PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM DIREITO

ALOISIO MASSON

A ATIVIDADE ECONÔMICA E A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS: políticas públicas e programas privados com ênfase no desporto

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2013 ALOISIO MASSON

A ATIVIDADE ECONÔMICA E A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS: políticas públicas e programas privados com ênfase no desporto

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais, na área de concentração do Direito Econômico, sob orientação do Professor Doutor Nelson Nazar.

SÃO PAULO 2013

BANCA EXAMINADORA

______

______

______

A minha amada e eterna esposa, Juliana Campedelli Masson, que com amor e doçura completa minha alma e faz bater mais forte o meu coração todos os dias, com quem terei os mais belos frutos da vida humana.

A minha mãe Rosely Contes Lopes e avó Maria Contes, que com amor, muito fizeram para tornar até os meus pequenos sonhos em realidade.

Ao Paulo Lopes e Felipe Contes, que com amor fraterno e verdadeiro me recebem como filho e irmão.

AGRADECIMENTOS

A Deus acima de tudo.

Ao Cleber Rogério Masson, verdadeiro irmão e companheiro para todos os momentos.

Ao meu pai Augustinho Masson, e irmãos Vitória Masson e Arthur Masson, por existirem.

Aos meus sogros e pais, Julieta Satiye Hirata Campedelli e Darlan Augusto Campedelli, que me permitiram alcançar o bem mais precioso, tendo me recebido com o amor familiar que somente constrói; menção especial à Zulmira “Campedelli”, um anjo que nos presenteia com sua bondade inesgotável; aos cunhados Daniella Campedelli Ozelo e Alexandre Ozelo; Alexandre Augusto Campedelli e Maria Luiza Travassos; e minha sobrinha já adulta, Bianca.

Aos primos Sonia Cristina Masson Sertório, Fábio Rodrigo de Oliveira Masson, Luiz Gustavo de Oliveira Masson, Claudenir Masson e Thiago Masson; aos queridos tios e tias, presentes ou não, por absolutamente tudo.

Aos mais que amigos Celso, Rodrigo, Helaine e Silvio Laganá de Andrade, pelo carinho e momentos sempre felizes e inesquecíveis que passamos juntos.

Aos memoráveis e fiéis amigos Rafael, Eduardo, Leandro, Maria da Penha e Geraldo Barbieri; Paulo de Tarso Bogasian e Marcel Biscuola Malagueta.

Aos amigos e companheiros do ofício jurídico diário, que colaboram na construção de um mundo mais justo por intermédio do Direito: Flavio Augusto Antunes, Álvaro Augusto de Oliveira Castello, Daniel Bedotti Serra, Eduard Topic Jr. e Felipe Amaral Salles. Menção especial ao Flavio Augusto Antunes, que nos transmite os seus conhecimentos e valores jurídicos e que, com sua esposa Maria Antunes, tem-nos uma sincera amizade e para todos os momentos. Aos amigos benevolentes e incentivadores deste trabalho, Mons. Dario Bevilacqua e Professor Osmar Stolagli, com menção especial à UNIFAI pelo apoio acadêmico; pela colaboração e presteza, à Eleni Schmiedel, Joana D’arc da Rocha e Edison Ryu Ishikura.

Ao Professor Doutor Nelson Nazar que, com empenho e sabedoria, dividiu seus lapidados conhecimentos jurídicos e tornou o caminho deste trabalho orientado mais interessante e equilibrado.

Aos Professores Doutores Cláudio Finkelstein e Roberto Senise Lisboa, pelas sábias recomendações realizadas na qualificação deste trabalho.

Aos colegas da PUC-SP, que enriqueceram o debate jurídico e clarearam as ideias para a elaboração do presente trabalho: Márcia Dinamarco e Erotilde Minharro; Alberto Junior, Ana Vastag, Bianca Kitahara, Camila Pintarelli, Carlo Mazza, Evandro Portugal, Everson Tobaruela, Fernando Gubnistsky, Moema F. Giuberti, Natalia Zambon Marques da Silva e Thiago de Carvalho Silva.

Para terminar os agradecimentos com excesso de alegria, não poderia deixar de lembrar das minhas pequenas queridas sobrinhas Anna, Laura e Giovanna, que mesmo nas horas mais malucas, com um mero sorriso, enchem-me de felicidade.

RESUMO

Com tantas mutações econômicas e sociais, incluindo os efeitos da crise mundial de 2008, surge a indagação sobre como manter a atividade econômica aquecida e, ao mesmo tempo, sustentar um nível de desenvolvimento social e regional capaz de reduzir as desigualdades. A economia e o social devem acompanhar essas alterações de forma harmônica, garantindo o direito ao desenvolvimento como elemento da própria dignidade humana. Todas essas modificações econômicas e sociais, assim como as suas consequências, sugerem a atuação do Direito Econômico no estudo da intervenção estatal na atividade econômica. É dessa forma que, fundamentado na doutrina e com base em pesquisa bibliográfica, o presente estudo tem por escopo indicar uma solução - dentre muitas possíveis - para o desenvolvimento de regiões e grupos com a consequente redução de suas desigualdades, uma vez que inseridos em uma sociedade capitalista, mas humana. Isto porque é ínsito da atividade econômica propiciar o aumento das desigualdades, embora o sistema deva equilibrar tal opressão para assegurar os direitos sociais aos cidadãos. Nessa seara de aparente colisão, verifica-se o equilíbrio do sistema constitucional brasileiro, entre a ordem econômica e a ordem social, por meio da intervenção do Estado, capaz de propiciar, de um lado, o desenvolvimento econômico e, de outro, o desenvolvimento social e regional. A intervenção estatal torna-se imperativa na implementação de políticas públicas, por isso deve induzir a iniciativa privada a organizar programas voltados ao social e à ampliação de mercados regionais, o que de fato contribuirá para efetivar os objetivos republicanos e os princípios constitucionais da ordem econômica. Dentre estas políticas públicas e programas privados que buscam reduzir as desigualdades sociais e regionais vale enfatizar aquelas relacionadas ao esporte, não somente pela inclusão social, mas também pela organização de grandes eventos desportivos, atrativos de investimentos e propulsores de obras públicas de infraestrutura as quais beneficiam toda a coletividade, fomentando ainda a economia regional em um círculo virtuoso, concretizando, portanto, a justiça social.

Palavras-chave: Desigualdades. Redução. Políticas. Desporto.

ABSTRACT

With so many economic and social changes, including the effects of the global crisis of 2008, the question arises about how to maintain economic activity and heated, while sustaining a level of social and regional development capable of reducing inequalities. The social economy and should accompany these changes in harmony, guaranteeing the right to development as an element of human dignity. All these economic and social changes, as well as its consequences, suggest the role of Economic Law in the study of state intervention in economic activity. This is how, based on doctrine and based on literature review, the scope of this study is to create a route, among many, to enable the development of regions and groups with a consequent reduction of its inequalities, once inserted into a capitalist society, but human. This is because economic activity is itself providing the increase in inequality, although the system should balance such oppression to ensure social rights to citizens. In this area of apparent collision, there is a balance of Brazilian constitutional system, between the economic and the social order, through the intervention of the state, capable of providing, on the one hand and economic development on the other, social development and regional. State intervention becomes imperative in the implementation of public policies, so it should induce the private sector to organize programs aimed at social and expansion of regional markets, which actually help to accomplish the goals Republicans and the constitutional principles of the economic order. Among these public policies and private programs that seek to reduce social and regional inequalities worth emphasizing those related to the sport, not only for social inclusion, but also for the organization of major sporting events, and attractive investment thrusters public works infrastructure which benefit whole community, promoting the regional economy still in a virtuous circle, realizing therefore social justice.

Keywords: Inequalities. Reduction. Policies. Sports.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 11

1 A ATIVIDADE ECONÔMICA E A INTERVENÇÃO ESTATAL: O CONCEITO DE DIREITO ECONÔMICO...... 17

2 A ATIVIDADE ECONÔMICA E A INTERVENÇÃO ESTATAL: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES...... 22

3 A AUTORREGULAÇÃO E AS AGÊNCIAS REGULADORAS...... 29 4 A ATIVIDADE ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: DE 1824 A 1988...... 38

5 OS PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS COMO OBJETIVO DA REPÚBLICA: DIRETRIZES ESTRUTURANTES INTEGRATIVAS...... 53 5.1 Princípio da Soberania Nacional (Artigo 170, inciso I)...... 59 5.2 Princípio da Propriedade Privada (Artigo 170, inciso II)...... 61 5.3 Princípio da Função Social da Propriedade (Artigo 170, inciso III)...... 62 5.4 Princípio da Livre Concorrência (Artigo 170, inciso IV)...... 63 5.5 Princípio da Defesa do Consumidor (Artigo 170, inciso V)...... 64 5.6 Princípio da Defesa do Meio Ambiente (Artigo 170, inciso VI)...... 70 5.7 Princípio da Busca do Pleno Emprego (Artigo 170, inciso VIII)...... 74 5.8 Princípio do Tratamento Favorecido às Empresas Brasileiras de Pequeno Porte (Artigo 170, inciso IX)...... 76

6 A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO ECONÔMICO...... 79

7 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO...... 87 7.1 Direito ao Desenvolvimento Nacional: Econômico e Social...... 94 7.2 Direito ao Desenvolvimento no Plano Internacional...... 101

8 O EQUILÍBRIO DO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO: A HARMONIZAÇÃO ENTRE A ORDEM SOCIAL E A ORDEM ECONÔMICA...... 114

9 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS DA INICIATIVA PRIVADA NO ÂMBITO DESPORTIVO: UMA FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ECONÔMICO DA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS...... 119 9.1 Políticas de Estado e Políticas de Governo...... 124 9.2 Programas da Iniciativa Privada...... 132 9.3 O Desporto como instrumento de redução das desigualdades sociais e regionais...... 135 9.4 O Futebol como instrumento de inclusão social...... 145 9.5 Os Eventos Desportivos como instrumentos de redução das desigualdades sociais e regionais...... 154 9.6 A Arena Desportiva do Sport Clube Corinthians Paulista como instrumento de redução das desigualdades regionais municipais...... 163

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 179

11

INTRODUÇÃO

O presente estudo possui como objetivo a busca de uma solução para a redução das desigualdades sociais e regionais por meio da intervenção estatal na atividade econômica, com a utilização de políticas públicas e programas privados induzidos, sobretudo no campo do desporto, concretizando o equilíbrio do sistema econômico-social constitucional.

Hodiernamente, em razão da crise econômica mundial de 2008, que resultou em recessão econômica com repercussão social negativa, torna-se necessária a implementação de políticas públicas e programas privados induzidos, até então bastante tímidos, a fim de que seja possível o exercício do direito ao desenvolvimento de regiões e grupos para reduzir suas desigualdades e retomar seu crescimento econômico.

Ressalte-se que a intervenção estatal na relação entre o Estado e a sociedade é inevitável para que a riqueza gerada pela atividade econômica desenvolvida seja redistribuída de forma mais ampla e adequada.

Tal experiência já foi vivenciada com a crise mundial de 1929, quando foi necessária a ruptura com o pensamento baseado exclusivamente nos direitos e deveres individuais consagrados pela Revolução Francesa de 1789 e explorados ao extremo pela Revolução Industrial, porquanto esses direitos não correspondiam mais às necessidades sociais da população, exigindo instrumentos para reequilibrar a atividade econômica e a justiça social.

Nesse sentido, diante da dinâmica dos acontecimentos e das consequências econômicas e sociais, e da necessária intervenção estatal na atividade econômica, faz-se essencial também a aplicação do Direito Econômico em todo esse imperativo processo de políticas públicas com intuitos econômicos e sociais, que permitirá um desenvolvimento sustentável, isto é, maior circulação de riquezas com justiça social. Assim, é forçosa a investigação científica do conceito de Direito Econômico por meio de uma detida análise da atividade econômica e do intervencionismo 12

estatal, bem como da sua inserção histórica nas Constituições Brasileiras, de 1824 a 1988.

Os dispositivos constitucionais relacionados ao Direito Econômico sofreram grande evolução desde 1824, até que em 1988 a Constituição Federal promulgada e vigente especificou expressamente os seus princípios estruturantes, em plena interação com o objetivo republicano da redução das desigualdades sociais e regionais e com o plano de desenvolvimento nacional.

Esses comandos constitucionais estruturantes da ordem econômica têm função integrativa com os demais dispositivos contidos no Texto Constitucional vigente, inclusive em relação ao objetivo de reduzir as desigualdades sociais e regionais. Eles oferecem os alicerces necessários para surgirem normas harmoniosas com o ordenamento jurídico brasileiro, assim como positivam a implementação de políticas públicas e políticas econômicas de indução aos programas privados.

Nesse diapasão, com a função integrativa que possuem os princípios constitucionais econômicos, inclusive em relação à redução das desigualdades sociais e regionais enquanto objetivo republicano, a intervenção estatal mediada por políticas públicas e programas privados por indução torna-se inevitável para que seja possível o efetivo equilíbrio constitucional antes aludido.

Essa intervenção estatal, com a implementação de políticas públicas e indução de programas privados, viabiliza a compatibilização de fato entre a ordem econômica e a ordem social, até diante de sua premissa, a qual está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurando a todos uma existência digna, conforme os fundamentos da justiça social.

Ademais, somente com o efetivo equilíbrio entre a atividade econômica e a redução das desigualdades sociais e regionais poderá ser observado o concreto exercício da soberania nacional, que a despeito de um eventual menor desenvolvimento interno, poderia o país sofrer inegáveis interferências políticas e econômicas de outras nações.

13

Por sua vez, como forma de pleno desenvolvimento da atividade econômica, a estrutura da ordem econômica protege a propriedade privada, desde que observada a sua função social, de modo a gerar riquezas e permitir a circulação de capital, sempre com o respeito constitucional aos direitos sociais, tratando-se de uma interrelação que também viabiliza o objetivo republicano de reduzir as desigualdades sociais e regionais, eis que esta circulação de riquezas aumenta o número de postos de trabalhos diretos e indiretos.

Soma-se a isso a livre concorrência preconizada pela dinâmica econômica constitucional, que propicia maior competitividade entre os agentes da economia, o que resulta em uma oferta ampla de produtos e, por conseguinte, a redução de preços com o aumento de sua qualidade. Assim, o respectivo mercado se torna acessível às diferentes classes sociais e regiões do país.

De outra sorte, ao inserir a defesa do consumidor e do meio ambiente como princípios da atividade econômica, a Constituição Federal de 1988 tratou de harmonizar a livre iniciativa com as tutelas da coletividade, pois o consumismo e a exploração ambiental aumentaram de forma exponencial em função do exercício da atividade econômica, tornando-se necessárias a criação de órgãos e instrumentos normativos de defesa do consumidor e do meio ambiente.

Desse modo, na compatibilização entre as ordens constitucionais, econômica e social, é essencial garantir a busca do pleno emprego, o que enseja aos cidadãos a oportunidade de obter trabalho e exercer o seu desenvolvimento social e de renda em uma vida digna, propiciando a impulsão da própria atividade econômica e da redução das desigualdades sociais e regionais, conforme já estabeleceu o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial para 2013 elaborado pelo Banco Mundial. É um círculo virtuoso.

Por isso, também é importante o tratamento diferenciado das empresas brasileiras de pequeno porte em sede de princípio constitucional, na medida em que torna possível a regularização e a formalização da atividade econômica explorada, gerando maior arrecadação de tributos e, principalmente, novos postos formais de

14

trabalho, os quais resultam no exercício efetivo dos direitos sociais, até então inexistentes em razão da informalidade.

Todos esses comandos constitucionais econômicos levam ao objetivo republicano da redução das desigualdades sociais e regionais que, do mesmo modo, é um princípio da ordem econômica e traz a harmonia entre a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, em uma sociedade capitalista e humana.

E, nesta lógica, o princípio constitucional econômico da redução das desigualdades sociais demonstra que, para concretizá-lo, é preciso um desenvolvimento econômico sustentável, utilizando-se dos instrumentos jurídicos – positivados – para a aplicação de políticas públicas capazes de alcançar o equilíbrio preconizado pelo sistema e pelos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, sendo importantes, ainda, os programas implementados pela iniciativa privada a partir da indução estatal, em sentido à cooperação.

Da mesma forma, a redução das desigualdades sociais e regionais, enquanto objetivo republicano ou princípio da atividade econômica, deve ser analisada com foco no direito ao desenvolvimento, porquanto a obrigação estatal de seguir as normas constitucionais programáticas relaciona-se diretamente com o direito fundamental da pessoa humana e com as diretrizes para um planejamento de desenvolvimento nacional equilibrado, incluindo uma detida análise do direito ao desenvolvimento no plano internacional e das políticas sociais e econômicas internacionais, tendo em vista o fenômeno da mundialização e da cooperação entre Estados-Nações, o capital privado e a sociedade.

O direito ao desenvolvimento e a necessidade de se reduzir as desigualdades sociais e regionais possuem um aparente campo de repulsão pela atividade econômica, cuja exploração propicia o aumento das desigualdades, podendo causar um descompasso entre a ordem econômica e a ordem social no sistema constitucional brasileiro.

Na verdade, demonstra-se pela contraposição entre a ordem econômica e a ordem social que não há uma sobreposição sistêmica entre elas, mas um equilíbrio,

15

e, quando de alguma forma, no mundo fático, ocorre preponderância de uma pela outra, o Estado deve intervir para reequilibrar essas ordens, mediante políticas públicas e programas privados induzidos, como maneira de oferecer aos cidadãos e às regiões um desenvolvimento pleno e sustentável.

São muitas as possibilidades de implementação de políticas públicas ou programas privados que visam ao incentivo de determinada atividade econômica e de redução da miserabilidade individual ou de determinada região, seja com o intuito de um maior desenvolvimento, seja como parte de um planejamento adotado pelo Poder Público em razão de seus estudos e interesses.

No campo da intervenção estatal que busca reduzir as desigualdades sociais e regionais por meio da implementação de políticas públicas e da indução da iniciativa privada na organização de programas voltados à justiça social e à ampliação de mercados regionais, vale ressaltar aqueles relacionados ao desporto. O desporto é um importante instrumento para a inclusão social de indivíduos ou grupos, com inegável repercussão econômica, sendo que a modalidade do futebol possui lugar cativo neste âmbito. Igualmente, a organização de grandes eventos desportivos traz benefícios regionais de infraestrutura com reflexos positivos para toda a coletividade, assim como benefícios econômicos e sociais que fomentam a economia regional de forma sustentável, com circulação de riquezas e desenvolvimento de postos de trabalho diretos e indiretos.

Assim, o desporto é um importante instrumento a ser utilizado como objeto de políticas públicas e programas privados induzidos pelo Estado para a solução da redução das desigualdades sociais com a inclusão social, bem como na realização de grandes eventos para a redução das desigualdades regionais.

E, sendo o desporto um instrumento redutor das desigualdades sociais e regionais, devem ser implementadas as políticas públicas e criados programas privados também no âmbito dos Estados e Municípios.

Nesse contexto, o Município da Prefeitura de São Paulo é um importante exemplo, pois implementou políticas públicas e incentivos à iniciativa privada

16

relativos ao desporto para sediar a abertura da Copa do Mundo de 2014 e um dos oito grupos do evento, cuja arena desportiva e toda a estrutura pública e privada que a rodeia está em construção na parte mais periférica da Zona Leste, até então degradada e esquecida pelas autoridades locais e que, desde o anúncio e início de sua construção, passa por uma grande alteração econômica e social, com pretensões de sustentabilidade e redução das diferenças existentes em face das outras regiões municipais.

Apontada a importância do presente estudo no contexto contemporâneo da realidade política, social e econômica, tanto nacional quanto internacional, esperam- se ainda repercussões futuras deste trabalho para se concretizar a redução das desigualdades regionais e sociais, com a aplicação do direito ao desenvolvimento, mediante a utilização dos instrumentos jurídicos positivados, de políticas públicas e de programas da iniciativa privada induzidas pela intervenção estatal para os diversos segmentos, tais como educação, cultura, cursos profissionalizantes, empresas de pequeno porte, meio ambiente.

Portanto, tendo o presente estudo utilizado o método dedutivo, com base na pesquisa doutrinária, possibilitando o processo de conhecimento provocado pela problemática proposta, permite-se indicar a necessidade da atuação do Estado na implementação de políticas públicas, bem como na indução de programas privados, inclusive calcadas no desporto, com o fito de reduzir as desigualdades sociais e regionais e compatibilizar efetivamente os comandos constitucionais da ordem econômica com a ordem social.

17

1 A ATIVIDADE ECONÔMICA E A INTERVENÇÃO ESTATAL: O CONCEITO DE DIREITO ECONÔMICO

A dinâmica do sistema econômico e das necessidades sociais requer a sua instrumentalização por normas jurídicas, pelo Direito Econômico, para a aplicação de políticas tendentes a equilibrá-las.

Não obstante seja um ramo autônomo1 da Ciência do Direito, conclusão que se abstrai do disposto no artigo 24, inciso I, da Constituição Federal de 19882, bem como do “Título VII” (“Da Ordem Econômica e Financeira”) da mesma Carta, o Direito Econômico possui inegável peculiaridade, qual seja, estar presente em outros ramos do Direito3 por intermédio das normas jurídicas que lhes são afetas, sobretudo pelo caráter de instrumentalizar as políticas com repercussões econômicas.

Nesse sentido, Fábio Nusdeo4 assevera:

[...] que tanto essa característica das normas de Direito Econômico é importante e saliente que um autor italiano, Finzi, o vê sinteticamente como „un taglio trasversale sull‟albero del Diritto‟, isto é, um corte transversal na árvore do Direito, como que seccionando os seus vários ramos para matizá-los como um colorido diverso, uma marca especial que antes não ostentava. Ele é, assim, um ramo intromissor com relação aos demais, mas não estranho à árvore, porque sai diretamente do tronco constitucional, precisamente da chamada Constituição Econômica acima referida. Um outro autor, este francês, Jeantet, usa uma imagem análoga, vendo as suas manifestações de permeio a todo o ordenamento jurídico como algo semelhante às correntes marítimas no meio dos oceanos. É, em suma, um Direito de sobreposição ou de interposição, por se sobrepor a outros ramos jurídicos na regulação de determinadas relações sociais.

1 Segundo Geraldo Ataliba, o Direito é uno e indivisível, mas didaticamente faz-se necessária a divisão em ramos para conhecê-lo como um todo (In: Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 1997). 2 ―Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...).‖ 3 Esta é uma característica do Direito atual, que preza o dinamismo da interdisciplinaridade. 4 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 6ª ed., rev. e atual. São Paulo: RT, 2010, p. 207.

18

Nos ensinamentos de Eros Roberto Grau:

[...] pensar Direito Econômico é pensar o Direito como um nível do todo social – nível da realidade, pois – como mediação específica e necessária das relações econômicas. Pensar Direito Econômico, é optar pela adoção de um modelo de interpretação essencialmente teleológica, funcional, que instrumentará toda a interpretação jurídica, no sentido de que conforma a interpretação de todo o Direito. É compreender que a realidade jurídica não se resume ao Direito formal. É concebê-lo – o Direito Econômico – como um novo método de análise, substancial e crítica, que o transforma não em Direito de síntese, mas em sincretismo metodológico.5

Para Nelson Nazar, ―o Direito Econômico é um ramo moderno da ciência do direito, que tem um método próprio. Este visa a conhecer aquilo que, lato sensu, chama-se de Intervenção do Estado no Domínio Econômico‖.6

A doutrina francesa leciona o Direito Econômico, na lição de André de Laubadère7 como o Direito aplicável às intervenções das pessoas públicas na economia e aos órgãos dessas intervenções.

Nas palavras de Fabiano Del Masso, o Direito Econômico é “a reunião das normas que regulam a estrutura (Ordem Econômica) e as relações entre os agentes econômicos na realização da atividade econômica”.8

Segundo Fernando Herren Aguillar, o interesse público deve ser o objetivo da intervenção do Estado na atividade econômica:

O prisma analítico da evolução histórica do Direito Econômico brasileiro será o do interesse público (interesse do Estado). É o interesse público que determina o grau de concentração regulatória no controle da economia pelo Estado.

5 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012, pp. 147-148. 6 NAZAR, Nelson. Direito Econômico. 2ª ed., rev., ampl. e atual. Bauru – SP: Edipro, 2009, p. 26. 7 LAUBADÈRE, André de. Droit Public Économique. Paris: Jurisprudence Generale Dalloz, 1979. Tradução e notas de Maria Teresa Costa, Revista por Evaristo Mendes. Direito Público Econômico (Título nos países de língua portuguesa). Coimbra: Almedina. 1985, pp. 25-27 Apud FIGUEIREDO, Leonardo Vizeo. Lições de Direito Econômico. 5ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 08. 8 MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 08.

19

O grau de concentração regulatória revela a confiança maior ou menor do Estado em que os interesses públicos serão alcançados mediante outorga de liberdade à iniciativa privada.9

Ressalte-se que o Estado influencia as relações socioeconômicas em virtude de situações relacionadas à micro e macroeconomia, que hoje possuem grande dinâmica e, por isso, a intervenção na atividade econômica, por vezes, sofre influência de ordem política. Daí a necessidade, muitas vezes, da produção de normas pelo próprio Executivo, que deverá observar a Carta Constitucional10, de modo a concretizar políticas de efetivo equilíbrio entre a economia e o social.

Nesse ponto, vale frisar que o Estado intervencionista se utiliza da política de intervenção para coibir o abuso do liberalismo de mercado. John Maynard Keynes11 influenciou este modelo assegurando que as políticas públicas de governo ligadas a fatores gerais macroeconômicos influenciam de forma preponderante o desenvolvimento socioeconômico e o nível de emprego.

Isto porque os processos naturais e autorregulados do equilíbrio da economia são ilusórios, devendo ser suplementados pela ação e estímulo do Estado.12

Por isso, Roberto Dromi enfatiza que:

[…] El Estado contemporáneo debe ser orientador en el sentido de ejercer la conducción política de la sociedad para lograr el bien común, fiscalizador para compatibilizar y armonizar los derechos en pro de la convivencia social, protector para amparar y defender los derechos e intereses de la comunidad, y regulador ajustando el desenvolvimiento de los grupos sociales a principios y reglas ordenadoras. […] Así, la libertad económica no obsta a que sea deber del Estado intervenir para crear condiciones que aseguren oportunidades de trabajo, controlando aquellos factores que distorsionan el mercado, a

9 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82. 10 Em muitas oportunidades O Poder Executivo peca pelo uso inadequado das medidas provisórias,uma vez que não observa os pressupostos cumulativos da urgência e relevância. 11 KEYNES, John Maynard. Economia. (org. Tamás Szmrecsányi) (coord. Florestan Fernandes) Tradução: Miriam Moreira Leite. São Paulo: Ática, 1978. 12 FEIJÓ, Ricardo. História do pensamento econômico: de Lao Zi a Robert Lucas. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

20

través de prácticas colusivas o por el abuso de una situación dominante, o como dijimos antes, para crear oportunidades de acceso al mercado, sobre todo cuando existen estructuras económicas incipientes o que procuran emerger de profundos procesos de reestructuración.13

A intervenção na atividade econômica também pode ser efetivada por políticas assistencialistas a fim de suprir as necessidades dos hipossuficientes, o que define o Estado como intervencionista social. Ressalte-se que esta forma de intervenção tem sua origem na histórica Constituição do México de 191714 e na Carta de Weimar de 191915.

Hoje, diante das consequências da grande crise econômica mundial originada em 2008, são indissociáveis as intervenções econômicas e sociais, uma vez que não há como se falar em desenvolvimento, sobretudo sustentável, sem que a economia e o social caminhem juntos, por isso a necessidade de políticas econômicas e sociais assertivas, a fim de que resultem na redução das desigualdades sociais e regionais e, consequentemente, em uma sociedade mais justa, conforme os fundamentos e objetivos republicanos16 consagrados constitucionalmente, para garantir a dignidade da pessoa humana.

13 DROMI, Roberto. Competencia y Monopolio - Argentina, Mercosur Y OMC Bueno Aires - Madrid: Ciudad Argentina, 1999, p. 31. 14 A Constituição Mexicana promulgada em 1917 ainda está vigente, mas com diversas alterações em relação à sua redação original. Esta foi a primeira Constituição a incluir amplamente os direitos sociais. 15 A Carta de Weimar de 1919 foi a Constituição do Império Alemão que vigeu até 1933. Essa Constituição consagrou direitos sociais, de 2ª geração/dimensão (relativos às relações de produção e de trabalho, à educação, à cultura, à previdência), dando notória supremacia à justiça social, dignidade da pessoa humana e coletividade, abandonando a concepção individualista própria do liberalismo. 16 ―Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. (...) Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.‖

21

Dessa forma, conclui-se que o Direito Econômico é o ramo da Ciência do Direito que estrutura as normas de intervenção do Estado em face da atividade econômica, conforme as diretrizes da ordem econômica, em harmonização com a ordem social, concretizando o equilíbrio do sistema constitucional.

22

2 A ATIVIDADE ECONÔMICA E A INTERVENÇÃO ESTATAL: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES

Historicamente, a evolução da atividade econômica está diretamente ligada à própria evolução do Homem. É evidente, contudo, que atualmente as relações comerciais são muito mais complexas em comparação à época do escambo e mesmo do início da Revolução Industrial.

Vale lembrar que a Revolução Industrial do século XVIII ganhou grande destaque na evolução da atividade econômica e do próprio consumo, pois foi em razão dela que se aumentou a produção industrial, sendo necessária a comercialização e distribuição dessas mercadorias produzidas em larga escala.

Já no século XIX, as revoltas proletárias trouxeram com nitidez a busca de maior isonomia jurídico-social entre empregadores e assalariados, todavia, sem que a política liberal preconizada por Adam Smith17 se afastasse da atividade econômica. Tal sistema impulsionou o desenvolvimento da economia de massas, verificada de forma mais vigorosa a partir da metade do século XX, em vista da grande oferta de bens colocada à disposição da sociedade, manifestando daí por diante a busca do equilíbrio entre consumidores e fornecedores de produtos, ou serviços em uma nova realidade socioeconômica.

17 Adam Smith (1723-1790), economista escocês, tratou de explicar o movimento da economia liberal (liberalismo): ―quando uma pessoa busca o melhor para si, toda a sociedade é beneficiada‖. Assim, os empregados trabalham bem para poder garantir seu salário e emprego. Já os capitalistas são individualistas e só pensam em seus lucros. Todavia, para lucrar é preciso maximizar a circulação das mercadorias de tal forma que os produtos sejam bons e baratos, o que beneficia toda a sociedade. Logo, o individualismo é bom para toda a sociedade, ou seja, as pessoas devem atender livremente a seus interesses individuais. E, para Smith, o Estado não tinha espaço no mercado, pois era quem atrapalhava a liberdade dos indivíduos. O mercado, então, deveria regular o próprio mercado, isto é, o Estado deveria intervir o mínimo possível sobre a economia. Nesse sentido, com um mercado livre das intervenções estatais, a economia cresceria com vigor. O ideal seria cada empresário fazer o que bem entendesse com o seu capital, sem ter que obedecer a nenhum regulamento criado pelo governo, com investimentos e comércio totalmente liberados. Sem a intervenção do Estado, o mercado funcionaria automaticamente, como se houvesse uma mão invisível conduzindo tudo, com um progresso de forma harmoniosa, baseado na liberdade individual jungido ao capitalismo.

23

Como resultado de uma sociedade pós-industrial,1819 a humanidade experimenta com maior intensidade20 o fenômeno da globalização21 e, nesse contexto, tem sofrido com as consequências das mais diversas alterações22. E a globalização econômica é "a expansão mundial da produção industrial e de novas tecnologias promovida pela mobilidade irrestrita do capital e a total liberdade do comércio"23, conforme definiu John Gray.

Luiz Carlos Bresser-Pereira faz curiosa observação, pela qual “a globalização é o estágio do capitalismo em que, pela primeira vez, os Estados- nações cobrem todo o globo terrestre e competem economicamente entre si através de suas empresas”24.

Então, o Estado surge como agente de serviços públicos e como agente econômico integrativo do mercado próprio da iniciativa privada. Dessa forma, o Estado também gerou e continua gerando consequências neste mercado e para a sociedade em geral.

18 Domenico De Masi cita Daniel Bell como um dos primeiros a utilizar a expressão sociedade pós- industrial: ―fixa em 1956 a data do nascimento da sociedade pós-industrial, ano em que, pela primeira vez nos Estados Unidos, os trabalhadores da área administrativa superaram em termos numéricos os da área da produção‖ (In: DE MASI, Domenico - organizador. A Sociedade Pós-Industrial. 3ª ed. São Paulo: SENAC São Paulo, 2000, p. 35). 19 Domenico De Masi menciona cinco aspectos que determinam a sociedade pós-industrial: ―1) a passagem da produção de bens para a economia de serviços; 2) a preeminência da classe dos profissionais e dos técnicos; 3) o caráter central do saber teórico, gerador da inovação e das idéias diretivas nas quais a coletividade se inspira; 4) a gestão do desenvolvimento técnico e o controle normativo da tecnologia; 5) a criação de uma nova tecnologia intelectual‖ (In: DE MASI, Domenico. Op. cit., p. 33). 20 A globalização existe desde os primórdios da existência humana, conforme salientou o Professor Doutor Nelson Nazar, em discussão realizada na Pós Graduação stricto sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 02.09.2010. 21 ―Os sociólogos usam o termo globalização para referirem-se àqueles processos que estão intensificando as relações e a interdependência sociais globais. É um fenômeno social com vastas implicações (...) que nossas ações têm conseqüências para outros e que os problemas do mundo têm conseqüências para nós‖ (In: GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, pp. 51-74). 22 Tais exigências causam efeitos diversos na humanidade, sobretudo quanto à degradação do meio ambiente em sentido lato, resultando, por exemplo, na mudança dos padrões climáticos e urbanização inadequada. 23 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito. Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 139. 24 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (org.). Nação, Câmbio e Desenvolvimento. São Paulo: FGV, 2008, p. 70.

24

Diante desta atuação do Estado na economia como agente econômico, em campo desenvolvido pela iniciativa privada, Eros Roberto Grau25 classifica a atividade econômica em sentido amplo ou sentido estrito.

A atividade econômica em sentido amplo (gênero), segundo esta classificação, engloba o serviço público (espécie) e a atividade econômica em sentido estrito (espécie). Nesse contexto, o serviço público é um tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público, mas que pode ser objeto de concessão26 ou permissão27, e está voltada a satisfazer as necessidades do interesse social. A atividade econômica em sentido estrito, por sua vez, é aquela advinda da exploração do próprio mercado, seja pela iniciativa privada, seja pelo Estado enquanto agente econômico autorizado constitucionalmente para atender ao relevante interesse coletivo28.

Esta situação de desenvolvimento da atividade econômica com a necessária intervenção estatal decorre da própria estrutura econômica histórica do Brasil, assim destacado por Calixto Salomão Filho:

[...] A estrutura econômica do país foi historicamente construída a partir do poder econômico externo, que de início se sobrepõe ao próprio poder estatal interno. Essa sobreposição do poder econômico estrangeiro, de origem estatal e não estatal, ao poder governamental interno é, de resto, característica imanente à exploração colonial. Basta lembrar, por exemplo, que a forma básica da exploração do

25 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 99. 26 Para Márcio Fernando Elias Rosa, ao tratar da concessão dos serviços público, define que são aqueles ―(...) delegados a pessoas jurídicas de direito privado, por contrato administrativo, que os executam em seu nome, conta e risco. A prática administrativa, porém, registra hipóteses de concessão de serviços públicos a pessoas jurídicas de direito público (autarquias e fundações), que recebem o nome de concessão legal de serviços públicos. Em qualquer hipótese, diga-se, a titularidade do serviço continuará em mãos do Poder Público. A transferência da titularidade do serviço somente se opera nas hipóteses de outorga ou transferência em decorrência de lei‖, valendo observar, também, o instituto da parceria público-privada, instrumento conceituado como ―contrato administrativo de concessão de obras ou de serviços que permite a realização de investimentos públicos e privados, sem prejuízo da instituição de remuneração a ser paga pelos usuários‖ (In: Direito Administrativo. 2ª ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 89-90 e 96-97). 27 A permissão de serviços públicos, para Márcio Fernando Elias Rosa, ―(...) tecnicamente, corresponde a ato administrativo, unilateral, portanto, discricionário, precário ou sem prazo determinado, pelo qual o Poder Público transfere ao particular a execução e responsabilidade de serviço público, mediante remuneração (preço público ou tarifa) paga pelos usuários‖ (In: Op. cit., pp. 94-95). 28 ―Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.‖

25

Brasil-Colônia era o monopólio da metrópole para o fornecimento dos produtos de consumo.29

E, justamente pela relevância da atividade econômica – em sentido amplo - para o desenvolvimento interno, seja pela ótica econômica, seja pela visão social, a Constituição de 1988 tratou de impor as diretrizes a serem seguidas pelos agentes econômicos, descritas no artigo 170, caput, incisos de I a IX e no seu parágrafo único30. Essas diretrizes serão mais adiante especificadas, mas desde já crave-se serem princípios fundamentais, dos quais a atividade econômica não pode se afastar, visto que são estruturantes de toda a ordem econômica constitucional.

Assim, conclui-se que a atividade econômica é um evento dinâmico realizado pela iniciativa privada ou eventualmente pelo Estado, cuja finalidade é gerar riquezas internas, observando a ordem econômica constitucional e compatibilizando-se com os interesses sociais.

Por outro lado, diga-se que a competitividade imposta pelo processo de globalização exigiu a implementação de atividades econômicas muitas vezes incompatíveis com as necessidades sociais; expansão regional e dinâmica da natureza, e, em razão do próprio desenvolvimento econômico, a necessidade da intervenção estatal para reequilibrar essas incompatibilidades.

29 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial. As estruturas. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 61. 30 ―Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.‖

26

O Estado é, portanto, o agente normativo e regulador da atividade econômica, e como tal deve fiscalizá-la, incentivá-la e planejá-la31. É o caráter interventor do Estado que propicia desenvolvimento econômico sem dissociá-lo da justiça social e da dignidade da pessoa humana.

Antes de apresentar as formas de intervenção, é importante aduzir que o termo intervenção significa atuar na seara alheia; nesse contexto, na seara da atividade econômica.32

A intervenção do Estado na atividade econômica é classificada pela doutrina de diversas formas, em razão de seu vasto repertório de instrumentos. Em classificação mais ampla, diz-se que a intervenção estatal será direta quando exercer a atividade econômica na condição de empresa pública ou de sociedade de economia mista; será indireta pela regulação da atividade econômica explorada pela iniciativa privada.

Ao definir as empresas públicas, Hely Lopes Meirelles o faz da seguinte forma:

[...] são pessoas jurídicas de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial.33

Celso Antônio Bandeira de Mello, em relação à sociedade de economia mista, ensina que:

[...] há de ser entendida como a pessoa jurídica criada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto

31 ―Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.‖ 32 GRAU, Eros Roberto. Op. cit. 33 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 339.

27

pertençam em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular.34

No campo da intervenção estatal indireta, em virtude da transferência para o setor privado da execução dos serviços públicos, tem-se na regulação pelo Estado o controle e a fiscalização desses serviços, e que será melhor analisada mais adiante em conjunto com a autorregulação. Entretanto, vale mencionar antecipadamente as palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao aduzir que a intervenção indireta:

[...] Tem como expressão clara, outrossim, a fiscalização da atuação dos agentes econômicos que pode redundar em verdadeiras intervenções, como as que sancionam os chamados abusos de poder econômico, monopolizações, cartelizações, etc.35

Ainda no que tange às modalidades de intervenção estatal na atividade econômica, Fábio Nusdeo36 menciona a classificação criada por Eros Roberto Grau, consubstanciada na direção, absorção, participação e indução.

A direção é a atuação estatal na aplicação de instrumentos normativos para dar uma diretriz de conduta aos agentes econômicos públicos e privados.

Já a absorção ocorre na atuação estatal em regime de monopólio, isto é, quando o Estado explora determinada atividade econômica de forma exclusiva. A participação, por sua vez, é a atuação estatal na divisão do mercado como agente econômico, na mesma condição que os particulares; ou, na exploração de serviço público em parceria com os sujeitos privados.

Por fim, a indução é a atuação estatal com a finalidade de induzir o mercado a certo comportamento, utilizando-se para tanto de incentivos fiscais ou fácil acesso ao crédito para estimular um setor econômico; ou aplicar alíquotas mais elevadas de certos tributos para desestimular determinados setores.

34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 10ª ed. ver., atual. e amp. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 114. 35 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. A Constituição ―Econômica‖ de 1988. (In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro - coordenadores. A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011, p. 90). 36 NUSDEO, Fábio. Op. cit., p. 197.

28

Nas lições de Diogo de Figueiredo Moreira Neto37, o Estado intervém no domínio econômico pela intervenção regulatória, concorrencial, monopolista e sancionatória.

Será regulatória a intervenção estatal que normatizar genericamente a ordem econômica, como forma de discipliná-la.

