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INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA ESCOLA SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

MestradoemAudiovisualeMultimédia 2011/2013

SERIAL EXPERIMENTS LAIN ’S BODY : O CORPO ENQUANTO FRONTEIRA ENTRE O FÍSICO E O VIRTUAL

BiancaCôrteReal

Novembrode2013

Orientador: Prof.DoutorJorgeSouto EscolaSuperiordeComunicaçãoSocial

Índice

Agradecimentos...... 3 Declaraçãodecompromissoantiplágio...... 4 Resumo...... 5 Introdução...... 7 Enquadramentoteórico...... 8 SerialExperimentsLainenquantoaudiovisual...... 16 OgéneroficçãocientíficaemSerialExperimentsLain:japonês.20 AdiscussãoemtornodoCorpoeopóshumanismoaplicadoaLain...... 24 Métodos...... 30 Métodoadoptadoeomotivodapresenteinvestigação...... 30 AnálisegeraldeSerialExperimentsLain...... 35 Layer:01–Weird...... 37 Layer:02–Girls...... 45 Layer:03–Psyche...... 48 Layer:04–Religion...... 51 Layer:05–Distortion...... 54 Layer:06–Kids...... 58 Layer:07–Society...... 62 Layer:08–Rumors...... 66 Layer:09–Protocol...... 69 Layer:10–Love...... 73 Layer:11–Infornography...... 76 Layer:12–Landscape...... 78 Layer:13–Ego...... 81 Créditosiniciais...... 86 Créditosfinais...... 88 Autilizaçãodosomem SerialExperimentsLain ...... 88 AplicaçãodateoriadeJosephCampbell–TheHeroe’sJourney/AJornada doHerói...... 90 Análisedapersonagemprincipal:Lain...... 99 AnálisedosmomentosdiscursivossobreoCorpo...... 105 Consideraçõesfinais...... 120 OCorpoenquantofronteira...... 123 Limitaçõeserecomendaçõesparafuturasinvestigações...... 131 Bibliografia...... 133 Webgrafia...... 135 Anexos...... 138 Breveexplicação...... 139 A.1Glossário...... 140 A. 2–Imagensmencionadasnaanálise...... 145

A. 3–Tabeladeanálise(emformatoA3)

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Agradecimentos

Aomeuorientador,ProfessorDoutorJorgeSouto,portudo,comgrande gratidão. À paciênciae disponibilidade em todos os aspectos, bem como os momentosemquemeapontouoNorteparaqueeuconseguisseavançarneste percursoturbulento. Ao Professor Doutor Pedro Neto, pela orientação bibliográfica que prestoulogonoinício,quandoestestemaspareciamgigantes. À minha família de quem tanto me orgulho, Isabel e Ricardo. Onde encontrei o optimismo e sentido crítico para ter força e me desafiar a mim mesma.ÀminhaMãe,emparticular,ofereçoestadissertação,poisensinoume queapalavra“desistir”nãoexiste,equeoqueparececontrariarissoorigina vitóriasmaiores. Aomeucompanheirodehámaisdeumadécada,Tito.Portertravado batalhasaomeuladoaomesmotempoqueestetrabalhoseconcretizava,e porterdadooseuombrosemprenashorascertas.Tambémàsuafamíliapela boadisposiçãoeapoio. Àsminhascolegas(emaisqueisso),MónicaeHenriqueta,pelaestima eapoio,pessoasdequemnuncaesquecerei.Acolaboração e compreensão foram essenciais para que eu pudesse cumprir todos os compromissos do últimoano.Otemponãoapagaráasmemórias. A todos os que, ao longo do meu percurso escolar e académico, me apoiaramemepossibilitaramterchegadoaestemomento. Aosqueestiverampresentesnosmomentoscomplexosqueacabaram pororiginarnestanecessidadedeescreversobreoCorpo...

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Declaração de compromisso anti-plágio

Declaroqueotrabalhoqueapresentoéoriginalequetodasascitações estão correctamente identificadas, não tomando para mim quaisquer crédito sobre outros trabalhos desenvolvidos nas áreas apresentadas. Tenho consciênciadequeautilizaçãodeelementosalheiosnãoidentificadosconstitui gravefaltadeéticaedisciplinar,peloqueopresentetrabalho,easrespectivas reflexões expostas respeitam o trabalho científico de cada um dos autores e tem como objectivo fazer um favorável contributo para o conhecimento científico.

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Resumo Serial Experiments Lain colocacomopontodediscussãooslimitesda realidade com a existência da Wired, rede virtual onde se podem trocar informações,entraremcontactocomoutroseatémesmocriarumEuvirtual. Em termos narrativos e audiovisuais analisamos, ao longo da série, como se desenvolve a relação entre as duas realidades, sendo o Corpo o intermédiodessarelação.LançaseumolharsobreaevoluçãodoCorpodentro da série emcausa,pondoemquestãodequeformaestedefine uma fronteira entre o mundo físico em que habitamos e o mundo virtual que criámos,apartirdumaanálisedivididaemtrêspartes–análisegeral,análise da personagem principal e análise dos momentos discursivos relativos ao corpo. Como se define a fronteira do Corpo na coexistência das realidades físicaevirtualno anime SerialExperimentsLain ?

Palavras-chave: SerialExperimentsLain ,Corpo,Realidade,Virtual,fronteira, anime

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Abstract

SerialExperimentsLain posesasapointofdiscussionthelimitsof with the existence of the Wired, a virtual network where information can be traded,peoplecanconnectwitheachotherandevencreateavirtualSelf. In narrative and audiovisual terms we analyse, throughout the series, howtherelationbetweenthetwoevolves,beingtheBodythemedium of that relation. We look upon the evolution of the Body within the series, questioninghowdoesthisdefinesaborderbetweenthephysicalworldwhere we live and the virtual world we have created, using an analyses divided in three – general analysis, main character analysis and the analysis of the discursivemomentsconcerningthebody.HowisdefinedthebarrieroftheBody inthecoexistenceofthevirtualworldandthephysicalworldinthe anime Serial ExperimentsLain ?

Keywords: SerialExperimentsLain ,Body,Reality,Virtual,frontier, anime

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Introdução

A presente dissertação, Serial Experiments Lain’s Body: o corpo enquantofronteiraentreofísicoeoreal ,temcomoobjectivocriarumcampo dereflexãoediscussãosobreocorpodeLain,aprotagonistadasérieemfoco, eaformacomoesteseenquadraentrearealidadefísicaearealidadevirtual. Num espectro mais amplo, pretendese criar um discurso sobre o que Lain representaparaanossacontemporaneidade. Nesta análise cruzamse autores, cujos contributos para a análise de Serial Experiments Lain serão discutidos de forma a chegar a novas conclusõessobreonossoobjectodeestudo. QuantoànossaquestãodepartidacomosedefineafronteiradoCorpo na coexistência das realidades física e virtual na narrativa do anime Serial Experiments Lain – tomamos o corpo de Lain como referência comparativa peranteasdemaisrepresentaçõescorporaisquesurgirãonasérie. Quantoàspossíveisconclusõesaquechegaremos,partimoscomduas hipóteses:afronteiradoCorpodefinesecomosendoténueentrearealidade física e a realidade virtual, sendo a aplicação do conceito na série Serial Experiments Lain umaevidênciadequeocorpoéefémeronaexistência do Eu; a fronteira do Corpo definese como sendo resistente entre a realidade física e a realidade virtual, sendo a aplicação do conceito na série Serial Experiments Lain uma evidência de que não existirá mais Eu sem a corporeidade.Nãodescartamos,noentanto,ahipótesedechegarahipóteses de resposta diferentes das que desde já apresentamos, uma vez que a complexidadedaobraaudiovisualpoderárevelaraspectosimprevistos. Para além dos objectivos apresentados, pretendese fazer um positivo contributo para o estudo audiovisual, na expectativa de criar novos discursos quantoa SerialExperimentsLain .

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Enquadramento teórico

Hásériescujastemáticasquandosãoexpostasnãorecebemporparte dosespectadoresumolharmaisaprofundado.Nomundodaficçãocientífica,a divisãoentreoqueéfantasiaeoqueérealédifícildedefinir.Certasobras, revistashoje,têmtodoumnovosignificadomedianteoactualcontexto. Serial ExperimentsLain revelouteressapropriedade,tendosidorealizadaem1998, numcontextotecnológicomuitodiferentedonossoactual,merecendohojeum novo olhar. Passada mais de uma década do seu lançamento, hoje encontramos uma conjuntura ideal para rever o anime , e lançar novas questões. Propõese avaliar o tipo de fronteira que o Corpo cria mediante a realidadefísicaeomundovirtual. Não foram encontrados muitos trabalhos sobre esta área em que nos encontramos.Existemtambémobras,comoéocasode “ Cyberpunk”, de Steven Brown, que se debruça sobre a série comparando e contextualizandoacomoutras.Nocasoportuguês,HerlanderEliasestudaem profundidadeo anime ,todaviaasérie SerialExperimentsLain nãoéobjectode uma análise específica. A obra de Brown será referenciada e reflectida ao longo do presente estudo, todavia quisse perceber se esta sérieseria viável enquanto objecto de estudo dentro do prisma a que nos dedicaríamos, e verificouse que era possível avançar com a análise. Mais adiante, explicaremosométodoutilizado. Estasérie,apesardepoucoestudada,inseresenumatradiçãotemática frequente no anime . Como refere Elias (2012: 119) « Themes such as “catastrophe”and the“posthuman world” come up in anime inorder to allow the exorcism of collective ghosts and to perform a ritual around the “loss” theme.». OCorporevelaseserumobjectodeestudocomplexodeanalisar.Seja pelaquestãode nóspróprios termosesermosumeestarmosfamiliarizadosa eleaumnívelculturaletambémbiológico,sejapeloqueeleemsirevela.Tal comoEricLandowskiafirma,écomoseoCorpotivesseumaimunidadeaser analisadoaosolhosdosinvestigadores:

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« O corpo é um desses territórios ambíguos, estranho e familiar ao mesmo tempo. Se por um lado, subjectivamente, nos está de tal modo perto queodistinguimosmaldaquiloqueconstituianossa própria identidade enquanto pessoa, contudo, por outro lado, esta familiaridade de modo nenhum impedequeamaiorpartedenósvivanaignorância quase completa, e algumas vezes deliberada, dos mecanismos objectivos do seu funcionamento. Porqueaquiloquenósconhecemosdemaisperto,e num certo sentido, que melhor conhecemos, é ao mesmo tempo aquilo que nos parece menos redutível ao estatuto de um objecto de conhecimento comum: como se este corpo que somosnósprópriostivessepornatureza,ouporum qualquer inexplicado privilégio (ou talvez, precisamente, pelo simples facto que ele é nós próprios), vocação para escapar aos poderes de investigaçãodaciência.» (Landowski,2001:271) OCorpoéumaâncoratantoparaomundocomoparaaexistênciade umarelaçãocomooutro.Énecessárioquealgonosligueàdimensãofísica paraquesejamosintegradosnomundo.Masaindaassim, o corpo pode ser pensadonesteenquadramento,quandotendencialmente temos também uma presençavirtualnasredes,quecrescentementenosabsorve.Apontamosuma das questões que, no início do desenvolvimento do plano para a presente dissertação,induziaemerro:frequentementeseutilizouapalavra“real”emvez de “físico”, para fazer a oposição ao “virtual”. Mas o seguinte excerto esclareceuadúvida: « O artificial requisita o corpo e agenciao, mas o corpo quer ser requisitado e agenciado, dáse a essarequisiçãoeagenciamento.Oqueserequisita e seagenciaé, no limite, aprópria realidade.É o Real que se virtualiza menos na força de aparelhagenstecnológicasdoquenaforçahumana de o querer virtualizar [...]. O ambiente artificial é aindarealerealmentehumano[...].» (Bártolo,2007:234)

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Portantomesmooqueévirtualéreal,poisexisteenóspercepcionamos isso.Amelhorcategoriaparaoporànoçãode virtual –aimagemformadaa queassistimosatravésdeecrãsehologramas–éo físico – amaterialidade queconseguimostocarcomanossapeleequedefinelimitescorpóreos. Énestecontextoquesurgeaanálisedaanimaçãode ficção científica japonesa de cariz ciberpunk Serial Experiments Lain . A série apresentanos personagenscomunsqueaospoucossevãoencontrandonumlimboentreo físicoeovirtual.Ocorpo,aspectodiscutidoaolongodasérie,tornaseocentro danossaatenção. Paraaculturaocidental,asanimaçõessãovistascomoalgomaisaptoa públicos mais jovens. No entanto, a cultura nipónica, tendo princípios muito próprios, prefere que as “histórias” sejam mais pictóricas do que literárias, sendo que os comic books inclusive se tornaram uma das formas de mass media , satisfazendo os gostos de uma amplitude muito maior em termos de públicos.ParaSusanNapier(2007): « [...] the most significant medium in which these explorations of technology, identity, and reality versusunrealityarebeingplayedoutistheanimated one,amediumoftendenigratedbyWesternersasfit only for children. Unlike Wester popular culture, where expressions of technological ambivalence tendtobemediatedthroughliveactionfilmssuchas Blade Runner (1982), The Matrix (1999), and Minority Report (2002), Japanese society has welcomed explorations of these complex issues in animated form. The reasons behind this positive reception are varied, but they include the fact that Japanhaslonghadtradition,throughscrollpainting and woodblock printing, in which narrative is as much pictorical as literary. This has culminated, in theviewofsomescholars,intheubiquitousnessof , or comic books, as a staple os twentieth century Japanesemass culture. Animeand manga are strongly linked, sincemany,ifnotmost,anime are based on manga , and both media appeal to adultsaswellaschildren.» (Napier,2007:105)

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A partir de uma análise exploratória tanto em termos narrativos como cénicos dos momentos discursivos sobre o corpo, pretendese então extrair uma hipótese de resposta para a nossa questão. Esta animação japonesa, neste contexto, apresentase em si como uma discussão que leva Lain a determinadasconclusões,cabendoanósreflectirsobreelas.Porqueocorpo nãoéapenas soma ,é sema 1.Éflutuanteemtermosdesignificado. SusanNapier(2007;101)relataquejáem1909existiam histórias de ficçãocientíficaquecontavamoqueaconteciaàHumanidadesobodomínio das Máquinas. Cenários como o ser humano deixar de ser capaz de estabelecer contacto directamente com outros humanos ou viver debaixo de terra,enquantoasuperfícieterrestresedemonstravainóspita,faziampartedo imaginário tanto dos que temiam como dos que se fascinavam com o progressotecnológico.AMáquinaviriadestruirasrelaçõeshumanasetambém o mundo físico, como o conhecemos. É inevitavelmente admirável a forma comonosvamosaproximandodumarealidadeque,nãotãopessimistacomo nestescontos,nãonoséassimtãodistanteepoucofamiliarcomoesta.Estas obrasajudaramnosarepensaroserquesomoseamaneiracomovivemos. AvisãodeNapiersobreSerialExperimentsLain nãovainamesmalinha depensamentodeE.M.Forster,expressonasuapequenahistóriapublicada em 1909, que defende que quando a Máquina pára a realidade emerge, no entanto aponta para que esta realidade se torne parte de um “discurso apocalíptico”, onde tanto a vertente física como espiritual tende para o desaparecimento: « In Forster’s view, however, when the machines stop, reality – the untainted sky – emerges. In the twoJapaneseanimeTVseriesthatisnotthecase. [] reality itself becomes part of the apocalyptic discourse,problematizedasaconditionthatcanno

1Segundoaautoradoartigo“Paraumasemióticadocorpo”(2001;256),MariaAugustaBabo, “o soma resiste irremediavelmente ao sentido, não sendo tãopouco esse resto, corpo despojadodevida,comoeraentendidopelosgregos,nasuaconfiguraçãode soma ,cadáver. Tratase de um corpo vivo, isto é, de uma singularidade no mundo, face ao outro, constantementeinterpelado,atravessadoporfluxosafeccionais.”.Ouseja,ostermos soma e sema , termos gregos, têm a ver com o corpo morto e o corpo vivo. A autora prossegue: “Aparentementeorgânico,natural,ocorpoaliaumaindeterminaçãosempreflutuante,entrea dimensãosemiósicaqueoatravessaeconstituieadimensão emotiva queomovimenta.”

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longerbecountedontocontinuetoexist,thanksto the advances of technology and its increasing capabilities for both material and spiritual destruction. [Serial Experiments Lain] poses an insistentquestion:Whathappenstohumanidentity inthevirtualworld?» (Napier,2007:102) Esta referência será tida em conta posteriormente, quando concretizarmos a análise ao anime . Verificaremos até que ponto estas duas visões são incompatíveis, bem como a aplicação do conceito de “identidade terminal”aLain.Esteconceitoseráexplicadodesdejá,deacordocomoautor Scott Bukatman na sua obra Terminal Identity: the virtual subject in post modernsciencefiction .“Terminalidentity constructsatrajectorythatpropelsthe subjectintothemachine”(p.17)édasprimeirasindicaçõessobreosignificado do termo. Estamos portanto a falar de uma relação directa entre Homem e Máquinaqueafectaasubjectividadedoprimeiro.Notermodasuaintroduçãoà obra,Bukatmandánosumadefiniçãointeressanteparaopresentetrabalho: « The world has been refigured as a simulation within the megacomputer banks of the Information Society.Terminalidentityexistsasthemetaphorical modeofengagementwiththismodelofanimploded culture.Terminalidentityisaformofspeech,asan essential cyborg formation, and a potentially subversivereconceptionofthesubjectthatsituates the human and the technological as coexistence, codependent,andmutuallydefining.Anewsubject has emerged: one constituted by electronic technologies,butalsobythemachineriesofthetext. Terminal identity is a transitional stateproduced at the intersection of technology and narration, and it servesasanimportantspaceofaccommodationto the new and bewildering array of existencial possibilitiesthatdefinesourterminalreality.» (Bukatman,1993:22)

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Bukatmanindicanos,portanto,queaidentidadeterminal é uma forma dediscursodareconcepçãosubversivaquecolocaohumanoemcoexistência comatecnologia,mastambémnumregistodecodependência,emparticular nadefiniçãodoslimitesdasubjectividade.Acimadetudo,devemosreterdesta definiçãoqueestaformadeidentidadeéumestadotransicional,sendooEudo indivíduocolocadonumaposiçãodetransiçãoparaoutroestadopossível. Ainda a propósito da obra de E. M. Forster, disponível online 2, é perceptível que o contacto físico é quase inexistente, e mesmo o acto de reprodução do Homem reduzse a um acto físico e carnal, desprovido de afectos.Forstermostraumacivilizaçãodependentedatecnologia,queapenas vive através da “Máquina”, entidade abstracta e omnipresente em cada acto daspersonagens.Aseguintetranscriçãodocontooriginalde1909dizrespeito ao momento em que Kuno,filho deVashti, argumenta com a mãe sobreos efeitosnocivosdapresença maquínica : «Cannotyousee,cannotallyoulecturerssee,that itiswethataredying,andthatdownheretheonly thing that really lives in the Machine? We created theMachine,todoourwill,butwecannotmakeitdo ourwillnow.Itwasrobbedusofthesenseofspace and of the sense of touch, it has blurred every humanrelationandnarroweddownlovetoacarnal act, ithasparalysedour bodiesandour wills, and now it compels us to worship it. The Machine develops but not on our lies. The Machine proceedsbutnottoourgoal.Weonlyexistasthe blood corpuscles that course through its arteries, andifitcouldworkwithoutus,itwouldletusdie. Oh,Ihavenoremedyor,atleast,onlyonetotell men again and again that I have seen the hills of WessexasÆlfridsawthemwhenheoverthrewthe Danes.»

AmoraldahistóriarevelasenofinaldocontoquandoaMáquinapárae amãe,Vashti,dizaofilhoqueumdiaoutros loucos iriamreconstruiladenovo. OfilhorespondequetalnãoacontecerápoisoHomemaprendeuasualição. Ou seja, o Homem nunca mais iria permitir que uma máquina, nem mesmo

2http://archive.ncsa.illinois.edu/prajlich/forster.html(últimaconsulta:Outubrode2013)

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abstracta, conduzisse e condicionasse novamente a sua forma de estar no mundo. Tal como na série anime , e enquanto espectadores, pomosemcausa ondeseencontraaidentidadedeLain,econsequentementetambémanossa, no mundo virtual. Onde termina o nosso Ser humano e se inicia um Ser humanóide.ComoNapierrefere,correseoriscodeentrarnumaesferatecno surrealista, onde de facto não conseguimos ter a certeza dos nossos conhecimentossobrearealidadetalcomoelaé. Aomnipresençaqueosmediaeastecnologiaspossibilitam coloca o Homemnumaposição,nolimite,dequestionamentoperanteomundofísico. Estasnarrativas,jáantigas,transmitemaideiadequeamenteexpandesena /Wired e o Corpo se torna mero suporte de consciência. Todavia o Corpo, sem ele próprio, impossibilita a existência do Eu na rede... Daí a fronteirado Corpo, daí a questão. O Corpo, tendencialmente, é o reflexo de algoparaládelepróprio.JoséBártoloexplicaqueeleésujeitoaumaprodução a nível semiótico que o modifica radicalmente, como compara, da mesma formacomoumadoençadoforopsiquiátricodáaodoenteumanoçãodiferente doseupróprioser.EssaproduçãomassivaéoquefazcomqueoCorpofique “deformado”,comoéocasodoshumanóidesquenãopodemservistosapenas comobiológicosouapenastecnológicos: «Acibernéticae,maisdoqueelaaciberculturaem todasassuasexpressões(ficçãociberpunk,ciber designetc.),tornouseterritóriofavorávelaoretorno do imaginário. Reencontro com o rito antigo do deviranimal xamânico. Mas tal reencontro só é possívelporqueocorpovemsendotensionado–de todososlados,àsuperfícieeemprofundidade.No cinema, na literatura, na bandadesenhada, no Design,[...]ocorpohumanovaisendoatravessado por fluxos que o intensificam: fisicamente e imaginariamente. Deumexcesso,sobrecodificação,deformaocorpo mas não o localiza totalmente no corpo. A deformaçãodocorpomaterializaopróprioexcesso, éumíndicedealgoquenãoéredutívelanadade material. O ciborgue, como qualquer outra deformação por excesso do corpo biológico, não podesercompreendidonoplanohumano[...]mas,

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também,nãopodesercompreendidoforadoplano humano[...].» (Bártolo,2007:215) HáalgoquesuperaoCorpo,éessahiperproduçãodesentido.Opróprio Corpo está ao seu próprio alcance para modificarse. Mas é preciso ter em atençãoqueoníveldeintensidadeéquemuda,nãoodaidentidade.Entãoa presença de Lain poderá mudar em termos de intensidade, mas não de identidade: «Ciborgues,homensbiónicos,lobisomens,etantas outras figuras, só podem ser pensadas no limite humano,são“figurasdefronteira”como,muitobem, notava Ieda Tucherman, e na fronteira, entre saberes e práticas, realidade e imaginário, devem ser inseridas e pensadas. A questão que se deve pôr, difícil de responder, é a de como localizar a fronteiraanãoserpelaconstruçãodeumplanode agenciamentodoconceitode“fronteira”equenão corresponderia à localização do espaço próprio onde estas figuras podem ser tematizadas mas, antes,aconstruçãodeumazonadetrocasemiótica que, mais do que nos aproximar, delas nos afastaria. [...] A fronteira identifica um regimento tangente ao humano susceptível de o alterar. A alteração, no entanto, a ocorrer, não sucede nunca ao nível da identidademas,antes,aoníveldaintensidade.» (Bártolo,2007:216) Logo à partida tínhamos proposto observar o corpo de Lain enquanto fronteiraentreofísicoeovirtual.Verifiquemos,naanálise,seefectivamentehá umamudançadeidentidadeoudeintensidade.

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Serial Experiments Lain enquanto audiovisual

DorealizadorNakamuraRyūtarō 3, SerialExperimentsLain foiexibidona televisão japonesa por TV Tokyo entre Julho e Setembro de 1998. O guião surgiupelasmãosdeKonakaChiaki,aproduçãoeconcepçãodapersonagem principal ficou a cargo de Yasuyuki Ueda e, posteriormente, o desenho foi desenvolvidoporYoshitoshiABe,enquantoilustrador.Aindaqueogénerodo audiovisualseja anime ,opúblicoparaoqualsedirigiaseriaumpúblicomais adulto,exibindoosepisódiosaofinaldanoite.StevenBrown,quenaobrade 2010 “Tokyo Cyberpunk” faz uma análise rizomática envolvendo a série, apresentaestesdadosnasuadescrição: « Awarded a prize at the 1998 Japan Media Arts Festivalfor“itswillingnesstoquestionthemeaning of contemporary life” and for the “extraordinarily philosophicalanddeepquestions”itraises,director Nakamura Ryūtarō’s Serial Experiments Lain caused quite a stir when it was first broadcast on Japanese (TV Tokyo) from July through September1998foralatenightaudience.[] Serial ExperimentsLain isamongthemostphilosophically provocativeanimetocomeoutofJapaninthepast twentyfive years, engaging issues relating to , virtual reality, addiction to technology, the crisis of youth in the Japanese education system, and the status of identity in a posthuman world.» (Brown,2010:161) Em Portugal, a série foi exibida em 2001, na Sic Radical, tendo sido tambémexibidanumhoráriomaistardio.

3Naconstruçãofrásicanipónica,oapelidoéoprimeiroasermencionadoeonomepróprioo último.Estaconstruçãoéutilizadanaformaformal.Relativamenteàspersonagens,comoEiri Masami,ousoformalnãoseráutilizado,peloqueEiriéonomepróprio.

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A série é dividida em treze episódios, denominados de layers. Cada episódiotemumaduraçãoentrevinteminutosevinteminutosevinteecinco segundos, excluindo a apresentação (cerca de dois minutos) e os créditos finais(cercadeumminutoetrintasegundos).Aotodo,oaudiovisualultrapassa os260minutosdeduração. Existe a necessidade, antes de mais, de clarificar o discurso que é utilizadonoquedizrespeitoaopóshumanismo.Algunsautores,comoSteven Brown, afirmam que, apesar de haver um excesso de utilização do prefixo “pós”,nestecasotratasedeumespaçoabertodediscussãoemqueoHomem jánãotomaaposiçãocentral.Esteéagoraanalisadoemrelaçãoaentidades nãohumanasforadeumaideologiaantropocêntrica.Asfronteirasgeopolíticas nãoexistem,masparaonossoobjectodeestudoseránecessárioteremconta alinhatemporalquedefiniuaobraaudiovisual SerialExperimentsLain . Em entrevista com Yoshitoshi ABe e Yasuyuki Ueda, os autores assumiram que o resultado da série anime não foi o esperado 4. Serial Experiments Lain vinha confrontar os valores americanos impostos num contextodepóssegundaguerramundial.Todaviaospúblicosnãoacolheramo produtoaudiovisualnestaperspectiva,tantojaponêscomoamericano,peloque não se concretizou odiscurso pretendido sobre o choque cultural que ali se encontrava.Tambémrevelamtersidolançadoumvideojogodo anime . Todootrabalhoparaconcretizarasériefoifeitoemequipa.Namesma entrevista, a dupla explica o contexto da realidade de Lain. Ela não tem a certezadoqueédefactoreal.YasuyukiUedadánosumapista:éapenasa sua força de vontade que determina a sua existência. Se isso não fosse demonstradoatravésdoseuolharaonívelqueémostrado,apersonagemnão resistiria. Oscriativosde Serial Experiments Lain chamam à atenção para um problemaquesetemdesenvolvidoemtornodaprodução anime .Asgerações mais recentes de criadores criam com narrativas “fechadas”, como afirmaYoshitoshiABe,peloquesedestinammaioritarimente a comunidades

4 Entrevista dada em 2007, para a televisão alemã (canal VOX). Nesta, outros dados são tambémfornecidossobreaconstruçãodaobraaudiovisual.OprodutorYasuyukiUedarevelaa suainfluênciamaispessoalnoprojecto,contandoqueoseupaieoseuirmãoexperienciaram osbombardeamentosdasegundaguerramundialemHiroshima,noJapão.Oprodutorsente, todavia,queestejánãoéumtópicoqueagiteconversas.

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otaku (comunidades que procuram e financiam em larga medida a indústria anime ),enãotantoopúblicogeral 5.ABeacreditaqueaspotencialidadesdo desenho gerado em computador não estão a ser exploradas na seu total potencial. Os tópicos abordados nesta entrevista com a dupla criativa estão tambémpresentes,deformaaprofundada,naobradeHerlanderElias.Oautor explicanos que, ainda que as temáticas futuristas estejam fortemente presentesemobrascomo ,opassadomarcaasuapresençanos anime atravésdeelementoshistóricosmuitoprópriosdaculturajaponesa: «Besidesthefuture,thepasttoooccupiesawide space in anime’s imaginary, not only in apocalyptic images,butinpremodernJapan’simagesaswell. Before the Meiji Reform, the then feudal, ancient, closedandnonmodernizedJapanwasinhabitedby figuresasthedamiyo,theshogunandthesamurai. Charactersastheninja(martialartsfighters)andthe karakuri (wooden automata) have always occupied light spot in Japanese culture. Artworks in which motivesoffeudalJapanappearasascenographyor asmaincharactersarecountless.» (Elias,2012:39) Aindasobreaproduçãoaudiovisualeorespectivo consumo por parte das comunidades otaku , ao apontar a animação como um meio de comunicação,EliasapontaquejáMcLuhanindicavaaactualeraicónica: « McLuhan’s most known work, Understanding Media,isthetextwheretheauthorsaystheimage concumptioneraisgone,giventhattheiconicageis

5Otaku definesecomosendoumacomunidadedefãsdeanimaçãojaponesa,nassuasvárias vertentes, e da cultura nipónica no geral. Uma das práticas típicas desta comunidade é o cosplay – utilizar fatos e adereços para que vistam a pele de uma dada personagem de animação. Esta prática é comum em convenções sobre as animações conhecidos como “comiccons”. Aindaapropósitodascomunidades otaku ,noiníciodestadissertaçãotentouseaveriguarse seria possível fazer uma triangulação epistemológica, fazendo a análise audiovisual e concretizandoinquéritoseentrevistasamembrosdacomunidadeotaku .Todaviaverificouse, emconversacomalgunsgestoresdepáginasedeFacebook,queasérieemcausanãoera conhecidanemparticularmenteprocuradapelosmembros.Estefactoveioreforçaraafirmação deYoshitoshiABe,sobreacrisenaindústria anime .

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alreadyuponus(1994:p.103).Thedominanticonis something perceptible in animations, under the shape of mascots, decorative objects, toys, robots and other vehicles, being true that the merchandising goods derived from animation exponentially acuse such type of icons. Who is purchasing them are the fans, not necessarily children,butyoungadultsandadultsinstead.» (p.3132)

Emtermosdemedia,frequentementeosprodutosaudiovisuais,sériese filmes,têmmaisproduçãosonoradoqueaquiloquenoséapresentadodentro doprodutoemsi.Oprodutordasériejáhaviatrabalhadoanteriormentecomo músico,peloquefoicriteriosocomasérieporsiproduzida.Osoméaprimeira parteaserpensadaporYasuyukiUedaporestemotivo. Nocasodeste anime ,temosum soundtrack originaledepois,paraalém disso,tambémtemosprodutossonorosqueadvêmdoprodutoaudiovisual.Éo caso de Serial Experiments Lain Soundtrack: Cyberia Mix que foi inspirado posteriormente à concretização da série. Uma terceira obra foi feita, lain BOOTLEG ,quecontemossonsambientesutilizadosnasérie 6. Aexistênciadesteselementosanexosàsériepropriamenteditafazem nosreflectirsobreoprolongamentodaexperiência doespectadorparaládo momento da visualização do anime . A história, o seu ambiente também construído com som, ultrapassa os limites da obra audiovisual para que o espectadorpermaneçadentrodahistóriaatravésdosom,foradevistadoecrã. Oambienteprolongase,assimcomooespectador. “VisualExperimentsLain”foiumadasobraslançadasparalelamenteao audiovisual, também em 1998, contendo alguns dos esboços da heroína, sketchesdosambienteseobjectos,pormenoresquanto à história e algumas tirasdebandadesenhadaquenãoenvolvemdirectamente os ambientes ea históriadaobraaudiovisualemsi.Algumaspartesdestaobraestãodisponíveis

6Fontes: http://www.lastfm.pt/music/Serial+Experiments+Lain(últimaconsulta:Junhode2013) http://www.lastfm.com.br/music/%E4%BB%B2%E4%BA%95%E6%88%B8%E9%BA%97%E5% B8%82/Serial+Experiments+Lain:+Bootleg#changelanguage(últimaconsulta:Junhode2013)

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onlineparaconsulta,bemcomoahistória“Thenightmareoffabrication”quefoi lançada no mesmo ano 7. Todos estes elementos constituem uma “cultura global”associadoao anime ,pelostermosdeHerlanderElias(2012:32).

