ANISTIA INTERNACIONAL

A Anistia Internacional é um movimento global de mais de 7 milhões de pessoas que se mobilizam para criar um mundo em que os direitos humanos sejam desfrutados por todos. Nossa missão é que todas as pessoas tenham acesso aos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outras normas internacionais pertinentes. O trabalho da Anistia Internacional é desenvolver pesquisas e campanhas de mobilização para prevenir e pôr fim às violações dos direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos. Desde a liberdade de expressão e de associação até a integridade física e mental, e desde a proteção contra a discriminação até o direito à moradia – esses direitos formam um todo indivisível. A Anistia Internacional é financiada, sobretudo, por seus membros e por doações privadas. Fundos governamentais não são aceitos para investigar ou fazer campanhas contra abusos de direitos humanos. Somos independentes de quaisquer governos, ideologias políticas, interesses econômicos ou religiões. A Anistia Internacional é um movimento democrático cujas decisões políticas mais importantes são tomadas por representantes de todas as seções nacionais durante as assembleias do Conselho Internacional, que se reúne a cada dois anos. Acesse o nosso site para mais informações – anistia.org.br.

Publicado originalmente em 2016 Anistia Internacional Brasil Este relatório documenta o Amnesty International Ltd, Peter Praça São Salvador, 5-Casa, trabalho e as preocupações da Benenson House, 1 Easton Street, Laranjeiras, CEP 22.231-170, Anistia Internacional no ano de Londres WC1X 0DW, Reino Unido Rio de Janeiro - RJ 2015. A ausência de uma seção © Amnesty International 2016 sobre algum país ou território email: [email protected] neste relatório não significa que Índice: POL 10/2552/2016 anistia.org.br nesse local não tenham ocorrido Idioma original: Inglês Grafitto Gráfica e Editora Ltda violações de direitos humanos que preocupem a Anistia Tradução: Anistia Internacional Rua Costa Lobo, 352 - Benfica, Brasil Internacional. Tampouco a CEP 20911-180, Rio de Janeiro - extensão de uma determinada ISBN: 978-0-86210-492-4 RJ seção deve servir de base para A menos que indicado o que se compare a dimensão e a contrário, o conteúdo deste gravidade das preocupações da documento é disponibilizado de Anistia Internacional em algum acordo com uma licença Creative país. Commons (Atribuição- NãoComercial-SemDerivação 4.0 Internacional). https://creativecommons.org/lice nses/by-nc-nd/4.0/legalcode Para mais informações, visite a página de permissões em nosso site: www.amnesty.org ANISTIA INTERNACIONAL INFORME 2015/16 O ESTADO DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO

iv Anistia Internacional – Informe 2015/16 ÍNDICE INFORME ANUAL 2015/16 ABREVIATURAS ...... vii INTRODUÇÃO ...... 10 PANORAMA REGIONAL: ÁFRICA ...... 15 PANORAMA REGIONAL: AMÉRICAS ...... 24 PANORAMA REGIONAL: ÁSIA E OCEANIA ...... 33 PANORAMA REGIONAL: EUROPA E ÁSIA CENTRAL ...... 41 PANORAMA REGIONAL: ORIENTE MÉDIO E NORTE DA ÁFRICA ...... 50 AFEGANISTÃO ...... 60 ÁFRICA DO SUL ...... 64 ALEMANHA ...... 69 ANGOLA ...... 71 ARÁBIA SAUDITA ...... 73 ARGENTINA ...... 78 BOLÍVIA ...... 80 BRASIL ...... 82 CANADÁ ...... 86 CATAR ...... 88 CHILE ...... 90 CHINA ...... 92 COLÔMBIA ...... 98 COREIA DO NORTE ...... 103 CUBA ...... 106 EGITO ...... 108 EL SALVADOR ...... 113 EQUADOR ...... 115 ESPANHA ...... 117 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ...... 120 FRANÇA ...... 125 GRÉCIA ...... 128 HAITI ...... 131 HUNGRIA ...... 133 IÊMEN ...... 135 ÍNDIA ...... 139 INDONÉSIA ...... 144 IRÃ ...... 148 IRAQUE ...... 153 IRLANDA ...... 158 ISRAEL E TERRITÓRIOS PALESTINOS OCUPADOS ...... 160 ITÁLIA ...... 164 JAPÃO ...... 168

Anistia Internacional – Informe 2015/16 v MÉXICO ...... 169 MIANMAR ...... 174 MOÇAMBIQUE ...... 178 NICARÁGUA ...... 179 NIGÉRIA ...... 181 PALESTINA ...... 185 PAQUISTÃO ...... 188 PARAGUAI ...... 192 PERU ...... 194 PORTUGAL ...... 196 REINO UNIDO ...... 197 REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO ...... 201 RÚSSIA ...... 205 SÍRIA ...... 210 SUDÃO DO SUL ...... 216 TIMOR-LESTE ...... 220 TURQUIA ...... 221 UCRÂNIA ...... 226 URUGUAI ...... 231 VENEZUELA ...... 232

vi Anistia Internacional – Informe 2015/16 CONVENÇÃO DA ONU SOBRE ABREVIATURAS DESAPARECIMENTOS FORÇADOS Convenção Internacional para a Proteção de ACNUR, O ÓRGÃO DA ONU PARA Todas as Pessoas contra os REFUGIADOS Desaparecimentos Forçados Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados CONVENÇÃO DA ONU SOBRE REFUGIADOS AI Convenção relativa ao Status dos Refugiados Anistia Internacional CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS CEDAW HUMANOS Convenção para a Eliminação de Todas as Convenção [Europeia] para a Proteção dos Formas de Discriminação contra a Mulher Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais CEDEAO Comunidade Econômica dos Estados da EUA África Ocidental Estados Unidos da América

CERD FPNU Convenção Internacional para a Eliminação Fundo de População das Nações Unidas de Todas as Formas de Discriminação Racial LGBTI CIA Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Agência Central de Informações dos EUA Intersexuais

CICV ONG Comitê Internacional da Cruz Vermelha Organização Não Governamental

COMITÊ CEDAW OEA Comitê da ONU para a Eliminação de Todas Organização dos Estados Americanos as Formas de Discriminação contra a Mulher OIT COMITÊ CERD Organização Internacional do Trabalho Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial OMS Organização Mundial da Saúde COMITÊ EUROPEU PARA A PREVENÇÃO DA TORTURA ONU Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura Organização das Nações Unidas e das Penas ou Tratamentos Cruéis ou Degradantes OSCE Organização para a Segurança e a CONVENÇÃO DA ONU CONTRA A Cooperação na Europa TORTURA Convenção da ONU contra a Tortura e outros OTAN Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Organização do Tratado do Atlântico Norte Degradantes