Concorrencial é a intervenção que permite ao Estado explorar a atividade econômica da mesma forma que um particular, nos termos autorizados pela Constituição Federal.

Já a intervenção monopolista é aquela que traduz o exercício de determinada atividade econômica pelo Estado de forma exclusiva.

Finalmente, sancionatória é a intervenção estatal consoante com o seu poder de polícia que reprime e pune o abuso do poder econômico.

Haja vista suas diversas classificações, então, denomina-se intervenção estatal na atividade econômica a atuação do Estado como agente econômico na forma de monopólio, de parceria ou empresária, bem como na condição de agente normativo e regulador do mercado, reprimindo o abuso do poder econômico e implementando políticas públicas de cunho econômico, gerais ou setoriais, bem como na forma de indução do mercado, tudo com o fito de incentivar e planejar um desenvolvimento econômico equilibrado com a justiça social.

37 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. A alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas do estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

29

3 A AUTORREGULAÇÃO E AS AGÊNCIAS REGULADORAS

No sentido de se equilibrar a dinâmica do desenvolvimento econômico do mercado com a eficiência e a transparência imperativas, concretizando a redução do monopólio, a repressão do abuso econômico e do aumento arbitrário dos lucros, os agentes econômicos que exercem a atividade econômica e recebem por vezes a intervenção estatal de diversas formas, conforme alhures explicitado, necessitam de uma autorregulação em conjunto com a regulação deste mesmo mercado.

A autorregulação da atividade econômica por entidades como a BOVESPA busca harmonizar a eficácia da atividade econômica com as medidas necessárias para o desenvolvimento sustentável do respectivo setor.

A implantação de mecanismos de produção de normas, fiscalização e transparência como a governança corporativa, conselhos de administração independentes e canais de comunicação entre os agentes econômicos e as suas entidades de representação apresentam-se nesse cenário como importantes medidas de autorregulação e maximização da ética empresarial, ocasionando a confiança necessária do mercado para o amplo exercício da atividade econômica e com recebimento de maiores investimentos.

No contexto acima apresentado, tem-se que a autorregulação é uma forma de regulação não estatal, de formação coletiva, por intermédio de instituições ou associações privadas, com o intuito de lucro ou não, com poderes de normatização e fiscalização de competência dos agentes de um determinado segmento da economia em relação às suas próprias atividades, objetivando a transparência corporativa com padrões éticos elevados e com observância da legalidade.

Assim, esta autorregulação propiciará o dinamismo do mercado, pautado pela garantia e solidez de seus agentes econômicos, com estabilidade financeira,

30

inovação e desenvolvimento econômico, permitindo maior eficiência e transparência.38

Aqui, em breve parêntese, tem-se também o exemplo das Federações e Confederações desportivas, que possuem autonomia de se autorregulamentarem, organizando, normatizando e fiscalizando os seus integrantes, observada a legislação de regência e as decisões próprias da justiça desportiva, necessitando amadurecer, ainda, métodos de controle e de transparência na administração destas entidades. Inclusive, na Europa, já se discute alguma forma de regulação da atividade desportiva, sobretudo em virtude da manipulação de resultados para o favorecimento de apostadores privilegiados.

A autorregulação do mercado, sozinha, não é capaz de introduzir os meios suficientes para alcançar o desenvolvimento desejado pela dinâmica do mercado, tampouco de compatibilizar as diretrizes da ordem econômica com a ordem social, sendo que o Estado, hoje, deve garantir a segurança jurídica e a credibilidade do sistema, sobretudo sob a forma de intervenção como meio de equilibrar o mercado, conforme os ditames constitucionais.

Leila Cuéllar leciona nesse sentido:

É notório que o mercado não é capaz de atingir o equilíbrio estando totalmente livre, fato que demonstra a necessidade de regulação de determinadas atividades econômicas. Logo, a alteração da intervenção estatal na economia, com a consequente concessão de prestígio à iniciativa privada, em muitas ocasiões é acompanhada da valorização de mecanismos de regulação por intermédio de autoridades reguladoras independentes. A crise do modelo de organização administrativa tradicional, a necessidade de regulação de setores econômicos importantes (telecomunicações, energia elétrica, transportes etc.), a busca pela neutralidade política e a necessidade de isolar determinados interesses públicos são alguns dos fundamentos para o fortalecimento da regulação independente.39

38 WALD, Arnold. A Parceira entre o Banco Central e o Sistema Financeiro para Garantir a Estabilidade Monetária e o Desenvolvimento Econômico (In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro - coordenadores. A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011, p. 321). 39 CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008, pp. 14-15.

31

Por isso, a intervenção estatal de regulação de determinados setores do mercado foi concebida às agências reguladoras, com natureza jurídica de autarquia especial, criadas e extintas mediante lei específica pelos respectivos entes públicos, dotadas de autonomia financeira e orçamentária, com independência decisória, organização colegiada e com impossibilidade de exoneração ad nutum dos seus dirigentes, sendo que o prazo dos mandatos dos seus dirigentes não deve guardar compatibilidade temporal com o mandato dos cargos públicos do Poder Executivo que a criou.

As autarquias, nas palavras de Alexandre Mazza, são “pessoas jurídicas de direito público interno, pertencentes à Administração Pública Indireta, criadas por lei específica para o exercício de atividades típicas da Administração Pública”40. Diz-se especial quando esta autarquia submete-se:

[...] a um regime sui generis, quando possui características capazes de lhe conferir maior grau de autonomia/liberdade em relação à Administração Direta do que as demais autarquias (não-especiais). As diretrizes gerais de política pública são estabelecidas pela Chefia do Executivo, com efeitos vinculantes, mas a decisão quanto à sua formulação e implementação regulatória é uma reserva das agências, oriunda de sua especialidade.41

Historicamente, as agências reguladoras surgiram nos Estados Unidos da América (EUA) no final do século XIX (1889: Interstate Commerce Commission – I.C.C.), aumentando crescentemente a quantidade de agências após a Crise de 1929. Na Europa, teve início também no século XIX, mais precisamente na Inglaterra. Posteriormente à Segunda Guerra Mundial, no século XX, houve a proliferação das agências: na década de 70 na França e Itália; na década de 80 na Espanha.42

No Brasil, após o início da desestatização, desde o início do Governo Collor, com maior vigor na metade da década de 1990, no Governo Fernando Henrique

40 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 152. 41 CUÉLLAR, Leila. Op. cit., p. 79. 42 AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios Estruturantes das Agências Reguladoras e os Mecanismos de Controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 34-36.

32

Cardoso, as agências reguladoras43 surgiram como parte de uma política pública de captação de investimentos estrangeiros para o desenvolvimento de setores econômicos indispensáveis para o desenvolvimento nacional, a saber: telecomunicações, transportes, energia elétrica e petróleo.

Conforme afirma Luiz Ricardo Trindade Bacellar:

As agências reguladoras foram criadas para satisfazer a necessidade de dotar-se uma entidade com autonomia, poderes para exercer o controle da execução dos contratos de concessão, fiscalização dos serviços, editando normas regulamentares, reprimindo condutas abusivas e até resolvendo conflitos entre os agentes, envolvidos na prestação de determinado serviço de relevância pública.44

Nesse diapasão, Leila Cuéllar complementa que:

[...] As agências reguladoras não defendem os interesses do governo, nem os das empresas reguladas, tampouco os dos consumidores. A regulação é objetiva e deve se preocupar com o mais eficiente desenvolvimento da atividade econômica a ela submetida como forma de implementar a política pública definida pelos órgãos administrativos e legislativos competentes. Devem as agências concretizar essa função objetiva de regulação técnica com vistas à concretização das finalidades públicas ínsitas ao papel que determinado setor econômico desempenha no desenvolvimento nacional. Importe dizer que, para que essa regulação se concretiza, os entes reguladores devem possuir poderes-deveres que viabilizem o desenvolvimento das funções inerentes à regulação (elaboração de normas, a sua implementação e a aplicação de sanções pelo descumprimento de tais normas).45

Dessa forma, a partir da criação da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, por meio da Lei nº 9.427/1996, o Brasil passou a instituir autoridades reguladoras, sendo o seu propósito uma regulação setorial independente, imparcial e técnica, em tese sem qualquer influência política ou da iniciativa privada.

43 Não são ―agências executivas‖. Segundo Sérgio Guerra, ―o modelo das Agências Executivas prevê que se constituem de autarquias ou fundações já existentes, que podem passar a ter, nos termos da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional, bem como ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor. As agências executivas devem ser criadas pelo Poder Executivo, por Decreto, e devem ter como fim realizar políticas estabelecidas pelo próprio Executivo, devendo, como dito, atuar segundo as bases ajustadas no contrato de gestão‖ (In: Agências Reguladoras – Da organização Administrativa Piramidal à Governança em Rede. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 122). 44 BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Solução de Controvérsias pelas Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 53. 45 CUÉLLAR, Leila. Op. cit., pp. 53-54.

33

Desde então, e até 2005, foram criadas inúmeras agências reguladoras: ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações)46, ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis)47, ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)48, ANA (Agência Nacional de Águas)49, ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar)50, ANCINE (Agência Nacional de Cinema)51, ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)52, ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários)53, ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil)54.

46 Criada pela Lei nº 9.472/1997, ―(...) tem poderes de outorga, regulamentação e fiscalização e deve adotar medidas necessárias para atender ao interesse do cidadão‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 47 Criada pela Lei nº 9.478/1997, ―(...) estabelece regras, contrata profissionais e fiscaliza as atividades das indústrias reguladas‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 48 Criada pela Lei nº 9.782/1999, ―(...) protege a saúde da população ao realizar o controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços que devem passar por vigilância sanitária, fiscalizando, inclusive, os ambientes, os processos, os insumos e as tecnologias relacionados a esses produtos e serviços. A ANVISA também controla portos, aeroportos e fronteiras e trata de assuntos internacionais a respeito da vigilância sanitária‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 49 Criada pela Lei nº 9.984/2000, ―(...) implementa e coordena a gestão dos recursos hídricos no país e regula o acesso à água, sendo responsável por promover o uso sustentável desse recurso natural, a fim de beneficiar não só a geração atual, mas também as futuras‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 50 Criada pela Lei nº 9.961/2000, ―(...) promove a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regula as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, e contribui para o desenvolvimento das ações de saúde no país‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 51 Criada pela MP nº 2.228-1/2001, ―(...) tem como objetivo principal o fomento à produção, à distribuição e à exibição de obras cinematográficas e videofonográficas. Além disso, a Ancine regula e fiscaliza as indústrias que atuam nessas áreas‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 52 Criada pela Lei nº 10.233/2001, ―(...) é responsável pela concessão de ferrovias, rodovias e transporte ferroviário relacionado à exploração da infraestrutura; e pela permissão de transporte coletivo regular de passageiros por rodovias e ferrovias. Além disso, a ANTT é o órgão que autoriza o transporte de passageiros realizado por empresas de turismo sob o regime de fretamento, o transporte internacional de cargas, a exploração de terminais e o transporte multimodal (transporte integrado que usa diversos meios)‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 53 Criada pela Lei nº 10.233/2001, ―(...) implementa, em sua área de atuação, as políticas formuladas pelo ministério e pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit). Além disso, regula, supervisiona e fiscaliza os serviços prestados no segmento de transportes aquaviários e a exploração da infraestrutura portuária e aquaviária exercida por terceiros‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013. 54 Criada pela Lei nº 11.182/2005, ―(...) tem a função de regular e fiscalizar as atividades do setor. É responsabilidade da autarquia, vinculada à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, garantir segurança no transporte aéreo, a qualidade dos serviços e respeito aos direitos do consumidor‖. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2013.

34

Em que pese não tenha a denominação de agência, a CVM (Comissão de Valores Imobiliários)55, em função de suas características atuais de autarquia especial, teve a sua natureza jurídica transformada pela Lei nº 10.411/2002, tornando-se uma verdadeira autoridade reguladora independente.

E seguindo o pensamento de Jürgen Habermas, as agências reguladoras exercem o papel de “embutir novas formas de participação e de estruturas do discurso no decurso da decisão administrativa, a fim de afastar o perigo de uma autoprogramação indesejável”56.

Esta regulação econômica exercida pelas agências reguladoras e os seus atos normativos requerem também medidas transparentes, com a participação efetiva dos interessados, prévia divulgação da forma como pretendem executar as políticas setoriais e com o amplo debate público. Destarte, a sociedade e todos os atores econômicos devem ser consultados por intermédio da consulta pública e da audiência pública, possibilitando a participação direta do particular interessado na regulação setorial e garantindo publicidade dos atos das agências reguladoras.

No mais, as agências reguladoras têm atribuição de editar produções normativas advindas da própria competência do poder regulador, desde que em consonância com o sistema jurídico vigente, uma vez que existe a necessidade de equilibrar os setores da economia para um desenvolvimento sustentável. Samantha Ribeiro Meyer-Pflug crava que “cabe às agências reguladoras exercerem a concretização dos standards previstos nas leis específicas que as criaram, ou seja, cabe a elas delimitar os princípios gerais legalmente previstos”57.

E da mesma forma que a produção normativa é necessária para margear o mercado, as agências reguladoras também possuem a atribuição de aplicar sanções punitivas em decorrência de seu caráter fiscalizatório, pois, caso não tivesse esta

55 Criada como autarquia pela Lei nº 6.385/1976, com a alteração da Lei nº 10.411/2002 passou a ser uma autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda. 56 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade validade. V. I. 2ª ed. Trad. Flávio Breno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 238. 57 MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. As Agências Reguladoras no Brasil e seu Poder Normativo. Em Homenagem ao Prof. Ney Prado (In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro - coordenadores. A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011, p. 180).

35

competência, o seu poder de regulação do respectivo setor estaria esvaziado. Evidentemente que na aplicação de qualquer sanção proveniente da atuação das agências reguladoras é imprescindível a observância das garantias constitucionais próprias do processo administrativo, notadamente do contraditório e da ampla defesa.

Além de normatizar o setor e aplicar sanções, as agências reguladoras solucionam conflitos e, para tanto, expede decisões concretas e individuais, não se tratando de atividade jurisdicional, mas de decisão administrativa que poderá ser objeto de controle do Poder Judiciário. Por isso, devem as agências reguladoras buscar a resolução das controvérsias de forma a conciliar os interesses dos envolvidos.

Outra forma de se resolver conflitos setoriais é a adoção da arbitragem, desde que prevista expressamente pela legislação do respectivo setor58. Tem-se como exemplo os artigos 20 e 43, inciso X, da Lei nº 9.478/97, que instituiu a ANP e previu a adoção da conciliação e arbitragem:

Art. 20. O regimento interno da ANP disporá sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na conciliação e no arbitramento. [...] Art. 43. O contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá como cláusulas essenciais: [...] X - as regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional; [...].

58 Em 27.04.2010, no VI Fórum Brasileiro sobre Agências Reguladoras, Luís Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União, ―destacou vários casos de conciliação envolvendo agências reguladoras, como a revisão de contrato de locação em imóvel do INSS onde está localizado o escritório central da Agência Nacional do Cinema (Acine); a desapropriação realizada pela empresa Cravari Geração de Energia S. A, com autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), onde parte da área desapropriada recai sobre imóvel anteriormente desapropriado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); a desapropriação de área para instalação da Hidrelétrica de Balbina/AM, em sobreposição com interesses indígenas, envolvendo Aneel, Eletronorte e FUNAI; e cláusulas contratuais de prestação de serviços postais, envolvendo Agência Nacional de Petróleo e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT)‖. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2013.

36

Corroborando a possibilidade da adoção de meios menos custosos para o setor regulado na resolução dos conflitos, Luiz Ricardo Trindade Bacellar aduz que:

A introdução da função parajurisdicional decorre da necessidade de solucionar as questões econômicas oriundas dos segmentos regulados com fulcro no ordenamento setorial especializado, respeitando o marco regulatório de forma célere e com isso causando o menor impacto no mercado. Logo, em decorrência da necessidade de aprofundamento e especialização em setores de alta complexidade, é bem mais simples e menos oneroso remeter as partes a um sistema paralelo de composição de conflitos onde a função decisória é exercida por quem dispõe da formação setorial adequada. [...] A compatibilidade com o acesso à justiça, com o princípio da eficiência e a constitucionalidade do instituo, somado à agilidade, ao conhecimento técnico aplicado na solução das lides e à eficácia vinculativa plena das decisões, garantem aos segmentos regulados um maior respeito à segurança jurídica e transforma à aplicação da arbitragem pelas agências reguladoras na melhor forma de compor conflitos.59

Nessa linha, desde que o objeto controvertido seja de natureza contratual ou patrimonial, previsto pela legislação do setor, a solução de conflitos por meio da mediação e arbitragem torna-se relevante forma de alcançar a eficiência administrativa e o interesse público.

Vale expressar, também, que mesmo existindo toda esta especialidade das agências regulatórias no setor próprio de atuação, cuja implementação tem o condão de solucionar problemas, sobretudo nos países mais desenvolvidos, no Brasil o sistema regulatório não pode deixar de sofrer a crítica relacionada ao fato de que seus dirigentes muitas vezes servem a partidos políticos ou a seus interesses outros, já que são indicados pelo Chefe do Poder Executivo, com posterior aprovação pelo Senado Federal, no âmbito federal.

Por isso, a participação da sociedade, dos atores econômicos, em consultas públicas e audiências públicas compensam certo déficit democrático no que tange às agências reguladoras, eis que os seus dirigentes são indicados pelo Poder Executivo.60

59 BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Op. cit., pp. 91 e 93. 60 CUÉLLAR, Leila. Op. cit., p. 101.

37

De toda sorte, em épocas de crise financeira como a atual, o Estado é chamado para a regulação, fiscalização, indução e planejamento do mercado com maior intensidade, sendo que as agências reguladoras configuram importante instrumento nesta linha, o que permitirá um desenvolvimento socioeconômico equilibrado em aprimoramento da economia e da sociedade.61

Convergindo para este entendimento, Ricardo Hasson Sayeg adverte:

Hoje, o Estado brasileiro, por essa episteme constitucional, deve figurar como um mediador nas tensões do eixo Homem – Todos os Homens, tornando-se assim o Estado necessário, que é aquele, no campo econômico, normatizador e regulador, com suas atribuições de fiscalizar, fomentar e planejar, sendo essa última, determinante ao setor público e indutora ao setor provado.62

O próprio mercado, por intermédio da autorregulação setorial, portanto, também deve adotar medidas que contemplem a regulação estatal, com o fito de unir forças para o equilíbrio de um sistema econômico de desenvolvimento sustentável.

Conclui-se, então, que os mercados estratégicos e que possuem setores com impacto no desenvolvimento socioeconômico devem mobilizar os seus membros setoriais para se autorregularem, em atuação conjunta com a regulação estatal, o que possibilitará uma confiança maior na atividade econômica em virtude da eficiência e transparência aplicadas, sendo que a expansão do mercado propiciará maior geração de riquezas e, por conseguinte, redistribuição de parte desta circulação de capital, em harmonização perfeita de atuação entre o privado e o público, o capital e o social.

61 ENFING, Antônio Carlos. Agências Reguladoras e a Proteção do Consumidor Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009, contracapa. 62 SAYEG, Ricardo Hasson. Perfil Constitucional do Capitalismo Humanista Brasileiro (In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro - coordenadores. A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011, p. 103).

38

4 A ATIVIDADE ECONÔMICA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: de 1824 a 1988

Após estabelecer os conceitos de atividade econômica e de intervenção estatal na economia, vale trazer à baila como se desenvolveu a atividade econômica nas Constituições brasileiras, passando inclusive pelas intervenções estatais, direitos sociais e até mesmo ideais de desenvolvimento econômico e social inseridos nos Textos Constitucionais de 1824 a 1988, quando existentes.

Ainda na condição de Império, é fato que o Brasil apresentava uma economia de agricultura, baseada no extrativismo e na escravatura, e foi neste contexto que a Constituição Imperial de 1824 foi outorgada.

O seu intuito era dar corpo ao Poder Moderador do Imperador, em um Estado Unitário. Contudo, tratou de assegurar alguns elementos da atividade econômica aos cidadãos, como o direito pleno à propriedade, incluindo aí as invenções e, ainda, a garantia ao livre exercício do trabalho, desde que este não se opusesse aos costumes públicos, à saúde e à segurança dos cidadãos, tudo consoante o artigo 179, caput, e incisos XXII, XXIV e XXVI63, da ―Constituição Política do Império do Brazil‖, de 25 de março de 1824.

Em que pese a existência de tais elementos da atividade econômica, o Brasil Imperial seguiu o caminho da economia rural, sem qualquer necessidade de

63 ―Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (...) XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. (...) XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos. (...) XXVI. Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação.‖ (ortografia original) Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2012.

39

intervenção estatal na economia, em ausência total de iniciativas direcionadas ao desenvolvimento econômico ou social.

Em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República do Brasil, encerrando a soberania imperial e a monarquia até então vigentes. Já em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, com forte influência das liberdades individuais, próprias da Revolução Francesa de 1789 e do liberalismo econômico.

Saliente-se que o início da República brasileira foi baseado na política do café com leite, expressão criada para notabilizar a influência política e econômica recebida da atividade cafeeira de São Paulo e da produção leiteira de Minas Gerais.

De qualquer forma, a Constituição de 1891 assegurou os direitos individuais relacionados à atividade econômica, como a plena propriedade, a propriedade dos inventos industriais e de marcas de fábrica, os direitos autorais de obras literárias e artísticas e, a garantia do livre exercício de qualquer profissão, tudo nos termos do artigo 72, caput, e §§ 17, 24, 25, 26 e 27, do Texto Constitucional64.

Vale dizer ainda que o artigo 35, §2º, da Constituição de 1891, incumbiu ao Congresso, de forma não privativa, de “animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais” (ortografia original). Isto quer dizer que já existia o objetivo de realizar um planejamento para um desenvolvimento econômico à base de mão de obra de imigrantes, da agricultura, da indústria e do

64 ―Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. (...) § 24 - É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial. § 25 - Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o invento. § 26 - Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-Ias, pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar. § 27 - A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica.‖

40

comércio. Por outro lado, também planejava um desenvolvimento social com fulcro nas letras, artes e ciências.

Em 1930, Getúlio Vargas chega ao Poder em um momento de crise mundial resultante da Grande Depressão65 (ou ―Crise de 1929‖) que culminava em diversas agitações sociais, as quais começavam a influenciar o Brasil. A partir disso, desenvolveu-se a busca pelo equilíbrio das relações jurídicas, inclusive aquelas provenientes das relações de trabalho e os movimentos tendentes a alterar a política adotada até então (vide a Revolução Constitucionalista de 193266), indicando a necessidade de organização dos direitos sociais e do desenvolvimento econômico.

Inclusive, a Crise de 1929 até acelerou o processo de industrialização brasileira, já que a base da economia no Brasil era a produção cafeeira para exportação e, diante da grande recessão internacional, não existiam países interessados em comprar a grande safra brasileira de café.

Diante destes movimentos interessados em mudanças sociais e da nova realidade econômica brasileira, foi criada uma Assembleia Constituinte, que proclamou a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, em 16 de julho, com um perfil social democrático67, nos seguintes moldes:

Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte (...) (ortografia original).

Nesse espeque, a Constituição de 1934 também garantiu alguns elementos da atividade econômica no âmbito das garantias individuais, tais como: o livre exercício de qualquer profissão, a propriedade plena, a propriedade dos inventos

65 Crise com grande recessão econômica, inclusive com ―quebra‖ da Bolsa de Nova Iorque, que perdurou por toda a década de 30 do século XX até o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939. 66 Foi um movimento armado ocorrido no Estado de São Paulo e que tinha por objetivo derrubar o Governo Provisório de Getúlio Vargas para promulgar uma nova Constituição para o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2012. 67 Ideologia baseada em uma gradual reforma do sistema capitalista para um sistema mais igualitário no que tange ao social, jungido às liberdades individuais.

41

industriais e de marcas de fábrica, bem como os direitos autorais de obras literárias e artísticas, consoante artigo 113, caput, e itens §§ 13, 17, 18, 19 e 2068.

De forma inovadora, trouxe a Constituição de 1934 a ―Ordem Econômica e Social‖ em um único segmento constitucional, no ―Título IV‖, dispondo em seu artigo 115 que “a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna” e que “dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica”, demonstrando grande preocupação em relação à redução das desigualdades sociais e regionais e igualmente de um desenvolvimento sustentável ao preconizar em seu parágrafo único que “os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do País”.

Além de trazer a atividade econômica de forma sedimentada, a Constituição Federal de 1934 igualmente erigiu em seu bojo o reconhecimento dos sindicatos e associações profissionais (Art. 12069), determinando que fossem estabelecidas as condições de trabalho segundo a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País (Art. 12170), em nítida aproximação entre a atividade econômica e os direitos sociais.

68 ―Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 13) É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público. 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se- á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior. 18) Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais a lei garantirá privilégio temporário ou concederá justo prêmio, quando a sua vulgarização convenha à coletividade. 19) É assegurada a propriedade das marcas de indústria e comércio e a exclusividade do uso do nome comercial. 20) Aos autores de obras literárias, artísticas e científicas é assegurado o direito exclusivo de produzi- Ias. Esse direito transmitir-se-á aos seus herdeiros pelo tempo que a lei determinar.‖ (ortografia do original) 69 ―Art 120 - Os sindicatos e as associações profissionais serão reconhecidos de conformidade com a lei.‖ (ortografia original) 70 ―Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.‖ (ortografia original)

42

Já o parágrafo primeiro do artigo 121 da Constituição de 1934 foi além e determinou que a legislação do trabalho teria que observar, dentre outras garantias:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador; c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres; e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos; f) férias anuais remuneradas; g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa; h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; i) regulamentação do exercício de todas as profissões; j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho. (ortografia do original)

Sobre o tema, Nelson Nazar explica que:

[...] sob o ponto de vista da atividade econômica, a Constituição de 1934 defendeu as liberdades públicas de empreendimento, com o surgimento do conceito de função social da propriedade, de estrutura das propriedades vinculada ao crescimento da atividade social, tendência social-democrática que se espraiou para as demais Constituições.71

A despeito de trazer a ordem econômica e social no mesmo “Título”, demonstrando a importância do desenvolvimento sustentável das regiões do país e a compatibilidade sistêmica da atividade econômica com os direitos sociais, a Constituição de 1934 apresentou a intervenção do Estado na forma de absorção pelo monopólio (Art. 116, caput72); de indução pelo fomento da economia mediante desenvolvimento de crédito (Art. 117, caput73); de direção pela repressão do abuso

71 NAZAR, Nelson. Op. cit., p. 76. 72 ―Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais.‖ (ortografia original) 73 ―Art 117 - A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País.‖ (ortografia original)

43

do poder econômico (Art. 117, parágrafo único74); e de participação (Art. 119, caput, e §1º.75).

Por fim, o artigo 148 demonstrou a preocupação da Constituição com o desenvolvimento social ao estabelecer que cabia:

[...] à União, aos Estados e aos Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do País, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual.

Já em 1937 foi outorgada76 uma nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil, rompendo com o avanço dos direitos sociais e do planejamento de um desenvolvimento equilibrado, com a instituição por Getúlio Vargas do Estado Novo (1937-1947), baseado na centralização do poder e no autoritarismo.

Os direitos sociais foram garantidos pela Constituição de forma reduzida77, pois condicionados à edição de leis mediante pareceres do ―Conselho de Economia

74 ―Art 117 (...) Parágrafo único - É proibida a usura, que será punida na forma da Lei.‖ (ortografia original) 75 ―Art 119 - O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei. § 1º - As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a empresas organizadas no Brasil, ressalvada ao proprietário preferência na exploração ou co-participação nos lucros.‖ (ortografia original) 76 Veja-se o prefácio do Documento Constitucional outorgado por Getúlio Vargas: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo; Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais: (...)‖. (ortografia e negrito do original). 77 Mesmo havendo a liberdade de associação, inibia o direito à greve: ―Art 139 – (...)

44

Nacional‖78 e, apesar de possuir uma composição ligada aos representantes da área laboral, possuía mecanismos que permitiam a sua manipulação pelo Governo, representado pelo Presidente da República, espelhando o seu perfil de centralização do poder em um nacionalismo exacerbado e de puro autoritarismo, com base no fascismo e no anticomunismo79.

No campo da atividade econômica ficou determinada uma política de intervenção do Estado no domínio econômico, conforme dispôs o artigo 13580, deixando clara a concentração do poder pelo Governo Getulista, reprisando algumas formas de intervenção81 e ampliando outras, sobretudo aquelas de caráter repressivo, a ponto de equiparar os crimes contra a economia popular aos crimes contra o Estado (Art. 14182).

A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional.‖ 78 ―Art 61 - São atribuições do Conselho da Economia Nacional: a) promover a organização corporativa da economia nacional; b) estabelecer normas relativas à assistência prestada pelas associações, sindicatos ou institutos; c) editar normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da produção ou entre associações representativas de duas ou mais categorias; d) emitir parecer sobre todos os projetos, de iniciativa do Governo ou de qualquer das Câmaras, que interessem diretamente à produção nacional; e) organizar, por iniciativa própria ou proposta do Governo, inquérito sobre as condições do trabalho, da agricultura, da indústria, do comércio, dos transportes e do crédito, com o fim de incrementar, coordenar e aperfeiçoar a produção nacional; f) preparar as bases para a fundação de institutos de pesquisas que, atendendo à diversidade das condições econômicas, geográficas e sociais do País, tenham por objeto: I - racionalizar a organização e administração da agricultura e da indústria; II - estudar os problemas do crédito, da distribuição e da venda, e os relativos à organização do trabalho; g) emitir parecer sobre todas as questões relativas à organização e reconhecimento de sindicatos ou associações profissionais; h) propor ao Governo a criação de corporação de categoria.‖ (vigente até a nova redação dada pela Lei Constitucional nº 9, de 1945; ortografia do original) 79 Características ideológicas do Estado Novo. 80 ―Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.‖ 81 ―Art 142 - A usura será punida.‖ (ortografia original) 82 ―Art 141 - A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.‖ (ortografia original).

45

Leonardo Vizeu Figueiredo83 ensina que neste período foi introduzida uma indústria de base, iniciada ainda em 1934 com a criação do Departamento Nacional de Produção Mineral, culminando com o Conselho Nacional de Petróleo (1938), Companhia Siderúrgica Nacional (1941) e a mineradora Vale do Rio Doce (1943), sendo que aqui a ordem econômica brasileira nasceu estatizada, já que o Poder Público atuava na prestação de serviços públicos essenciais para o desenvolvimento e no empreendimento da atividade econômica, surgindo diversas Empresas Estatais em setores do mercado próprio da iniciativa privada.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a derrota do nazismo e do fascismo, em 18 de setembro de 1946 foi promulgada pela Assembleia Constituinte a nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil, em um modelo voltado para o liberalismo, com alguma intervenção estatal na atividade econômica e a observância dos direitos sociais no sistema constitucional.

A atividade econômica é consolidada pelo “Título V” da Constituição de 1946, sendo que no artigo 145 estabelece que “a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”, sendo a todos “assegurado trabalho que possibilite existência digna”.

Em alusão à intervenção do Estado na atividade econômica, na sua regulação ou implementação, vale transcrever o artigo 146 do Texto Constitucional de 1946, no sentido de que “a União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade”, tendo por base esta intervenção “o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”.

Já o artigo 148 expressamente indica que “a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente

83 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 5ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 53.

46

os lucros”, sendo que a “usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei” (Art. 154).

A propriedade foi assegurada aos brasileiros pelo artigo 141 da Constituição, salvo no caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro (§16), bem como foi assegurada a propriedade das marcas de indústria e comércio e, ainda, a exclusividade do uso do nome comercial (§18). Os direitos autorais das obras literárias, artísticas ou científicas também foram assegurados (§19).

Em contraponto, trouxe no artigo 147 do Texto Constitucional um dispositivo de condição para o uso da propriedade:

[...] o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social, e, nessa intuição constitucional a lei poderá promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos, observada a justa indenização prevista no §16 do artigo 141 acima indicado.

Os direitos sociais também foram contemplados84 nesta Constituição de 1946, assegurando o direito de associação, inclusive o direito à greve, retomado após a negativa da Constituição anterior.

84 ―Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: I - salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família; II - proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; III - salário do trabalho noturno superior ao do diurno; IV - participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar; V - duração diária do trabalho não excedente a oito horas, exceto nos casos e condições previstos em lei; VI - repouso semanal remunerado, preferentemente aos domingos e, no limite das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local; VII - férias anuais remuneradas; VIII - higiene e segurança do trabalho; IX - proibição de trabalho a menores de quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores, de dezoito anos; e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo Juiz competente; X - direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário; XI - fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos do comércio e da indústria; XII - estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei estatuir;

47

Foi sob a égide da Constituição de 1946 que Juscelino Kubitschek implantou o seu Plano de Metas85, que visava ao desenvolvimento econômico, inclusive no âmbito regional, além do desenvolvimento social como consequência lógica. Todavia, mesmo com um período de aceleração econômica, em virtude do alto endividamento público, viu-se uma forte crise inflacionária a partir de 1958, agravada pelo regime de exceção86 com o Golpe de 1964, que culminou na tomada do poder pelos Militares.

Assim, surge em 1967 uma nova Constituição - agora sob as ordens dos militares –, mantendo a estrutura dos direitos individuais relacionados à propriedade, dos direitos sociais, da ordem econômica e da intervenção estatal no domínio econômico.

Vale dizer que, pela primeira vez, foi introduzida a expressão constitucional “dignidade da pessoa humana” como consectário da atividade econômica. Assim, o artigo 157 preconizou que:

[...] a ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa; II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V - desenvolvimento econômico; VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.

XIII - reconhecimento das convenções coletivas de trabalho; XIV - assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante; XV - assistência aos desempregados; XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte; XVII - obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho. Parágrafo único - Não se admitirá distinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho intelectual, nem entre os profissionais respectivos, no que concerne a direitos, garantias e benefícios. Art 158 - É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará. Art 159 - É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público.‖ (ortografia original) 85 Trata-se de um programa desenvolvimentista de industrialização e modernização, com início em 1956, implementado por intermédio de objetivos setoriais: siderurgia, energia, comunicações etc. 86 É a situação antagônica ao Estado de Direito, em que as liberdades e garantias fundamentais são suprimidas em nome de uma ―causa maior‖.

48

Ademais, como se viu, a Constituição de 1967 emergiu princípios próprios da atividade econômica, ensejando um caráter principiológico na estrutura da ordem econômica constitucional.

Os parágrafos 8º e 9º do mesmo artigo 157 indicavam que o Estado poderia intervir na atividade econômica. Assim, dispunham que eram:

[...] facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais‖ (§8º), e que por esta intervenção poderia ―a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer (§9º).

Destaque-se que a Constituição de 1967 trouxe para a competência da União “estabelecer e executar planos regionais de desenvolvimento” (Art. 8º, XIII), o que poderia ser exercido por intermédio de intervenção estatal na atividade econômica na forma de indução.

Em relação à Emenda Constitucional de 1969, é importante salientar que pelo artigo 160 foi introduzida na ordem econômica e social a realização do desenvolvimento nacional e a justiça social como a sua finalidade, acrescentando como princípio a expansão das oportunidades de empregos87.

Surge, então, o período de redemocratização do Brasil, com posterior queda do Governo Militar. Finalmente, após as eleições para a Assembleia Constituinte, chega-se à promulgação da Constituição Federal de 1988, em 05 de outubro.

87 ―Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa; II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; V - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros; e VI - expansão das oportunidades de emprêgo produtivo.‖ (ortografia do original)

49

Em virtude de toda a experiência histórica decorrente dos diversos momentos políticos, sociais, econômicos e culturais internos, bem como as influências de acontecimentos das mesmas ordens no cenário internacional, a nova Constituição Federal da República Federativa do Brasil baseou seus preceitos nas liberdades individuais e, sobretudo, nos direitos da coletividade, estabelecendo os direitos sociais e aspirando a assegurar a dignidade da pessoa humana, introduzindo o equilíbrio necessário entre a ordem econômica e a ordem social, o que é inteligível desde o seu preâmbulo88.

A Constituição Federal de 1988, logo em seu primeiro artigo, determina quais são os fundamentos da República, indicando no inciso III ―a dignidade da pessoa humana‖ e no inciso IV ―os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa‖.

Dessa forma, demonstra de imediato a sua preocupação com o exercício da atividade econômica pela livre iniciativa e o contrapeso da observância dos valores sociais e da dignidade da pessoa humana na exploração do mercado econômico.

Em seguida, em seu artigo 3º, expõe como objetivos da República a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I); a garantia do desenvolvimento nacional (inciso II); a erradicação da pobreza e da marginalização com a respectiva redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III); e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV). Com esses objetivos a Constituição prevê o desenvolvimento nacional, por intermédio da livre iniciativa de exploração da atividade econômica, a fim de coadunar com a justiça social.

88 ―Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.‖ (ortografia do original)

50

No título das garantias e direitos individuais, o Texto Constitucional trata de assegurar a defesa da propriedade privada logo no caput do artigo 5º, assim como nos incisos seguintes, incluindo a propriedade industrial e intelectual89.

Importante inovação dentro dos direitos autorais é a proteção da imagem e voz utilizada no desenvolvimento de atividades desportivas, desempenhada por atletas e suas equipes quando coletiva a modalidade, ou somente pelo atleta quando desempenhada em modalidade individual.

Essencial inserção é a do artigo 6º da Constituição de 1988, pelo qual os direitos sociais são explicitamente assegurados:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

É por intermédio da consecução dos direitos sociais que o Estado deve conduzir a sua atuação, inclusive no planejamento do desenvolvimento regional e social, com as intervenções necessárias na economia, inclusive. Por isso, segmentou o “Título VIII” da Constituição Federal de 1988 como “Da Ordem Social”, tratando de cada um dos direitos sociais consagrados pelo artigo 6º neste título, tendo como base “o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (Art. 193).

89 ―(...) XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País‖.

51

No campo dos direitos sociais constitucionais ligados à relação de emprego, o artigo 5º, inciso XIII, preconizou ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Vela mencionar que aqui não existem condições subjetivas outrora dispostas nas normas constitucionais para o exercício profissional, já que a partir do artigo 7º até o artigo 11 da Carta Constitucional, o direito dos trabalhadores é amplamente estabelecido, incluindo a livre associação e o direito de greve.

A “Ordem Econômica e Financeira”, objeto do “Título VII” da Constituição Federal de 1988, surge de forma mais robusta, inferindo princípios estruturantes da atividade econômica, bem como as formas de intervenção estatal na ordem econômica, atribuindo ao Estado as funções de fiscalizar, incentivar e planejar a atividade econômica, como seu agente normativo e regulador.

O artigo 170, caput, da CF/88, dispõe em sua redação que a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa são não só os fundamentos de toda a ordem econômica, como também da República, conforme visto anteriormente. Seu objetivo é a existência digna, nos moldes da justiça social, observadas as diretrizes constantes em seus incisos:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Por todo o Título VII é possível verificar as diversas formas de intervenção do Estado na atividade econômica. Assim, retomando a classificação de Eros Roberto Grau, veja-se exemplificativamente a forma de absorção pelo monopólio (Art. 177, caput90); de indução ao favorecer as micro e pequenas empresas (Art.

90 ―Art. 177. Constituem monopólio da União:

52

179, caput91); de direção pela repressão do abuso do poder econômico (Art. 173, §4º92); e, de participação no mercado (Art. 172, caput93).

Soma-se a toda esta estrutura da ordem econômica o objetivo da República e princípio constitucional econômico da redução das desigualdades sociais e regionais que recebe o respaldo da atuação estatal com o artigo 174, caput, e seu §1º94, o qual visa a um desenvolvimento nacional equilibrado e compatível com o plano nacional e regional de desenvolvimento, tendo o Estado como um agente regulador e normativo da atividade econômica, cujas funções são incentivar, fiscalizar e planejar.

Uma vez delineado o quadro histórico e a contribuição das Cartas Constitucionais brasileiras no âmbito da atividade econômica e das intervenções estatais, bem como dos direitos sociais e instrumentos de desenvolvimento, passam- se a explorar os princípios constitucionais da atividade econômica, sob o ponto de vista da redução das desigualdades sociais e regionais enquanto objetivo republicano.

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.‖ 91 ―Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.‖ 92 ―Art. 173. (...) § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.‖ 93 ―Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.‖ 94 ―Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.‖

53

5 OS PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA E A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS COMO OBJETIVO DA REPÚBLICA: Diretrizes estruturantes integrativas

Conforme consignado acima, a atividade econômica estruturada pela ordem econômica constitucional deve seguir os fundamentos e objetivos da República, já que é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por objetivo assegurar a existência digna, nos moldes da justiça social, devendo observar os princípios estruturantes da ordem econômica (Artigo 170, caput).

Antes de se adentrar nos princípios estruturantes da atividade econômica e a sua relação com a redução das desigualdades sociais e regionais, vale explicitar os fundamentos e objetivos insertos no artigo 170, caput, da CF/88, pois são diretrizes que encabeçam os princípios formadores da ordem econômica.

