Alexsandro dos Anjos; Zilda Mara Consalter

GT 1 – RELAÇÕES PRIVADAS FAMILIARES

ANÁLISE CRÍTICA ACERCA DA EFETIVIDADE DA GARANTIA DA INTIMIDADE NOS CASOS DE

CRITICAL ANALYSIS OF THE EFFECTIVENESS ON GUARANTEE OF PRIVACY RIGHT IN REVENGE PORN CASES

Alexsandro dos Anjos1 Zilda Mara Consalter2

RESUMO: Aborda a revenge porn sob as perspectivas sociais atuais, com enfoque nas garantias dos direitos violados. Busca entender alguns aspectos da revenge porn, tais como o conceito e sua configuração, e como obter a real garantia de direitos envolvidos nos casos de exposição desautorizada de imagens íntimas. Utiliza o método dedutivo de abordagem e técnicas de pesquisa indireta (notadamente a bibliográfica e documental). Como resultados parciais, pode-se verificar que apesar de a revenge porn possuir, mesmo que indiretamente, previsão legal e, de certa forma, até mesmo apreciação jurisprudencial, a efetiva proteção demonstra-se difícil dada a complexidade e abrangência do meio pelo qual se perpetra, restando o âmbito da compensação dos danos, na forma monetária, e a remoção do conteúdo não apropriado, como formas garantir minimamente o direito fundamental à intimidade do indivíduo.

Palavras-chave: Revenge porn; Garanita de direitos fundamentais; Compensação dos danos; Remoção de conteúdo inapropriado.

ABSTRACT: It makes an approach on revenge porn under the current social perspectives, focusing on the guarantees of rights violated. It seeks to understand some aspects of revenge porn, such as the concept and its configuration, and how to get the real guarantee of rights involved in cases of unauthorized exposure of intimate images. It applies the deductive method of approach and indirect research techniques (notably bibliographical and documentary). As partial results, it can be

1 Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].

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verified that although revenge porn possesses - even indirectly - legal prediction and, to a certain extent, also jurisprudential appraisal, effective protection is difficult related to complexity and range of the media by which is perpetrated, just remaining compensation for damages in the monetary form, and remove inappropriate content as pathways to ensure minimal right to privacy.

Key-words: Revenge porn; Guarantee of rights; Compensation for damages; Removal of inappropriate content.

Sumário: 1. Introdução; 2. Revenge Porn: O que é e como surgiu? 2.1. O que configura juridicamente a revenge porn? 2.2. Alguns dados estatísticos; 2.3. A revenge porn como uma forma de violação dos direitos fundamentais e da personalidade; 3. Legislação; 3.1. O tratamento pelo Direito estrangeiro; 3.2. Garantias constitucionais contra a revenge porn; 3.3. Revenge porn como crime; 3.4. Legislação civil e a revenge porn; 3.5. O Marco Civil da Internet; 4. Da repação; 4.1. Direito ao esquecimento; 5. Caso concreto: STJ. ARESP n.º 1.118.608/MG. 6. Considerações Finais; 7. Referências

1. INTRODUÇÃO

É inegável o grande avanço da internet nos dias atuais, além das infinitas possibilidades que a envolvem em seus diversos ramos. Uma das áreas que sofrem mais os reflexos da expansão da world wide web é o das relações sociais. Isso porque relacionamentos entre pessoas agora adquiriram características únicas devido às novas tecnologias. Contudo, nem sempre a evolução traz pontos positivos. Nessa linha, Eric Schmidt considera que a internet é a “primeira invenção que a humanidade criou e não entende, a maior experiência de anarquia que jamais tivemos” (SCHIMIDT apud CORRÊA, 2000, p.7). E indo adiante quanto a questão da mudança comportamental, Zygmunt Bauman entende que a lógica da atualidade é a que se refere à maior visibilidade possível, pois, segundo ele, é como se a existência só tornasse realmente significativa quando exposta, e, desta forma, as pessoas estariam renunciando a sua privacidade. (BAUMAN, 2012, p. 20-48). Assim, uma das consequências dessas novas possibilidades é a exposição exacerbada, inclusive dentro dos relacionamentos, o que, muitas vezes, acaba por expor a privacidade e/ou a

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intimidade dos indivíduos, fato que pode vir a gerar consequências negativas a estes. Em que pese a grande exposição e a falta de privacidade/intimidade possam não ser um problema para todos (alguns até buscam isso), existem, ainda, situações que podem decorrer dessa prática em se expor, a qual, às vezes, podem violar uma diversa gama de direitos da pessoa, tais como direitos humanos, fundamentais e da personalidade. Dentre essas situações, alguns dos direitos comumente violados são o direito à intimidade e o direito à privacidade. Uma hipótese razoavelmente comum em que ocorrem tais violações são nos casos de revenge porn, conduta pela qual se viola ambos os direitos e, em alguns casos, acarretam diversas outras aflições para a vítima, que, na maioria das vezes, é mulher. (PORTAL BRASIL, 2018). Assim considerado o estado d’arte, neste texto se busca – mediante abordagem dedutiva - entender os casos de revenge porn sob as mais diversas perspectivas e aspectos, tais como as situações em que ocorrem, quais as consequências jurídicas, o tratamento legislativo, a reparação e, principalmente, como buscar a efetiva garantia do fundamental direito à intimidade da pessoa vitimizada por esta prática.

2. REVENGE PORN: O QUE É E COMO SURGIU?

A expressão inglesa revenge porn3 não comporta uma boa tradução para o vernáculo, mas pode ser entendida como “vingança por meio da pornografia” ou ainda “pornografia de revanche”, querendo referir-se à prática pela qual o ex- parceiro de uma determinada pessoa torna pública, por meio da internet, imagens íntimas de seu antigo companheiro após o término do relacionamento, apenas como um meio de vingança por determinado motivo. (CONSALTER, 2017, p.327).

3 a prática também pode ser conhecida por outra expressão inglesa: nonconsensual porn. No entanto, nesse texto optou-se por usar apenas a mais conhecida e popularizada. (n. Dos aa.).

