe social aristocrática, culta, bem de vida, que curtia plenamente aquele tipo de música. Essa classe acabou. A nova classe social dominante, de nosso tempo, rica, universitária, seus escritores, professores, enfim, seus intelectuais, preferem Caetano e Chico Buarque, desconhecem totalmente a possível música erudita que esteja sendo escrita por novos compositores de nosso tempo. O compositor erudito de hoje tem assim de competir com a sofisticada música popular de hoje, que tem a vantagem de conservar aquele emocional tonal da música de alto repertório, mais aquela poderosa comunicação imediata, legado do velho jazz, dos Beatles, da Bossa Nova. E tem ainda a música aplicada, de publicidade, de cinema, televisão, teatro, balé. Músicas que misturam tudo, sem a menor cerimônia. O que vai criando uma nova linguagem, não mais só aquela que ainda chamamos, por força do hábito, música clássica, ou erudita. Ou ela já seria, também, a nova música erudita de hoje? 6 CEM ANOS DE MÚSICA NO BRASIL (1912-2012) Por exemplo, a música que abre o anúncio da programação dos filmes das 22 horas no Canal Cult, da TV a cabo. É algo muito novo como música, gostoso, de caráter repetitivo, mas que poderia continuar como uma sonata, por exemplo, valendo-se da força de comunicação e poder de emocionar do sistema tonal, mas sob novo timbre, do computador, ou de outros aparatos que inventarmos. Seria ainda a música erudita, que não morreu, continuando por outros meios, sob outros timbres e formatos? São maneiras novas de conservarmos aquele poder de comunicação, de emocionar, que o sistema tonal, na música erudita do passado, teve em elevadíssimo grau. Sem o perigo de o compositor ser rotulado de neoclássico, o que sempre foi pejorativo. De qualquer maneira – vamos cantar um pouco agora –, podemos concluir que o certo talvez seja fazer o que Boulez, Stockhausen, Nono e Berio sempre continuaram fazendo: “The same old new music, over and over again, over and over again”. Conforme, mais ou menos, os lyrics da extraordinária canção de Jimmy McHugh, “Say it”, cantada por Frank Sinatra, acompanhado pela não menos extraordinária orquestra de Tommy Dorsey. A música que eu gostaria de ter feito. GILBERTO MENDES, JUNHO DE 2013 7 abertura A HISTÓRIA DA MÚSICA DE INVENÇÃO NO PAÍS SEGUNDO A ÓTICA DOS GÊNEROS JOÃO MARCOS COELHO 8 CEM ANOS DE MÚSICA NO BRASIL (1912-2012) ideia básica era fugir, como o diabo da cruz, de uma história convencional da música erudita/clássica/de invenção no último século. Não mais empilhar nomes e datas do passado, não mais adedicar 90% do livro aos criadores da primeira metade do século passado, relegando os compositores contemporâneos a praticamente uma listagem tipo apêndice ou mal necessário. Assim, adotei outro critério. Em vez de contarmos histórias pessoais de compositores ao longo dos últimos cem anos, pedi aos colaboradores que se concentrassem em gêneros. E com um detalhe suplementar: fazer um sobrevoo rápido sobre a primeira metade do século 20 e esmiuçar mesmo a produção brasileira mais recente, dos últimos 20 ou 30 anos. Assim, você lerá aqui a evolução de gêneros musicais praticados no Brasil entre 1912 e 2012. No artigo sobre piano, por exemplo, lá estão de VillaLobos a Gilberto Mendes, mas a ênfase está em criadores de hoje em dia como, por exemplo, Valéria Bonafé e Alexandre Lunsqui, entre tantos outros que agora constroem suas trajetórias. E estão aí, vivos, vivíssimos. Seja no exterior, seja no Brasil, agora mais encorpado graças às inúmeras vagas abertas em universidades fora do eixo Rio-São Paulo para cursos de música. O carioca Roberto Victorio, por exemplo, criou um polo de música nova em Cuiabá. Isso se repetiu em Belo Horizonte, na Paraíba, no centro, nordeste, sudeste e sul do país nos últimos anos. Abriu-se, surpreendentemente, um veio oficial silencioso mas importante, nos últimos anos, por intermédio dos novos mecanismos de incentivo estaduais e municipais, destinados a projetos pessoais de 9 abertura compositores e músicos de gravação/concertos. O que isso quer dizer? Que as novas gerações estão pegando o touro à unha. Mesmo marginalizados pela vida musical convencional, abrem a machadadas espaços para mostrar suas produções. É claro que a web e o streaming hoje permitem que todo compositor tenha, a custo risível, seu espaço onde mostra não só sua reflexão sobre a música mas os áudios de suas obras. Você vai se surpreender, por exemplo, com a quantidade de links do artigo sobre piano. Você lê o excelente artigo de Luciana Noda e Joana Holanda enquanto ouve praticamente todas as peças citadas e analisadas por meio de links na web. UM RETRATO REAL A divisão em gêneros nos dá um retrato, ou melhor, instantâneo, uma fotografia muito real da trajetória da música no último século no país. Se há, por exemplo, uma produção significativa de música orquestral/ concertante na primeira metade do século 20 – até porque o nacionalismo então vigente facilitava a inclusão de música nova nos concertos sinfônicos –, os últimos sessenta anos são trágicos nesse segmento. Excetuando-se as sinfonias de Claudio Santoro e uma ou outra mais recente, há muito pouca produção sinfônica. O que existe é pouco e praticamente inédito, está em manuscrito. Não por acaso, a anemia de criação sinfônica coincide com o período em que os compositores brasileiros livraram-se da camisa de força nacionalista e deixaram de olhar para o próprio umbigo. Deslumbraram- se, claro, com as radicais vanguardas europeias. E consequentemente refugiaram-se em guetos experimentais. Tatiana Catanzaro, no artigo mais monumental deste livro – praticamente um livro dentro do livro, e eu a agradeço particularmente pelo esforço –, classifica nossa história musical entre 1912 e 2012 como “de resistência solitária, descontínua, escrita a partir de iniciativas dispersas e desconexas. O Brasil, assim como a América Latina, acaba por ser uma casa mal-assombrada habitada por fantasmas que não se cruzam, que não se olham. Eles miram apenas para fora, 10 CEM ANOS DE MÚSICA NO BRASIL (1912-2012) através das janelas que deixam entrever o rio do outro lado da cerca que banha um jardim onde está toda a riqueza e sabedoria por eles almejadas”.