A valorização do trabalho humano, a teor de ser fundamento da República (Artigo 1º, IV) e da ordem econômica, deve ter atenção especial do Estado para assegurar ao trabalhador as garantias contidas no artigo 7º da CF/88, para que sejam efetivados os direitos sociais inseridos no artigo 6º. O trabalhador, na utilização de sua força de trabalho em jornada legal, incluindo o descanso semanal remunerado e férias anuais remuneradas, deve obter resultado digno, isto é, capaz de lhe proporcionar uma renda mínima suficiente para fazer valer os seus direitos sociais e de acesso econômico aos bens de consumo, recebendo a proteção do seguro desemprego e do fundo de garantia por tempo de serviço, dentre outros direitos que lhe são assegurados constitucionalmente.

A redução das desigualdades sociais e regionais também deve ser observada sob o vértice da valorização do trabalho humano, assistindo ao Estado precipuamente investir na educação e em políticas públicas voltadas para capacitar mão de obra (Serviço Nacional de Aprendizagem Nacional – SENAI; Escolas Técnicas - ETEC, etc.), principalmente da ordem técnica, cuja necessidade no plano de desenvolvimento econômico e regional é primordial, mas a sua qualidade é baixa e sua quantidade é escassa.

54

Já a livre iniciativa igualmente está inserida como fundamento da República e da ordem econômica e possui origem na própria liberdade oriunda do Estado Democrático de Direito, baseada na propriedade privada. Por sua vez, a iniciativa privada está relacionada a uma proposição do exercício de uma atividade econômica.

Isso quer dizer que esta liberdade de empreender está relacionada ao liberalismo econômico, ou seja, a empreender economicamente de forma livre, com capital e trabalho, objetivando obter cada vez mais fundos. Assim se justifica também a inserção do parágrafo único no artigo 170 da CF/88, que assegurou a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, com exceção das atividades reguladas por lei e que disponham de requisitos para o seu exercício.

A inserção da livre iniciativa no caput do artigo 170 e no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 evidencia a opção por um sistema capitalista privado, contudo, como já assinalado, possibilita ao Estado participar como ator econômico, na forma disposta constitucionalmente.95

Por outro lado, a livre iniciativa, núcleo da exploração da atividade econômica, deve observar a existência digna e a justiça social, sendo conduzida em compatibilidade com todo o sistema constitucional, possibilitando o objetivo republicano da redução das desigualdades sociais e regionais.

Paula Andrea Forgioni relata com precisão que:

A liberdade de iniciativa a que fazem referência o texto constitucional e a própria Lei Antitruste não conflita, obviamente, com a necessidade da atuação estatal para garantir a manutenção do sistema, conduzindo-o de forma a impedir as crises. Aliás, complementa-a, subjugando, inclusive, os determinismos econômicos. [...] A atuação do Estado sobre a economia, cada vez mais, não é tida como indesejável pelo sistema jurídico, que, ao contrário, a institui e regulamenta.96

95 TOLEDO, Gastão Alves de. Tratado de Direito Constitucional. Vol. 2. (Coord.: Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 324. 96 FORGIONI, Paula Andrea. Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 66-67.

55

Com efeito, a livre iniciativa é um importante meio de redução das desigualdades sociais e regionais. A liberdade de empreender possibilita a introdução, por intermédio da intervenção estatal por indução, de polos econômicos voltados ao desenvolvimento de regiões menos favorecidas, gerando empregos e possibilitando também o desenvolvimento social dos cidadãos que a compõem, como ocorre na Zona Franca de Manaus.

Em relação à existência digna, pode-se dizer que é um objetivo da estrutura da ordem econômica e também um fundamento da República (Artigo 1º, III), devendo o Estado induzir a atividade econômica à geração de empregos por políticas públicas, sendo capaz de propiciar renda adequada ao trabalhador, efetivando a redução das desigualdades sociais e regionais e o direito ao desenvolvimento com acesso ao mínimo existencial pelo indivíduo, assim considerado o exercício dos direitos sociais insculpidos no artigo 6º da CF/88 e a possibilidade de consumo de bens.

A existência digna decorre, portanto, do próprio conceito de Estado Democrático de Direito, tendo incorporado o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana de forma positivada, colocando-o como princípio fundamental do ordenamento jurídico e como paradigma estatal. A Constituição Federal de 1988 reconhece e protege a dignidade da pessoa humana como seu atributo natural, inerente à sua personalidade e à atividade econômica. Sendo assim, a ordem econômica deve dignificar a existência da pessoa humana na organização das atividades econômicas do país.

Vale dizer que o consumo de bens permitido ao indivíduo por intermédio de políticas públicas voltadas ao emprego e à erradicação da pobreza, para se efetivar a existência digna, além de reduzir as desigualdades sociais, fomenta a atividade econômica local, movimentando capital e produzindo gradativamente uma relação cíclica entre o consumo e o emprego, gerando riqueza e desenvolvimento regional, desde que o Estado atue no sentido de impedir o lucro excessivo. Trata-se de um círculo virtuoso.

56

Ademais, o artigo 170, caput, da CF/88, intentou assegurar dentro da estrutura da ordem econômica a justiça social, diretriz também da República estatuída no artigo 3º, incisos I, II, III e IV, do mesmo Texto, no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária, a fim de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos e discriminação de qualquer ordem, objetivos que quando alcançados, garantirão o pleno desenvolvimento nacional.

O Estado deve implementar políticas públicas de caráter econômico e social capazes de alcançar estes objetivos, intervindo na atividade econômica quando necessário, com a finalidade de permitir o acesso de todos os indivíduos aos direitos sociais, à renda e aos bens de consumo. A justiça social deve compensar as desigualdades naturais existentes entre as classes sociais, com a finalidade de aproximá-las cada vez mais.97 Na verdade, esse objetivo constitucional deve ser perseguido também pela atividade econômica.

Portanto, o artigo 170, caput, da Constituição Federal, ao tratar da existência digna e da justiça social, se conecta automaticamente aos direitos sociais, em um sistema de freios e contrapesos98. É a compatibilização sistêmica da Constituição que permite a observância dos fundamentos da República e a busca pelos seus objetivos, dentro de uma economia propriamente capitalista, o que enseja um círculo virtuoso de desenvolvimento nacional.

Adiante, serão abordados os princípios inseridos nos incisos do artigo 170 da Constituição e a sua relação com a redução das desigualdades sociais e regionais.

Saliente-se que os princípios contidos no artigo 170 da Constituição são verdadeiras cláusulas pétreas do sistema constitucional, uma vez que estruturam toda a ordem econômica. Esta, por sua vez, deve observar os fundamentos da

97 A adoção de políticas públicas implementadas pelo Governo Federal pelo ―Governo FHC‖, posteriormente unificadas e ampliadas de forma estimuladora pelo ―Governo Lula‖, mantidas e competentemente geridas pelo ―Governo Dilma‖, possibilita um maior poder de consumo pelas classes menos abastadas, mas ainda muito longe do ideal para a verdadeira justiça social. 98 NAZAR, Nelson. Op. cit., p. 53.

57

República e do Estado Democrático de Direito, consubstanciados nos valores sociais do trabalho e na livre iniciativa, propiciando o objetivo da existência digna e da justiça social.

Nesse diapasão, Miguel Reale afirma que os princípios:

[...] são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis99.

Para De Plácido e Silva, os princípios, no plural:

[...] significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa (...) revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica (...) exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica (...) mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas (...) significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.100

No que tange aos princípios jurídicos, Roque Antônio Carraza afirma que:

[...] princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.101

Na análise de Paulo Bonavides, princípios “são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade” 102.

Cleber Rogério Masson indica que ―princípios são os valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico”103.

99 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 299. 100 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 639. 101 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 29. 102 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 229.

58

Pela concepção de Celso Bastos104 “os princípios constituem idéias gerais e abstratas, que expressam em menor ou maior escala todas as normas que compõem a seara do direito”. E continua o constitucionalista no informe de que “eles possuem uma força que permeia todo o campo sob seu alcance” e, por isso, “todas as normas que compõem o direito constitucional devem ser estudadas, interpretadas, compreendidas à luz desses princípios‖. No tocante às diretrizes constitucionais, complementa que “servem, a um só tempo, como objeto da interpretação constitucional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção de interpretação”.

Não se pode afastar do tema a lição de Geraldo Ataliba, que leciona serem os princípios verdadeiras “linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico” e que “apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente a perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos)”105.

No esteio ainda dos princípios, Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que a violação de um princípio “é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”106.

Não há dúvidas, pois, que o ordenamento jurídico brasileiro está intimamente respaldado por princípios constitucionais, verdadeiros alicerces de todo o sistema normativo. Além disso, os princípios constitucionais condicionam a aplicabilidade e orientam a interpretação de todas as outras normas jurídicas, porque são o fundamento de validade de todo o sistema jurídico.

Obviamente, a estrutura da ordem econômica não está regrada apenas pela Constituição Federal e seus princípios formadores, mas também por leis esparsas

103 MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2008, p. 21. 104 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 57. 105 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 34. 106 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 748.

59

que regulam e estabelecem limites à atividade econômica brasileira (Crimes contra a Ordem Econômica, Código de Defesa do Consumidor, Lei do CADE).

Todavia, o ordenamento jurídico, como um sistema uno e coerente de normas, possui a sua base nos princípios, que, na Constituição Federal de 1988, entrelaçam-se em perfeita harmonia.

5.1 Princípio da Soberania Nacional (Artigo 170, inciso I)

A soberania nacional também é fundamento da República e do Estado Democrático de Direito, conforme preceitua o inciso I do artigo 1º da CF/88. Trata-se da condição dual do Estado enquanto pessoa jurídica de direito público: supremacia interna e independência externa. Sem soberania não há Estado. O princípio da soberania nacional, previsto como a primeira diretriz da ordem econômica, significa dizer que dentro de seu território o Estado pode e deve não só interferir, mas também dirigir a atividade econômica nos aspectos em que for de seu interesse e da coletividade para que, ao fiscalizar, incentivar e planejar o desenvolvimento nacional, o faça de forma compatível com a justiça social.

Observe-se que é o objetivo republicano da redução das desigualdades sociais e regionais que permitirá o pleno desenvolvimento econômico-social do país de forma sustentável, e que dará o suporte necessário para manter a soberania nacional e a independência política.

Vale ressaltar que os Estados com menor desenvolvimento, mesmo que independentes, mas que tomados pela miséria econômica e social, facilmente sofrem interferências de políticas externas de diversas ordens.

Nesse sentido, Jim Young Kim, Presidente do Grupo Banco Mundial, ao analisar o ―Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial para 2013‖, elaborado pelo Banco Mundial, bem ressaltou que o ponto essencial do desenvolvimento está na parceria entre o Estado e a iniciativa privada para proporcionar a esperança e a paz

60

para todos por intermédio da geração de empregos, a fim de fazer com que países frágeis tornem-se estáveis.107

Assevera José Eduardo Faria, em relação à necessidade de se obter uma reforma social com estabilização econômica, que:

Sem estabilização econômica e sem reforma social, a democracia, aqui encarada não na perspectiva de um contrato social programado ‗ex ante‘, porém na perspectiva de um intrincado processo no qual se desenvolvem estratégias de negociação que têm como resultado ‗ex post‘ uma ordem política nova, justa e legítima, não consegue consolidar-se em termos definitivos. Pelo contrário, ela corre o risco de se tornar institucionalmente fraca, minada pelo populismo eleiçoeiro, pelo pragmatismo decisório e por uma escalada inflacionária, responsável pelo acirramento dos conflitos distributivos, pela disseminação de um individualismo selvagem e pela inviabilização do cálculo econômico racional, revelando-se assim incapaz de assegurar um progresso material mínimo e de administrar o exercício naturalmente conflitivo da cidadania.108

Assim, veja-se que é necessária a intervenção estatal para a implementação de políticas públicas com o fito de incentivar a iniciativa privada e proporcionar, por exemplo, o pleno emprego. É dessa intervenção que surgirá o desenvolvimento de uma economia sustentável, ou seja, estabilidade econômica estatal com produção e circulação de riquezas pela iniciativa privada com o efetivo respeito aos direitos sociais. Dessa forma a soberania nacional estará efetivada, em pleno equilíbrio com os objetivos do Estado.

Os esforços traçados pelo Poder Público para sediar grandes eventos desportivos, por exemplo, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 (no Rio de Janeiro), com isenções e outros benefícios para a iniciativa privada nas obras de infraestrutura e nas construções de arenas e parques desportivos, também repercutem na demonstração ao resto mundo do exercício da soberania nacional no campo da economia, política-social e de segurança, enfatizando a confiança externa em investimentos estrangeiros internos e obtendo respeito das organizações internacionais.

107 Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2012. 108 FARIA, José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. 1ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, pp. 128-129.

61

5.2 Princípio da Propriedade Privada (Artigo 170, inciso II)

O princípio da propriedade privada foi contemplado como direito fundamental pelo artigo 5º, inciso XXII109, da CF/88, de forma ampla, podendo o proprietário do bem, usar, gozar, fruir e dispor desta sua propriedade. O Estado somente poderá intervir na propriedade privada com justo motivo (desapropriação, expropriação, tributação, interesse nacional etc.).

Aliás, a própria Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, já reconhecia o direito de propriedade, juntamente com a liberdade, como uma garantia dos direitos humanos.

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988, ao mencionar a observância da propriedade privada na atividade econômica, e elevá-lo a um princípio constitucional, indica a impossibilidade de intervenção do Estado sob a perspectiva dos meios de produção e circulação de bens, inseridos na ordem econômica, próprios do sistema capitalista. É claro que a não intervenção não é absoluta, conforme será visto no próximo subcapítulo.

Aliás, a propriedade privada é um instrumento que dá origem prática ao exercício da livre iniciativa. Em razão de o direito de propriedade ser aplicado aos meios de produção, configura a liberdade para o desenvolvimento das atividades econômicas mercantis, de modo que se produzam riquezas e circulem mercadorias.

Todavia, o Estado deve inserir políticas públicas que tornem efetivo o acesso à propriedade privada na atividade econômica, com novas linhas de crédito junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento e outros incentivos que possam encorajar o exercício pleno da propriedade privada.

109 ―Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXII - é garantido o direito de propriedade; (...).‖

62

Neste ponto, vale notar que a propriedade privada aplicada na atividade econômica, per si, já se contempla em hipótese de redução das desigualdades sociais e regionais, pois tende ao desenvolvimento econômico, que, jungido às políticas públicas de incentivo, leva a efeito o objetivo republicano.

5.3 Princípio da Função Social da Propriedade (Artigo 170, inciso III)

Modernamente, a propriedade traz em sua essência a função social, conforme dispõe de forma geral o artigo 5º, inciso XXIII110, da CF/88. Demonstrando a sua essencialidade, a Constituinte previu a função social da propriedade como princípio constitucional da atividade econômica.

Em virtude disso, sob o prisma da ordem econômica, função social da propriedade significa o dever de dignificá-la por uma produção econômica, com geração de riqueza, garantia de trabalho digno, promoção de desenvolvimento econômico e respeito aos direitos sociais, sustento do Estado por meio de tributos, dentre outras funções, sob pena de sofrer restrição ao princípio da propriedade privada, com a consequente intervenção do Estado sobre o respectivo bem.111

Trata-se de uma limitação ao princípio analisado no subcapítulo anterior, que legitima a intervenção estatal na propriedade que não cumpre sua função social, demonstrando que a propriedade em si não é absoluta, e que os interesses coletivos poderão limitar o interesse pessoal do proprietário.

Ainda no que concerne à propriedade relacionada aos meios de produção, sua utilização se refere ao que diz o caput do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece o objetivo de se garantir a todos a existência digna, visando ao bem-estar da coletividade e à justiça social.

110 ―Art. 5º (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (...).‖ 111 As propriedades rurais utilizadas para os meios de produção que exploram mão de obra escrava, ou em condição análoga de escravidão, podem ser desapropriadas por não observar os direitos sociais.

63

Desse mesmo modo, se a propriedade privada está efetivando a sua função social de gerar riquezas e propiciar a circulação de capital com a observância dos direitos sociais, também estará apta a reduzir as desigualdades sociais e regionais para realizar o interesse coletivo, nos moldes dos objetivos republicanos.

5.4 Princípio da Livre Concorrência (Artigo 170, inciso IV)

Este princípio consiste na possibilidade de um grande número de empresas participarem do desenvolvimento econômico nacional por meio da livre iniciativa, de um mercado livre, sem a intervenção desnecessária do Estado.

O princípio da livre concorrência pressupõe uma igualdade de condições na concorrência pelo espaço dos produtos dos atores da atividade econômica, sem, contudo, que haja o domínio por uma empresa ou grupo econômico com influência na qualidade e no preço dos bens e serviços, o que resultaria em prejuízos aos demais integrantes da cadeia de produção e aos consumidores em geral, atraindo a intervenção estatal por meios repressivos.

Dessa forma, o Estado somente pode atuar na limitação ou discriminação de determinada atividade econômica de forma motivada, quando há, por exemplo, o abuso de poder econômico112 ou a concorrência desleal113, coibidos pela Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, além de dar outras providências.

José Inácio Gonzaga Franceschini, ao mencionar a legislação infraconstitucional de proteção à livre concorrência em consonância com os artigos 170, inciso IV e 173, §4º, da CF/88, aduz que:

112 ―Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.‖ 113 A concorrência desleal é fato passível de repreensão pelo direito civil (reparação civil) e penal (tipificação na legislação criminal) na exploração da atividade econômica, o que permite a efetivação e concretização do princípio constitucional da livre concorrência (Art. 170, IV, CF/88).

64

As leis chamadas ‗antitruste‘ vinculam-se constitucionalmente ao conhecido trinômio ‗‘dominação de mercado‘, ‗eliminação de concorrência‘ e ‗aumento arbitrário de lucros‘ (o chamado lucro supracompetitivo). [...] A finalidade da legislação de defesa da concorrência, portanto, é unívoca, qual seja, a defesa da viabilização do princípio maior da ‗livre concorrência‘ (art. 170, inciso IV) [...].114

E, ao prever a livre concorrência, supõe-se que haja uma competitividade entre os agentes da economia, de modo que se empregue a dinâmica de redução de preços e a melhora da qualidade das mercadorias, o que sem dúvida torna a atividade econômica mais acessível às diferentes classes sociais e regiões do país até pela própria noção de exploração do mercado pelos integrantes de determinada atividade, o que consequentemente enseja a redução das desigualdades.

Quando isso não acontece, cabe ao Estado intervir com medidas repressivas, inclusive junto ao CADE ou por indução, com estímulo por meio de incentivos ou renúncias fiscais, tudo a fim de que a livre concorrência seja a mais real possível, permitindo o pleno desenvolvimento e a realização dos objetivos inseridos no artigo 3º do Texto Constitucional.

5.5 Princípio da Defesa do Consumidor (Artigo 170, inciso V)

A Revolução Industrial teve seu início no Reino Unido em meados do século XVIII, expandindo-se pelo mundo a partir do século XIX, possuindo grande papel histórico na evolução do Homem e da atividade econômica, com repercussão evidente nas relações de consumo. Vale dizer que essa revolução verdadeiramente burguesa115 consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo, sob o ponto de vista da economia e do social. Foi assim que a máquina superou o Homem, pois até então, a economia de produção tinha por base os artesãos, com técnicas e etapas produtivas que eram passadas de geração em geração.

114 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao Direito da Concorrência. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 19. 115 A Revolução Industrial integra o que Marx chamou de Revoluções Burguesas do século XVIII, juntamente com a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

65

Nesse contexto, nota-se a hegemonia inglesa na produção industrial, sobretudo pela reserva mineral e exploração de mão de obra abundante116. Soma-se a isto a implantação da política do liberalismo econômico e a expansão tecnológica com uma série de invenções (motor a vapor, por exemplo).

Assim, o capitalismo tornou-se o sistema econômico oficial e vigente, em virtude de a burguesia inglesa ter capital suficiente para financiar as fábricas, adquirir matérias-primas e máquinas, bem como contratar empregados117. O resultado disso foi a hegemonia mundial britânica118 no século XIX, com grande evolução do processo industrial, no plano das relações internacionais e do consumo; um período de acelerado progresso econômico-tecnológico, de expansão colonialista e das primeiras lutas dos trabalhadores.

Mas foi no século XX que as ―revoltas‖ proletárias buscaram com maior ênfase a isonomia na relação com os seus empregadores, diante de uma desigualdade fática entre os seus sujeitos de direito. Esta desigualdade é muito parecida com a propiciada pelas relações de consumo, que surgiram, sobretudo, após a 2ª. Guerra Mundial, já que os países precisaram recuperar-se do prejuízo econômico e social resultante de evento tão danoso, impondo então nova demanda produtiva com supedâneo na política liberal, mas também com introdução de políticas sociais, priorizando as relações coletivas de consumo, a massa consumidora119.

É dessa massa consumidora sedenta por defesa nas relações de consumo que nascem os interesses transindividuais (ou metaindividuais), cujo objetivo é

116 Na época foi editada a Lei dos Cercamentos de Terras, provocando o êxodo rural, pois as terras anteriormente destinadas à agricultura tornaram-se obrigatoriamente objeto de pasto para ovelhas, com a finalidade de produzir lã, segmento liderado mundialmente pelo Reino Unido, e de viabilizar a larga produção industrial. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2012. 117 A taxa de juros no final do século XVIII na Inglaterra era de cerca de 5% a.a. (hoje, 0,5%); na China, por exemplo, onde praticamente não existia progresso econômico, com a economia baseada na agricultura, a taxa de juros era de 30% a.a. (6,56%, hoje). Impulsionada pela grande industrialização a população inglesa neste período quadruplicou, sendo predominante a ocupação urbana. Evidentemente que com o aumento da população existia então mão-de-obra abundante e um novo mercado de consumidores. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2012. 118 Era Vitoriana (1837-1901). 119 Hoje, quem não consome está excluído da sociedade.

66

tutelar os interesses coletivos em sentido lato. Evidentemente que sempre existiram categorias intermediárias de interesses, porém, não existia uma preocupação legislativa e doutrinária em identificar e tutelar todos esses interesses, conforme esclarece Hugo Nigro Mazzilli.120

Todos esses eventos, vale ressaltar, impulsionaram também a globalização, seja por avanços produtivos ou tecnológicos, seja pela abertura de mercados e início da polarização de Estados com o ideário de formação de blocos regionais. A globalização mais frenética, na era da tecnologia e informação sem barreiras (publicidade e marketing, por exemplo) permitiu a busca comum dos Estados no avanço do mercado econômico ―sem fronteiras‖.

No Brasil, a abertura do mercado com ampliação das relações de consumo surge com o retorno das eleições diretas para o Poder Executivo Federal121.

Partindo do sistema jurídico brasileiro, dentro de sua hierarquia lógica de normas, uma vez que as normas são criadas para atender fatos sociais que envolvem o Homem em consonância com a evolução histórica de uma determinada época, a CF/88 previu no artigo 5º, inciso XXXII, como direito e garantia fundamental do indivíduo e da coletividade, a defesa do consumidor: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

Essa matéria foi incluída no rol dos incisos que integram o artigo 5º da Constituição de 1988, porquanto a insuficiência dos instrumentos clássicos de garantia de direitos, sedimentados numa realidade ultrapassada, não se apresentava como suficiente para a tutela dos direitos metaindividuais (coletivos e difusos) e dos individuais homogêneos.122

120 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 13. 121 Foi somente com a eleição direta do Presidente Fernando Collor de Mello, em 1989, que o mercado nacional restou aberto às importações, dinamizando ainda mais as relações de consumo. 122 BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição Federal anotada. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 214.

67

Nesse diapasão, o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias123 dispôs que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaboraria Código de defesa do consumidor, realizando a norma constitucional programática contida no inciso XXXII do artigo 5º da CF/88.

Contudo, referido prazo não foi respeitado, e somente em 11 de setembro de 1990 foi promulgada a Lei nº 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, cuja riqueza das normas o eleva a uma condição de microssistema, produto da pesquisa em diversas legislações consumeristas estrangeiras e do enlace com a Constituição Federal de 1988, o que permite a sua efetiva aplicação nas relações de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor inseriu para a relação entre o fornecedor e o consumidor a Teoria do Risco do Empreendimento124, isto é, aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços deve responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. A ratio essendi do CDC é clara: proteger o consumidor, que não pode assumir os riscos das relações de consumo, sendo uma norma de ordem pública e de interesse social (Artigo 1º do CDC125), permeando a relação de consumo e prevalecendo sobre qualquer outra norma que com ela colida. Isso, sem dúvida, permite maior efetividade ao princípio constitucional econômico inserido no inciso V do artigo 170 da CF/88.

Portanto, além de direito individual e coletivo, a defesa do consumidor também é princípio regulador da atividade econômica, de acordo com o que

123 ―Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.‖ 124 Com base no conteúdo jurídico do princípio da igualdade, bem delineado por Celso Antônio Bandeira de Mello (In: Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. ed. atual. 5ª. tir. São Paulo: Malheiros Editores, 1998), o CDC reconheceu a vulnerabilidade do consumidor e implementou o sistema protetivo que a Constituição Federal preconizou. 125 ―Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.‖

68

determina o artigo 170126, inciso V, da CF/88, posto que sua proteção é medida que visa à harmonização dos interesses das partes integrantes da relação de consumo, colocando-se o Estado como intermediador de eventuais conflitos socioeconômicos.

A concepção de ser a defesa do consumidor um direito econômico fundamental surge após a conquista dos direitos individuais fundamentais (livre iniciativa, liberdade, igualdade, plena propriedade). Ao longo dos anos ficou evidente a existência do abuso dos economicamente mais poderosos em função justamente dos direitos individuais, conquistados numa época127 em que se exigiu a abstenção do Estado no que se referia às relações privadas.

A inserção da defesa do consumidor como direito econômico fundamental na Constituição Federal demonstra que a Constituinte preocupou-se com as modernas relações de consumo e com a proteção do hipossuficiente economicamente. A inexistência de instrumentos que proporcionassem eficaz proteção ao consumidor para fazer valer seus direitos mais básicos, foi essencial para que sua defesa fosse erigida como um direito individual, de modo a determinar-se a edição de norma ordinária, regulamentando não só as relações de consumo, mas também os mecanismos de proteção e efetividade dos direitos do consumidor.128

Roberto Senise Lisboa leciona que:

A cognominada ―despatrimonização‖ dos chamados direitos privados, longe de representar o fim da regulação dos interesses econômicos, significou a revalorização da pessoa e dos direitos extrapatrimoniais existentes, resultando da construção do pensamento voltado a uma maior conscientização da necessidade de se promover a proteção personalíssima, nas sociedades pós-industriais ou da informação, inclusive ob o aspecto de tutela trasnindividual dos interesses (os chamados interesses socialmente relevantes, assim definidos por sua natureza ou por disposição legal). [...]

126 ―Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor; (...).‖ 127 Revoluções Francesa e Americana. 128 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 286.

69

Desse modo, as relações jurídicas constituídas entre os agentes econômicos do mercado de consumo (denominados pelo microssistema positivo pátrio fornecedores e consumidores) sofrem a incidência tanto dos princípios gerais da ordem econômica (cuja finalidade é assegurar a todos uma vida digna, com justiça social) como dos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos (é o que ocorre com a inviolabilidade do direito à vida, à segurança, à igualdade, à liberdade e à propriedade).129

Assim, as relações contratuais de consumo, por exemplo, passaram por uma espécie de uniformização em face dos produtos e serviços, realidade que hoje se faz presente e, por essa razão, o artigo 170, inciso V, da CF/88, tratou de equilibrar a relação entre os agentes econômicos do mercado de consumo de forma geral, observando ainda os direitos individuais e coletivos.

A defesa do consumidor, inclusive, está intimamente ligada ao princípio anteriormente especificado, da livre concorrência, uma vez que o abuso do poder econômico, com dominação do mercado, por exemplo, desequilibraria a concorrência saudável existente no mercado e certamente atingiria o consumidor com a imposição de preços proveniente da eliminação da concorrência e consequente aumento arbitrário dos lucros, além de impor por muitas vezes uma qualidade de bens e serviços inferior ao praticado em outros mercados (veículos importados, por exemplo). Daí a importância de observar-se a defesa do consumidor na exploração da atividade econômica, que deve ser dignificadora para o interesse da coletividade.

O surgimento da sociedade de consumo resultou, então, em uma nova concepção das relações jurídicas, com base nas desigualdades entre os sujeitos de direito, e, por isso, o ordenamento jurídico equilibrou a ordem econômica disciplinando o intervencionismo do Estado para proteger o consumidor, como a criação do PROCON, CADE e das Agências Regulatórias e, ainda, instrumentos processuais como a Ação Civil Pública.

É justamente em razão da presença estatal, por intermédio dos instrumentos legislativos e repressivos, que a defesa do consumidor é uma realidade capaz de

129 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 21-22.

70

reduzir as desigualdades sociais e regionais, pois não é aceitável, por exemplo, que nas regiões menos favorecidas, determinados bens ou serviços, ainda que com incentivo fiscal, possuam preços superiores e qualidades inferiores em relação aos praticados e fornecidos em regiões economicamente mais abastadas, o que se configura como um nítido abuso do consumidor.

Sendo assim, o Código de Defesa do Consumidor, em atenção aos princípios constitucionais da ordem econômica, garante o desenvolvimento equilibrado entre a atividade econômica e a proteção dos consumidores (Artigo 4º, caput, e inciso III130), não permitindo que a força do economicamente mais forte se sobreponha ao economicamente e socialmente mais fraco, o que sem dúvida, atua em favor dos objetivos da República.

5.6 Princípio da Defesa do Meio Ambiente (Artigo 170, inciso VI)

O modelo econômico de ideologia liberal adotado nos séculos XIX e XX, de grande individualidade e máxima exploração dos recursos naturais para se alcançar o resultado com ganho de capital, sobretudo após os avanços tecnológicos e científicos propagados pela Revolução Industrial, acarretou em inequívoca crise ambiental.

A partir da década de 1970 passou-se a discutir com maior ênfase a crise ambiental no cenário nacional e mundial, chegando-se à conclusão de que o uso mercantil ilimitado dos recursos naturais deveria ser estancado, havendo a necessidade de se compatibilizar o progresso humano com a preservação do meio ambiente.131

130 ―Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (...) III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (...).‖ 131 PILATI, Luciana Cardoso; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito ambiental simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011 (coord. José Rubens Morato Leite).

71

Luiz Carlos Amorin Robortella aborda a questão da preocupação das sociedades modernas com a eficácia socioeconômica sustentável, dizendo que o Estado pós-moderno busca “uma economia social de mercado que também se preocupe com a natureza, através da maximização dos recursos naturais cada vez mais escassos”132.

Assim, o uso do meio ambiente deve ser limitado e o desenvolvimento econômico precedido pela defesa do meio ambiente, logo, o Estado pode, inclusive, tratar de forma diferenciada aquele que pretende atuar na atividade econômica e causar impacto ambiental na sua produção de bens e serviços (princípio do poluidor pagador133, por exemplo), limitando ou incentivando a exploração da atividade econômica.

Nesse contexto, o desenvolvimento sustentável de forma a preservar o meio ambiente para as gerações futuras faz ligação direta do princípio constante do artigo 170 com o comando contido no artigo 225134 da Constituição Federal de 1988, levando a efeito uma existência digna, já que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois trata-se de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, devendo ser preservado para as presentes e futuras gerações, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo.

A Constituição Federal de 1988 traz instrumentos capazes de intervir na atividade econômica e permitir que seja cessada a violação ao meio ambiente, como

132 ROBORTELLA. Luiz Carlos Amorim. Intervenção do Estado, Diálogo Social e Transformações do Mercado de Trabalho (In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro - coordenadores. A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011, p. 228). 133 Tatiana Takeda (In: Princípios do Poluidor-Pagador e Usuário-Pagador. Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2012.) explica que ―pelo Principio do Poluidor-Pagador é cobrado dos poluidores todos os danos causados ao meio ambiente, com o fim de manter os padrões de qualidade desejados‖ e menciona ainda Patrícia Faga Iglecias Lemos (In: Direito ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 2ª. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, p. 157), no sentido de que "tal princípio tem como maior objetivo que as chamadas externalidades ambientais, ou seja, os custos das medidas de proteção ao meio ambiente, repercutam nos custos finais de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora. Trata-se da necessidade de internalização total dos custos da poluição". 134 ―Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.‖

72

a ação popular135 e a atuação do Ministério Público por intermédio da ação civil pública, nos moldes do artigo 129 da CF/88136, sendo que “qualquer pessoa física ou jurídica que aparentemente tenha praticado uma conduta causadora de dano ao meio ambiente é passível de ser responsabilizada”137. A legislação federal também permite que eventuais danos sejam cessados e reparados via ação civil pública e atuação do Ministério Público, por ser objeto de um direito da coletividade.

Como assevera Calixto Salomão Filho ao discorrer sobre a efetividade da proteção aos interesses difusos em relação ao meio ambiente:

Para que esses meios de proteção sejam realmente efetivos, no entanto, é necessário que a determinação legislativa de certos interesses como difusos seja perfeitamente correspondente à sua natureza. Isso, sem dúvida, ocorre com o meio ambiente.138

É induvidoso que o crescimento econômico balizado pela globalização, com exigências de cumprimento de metas de crescimento, tem degradado o meio ambiente há muito tempo, em virtude, inclusive, da urbanização desordenada.

Todavia, as políticas públicas voltadas para o meio ambiente e a gestão consciente dos recursos naturais merecem atenção especial do Poder Público. Com a inserção da defesa ao meio ambiente como princípio de ordem econômica, a Constituinte estabeleceu que o Estado é o responsável pelo desenvolvimento de políticas públicas visando ao uso consciente dos recursos naturais e a preservação ambiental como norma de conduta aos atores econômicos, o que resultará na busca pela harmonização de seus interesses com o reflexo que a utilização do meio ambiente poderá causar à sociedade.

135 ―Art. 5º (...) LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (...).‖ 136 ―Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (...).‖ 137 DANTAS, Marcelo Buzaglo. Ação civil pública e meio ambiente: teoria geral do processo, tutela jurisdicional e execução. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 103. 138 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial. As condutas. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 72.

73

Nesse sentido, Fabiano Del Masso ensina que ―o Estado deve regular a exploração econômica considerando a defesa do meio ambiente como uma das mais importantes formas de desenvolvimento social, principalmente dos recursos naturais esgotáveis‖139.

Dessa forma, é evidente que ao limitar a exploração do meio ambiente pela atividade econômica, e ao mesmo tempo, fomentar a atividade econômica que utiliza o meio ambiente como objeto, e de forma sustentável, como no caso do ecoturismo, o Estado permitirá a redução das desigualdades sociais e regionais.

Além disso, o desenvolvimento com ordenação urbana adequada e o desenvolvimento do turismo em regiões de larga beleza ambiental, mas pouco desenvolvidas econômica e socialmente, também efetivam a redução das desigualdades sociais e regionais. Por isso a necessidade de políticas públicas no sentido de incentivar àqueles que utilizam o meio ambiente de forma adequada ao explorar a atividade econômica.

Vale mencionar, ainda, que existem auditorias sociais independentes que permitem a verificação sobre as empresas para que sejam certificadas quanto à sua intervenção e impacto no meio ambiente, como a ISO 14000140.

Infere-se, destarte, que a defesa ambiental ganha caráter social, se observado pela ótica da ordem econômica, pois a preservação do meio ambiente é imprescindível para o bem-estar do ser humano e para a sobrevivência de gerações futuras, devendo-se advertir que não se pode conceber o crescimento econômico sem a utilização do meio ambiente de forma sustentável.

139 MASSO, Fabiano Del. Op. cit., p. 70. 140 ISO 14000 é uma série de normas desenvolvidas pela International Organization for Standardization (ISO) e que estabelecem diretrizes sobre a área de gestão ambiental dentro de empresas. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2013.

74

5.7 Princípio da Busca do Pleno Emprego (Artigo 170, inciso VIII)

O princípio do pleno emprego objetiva propiciar e promover a oportunidade de trabalho aos cidadãos, resultando em uma vida digna.

A busca pelo pleno emprego, princípio da ordem econômica constitucional, é uma forma de garantir a função social da propriedade, direcionando o exercício da atividade econômica às políticas públicas do Estado, não apenas de oferta de emprego e criação de postos de trabalho, mas também como parte de um planejamento econômico que contribua para o desenvolvimento do país e com os preceitos de justiça social e existência digna dos indivíduos: busca de novas tecnologias para a realização da atividade econômica; emprego do capital de forma diligente; e, dentre outras medidas, na capacitação de recursos humanos atuais e futuros.

Repise-se que a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, que estão intimamente ligados141, são elementos fundantes da ordem econômica e de suas atividades, bem como fundamentos da própria República Federativa do Brasil, com previsão nos incisos do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, demonstrando a essencialidade de sua observância.

Segundo o “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial para 2013”, elaborado pelo Banco Mundial, verificou-se que nos países em desenvolvimento os empregos são a pedra angular do desenvolvimento, porquanto produzem benefícios muito além da renda, como a redução da pobreza e um funcionamento mais adequado da região onde vivem. Ainda no bojo do indicado relatório, constatou-se que os empregos ressaltam a importância do setor privado na criação de vagas, em razão de o exercício do emprego pelos trabalhadores contribuir para o desenvolvimento e impulsionar um círculo virtuoso. Conclui o relatório do Banco Mundial que a pobreza diminui à medida que as pessoas conseguem vencer as dificuldades sociais e econômicas por intermédio de seus empregos, pois é evidente

141 Não somente para propiciar renda e consumo ao trabalhador, mas também para permitir o reconhecimento da participação do indivíduo na sociedade e no ciclo econômico-social.

75

que as sociedades florescem na proporção em que os empregos promovem a diversidade e oferecem alternativas aos conflitos sociais. 142

Para Kaushik Basu, Economista-Chefe e Vice-Presidente do Banco Mundial, “os empregos são a melhor garantia contra a pobreza e a vulnerabilidade”, por isso é fundamental nesse sentido, segundo Jim Yong Kim, Presidente do Grupo Banco Mundial, “que os governos desenvolvam um bom trabalho com o setor privado, responsável por 90% da totalidade dos empregos”.143

Por isso, o Poder Público deve proporcionar a capacitação da mão de obra por meio de políticas que ampliem os cursos profissionalizantes (SENAI, ETEC, etc.) para atenderem uma demanda de produção econômica. De outro lado, o Estado deve fomentar a atividade econômica por intermédio de políticas públicas direcionadas à geração de empregos formais e em regiões menos favorecidas.

Marcos Peixoto Mello Gonçalves, ao tratar do pleno emprego como princípio da ordem econômica e do intervencionismo estatal como mote da teoria de Keynes, suscita que:

A ‗Teoria Geral‘ de Keynes é a responsável pela consagração do princípio constitucional do inciso VIII do artigo 170: busca do pleno emprego. O dever ser econômico do pleno emprego que a Constituição consagra é fruto direto da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, obra consagrada à demonstração de que o equilíbrio econômico pode se dar em qualquer nível de emprego. Contrariando os clássicos, Marshall e Pigou, Keynes mostra que pode haver equilíbrio econômico em situações de desemprego e subemprego. Propõe, então, uma atuação do Estado na formação das expectativas de lucro, a fim de que os empresários invistam. Em primeiro lugar, pelo manejo das taxas de juros e da política cambial; em segundo lugar, pela diminuição dos impostos, desde que sem aumento da despesa orçamentária; e em terceiro lugar, pela realização de obras públicas. São meios identificados por Keynes para a busca do pleno emprego, dever ser econômico que a Constituição de 1998 juridicizou. O dever ser econômico constitucionalizado, a partir da contribuição de Keynes, passa a ser uma modalidade de dever ser, parte do

142 Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2012. 143 Disponível em: . Acesso em: 02 out. 2012.

76

universo da representação de como deve se desenvolver a atividade econômica.144

É exatamente a política que se vê aplicada atualmente no Brasil, após a crise econômica mundial de 2008. É este resultado que se vislumbra do investimento do Brasil em sediar os próximos ciclos dos grandes eventos desportivos - Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016 - com diversas obras de infraestrutura por todas as regiões do país.

Assim, com postos formais de trabalho criados em regiões menos desenvolvidas e a capacitação adequada da mão de obra, haverá evidente circulação de riquezas com um desenvolvimento suportado pela consequente redução das desigualdades sociais e regionais.

5.8 Princípio do Tratamento Favorecido às Empresas Brasileiras de Pequeno Porte (Artigo 170, inciso IX)

As empresas de pequeno porte fazem com que a circulação de capitais seja intensa na economia brasileira, inclusive com uma grande oferta de empregos formais e geração de renda. Entretanto, não é possível a competição entre uma empresa de pequeno porte e uma multinacional, por isso, há a necessidade de tratar aquelas empresas de forma diferenciada.

O princípio do tratamento diferenciado tem o objetivo de distinguir as diversas empresas do País de acordo com seu nível de faturamento bruto anual145, a fim de que se criem condições para um melhor equilíbrio do mercado.