O género ficção científica em Serial Experiments Lain : cyberpunk japonês

Dentro da ficção científica, encontramos vários subgéneros, desde o romance científico ao steampunk. O cyberpunk,umdos subgéneros, surge noscomotendoassuasraízesmaisconhecidasnaobradeRidleyScott, Blade Runner ,segundoStevenBrown(2010:1).ProtagonizadoporHarrisonFord,a obrade1982tornouseareferênciaparaestegéneroqueconhecemoshoje, onde SerialExperimentsLain vêoseuenquadramento. BladeRunner passoua ser uma das maiores referências para o cyberpunk, bem como para o pós humanismo, conceito que irá ser desenvolvido mais à frente, onde encontramos uma narrativa que nos remete para um mundo onde humanos constroemmáquinassimilaresaoaspectodoHomem,mascomcapacidades físicaseintelectuaismuitosuperiores,eramutilizadascomoescravasnoutros planetas durante a exploração e povoação da galáxia. As máquinas, denominadasReplicants,revoltamseetornamseelementodeperigoparao Homemquesevêobrigadoatentardestruirasmáquinas numa tentativa de sobrevivência.Aacçãodofilmedecorrenoanode2019,emLosAngeles. Desde1982,anodelançamentode BladeRunner ,até1990,foieditado narevista YoungMagazine o manga AKIRA ,deŌtomoKatsuhiro,queacabou por também ser passado para a série televisiva, em 1988. Este manga , na versão impressa, também se tornou uma referência, caracterizada inclusive pela complexidade narrativa, desde o número de personagens às histórias paralelascontadasparaalémdahistóriacentral:a6deDezembrode1982fora criada uma bomba que explode no Japão, abrangendo Tokyo e Yokohama, havendo grandes semelhanças com a bomba nuclear de Hiroshima. Esta

7http://www.anime.gs/artbook/Visual%20Experiments%20Lain/show/jpg/Visual_Experiments_La in_%28Artbook%29_Scan44.htm(últimaconsulta:Novembrode2013)

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explosão origina a Terceira Guerra Mundial que envolveosquatrocantosdo mundo.Apósesteprólogo,avançamosalgumasdécadaseencontramosuma Tokyoreconstruídanumailhacosteiraartificial.Aacçãodo anime decorreno ano de 2019. Comoo autor de “Tokyo Cyberpunk” explica, as semelhanças entreasduasobrasremetemparaadiscussãodostatusdasentidadespós humanas, criadas graças à tecnologia, à oportunidade dada pelo crescente poderdecompraetambémàacessibilidadequehojeexisteàstecnologias. Scott Bukatman, em Blade Runner (1997), enquadra a obra cinematográficanaficçãocientífica,apontandoasrelaçõesqueexistementre espectador,géneroeproduçãodesentido:

« It has also served as a vehicle for satire, social criticism and aesthetic estrangement. In its most radical aspect, science fiction narrates the dissolution of the most fundamental structures of humanexistence.Bypositingaworldthatbehaves differently–whetherphysicallyorsocially–fromthis one,ourworldisdenaturalised.Sciencefictioneven denaturalises language by emphasising processes of making meaning. The distance between the language of the text and the reader’s lived experience represents the genre’s ultimate subject. What science fiction offers in Jameson’s words, is “the estrangement and renewal of our own reading present”.» (Bukatman,1997:8) QuantoaAKIRA ,ahistóriaapresentanoscriançasmutantesquesãoo centrodoconflito.Dentrodogrupodecrianças,destacamseAkiraeTetsuo, sendo que o momento da criação das capacidades da primeira originam a explosãoquedestruiuazonadeTokyo.Avisãocyberpunk desenvolvida em AKIRA por Ōtomo levanta vários pontos de discussão, como a dependência tecnológica, isolamento social, corrupção política, adaptação evolutiva e a resistênciadoindivíduoaostatusquo: « [...] rather than simply fetishizing destruction for destruction’s sake, Ōtomo’s ambition work of cyberpunk dystopia also engages issues of

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technological addiction, social isolation, political corruption,scientifichubris,evolutionaryadaptation, religious fanaticism, juvenile delinquency, the disintegration of the family, and the power of the individualtoresistthestatusquo.» (Brown,2010:3) StevenBrownmencionaainda,sobreaprimeiravez que viu a versão impressa do anime AKIRA , que a transformação de Tetsuo’s numa corporeidadecibernética,comcabosecomponentestecnológicos,foiumdos desafiosmaioresparaŌtomoemtermosdeconcepção,segundoasanotações deproduçãodomesmo: «Inhisproductionnotes,Ōtomohasindicatedthat hestruggledwiththedrawingofthisparticularpanel. In a preliminal sketch, he complained that Tetsuo “looks more like he’s being swallowed up [nomikomareteiru ] by the cords or he’s struggling [mogaiteiru ]withthecords.”Ratherthansuggesting thatTetsuo“emerg[ing][ arawareru ]”fromthenestof cablesandoddbitsofmachineryamidtendrilsoffire and clouds of smoke as if he were a new type of posthumanbeing.» (p.5) AKIRA não é a única obra de referência no cyberpunk. Também se conta com Ghost in a Shell 2: Innocence , Kairo and Avalon e, o nosso audiovisualemestudo, SerialExperimentsLain . Masoqueéconcretamenteocyberpunk?Ocyberpunk, para além de serumsubgénerodaficçãocientíficacomojáfoisupramencionado,éotermo pelo qual foi identificada a ficção científica de William Gibson, autor de Neuromancer .Estaobrade1984queéaprimeiradeumatriologia,juntocom CountZero (1986)e MonaLisaOverdrive (1988),colocoupelaprimeiravezno mesmo espaço discursivo as simulações computacionais, o hipertexto e as redes.Ociberespaço,segundoonarrador,eraumailusão consensual pelos humanos. Na obra, a ligação entre o homem e a máquina é directamente

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neural, num mundo de ligações luminosas dentro da mente. O corpo é tido comomeracarnequefuncionacomosustentaçãodaconsciência.Nomundo virtual a presença humana traduzse, na verdade, em subjectividades que se tornampadrões,ondesedescartaapresençafísica, como explica Katherine Hayles,naobra“Howwebecameposthuman”: «[...]thecomputercowboywhoistheprotagonistof Neuromancer , still has a physical presence, althoughheregardshisbodyassomuch“meat”that existsprimarilytosustainhisconsciousnessuntilthe timehecanentercyberspace.[]Thecontrast between the body’s limitations and cyberspace’s power highlights the advantages of pattern over presence.Aslongasthepatternendures,onehas attained a kind of immortality – an implication that HansMarovecmakesexplicitin MindChildren.» (Hayles,1999:36) Hans Marovec, investigador na área da Robótica, defende este predomínio de padrões que acaba por derivar numa certa imortalidade, em “MindChildren”,comoapontaHayles.Nummundotendencialmentepoluídoe muito povoado, o ciberespaço oferece uma dimensão mais pura, defende o autor.Ocorponociberespaçoficaprotegidodasagressõesdomundofísico. David Le Breton também apresenta as ideias do autor, no artigo “O corpo enquantoacessóriodapresença”: « Para H. Marovec, especialista em robótica, a obsolescência do corpo humano é um facto adquirido e a tarefa primordial consiste em libertarmonos da carne supérflua que limita o desdobramentotecnológicodeumahumanidadeem plena metamorfose. “No actual estado de coisas”, escreve,“somosinfortunadoshíbridos,semibiológos semiculturais: muitas das nossas características naturaisnãoestãoàalturadasinvençõesdanossa mente”.[...]Ocorpodeitaporterraumavastaparte dos esforços do espírito. Além disso, a morte sobrevirá algum dia, aniquilando num ápice estes esforços. Entramos, segundo Marovec, numa era “pósbiológica”,eomundoassistirámuitoembreve

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ao triunfo dos robots pensantes, infinitamente complexos e eficazes, que não se distinguirão da humanidadeactualanãoserpelaperfeiçãotécnica epelarenúnciaaocorpo.»

(LeBreton,2001:78)

EstaéumavisãoquaseapocalípticadumfuturoincertoparaoHomem. Comoveremosnocapítuloseguinte,éapartirdevisõesassimquesecriaum medoemtornodaevolução,ourevolução,doHomemedoseucorpo.Aficção científica,eosubgénerocyberpunk,acabamporsealimentardoqueaindanão aconteceu e das especulações que fazemos sobre o dia de amanhã, e do receioassociadoaisso–odesconhecido.Odesesperoemquemuitasvezes as personagens humanas das ficções científicas se encontram para encontraremaverdade,sesalvarem,oudescobriremasuaidentidade,éum elementocentralparaumanarrativadentrodogénero 8.Aincertezadoque,de facto,viránofuturohumano,éoqueacabaporserutilizadonaficçãocientífica eoacabapordefinircomotal.

A discussão em torno do Corpo e o pós-humanismo aplicado a Lain Aobra“Howwebecameposthuman”,deKatherineHayles,apontaquea ideiadoserhumanosetornarpóshumanoinvocatantoterrorcomoprazer.O terror virá da noção de efemeridade iminente, colocando a hipótese de que algomaisinteligentequeohumanoosubstituirá(1999:283).Enestecenário restaráaoHomemouseextinguirousetransmutaresetornarMáquina.Esta visãonegativaévistaporHaylescomoarazãodesseterror,masqueseassim

8 Adriana Amaral (2005) descreve os espaços apresentados nas obras de ficção científica como sendo degradados e inóspitos para o ser humano. Temos como exemplo disso Blade Runner ou The Terminator . Estes ambientes servem de metáfora para a deslocação do HomemfaceàMáquina,enestepontoencontramosoconceitode identidadeterminal deScott Bukatman (1993) como resultado dessa crise que toma lugar na cidade e que obriga o indivíduoaganharconsciênciadocontextocontemporâneo.

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for,eassumindoqueoHomeméaespéciemaisperigosanoplanetaTerra 9, queentãotaldeverásercombatido. ComoHaylesafirma,oserhumanoéacimadetudoum “embodied being”,quetraduzidosignifica serencarnado .EstacondiçãodoHumanotorna ocomplexoedaíqueashistóriasfantásticasdeque a consciência humana poderia ser passadaparaumamáquina através de uma simples ligação por cabo tenham a falha de pôr esta característica de parte. Do ponto de vista biológico,defendeaautora,seremosumaespéciedemasiadonovaparaque hajaessamudança.Paraalémdoterrordestashistórias, há o prazer de se pensarnovossignificadosparaoserhumano(1999:285). JáSusanNapierfazreferência,noartigo“WhentheMachinesStop”,da pequenahistóriaquedánomeaoseuartigo,escritaem1909porE.M.Forster, ondeoautorapresentaraumavisãofuturistadahumanidadeemdecadência, comojáfoimencionado.OHomemviveriadebaixodaterra,compossibilidade de comunicação com o resto do mundo mas sem a capacidade de relação directa com o outro. Toda a vivência seria controlada pela entidade denominadade“Máquina”,eesta,queacabaporparar,fazcomqueoHomem comece a desaparecer, sem qualquer esperança ou fé. Em termos de personagens,contasecomumamãe,Vashti,quetemumarelaçãodistanciada dofilho,Kuno.Cadaumestánumladodomundoeaideiadeviajarparairao encontrodofilhoincomodaVashti,inseridanumasociedadesubterrâneaque perdeuhámuitoocaloreproximidadehumanas.Kunopedeàmãequeovisite para que possam falar sem ser através da Máquina, que tudo controlava e vigiava.Amãe,queconsideravaqueacomunicaçãoqueestabeleciacomos outros através da Máquina servia tão bem como a comunicação faceaface, censuraofilhoporfalardaentidadeabstractaemaquínicacomdesdém.Kuno queriavisitarasuperfíciedaTerra,tidacomoinóspitaesemcondiçõesparaa vida humana. Vashti tinha conhecimento da civilizaçãoprévia–anossa–e temia os contactos directos que nós hoje estabelecemos com os demais. O filho queria ir à superfície ver o céu – e fêlo, para chegar à conclusão que haviavida.Entretanto,aMáquinadecidiraabolirosrespiradoresquepoderiam

9ApartirdaafirmaçãofeitaporWarrenMcCulloch,naMacyConferences:“Mantomymindis thenastiest,mostdestructiveoffallanimals.Idon’tseeanyreason,ifhecanevolvemachines that can have more fun then he himselfcan, why they shouldn’t take over, enslave us, quite happily.Theymighthavealotmorefun.Inventbettergamesthenweeverdid.”(79,1999)

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possibilitarvisitasàsuperfícieerestituirareligiãoparaquetodosaadorassem. Kuno acaba por ser perseguido e atacado e enquanto sucumbe fala com a mãe:“Iamdyingbutwetouch,wetalk,notthroughtheMachine”.Kuno,que conheceuquemestavanasuperfícieterrestre,sugereàmãequeumdiaserão elesaliderarahumanidade,aoqueamãecontesta julgando haver sempre alguémquereiniciráaMáquina.Ofilhodiscordapois“ahumanidadeaprendeu alição”,etalacontecimentonuncamaisserepetirá. AformacomooHomemtendeparaaligaçãocomoOutroatravésda utilizaçãodetecnologiasdecomunicação,comoaInterneteasredessociais,e a forma como essa utilização está a modificar as relações interpessoais e tambémaorganizaçãodascidades,oumesmodoconceitodecidade,estáa possibilitarocrescenteisolamentodoHomem,dependentedaligaçãovirtual. Dentro desta reflexão encontramos o determinismo tecnológico, onde se incluempensadorescomoMarshallMcLuhan.McLuhandefendequeomeioé a mensagem (“the medium is the message”), que é o meio, inserido no contexto social e cultural, que traduz a verdadeiramensagem. Oautorutiliza frequentementeocorpohumanocomoreferência,poisosmeiosprolongamos sentidos.Funcionamcomoextensõesdonossocorpo: « O princípio do embotamento vem à tona com a tecnologiaeléctrica,oucomqualqueroutra.Temos de entorpecer nosso sistema nervoso central quandoeleéexpostoeprojectadoparafora:caso contrário, perecemos. A idade da angústia e dos meioseléctricosétambémaidadedainconsciência e da apatia. Em compensação, e surpreendentemente, é também a idade da consciência do inconsciente. Com nosso sistema nervoso central estrategicamente entorpecido, as tarefas da consciência e da organização são transferidasparaavidafísicadohomem,demodo que,pelaprimeiravez,elesetornouconscientedo factodequeatecnologiaéumaextensãodonosso corpofísico.» (McLuhan,1964:6566) Estaéprecisamenteumadastemáticastratadasem SerialExperiments Lain , poistemosdoismundos,sendoovirtualoprolongamentodofísico,local

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onde os internautas manifestam as suas identidades e actuam socialmente. Talvezmaisdoquenaprópriarealidadefísica. McLuhanalertanospararedobraraatençãoquandofalamosdosmedia. Não os podemos qualificar como “bons” ou “maus”, pois depende da forma comosãousados.Énecessárioobservaroqueelesdefactoveiculam: « [...] as consequências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensõesdenósmesmos–constituemoresultado do novo estalão introduzido em nossas vidas por umanovatecnologiaouextensãodenósmesmos. [...]a“mensagem”dequalquermeiooutecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas.[...]o“meioéamensagem”,porqueéo meioqueconfiguraecontrolaaproporçãoeaforma dasacçõeseassociaçõeshumanas.» (McLuhan,1964:2123)

McLuhancomparaaindaasdiferenças,sobreocorpo,entre ohomem citadinoeohomemtribal: « Originalmente, Baudelaire pensou em chamar de LesLimbes suas FloresdoMal ,tendoemmenteas cidades como extensões corporativas ou coletivas denossosórgãosfísicos. Baudelaire considerava florescências do mal os nossos autoabandonos e autoalienações destinados a ampliar ou aumentar o poder das várias funções. Como amplificação do empenho luxuriosoesensualdoshomens,paraeleacidade possuía uma completa unidade orgânica e psíquica.» (McLuhan,1964:144145) A industrialização apontada por McLuhan, que permitiu este tipo de extensãodocorpo,tambémalteraaconfiguraçãodacidadeeaformacomoa

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comunidadeseorganizapoisasdistânciassãoencurtadascomaaldeiaglobal, termo também de McLuhan. A intercepçãoentre omundo virtual e a cidade habitada pelos humanos encontrase na escuridão da cidade, iluminada por neons,cujocéusevêinterrompidoporcabosaxiaiseeléctricos,relembrandoa existênciapermanentedavirtualidade: « The dark and crowded space of cyberspace as introduced and described in Neuromancer was punctuatedbyneonformsandcorporatestructures, andtheaestheticofBladeRunnerdemonstratesthat ithadobviousprecursors.Incyberspacethedensity of central, inner, city became an anology for the dispersed matrices of information circulating and overload, while cyberspace itself presented an urbanism stripped to its kinetic and monumental essentials.Cyberspaceexaggeratedthedisorienting vertigo of the city, but also summoned a powerful controlling gaze. Critics of cyberpunk tended to emphasise its dystopian cityscapes, missing the dialectic between the two modes of mutually informing existence, urban and electronic. Urban spaceandcyberspaceeachenableanunderstading andnegotiationoftheother.» (Bukatman,1997:4748) ApersonagemLaintemcomointuitosuscitarumdiscursosobreanova relação do Homem com o mundo tecnologicamente avançado e as novas relações que daí derivam, desde gestão do espaço à relação com o outro. Como já podemos verificar, as primeiras narrativas de ficção científica já o faziam.AdiferençaqueLaintrazaestediscursoéprecisamentesalientar,para além dos prolongamentos do corpo que a tecnologia permite, a forma como estesedefinenestepanorama.Aquestãoélevantadaem SerialExperiments Lain assimcomoBukatmanalevantouem BladeRunner : «Themerelyhumanbody wasn’tdesignedforthe stresses and shocks of a mechanical world. The bodyhadtobearmouredagainstmodernity.[]As embodiedbythenewbodiesofsuperheroes,robots or replicants, the “utter helplessness of the human being” could be overcome – technological trauma

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produced its own antidote; or, as the poster for BladeRunner ouit,“Manhasmadehismatch”. In cyberpunk fantasies of technological symbiosis, control of one’s self was actually enhanced by the body’s disappearance either into cyberspace or cyborg forms. The dissolution of the body, and its replacement by its own technological simulation, wasrepeatedlypositedas empowering .Technology wasinternalised,boundtoasenseofselfthatwas strengthened but which somehow remained basicallythesame.» (Bukatman,1997:7273) Bukatmanprossegueoseuraciocínio,mencionandoDonnaHarawaye Michel Foucault. Citando Foucault, segundo o autor: “man is only a recent inventionafigurenotyettwocenturiesold,anewwrinkleinourknowledge;he willdisappearassoonasthatknowledgehasdiscoveredanewform”(p.73). Acibercultura,poroutrolado,criaumasensaçãodeinsegurançaaoser humano,pelomedodesetornalumsersemutilidade: « Through the construction of the computer itself, therearisestepossibilityofamindindependentof the biology of bodies, a mind released from the mortallimitationsoftheflesh.Unliketherobotforms of the modernist era, wherein a mechanical body substitutedfortheorganic,theinvisibleprocessesof cybernetic information circulation and electronic technology construct a body at once material and immaterial – a fundamental oxymoron, perhaps, of postmodernity. The redefinition of the subject under the conditions ofelectroniccultureisaresponsetothefearthatthe humanhasbecomeobsolete,lastyear’smodel.» (p.208)

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Métodos

Método adoptado e o motivo da presente investigação

Ométodoqueaquisepropõebaseiasenaanálisedostrezeepisódios numaprimeirainstância,seguidodaanálisedapersonagemLaineterminando naanálisedosmomentosdiscursivossobreocorpoenquantofronteiraentreos doismundos. Devido à complexidade da série e da personagemprincipal,estas três camadasemquesedivideaobservaçãodaobrarevelamse necessárias. A personagem Lain merece uma análise própria e cuidada, uma vez que ela representaachaveparaaanálisedosmomentosdiscursivoscentraisparao nossoestudo. OestudosobreoCorponãoteveiníciocomapresentedissertação.Ao longodopercursoacadémiconaáreadacomunicação,oCorpofoiobjectode análise na Semiótica, conjuntamente com a noção de Pele. Também na Fotografiaemdiferentesprismas,desdeomovimentocapturadoemfotograma domesmoàsuarepresentaçãosurrealista.Oaudiovisualapresentouseagora comoaáreadeanáliseafazeraoobjectodeestudoemcausa. Permanentementeemcontacto,osecrãsnãosãomaisqueasjanelas para o lado virtual, onde nos manifestamos e criamos identidade. Neste contexto, haverá uma redefinição do que é o Corpo? Será o que não nos permite avançar na totalidade para o mundo cibernético ou será o prolongamento,comodiriaMcLuhan,tantodoreal(oufísico)comotambémdo virtual? A série anime ,criadanadécadade1990,surgiucomooobjectode análise ideal para perceber o que o caso prático fotográfico referido anteriormentenãochegouatocar.OCorpoérepresentação,masnãohaverá também representação na virtualidade, ainda que não seja com o Corpo

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convencional, carnal? Serial Experiments Lain põe em discurso o Corpo contemporâneo. Ométodoaadoptarfoiinsistentementepensado.A extensão da obra exigia uma amostragem de modo a facilitar a análise geral da primeira instância.Todavia,rapidamenteasprimeirasobservaçõesfeitasaoaudiovisual no seu todo denunciavam que em cada episódio haveria pelo menos um momento discursivo sobre o Corpo, pelo que a amostragem iria eliminar conteúdosnecessáriosparaaanálise.Paraverificarqueestaobraseriaviável paraobservaroCorpo,foramvistosinicialmentealgumaspartesdeepisódios. TodaviaencontrareanalisarapenasosmomentosdiscursivossobreoCorpoe analisar estes sem uma análise geral da obra, com o estudo do arco da personagem, não demonstraria a riqueza da obra no seu total e iria pôr de parteumaanáliseque,pelaspesquisasfeitassobre SerialExperimentsLain se considerou que esta série televisiva ainda não teve. Ou seja, o presente trabalhoirianegarumcontributooriginalaocampodoestudoaudiovisualsetal nãofossefeito. Aprocuradeautoresquepudessemapontarumcaminhometodológico mais apto ao que nos propomos a fazer levou ao texto de Diana Rose, intitulado “Análise de imagens em movimento”, publicado na obra “Pesquisa qualitativacomtexto,imagemesom”deMartinW.BauereGeorgeGaskell.A autorapropõese a discutir as formasde analisar a televisão e outras obras audiovisuais,partindodoestudodasrepresentaçõesdaloucuranestas.Diana Rose explica antes de mais a complexidade associada à análise dos meios audiovisuais: « O que precisamente são meios audiovisuais, como a televisão? É a televisão igual a uma rádio comfiguras?Diriaquenão.Alémdofatodequeo próprio rádio não é simples, os meios audiovisuais são um amálgama complexo de sentidos, imagens técnicas,composiçãodecenas,sequênciadecenas emuitomais.É,portanto,indispensávellevaressa complexidade em consideração, quando se empreende uma análise de seu conteúdo e estrutura.» (Rose,2010:343)

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Nestesentido,Rosecomeçaporexplicarqueoprocessoquefazemos aoanalisarumaobraaudiovisualpassafazerumatranslação: «Todopasso,noprocessodeanálisedemateriais audiovisuais, envolve transladar. E cada translado implica decisões e escolhas. Existirão sempre alternativasviáveisàsescolhasconcretasfeitas,eo que é deixado fora é tão importante quanto o que está presente. A escolha, dentro de um campo múltiplo é especialmente importante quando se analisa um meio complexo onde a translação irá, normalmente,tomaraformadesimplificação.» (Rose,2010:343344) Ainda que seja feita a observação geral da obra, dos seus treze episódios,háanoçãodequeaindaquesefaçaasuaexposiçãotextualalgo exaustiva,oleitordadescriçãodecadaepisódiopoderáconceberumaimagem alternativadasquesãodefactoconstituintesdasérie.Paratentarcompensar esta lacuna irremediável, nos momentos chave irão ser apresentados fotogramas que auxiliem a descrição proposta e também a compreensão do observador. « Nunca haverá uma análise que capte uma verdadeúnicadotexto.Porexemplo,aotranscrever material televisivo, devemos tomar decisões sobre como descrever os efeitos especiais, tais como música ou mudanças na iluminação. Diferentes orientações teóricas levarão a diferentes escolhas sobrecomoselecionarparatranscrição[...].» (Rose,2010:344) QuantoaestaobservaçãoporpartedeRose,tambémManuelaPenafria indicaamesmaideiaquantoàanálisedefilmes,quedefinecomosendouma forma de chegar a uma interpretação através de um entendimento do funcionamentodaobraemsi:

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«Analisarumfilmeésinónimodedecomporesse mesmofilme.Eemboranãoexistaumametodologia universalmenteaceiteparaseprocederàanálisede um filme (Cf. Aumont, 1999) é comum aceitar que analisar implica duas etapas importantes: em primeiro lugar decompor, ou seja, descrever e, em seguida, estabelecer e compreender as relações entre esses elementos decompostos, ou seja, interpretar(Cf.Vanoye,1994).»

(Penafria,2009:1) Relativamente aos processos de translação, Diana Rose apresenta váriosmétodos.OdeBerstein(1995),quecruzaotextoenquantolinguagem comoreferencialdecodificaçãodandoumresultadodeanálisefeitoapartirda interacção 10 dosmesmos: « O resultado da análise é, então,uma interacção entreL1eL2.Éumatranslaçãodeumalínguapara outra e, para Bernstein, ela possui regras ou procedimentos.Oproblemacomessemodeloéque ele pressupõe apenas dois passos. Ou talvez, ele supõe que os processos de seleção, transcrição e codificaçãodosdadospossamservistoscomouma únicalinguagem.Adistinção,contudo,nãodeixade claroquenãopodehaverumsimplesespelhamento doconjuntodedadosdeanálisefinal.Processosde translado não dão origem a simples cópias, mas levam, interativamente, à produção de um novo resultado.» (Rose,2010:344) A autora também demonstra que outro método de transcrição, a transcrição da fala, de Potter & Wetherell (1987), contando também com a anotaçãodetodasaspausas,duraçõesdestasedossilêncios.Masaautora encontraquestõestambémnestemétodo:

10 Expressãodaautora,p.344.

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« Seria isso “mais verdadeiro” que uma simples transcrição, palavra por palavra? Eu diria que não. O que dizer da inflexão e da cadência (ver por exemplo, Crystal & Quirk, 1964)? E ainda mais importante para o nosso caso, que dizer dos aspectosvisuaisdacomunicação?Acinéticaéum enfoque descrito por Birdwhistell (1970), mas raramente empregado. Este autor descreve as dimensões não verbais da comunicação. Uma ênfase na fala, ou discurso, nunca pode incluir essascaracterísticas.Saussurereconheceuissohá muitotempoatrás,quandoeledissequeasemiótica éaciênciadossignos,esignosnãoselimitamaos camposdafalaedaescrita.» (Rose,2010:344) PortantoaescolhadeumdosmétodosacimareferidosporDianaRose implicariaaomissãodecertasinformaçõesquepoderãoserimportantesparaa presente análise, uma vez que esta é tão específica e incide sobre certos momentos,curtosemtermosdeduração.Porisso,optousepelaanáliseem três instâncias, sem exclusão de episódios e com a aplicação da teoria de JosephCampbell,presentenaobraintitulada“Theherowithathousandfaces”, de1993.DianaRoseinclusivefazaseguintereferência, queé ajustificação destaescolha: « Em vez de procurar uma perfeição impossível, necessitamossermuitoexplícitossobreastécnicas quenósempregamosparaselecionar,transcrevere analisar os dados. Se essas técnicas forem tornadas explícitas, então o leitor possui uma oportunidade melhor de julgar a análise empreendida. Devido à natureza da translação, existirá sempre espaço para a oposição e conflito. Um método explícito fornece um espaço aberto, intelectual e prático, onde as análises são debatidas.» (Rose,2010:345)

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Robert McKee (1999: 257) também sugere um método de análise de cena, todavia este não foi escolhido devido à exaustiva observação de comportamentos,textoesubtextoquelevariamaumexcessodeinformação dopontodevistaformal,quandoonossofocosecentranodiscursosobreo Corpo, e sobre a reflexão deste relativamente a outros autores. Também MartineJolyteceumaobservaçãosemelhantequantoàanálisedeimagens,no sentidolatodotermo: «[...]umaboaanálisedefineseantesdemaispelos seusobjectivos.Definiroobjectivodeumaanáliseé indispensável para estabelecer os seus próprios instrumentos,nãoesquecendoqueelesdeterminam em alto grau o objecto da análise e as suas conclusões.Defacto,aanáliseporsipróprianãosó não se justifica com não tem interesse; ela deve servirumprojectoeéestequelheforneceráasua orientação,assimcomolhepermitiráelaborarasua metodologia. Não há método absoluto para a análise mas sim opções afazer,oua inventar,em funçãodosobjectivos.» (Joly,1994:49)

Avançaseassimparaaanálisetripartidamasinterligada,naexpectativa que as escolhas e decisões tomadas venham ao encontro de uma prática proveitosaparaoestudoaudiovisual,aplicadaa SerialExperimentsLain .

Análise geral de Serial Experiments Lain

Para melhor orientação do leitor relativamente às personagens desta história,optouseporapresentardesdejáumabreveidentificaçãoedescrição dosmesmosparaquealeituradaprimeirainstânciasejamaisclara.

Personagens:

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LainIwakura–personagemprincipal.Jovemcom cerca de 13 anos, em termos de caracterização costuma vestir um fato de urso e usa permanentementeumamadeixaatadadoladoesquerdodasuaface. YasuoIwakura–paideLain.Viciadoemtecnologia, mostra admiração pela filha mas mantém uma relação fria de sentimentos com a mesma. Arisu(Alice)Mizuki–melhoramigadeLain.Deaparênciamais velha e mais saudável que Lain, esta personagem é um dos motores da narrativa. É a única personagem a ter demonstrações de afecto físicas pela amiga,todaviaLainparecetersentimentosconfusosemrelaçãoaArisu. MihoIwakura–mãedeLain.PodemosconsiderarMihocomoa personagem mais apática da série. A sua expressão é extremamente fria e estranhamenteindiferente.Paraosrestantesfamiliares,afriezapermanecede igualformaadominarasrelaçõescomosmesmos. EiriMasami–antagonistadasérie.Tentamanipular Lain ao longodanarrativaparaqueestaoadorecomoumDeus.Eiri,enquantoestava vivo,trabalhavaparaoslaboratóriosdeTachibana,deondefoidespedido.A frustaçãolevouoaosuícidioeàconexãocomaWired. Mika Iwakura irmã mais velha de Lain. Fisicamente sem quaisquer semelhanças com a personagem principal. Indiferente ao que a rodeia,manifestaindependênciaemocionaldafamília.NãoentendeLain. Taro – mais novo que Lain. Personagem com grandes conhecimentossobreaWiredesobredispositivos.CostumaestarnaCyberia. TarogostadeLain,masnãoépossíveldizerqueestetenhaumarelaçãocomo ArisueLaintêm.

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MyuMyu–amigapróximadeTaro,seéquenãoapoderemos apelidar de namorada. Costuma estar por perto de Taro e sente grandes sentimentosdeinvejaeciúmerelativamenteaLain. ChisaYomoda–colegadeescoladeLain.Responsável,através do próprio suicídio, pelo acordar da personagem principal para a aventura destanarrativa. Asérie,divididaem13episódios,compõeseem layers ,eaquiiremos analisarcadaumdessesepisódios:

Layer: 01 – Weird Episódioiniciasecomaimagemdesfocadadeumcruzamentoànoite, comruídodefundodeumacidadeagitada(imagem1.1). Os indivíduos que caminhamnaruanãosedestacamentresi(imagem1.2).Háopredomíniode cores frias, fortes e fluorescentes. Para além dos sons citadinos iniciase o humming noise 11 dos cabos que cobrem a cidade (imagem 1.3), assim que estassãofocadasnumplano.Entretantoumavozpergunta“Porquê?Porque nãovens?Eugostavaquetuviessesparaaqui...”. Cenárioescuroecitadino.SurgeYomodaChisaofegante,quedeixacair amala.Nochãovêseumfundonegro,aparentementesalpicadodesangue. Ostranseuntesgozamcomajovemaflita.Chisaolhaparacima,nomeiode prédiosescurosejanelasirradiantes.Cabosaatravessamocéu(imagem1.4). Relembramos a explicação dada por Bukatman (1997) quanto ao formato das cidades nas obras de ficção científica, nomeadamente no cyberpunk.

11 Autilizaçãodotermonalínguaoriginal,utilizadonaobradeStevenBrown,deveseaofacto das traduções possíveis adquirirem significados muito diferentes relativamente ao verdadeiro significadodaexpressão.

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Imagem1–Osneonsdacidadecyberpunk. Surge um intertítulo. Os intertítulos na série terão uma presença constante,peloqueasuafunçãoseráouexporumpensamentomaisprofundo oufazeraacçãoretomarasquestõesmenosóbvias–frasesvindasdaWired (imagem 1.5). Eles remetem para a utilização que JeanLuc Godard fazia da fusão textoimagem, como forma de ruptura da linearidade imposta pelo cinema hollywoodiano. “O porquê de tu o fazeres será algo que tu terás de considerarportimesma”.OintertítulotemafunçãoqueéapontadaporSteven Brown, em que, tal como nas obras de Godard, a mistura do texto com a imagem faz com que haja um constante questionamento sobre um e outro, rompendoalinearidadetradicionaldasnarrativas: « As is frequently the case in Serial Experiments Lain ,messagesfromthenetworkedworldofonline digital (a.k.a. “the Wired”) appear astextonthescreeninamannerthatevokesJean Luc Godard’s mix of image and text in his films, which the creators of Lain actively sought to emulate. As I noted in my analysis of Oshii Mamoru’s GhostintheShell2:Innocence inPartI, Godardforegroundthestatusoflanguageincinema, infusingorinterruptingtheimagewiththetext,asa way of rejecting the continuity editing of classical Hollywoodcinema.Insogoing,Godard’sinterplayof text and image demystifies the constructedness of traditionalnarrativefilmby“makingthetextquestion theimage,anddenyingthepossibilityoftheimage tosimplyillustratethetext.”»

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(Brown,2010:163164) Desta forma, não há a sobreposição da imagem e esta não servirá apenasparailustrarotextoimplícito.StevenBrownavançamaissobreouso dointertítuloem SerialExperimentsLain : «Inthecontextof SerialExperimentsLain ,whenthe textappearsonthescreen,whetherintheformofe mail, texting, instant messaging, or via pseudodocumentary footage overlaid with text that outlines the genealogy of the multimedial World Wide Web from Vannevar Bush’s “memex” to Ted Nelson’s “Xanadu”, it not only interrupts the narratival flow of the series and underscores the stylizationofeachepisodebutalsoforegroundshow such electronic communications and rhizomatic hypertextual multitasking impacts the cognitive functioning of its characters with information and distractions overload, producing effects of attention deficit(or“continuouspartialattention”inthelingoof cognitive pshycologists and informatics specialists) andtechnologicaladdiction»

(Brown,2010:164) Ouseja,nãosóparaoespectadorrepresentaumainterrupçãonarrativa e também em termos perceptivos, mas também no mundo do Serial ExperimentsLain representaaperturbaçãocibernéticaqueexistenavidadas personagens. Umcasalpasseiapelasruasescurasdacidade.Chisajáestánotopo de umprédio, a tiraro elástico do cabeloe os óculos, esticandose na sua beira.Murmuraalgosemqualquersomperceptível.Denovoointertítulo:“Eu nãoprecisodeestarnumsítioassim”,eChisasoltase.Ocasalapercebese do suícidio. O seu corpo aparece esmagado por um letreiro luminoso que atravessaranaqueda. Umtravellingeduaspanorâmicasmostramacidade, com a presença dos cabos que atravessam e das sombrasescuras que já tinham aparecido

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antesdosuicídiodeChisa(imagem1.6).Novointertítulo:“Seficaresnumsítio assim,poderásnãoconseguirconectarte”. Lain surge pela primeira vez, a sair de casa para ir para o colégio (imagem1.7e1.8).Acenapossuiumambientecarregado,apesardaclaridade das cores. Dentro do comboio, Lain observa o exterior enquanto há barulho dentrodocomboio,doqualsequeixaequestionasenãoseriapossívelfazer silêncio.Obarulhoquevemdoscabosqueacompanhamoseucomboioeo barulhoquevemdedentrodestecriamumjogoemqueoespectadornãoé esclarecidosobrequebarulhoestáLainareferir.Aheroínaaquiindiciaescutar asconversasdaWired,umavezqueospassageirosespantamsequandoesta semanifesta. Lainpáradiantedocolégioeobservaasuasombra,quemudadecore estáemmovimentodentrodoseuinterior(imagem1.9).Erguendooolhar,as silhuetasdascolegastornamserabiscosnumcenário em branco. Intertítulo: “Todos,depressa...”. Aochegaràsala,Lainouveumacolegaachorar,Juri,eascolegasa reconfortála. Em termos audiovisuais ocorre algo curioso nesta cena. Lain sentasenosprimeiroslugarese,aovirarse,olhaparaoseuladoesquerdo (imagem1.10).Masascolegasparaquemolhaestãodoseuladodireito,pois têmaparededasaladoseuladodireito(imagem1.11).Éoprimeirojogoque sefazdaparticularidadedodesenhodapersonagemLain,ofactodamadeixa servir o propósito de tapar o ouvido esquerdo, ouvido pelo qual os maus espíritosseriamescutados. Arisu,amigadeLainquenanarrativadasérieterá muita importância, perguntaaLainseelatambémrecebeu.Lainquestionaoquê.Arisuresponde tratarsedoemailenviadoporYomodaChisa.Lainconfessanãotermuitojeito comcomputador,sendocensuradaporArisu,queaavisaqueeladeveriavera suacaixadeentradapelomenosumavezpordia.Oemailteriasidorecebido porváriascolegas,umasemanaapósosuicídio. PoderemosentãofazernestemomentoareferênciaaJosephCampbell eàsuateoriasobreaestruturadasnarrativas.Lain,enquantoheroínadesta história,encontranosuícidiodeChisaomomentoquedestabilizaasuarotina diáriaeacolocanumcaminhodedescobertadoseu “Self”. Campbell indica

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queumerro,ounestecasoumincidente,éumadasformasdeiniciaraacção, oupelassuaspalavras,uma“aventura”:

« A blunder – apparently the merest chance – revealsanunsuspectedworld,andtheindividualis drawn into a relationship with forces that are not rightlyunderstood.» (Campbell,1993:51) Duranteaaula,Lainvoltaateralucinações,aoverdesfocadasasletras noquadro.Olhaparaamãoesurgemfurosnapontadecadadedo,deonde saífumo(imagem1.12). Intertítulo:“Comoéqueéquandosemorre?”“Dóimuito.:)“ Lainregressaacasa,comosomdoscaboseochão alterado pelas manchasqueacompanhamasuachegada,eencontraavazia.Decideafastar os vários objectos típicos de shōjo (imagem 1.13) que tem em cima da secretária, vira o Navi 12 para si, e ligao: também recebera o email. O momentoqueseseguenãoaparentasertantoumaleituradoemail,masmais umaconversaentreLaineChisa,atravésdoNavi,namedidaemqueLainia fazendoperguntasàmedidaqueoNaviialendooemail.Aúltimafrasedo emailpareceresponderàquestãodeLaindoporquêdasuamorte.Oemailde Chisadizia: «Olá,comoestás?Lain,caminheicontigoumavezparacasa,lembras te?Eusódesistidomeucorpo.Aofazeristo,eupossoexplicartequeeuainda estouviva.Euqueriaquetisoubesses,Lain,eporissoteenvieiesteemail. Percebes?Nãofazmalquenãoentendasagora,vais perceber brevemente. Todosvão.Osrumoresdaescoladizemqueesteemailéumapartida,maseu queroquetusaibasquenãoé,Lain.Deusestáaqui.»(imagem1.14) Acenaseguinteéaprimeiraaapresentaroambientefamiliardacasa deLain.Televisãoligadaeumgrandesilêncioentreosfamiliares.Airmãque saidamesaporfazerdietaàsescondidas,amãeinexpressivaquenãoreage aodesabafodeLainsobreorecebimentodoemailporpartedeChisa.