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Glaydson de Farias Lima (2016, p. 119) acrescenta, ainda, que o termo “[...] representa a ação de disponibilizar material de ato sexual realizado por casal, por meio de sua divulgação na internet, por uma das partes, sem o consentimento do parceiro”, além disso, acrescenta ainda que “normalmente, um homem divulga um vídeo ou fotografias de uma relação sexual para se vingar da parceira ou para, ‘simplesmente’, vangloriar-se de sua conquista”. Indispensável ressaltar, também, que, conforme demonstra Vitória de Macedo Buzzi (2015, p.11), na pornografia de vingança não se trata apenas de fotos ou vídeos, mas também de áudios, montagens ou “qualquer material sexualmente gráfico, íntimo e privado de uma pessoa”. Originada pela fácil propagação de informações pelos meios virtuais, a expressão revenge porn é um termo novo, cujo conhecimento e compreensão vêm ocorrendo ao longo dos últimos anos. (MACEDO, 2017, p. 13). Em que pese o termo seja até certo ponto desconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro, as práticas de exposição sem aquiescência do indivíduo não são recentes pelo mundo. Em meados de 1980 a revista masculina estadunidense Hustler pediu aos seus leitores que enviassem fotos íntimas de suas respectivas consortes para serem publicadas. A diretora de serviços a vítimas da ONG Cyber Civil Rights Initiative, Annmarie Chiarini (2018), considera esse o primeiro episódio relevante na história do fenômeno. A propagação, além de fácil, é muitas vezes, ainda, impulsionada por outros meios, como, por exemplo, sites próprios para divulgação não consensual de

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material sexual, tal como o UGotPosted4 ou, ainda, diversos outros sites nacionais com o título “caiu na net”. (MACEDO, 2017, p. 14). Esses sites, aliados a outros meios de comunicação que impulsionam a revenge porn, começaram a se popularizar de maneira bastante crescente, consoante demonstra Veridiana Bueno Macedo, ao citar Tsoulis-Reay (2018, p. 15): “nos anos 2000, o italiano Sergio Messina identificou que o gênero realcore pornography, consistia em postar fotos e vídeos não consensuais de ex-namoradas na Usenet 5 [...]”. Em 2008, o site de conteúdo pornográfico XTube recebeu diversas queixas semanais sobre a prática da revenge porn, e com a sua popularização, diversos outros sites também começaram a publicar vídeos com essa “temática”, com o simples intuito de aumentar seus acessos.(NYMAG, 2018). No Brasil, um dos primeiros casos a atrair atenção foi o da jornalista Rose Leonel, ocorrido ainda em 2005. (USENET, 2018). Desde aquele ano, o número de incidências de revenge porn e a exposição inapropriada e desautorizada de conteúdo sexual, no geral, só cresceu, tornando-se, até mesmo, comum, especialmente entre as pessoas mais famosas. Nessa linha, estudos feitos pelo Data & Society Research Institute, apontam que “um em cada 25 norte-americanos já foi vítima de ‘revenge porn’ e que este fenómeno (sic) digital é fortemente midiatizado quando atinge celebridades”. (SAPOTEK, 2018).

4 “Em dezembro de 2012 o americano criou o UGotPosted, que permite que usuários criem postagens anônimas e públicas de fotos de pessoas nuas sem a permissão dos sujeitos fotografados, de acordo com documentos do tribunal da Califórnia. Conhecidas como “revenge porn” (“vingança pornô”, em tradução livre), essas imagens, geralmente de mulheres nuas, costumam ser obtidas consensualmente por quem as publica durante um relacionamento ou então são roubadas de celulares e computadores. O termo é usado porque a maioria das imagens postadas online são tentativas dos ex-namorados envergonharem suas antigas companheiras depois da separação. Mas, diferente de outros websites do tipo, onde as pessoas que aparecem nas fotos são anônimas, na página comandada por Bollaert, o autor do post deveria colocar o nome completo, a localidade, a idade e o link para um perfil de rede social da vítima, de acordo com a Procuradoria Geral da República dos Estados Unidos.” (JORNAL O GLOBO, 2018). 5 “A USENET é um sistema mundial de grupos de discussão no qual milhões de pessoas participam. existem dezenas de milhares de grupos Usenet diferentes e todos com acesso à Internet podem participar de graça.” (USENET, 2018).

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2.1. O que configura juridicamente a Revenge Porn?

Em que pese a revenge porn ser conceituada como sendo a divulgação não consensual de material íntimo obtido em razão de relacionamento havido entre ex- companheiros, alguns outros explicam que o conceito é mais complexo que isto. Primeiramente, é preciso entender, de modo claro, que a revenge porn é uma forma de violência sexual. Mary Anne Franks (2018), por exemplo, ensina que o termo mais adequado é nonconsensual pornography, uma vez que se refere a conteúdo íntimo divulgado com o propósito de violar direitos. O segundo ponto reside no fato de que a divulgação sempre se dá sem o consentimento da outra pessoa. Presentes esses aspectos, surgiria, então, o real interesse jurídico acerca do tema. Por se tratar de um conceito novo no âmbito legislativo, há certa dificuldade em definir o que, de fato, se caracteriza como revenge porn, especialmente no que se refere às questões de gênero e orientação sexual, como, v. g., casos em que a vítima é homem, que apesar de serem menos frequentes, também acontecem. 6 Quanto às situações em que envolvem mulheres, a aplicação e configuração se tornam menos complicadas, uma vez que essas, no caso de revenge porn, estão protegidas pela Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que, no parágrafo único de seu artigo 5º, dispõe que as relações pessoais enunciadas neste artigo tratam da violência contra a mulher, independentemente de orientação sexual. Existem, ainda, autores que defendem que a Lei Maria da Penha se aplica por analogia a homens quando esses são vítimas de violência doméstica, o que não é pleno entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme pode-se perceber pelo conteúdo do aresto na sequência: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO. VÍTIMA DO

6 “Há, dentre os casos com adultas, uma decisão penal em que a vítima é um homem. Nessa ação, ele teve alguns encontros com uma prostituta, que o fotografou e, posteriormente, passou a exigir que ele pagasse sua faculdade, desse-lhe presentes e quantias em dinheiro. Se seus pedidos não fossem atendidos, ela afirmou que colocaria as fotos de suas relações íntimas na Internet - o que ocorreu, ao final, além do envio das fotos à sua esposa por correio” (VALENTE, 2016. p. 55). 21 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1

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SEXO MASCULINO. ALTERAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO PELA LEI N. 11.340/06. APLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DESCRITO NO ARTIGO 129, CAPUT, C/C ART. 61, INCISO II, ALÍNEA "E", DO CÓDIGO PENAL. NORMA DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO. [...] 2. Embora as suas disposições específicas sejam voltadas à proteção da mulher, não é correto afirmar que o apenamento mais gravoso dado ao delito previsto no § 9º do artigo 129 do Código Penal seja aplicado apenas para vítimas de tal gênero pelo simples fato desta alteração ter se dado pela Lei Maria da Penha, mormente porque observada a pertinência temática e a adequação da espécie normativa modificadora. [...] 4. Recurso improvido. (BRASIL, 2018).