Anistia Internacional – Informe 2015/16 vii PIDCP Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

PIDESC Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais

RELATOR ESPECIAL DA ONU SOBRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO Relator especial sobre a promoção e a proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão

RELATOR ESPECIAL DA ONU SOBRE A TORTURA Relator especial da ONU sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes

RELATOR ESPECIAL DA ONU SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Relator especial sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências

RELATOR ESPECIAL DA ONU SOBRE POVOS INDÍGENAS Relator especial sobre a situação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos povos indígenas

SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral

UA União Africana

UE União Europeia

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

viii Anistia Internacional – Informe 2015/16 ANISTIA INTERNACIONAL INFORME 2015/16 INTRODUÇÃO E PANORAMAS REGIONAIS o real tamanho da crise e tiveram que INTRODUÇÃO intensificar sua coordenação no Egito, no Iraque, na Jordânia, no Líbano e na Turquia. “O fato de estarmos vendo a Os governos da Europa, do Canadá e dos Estados Unidos, onde a percepção da opinião eclosão de tantas novas pública sobre os refugiados foi abalada pela imagem chocante mostrada pela mídia do crises sem que nenhuma das corpo do menino sírio Alan Kurdi afogado na praia, viram-se forçados a reagir à comoção anteriores tenha sido pública e aos apelos para receber os refugiados e pôr fim a essa crise. resolvida mostra uma clara Contudo, os conflitos e as lacunas nas respostas institucionais à crise vieram à tona, falta de capacidade e de tanto entre vizinhos regionais da Síria quanto entre Estados ocidentais. Embora alguns vontade política para acabar países da região tenham aceitado grande número de refugiados sírios, muitos governos com os conflitos, menos do Oriente Médio e do Norte da África, assim como de outros lugares, não se mostraram ainda para preveni-los. O dispostos a aumentar sua quota de refugiados para níveis significativos. A divisão resultado é a proliferação do ônus e da responsabilidade continuou demasiado desequilibrada e os recursos alarmante de incertezas e disponibilizados ficaram muito aquém das demandas de uma crise em pleno impunidade.” desenvolvimento. Enquanto isso, os direitos humanos de muitas famílias e indivíduos em António Guterres, Alto Comissariado da trânsito foram violados, inclusive por meio da ONU para Refugiados criminalização dos requerentes de asilo, de seu repatriamento, remoção e devolução a O ano passado aplicou um teste rigoroso da outros territórios, ou de várias ações tomadas capacidade do sistema internacional de pelos Estados que correspondem a uma responder às crises e aos deslocamentos em negação do acesso ao processo de asilo. massa de pessoas, e seu resultado mostrou Enquanto o mundo buscava reagir à onda que o sistema é lamentavelmente de pessoas que deixava a Síria, a guerra que inadequado. Existem hoje mais pessoas dilacera o país cristalizava as preocupações desalojadas e em busca de refúgio em todo o urgentes com a aplicação das leis mundo do que em qualquer momento desde internacionais humanitárias e de direitos a Segunda Guerra. Parte dessa crise se deve humanos, sobre as quais a Anistia ao contínuo conflito armado na Síria, onde Internacional e outras organizações vem há mais da metade da população já escapou de anos alertando. O conflito sírio se tornou um suas fronteiras ou está desalojada dentro do exemplo da proteção inadequada de país. As tentativas feitas até agora para populações civis em risco e, de modo mais solucionar o conflito só serviram para expor amplo, do fracasso sistemático das as divisões que desafiam a região e o mundo. instituições em fazer valer o direito Iniciativas multilaterais para responder ao internacional. afluxo de refugiados, como o Plano Regional Mesmo que alimentemos uma esperança para Refugiados e Resiliência da ONU, de que as atuais iniciativas possam levar paz foram, nos últimos meses, confrontadas com à Síria, a guerra que se desenrola no país há

10 Anistia Internacional – Informe 2015/16 vários anos também evidencia o ambiente de direitos humanos. E enquanto o continente impunidade que se cria quando os cinco Americano reconhecia os avanços positivos membros permanentes do Conselho de no conflito que há décadas assola a Colômbia Segurança da ONU usam seu poder de veto – mesmo que ali também a prestação de para impedir ações consistentes e contas seja sacrificada em nome dos acordos proporcionais que visam acabar com crimes políticos – a violência continuou a subverter de guerra e crimes contra a humanidade, os direitos humanos e as instituições em bem como para impedir a prestação de países como Brasil, México e Venezuela. contas quando tais crimes estão sendo ou já Termos chegado a um ponto tão baixo foram cometidos. A trágica situação dos justamente quando a ONU completa 70 anos, direitos humanos na Síria expôs as depois de sua criação exortar as nações a se debilidades dos sistemas de proteção aos unirem para “salvar as gerações futuras do civis durante conflitos armados. Na crise síria flagelo da guerra” e “reafirmar a crença nos e, de modo mais geral, nas ações do grupo direitos humanos fundamentais”, coloca-nos armado que se autodenomina Estado uma questão simples, mas inevitável: será o Islâmico (EI), vemos as consequências do sistema de leis e instituições internacionais imprudente comércio de armas que se adequado para a urgente tarefa de proteger pratica há décadas e seu efeito mortal sobre os direitos humanos? os civis. O conflito também mostrou que No Informe Anual de 1977, acolhemos muitos países fugiram da responsabilidade de com agrado a primeira reunião do Comitê de proteger os refugiados enquanto brigavam Direitos Humanos da ONU, observando que por “proteção de fronteiras” e “gestão de se tratava de um dos “diversos migração”, em vez de tomar uma atitude acontecimentos nas Nações Unidas em áreas decisiva para salvar vidas. que importam para as preocupações de Ainda assim, por mais emblemática que direitos humanos da Anistia Internacional”. seja, a guerra civil na Síria é apenas um dos Acrescentamos a estes acontecimentos os de muitos conflitos que contribuíram para a áreas tais como a do combate à tortura. quantidade sem precedentes de refugiados, Nesses anos, a Anistia Internacional tem migrantes e desalojados internos em todo o ajudado a fomentar um compromisso crítico mundo. Conflitos armados continuaram com os sistemas de leis internacionais de acontecendo em países como Afeganistão, direitos humanos e leis internacionais Iraque, Líbia, Paquistão e Iêmen. humanitárias. Entretanto, as falhas desses Ultrapassando fronteiras, o EI exibiu um sistemas nunca foram tão aparentes quanto desrespeito brutal pela vida da população são hoje. civil, forçando milhares de pessoas a fugir. Dentre as diversas ameaças aos direitos Na África, atores estatais e não estatais humanos levantadas no relatório deste ano, cometeram sérias violações e abusos dos destacamos dois temas relacionados. O direitos humanos em países como Burundi, primeiro tema que emergiu claramente no Camarões, República Centro-Africana, ano passado foi que o sistema internacional nordeste da Nigéria, Somália e Sudão do Sul, não foi robusto frente às dificuldades e em alguns casos atacando civis e desafios. Quando as rachaduras começaram infraestruturas civis. Todas essas situações a surgir, percebemos que era o próprio fizeram com que um grande número de sistema internacional de proteção dos direitos pessoas fugisse de suas casas para se humanos que precisa ser protegido. refugiar em outros lugares. Os conflitos em Em 2015, várias ameaças aos mecanismos Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados, de proteção dos direitos humanos ocorreram. assim como na Ucrânia, continuaram a tirar a A prestação de contas e a proteção dos vida dos civis, pois todas as partes violaram direitos humanos no âmbito regional da África as leis internacionais humanitárias e de e das Américas enfrentaram ameaças