12 DescriçãodotermopresentenoGlossário,p.142.

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Lainestánoquarto,comoseufatodeurso(imagem1.15),quandovê asluzesdocarrodopaibateremnaparecedoseuquartocomosvultosdos seuspeluches.OpaideLainsurgecomoumviciadoemcomputadores.Fala comafilhaenquantomexenointeriordosseuscomputadores,havendouma barreiraentreeleeaLain(imagem1.16).AfilhapedelhequeofereçaumNavi novo,aoqueopaireagebemaoperceberqueafilhaganhouinteressenessa área. “SabesLain,nestemundo,querestejasaquinomundorealounaWired, as pessoas ligamseumasàs outras, e éassim quefunciona a sociedade”, afirma o seu pai. Lain responde quenãotemmedo. O pai pergunta porque falavam do Navi, ao que Lain explica querer ver uma amiga. O fade out denunciaofimdafasedeinocênciadeLain,quecomeçaasuaprocurapor respostas. Joseph Campbell, ainda sobre a mensageira, revela que se cria um fascínioporesta,umavezqueaparececomoumaguia: «Whetherdreamormyth,intheseadventuresthere isanatmosphereofirrestiblefascinationaboutthe figurethatappearsasguide,markinganewperiod, anewstage,inthebiography.Thatwhichhastobe faced, and is somehow profoundly familiar to the unconscious – though unknown, surprising, and even frightening to the conscious personality – makesitselfknown.» (Campbell,1993:55) ArelaçãoqueLaindesenvolveaolongodasérie,comopoderemosver, comaWiredeatecnologiaassociadaéassombrosapara quem respondea ArisuquenãoutilizaoNaviemcasa,nemparaconsultaroemaildiariamente. Estranhamente, Lain irá adoptar os meios virtuais com grande naturalidade, semquesejaperceptíveldeondevieramtaisconhecimentos. De novo no comboio para o colégio, a rotina é interrompida por uma travagemrepentina.Umsuícidionalinhaférrea.Lainaproximasedajanelada porta da carruagem e vê pingos de sangue vindos da linha. A jovem fica

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atordoada, ficando estagnada várias vezes em sítios diferentes, nomeadamenteenquantoobservaoscabos. SegundoStevenBrown(166;2010),estespingosdesanguevindosdos cabospodemterdoissignificados.Sãoumametáforavisualpóshumanaque sugereaintercepçãoentreovivoemorto,mastambémpodemsignificarquea electricidadeéosanguedacibersociedade.Sugerimosumaterceirahipótese: um presságio apresentado a Lain, em que as ligações cibernéticas podem custaravidaaoshumanosoumesmoquenoseucírculo próximo assista a umasituaçãoquemostreafragilidadedocorpo. Mais uma alucinação coloca Lain nas linhas férreas, assistindo a um suicídio(imagem1.17),possivelmenteoqueaconteceunoseucaminhoparao colégio. Acordadaalucinaçãonasaladeaula,edeseguidavêdenovoasletras noquadroadesfocaremseparavernoquadroafraseescrita“vêmàWiredo maisrápidopossível”,quenumsegundoolhar,seapresenta escrita de igual formacomonumcomputador,comletrasluminosaspixelizadas. Lainterminaoepisódioaindacomalucinações,comoChisaapassarpor ela no caminho para casa. Lain perguntalhe porque está ali. Ao que Chisa responde sorrindo e desaparecendo em formas elípticas. Brown (166167; 2010)explicaqueestaformadedesaparecerporpartedeChisaéapenasuma dasváriasformasantropomórficasdaWired.Podemosextrairdestepontode vistaquemesmoasrepresentaçõesemanadasdaWiredsefazematravésda figura de corpo. Elas poderiam, no entanto, ser sempre apresentadas como formas abstractas, como poderemos ver nas primeiras manifestações representativas do Deus da Wired em causa. Todavia mesmo essas manifestações representativas não permaneceram abstractas em todos os episódios,comopoderemosvermaisemdiante. Campbell utiliza umaexpressão curiosa sobre o início do percurso do herói:“destinyhassummonedtheheroandtransferred his spiritual center of gravityfromwithinthepaleofhissocietytoazoneunknown”13 .Éoqueocorre comLainnomomentoemquecomeçaaprocurarrespostassobreenaWired.

13 P.58.

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Imagem2e3–AcidadedeLain,ondeéevidenteapresençadeoutromundoparalelo,a Wired.Aconfusãodecabosaxiaisquecortamocéudacidadeeremetemparaomundo virtual,ondesemanifestamidentidadesterminaiscaracterizaaobraaudiovisualcyberpunk.As sombras,queseapresentamdemasiadocarregadas,denotamumadascaracterísticasdosub género. «Whilecyberspaceisanewfield,analienterrainin the best science fiction tradition, it does have its precursors.Thenotionofadarkandcrowdedspace broken by neon forms and corporate structures is surelynotunfamiliar.Perhapswecanbegintolearn about Gibson’s cyberspace by learning from Las VegasorTimesSquareorTokyofor,ononelevel, cyberspace only represents an extension of the urban sector located at the intersection of postmodernismandsciencefiction.» (Bukatman,1993:121) «Thecityiswithoutcenterandwithoutbeginning;a technologicalsprawltothelimitsofinfinity.[]The urban territory is marked by an infinity of space, a multiplicity of surfaces: time is displaced within a fieldofinactionand,ultimately,inertiaasthecity,the universe, circles back upon itself in a closed feedback loop: [] the citystate has become the cyberneticstate .» (p.128)

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Neste primeiro episódio tivemos algumas evidências da relação entre HumanoeTecnologia,quandoascolegasdeLainlheperguntamserecebeuo emaildafalecidaChisaeécriticadapornãoverificarasuacontaonlinepelo menosumavezpordia.Tambémaobsessãoéobservávelquandooseupai, Yasuo,sesentadiantedosváriosecrãsdoseucomputador,enquantoafilha tentafalarcomeste. Relativamente às características expostas à priori desta primeira instância de análise, quanto ao facto da cidade se apresentar caótica, não poderemosdizerque,em SerialExperimentsLain ,issopossaseraplicadoda mesmaformacomopoderiaseraplicadoem BladeRunner .Asreferênciasque surgem e que induzem a sensação de cidade terminal ao espectador dizem respeito à frequência com que os cabos cortam o céu, e a forma como as sombras aparentam tanto estar ensaguentadas como remeterem para uma dimensãoparalela.O hummingnoise tambémfavoreceasensaçãodeterrore claustrofobiapoisestápresentedeformaconstante,indiciandoquenãohaverá escapatóriaàWired.

Layer: 02 – Girls

Umavozofffemininainiciaosegundoepisódio,questionando“Dequeé quetensmedo?Experimentasóduranteumpouco”. OespaçodaacçãoéadiscotecaCyberia,ondejovens,algumasdelas colegasdeLain,seencontramànoite. Intertitulo:“Cyberia?Eunãovenhoaquiporquequeira.” Umjovemrecebedaempregadademesaumembrulho,queestepaga. Intertítulo:“10.000yens?Queroubo!Opreçocostumarondaros4.000!”,“Nós chamamolaAccela.Nãoépropriamenteumadroga.Mastemosquesaltarpor cimadosmesmosobstáculosparaater.” OjovemabreacápsuladeAccela,noseuinterior encontrase uma espéciedechip,queeleingere.Iniciamseastonturas,aespumanaboca.

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Intertítulo:“Eusintome...acelerado.” Otempodaacçãoquebraseedálugaraoslowmotion. Nomeio das alterações psíquicas que Accela provoca no jovem, este vê no meio da multidão Lain (imagem 2.1 e 2.2). A visão de Lain repetese como se se tratasse de um ecrã, salientando novamente o mesmo tipo de discurso já invocadonomomentodasalucinaçõesdeLain,quando esta lê amensagem pixelizadanoquadrodasala. Aacçãovoltaàvelocidadenormal. Intertítulo:“Depressa,vemparamim.” Oespaçodaacçãomuda.PassamosparaoquartodeLain,ondealgo sepassacomocomputador.Lainvêquenãorecebeuemaileficaconfusa.A irmãsurgeàportadoquarto,julgandoqueaLainestivesseacompanhadapelo seu“amigoimaginário”,oualgoparecido. RepeteseacenaemqueLainsaidecasa.Masameiodaruapárae observacomreceioumhomemqueaespiajuntoaumposte.Passaporele, olhaonosolhosefoge. Asamigasencontramnaacaminhodocolégioecomeçamaquestionar entre si se seria Lain na discoteca, na noite anterior. Lain pergunta se receberam mais algum email de Chisa, as colegas afirma que nunca mais receberam nada. Ainda sobre Cyberia, as colegas dizemlhe que havia uma raparigamuitoparecidacomelamasqueemtermosde comportamento era totalmentediferente.Elasdesafiamnaaircomelasnapróximasaída. Emgénerodepesquisainformática,segueseummomento explicativo do que é Accela: “Accela, um tipo de suplemento inteligente, usa nano mecanismos para oscilar numa determinada frequência dentro do corpo, estimulando a segregação de uma hormona específica. Dizse que esta hormona,quandosegregada,alteraapercepçãodotempodamentehumana, dando a noção de que a percepção do indivíduo está acelerada. Não só a consciência,mastambémomecanismodocérebroéalterado,multiplicandoa capacidade operacional do cérebro em 2 a 12 vezes. O nanomecanismo é

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destruídodentrode24horaspelossucosgástricos,masasuaefectividadea longoprazoédesconhecida...”. AacçãovoltaàsaladeauladeLain,comumclose up à sua orelha esquerda(imagem2.3).LainrecebeumemaildaArisunotelemóvelfalando sobreasaídaànoite.MasLainrecusa. Intertítulo:“Todosestãoconectados.” Aoatravessarocorredordaescola,Lainvêumvultoaavançarduma salae,simultaneamente,surgemfigurasaltaseesguiascujocorpopossuiuma texturaluminosaeholográfica(imagem2.4).ALainaproximaserapidamenteo vultoqueveiodasala:éaraparigadaalucinaçãodosuicídionalinhaférrea. EstaatravessaocorpodeLain. Lain regressa a casa e vê aquilo que será uma carrinha de uma transportadoraàsuaporta.OpaihavialheencomendadoumnovoNavi,eo rapazdaentregadizlhequesepossuíssetalaparelho poderia navegar sem problemasnaWiredechegaratodoolado. Aochegaracasa,opaidizlhequeirámontaronovocomputador.Lain pedeparaquesejanaquelemomento.Opainãoentendeapressaeaapatia dafilha,masiráfazêlo. LainacabaporreceberumamensagemdeArisuaperguntarondeéque elaestavaequetodosestavamàsuaespera(parair ao Cyberia). Lain fica indecisaentreirouficardiantedoNavi. Intertítulo:“Porqueéquenãovens?” Laindecideir.VoltamaconversarsobreaLainquetinhamvistonanoite anterior, chegando à conclusão que não poderia ser a Lain, a pessoa que conheciam. O jovem que havia tomado Accela dispara contra um holofote, provocandoocaosdentrodadiscoteca.Estavamduaspessoascaídasàsua frente, mas a sua reacção piora quando os holofotes encontram Lain, estagnadaaobserválo.Eleentraempânicoeperguntalheporqueéqueela lhe estava a fazer aquilo, que direito teria ela de o fazer. Ele prossegue,

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justificandoquesóhaviatomadoAccelaparadesanuviaramente,equenão sabianadasobrealgo(quenãochegaaexplicaroquê).ExclamaqueaWired nãopodeinterferircomomundorealeperguntaqueméela.Lainaproximase eojovemapontalheaarmadeformaerrática.Oestadodepânicodelepiora, assimcomooambienteaudioviual,comooânguloinclinadoeotipodemúsica. AvozdeLaincortaporcompletoesseambiente,numtomdevozfirme:“Não importaondevás,todosestãoconectados”. Eleviraaarmaparaasuaprópriabocaedispara.

Layer: 03 – Psyche

Aacçãodesteepisódioiniciaseaindanolocaldoincidentedofinaldo episódio anterior a discoteca. Os vários planos que servem de início dos episódios são agora intercalados com as sirenes. Vemos Lain a sair da discoteca,aindaapática.Entretantoavozofflançaapergunta“Ouvistefalar dumaraparigachamadaLain,nãoé?ALaindaWired.” Um plano da mira do suicida e outro do seu sangue no chão são intercalados com uma imagem estática da cidade. Em vozoff escutase o agentedapolíciaaperguntaraLainseosseuspaisestariamdefériasoufora por algum motivo. Ele ligara para casa mas ninguém atendeu. O agente acredita que Lain não esteja a mentir, pois verificou os dados e aqueles contactoscorrespondiam.ArisuentraepededesculpaaLaineagarralheas mãos. O momento de viragem para Lain ocorre quando Arisu tem uma demonstraçãodeafecto(imagem3.1).Estaéareferêncianahistóriaemqueo amor,oumesmoaféemLain,motivamaheroínaaresolver o conflito, que mais tarde se entenderá ser com Eiri Masami.Baseamonosnesta assunção porque Lain evidencia através da caracterização fazer parte do estereótipo shōjo ,ondeasrelaçõesderomancecomamigassurgemcomo resultado da faltadepermissãosocialparaaemancipação. Aoregressaracasa,Lainverificaqueasuafamílianãoestápresente. Restalhe ir para o quarto e sentarse dianto do Navi. Adormece e, quando volta a acordar, ronda a casa. Mas esta continua vazia. Verifica a caixa de

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entradadoemail,semresultados.LevantaseedespedesedoNavi,aoqueo Naviresponde.Nomeiodetodoosilêncioqueacompanhaoiníciodoepisódio, arespostaautomáticadoNavisurgecomoindíciodeligaçãoaLain. Namanhãseguinta,Lainencontraamãenacozinha,quearepreende semgrandeexaltaçãosobreofactodesedeixardormirechegaratrasadaà escola.Laintentafazerumcomentáriosobreaúltimanoite,todaviaamãetem umareacçãoadversaqueretraia shōjo . Repeteseopercursoparaescola,masdestavezháumcarroescurono caminhoqueparecefazerumaesperaaLain.Umpontovermelhoacendese noseuinteriorqueasegue,eaassusta. Nopercursodocomboio,aheroínaouveumavozquesóelaconsegue ouvir.Nesteepisódio,ondesepercepcionaumaauradesolidãoemtornoda personagem,avozdizlhequeelanãoestásozinha.Elaobservaaslinhasque acompanham o comboio pela janela, com o humming noise como pano de fundo. Aochegaràsala,apósouvirascolegasaconversarsobreosuícidioda últimanoiteeestabelecercontactovisualcomArisu,Lainescutaumavoz.É feitoumplanoaproximadodasuaorelhaesquerda,oquenosindiciatratarem sede“espíritos”.(imagem3.2)Umavozoffmasculina,cujosomparecesairse deumaparelhoelectrónicofaladaPsyche,enquantoLainrabiscaocaderno, desligadadarealidade.AvozqueouveexplicaqueaPsychenãoéapenasum processador, que se for visto assim será uma visão redutora do que se realmente trata, isto é, do seu todo. A Psyche tratase de um terminal de informaçãomultifacetadoequeoNavitemsidoumaparelhodegrandeuso, mesmoentrejovensestudantes.Avozprossegueaexplicação:aactividadena Wiredaindaestálimitadapelamáquinaemsi.APsychetemacapacidadede aumentarexponencialmenteodesempenhodequalquerNavi.Aalucinaçãode Lain aumenta, vendo no caderno uma espiral movimentada (imagem 3.3), e simultaneamenteouveumavozfemininaquerepetequenãotinhamaisrazões paracontinuarnomundoreal–seriaChisaafalar,quesurgepordetrásda porta da sala. Continua, afirmando que era indiferente estar no mundo real. Quandoseapercebeudetal,perdeuomedodesedespojardoseucorpo.A alucinaçãoculminacomvozesqueperguntamrepetidasvezes“QueméLain?”.

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Nacenaseguinte,juntoaoscacifosdaescola,Arisuafirmaquehaveria algodeerradocomelas.Elasfalavamdosuicídioquetinhaacontecidonodia anteriorcomosesetratassedeumacenadeumfilme,enoentantofoidefacto alguémquemorreuàfrentedelas.Umadasamigascomquemfalavaexplicou que não sentia que aquele acontecimento tivesse sido real. A terceira concorda. Entretanto Lain abre o cacifo e descobre uma carta. As colegas tiramlhadamãoeabrem.Noseuinteriorvinhaumapequenacaixacomum formatoestranho(imagem3.4). Aoregressaracasa,Lainvoltaaolharparaacaixaepercebetratarse dumPsyche.Oplanoterminaemfadeout. Omomentoseguintenasérielevanosacrerquesetratadointeriorda Wired.Adiferençadeambienteerespectivascores,amúsica(elementoque nãoestápresentenosespaçosvistosatéagora),adiversidadedevozesque falamdeassuntosquasealeatóriossãooindícioparaafirmarmostratarseda Wired.Umaraparigaqueixasequealguémespiouoseuvoicemail,umavoz masculina fala de cláusulas, uma mulher adulta fala sobre o seu gosto de beijar. Entretanto passamos para planos do quarto da Lain, mas ainda podemosescutaroquesepassanaWired.Comentários sobre o jovem que tomouAccelatambémsefazemouvir.QuantoàPsyche,edenovoàsimagens psicadélicasdaWired(imagem3.5),umavozafirmaexplicaqueoschipssão fabricados em grandes quantidades na Tailândia, e que estes chips foram concebidos por um grupo denominado Knights. Quanto à existência dos Knights,ninguémconseguiaconfirmar,umavezquenaWiredexistemmuitas lendas urbanas. Lain está à frente do Navi, a assistir ao mesmo que nós enquantoespectadoresestamosaassistir.Lainportantoouveumavozquediz ser bom morrer e outra que diz “Estoume a sentir acelerado”, indicando a utilização de Accela por parte de algum internauta naquele dado momento. Entretanto alguém se queixa que está alguém no seu quarto, e que esse alguémpareciaumapessoapequenacomumacamisolaàsriscasvermelhase verdes. Estaria junto à porta e insistia em não sair dali. Ouvimos também alguém a fazer chantagem, que caso não acedesse ao seu pedido, iria espalhar a fotografia duma traição no servidor da empresa. O momento na Wired termina com a pergunta à Lain de porque é que ela não vai para lá, presumivelmenteaWired.LainobservaaPsycheerecebeumemailmasé

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interrompidapelopai,queperguntacomocorremascoisascomoNavi.Lain pergunta ao pai se este saberia o que era aquele objecto, ao que o pai responderapidamentequenãoesaidoquarto,semolhar aproximadamente paraaPsyche.ÉcasopararelembrarqueopaideLaingostadetudooque tenha a ver com informática, e a prova disso são os vários computadores montados numa das divisões da casa. Lain tinha a expectativa que o pai soubesse,masestesaidoquartofechandoaportaatrásdesi. Lainsaidecasaeverificaqueocarropretoestáde volta, agora com doispontosvermelhosapontadosparasi.AheroínavaiacaminhodaCyberia paraencontrarrespostas.Umjovemmaisvelho,JJ(imagem3.6),abordaLain, poisjáaconhecia,apesardeLainnãooconhecer. Perguntalhe por onde é que tem estado. Fica também espantado pela aparência infantil de Lain. Despedesedela,falandonapróximaravequeseriaLainaplanear. Olhaemvoltaeencontratrêscriançasmaisnovasqueela(imagem3.7), eperguntalhessesabemoqueéaqueleobjecto.As crianças sabem e têm umareacçãodeespanto.Umdelesexplicalhecomoinstalarapeçanointerior doNaviparateracessototalàWired.Avisaadaelectricidadeestática.Ooutro dizlhequeainformaçãoépagaequejáatinhavistonaWired,completamente diferentedaformacomoLainseapresentaagora.Aspessoasteriamsempre comportamentos diferentes naWired, mas Lain era o oposto. Ele queria um encontrocomaLaindaWired,masLainnemlheresponde. Na cena seguinte, a irmã de Lain chega a casa e passa pelo carro escuro.Encontraàportadecasadoishomenscomdispositivosnosolhos,e umpontodeluzvermelha.Elescomportamsecomoagentessecretosedizem lhequeelanãoviunada(imagem3.8).Maistarde,elaavisaamãeparaaligar àpolíciacasoelesvoltemaaparecer,aoqueamãemantémosilêncio.Passa diantedoquartodeLainevêaapenasdecamisadenoiteamexernointerior doNavi(imagem3.9).OepisódioterminacomLainpixelzadaevozrobotizada, a ter uma reacção muito diferente daquilo que é habitual. Lain sorri entusiasticamenteàirmã,dandolheasboasvindasacasa(imagem3.10).

Layer: 04 – Religion

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O episódio iniciase com as imagens da cidade, tal como nos outros episódios.Neste,avozoffexplicaquenãoprecisamosdepais,oshumanos estãosozinhosenãoestãoconectadosaninguém. Autilizaçãoconstantedestasimagensnoiníciodecadaepisódio,para alémdecausarumasensaçãodedesfamiliarizaçãonoespectador(uncanny), sugereaindaocontrolosocialqueéexercidonoscorpos em movimento no espaçocitadino.Aoassistiratalrepetição,estimulaseaoquestionamentoda organização social feita, inclusive do espaço e movimento dos corpos. EncontramosnaobradeMcLuhanumaexplicaçãodecomofuncionaacidade: «Acidade,emsimesma,é[...]umaextensãodo castelo da nossa própria pele. Antes do amontoamento urbano, tivemos a fase do caçador [...] agora na era da electricidade, o homem volta, psíquicaesocialmente,aonômade.Sóqueagoraa fasesecaracterizapelacatadeinformaçõesepelo processamentodedados.Éumestado,queignora esubstituiaformadacidade–quetendeasetornar obsoleta.Comatecnologiaeléctricainstantânea,o próprioglobonãopassarádeumaaldeiaeaprópria natureza da cidade, enquanto forma de grandes dimensões,deveinevitavelmentedissolverse.» (McLuhan,1964:385386) Entendemos que o homem industrializado é controlado por entidades abstractasedesconhecidasquecomandamoseumovimento,comoéocaso dostranseuntesqueatravessamaestrada. Lain surge no seu quarto, concentrada no que iniciou no episódio anterior:ainstalaçãodaPsyche.Oaparatonoseuquartoémaior,poisjánão éapenasoNavivistopreviamente(imagem4.1).Opaiobservaadaportae saiemsilêncio,parecendolamentar. Nasala,opaisentasenosofápertodamãe,eestaperguntalhecomo estão a ir as coisas.Entretanto afilhamais velha surgee diz queLain anda estranha.Opairespondequeéperfeitamentenormal.Afilhanãopercebee perguntadoqueéqueeleestáafalar.Amãecensuraa pelo tom com que fala.Oassuntoédesviado.

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Assistese,noutroespaçomastambémànoitenaqueledia,àfugadum homem. Ele foge desesperadamente de uma menina (imagem 4.2 e 4.3). A meninaconsegueencurralaloedizlhe“Gotcha”.Acenatermina. Na escola, no dia seguinte, os funcionários foram chamados a uma reuniãoeosalunosficamsemaulasduranteaqueleperíododetempo.Arisu explicaqueumestudantemaisvelhosesuicidou.Aamigaacrescentaquetem acontecidoemmaisescolas.ChamamLainàconversa,masnão esperavam que ela pudesse saber de alguma coisa. Lain, mais animada que o normal apósainstalaçãodaPsyche,sabiadosacontecimentosatravésdaWired. Jáforadaescola,numazonacomercial,Lainexplicaquesetratadum jogoonlineequetodososoutrossuicidasestavam viciados nele. Lain volta paracasapararemontaroNavi,masasamigaspermanecemnomesmosítio. Arisu vê um peluche a cair ao pé dela e uma menina aproximase dela: a menina que perseguiu o suicida na segunda cena do episódio. Aqui ela já aparentasernormal,aocontráriodoprimeiromomentoemqueavozinclusive eraadeumaadulta. Lain,noseuquarto(imagem4.4),ouveumvoicemail de alguém que trabalhanumlaboratórioelhedáalgumasindicaçõessobreofuncionamento daPsychenoNavi.JáestamosaassistiraumaLainqueentraemcontacto comosoutrosequeacedeàWiredsemproblemas. NaCyberia,Lainperguntaaojovem,chamadoJJ,que a conhece já antesdeelaoconheceraele,sobreojogodequetodostêmfalado.Phantoma (imagem4.5)éarespostadele,masquenãoseriaumjogoadequadoauma pessoa adulta como ela. Ao se virar percebe que Lain não está lá e fica confuso. Nacenaseguintehádenovoumaperseguição,masdestaveznotopo dumprédio.OrapazfogedaapariçãodeLain,quepareceestaratestarojogo (imagem4.6).Eleacabaporpartirodispositivoelectrónicoqueofazacederao jogo (imagem 4.7 e 4.8). Desta vez, não houve suicídio. Há posteriormente homicídio,nãoenvolvendoLain.Eleterámortoumameninacomtiros. Serial Experiments Lain tem vários momentos explicativos, que quase entram no registo de documentário. Seja para explicar conceitos próprios da realidadeWired,sejaparaexplicareventospassadosquedefactoocorreram

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nahistóriadacibernética,asériefazestaspausasnocorrerdanarrativapara, porumlado,esclareceroespectadore,poroutro,fazerumcortenaacção. OmomentoexplicativodesteepisódiodácontadojogoPhantomaetem comonarradororapazdotopodoprédio.Éumjogo,oumelhor,aplicaçãoque é particular e adaptado a cada cliente. O jogo em si permite luta dentro da Wired.Orapazquematouameninafezodownloaddumservidorilegalpara experimentarojogo,eemtermosdeinterface,ojogoeraapresentadocomo estando a decorrer numa masmorra. Mas algo com a aplicação não estava bempoisestavaassociadaaumjogodepréescola. DenovonoquartodeLain,estarecebeummailqueexplicaquenãohá muitoaacrescentaraotipodejogoqueé,apenasqueosprogramasdeixam que eles se conectem entre si, como se tratasse duma falha do protocolo. Haveriaahipótesedequetalconexãoentreprogramasfosse um planodos Knights.ElavoltaaacederaPhantomamasopaisurgeportrás,contentepor elaseestaradarbemcomaWired.Mastemumavisoparalhedar.Queno final de contas, a Wired é apenas um médium para a comunicação e transferênciadeinformação.Quenãoopodemosconfundircomomundoreal. Afilha refuta, afirmando que a linha que separa umeoutronãoéassimtão nítida quanto isso. E que brevemente conseguirá entrar nela na totalidade, inclusive traduzirse para ela. O pai diz que tal não é possível com um Navi normal,masLainmodificouo.Dizlheparanãosepreocupar,queelacontinua aserela.Opaidesconfia... LainentranaWired.MaiscomentáriossobreosKnightssãodivulgados, de que estes não existiriam mesmo, que são apenas um pensamento que ocorredentrodaWiredequetalfuncionariacomoumareligiãodentrodarede. Anavegaçãoéinterrompidaporumpontovermelhonoquarto.Lainaproxima sedajanelaevêoshomensdenegroemandaosembora.Algoocorreaum níveldifícildeperceber,masatravésdoseuNavieestaranavegarnaWired,a heroína destrói um dos dispositivos oculares deles. Eles entram no carro e partem.ONavidáoavisodeinvasorinterrompido.

Layer: 05 – Distortion

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Oiníciodoepisódioretomaosplanosjáhabituaisdacidadedesfocada. Avozoffagoramencionaque“Setuconseguesouvilo,estáafalarcontigo.Se oconseguesver,entãoéteu...”.Eentraotítulodoepisódio. Anarrativadesteepisódio,emtermosbrutos,iniciase em género de documentário,cujotemaéaevoluçãohumana.Começacomaquestãosea Humanidadenãoevoluirámaisdoqueopontoactualemqueestá.Aincidência decancroéextremamentebaixacomparativacomasoutrasespéciesanimais, e queumadas teorias diz que o Homem é entra na categoriada neoteniae que não tem mais capacidade de evoluir. Durante este momento de documentário,surgemimagensdezonascomerciaisedelazer,bemcomode pessoascomuns.Odiscursoprossegue:seistoforverdade,oHomemtornou seabsurdopelasuaevolução,equesemsaberoqueoconduz,preservamos seus corpos apenas com o fim de satisfazer as necessidades carnais. “São inúteis,nãoachas?ÉtudooqueaHumanidadeé.Masjánãoénecessário permanecerseumserhumanomiserável.AHumanidadefinalmentecriouuma forma de escapar.”. O discurso ao estilo de documentário é interrompido quando, no meio da população que atravessa as ruas, surge Lain, que pergunta à voz o que quer dizer. Ao que a voz responde com as redes, a Wired.Lainquestionaquemestáafalarcomela.AvozrespondeserDeus. Nacenaseguinte,airmãdeLainvesteseesaidumhotelondeesteve com o namorado. Já na rua, observa os transeuntes e apercebesse dum acidentenapassadeira.Acenaterminaemfadeoutparaobranco. Lainsurgenoquarto,animada.Apaletedecoresaquiusadaédiferente, predominandoostonscinzaseoefeitosépia(imagem5.1e5.2).Lainpedea uma boneca que lhe conte uma história. A boneca perguntalhe que tipo de históriagostariadeouvir.Lainpedeparaquesejaumahistóriasobrealgoque elanãosaiba.Abonecaexplicalhequenãohánadaqueelanãosaiba,eque não lhe pode contar uma história que não existe. Mas faz então de outra maneira. Contalhe que para cada evento, há uma profecia e que o evento ocorrequandoháprofecia.Lainperguntalhequemfazasprofecias,aoquea bonecajánãoresponde. Ocenáriomuda,apesardaacçãocontinuarnointerior do quarto de Lain,agora à noite.Através do Navi, escutase a notícia da interferência na sinalizaçãodacidadequeacabouporprovocaroacidentenocentrodacidade.

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Repentinamente, Lain encontrase novamente no meio da passadeira, no mesmosítioondeconversaracomDeus.Apersonagemagora,apática,segue caminhoeacabadeatravessaraestrada.Entregamlheumpacotedelenços. No mesmo cruzamento, surge a sua irmã a quem também entregam um pacote. Ela não faz caso e virase, ao ser chamada. Um rapaz muito novo pedelheanamorar.Aopassarporelecomdesprezo,sujasecomabebidado rapaz e abre o pacote de lenços para se limpar. No lenço que tira lê a mensagem“Ooutroladoestásobrelotado.Osmortosnãoterãoparaondeir”. Elajulgatratarsedeumapiadademaugostoedescartaamensagem.Ouve comentários cujo fundamento não entende e apercebese que está no meio dumapassadeiracomosinalvermelho.VêLaintambémnamesmasituação, quemurmuraalgo.Viracostasàirmã,quejulgaestarlouca,eolhaparacima paraummonitorgigante.VêinterferêncianeleerepentinamentesurgeLainno ecrã. Retomando o espaço do quarto, nos tons cinza e sépia, Lain tem perante si uma máscara tribal (imagem 5.3) que lhe diz que a profecia está quasecumprida.Laincontesta,dizendoqueentãonão será uma profecia. A máscaradiscorda:aHistórianãoéumacolecçãolineardemomentosquenós passamosnumalinhatemporal.Prossegue,explicandoqueessesmomentos estão ligados por uma linha, ou que, para dizer mais correctamente, esses momentos foram feitos para estar ligados. A heroína questiona quem os conecta.Amáscaranãoresponde,massurgeumplanodasuairmã,oque indiciaquenestahistória,éairmãaresponsável por ligar esses momentos, essespontos. Nacenaseguinte,naescola,Lainéchamadapelascolegasàportada sala que lhe perguntam como é que ela conseguiu fazer algo que elas não chegam a mencionar. Lain não percebe de que falam e as amigas ficam confusas,umavezqueaheroínaandavaaexplorarascapacidadesdoNavi. Emcasa,ouvesedoNavianotíciadequesedeuinícioaumainvestigaçãono caso da anomalia do sistema de informação que tinha provocado o caos no centrodacidade,quetalactoseriamuitoprovavelmente premeditado e que tendoemcontaaimportânciadaredenãosóparaacidademasparatodaa sociedade,talactoéequiparadocomalgoqueaemissãonãochegaaexpor, poisvoltaasurgirafacedeLainnoecrãdoseuNavi.Segueseumtravelling

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deumarede,dandoaideiadequeLainestádentrodarede.Terminacomum fadeoutanegro. Numrestaurante,Arisuqueixaseàamigadorecebimentodespamna suacaixadeemail.Asamigasjáconhecemospam:“Concretizaaprofecia”. Arisu suspeitava que se trataria dos Knights a divulgar tal mensagem. As demaisnãoconhecemogrupo,masArisuexplicalhestratarsedumgrupode superhackers,masqueoshackersnãotrabalhamemgrupo,oqueindicaria quepoderianãoserumgrupoespecífico,maspoderosodentrodaWired.Arisu confessanãosentirqueosKnightsofaçampordinheirooupordiversão. Retomamos a acção no quarto de Lain, nos mesmos tons que têm marcadoesteepisódio.Destavez,éasuamãequeestáàsuafrente(imagem 5.4).AmãedizlhequeérazoávelpensarnaWiredcomoacamadasuperior do mundo real, que por outras palavras a realidade física é apenas um hologramadainformaçãoquecirculanarede.Istoporqueaactividadecerebral dumcorpohumanoéapenasumfenómenofísicocausadopelassinapsesque provocam impulsos eléctricos. A explicação continua quanto ao corpo: este serveapenasparaconfirmaraexistênciadapessoa.Aheroínaperguntalhe, confusa,seelaéasuamãeeafiguradesvanecesse. Àmesadejantar,airmãobservaafamíliainexpressiva e pergunta a Lainseelanãoestevenacidade.Lainnãochegaarespondereairmãdizpara esquecer.Atravésdocopocheio,observaoreflexo,ederepenteencontrase denovonomeiodapassadeira,nacidade.Elaolhaparaquemaobservavano passeioeaspessoastransformamseemfigurascorporaisabstractas.Ofade out acaba por mostrar, no final de cena, a jovem no meio de um estranho símbolo(imagem5.5). Airmãestáagoranumrestaurante,sobressaltadacom tudo o que se movimente.Olhaemvoltaparaolocalmovimentado,etentaabriratampada bebida. Dos nervos, entornaa (imagem 5.6). O líquido começa a formar palavras com a mensagem “Concretiza a profecia” (imagem 5.7). Entra em pânicoeorestauranteficaimediatamentevazio.Volta a surgir um ecrã com interferência. Ela corre para a casadebanho, onde diz que àquela hora deveriaestarajantarcomafamília.Aluzapagaseeabreseumadasportas. Ela entra e a porta fechase atrás de si, com a mesma mensagem escrita váriasvezesavermelhonoseuinterior(imagem5.8).