Outrossim, é importante ressaltar que, apesar de não estar, em regra, protegido pela Lei Maria da Penha, há, ainda, a garantia por parte da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), caso a vítima seja menor de idade, independentemente do sexo e, também, do Código Penal brasileiro, nos casos de divulgação de conteúdo íntimo não consensual, aspectos que serão melhor abordados logo adiante.

2.2. Alguns dados estatísticos

Como já afirmado alhures, a popularização das novas tecnologias é um evento irreversível que altera o cotidiano do ser humano constantemente, onde quer que ele esteja. (VIEIRA apud SILVA; FALKOWSKI, 2016, p. 242). Diante disso, as distâncias se encurtam e o tempo é poupado, com apenas um clique. (FREIRE apud SILVA; FALKOWSKI, 2016, p. 243). Todavia, com o aumento da utilização dos recursos tecnológicos disponíveis, elevam-se, também, os problemas decorrentes disso. Face a esses fatos, em 2005, foi fundada a SaferNet Brasil®, por um grupo de cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em Direito, que é uma associação de direito privado, com atuação nacional, sem fins lucrativos ou econômicos, sem vinculação político partidária, religiosa ou racial. Além disso, logo após sua criação “a SaferNet Brasil se consolidou como entidade referência

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nacional no enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet”. (SAFERNET BRASIL, 2018). Dados gerados pela SaferNet®7, mostram que em 2012, houve oito atendimentos relacionados à exposição íntima, enquanto em 2013, esse número subiu para trinta e um atendimentos relacionados ao mesmo assunto. Importa ressaltar que os últimos dados gerados são referentes ao ano de 2016. Eles mostram que foram trezentos e um atendimentos de problemas com exposição íntima. Além disso, os dados demonstram, também, que a grande maioria das pessoas atendidas nesse tópico eram mulheres (HELPLINE, 2018), chegando o montante a 90%, sendo que destas, 25% é menor de idade (entre 13 e 15 anos). (FREITAS; JUSTINO, 2014). Insta salientar, ainda, que se trata de dados nos quais houve efetiva busca por atendimento, não se incluindo, desta forma, os diversos outros casos nos quais as vítimas permanecem silentes, em que, por exemplo, não se denuncia o agressor por sequer saber que está protegida pela Lei Maria da Penha, muitas vezes, nem sabendo que o ocorrido pode configurar crime. (VALENTE, 2016). Além dessa entidade, há ainda outros números que merecem destaque: 49% dos usuários de smartphones utilizam-nos para fotografar, filmar ou trocar mensagens de conteúdo íntimo aos parceiros. E ao menos um em cada dez ex- parceiros já ameaçaram divulgar no ambiente virtual esses registros, gerando a exposição inapropriada dos mesmos. E o mais grave: 60% daqueles que efetuaram a ameaça, efetivamente levaram-na a concretização. (FREITAS; JUSTINO, 2014). Na esfera mundial há também iniciativas semelhantes. Uma delas é a Cyber Civil Rights Initiative, organização que tem como escopo produzir estudos e desenvolver ações voltadas a mitigação de violações de direitos humanos via internet.

7 Por atender diretamente as vítimas, a SaferNet®, por meio de indicadores no site Helpline, anualmente gera infográficos com dados numéricos e divisão de categorias para cada ocorrência atendida. (N. dos aa.). 21 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 3

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A mencionada entidade apresenta dados de 2017 com semelhantes percentuais aos dos brasileiros. Senão, veja-se: um em cada oito usuários de mídias já se declarou alvo de revenge porn ou de ameaça dessa prática, sendo que destes, 15,8% pertencem ao gênero feminino e 9,3% ao Gênero masculino. E, talvez o dado mais curioso: um em cada vinte usuários de mídias já perpetrou alguma ação que possa ser considerada revenge porn, e destes, 79% declararam que não pretendiam ferir a vítima ao compartilhar imagens ou vídeos com conteúdo sexual explícito sem o seu consentimento. (CYBER CIVIL RIGHTS INITIATIVE, 2017). O fato é que os números refletem, indiscutivelmente, o aumento das práticas nocivas à intimidade e privacidade do ofendido que possam ser consideradas revenge porn. E carreado a isso, a Ciência Jurídica precisa se posicionar.

2.3. A revenge porn como forma de violação dos direitos fundamentais e da personalidade

A questão que envolve a exposição de conteúdo íntimo, como na revenge porn, não só atinge os relacionamentos, mas, também, a sociedade como um todo. Isso porque muitos criminosos não são motivados por mera vingança, “mas sim como um meio para chegar ao fim da execução de determinado crime”. (FRANKS apud SILVA; FALKOSKI, 2016, p. 247). Conforme os ensinamentos de Alejandro Touriño, por conta da natureza viral da internet, um conteúdo íntimo, seja fotografia ou vídeo, pode, por uma ação descuidada de um terceiro, tornar-se um documento cujo controle foi perdido para sempre. (TOURIÑO, 2014, p. 42). E esse controle se perde, vez que a internet possui grande influência e velocidade de compartilhamento de informação: [...] o ® processa mais de 24 petabytes de dados por dia. [...] Em 2008, ele já indexava mais de 60 trilhões de sites. Ao Facebook®, página de relacionamento pessoal mais conhecida, sobem-se mais de 250 milhões de fotos novas por dia. [...] Na União Europeia, em 2011, 77%

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dos jovens entre 13 e 16 anos e 38% dos que estão entre 9 e 12 anos tem um perfil em uma rede social e um em cada quatro deles tem perfil com informações completas, como número de telefone, imagens, etc. Os brasileiros passam aproximadamente cinco horas por dia conectados à internet, “alimentando” um mundial banco de dados com toda espécie de informações a seu respeito. [...] O número de mensagens no ® vem diariamente aumentando, sendo que em 2012 já havia superado os 400 milhões de tuítes diários. (CONSALTER, 2017, p.22).