Anistia Internacional – Informe 2015/16 11 internas. Os governos da África colocaram e adequação dos mecanismos regionais de obstáculos à cooperação com o TPI, pois direitos humanos às normas universais do diziam estar fortalecendo os sistemas sistema internacional. africanos, mesmo sem garantir que os A segunda questão imperiosa que emergiu mecanismos nacionais e regionais fizessem no ano passado está bastante relacionada à justiça. Os mecanismos que surgiram no primeira. Em sua origem, muitas das crises Oriente Médio e no norte da África não do ano que passou foram geradas pelos promoveram de maneira suficiente uma visão ressentimentos e conflitos que costumam universal dos direitos humanos. O incipiente aflorar quando os Estados suprimem sistema da Ásia permaneceu largamente brutalmente as divergências, ou quando ineficaz. Enquanto isso, o sistema europeu reprimem o anseio essencial de cada pessoa era ameaçado tanto pela possibilidade de de viver com dignidade e seus direitos perder o apoio de alguns Estados quanto pelo respeitados. enorme acúmulo de casos à espera de justiça Seja na crise do mar de Andamão, que, em e prestação de contas. maio, teve milhares de refugiados e migrantes Proteções de natureza multilateral, tais à deriva sem água ou comida, seja nos como a Convenção da ONU sobre Refugiados assassinatos e desaparecimentos forçados de e a Convenção da ONU contra a Tortura, e defensores dos direitos humanos que atuam mecanismos especializados, como os que para proteger o direito à terra e aos meios de protegem as pessoas em perigo no mar, não subsistência na América Latina e no Caribe, conseguiram evitar ou conter as crises nesses e em muitos outros casos a repressão humanitárias, nem proteger os civis contra brutal das divergências e a negação dos violações graves dos direitos humanos, muito direitos básicos das pessoas – inclusive os menos garantir a prestação de contas pelas direitos econômicos, sociais e culturais –, atrocidades cometidas. bem como o fato de os Estados não Ataques bárbaros contra populações de protegerem os direitos de todos, fazem Beirute a Bamako e Yola, de Túnis a e nascer as tensões no seio das sociedades, outros lugares, também levantaram questões cujas consequências, por sua vez, sobre o papel da lei internacional dos direitos pressionam os sistemas internacionais de humanos em responder às ameaças proteção além de seus limites. O exemplo apresentadas por atores não estatais – em mais concreto e recente da ligação entre a particular os grupos armados violentos. falência do sistema e a combinação de A Anistia Internacional defende que se repressão governamental à dissidência com renove o compromisso com a proteção do desproteção dos direitos humanos é a sistema internacional de direitos humanos. “Primavera Árabe”, que, alguns anos atrás, Para que esse sistema seja adequado à tarefa mudou o cenário do Oriente Médio e do norte que deve cumprir, os Estados devem proteger da África. o próprio sistema. Passada meia década de uma das mais Isso deve necessariamente incluir a dinâmicas demonstrações do poder popular contenção voluntária do uso de veto pelos que o mundo já viu, os governos estão membros do Conselho de Segurança da ONU usando métodos cada vez mais calculados quando se cometem crimes de grande para suprimir as divergências, não só no atrocidade; a implementação efetiva das Oriente Médio, mas em todo o mundo. São normas de direitos humanos em todos os especialmente perturbadoras as evidências instrumentos das leis internacionais dos fartas de que a repressão se tornou agora tão direitos humanos; respeito pela lei brutal quanto sofisticada. internacional humanitária; evitar ações que Enquanto 2011 foi marcado pela morte de prejudiquem os sistemas de direitos mais de 300 pessoas pelas forças de humanos, como retirada de apoio ou ataques; segurança durante a “revolução de 25 de

12 Anistia Internacional – Informe 2015/16 janeiro” no Egito, bem como pelos mais de será de grande importância nos próximos 50 manifestantes mortos na “Sexta-feira meses para auxiliar na criação de normas Negra” no Iêmen, hoje em dia, os estragos nessa área que respeitem os direitos que a brutalidade policial comete em praça humanos. pública pouco rendem manchetes. Neste Desde aqueles dias em que a voz do povo relatório, porém, a Anistia Internacional conseguiu se erguer cinco anos atrás, as documenta o uso constante e generalizado de ações implacáveis dos Estados para eliminar força excessiva contra oponentes e as divergências, os protestos e a livre manifestantes, além de sua execução expressão de opiniões se intensificaram. A extrajudicial e desaparecimento forçado, em Anistia Internacional apela aos Estados para toda a face do globo. Cinco anos atrás, a que respeitem os direitos humanos de repressão e a tortura sistemáticas na cidade indivíduos e grupos a fim de que possam se síria de Tell Kalakh já prenunciava a reação organizar, se reunir e se manifestar, que violenta dos Estados da região contra as possam ter e compartilhar, por quaisquer divergências e os protestos populares. Nos meios, opiniões com as quais os governos anos seguintes, a tortura continuou sendo discordem, e que todos recebam a mesma praticada naquela e em outras partes do proteção perante a lei. mundo, geralmente encoberta por Além de serem cruciais para a liberdade dissimulação linguística como “técnica de individual, os direitos que protegem o espaço interrogatório intensificada” – aqueles e o trabalho dos defensores dos direitos horrores revelados pouco antes da humanos protegem também o próprio “Primavera Árabe” e justificados em nome da sistema de direitos humanos. Os sinais de chamada “guerra ao terror”. esperança que vimos em 2015 foram Muitas vezes, a repressão foi prática resultado de constantes campanhas, de sistemática, com frequência embutida em organização, de dissidência e de ativismo da pacotes que pregavam a necessidade de sociedade civil, dos movimentos sociais e dos defender a segurança nacional, manter a lei e defensores dos direitos humanos. a ordem e proteger os valores nacionais. Em Vamos mencionar apenas três exemplos do vários países, as autoridades reprimiram a ano passado: a presença de elementos de liberdade de expressão na internet e tentaram direitos humanos e prestação de contas nos aniquilar seus adversários com métodos que Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da incluíram prisões e detenções arbitrárias, ONU; as ações empreendidas em maio para tortura, outros maus-tratos e pena de morte. impedir as remoções forçadas referentes ao Ao mesmo tempo, uma ação judicial projeto da rodovia de acesso ao porto regional interposta pela Anistia Internacional revelou de Mombaça, no Quênia; e a libertação de que o nível de vigilância empregado por Filep Karma, prisioneiro de consciência em alguns Estados tornou real a ficção do Big Papua, como resultado das 65.000 Brother, tendo como alvo principal a vida e o mensagens escritas em seu favor por trabalho de defensores dos direitos humanos. apoiadores de todo o mundo. Os novos métodos de repressão que os Essas conquistam não foram alcançadas Estados estão desenvolvendo continuamente pela benevolência dos Estados. Nem esses para sobrepujar as novas tecnologias e sinais de esperança serão futuramente conectividades são uma das maiores sustentados apenas por atores estatais. Mas ameaças à liberdade de expressão. os governos devem permitir espaço e Por causa de campanhas de organizações liberdade para que os ativistas e defensores como a Anistia Internacional, a ONU dos direitos humanos realizem seu trabalho estabeleceu um novo procedimento especial: fundamental. Por isso, a Anistia Internacional o relator especial sobre o direito à privacidade demanda que todos os Estados garantam que na era digital. O trabalho do relator especial a Resolução adotada em novembro pela