Com base nesse princípio constitucional, houve a instituição da Lei Complementar nº. 123, de 14 de dezembro de 2006146, a qual estabeleceu o

144 GONÇALVES, Marcos Peixoto Mello. Direito e Economia - Democracia Política e Economia: Reflexos do Art. 165 da Constituição de Weimar. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 153-154. 145 É considerada empresa de pequeno porte a pessoa jurídica de direito privado que auferiu receita bruta anual máxima de até R$ 3,6 milhões. 146 Alterada pela Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008.

77

"Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte", efetivando também o artigo 179 da CF/88147.

Dessa forma, pela mencionada lei complementar, foi criado um rol de normas gerais para efetivar o tratamento distinto às empresas de pequeno porte que facilitam a sua operacionalização, como a unificação de tributos, preferência na contratação com o serviço público e outros diferenciais para uma relação de mercado mais justa.

Lafayete Josué Petter, ao discorrer sobre a importância do tratamento diferenciado às pequenas empresas, menciona que:

Privilegia-se o empresário que está disposto a investir no desenvolvimento de sua região e viabilizar o pleno emprego. Por outro lado, o tratamento diferenciado pode ser interpretado como uma forma de o Estado equilibrar a relação com os maiores de modo a favorecer à atuação das micros e EPPs no jogo do mercado. Esse tratamento tem enormes consequências sociais e econômicas. E é compreensível tal favorecimento, sobretudo quando se leva em conta que não é justo impor-lhes os mesmos ônus burocráticos que são estabelecidos para as macroempresas. Estas dispõem de recursos em maior quantidade para enfrentar esta carga burocrática além de internalizarem tais custos de modo mais natural.148

A indução positivada que efetivou o tratamento constitucional diferenciado às pequenas empresas precisa ainda de mais incentivos para ampliar o seu objetivo, como a criação de maiores linhas de crédito e financiamentos de projetos junto ao BNDS. É comum grandes empresas obterem empréstimos de monta vultosa, até mesmo bilionários, mas ao pequeno empresário estas políticas ainda estão muito restritas e distantes.

O tratamento diferenciado incentiva e possibilita àqueles que exploram a atividade econômica de forma informal149 a regularizarem os seus pequenos

147 Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. 148 PETTER, Lafayete Josué. Direito Econômico. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, p. 99. 149 A crise econômica global da primeira década deste século levou as questões relacionadas ao emprego no núcleo do diálogo sobre desenvolvimento e, segundo o Relatório de Desenvolvimento do

78

negócios, propiciando um possível crescimento da sua empresa, bem como a geração de postos formais de trabalho com a observância dos direitos sociais de seus empregados e o ingresso de créditos tributários nos cofres públicos para a redistribuição regional.

Inclusive, com a realização, no Brasil, dos principais eventos desportivos mundiais nos próximos anos (Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016), serão criadas novas oportunidades de negócios para as pequenas empresas, porquanto se espera pela visitação de mais de 500 mil turistas, com grande fluxo de circulação de pessoas e de capital.

A exploração de produtos exclusivamente nacionais e de matérias-primas pelo comércio local, conjugados com os serviços relacionados ao turismo, possibilitará aos micro e pequenos empresários o desenvolvimento de seus negócios no momento antecedente, durante e posteriormente aos mencionados eventos esportivos.

Assim, a exploração do comércio e dos serviços nas regiões desses eventos, ou mesmo em outras regiões, mas em virtude deles, tornará as micro e pequenas empresas mais competitivas e preparadas para oferecer produtos e serviços adequados, oportunizando um desenvolvimento com uma gestão sustentável de ganho adicional baseado no aumento da capacidade produtiva, inovação e oferta adequada de produtos e serviços, bem como melhor qualificação dos funcionários e parceiros negociais.

Todos esses resultados, sem dúvida, permitem a redução das desigualdades sociais e regionais.

Banco Mundial, mais de 3 bilhões de pessoas estão trabalhando atualmente, porém quase metade destas pessoas laboram na agricultura ou em pequenas empresas familiares ou informais, com renda escassa e sem direitos sociais. Por isso, o Presidente do Grupo Banco Mundial, Jim Yong Kim, diz que é necessário encontrar as melhores formas para colaborar para o crescimento das pequenas empresas e atividades agrícolas.

79

6 A REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS E REGIONAIS COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO ECONÔMICO

A redução das desigualdades sociais e regionais a teor de ser um objetivo da República, nos termos do insculpido pelo artigo 3º, inciso III, da CF/88, também foi inserida como princípio constitucional da atividade econômica e se inter-relaciona com os demais princípios da estrutura econômica insculpida no artigo 170, caput, e incisos. A inserção e a compatibilização têm a sua razão de ser.

O Brasil, desde a sua divisão em Capitanias Hereditárias150, constituiu o seu território baseado em segmentos regionais. Na época do colonialismo, o Brasil era dividido em segmentos longitudinais e, posteriormente, com a adoção do modelo de federalismo e a divisão em Estados-Membros, em regiões151 que pudessem adequar a diversidade cultural, social e da economia própria da região.

Para se imprimir um desenvolvimento equilibrado entre as Regiões brasileiras, o que afetará consequentemente a evolução social, é necessária a implementação de políticas públicas para estimular a economia regional, por meio de incentivos fiscais, receitas orçamentárias privilegiadas e de programas sociais. Somente com a redução das desigualdades regionais é que será possível alcançar também o desenvolvimento social, com a erradicação da pobreza e o bem-estar social.

André Ramos Tavares indica que este princípio:

[...] impõe que o desenvolvimento econômico e as estruturas normativas (liberais) criadas para fundamentar o crescimento econômico devam estar voltados também à redução das desigualdades em todas as regiões do país, bem como ao desenvolvimento social. Para tanto, poder-se-á utilizar, especialmente, da implementação de políticas públicas, como incentivos, buscando reduzir as diferenças entre essas regiões e alcançar melhorias de ordem social152.

150 Forma de administração territorial do Império Português para colonizar e explorar o território brasileiro por intermédio de donatários, uma vez que os recursos da Coroa eram escassos. Teve duração entre os séculos XVI e XVIII. 151 Norte, Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. 152 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 213.

80

O artigo 21, inciso IX, da CF/88, dispõe que compete à União “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”, sendo que nos termos do artigo 43, também da Carta Magna, “poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”. Por sua vez, o artigo 23, inciso X, da CF/88, dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, possuem competência comum para “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”, e, diante disso, o artigo 25, §3º, também do Texto Constitucional, estabelece que os Estados “organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”, sendo que poderão “instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”, mediante lei complementar.

Por isso, Nelson Nazar diz que a redução das desigualdades regionais e sociais “configura um perfil social democrático da Constituição, que se conecta aos arts. 3º, inciso III (elencado como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil); 25, §3º; e 43 da Carta Magna promulgada em 5 de outubro de 1988”153.

Outrossim, as condições para integração de regiões em desenvolvimento e a composição dos organismos regionais que executarão os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social, serão objeto de lei complementar, nos termos do §1º do artigo 43 da Constituição Federal. Um exemplo de organismo regional instrumental para o desenvolvimento regional e social é a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)154,

153 NAZAR, Nelson. Op. cit., pp. 65-66. 154 ―Compete à Sudene: I - definir objetivos e metas econômicas e sociais que levem ao desenvolvimento sustentável de sua área de atuação; II - formular planos e propor diretrizes para o desenvolvimento de sua área de atuação, em consonância com a política nacional de desenvolvimento regional, articulando-os com os planos nacionais, estaduais e locais; III - propor diretrizes para definir a regionalização da política industrial que considerem as potencialidades e especificidades de sua área de atuação;

81

integrante do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, criada pela Lei Complementar nº. 125, de 3 de janeiro de 2007, cuja missão institucional é "promover o desenvolvimento includente e sustentável de sua área de atuação e a integração competitiva da base produtiva regional na economia nacional e internacional"155.

O Ministério da Integração Nacional tem importante participação no desenvolvimento social e regional, já que formula e conduz a Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR; cria planos e programas regionais de desenvolvimento; estabelece estratégias de integração das economias regionais; conclama as diretrizes e prioridades na aplicação dos recursos dos programas de financiamento de que trata a alínea "c" do inciso I do art. 159 da Constituição Federal; acompanha e avalia os programas integrados de desenvolvimento nacional, dentre outras medidas necessárias ao cumprimento do objetivo constitucional de reduzir as desigualdades sociais e regionais156.

IV - articular e propor programas e ações nos Ministérios setoriais para o desenvolvimento regional, com ênfase no caráter prioritário e estratégico, de natureza supra-estadual ou sub-regional; V - articular as ações dos órgãos públicos e fomentar a cooperação das forças sociais representativas de sua área de atuação de forma a garantir o cumprimento dos objetivos e metas de que trata o inciso I do caput deste artigo; VI - atuar, como agente do Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, visando a promover a diferenciação regional das políticas públicas nacionais e a observância dos §§ 1o e 7º do art. 165 da Constituição Federal; VII - nos termos do inciso VI do caput deste artigo, em articulação com o Ministério da Integração Nacional, assessorar o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão por ocasião da elaboração do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento geral da União, em relação aos projetos e atividades previstas para sua área de atuação; VIII - apoiar, em caráter complementar, investimentos públicos e privados nas áreas de infra-estrutura econômica e social, capacitação de recursos humanos, inovação e difusão tecnológica, políticas sociais e culturais e iniciativas de desenvolvimento sub-regional; IX - estimular, por meio da administração de incentivos e benefícios fiscais, os investimentos privados prioritários, as atividades produtivas e as iniciativas de desenvolvimento sub-regional em sua área de atuação, conforme definição do Conselho Deliberativo, em consonância com o § 2º do art. 43 da Constituição Federal e na forma da legislação vigente; X - promover programas de assistência técnica e financeira internacional em sua área de atuação; XI - propor, mediante resolução do Conselho Deliberativo, as prioridades e os critérios de aplicação dos recursos dos fundos de desenvolvimento e dos fundos setoriais na sua área de atuação, em especial aqueles vinculados ao desenvolvimento científico e tecnológico; XII - promover o desenvolvimento econômico, social e cultural e a proteção ambiental do semi-árido, por meio da adoção de políticas diferenciadas para a sub-região.‖ 155 Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2012. 156 Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2012.

82

Nessa linha, Leonardo Vizeu Figueiredo157 afirma que pelo princípio da redução das desigualdades sociais e regionais constata-se uma “triste realidade nacional, a de que o Brasil é um país de regiões privilegiadas e marginalizadas”, tratando-se “de princípio de integração da Nação brasileira, baseado em um conceito de federalismo cooperativo e assimétrico”, consistindo em um “compartilhamento equânime, em todas as regiões do país, do desenvolvimento social advindo da exploração de atividade econômica”.

No mais, consoante com o §2º, incisos I, II e III, do artigo 43, da CF/88, poderão ser concedidos incentivos regionais, mediante a edição de lei, que compreenderão, dentre outros a:

[...] igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público; juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias, isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas.

Nesse contexto, prevê o inciso IV do §2º do mesmo artigo 43, a “prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas”. Além disso, nessas áreas, a União “incentivará a recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação” (§3º).

Já o artigo 159, inciso I, alínea ―c‖, da Constituição Federal enfatiza que a União aplicará 48% do produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados de diversas formas, sendo que 3% será para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio de suas instituições financeiras regionais em consonância com os planos regionais de desenvolvimento, assegurado ao semiárido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região.

157 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit. pp. 64-65.

83

Enfim, o comando do artigo 174 da CF/88 especifica ainda que o Estado deve exercer as funções de fiscalizar, incentivar e planejar, na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica.

No caminho de se reduzir as desigualdades sociais e regionais por intermédio de políticas públicas tributárias e orçamentárias, Lafayete Josué Petter exemplifica que:

[...] a despeito da proibição da União de instituir tributo que não seja uniforme no território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação à Estado ou Município (C.F., art. 151, inciso I), ela entregará 3% do produto da arrecadação do IR e do IPI às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para aplicação em programas de financiamento do setor produtivo (C.F., art. 159, inciso I, alínea ―c‖). Objetiva-se favorecer as regiões mais pobres. Aos Estados, por exemplo, é conferida a possibilidade, via legislação estadual, de disciplinar o retorno do ICMS devido aos Municípios em proporção diversa do valor adicionado, que por si só apenas reflete a riqueza criada, possibilitando a inserção de fatores sociais (população, renda per capita, etc.), promovendo a redução das desigualdades entre as municipalidades (C.F., art. 158, parágrafo único), cujos efeitos ocorreriam até no retorno de IPI que é feito em proporção às exportações realizadas (C.F., art. 159, inciso II e parágrafo 3º). Por fim, as metas e objetivos de longo prazo, tais como a da redução das desigualdades socais e regionais, devem estar consignadas no plano plurianual (C.F., art. 165, parágrafo 1º).158

Sobre a intervenção estatal mediante a indução, via políticas de tributação, para se efetivar o desenvolvimento social e regional e, por conseguinte, reduzir as suas desigualdades, nos termos do que determinado pelo Texto Constitucional, nos dizeres de Diego Bomfim:

[...] é de se reconhecer que o manejo dos tributos como forma de intervenção estatal, apesar de não configurar fenômeno recente, passou mais intensamente a ser utilizado como instrumento de intervenção do Estado sobre o domínio econômico em razão do advento do Estado social fiscal com sua concepção intervencionista, sendo fácil perceber o novo e importante papel que a tributação assume nesse cenário. [...] É justamente por essa razão que a tributação como instrumento de indução comportamental se mostra efetiva.159

158 PETTER, Lafayete Josué. Op. cit., p. 92. 159 BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 102.

84

De fato, este princípio constitucional da ordem econômica compatibiliza os objetivos republicanos relacionados ao desenvolvimento social com a atividade econômica. No mesmo sentido, João Bosco Leopoldino da Fonseca aduz que:

Também este princípio da ordem econômica e financeira está em sintonia com os objetivos estabelecidos no artigo 3º da Constituição, que preconiza a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, bem como ainda a promoção do bem de todos, dentro de um quadro de garantia do desenvolvimento de âmbito nacional.160

Ainda no escopo dos ensinamentos de Lafayete Josué Petter, resta bem analisado o princípio em evidência, no sentido de que objetiva a efetividade da isonomia e da distribuição dos louros do desenvolvimento econômico para se reduzir as desigualdades sociais e regionais:

Esse princípio representa a busca por uma maior isonomia entre as diversas regiões do País, ou seja, uma melhor equalização das condições sociais e regionais. Um dos mecanismos utilizados para a redução das desigualdades regionais previstos na Constituição são os incentivos tributários e orçamentários (art. 43 e 165, §1º da Constituição). [...] A bem da razão, a meta da redução de tão discrepante realidade, que a marca registrada de nosso País, pode ser identificada no princípio isonômico, em sua faceta substancial, que se ancora na dignidade da pessoa humana, fim da ordem constitucional econômica. Mesmo a superação dos problemas políticos passa pelo estabelecimento de um processo de desenvolvimento com progressiva eliminação das desigualdades sociais. [...] E o pior é que a história da ocupação do território brasileiro bem dá conta dos motivos de tantas diferenças encontradas nas realidades sociais e regionais, o que significa dizer que mudanças concretas não ocorrerão naturalmente, mas são mesmo dependentes de uma forte atuação estatal corretiva desta situação. [...] O crescimento econômico não é o fim em si, mas um simples meio para o bem estar geral. Ele não pode ser posto a serviço tão somente de um desenvolvimento obtido a qualquer preço, isto é, com sacrifícios que importem em um processo de exclusão crescente. Há de se partilhar uma razoável distribuição dos benefícios desse processo de crescimento. O nosso País apresenta problemas de desigualdade acentuada, tanto social como regionalmente. A

160 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 97.

85

melhoria das condições sociais há de se dar ao mesmo tempo em que se promove desenvolvimento econômico.161

Dessa forma, conforme leciona Fabiano Del Masso, “o mandamento do princípio é o do desenvolvimento equilibrado das regiões brasileiras”, sendo que:

O agente econômico privado, se não direcionado por políticas públicas que o estimulem a empreender e desenvolver regiões específicas, pouco poderá fazer para a aplicação do princípio. Assim, dirige-se o legislador ao próprio Poder Público, que identificará as regiões e criará as políticas de desenvolvimento econômico.162

Em tempo, Lafayete Josué Petter, em obra específica sobre os princípios constitucionais econômicos, explica que o desenvolvimento segue além do crescimento econômico, alcançando verdadeiramente o crescimento do nível social das pessoas, grupos e regiões:

Demais disto, como o desenvolvimento não se reduz apenas ao aspecto econométrico da expressão – crescimento econômico -, mas importa mesmo uma elevação do nível cultural-intelectual comunitário e, portanto, é um processo ativo de mudança social, a redução das desigualdades regionais traz enormes benefícios para o País, especialmente se considerarmos a imensidão do território nacional. Ao contrário, a má distribuição de rendas conduz a uma série de problemas sociais a começar pelos grandes fluxos migratórios e o inchamento das grandes cidades, os quais, por sua vez, acabam por levar a outros problemas como o sobre carregamento em determinadas regiões, da infraestrutura de serviços de utilidade pública – v.g., energia, comunicações, transportes – e da rede fornecedora de serviços públicos – saúde, saneamento, educação -, além do aumento da criminalidade e da violência urbanas e até do crescimento da discriminação social.163

Portanto, diante dos comandos constitucionais e dos acontecimentos inerentes à economia e à atividade econômica, deve o Estado intervir na economia para exercer as funções que lhe foram outorgadas para reduzir as desigualdades sociais e regionais. E a redução das desigualdades sociais e regionais, seja como objetivo da República, seja como princípio a ser observado pela atividade econômica, está no núcleo do direito ao desenvolvimento, na tentativa de fazer dos

161 PETTER, Lafayete Josué. Op. cit., pp. 91-93. 162 MASSO, Fabiano Del. Op. cit., p. 71. 163 PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica. São Paulo: RT, 2005, p. 257.

86

comandos constitucionais normas que efetivam o crescimento econômico com a distribuição do bem-estar social, em verdadeiro círculo virtuoso.

87

7 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento sempre foi objeto de busca pelos Estados. Nesse diapasão, as reivindicações em prol do reconhecimento e da respectiva tutela sobre os direitos humanos, incluindo aí o direito ao desenvolvimento, passaram a ganhar força dentro de um processo de racionalização moral, social e jurídica, ascendente desde o final do século XVIII.

Em 1770, a expressão "droits fondamentaux" ("direitos fundamentais") surge na França como consequência do movimento político e cultural que resultou na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, caracterizada pela exposição dos direitos humanos.

Entretanto, conforme ensina Lauro Ishikawa, “é necessário distinguir os Direitos Humanos dos Direitos Fundamentais” e, dessa forma, bem especifica:

Os Direitos Humanos são aqueles conhecidos e reconhecidos universalmente, nos Tratados Internacionais, Declarações e nas demais normas internacionais, como tudo aquilo que é fundamental para assegurar o desenvolvimento do ser humano e de todos os povos. Por outro lado, os Direitos Fundamentais são aqueles Direitos Humanos internalizados por meio da Constituição Federal do respectivo país e, no caso do Brasil, são os direitos insculpidos no título II da Constituição Federal e, todo o rol de direitos que estão em consonância com aquele espírito, em todo o ordenamento jurídico do país, em conformidade com o art. 5º, § 2º, da Constituição.164

Ricardo Hasson Sayeg também demonstra tal necessidade salientando que:

[...] os direitos humanos não se confundem com os direitos fundamentais, embora esses sejam também relevantíssimos. Os direitos humanos vêm antes, são pré-existentes, fruto da natureza humana, direitos inatos como dito, enquanto, por outro lado, os direitos fundamentais são direitos outorgados pelo Estado. Por tal

164 ISHIKAWA, Lauro. O Direito ao Desenvolvimento como Concretizador do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Dissertação para a obtenção do título de Mestre, ano de 2008, pela PUC-SP.

88

razão, entender os direitos humanos estritamente como direitos fundamentais é minimizá-los.165

Feita a breve distinção, vale lembrar que de acordo com a própria evolução da sociedade humana, os direitos humanos ficaram marcados por dimensões de direitos que, com o passar dos tempos, interagem-se sucessivamente, sem que a anterior fosse substituída pela posterior.

Nesse diapasão, Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano mencionam que:

[...] O atual mundo jurídico enfatiza a constatação e a reivindicação de direitos que objetivam proteger e garantir a dignidade da pessoa humana em toda sua complexidade. Convivem os tradicionais direitos civis e políticos com os direitos sociais, econômicos e culturais, num ambiente propício ao desenvolvimento científico e tecnológico, onde surgem novos paradigmas e, por conseguinte, a necessidade de respostas rápidas e simétricas às circunstâncias históricas, além de adequadas a conceitos como liberdade, igualdade e fraternidade.166

Assim, identificam-se os direitos tidos como de primeira dimensão, por caracterizarem o estabelecimento de limitações ao Poder do Estado, com o intuito de garantir a liberdade civil e política do cidadão, bem como a esfera íntima da vida humana167: direito à vida, à liberdade, à igualdade formal e à propriedade.

Depois, advieram os direitos conhecidos como de segunda dimensão, compostos pelas conquistas econômicas, sociais e culturais do homem168, na medida em que surge a necessidade de garantir a promoção social da coletividade a ser implementada pelo Estado como sujeito garantidor do desenvolvimento

165 SAYEG, Ricardo Hasson. Análise Contemporânea do Direito em face da Globalização e da Crise Econômica: II Congresso Internacional de Direito (Brasil – Europa). Organização: Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa; Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-SP; Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa. Lisboa: Almedina, 2010, p. 187. 166 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 229. 167 Os direitos de primeira dimensão são considerados como negativos, pois exigem do Estado sua abstenção. Esses direitos foram universalizados pela Revolução Francesa e encontram-se descritos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, com a aprovação obtida na XXI Assembléia Geral da ONU, no dia 16 de dezembro de 1966. Sua validade internacional se deu em 23 de março de 1976. 168 Os direitos humanos de segunda dimensão surgiram no final do século XIX tendo um cunho histórico trabalhista embasado no marxismo.

89

econômico, social e cultural do ser humano, destacando-se as Constituições Mexicana de 1917 e a Alemã de 1919 (Weimar)169. Esta segunda dimensão de direitos é representada pelo direito ao trabalho, à saúde, à moradia, à cultura e à educação, dentre outros.

A humanidade vivenciou, ainda, o advento dos direitos humanos denominados de terceira dimensão, conhecidos doutrinariamente como direitos de solidariedade e fraternidade170. Esses direitos estão distribuídos pelo direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, o direito à paz, o direito à autodeterminação dos povos, à comunicação e ao desenvolvimento.

Na contemporaneidade, vive-se a quarta dimensão, consubstanciada nos direitos humanos caracterizados pelas conquistas científicas nos campos da biotecnologia e genética (Biodireitos e Bioética), como resultado da globalização dos direitos fundamentais. Já se fala até em quinta geração, relacionada à cibernética, inclusão digital e do direito à comunicação em massa (Direito da Informática). Todavia, a positivação destes novos direitos, que surgiram no início deste século, ainda percorrerá um longo caminho de debates e que foge neste momento do escopo deste estudo.

Nesse passo, vislumbra-se da Constituição Federal de 1988 uma grande quantidade de normas constitucionais programáticas relacionadas aos direitos econômicos e sociais, ou seja, que visam justamente propiciar o direito ao desenvolvimento, como o princípio da atividade econômica que impõe a busca pela redução das desigualdades sociais e regionais.

Contudo, como se sabe, a proteção dos direitos humanos171 não se reduz mais ao plano interno de cada Estado, porque essa tutela está vinculada ao próprio

169 A Constituição de Weimar representa a ascensão do Estado Social do século XX sobre a decadente crise do Estado Liberal do século XVIII. Foi o marco do movimento constitucionalista que consagrou os direitos sociais de 2ª dimensão, relativos às relações de produção e de trabalho, educacionais, culturais, reorganizando o Estado em função da sociedade e não mais do indivíduo. 170 Os direitos humanos de terceira geração são denominados de direitos de solidariedade ou de fraternidade e foram desenvolvidos no século XX, compondo os direitos que pertencem a todos os indivíduos, constituindo um interesse difuso, ou seja, tendem a proteger os grupos humanos. 171 Os direitos humanos pressupõem o pleno exercício dos direitos civis e políticos, baseados na liberdade, igualdade material e na justiça social, protegidos por toda a comunidade internacional.

90

destino da humanidade. A partir desta conscientização, passa a ser admitida a responsabilização internacional e um entendimento mais flexibilizado entre as nações, tudo sob a compreensão de que o indivíduo, por ser sujeito de direitos, também é destinatário de proteção internacional.

A definição de direitos humanos é uma pluralidade de significados, em virtude da historicidade destes direitos e da sua concepção contemporânea, que foi introduzida com o advento da Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Esse conceito de contemporaneidade é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, surgido como resposta às atrocidades cometidas pelo Estado nazista de Hitler. 172

Os direitos humanos estão caracterizados pela universalidade e indivisibilidade. O sentido universal desses direitos está relacionado com o simples fato de que basta a condição de se tratar de uma ―pessoa‖ para que seja titular da dignidade; a indivisibilidade advém da interdependência entre a garantia dos direitos civis e políticos e a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice- versa, pois, ao se violar um deles, automaticamente os demais também restarão violados.173

Neste sentido, os direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento, são arquitetados como uma unidade interdependente, inter-relacionada e indivisível. Portanto, o direito à liberdade está diametralmente ligado à garantia do direito à igualdade material, ou seja, aquela que se volta à redução das desigualdades sociais, protegendo com instrumentos jurídicos e políticos os indivíduos ou grupos que possuem situação desvantajosa (trabalhador, consumidor, população de baixa renda, crianças e adolescentes).

Sabrina Morais bem adverte que, sobre o desenvolvimento, é necessária a intervenção das nações para efetivar os objetivos do direito ao desenvolvimento:

172 PIOVESAN, Flavia. Direitos Reprodutivos como Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012. 173 PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos Globais, Justiça Internacional e o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2012.

91

Parte-se da concepção de que o homem não deve esperar uma atuação natural para solução de suas pretensões, mas intervir ativamente para conseguir seus objetivos, construindo e transformando os elementos em seu entorno, planificando e estabelecendo metas. [...] Como objetivos do Direito ao Desenvolvimento se verificam a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a promoção da máxima igualdade econômica e social possível dentro do âmbito do Estado ,com a oferta de formação aos cidadãos, para que sejam capazes de decidir seus próprios destinos, planejando seu futuro, também denominada racionalidade enquanto necessidade e emancipação.174

Justamente nesse aspecto é que as nações passaram a se integrar para buscar o desenvolvimento dos Estados e de seus indivíduos. E foi pela criação do Banco Mundial - formado pelo BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e pela AID (Associação Internacional de Desenvolvimento) - nas Conferências de Bretton Woods, em 1944175, que se iniciou a luta pelo desenvolvimento dos Estados com repercussão difusa interna e externa, antes mesmo do final da Segunda Grande Guerra Mundial.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a vitória dos países aliados, o alinhamento político e a estrutura social mundial restaram significativamente alterados. Enquanto a Organização das Nações Unidas era estabelecida para estimular a cooperação global e evitar futuros conflitos, a União Soviética e os Estados Unidos emergiam como superpotências rivais, preparando-se para uma Guerra Fria176 que se estenderia pelos próximos quarenta e seis anos.

174 MORAIS, Sabrina. O Direito Humano Fundamental ao Desenvolvimento Social: Uma Abordagem Interdisciplinar e Pluralista ao Direito Constitucional entre Brasil e Espanha. Florianópolis: OAB/SC, 2007, pp. 82-83 e 85. 175 O Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi criado no mesmo evento, é uma organização internacional que objetiva assegurar o correto funcionamento do sistema financeiro mundial pelo monitoramento das taxas de câmbio e da balança de pagamentos, por intermédio de assistência técnica e financeira. Apesar das duas instituições estarem sediadas em Washington, D.C., em regra o Banco Mundial é liderado por um norte-americano, enquanto o FMI é liderado por um europeu, demonstrando o poder que o capital exerce nas instituições internacionais. O Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) possui atualmente 187 países-membros, sendo criado em 1944 por meio dos Acordos de Bretton Woods. O BIRD proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias e com bons antecedentes de crédito. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às suas subscrições de capital, que por sua vez estão baseadas no poder econômico de cada país. O BIRD levanta grande parte dos seus fundos por intermédio da venda de títulos nos mercados internacionais de capital. Juntos, o BIRD e a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) formam o Banco Mundial. 176 Designação atribuída ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, compreendendo o período entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991). Em resumo, foi um conflito de ordem política,

92

Nesse ínterim, a aceitação do princípio de autodeterminação acelerou movimentos de descolonização na Ásia e na África, enquanto a Europa ocidental dava início a um movimento de recuperação econômica e integração política e econômica. No final da Segunda Guerra Mundial, então, o direito ao desenvolvimento emergia integrando direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos.177

Nesse contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXII, consagrou que "toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade". Assim, advieram a Carta das Nações Unidas de 1945, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) de 1966.

O conceito de Direito ao Desenvolvimento, todavia, bem como o momento histórico que o emergiu, é muito recente, tendo sido citado pela primeira vez em 1972 pelo Chefe de Justiça do Senegal, Keba MBaye, o qual o caracterizou como “um direito humano, inalienável de qualquer pessoa a participar de todos os tipos de desenvolvimento, tanto o econômico quanto o social, o político e o cultural, sendo eles influentes na qualidade de vida humana”. 178

Destarte, os ideais de justiça e igualdade são relevantes no conceito do direito ao desenvolvimento, não se limitando pura e simplesmente na obrigação estatal de fomentar o crescimento do país com a elevação do PIB (Produto Interno Bruto) ou com programas assistenciais a famílias carentes, por exemplo, mas sim à evolução de todas as áreas da pessoa humana. O polo ativo, de recepção do direito ao desenvolvimento, é formado pelos seres humanos e povos, enquanto o polo

militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria>. Acesso em: 28.09.2012. 177 Disponível em: . Acesso em: 23.08.2012. 178 RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao Desenvolvimento – antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

93

passivo é representado pelo Estado, responsável por fornecer toda a proteção dos sujeitos de direitos, inclusive no âmbito da atividade econômica.

Em 1981, por intermédio da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (1981), estabeleceu-se que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável. E, em 1986, foi ele consagrado pela ONU (Organização das Nações Unidas), por meio da ―Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento‖, cujo artigo 1º dispõe ser:

[...] o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

A Resolução 41/128 da Assembleia Geral da ONU, realizada em dezembro de 1986, dispôs sobre o direito ao desenvolvimento:

[...] como processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes.179

Desta forma, o direito ao desenvolvimento é, concomitantemente, um direito individual, inerente a todo ser humano e, também, um direito de todos os povos, lembrando que a coletividade também é objeto de tutela com base nos direitos humanos contemporâneos. O direito ao desenvolvimento deve ser observado e concretizado por todos os Estados, nos planos interno e externo. Daí a obrigação do Estado em formular e implementar políticas públicas aptas a concretizar tal direito, lembrando que o desenvolvimento social e econômico reduz as desigualdades entre povos e regiões.

179 RISTER, Carla Abrantkoski. Op. cit. p. 56.

94

Entretanto, não basta crescer economicamente. Imprescindível é aumentar o grau de acesso das pessoas não só à renda, mas à riqueza em si, ao conhecimento, à capacidade e à possibilidade de influir nas decisões públicas180.

7.1 Direito ao Desenvolvimento Nacional: Econômico e Social

Internamente, o ordenamento jurídico brasileiro contempla o direito humano fundamental ao desenvolvimento econômico e social em regime jurídico próprio instituído no nível constitucional, conforme estabelecido nos Títulos da Ordem Econômica e da Ordem Social, contidos na Constituição Federal de 1988. E, como toda norma constitucional, pressupõe poder normativo e impõe obrigações, às quais não se podem furtar os poderes públicos legitimamente constituídos.

Ainda, a Constituinte elegeu o desenvolvimento nacional como um dos objetivos da República, conforme dispõe o artigo 3º da Lei Fundamental, entre outros, como a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais.181 Portanto, o direito ao desenvolvimento é condição imprescindível para a realização dos fins republicanos, que por sua vez interage com a interpretação de todas as disposições constitucionais do Texto Maior.

180 Há que se buscar, efetivamente, o resgate da dignidade de muitos seres humanos. A título de exemplo, na China, hoje, aumentou o número de milionários no país, mas não possuem capacidade de decisões políticas. Além disso, existe um número ascendente de milionários, mas a maioria da população é pobre e não possui direitos sociais. Já na França, em pesquisa realizada, viu-se que era preferível ser culturalmente rico a ser materialmente abonado. 181 ―Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; V - igualdade entre os Estados; VII - solução pacífica dos conflitos; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.‖

95

Os comandos constitucionais relacionados à ordem econômica deixam evidente que a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros deve crescer na proporção do desenvolvimento das riquezas e dos bens de produção, isto é, as diversas camadas sociais devem ter a mesma possibilidade de evolução, em igualdade de condições para acessar este desenvolvimento. O indivíduo ou a coletividade são sujeitos ativos dessa relação e devem cobrar do sujeito passivo, o Estado, os mandamentos constitucionais relacionados ao desenvolvimento.

Nesse contexto, o desenvolvimento nacional tem o condão de garantir de maneira ampla uma melhor qualidade de vida, tanto no aspecto material em si, quanto no sentido de proporcionar condições de vida mais saudáveis aos indivíduos, individualmente e coletivamente. A riqueza gerada em virtude do desenvolvimento econômico deve ser colocada à disposição para a aquisição por todo o meio social.

Por isso, a Constituinte previu as normas constitucionais programáticas, que têm por objeto disciplinar os interesses econômico-sociais (realização da justiça social; existência digna; valorização do trabalho; desenvolvimento econômico; assistência social; intervenção do Estado na ordem econômica; amparo à família; combate à ignorância; estímulo à cultura, ciência, tecnologia e desporto). Essas normas acabam por vincular os Poderes, uma vez que o Legislador não pode editar leis contrárias a elas; o Judiciário não pode negar-lhes vigência ou julgar contrariamente a elas; e, o Executivo, não pode produzir políticas públicas em sentido oposto às suas disposições.

Assim, pode-se dizer que as normas constitucionais programáticas são normas jurídico-constitucionais que prescrevem obrigações de resultados. Essas normas positivam os valores, cabendo ao Estado realizá-los, de modo que a sua normatização determine ao Poder Legislativo disciplinar os aspectos legais dos programas constitucionais, destinando-se também aos demais órgãos do Estado.

Em observação às normas constitucionais programáticas, vale transcrever a lição de Jorge Miranda:

96

Nas Constituições liberais do século XIX, as normas substantivas são quase todas normas orgânicas e as normas de fundo circunscrevem- se aos direitos, liberdades e garantias. Dominam, portanto, as normas preceptivas. Nas Constituições sociais, socializantes ou socialistas do século XX, as normas de fundo, bem como as normas de garantia, dilatam-se muitíssimo e passam a prever direitos sociais e a organização econômica. Deparam-se, então, com maior ou menor equilíbrio, as normas preceptivas com os problemas postos pelas normas programáticas.182

Por sua vez, Gomes Canotilho repele a identificação da norma programática como mera intenção declaratória, para convertê-la em "simples programas", em "exortações morais", em "apelos ao legislador".183

Segundo a doutrina de José Afonso da Silva, as normas constitucionais programáticas são aquelas que traçam princípios a serem cumpridos pelos órgãos estatais (legislativo, executivo, judiciário e administrativo), visando à realização dos fins sociais do Estado. 184

As normas constitucionais programáticas, verdadeiros objetivos do Poder Público185, possuem relação direta com a ordem econômica e social, sendo que diversas delas se concentram nos Títulos VII e VIII da Constituição Federal de 1988186. Essas normas programáticas inseridas na ordem econômica e social têm

182 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1981. v. 1. t. II, p. 535. 183 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1981. v.2, pp. 11-12. 184 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003, p.138. 185 Eros Roberto Grau ensina que ―sendo a Constituição do Brasil uma Constituição programática – no sentido de que enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade -, teremos que, quando ela refere ‗a República Federativa do Brasil‘, está de fato a mencionar ‗o Brasil‘, a sociedade brasileira.‖ (In: Op. cit., p. 127). 186 ―Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. (...) Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de

97

respaldo no próprio direito ao desenvolvimento, em estreito entendimento com o exercício dos direitos humanos.

Nesse sentido é que as disposições do artigo 174 da Constituição da República187, por exemplo, necessitam ser compreendidas, ou seja, revelam um direito humano fundamental ao desenvolvimento econômico nacional a ser

forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (...) Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. (...) Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...) § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (...) § 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. (...) Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: (...) § 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social. (...) Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. (...) § 3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. (...) Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (...) Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (...).‖ 187 ―Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.‖

98

planejado pelo Poder Público e, ao mesmo tempo, estabelecem a obrigação do Estado em promovê-lo, observada a qualidade de vida de cada cidadão no meio social e da própria coletividade, sobretudo no campo do desenvolvimento regional.

Todavia, analisar a questão da presença ou da atuação do Estado no campo da economia é tarefa difícil, já que a influência do poder político na esfera econômica está inserida na própria evolução da humanidade, se tiver ou não acontecido de forma juridicamente ordenada.

Historicamente, a presença do Estado no âmbito econômico não possuía papel relevante, em virtude da concepção do Estado Liberal - o que posteriormente foi alterado diante do advento do Estado Social de Direito -, ou seja, vislumbrava a abstenção estatal nas relações socioeconômicas – liberalismo econômico -, como resultado dos ideais iluministas e das revoluções francesa e norte-americana.

De fato, se todos os Homens possuíssem a mesma capacidade e oportunidade, a concepção liberal seria correta. Porém, em verdade, o liberalismo pautava-se pela igualdade formal, isto é, escondia uma realidade de desigualdades de toda ordem, traduzida, na prática, em liberdade de opressão sobre os mais fracos, cujas consequências são vistas hodiernamente.

O liberalismo realmente democrático já não é aquele tradicional da Revolução Francesa, mas sim aquele a ser acrescido de todos os elementos de reforma e humanismo com que se enriquecem as conquistas doutrinárias da liberdade. A economia atual deve ser temperada com ingredientes de socialização moderada, para um liberalismo que contenha efetivamente a identidade do Direito com a Justiça e para que seja jurídico, econômico e social, enfim, um capitalismo baseado no humanismo.

As ordens econômica e social, contempladas pela Constituição da República 1988, constituem meio para a consecução do Estado Democrático de Direito no

99

Brasil, conforme se vislumbra do seu artigo 1º188. Conclui-se, ainda, da análise interpretativa dos comandos da ordem econômica jungidos aos direitos sociais assegurados à sociedade brasileira, que se trata de um Estado Democrático (Social) de Direito, atribuindo aos cidadãos legitimidade para cobrar do Governo eleito a consecução das políticas públicas necessárias para concretizar os objetivos republicanos e, portanto, para alcançar mediante o exercício do direito ao desenvolvimento a promoção do bem-estar social. E a redução das desigualdades sociais e regionais encontra-se nesta rota.

As normas constitucionais brasileiras que compõem a ordem econômica e social, portanto, funcionam como diretrizes de implementação de políticas públicas; o Estado, por sua vez, tem o papel de agente para implantar essas políticas. Isso fica bem demonstrado especialmente pelas disposições do artigo 174 da Constituição, ao contemplar que a expressão atividade econômica revela a necessidade de atuação estatal como agente normativo e regulador desta atividade, sendo até mesmo indicativo para o setor privado.

Nesse aspecto, a referida atuação normativa impõe atividade estatal de fiscalização de maneira a assegurar a eficácia e a concretização das disposições constitucionais. De outra sorte, a atuação reguladora reclama a necessidade de incentivo e planejamento por parte do Estado, devendo ser determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, vale repetir.

Esse planejamento não significa dirigismo estatal, mas reflete, sim, uma atitude flexível de intervenção com vistas a estimular a economia e a definir suas regras básicas, sem deixar o social no esquecimento público e privado.

Ademais, a ordem econômica adotou como modelo econômico o sistema capitalista, mas impõe um padrão de bem-estar social, que deve ser concretizado

188 ―Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.‖

100

pelo Estado na condição de verdadeira missão constitucional, mediante políticas públicas implementadas.189 Nesse sentido, é que se diz ser o direito ao desenvolvimento um direito fundamental da pessoa humana, cujos preceitos devem orientar as funções constituídas do Poder do Estado (administrativa, legislativa e jurisdicional).

O direito ao desenvolvimento, então, deve ser compreendido como um elemento dos direitos humanos, na medida em que congrega a possibilidade de todo ser humano poder desenvolver suas potencialidades de maneira igual e integral, por meio do acesso ao conhecimento em sentido amplo.

Destarte, é imperioso que o Estado efetivamente atue na economia em defesa do interesse público e do desenvolvimento nacional sempre que uma ação ou omissão puder comprometer a realização deste desenvolvimento.