Assim, ao expor uma pessoa sem sua respectiva autorização, fere-se diversos direitos constitucionalmente garantidos, tanto de natureza fundamental quanto da personalidade, pois viola-se o seu mais profundo íntimo. Bittar (2015, p. 29) explica que os direitos da personalidade são aqueles reconhecidos à pessoa humana, tanto em si mesma quanto em suas projeções na sociedade, os quais são previstos no ordenamento jurídico justamente para garantir os valores os quais são inatos ao indivíduo, conceito o qual pode ser complementado com os ensinamentos de Helen Nissenbaum (2010, p.144), ao explicar que a privacidade não é binária, mas sim influenciável pelo contexto e pelas normas. Dessa maneira, é de extrema importância a lição de Mary Anne Franks e Danielle Keats Citron (2018, p. 10) no sentido de que o compartilhamento de conteúdo íntimo com consentimento dos indivíduos envolvido é feito com o entendimento, seja esse implícito ou explícito, de que o conteúdo compartilhado entre eles permanecerão confidenciais o que, na prática, muitas vezes, acaba por não acontecer. E, pelo prisma jurídico, há que se lembrar que além da violação, deve-se aferir, também o conteúdo anímico do ofensor, eis que este tem que ter propósitos escusos em, efetivamente, violar a intimidade e privacidade da sua vítima (que deve postar-se como ofendida pela prática). Isso deve ser ressaltado porque na era da exposição, muitas pessoas provocam ou até se auto expõem com o fito de promover-se ou atingir certa notoriedade. Assim, somente quando o direito subjetivo da vítima for violado é que se falará na incidência da revenge porn como fato jurídico e que, portanto, interesse ao Direito.

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3. LEGISLAÇÃO

Tal qual acontece com a doutrina e jurisprudência, a legislação internacional e nacional ainda se mostra titubeante e, porque não dizer, insuficiente a prever e, evidentemente, a mitigar os efeitos nocivos da revenge porn. Assim considerando, segue um apanhado geral do que já há nesse aspecto nos itens adiante:

3.1. O tratamento pelo Direito estrangeiro

Como visto pelos dados estatísticos acima trazidos, não são apenas nacionais os problemas com a revenge porn. Diversos outros países também o enfrentam, mostrando-se uma preocupação global e sem fronteiras físicas. O parlamento do Reino Unido, por exemplo, atualmente debate sobre o agravamento de penas de prisão àqueles que cometerem tal crime. (EXAME INFORMÁTICA, 2018). Nesta luta se encontra, também, no Estado de Kentucky, Estados Unidos da América, onde o Comitê da Câmara tenta criminalizar a revenge porn. (WEKU, 2018). Importa informar que inexiste qualquer tipo de legislação internacional ou acordo entre países dos quais o Brasil faça parte que trate especificamente sobre a revenge porn; contudo, não significa que não haja tratativa em conjunto para reduzir as ocorrências. Além da SaferNet®, que atende, também, pessoas de outros países8, existem ainda, acordos havidos com empresas com atuação internacional, como, por exemplo, o Facebook®, que também buscam diminuir a incidência de casos de revenge porn. (TECHTUDO, 2018).

8 Segundo indicadores da SaferNet®, já houveram 464 atendimentos de pessoas de outros países. (n. dos aa.).

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Ainda assim, e em que pese não haja norma supranacional que o Brasil faça parte que, diretamente, penalize a revenge porn, existem exemplos de outros países onde tal prática já é crime, como, por exemplo, desde 2015 no Reino Unido (ENGADGET, 2018) ou, ainda, em , desde 2014. (TIMES OF ISRAEL, 2018). Insta ressaltar, ainda, que internacionalmente o termo revenge porn tem sido bastante criticado, uma vez que a terminologia acaba por restringir as situações e, às vezes, excluem determinados grupos que não se encaixam no conceito de vingança. Por conta disso, um termo alternativo a esse é o Non-Consensual Intimate Images, ou NCII¸ que busca tratar mais especificamente sobre o consentimento e não sobre vingança. (VALENTE, 2016, p. 52). Destaque-se que, sob esse prisma, a acepção da expressão revenge porn fica muito mais ampla e lhe refoge o elemento anímico da vindita, permanecendo apenas a não autorização da vítima.

3.2. Garantias constitucionais contra a revenge porn

No âmbito de proteção da Constituição Federal da República de 1988 encontram-se inúmeros direitos, dentre eles, até mesmo, alguns imutáveis. Exemplos claros desses direitos são os fundamentais, (e no âmbito da legislação ordinária) os da personalidade, além de vários outros derivados desses. Destacam-se entre essa ampla gama de direitos, o direito de imagem, o direito à honra, o direito à privacidade e o direito à intimidade, os quais em determinadas situações se correlacionam e, até mesmo, confundem-se. Todos esses são protegidos pela Constituição em seu artigo 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O direito à imagem está inserido nos direitos e garantias fundamentais, os quais são resguardados pela Constituição Federal, e, além disso, é consagrado como um direito de personalidade autônomo. Hermano Durval (1988, p. 105-106) 21 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 7

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conceitua-o como sendo a projeção da personalidade física do indivíduo no mundo exterior e, assim sendo, seria considerado ainda um direito natural, equiparável ao da própria vida. As mais diversas características físicas da pessoa estão contidas no direito à imagem, desde o corpo e a fisionomia como um todo, atributos, até mesmo atitudes, gestos e demais características minuciosas. A partir disso, entende-se que a imagem é a representação da figura de uma pessoa, que lhe garante suas características, diferenciando-a das demais e a representação material ou digital dessas características, seja por retratos ou qualquer outro tipo de exibição é o que caracteriza e identifica cada um nos meios sociais, razão pela qual se confere tanta proteção ao seu respectivo direito. Por seu turno, a noção de honra, insculpida constitucionalmente no já transcrito artigo 5º, X, da Constituição, “[...] denota a dignidade da pessoa que procura viver com retidão, conduzindo-se no cotidiano pelas regras morais [...]” (TOMASZEWSKI, 2006, p. 121). Ou seja, a honra – em seu prisma objetivo – tem a face exteriorizada da pessoa, que se mostra reta e digna no conviver social (e não no íntimo). Destaque-se que em nada se relaciona à honra subjetiva (que diz respeito ao conceito de si mesmo) e, menos ainda, a adjetivos advindos da opinião alheia acerca do modus vivendi da pessoa. Já o direito à privacidade, o qual é caracterizado como um direito do ser humano é, também, resguardado diversas vezes no ordenamento jurídico brasileiro. Não só é garantido pelo artigo 5º, X da Carta Magna, como também é resguardado no âmbito virtual pelo Marco Civil da Internet, em seu Capítulo II, que trata sobre os direitos e garantias dos usuários, como bem ensina Marcel Leonardi (2012, p. 121): A privacidade, entretanto, tem valor social: ela molda as comunidades sociais e fornece proteção necessária aos indivíduos contra diversos tipos de danos e intromissões, possibilitando que desenvolvam sua personalidade e devolvam à sociedade novas contribuições.