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VoltamosaLaineaoquartosépia,ondeagoraestáopai.Lainpergunta lheseeleéoseupai(imagem5.9).Opairespondeoutracoisa.Quepoderá ser que o que flua naWired não seja apenas informação eléctrica. Que se assumirmosquefoiodesenvolvimentosdostelefones e da electricidade que formaram a Wired, que então se questiona se outro mundo não foi criado simultaneamente.Nestemundo,Deusexisteapenasenquanto conceito. Mas quenaWiredpoderáhaverumDeusencarnado.Nãosabiaseseriacorrecto chamálodeDeusounão,masquepelomenosteriaomesmotipodepoder queoquevemescritonosmitos.LaindizquepoderáterfaladocomDeus,ao queopaiexplicaqueépossívelqueoDeusdaWiredtenhajápodersuficiente paraafectaromundorealemalgunsinstantes.Sobaformadeprofecia. Airmãchegaacasa,exausta.Sentasenochãodo hall. Surge outra irmãvindadacozinhaqueolhaparaela.Lainsurgetambémvindadacozinha eperguntaàirmãquesaiudamesmadivisãooquesepassa.Airmãdizlhe paraelaesquecer.Lainolhaparaohallevêumafigurafemininacristalinaque desaparece(imagem5.10).Lainentranoquarto.Esteestátotalmentealterado, sendoumninhodefios,ecrãseprocessadores.LainperguntaaoNavi“Quem éhoje?”.

Layer: 06 – Kids

Início citadino habitual. A voz diz “Se as pessoas se conseguem conectar entre si, até a voz mais pequena crescerá. Se as pessoas se conseguemconectarentresi,atémesmoassuasvidasserámaior.Portanto...” Otravellinginiciaacena,acompanhadapelo hummingnoise .Aacção decorre à noite. Na casa de Lain, o pai aproximase do quarto da filha e ao pedir permissão para entrar fica surpreendido com a tecnologia que envolve Lain,queseencontranofundodoquarto.Lain,àfrentedoNavi,encontrase comumsorrisodeconforto.Noecrãsurgeapalavra“coma”(imagem6.1).Do outro lado, na Wired, a heroína encontrase num ambiente muito luminoso, dandoa sensaçãode imaterialidade.Apersonagemfala com o computador, dizendo que já verificou aquele registo há já algum tempo e que mal pode esperarpelolançamentodopróximoprotocoloeque,quandoissoacontecer,

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elapoderiafazermais.ElaperguntaporquesãotãobonscomelanaWired, uma vez que não tem muitos amigos. As respostas que lhe são dadas são imperceptíveispoisapenasseouveumsomsempalavras.Laindáumnome aos sons: Knights. Ouvese um “Sim, pois!” na transição de planos. O tom irónico que é possível entender nessa exclamação indicia que os amigos cibernéticosqueLaintemagorasãofalsosamigos. Voltamosaumapanorâmicadoscabosqueatravessamacidadeeao humming noise . A caminho agora da escola, Lain vê um menino de braços estendidosaoar.Elaolhaparacimaesóvêcabos. Na escola, Lain encontrase distraída com o seu Navi portátil, mas é interrompidapelascolegas.Arisuchamaaàatençãodequeelaestáavoltar ao seu comportamento antigo, em termos das relações interpessoais. As colegasincentivamnaasairnovamentecomelas,explicandoqueavidajáé suficientemente deprimente para se estar sozinho. Lain responde que ela nunca está sozinha porque vão sempre vêla (na Wired). Reika contesta, defendendo que um amigo virtual não é o mesmo que um amigo real. A preocupaçãodeArisucresce,aovertantosecretismoesolidãoemtornoda amiga. Lainvisitaabaixadacidadecomasamigasemostraalgumaanimação comacompanhia,masobservamomentaneamentecomatençãoumdosecrãs gigantesdacidade.Nomeiodopasseio,surgenovamenteacriançadebraços estendidosaocéu.Maistarde,aosaíremdumasuperfíciecomercial,elarepara novamenteemalgumascriançasquetambémacabamporestenderosbraços. Nocéu,observaseasilhuetadeLain,comosesetratassedeumaaparição divina (imagem 6.2). A particularidade deste fenómeno é que não é apenas Lainqueconseguever,mastodososqueestãoporperto,incluindoArisu. Estarepresentaçãodivinadapersonagempodeserinterpretada como uma metáfora à adoração do virtual. Recordando o pensamento de Régis Debray, o Homem, ao criar cada vez mais dispositivos, se por um lado possibilitamaisformasdeolhararealidade,poroutromenoscontrolohásobre oquesevê,peloquequemolhasetornapassivo.Aimagem,aindaqueforjada peloHomem,tornasedivinaaosseusolhos 14 .

14 «Laservitude,c’estlerenversementparl’hommedumédiatiséenimmédiat.Oudecequi dépenddeluienquelquechosed’indépendantetdetoutpuissant.Lesujetreçoitcomme

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Jáemcasa,aocairdanoite,airmãmaisvelhavêtelevisãoenquantoa mãelhedizqueelatemvindoparacasacedo,aocontráriodairmãmaisnova. Ela apresentase sem qualquer tipo de semelhança ao que era no início da série, aparentando estar sem qualquer tipo de consciência, num estado vegetal. Lain chega entretanto a casa e vai directa para o quarto. Este está cadavezmaisdesenvolvido.LigaseàWiredparaprocurarrespostas.Dentro daWired,umabocagigante(imagem6.3)dizque,sendoelaLain,queelatem algo de diferente para se traduzir tão bem do mundo físico para o mundo virtual. Os dois entram numa conversa elusiva ao momento do gato transparente (Cheshire cat) de Alice no Mundo das Maravilhas. Lain mostra poucapaciênciaepedeinformações.Abocagigantedizqueseaajudar,ele ficará muito conhecido entre os seus utilizadores locais. Lain dizlhe “Menos ruído, mais sinal”. Pede informações sobre o jogo online para crianças. Nos resultadosdasua“pesquisa”,Laindeparasecomum cientista assassino de crianças,oProfessorHodgeson.Estecientista,nomundoreal,estáestánum hospício privado, a viver os seus últimos dias. A boca aconselha Lain a perguntaraocientistaporKIDS. Faremos agora uma pausa na narrativa audiovisual de Lain. A comparaçãocomocontode“AlicenoPaísdasMaravilhas”,deLewisCarrol, surgeexplicitamentenestemomentocomacríticaqueapersonagemprincipal fazaoslábiosfalantesdaWired.NocontodeCarrol,Alicepededirecçõesao gatodeCheshire,poisprocuraumacuraparaasuadiminuiçãodetamanho. Aliceencontrasenumsonho,poisadormeceraaoladodairmãmaisvelhae, quandoacordou,percebeuquenadadaquiloqueviraerareal.Lain,poroutro lado,estáconscientedequedentrodaWirednãosetratapropriamentedoreal eprocuranelainformaçõesquealevemaconclusõessobreoquesepassa emseutorno 15 .

implacableetnaturelcequiestartificiel,construitpassespropresdispositifs.Ilprendpourobjet àpercevoir,passivement,ceparquoiilperçoitactivement.Ils’ignoredonccréateur,sourcede sesimages(commehierdeDieuoulavérité).Elleslui«tombentdessus»commelagrêleou l’oragequandc’estsonpropresystèmedereprésentationquiles«lancées».Mécanisme classiquedel’aliénationetdelatransformationd’unelibertéenmythe.Maiscequis’extravertit etsesublimeici,nonplusdansl’idéedeDieumaisdansl’imagediviniséeetmythifiée,n’est pluslad’unsujetmaisunemachineriesociotechnique.»in Vietetmortdel’image: UnehistoireduregardenOccident (1992) 15 Toda a série está, de facto, interligada com outras obras que serviram de inspiração aos autoresdesta.Nãosó“AlicenoPaísdasMaravilhas”,mastambémaobradeProust,quando

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Numas ruínas altas, com uma paisagem exótica, Lain encontra o Professor acamado (imagem 6.4). O Professor dizlhe que ela parece muito real. Ela perguntalhe directamente o que é KIDS. O Professor não lhe responde, expressa a sua satisfação por estar num local assim, enquanto espera que o seu corpo morra no mundo real. Lain não liga aos seus comentárioseperguntalhedirectamenteseelenãosabiaoqueseandavaa passareoqueéKIDS.OProfessorvoltaafalardolocaledanoçãodetempo ser diferente: o tempo passase bem naquele sítio, como se durasse para sempre. Lain pede, quase ordenando, ao Professor para lhe mostrar a experiênciaqueelefezemtermosdedados15anosantes.Eledefendeseao afirmarquenuncafoisuaintençãocolocarqualquercriançaemperigo.Ajovem explicasemelhor:elaestáseareferiraojogoeaofactodojogoreproduzira experiência do Professor, de há 15 anos atrás. Ele explicalhe que alguém recuperou a informação que ele havia destruído na altura. Kensington Experiment–onomedadoàexperiênciadoProfessor Hodgeson. Ele conta quequasetodasascriançastêm“Psi”,ouseja,capacidadesparapsicológicas, apesardeemmuitasserumacapacidadefraca.Essascapacidadesnãosão tão chocantes como as capacidades paranormais, tratandose apenas duma intuiçãomaisaguçadaouacapacidadefísicadedobrarumamoeda. Entretanto,duranteaexplicação,vamosobservando algumas imagens do laboratório onde estavam as crianças, e Lain pergunta o que era aquele dispositivonacabeçadascrianças.OProfessorrespondequesãoreceptores externos,querecebemoPsi.OPsitodojuntoéportantoarmazenadonaKIDS, pois o Psi de cada criança é fraco, mas todo junto conseguiria fazer algo inimaginável. O Professor acredita que a ciência não se baseia apenas em provarhipóteses,oqueLaincondenadeimediatoporelenãotertidoemconta todasaquelascrianças.OSistemaKIDconvertiaasondaselectromagnéticas docérebrorecebidaspelosreceptoresexternoseaumentavaasfunçõesduma áreaespecíficadocérebro.LainperguntaoqueaconteciaquandotodasasPsi fossemcombinadas.ÉpossívelcompreenderatravésdareacçãodeLaineda explosãoqueoresultadofoiamortedetodasascriançasenvolvidas.Apósa catástrofe,oProfessordestruiuosistemamasosplanosforamrecuperadose nofinaldasérie,afigurapaternaldeLainlhefaladasmadalenasedochá(queparaProust funcionavacomoumgatilhoparaamemória)

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espalhados pela Wired. Resumindo, com os planos e um “update” dos mesmos,estesmanifestaramofenómenosemanecessidadedosreceptores externos,equesetratadumgrandeavançoconseguirtalatravésdasimulação do jogo. Lain censurao por admirar os avanços que fizeram com KIDS. Ele respondequepormaisquesetormentecomoqueaconteceu,ascriançasnão conseguemvoltaraomundoreal.Equerelativamenteànovageraçãoqueusa esta simulação, menos poderá fazer por elas. O Professor tenta terminar a conversar, dizendo à Lain que se existir um Deus na Wired, que ela será abençoada,poisémuitopoderosa,apesardelenãosabernoqueéqueLain setornará.ALainperguntasobreosRogues,queoProfessormencionanas suas últimas frases, mas ele afirma estar cansado e que o seu corpo se desgastoufinalmente. Aovoltaraomundoreal,noseuquarto,Laindemonstrarevoltapeloque faziamàscrianças.Asmáquinasquearodeiamentramemsobreaquecimento, e no tecto surgem novamente as luzes vermelhas. Os homens vestidos de negro estão na sua rua e a heroína sai a correr para ir ao seu encontro. PerguntalhessesãoosKnightsquando,derepente,háumaexplosãovinda doseuquarto.Elesexplicamqueosistemaderefrigeraçãofoisabotadopor umparasitabombaequenãoforamelesqueprovocaramoincidente,massim osKnights.

Layer: 07 – Society

O episódio iniciase comum pedido de segredo,pela vozoff. Segreda queirádizeroquesepassanasociedadeeoqueseestáainiciar,sóporque nãosabemos.Partindodoprincípioqueavozoffsedireccionaaoespectador, também poderemos tomar esta indicação como uma referência histórica ao Japão,eatentativadeesqueceropassado. AvistandooprédioondemoraLain,como hummingnoise comofundo sonoroparaacena,háumrolodecaboseléctricosqueparecemterrebentado a parede ao lado da janela (imagem 7.1). No interior, imagens holográficas pairam no ar em torno da personagem, que fala com alguém na Wired. Conversa sobre a Lain daWired, e sobre o facto dela ser cada vez menos idêntica à Lain real. Esse alguém com quem fala avisaa de que a sua irmã

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estáàportadoquarto.Estabalbuciapalavrasimperceptíveisqueairmãmais novanãoentendeeacabaporcomentarparaaWiredqueMihoandacomum comportamentomuitodiferentedohabitual. Seguidamente,apercepçãodoespectadorépuxadaparaointeriorda Wired,atravésdoolhardealguémquenaveganela(imagem7.2).Essapessoa dizqueomundorealeomundovirtualestãoligadospontaapontaequeele poderá existir em qualquer parte. Independentemente da localização do seu corpo,asuaconsciênciapoderáiraqualquersítioquedeseje.Estehomem, Nezumi, que tece estes comentários é apresentado como uma pessoa que andapelarua,comumamochilaedispositivosqueopõememligaçãocoma Wired. A sua apresentação aponta para um caso extremo de ligação e de psicose(imagem7.3e7.4)16 . Passamosparaumespaçointerior,numescritório.Umasecretáriaavisa oexecutivodeumbanquete.Este,diantedocomputadorqueacabadereceber umemail,respondelhequeirádescerdaíatrêsminutos(imagem7.5).Surge no ecrã o símbolo onde Mika estava no momento da sua alucinação. O executivosorrimaliciosamenteeperguntaquejogoquererãojogardestavez. Nasaladeauladocolégio,LainnaveganoseuNaviportátil,queagora temumaapresentaçãomaiscomplexaemtermosdeinterface.Arisuapercebe sedadistracçãodaamigaeficapreocupada. Com o humming noise a evidenciarse de novo, é apresentada a habitaçãocaóticadeumhomemobeso,quejogadeitadoemcimadumacama, comorostoexcessivamentepróximodoecrã(imagem7.6).Como wallpaper , temosímboloqueviramosantes. Do topo do prédio do seu colégio, Lain observa os cabos que atravessamasruas.Pensaparaconsigomesmaqueo mundo real não tem nadadereal.Arisuchamaaeperguntalheseestá bem, pois tem reparado que Lain se tem descuidado. Explicalhe que as saídas com as restantes serviam para a fazer feliz, mas que se não resultou que pede perdão. Lain reageedizdeimediatoquenãoénadadisso,equesedivertiasim.Àaflição deLain,Arisupeganasuamãoedizficarfelizporosaber.Elavaiseembora

16 AdrianaAmaral,nasuadescriçãodacidadecyberpunk,referePrungnaud(1997)quantoaos loucos que vagueiam: «Prungnaud (1997) acrescenta que a loucura passa a ser um atributo dasgrandescidadescomosloucosperambulandoporsuasruas,aumentandoassimoclima deterroredecadência.»(Amaral,2005:6)

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eLainobservaasuamão.Chamaaeagradecelhepelapreocupação,aoque Arisudizqueéparaissoqueosamigosservem. Uma reportagem corta o fluxo narrativo, com um estilo de imagem diferente.AvozoffexplicaqueafirewalldoCentrodeControlodeInformação doServiçodeInformaçãofoicorrompidoedestruídoporalgooualguémeque a informação na Wired está em total desordem e que tal reportagem é do momentomasquepoderiaservistanodiaseguinteounodiaanterior,eem simultâneo passam imagens tipicamente japonesas, de paisagens naturais e respectivafauna. É feita a ligação à Wired, que é já identificável pelo som de notas decrescentes, bem como pelas imagens apresentadas, de palavras e frases dispersasnumfundopixelizadoeescuro.ComentasequeforamosKnightsa provocar o problemanaWired. Surge uma janela explicativa do que são os Knights. Do Eastern Calculus , os Knights terão uma grande influência na Wired, não são identificados os membros do grupo, não estão envolvidos apenasnamanipulaçãodainformaçãonaWired,tambémestãoenvolvidosno desenvolvimento e distribuição de dispositivos de informação ilegais. Alguém comenta que andam atrás de Lain. A janela explicativa não demonstra resultadospara“Lain”.ContinuamacomentarLain,nosentidoemqueelanão temestadopresentenaWired.Maisperguntassurgemsobreaheroína,sobre quem ela é. As respostas apontam para uma rapariga, poderosa na sua metamorfose,nasuaforçadevontadeenoseupoder,naluznosseusolhos, na sua existência. O momento é interrompido depois de surgir a pergunta, nestediálogo,seumdosintervenientesseriaumKnight. Umadonadecasarecebeumaencomendacomosímbolo (imagem 7.7).Ofilhoperguntalhesepodeiracasadeumamigojogar,aoqueamãe respondeporquenãoofazempelaWired.Ofilhoexplicaqueoamigovailhe explicar como se joga. A mãe, enquanto desembrulha, diz que a Wired e o mundorealsãoomesmomundo. Lainchegaacasaevêocarroescuroàporta.Os homens de negro pedemlhe queos acompanhe, semforçar, pois tratase de um pedido. Eles explicamquenãotêmintençãodeamagoarfisicamente.Lainquestionaquem sãoeles,aoqueelessepredispõemaexplicarseelaosacompanhar.

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Devoltaaohomemquecarregavaamochila,comumdispositivoocular deligaçãoàWired,esteagoraencontraseaflitopoisnãoquerestarondeestá e que está a quebrar a fronteira entre o real e aWired. Identificase como capazparafazerpartedosKnights.Elesaparentementeaceitamnoedeixam noentrarnoseucanal.Aoentrar,avistaLain. Entretanto Lain chega a um edifício, aos Laboratórios Gerais de Tachibana,maisexactamenteoescritótiodeShinbashi.Nointeriordadivisão, um homem pede a Lain ajuda para fazer com que a firewall do escritório reconheça um computador antigo, culpando a idade da máquina da sua ineficácia. A heroína aproximase e resolve o problema a pedido do senhor. LigaocomputadoreeleconectaseàWired.Alguémdooutroladopergunta exaltado a Lain se ela era afinal uma Knight. Esse alguém é o homem da mochila.OsenhordizaLainquealgunsdizemnãohaverbarreiraspoliticasna Wired,comohánomundoreal,masqueháanarquistaseidiotasquejulgam queaspartidassãoumarevolução.MasqueosKnightsnãoseintegramnem nunsnemnoutros.EqueelenãosabeoquantooqueLainfazéintencionalou não,equeasuapresençanaWirednãoénatural,daídespertarointeresse dosKnights.Lainteráestadoemcontactodirectocomelesadadoponto,eque elesaquererãousarparaalgo,situaçãoaevitaratodoocusto.Lain,quese encontraempânico,perguntalhequeméele. Ohomemdamochilaprossegueasuacatarsesozinho, dizendo que seguirá então a liderança, e que se acreditam em Deus na Wired assim acreditarátambém.QuestionaseporémseDeusestará realmente naWired, mas recua pois não se sente preparado para crer em tal. Predispõese a aprendermais,assimodeixemjuntarse.OsKnightschegamesão,afinal,a donadecasa,oobesoeoexecutivo. RetomandoaoescritórioondeLainseencontra,osenhordizlhequeo seunomenãotemqualquerimportância,equetalcomo ele, os outros dois tambémnãotêmnome.EleperguntalhefirmementeseelaeaLaindaWired sãoamesmapessoa,queméela,seosseuspaissãorealmenteosseuspais, se a sua irmã é de facto a sua irmã, quando é o aniversário do seu pai e tambémdamãe,quandosecasaram,seseconheceramousefoiarranjado, porqueéqueelanãosabe,porquenuncaperguntou, se nunca celebrou um aniversárionemquandoeramaisnova,quandoéqueelanasceueonde.Lain

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entracadavezmaisempânico(imagem7.8),sóconseguindo balbuciar, até que se levanta e o manda calar, numa reacção precisamente oposta à que tinha no início do questionamento (imagem 7.9), e dizendolhe que nada daquilotinhaimportância.ElatornouseaLaindaWired.Osenhordizlheque seelaconseguiuestaralisemqualquerdispositivo,queentãoabarreiraentre omundorealeaWiredseestáacomeçaradesfazer.ALain,agoradaWired, parecelheserinteressante.Aosair,umdoshomensdenegro,Karl,agarraae dizlhequeelaéumperigo. Adonadecasadesafiaofilhoparajogar.Háumcloseupdodispositivo quereceberamaiscedo,estandoesteagoraqueimado. O homem da mochila surge no chão, perto duma estrada, aparentementemorto.Osímboloaparecenoecrãdoseudispositivo.

Layer: 08 – Rumors

Anarrativadesteepisódioiniciasecomumaquestãolançadapelavoz off:“Doyouwanttobehurt,too?”.Estafraseéumareferênciaaosprimeiros episódiosemqueChisaapareciaeeramencionada,recordandoointertítuloda pergunta de como era morrer. A vozoff continua, sussurrando se se deseja sentirocoraçãoaserraspado.Sesim,paranãodesviaroolhar. Oespaço,pixelizadoecomeco,éclaramentenaWired,ondeumadas crianças,Taro,falacomLainsobreDeusenquantojoga.Elediznãosaberse existeounãonaWired,masqueparaoutilizadorissotambémnãoimporta. Lain perguntalhe qual o divertimento de matar outros jogadores, ao que ele respondequeninguémsabeoqueédivertidonemporquê. Noquarto,LainpesquisasobreosLaboratóriosGerais Tachibana, ao quedentrodaWiredsetransportadojogoparaumazonadepesquisa.Num ambiente quase surrealista são dadas informações (imagem 8.1). Os laboratórios não fariam algo ilegal, e que a troca de informação é possível devidoaoprotocolo,aquelequenosesquecemosqueexiste.ExplicaseaLain queoprotocoloactual,desextageração,estáaatingiroseulimite.Controlaro protocolo significa controlar a Wired. A evolução desses protocolos está

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constantemente sob ataque dos laboratórios, chega a personagem à conclusão. Jáemcasa,Lainencontraairmãapáticaeaindaabalbuciar.Dirigeseà cozinha, onde encontra os pais sentados e sem reacção. Ela falalhes das perguntasquelhefizeramnoescritório,aoqueospaisnãotêmrespostaenão reagem.Lainaindaperduraumpoucomaisnadivisãoeaovirarse,reparaque ospaisaolhamcomindiferença(imagem8.2). Ao chegar à escola, no dia seguinte, Arisu tocalhe no ombro. Lain pergunta,preocupada,oquesepassa.ArisuiniciaumquestionamentoseLain quefezalgonaWired.AoveraperplexidadenorostodeLain,Arisupressupõe quenãoaconteceunadaedizlhequeconfianela.AsamigaschamamArisuà atençãoparaumprofessorqueentradecarro.Arisufoge,comvergonha. Nasaladeaula,aheroínanaveganaWiredeoespectador entra na atmosferaondeLainseencontranasuanavegação.Lainencontrasenomeio dumpavimentocomváriaspessoassemcarasàsuavolta.Possuemapenas boca,efalamsemparar(imagem8.3).Umavozfaladecontasapagar,outra falasobreoquãoincrédulaestáporumdadosujeitogostardecertascoisas indeterminadas.FalasetambémdumbugquehánoProtocolo6edoperigo que este representa para aWired. Outra voz menciona que todas as noites umapessoapequenasemelhanteaumacriançacomcamisolaàsriscasvaiao seu quarto. Lain acaba por calar as vozes, uma vez que nada daquilo era importante.Umavoz,noentanto,falacomLain.UmavozqueLainprocuraria. ElaafirmaqueDeusfezfinalmenteasuaaparição,aoqueavozperguntalhe comosedefine“Deus”.Seforocriadordomundo,nãosetratadele;seforo todopoderoso do mundo, então Lain dálhe demasiada importância. Ela perguntalheondeéqueeleestá,maselenãorespondeeprossegue:seela definirDeuscomooqueexisteemtodooladonooutromundo,entãoeleserá Deus,apesardeterapenasumaligeirainfluêncianomundo.Àperguntaquem éele,elerespondequeéaLain(“Iamyou”)equeelajádeveráterpercebido queaoutraLainsempreexistiunaWired.Elaseráumhologramadessaoutra Lain.Queelaéapenasumcorpo.Elaperguntalhese ele acha que ela vai acreditarnisso,etaiscoisassãoimpossíveis.Elevoltaaperguntarseelaacha queaLainrealeaLaindaWiredsãoamesmapessoa.Lainficaconfusaediz queelaéela.Eregressaàsaladeaula.Recebeummailquediz“peepingtom”

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(imagem8.4),ouseja,voyerista.Fogedasalaetodoscontinuamaobservála portodooladodaescola.LaincomeçaachamarporArisu.Surgeumpequeno fragmentodaWired,ondeLainsevolta,maséimperceptívelporquesorri. Lain, no mundo real, escondese nas traseiras exteriores da escola e perguntaseasimesmaoquefeznaWired.Arisuenvialheumamensagem paraquenãosepreocupecomosrumores.Nessemomento,Lainfazeclodir umaexplosãoesurgeumaimagemvirtualde“searching”(imagem8.5). EmcasadeArisu,estafantasiacomoprofessorquandoseapercebede Lainsentadaemcimadasuacama(imagem8.6).Laincomeçaafazerpouco deArisu,queficaemchoquequandopercebequeosrumoreseramverdadee quetinhasidoelaacontaratodaagente. Entretanto,aLainrealestádeitadanoquarto,em pânico. Ouvemse curtocircuitos, instantes de sítios conhecidos. A figura de Lain aparece num cenárioescuro,comumasombramanchadaaemanardoseucorpoecabos desemovimentam(imagem8.7).OcorpodeLain,comofatodeurso,surge numapaisagemdecéuecabosparaserencerradano escuroqueaengole (imagem 8.8). O fato desaparece e a sua pele tornase uma transparência multicolorida(imagem8.9).Naescuridão,surgeaLainqueaindaseencontra sentadanacamadeArisu.ALainqueconhecemosperguntalhequemelaé,e dizlhe que ela não ela mesma. Nunca faria as coisas que aquela que se apresentaagorafaz.Questionaaporqueéqueelaandaacomportarsecomo apartequeelamaisodeiadesimesma.ElacontinuaarirseeLainaproxima se e começa a tentar sufocála (imagem 8.10). Com desprezo e ironia, respondeaLainqueestáacometersuicídio.Laincontinuairritadaeinterroga a porqueé que o seu corpoé quentee porque é que tem de sentir a sua pulsação.AestranharespondelhequeéLain,aoqueaheroínanega. OpavimentoondeLainestiveraaconversarcomDeusdaWiredvoltaa sercenário,masagoraoscorpostêmacabeçadeboneca de Lain, que se movemrepetidamente.Lainperguntaquecoisassãoaquelas,aoqueDeusda Wired responde serem todos eles ela, tal como ele tinha dito ela sempre existira na Wired. Ele cria agora uma forma metálica disforme, como representação física na rede (imagem 8.11). Ela também é omnipresente na Wired,pelaubiquidadeassociadaàsredes,eviuoqueosoutrosnãoquerem quesejavisto.Todossaberemfoiomaisacertadopoisainformaçãodeveser

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partilhada,propõeàLain.Paraaheroína,tudooque ele diz é mentira, pois ArisueoutrosviramnanaWiredquandoelanãoestavalá.Parasedefender, Laindizqueenquantoestiverconscientedesimesma,queoseuverdadeiro Euestarádentrodesi.Quantoaosbonecospresentes,Lainperguntalheseé supostoelesseremela,equeestesnãopassamdelixo.SeLainéoqueele dizqueelaé,entãoelatemacapacidadedeapagarainformaçãodequeela osesteveaver,chegaaheroínaàconclusão.Eledizqueseráverdade,seela nasceucomessetipodecapacidade.Oecrãsurgecom “Deleting” (imagem 8.12). Lainchegaaocolégioeobservaasuasombra,que se apresenta da mesma forma como no primeiro episódio. As colegas aproximamse de si, normalmenteecontente.Lainquestionaseseseterãoesquecidodetudo.Mas outraLainsurge,doprecisolugarondeseencontraeestacorreemdirecçãoa elas.ALainqueoespectadoracompanhaéignorada.Aoutradizlhequese LainéLain,entãoelaéela. Emcasa,LaintocanoecrãdoNavi.Lainperguntalhe se ela é ela mesmo.

Layer: 09 – Protocol

AvozoffiniciasecomotemadadoredeDeus.Quesequeremosser livresdedor,devemosacreditar,equequerqueiramosquernão,Deusestará aopédenós. Decorremimagensalgogastascomotempo,comosesetratassemde imagensdearquivo(imagem9.1).Avozoffexpõefactos:aquatrodeJulhode 1947, uma estranha nave despenhouse no deserto do Novo México, na América; o que aconteceu ainda hoje está para provar, conjectura tornouse factoerumortornousehistória. O humming noise convidanos a voltar a Lain. A heroína encontrase vestida com o seu fato de urso, sentada na cama, com uma expressão de grandetristeza.AlguémabreaportadoquartoeLainespreitaquemé.Surge um extraterrestre cinzento com uma camisola verde e vermelha às riscas (imagem 9.2), que lhe sorri e desaparece. Aqui envolvemse as teorias conspiracionistas,tornandoaficção,portanto,científica,envolvendoelementos

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que existem na nossa realidade mas que ainda não foram comprovados, estandonumlimboentreafantasiaeoreal.Estetipo de elementos traz as narrativasmaispróximasdoespectador,queacabaporperderanoçãodoque seráverdadeiroapenasdentrodanarrativaouoqueé,defacto,verdade.Este jogo,emqueaatençãodoespectadoremmuitoinfluencia,dependedaforma comoéconstruídaahistórianoaudiovisual.Oquesesegueajudafundiroreal comofantasioso... Voltando ao formato anterior de documentário, a vozoff masculina explica: em 1984, um envelope chegou à casa do produtor televisivo Jaime Shandera;anónimo,oenvelopecontinhaumrolodefilmeporrevelar,eesse filmeeranaverdadeochamadodocumentoMJ12;RoscoeHillenkoetter,chefe da CIA na altura do incidente de Roswell, estava no topo da lista de 12 membros, constituída por ordem do presidente norteamericano, que teriam feitoum tratado comextraterrestes;é aceite quea assinatura do Presidente Truman fora copiada de outro documento; um dos membros do MJ12 era VannevarBush,chefedodepartamentodeEngenhariaEléctricadoMIT. AexplicaçãoéinterrompidaevoltamosaLain,queseligaàWired.Ela procura saber como poderá tornar algo que aconteceu em algo que não aconteceu.AsformashumanóidesaquemLainsedirigiaconheciamnamas elanãoosconheciaaeles,oqueadeixouconfusa.Umadasformasexplica lhequenemsempreainformaçãocorreemambosossentidos,quedesdeo momento da criaçãodaWired que Lainali existe e que alié livre. A heroína enervaseereclamaqueelanãoéaoutraLain.Seumserélembrado,então farápartedeumagravação,explicaumadasfiguras,depoisdecalaroutravoz. Pordetrásdaheroína,umafiguradevozfemininadizquenãofazsentido,que elaésóumacriança,sendomaisnovadoquepensam.Lainvoltaairritarsee pedeparaquenãosepreocupemconsigo. Retomando a explicação documentária, explicase que o conceito da memóriaexpansivaMEMEXfoimostradoporVannevarBushem1945 17 .Um sistemaondeainformaçãoeragravadaemmicrofilmeeprojectadanumecrã translúcido. Bush visionava a compressão e rápido acesso da informação,

17 Vannevar Bush nasceu em 1890, e faleceu em 1974. É considerado o pai do hipertexto, apesarterfalecidoantesdoaparecimentodaInternet.ConcebeuoMEMEXeoseuartigo,“As wemaythink”,serviudeorientaçãoparaoutrasfigurascomoTedNelson. Fonte:http://www2.iath.virginia.edu/elab/hfl0034.html(últimaconsulta:Junhode2013)

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criando a base para o multimedia actual, mesmo antes da existência de computadores, enquanto liderava as experiências do Manhattan Project (bombaatómica). Na discoteca Cyberia, o conhecido de Lain chamaa e dálhe um envelopequeelateriadeixadocairnodiaanterior.Elaficaconfusa,masaceita oenvelope.Aoabriromesmo,encontraumchipcomosímbolodosKnights. No documentário, conduzindo experiencias de privação sensorial, utilizando narcóticos dos nativos americanos e tanques de isolamento para provar o inconsciente humano, John C. Lilly acreditava que as suas experiências o ligavam a entidades cósmicas maiores através duma comunicação em rede 18 . Apelidouas de E.C.C.O. (Earth Coincidence Control Office)eposteriormentecomeçouatrabalharnacomunicaçãocomgolfinhos, sendoestescapazesdeconduzirumaredeamplaatravésdaáguaporondas ultrasónicas. Nadiscoteca,Laindirigeseàstrêscrianças,natentativademarcarum encontrocomorapazcomquemhaviafaladoanteriormentesobreaPsyche. Taro dizlhe que sairia com a outra Lain, mas Lain garantelhe que são a mesmapessoa. Lain leva Taro para o seu quarto. O jovem fica impressionado com o avanço tecnológico do Navi personalizado da heroína. Lain pedelhe que se senteemostralheodispositivoquerecebeudosKnights. Perguntalhe se é elequemfazpartedosKnightseTaroespantaseaoverqueaLainquevêéa Lainreal.Ashōjo dizlhequenãosabeseexistiráoutranaWiredounão,mas quedecertezanãohaveráoutranomundofísico.Aoutracomcorpoapenas teráaparecidonadiscoteca.Perguntalheseelesó precisademanipular as memórias das pessoas lá, ao que Taro se tenta esquivar e cai. A heroína mandaoNavitocaraTrack44.Nopisodebaixo,ospaisdelaescutameopai comenta que está quase a acabar, finalmente, e a irmã, sentada no chão, continua no mesmo estado, finge pegar num telefone e diz estar agora a comunicar.