O desenvolvimento, portanto, é um direito resultante do conhecimento e do aproveitamento das potencialidades e oportunidades que devem ser dinamizadas pelo planejamento elaborado pelo Estado em prol do interesse coletivo, o que resultará em benefício do indivíduo e para as regiões objetivadas.

A função do Estado, então, não se resume em garantir a ordem e a prestar serviços públicos. Mas abrange também o seu dever de fomentar o desenvolvimento com políticas públicas inclinadas à realização do interesse coletivo, atingindo regiões e consequentemente o indivíduo, em um círculo virtuoso. O objetivo de aumentar a renda no país não é o suficiente, pois é imprescindível garantir o acesso à riqueza produzida pelo desenvolvimento econômico, a qual está distribuída desigualmente na realidade brasileira. Esse acesso deve reduzir, dessa forma, as desigualdades sociais e regionais, alcançando um desenvolvimento nacional sustentável.

189 GRAU, Eros Roberto. Op. cit.

101

7.2 Direito ao Desenvolvimento no Plano Internacional

Uma vez verificadas as normas constitucionais que indicam o dever estatal para um planejamento, incentivo, fiscalização e realização do direito ao desenvolvimento, importante apreciar a análise do direito ao desenvolvimento no plano internacional, uma vez que o artigo 5º, §§2º e 3º, da Constituição da República, especifica que os direitos e garantias expressos no Texto não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, sendo que:

[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos” - como o direito ao desenvolvimento -, ―que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

A Organização Internacional do Trabalho - OIT, importante órgão internacional relacionado ao desenvolvimento genuíno da promoção da justiça social, pois busca a ideia de uma legislação internacional do trabalho baseada nas melhorias nas relações de trabalho, foi fundada em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, como resultado da exploração da mão de obra humana na época da Revolução Industrial.

Como bem leciona Domingos Sávio Zainaghi, a Revolução Industrial permitiu:

[...] o surgimento da máquina a vapor e das máquinas têxteis faz nascer o trabalho assalariado. Se antes o trabalho era exercido nos campos ou nas pequenas corporações de ofício, agora ele é exercido nas fábricas, com grande concentração de trabalhadores num mesmo local, o que faz surgir uma conscientização e um sentimento de revolta com a exploração que lhes era imposta. [...] Em 28 de junho de 1919, através do Tratado de Versalhes, é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) sendo seus principais cânones: trabalho não é mercadoria, oito horas de trabalho, igualdade de salário, repouso semanal, direito sindical, salário- mínimo e inspeção do trabalho de mulheres e dos menores.190

190 ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de legislação social: direito do trabalho. 13ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 6 e 8.

102

A OIT é a única agência das Nações Unidas (ONU) que possui representação paritária, ou seja, é composta por representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores de 183 Estados-membros, participando em situação de igualdade nas diversas instâncias da Organização.191

Essencial para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a OIT editou a Declaração da Filadélfia, que por sua vez ampliou a atuação do órgão para temas como a política social de forma ampla, bem como os direitos humanos e civis.

Desde a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, coforme observa Cláudio Finkelstein, buscou-se:

[...] criar meios para que as nações se esforcem, no sentido de que tanto os indivíduos quanto as instituições promovam, mediante o ensino e a educação, o respeito aos direitos e liberdades e assegurem, por medidas progressivas de caráter nacional e internacional, seu reconhecimento e aplicação universal e efetiva, tanto entre os povos dos Estados-membros, como entre os territórios sob sua jurisdição.192

Nesse diapasão, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986193, criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, constituiu um importante avanço para a questão do direito ao desenvolvimento194.

Em seu primeiro artigo, a referida Declaração ressalta a inalienabilidade do direito ao desenvolvimento, incluindo ainda:

[...] a plena soberania sobre os recursos naturais; a auto- determinação; a participação dos povos no desenvolvimento; a igualdade de oportunidades; e, a criação de condições favoráveis para a satisfação de outros direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

191 Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2012. 192 FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 45. 193 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2012. 194 Em sua votação, apenas os Estados Unidos foram contrários ao texto, uma vez que as questões relativas à justiça social e do direito ao desenvolvimento corriam na contramão dos interesses americanos.

103

No texto em apreço, o ser humano é identificado como o beneficiário do direito ao desenvolvimento, tal como de todos os direitos humanos. O referido direito pode ser invocado tanto pelos indivíduos como pelos povos; impõe obrigações tanto sobre os Estados (para assegurar uma igualdade adequada de acesso a recursos essenciais) como sobre a comunidade internacional (para promover políticas de desenvolvimento justo e uma cooperação internacional eficaz). A mencionada Declaração direciona os deveres aos Estados tanto no aspecto nacional quanto no aspecto internacional, assim como identifica o significado do direito ao desenvolvimento.

Com efeito, no âmbito nacional, os Estados devem estimular a participação da sociedade, eliminar barreiras e criar políticas públicas, tudo em face da realização do direito ao desenvolvimento.

Já no que tange à esfera internacional é necessária a cooperação entre os Estados baseada em importante princípio relacionado ao direito ao desenvolvimento: o da solidariedade. Assim, é necessário que sejam asseguradas a segurança internacional, a paz e a participação de todos. A cooperação internacional é essencial para que os problemas internacionais sejam compreendidos como de caráter humanitário e possam ser resolvidos da melhor forma possível para os seres humanos.

Posteriormente à Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, ocorreu em 1993, em Viena, a ―II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos‖195,

195 Valem ser transcritos os itens 8, 9, 10, 13 e 14: ―(...) 8. Desenvolvimento, democracia e respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais são interdependentes e se reforçam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas. No contexto do acima exposto, a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos níveis nacional e internacional, devem ser universais e conduzidas sem condições. A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção da democracia, desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro. 9. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma que os países menos desenvolvidos comprometidos com o processo de democratização e de reformas econômicas, muitos dos quais estão na África, deve ser apoiado pela comunidade internacional, a fim de ter sucesso em sua transição para a democracia e o desenvolvimento econômico.

104

sendo que o seu principal documento foi a ―Declaração e Programa de Ação de Viena‖, que colaborou imensamente para a inclusão do direito ao desenvolvimento no âmbito jurídico internacional de direitos humanos.

A mencionada Conferência conferiu importância aos direitos econômicos, sociais e culturais; criticou e condenou as violações contínuas desses direitos como, por exemplo, a pobreza e a fome; enfatizou a necessidade de observância dos direitos da solidariedade, do direito à paz, do direito ao desenvolvimento e dos direitos ambientais. Foi mais pontual ainda ao declarar que a exclusão social, tal como a miséria, são maneiras de violação da dignidade humana, sendo que a abolição desta violação deve ser analisada como prioridade entre os Estados no âmbito internacional.

Com relação aos Estados, a Declaração recriminou qualquer atitude unilateral que se traduza em obstáculo do direito ao desenvolvimento. Assim, todas as pessoas devem ter um padrão de vida saudável (economicamente, socialmente e culturalmente). A dívida externa também foi alvo da indicação de união de esforços para minimizar a sua interferência no desenvolvimento dos países menos

10. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimento, conforme estabelecido na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, como um direito universal e inalienável e parte integrante dos direitos humanos fundamentais. Como afirma a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento. Embora o desenvolvimento facilite o gozo de todos os direitos humanos, a falta de desenvolvimento não pode ser invocada para justificar a redução de direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Os Estados devem cooperar uns com os outros para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao desenvolvimento. A comunidade internacional deve promover uma cooperação internacional eficaz para a realização do direito ao desenvolvimento e à eliminação de obstáculos ao desenvolvimento. O progresso duradouro para a implementação do direito ao desenvolvimento exige políticas eficazes de desenvolvimento a nível nacional, bem como relações econômicas eqüitativas e um ambiente econômico favorável em nível internacional. (...) 13. Há uma necessidade de os Estados e as organizações internacionais, em cooperação com organizações não-governamentais, para criar condições favoráveis nos níveis nacional, regional e internacional, para assegurar o exercício pleno e efetivo dos direitos humanos. Os Estados devem eliminar todas as violações dos direitos humanos e suas causas, bem como os obstáculos ao gozo desses direitos. 14. A existência de extrema pobreza generalizada inibe o exercício pleno e efetivo dos direitos humanos, o seu alívio imediato e eventual eliminação deve permanecer uma prioridade para a comunidade internacional. (...).‖ Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2012.

105

favorecidos, permitindo a mobilização dos esforços para efetivar os direitos econômicos, sociais e culturais de seus indivíduos.

Tais observações se deram porque somente com um equilibrado e integrado desenvolvimento econômico e social poderá contribuir para a promoção e manutenção da paz e segurança, progresso social e melhores padrões de vida, bem como a observância e o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, tanto internamente como internacionalmente.

Carla Abrantkoski Rister, ao mencionar Fábio Konder Comparato, diz que o “desenvolvimento é um processo de longo prazo, induzido por políticas públicas ou programas de ação governamental em três campos interligados: econômico, social e político‖.196

De fato, o desenvolvimento que interessa é aquele amplo, que possibilite o exercício das mais diversas oportunidades, por isso, Ulisses da Silveira Job197, ao tratar do tema, assevera que:

[...] Sendo a globalização assimétrica um dos principais encargos da contemporaneidade, o corolário das pretensões centra-se na garantia ao desenvolvimento, o mais alargado, no entendimento de Hans Küng, abrangente não apenas do crescimento econômico qualificado pela justa distribuição dos benefícios do sistema, da supressão da pobreza como entreposto à ascendência, mas também da promoção da liberdade efetiva das pessoas, que lhes assegura desejar os bens aos quais atribuem valor. A busca não se limita ao atendimento das necessidades elementares e dos serviços indispensáveis, alcança as oportunidades de feitura de uma vida mais satisfatória e mais rica de valores.

Ainda nas precisas assertivas de Carla Abrantkoski Rister, ao citar Cláudia Perrone-Moisés, menciona que a busca correta seria pelas regras baseadas não somente na perspectiva econômica, como vem sendo o caso das regras estabelecidas na Organização Mundial do Comércio (OMC), mas uma visão também humanista de desenvolvimento, em conformidade com a afirmação de Inacy Sachs no sentido de apontar que o vocábulo desenvolvimento pressupõe o social no

196 RISTER, Carla Abrantkoski. Op. cit., p. 56. 197 JOB, Ulisses da Silveira. OMC: multilateralismo e desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011, pp. 129- 130.

106

comando, o ecológico como fator de restrição e o econômico em seu papel instrumental.198

Saliente-se que o surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) também foi um importante marco na ordem econômica internacional, que começou a ser delineada no fim da Segunda Guerra Mundial. Ela surge a partir dos preceitos estabelecidos pela Organização Internacional do Comércio, consolidados na Carta de Havana de 1948, porém, uma vez que esta não foi levada adiante em virtude da recusa do Congresso dos EUA - principal economia do planeta, com um PIB maior do que o das outras potências todas somadas -, imputou-os no GATT 199 de 1959, em um acordo temporário que acabou vigorando até a criação efetiva da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1º de janeiro de 1995, após as negociações da Rodada Uruguai em 1993.

Diga-se que no Brasil, por intermédio do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, o Congresso Nacional aprovou a Ata Final da Rodada do Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT.200

A OMC é a única organização mundial que se representa o interesse do comércio entre as nações, ou seja, relações comerciais multilaterais, sendo composta atualmente por 148 Países-Membros. Bruno Ratti201 define a OMC como:

[...] a instituição responsável pala aplicação, administração e funcionamento dos diversos acordos comerciais”, sendo o “foro para as negociações entre os Países-Membros no tocante às suas relações comerciais multilaterais”, editando “normas e procedimentos que regem a solução de controvérsias e administra o mecanismo de exame das políticas comerciais nacionais”.

198 RISTER, Carla Abrantkoski. Op. cit., p. 67. 199 Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio ou Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (em inglês: General Agreement on Tariffs and Trade, GATT) foi estabelecido em 1947, tendo em vista harmonizar as políticas aduaneiras dos Estados signatários. Está na base da criação da Organização Mundial de Comércio. É um conjunto de normas e concessões tarifárias, criado com a função de impulsionar a liberalização comercial e combater práticas protecionistas, regular, provisoriamente, as relações comerciais internacionais. Disponível em: . Acesso em: 03 mai. 2012. 200 MASSON, Ana Carolina Squizzato. Direito Financeiro e Econômico. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009, p. 281. 201 RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. 11ª ed. São Paulo: Aduaneiras, 2011, p. 415.

107

Portanto, a OMC é um importante instrumento para a consecução das atividades comerciais dos Países-Membros, que, todavia, deve inserir o diálogo sobre o social e o meio ambiente como norte para a efetivação do direito ao desenvolvimento.

Merece destaque, também, o PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É o órgão global da Organização das Nações Unidas (ONU) que tem por objetivo promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo. É conhecido por elaborar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Além disso, o PNUD dissemina os ―Objetivos de Desenvolvimento do Milênio‖ (ODM) - um conjunto de 8 (oito) objetivos, 22 (vinte e duas) metas e 48 (quarenta e oito) indicadores para o desenvolvimento do mundo, a serem cumpridos até 2015, definidos pelos países membros da ONU em 2000 - e monitora o progresso dos países rumo ao seu alcance.202

Dessa forma, o PNUD pretende promover o desenvolvimento de políticas públicas para se alcançar as metas estabelecidas, sendo que o Brasil deve segui-lo, já que nas suas relações internacionais rege-se pela prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, a teor do que comanda o artigo 4º, incisos II e IX, da CF/88.

No campo do desenvolvimento econômico, que deve conjugar o desenvolvimento regional, a justiça social e a luta para a erradicação da pobreza, dignificando a existência humana, seja no âmbito coletivo ou no individual, verifica- se de fato a necessidade de intervenção dos Estados para a implantação de diretrizes para uma governança global203, engendrando encontros capazes de estimular esta compatibilização entre a economia e o social.

202 Os 8 (oito) ODM são: a redução pela metade da pobreza e da fome; a universalização do acesso à educação primária; a promoção da igualdade entre os gêneros; a redução da mortalidade infantil; a melhoria da saúde materna; o combate ao HIV/AIDS, malária e outras doenças; a promoção da sustentabilidade ambiental; e, o estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento. 203 ―O G-20 foi estabelecido em 1999, em consequência das seguidas crises de balança de pagamento das economias emergentes durante a segunda metade da década de 1990‖. O objetivo era reunir países desenvolvidos e os países em desenvolvimento sistemicamente mais importantes, para cooperação em temas econômicos e financeiros.

108

Em virtude da atual crise mundial, mormente na economia da União Europeia, em 03.11.201, em Cannes (França), na cúpula dos G20, a Presidente Dilma Rousseff defendeu a proposta da OIT para uma ―bolsa família‖ global204. Esta proposta da OIT, de estabelecer uma espécie de programa de renda mínima global, nos moldes semelhantes ao programa brasileiro do ―Bolsa Família‖ é antiga. A proposta é oficialmente chamada de ―Piso de Proteção Social‖ e prevê que cada país deveria incluir na oferta de serviços básicos de saúde, independentemente de contribuição, o pagamento de um benefício básico para famílias com crianças benefícios assistenciais para pobres e desempregados e a manutenção das políticas de garantia de renda para idosos, viúvos, órfãos e inválidos. Esse piso único de renda global não seria apenas uma forma de combater a crise, mas de permitir o direito ao desenvolvimento. Não se trata de filantropia, mas de uma rede de proteção mundial fundamental para este desenvolvimento. Também para permitir o desenvolvimento e amenizar a crise mundial a OIT sugeriu a criação de uma taxa sobre operações financeiras, endossada com força pelo então presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Sobre a atuação dos agentes econômicos privados na realização do direito ao desenvolvimento, entendeu o grupo de trabalho sobre o direito ao desenvolvimento da ONU (E/CN.4/1995/11, item 51), que não havia sido estendido com aqueles o sistema de responsabilidade, ficando adstrito ao Poder Público. Os agentes econômicos do setor privado, por serem criadores de riquezas, são também

O grupo adquiriu maior relevo após a crise financeira internacional iniciada em 2008. A crise teve como origem o baixo nível de regulação e supervisão dos mercados financeiros, praticado nos países desenvolvidos e, por canais de transmissão como o comércio internacional, as transferências unilaterais ou investimento direto externo, repercutiu em todo o mundo. O esgotamento do modelo de gestão macroeconômica defendido pelas economias desenvolvidas, a composição do grupo, unindo países desenvolvidos e países em desenvolvimento, a maior resiliência das economias emergentes à crise e a eficácia de suas medidas anticrise, contribuíram para que o G-20 fosse designado como o principal foro para a cooperação econômica internacional, conforme estabelecido na Declaração de Pittsburgh. As Cúpulas de Washington, de Londres e de Pittsburgh representaram um processo em que se transferiram de foros restritos para o G-20 as discussões e as decisões sobre temas pertinentes à estabilidade da economia global. A legitimidade ao G-20 derivou de sua eficiência em coordenar uma resposta eficiente à crise iniciada em 2008, evitando o colapso do sistema econômico internacional‖. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2012. 204 Segundo discursos da Presidente Dilma Rousseff, sugerindo ser este um dos caminhos para combater e amenizar as crises econômicas, o Brasil teve uma experiência exitosa no enfrentamento da crise econômica com inclusão social e geração de empregos, com a inclusão de 40 milhões de pessoas na classe média, sendo que não foi somente um impositivo moral, mas também uma questão de eficiência econômica.

109

atores de crescimento e, portanto, devem ser combatidos a nível nacional e internacional os abusos de concentração econômica e práticas comerciais restritivas.205

De forma esclarecedora, Amartya Sen206 afirma que:

[...] restrições arbitrárias ao mecanismo de mercado podem levar a uma redução de liberdade devido aos efeitos consequenciais da ausência de mercados. Negar às pessoas as oportunidades econômicas e as consequências favoráveis que os mercados oferecem e sustentam pode resultar em privações.

Torna-se muito claro que não se devem negar aos cidadãos as oportunidades econômicas e as suas consequências, mas sempre dentro de uma estratégia de compatibilização entre o sistema de produção e a equidade social, ou seja, de um crescimento econômico sustentável com uma distribuição de renda adequada. Quando houver desequilíbrio entre a economia e o social, o Estado deve intervir com políticas públicas e econômicas para compensar este desnível indesejado. Mas não é somente quando há recessão ou crise econômica207 que deve haver este equilíbrio, pois é o compasso harmônico entre a economia e o social que possibilitará a sustentabilidade208 desejada pelas ações e reações privadas e estatais.

Encampando esta situação, Lucas S. Grosman menciona que:

La igualdad estructural de oportunidades aspira a igualar el impacto de la estructura social sobre las oportunidades de las personas. El énfasis que esta concepción pone en las oportunidades no es

205Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2012. 206 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura Teixeira Motta; revisão técnica: Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 41. 207 Vale lembrar que John Maynard Keynes defendia uma política intervencionista do Estado, com medidas fiscais e monetárias, para atacar as consequências adversas das recessões e depressões econômicas, política utilizada para mitigar a Grande Depressão de 1929. 208 Joseph E. Stiglitz diz que ―para a maior parte do Mundo a globalização, como tem sido conduzida, assemelha-se a um pacto com o demônio. Algumas pessoas nos países ficam mais ricas, as estatísticas do PIB - pelo valor que possam ter - aparentam melhoras, mas o modo de vida e os valores básicos da sociedade ficam ameaçados. Isto não é como deveria ser" (In STIGLITZ, Joseph E. The pact with the devil. Beppe Grillo‘s Friends interview). Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2013.

110

compatible con garantizar resultados concretos o niveles absolutos de goce; nos obliga, en cambio, a estar atentos a los procesos sociales mediante los cuales se definen las posibilidades de vivir una vida plena.209

Aqui, ressalte-se ainda a teoria das vantagens comparativas criada por David Ricardo, que ao analisar o comércio internacional, demonstrou não ser a quantidade de dinheiro de um país o motivo determinante para a sua riqueza, mas sim a abundância de mercadorias que contribuíssem para o bem-estar de seus cidadãos.210

A União Europeia possui também diversas diretivas relacionadas ao direito ao desenvolvimento com a atuação de agentes econômicos e do próprio Estado para gerar a inclusão social, valendo observar aquelas relacionadas ao desporto. O investimento no desporto traz retorno social e econômico, pois inclui o cidadão na sociedade e possibilita a ele o desenvolvimento profissional na respectiva atividade desportiva, gerando grande fluxo de riquezas diretas (salários, direitos de imagem, direitos econômicos e direitos federativos do atleta) e indiretas (patrocínios, bilheteria, direitos de transmissão e exploração de alimentos e estacionamento).

Nesse sentido, em publicação do Jornal Oficial da União Europeia, de 03.12.2010, constou que o Conselho da União Europeia, em sessão sobre o papel do desporto como fonte e motor de uma inclusão social ativa (2010/C 326/04), realizada em 18 de novembro de 2010211, reconheceu que:

1. As prioridades comuns, tais como o aumento do emprego, a inclusão social, a igualdade entre homens e mulheres, a igualdade de acesso a instalações e serviços, a solidariedade entre as gerações e o diálogo intercultural, necessitam de um apoio reforçado em toda a União Europeia, nomeadamente no domínio do desporto. 2. O desporto ocupa um lugar de relevo na vida de muitos cidadãos da UE e desempenha uma importante função social, com um forte potencial de inclusão social no desporto e através dele, o que significa que a participação num desporto ou numa actividade física

209 GROSMAN, Lucas Sebastian. Escasez e Igualdad: los derechos sociales em la Constituición. Buenos Aires: Libraria, 2008, p. 85. 210 RICARDO, David. The Principles of Political Economy and Taxation. Introduction by F.W. Kolthammer. Mineola, New York: Dover Publications, Inc., 2004. Republication of the work originally published by J. M. Dent & Sons, Ltd., , in 1911. 211 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2012.

111

contribui de diversos modos para a inclusão na sociedade; a inclusão no desporto pressupõe uma combinação de "desporto para todos", igualdade de acesso ao desporto e de oportunidades no desporto com diversas oportunidades e instalações desportivas orientadas para a procura, enquanto a inclusão social através do desporto implica a participação inclusiva na sociedade, o desenvolvimento da comunidade e o reforço da coesão social. 3. O movimento desportivo pode contribuir significativamente para questões de interesse público como a inclusão social. Neste contexto, os atletas profissionais e os desportistas amadores, bem como os clubes desportivos, constituem importantes modelos de referência para a sociedade, especialmente para os jovens, e as outras organizações desportivas e da sociedade civil que se ocupam de desporto contribuem também para a inclusão social no desporto e através dele. 4. O acesso e a participação nos diversos aspectos do desporto são importantes para o desenvolvimento pessoal, o sentido de identidade e de pertença dos indivíduos, o bem-estar físico e mental, a autonomia, as competências e redes sociais, a comunicação intercultural e a empregabilidade. 5. A "Conferência Europeia sobre a participação nos desportos locais: inclusão social e combate à pobreza", realizada em 13-14 de Outubro em Leuven, Bélgica, demonstrou que o desporto pode desempenhar um papel de relevo na inclusão dos grupos menos favorecidos, especialmente a nível local. (ortografia do original)

Na mesma sessão, foram identificadas as seguintes prioridades, tendo em vista a efetivação do direito ao desenvolvimento por intermédio do desporto, seja na ordem da inclusão social, seja da sua potencialidade econômica212:

4.2. Utilizar melhor o potencial do desporto como contributo para o desenvolvimento da colectividade, a coesão social e o crescimento inclusivo: 1. Pondo a tónica no recurso ao desporto para promover a inclusão na sociedade de grupos menos favorecidos, por forma a desenvolver uma maior coesão nas comunidades. 2. Reconhecendo e aumentando a aquisição de capacidades e competências tais como a disciplina, o trabalho de equipa e a perseverança através de actividades de aprendizagem informal no âmbito do desporto, nomeadamente as actividades de voluntariado, como um modo de reforçar a empregabilidade. 3. Reconhecendo o potencial económico, de emprego e de aprendizagem do desporto para contribuir para o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo necessário para a consecução de um futuro sustentável. (ortografia do original)

212 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2012.

112

Verifica-se, também, que atualmente a evolução e as consequências da atuação dos agentes privados e da intervenção estatal na atividade econômica, como os subsídios213, políticas cambiais214 ou intervenções de determinados Estados em outros Estados215, têm reflexos para além das fronteiras, em fenômeno da mundialização.

Nesse novo contexto, Gérard Farjat observa:

Nenhuma reflexão séria pode situar-se fora desse quadro na época contemporânea. Enquanto ‗tradutora de uma evolução suscetível de modificar as condições de criação e de aplicação do direito...‘, em razão de ‗sua lógica de funcionamento e de seu papel na estruturação das relações sociais‘, a mundialização traduz uma verdadeira reviravolta das relações planetárias e constitui um campo de estudo exemplar para a vida do direito econômico.216

A mundialização está presente no próprio desporto, com a livre circulação de atletas para a prática do desporto entre os comunitários da União Europeia, por exemplo, nos termos do preconizado pelo Tratado da União Europeia e consolidado em 26.10.2012217.

213 Tem-se como exemplo o caso dos subsídios americanos à produção de algodão, impedindo a concorrência com agentes econômicos de outros Estados. 214 Veja-se a denominada Guerra Cambial, pela qual os EUA lança bilhões de dólares no mercado interno e externo para estimular artificialmente a sua economia. Por sua vez, a China desvaloriza artificialmente a sua moeda para alavancar as suas exportações. 215 Como exemplo, a intervenção americana no Iraque e no Afeganistão. 216 FARJAT, Gérard. Droit économique. Paris: PUF, 1975 Apud LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 321-322. 217 ―Artigo 26º. 1. A União adota as medidas destinadas a estabelecer o mercado interno ou a assegurar o seu funcionamento, em conformidade com as disposições pertinentes dos Tratados. 2. O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados. (...) Artigo 45º. 1. A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na União. 2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. 3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de: a) Responder a ofertas de emprego efetivamente feitas; b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-Membros; (...) Artigo 46º. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário e após consulta do Comité Económico e Social, tomarão, por meio de diretivas ou de regulamentos, as

113

Portanto, essas relações econômicas e sociais que transcendem as fronteiras pelo fenômeno da mundialização devem ser objeto de análise do Direito Econômico, que passa a ter um caráter transnacional.

Conclui-se, destarte, que os Estados conquanto sujeitos de direito público internacional devem atuar em cooperação externa para efetivar o direito ao desenvolvimento como concretização também dos direitos humanos, consistente em uma evolução econômica equilibrada no tocante à sua pressão sobre os valores sociais e a expansão regional sustentável. Ademais, é preciso que sejam planejadas políticas públicas globais, com metas claras para o progresso da humanidade, inclusive sob o aspecto de acesso às riquezas e oportunidades diversas, no campo individual e coletivo.

medidas necessárias à realização da livre circulação dos trabalhadores, tal como se encontra definida no artigo anterior, designadamente: a) Assegurando uma colaboração estreita entre os serviços nacionais de emprego; b) Eliminando tanto os procedimentos e práticas administrativas, como os prazos de acesso aos empregos disponíveis, decorrentes, quer da legislação nacional, quer de acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, cuja manutenção constitua obstáculo à liberalização dos movimentos dos trabalhadores; c) Eliminando todos os prazos e outras restrições previstas, quer na legislação nacional quer em acordos anteriormente concluídos entre os Estados-Membros, que imponham aos trabalhadores dos outros Estados-Membros condições diferentes das que se aplicam aos trabalhadores nacionais quanto à livre escolha de um emprego; d) Criando mecanismos adequados a pôr em contacto as ofertas e pedidos de emprego e a facilitar o seu equilíbrio em condições tais que excluam riscos graves para o nível de vida e de emprego nas diversas regiões e indústrias. Artigo 47º. Os Estados-Membros devem fomentar, no âmbito de um programa comum, o intercâmbio de jovens trabalhadores. Artigo 48º. O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, tomarão, no domínio da segurança social, as medidas necessárias ao estabelecimento da livre circulação dos trabalhadores, instituindo, designadamente, um sistema que assegure aos trabalhadores migrantes, assalariados e não assalariados, e às pessoas que deles dependam: a) A totalização de todos os períodos tomados em consideração pelas diversas legislações nacionais, tanto para fins de aquisição e manutenção do direito às prestações, como para o cálculo destas; b) O pagamento das prestações aos residentes nos territórios dos Estados-Membros. (...).‖ (ortografia original) Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2012.

114

8 O EQUILÍBRIO DO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO: A harmonização entre a Ordem Social e a Ordem Econômica

O signo ―ordem‖ representa a organização com a qual alguém concorda, cuja especificação se alcança, em atenção à afirmação de Eros Grau, segundo a qual o vocábulo ―ordem‖ denota certo “desprezo em relação à desordem (...) ordem com a qual não estamos de acordo”218.

Por conseguinte, ordem econômica é a organização da atividade econômica de um determinado Estado, impondo os limites necessários para que não haja o abuso do poder econômico.219 Tal expressão vem ao longo do tempo demonstrando a sua importância e se contrapondo à ordem social de forma a tornar equilibrada a relação econômico-social, coexistindo dentro do mesmo sistema.

Já a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça social (art. 193 da CF/88), organizando os direitos sociais dispostos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988220.

Qualquer análise a esse respeito deve considerar o modelo de Estado adotado pela Carta Magna e os seus princípios basilares, que o sustentam. Nesse sentido, a ordem econômica também é posta na Constituição Federal atual de forma regrada por princípios que são verdadeiras cláusulas pétreas, dispostos no artigo 170, caput e incisos, como já enfrentados anteriormente.

218 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição Federal de 1988. 6ª ed.. rev. atual., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 48 Apud NAZAR, Nelson. Direito Econômico. São Paulo: Edipro, 2009, p. 47. 219 Constitucionalmente, pode-se dizer, então, que a ordem econômica é a parcela da ordem jurídica (dever-ser) fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, organizando a atividade econômica por intermédio de princípios garantidores da soberania nacional; da propriedade privada; da função social da propriedade; da livre concorrência; da defesa do consumidor; da defesa do meio ambiente (inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação); da redução das desigualdades regionais e sociais; da busca do pleno emprego; e, do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, permitindo, assim, a todos, o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, com a exceção dos casos previstos em lei. 220 ―Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.‖

115

No aparente embate entre a ordem econômica e a ordem social, é possível verificar que a competitividade imposta pelo processo de desenvolvimento econômico, com ampla influência da globalização, exige – exigiu e exigirá - a implementação de atividades muitas vezes incompatíveis com as necessidades sociais, expansão regional e dinâmica da natureza, o que implica no aumento das desigualdades sociais e regionais. Paralelamente às atividades econômicas, portanto, não se pode subtrair a convergência ou divergência de fatores políticos, culturais e sociais, inerentes às decisões que atingem toda a sociedade.

Konrad Hesse bem infere sobre a norma constitucional dizendo que:

[...] A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas, e sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será realizada se levar em conta essas condições. Há de ser, igualmente, contemplado o substrato espiritual que se consubstancia num determinado povo, isto é, as concepções sociais concretas e o baldrame axiológico que influenciam decisivamente a conformação, o entendimento e a autoridade das proposições normativas.221

Nesse contexto, é essencial a intervenção estatal dentro dos regramentos previstos constitucionalmente para se utilizar dos mecanismos dispostos pelo ordenamento jurídico com a finalidade de manter a equidade prevista pelo sistema, e também por intermédio de políticas públicas capazes de alcançar as políticas de Estado previstas na Constituição Federal de 1988, mormente os seus fundamentos e objetivos republicanos, com a obediência aos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos (Arts. 1º, 3º, 5º e 6º, todos da CF/88).

Vale enfatizar que a ordem econômica brasileira tem suas bases fundantes na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, com o objetivo de garantir a todos os indivíduos uma existência digna, conforme os preceitos da justiça social. Portanto, os princípios constitucionais da atividade econômica determinam uma

221 HESSE, Konrad. A força Normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung). Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, pp. 14-15.

116

direção para a ordem econômica, porém sem perder de vista o alicerce de sua função de concretizar os direitos humanos e, nesse sentido, uma atuação compatibilizada com os objetivos e fundamentos da República.

É nesse ponto que a Teoria do Capitalismo Humanista, idealizada por Ricardo Hasson Sayeg, traz como essencial para a contemporaneidade o exercício do sistema capitalista embrenhado com os direitos humanos, asseverando que o sentido do capitalismo humanista é “uma regência jurídica do capitalismo pelo Direito Fraterno que impõe a aplicação multidimensional dos direitos humanos na ordem econômica (...)”222.

Na verdade, toda força sofre uma resistência, seja na natureza, nas relações pessoais ou jurídicas. Assim, igualmente, ocorre com o capitalismo e a sua busca desenfreada pelos resultados econômicos mais positivos em face dos direitos humanos, que devem ser observados para que a atividade econômica obtenha estes resultados perseguidos. São forças distintas, que, jungidas e respeitadas, resultarão em um círculo virtuoso. Ricardo Hasson Sayeg também adverte sobre o tema que:

Sua lógica impositiva é que, embora capitalista, o Planeta será tanto mais livre, evoluído, sustentável e civilizado, quanto maior e mais abrangente for a real concretização multidimensional dos direitos humanos com vistas ao seu correspondente objetivo da dignidade da pessoa humana, o que, em absoluto significa paternalismo ou demagogia.

Dessa forma, tem-se que o fundamento da República consistente na dignidade da pessoa humana (―DPH‖) impõe seja a ordem econômica ―OE‖, enquanto multiplicadora da produção de bens, compatibilizada com a ordem social ―OS‖, que, por sua vez, determina a divisão das riquezas oriundas do desenvolvimento econômico, tudo para dignificar a pessoa humana e concretizar os direitos humanos dentro de uma sociedade fraterna, e, mesmo que atribuindo vetores de forças opostas entre estas ordens, resultam sem dúvida no equilíbrio do sistema, que se apura em uma regra de freios e contrapesos223:

222 SAYEG, Ricardo Hasson. Op. cit., p. 185. 223 Montesquieu, ao analisar o abuso do poder real, concluiu que só o poder freia o poder (Sistema de Freios e Contrapesos). Por isso, cada poder deveria manter-se autônomo e constituído por pessoas e grupos diferentes. Nesse sentido, Montesquieu desenvolveu a teoria da ciência política no livro O

117

DPH

Atividade Econômica (OE) (x) (÷) (OS) Direitos Sociais

Nesse escopo, dentro do próprio capítulo da ordem econômica, na distribuição de seus princípios, existem fundamentos que implicam em resistências entre si (por exemplo: livre iniciativa X redução das desigualdades sociais e regionais, ou pleno emprego; princípio da propriedade privada X princípio da função social da propriedade), acarretando em um equilíbrio de todo o sistema e possibilitando a concretização da dignidade da pessoa humana.

Não significa dizer aqui que uma ordem faz parte do bem e a outra do mal; uma da virtude e a outra do vício224. Mas deve-se destacar que o contraponto entre essas duas ordens torna possível o desenvolvimento da atividade econômica sem que os direitos sociais sejam suprimidos, resultando num sistema equilibrado, por uma análise sistêmica e não fática.

Evidentemente, no campo fático este equilíbrio pode não acontecer, por isso a essencialidade das políticas públicas de Governo, para o reequilíbrio do sistema.

Jaqueline Michels Bilhalva bem afirma que “a concretização caracteriza uma das facetas do fenômeno interpretativo, que diz respeito à realizabilidade (à praticidade) da norma, ou seja, à sua aplicabilidade a um caso concreto”225.

Ademais é importante repetir que o artigo 174226 da Constituição Federal de 1988 prevê a atuação do Estado como agente normativo, fiscalizador, incentivador e

Espírito das Leis (1748), que visou a moderar o Poder do Estado, dividindo-o em funções e dando competências a órgãos diferentes do Estado, no que se denominou a Teoria da Separação dos Poderes (ou Tripartição dos Poderes do Estado). 224 Em alusão à virtude e vício sob a definição de Platão. 225 BILHALVA, Jaqueline Michels. A aplicabilidade e a concretização das normas constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 106. 226 ―Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.‖

118

regulador da atividade econômica para um equilibrado desenvolvimento nacional e regional, econômico, social e cultural, competindo à União Federal, nos termos do artigo 21, inciso IX227, da Carta Magna, elaborar e executar esses planos, tudo a fim de concretizar os ditames constitucionais.

Destarte, os direitos sociais, organizados pela ordem social, funcionam como contrapeso da atividade econômica, contemplada pela ordem econômica, o que torna o sistema equânime e em conformidade com os fundamentos e objetivos preceituados pela Constituição Federal de 1988, mormente a observância dos direitos humanos como instrumento de alcance de uma sociedade fraterna228, devendo o Estado e o Governo utilizarem os instrumentos legais e as políticas públicas para manter este equilíbrio, ou reequilibrá-lo, a fim de concretizar o ordenamento constitucional para a redução das desigualdades sociais e regionais, essencial para a justiça social e erradicação da pobreza e da miséria.

227 ―Art. 21. Compete à União: (...) IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; (...).‖ 228 Nos termos do preâmbulo da Constituição Federal de 1988.

119

9 POLÍTICAS PÚBLICAS E PROGRAMAS DA INICIATIVA PRIVADA NO ÂMBITO DESPORTIVO: Uma forma de concretização do princípio constitucional econômico da redução das desigualdades sociais e regionais

A humanidade ainda experimenta a busca voraz pelo desenvolvimento econômico, objetivando o acúmulo de riquezas a qualquer custo. Evidentemente, essa busca envolve diversas repercussões dentro de uma sociedade, mormente as desigualdades sociais e das regiões nacionais, e mesmo internacionais.

Isso acontece como resultado próprio de uma sociedade pós-industrial e da exploração de uma política neoliberal aplicada como essencial na administração da economia, qual seja a pregação de que a distância do Estado no controle da economia, com a finalidade de circular o capital em seu território, favoreceria o mercado e diminuiria a desigualdade social, numa concepção de Estado mínimo229. O neoliberalismo230 é o compartilhamento da liberdade de economia pelo setor privado com o menor intervencionismo por parte do Estado.

Ricardo Hasson Sayeg e Wagner Balera explicam que:

[...] o regime capitalista e a economia de mercado são realmente necessários, eficientes e recomendáveis, mas não há como desconsiderar suas principais implicações negativas, consubstanciadas no esgotamento planetário e na exclusão do circuito econômico, político, social e cultural de parcela substancial da humanidade, chegando ao ponto crítico de colocá-la à mercê do flagelo da fome, da miséria e da subjugação, ambos inaceitáveis.231

Não se pode deixar de incluir em toda essa perspectiva o fenômeno da globalização que, em virtude da velocidade tecnológica e da informação atual, produz as mais diversas alterações232 dentro da sociedade interna e externa.

229 O professor Milton Friedman lidera a escola Escola de Chicago, defensora da não intervenção estatal na economia, denominada neoliberalismo. Para os neoliberais, o Estado deve ser desmontado e gradativamente desativado, com a diminuição dos tributos e a privatização das empresas estatais. 230 Ser neoliberal, para Bresser-Pereira, é defender um Estado mínimo, "já que o Estado se tornou um problema, (...), vamos reduzir o Estado ao mínimo e entregar toda a coordenação da economia ao mercado". (In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Por um partido de esquerda, democrático e contemporâneo. Lua Nova – Revista de Cultura e Política - Governo e Direitos -, nº 39, 1997, p. 68). 231 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 17. 232 Anthony Giddens cita Ulrich Beck, precursor sobre o risco e a globalização, que analisa o risco global da sociedade: ―A sociedade de risco, segundo ele, não está limitada somente aos riscos de

120

Outrossim, não se pode olvidar que a globalização determina uma aceleração industrial inevitável, bem como a criação de novas tecnologias ligadas aos diversos ramos (biotecnologia, tecnologia da informação e tecnologia industrial), sempre na busca pelo acúmulo de riquezas.

Sobre esta modernização, Henrique Ribeiro Cardoso233 menciona que “os riscos estão ligados a decisões humanas, ao processo civilizacional, à modernização”, revelando a sociedade de risco aquela “onde a natureza e a tradição perderam sua validade ilimitada e se tornaram dependentes de decisão”.

Todavia, tais exigências causam efeitos diversos na humanidade, desde a degradação do meio ambiente em sentido lato, resultando, por exemplo, na mudança dos padrões climáticos e urbanização inadequada, até o aumento das desigualdades sociais e regionais, implicando inclusive a mitigação do direito ao desenvolvimento da comunidade.

Nelson Nazar adverte que “sob o ponto de vista de economia globalizada, só tem relevância a questão da globalização econômica diante das consequências daí decorrentes”234.

Diante dessa realidade, os objetivos econômicos têm muitas vezes se sobrepostos aos objetivos sociais constitucionais, revelando a necessidade de maior reflexão acerca da incorporação da sustentabilidade em programas de desenvolvimento regional para a diminuição de suas desigualdades, consoante determina a Constituição Federal de 1988, em análise nacional, em conjugação com o ajuste de uma governança global e da intervenção do Estado na ordem econômica.

saúde e ambientais – inclui toda uma série de mudanças inter-relacionadas dentro da vida social contemporânea: mudanças nos modelos de emprego, aumento da insegurança no trabalho, declínio da influência da tradição e do costume sobre a auto-identidade, o desgaste dos paradigmas familiares tradicionais e a democratização dos relacionamentos pessoais‖. (In: GIDDENS, Anthony. Op. cit., pp. 68-69). 233 CARDOSO, Henrique Ribeiro. Controle da Legitimidade da Atividade Normativa das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 107. 234 NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho: com análise do contrato internacional de trabalho. São Paulo: Atlas, 2007, p. 245.