Anistia Internacional – Informe 2015/16 13 Assembleia Geral da ONU para proteger os direitos dos defensores de direitos humanos seja aplicada com transparência e prestação de contas, denunciando aqueles Estados que desrespeitarem tais direitos. Depois que o último ponto final foi inserido nessa Resolução, nenhum defensor dos direitos humanos ou membro de sua família deveria ter a vida tirada pelo Estado, nem ficar sem a proteção do Estado, nem mais ser perseguido ou posto em risco. Como a maior organização de defensores dos direitos humanos do mundo, apresentamos este relatório sobre a situação dos direitos humanos no ano que passou. Embora o informe trate dos temas que mencionamos acima e de muitos outros, suas páginas não conseguem carregar a profundidade da tragédia que as crises de 2015 imprimiram em cada ser humano – sobretudo a crise dos refugiados, agora agravada pelo inverno no hemisfério Norte. Em situações como essa, proteger e fortalecer os sistemas de proteção civil e de direitos humanos não pode ser considerado uma opção. É literalmente uma questão de vida ou morte. Salil Shetty, secretário-geral

14 Anistia Internacional – Informe 2015/16 –, grupos armados como o Al-Shabaab e o PANORAMA Boko Haram perpetraram violência constante, deixando dezenas de milhares de civis REGIONAL: ÁFRICA mortos, milhares de pessoas sequestradas e milhões forçadas a viver em estado de medo Quando a União Africana (UA) declarou 2016 e insegurança, tanto em contexto de conflitos como o Ano dos Direitos Humanos na África, como fora dele. muitas pessoas dentro e fora do Continente Muitos governos responderam a essas esperavam que os líderes, as instituições ameaças à segurança com desrespeito ao regionais e a comunidade internacional da direito internacional humanitário e aos África mostrassem determinação e vontade direitos humanos. Operações militares e de política para fazer progressos significativos no segurança na Nigéria e em Camarões foram enfrentamento aos persistentes desafios de marcadas por prisões arbitrárias em massa, direitos humanos. detenções em regime incomunicável, Tais esperanças não eram sem execuções extrajudiciais, tortura e outros fundamento. Enquanto conflitos, instabilidade maus-tratos. Padrões semelhantes de política, regimes autoritários, pobreza e violações dos direitos humanos foram desastres humanitários continuaram a negar observados no Níger e no Chade. direitos, segurança e dignidade a muitas A impunidade continuou sendo uma das pessoas, a África apresentava-se também principais causas e força motriz de conflitos e com reais oportunidades. Houve evidentes instabilidade. Apesar de alguns avanços, avanços sociais e econômicos em muitos houve pouca ou nenhuma responsabilização países, e transições políticas relativamente por crimes contra o direito internacional pacíficas foram alcançadas em outros. A cometidos por forças de segurança e grupos adoção de compromissos históricos em armados em países tão díspares como âmbitos regional e global – incluindo a Camarões, República Centro-Africana, Agenda 2063 da UA e os Objetivos de República Democrática do Congo, Nigéria, Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU Somália, Sudão do Sul e Sudão. No âmbito – criou possibilidades para a concretização internacional, alguns países e a UA também dos direitos consagrados na Carta Africana continuaram desenvolvendo ações políticas dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta para minar a independência do Tribunal Africana) e nos instrumentos internacionais Penal Internacional (TPI) e para garantir de direitos humanos. imunidade judicial a chefes de estado no Apesar disso, ao longo de 2015, graves poder, mesmo quando acusados de crimes abusos e violações do direito internacional contra a humanidade e outros crimes contra humanitário e dos direitos humanos no o direito internacional. A África do Sul não contexto de conflitos continuaram prendeu nem entregou o Presidente Al representando um grande desafio. Conflitos Bashir, do Sudão, ao TPI em junho, omitindo- prolongados en países como República se em fazer justiça às centenas de milhares Centro-Africana, República Democrática do de vítimas fatais do conflito em Darfur. Congo, Sudão, Sudão do Sul e Somália Diversas organizações da sociedade civil, causaram milhares de mortes de civis e defensores dos direitos humanos, jornalistas deixaram milhões de pessoas vivendo em e opositores políticos atuaram em um estado de medo e insegurança. Burundi ambiente cada vez mais hostil, com leis que enfrentou uma crise política e uma escalada visavam restringir o espaço cívico em nome da violência. da segurança nacional, do combate ao Nas regiões ocidental, central e oriental do terrorismo, da manutenção da ordem pública continente africano – incluindo Camarões, e da regulação de ONGs e da imprensa. O Chade, Quênia, Mali, Nigéria, Níger e Somália espaço cívico permaneceu fechado em