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O direito à intimidade, também contido no rol de direitos fundamentais protegidos pelo artigo 5º, X da Constituição Federal. Além disso, como demonstram Carlos Ruiz Miguel e Adriano de Cupis (2018): [...] no atual contexto a doutrina, com acerto, vem afirmando que a natureza jurídica do direito à intimidade se classifica como um direito individual relativo à liberdade, como um direito da personalidade e um direito fundamental e subjetivo de defesa.

Nos casos em que há exposição de conteúdo íntimo do indivíduo, todos esses direitos são violados ao mesmo tempo, contudo, não se pode imaginar que se tratam do mesmo direito. Sidney Guerra (2012, p. 22-55) leciona distinguindo a privacidade da intimidade: [...] verifica-se que a intimidade é algo maior do que a vida privada. A intimidade caracteriza-se por aquele espaço considerado pelo indivíduo como impenetrável, intransponível, indevassável e que diz respeito única e exclusivamente ao próprio, como por exemplo, recordações pessoais, memórias, diários etc.

Nesse mesmo sentido, Guimarães e Dresch expõem, também, ao citar José Afonso da Silva (apud GUIMARÃES; DRESCH, 2018, p. 8), que o direito à privacidade é apresentado num sentido mais amplo do que o direito à intimidade, uma vez que o primeiro compreende todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade dos indivíduos. O fato é que os direitos que são, em regra, violados quando ocorre a revenge porn protegidos pela Constituição brasileira e pela sua legislação ordinária. O que se discute neste texto é a efetividade da garantia dada a esses direitos quando se trata, especialmente, de veiculação pela internet.

3.3. Revenge porn como crime

Há muito tempo a pornografia de vingança vem sendo praticada das mais diversas formas, em que pese não houvesse tipificação legal. Para tal crime, outros dispositivos do Código Penal Brasileiro já eram subsumidos, em especial aos que

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tratam dos crimes contra a honra, contidos no Capítulo V do diploma legal. (MOCHO, 2016, p. 34). Esse tópico trata, especificamente, dos crimes que atentam contra a honra subjetiva ou objetiva, retirando, assim, do indivíduo seu direito ao respeito pessoal. Estão tipificados, nesse mesmo capítulo, a calúnia, a difamação e a injúria. Fernando Capez (2008, p. 246) explica, ainda, que esse capítulo cuida daqueles delitos que ofender os bens imateriais da pessoa humana, relativo à personalidade humana, pois este é parte de seu patrimônio moral. Dentre as três tipificações, os artigos mais utilizados para tentar proteger as vítimas, uma vez sendo os que melhor se encaixam na situação de revenge porn, são os que tratam sobre difamação e injúria9. Quanto à calúnia, o artigo 138 do Código Penal, prevê que “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”, o que não ocorre na revenge porn, salvo possíveis exceções, pois não há imputação de crime, mas sim divulgação não consensual de conteúdo íntimo. Nessa seara, há, ainda, a possibilidade de aplicação da Lei 8.069/1990 (ECA), considerando casos em que a vítima é menor de 18 anos, em casos de divulgação não consensual de material íntimo de crianças e adolescentes. 10 Nesses casos, o responsável pela divulgação responderá de acordo com a referida lei, uma vez tratando-se de menores de idade, em regra pelo artigo 241-A, o qual foi incluido pela Lei nº 11.829/2008: Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

9 CP. Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. CP. Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. [...]. 10 Segundo o artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança o indivíduo até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquele que possui entre 12 e 18 anos.

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Ressalta-se, ainda, que o ECA não faz distinção quanto ao sexo, aplicando- se, assim, tanto a meninos quanto a meninos, desde que menores de idade. Para tratar, especificamente, de mulheres (eis que são a grande maioria das vítimas), neste caso, independentemente da idade, aplica-se, ainda, a Lei nº 11.340/2006, a Lei Maria da Penha. Faz-se necessário ressaltar, ainda, que a lei não só abrange as vítimas contidas no âmbito da unidade doméstica ou da família, mas ainda, conforme dispõe o inciso III do artigo 5º “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”, pois como Buzzi (2015, p. 71) esclarece: Se entre a vítima da pornografia de vingança e o responsável pelo vazamento do material houve relacionamento íntimo, independente de coabitação ou de violência material, o caso pode ser apurado nos termos definidos por esta lei. Pelo exposto até o momento, já restaria configurada, nos casos de pornografia não consensual em que o agente é ex-parceiro da vítima, a situação de violência doméstica e familiar que a lei visa coibir.

O artigo 7º da referida Lei trata das espécies de violência contra a mulher, sendo muitas delas configuradas nos casos de revenge porn, em especial os incisos que tratam da violência psicológica, patrimonial e moral, in verbis: Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: [...] II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; [...] IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (destaques dos autores).

Pode ser considerada violência psicológica, nessas situações, uma vez que expor a intimidade da mulher sem seu consentimento, causa danos imensuráveis,

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causando danos emocionais, afetando nos seus mais diversos ambientes, seja profissional, acadêmico ou social, pois, como explica o professor Lino de Macedo, esses acontecimentos podem gerar até mesmo mudança nos planos de vida. Explica ainda que “a vítima pode também criar um ódio das outras pessoas e evitar ter relações com elas”. Situações de extrema exposição podem, até mesmo, levar a consequências ainda maiores, tal como suicídios. (CASTRO, 2013). Outrossim, há ainda as ocasiões de revenge porn onde há a violência psicológica nos casos em que não necessariamente há o término de um relacionamento, mas também “quando os mesmos, com o intuito de manter o romance, utilizam-se desses materiais para chantagear as parceiras, para que elas não terminem o relacionamento”. (OLIVEIRA apud MOCHO, 2016, p. 41). Também pode ocorrer violência patrimonial porque a revenge porn pode ocasionar a destruição de direitos ou recursos econômicos da vítima, havendo casos de mulheres que perderam seus empregos ou pereceram em suas atividades econômicas em razão da ocorrência dessa prática. Há, ainda, a possibilidade de violência moral nesses casos, uma vez que, da mesma forma que é tratado com o Código Penal Brasileiro, a conduta pode configurar difamação ou injúria. A vantagem da utilização da Lei Maria da Penha é o tratamento diferenciado que é dado à vítima, podendo, inclusive, obter-se medidas restritivas contra aquele que a prejudicou e, ainda, oferecendo maior celeridade processual, além das medidas protetivas de urgência. (MOCHO, 2016).