121

As transformações econômicas e sociais devem acompanhar essas alterações com a mesma rapidez das informações, da tecnologia, das exigências globais, evitando os riscos deste fenômeno para a sociedade e diminuindo as desigualdades regionais e sociais.

A partir da velocidade das modificações na ordem econômica em virtude da globalização, bem como as suas consequências difusas, sugerem a necessidade da atuação do Direito Econômico em conjunto com outros ramos do Direito para enfrentar os novos riscos da sociedade, que aparecem como catástrofes ambientais; intolerância política e cultural; desigualdade econômica, social e cultural; distribuição excessiva de lucros e verticalização de mercados pelos grandes grupos (com diminuição de oferta e da qualidade dos produtos inseridos no mercado de consumo). É certo que a evolução do poder econômico e o seu consequente crescimento precisam ser contidos, sob uma visão de um ―planeta único‖, por uma governança global.

Para tanto, essa governança global deve partir de dentro para fora, ou seja, o sistema constitucional deve ser observado com o equilíbrio que possui, por meio da atuação estatal com a aplicação dos instrumentos necessários e previstos para se alcançar este objetivo dentro do território nacional, inicialmente, incluindo suas políticas públicas.

Assim, da mesma forma que a aceleração das atividades econômicas ocasiona riscos atuais e futuros, a sociedade igualmente deverá acelerar as ações para cessar esses impactos e aprimorar os controles jurídicos para assegurar a efetividade dos direitos humanos em seu sentido mais amplo, sobretudo, com a diminuição das desigualdades regionais e sociais, por intermédio de uma atuação política e de mercado.

Daí a noção de sustentabilidade, cuja ideia central é possibilitar o desenvolvimento e equidade à sociedade, sendo que tal fenômeno não poderá existir sem os controles jurídicos do Estado e as políticas públicas governamentais, e com a participação da iniciativa privada em programas que permitam a interação entre a riqueza e o social.

122

Não é possível afastar do presente estudo um novo panorama do exercício do poder: o poder econômico das grandes empresas. Hodiernamente, a globalização econômica possibilitou o crescimento dos grandes grupos econômicos, criando pessoas jurídicas transnacionais e multinacionais, que exploram suas atividades pelo mundo, acumulando capital de maneira espantosa.

Por sua vez, o resultado desse acúmulo de capital é a influência que esses grandes grupos econômicos passaram a imprimir na atuação estatal, mitigando a utilização pelo Estado de mecanismos capazes de regular a economia e equilibrar as desigualdades. E esta inversão do poder, pela qual o Estado passa a depender das decisões privadas e limita o seu poder de intervenção na economia nacional, também acarreta repercussão direta no ordenamento jurídico. O binômio estabelecido na participação privada do poder - ingresso de receitas fiscais tornou- se inevitável, pois a circulação de riquezas não pode parar.

Além da interferência constante dos grandes grupos econômicos nas decisões estatais, não se pode desconsiderar a atuação do Banco Mundial e do FMI na tomada de decisões dos Estados Nacionais. Não é diferente em relação aos grandes blocos, sobretudo, naqueles que alcançaram uma maturidade política e econômica, notadamente a União Europeia. A título de exemplo recente, veja-se a interferência do BID, FMI e da UE sobre a economia da Grécia, que inicialmente sucumbiu às exigências de cortes sociais para receber aporte de capital e não deixar de pagar o seu endividamento corrente oriundo da crise econômica mundial que segue desde 2008.235

Não há dúvida de que a mundialização trouxe a divisão do poder estatal com o poder econômico privado, sendo que a degradação do meio ambiente em sentido amplo, o desrespeito aos direitos humanos, a desigualdade social, a inobservância do desenvolvimento sustentável de regiões menos favorecidas são as consequências mais claras desta perigosa influência privada na soberania estatal.

235 A renegociação de dívidas com os órgãos de financiamentos internacionais obedece ao princípio da condicionalidade, por meio do qual estes organismos impõem ajustes econômicos que influenciam a tomada de decisões do respectivo Estado.

123

Consequentemente, cresce a necessidade da tutela estatal por intermédio de mecanismos jurídicos e políticos capazes de impedir a supremacia do capital global - com interesse exclusivo em aumentar a sua concentração de lucros - sobrepondo o interesse estatal sobre o privado e utilizando tais mecanismos para reduzir as desigualdades regionais e sociais, possibilitando o direito ao desenvolvimento, sustentável, tanto das áreas menos providas de investimento econômico como dos cidadãos enquanto indivíduos.

É justamente nessas regiões menos desenvolvidas que se torna necessária a intervenção estatal para gerar desenvolvimento econômico de forma sustentável, preservando o meio ambiente e os interesses sociais e culturais, evitando a concentração de capital e o exercício do poder pelo setor privado, utilizando-se dos instrumentos jurídicos previstos e de políticas públicas governamentais para o alcance da política de Estado, sedimentada nos objetivos e fundamentos da CF/88.

E, nessa conformidade, a Constituinte de 1988 previu, dentro de um sistema capitalista de Estado, e logo no título abarcado pela ordem econômica e financeira, o princípio da redução das desigualdades regionais e sociais, estabelecendo que o ente estatal, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, cabendo à lei estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, com a incorporação e compatibilização dos planos nacionais e regionais de desenvolvimento (Art. 174, caput e §1º, da CF/88), prevendo propositalmente a ―Ordem Social‖ no ―Título‖ seguinte.

A diminuição da carga tributária, como já mencionado, pode ser um mecanismo jurídico de origem política com intervenção estatal no domínio econômico capaz de possibilitar a redução das desigualdades regionais e sociais, como benefícios para a instalação de empresas com a consequente circulação de riquezas em áreas de menor desenvolvimento, e não meramente uma política de ajuda à concentração de riquezas corporativas e particulares. Os detentores do capital devem ser chamados pelo Estado para contribuírem com a redução das

124

desigualdades sociais e regionais, seja na forma de indução, seja pela exploração de uma estratégia de marketing social, com a criação de programas privados.

Nas estratégias de implementação de políticas públicas, podem-se destacar aquelas relacionadas ao desporto, verdadeiro instrumento para a redução das desigualdades sociais e regionais, que será objeto de análise pormenorizada mais adiante.

A inclusão social do indivíduo propiciada pelo desporto em geral e, sobretudo, pelo futebol é uma forma de reduzir as desigualdades sociais e regionais. A intervenção do Estado com as suas políticas de desenvolvimento oportuniza a geração de empregos e a circulação de riquezas, o que pode ser realizada por intermédio da organização de eventos desportivos universais, tal como a Copa do Mundo de 2014, cujo espetáculo será realizado em todas as regiões do país e, certamente, resultará na diminuição de suas disparidades sociais e regionais.

9.1 Políticas de Estado e Políticas de Governo

As políticas públicas são instrumentos de indução exercidos pela intervenção do Poder Público para atingir determinado efeito na sociedade, seja para alcançar os resultados do Estado, seja para perseguir os objetivos do plano do Governo eleito.

Em regra, as políticas públicas são veiculadas por normas jurídicas com o objetivo de equilibrar setores da sociedade que se encontram marginalizados. Esses setores podem exercer uma pressão social para receber políticas apropriadas para o melhor desenvolvimento ou simplesmente para fazer parte do planejamento adotado pelo Poder Público em razão de estudos e interesses estatais.

Veja-se que a incorporação da defesa dos direitos humanos no ordenamento constitucional passa a consolidar direitos e garantias que buscam a estabilidade da proteção da dignidade da pessoa humana contra intervenções arbitrárias do Estado,

125

porém requer ações positivas do próprio Estado para assegurar condições mínimas de vida digna.236

Dentre os diversos objetivos de políticas públicas existem aqueles que visam a fomentar determinada atividade econômica por intermédio de incentivos fiscais; outros promovem a redução das desigualdades sociais por programas relacionados à educação, geração de emprego ou da inclusão social pelo desporto. Enfim, são muitas as possibilidades quando se trata de políticas públicas, mas o certo é que devem possuir o intuito de desenvolver a economia e o social, sem que haja a dissociação destas áreas, pois, do contrário, a disparidade social e regional permanecerá ativa.

Ressalte-se que as políticas públicas enfrentam grande óbice quando se deparam com a política neoliberalista, já que esta filosofia baseia-se na não- intervenção estatal, pois o equilíbrio do sistema adviria do livre mercado.

Todavia, hoje, sobretudo após a crise econômica mundial deflagrada em 2008, a intervenção estatal na relação Estado-Sociedade tornou-se inevitável para que haja a redistribuição das riquezas geradas pela atividade econômica desenvolvida.

Surge como exemplo, o caso das instituições financeiras e indústrias automobilísticas americanas, que necessitaram de ajuda de bilhões de dólares americanos do Governo dos Estados Unidos da América (EUA) para não quebrarem237. Ora, conforme a sistemática do neoliberalismo, se o Estado não precisa intervir na economia e no social para o reequilíbrio do sistema, ou seja, se a intervenção estatal apenas prejudica o mercado, não haveria motivo para que esses setores recebessem aportes financeiros.

236 ZANETTI, Camila Bruna; ÁVILA, Flávia de. Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na Política Econômica do Mercosul. (In: Direito Econômico e a Ação Estatal na Pós-Modernidade. Org. Washington Peluso Albino de Souza e Giovani Clark. São Paulo: LTR, 2011, Cap. VI, p. 105). 237 O mesmo que falir na linguagem do mercado econômico; broken.

126

Conforme salientou Ricardo Hasson Sayeg:

Enfim, graças à referida crise, os Estados capitalistas centrais passaram ao ativismo econômico governamental e vieram a regular atividades de mercado, redefinindo o seu papel no capitalismo e protagonizando a coordenação econômica ostensivamente, O governo dos Estados Unidos da América, desconsiderando completamente o pensamento liberal, aportou no primeiro momento da crise 700 bilhões de dólares na intervenção econômica, e houve outros aportes.238

Todavia, para o mercado, em momentos de lucros, o Estado é o idoso indesejado, mas quando o prejuízo é certo, o Estado é o pai amigo, muitas vezes sob a chantagem de que a sua não-intervenção – aporte financeiro, incentivos fiscais ou linhas de créditos especiais - resultará na desgraça dos irmãos da sociedade (eliminação de postos de trabalho, redução de arrecadação, forte crise social).

Por isso, atualmente, faz-se necessário o investimento nas demandas sociais, caminho certo para que a economia mundial volte a crescer para que se mantenha em um círculo virtuoso.

Nessa esteira, Cecilia Gilardi Madariaga de Negre explica que:

La ampliación cuantitativa de los fines del Estado, influye decisivamente en las formas de acción que este despliega para conseguirlos. Este aumento de la función administrativa lleva el consecuente aumento de la intensidad de su ejercicio, con la implementación de nuevas técnicas intervencionistas desconocidas o no generalizadas en el siglo XIX, y que provoca la irrupción del Derecho Público en el campo privado. Toda esta actividad tiene por fina asegurar la satisfacción de las necesidades públicas consideradas en función del bienestar general y el desarrollo de la persona en su dignidad [...]. [...] y estos pueden consistir en prestaciones materiales o en ventajas financieras o dinerarias; pudiendo ser éstas directas (anticipos, prestamos, primas, premios, becas, subsidios, subvenciones, reintegros, reembolsos aduaneros, anticipos, avales del Estado); o indirectas (exenciones, desgravaciones impositivas).239

238 SAYEG, Ricardo Hasson. Op. cit., p. 113. 239 NEGRE. Cecilia Gilardi Madariaga de. La Técnica Del Fomento Y Subvención. La Cláusula Del Progreso. (In: Manual de Derecho Constitucional, Económico, Financiero y Tributario. Director: Roberto Mario Mordeglia. Coord. Cecilia Gilardi Madariaga de Negre e Patricio A. Marianello. Buenos Aires: La Ley, 2005, pp. 387-388).

127

Complementando de forma precisa, Geraldo Di Giovanni, integrante do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp, assevera que a política pública alcança a condição de exercício democrático do poder:

Hoje, considera-se Estado democrático aquele que responde às demandas sociais. Nesse contexto, foi surgindo uma nova forma de relação entre Estado e sociedade, uma nova forma política. A política pública deixa de ser uma simples intervenção do Estado e passa a ser uma nova forma de exercício do poder numa sociedade democrática. Isso acontece em âmbito quase planetário. As políticas públicas são fruto da democratização da sociedade moderna, onde os cidadãos, instituições, organizações sociais, movimentos sociais e organizações não-governamentais participam mais. Ou seja, as instituições atuam como agentes políticos, pressionando, refazendo a agenda do Estado. Então, vem desse fato a enorme presença das políticas públicas na vida do homem moderno. É inimaginável pensar hoje, em um país como o Brasil, um cidadão que não participe de alguma política pública, seja como beneficiário, seja como um dos elementos que faz aquela política ser atuada.240

Com efeito, quando o Estado intervém para a consecução de uma política de desenvolvimento da atividade econômica, deve intervir ainda com mais afinco na dinâmica do desenvolvimento social, com políticas públicas efetivas para reduzir as desigualdades sociais e regionais, a fim de compensar e equilibrar o sistema (―S‖), uma vez que o domínio econômico foi exercido por muito tempo sem que existisse a mesma força vetorial no âmbito social:

S

Intervenção Estatal: dinâmica de compensação e equilíbrio do sistema

Desenv. Econômico Desenv. Social

Entretanto, quando o desenvolvimento social não acompanha o desenvolvimento econômico, resultando em um sistema descompensado, conforme

240 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2012.

128

ocorreu nas políticas neoliberais, o Estado deve intervir por meio de políticas públicas para empreender a dinâmica de reequilíbrio do sistema:

S Intervenção Estatal: dinâmica de reequilíbrio do sistema

Desenv. Econômico Desenv. Social

Por sua vez, quando o desenvolvimento social se torna prioridade na implementação de políticas públicas, com o aumento da renda e a redução das desigualdades sociais e regionais, automaticamente ocorre o desenvolvimento econômico, em um círculo virtuoso e dinâmico que torna o sistema equilibrado:

S

Intervenção Estatal: vetor de desenvolvimento social dinamiza a atividade econômica

Desenv. Econômico Desenv. Social

Portanto, se o desenvolvimento econômico concomitante ao desenvolvimento social revela um equilíbrio do sistema, em razão dos objetivos da República e das ordens econômica e social estarem concretizados e, se as políticas públicas com prioridade no desenvolvimento social fomentam a economia, por via do consumo ou pela redução de custos futuros, parece lógica a necessidade de que a intervenção estatal não deve em hipótese alguma se sustentar no desenvolvimento econômico, ao contrário, deve-se efetivar no campo social, da redução das desigualdades sociais e regionais, a fim de erradicar a pobreza, prioritariamente.

129

Fábio Nusdeo corrobora a constatação acima:

Ora, falar no desenvolvimento como objetivo para a política econômica implica, em primeiro lugar, indagar dos meios e instrumentos utilizáveis para a sua consecução e, em consequência, verificar em que extensão podem ser empregados sem inquinar os demais objetivos. Como é fácil perceber, um número razoável de fins pode conviver em relativa harmonia num programa de política econômica, até mesmo complementando-se reciprocamente. Assim, investimentos em setores sociais como educação, saúde, habitação, se, num primeiro momento, parecem desviar recursos das aplicações diretamente produtivas ou econômicas, como estradas, usinas e poços de petróleo, na realidade irão poupar um conjunto muito severo de custos a se manifestarem logo adiante pela queda de produtividade da mão de obra, pelo aumento da criminalidade pelo solapamento da coesão social e tantos outros. Aliás, tem sido a constatação destes custos o que tem levado a se repensar o conceito e as manifestações do desenvolvimento.241

Calixto Salomão Filho, neste mesmo sentido, analisa que o Estado afastado não cumpre com as expectativas da sociedade, devendo empreender uma função até mais onerosa:

Em vez de gestão abstrata e macroeconômica da sociedade, cumpre-lhe fazer algo que o particular e o mercado jamais farão: incumbe-lhe redistribuir. É na redistribuição que deve ser identificada a grande função do novo Estado. Trata-se, portanto, de um Estado que deve basear sua gestão (inclusive do campo econômico) em valores e não em objetivos econômicos.242

No bojo das políticas públicas necessárias para o desenvolvimento econômico-social, surgem aquelas próprias de Governo e as que perduram no tempo e que desenvolvem as políticas de Estado.

Assim, consideram-se políticas de Governo aquelas implantadas por iniciativa do Poder Executivo dentro de um plano político com o intuito de reequilibrar a sociedade em setores estratégicos para o desenvolvimento econômico-social, muitas vezes inseridas no sistema por decretos ou medidas provisórias.

241 NUSDEO, Fábio. Regulação e Desenvolvimento. (coord. Calixto Salomão Filho). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 19. 242 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. (coord. Calixto Salomão Filho). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 41.

130

Por sua vez, as políticas de Estado integram discussões mais amplas e que visam criar ou substituir normas jurídicas já existentes por outras mais eficazes para alcançar os objetivos da República (Art. 3º da CF/88), segundo os seus fundamentos (Art. 1º da CF/88), conforme as normas constitucionais programáticas, a fim de perdurar a política introduzida, independentemente do Governo que irá executá-la.

Ao tratar do mercado interno como patrimônio nacional (Art. 219 da CF/88), em um contexto de atuação do Estado como agente normativo, regulador da atividade econômica e no exercício de sua função de planejar, incentivar e fiscalizar (Art. 174 da CF/88), Tercio Sampaio Ferraz Junior assenta que:

Esse novo sentido da linguagem de finalidade em seu contexto contemporâneo é que suscita, por fim, o tema da política de Estado pelo desenvolvimento social e econômico. Nesses termos, constituem políticas de Estado o desenvolvimento tecnológico (arts. 218 e 219 da CF/88), a defesa do meio ambiente (art. 170, IV, da CF/88), a função social da propriedade (art. 170, III, da CF/88), a defesa do consumidor (art. 170, V, da CF/88), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII, da CF/88), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII, da CF/88), o tratamento favorecido para empresas de pequeno porte (art. 170, IX, da CF/88).243

É indubitável também que a educação, a cultura e o desporto são áreas afeitas às políticas de Estado. Justamente por isso estão inseridas constitucionalmente em capítulo conjunto e na ordem social (Título VIII, Capítulo III, da CF/88).

É certo que nos casos de políticas públicas de Governo, todo o procedimento de implementação desta intervenção estatal sofre com o exercício dos que exercem o poder, eis que os interesses políticos nem sempre colimam com as necessidades econômico-sociais. Nesse diapasão, ganha grande importância a influência de organizações sociais que fazem o papel de trazer um consenso na elaboração e concretização dessas políticas.

243 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito da Concorrência: sua função social nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. (In: Direito Econômico e Social. Coord. João Grandino Rodas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, pp. 67-68).

131

Já as políticas públicas de Estado não concebem a exclusão do planejamento executado em determinado setor e com determinado objetivo. Como exemplo tem-se a ―Bolsa Família‖, que busca erradicar a pobreza e possibilitar uma elevação da renda dos cidadãos com poder aquisitivo baixo.

As políticas assertivas, como as cotas sociais e raciais para ingresso em Universidades Públicas, que objetivam a inserção dos menos favorecidos na sociedade, a fim de reduzir as desigualdades sociais historicamente produzidas, também são de fundamental importância para o desenvolvimento social, repercutindo ao longo do tempo um resultado positivo na própria economia244.

Recentemente, inclusive, a União Federal, utilizando-se da sua atuação no mercado econômico, mormente pela exploração do mercado financeiro pela Caixa Econômica Federal, exerceu o seu poder de intervenção na economia e reduziu drasticamente as taxas de juros para operações financeiras. Essa intervenção pressionou a redução dos juros praticados pelas demais instituições financeiras e permitiu um maior acesso dos indivíduos ao capital, com um menor custo, produzindo aumento no consumo por um lado e a redução de lucros do mercado financeiro por outro.

Com novas políticas de desenvolvimento e retomada do crescimento, já em 2013, o Governo Federal desonerou os agentes econômicos e cidadãos em cerca de 20% das despesas com a energia elétrica, assim como isentou os produtos da cesta básica dos impostos e contribuições federais.

Dentre as políticas públicas de Governo e de Estado devem ser abarcados diversos setores: educação, pleno emprego, saúde, meio ambiente, cultura, tecnologia e desporto. São campos diferentes de intervenção estatal que, no entanto, permeiam o objetivo republicano e a diretriz econômica de reduzir as desigualdades sociais e regionais, viabilizando também o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

244 O Governo Federal pretende adotar o mesmo programa assertivo para a inserção de quotas no serviço público federal. Tais políticas devem perdurar no tempo, independentemente do partido governante. Todavia, devem ser compatibilizados com a ordem constitucional.

132

9.2 Programas da Iniciativa Privada

Os programas da iniciativa privada que objetivam a diminuição das disparidades sociais e regionais são, na verdade, investimentos sociais. É a responsabilidade social aplicada245 pela iniciativa privada para realizar o princípio constitucional econômico de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

A sociedade civil percebeu que o Estado, sozinho, não poderia atingir todos os níveis de desigualdades de uma sociedade tão ampla e diversificada. Esta constatação permitiu que a sociedade se unisse e planejasse programas de fomento às diversas áreas, em conjunto com a iniciativa privada, para alterar as realidades econômico-sociais atuais.

Atualmente, grandes corporações privadas possuem departamento próprio para aplicar seus recursos em programas destinados à redução das desigualdades sociais e regionais, balizados na oferta de oportunidades para a aplicação da capacidade individual e de melhorias para todo um grupo de pessoas, ou comunidade, inserido em determinada região, geralmente naquela em que está instalada a respectiva corporação privada.

Conforme sustenta Carlos Egaña:

Las empresas necesitan manejar de forma cada vez más sofisticada sus relaciones con la sociedad civil, ante la actitud de desconfianza de la opinión pública frente a los efectos que sobre el medio ambiente y las condiciones de vida de la comunidad tienen las estrategias empresariales. Esta situación ha alcanzado un punto de tensión particularmente delicado, ya que en virtud de las nuevas tecnologías y los cambios de tipo social, se ha producido un cierto divorcio entre el desempeño económico de las empresas y los resultados en términos de generación de empleo y distribución de los beneficios de la mayor productividad alcanzada. […] En estos nuevos tiempos, los valores son reincorporados a la gestión, aunque es verdad, mediante una metamorfosis de peso: la ética se transforma en medio económico, en instrumento inédito de gestión. La filantropía, sinónimo antiguo de la caridad, hoy tiene una

245 A responsabilidade social aplicada pela iniciativa privada gera importante marketing e grande retorno de investimento e remodelação considerável de sua imagem no mercado e na comunidade ou grupo beneficiado. Portanto, trata-se verdadeiramente de um investimento social.

133

nueva dimensión: la de la retribución solidaria a la comunidad de algo que le es legítimamente debido.246

Por isso, a instalação incentivada de determinado empreendimento econômico em certa região poderá resultar em efeitos positivos, como a abertura de postos de trabalho diretos e indiretos, entretanto, também poderá ocasionar prejuízos como a urbanização desordenada do local e degradação do meio ambiente.

Para reduzir o impacto negativo de instalação de empresas criam-se programas comunitários de intervenção social privada para permitir aos menos favorecidos as mesmas oportunidades dos demais, como a qualificação para o preenchimento das vagas abertas com a instalação do empreendimento econômico. Dessa forma, é possível propiciar a inclusão de parte da sociedade que até então estava em um limbo social, esquecidos na estrutura do desenvolvimento.

Forma diversa de intervenção social privada é aquela destinada a determinado tema social, como a educação, o desporto e a cultura.

A título de exemplo, veja-se o caso da Fundação Bradesco247, que é uma escola fomentada por uma instituição financeira, cuja missão é “promover a inclusão social por meio da educação e atuar como multiplicador das melhores práticas pedagógico-educacionais junto à população brasileira socioeconomicamente desfavorecida”, e tem como projeto “a formação e profissionalização de milhares de brasileiros, nos mais diversos recantos do país”.

A mesma instituição financeira possui o ―Programa Bradesco Esportes e Educação‖, que já beneficiou milhares de jovens em mais de 20 anos de atuação, promovendo a inclusão social por meio da educação esportiva nas modalidades de vôlei e basquete, inclusive montando diversas equipes profissionais. 248

246 EGAÑA, Carlos. Derechos Humanos Y Empresas. Buenos Aires – Madrid: Ciudad Argentina, 2001, pp. 14-15 e 43. 247 Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012. 248 Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012.

134

O Banco do Brasil, utilizado pelo Governo Federal como apoiador de políticas públicas voltadas ao desporto profissional e amador, ao investir em diversas modalidades esportivas, gerou 6,4 mil empregos temporários, atendeu a 9,1 mil crianças em oficinas de esporte, arrecadou 118 toneladas de alimentos, levou atletas consagrados para visitar 42 entidades sociais e beneficiou 1,7 mil atletas brasileiros.249

No campo da Cultura, o Instituto Itaú Cultural “contribui para a valorização da cultura de uma sociedade tão complexa e heterogênea como a brasileira”250, promovendo a cidadania e a participação social.

As organizações não-governamentais (ONGs), portanto, em parceria com a iniciativa privada, fomentam de forma essencial a inclusão social e o direito ao desenvolvimento na busca da redução das desigualdades sociais e regionais, sendo outro bom exemplo a ―Fundação Gol de Letra‖251, que possui amplo apoio privado,252 atua “para dar outra perspectiva de vida a crianças e jovens de comunidades socialmente vulneráveis” e com a missão de “contribuir para a formação cultural e educacional de crianças e jovens para que possam atuar com autonomia na transformação de suas realidades”.

Ao contrário da famosa frase de Milton Friedman, segundo a qual aumentar os lucros é a única responsabilidade social das empresas (―The social responsibility of business is to increase its profits”253), hoje há necessidade de uma interrelação entre as empresas, os indivíduos, as comunidades, as organizações sociais e o Estado, em uma grande evolução sustentável e em rede de um investimento social. Nesse sentido, Carlos Egaña conclui que:

[...] Las regiones, las comunidades, las empresas y las organizaciones, so pena de desgaste y extinción, tendrán la

249 Dados de 2006. Disponível em: . Acesso em 23 out. 2012. 250 Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012. 251 Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012. 252 Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2012. 253 FRIEDMAN, Milton. The Social Responsibility of Business Is to Increase Its Profits. New York Times Magazine (13 Sep. 1970).

135

responsabilidad de liderar estos cambios y resolver, cada una en su área de acción, los desafíos que plantea la equidad, la dignidad humana, el trabajo y el equilibrio con el mundo natural. Para la empresa, más allá de las falsas opciones, hay un solo camino económicamente viable: el del compromiso social responsable y prudente.254

Destarte, a atuação da iniciativa privada, da sociedade civil, na implantação de programas que incluem os indivíduos na sociedade e possibilitam a oportunidade de igualdade nos mais diversos campos sociais, torna-se de fundamental importância, uma vez que o Estado não dispõe de composição política suficiente para alcançar toda a sociedade brasileira e, assim, reduzir por completo as desigualdades sociais e regionais.

9.3 O Desporto como instrumento de redução das desigualdades sociais e regionais

A intervenção estatal para a concretização do objetivo constitucional republicano e diretriz da atividade econômica da redução das desigualdades sociais e regionais possui finco também na área do desporto.

O direito ao desporto é um direito individual fundamental, conforme se depreende do disposto no artigo 217 da CF/88255. É também um direito social, pois está inserido no Título específico ―Da Ordem Social‖, na Constituição Federal de 1988.

A Lei nº 9.615/98, conhecida como ―Lei Pelé‖, instituiu normas gerais sobre o desporto no Brasil. Assim, definiu que o desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito (Art. 1º da ―Lei Pelé‖), bem como reprisou tratar-se de um direito social, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar estas práticas desportivas (Art. 2º da ―Lei Pelé‖).

254 EGAÑA, Carlos. Op. cit., p. 107. 255 ―Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: (...).‖

136

A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto (Art. 1º, §1º, da ―Lei Pelé‖). Já a prática desportiva não-formal é caracterizada pela liberdade lúdica de seus praticantes (Art. 1º, §2º, da ―Lei Pelé‖).

Sobre as formas do desenvolvimento do desporto, diz-se que são pelo desporto educacional, de participação e de rendimento.

Será educacional o desporto praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; participativo, quando praticado de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; e, de rendimento, aquele praticado segundo a legislação e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações (Art. 3º da ―Lei Pelé‖).

Veja-se que independentemente do tipo de desporto desenvolvido sempre haverá um cunho social: no educacional, para exercer a cidadania e o lazer; no participativo, para integrar os praticantes na plenitude da vida social; e, no de rendimento, para integrar pessoas e comunidades do país e outras nações.

Por sua vez, o desporto de rendimento pode ser organizado e praticado de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva (Art. 3º, parágrafo único, inciso I, da ―Lei Pelé‖) e, de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio (Art. 3º, parágrafo único, inciso II, da ―Lei Pelé‖).

Perceba-se que mesmo o desporto não-profissional constitui parte de setor econômico e meio de exercício de atividade econômica, porém não por contrato de

137

trabalho ou contrato de cessão de imagem, mas por patrocínio. Em um universo desportivo globalizado, o faturamento por patrocínio pode ser muito maior do que a remuneração proveniente do contrato de trabalho.

No mais, o artigo 4º, §2º, da ―Lei Pelé‖ determinou que a:

[...] organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social, inclusive para os fins do disposto nos incisos I e III do art. 5o da Lei Complementar no 75, de 20 de maio de 1993.

Outrossim, permitiu por intermédio da norma acima indicada a intervenção estatal no desporto pelo Ministério Público da União para defender a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e os interesses individuais indisponíveis, sobretudo os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Art. 5º, inciso I, ―c‖, da Lei Complementar no 75/93) e a defesa do patrimônio cultural brasileiro (Art. 5º, inciso III, ―c‖, da Lei Complementar no 75/93).

Dessa forma, extrai-se do Texto Constitucional jungido à ―Lei Pelé‖ e à Lei Complementar nº 75/93, que o desporto é inspirado nos fundamentos do Estado Democrático de Direito e protegido pelo Ministério Público da União na condição de patrimônio cultural brasileiro. E sendo a República constituída pelo Estado Democrático de Direito, conclui-se que o desporto é inspirado nos fundamentos da República e, como tal, deve ter os mesmos objetivos que lhe sejam compatíveis.

Portanto, o desporto deve ser fundamentado na dignidade da pessoa humana e objetivar erradicar a pobreza e a marginalização, assim como reduzir as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Corrobora tal análise a visão de Manoel José Gomes Tubino, no sentido de apontar que o esporte contemporâneo é um:

Fenômeno sociocultural cuja prática é considerada direito de todos e que tem no jogo o seu vínculo cultural e na competição seu elemento essencial, o qual deve contribuir para a formação e aproximação dos

138

seres humanos ao reforçar o desenvolvimento de valores como a moral, a ética, a solidariedade, a fraternidade e a cooperação, o que pode torná-lo um dos meios mais eficazes para a convivência humana.256

Nesse aspecto, o desporto é um eficiente instrumento para a redução das desigualdades sociais e regionais, como bem atesta a explicação de Douglas Wanderley Vasconcellos:

Uma política pública de esportes, importante interna e internacionalmente, requer interação de vários setores e mecanismos. Do mesmo modo que empresas privadas exportadoras escoram a rentabilidade de suas vendas no suporte e orientação supletiva dos órgãos governamentais competentes, que, por exemplo, regulam a concessão de incentivos fiscais à instalação do parque industrial e à exportação e, como é função dos Setores de Promoção Comercial de Representações Diplomáticas do Brasil no exterior, a captação de investimentos estrangeiros e atração de fluxos turísticos, também quadros técnicos, agências e manifestações esportivas podem robustecer suas atividades, e com efeito contribuir para o fortalecimento social e o proveito da imagem internacional, mediante reconhecimento e cooperação qualificada entre instituições governamentais responsáveis.257

Ocorre que diversas entidades desportivas, desde 1944, relatavam aos órgãos governamentais as dificuldades para absorver as despesas de atendimento à demanda de pessoas que buscavam a prática esportiva, conforme constou no relatório ―A Proteção do Estado ao Desporto‖, publicado pelo Ministério da Educação e Saúde – Conselho Nacional de Desporto.258

O Estado é um agente normativo e regulador da atividade econômica que, por meio de indução, editou a Lei nº 11.438/2006 (Lei de Incentivo ao Esporte, alterada pela Lei nº 11.472/2007), posteriormente regulamentada pelo Decreto nº

256 TUBINO, Manoel José Gomes. Dicionário Enciclopédico Tubino do Esporte. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Senac Editoras, 2007. 257 VASCONCELLOS, Douglas Wanderley. Esporte, Poder e Relações Internacionais. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008, pp. 16-17. 258 BELLO, José Luiz de Almeida. Lei de Incentivo ao Esporte: histórico, aplicação e objetivos. (In: Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010, p. 306. Coord. MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner).

139

6.180/07, com a finalidade de captar recursos para o fomento, estímulo e promoção do desporto.259

Assim, permitiu que as pessoas jurídicas260 pudessem investir uma parcela do imposto de renda que deveriam recolher aos cofres públicos, em projetos esportivos apresentados por entidades desportivas que cumprem função de interesse social na prática do desporto não-profissional, o que enseja a redução das desigualdades sociais e regionais enquanto princípio da atividade econômica e objetivo republicano.

Nesse espeque, se por um lado a legislação de incentivo ao desporto se revela um instrumento de desenvolvimento social, por outro a iniciativa privada reforça a sua responsabilidade social de que foi tratado no subcapítulo anterior.

Além de propiciar a interatividade entre o desporto e a iniciativa privada, estes incentivos fiscais mediante a intervenção do Estado fomentam o desporto em si, o que sem dúvida gera a inclusão social e benefícios econômicos, uma vez que o esporte produz riquezas diretas e indiretas, mediante a criação de empregos e a manutenção de atividades econômicas relacionadas ao marketing esportivo, direitos de arena e de imagem, contratos de patrocínio, e receitas de eventos.

José Luiz de Almeida Bello ressalta que:

Com isso não restam dúvidas de que o legislador, além de estabelecer o direito a todos os cidadãos à prática desportiva, passou a ter elementos autorizadores de uma ação mais direta e que permitisse conferir a agentes privados o financiamento de todo o desporto nacional, já que, no Brasil, país de terceiro mundo, muitos recursos originários do poder público acabavam não sendo destinados ao desporto.261

É fato que estes incentivos ao desporto são pouco explorados no Brasil. Ainda que este fomento advenha de incentivos inseridos por políticas públicas

259 REZENDE, José Ricardo. Manual Completo da Lei de Incentivo ao Esporte. 2ª ed. (rev., ampl. e atual.). São Paulo: All Print, 2009. 260 As pessoas físicas também podem fomentar o desporto utilizando-se da mesma lei de incentivo. 261 BELLO, José Luiz de Almeida. Op. cit., p. 307.

140

estatais, para associações sem fins lucrativos que possuem como objeto a prática desportiva por seus associados, de forma não-profissional, devem se organizar essas associações para gerar mais receitas e se tornarem superavitárias, fomentando toda uma atividade econômica que rodeia o desporto.

A título de ilustração e comparação, nos EUA, em 2009, o College Football gerou 2,5 bilhões de dólares, sendo que uma entidade sem fins lucrativos - National Collegiate Athletic Association – é a administradora de todos os esportes universitários americanos (não-profissionais), e, somente em 2010, obteve lucro de US$ 750 milhões por intermédio de contratos de publicidade (recentemente assinou um acordo com a CBS e Turner de 14 anos, 10,8 bilhões de dólares). Os campeonatos geram receitas por bilheterias, lucram com vendas e royalties, com a exploração do setor de alimentação e estacionamento, dentre outras atividades produtoras de riquezas. Toda esta receita é revertida para as universidades e reaplicada no desporto e na educação universitária. As bolsas de estudos e projetos de inclusão social são sustentados por esta verba, além de gerar a empregabilidade em diversos setores.262

Ademais, esses eventos geram riquezas para os atletas e permitem a produção de bens e serviços em muitas regiões norte-americanas. Em 2010, cada jogo dos Longhorns, no Texas, teve um impacto econômico de 10 milhões de dólares na região.263

Por isso, é necessário um planejamento relacionado à exploração do desporto como instrumento de redução de desigualdades sociais e regionais, para concretizar interesses de todo um grupo social, com repercussões econômicas em diversas regiões e áreas: desde o setor de comunicações até os exploradores de atividades informais. Vale lembrar que no Brasil existem diversos meios de comunicação264 exclusivos para o desporto, além de programações televisivas fixas

262 Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2012. 263 Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2012. 264 Na ―TV fechada‖ existem inúmeros canais de esportes exclusivos (Sportv 1, 2, 3 e HD; ESPN Brasil, Internacional e HD; Fox Sports; Esporte Interativo; Bandsports etc.) e ainda os canais de pay- per-view. A mídia escrita não fica atrás. Existem diversos sites, jornais diários e periódicos exclusivos

141

em canais abertos, que faturam bilhões de reais e geram grande empregabilidade. A difusão do desporto também é importante meio de incentivo265, seja por meio da visibilidade das diversas modalidades, seja pela exploração da atividade econômica do setor desportivo.

O desporto, assim, constitui-se numa realidade sociológica, como um fenômeno sociocultural, que contribui para formar o desenvolvimento intelectual, psicológico e físico dos seus praticantes e espectadores.266

Foi no desporto que os Estados Comunistas267 (URSS, Cuba, Alemanha Oriental e China) encontraram soluções para problemas sociais, utilizando-se deste eficaz instrumento para desenvolver socialmente parte da sociedade, que não possuía oportunidade em virtude do fechamento do mercado à iniciativa privada. Da mesma forma, os EUA, principal representante do Estado Capitalista, vincularam – e ainda vinculam – o desporto à educação e como desenvolvimento social e econômico dos indivíduos e de regiões.

Como se vê, não por acaso, os dois grandes blocos construídos no Pós- Segunda Guerra Mundial investiram maciçamente no desenvolvimento do desporto como instrumento de desenvolvimento econômico-social. No período da ―Guerra Fria‖, o desporto possibilitou ainda o desenvolvimento tecnológico e biológico, já que as principais potências dos blocos pretendiam demonstrar sua hegemonia pelas vitórias no esporte, uma vez que não se cogitava uma nova guerra bélica.

para a área desportiva. Até mesmo os clubes de futebol possuem canais de televisão e periódicos próprios. 265 O Governo Federal poderia implantar meios próprios de difusão para o Desporto, sob a sua responsabilidade, mas sem exclusividade. 266 COUTINHO, Nilton Carlos de Almeida. Direito Desportivo: uma área do Direito que precisa ser pesquisada. Revista Consulex. Ano IV – nº 41, maio/2000. 267 A Alemanha Oriental (República Democrática Alemã – RDA) editou a primeira Constituição com inclusão do desporto, em 1968: ―Art. 8º. A cultura física, o desporto e o turismo servirão, como elemento da cultura socialista, ao total desenvolvimento corporal e espiritual dos cidadãos‖. A Constituição da antiga URSS, de 1977, em seu artigo 14, já previa que: ―Os cidadãos da URSS têm direito ao descanso e ao fomento massivo do desporto‖. Na China, a Constituição de 1975, com a revisão de 1982, constou em seu artigo 21 que: ―O Estado fomentará a cultura física e promoverá as atividades esportivas de massas, a fim de desenvolver as condições físicas do povo‖. (In: FERRARO, Leonardo. Direitos Fundamentais e Desporto. Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010, p. 301. Coord. MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner).

142

Ângelo Vargas e Braz Rafael da Costa Lamarca268 dizem ser “indubitável que o desporto é um dos fenômenos de maior amplitude no que respeita às tramas sociais, cujas bases constitutivas são os interesses difusos que dão substância à sociedade globalizada” e ainda que:

[...] a magnitude da sociedade sob a égide do Desporto tem, como um de seus paradigmas, a infiltração do Desporto noutros eventos e instituições sociais, em que ora é utilizado como disfarces e ora é utilizado como justificativa plausível (ou pseudo-plausível?) para o delineamento de estratégias políticas.

Em que pese o incentivo fiscal ao desporto seja exclusivo para o desporto não-profissional, é evidente que o objetivo dos atletas praticantes do desporto amador é alcançar o profissionalismo, por isso é de grande importância a atuação do Estado para possibilitar e estimular este desenvolvimento do indivíduo no desporto, do amador ao profissionalismo.