Anistia Internacional – Informe 2015/16 15 países como Eritreia, Etiópia e Gâmbia e regionais adotaram medidas notáveis – da deteriorou-se em outros, com as liberdades mediação à manutenção da paz – em de expressão, de associação e de reunião resposta a crises e conflitos. pacífica cada vez mais restritas. Reuniões Elaboraram-se, também, diversas normas e pacíficas foram interrompidas com força padrões regionais de direitos humanos. Em brutal e excessiva, inclusive em Angola, novembro, a Comissão Africana dos Direitos Burkina Faso, Burundi, Chade, República do Humanos e dos Povos (Comissão Africana) Congo, República Democrática do Congo, adotou um parecer geral ao Artigo 4 (direito à Etiópia, Guiné, África do Sul, Togo e vida) da Carta Africana. O Comitê Técnico Zimbábue. Na África do Sul, a força excessiva Especializado da UA para Assuntos Jurídicos foi usada como uma operação de “limpeza” (CTE) também considerou e aprovou o para remover imigrantes sem documentos. Projeto de Protocolo sobre os Direitos do Eleições e transições políticas Idoso na África, desenvolvido inicialmente desencadearam violações e repressão pela Comissão Africana. Lamentavelmente, o generalizadas. Muitos países experimentaram CTE recusou-se a aprovar o Projeto de proibição de protestos, ataques a Protocolo sobre a Abolição da Pena de Morte manifestantes por parte das forças de na África. segurança, além de prisões arbitrárias e Mais países também abriram seus registros assédio a opositores políticos, defensores dos de direitos humanos para revisão. Relatórios direitos humanos e jornalistas. periódicos sobre a implementação da Carta A região continuou padecendo uma crise Africana foram enviados pela Argélia, Burkina humanitária, enquanto a epidemia do vírus Faso, Quênia, Malaui, Namíbia, Nigéria e ebola, que se disseminou por toda África Serra Leoa. ocidental, em 2014, continuava a tirar vidas Houve reformas e medidas positivas em na Guiné, na Libéria e em Serra Leoa. diversos países. Na Mauritânia, uma nova lei Ainda assim, houve sinais de esperança e definiu a tortura e a escravidão como crimes progresso. Melhorias nas condições sociais e contra a humanidade e baniu a detenção econômicas continuaram a ser observadas secreta. Serra Leoa ratificou o Protocolo à em muitos países e criaram firmes Carta Africana dos Direitos Humanos e dos expectativas de que algumas das causas Povos sobre os Direitos das Mulheres na estruturais da pobreza, incluindo a África. Houve sinais de progresso na desigualdade, as mudanças climáticas, os Suazilândia – incluindo a libertação de conflitos e as omissões em prestar contas prisioneiros de consciência e presos políticos seriam enfrentadas. Diversos países –, apesar de leis repressivas continuarem a alcançaram alguns dos Objetivos de ser usadas para suprimir a dissidência. Desenvolvimento do Milênio da ONU, e a Um momento decisivo para a justiça África teve um papel fundamental na adoção internacional ocorreu no Senegal, quando do dos ODS. julgamento do ex-presidente do Chade, Algumas medidas tomadas pelo Conselho Hissène Habré, iniciado em julho – pela de Paz e Segurança da UA, bem como por primeira vez, um tribunal de um estado organismos sub-regionais, para enfrentar os africano julga um ex-líder de outro estado. conflitos violentos na região revelaram a passagem gradual de uma posição de CONFLITO – CUSTOS E indiferença para uma de comprometimento. VULNERABILIDADE Apesar de seu poder limitado, da falta de Conflitos violentos e insegurança afetaram abordagens coerentes e dos receios muitos países, resultando em violações em relacionados à adequação das medidas para larga escala caracterizadas pela falta de combater as violações dos direitos humanos e responsabilização pelas atrocidades. Conflitos a impunidade, a UA e os organismos em curso em vários países – República

16 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Centro-Africana, República Democrática do Uma grave crise humanitária envolvendo o Congo, Nigéria, Somália, Sudão do Sul e deslocamento em massa e a morte de civis Sudão – foram marcados por crimes contra o continuou desdobrando-se nos conflitos direito internacional e por persistentes armados em Darfur, Cordofão do Sul e Nilo violações e abusos do direito humanitário e Azul, no Sudão, nos quais todas as partes dos direitos humanos, cometidos tanto por envolvidas cometeram violações e abusos forças do governo quanto por grupos que infringem o direito internacional armados. Denúncias de violência de gênero e humanitário e as normas internacionais de violência sexual ocorreram generalizadas, e direitos humanos. Forças do governo deram muitas crianças foram sequestradas ou continuidade a bombardeios indiscriminados, recrutadas como crianças soldados. destruição de assentamentos civis e Apesar de avanços militares coordenados obstrução do acesso humanitário aos civis. contra o Boko Haram, o grupo armado Apesar da assinatura de um acordo de paz continuou a atacar civis no Chade, Níger, em agosto, o conflito no Sudão do Sul – Nigéria e Camarões. O registro de abusos caracterizado por ataques deliberados contra cometidos pelo grupo incluiu bombardeios civis – continuou. Ambas as partes envolvidas suicidas em áreas civis, execuções sumárias, praticaram matanças de civis, destruição de sequestros, tortura e recrutamento de propriedades privadas, obstrução da ajuda crianças soldados. humanitária, violência sexual e violências O impacto dos abusos cometidos pelo baseadas em gênero de forma generalizada, Boko Haram foi exacerbado pela resposta e recrutamento de crianças soldados. A ilícita e brutal dos estados. A Anistia Comissão de Inquérito da UA sobre o Sudão Internacional divulgou um relatório durante o do Sul encontrou evidências de sistemáticos ano apontando crimes de guerra e possíveis crimes de guerra e crimes contra a crimes contra a humanidade cometidos pelo humanidade, bem como de violações e exército nigeriano durante sua luta contra o abusos dos direitos humanos cometidos por Boko Haram – que resultaram em mais de ambas as partes em conflito. 8.200 pessoas assassinadas, privadas de Apesar de uma desaceleração da violência alimento, sufocadas ou torturadas até a morte depois da implementação de uma operação – e demandando que oficiais de alta patente de paz multidimensional da ONU, irrompeu, do exército fossem investigados por crimes de em setembro e outubro, uma nova onda de guerra. violência e instabilidade na República Centro- Na região do Extremo Norte de Camarões, Africana, resultando em mortes de civis, as forças de segurança do governo realizaram destruição de propriedades e deslocamento prisões arbitrárias em massa, detenções e de mais de 42 mil pessoas. Pelo menos 500 execuções extrajudiciais, bem como o prisioneiros, a maioria deles detida em desaparecimento forçado de pelo menos 130 relação a investigações em andamento sobre homens e meninos de duas aldeias na os crimes cometidos no contexto do conflito, fronteira com a Nigéria. No Níger – onde o escaparam da prisão na capital, Bangui, em governo decretou e prolongou, em toda a uma fuga em massa, em setembro. região de Diffa, um estado de emergência Nas regiões sul e central da Somália, civis que ainda estava em vigor no fim do ano –, a continuaram a ser alvo de ataques resposta das autoridades incluiu sérias indiscriminados no contexto de um conflito restrições à liberdade de circulação e o armado crônico entre as forças do Governo retorno forçado de milhares de refugiados Federal Somali e da Missão da UA na nigerianos. No Chade, uma severa lei Somália, de um lado, e o grupo Al-Shabaab, antiterrorismo foi aprovada, e as forças de de outro. Todas as partes do conflito segurança realizaram prisões e detenções cometeram graves violações e abusos que arbitrárias. infringem o direito internacional humanitário