3.4. Legislação Civil e a revenge porn

Segundo Paul Duez (1927, p. 7), “um caso de responsabilidade civil supõe, antes de tudo, um equilíbrio econômico a ser restabelecido entre dois patrimônios”. Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 2) completa, afirmando que a responsabilidade civil:

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[...] designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever juridico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever juridico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.

Neste mesmo sentido, Pablo Stolze (2012, p. 54), esclarece, ainda, que: [...] diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. Para que seja caracterizada a responsabilidade civil, é necessário que exista a conduta ilícita, o dano, o nexo de causalidade e, em alguns casos, a culpa. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p. 51). Gonçalves (2012, p. 51) ainda explica que a responsabilidade civil pode acarretar uma indenização quando ocorrer alguma ação ou omissão de um indivíduo frente a um dever. O Código Civil trata da responsabilização em diversos dispositivos. O artigo 186 dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e, tratando ainda sobre o mesmo assunto, em seu artigo 927 aduz que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Os danos referidos nos artigos supracitados têm natureza material e imaterial, ou, ainda, moral. Cavalieri (2012, p.77-78) ensina que “o dano patrimonial [...] também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente”. Com relação ao dano moral, Clayton Reis (2010, p. 8) enfatiza: [...] a respeito do dano moral, como sendo aquele que atinge o patrimônio ideal das pessoas, ou seja, capaz de ensejar um sentimento negativo no espírito da vítima, causando-lhe sensações desagradáveis decorrentes das perturbações psíquicas causadas pela agressão.

Uma vez que os casos de revenge porn, indiscutivelmente, trazem inúmeros danos às vítimas, em especial danos de ordem moral, é possível a aplicação dos

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dispositivos legais que tratam sobre a responsabilidade moral, na tentativa de compensar sua dor e angústia. Contudo, a jurisprudência demonstra ainda que, apesar de haver aceitabilidade da necessidade de indenizar nos casos de exposição íntima sem consentimento, a quantificação entendida como cabível muitas vezes se mostra irrisória, como demonstra-se em acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (2015) que arbitrou os danos morais em R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais). Outro caso de exposição sem autorização julgada, desta vez pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (2012), demonstra que os valores podem possuir grande variação, conforme a ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXPOSIÇÃO DE FOTO ÍNTIMA EM REDE SOCIAL SEM AUTORIZAÇÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO NÃO RECONHECIDA. DANO MORAL IN RE IPSA. MINORAÇÃO DO QUANTUM. CONSECTÁRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Preliminar de carência de ação afastada, ante a inconsistência da arguição. Demonstração de que a pessoa presente na foto publicada em rede social efetivamente era a autora. 2. Caso em que a parte autora postula indenização por danos morais decorrentes da exposição pelo seu ex-marido de foto íntima sua em rede social sem o devido consentimento. 3. Dano moral caracterizado. Ato ilícito indenizável consistente na exposição sem autorização de foto íntima em rede social de grande porte, sendo impossível precisar o tamanho da exposição sofrida pela autora. Dano da espécie in re ipsa. Dispensada a comprovação efetiva do dano, sendo suficiente a comprovação do ato ilícito e nexo de causalidade. 4. Quantum indenizatório minorado, de acordo com as circunstâncias do caso concreto e os precedentes locais. 5. Em se tratando de indenização por dano moral, os juros de mora e a correção monetária incidem desde a data do arbitramento. Precedentes. [...] PRELIMINAR AFASTADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052257532, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 12/12/2012).

No caso em questão, o recurso foi interposto pelo réu, esse condenado a indenizar a vítima no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) por divulgar fotos íntimas de sua ex-esposa na rede social Facebook®. O Tribunal, por sua vez,

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manteve a condenação, mas reduziu a indenização ao quantum indenizatório para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). (MACEDO, 2017, p. 48).

2.5. O marco civil da internet

Ronaldo Lemos (2014, p. 4) explica que a ideia inicial da Lei nº 12.965/2014, o Marco Civil da Internet, era de que “em vez de repressão e punição, a criação de uma moldura de direitos e liberdades civis, que traduzisse os princípios fundamentais da Constituição Federal para o território da internet”. O Marco Civil da Internet “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”. O principal objetivo da lei foi estabelecer “o conjunto de direitos e deveres aplicáveis aos usuários de internet, provedores e poder público, proporcionando, na medida do possível, a melhor conciliação entre o Direito e a cultura digital”. (SANTOS apud LEITE; LEMOS, 2014, p. 52). Uma das garantias dessa Lei está disposta em seu artigo 7º inciso I, a qual assegura o direito à inviolabilidade e o sigilo do usuário, in verbis: Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Nesse sentido, faz-se importante salientar que, em regra, para retirar conteúdo de sites é necessário ordem judicial e, por consequência, um processo judicial. Contudo, nos casos de revenge porn, os procedimentos são diferentes, conforme dispõe o artigo 21 da referida Lei (BUZZI, 2015, p. 76): Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos

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do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.

Aí surge a responsabilidade daqueles que hospedam o conteúdo e a responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Neste sentido, Francisco Ilídio Ferreira Rocha explica que a responsabilidade civil do provedor, nesses casos, de aplicações por conteúdo gerado por terceiro, não afasta outras possiblidades de responsabilidade civil por ato ilícito cometido por terceiro, mas que possam recair sobre os provedores de internet. (ROCHA apud LEITE; LEMOS, 2014, p.818). Além disso, explana, também a responsabilidade civil deve atender às particularidades de cada situação, levando em conta, ainda, as condições de cada um dos provedores de serviços. (ROCHA apud LEITE; LEMOS, 2014, p.819). Buzzi, acerca da responsabilidade dos sites hospedadores ainda ensina que, uma vez que a regra geral é assegurar a liberdade de expressão, no caso de material íntimo exposto sem consentimento do envolvido, basta uma notificação extrajudicial para requerer sua indisponibilização e, “caso não seja respeitada, provedor se torna responsável subsidiariamente gerado por terceiros”. (BUZZI, 2015). Assim, a simples notificação torna-se difícil, primeiramente, com a dificuldade em contatar sites e aplicativos, uma vez que não existem instruções de como solicitar a retirada deste material. Além disso, muitas vezes, ainda, os sites são hospedados em servidores estrangeiros, o que acaba por complicar, ainda mais, a tentativa de retirar o conteúdo sem ajuizar ação judicial. A efetividade da garantia da intimidade das vítimas esbarra, portanto, em aspectos normativos, formais e práticos, infelizmente. Pra encerrar esse tópico, impende, ainda, destacar que o Marco Civil da Internet não criminaliza, nem tipifica a conduta de quem divulga fotos íntimas de

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outra pessoa sem a sua autorização, uma vez que não tem esse caráter, mas garante que a vítima possa buscar indenização na esfera cível, além de responsabilizar, conforme supracitado, àqueles que deixam o conteúdo não consentido disponível. (MACEDO, 2016, p. 46).