A consequência deste incentivo por programas governamentais é a inserção do atleta na sociedade, já com ideais baseados na cooperação mútua absorvidos pela etapa do período não-profissional, para que assim esteja pronto a desenvolver- se economicamente e socialmente, participando da divisão de bens – outrora como receptor, posteriormente como fomentador.269

Leonardo Vizeu Figueiredo, ao explorar a ―Teoria da Justiça‖ de John Rawls, mostra que:

A consequência do ordenamento jurídico, no seu aspecto econômico e social, é, portanto, o de especificar a estrutura em que a sociedade basear-se-á no que tange à repartição dos bens. Isto porque, o sistema social de molda de forma a refletir os desejos e as aspirações dos cidadãos. Assim, serve de norte para que os cidadãos possam aspirar ao tipo de pessoas que desejam ser, servindo, outrossim, como parâmetro para que possam ter

268 VARGAS, Ângelo; LAMARCA, Braz Rafael da Costa. Para uma Compreensão do Desporto no Mundo Globalizado: Das Tramas Sociais ao Positivismo Jurídico. (In: Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010, p. 22. Coord. MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner). 269 Existem diversas políticas públicas que dependem da parceria com a iniciativa privada. É assim, por exemplo, a lei de incentivo ao desporto, já que o Poder Público instrumentaliza o incentivo por meio de um veículo normativo, mas é essencial a adoção do projeto pela iniciativa privada.

143

consciência do tipo de pessoas que efetivamente são. Portanto, pode-se conceber que o sistema socioeconômico regula principalmente as aspirações para atendimento das necessidades futuras. Objetiva-se que a sociedade, a longo prazo e tendo em mente as gerações vindouras, alcance um ponto de equilíbrio no que se refere ao compartilhamento dos bens sociais, dentro das capacidades naturais de cada cidadão, independentemente dos desejos particulares e das necessidades dos seus membros atuais.270

Na atividade desportiva não é diferente. Existe um grande potencial de inclusão social na atividade desportiva, com desenvolvimento da comunidade e coesão social, ofertando emprego mediante contrato de trabalho ou retorno financeiro por patrocínio, possuindo papel de relevo na inserção de grupos menos favorecidos, sobretudo no âmbito regional. Nesse espectro, os atletas profissionais, desportistas amadores e os clubes desportivos constituem verdadeiros modelos de referência para os jovens e a sociedade em geral.271

Sobre o tema, vale transcrever o pensamento de Ângelo Vargas e Braz Rafael da Costa Lamarca:

Na sociedade brasileira, em particular nas camadas menos favorecidas (o que não é privilégio destes extratos), o Desporto desponta como um sonho de ascensão à cidadania, como um caminho, às vezes único, para se alcançar, de forma digna, o lócus societas e sobreviver à pobreza e à periferia dos direitos fundamentais. Portanto, numa sociedade plural como a brasileira, é normal e benéfico, sobretudo pelo seu cunho pedagógico, o delineamento do Direito no universo desportivo. 272

No campo do desporto profissional, então, após o caminho natural do amadorismo, não deve ser diferente a atuação estatal. Hoje, o desporto profissionalizado é um espetáculo de alto rendimento que não tem fronteiras. É um produto da livre iniciativa e da globalização, mas que tem a sua função social.

270 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit., p. 733. 271 Conforme Diretiva C326/04-2010 da União Europeia. 272 VARGAS, Ângelo; LAMARCA, Rafael da Costa Lamarca. Op. cit., p. 27.

144

Nessa seara, menciona Judivan J. Vieira que:

No descortinar do tempo percebemos que o esporte vai transcender a esfera individual para se tornar motor de afirmação nacional, leito de propaganda ideológica e matéria diplomática; por fim, vai encontrar guarida no Direito Constitucional, numa caminhada histórica que passa do desprezo estatal ao status de política pública. Tal reconhecimento foi imposto ao Estado, que viu e sentiu o esporte acrescer seu Produto Nacional Bruto e Produto Interno Bruto, impondo ser reconhecido como vultuosa fonte de prestígio, poder e influência, e que caso apropriado pela iniciativa privada ganharia viés tão somente lucrativo, sem o caráter pedagógico tão eficaz ao desenvolvimento sustentável do homem.273

Como se vê, o desporto é não só importante instrumento de políticas públicas de redução de desigualdades sociais e regionais como objetivo republicano, mas também importante agente econômico,274 e, nesta condição, deve observar a diretriz constitucional econômica destas reduções.

Constatando a afirmação acima, o PIB brasileiro em 2011 foi de R$ 4,1 trilhões, sendo que 1,6% é representado pelo movimento financeiro resultante do desporto, incluindo os setores que o rodeiam, ou seja, R$ 67 bilhões.275

Rememorando sobre o investimento público na área desportiva, com o intuito de propiciar o bem-estar social aos cidadãos em um ―Projeto Olímpico‖ e permitir a universalização do esporte no país, ou seja, lograr as condições necessárias para o seu acesso por todos, o então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, fez importante declaração:

Nós queremos é isso, não fazer favor a ninguém. Queremos transformar o esporte em instrumento de desenvolvimento deste país. Não podemos mais falar a palavra gastar, pois é investimento para que o esporte brasileiro se transforme em uma potência olímpica.

273 VIEIRA, Judivan J. O Esporte como Fator de Integração Nacional e Internacional. (In: Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010, p. 278. Coord. MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner). 274 Para Judivan J. Vieira, o esporte é, sem dúvida, um veículo de desenvolvimento econômico. (In: Op. cit., p. 281). 275 Estudo "O PIB do Esporte no Brasil", realizado pela Pluri Consultoria.

145

Precisamos dar a todos, independente se nasceu no Complexo do Alemão ou na Tijuca, o direito de disputar em igualdade de condições a medalha de ouro aqui no Brasil ou em qualquer lugar.276

Verifica-se, nesse diapasão, que o desporto é um complexo de atividades exercidas como canal de socialização e inclusão social, que vem sendo fomentado por instituições governamentais e privadas, tornando-se um importante instrumento na concretização da redução das desigualdades sociais e regionais. Aliás, o próprio mercado econômico desportivo, que fatura bilhões de reais, deve reverter parte deste faturamento para a inclusão social e desenvolvimento de regiões, resultando em um círculo virtuoso.

9.4 O Futebol como instrumento de inclusão social

A democracia não se constrói com fome, miséria, ignorância, analfabetismo e exclusão, sendo somente um processo ou procedimento justo de participação política se existir uma justiça distributiva no plano dos bens sociais, pois a juridicidade, a sociabilidade e a democracia pressupõem uma base que começa nos direitos fundamentais da pessoa e acaba nos direitos sociais.277

Por sua vez, não há como negar que o esporte é a principal ferramenta do Estado para fomentar a inclusão social, uma vez que na prática desportiva não é necessário fazer distinções variadas, tais como: classe social, cor, origem geográfica e até mesmo instrução escolar.

Consagrou-se, assim, que as atividades desportivas auxiliam a formação do indivíduo como cidadão, trazendo lições de respeito e coletividade fundamentais na evolução de uma sociedade. Percebeu, nesse contexto, o legislador brasileiro, a possibilidade da utilização do esporte como ferramenta de inclusão social, em virtude da enorme disparidade social brasileira.278

276 Disponível em: . Acesso em: 21 dez. 2010. 277 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direitos Fundamentais Sociais. Coord.: J. J. Gomes Canotilho, Marcus Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia. São Paulo: Saraiva, 2010. 278 BELLO, José Luiz de Almeida. Op. cit., pp. 306-307.

146

O Senador da República, Eduardo Suplicy, em artigo publicado no site do Senado Federal, esclarece que:

Cerca de 21% dos brasileiros sofrem com a exclusão social. O potencial transformador do esporte está contribuindo para a reversão desse quadro de vulnerabilidade social. Refiro-me ao esporte aplicado não somente na atividade de alto rendimento, mas também no esporte que é capaz de educar e tornar crianças, jovens, adultos e idosos em verdadeiros cidadãos. Os novos caminhos traçados pelo Brasil mostram que o esporte é uma ferramenta fundamental no incremento da economia e ainda contribui para o desenvolvimento local. Esse fato despertou o interesse de outros países em realizar parcerias na área social, e agora o Brasil exporta políticas públicas de inclusão social, idealizadas pelo Ministério do Esporte, como os programas "Segundo Tempo" e "Pintando a Liberdade.279

O futebol, como modalidade desportiva, é um agente de redução das desigualdades sociais e regionais, o que faz pela inclusão social.

Inclusão social é um conjunto de meios e ações que combatem a exclusão dos benefícios da vida em sociedade, provocada pela inferioridade social ou localização geográfica, trazendo o indivíduo para a realização de todos os aspectos do bem-estar social. E a inclusão social é instrumentalizada por meio de políticas públicas que permitem a oferta de oportunidades de acesso aos bens e serviços. O seu objetivo é a redução das desigualdades sociais e regionais com o acesso à vida no contexto econômico-social e cultural.

Dentre as modalidades desportivas não restam dúvidas de que o futebol é aquele que movimenta maior paixão e, por isso, é capaz de fomentar o desenvolvimento social de forma mais efetiva e rápida.280

279 SUPLICY, Eduardo. O esporte como integração social. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2012. 280 A rede de lanchonetes McDonald‘s possui as mesmas cores do Galatasaray, por isso, nos arredores do estádio do Besiktas, clube rival, a rede resolveu mudar as tradicionais cores em vermelho e amarelo para o branco e preto, evitando um possível boicote. No Brasil, o Internacional de Porto Alegre possui o patrocínio do Banrisul, cujo logotipo institucional é azul, porém na camisa do clube o logotipo foi inserido em vermelho para não ―manchar‖ o seu uniforme com a cor do rival, o Grêmio Porto Alegrense. Da mesma forma, o Grêmio Porto Alegrense quando patrocinado pela Coca- Cola, sabidamente com a marca na cor vermelha e que remetia ao seu rival, Internacional de Porto Alegre, estampava o patrocínio em branco e preto.

147

Os indivíduos e grupos socialmente menos favorecidos, excluídos economicamente, muitas vezes possuem a oportunidade de convivência social mediante a prática esportiva, sendo relevante o futebol, por ser uma paixão nacional, verdadeiro integrante da cultura brasileira.

Em recente artigo, Raul Milliet Filho trouxe a análise do historiador Eric Hobsbawm sobre o futebol. Segundo indica o articulista, reproduzido por Juca Kfouri, em ―A era dos Extremos‖ Eric Hobsbawm, que não negligenciava qualquer setor da sociedade para analisar o contexto histórico, econômico e social da humanidade, explica o encanto do futebol:

O esporte que o mundo tornou seu foi o futebol de clubes, filho da presença global britânica…Esse jogo simples e elegante, não perturbado por regras e/ou equipamentos complexos, e que podia ser praticado em qualquer espaço aberto mais ou menos plano do tamanho exigido…tornou-se genuinamente universal.281

O futebol moderno, desenvolvido na Inglaterra e que chegou ao Brasil no final do século XIX, é uma modalidade de fácil acesso, com regras simplificadas, que não necessita de aparatos tecnológicos e que possui uma dinâmica favorável ao companheirismo e cooperação entre os participantes.

Segundo ainda Eric Hobsbawm, em sua obra ―Mundos do Trabalho‖, conforme cita Raul Milliet Filho, “o futebol como esporte proletário de massa – quase uma religião leiga – foi produto da década de 1880”, quando por lá o jogo foi profissionalizado. Ainda na análise sobre as décadas de 1880 e 1890 na Inglaterra, na obra ―A Invenção das Tradições‖, afirma que “pela história das finais do campeonato britânico de futebol podem-se obter dados sobre o desenvolvimento de uma cultura urbana operária que não se conseguiram através de fontes mais convencionais”.282

281 Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2012. 282 Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2012.

148

Instrumento político-social que transforma a sociedade, libertando aquele que o pratica para a busca de uma vida digna: este é o futebol. Na mesma toada, Manoel José Gomes Tubino ensina que:

O esporte deixou de perspectivar-se apenas no rendimento e conseguiu também incorporar os sentidos educativos e do bem-estar social. Em outras palavras, o esporte não é mais apenas uma prática motora que visa a competição ou o alto rendimento, mas quando bem objetivado, pode se tornar uma ferramenta imprescindível para a transformação social.283

O Estado, ao implementar políticas públicas relacionadas ao futebol, sem dúvida, intervém na economia. Isto porque a inclusão social permite a diminuição da criminalidade, a capacitação da mão de obra, o entusiasmo pela educação, a melhora da saúde, a cooperação entre regiões e pessoas, com a participação de toda a sociedade, reduzindo os custos futuros para a o setor público e para a iniciativa privada.

Aristides Almeida Rocha assevera que:

No que diz respeito à sociedade em geral, as notícias na mídia são pródigas em informar o desenvolvimento de programas e mesmo de atitudes esparsas conduzidas por sociedades civis e religiosas, dando conta de que a oferta de equipamentos destinados à prática desportiva e a orientação de políticas públicas e programas bem conduzidos concorrem para disciplinar, afastar das drogas, diminuir atos de vandalismo, e reduzir ações predatórias sobre os próprios públicos etc. enfim levando à sociabilização das crianças, jovens e adultos e ao pleno exercício da cidadania.284

Desse mesmo modo, o Estado faz com que as facilidades econômicas e oportunidades sociais sejam alcançadas por aqueles que estão privados destas liberdades instrumentais, que ensejam o desenvolvimento para uma vida mais digna.

Para Amartya Sen, o papel instrumental da liberdade concerne ao modo como diferentes tipos de direitos e oportunidades contribuem para a expansão da

283 TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, 1992, p. 40. 284 ROCHA, Aristides Almeida. O Esporte e a Inserção Social dos Excluídos: Contribuição do Panathetismo. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2012.

149

liberdade em geral, resultando na promoção do desenvolvimento.285 Explica ainda a importância das facilidades econômicas e oportunidades sociais:

As facilidades econômicas são oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca. (...) À medida que o processo de desenvolvimento econômico aumenta a renda e a riqueza de um país, estas refletem no correspondente aumento de intitulamentos econômicos da população. Deve ser óbvio que, na relação entre a renda e a riqueza nacional, de um lado, e, de outro, os intitulamentos econômicos dos indivíduos (ou famílias), as considerações distributivas são importantes em adição às agregativas. (...) Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor. Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada (como por exemplo levar uma vida saudável, livrando-se de morbidez evitável e da morte prematura), mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas. Por exemplo, o analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em atividades econômicas que requeiram produção segundo especificações ou que exijam rigoroso controle de qualidade (...).286

O futebol propicia facilidades econômicas e oportunidades sociais e contribui para a integração regional e nacional, já que possibilita a interação entre as diversidades de classe, cor, etnia, religião, colaborando com a inserção social nas comunidades mais periféricas do Brasil. Em razão disso, é necessário que o Estado intervenha no sentido de fomentar o futebol para superar a marginalização econômico-social, a fim de desenvolver indivíduos e regiões.

Leonardo Vizeu Figueiredo, ao explicar os pensamentos de Amartya Sen, afirma que a pobreza não é somente a privação da renda em si, mas também a privação das formas de obtenção de capacidade dos indivíduos ao trabalho em seu reduto de convivência, sendo justa a sociedade que proporciona oportunidades efetivas aos indivíduos com o objetivo de se tornarem dignos e independentes, ou seja, incluídos na sociedade de forma integral.287 E o futebol permite esta independência, esta liberdade de se desenvolver. Para tanto, o Estado e a sociedade têm participação fundamental.

285 SEN, Amartya Kumar. Op. cit., pp. 53-54. 286 SEN, Amartya Kumar. Op. cit., pp. 55-56. 287 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit., p. 736.

150

A intervenção estatal por intermédio da indução, com a Lei de Incentivo ao Desporto, também é aplicada ao futebol. Assim, as categorias de base de clubes formam jogadores amadores em profissionais e incluem os indivíduos na sociedade durante todo este processo.

Outra intervenção estatal neste quesito é o comodato de áreas públicas aos clubes de futebol que formam jogadores a partir do amadorismo, nas chamadas ―categorias de base‖, mas com o intuito de profissionalização.

No Município de São Paulo, a Lei nº 9.479/1982 cedeu ao São Paulo Futebol Clube uma área de 44.472,37m2 em concessão administrativa, pelo prazo de 40 anos, com a finalidade de construção de um centro de treinamento poliesportivo, todavia, sabidamente destinado para o exercício da modalidade futebolística.

O mesmo ocorreu em relação à Sociedade Esportiva Palmeiras, que obteve mediante concessão administrativa por 40 anos o direito de uso de área de 48.578,00m2, por meio da Lei nº 10.666/1988, já sob a égide da CF/88, também a construção de um centro de treinamento poliesportivo.

De fato, esses centros de treinamentos realmente foram construídos pelas agremiações acima mencionadas, inserindo na sociedade muitos jovens que se encontravam dela excluídos.

Esclareça-se que o futebol não é somente um instrumento de inclusão social pela sua prática, mas também objeto da atividade econômica, que bem estruturada efetivará a justiça social. O futebol gira grande parte da economia desportiva, visto que sozinho representa 53% do PIB esportivo brasileiro, tendo movimentado R$ 36 bilhões em 2011. Outros ramos relacionados ao futebol no Brasil, como empresas revendedoras de materiais esportivos, também faturaram alto em 2011: Netshoes, R$ 600 milhões anuais; grupo SBF Centauro, R$ 1,7 bilhão.288

288 Estudo "O PIB do Esporte no Brasil", realizado pela Pluri Consultoria.

151

O futebol mundial movimenta, em média, US$ 300 bilhões por ano, valor semelhante ao PIB (Produto Interno Bruto) da Argentina. Neste cenário existem diversos interesses: torcedores, mídia, publicidade, transportes, hospedagens, materiais esportivos e um grande número de empregos diretos e indiretos.

Judivan J. Vieira, ao tratar do tema, traz que a Nike gastou US$ 1 bilhão com marketing futebolístico; a Adidas comprou a concorrente Reebok por US$ 3,1 bilhões, em 2005, somente para disputar o mercado com a Nike. Aduz ainda em estudo realizado que:

O Setor Privado sabe bem do potencial do esporte como filão mercadológico. A Ambev, ao contratar o jogador Ronaldo para comparecer à inauguração de sua fábrica na Guatemala, tinha previsão do feito que conquistou. Em três meses já era dona de 40% do mercado de bebidas naquele país.289

As Organizações Globo, emissora de televisão, projetou faturar com a transmissão de jogos de futebol em 2012 a expressiva quantia de R$ 3 bilhões, sendo R$ 1 bilhão com o pay-per-view.290

E toda esta atividade econômica do setor desportivo relacionado ao futebol tem início justamente na revelação de novos atletas, pelos clubes de futebol mediante a intervenção estatal, seja por incentivo fiscal, seja por cessão de espaços públicos para a formação de atletas, oportunizando aos indivíduos a inserção na sociedade.

A modalidade futebolística é tão presente na formação da sociedade que o ―Jogo da Paz‖, realizado em 2004, entre a Seleção Brasileira e a Seleção do Haiti, em atenção à missão organizada pelo Brasil para a estabilidade política do país, assolado pela guerra civil, fez mais pela paz do que os canhões e tanques de guerra, demonstrando a força agregadora e o potencial construtivo do futebol.291

289 VIEIRA, Judivan J. Op. cit., p. 286. 290 Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2012. 291 VIEIRA, Judivan J. Op. cit., p. 282.

152

Raul Milliet Filho explica que:

O surgimento dos Esportes Modernos (dentre os quais o futebol) na segunda metade do século XIX foi analisado por Hobsbawm em sintonia à consolidação do Estado-Nação da era moderna. Em A Invenção das Tradições (escrito com Terence Ranger), o futebol é identificado como uma entre muitas formas de expressão e símbolo da nacionalidade, como mais um modo de coesão necessário à nação moderna.292

Douglas Wanderley Vasconcellos analisa o poder do desporto do seguinte modo:

O poder do esporte para projetar a aproximação dos povos, a vitalidade de negócios, a comunicação social, a conquista de afinidades e prestígio mesmo em círculos governamental, empresariais e jornalísticos, informa sua eleição prioritária, em casos multiplicados e por muitos países, como instrumento de marketing, de promoção institucional e de publicidade internacional. São razões que mobilizam vários atores, diversas instâncias e multitudinários recursos, traduzindo a questão do esporte em tópico vertente da agenda mundial. Para o Brasil, nos três principais quesitos – de afirmação de valores e interesses nacionais, geração de negócios e projeção de imagem externa positiva – o vetor esportivo oferece oportunidades singulares e repercussivos resultados.293

Na Europa, o futebol foi tratado por Resolução do Parlamento Europeu, publicado pelo Jornal Oficial da União Europeia em 31 de janeiro de 2008. Dentre as diversas preocupações com as repercussões resultantes do futebol e toda a sua importância para a sociedade europeia, socialmente e economicamente, destacam- se:

(...) B. Considerando que o desporto europeu, em geral, e o futebol, em particular, são uma parte inalienável da identidade, da cidadania e da cultura europeias, e que o modelo do futebol europeu — caracterizado por competições desportivas abertas, numa estrutura piramidal em que várias centenas de milhar de clubes amadores e milhões de voluntários e de jogadores formam a base para os clubes profissionais de topo — constitui o resultado de uma longa tradição democrática e do apoio popular da sociedade no seu todo; C. Considerando que o futebol desempenha um importante papel social e educativo, constituindo um instrumento eficaz de inclusão

292 Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2012. 293 VASCONCELLOS, Douglas Wanderley. Op. cit., p. 293.

153

social e de diálogo multicultural, e que necessita de protagonizar um meio activo para combater a discriminação, a intolerância, o racismo e a violência, já que são numerosos os incidentes com esta motivação que continuam a ocorrer no interior e em torno dos estádios, e considerando que os clubes e as ligas profissionais de futebol têm também um papel social e cultural de grande importância nas respectivas comunidades locais e nacionais; D. Considerando que o futebol profissional tem uma dimensão económica e uma vertente não económica; E. Considerando que os aspectos económicos do futebol profissional estão sujeitos ao direito comunitário e que a jurisprudência reconhece a especificidade do desporto, bem como o papel social e pedagógico desempenhado pelo futebol na Europa; (...) 32. Salienta a importância da formação através do desporto, bem como o potencial do futebol para ajudar os jovens socialmente vulneráveis a regressarem ao bom caminho, pelo que exorta os Estados-Membros, as federações nacionais, as ligas e os clubes a promoverem o intercâmbio das melhores práticas neste domínio; 33. Solicita à Comissão e aos Estados-Membros que dêem também o seu apoio aos projectos de inclusão social realizados nos clubes de futebol; (...) 43. Sublinha a importância do reconhecimento mútuo das qualificações profissionais obtidas noutro Estado-Membro para permitir a livre circulação de trabalhadores; (...) 57. Reconhece a importância das marcas comerciais no sector do desporto, excepto se forem utilizadas para entravar a livre circulação de mercadorias; (...) 66. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos e parlamentos dos Estados- Membros, à UEFA, à FIFA, à EPFL, ao Fórum Europeu de Clubes e à FIFPro.

Ao indagar se a política ou o Direito tem sido mais eficaz que o esporte no cumprimento da pauta da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sobretudo o futebol, Judivan J. Vieira responde que ―não!‖294. Nada mais agregador na humanidade do que uma Copa do Mundo de Futebol, quando um jogo entre EUA e Irã é festejado e não guerreado.

A verdade conclusiva é que o futebol, no Brasil ou fora dele, tornou-se um verdadeiro meio de inclusão social e de desenvolvimento econômico, o que sem dúvida reduz as desigualdades sociais e regionais, o que enseja o planejamento e execução de novas políticas públicas estatais.

294 VIEIRA, Judivan J. Op. cit., p. 280.

154

9.5 Os eventos desportivos como instrumentos de redução das desigualdades sociais e regionais

Um instrumento eficaz para a redução das desigualdades regionais e sociais é a intervenção do Estado para incluir políticas públicas que oportunizam a geração de empregos e a circulação de riquezas sem concentração de capital, por intermédio de grandes eventos desportivos.

O exemplo relevante que envolve tanto o desenvolvimento regional como social é a Copa do Mundo de 2014, a ser realizada no Brasil, com parceria entre o Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios envolvidos) e a entidade privada organizadora do evento, a FIFA295.

Tal evento foi avalizado pelo governo federal brasileiro e inserido nas suas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social. A Copa do Mundo de 2014 será realizada em todas as regiões do país, o que certamente resultará na redução das desigualdades regionais e sociais. Esta redução se dá pelos investimentos diretos e indiretos nas regiões atingidas pelo evento, seja na implementação de infraestrutura, pelos postos de trabalhos criados, pelo acesso ao capital ou pela rede de turismo desenvolvida296, gerando riqueza, oportunidades e inclusão social297.

295 Federação Internacional de Futebol Associados, entidade máxima, reguladora, do futebol mundial. 296 ―Art. 180. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.‖ 297 O Tribunal de Contas da União – TCU prevê que, em função da Copa do Mundo de Futebol, as 12 cidades-sede empreenderão cerca de R$ 23 bilhões. Desse total, R$ 16,5 bilhões virão de órgãos ligados ao Governo Federal e o restante será bancado pela iniciativa privada e pelos governos locais. As obras viárias, visando à mobilidade urbana, receberão aporte de recursos de R$ 7,8 bilhões, sendo que a Caixa Econômica Federal financiará R$ 6,6 bilhões e o BNDES R$ 1,2 bilhão aos governos estaduais e municipais. No quesito construção e/ou reforma de estádios, o BNDES deverá realizar empréstimos em torno de R$ 3,6 bilhões para as arenas. Por seu turno, a INFRAERO pretende investir R$ 5,1 bilhões na reforma, remodelação e ampliação dos aeroportos. Os recursos governamentais aplicados em obras de infraestrutura, além de viabilizarem as exigências das entidades promotoras do evento, deixarão um legado positivo que propiciará a toda a população envolvida uma melhoria nos serviços de transporte e de locomoção urbana. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2012.

155

Gomes Canotilho enfatiza que:

[...] a inclusividade pressupõe justiça quanto às possibilidades iguais de acesso. (...) Os direitos sociais e os princípios socialmente conformadores significam, no actual contexto, a legitimação de medidas públicas destinadas a garantir a inclusão do indivíduo nos esquemas prestacionais dos sistemas sociais funcionalmente diferenciados.298

A Copa do Mundo de 2014 será realizada em 12 cidades sedes, capitais de Estados de todas as Regiões do país, mais a capital do Distrito Federal: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Região Sudeste); Brasília e Cuiabá (Região Centro- Oeste); Curitiba e Porto Alegre (Região Sul); Fortaleza, Natal, Recife e Salvador (Região Nordeste); e, Manaus (Região Norte).

Vale ressaltar que para realizar esse evento foi editado um documento denominado ―Matriz de Responsabilidades‖, acordo que envolveu a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal e definiu compromissos referentes às fontes de recursos e execução dos projetos essenciais para a realização do evento esportivo. Esse acordo trata das áreas prioritárias de infraestrutura das cidades sedes que irão receber os jogos da Copa do Mundo de 2014, como aeroportos, portos, mobilidade urbana, estádios e hotelaria.

Em geral, o mencionado acordo estabeleceu que os Estados, Municípios e Distrito Federal, serão responsáveis pelos investimentos em mobilidade urbana, estádios e nos arredores de aeroportos e de terminais turísticos portuários. Já a União Federal deverá investir em aeroportos (terminais de passageiros, pistas e pátios) e portos (terminais turísticos).

Nesse sentido, em importante estímulo estatal ao evento desportivo, o BNDS – Banco Nacional do Desenvolvimento disponibilizou linhas de crédito para projetos de construção e reforma das arenas que receberão os jogos da Copa do Mundo de 2014 e de urbanização do seu entorno, limitada a 75% do custo total da obra, limitada a R$ 400 milhões por projeto, incluindo os investimentos no entorno,

298 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 21.

156

com prazo de pagamento para até 180 meses e período de carência de até 36 meses. Até o momento já foram aprovados mais de R$ 3,750 bilhões aos interessados.

Para a construção da (SP) no padrão exigido pela FIFA e para sediar a abertura da Copa do Mundo de 2014, com capacidade para 68.000 pessoas (após o evento a capacidade será reduzida para 48.000 espectadores) e que gerou cerca de 8.000 empregos diretos e indiretos, o BNDS aprovou299 a liberação de R$ 400 milhões. Vejam-se os financiamentos aprovados pelo BNDS para a adequação ou construção das outras arenas no padrão da FIFA, bem como o benefício econômico-social na geração de empregos:

a) adequação da Arena Maracanã (RJ), com capacidade para 76.525 pessoas e com geração de cerca de 10.000 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 400 milhões;

b) Adequação da Arena do Castelão (CE), com capacidade para 66.500, pessoas, com geração de cerca de 3.000 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 351,5 milhões;

c) Construção da Arena da Fonte Nova (BA), com capacidade para 50.273 pessoas, gerando cerca de 4.200 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 323,6 milhões;

d) Construção da Arena da Amazônia (AM), com capacidade para 44.160 pessoas, com geração de 7.700 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 400 milhões;

e) Construção da Arena Pantanal (MT), com capacidade para 42.000 pessoas (após o evento será reduzida a capacidade para 27.000 espectadores), gerando cerca de 4.000 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 393 milhões;

299 No caso da Arena Corinthians o valor foi aprovado, faltando para a sua liberação, por enquanto, a apresentação das garantias financeiras utilizadas pelo mercado financeiro (carta de crédito, por exemplo).

157

f) Construção da Arena Pernambuco (PE), com capacidade para 46.000 pessoas, gerando cerca de 9.000 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 280 milhões;

g) Construção da Arena Mineirão (MG), com capacidade para 65.500 pessoas, gerando cerca de 8.500 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 400 milhões;

h) Construção da Arena de Dunas (RN), com capacidade para 42.000 pessoas (após o evento a capacidade será reduzida para 32.000 espectadores), gerando cerca de 2.350 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 396,5 milhões;

i) Adequação da Arena da Baixada (PR), com capacidade para 41.000 pessoas, gerando cerca de 1.100 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 131 milhões; e,

j) Construção da Arena Beira-Rio (RS), com capacidade para 50.024 pessoas, gerando cerca de 1.650 empregos diretos e indiretos, foram aprovados pelo BNDS R$ 275,1 milhões.

Já o Estádio Nacional de Brasília (DF) tem o seu custo estimado em R$ 671 milhões, valor que será investido pela TERRACAP300, estatal proprietária dos terrenos pertencentes ao governo do Distrito Federal.

O intuito dos grandes eventos desportivos é de deixar um relevante legado para o país executor, incluindo infraestrutura, geração de empregos, de renda e inclusão social. Esses grandes eventos desportivos, e que demandam investimentos vultosos pelo Estado, contribuem para o sistema produtivo em cada região da Federação em que será realizado o projeto, promovendo um círculo virtuoso de desenvolvimento.

300 Companhia imobiliária do Governo do Distrito Federal que assegura ―a gestão das terras públicas e a oferta de empreendimentos imobiliários sustentáveis, promovendo o desenvolvimento econômico- social e a qualidade de vida da população do DF e entorno‖. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2013.

158

Segundo o site oficial da Copa do Mundo de 2014301, produzido pelo Governo Federal, o evento futebolístico agregará R$183 bilhões ao PIB brasileiro até 2019 e mobilizará R$ 33 bilhões em investimento em infraestrutura, com destaque para a área de transporte e sistemas viários. Aproximadamente 3,7 milhões de turistas brasileiros e estrangeiros deverão gerar, no período do evento, R$ 9,4 bilhões para as economias locais. Em todas as áreas, 700 mil empregos permanentes e temporários serão criados somente para o investimento no evento.

Já o estudo realizado conjuntamente pela Ernst & Young e FGV (Fundação Getúlio Vargas), a Copa do Mundo de 2014 injetará R$ 112,79 bilhões na economia brasileira, com a produção em cadeia de efeitos indiretos e induzidos em um total de R$ 142,39 bilhões no período entre 2010 e 2014, gerando 3,63 milhões de empregos ao ano, e R$ 63,48 bilhões de renda para a população, impactando diretamente no mercado de consumo. Essa produção também ocasionará, segundo o estudo, uma arrecadação tributária adicional de R$ 18,13 bilhões aos cofres dos Municípios, Estados e União Federal.302

Para possibilitar este evento foi editada a Lei nº 12.663/2012, que dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude - 2013, que serão realizadas no Brasil, dentre outras previsões.

Por este instrumento jurídico o Estado intervém na economia ao dispor em seu artigo 11, caput e parágrafos, que:

Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.

301 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2012. 302 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2012.

159

§ 1o Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2 km (dois quilômetros) ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição. § 2o A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal.

Dessa forma, em um raio de 2km ao redor dos locais oficiais de competição não será possível explorar a atividade econômica associada aos eventos organizados pela FIFA, uma vez que esta exploração será exclusivamente exercida por ela e seus patrocinadores, o que inclui: “divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso”.

A mesma lei estabelece que a mencionada exclusividade na exploração de atividade econômica não será aplicada em relação aos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos eventos e observado o disposto no artigo 170 da CF/88.

Essa intervenção estatal não exclui o acesso à renda e oportunidades em relação à exploração da atividade econômica no citado evento. O que não será possível é implementar, na área especificada, estabelecimento irregular ou que faça associação aos produtos relacionados à competição, por isso a observação do artigo 170 da CF/88, preservando a livre iniciativa.

Em que pese a previsão restritiva, a utilização exclusiva de determinada área acarretará também na terceirização e subcontratação de empresas brasileiras, estimulando outras empresas, inclusive as micro e pequenas. Em programa criado pelo SEBRAE, denominado Sebrae 2014, prevê-se a geração de cerca de 930 oportunidades de negócios para micro e pequenas empresas nas 12 cidades sedes

160

em todas as regiões do Brasil303, englobando nove setores da economia: agronegócio, comércio varejista, construção civil, madeira e móveis, economia criativa (artesanato, gastronomia, entretenimento), moda (têxtil e confecção), serviços, tecnologia da informação e comunicação e turismo.

A mesma lei, em seu artigo 29, prevê que o Poder Público adotará providências para celebrar acordos com a FIFA no sentido de estimular temas sociais contra as armas, drogas, violência, racismo; pelo trabalho decente; difusão dos pontos turísticos brasileiros; aplicação de recursos oriundos dos eventos da Copa do Mundo de 2014 para construir centros de treinamento de atletas de futebol, incentivo para a prática esportiva das pessoas com deficiência e apoio às pesquisas específicas de tratamento das doenças raras; divulgação da importância do combate ao racismo no futebol e da promoção da igualdade racial nos empregos gerados pelo respectivo evento desportivo.

Por sua vez, a Lei nº 12.350/2010, que dispõe sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo 2014, é outro instrumento jurídico para viabilizar o evento, que desonerou tributos com isenções em benefício da FIFA.

Com esta política pública de indução implantada pelo Estado para a realização da Copa do Mundo de 2014, a FIFA obterá de 2011 a 2015 uma isenção tributária na ordem de R$ 558,83 milhões, segundo estimativas da Receita Federal304, mas investirá conjuntamente com o Poder Público em programas sociais, conforme já mencionado acima.

Além disso, os incentivos estatais atingem outros setores da economia, como a atividade econômica das elétricas. As empresas estaduais de energia elétrica terão R$ 500 milhões a mais em crédito do Governo Federal para obras da

303 O Município de São Paulo recebe investimentos de grifes estrangeiras de diversos segmentos desde o anúncio da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Restaurantes, lanchonetes, docerias, sorveterias, hotéis, marcas de roupas, cinemas e shoppings são alguns dos muitos ramos da atividade econômica que estão se instalando na cidade de São Paulo, estimulando a economia regional e gerando mais riqueza, postos de trabalho e arrecadação aos cofres públicos municipais. 304 Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2012.

161

Copa do Mundo de 2014, totalizando R$ 850 milhões, uma vez que já havia sido estabelecido o montante de R$ 350 milhões, a fim de garantir o fornecimento de energia durante o evento. Esta medida foi aprovada pelo Conselho Monetário Nacional em 25.10.2012.305

Portanto, a Copa do Mundo de 2014 propiciará um investimento público que obterá um retorno crescente no desenvolvimento regional, social e econômico.

Existem muitas críticas em relação aos estádios de futebol que serão construídos ou reformados em Estados e Regiões brasileiras que não possuem tradição futebolística ou agremiações de grande relevo, pouco fazendo a relação deste investimento social e econômico.

Na verdade, tal crítica é até discriminatória, porque a existência de local adequado e moderno para a prática do futebol certamente trará inclusão social de muitos indivíduos e permitirá o desenvolvimento regional. As próprias agremiações serão beneficiadas306. Ademais, os estádios poderão ser utilizados para shows e eventos de expressão de outra cultura local que não o futebol.

O investimento em infraestrutura nas cidades sedes resolverá alguns dos grandes problemas existentes nas respectivas regiões e que impedem o seu desenvolvimento e, da mesma forma, aproveitará os potenciais regionais para um desenvolvimento sustentável: crescimento econômico e inclusão social para estabilizar as desigualdades sociais e regionais.

Como se vê, as intervenções estatais mediante políticas públicas de incentivo e programas privados se unem em torno da Copa do Mundo de 2014 para

305 Jornal O Estado de S. Paulo. Caderno de Economia – B6. Elétricas com obras da Copa obtêm mais crédito. Por Eduardo Cucolo e Adriana Fernandes. 26.10.2012. 306 Os grandes centros do futebol brasileiro merecem estádios novos, sim. Mas os Estados com menor tradição no futebol também possuem este direito, sendo que o Poder Público possui o dever de difundi-lo e propiciar a sua prática. A arena do Amazonas, por exemplo, deve ser explorado pelo campeonato estadual de futebol e práticas desportivas locais. O futebol amazonense possui o tradicional São Raimundo Esporte Clube, que não deve permanecer esquecido. Caberá ao Poder Público, posteriormente à Copa do Mundo de 2014, planejar o incentivo do desporto local, com a criação de centros de treinamentos para formar novos atletas. São necessárias políticas assertivas nesse sentido.

162

fomentar a economia e gerar empregos e consumo interno, o que propicia igualmente a redução das desigualdades sociais e regionais.

Da mesma forma, os Jogos Olímpicos de 2016, que acontecerão na cidade do Rio de Janeiro-RJ, possibilitarão investimentos regionais307 e inserção de políticas públicas e programas privados que certamente repercutirão em novos postos de empregos, de melhor qualidade; possibilidade de rendas mais elevadas; acesso a conhecimentos técnicos de mão de obra; melhor atendimento da saúde; inclusão na cultura, educação e desporto. Todos os setores da economia são fomentados por eventos desta magnitude e o desenvolvimento regional atrai mais investimentos.

Segundo o IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, os Jogos Olímpicos têm a capacidade de melhorar a infraestrutura urbana e aumentar o PIB e o emprego nas localidades onde são realizados. O estudo elaborado por tal entidade308 demonstrou que os investimentos efetuados para os Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona, permitiram uma transformação urbana com o aumento de 15% nos projetos rodoviários e de 17% no sistema de tratamento de esgoto. Já no que tange aos Jogos Olímpicos de 2000, em Sydney, o investimento promoveu o crescimento das oportunidades de emprego desde a preparação do evento desportivo, com aumento de US$ 1,4 bilhão do PIB na região e de US$ 0,3 bilhão do PIB nacional durante a competição. Por sua vez, os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, impulsionaram a ideia de preservação do meio ambiente e deixaram diversos benefícios econômico-estruturais309.310

Os últimos Jogos Olímpicos realizados em Londres, no passado ano de 2012, trouxe saldo positivo para todo o Reino Unido, que se encontrava em recessão, com queda crescente do seu PIB, o que foi revertido, ao menos no 3º

307 A estimativa de investimentos diretos segundo o dossiê de candidatura será de R$ 23 bilhões. 308 Estudo assinado por Marcelo Proni, Lucas Araújo e Ricardo Amorim. 309 Segundo relatório elaborado pela agência de crédito Standard & Poor's, a oferta de escritórios, áreas comerciais e residenciais registraria entre 2007 e 2008 um crescimento de 52%, 89% e 58%, respectivamente. Só em 2007, surgiram na cidade 2.500 novos quartos de hotel, visando o fluxo de turistas olímpicos, com investimentos aplicados na expansão do metrô, na construção de terminais de aeroporto e de infraestruturas. 310 Bons negócios à vista. Por Vanessa Resende (In: Revista Fenacon. Janeiro-Fevereiro de 2013, pp. 28-29).

163

trimestre/2012. O Reino Unido cresceu 1% no 3º trimestre, o maior índice em 5 anos, interrompendo a recessão econômica mais longa dos últimos 60 anos, tudo em virtude da realização dos Jogos Olímpicos de 2012.311

Os grandes eventos esportivos, portanto, são importantes instrumentos de políticas públicas e de programas privados que incrementam a economia e geram postos de trabalho e consumo interno, realizando a circulação de riquezas. Tal círculo virtuoso proporciona um desenvolvimento sustentável, ou seja, o desenvolvimento econômico acompanhado de políticas e programas de redistribuição de riquezas e justiça social, resultando na perseguida redução das desigualdades sociais e regionais.