Anistia Internacional – Informe 2015/16 17 e as normas internacionais de direitos Haram para a região. No Chade, centenas de humanos. milhares de refugiados de Nigéria, República Centro-Africana, Sudão e Líbia continuavam a UMA CRISE PARA REFUGIADOS E viver em condições difíceis em campos de MIGRANTES refugiados superlotados. O derramamento de sangue e as atrocidades Mais de 1,3 milhão de somalis foram cometidas nas zonas de conflito na África deslocados internamente durante o ano. tiveram um papel crucial no fomento e na Contou-se, globalmente, mais de 1,1 milhão manutenção de uma crise global de de refugiados somalis. No entanto, os estados refugiados, levando milhões de mulheres, que receberam refugiados e requerentes de homens e crianças a fugirem de suas casas asilo somalis – incluindo Arábia Saudita, em tentativas penosas, arriscadas e, muitas Suécia, Holanda, Noruega, Reino Unido e vezes, fatais de encontrar segurança dentro Dinamarca – continuaram a pressioná-los a de seu próprio país ou além das fronteiras retornarem à Somália, alegando que a internacionais. segurança havia melhorado no país. Sozinhos, os conflitos no Sudão e no Sudão O governo do Quênia ameaçou fechar do Sul foram responsáveis por milhões de Dadaab, o maior campo de refugiados do deslocamentos. Durante o ano, cerca de um mundo, apresentando a decisão como uma terço da população do Cordofão do Sul, de medida de segurança após um ataque do Al- aproximadamente 1,4 milhão de pessoas, Shabbab. Em um contexto de assédio a deslocou-se internamente, e cerca de 223 mil somalis e outros refugiados por parte dos pessoas foram deslocadas em Darfur, serviços de segurança quenianos, as somando um número total de 2,5 milhões de autoridades ameaçaram devolver à força pessoas deslocadas internamente na região. cerca de 350 mil refugiados à Somália. Isso Estima-se que 60 mil pessoas foram colocaria milhares de vidas em risco e violaria deslocadas adicionalmente em razão de as obrigações do Quênia no âmbito do direito conflitos intermitentes entre o Exército internacional. Popular de Libertação do Sudão (SPLA)-Norte Um número incontável de refugiados e e as forças do governo no estado de Nilo migrantes – deslocados não só por conflitos, Azul. mas também por perseguições políticas ou Outras 2,2 milhões de pessoas pela necessidade de assegurar melhores deslocaram-se em razão do conflito no Sudão condições de vida – enfrentou intolerância, do Sul durante o ano, que também provocou xenofobia, abusos e violações. Muitos uma situação de grave insegurança alimentar definharam em campos que não forneciam o para 3,9 milhões de pessoas. acesso adequado a água, alimentação, Enormes contingentes ´populacionais cuidados médicos, saneamento ou educação, deslocaram-se internamente ou buscaram e muitos caíram presas de redes de tráfico de refugiar-se em outro país depois de fugir de pessoas. áreas afetadas pela violência perpetrada pelo Mais de 230 mil pessoas fugiram da Boko Haram. Apenas na Nigéria, mais de 2 situação política, social e econômica em milhões de pessoas foram forçadas a deixar deterioração do Burundi para países vizinhos. suas casas desde 2009. Centenas de Milhares de pessoas continuaram a fugir da milhares de refugiados da Nigéria e da Eritreia para escapar do infindável Serviço República Centro-Africana viviam em Nacional, que equivale a trabalho forçado. condições precárias em campos superlotados Eritreus capturados quando tentavam em Camarões e Níger, onde, em maio, forças escapar do país ficaram detidos do governo de Níger e de Camarões forçaram arbitrariamente sem acusação nem milhares de refugiados a voltar para a Nigéria, julgamento, com frequência em condições acusando-os de trazer ataques do Boko precárias e sem acesso a advogados. Uma

18 Anistia Internacional – Informe 2015/16 política de “atirar para matar” foi adotada identificou oito potenciais casos relacionados para qualquer pessoa que fugisse da captura a crimes contra a humanidade e crimes de e tentasse cruzar a fronteira com a Etiópia. guerra: seis envolvendo o Boko Haram e dois Aqueles que conseguiram deixar a Eritreia envolvendo as forças de segurança da enfrentaram diversos perigos nas rotas Nigéria. através do Sudão, Líbia e do mar Apesar da publicação do relatório da Mediterrâneo para chegar à Europa, incluindo Comissão de Inquérito da UA sobre o Sudão a tomada de reféns por grupos armados e do Sul, em 26 de outubro, e da assinatura de gangues criminosas para exigirem resgate. um acordo de paz, em agosto, que lançou as No Malaui, migrantes sem documentos bases para a decisão da UA de estabelecer foram mantidos em detenção após o fim de um tribunal híbrido, não houve progressos suas penas privativas de liberdade, com em direção ao seu estabelecimento. O poucas perspectivas de serem libertados ou Tribunal Híbrido do Sudão do Sul foi deportados. Pelo menos 100 desses detidos, anunciado como um mecanismo judicial a maioria da Etiópia, eram mantidos em especificamente africano e dirigido pela prisões superlotadas no fim do ano. África. A continuada omissão do governo sul- Em abril, o Conselho Nacional de Transição africano em estabelecer um programa da República Centro-Africana deu um passo sistemático de prevenção e proteção a adiante para o estabelecimento de um migrantes e refugiados resultou em ataques mecanismo de prestação de contas ao adotar xenófobos violentos e generalizados contra os uma lei que estabelece um Tribunal Penal mesmos, e inclusive contra seus Especial. No entanto, houve pouco avanço na estabelecimentos de negócios. implantação do Tribunal, o qual deverá investigar e processar os responsáveis por IMPUNIDADE POR CRIMES CONTRA O crimes de guerra e crimes contra a DIREITO INTERNACIONAL humanidade cometidos no país desde 2003. A impunidade ante as graves violações e Em junho, o governo da África do Sul abusos dos direitos humanos – deixou de cumprir suas obrigações legais especialmente aqueles cometidos no contexto internacionais, quando o Presidente do de conflitos armados – continuou a privar as Sudão, Al Bashir – que visitava Johanesburgo pessoas da verdade e da justiça, e contribuiu para uma reunião da UA –, recebeu para mais instabilidade e abusos. A maioria permissão para deixar o país. Dois mandados dos governos – incluindo Camarões, de prisão em aberto foram emitidos pelo TPI República Centro-Africana, Nigéria, Somália, contra ele por seu suposto envolvimento em Sudão do Sul e Sudão – muito pouco genocídio, crimes contra a humanidade e avançou no enfrentamento da arraigada falta crimes de guerra em Darfur, e uma ordem de responsabilização, com os suspeitos de judicial da suprema corte da África do Sul perpetrar crimes contra o direito internacional também o proibia de deixar o país. A falta de sendo raramente levados à justiça. ação do governo sul-africano fez com que o Apesar das promessas feitas pelo novo país se unisse a uma longa lista de estados presidente da Nigéria, de investigar crimes que deixaram de prender e entregar o contra o direito internacional e outras graves Presidente Al Bashir ao TPI para ser julgado. violações e abusos dos direitos humanos Em um desdobramento preocupante, o cometidos pelo exército e pelo Boko Haram, Congresso Nacional Africano teria decidido, nenhuma medida significativa foi tomada. O em outubro, que a África do Sul deve retirar- governo não responsabilizou suas próprias se do TPI. Nenhuma medida havia sido forças, e processou poucas pessoas suspeitas tomada até o fim do ano. de serem membros do Boko Haram. No O Presidente Ouattara, da Costa do Marfim, entanto, o Gabinete do Procurador do TPI declarou em abril que não haveria mais