4. DA REPARAÇÃO

A reparação nos casos de revenge porn pode ocorrer de diversas maneiras (quando, de fato, ocorrem!). Na grande maioria das vezes, a reparação é feita com base em uma quantia monetária a fim de tentar compensar os danos causados à vítima. Além disso, comumente também há a tentativa de se retirar todo o conteúdo online, atribuindo-se ao provedor dos serviços certa responsabilidade se houver a manutenção do conteúdo após a cientificação para a retirada. A reparação monetária faz-se difícil, uma vez que se trata de danos morais, cuja natureza torna difícil o estabelecimento de um padrão de média de quantias a título de indenização e, além disso, por se tratar também de matéria não regulada especificamente em nenhum diploma legal no Brasil. As condenações variam, podendo ser arbitrada em valores irrisórios, por exemplo, conforme demonstrado anteriormente, no total de R$ 750,00 ou, ainda, como se verá adiante, em uma quantia mais alta, como, por exemplo, R$ 75.000,00. Contudo, em que pese haja a condenação de natureza monetária, não necessariamente isso garante que haja real compensação de patrimônio violado, uma vez que ao vilipendiar o patrimônio moral e psicológico da vítima, algumas vezes, a situação acaba por alterar as perspectivas e, até mesmo, toda a vida daquela pessoa que sofreu os danos, como já ocorreu em outros casos, inclusive com suicídio como consequência mais grave. (NOELLE, 2018). Ademais, a retirada do conteúdo como forma de reparação, por se tratar da internet, acaba por ser um desafio, uma vez que o conteúdo se dissipa fácil e rapidamente quando divulgado. Com tamanha dificuldade de se especificar todos os

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locais onde pode ser encontrado o material divulgado, depois de espalhado, a vítima pode, ainda, acabar por sequer ser reparada, tendo em vista a impossibilidade de se conseguir todos os sites nos quais o conteúdo foi divulgado. 11 Além da possibilidade de indenização, alguns juízes têm adotados medidas alternativas para garantir maior efetividade de reparação, no sentido de exclusão do conteúdo, ou, ao menos, redução de incidências, “tais como multas por reiteração de conduta, tutela inibitória e retirada de danos e imagens de páginas/sites em sede de antecipação de tutela meritória.”, porém, não demonstram possuir tanta eficácia, uma vez que, conforme explicado, os dados continuam disponíveis por outros meios. (CONSALTER, 2017, p. 342).

4.1. Direito ao esquecimento

Uma alternativa para contribuir com a eficácia da proteção do patrimônio psicológico e emocional da vítima seria o direito ao esquecimento. Urge ressaltar, inicialmente, que: Quanto a este direito, antes de mais nada, é bom salientar que ele não se coaduna com a ideia de apagar fotos do passado de alguém [...] trata-se, sim, da conduta e da forma como serão aqueles utilizados/explorados no futuro, de modo a evitar que o seu titular tenha qualquer prejuízo, constrangimento, tristeza ou dissabores por fatos/atoos perpetrados em seu passado [...] (destaques no original). (CONSALTER, 2017, p. 181- 182).

O direito ao esquecimento relaciona-se diretamente como garantia almejada em casos de exposição não consensual, uma vez que, o que se busca, muitas vezes, até mais do que a própria indenização e compensação monetária, é a definitiva exclusão do conteúdo (ou, então, a proibição de sua retomada sem contexto e inadvertidamente), impossibilitando, assim, que sejam acessíveis,

11 Houve, por exemplo, caso em que o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser necessária a indicação de todos os URLs nos quais se encontram o conteúdo para, só então, haver a retirada por parte do Google®. (BRASIL. STJ. 2017).

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independentemente de qual meio utilizado. Não se trata de tarefa fácil, dada a complexidade em se encontrar e retirar todas as incidências do conteúdo, ainda assim se deve pleitear o direito ao esquecimento como base fundante da tutela ao direito à intimidade: [...] antigamente, retirava-se uma edição de jornal ou revista de circulação, um filme tinha vedada a sua reprodução no mercado, a imprensa não publicava informações sobre o assunto em questão. Hoje, pode-se pensar no mesmo princípio para impedir a reprodução desmedida de imagens, arquivos e outros via web. (CONSALTER, 2017, p. 343).

Já quanto a proibição da retomada de conteúdo de forma descontextualizada e inadvertida, apenas com o intuito de retomar fato do passado que diga respeito e seja de interesse apenas da vítima, o direito ao esquecimento mostra-se como importante fundamento justificador de um pedido desse jaez. E a “fiscalização” fica por conta da vítima, podendo ser bastante eficaz, embora trabalhosa.

5. CASO CONCRETO

Embora ainda haja certo receio de muitas vítimas em buscar reparação em casos de exposição íntima não consensual, não são raros os casos em que a vítima ou, até mesmo, pessoas próximas a ela o tentem. Em 2017 o Superior Tribunal de Justiça julgou um Agravo em Recurso Especial que trata sobre tal assunto. Impera informar que esse caso foi escolhido com base no critério da atualidade, sendo um dos mais recentes sobre o tema, além do fato de que se trata de Tribunal Superior e de que o montante da condenação tenha sido – até certo ponto – considerável. No caso em tela, a vítima teve suas fotos íntimas, nas quais aparece nua em posições sexuais, divulgadas pelo seu companheiro. Em decorrência disso, vários de seus familiares e demais pessoas de seu convívio social tiveram acesso ao conteúdo das fotos. (BRASIL, 2017).