18 John Cunningham Lilly nasceu em 1915, e faleceu em 2001. Investigou a consciência humana, concebendo um tanque de isolamento na década de 1950. As pesquisas deste especialista na área dos limites da experiência humana e da sua consciência levaram à discussãodenovostópicoscomo“thehardware/softwaremodelofthehumanbrain/mind,and theinitiationofworldwideeffortsatinterspeciescommunicationswithlargebraineddolphins”. Fonte:http://www.johnclilly.com/(últimaconsulta:Junhode2013)

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LaindáordemparaquepareamúsicaeinterrogaTarosobreosefeitos daqueledispositivo.Taronãosabepoisaindaéuma criança e não poderia, comotal,serummembroformaldosKnights.Lainpressionao,eeleresponde serumamemórianãovolátilquereescrevememóriasexistentes.Tarodefende os Knights ao dizerlhe que são utilizadores que lutam para que a única verdadesetornerealidade.Elaperguntalheoqueelequerdizercom“única verdade”,maselenãosabe.Taroacabaporabeijar. Retornandoodocumentário.Avozoffavançacoma explicação: Ted Nelson,queestudousobdoispioneiros,VannevarBusheJohnC.Lilly,propôs uma biblioteca electrónica gigante em satélites de órbita estacionária que poderiaserutilizadaemqualquerterminalnaTerra,sejaporviarádiooupor linhastelefónicas,denominadaXanadu,ondetodasasculturasescritasnunca se perderiam, que seria possível com o conceito de hipertexto. Ted Nelson seriaapontadocomooseucriador. Lain, num estado de transe, fala com o Navi e menciona “memory check”. Assim, recordase do momento em que foi levada pelos homens de negroasuacasa,eaapresentaçãoàsuafamília,acabandoporsereencontrar consigomesmanoquarto.Laincrêsertudomentira. Nodocumentário,explicaseagoraqueaTerratem as suas próprias ondas electromagnéticas, entre a ionosfera e a superfície terrestre há uma constante ressonância de frequência 8Hz na banda ELF, a que se chama RessonânciadeSchumann.Aextensãodoefeitodestasondasnoshumanosé desconhecida. A população humana está atingir o mesmo número de neuróniosdocérebro.DouglasRushkoffpropôsqueaconsciênciadaprópria Terra poderá ser acordada quando todos os humanos estiverem colectivamenteconectadoseaevoluçãodaredeseguiriaomodeloneural,da mesmoforma queno cérebro humano hásinapses, aTerra seria uma rede neural. Lainreflecteeafirmasóexistirumaverdade,equeessaéDeus.Aoque umavozresponde“Sim.Eu.”. Nodocumentário,opesquisadorMasamiEiridosLaboratórios Gerais Tachibana, avançou com a hipótese de uma rede neural mundial. A sua propostaenvolviaaexistênciadeumaredewirelessondetodaahumanidade estarialigadadeformainconscientesemousodequalquertipodedispositivo

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técnico, e acabou por codificar a Ressonância de Shumann e inserila no Protocolo 7 da Wired pela sua própria iniciativa. Após a descoberta, os LaboratóriosdispensaramEirieoseucorpofoiencontradonaslinhasférreas, nasemanaseguinte. Naúltimacenadoepisódio,Lainencontraumafiguramacabranarua. TratasedeEiriMasami,cujocorpoapresentafitasnegrasnaszonasondefoi cortado,naslinhasférreas(imagem9.3).

Layer: 10 – Love

Aaberturadoepisódioiniciasecomasimagenshabituais mas com sonsmaisprofundo.Nãohápresençadevozoff. “Apenasháumaverdade.Deus.”–afirmaLain,queaosevirar,nasua rua,vêEiri.Retomamos,portanto,aacçãodoepisódioanterior.Eiriouviuas palavrasditaspelajovemeapresentasecomosendoele,sim.Lainobservao. Surgemnovamenteasimagensdoincidentenaslinhasférreas.Elapergunta lheseeleéDeus,eeleconfirma.Eirilançaquestõesqueestariamaocorrerà heroínaaoverasuafigura.“PorqueéqueésDeus?Eunãoentendo.Estás morto, não estás? Um humano morto. Alguém assim não poderá ser Deus, pode?”.LainrecordaaspalavrasdeChisa,dadesnecessidadedepossuirum corpo e que a morte é apenas o abandono da carne e Eiri reconheceas. RecordaseomomentodosuicídiodeChisaeosintertítulosqueestiveramtão presentesnoiníciodasérie.Aheroínaassumequeprovocouumaevoluçãono protocoloquegovernaaWired,aoqueEiricertificaqueelaofezmasqueesse protocoloéapenasumacordo.Maselaassumeterincorporadoumcódigoque opera num nível mais elevado, havendo então informação comprimida misturada com o protocolo. Eiri pergunta que informação, Lain responde as suas próprias memórias humanas e também os pensamentos, história, memóriaseemoçõesdeEiriMasami.Esteperguntalhequalosignificadode tudo aquilo. Lain consegue viver para sempre na Wired enquanto entidade anónima e é capaz de o governar com informação. O homem mutilado perguntalhequenomesedevedaratalpessoa,aoquearespostaéDeus. Maselecontestaquetalnãoexiste.Aheroína,quefaladeumaformaalterada como se estivesse dentro da Wired, assume que mesmo que ela fosse

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omnipresente e conseguisse influenciar os outros, sem que ninguém a idolatrasse, que não seria nenhum Deus. Ele confrontaa com o tópico dos Knights,eposteriormentedizlhequeelanãoprecisadumcorpo.Lainreagee exclamaquetalémentira. Nocolégio,aoentrarnasala,a shōjo reparaqueninguémavêequea sua carteira tinha desaparecido. A aula decorre normalmente e ela continua imperceptívelparaosdemais.Ficaconfusaefalasozinhasobreofactodeela ser real e estar viva, de não entender como aquilo aconteceu, algo que ela tinha tentado evitar. Questionase se afinal é suposto ela não ter um corpo. Arisu, alterada, dizlhe que sim, que ela não é necessária no mundo real. Deprimida, Lain sai do colégio e volta para casa. A sua casa surge abandonada, inclusive com as plantas domésticas mortas, indiciando a ausênciaprolongadadafamíliaIwakura.Oseuquartoestádesarrumadoesem quaisquer máquinas. O pai surge à porta da divisão e despedese dela, tratandoaporMissLain.YasuoIwakuradizlhequeelajádeveráterpercebido oquesepassaequeoseutrabalhoestáconcluído,apesardeassumirnãoter feitoosuficienteporLain.Elapoderáagoratornarseoquequiser,naverdade, elasemprefoilivre.Eleconfessasentiralgumainvejaporumsercomoela,e despedese.Laincorreepedelheparaquenãoadeixesozinha,aoqueopai respondequeelanãoestásozinha,e,seseconectar,quetodoslhevãodaras boasvindas–elaéessetipodeser. Num espaço diferente, que é apelidado por uma voz como sendo o mundo de Lain, a heroína diz não estar sozinha (imagem 10.1). A voz perguntalheseestadesejafazeralgo.ElaperguntaquemsãoosKnightse colocaahipótesedeteremsidoelesacriarasuaprópriafalsaversão.Uma outravozdizlhequeelaconsegueencontralos.Eles teriam utilizado a rede humanainvisível,oinconscientecolectivo,muitoantesdaexistênciadaWired. Avozperguntalheoquequerfazerea shōjo desejasaberquemsão,umavez queoDeusdaWiredéumdeuspoistemseguidores.Lainentranumcanal. NaCyberia,TarovêumalistadosmembrosdosKnights nas notícias onlineenãoentendeoporquê. Os homens de negro entram no escritório do executivo revelado e matamno.OsoutrosdoisKnightstambémsurgemmortos.Nasnotícias,dáse

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conta de um número de suicídios que ocorrem pelo mundo e que as investigaçõesdestescasosestãoadecorrer. LaintinhaseconectadoàWired,estandosentadanochãoenroladaem cabosqueseligamàsuaprópriapeleatravésdeganchos (imagens 10.2 e 10.3). Os homens de negro entram no seu quarto e ela pergunta porque o fizeram.Arespostaquelhedãoéadequefoiumpedidodeumcliente.Lain conseguiradetectartodososKnightsdomundoequeosseusassociadosiriam agoradescartálos.AWirednãopodeserummundoespecial,elaapenaspode serumterrenoquefuncionacomoumsubsistemaquereforçaomundoreale Laintambémnãopoderiaexistirnarede,aliestariaemsegurança.Quantoa EiriMasami,elesmencionamqueoseuprogramadepensamentoresidualirá eventualmenteserbanidodaWired,poisoseuclienteestáareescrevertodoo código de Protocolo7. Nãohánecessidade dehaver deuses nem na Wired nemnomundoreal.Umdoshomensdizlhequeaindanãoperceberamoque elaémasqueaama,perguntandolheseoamornãoéumaemoçãoestranha. Nasuarua,LainperguntaaEirioqueiráfazer, pois não terá mais ninguémquelhereze.Eleassumequeentãonãopoderáserumdeusmasque nãoperdeutodososseguidores.Enquantohouverumcrente,épossívelque elecontinueaserumDeus.Lainperguntaquem,Eirirespondelhequeseria ela mesma. Seria por causa de Eiri que Lain conseguiria ser ela mesma, originalmente ela nasceu na Wired. Lain chamao de mentiroso, mas ele prossegue:aLainrealéapenasumholograma,umhomunculus de costelas artificiais,quenuncacomeçouporterumcorpo.Laincontinuaachamalode mentiroso. Lain teria uma família falsa, uma casa falsa, tudo falso. Eiri persuadeaheroínaaacreditarnele,queaama.Queestásozinhamasqueo temaeleconsigo,equeelaopoderáamarpoisfoielequemaenviouparao mundoreal.Assumesecomoseucriador.Pedelhequeoame(imagem10.4). LainignoraoefaladaoutraLain,aoqueEirilhediznãoseroutra,masasua realversão.TocalhenoombroeLainrejeitao,dizendolhequeissonãoera importante. Os cabos por cima de si rompemse enquanto Eiri é projectado paratrás.

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Layer: 11 – Infornography

Assistimos à personagem principal a conectarse com cabos. Lain preparaseparaseligar. Esteepisódioéoquemaissedestacaemtermosdeestiloaudiovisual. O título é apresentado de forma diferente, com o uso de vários ecrãs que demonstramostítulosdosepisódiospassados. Retomamos os intertítulos, que vão revelando imagens da casa abandonadadapersonagemprincipal.Ointertítulobrancodeletraspretasdiz: “Não,nãoénadatãoambíguocomo“memória”. Iniciaseumamúsicamaispesadaeacelerada.Vários momentos são mostrados:asluzesdacidade,oolhodeLain,oecrã do Navi, a entrada no canal por parte de Lain para procurar os Knights, várias palavras (tanto pixelizadascomonão)como inconvenientbody , worldoutlook , Basicdistrust , electricwire , memory , alright , lastupdate , software e hardware ,intercaladocom intertítuloscomasquestões“Eusoueu?LainéLain”,imagensdaCyberiaedo incidentequeláocorreu.Amúsicaaceleraeimagensdacidadeacompanham oritmo.Comumespectrodecoresalargado,sãoperceptíveisasimagensde cabos,detranseuntes,decarros,queacabampordarlugaràrecordaçãodo suicídiodeChisa.AdiferençaéqueLainaparecenotopodoprédioemcausa, observando a colega a saltar. Surge a figura cristalizada da irmã vista previamente enquanto passa um texto sobre a complexidade das relações. Vemos Lain a caminhar junto com Chisa, e os intertítulos que mencionam o factodelanãoprecisardeestarali.Arisu,ascolegas,oshomensdenegro,JJ. “Thinkupdifferent”surge,comosesetratassedeumanúncioaNavi’s,aoutra Lain e a sua irmã. O distribuidor do Navi, e as pesquisas no ambiente surrealista que Lain fez. O rapaz atormentado pelo jogo virtual e o doutor internado. O pai viciado em computadores, a mãe apática e o homem da mochila. A professora e as crianças da Cyberia. O questionamento feito no escritóriodoslaboratóriosquepôsemcausaaidentidadedeLain.Taro,que comentatêlavistonaWired,easuacasaabandonada.Oenlouquecimentoda irmã e a alucinação de Lain quanto ao suicídio de uma rapariga nas linhas férreas. O beijo de Taro e a mensagem “Peeping Tom”. A explosão, o dispositivodeumdoshomensdenegroquerebentaeacabeçadebonecade

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Lain que cai no pavimento. O intertítulo “Come” e a aparição divina de Lain. Para resumir, fazse um apanhado de todos os momentos que marcaram a sérieatéagora,inclusiveoaparecimentodoextraterrestreeaentregadeLain àsuafamília.OsmomentosfocadoscomeçamacentrarseemArisu.Surgea frase“AliceLOVEneedsyou”(imagem11.1). Lain,queseencontramaisligadaàmáquinaquenunca, deitase no chão.Eirisurgeeperguntalheseestácansada.Laindizquesim.Eirielogiaa, poiselainstalouumemuladordoNavinoseucérebro,sendoperigososujeitar se a tal quantidade de informação de uma vez. Lain pergunta se é uma máquina,pedindoquenãoatratecomotal.Eiridiznãosersuaintenção,trata seapenasdeumproblemadesoftware–éoqueLainé.Nãoéhardware.Ele explicalhequeéumprogramaexecutávelcomumcorpo. Na rua, vestidaapenas coma camisa de noite,Lain manda calar o hummingnoise .Vindodetrásdeumposte,Lainvêumatransparênciabizarra comoformatodeumvelhoasurgir.SurgeportrásdessafiguraaChisa.Lain tentaseaproximarefalalhedavezqueaacompanhou a casa. Dizlhe que percebeagoraoqueelaqueriadizer.Umhomemapareceedizlhequeéfácil morrer.Chisarefuta,emcomonãohánadadefácilemmorrer.Ohomem,que tinhaumaarma,sugereaLainqueelajátemoinstrumentoparaqueopossa fazer.Aarmasurgenasuamãoeohomemdálheinstruções.Elanãoreage aoqueelelhepergunta,comdesprezo,seelaquercontinuarnomundoreal. Continua,afirmandoqueéinjustoequeelaochamouali.Elepressionaa,os corpos não têm significado. A heroína discorda e Chisa chamaa para ela repararnoambienteaoseuredor,agoraapocalíptico. NoquartodeArisu,estafalacomumaamigaatravés do Navi, para combinar umencontro com um rapaz para tentar solucionar o problema dos rumoresdelacomoprofessor.Aportadoseuquartoabrese.Éoextraterrestre comacabeçadeLain(imagem11.2).Arisuficaemchoqueeperguntalheo quelheaconteceu.Laindizlhequenãofoielaaespreitarosseussegredose quenãoosenviouparaaWired.Elaexplicalhequeaoutraseparececomela masnãoéela.Arisuperguntalhedoqueestáafalar.Laindizlhequepoderá nãohaverapenasumaArisutambém.LainsabequeArisununcaacreditará, por isso fará como se nunca tivesse acontecido, têmse esforçado para conseguir isso. Consegue agora fazêlo sem dispositivos pois conseguiu

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destruir as barreiras que dividiam os dois mundos. Por conseguir ir para qualquer parte, decidiu ir ter com ela. E desaparece, deixando Arisu perturbada. No dia seguinte, Arisu chega ao colégio insegura mas percebe que ninguém se lembra do rumor relativo ao professor. Lain surge por trás, inexpressivaeacabaporsorrirdeumformapoucohabitual(imagem11.3).

Layer: 12 – Landscape

Laindizentenderagoracomofunciona.Nãosabiaque o mundo seria assimtãosimples.Aheroínaconfessasempreterachadoomundoumsítio grande e assustador, mas que depois de entender tornouse mais simples. Umavozconfirmaqueeracomolhetinhadito. Nasaladeaula,Lainsocializacomascolegasenquanto Arisu está pensativa sobre o que se tem passado. A heroína olha para Arisu, que fica incomodadaedesviaoolhar.Recebeumamensagem.Lainhavialheenviado a mensagem sem o uso de qualquer dispositivo. A mensagem continha a seguintefrase:“Deviasapenasreescrevermásmemórias”.Quandoacabade ler a mesma, esta desaparece e Arisu olha para a amiga. Tem a certeza, assim,dequeoquesehaviapassadonodiaanterioraconteceradefacto. Lainsurgepixelizada,numecrã,enquantoexplica que as pessoas só têm substância dentro da memória dos outros e por isso há vários “Eu” a existirem em simultâneo. Não havia muitas Lain, mas Lain estava dentro de todo o tipo de pessoas (imagem 12.1). O cenário muda para Cyberia, onde Taroestácomumdispositivoocular:eraelequeviaaheroína.Comentacom osamigosquebeijouumanjo. Acidadesurgemovimentada.Váriasvozesecoamchamandopelonome da shōjo eestaaparecenovamentenoecrã. Emambientedenoticiárioalterado,umhomemdeclaraqueoProtocolo 7deverápermitirapartilhadeinformaçãosemlimitesentreaWiredeomundo real.Quandoiniciaaapresentaçãodapublicidade,repeteváriasvezes“Vamos todosamarLain!”(imagem12.2).Lainsurgedenovonoecrã. No cenáriodo suicídio de Eiri Masami, avozoff diz que é possível traduzir todas as funções de um corpo por palavras e descritas por termos

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materiais. A explicação prossegue, com mais dinamismo com a entrada de músicaeváriaspaisagensurbanasedezonasdelazer.Avozoffdiz:ocorpo nãoémaisqueumamáquina.Seaslimitaçõesfísicasdocorporestringema evoluçãohumana,entãoseriacomoseaquedadaespéciechamadaHomem fossejádecididaporumDeusquenãoexiste.Ainformaçãoquehádentrodos humanosnãoéapenasaquelaqueelesadquiremenquanto indivíduos. Esta espécieestáconectadaaosseusantecessoreseainformação é acumulada dentrodesi.Avozoffexplicaqueseessainformaçãonãoforpartilhada,ela não então significado, não passando de meros dados. A Humanidade pode evoluirpeloseuprópriopoder,masparaissoterão que descobrir primeiro o quedefactosão.Originalmenteestaríamosconectadosunsaosoutros,etudo oquefez(avozoff)foipôrtudocomoestava.DirigeseagoraaLainedizlhe quefoiissooqueelafezeporissopodefazertudooquequiser. Lainobservaoseuredor,devestidoamareloquese agita ao vento. Observaaspaisagensurbanas,desdeoscabosdealta tensão aos arranha céus. Numagaragem,oshomensdenegroaguardamdentrodo carro. Karl acendeumcigarro.Oseucolegaperguntaporqueestáistoaacontecer,eles fizeramtudooquehaviasidomandadofazer.Karlrespondequeoclientenão foioúnicoapensarqueosKnightsseriamumproblema.Oquesignificaqueo clienteestariaemcontactocomEiriMasami.KarlcolocacomohipóteseEiriser oresponsáveldetudo.Ocolegaficachateado,poisEiriestámorto,masKarl dizlhe que não está morto, pois ter corpo ou não não faria a diferença. O clientechegadecarroecolocaumapastanochão.OcolegadeKarlpergunta lheseaquiloeraopagamentopeloserviçoprestado,equeoshaviausado.O clientetratasedeShinbashi,quelhesdizqueinterpretemcomoquiserem.Ele deseja que os dois desapareçam da zona, para um sítio onde não haja coberturadesatéliteoucabosdealtatensão.Ocolegadiznãoexistirtalsítio, mas Shinbashi diz que terão que encontrar um sítio assim se vão fugir. Karl perguntalheoquevaiacontecer,quaisserãoosseusplanoscomaligaçãoda Wired ao mundo real sem dispositivos. Shinbashi responde que algo de maravilhosoiráacontecer.Shinbashientranocarroeparte.Ocolegasofreum ataqueatravésdodispositivooculareacabapormorrer.Karlvêaimagemde Lainnoolhodocolegaesofretambémumataque.

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ArisuentraemcasadeLainevaiaoseuencontronoquarto.Acasafoi vandalizada. A irmãmais velha ainda permanece na casa, ainda em transe. ArisuencontraLainsoterrada,aindacomcabosaconectála(imagens12.3e 12.4).Perguntalheoquefazali,aoqueLainrespondequesótemestadoa ver.Arisuconfessaterachadoquetinhaenlouquecidoequestionaaporqueé queadeixousozinha,tendoapenaselaficadocomasmemórias.Arisuacha que Lain a odeia por ter deixado más memórias na sua consciência. Lain explicalhenãosetratardenadadisso,elaésua amiga mesmo sem se ter conectado,equeelaéasuaúnicaamiga.Arisunãoentendooqueelaquer dizercom“conectar”,masLainacabaporsedeclarar.Contaqueoshumanos estavamconectadosoriginalmenteapenasaonívelinconsciente,eporissoos voltou a conectar. Arisu fica confusa por ter sido Lain a fazer tal, ao que a amigalhedizserindiferenteoqueéreal,poiselaesteveemambos.Lainéum programa concebido para destruir a barreira entre os dois mundos. Arisu perguntalhe se ela é apenas um programa, ao que Lain declara que na verdadetodososão;todossãoapenasaplicações.Equenãohánecessidade dehavercorpos.Arisuestendelheentãoamãoetocalhenorosto,enegalhe tal afirmação (imagem 12.5). Ela não consegue entender a totalidade do que Lainlheconta,massentequeestáerrada.OcorpodeLainestáfriomasvivo, eoseutambém.LainsenteapulsaçãodocoraçãodeArisu.Lainperguntalhe porqueestáabaterdaquelaforma.Arisuafirmaquebateassimporestarcom medo (imagem 12.6). Eiri intervêm e expressa que Arisu está assim por ter medodeperderocorpo;todasassensaçõesãocausadasporimpulsosque ocorremcerebralmente.LaindirigeseaEiri,masArisunãoovêenãopercebe comquemestáaamigaaconversar.EiriperguntaaLainporqueéqueelanão seconectaàamigaseaama,aoqueajovemnãosaberesponder.Eirisupõe queLaintemum bug ,entãoequelhedaráummomentopararesolverisso. Arisuvêumamãofantasmagórica(imagem12.7)asurgiremdirecçãoaLain. Laindizqueoquenãocompreendeéele,Deus.Oqueelefezfoiremoveros dispositivos da Wired, como os telefones, a televisão, a rede, mas que sem esses ele não teria conseguido fazer nada. Eiri explicalhe que sim, esses objectos acompanharam a evolução do Homem e que seres humanos que tenhamavançadomaistêmodireitodemelhorescapacidades.Lainpergunta lhequemlhedeutaisdireitos,talautoridade.Eperguntalhetambémsefoiele

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sozinhoquedesenvolveuoprogramacujocódigosincronizacomaTerrauma frequência característica dentro do código do Protocolo 7, que iria elevar o inconsciente colectivo ao nível consciente. Eiri irritase e perguntalhe onde quer chegar, se ela lhe está a dizer que efectivamente existe Deus. Lain respondelhe que não importa, se ele não tem corpo nunca entenderá. Ela levantaseenquantooquestionaetodososfiossesoltamdoseucorpo.Eiri insistequeéomnipotente,queatribuiuaLainumcorponomundoreal,umego inclusive. Lain questionao que se assim for, o que será ele. Eiri Masami começaatentarelaborarumcorpoparasi,suspensonoar.Ocorpoquesurge édeformadoeinconstante(imagens12.8e12.9).Lainnãoseimpressionae declaraqueaWirednãoéacamadasuperiordomundoreal.DentrodaWired, elepoderiaserDeusmasissonãoexplicaoqueseriaeleantesdacriaçãoda Wired.EleteráapenasocupadoaposiçãoparaqueaWiredchegasseaeste ponto. Eiri rejeita a ideia e tenta esmagar as duas com um membro imperceptíveledisforme.Laincontinuaaconfrontálo,perguntandolhesepara eleumcorponãotemqualquersignificado.Aheroínaconsegueentãoesmagar Eiricomtodososequipamentosquetinhaàsuavolta,matandoo.

Layer: 13 – Ego

No ecrã pixelizado, surge Lain. Manifesta estar confusa novamente, perguntandoseseelaestáláoucáequecásabequeestáemtodoolado porqueestãoconectados.PerguntaaoespectadorondeestáarealLain,mas responde à própria pergunta: não há Lain real pois existe apenas dentro de quemestáconscientedasuaexistência.Masquemfalanestemomentoéela mesma,quemfala,quemserá?–conclui. Teremos em conta o título do episódio: Ego. Marilena Chaui revela sucintamenteoqueéoEgo 19 ,dopontodevistadaPsicanálise:

«Egoouoeuéaconsciência,pequenaparteda vida psíquica, submetida aos desejos do id e à repressão do superego. Obedece ao princípio da realidade, ou seja, à necessidade de encontrar objetosquepossamsatisfazeraoidsemtransgredir

19 Fonte:http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/freudchaui.html(verWebgrafia).

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asexigênciasdosuperego.Oego,dizFreud,é"um pobrecoitado",espremidoentretrêsescravidões:os desejos insaciáveis do id, a severidade repressiva do superego e os perigos do mundo exterior. Por esse motivo, a forma fundamental da existência para o ego é a angústia. Se se submeter ao id, tornase imoral e destrutivo; se se submeter ao superego, enlouquece de desespero, pois viverá numainsatisfaçãoinsuportável;senãosesubmeter àrealidadedomundo,serádestruídoporele.Cabe ao ego encontrar caminhos para a angústia existencial. Estamos divididos entre o princípio do prazer (que não conhece limites) e o princípio da realidade (que nos impõe limites externos e internos). Ao egoeu, ou seja, à consciência, é dada uma função dupla: ao mesmo tempo recalcar o id, satisfazendoosuperego,esatisfazeroid,limitando opoderiodosuperego.Avidaconscientenormaléo equilíbrioencontradopelaconsciênciapararealizar suaduplafunção.Aloucura(neurosesepsicoses)é a incapacidade do ego para realizar sua dupla função, seja porque o id ou o superego são excessivamente fortes, seja porque o ego é excessivamentefraco.» SendoEgootítulo,tomaremosestasreferênciascomopontosaterem conta na presente análise. Sendo o último episódio e estando a acção no momento de confronto entre Lain e Eiri, verifiquemos o que o título quererá dizernofinal. Oepisódioretomaumpoucodaacçãodoepisódioanterior,relembrando oesmagamentodeEiri. Arisu está em estado de choque com o que acabou de assistir, acabandoporarranharacaradeLain.Elaperguntalheseestragatudooque tentafazerporela,eabraçaaparaqueseacalme.Arisunãoconseguereagir. Lainpedeperdão. Umecrãpixelizadosurgecomaspalavras“Allreset”e“Return”(imagem 13.1).OuveseumacessoàWiredeassisteseaumretrocessodaacção. AruadeLaincomassombrasmanchadaséapresentadaeo humming noise acompanhao ambiente.Lain jánãosai de casa como faria, a família tomaumarefeiçãocomohabitualmasLainnãoestáàmesa.Opaiestranhaa

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o lugar vazio mas remetese ao silêncio. No transporte, Lain também não surge.Iniciaseumamúsicanumregistoqueaindanãohaviasidoutilizadona série,maisleveeanimado. Arisu chega ao colégio e as amigas aproximamse para combinar a saída à noite. Arisu pega prontamente no telemóvel para mandar uma mensagemaalguém,masapercebemsequenãoháninguémaquemmandar oconvite.JulgamqueestáafalardeChisa,queaparecevivaeacaminhodas aulas.ArisuapercebeseentãooquesepassoucomLain.Ecomentacomas amigasquesenãonoslembrarmosdenadaentãonuncachegouaacontecer. OsmeninosdaCyberiaestãonarua,eTarorecebeummailcomorosto deLainasurgirporentreainterferência.Tambémelesnãosabemdequemse trata. O distribuidor, que costumava ser atrevido com donas de casa, surge comumafilha apassear. Cruzamse comEiri Masami, que murmura querer despedirse por o subestimarem. Os dois homens de negro são agora assistentesdereparaçãodoscabosquecobremoscéusdacidade. Oambientemuda,acompanhadocomo hummingnoise ,eointertítulo cortaofluxonarrativo.“Oquenãoélembradonuncaaconteceu.Amemóriaé apenasumregisto.Sóéprecisoreescreveresseregisto.”Umavozmasculina diz, num tom irónico “Present day, Present time”. E surge Lain no meio de interferência. Retomaseaacçãodamesmaformacomoseiniciamosepisódios,com imagensdacidade.Nestemomentonãoháqualquervozoff. Lainencontrasesozinhanumacidadeabandonada.Umavozpergunta lheporquechora,seéporqueapagouasuamemóriada mente detodos.A voz consolaa dizendo que ninguém morreu e ninguém se magoou. É outra Lainquelhefala.Ninguémaodeia.Lainbalbuciamaso seudoppelgänger 20 dizlhequeainformaçãosobreosmortosnãoestáaserespalhadapelaWired. Porisso,explicaela,nãoéprecisoqueelaestejaemnenhumsítio.Laindizlhe queestáasoaraEiriMasami,masadoppelgängerdizlhequeelenãochegou aexistireque,mesmoqueexista,nãoterámaisideiasdequeéDeus.Lain reflecte que se está em nenhum sítio agora, quem será ela própria. A doppelgänger esclareceaqueaWirednãoéacamadasuperiordomundoreal

20 TermoutilizadoporStevenBrown,quesignificaduplooucópia.

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e que esse foi o erro que Eiri cometera (concluímos portanto que as duas realidadessecruzameentrecruzam,nãosendosimplesasuaseparação).A rede é um campo por onde passa a informação. No sítio onde a Lain se encontra, a informação não fica estagnada, pois ela funciona estando em movimento.Asmemóriasdaspessoasnãoserãoapenaspessoaisouparteda história da Humanidade, nem mesmo nem o inconsciente colectivo. A doppelgängerperguntalheseachapossívelqueoshumanospudessemcriar umsítioondepudessemarmazenarmemóriasmaisvastas.Lainrespondeque a Wired estava apenas ligada a outra coisa. Mas ao quê? A doppelgänger argumentaseseráprecisoaspessoassaberemtalcoisa–elasconseguiram chegar longe sem o saber. Ainda que no mundo humano se reze a vários deuses,aspessoasconvenceramsequeomundoéassimmesmo.Lainnão gostadoqueouve.A doppelgänger dizquedequalquerformaé“Lain”queo diz,ousejaelamesma.Acópiarecordaseque,afinal,Lainnãochegouaser pessoa–éomnipresente,existeemtodoolado,observasilenciosamentetudo, LainéDeus.Lainnega.Acópiadizlhequeseriatudomuitomaissimplesse elasetornaseDeus,equetalémaissimplesqueserhumano.Elacontinuaa tentarpersuadila.Laingritaeacópiadesaparece.Ocenárioédiferente,um espaço negro sem a presença de quaisquer adereços. Lain fica sem saber quemé. SurgeumaluzqueiluminaLain,vindadecima.Opaichamaa(imagem 13.2).Elatiraocapuzdeursoeestáàmesacomopai,comumapaisagem paradisíacaaoseuredor(imagem13.3).Opaidizlhequejánãoéprecisoela usar o fato de urso. A filha perguntalhe se ele sabe o que ela fez. O pai perguntalheseelaosama,aoqueafilhacomeçaasoluçar.Opaipromete fazerumchá 21 paraapróximavez,comalgumasmadalenas. Repetemseasimagensdacidade.Osinaldepeõestornaseverde,ao contráriodohabitual.AvozdeLainfazseouviredizqueasmemóriasnãosão só do passado. Elas podem ser do agora ou de amanhã. Arisu surge acompanhada com o noivo, agora já adulta. Ela repara na Lain, que se encontra numa via aérea. Arisu cumprimenta Lain e perguntalhe se já se

21 Napier aponta a utilização de contos como “Alice’s Adventures in Wonderland” (1865) e “ThroughtheLookingGlass”(1871)quefazemumaligaçãodirectaàsérieemcausa,comoé porexemploocasodabocagigantequeconversacomLain.

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conheciam.Laincumprimentaacomprazerediznãoseconhecerem(imagem 13.4).Dizemosseusnomes.Arisudespedeseeesperaqueaencontreumdia mais tarde. Depois de partir, Lain comenta que se poderão ver a qualquer momento. Noecrãpixelizado,Lainsurgecomamensagemdeque está “aqui” e queportantoestarácomelaparasempre. Ao eliminar a sua própria identidade, Lain resolve os danosfeitos nos dois mundos. Esta referência funciona como crítica ao facto de certas informaçõesteremsidoeliminadasdosmanuaisescolares,sobreaguerrado Pacífico.Reescreverofinal,paraqueestesejamaisfeliz,éapresentadocomo ironiamastambémtragédia 22 . O hummingnoiseencerraoepisódio,comoscabosquesecruzamno céucomoúltimaimagem(imagem13.5). Compreendemos agora o título “Ego” para esta última layer . Lain adquiriuumego,noequilíbrioqueestaexigeentreoideosuperego.Aheroína ganhou e construiu uma consciência sobre si mesma. Eiri Masami, na sua loucura, não conseguira fazer o mesmo que Lain, pois o antagonista não conseguia manifestar qualquer estabilidade, nem mesmo na criação de um corpoparasimesmo. Chegamos ao fim da série com a seguinte consideração: Eiri Masami criou um esquema para que, desde o início, Lain seguisse este percurso. Percurso esse que podemos apelidar de heroe’s journey . Ou seja, e suncintamente, toda a história e intervenientes, como a família e empresa Tachibana, foram planeados e recrutados por Masami para levar Lain a procuraraverdadesobresimesma. Paraalémdestareflexão,pormenoressãoacrescentados.Nosegundo episódiodasérie,quandoopaimontaoNavieLaininiciasessão,oprogenitor riseafirmandoqueelajápoderiagabarseaosamigos(“Youcanshowoffto youfriendsnow”).Deacordocomaexpressãoinglesa,eorisoqueéseguido, poderá ser considerado como outro indício de que o pai saberia da relação especial que filha teria com a Wired. Mesmo antes disso, no comboio

22 Napier,p.118.

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barulhento de que a Lain se queixa, a ambiguidade que existe na sua reclamaçãofazcomqueoespectador,apenasnofinaldasérie,reconsidereo barulho de que fala. Ela estava a referirse ao excesso de informação que corria naqueles cabos axiais que observava. Tanto o é que todos os passageirosolhamparaLainquandoestaexpressaoseudesagrado.Aligação deLaincomaWiredédesiinconsciente,poisdesdeoinícioqueseassisteàs alucinaçõeseexpressõesdesignificadopoucodelineado.