Anistia Internacional – Informe 2015/16 19 transferências para o Tribunal Penal REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS DE OPINIÃO Internacional, embora estivesse pendente um NO CONTEXTO DE ELEIÇÕES E mandado de prisão emitido pelo tribunal TRANSIÇÕES contra a ex-primeira-dama Simone Gbagbo Quinze eleições gerais ou presidenciais por supostos crimes contra a humanidade. aconteceram em todo o continente durante o Alguns estados membros e a União ano, muitas delas foram cenário de violações Africana continuaram a adotar ações políticas e restrições dos direitos humanos. Em países voltadas a interferir no trabalho do Tribunal como Burundi, República do Congo, Costa do Penal Internacional ou a minar sua Marfim, República Democrática do Congo, independência, de modo a garantir Etiópia, Guiné, Sudão, Tanzânia, Togo, imunidade judicial a chefes de estado em Uganda e Zâmbia, houve proibição de exercício, mesmo quando acusados de protestos, ataques a manifestantes e prisões crimes contra a humanidade e de outros arbitrárias de opositores políticos, defensores crimes internacionais. Em junho, a dos direitos humanos e jornalistas. Assembleia da UA adotou uma resolução As eleições gerais na Etiópia, em maio, reiterando seus apelos anteriores para foram prejudicadas por restrições à encerrar ou suspender os processos do TPI observação pela sociedade civil dos contra o vice-presidente Ruto, do Quênia, e o processos eleitorais, pelo uso de força Presidente Al Bashir, do Sudão. Em excessiva contra manifestantes pacíficos e novembro, o governo do Quênia tentou pela perseguição contra observadores influenciar a 14ª sessão da Assembleia dos políticos da oposição. Agentes de segurança Estados-Parte (AEP) – o órgão de supervisão agrediram, feriram e mataram pessoas nos política do TPI – como parte de sua tentativa locais de votação, e quatro membros e líderes de desautorizar o julgamento do vice- de partidos políticos de oposição foram presidente Ruto, ao ameaçar retirar-se do executados extrajudicialmente. TPI. O governo da Namíbia também ameaçou Na Guiné, as tensões em torno do processo retirar-se do TPI em novembro. eleitoral levaram à violência entre apoiadores Mais positivamente, a República dos diferentes partidos políticos, e entre Democrática do Congo deu um passo manifestantes e forças de segurança, estas significativo em novembro, quando o Senado últimas muitas vezes usando força excessiva votou a favor da adoção de uma legislação e letal para policiar as manifestações. nacional para a implementação do Estatuto As eleições presidenciais e parlamentares de Roma do TPI. Durante a 14ª sessão da no Sudão levaram à reeleição do Presidente AEP, no mesmo mês, muitos estados Al Bashir em meio a denúncias de fraude e africanos signatários do Estatuto de Roma do irregularidades eleitorais, com altos índices TPI manifestaram forte compromisso com o de abstenção e boicote das eleições por parte tribunal e negaram apoio a propostas que de partidos políticos de oposição. As poderiam minar sua independência. autoridades do Sudão intensificaram a Um passo importante em direção à justiça repressão à liberdade de expressão conforme para as vítimas do Exército de Resistência do as eleições se aproximavam, silenciando a Senhor (ERS) foi dado em janeiro, após a imprensa, subjugando a sociedade civil e transferência de Dominic Ongwen, suposto partidos políticos de oposição, e prendendo ex-comandante do ERS, para o TPI. Em julho, dezenas de opositores políticos. o início do julgamento, no Senegal, de Em países como Burkina Faso, Burundi, Hissène Habré – acusado de crimes contra a República Democrática do Congo e humanidade, tortura e crimes de guerra República do Congo, tentativas por parte de cometidos durante o seu mandato, entre líderes políticos de manter-se no poder para 1982 e 1990 – foi um grande avanço na um terceiro mandato provocaram protestos e longa luta da África contra a impunidade. a subsequente violência estatal. No Burundi,