9.6 A Arena Esportiva do Sport Clube Corinthians Paulista como instrumento de redução das desigualdades regionais municipais

A autonomia política dos Municípios, efetivada pela Constituição Federal de 1988, tornou possível a criação das leis orgânicas e eleições diretas para os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: I - eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País; [...].

A sua competência privativa em legislar sobre os assuntos de interesse local também foi albergada pela Constituição Federal de 1988:

Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; [...] V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; [...].

311 Jornal O Estado de S. Paulo. Caderno de Economia – B11. Olimpíada tira Reino Unido da recessão. Por Jamil Chade. 26.10.2012.

164

Por sua vez, a receita tributária municipal não é composta por grandes arrecadações, mesmo com a participação na repartição de receitas com o Estado e União Federal. A consequência de tal fato é a dificuldade na implantação de políticas públicas próprias, dependendo, muitas vezes, de vinculação aos programas dos outros entes políticos.

Desta forma, os grandes eventos esportivos são verdadeiras oportunidades que possuem os Municípios para alavancar o crescimento local e de toda a região que os cercam, denominada ―Região Metropolitana‖.

Como visto no subcapítulo anterior o Município do Rio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos de 2016 e projeta-se uma grande movimentação de riquezas com base na geração de emprego, oportunidades para a atividade econômica e inclusão social.

Já no caso da Copa do Mundo de 2014, essa projeção é mais ampla, pois atinge todas as regiões do país. E dentro do evento Copa do Mundo de 2014 um importante exemplo de avanço social e econômico municipal: a Arena Esportiva do Sport Clube Corinthians Paulista312.

A referida arena desportiva está sendo construída em uma área verdadeiramente esquecida pelos poderes públicos e pela iniciativa privada: a Zona Leste do Município de São Paulo. A diretriz constitucional econômica de reduzir as desigualdades sociais e regionais não está adstrita às regiões nacionais, mas se aplica também às regiões municipais, mais conhecidas como ―zonas‖.

O zoneamento é a forma procedimental de divisão do território municipal de forma a regular a sua ordenação e ocupação com fulcro nas características naturais e de infraestrutura para alcançar o bem-estar da comunidade que de alguma forma habita, labora ou simplesmente passa pelo local, conforme salienta José Afonso da Silva:

312 Chamado de ―Itaquerão‖, em alusão ao bairro de Itaquera, Zona Leste, onde está localizada a Arena.

165

[...] o zoneamento constitui, pois, um procedimento urbanístico, que tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população. Ele serve para encontrar lugar para todos os usos essenciais do solo e dos edifícios na comunidade e colocar cada coisa em seu lugar adequado, inclusive as atividades incômodas. Não é modo de excluir uma atividade indesejável, descarregando-a nos Municípios vizinhos. Não é meio de segregação racial ou social. Não terá por objetivo satisfazer interesses particulares nem de determinados grupos. Não será um sistema de realizar discriminação de qualquer tipo. Para ser legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida das populações.313

O Município de São Paulo, ao inserir políticas públicas com incentivos à iniciativa privada para sediar a abertura da Copa do Mundo de 2014 e um dos oito grupos do evento314, escolhendo o projeto da Arena Esportiva do Sport Clube Corinthians Paulista como apto a receber os jogos do mundial de futebol, induziu um ousado investimento para o desenvolvimento da Zona Leste.

Note-se que até então a Zona Leste era esquecida pelas autoridades locais e que, desde o anúncio e início das obras da mencionada arena e de toda a infraestrutura que a rodeia, esta região experimenta grande modificação econômica e social, com pretensões de sustentabilidade e redução das diferenças existentes em face das outras regiões municipais.

Não há dúvida315 que a arena corinthiana trará o desenvolvimento que a Zona Leste do Município de São Paulo316 tanto aguardou, observando o governo

313 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 4º ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 242. 314 A cidade responsável por abrigar o primeiro jogo da Copa do Mundo de 2014 receberá também o ―Congresso Anual da Fifa‖, uma semana antes do Mundial, o que representa uma grande circulação de riquezas pelo turismo e consumo, gerando novos postos de trabalho e resultando em arrecadação considerável aos cofres públicos municipais. Ademais, a cidade será palco do principal centro de imprensa internacional, o que ensejará os mesmos benefícios econômicos e sociais durante todo o evento. 315 O Parque Olímpico de Londres foi construído numa região degradada da cidade, também esquecida, sem infraestrutura alguma. Todavia, com a realização dos Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, esta região localizada a leste do centro de Londres, mais precisamente em Stratford City, recebeu muitas obras de infraestrutura, como a construção da Estação de trem internacional de Stratford, além do maior Shopping Center da Europa, o , o que sem dúvida gerou postos de trabalho e circulação de renda e riquezas na região de forma sustentável. Toda esta revitalização terá sequência com os planos de ocupação do Parque Olímpico de Londres anunciados em 09.08.2012. ―A prefeitura da cidade anunciou (...) intervenções que incluem a construção de oito mil apartamentos, além do aproveitamento das 2.800 unidades da vila dos atletas. As novas instalações serão inauguradas a partir do dia 27 de julho de 2013, exatamente um ano após o início dos Jogos

166

municipal paulista os próprios artigos 170, inciso VII, e 174, jungidos ao artigo 182, todos da CF/88:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

Os artigos acima citados devem ser combinados ainda com o artigo 177 da Constituição Estadual do Estado de São Paulo, reduzindo assim as desigualdades entre esta região e as demais, bem como impactando na diminuição das desigualdades também no âmbito econômico-social de seus ocupantes:

Artigo 177 - O Estado estimulará a descentralização geográfica das atividades de produção de bens e serviços, visando ao desenvolvimento equilibrado das regiões.

Olímpicos. Nesta data, está prevista a reabertura da arena multiuso e a inauguração do North Park, espaço ao redor dos edifícios da imprensa. A arena poderá ser usada pelos moradores da região. Além disso, ficarão disponíveis uma academia de ginástica, salas de exercício e um café. Quando não estiver recebendo eventos esportivos, o espaço será usado para shows e eventos corporativos. A previsão é que o ―Parque Olímpico Rainha Elizabeth‖ receba cinco novas vizinhanças nos próximos 20 anos. (...) O projeto ainda prevê três escolas, nove enfermarias, três centros de saúde, uma livraria e 29 playgrounds. A área usada pela imprensa durante os jogos se tornará um centro de pesquisa tecnológica, que pode gerar mais de quatro mil empregos. Em 2014, será inaugurado o South Park, com a finalização das intervenções no Parque Olímpico. O espaço terá bares, cafés e restaurantes. Além disso, o centro aquático também será reaberto.‖ Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2013. Ressalte-se, por fim, que foram investidos o equivalente a R$ 2,8 bilhões na ampliação do sistema metroviário londrino, servindo Stratford com 10 linhas de metrô e trem (In Revista Veja – Edição 2282 – ano 45 – nº 33, de 15 de agosto de 2012, p. 100). 316 Com investimento total de aproximadamente R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais), a Arena do Corinthians promoverá a geração de mais de 5.000 (cinco mil) vagas de emprego para mão de obra direta e mais de 3.000 (três mil) vagas de emprego de forma indireta estimulando a atividade econômica, por meio do consumo de bens e serviços. A previsão, ainda conservadora, é que a operação da Arena do Corinthians, em valores de hoje, irá gerar uma receita anual de aproximadamente R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais), provocando a atração de novos investimentos, verticalização das moradias, valorização imobiliária e, por conseguinte, o aumento da arrecadação direta do município em IPTU, ISS e ITBI, bem como uma maior participação nos impostos estaduais e federais. Os investimentos realizados na Zona Leste da Capital, nos últimos anos, demonstraram que a influência da Arena do Corinthians tem apresentado uma reação positiva quanto à valorização imobiliária, com reflexos importantes no IPTU. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2012.

167

A política pública utilizada para dar efetividade aos artigos acima mencionados pauta-se em incentivos fiscais e financeiros projetados pelo Município, a fim de permitir a construção da mencionada arena esportiva como sede para a abertura da Copa do Mundo de 2014.

O incentivo fiscal dá-se pela isenção do ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza incidente sobre os serviços de construção civil referentes ao imóvel objeto do investimento, ou seja, à construção da arena desportiva, balizada também nas políticas públicas federal e estadual, que asseguraram investimentos suficientes para sediar a Copa do Mundo de 2014. Este incentivo tem origem na ―Matriz de Responsabilidades‖, mas foi inserido no mundo jurídico pela Lei Municipal nº 15.413, de 20 de julho de 2011 (Art. 2º, inciso II, da lei).

A repercussão financeira317 tem base direta no desenvolvimento da Zona Leste, para a redução de suas desigualdades318. Esta região do Município de São Paulo é a que possui o menor desenvolvimento social e econômico e, por isso, em 2007, por intermédio da Lei Municipal nº 14.654, de 20 de dezembro, foram criados os CIDs – Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento319 320.

Para a construção da Arena do Corinthians, entretanto, foi necessária a edição de uma lei específica, a já mencionada Lei Municipal nº 15.413, de 20 de julho de 2011, restringindo este benefício das CIDs ao investidor que construísse um estádio que viesse a ser “aprovado pela Federação Internacional de Futebol Associado - FIFA como apto a ser sede do jogo de abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014” (Art. 1º da lei).

317 No caso da construção da Arena do Corinthians o incentivo financeiro é da ordem de R$ 420.000.000,00 (quatrocentos e vinte milhões de reais), considerando que o benefício alcança 60% do valor investido – inicialmente estimado em R$ 700.000.000,00 (setecentos milhões de reais), mas que atualmente já alcança R$ 1 bilhão. 318 37% da população paulistana (sobre)vive na Zona Leste, com a maior distância entre a oferta de emprego e o número de habitantes, bem como a menor média de renda familiar (fonte: Relatório Final da Accenture denominado Estádio da abertura da Copa 2014 como dinamizador do desenvolvimento da Zona Leste e da Cidade de São Paulo). 319 Existentes para a região degradada da Luz, desde 2005, com a edição da Lei Municipal nº 14.096, de 8 de dezembro de 2005, alterada pela Lei Municipal nº 14.256, de 29 de dezembro de 2006. 320 Os CIDs são certificados emitidos pela Prefeitura do Município de São Paulo em favor de quem investiu, no valor de até 60% dos respectivos investimentos, sendo que podem ser utilizados para pagamento de ISS e IPTU devidos ao Município, ou mesmo cedidos a terceiros para o mesmo fim, ou ainda para a aquisição de créditos de bilhete único para os funcionários que exercerem suas atividades no estabelecimento objeto do incentivo.

168

Muitas discussões foram iniciadas com a edição desta lei, quanto a sua legalidade e constitucionalidade321. Entende o Ministério Público Estadual que os incentivos fiscais e a isenção do ISS para a construção da arena da abertura da Copa de 2014 serviria apenas para atender aos interesses privados, causando prejuízo ao erário.

Porém, nada mais equivocado. As políticas públicas indutoras, por intermédio de incentivos fiscais, são das mais eficazes para alcançar determinado fim. É certo que até a escolha do Brasil para ser sede da Copa do Mundo de 2014 não havia qualquer investimento de cunho social ou econômico na Zona Leste capaz de movimentar tamanha riqueza, com investimentos estatais e da iniciativa privada, sendo relevante a área de transportes, cujo objeto de desenvolvimento cabe ao Município.

É pela indução estatal que as obras da arena corinthiana proporcionam a inclusão no mercado de trabalho de cerca de 8.000 trabalhadores; desenvolvem o transporte, que também gera postos de trabalho; permitem o desenvolvimento de outras atividades econômicas na região, tais como hoteleira, alimentação, bebidas, lazer, cultura, escolas de idiomas, mídias diversas (televisão, rádio e internet), propaganda e marketing, produtos exclusivamente nacionais, estacionamentos, construção civil, imobiliária e indústria e comércio em geral.322. Além disso, outros investimentos do Poder Público, como escolas, postos de saúde e hospitais deverão ser instalados na região.

O retorno para o Município é lógico: devolução dos incentivos fiscais de forma direta pelos tributos resultantes das novas atividades econômicas exploradas na região e na maior participação nos tributos de competência do Estado e da União

321 Tramita na 2ª Vara de Fazenda Pública - Foro Central – da Comarca da Capital do Estado de São Paulo uma ação civil pública, sob o nº 0020681-12.2012.8.26.0053, proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com valor de causa de R$ 1,7 bilhão. 322 Na própria Arena do Corinthians existirá a exploração de um estacionamento para 3.700 veículos, além de 59 estabelecimentos comerciais, entre restaurantes, bares e lojas. No Brasil, o São Paulo Futebol Clube foi pioneiro em explorar a potencialidade econômica de seu estádio. Hoje, o Estádio do Morumbi possui lojas de materiais esportivos e de objetos personalizados do clube, bar temático, restaurantes, livraria, doceria, academia e possui o projeto de sua modernização com a construção de um hotel anexo.

169

Federal; indiretas, ao incluir na sociedade pessoas até então excluídas pela falta de trabalho formal e/ou lícito.

O Estado tem o dever da condução de políticas que promovam o equilíbrio entre as livres forças econômicas do capital e a valorização constitucional do trabalho humano, com a finalidade de garantir a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social.323

É nesse sentido que o Município editou a lei de incentivo à construção da Arena do Corinthians, exercendo o seu dever de desenvolver o bem-estar de seus administrados, contido no artigo 182 da CF/88, e estimular a descentralização da atividade econômica, nos termos do artigo 177 da Constituição Estadual do Estado de São Paulo.

Por fim, é necessário dispersar as críticas em relação à construção de outra arena desportiva no Município de São Paulo, diante de sua hipotética desnecessidade.

O Município de São Paulo, hoje com 11.376.685 de habitantes324, possui atualmente apenas dois325 estádios de grande capacidade em seu território, para mais de 35.000 espectadores326. O primeiro é o ―Estádio ‗do Morumbi‘ Cícero Pompeu de Toledo‖, inaugurado em 02.10.1960, com capacidade para 72.000 pessoas, de propriedade do São Paulo Futebol Clube e está localizado na Zona Sul327 do Município de São Paulo. O segundo é o ―Estádio ‗do Pacaembu‘ Municipal Paulo Machado de Carvalho‖, inaugurado oficialmente em 27.05.1940, com

323 Conforme discurso apresentado pelo Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região, Nelson Nazar, ao tomar posse na Presidência do mencionado órgão jurisdicional para o biênio 2010/2012. Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2012. 324 Estimativa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicada em 31.08.2012 no Diário Oficial da União. 325 Está sendo construída a Arena Palestra Itália, localizada na Zona Oeste da cidade de São Paulo e de propriedade da Sociedade Esportiva Palmeiras. A nova arena desportiva terá capacidade para 46.000 espectadores, ao custo de R$ 420 milhões. 326 O ―Estádio ‗do Canindé‘ Doutor Osvaldo Teixeira Duarte‖, inaugurado oficialmente em 11.11.1956, de propriedade da Associação Portuguesa de Desportos, localizado na Zona Norte da cidade, possui capacidade para apenas 27.000 espectadores. 327 O Secovi – Sindicato da Habitação indica a localização do estádio como Zona Sul; a Subprefeitura do Butantã indica como Zona Oeste. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2013.

170

capacidade para 40.199 espectadores, de propriedade do Município de São Paulo e está localizado na Zona Central328 da cidade.

A cidade de Londres, com cerca de 8.200.000329 habitantes, ou seja, pouco mais de 2/3 da população da cidade de São Paulo, possui ao menos seis estádios de grande porte: (1) , com capacidade de 60.361 espectadores, de propriedade do Arsenal Football Club, está localizado na região norte de Londres e foi inaugurado em 22.07.2006; (2) Stamford Bridge, com capacidade para 41.837 pessoas, de propriedade do Chelsea Football Club, está localizado na região oeste da cidade e foi inaugurado em 28.04.1877, mas reformado em 1990; (3) Upton Park, com capacidade para 35.303 espectadores, de propriedade do West Ham United Football Club, está localizado na região leste de Londres e foi inaugurado em 1904; (4) , com capacidade para 36.240 pessoas, de propriedade do Tottenham Hotspur Football Club, está localizado na região norte de Londres e foi inaugurado em 4 de setembro de 1899, mas reformado em 2006; (5) Estádio Olímpico de Londres, com capacidade para 80.000 espectadores, de propriedade estatal, teve o seu uso concedido ao West Ham United Football Club – que abandonará o Upton Park -, está localizado na região leste de Londres e foi inaugurado em 05.05.2012; e, (6) , com capacidade para 90.000 espectadores, de propriedade da FA - Football Association, entidade que controla o futebol na Inglaterra, está localizado na região norte de cidade e foi inaugurado em 1923, implodido em 2003 e reconstruído com reinauguração em 2007.330

Portanto, a construção da Arena do Sport Clube Corinthians Paulista na Zona Leste do Município de São Paulo resolverá uma deficiência da cidade, eis que faltam estádios e arenas para a prática do futebol pelos clubes, bem como para a realização de outros eventos, espetáculos culturais e shows diversos, atividades que fazem circular riquezas em toda a região da arena, sobretudo no que tange às atividades do comércio e serviços.

328 ―Art. 24, alínea ―b‖, do Anexo IX, do Livro IX do Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Sé. Disponível em: . Acesso em: 10 mar. 2013. 329 Censo de 2011. 330 Existem outros estádios na cidade de Londres com capacidade para mais de 25.000 espectadores, como o , do Fulham (26.600); , do Charlton (27.111); e Park, do Crystal Palace (26.309).

171

É também dessa forma que a política de incentivos do Município de São Paulo converge para concretizar o objetivo constitucional republicano e da ordem econômica de reduzir as desigualdades sociais e regionais, conforme preveem os artigos 3º, III e 170, VII, combinados com o artigo 174, todos da CF/88.

172

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer dos três últimos séculos, principalmente, a atividade econômica e a justiça social polarizaram discussões políticas, sociais e econômicas. O liberalismo econômico liderado por Adam Smith e a intervenção estatal na economia defendida por John Maynard Keynes alternaram as políticas econômicas nesse período, bem como a sua intensidade de aplicação. Na crise, a política econômica de Keynes; na abundância, o liberalismo de Smith.

Foi assim que a força da globalização tomou força especial após a metade do século passado, criando um verdadeiro abismo entre a riqueza gerada pelo desenvolvimento econômico e a sua redistribuição para toda a sociedade, não somente no âmbito social individual, mas também no interesse da coletividade. O direito do consumidor, do meio ambiente saudável, da concorrência livre, da iniciativa livre com observância do pleno emprego, justiça social e da dignidade da pessoa humana, enfim, todo este equilíbrio desejado foi por muito tempo colocado às margens da atividade econômica.

Notadamente com a crise econômica mundial iniciada em 2008, e que ainda traz consequências para todo o planeta, extrai-se a necessidade de harmonizar a ordem econômica com a ordem social, que devem garantir o direito ao desenvolvimento como elemento da própria dignidade humana, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Nesse sentido, atualmente, se vive um momento de assimilação das consequências do colapso econômico mundial deflagrado em 2008 e dos principais eventos históricos de crise que a antecederam: as duas grandes guerras mundiais e a depressão de 1929. O mercado quase sem intervenção estatal e a grande desigualdade social e regional fizeram com que a mencionada crise se agravasse, tornando-se imperiosa a intervenção estatal para amenizá-la, sobretudo com políticas públicas e indução aos programas privados de desenvolvimento.

173

Especificamente no Brasil, conforme depreendido do presente estudo, a Constituição Federal de 1988 dispôs sobre uma atividade econômica estruturada pela ordem econômica e financeira de tal modo que fosse compatibilizada com as diversas formas de intervenção estatal, justamente com o intuito de harmonizá-la com o seu desenvolvimento, com os direitos sociais e com os objetivos da República, compostos pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional para a erradicação da pobreza e da marginalização e a consequente redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo-se o bem de todos.

Por isso, o Texto Constitucional tratou de criar princípios inter-relacionados e norteadores da atividade econômica que, observados, mantém o ordenamento unificado com esses objetivos republicanos dos quais o Estado não pode se afastar, e nem os agentes do mercado econômico, sob pena de uma intervenção sancionatória.

Dentre esses princípios constitucionais econômicos, está a redução das desigualdades sociais e regionais, diretriz a ser observada como objetivo republicano e na exploração da atividade econômica, tamanha a sua importância. Isto porque o Brasil é um país segmentado geograficamente e socialmente, necessitando de um desenvolvimento equilibrado para que haja a evolução econômica e social em todas as suas Regiões.

E este desenvolvimento que se busca não é possível ser alcançado sem que haja uma verdadeira comunhão entre o Estado e a atividade econômica: o primeiro, com as suas necessárias intervenções; a segunda, com a produção de riquezas e a observância das diretrizes constitucionais econômicas. Inclusive, a autorregulação da iniciativa privada jungida à regulação setorial tem este condão, permitindo a eficiência e transparência na dinâmica de exploração do respectivo mercado.

Portanto, enquanto o desenvolvimento econômico impõe uma atividade desenfreada na expansão regional e dinâmica da natureza que implica no aumento das desigualdades sociais e regionais, o Estado intervém dentro dos regramentos estruturados constitucionalmente para manter a equidade prevista pelo sistema,

174

utilizando-se principalmente de políticas públicas e induções à iniciativa privada capazes de alcançar as políticas de Estado, mormente os objetivos republicanos.

Aqui não há incompatibilidade sistêmica, senão no campo da aparência. O que ocorre é o entrelaçamento entre as forças da atividade econômica com a observância das necessidades sociais, regionais e humanas, seja por si, seja pela intervenção estatal, que tem como condão fiscalizar, planejar e incentivar um desenvolvimento interno equitativo.

Dessa forma, a intervenção estatal no domínio econômico, seja como explorador monopolista ou na divisão do mercado, seja como regulador ou indutor da atividade econômica, faz-se necessária para se alcançar a compatibilidade e harmonização antes aludida.

Com isso, pretende-se tornar o sistema capitalista vigente observador dos direitos sociais e humanos. E o Direito Econômico faz parte desta compatibilização, pois possui como objeto científico o estudo desta intervenção do Estado na atividade econômica e, em análise multidisciplinar, compõe uma rede de criação de novos instrumentos para se alcançar um desenvolvimento interno e externo de forma sustentável, ou seja, de como propiciar um crescimento econômico acompanhado do desenvolvimento social e regional capaz de reduzir as suas desigualdades.

Constata-se, assim, que a aparente colisão entre a ordem econômica e a ordem social é, na verdade, uma conjugação que, quando desequilibrada de alguma forma, deve sofrer a prevista intervenção estatal para resultar não só no desenvolvimento econômico, mas também no desenvolvimento social e regional. O sistema econômico atual, o capitalismo, focado no lucro, deve ser igualmente baseado no humanismo. Por este motivo surge a necessidade da intervenção estatal de reequilíbrio ou de permanência de equilíbrio do sistema, mediado pelas políticas públicas e pelo incentivo de criação de programas pela própria iniciativa privada para efetivar os objetivos republicanos e o princípio constitucional da ordem econômica de redução das desigualdades sociais e regionais.

175

Para tanto, o Estado deve observar as normas constitucionais programáticas e de sua relação com os direitos fundamentais da pessoa humana, passando pelas diretrizes para o planejamento e incentivo de um desenvolvimento nacional equilibrado, inclusive no âmbito do desenvolvimento internacional, em virtude da mundialização.

Verifica-se, assim, conforme constatou o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial para 2013 elaborado pelo Banco Mundial, que não há mais espaço para uma atividade econômica individualizada, sem cooperação entre a iniciativa privada e o Estado, da mesma maneira como não é possível a atuação exclusivamente estatal como preconizava o sistema comunista. A parceria, tão valorizada no campo privado, deve ser revista no âmbito da relação público-privada, em necessária colaboração entre a iniciativa privada e o Estado, inclusive, em uma escala mundializada, isto é, sem barreiras geográficas.

É justamente em virtude da mundialização que os Estados-Nações também requerem maior cooperação entre si, com uma efetiva participação dos organismos internacionais nas diretrizes para um desenvolvimento universal sustentável. Nesse sentido, agora em 2013, o grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) decidiu criar um banco de desenvolvimento próprio, com investimento inicial de US$ 50 bilhões, e, assim, mobilizar recursos para fomentar a infraestrutura, possibilitar um desenvolvimento sustentável e impulsionar a economia global como uma alternativa financeira internacional.

Logo, a fim de concretizar a redução das desigualdades sociais e regionais, mantendo-se a circulação de riquezas produzidas pela atividade econômica, como dito alhures, faz-se necessária a implementação de políticas públicas e a indução de programas de participação da iniciativa privada para que possibilitem o desenvolvimento com equidade e assegurarem condições dignas de sobrevivência em qualquer espaço que haja vida humana331.

331 Conforme o relatório do Banco Mundial ―Por um Brasil Mais Seguro - Análise da Dinâmica do Crime e da Violência no Brasil‖, divulgado em 22.03.2013, no Rio de Janeiro: ―Uma pesquisa do Banco Mundial aponta queda de 21%, entre 2006 e 2009, na criminalidade em bairros com escolas de Ensino Médio da cidade de São Paulo cujos alunos foram beneficiados pela expansão da cobertura do programa Bolsa Família, do governo federal, para adolescentes até 17 anos. Ao lado de

176

O investimento em demandas sociais e os benefícios fiscais oportunizados pelo Estado para a efetivação da cooperação entre este, a sociedade e o modelo capitalista é uma das soluções a fim de que as economias voltem a crescer, mas também é a oportunidade para que cresçam dentro de um círculo virtuoso: com sustentabilidade indicada pela redução das desigualdades sociais e regionais.

Nesse diapasão, o desporto, introduzido na sociedade por meio de políticas públicas e programas privados, surge como importante meio para que sejam concretizados o objetivo republicano e o princípio da ordem constitucional econômica da redução das desigualdades sociais e regionais.

O direito ao desporto e o seu desenvolvimento para a inclusão socioeconômica dos seus praticantes e espectadores, bem como a forma de sua exploração como atividade econômica, torna-o um instrumento de circulação de riquezas e redistribuição de renda com justiça social, tanto que o Estado fomenta a sua prática e promoção por meio de leis de incentivo e com política públicas de inclusão social. Em que pese sejam ainda pouco explorados, os incentivos fiscais para o fomento ao desporto nacional têm avançado nos últimos anos, assim como o mercado econômico que o cerca.

O desporto, que já foi o norte solucionador de problemas sociais dos Estados Comunistas da Pós-Segunda Guerra Mundial e que acirrou a competição com os países ocidentais liderados pelos EUA e Alemanha Ocidental, atualmente é observado pelo sistema capitalista como fenômeno socioeconômico e cultural, que inclui o indivíduo na sociedade sob a forma de desenvolvimento econômico, social, comportamental, físico e intelectual.

É verdade, igualmente, que o desporto carece de uma política voltada à sua instrumentalização no setor educacional, com amparo na ampliação das modalidades a serem praticadas. Tal fato poderia ocasionar maior inclusão social e

outros programas dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco, a ação na capital paulista é uma das boas experiências que fizeram as taxas de homicídio brasileiras caírem levemente na ultima década, de 28,9 por 100 mil habitantes em 2003 para 27,2 em 2010 (...).‖ Disponível em: . Acesso em: 22 mar. 2013.

177

avanço econômico, a exemplo das instituições educacionais mais sólidas existentes nos países mais bem desenvolvidos.

E, como agente econômico, o desporto ainda oferece a sua contribuição à economia, sendo responsável por considerável parte do PIB nacional. Frise-se que neste aspecto o futebol tem a maior parcela de contribuição, movimentando exploração direta e indireta de todos os setores da economia brasileira.

Destarte, ao se destacar como objeto de políticas públicas e programas privados de redução das desigualdades sociais e regionais, o desporto atrai significativos investimentos ao país, não somente pela inclusão social e circulação de riquezas proporcionadas pelo futebol, por exemplo, mas igualmente pela organização de grandes eventos desportivos.

Os grandes eventos desportivos como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, revertem todo o esforço estatal em obras de infraestrutura e geração de empregos em benefício para toda a coletividade, em fomento da economia regional de forma sustentável, em um círculo virtuoso, concretizando, assim, a justiça social.

Vale lembrar que, nesse compasso, ocorrerá o aumento do consumo e da arrecadação estatal, com aquecimento da economia nos setores de produção, comércio e serviços, tais como turismo, lazer, cultura, escolas de idiomas e hotelaria; mídias diversas (televisão, rádio e internet), propaganda e marketing; alimentação e bebidas; transportes e estacionamentos; construção civil e mercado imobiliário; industrialização e comércio em geral, inclusive de produtos exclusivamente nacionais, com ampliação do mercado de distribuição e das pequenas e médias empresas.

No aspecto dos eventos desportivos, sobressai-se a Copa do Mundo de 2014, eis que seus benefícios estruturais e socioeconômicos abrangem todas as Regiões nacionais, com investimentos internos e recebimento de investimentos estrangeiros. Abrangem, ainda, a redução das desigualdades sociais e regionais no que tange ao zoneamento criado pelos Municípios, como no caso de São Paulo, que

178

propôs a construção da Arena que sediará a abertura e um dos grupos da Copa do Mundo de 2014 na Zona Leste da cidade, local por muito tempo esquecido pelo Poder Público, a exemplo do que implementou a Prefeitura de Londres nos Jogos Olímpicos de 2012, ao revitalizar área anteriormente degradada, propiciando a oportunidade de um novo desenvolvimento socioeconômico da região e de forma sustentável.

Ademais, deve-se observar que, com as políticas públicas calcadas no desporto, almeja-se uma intervenção estatal no campo do dever-ser, isto é, de maneira adequada e proba para que tais eventos desportivos sejam verdadeiras oportunidades para o resultado que com eles se pretende, consistindo no que se denominou chamar de legado: benefícios de infraestrutura e socioeconômicos com destino à coletividade e ao desenvolvimento equilibrado regionalmente, valendo ressaltar que “o julgamento do fato trata sobre o que é; o julgamento do valor trata sobre o que deve ser”332.

Portanto, é necessária a atuação em sistema de cooperação entre a iniciativa privada, a sociedade e o Estado, dependendo deste último o planejamento e a fiscalização na implementação de políticas públicas, bem como o incentivo indutivo dos programas privados, com ênfase no desporto, seja pela prática desportiva, seja pela proposição em organizar grandes eventos desportivos, para concretizar também, por este viés, o equilíbrio entre a ordem econômica e a ordem social na efetivação do objetivo republicano de reduzir as desigualdades sociais e regionais, diretriz da ordem econômica constitucional que erige o humanismo ao desenvolvimento da atividade econômica.

332 Jean-Bertrand Pontalis ao citar a primeira frase que ouviu de Jean-Paul Sartre, seu professor no curso de filosofia, em 1941 (In Revista Veja – Edição 2302 – ano 46 – nº 1, de 2 de janeiro de 2013).

179

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.

AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios Estruturantes das Agências Reguladoras e os Mecanismos de Controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

ATALIBA, Geraldo. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 1997.

______, República e Constituição. 2ª ed., 3ª tir. São Paulo: Malheiros, 2004.

BACELLAR, Luiz Ricardo Trindade. Solução de Controvérsias pelas Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

BELLO, José Luiz de Almeida. Lei de Incentivo ao Esporte: histórico, aplicação e objetivos. In: MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010.

BILHALVA, Jaqueline Michels. A aplicabilidade e a concretização das normas constitucionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (org.). Nação, Câmbio e Desenvolvimento. São Paulo: FGV, 2008.

______, Luiz Carlos. Por um partido de esquerda, democrático e contemporâneo. In: Lua Nova – Revista de Cultura e Política (Governo e Direitos), nº 39, 1997.

BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição Federal anotada. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

180

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1981. v. 2.

______, Direitos Fundamentais Sociais. Coord.: J. J. Gomes Canotilho, Marcus Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia. São Paulo: Saraiva, 2010.

CARDOSO, Henrique Ribeiro. Controle da Legitimidade da Atividade Normativa das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

COUTINHO, Nilton Carlos de Almeida. Direito Desportivo: uma área do Direito que precisa ser pesquisada. Revista Consulex. Ano IV – nº 41, maio/2000.

CUÉLLAR, Leila. Introdução às agências reguladoras brasileiras. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

DANTAS, Marcelo Buzaglo. Ação civil pública e meio ambiente: teoria geral do processo, tutela jurisdicional e execução. São Paulo: Saraiva, 2009.

DE MASI, Domenico (org.). A Sociedade Pós-Industrial. 3ª ed. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000.

DROMI, Roberto. Competencia Y Monopolio - Argentina, Mercosur Y OMC. Buenos Aires - Madrid: Ciudad Argentina, 1999.

EGAÑA, Carlos. Derechos Humanos Y Empresas. Buenos Aires – Madrid: Ciudad Argentina, 2001.

ENFING, Antônio Carlos. Agências Reguladoras e a Proteção do Consumidor Brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009.

FARIA, José Eduardo (org.). Direito e Globalização Econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 2010.

FARJAT, Gérard. Droit économique. Paris: PUF, 1975 Apud LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 6ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

FEIJÓ, Ricardo. História do Pensamento Econômico: de Lao Zi a Robert Lucas. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

181

FERRARO, Leonardo. Direitos Fundamentais e Desporto. In: MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Direito da Concorrência: sua função social nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. In: RODAS, João Grandino (coord.). Direito Econômico e Social: atualidades e reflexões sobre o direito concorrencial, do consumidor, do trabalho e tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 5ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. A Constituição “Econômica” de 1988. In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (coord.). A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011.

FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (coordenação). A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011.

FINKELSTEIN, Cláudio. Direito Internacional. São Paulo: Atlas, 2008.

FORGIONI, Paula Andrea. Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Introdução ao Direito da Concorrência. São Paulo: Malheiros, 1996.

FRIEDMAN, Milton. The Social Responsibility of Business Is to Increase Its Profits. New York Times Magazine (13 Sep. 1970).

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

GONÇALVES, Marcos Peixoto Mello. Direito e Economia - Democracia Política e Economia: Reflexos do Art. 165 da Constituição de Weimar. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012.

182

GROSMAN, Lucas Sebastian. Escasez e Igualdad: los derechos sociales em la Constituición. Buenos Aires: Libraria, 2008.

GUERRA, Sérgio. Agências Reguladoras – Da organização Administrativa Piramidal à Governança em Rede. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade validade. V. I. 2ª ed. Trad. Flávio Breno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

HESSE, Konrad. A força Normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung). Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

ISHIKAWA, Lauro. O Direito ao Desenvolvimento como Concretizador do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Dissertação para a obtenção do título de Mestre, ano de 2008, pela PUC-SP.

JOB, Ulisses da Silveira. OMC – Multilateralismo e Desenvolvimento. Curitiba: Juruá, 2011.

KEYNES, John Maynard. Economia. (org. Tamás Szmrecsányi) (coord. Florestan Fernandes) Trad. Miriam Moreira Leite. São Paulo: Ática, 1978.

LAUBADÈRE, André de. Droit Public Économique. Paris: Jurisprudence Generale Dalloz, 1979. Tradução e notas de Maria Teresa Costa, Revista por Evaristo Mendes. Direito Público Econômico (Título nos países de língua portuguesa). Coimbra: Almedina. 1985. In: FIGUEIREDO, Leonardo Vizeo. Lições de Direito Econômico. 5ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Direito ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 2ª. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 6ª ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito. Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner

183

(coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010.

MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do (coordenação). Tratado de Direito Constitucional, vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010.

MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012.

MASSON, Ana Carolina Squizzato. Direito Financeiro e Econômico. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2009.

MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – Parte geral. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2008.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2000.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 10ª e 12ª ed. ver., atual. e amp. São Paulo: Malheiros, 2000.

______, Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. ed. atual. 5ª. tir. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.

MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. As Agências Reguladoras no Brasil e seu Poder Normativo. Em Homenagem ao Prof. Ney Prado. In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (coord.). A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2008.

MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MORAIS, Sabrina. O Direito Humano Fundamental ao Desenvolvimento Social: Uma Abordagem Interdisciplinar e Pluralista ao Direito Constitucional entre Brasil e Espanha. Florianópolis: OAB/SC, 2007.

184

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. A alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas do estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

NAZAR, Nelson. Direito Econômico e o Contrato de Trabalho com Análise do Contrato Internacional do Trabalho. São Paulo: Editora Atlas, 2008.

______, Direito Econômico. 2ª ed., rev., ampl. e atual. Bauru – SP: Edipro, 2009.

NEGRE. Cecilia Gilardi Madariaga de. La Técnica Del Fomento Y Subvención. La Cláusula Del Progresso. In: Manual de Derecho Constitucional, Económico, Financeiro y Tributário. Director: Roberto Mario Mordeglia. Coord. Cecilia Gilardi Madariaga de Negre e Patricio A. Marianello. Buenos Aires: La Ley, 2005.

NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 6ª ed., rev. e atual. São Paulo: RT, 2010.

______, Regulação e Desenvolvimento. (coord. Calixto Salomão Filho). São Paulo: Malheiros, 2002.

PETTER, Lafayete Josué. Direito Econômico. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.

______, Princípios Constitucionais da Ordem Econômica. São Paulo: RT, 2005.

PILATI, Luciana Cardoso; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito ambiental simplificado. (coord. José Rubens Morato Leite). São Paulo: Saraiva, 2011.

PIOVESAN, Flavia. Direitos Reprodutivos como Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012.

______, Direitos Humanos Globais, Justiça Internacional e o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 28 set. 2012

RATTI, Bruno. Comércio Internacional e Câmbio. 11ª ed. São Paulo: Aduaneiras, 2011.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1980.

REZENDE, José Ricardo. Manual Completo da Lei de Incentivo ao Esporte. 2ª ed. (rev., ampl. e atual.). São Paulo: All Print, 2009.

185

RICARDO, David. The Principles of Political Economy and Taxation. Introduction by F.W. Kolthammer. Mineola, New York: Dover Publications, Inc., 2004. Republication of the work originally published by J. M. Dent & Sons, Ltd., London, in 1911.

RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao Desenvolvimento – antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

ROBORTELLA. Luiz Carlos Amorim. Intervenção do Estado, Diálogo Social e Transformações do Mercado de Trabalho. In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (coord.). A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011.

ROCHA, Aristides Almeida. O Esporte e a Inserção Social dos Excluídos: Contribuição do Panathetismo. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2012.

RODAS, João Grandino (coord.). Direito Econômico e Social: atualidades e reflexões sobre o direito concorrencial, do consumidor, do trabalho e tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 2ª ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010.

SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial. As condutas. São Paulo: Malheiros, 2007.

______, Direito Concorrencial. As estruturas. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

______, Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002.

SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista. Petrópolis: KBR, 2011.

______, Perfil Constitucional do Capitalismo Humanista Brasileiro. In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (coord.). A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011.

______, Análise Contemporânea do Direito em face da Globalização e da Crise Econômica: II Congresso Internacional de Direito (Brasil – Europa). Organização: Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa; Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-SP; Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa. Lisboa: Almedina, 2010.

186

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta; revisão técnica: Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003.

______, Direito Urbanístico Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

SILVEIRA, Vladmir Oliveira da; ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos: conceitos, significados e funções. São Paulo: Saraiva, 2010.

SOUZA, Washington Peluso Albino de; CLARK, Giovani. Direito Econômico e a ação econômica estatal na pós-modernidade. São Paulo: LTr, 2011.

STIGLITZ, Joseph E. The pact with the devil. Beppe Grillo‘s Friends interview. Disponível em: . Acesso em: 02 fev. 2013.

SUPLICY, Eduardo. O esporte como integração social. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2012.

TAKEDA, Tatiana. Princípios do Poluidor-Pagador e Usuário-Pagador. Disponível em . Acesso em 29 set. 2012.

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003.

TOLEDO, Gastão Alves de. Tratado de Direito Constitucional, vol. 2. Coord.: Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Valder do Nascimento. São Paulo: Saraiva, 2010.

TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, 1992.

______, Dicionário Enciclopédico Tubino do Esporte. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Senac Editoras, 2007.

VARGAS, Ângelo; LAMARCA, Braz Rafael da Costa. Para uma Compreensão do Desporto no Mundo Globalizado: Das Tramas Sociais ao Positivismo Jurídico. In: MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner

187

(coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010.

VASCONCELLOS, Douglas Wanderley. Esporte, Poder e Relações Internacionais. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

VIEIRA, Judivan J. O Esporte como Fator de Integração Nacional e Internacional. In: MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luis Geraldo Sat‘ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quatier Latin, 2010.

WALD, Arnold. A Parceira entre o Banco Central e o Sistema Financeiro para Garantir a Estabilidade Monetária e o Desenvolvimento Econômico. In: FILHO, Ives Gandra da Silva Martins; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro (coord.). A Intervenção do Estado no domínio econômico: condições e limites. São Paulo: LTr, 2011.

WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2006.

ZAINAGHI, Domingos Sávio. Curso de legislação social: direito do trabalho. 13ª ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Atlas, 2012.

ZANETTI, Camila Bruna; ÁVILA, Flávia de. Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na Política Econômica do Mercosul. In: SOUZA, Washington Peluso Albino de; CLARK, Giovani. Direito Econômico e a ação econômica estatal na pós- modernidade. São Paulo: LTr, 2011.