Créditos iniciais

Aintroduçãoaosepisódioséfeitaatravésdeumsegmento de dois minutos que conta com a música “Duvet”, da banda musical  Bôa. Nos episódiosvistosnapresenteanálisenãosefaziamincluiroscréditosiniciaise finais,peloqueestessãoanalisadosforadasequência da série. Todavia, a sérieoriginalincluíasempreoscréditos,antesdoinícioeapósaacção. Iniciasecominterferênciaazul,interrompidaporumavozoffquedizo queapareceaserescritonumecrãbrancocomletrasvermelhas,seguidode um riso irónico: “present day, present time”. A interferência é retomada, surgindoagoraLaindeformapouconítida.Aosomdamúsica,Lainaparece em diferentes partes de uma cidade, sempre com a presença de corvos 23 . Estes, poisados nos já conhecidos cabos, passam em bando pela heroína. Voamemdirecçãoaoutroscabos. Na China e no Japão, os corvos são símbolo da gratidão filial. É considerado um mensageiro divino e tem uma função profética. Na alquimia associaseocorvoàfasedeputrefacção. Passase para os ambientes virtuais das palavras holográficas e do ruído visual dos ecrãs escritos. De seguida, a imagem de Lain surge numa televisão,vistaporváriasmulheresnumasaladeestar.Noutrolocal,surgena televisãodeumacriançaquejogaentusiasticamenteconsolaenquantoamãe se encontra na cozinha. A telepresença manifestase novamente numa

23 Osímbolodocorvorepresentaomisticismoeopoder.Ocorvoétidocomoumamensageiro divino,segundo“Dicionáriodossímbolos”,deChevalier,J.eGheerbant,A.,EditorialTeorema Ltd.,1982.

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televisão, agora diante de um casal que se beija. Enquanto todos estes momentosdecorrempodemosouviraletracantadadamúsica: Andyoudon’tseemtounderstand Ashameyouseemedanhonestman Andallthefearsyouholdsodear Willturntowhisperinyourear Andyouknowwhattheysaymighthurtyou Andyouknowthatitmeanssomuch Andyoudon’tevenfeelathing Iamfalling,Iamfading Ihavelostitall Andyoudon’tseemthelyingkind AshamethenIcanreadyourmind AndallthethingsthatIreadthere Candlelitsmilethatwebothshare andyouknowIdon’tmeantohurtyou Butyouknowthatitmeanssomuch Andyoudon’tevenfeelathing Iamfalling,Iamfading,Iamdrowning Helpmetobreathe Iamhurting,Ihavelostitall Iamlosing Helpmetobreathe 24 Bôa–Duvet Lainvoltaaocenáriocitadino,quesobeumapassagemaéreapedonal, intercaladoaindacomimagensvirtuaisdeLain,queparececantarorefrãoda música.Napassagem,Lainperdeogorro(quetemosímbolodourso)devido aovento.Lainreparanumcorvoquevoaporcimadapassagemeocenário tomatonscinzentos.Otempopára:ocorvopáraemplenovooeogorrofica suspenso no ar enquanto Lain continua a caminhada. Os créditos iniciais

24 Letraconsultadaemhttp://songmeanings.com/songs/view/40221/(últimaconsulta:Agostode 2013)

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terminam com a face de Lain no quadro. Ela transmite dor, resignação e tristeza.

Créditos finais Oscréditosfinaisresumemse,emtermosvisuais,aumafastamentoda visãosobreLain,deitadasobrecabos,comoseestivesse aconchegada num ninho. Esta imagemfunciona comouma metáforado conforto encontrado na tecnologia. Uma das interpretações possíveis que poderemos fazer remete para a ligação que a juventude tem com a tecnologia e o afastamento emocional com os demais que ocorre nesse processo, sendo este um dos temasqueconstituiasérieequeépostoemevidênciaatravésdepersonagens comoTaro.

A utilização do som em Serial Experiments Lain

Sendoumexemplodaanimaçãojaponesa, SerialExperimentsLain cria umdualismoentrerealevirtual,conseguidoporcertasreferênciasvisuais,bem comotodaaconstruçãosonorafeitaemtornodecadaepisódio. Taléobservável,escutado,atrásdasmudançassonoras consoante o espaçoondedecorreaacção.Osilêncioépredominante,fazendocomqueas sonoridadesemúsicaelevemosmomentosmaisetéreos. No “mundo real” o silêncio predomina, sendo rasgado frequentemente pelo som de correntes eléctricas, percorrendo a rede de fios que cobre a cidade. No“mundovirtual”,predominamsonselectrónicosemúsicasambiente etéreas.Enquantoespectador,éinteligívelqueaverdadeiraacçãodecorredo outroladodarealidadedomundofísicodeLain. Sendo este anime enquadrado no género da ficção científica cyberpunk 25 , podemos dizer que há uma relação ainda mais particular

25 Aproveitamos este momento para reavivar o conceito de ficção científica cyberpunk , à luz dosartigos WhatisCyberpunk? ,deRudyRucker,e CyberpunkePósmodernismo ,deAdriana

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relativamente ao som. Recorreremos agora, então, aWilliamWhittington que afirma,segundoThomasVanParys,noseulivro“SoundDesignandScience Fiction”,queosomseestáatornarcadavezmaisagressivonaproduçãode significado e que a ficção científica tem sido um campo de experimentação nesse sentido. Em Serial Experiments Lain podemos discutir como a relação imagem/som se constrói, não havendo uma subordinação propriamente dita porpartedasimagens,umavezqueasimagenssãofrequentementeestáveis esemgrandesmovimentações. Michel Chion, compositor e colaborador da “Cahiers du Cinema”, fala nosde“ilusãoaudiovisual”,naobra“AudioVision–SoundonScreen”.Nesta ilusão, contamos com o “valor acrescentado” (traduzido de “added value”) do som, que acrescenta um valor expressivo e informativo à obra audiovisual. Chion inclusive menciona que, falsamente julgado, se diz que este valor do som surge tão naturalmente que nem se sente necessidade para a sua existência, pois duplica a mensagem já veiculada e está relacionada com a sincronicidade. No entanto já sabemos que o som, mesmo que pareça redundante,funcionacomoumpano defundo, como diria João Mário Grilo, que reconforta a experiência fílmica. Chion sublinha, todavia, que este valor acrescentadoéremetidoprimeiramenteparaovococentrico,tendoemcontaa naturezacomunicativadoHomem.Osomdafala,daspalavras,daconversa perceptíveléoquechamamaisàatençãodoespectador. SerialExperimentsLain jogacomoqueosomveiopossibilitaràsobras audiovisuais: o próprio silêncio. E neste caso, segundo Chion, é necessário prepararoespectadorparatal,darlheumcontexto.Porexemplo,sempreque Lainsaidecasa,escutamososseuspassos,pelomeiodo hummingnoise .O silêncio é geralmente definido por este som monocórdico e repetitivo. Isto

Amaral. Segundo Rucker, o termo surgiu na descrição que Gardner Dozois fez da obra Neuromancer deWilliamGibson.MassegundoAmaral,otermofoiutilizadoem1983porBruce Bethke,apontandoGibsoncomoocriadordotermo“cyberspace”(Amaral;3,2003).Dozoise Bethkeinfluenciaramsemutuamentenaquelaépoca,peloquesetornaincertoondeéqueo termosurgiu.Ruckerrecuaumpoucomaisedefineaindaoqueéo punk –nosanos60havia umadivisãosocialnítidaentreoestiloconsiderado“comum”eoestiloalternativoondeo punk seenquadrava,criticandoaposturadissimuladaquealgunsmovimentos hippies tinhamsobre os punks . Na década de 70, as diferenças atenuramse. Rucker define o punk como sendo rápidoedenso,esãoestascaracterísticasqueoligama cyber .Eportantoaficçãocientífica cyberpunk concernesecomainformaçãoaumníveldecomplexidadeelevadomasacessível: “Thusoneseesreadingalot:alotofscienceandalotoffiction.Raisingthelevel.” (Rucker,1986:5–6).

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traduzsenumasensaçãodedesconfortoerelembraque,mesmoqueacidade esteja aparentemente deserta, o humming noise denuncia uma actividade humana escondida e permanente. Este som acaba por ser um “anempathic effect”,poisocorresempreindependentementedaacção,sejaviolentaounão. Na Wired assistese ao oposto. O acompanhamento musical dinamiza as cenasdeacordocomumacertasincronização.

Aplicação da teoria de Joseph Campbell – The Heroe’s Journey/ A Jornada do Herói 26

Segundo Joseph Campbell, existe uma maneira única de contar histórias. Campbell definiu essa forma através da teoria do monomito. Este fornece um mapa psicológico que permite ao espectador e ao investigador compreender melhor o percurso que o herói, ou heroína, tem de percorrer. Todasashistóriaspossuemumaestruturacomum,eessaestruturaencontra sedosmitosaosfilmes.

Call to adventure – (Layer:01–Weird )Laintomaconhecimentodosuícidiode ChisaYomoda,peloqueascolegasdizemlheparaverificar se não recebeu umemaildarecémfalecida. «Thisfirststageofthemythologicaljourney–which we have designated the “call to adventure” – signifies that destiny has summoned the hero and transferredhisspiritualcenterofgravityfromwithin the pale of his society to a zone unknown. This fateful region of both treasure and danger may be variouslyrepresented:asadistantland,aforest,a kingdomunderground,beneaththewaves,orabove the sky, a secret island, lofty mountaintop, or

26 Apesar de existirem traduções dos termos utilizados por Joseph Campbell (vide http://leandromarshall.files.wordpress.com/2012/05/josephcampbelloheroidemilfaces1.pdf), optousepormanterostermosoriginais.

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profound dream state; but it is always a place of strangely fluid and polymorphous beings, unimaginable torments, superhuman deeds, and impossibledelight.» (Campbell,1993:58) Na estrutura enunciada na obra de Campbell, consideramos portanto queChisaéa“herald”(istoé,amensageira)que,peloseuaparecimento,fazo chamamentodoherói,ouseja,aLain.Estamensageirapossuicaracterísticas particulares: « The herald’s summons may be to live, as in the present instance, or, at a later moment of the biography,todie.Itmaysoundthecalltosomehigh historical undertaking. Or it may mark the dawn of religiousillumination.Asapprehendedbythemystic, it marks what has been termed “the awakening of the self.” [] But whether small or great, and no matterwhatthestageorgradeoflife,thecallrings up the curtain, always, on a mystery of transfiguration – a rite, or moment, of spiritual passage,which,whencomplete,amountstoadying and birth. The familiar life horizon has been outgrown; the old concepts, ideals, and emotional patternsnolongerfit;thetimeforthepassingof a thresholdisathand.» (Campbell,1993:51) «[]Ortheheraldisabeast[],representativeof the repressed instinctualfecundity within ourselves, oragainaveiledmysteriousfigure–theunknown.» (Campbell,1993:53)

Refusal of call – EmdeterminadomomentoconsiderousequeLainrecusaria ochamamento,porreceberoemailenãolheligar.Todavia,deseguidapede aopaiumnovoNavi,oquederrubouaconsideraçãofeita.

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«Themythsandfolktalesofthewholeworldmake clearthattherefusalisessentiallyarefusaltogive upwhatonetakestobeone’sowninterest.» (Campbell,1993:59–60) Supernatural aid – (Layer:01–Weird ) DepoisdeLainverificarquerecebeuo emaildeChisa,aheroínapedeaopaiquelheofereçaumnovoNavi,paraque estapossafalarcomuma“amiga”. «Forthosewhohavenotrefusedhecall,thefirst encounter of the herojourney is with a protective figure[]whoprovidestheadventurerwithamulets againstthedragonforcesheisabouttopass.» (Campbell,1993:69) « Not infrequently, the supernatural helper is masculineinform.Infairyloreitmaybesomelittle fellow of the wood, some wizard, hermit, shepherd, or smith, who appears, to supply the amulets and advice that the hero will require. The higher mythologies develop the role in the great figure of theguide,theteacher,theferryman,theconductor ofsoulstotheafterworld.» (Campbell,1993:72) « The hero to whom such a helper appears is typicallyonewhohasrespondedtothecall.Thecall, infact,wasthefirstannouncementoftheapproach ofthispriest.» (Campbell,1993:73) Crossing the first threshold – (Layer: 03 – Psyche ) Lain encontrase no comboioacaminhodaescolaquandoumavozachama e inicia um diálogo comaheroína.Aquiconsideramosseropassardolimiteemqueaheroínase encontra em plena acção, falando com uma voz que apenas ela consegue ouvir. Sabemos que se trata do “deus” da Wired, com quem Lain mais tarde

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terá uma relação mais próxima. A partir deste ponto, as alucinações (ou deveremos dizer ligações com a Wired) intensificamse, passando para o domíniodaescutadevozes. «[...]theherogoesfowardinhisadventureuntilhe comestothe“thresholdguardian”attheentranceto the zone of magnified power. Such custodians boundtheworldinthefourdirections–alsoupand down–standingforthelimitsofthehero’spresent sphere,orlifehorizon.Beyondthemisdarkness,the unknown, and danger; just as beyond the parental watch is danger to the infant and beyond the protectionofhissocietydangertothememberofthe tribe.» (Campbell,1993:77–78) Belly of the whale – (Layer: 04 – Religion ) no episódio anterior, Lain encontraránoseucacifoumchipdenominadoPsyche.Procurousaberjuntodo pai e de alguns jovens, nomeadamenteTaro, da Cyberia informações sobre aquelechip.Tarodeulhealgumasexplicações,poisLainnãosabiaqualoseu propósito nem tão pouco instalar o mesmo. No final deste episódio, Lain cumprimentaairmãmaisvelhadeumaformainvulgarparaasuamaneirade ser, indiciando uma mudança na heroína. No episódio seguinte, Layer: 04 – Religion , as primeiras imagens mostram Lain no chão, a estudar sobre computadores, num quarto agora cheio de dispositivos e componentes associadosaocomputador.Estequartojánadatemavercomoquartoque vimosnoiníciodasérie.LainestáagoradeterminadaaconheceraWiredea melhoraroNavi. «Theideathatthepassageofthemagicalthreshold is a transit into a sphere of rebirth is simbolized in theworldwidewombimageofthebellyofthewhale. The hero, instead of conquering or conciliating the power of the threshold, is swallowed into the unknown,andwouldappeartohavedied.» (Campbell,1993:90)

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« This popular motif gives emphasis to the lesson thatthepassageofthethresholdisaformofself annihilation.» (Campbell,1993:91) Road of trials – (Layer: 04 – Religion – Layer: 08 – Rumors ) Phantoma, Knightseasconversascomaboneca,amáscara,amãe e o pai. Estamos portantoafalardefigurasdeimpactoparaoEu,atravésdosvaloressociaise culturaisquerepresentam(abonecarepresentaosvaloresinocentesquesão transmitidosnainfância;amáscararepresentaainfluênciahistóricaecultural da humanidade no geral, evidenciando o culto às representações divinas e religiosas;amãeeopaienquantoautoridadesbasilares).ProfessorHodgeson também é uma personagem que faz Lain reflectir sobre os aspectos relacionadoscomaWired.OconfrontonoescritóriodolaboratórioTachibanaé umdosmomentosmaisreveladoresparaLain.Na Layer: 08 Rumors , Lain confrontase com a sua cópia daWired, a que provocara tantos transtornos comArisu. « Once having traversed the threshold, the hero moves in a dream landscape of curious fluid, ambiguous forms, where he must survive a succession of trials. [] It has produced a world literatureofmiraculoustestsandordeals.Thehero iscovertlyaidedbytheadvice,amulets,andsecret agents of the supernatural helper whom he met beforehisentranceintothisregion.Oritmaybethat he here discovers for the first time that there is a benign power everywhere supporting him in his superhumanpassage.» (Campbell,1993:97) Meeting with the Goddess – (Layer: 07 – Society ) a personagem principal, uma vez que desenvolve uma relação de romance com a amiga, entrando precisamentenoperfilda shōjo ,encontranesteepisódioadeusa.Arisumostra preocupaçãoporLain,notopodoprédiodaescola,referindoseaoincidente dadiscoteca.Aheroínaficaalgoenvergonhadacomademonstraçãodeafecto deArisu,quesurgesemanunciaçãoaoseuladonotopodoprédio.

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«Theultimateadventure,whenallthebarriersand ogres have been overcome, is commonly represented as a mystical marriage [] of the triumphantherosoulwiththeQueenGoddessofthe World.» (Campbell,1993:109) Temptation – (Layer: 10 – Love – Layer: 11 – Infornography ) Eiri Masami explicaaLainqueestanasceunaWiredequetodososqueconheceemseu tornosãoumafarsa.EiritentapersuadirLainparaqueestaoadore,poisassim ela poderá permanecer a “lenda da Wired”. Portanto, tenta persuadir Lain a ficar do seu lado, para que este continue a permitir, supostamente, a sua existência. De seguida é tentada a suicidarse por um indivíduo, mais uma representaçãodeEiri,enquantoaverdadeiraChisalhedizquetalactonãoé agradável. Para Campbell, a tentação geralmente vem na forma de uma mulher,masnãoéobrigatórioquetalassimseja. Atonement with the Father – (Layer:9–ProtocoleLayer:10–Love,Layer: 12eLayer13 )ApósasapariçõesabstractasdeEiri,eapresençaconstanteda suavoznopensamentodeLain,esteapresentaseà heroína como sendo o deuscriadordasuaexistência,aquemLaindeveráamarpoisdetémopoder sobreaheroína(oquemaistardesedescobrirásermentira).Háumprimeiro confronto,apenasanívelverbal,quandoEiriseapresenta(Layer:9eLayer: 10)eposteriormenteoconfrontofinal,jáfísico,nofinaldasérie(Layer:12e Layer:13).Eiriacabaporseapresentarcomoosuperego. «Theproblemoftheherogoingtomeetthefatheris toopenhissoulbeyondterrortosuchadegreethat he will be ripe to understand how sickening and insane tragedies of this vast and ruthless cosmos are completely validated in the majesty of Being. The hero transcends life with its peculiar blind spot andforamomentrisestoaglimpseofthesource. Hebeholdsthefaceofthefather,understands–and thetwoareatoned.» (Campbell,1993:147)

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Apotheosis – (Layer: 10 – Love ) Poderemos enunciar neste episódio o primeiromomentodasuaapostheosis,quandoaheroínajátemacapacidade de se ligar à Wired para aniquilar os Knights. Lain, ainda que com uma aparênciasemvida,mostrasenassuasplenascapacidadesmentais. The ultimate boon – (Layer:13–Ego )Lain,aopôradescobertoasintenções deEiriMasami,conseguiudesfazertodososmalesfeitos,desdeosuicídiode ChisaàexistênciadosrumoressobreArisu,aoeliminar amemória de todos sobreasuaprópriaexistência.Lainficaisolada. « The ease with which the adventure is here accomplished signifies that the hero is a superior man, a born king. Such ease distinguishes numerousfairytalesandalllegendsofthedeedsof incarnated.Wheretheusualherowouldfacea test,theelectencountersnodelayingobstacleand makesnomistake.» (Campbell,1993:173)

Refusal of return – (Layer:13–Ego )UmavezqueomundodeLainédefacto omundovirtual,aheroínanãoquerpermanecernoseumundoondesesente sozinha. « When the heroquest has been accomplished, throughpenetrationtothesource[]theadventurer stillmustreturnwithhislifetransmutingtrophy.The fullround,thenormofthemonomyth,requiresthat the hero shall now begin the labor of briging the runes of wisdom [] back into the kingdom of humanity, where the boon may redound to the renewingofthecommunity,thenation,theplanet,or thetenthousandworlds. Buttheresponsibilityhasbeenfrequentlyrefused.» (Campbell,1993:193)

Magic Flight – Inexistente,umavezqueaheroínanãofogecomoseupoder.

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Rescue from without – (Layer:13–Ego)QuandoLaineliminaasuacópia, que possuía um discurso idêntico ao do antagonista, ela fica sozinha no escuro, questionandose quem será então.Surge sobre si uma luz, de onde surgeafacedopaideLain.Estetranquilizaaedizlhequejánãoprecisade usarofatodeurso.Podemosrelacionarosurgimentodopainestaformacomo cenário anterior, em família, quando Yasuo comenta com a esposa que iria chegarumaencomenda. «TheheromayhavetobebroughtbackfromHis supernaturaladventureby  assistancefromwithout. Thatistosay,theworldmayhavetocomeandget him. For the bliss of the deep abode is not lightly abandoned in  favor  of the selfscattering of the wakenedstate.[]anapparentrescueiseffected, andtheadventurerreturns.» (Campbell,1993:207)

Crossing the return threshold – (Layer:13–Ego )Lain,emvozoff,comenta aconclusãoquetira:queasmemóriasnãosãosódopassado,mastambém dopresenteefuturo. «Thetwoworlds,thedivineandthehuman,canbe picturedonlyasdistinctfromeachother–different as life and death, as day and night. The hero adventuresout ofthe land we know into darkness; there he accomplishes his adventure, or again is simplylosttous,imprisoned,orindanger;andhis return is described as a coming back out of that yonderzone.Nevertheless–andhereisagreatkey totheunderstandingofmythandsymbol–thetwo kingdoms are actually one. [] The values and distinctions that in normal life seem important disappearwiththeterrifyingassimilationoftheself intowhatformelywasonlyotherness.» (Campbell,1993:217)

Master of the two worlds – (Layer: 13 – Ego ) A heroína encontrase com Arisu, agora crescida, na cidade. Lain ainda permanece com a mesma

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aparência física que já conhecíamos. A shōjo ganhou a capacidade de permanecer em ambos os mundos, podendo falar com a sua amiga mesmo semqueelaselembredesi. «Freedomtopassbackandforthacrosstheworld division, from the perspective of the apparitions of time to that of the casual deep and backnot contaminatingtheprinciplesoftheonewiththoseof theother,yetpermittingthemindtoknowtheoneby virtue ofthe other, yet permiting themind to know theonebyvirtueoftheother–isthetalentoofthe master. The Cosmic Dancer, declares Nietzsche, dosnotrestheavilyinasinglespot,butgaily,lightly, turnsandleapsfromonepositiontoanother.» (Campbell,1993:229)

Freedom to live – (Layer: 13 – Ego ) A acção termina com uma frase da heroínaquetraduzasualiberdade:“estouaqui,porissovouestaraquipara sempre”. «Thegoalofthemythistodispeltheneedforsuch life ignorance by effecting a reconciliation of the individualconsciousnesswiththeuniversalwill.And this is effected through a realization of the true relationshipofthepassingphenomenaoftimetothe imperishablelifethatlivesanddiesinall.» (Campbell,1993:238) Divisão dos actos 27

I Acto –Terminaemfadeout,quandoLainreflectesobreaPychequeacabara dereceber,na Layer03–Psyche .

27 Adivisãodosactosapresentadanatabelaemanexoservedereferênciaapenasparaindicar emquepontoéiniciadooacto,peloque,porexemplo,oactoIIéapresentadocomosendoa partirda Layer:03–Psyche ,noentantoatémeiodoepisódioaindaseconsideraseroactoI.

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II Acto – Iniciase na Layer03– Psyche etermina sensivelmente ameio da Layer:12–Landscape ,comamortedeKarledocolega. III Acto – Iniciase com a visita de Arisu a casa de Lain, na Layer: 12 – Landscape e termina no fim da Layer: 13 – Ego , com Lain a concretizar a promessadequeestará“ali”parasempre. Análise da personagem principal: Lain

IwakuraRein,conhecidatambémporLain,éumaraparigade13anos, introvertidaequeéclaramentediferentedassuascolegasdeescola. Jáàpartidacompreendesequeanarrativatratadeumaestudanteque estáemconflitocomaWired,equivalenteànossaInternet,edaíasérieentrar nogénero cyberpunk .Nestecasoemparticulartratasedeuma shōjo . Na cultura japonesa, uma shōjo representa a jovem que está entre a idadeinfantileaidadeadulta,sendoamargemdosseteaosdezoito.A shōjo nãotemqualquerpermissãodeexpressarasuasexualidadeumavezque,de acordocomasregrassociaisjaponesas,ésexualmenteimaturamesmoapósa menarca.Consequentemente,comoévistacomoatétardiamentecomonão emancipada, é uma grande consumidora dos objectos denominados kawaii, produtosdaculturapopularqueoautorStevenBrown chama de “queridos”. Temos como exemplo a constante presença de ursos em torno da personagem. A shōjo privilegia as relações humanas devido à sua sensibilidade naive. Privilegia em particular as relações do mesmo sexo, por vezeslevandoaromanceshomossexuais,resultantesdasrepressõessexuais e do distanciamento relativo ao sexo oposto. Esta tendência está presente implicitamentenasuarelaçãocomArisu. StevenBrownapresentadaseguinteformaasuaobservaçãoquantoa Lain: « [...] Serial Experiments Lain tells the story of a thirteenyearold girl named Iwakura Rein (a.k.a.

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Lain) who struggles with her status as a “ shōjo ” in the realm of cyberspace. The figure of the shōjo typicallydescribesagirlwho(a)occupiestheliminal stage between childhood and adulthood (approximatelyseventoeighteenyearsofage);(b) is not permitted to express her sexuality (even if physically mature) because she is “socially considered sexually immature”; and (c) is the avid consumer [] of popular culture and merchandise that might be described as “cute” ( kawaii ) and that appeals to the shōjo ’s sensibility which privileges human relationships (especially close samesex friencships and romances), emotions, and psychologicalinteriority.» (Brown,2010:161–162) A definição que Brown apresenta sobre o conceito de shōjo em comparação com a personagem principal é válida, todavia não conseguimos concordar na totalidade com estapassagem. Após a visualização de toda a série,compreendesequeoquefoicontadonãofoioproblemadeuma shōjo no ciberespaço. Esta é uma visão redutora e estereotipada do que Lain de facto nos tenta transmitir. Lain é uma jovem que se funde gradualmente na Wired,emqueoselementos kawaii sãoumareferênciadeinocênciaedeauto defesa do mundo exterior a Lain. Sendo esta software, não a poderemos reduzira shōjo ,poderemosdefinilaresumidamentecomoasíntesedarelação entre o Homem, a tecnologia e o mundo. Ela transmite nas treze layers as váriasfacesdessarelação,doprazer(quandoconversacalmamentenaWired com os Knights) ao medo (quando assiste à morte das crianças ligadas ao projectodoProfessorHodgesonouquandoseencontrasozinhanoseumundo narede). Aindasobreautilizaçãodafiguradoursonasérie,SusanNapier(118; 2002) sugere ainda, sobre a insistência da utilização da figura inclusive no vestuáriodapersonagem,queafigurafuncionacomoescapeàrealidadeeque a sua utilização acaba por funcionar como a constante referência à cultura shōjo contemporânea. Na entrevista, previamente referida, ao produtor e ilustrador da série, estes afirmam ter tido um paticular cuidado com a forma como os olhos da

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personagem eram desenhados. Pretendiam que o seu olhar transmitisse determinação,apesardasuainsegurança,emistério.OprodutorUedaafirma queatémesmoocorpoqueLainpossuipodenãoser real,talcomotudoo restoquearodeia.Elaapenaspodeserassertivasobreasuaexistênciapela forçadevontadequepossui.Casocontrário,apersonagemiriafraquejar.De facto,mesmoquandoaheroínaseperdenaredeeoseucorpopareceestar sem vida, ela actua com grande determinação seja na Wired e também no planofísicoquandoregressaasi. Lain possui uma capacidade apontada por Brown chamada de telepresença 28 . Esta capacidade, permitida pela tecnologia, faz com que a heroínaestejanoutrosítioquenãoosítioondedefactoestá.Esteefeitodáa sensaçãoaopróprioeaosoutrosdeomnipresença.Oautordácomoexemplo as teleconferências ou mesmoo uso robótico à distância na medicina e em ambientesperigosos,comoumcampodeminas.Brownsugerequeasdúvidas deLainsurgemcomatelepresençaeodilemapóshumanoqueelesuscitada fracaseparaçãoentrefísicoevirtual.Masnopresentetrabalhocrêsequeas dúvidassejamdeumforodiferente,oCorpoeoque ele representa, apesar nãoexcluirmosatelepresençacomoelementonodiscursosobreomesmo. Definimos o arco da personagem e entendemos de que forma a narrativa e a personagem se influenciam mutuamente. Lain tem uma determinadacaracterização(madeixadoladoesquerdocomumacruz,roupas discretas,referênciasaursos),sendoestaumaspectohumanodapersonagem que o define enquanto ser humano. O outro lado da personagem, a profundidadedapersonagem,quesetraduznumsermoralque,comocorrer danarrativa,semodificaetomadecisões.Essasdecisões,porsuavez, vão definindo a sucessão de eventos na narrativa, numa relação simbiótica. Portanto os actos de Lain definemna, resultado da pressão que a narrativa exerce nela para haja uma decisão por parte da personagem. McKee (1999) aponta:

28 Lev Manovich explica o que se entende por telepresença na obra “The Language of New Media”:“(...)theexperienceofdailynavigatingtheWebalsoinvolvestelepresenceonamore basic level. By following hyperlinks, the use “teleports” from one server to another, from one physicallocationtothenext”.

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« The function of structure is to provide progressively building pressures that force characters into more and more difficult dilemmas wheretheymustmakemoreandmoredifficultrisk takingchoicesandactions,graduallyrevealingtheir truenatures,evendowntotheunconsciousself. Thefunctionofcharacteristobringtothestorythe qualities of characterization necessary to convincinglyactoutchoices.Putsimply,acharacter must be credible []. Each must bring to the story thecombinationofqualitiesthatallowsanaudience to believe that the character could and would do whathedoes.» (McKee,1999:106107) Estesnãosãoosúnicosaspectosasatisfazer.Apersonagememsitem necessidades. Essas necessidades em Lain funcionam então da seguinte forma:anecessidadedahistóriaouextrapessoalfazcomqueaheroínaesteja envolvidadirectaouindirectamentenumproblemaqueterárelevânciaparao seu próprio ser, que no caso será as manifestações na Wired por parte da colega que se suicidou; a necessidade psicológica ou intrapessoal que diz respeitoapenasaLain,quetentaperceberasualigaçãocomaWiredeasua própria personalidade nessa relação; e finalmente a necessidade moral ou interpessoal,ondeenvolvemosasoutraspersonagensesetraduznaprocura da satisfação da necessidade pessoal, como a confrontação com os outros, nomeadamenteospaiseEiriMasami,paradescobrirasuaentidade. Robert McKee define ainda que a personagem têm a capacidade de ultrapassarasdificuldadesealcançaroseuobjectivo,peloqueapersonagem é assombrada por um dado evento até que o consegue ultrapassar. E irá ultrapassálo para lá da expectativa do espectador. Lain também puxa à empatiadaaudiência,umavezquealutadelapoderálevaroespectadorao reconhecimento de uma situação pessoal equivalente. Ou seja, identificamo nos comaspersonagens e comos seus conflitos. Neste caso, levantase a questãodaidentidadenomundovirtual,dequeméoEuvirtualedecomofaz a gestão dessa identidade entrea realidadefísica e a realidade virtual. Lain apresentasecomoaboadahistória,eproporcionalmentetemosoantagonista

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que é mau, sendooEiri Masami. Esteantagonista desempenha o papel de aliado,dissimulado,paraqueLainresvalenoseuplanocibernético. Uma das particularidades que é possível verificar em algumas das imagensutilizadas,em VisualExperimentsLain ,éautilizaçãodafrase“close the world, open the next”, em que “open the next” se encontra visualmente invertido. Tomando o jogo de inversão nesta frase emblemática na série, resolveuseaplicaresteaopróprionomedanossapersonagemprincipal,Lain, aoqueoresultadofoioseguinte:“Nial”. Nial é uma linguagem computacional utilizada, por exemplo, na inteligência artificial 29 . Como podemos ler na informação disponibilizada pela Universidade de Princeton, a “Nested Interactive Array Language” foi desenvolvidaem1981,porMikeJenkins. Lainproporcionaadiscussãosobreaidentidadeterminalqueenfrenta. Questionaserepetidasvezesquemseráela,umavezqueestádependenteda Wired,deondenuncapoderásair,porsersoftware.Maselaacabapordara resposta si mesma quando afirma que só existe dentro de quem tem consciênciadela.Elatemconsciênciadesimesma.Tambémpelasreacções deArisuàsuapresençaepelasreacçõesdafamíliaàsuaausência,épossível repensaraidentidadeterminaldeLain,estandonaafecçãodopóshumanismo aresposta. StevenBrownteceumaobservaçãomaispolíticasobreasquestõesda identidadedeLain,eoqueestasrepresentam.OautordefendequeLain,ao entenderqueasduasrealidadesnãosesobrepõemmas se complementam, rejeitasubmeterseaosistemaabstractoquecomandaasociedade.Comopor exemplo o esquema da sinalização rodoviária que se apresenta no início de cada episódio, aproveitamos para apontar. O autor prossegue a sua explicação: « Once the programming of the abstract machines has been demystified, Lain no longer feels compelledtosubmittothestatuesquooritsMinistry

29 Fonte:http://www.princeton.edu/~achaney/tmve/wiki100k/docs/Nial.html(verWebgrafia)

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of Information Control. The technology of control demandsthateverybodybeputintoitsplace,but Lainrefusestobepinneddown,identified,classified, or regulated by the abstract machines of society. Lain discovers that the most effective act of resistance in a cybersociety is to proliferate one’s digitalpersonaeincyberspaceinwaysthatdisrupt the flow and control of information and elude the digital representation of personal identity stored as userprofiledata.» (Brown,2010:183) Resumidamente,oautorpretendeapontarquenomomentoemquese criammúltiplasidentidades,oufalsasidentidades,osistemadeixadefuncionar normalmente,poisháopressupostodocontrolo.ComoBrownconclui: «SerialExperimentsLain suggeststhatthetaskfor posthuman political resistance is not to overthrow the virtual (which is impossible) but rather to elude itstotalizinggraspbyusingtechnologiesofvirtuality against the very assemblages and abstract machines that cast a virtual Web over our bodies andsubjectivities. RatherthanfightingherWired  doppelgänger ,Lain learnstoembracethemandtheperspectivismthey evoke,since“peopleonlyhavesubstancewithinthe memoriesofotherpeople”[].» (Brown,2010:184) ´ PortantoLaindesafiaasfronteiraspolíticasdasuaidentidadeeaprende ajogarcomisso,dentrodassuascapacidadescibernéticas.Oautorassume que,mesmonofinal,existeumaLaindaWired,masaquiiremosproporque Lainsetornouunaconsigomesmaequeencontrouasuaidentidade,sendoa sua última expressão, “I’m right here, so I’ll be with you. Forever.”, uma afirmação de Lain, não de Lain da Wired. Seja esta identidade múltipla ou singular, retomamos o pensamento inicial: o que mudará em Lain é a sua intensidade,nãoasuaidentidade.Nãopoderemosconsiderar o percurso da

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heroína uma alteração da identidade, mas poderemos considerar que conheceu melhor a sua própria identidade. Não fizesse Lain o percurso do herói,apontadoporJosephCampbell. Ela enfrentou desafios, ultrapassouos e descobriu a verdade, conseguindotornarseamestredosdoismundos,peladefiniçãodeCampbell. Oquepoderemospropor,apósestaponderaçãosobrequeméLain,éa reflexão sobre como Lain nos apontará a nossa identidade na contemporaneidade.IedaTuchermandeclaraqueaficçãocientífica“ajudanos areflectirsobreonossopresenteemmutação”(196;2004),noartigointitulado “Fabricandocorpos:ficçãoetecnologia”.Aautoraindica,deformaperspicaz, que“oqueparecetermudadoéaformadapergunta:nãosetratamaisde inquirirqualéasuaespecificidade[...]massim:aque espécie vocêpertence neste novo real?”. A autora aprofunda a última questão do seu artigo da seguinteforma: « Talvez tenhamos saído de uma pergunta epistemológica moderna para um actual problema radicalmente ontológico: até que ponto permanecemoshumanos?» (Tucherman,2004:196)

Análise dos momentos discursivos sobre o Corpo

Aqui utilizaremos o termo “real” como oposição ao “virtual” pois é o termo que frequentemente é utilizado na série, não querendo dificultar a percepção da visualização dos episódios, ainda que tenhamos em conta a oposição feita previamente entre o físico e o virtual como sendo as terminologias mais adequadas, à luz da explicação de José Bártolo, citada anteriormente.