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As fotos haviam sido obtidas, segundo relatório, de uma conversa on-line entre as partes, mediante a qual o divulgador teria capturado as imagens da webcam, ou seja, sem nem mesmo o conhecimento da vítima, tampouco seu consentimento. Explica ainda a relatora que a vítima ainda fora obrigada a submeter à criação de um perfil falso na internet, no qual foram usadas suas próprias imagens. Nesse perfil ela ainda fora tratada como se fosse “atriz de filmes pornográficos”. Por fim, as imagens da vítima foram enviadas a um site pornográfico internacional. (BRASIL, 2017, p. 3). Os danos causados à vítima foram extensos, atingindo todas as áreas de convívio, tais como familiar, profissional e social, causando-lhe, assim, imensa humilhação e vexame, denegrindo, dessa forma, sua honra e sua imagem. (BRASIL 2017). O divulgador, ex-companheiro da vítima, foi condenado, em primeira instância, a indenizar a vítima na quantia total de R$ 100.000,00, contudo, opôs embargos infringentes, os quais foram acolhidos, não unanimemente, e reduziram o quantum indenizatório para R$ 75.000,00. Não contente, o divulgador ainda tentou interpor recurso especial, porém, foi negado seguimento ao mesmo. Com base nisso, interpôs agravo, na tentativa de reduzir ainda mais o valor da condenação, que lhe restou em mera tentativa frustada, uma vez que foi negado provimento ao agravo. (BRASIL, 2017, p. 1-4). Claramente atribuiu-se, neste caso, responsabilidade de indenizar ao divulgador, contudo, conforme indicado anteriormente, havia a possibilidade, ainda, de atribuir responsabilidade ao provedor, de acordo com o Marco Civil da Internet, como é, de fato, feito em alguns casos.12 Neste caso, a quantia fixada, até o improvimento do referido agravo, atingia o valor de R$ 75.000,00. Por se tratar de danos morais, não é possível, em um primeiro momento, definir se a quantia foi suficiente para compensar a dor sofrida

12 Como em um dos casos, onde o Google® figurou como parte responsável e solidário no pagamento de R$ 10.000,00 a título de indenização. (BRASIL. STJ. 2017).

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pela vítima com a exposição, conforme demonstra Pablo Stolze (2012, p. 130), ao tentar explicar a dificuldade de se valorar o dano moral, tão difícil é valorar objetivamente o dano moral quanto, por exemplo, é difícil valorar objetivamente uma obra de arte. Contudo, há de se levar em consideração que os casos em que há a divulgação não consensual de material íntimo, diversos direitos são violados, tal como demonstrado previamente, o direito à imagem, à honra, à privacidade e à intimidade. Além disso, faz-se necessário também levar em consideração que diversos outros danos decorrem dessa ação, muitas vezes, até mesmo, levando ao suicídio da vítima.13

CONSIDERÇÕES FINAIS

Não foi intuito desta investigação efetuar uma análise crítica acerca da decisão alhures. Ela apenas foi trazida com a finalidade ilustrativa. No entanto, ela serve para demonstrar que é inegável a violação de direitos nos casos de divulgação não consensual de material íntimo. E que os reflexos e danos variam de pessoa para pessoa, tal como suas consequências jurídicas. Em que pese não haja lei específica, a exposição não consensual pode configurar crime, especialmente em casos em que figuram como parte crianças ou mulheres. Do ponto de vista do direito privado, tanto a comprovação de dano, quanto sua respectiva compensação, são tarefas difíceis, pois faz-se necessária a prova concreta para, só então, determinar-se a responsabilização. D a tarefa fica ainda mais difícil quando se faz necessário reunir todos os links que possuam o conteúdo a fim de tentar retirá-lo de circulação. O direito ao esquecimento é uma proposta,

13 Alguns exemplos: MÃE de jovem achada morta após vídeo íntimo reclama de ‘violação”. G1, 2013. Ou, ainda: BOCCHINI, 2013. 23 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1

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mas que também se mostra ainda de maneira embrionária, especialmente pela aplicação pelos Tribunais. Desse modo, a efetiva garantia dos direitos violados acaba por se tornar algo personalíssimo, sempre analisando que os dois objetivos mais queridos pelas vítimas são a compensação por meio de indenização e a retirada do conteúdo, sendo totalmente dependente do caso concreto e da situação final em casos de ações judiciais. Isso porque um determinado valor de condenação que possa ser irrisório para determinada pessoa, para outra acaba por mitigar a dor decorrente da situação, verificando-se, sempre, a proporcionalidade da condenação nos casos de compensação monetária, afinal, ao passo que o quantum indenizatório de R$ 75.000,00 possa ser discutível como suficiente, o de R$ 750,00 dificilmente será e, quase sempre, em relação à retirada do conteúdo, a vítima só estará em paz caso tenha certeza que o conteúdo esteja inacessível, o que nem sempre acontece, dadas as dificuldades de sua concretização. Contudo, há de se verificar, ainda, as situações em que a vítima sequer consegue uma mera compensação, seja por ineficácia do sistema judiciário em lhe garantir justiça ou, até mesmo, porque sequer aguentou a dor decorrente da exposição e, assim, acabou por escolher alternativa mais grave. Nesses casos, resta incontroverso que o direito não foi garantido. Porém, ressalta-se, também, que o problema que gera a revenge porn ainda não tem bases legislativas firmes no Brasil - em que pese o Direito possa compensar a dor destes casos – e que somente mudanças culturais poderão extingui-los, pois só então haverá plena empatia e, consequentemente, Justiça, pois, A justiça é uma virtude geral, “uma virtude completa; porém não em absoluto e sim em relação a nosso próximo”. É a virtude enquanto se dirige a outrem; ela “se relaciona com o nosso próximo, fazendo o que é vantajoso a um outro”. (ARISTÓTELES apud RIBAS, 2015, p. 62).

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Essas palavras, trazidas com o fito de encerrar, ao menos por ora, a discussão, servem para dizer que há inúmeros aspectos que envolvem a revenge porn e que refogem do alcance jurídico, avançando por terrenos de outro jaez. São eles de cunho social, discriminatório (seja em razão do gênero, idade etc), comportamental, emocional e tantos outros. E esses aspectos extrajurídicos, se não desenvolvidos e praticados com empatia, fazem com que as pessoas pratiquem a revenge porn ou então, em hipótese decorrente, discriminem ou condenem a vítima, potencializem os danos ao compartilhar, incentivem a prática ou a tornem motivo de chacota ou ridicularização de alguém que já está machucado em alguns de seus valores mais caros.

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Submetido em: 02/02/2018 Primeiro parecer:09/04/2018 Segundo parecer:17/05/2018 Terceiro parecer: 18/05/2018

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