Primeiro momento:(Layer:01–Weird) osuícidiodeChisaocorreno seguimento do surgimento dos primeiros intertítulos da série. Em termos de miseenscène, não há qualquer evidência de dispositivos electrónicos que

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pudessemfazeraligaçãoàWired.Háapenassinaisluminososeoscabosque marcam presença em todos os episódios. Sem Navi’s, telemóveis ou computadores,ChisaparecefalarnaWiredsegundosantesdesaltardabeira do prédio. A fronteira entre o real e o virtual já estaria algo dúbia com a presençadofundonegrosalpicadodoqueaparentasersangue. Chisadesprendesedoseucorpo,aosalientarnumintertítuloquejánão precisadeste.Podemosconsiderarqueesteéoprimeiromomentoasalientar nodiscursoaquenospropusemosaanalisar. SegundoBrown,adiscussãolevadaacabopelasérie não se resume aos limites da realidade com a Wired, que frequentemente se encontram ténues, visão diferente da defendida por Susan Napier que aponta o cariz sociológicodasérie,atravésdarepresentaçãoda shōjo edosseusproblemas comaWired.AsérieapresentaamétaforadopóshumanismoparaBrown.As palavrasdoautorqueseseguemexpõemojogoqueasériefazaolongodos episódios,ondeojogadorprincipalquetentaresolveropuzzleéLain: «Whatitmeansfortheboundariesbetweenthereal andtheWiredworldstobecomeblurredinthisway is not only the fundamental question of the entire series but also a powerful metaphor for the posthuman blurring of boundaries between the humanandnonhuman,livingandnonliving,organic andmachinic.» (Brown,2010:164) QuandoLainéapresentada,etemvisõescomasua própria sombra, comascolegasquevêaolongeecomapontadosseusdedosnasalade aula,aquiassumesequejáfaçapartedofactodafronteiraestardúbialogo comosuicídiodeChisa,talcomoofactode,quando Lain sai de casa pela primeiravezassombrasdasuaruanãoseremsombrascomuns. Esteéoprimeiroabandonodecorponasérie,eé o que despoleta a acção.

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Segundo momento: (Layer:03–Psyche )ArisutocanasmãosdeLain apósosuicídionadiscoteca.Nomomentoseguinte,Lainchegaacasaeasua famílianãoestápresente. Imagem4–ArisuseguraasmãosdeLain. Paraalémdasrelaçõesentrepersonagensqueseestabelecem neste momento, heroína e companheira/paixão, este contacto servirá de referência paraaLainmaistarde.Duranteasérie,éaprimeiravezquealguémentraem contactofísicocomapersonagemeareacçãodeLainaissoésalientadaem termosaudiovisuaisatravésde closeup àsmãoseàfacedapersonagem,que reflectesobreoquesentiuaotacto. Noartigo“Docorpoprotésicoaocorpohíbrido”,deMariaAugustaBabo, encontramosprecisamenteotactocomoconexãoaomundo: « Dos sentidos que abrem o corpo ao mundo, a recepção óptica e a recepção háptica são preponderantes.Afenomenologiacolocoumesmoo tacto como sentido fundamental ou fundador da percepção.Otactofundamentaléassimentendido como uma capacidade, mas, mais do que isso, como a origem de toda a sensação, a origem do sujeitonasuarelaçãocomomundo,porqueo con tacto é, antes de mais, tacto. Tocar é esse acto exactoemqueocorpoencontraomundo,emqueo corpo, assumindo a sua própria finitude, o seu bordo, a sua pele, a usa como superfície de captação de sensações, de ligação ao espaço envolvente: contacto é esse tacto que integra o

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sujeito no mundo. Haverá ainda assim uma sensaçãofundadora,umactodeaberturaaomundo quesedêcomooriginaleoriginário?» (Babo,2004:27) Terceiro momento: (Layer:03–Psyche )EiriMasamientraemcontacto com Lain pela primeira vez, sem a presença dum corpo. Entra em contacto comapersonagemdentrodocomboio,nasmesmaslinhasondeoprópriose suicidou.Estemomento concretizase a percepção de queexiste ummundo paralelo,nestecasovirtual,aodeLain.Acomunicaçãofeitaanteriormentepelo lado da Wired era traduzida através dos intertítulos e agora surge uma vocalizaçãodirectaparaapersonagemprincipalqueéaúnicaapoderescutar avoz. Quarto momento: (Layer:04–Religion )NadiscotecaCyberia,JJouve avozdeLainquelheperguntaonomedojogoquehaviaprovocadoproblemas emortes–oPhantoma.DepoisdeJJlherespondee se virar, este percebe queLainnãoestánaqueleespaço. Este momento surge após a instalação da Psyche no computador crescentementepoderosodeLain.Apersonagemprincipalvocaliza,talcomo EiriMasamihaviafeitonoepisódioanterior.Apósacompreensãodaexistência do mundo virtual através da voz do antagonista, Lain utiliza a mesma capacidadeapartirdaWired. Quinto momento: (Layer:04–Religion )QuandoLainsepreparapara entrarnaPhantoma,opaiaparecenoseuquartoeadverteaqueaWiredé apenas um  meio  paraacomunicaçãoetransferênciadeinformação, não podendoesteserconfundidocomomundoreal.Lain contrariao, apontando queafronteiraqueseparaummundoeoutronãoénítidaequeelairáentrar natotalidadenaWired,traduzindosepararede,comasmodificaçõesquefez noseuNavi.

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LainaparentaestarconvictadasuatraduçãoparaaWired.Noentanto, apersonagemnaverdadejáestátraduzidanaWired,tendocorpono“mundo real”,queopairefere. Sexto momento: (Layer:05–Distortion )EiriMasami,enquantovozoff, reflecte sobre a evolução humana, enverdando por um discurso mais pessimista ao afirmar o quão é rídiculo, a seu ver, o Homem manter o seu corpo para satisfazer as necessidades carnais, efazêlo sem saber o que o conduz.Masqueesteterácriadoumaformadeescapeatravésdasredes. Aqui relacionamos o discurso com a ideia defendida por Marshall McLuhan,noquedizrespeitoàligaçãodoHomemcomamáquina.Oautor considera ter havido um período denominado “Era Mecânica”, em que projectámosonossocorpoparaoespaço.Todavia,omundoocidentalagora vive tempos diferentes, ao que McLuhan apelida de “século da tecnologia electrónica”: « Depois de três mil anos de explosão, graças às tecnologias fragmentárias e mecânicas, o mundo ocidental está implodindo. Durante as idades mecânicas projetamos nossos corpos no espaço. Hoje, depois de mais de um século de tecnologia eléctrica, projectamos nosso próprio sistema nervosocentralnumabraçoglobal,abolindotempo e espaço [...]. Estamos nos aproximando rapidamentedafasefinaldasextensõesdohomem: asimulaçãotecnológicadaconsciência,pelaqualo processo criativo do conhecimento se entenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana,talcomojásefezcomnossossentidose nossos nervos através dos diversos meios e veículos.Seaprojeçãodaconsciência[...]seráou nãouma“boacoisa”,éumaquestãoabertaàsmais variadassoluções.Sãopoucasaspossibilidadesde responderaessasquestõesrelativasàsextensões do homem, se não levarmos em conta todas as extensões em conjunto. Qualquer extensão – seja dapele,damão,oudopé–afetatodoocomplexo psíquicoesocial.»

(McLuhan,1964:1718)

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Comofoipossívelverificarnaprimeirainstânciadeanálise,EiriMasami afirmaqueeleapenasconectoutodosnovamente,talcomoserianoiníciopois todosteremosinformaçãodentrodenós(estaafirmaçãobaseiasenofactode funcionarmos como uma grande rede neural, utilizando a Ressonância Schumann). Sétimo momento: (Layer: 05 – Distortion ) A personagem principal encontra neste episódio quatro momentos em que fala com figuras, no seu quarto, num ambiente melancólico e em tons de sépia. Uma das figuras, a mãe,dizlhequeaWiredéumacamadasuperiordomundo real, em que a realidadeéholográfica,domesmomodoqueaactividadecerebraldumcorpoé meramente um fenómeno físico provocado por sinapses que provocam impulsoseléctricos,eque,portanto,ocorpodestinaseapenasaconfirmara existênciadapessoa.Lainperguntalheseelaéasuamãeeestadesaparece. Eiritomaváriasformascorporaisnesteepisódio,paratentarconvencer Lainapassarparaoseulado.Elefazusodefigurasdereferênciaparauma criança: a mãe, o pai, a boneca e a máscara tribal, sendo esta última uma representaçãocultural.

Imagens5,6,7e8–AsfigurasqueseapresentamperanteLain.

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Oitavo momento: (Layer: 05 – Distortion ) Mika janta com a família quando, de repente, se encontra novamente na passadeira, na cidade. Ela observa os transeuntes que estão no passeio. Estes transformamse em figurascorporaisabstractas. Nono momento: (Layer:06–Kids )Nocéudacidade,asilhuetadeLain surgecomosesetratassedeumaapariçãodivina.Todos,paraalémdeLain, conseguem observar ofenómeno. Foram crianças, que estendiam os braços aocéu,quechamaramàatençãoparaofenómeno. Lainsurgecomoumsercelestial,divino,diferentenestaaparição.Após a primeira instância de análise, inclusive, sabemos que Lain é chamada de “anjo”,porTaro.Apropósitodetodasestassubjectividades,oseguinteexcerto deJoséAugustoMourão,em“Hibridismoesemiótica”(2001:292): « Os anjos ontem, como figura prémoderna da metamorfose, os “anjos biónicos”, mistura da biologia e da técnica ou os cyborgs hoje são figuras/conceitos inquietantes porque de certa maneiraescapamaocontrolodaquiloquevivesob alçadadopoderoudamatéria.Estasduasfiguras inscrevemse na “ semiotic turn ” como “seres” que gozam de um estatuto misto de entidades ao mesmotemponaturaiseculturais;aomesmotempo sujeitoseobjectos,nãopodendoserdefinidosnem como simples “objectos” nem como simples “sujeitos” tanto o seu “estado” é a permanente metamorfose.» Aindasobreafiguradocyborgeoscorposhumanos:

« O cyborg é talvez o mais óbvio exemplo contempoâneo dessas perenes misturas de humanosenãohumanos.Comoumacontecimento narrativoqueseprolongadesdeostemposarcaicos até hoje, a transformação metamórfica dos corpos humanos,amisturadohumanocomonãohumano é uma linha prémoderna do incidente literário que atravessaoperíododamodernidadeeemergeuma

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vez mais na pósmodernidade como um modo centraldoimagináriocultural.» (Mourão,2001:294) JoséAugustoMourãorefereaindaqueo cyborg éfiguracaracterística da ficção científica, sendo o “fantasma do determinismo tecnológico” de McLuhan. Décimo momento: (Layer:06–Kids )OProfessorHodgesonconversa comLaine,adadomomento,estedeixadelheresponderecomentaoquanto estáfelizporestarnumsítiocomoaqueleenquanto espera queo seu corpo morranomundoreal. Décimo primeiro momento: (Layer:07–Society )Lainencontraseno topodeumprédioeArisuaproximasedesi.Aamigarevelaestarcomreceio dequeLainvolteaserfechadacomoera,equeoseupedidoparasairànoite eraapenasparaaheroínasedivertirumpouco.ArisutocanamãodeLaine dizficarfelizporsaberqueLainafinalsedivertiu.Lain,atrapalhada,agradece apreocupaçãodeArisu. Décimo segundo momento: (Layer:08–Rumors )O“Deus”daWired falacomLainquandoestaseencontrarodeadadepessoas sem face. Diz à heroínaqueelaéapenasumhologramadaLaindaWiredquesempreexistiu, sendo ela apenas um corpo. Lain tem dificuldade em acreditar em tais afirmações. ÉcuriosocomoEiriMasamiteceestasafirmaçõesàheroínaquandoele próprio manifesta posteriormente um corpo para poder estabelecer uma comunicaçãomaispresencialcomLain.Aheroínacriticaoposteriormentepor isso. Décimo terceiro momento: (Layer: 08 – Rumors ) Enquanto Arisu discutecom“Lain”porestaaespiarenquantofantasiacomoseuprofessor,a heroína está deitada no quarto, em pânico. A sua figura surge num cenário

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escuro,comumasombramanchadaaemanardoseuprópriocorpoecabos que se movimentam. De seguida o seu corpo, coberto com o fato de urso, encontrase num céu com cabos que a encerram na escuridão. O fato desapareceeasuapeletornasenumatransparência. Décimo quarto momento: (Layer: 08 – Rumors ) Eiri Masami representaseatravésdeumaformametálicadisformediantedeLain. Décimo quinto momento: (Layer: 08 – Rumors ) Réplicas de Lain rondamaheroínanaWired.Lainperguntaseaquelesbonecoseramsuposto seremelaequeestesnãopassamdelixo. Décimo sexto momento: (Layer:09–Protocol)QuandoLainlevaTaro aoseuquartoelheperguntasefazpartedosKnights,Taroficasurpreendido aoperceberqueaLainquetinhadiantedesieraarealLain.Aheroínadizlhe que não sabe ao certo se existe outra Lain na Wired ou não, mas que no mundofísiconãohaveráoutra–anãoseraquesurgiunadiscotecaCyberia. Taroacabaporabeijar. Décimo sétimo momento: (Layer:09–Protocol )Nofinaldoepisódio, EiriMasamisurgefinalmentecomumafigurahumana.Oseucorpo,deaspecto macabro e mutilado, apresenta fitas negras nas zonas onde foi cortado nas linhasférreasnoseusuícidio. Décimo oitavo momento: (Layer:10–Love )EiriMasamireproduzas questõesemqueLainestariaapensarquandooviunaquelecorpo.“Porqueé queésDeus?Eunãoentendo.Estásmorto,nãoestás? Um humano morto. Alguém assim não poderá ser Deus, pode?”. Lain recorda as palavras de Chisa, da desnecessidade de possuir um corpo e que a morte é apenas o abandonodacarneeEirireconheceas. Décimo nono momento: (Layer:10–Love )NesteepisódiovemosLain conectadaàWired,sentadanochãoeenroladaemcabosqueseligamàsua própriapeleatravésdeganchos.

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Vigésimo momento: (Layer: 10 – Love ) Eiri chama Lain de “homunculus de costelas artificiais” e que esta é apenas um holograma, que nuncacomeçouporterumcorpo. Vigésimo primeiro momento: (Layer: 11 – Infornography ) Lain, que estáalevarasligaçõesàWiredparaládolimite,recebeavisitadeEiri.O antagonistaadmiraofactodaheroínaterinstalado um emulador do Navi no cérebro,poistalactoéperigosodevidoaoexcesso de informação recebido. Lain pede que não a trate como uma máquina, Eiri chamaa de software, programaexecutávelcomumcorpo. Vigésimo segundo momento: (Layer: 11 – Infornography ) Lain visita Arisu ao seu quarto, sob a seguinte aparência: cabeça humana, corpo extraterrestre.Arisuperguntalheoquelheaconteceu. Vigésimo terceiro momento: (Layer: 12 – Landscape ) Num ecrã pixelizado, Lain surge e explica que ela só tem substância na memória dos outros,havendoumaLaindentrodecadaumdenós. Vigésimo quarto momento: (Layer: 12 – Landscape ) Quando é apresentadoocenáriodosuicídiodeEiriMasami,escutaseasuavozemvoz off a explicar que é possível traduzir todas as funções de um corpo por palavras e descritas por termosmateriais. Prossegue o raciocínio ao afirmar queocorponãoémaisqueumamáquina,seaslimitaçõesfísicasdocorpo restringiram a evolução humana, então seria como se a espécie humana tivesse já um futuro decidido por um Deus que não existe. Eiri conclui o discursocomaideiadequeeleapenasquerconectartodoscomohaviamjá estado,poistodoscontemosinformaçãodentrodenósqueépréviaànossa existência. Eiri Masami já havia anteriormentemanifestadoo seu desprezo pelo corpo,mastornaseevidenteasuaposiçãoextremistaquantoaeste.Isabelle RieussetLemarié,investigadoranaáreadacomunicação,informaçãoemedia naUniversidadedeParis,escrevenoartigo“Corposeimagensdigitais:Ouo

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percurso do corpo para além da espectralidade” sobre as ideologias da cibercultura, que alimentam “seitas como a dos extropians”, sendo estas a favordodesenvolvimentotecnológicodemodoaalteraravidahumanadetal formaqueamortedeixedeserumapreocupação: « Tais ideologias, [...] agitam as hostes dualistas comumatransferênciadosespíritoshumanospara “corpos virtuais”, “corposmedia” tidos como veículos técnicos de um espírito com o qual não mais manteriam qualquer consubstancialidade. Nestas ideologias de desmaterialização e de desincarnação, o ser humano já não é depositário encarnado, indissociável do percurso de uma experiência determinada, mas antes uma mensagem supostamente veiculável e reprodutível emtodososmeios,menosprezandoenquantomero suporte. Reduzido ao estatuto de suporte, o corpo só seria tolerado enquanto meio, devendo opor a menor resistência possível à mensagem que o atravessa. Rendernosíamos a esta “passagem obrigatória pela corporeidade”, lastimando o corpo enquanto “operador paradoxal” na medida em que “parecetravarairradiaçãodamensagemapesarde favorecer a sua propagação e assegurar a sua completude”.» (RieussetLemarié,2004:108) Éperceptívelqueavisãodoantagonistasobreocorpoesobreoque estecontemencontrananossarealidadeumaposiçãodemarcadaenquando ideologia.Istoquererádizer,também,queavisãoqueLainteráeargumentará éumacríticaàsideologiasquepossuemcontornosiguaisousemelhantesàde EiriMasami.Háportantoaquimaisumpontodereflexãosobreacríticaqueo anime fazsobreos extropians ,eousoqueestesfazemdatecnologia.Este tópicoaindanãotinhasidoabordadonopresenteestudo. Vigésimo quinto momento: (Layer:12–Landscape )OcolegadeKarl, umdoshomensdenegro,ficadesagradadocomideiadequequemestápor detrásdoproblemadosKnightsseriaEiriMasami.KarlreferequeEirinãoestá

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morto,aocontráriodoqueoqueocolegajulga.Poistercorpoounãoternão fariaadiferença. Vigésimo sexto momento: (Layer:12–Landscape )Arisuvisitaacasa degradadadeLaineencontraasoterradaemcabos.Ambasconversamsobre as más memórias de Arisu. Lain assumese como um programa concebido para destruir a barreira entre os dois mundos. Arisu perguntalhe se ela é apenasumprograma,aoqueaheroínarespondequenaverdadesomostodos aplicações,eque,porisso,nãonecessidadedehavercorpos.Arisuestende lheamãoetocalhenorosto–elanãoconcordacomtaisafirmações. OtoquefuncionacomoumgatilhoparaLain.Nosmomentosemqueé tocada,Laintomaconsciênciadoseucorpoerelembraasuanecessidadede existênciacorporal.Esteéoúltimoedecisivomomento. Como José Bártolo explicaapartirdopensamentodeMerleauPonty:“Osentiréestacomunicação vitalcomomundoquenolotornapresentecomolugarfamiliardanossavida.” (Bártolo;128,2007). Vigésimo sétimo momento: (Layer: 12 – Landscape ) Eiri Masami intervemnaconversaentreArisueLainnoquarto.Oantagonistaafirmaque Arisuestácommedodeperderoseucorpo.Deseguidamanifestaumamão fantasmagórica.

Imagem9–AmãofantasmagóricadeEiriMasami.

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Ainda no artigo de RieussetLemarié, a autora falanos ainda de espectros e da identificação com “fantasmas” que é possível levar a cabo a partirdanegaçãodocorpo: « Com Stelarc somos confrontados com a “fase terminal”dareduçãodocorpohumanoaoestatuto de fantasma, promovida pelas ideologias da cibercultura.Deixarámesmodeseroaquilo que é proposto ao internauta como fantasma a manipular, e que deveria representar o corpo no espaçovirtual.Será,emvezdisso,oprópriocorpo do sujeito que deverá ser reduzidoa umfantasma manipulado pelo seu avatar. Esta metamorfose terminal não será mais do que o culminar do percurso iniciático dos diversos estádios de identificaçãocomosfantasmas.Aciberculturanão deixou de convocar as figuras do espectro ou do ghost enquanto novos pólos de identificação paradoxal dos sujeitos, prometendolhes “corpos virtuais” dotados de ubiquidade, capazes de “assombrar” os quatros cantos de um ciberplaneta interligadopelasredes.» (RieussetLemarié,2004:108) Tendo em conta que Eiri Masami não se trata propriamente de um avatar,háaquianoçãodequeelesemanifestafantasmagoricamentenoplano físico,detalformaqueArisuvêapenasumamãotranslúcidaeazulasurgirpor detrásdeLain.Todavia,sabemosqueocorpomanifestadodeEirinãoévisível paraoshumanos,econsequentementeéapenasumarepresentação.Peloque amãoéo“fantasma”quesemanifesta,tendoassuasorigensnaWired.Ou sejaosujeitomanipulaocorpoapartirdovirtual–aexpressãodoavatar,por comparação. Vigésimo oitavo momento: (Layer: 12 – Landscape ) Lain levantase durante a argumentação com Eiri Masami, depois de ser tocada por Arisu, fazendocomquetodososcabossesoltemdoseucorpo. Eiri insiste que é omnipotenteequefoielequematribuiucorpoaLain. Esta perguntalhe que

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assim sendo quem será ele. O antagonista cria então um corpo disforme e inconstante.Eiritentaesmagarasduasjovensmas Lain dizlhe que ele não entenderá pois para ele os corpos não têm significado. Lain esmagao com equipamentos. Duranteasérie,assistimosaLainsemprecomamesmaaparência,quer na Wired quer no mundo físico. Já Eiri apresenta várias representações de corpos, para além de tomar para si aparências de outros (Chisa, mãe, pai, boneca,máscaratribal,entreoutros).Istorevelaumainconstânciaporpartedo vilão em se manifestar, que tudo tenta para persuadir e convencer Lain, incluindocontrariarseecriarparasimesmoumcorpodisforme. A vertente surrealista desta apresentação do antagonista recorda as representações do mesmo movimento na fotografia, um dos elementos explorados neste percurso académico debruçado sobre o corpo e as suas particularidades. Já Hans Bellmer fazia uso de corpos disformes na sua fotografia, chocando quem o olhasse e desafiando a percepção de quem observava 30 . Curiosamente Steven Brown também menciona este artista plástico e fotógrafo surrealista na sua obra rizomática, a propósito da série Ghostintheshell2:Innocence .

Imagem10HansBellmer,LesJeuxde Imagem11HansBellmer,LesJeuxde laPoupée ,1949. laPoupée ,1936.

30 Imagensretiradasdasseguintesfontes: http://arttattler.com/archivelossofcontrol.html http://icpbardmfa.wordpress.com/2009/12/01/enter/01_hansbellmer/

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Imagens12e13OcorpodisformedeEiriMasami(Layer:13Ego ). Seguindoaestruturadomonomito,LainvenceEiri,apósestemanifestar umcorpomuitosemelhanteàtipologiadocorpodisformedeBellmer.Humano masnãototalmente humano ,Eiriacabaporserdestruídocomaideiadeque elenãoéumdeus.

Vigésimo nono momento: (Layer:13–Ego )Lain,nojáconhecidoecrã pixelizado, pergunta ao espectador onde está a Lain real, ao que a própria responde que não há Lain real pois ela só existe dentro de quem está conscientedasuaexistência. Sendo a layer: 13 – Ego o momento que Lain ganha consciência, a heroínademonstrajátêlanomomentoemquesequestionadestaformado ladodaWired.Corpovirtual,masconsciente. Imagem14–Lainganhaconsciênciadasuaidentidade.

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Trigésimo momento: (Layer: 13 – Ego ) No final da série, Lain, ainda com o mesmo aspecto, encontra Arisu, mais crescida e acompanhada pelo noivo. Arisu cumprimentaa e sente reconhecêla. Lain não avança muito na conversa, mas comenta após a despedida que se poderão ver a qualquer momento.Lain,noecrã,dizqueestá“aqui”equeportantoestaráparasempre comela. Através desta última instância de análise, foi possível observar o discurso do corpo na série, e, identificados os momentos, poderemos agora pensareenquadrarcomosautoresmencionadosatéestepontoparachegar àsconsideraçõesfinais.

Considerações finais Hayles(1999:36)apontaque,naobra“Neuromancer”, o protagonista tem uma presença física apesar de considerar que o seu corpo é apenas “carne”,queserveopropósitodesustentarasuaconsciênciaatéquevoltea entrarnomundovirtual.Aqui,apontamosqueaproblemáticadanossaheroína não se resume amanter um corpo para sustentar o seu Eu – ela já existia antes do seu corpo carnal.Lainocupaseda sua identidade, que advém de todaasuamanifestaçãoexistencial.Quecorpoéaquele,queméela,deonde vemeparaondedeveráir. Um corpo situanos em termos de espaço e tempo. Sabemos que estamos aqui ou ali, que temos certa idade e que, sendo seres biológicos, temosaexpectativadeviveralgumtempo.Paraalémdapartebiológica,temos onossoladoemocional,racional,cognitivo,quenosfazsentirbemoumalna relação com o outro e connosc próprios. Durante a acção da série, Lain raramente é tocada. A amiga é quem mais lhe toca, mostrando ser um referencial à heroína da existência e necessidade do seu corpo. No final da

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históriaéperceptívelqueestanãoperdeuasuacapacidadedesemanifestar nosdoismundos,evisitaalgumtempomaistardeArisu,quebrevementeirá casar.Lainnãoperdeoseucorpo,eéperceptível por outros, para além de Arisu,comoéoexemplodocumprimentodonoivo.Aquipoderíamosfazera comparação com o corpo disforme de Eiri, que tenta desesperadamente manifestarseematarasduasamigas,na Layer:12–Landscape .Seporum ladoEiriqueriaodespojardocorpo,Lainpercebenofinalqueessenãodeverá serofimdaexistênciacontemporânea.EiriMasami,quedesprezavaanoção decorpo,preferiaatraduçãodasuaexistênciaemdados,atravésdecódigo binárioemdetrimentodecélulaseglóbulos,parahabitar no “ciberespaço” e nãonacidade. O objectivo de Eiri seria eliminar todos os periféricos físicos, todo o hardware, para elevar a consciência a um ponto que houve uma conexão neuralvirtualgeneralizadaentretodos,ondeoreceptornãoéumNavimassim onossocérebro.MasseeleapontaaLainqueesta é meramente software, porquêoseureceio?Naverdade,oreceioémanifesto.Laintemcorpo,eainda queesteestejasoterradoemcaboseestejagelado,elaconseguetocarArisue sentirasuapalpitação.Elanãoseapresentacomoumamanifestaçãovirtuale holográfica–essaéasuaversãonaWired.Comoafirma,novamente,Steven Brown,umadasquestõesligadasaopóshumanismodizrespeitoàcapacidade deafecto:

«AsBruceBraunhasargued,oneofthelessonsof posthumanism is “the possibility of, and necessity for, a political cartography of bodily formation that attendstohowbodiesareimbuedwiththecapacity of affect []. In contrast with humanism, the posthumanemphasisonthecapacityforaffectisno longer tied to a norm, universal, or essence, but instead attends “to the middle – that place where everything happens. Where everything picks up speedandintensity,”a“meetingplaceofdangerand hope”whereontologicalplayallowsforthehybridity and heterogeneity of new becomings, where the subjectis“local,fluid,andcontingent.”» (Brown,2010:178179)

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Eiri Masami tenta convencer Lain que a desencarnação é a melhor escolha,aoqueLainripostacomanecessidadequeeleprópriotevedeusar todos os hardwares desenvolvidos até ao momento. O discurso deste falso Deus aponta permanentemente para um idealismo virtual, onde a camada físicaésubordinadaàcamadacyber.PelaspalavrasdeBrown: «Eiri’sdigitalidealismadvocates  transcendingthe obsoletebodyandrisingtoahigherplane–notof spiritualitybutofpuredigitality.» (p.179) Apropósitodeplanosmaistranscendentes,aapariçãoqueLainfaznos céusdacidade,emqueascriançaslheestendemosbraços,sugere,alémda utilização de referências religiosas e espirituais no anime , a adoração contemporâneadoartificialevirtual,comojáfoianteriormentemencionado. Na tentativa de destruir todos os hardwares, Eiri Masami acaba por assumiromesmopapelqueaMáquina,quetentadestruiromundomaterial, docontode1909deForster.TambémnaobradeHayles(1999;4),queafirma queainformaçãoperdeuocorpo,sendoquea encarnação nãoéfundamental paraoHomem,poisestefenómenoépostodepartena“construçãocibernética dopóshumanismo”,conseguimosidentificarodiscursodoantagonista. Na layer:12–Landscape ,quandoaLainconversacomArisusobreo facto de ter reconectado todos, e sobre o facto de ter sido concebida para destruirafronteiraentreosdoismundos,Arisuchamaaàatençãodequeela precisadeumcorpoparaexistir,paraviver.Eiriintervémeafirmaquetudoo queLainsentenapalpitaçãodeArisuémedodeperderocorpo.Ofactoéque eleprópriosematerializaparaaconfrontarquandoaheroínalhedizqueéele quem ela não consegue entender. Questiona quem lhe deu aqueles direitos sobreoshumanosedeondedefactovieramasideiasdeconectaromundo sem dispositivos. Lain responde que sem corpo ele não poderá entender. É nestepontoqueodiscursodeEirisequebra,restandoparaLainoseupróprio esclarecimentoquantoaoseulugarnomundo,discutindo consigoprópria .

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Lain,nofinaldasérie,fechaoarcodasuapersonagem, concluindoa sua jornada. A heroína confluiu numa única subjectividade após o confronto comaLaindaWired.

O Corpo enquanto fronteira No início, questionamonos se a fronteira que o corpo de Lain criada entreomundovirtualeomundofísicoeraténueouseeraimpenetrável. Comofoitambémpossívelverificarnatabela 31 deauxílioàsanálises,os momentos discursivos sobre o corpo não são regulares, pelo que há uma frequênciademomentosmaioremcertosepisódios,comoas Layers: 8e12, doquenoutros.Nas Layers: 3,7,9e12,ArisutocanaLain,eTarobeijaa. Estesmomentosocorremnoinício,meioenofimdahistóriaesãoreferências importantesparaanossaanálise.Aaplicaçãodateoria de Campbell quanto aosmomentosdaheroínapodesugerirumaaparentecontradição,todaviaisto éjustificadopelofactodahistórianãoseguirumpercursohabitual.Aquiloque évistonormalmentenasnarrativascomosendoosupernatural, aqui terá de servistocomooterrestre,umavezqueaheróinatemumaorigemdiferente–o mundovirtual.Aidentificaçãodosmomentostevequeserrepensadaporeste motivo,casocontrárionãoseguiriaaestruturahabitualdomito.Assimsendo,a tabeladeanálisedemonstraadistribuiçãodestes,evidenciando também que osmomentosnãoseencontramdistribuídosregularmentepelas layers . Iremos responder desde já a algumas questões lançadas no enquadramentoteóricoquenosajudaramadefinirahistóriaposteriormente.A partir da análise explorativa, compreendeuse que Lain chega a dadas conclusões–elaviveráparasemprenoperfeitomodelodopóshumanismo–e nóschegamosaopontodequeelapoderáexperienciarum pósmaquinismo , emqueseadquireumcorpoeseaprendeasentireagerirasemoções.Neste sentido, quando Napier afirma que a série coloca a questão da identidade terminal,estapoderáserassimapelidadapoisaidentidadedeLainencontra senumlimboentreosdoismundos,quenofinalconseguedominar.Todavia,

31 Veremanexo.

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para Lain, o nosso maior foco de atenção acaba por se dirigir para uma identidade inicial .Aindaqueseatribuaumestatuto terminal aestapersonagem por esta ser uma personificação do póshumanismo, a nossa análise audiovisual revelou que a descoberta que Lain faz da sua fisicalidade e a cofluência das múltiplas identidades que a heroína possuía no início desta narrativaalevamnãoparaumfim,masparauminíciodeumanovaidentidade, consciente da sua condição no mundo. Isto porque o processo de auto descobertadoseuserfazcomqueaheroínadescubraquemé,mesmotendo oestatutoterminal.Paraaculturacyberpunkeparaopóshumanismo,Lainéo protótipodaidentidadeterminal,eemtermosnarrativosverificamosqueLain faz também um percurso oposto, tornandose mais humanizada. A análise tambémrevelouque,talcomonahistóriadeE.M.Forster,ocontactofísicoé raro,enonossocasoissoapontouparaonossoesclarecimentonaanálise. Propusemonos também a entender se haveria uma mudança de identidade ou uma mudança de intensidade. Verificamos que há uma descobertadasuaidentidadeequeesta,consequentemente,intensifica. Apósastrêsanálisesfeitas,esperavasequefossepossívelresponder ou “a fronteira é ténue” ou “a fronteira é resistente”, de forma directa e objectiva.Todavia,estainvestigaçãolevouaalgumasrespostasinesperadas, nomeadamenteaincapacidadedeadefinircomoumafronteira.Afronteiranão é forte nem fraca. A fronteira que se cria de facto é a consciência, com a capacidadedesentir,quefazcomqueLainsetorneumportal 32 ,namedidaem que a heroína surge constantemente com um corpo físico, e no final possui controlo sobre este e consegue transpor a fronteira mantendoo – pois necessita dele para se manifestar presencialmente no mundo de Arisu. O antropológoArnoldvanGennepinclusivetrouxeparaocampodaAntropologia os termos “rites préliminaires, liminaires et postiliminaires”, na língua original (Gennep,14:1981).Naobratraduzidaencontramosaseguinteexplicação: «Qualquerpessoaquepassedeum[território]para outro achase assim, material e mágico

32 Curiosamente,umadasdescriçõesdadasaotermoéoseguinte:“SítionaInternetqueserve depontodepartidaparaaceder,nesseounoutrossítios,agrandevariedadedeinformações oudeserviços,organizadosportópicosouporáreasdeinteresse.” Fonte:http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=portal

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religiosamente, durante um tempo mais ou menos longoemumasituaçãoespecial,umavezqueflutua entre dois mundos. É esta situação que designo pelonome margem [termooriginal:liminaire],eum dos objectivos do presente livro consiste em demonstrar que esta margem, simultaneamente ideal e material, encontrase, mais ou menos pronunciada, em todas as cerimônias que acompanhamapassagemdeumasituaçãomágico religiosaousocialparaoutra.» (Gennep,1978:36) Oautorindicaaexistênciaderituaispreliminares(separaçãodomundo anterior), rituais liminares (concretizados durante o estado de margem) e os rituais pósliminares (a associação ao novo mundo) (p. 37). Não estamos a falar de um processo tãodistinto quanto à jornada do herói, que sai do seu mundo, passa por certos conflitos e desafios e chega ao outro mundo modificadopelaexperiência,agoramaisaptoemaisconsciente.Nestamesma personagem que é Lain concentramse vários estatutos em simultâneo: identidade terminal/inicial, mestre dos dois mundos, Deusa da Wired, forma corporal liminal entre os dois mundos durante maior parte da acção até que estesetorne“parasempre” 33 . Podemos dizer, após estas observações, que Lain vai aprendendo a sentir,atéquenoúltimoepisódioconcretizeumEgo,talcomootítuloda layer indica.OespectadorassisteaLainaaprenderasentirealidarcomassuas afecções,saindodosestadoshipnóticoscomausênciadassensaçõesquando seligaàWired.Aotoque,Lainreage.Talcomosereferenopensamentode MarshallMcLuhan,omeioéamensagem,enestecasoocorpotrouxenosa mensagemdaquestãopóshumanistaedadiferençaentreo materialcarnal e o materialtecnológico . MichelFoucault,naconferência“Ocorpoutópico” 34 ,de1966,salientaa necessidadedepossedoscorpos,equeaprocurada libertaçãodos corpos gerouasutopias,ondeoscorposnãosedegradamnemsemagoam.Inclusive

33 TalcomoLainreferena Layer:13–Ego . 34 http://www.ihu.unisinos.br/noticias/38572ocorpoutopicotextoineditodemichelfoucault

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o autor menciona a existência da alma, que se escapa quando pode e que purificaocorpoimundodeváriasformaspossíveis.Ocorpoéumareferência, eestáempermanenteligaçãocomoutrossítios.Foucaultmencionaquenos momentos íntimos, o Homem sente o corpo aqui. Noutra conferência, “De OutrosEspaços”,de1967,oautorapresentaoconceito de heterotopia, que consiste na ideia de que existem espaços que são complexos e que nos apresentam uma realidade mais concreta do que aquilo que uma utopia conseguiria. Na heterotopia cruzamse vários espaços em simultâneo e também de várias relações. Podemos encontrar uma heterotopia presente através do corpo de Lain, por este ser o espaço de justaposição de vários espaços,físicoevirtual. Tal como nas narrativas mais antigas, como a de Forster referida anteriormente, em que se critica indirectamentea distância física do homem comosseussemelhanteseainsensibilidadedasmáquinasqueaterrorizaos habitantes terrestres, Serial Experiments Lain também expressa essa crítica. Seporumladoasérienosfaladememória,funcionandocomoumachamada deatençãoàhistórianipónicaquesetentaocultar(mesmonoconfrontofinal entreEirieLain,aheroínarelembraqueosaparelhoseléctricosquefizeram históriaeosdispositivosjáexistiamantesequestionaoantagonistasefoiele queoscriououseelenãosurgiuapósessasinvençõestecnológicas),factoé que,mesmoquandoacibernética shōjo faz“allreset”àsmemóriasdetodos,o paieaamigasentemafaltadasuapresença.Elatornase real a partir do momentoemqueconstróidentrodaspessoasumsentimento–asaudade.O corpodelatransportasentimentosparaooutrolado.Seelaserecusaaserviro vilão,elateráentãonoçãodobemedomal. As máquinas não têm consciência. A informação corre, independentementedeserboaoumá.Éumsomatóriodeinformação.Ocorpo doEiriéumaformadeFrankstein,poiséumsomatóriodepedaços,insensível, disforme–aessenível,éaantítesedoserhumano. Ieda Tucherman chamava à atenção para o problema ontológico da condiçãohumana.Nocasoda espécie deLain,utilizandooseutermo,tivemos umindíciodissona Layer:12–Landscape .“Eubeijeiumanjo”,diziaTaroaos

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amigos,depoisdeterbeijadoLainna Layer:08–Protocol .EjáLainhaviatido uma aparição na Layer:06–Kids 35 . Masarespostanãoficaráporaqui.OcorpodeLainapresentasecomo sendo a metáfora do corpo típico do póshumanismo, existe mas não envelhece,nãoadoece,nãosealteraprolongase.FoidadoumcorpoaLain nomundoreal,oumelhor,físico,apósoseunascimentoenquantosoftwarena Wired,masesteaindaassiméumestadofísico.Aocontráriodoqueacontece nahistóriade1909,emqueoscorposseisolameháumaaversãoaocontacto directo, em Serial Experiments Lain foi a capacidade de sentir que o corpo possui quemotivou Lain a não desistir da sua própria existência (sendo ela umadeusanaWired,teriaacapacidadedetambémse“apagar”)eaprolongar a sua presença, fisicamente inalterável, junto de Arisu. Lain dizlhe que ela estaráaliparasempre:maisumaevidênciadeumdosobjecivosprocuradosno póshumanismo. Fora do contexto da ficção científica e dentro daquilo que é a nossa experiência,depossuirumcorpo,ebuscandoaquiareflexividadeevocadano iníciodesteestudo,anossaexperiênciadiznosquequandoconfrontadospor situaçõesconcretasquepõememcausaacondiçãofísicadonossoser,desde doenças e patologias a acidentes, encontramonos numa situação em que o corpo se torna mais limitado que a sua mera condição material. Não se pretendeaquidiscutirsetemosounãoumacondiçãoimaterialpossívelainda que a virtualidade pudesse ser uma possível proposta para tal, todavia colocamos uma reflexão sobre o limite do corpo no seu estado mais físico, evidentemente carnal. Uma doença incapacitante ou um incidente rodoviário apresentamsecomoumaameaçaaoestadofísicodessecorpo–alimitação fazcomqueopróprioindivíduoasintaetenhaconsciênciadoseucorpo.A simples experiência de parar aquilo que são as acções naturais do corpo humano confrontao com a sua fragilidade: ele não se apercebe constantemente que executa a acção de inspirar e expirar, mas se ele interromperessaacçãoinvoluntáriaetãonecessáriaparaasuasobrevivência imediatamentesentiráefeitoscomotonturasepressãonotórax.Masseessa interrupçãodasacçõescorporaisnaturaisocorrercontraasuaprópriavontade,

35 É inevitável neste apontamento fazer a ligação com a obra “Wings of Desire”, de Wim Wenders,emqueumanjo,decide“cair”àcondiçãodehomemparapodersentireamar.

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olimitequeoseucorpoencontraganhaumasubjectividademaisintensa,pois éobrigadoavivertalcondiçãotendoaconsciênciadehaveralgomaisparalá dessasituação.Quandoaspropriedadesdocorposãorecuperadas,continuaa existir a realidade da limitação mas esta já não se apresenta como uma ameaça desconhecida, mas como uma parte da realidade física. O mesmo acontecequandosãoaspropriedadesintelectuaisaseremafectadas:ocorpo quenãopermitiapassaapossibilitaranormalexecuçãodassuascapacidades masagoracomoutravisãosobreosmaisvariadosaspectosdarealidade. « A pessoa que sofre uma queda apresenta uma espécie de imunidade à dor ou aos estímulos sensóriosporqueosistemanervosocentraltemde se proteger contra os golpes violentos das sensações. Somente aos poucos o indivíduo reconquista sua sensibilidade normal à visão e ao som, momento em que pode começar a tremer e transpirar, comoo teriafeitoseosistemanervoso central estivesse preparado previamente para a quedaqueocorreuinesperadamente. Dependendo de que sentido ou faculdade é prolongado tecnologicamente, ou “autoamputado”, ofechamentoouabuscadeequilíbriopelosdemais sentidoséfacilmenteprevisto.» (McLuhan,1964:62) Paraabrir novas extensões 36 da realidade, é precisofechar outras. Se abrirmos o campo sensorial ao virtual, haverá um entorpecimento quanto à presençafísicanarealidadefísica.Daíaapresentaçãodosestudantesdeolhar vidradodiantedoscomputadores 37 . A série anime faz uma arqueologia do que é ter um corpo, vindo do desconhecido(oquefavoreceoseumapeamento),edecomosetemdelidar comumcorpoquesente.Oscontrastesentreaapatiaeentorpecimentodos

36 FilipaSubtilanalisa aobradeMcLuhan, enestepontosalientamosaseguintepassagem: «Definindo as tecnologias como extensões do corpo humano, ao processo da experiência humanademediaçãonãopodeseralheioouniversodosartefactos,inscrevendoseahistória datécnicananarrativadamudançadasrelaçõessensoriais,modosdepercepçãoeformasde vida.»(Subtil,2006:71) 37 Vercomoexemploimagem7.6,noanexoA.2.Logona Layer:01–Weird ,tambémopaide Lain assume esta postura, e também a própria Lain, ao longo da acção e gradualmente de formamaisintensa,comoéocasodaimagem10.2e10.3,nomesmoanexo.

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cibernautaseosmomentosemqueLainétocadaporArisuevidenciamqueo toque,enolimiteosentimento,éoquejustificaaexistênciadoscorpos.Um corpoacidentadoestárasgadoemoído,masparaquempossuiessecorpoele não sente especificamente o ferimento ou o que se passa com o seu hematoma: ele sentedor, uma dor que o seu cérebro tenta tornar abstracta peladifusãodeváriosquímicos,comoaadrenalina,queatenuamacondição em que se encontra o acidentado. Este não pensa tanto no ferimento em causa,masantesquestõesmaisgerais,comoasuasobrevivência,sequelas comqueterádelidardaíparaafrenteoumesmoaspectosquenadatêmaver comoseucorpo. Lain, ao tornarse mestre dos dois mundos, consegue manifestar um corpo,earepresentaçãodeumcorpohumano,tantonomundofísico(quando seencontracomArisunapassagempedonal)comonomundovirtual(quando prometeestaraliparasempre),respectivamente,superandoalimitaçãoqueo seucorpopoderiarepresentar.Poderemosvêlocomoumprolongamentoapós aresoluçãodalimitação,aosetornarnomestre. Eapropósitododeterminismotecnológicoevidenciadonanarrativa,se sereflectirque,segundoMcLuhan,amensageméomeio,poderemospensar nestemeioqueéocorpo:atentativadeoprolongar,deoconvergirparaum Todo,deoimortalizar.Amensagemquepoderemosproporquesejaveiculada pelo meio é o da necessidade de se ser encarnado, ou no termo inglês, embodied. Éocorpoquelhepermitesertotal.Semosuportefísico,oresto nãoépossível.Asafecçõesinclusiveprovocamalteraçõesfisiológicas.Patrizia Violiapresentaumaexplicaçãomuitoclara: «Inmanycurrenttheoriesofembodiment,thebody is given in a general, even universal form, independentofthecultures,habits,discourses,etc., in which it is embedded. The body becomes a naturalized concept that does not need further elaboration: it is ‘naturally’ given. The body is something easily accessible: objectively and physically welldefined.Thebodyappearsjusttobe ‘there’: in possession of an immediate, self evidencing character that does not need to be explained. This is not the case. Even one’s phenomenological experience of the body, which appears as something immediate and given, is the

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result of a complex process and of the various practices that shape one’s perception of it. One could say to paraphrase a famous slogan of Simone de Beauvoir in reference to women – that one‘becomesabody’,andthatthishappensinthe course of a long process implying meaningful interactions with the environment and with other bodies: both human and nonhuman: in short, a processthatimpliesintersubjectivityandsemiosis.» (Violi,2012:5859) OquetrouxeLaindediferenteaomundodasnarrativascibernéticase futuristas? O facto de Lain ser tão jovem, e no entanto enfrentar uma identidadeterminal,tornaaumelementodeinteresse.Asnarrativasabordadas neste estudo, as referências dentro deste género de ficção, são geralmente protagonizadasporpersonagensdogéneromasculino,podendoserjovensou não. No caso deste anime , assistimos auma shōjo que parece carregar nos seusombrosofardodomundo,vendoseobrigadaasimplesmentedeixarde existir nas condições comuns ao ser humano. A fragilidade que esta personagemtransmite,sensívelaotoqueefrequentementerodeadadeursos de peluche, tornaa um símbolo mais humano que os próprios familiares e amigosquenasceram(apenas)nomundofísico.Aindaquesaibamosqueela não é propriamente humana, dentro da norma existencial do Homem. O silêncio que a rodeia e a solidão que a acompanha torna a história mais dramática,doquesefosse,porexemplo,umaobraaudiovisual, também de ficçãocientífica,masdeacção. Estareflexãoéencerrada,poragora,comacerteza de que as obras audiovisuais nos colocam questões que agitam consciências e estimulam discursos,independentementedopaísdeorigem,independentementedoseu género.

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Limitações e recomendações para futuras investigações

Durante a concretização da presente dissertação, foram sendo detectadasalgumaslimitações,dopontodevistametodológicoeinterpretativo. Ainda que estas limitações tenham afectado a celeridade de execução da investigação, reuniramse esforços para minorizar tais efeitos. De seguida serãoidentificadas: Definiçãodotermo“real”,emoposiçãoaotermo“virtual”:noinícioda concretizaçãodapropostadapresenteinvestigação,utilizouseotermo“real” comalgumacomodidade.Taltermo,utilizadonasériecomosendoooutrolado do“virtual”,veioalevantardúvidasquandosecomeçouapensarnocorpode Lain enquanto fronteira. O autor José Bártolo, na obra “Estudos Intersemióticos”, esclarece essa dúvida, pelo que a limitação encontrada na utilizaçãodotermoserviuparaesclarecermelhorestetema,acabandomesmo porsefazerincluirnodesenvolvimentodainvestigação.Todaviaotermo“real” éutilizadonasérieemcausa,emvezde“físico”,peloquepoderácriaralguma confusão ao leitor. Numa tentativa de o evitar, é explicada a utilização dos termosnoenquadramentoteórico.Posteriormenteénovamente mencionado, naconclusão,umavezqueseesclareceuumadúvida(queeradesconhecida) noprocessodeinvestigaçãoqueacabouporauxiliarestanoseugeral. Naescolhadométodo,teveseemcontaquetranscreveraacçãode umaobraaudiovisualparaaescritapodetrazeralgumaimprecisão.Aprópria extensãodaobradificultouoprocessamentodainformaçãoqueestacontém, peloqueháaconsciênciadequepoderáhaveralgumas lacunas no que diz respeitoamencionartodososmomentosquepudessemserrevelantesparaos temas aqui levantados. Pelo cariz interpretativo, assumese que não estão presentesinterpretaçõesdetodososelementosquepoderãoserconsiderados importantes,dumpontodevistadacibercultura.

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Aindasobreaescolhadométodo,aoriginalidadequeaestruturadeste poderáapresentaréassumidacomoumrisco,assimcomoumesforço.Será umriscoporfaltadeprovasdeeficácia,umavezque não foram detectadas análisesquesedividissememtrêsinstânciasparaquepudessemdaralgum sustentáculo metodológico à investigação. Também será um esforço, na medida em que se verificou que uma amostragem não era possível pela frequência de momentos de momentos importantes para análise do corpo, e pelatentativade,atravésdetrêsanálises,conseguir processar o máximo de informaçãopossívelparasechegaraumaconclusão. Quantoàselecçãodeimagens,étidoemcontaqueestaspoderãonão dar uma visão totalmente completa do audiovisual ao leitor da presente investigação.

Aproveitamosesteúltimomomentoparasugeriroutrospontosdeanálise possíveisdeconcretizarapartirdeste anime ,queseapresentatãocomplexoe predispostoamaisdiscussõesquenãoapenasestaque apresentamos. Um tópicopossivelmentesugestivoseriaanalisararelaçãocomatecnologiaque osmaisjovenstêm,comoTaro,nasérie,comparativamentecomarelaçãoque asmesmasfaixasetáriastêm,nosnossosdias. Apolissemiade SerialExperimentsLain permiteváriaspossibilidadesde estudo,peloquenocasodoestudoaudiovisualpoderemossugerirumaanálise sobreautilizaçãodosomedamúsicanasérie.

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Anexos

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Breve explicação

O presente anexo tem como objectivo auxiliar a leitura da obra audiovisual SerialExperimentsLain . Fezseincluirasimagensretiradasdasérieparamelhororientaçãoda leitura da primeira instância de análise, com a respectiva numeração e legendagem.Tambémapresentamosumatabelacomadistribuiçãodas layers , dos actos I, II e III, dos momentos do heroe’s journey segundo Joseph CampbelledosmomentosdiscursivossobreoCorpo. Quantoàsimagensretiradasdasérie,asuanumeraçãopoderáserlida daseguinteforma:5.10–Layer:05 ,décimaimagemretiradadesta layer ;10.2 –Layer:10 ,segundaimagemretiradadesta layer ;eassimsucessivamente.Ou seja,oprimeironúmerorefereseaoepisódioeosegundonúmeroàimagem retiradadolequedeimagensdaqueledadoepisódio.

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A.1 - Glossário

SerialExperimentsLain possuiumalinguagemmuitoprópria,peloqueé necessário consolidar os termos utilizados pelas personagens dentro da realidade em que estas vivem. Simultaneamente será feita a ponte para as terminologiasnanossarealidade,paraquesejatambémpossívelestabelecera analogia. Wired –traduzido, ligado ou rede .Sugerealigaçãodomundofísicoque se prolonga para o mundo virtual, dando a noção de continuidade. Indicia a conexãodoutilizador.CorrespondeànossaInternet. RealWorld –traduzido, mundoreal .TidocomooplanofísicoondeLain viveoquotidiano,vaiàsaulas,jantacomafamília.Noentantooconceitode mundorealpoderátornarsedúbionomomentoqueLainsesentadiantedo computador e o utiliza, no seu quarto, ou mesmo quando faz uso do Navi portátil,duranteasaulas. Protocols – traduzido, protocolos .OsprotocolosdaInternet,ouWired, estabelecem as formas como os utilizadores poderão utilizar a ligação cibernética,umavezqueéoconjuntoderegrasaceitespelointernauta. Protocol 7 o protocol necessário à ligação entre os dois mundos. Baseado na Ressonância de Schumann 38 , Eiri Masami criou este protocolo paraqueaWiredconectassetodossemanecessidadededispositivosfísicos. Este protocolo transforma o inconsciente colectivo em consciência colectiva,

38 AdefiniçãodeRessonânciadeShumanntambémestápresentenesteglossário.

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comodemonstraLawrenceEng 39 .AempresaondeEiriMasamitrabalhavana série,aTachibanaLab,tambémfezinvestigaçãosobreaestruturamolecular dogenomahumano,fazendoreferênciatambémao“7th  circuitofthenervous system/consciousness, aka the Collective Neurogenetic Circuit”. Eng explica que é incerto se o Protocolo 7 estará relacionado com os protocolos que actualmenteexistem,principalmentenoquedizrespeitoànumeraçãodestes. EncontramonosactualmentenoIpv6. « The people you are about to meet interpret the developmentofthedatasphereasthehardwiringof a global brain. This is to be the final stage in the development of “Gaia,” the living being that is the Earth,for which humans serve as the neurons. As computer programmers and psychedelic warriors together realize that ‘all is one’ a common belief emergesthattheevolutionofhumanityhasbeena  []  progression toward the construction of the nextdimensionalhomeforconsciousness.» (Rushkoff,1994:16) «Evolutionisseenmoreasagropingtowardthana random series of natural selections. Gaia is becoming conscious. Radzik and others have inferred that human beings serve as Gaia’s brain cells.Eachhumanbeingisanindividualneuron,but unawareofhisconnectiontotheglobalorganismas a whole. Evolution, then, depends on humanity’s abilitytolinkuptooneanotherandbecomeaglobal consciousness.» (p.114) EnginterpretaqueEiriMasamiconcretizouatravésdoProtocol7,coma definiçãodeRushkoff,uma hardwiringofaglobalbrain ,namedidaemquenós seremosapenasneuróniosdeumcérebro,ouconsciência,maior.

39 LawrenceEngexpõeassuasreflexõessobreosconceitosdasérienoseusite,referenciado naWebgrafia.

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Navi – derivado de Knowledge Navigator . Denominação dos computadores pessoais da realidade da série. Tal como os nossos PC’s se ligamàInternet,osNaviligamseàWired.Estetermojátinhasidomencionado em1987,naobra Odissey deJohnSculley,directorexecutivodaAppleentre 1983e1993.Estesseriamosfuturosdispositivosda marca, dum futuro não distante,quepretendiacriarcomelesumanovageraçãodecomputadoresde ecrãs finos, de altadefinição, com reconhecimento de voz e som perfeito.A particularidadedestesdispositivosseriaadequeeles não teriam umaforma definida, podendo até ser parte integrante do nosso vestuário. As ideias de SculleyacabaramporderivarnoPDA.Aolongodesérieháváriasreferências associadasàApple,factopropositadopoiséamarca preferida dos autores. EstainformaçãoénosdadanaentrevistadadaaocanalalemãoVox. Devices – dispositivos . A conexão do Homem à Wired sem qualquer necessidadededispositivoeraaideiadoProtocol7desenvolvidaporMasami. Odispositivosurgecomoumabarreira,umavezqueapesardelepossibilitara ligaçãotambémimpossibilitaatotalfusão,queMasamipocurava.Odispositivo surgeassimcomoâncoraàidentidadedoEu. Accela – nome dado a uma “droga” diferente das drogas que hoje conhecemos.Dentrodacápsulaencontraseummicro chip que vibra a uma determinadafrequência, estimulando a produção de uma dada hormona que altera a percepção do tempo, dando a ideia ao consumidor de consciência acelerada.Osefeitosperduramporumdiamasnãosãoconhecidososefeitos alongoprazodoconsumodeste.Accelaapresentasecomoumaformalimite datentativadoHomememsuperaremelhorascapacidades biológicas que possui, para além deste alterar a noção de realidade do consumidor. Se considerarmos que Accela se enquadra então nos padrões de efeitos das substânciasilícitas,podemosafirmarqueAccelafuncionacomoumaformade fugadarealidadefísica. Cyberia –nomedadoàdiscotecaqueoscolegasdeLainfrequentame onde é possível ver um adulto a consumir Accela. Cyberia é associado foneticamenteaSibéria,zonainóspitaparaossereshumanos.Épossívelfazer

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umaanalogiadasensaçãofísicaqueteríamosnaSibériacomoqueocorreno mundo cibernético, onde as relações humanas são distantes e, neste caso tambémpoderemosdizer,frias. KIDS –osistemaKIDéumadaspartesdapesquisalevadaacabopelo Professor Hodgeson, que consistia em recolher as capacidades parapsicológicasdecriançasatravésdeumreceptorexterno.Aexperiênciaem siresultounumdanopermanenteàscrianças,queenvolveriaasuamorteou perderemseparasemprenomundovirtual. Knights –nasériesãoconhecidoscomoKnightsoftheEasternCalculus. Asintençõesdestegruponãosãoclaras,poisparaalémdesetratardeuma sociedade oculta, é constituída por elementos de várias faixas etárias e estratos.Nodecorrerdanarrativapoderemosserlevadosapensarquesãoum grupoorientadoporEiriMasami,talcomomuitosoutroselementosnahistória, e,comoArisuafirma,nãosetratamdemeroshackers ou otakus . Lawrence Eng,porexemplo,crêqueEirifêloscrerserDeus,paraqueosKnightsfossem manipulados e levassem Lain também a acreditar no mesmo. Os Knights tambémquereriamalteraraconsciênciahumanaparaseguirosideaisdeEiri Masami. MIB’s –homensdenegro.AgentescontratadosparavigiaraLain.Quem os contratou poderá tratarse dos Laboratórios Tachibana, ou antes, Eiri Masami. Psyche – na série, Psyche representa um chip que pode ser acrescentado ao hardware do Navi para que este, após a instalação do mesmo,possainteragireconectarsemquesejanecessárioaexistênciados componentes periféricos, como o rato ou o teclado. Este chip tornará o processamento do computador equivalente ao processamento cerebral humano.

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Ressonância Schumann 40 Tendo em conta que a Terra funciona comportasecomoumacorrenteeléctricacomumaatmosferapoucoaptapara a condutividade, a Ressonância Schumann só pode ser verificada se a atmosferaforestimuladaparatal.ARessonânciaSchumanntemavercoma actividade eléctrica da atmosfera. Entre a superfície terrestre e a ionosfera existeumaressonância,descobertaporW.O.Schumannem1952.Verificou se que a frequência desta ressonância é igual à do cérebro humano: 7,83 hertz.

40 Explicaçãodetalhadaem:http://image.gsfc.nasa.gov/poetry/ask/q768.html(últimaconsulta: Novembrode2013)

144 A. 2 – Imagens mencionadas na análise

Imagem1.1–cidadeagitada,compresençade Imagem1.2–transeuntesnãoidentificados( Layer: vultos( Layer:01–Weird ) 01–Weird )

Imagem4–Chisa,doladodireito, encostaseaoprédio( Layer:01Weird )

Imagem1.3–evidênciadoscabosquecobrema Imagem1.4–Chisaeassombrasdacidade( Layer: cidade( Layer:01–Weird ) 01–Weird )

Imagem1.5–FrasesquepairamnaWired( Layer: Imagem1.6–AruadeLain( Layer:01Weird ) 01–Weird )

145

Imagem1.7–Lainfazaprimeiraapariçãonasérie, Imagem1.8–Asmanchaseoscabosacompanham aosairdecasa( Layer:01–Weird ) apersonagem( Layer:01–Weird )

Imagem1.9–AsombradeLain,alterada( Layer:01– Imagem1.10–Lainolhaparaasuaesquerda, Weird ) sentadanocentrodasaladeaula( Layer:01–Weird )

Imagem1.11–Ascolegasencontramsenaala Imagem1.12–AlucinaçãodeLain,nasaladeaula opostaparaondeLainolha( Layer:01–Weird ) (Layer:01–Weird )

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Imagem1.13–Presençadeobjectos shōjo na Imagem1.14–EcrãdoNavi,comamensagemde secretáriadeLain( Layer:01–Weird ) Chisa( Layer:01–Weird )

Imagem1.15–OfatodeursodeLain,eoutros Imagem1.16–AbarreiradecomputadoresentreLain elementos shōjo noparapeitodajaneladoseuquarto eopai( Layer:01–Weird ) (Layer:01–Weird )

Imagem1.17–AlucinaçãodeLaincomosuicídioda Imagem2.1–LainnadiscotecaCyberia( Layer:02– linhaférrea( Layer:01–Weird ) Girls )

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Imagem2.2–LainnadiscotecaCyberia( Layer:02– Imagem2.3–Closeup daorelhaesquerdadeLain Girls ) (Layer:02–Girls )

Imagem2.4–Figurasesguiasetranslúcidas Imagem3.1–Umdasfigurasatravessaaheroína, atravessamocorredordaescola( Layer:02–Girls ) queseassusta( Layer:03–Psyche )

Figura3.2–Closeup ,novamente,àorelhaesquerda Figura3.3–Lainriscaocadernoenquantoescuta deLain(Layer:03Psyche ) informaçãosobreaPsyche(Layer:03Psyche )

148

Figura3.4–OobjectoencontradonocacifodeLain Figura3.5–LoginàWired(Layer:03Psyche ) (Psyche)(Layer:03Psyche )

Figura3.6–PersonagemcomumnaCyberia,JJ, Figura3.7–AscriançasdeCyberia,outrapresença espantasecomaapresentação“infantil”deLain frequentenadiscoteca( Layer:03–Psyche ) (Layer:03–Psyche )

Figura3.8–AgentessecretosvisitamcasadeLaine Figura3.9–LaindecidemodificaroseuNavi( Layer: ameaçamasuairmã( Layer:03–Psyche ) 03–Psyche )

149

Figura3.10–Ocomportamentodaheroínamodifica Figura4.1–Lainprosseguecomasmodificaçõesdo sedrasticamente( Layer:03–Psyche ) Navi,ficandoestecadavezmaior( Layer:04– Religion )

Figura4.2–Homemassustadotentafugir Figura4.3–Umacriançapersegueohomem( Layer: desesperadamente( Layer:04–Religion ) 04–Religion )

Figura4.4–Lainprestaatençãoainformações Figura4.5–AmbientedePhantoma( Layer:04– dadasatravésdaWiredsobreaPsyche(Layer:04– Religion ) Religion )

150

Figura4.6–LainexploraPhantoma( Layer:04– Figura4.7–DentrodoPhantoma,jovemtentafugir Religion ) (Layer:04–Religion )

Figura4.8–Jovemparteodispositivoqueutiliza Figura5.1–Emambienteetéreo,Lainconversacom paraacederaoPhantoma( Layer:04–Religion ) algumasfiguras( Layer:05–Distortion )

Figura5.2–Aboneca( Layer:05–Distortion ) Figura5.3–Amáscaratribal( Layer:05–Distortion )

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Figura5.4–Amãe( Layer:05–Distortion ) Figura5.5–SímbolodosKnights( Layer:05– Distortion )

Figura5.6–Mika,enervada,entornaabebida(Layer: Figura5.7–Abebidaentornadaformaafrase 05–Distortion ) “Concretizaaprofecia”( Layer:05–Distortion )

Figura5.8–Mikaficafechada,enaportasurgede Figura5.9–Noquartoetéreo,Lainperguntaaopai novoafrase“Concretizaaprofecia”( Layer:05– seeleédefactooseupai( Layer:05–Distortion ) Distortion )

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Figura5.10–FiguracristalinadeMika( Layer:05– Figura6.1–NoecrãdoNavisurge“Coma”, Distortion ) enquantoLainsorrihipnotizada( Layer:06–Kids )

Figura6.2–AapariçãodeLainnocéudacidade Figura6.3–UmCheshirecatnaWired( Layer:06 (Layer:06–Kids ) Kids )

Figura6.4–LocalnaWiredondeLainencontrouo Figura7.1–Oaparatotecnológicotomadimensões ProfessorHodgeson( Layer:06Kids ) quefazrebentarumaparededoquartodeLain (Layer:07Society )

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Figura7.2–LainvoltaaacederàWired( Layer:07 Figura7.3–Nezumieosseusdispositivosmóveis Society ) (Layer:07Society )

Figura7.4–AinsanidadecibernéticaemNezumi Figura7.5–ApresentaçãodoprimeiroKnight( Layer: (Layer:07Society ) 07Society )

Figura7.6–ApresentaçãodosegundoKnight( Layer: Figura7.7–ApresentaçãodoterceiroKnight( Layer: 07Society ) 07Society )

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Figura7.8–Lainassustacomasquestõessobrea Figura7.9–ALaindaWiredemerge( Layer:07 suafamíliaeasuaorigem( Layer:07Society ) Society )

Figura8.1–NaWired,Lainprocurarespostas,num Figura8.2–OolhardospaisparaLainapósesta ambientesurrealista( Layer:08Rumors ) comentarasquestõescolocadasnoescritóriodo laboratórioTachibana( Layer:08Rumors )

Figura8.3–Olocaldamanifestaçãodo“Deus”da Figura8.4–“PeepingTom”( Layer:08Rumors ) Wired,apósapresençadasvozesonline( Layer:08 Rumors )

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Figura8.5–“Searching”surgeapósseinstalaro Figura8.6–ArisuvêqueLainaestáaobservar desesperodoqueLainpoderiaterfeito,peloque enquantofantasiacomoprofessor( Layer:08 procurourespostas( Layer:08Rumors ) Rumors )

Figura8.7–Lainapercebesedoqueaconteceu Figura8.8–Aheroína,emsofrimento,caiemsie comArisueculpabilizase( Layer:08Rumors ) entraemconfronto( Layer:08Rumors )

Figura8.9–LainentranaWired,emconfronto Figura8.10–LainenfrentaaLaindaWiredetenta consigomesma(Layer:08Rumors ) matála( Layer:08Rumors )

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Figura8.11–Primeiramanifestaçãofísicadodeus Figura8.12–Laindecideapagaramemóriasobrea daWired( Layer:08Rumors ) fantasiadeArisu( Layer:08Rumors )

Figura9.1–Umdasimagensdomomentoaogénero Figura9.2–Extraterrestresurgeàportadoquartode dedocumentário( Layer:09Protocol ) Lain( Layer:09Protocol )

Figura9.3–ApresentaçãocorpóreadeEiriMasami Figura10.1–NomundodeLain,aheroína (Layer:09Protocol ) questionasesobrequemserãoosKnights(Layer: 10Love )

157

Figura10.2–AconexãoradicalàWireddeLain Figura10.3–AconexãoradicalàWireddeLain (Layer:10Love ) (Layer:10Love )

Figura10.4–EiriagarraamadeixadeLain( Layer: Figura11.1–Omomentodesteepisódioculminano 10Love ) amorporArisu( Layer:11Infornography )

Figura11.2–Laincomcorpodeextraterrestre Figura11.3–OestranhosorrisodeLain,apósajudar (Layer:11Infornography ) Arisu( Layer:11Infornography )

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Figura12.1–Lainexplicaqueporcadaconsciência Figura12.2–“VamostodosamarLain!”( Layer:12 existeumaLain( Layer:12Landscape ) Landscape )

Figura12.3–Lainlevantasedomontedecabos Figura12.4–Nomeiodoscabos,aindaalgumas queacercam(Layer:12Landscape ) referências kawaii (Layer:12Landscape )

Figura12.5–ArisutocanafacedeLain( Layer:12 Figura12.6–Lainanimaseaosentirapulsaçãode Landscape ) Arisu( Layer:12Landscape )

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Figura12.7Arisuassustasecomamão Figura12.8–Eiriconstróiumcorpodisforme( Layer: fantasmagóricadeEiri( Layer:12Landscape ) 12Landscape )

Figura12.9–Eiritentamatarasduasjovens( Layer: Figura13.1–Laineliminasedamemóriadetodos 12Landscape ) (Layer:13Ego )

Figura13.2–OpaiespreitaLain,desesperadapor Figura13.3–Lainconversacomaentidadepaternal, setereliminado( Layer:13Ego ) comreferênciasaProust( Layer:13Ego )

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Figura13.4–LainencontraArisu,maisvelha,e Figura13.5–Asérieencerracomo hummingnoise e prometeparaconsigomesmanuncaficarlongeda oenquadramentodeumcruzamentoderedes( Layer: amiga( Layer:13Ego ) 13Ego )

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