20 Anistia Internacional – Informe 2015/16 os protestos foram violentamente reprimidos RESTRIÇÕES AO ESPAÇO CÍVICO E pelas forças de segurança, e houve um ATAQUES A DEFENSORES DOS DIREITOS aumento acentuado das práticas de tortura e HUMANOS outros maus-tratos, especialmente contra os Fora do contexto eleitoral, muitos governos opositores da reeleição do Presidente sufocaram a dissidência e reprimiram os Nkurunziza. A partir de setembro, a situação direitos à liberdade de expressão. Reuniões deteriorou-se ainda mais; homicídios quase pacíficas foram frequentemente dispersadas diários, incluindo execuções extrajudiciais, com força excessiva. Muitas organizações da além de prisões arbitrárias e sociedade civil e defensores dos direitos desaparecimentos se tornaram rotina. Mais humanos enfrentaram um ambiente cada vez de 400 pessoas foram mortas entre abril e mais hostil, que incluiu a aplicação de leis dezembro. destinadas a restringir o espaço cívico. Em Burkina Faso, em setembro, membros Esse contexto de restrições crescentes da Guarda de Segurança Presidencial (GSP) apresentou-se em uma série de países, tentaram um golpe e tomaram líderes incluindo Angola, Burundi, Camarões, Chade, políticos como reféns, inclusive o Presidente República do Congo, Costa do Marfim, Guiné e o Primeiro-Ministro, provocando uma onda Equatorial, Gâmbia, Quênia, Lesoto, de protestos públicos. Antes de ser Mauritânia, Níger, Ruanda, Senegal, Serra desmobilizada pelo exército, a GSP usou Leoa, Somália, Suazilândia, Togo, Uganda, força excessiva e às vezes letal ao tentar Zâmbia e Zimbábue. reprimir os protestos. Em Angola, intensificaram-se a repressão à Na Gâmbia, familiares de pessoas dissidência e as violações flagrantes de suspeitas de envolvimento em um golpe de liberdades fundamentais, inclusive por meio estado fracassado, ocorrido em dezembro de da detenção arbitrária de ativistas que 2014, foram arbitrariamente presos e detidos exigiam pacificamente a prestação de contas pela polícia. Três soldados suspeitos de pública por parte dos governantes. envolvimento foram condenados à morte. O Na Eritreia, milhares de pessoas detidas Lesoto continuou em situação de arbitrariamente seguiam como prisioneiras de instabilidade política após uma tentativa de consciência. Não havia espaço para partidos golpe em 2014. políticos de oposição, ativismo, meios de Na República Democrática do Congo e comunicação independentes ou liberdade Uganda, suprimiram-se a dissidência e os acadêmica. direitos humanos básicos no contexto das No Sudão do Sul, o espaço para jornalistas, eleições presidenciais agendadas para 2016. defensores dos direitos humanos e sociedade Na República Democrática do Congo, civil trabalharem sem intimidação ou medo conforme aumentavam as pressões sobre o continuou a diminuir significativamente. Presidente Kabila para que não tentasse Na Mauritânia, ampliaram-se as restrições outro mandato após 14 anos no poder, as aos direitos às liberdades de expressão, de autoridades intensificavam a perseguição a associação e de reunião, e ativistas foram defensores dos direitos humanos e presos por realizarem comícios jornalistas, e dispersavam com violência as antiescravidão. As autoridades do Senegal manifestações. Em Uganda – onde o continuaram a proibir manifestações por Presidente Museveni tentará um quinto parte de apoiadores de partidos políticos e mandato nas eleições previstas para fevereiro defensores dos direitos humanos, e a de 2016 –, a polícia prendeu arbitrariamente processar manifestantes pacíficos. líderes políticos da oposição, incluindo Na Tanzânia, jornalistas enfrentaram candidatos à presidência, e usou força assédio, intimidação e prisões. Quatro excessiva para dispersar reuniões políticas projetos de lei foram apresentados ao pacíficas. Parlamento que, juntos, legalizam restrições

Anistia Internacional – Informe 2015/16 21 injustificadas à liberdade de expressão. Ordinária, realizada na Gâmbia. Contudo, em Na Zâmbia, a polícia continuou a uma posterior Reunião da União Africana na implementar a Lei da Ordem Pública, África do Sul, o Conselho Executivo do restringindo a liberdade de reunião. As organismo recusou-se a aprovar o relatório de autoridades do Zimbábue sufocaram a atividades da Comissão até que esta liberdade de expressão, inclusive por meio de revogasse o status de observadora concedido medidas repressivas envolvendo prisões, à CLA – suscitando temores de que a vigilância, assédio e intimidação daqueles Comissão seja forçada a recuar em sua que defendiam o licenciamento de estações decisão. de rádio comunitárias. Apesar da condenação por parte do Presidente, houve um aumento acentuado DISCRIMINAÇÃO E MARGINALIZAÇÃO nos assassinatos e outros ataques a pessoas Embora 2015 tenha sido, segundo a UA, o com albinismo no Malaui cometidos por “Ano do Empoderamento e Desenvolvimento indivíduos e gangues que procuram partes do das Mulheres rumo à Agenda Africana corpo para vender para o uso na feitiçaria. Na 2063”, em muitos países, as mulheres e Tanzânia, o governo omitiu-se em adotar meninas frequentemente sofreram abuso, medidas de segurança adequadas para a discriminação e marginalização – tanto em proteção de pessoas com albinismo; uma razão de tradições e normas culturais, como menina teria sido morta para extraírem-se da discriminação de gênero institucionalizada partes do seu corpo, e houve denúncias de em leis injustas. No contexto de conflitos e casos envolvendo sequestros, mutilações e nos países que acolheram um grande desmembramentos. número de pessoas deslocadas e refugiadas, mulheres e meninas foram submetidas a PERSPECTIVAS FUTURAS estupros e outras formas de violência sexual. As ocorrências ao longo de todo ano De uma perspectiva positiva, países como revelaram quão amplos e profundos são os Burkina Faso, Madagascar e Zimbábue problemas de direitos humanos enfrentados lançaram campanhas nacionais pelo fim dos pela África, bem como a necessidade urgente casamentos infantis. de que as instituições regionais e Os abusos – que incluíram perseguição e internacionais protejam milhões de vidas e criminalização – contra pessoas lésbicas, adotem medidas mais fortes, claras e gays, bissexuais, transexuais e intersexuais consistentes para lidar com os conflitos e (LGBTI) ou percebidas como tal ocorreram enfrentar a crise global de refugiados. em muitos países, entre os quais Camarões, O ano também deixou clara a necessidade Nigéria, Senegal e África do Sul. premente de que os estados africanos O Malaui aceitou uma recomendação de combatam a impunidade tanto em âmbito Revisão Periódica Universal da ONU para a doméstico quanto no exterior – inclusive adoção de medidas de proteção a pessoas refreando ataques políticos ao Tribunal Penal LGBTI contra a violência e para processar os Interncional. A efetiva responsabilização por perpetradores, e concordou em garantir o violações dos direitos humanos e crimes acesso efetivo daquelas pessoas a serviços contra o direito internacional poderia ser médicos. No entanto, o país rejeitou transformadora para países em toda a África. recomendações para revogar disposições no Juntamente com o Ano dos Direitos Código Penal que criminalizam condutas Humanos na África, 2016 marcará o 35° consensuais entre adultos do mesmo sexo. aniversário da adoção da Carta Africana, o A Comissão Africana concedeu status de 30° aniversário da entrada em vigor da Carta observador à Coalizão de Lésbicas Africanas e o 10° aniversário da criação do Tribunal (CLA), organização de direitos LGBTI sediada Africano. Com a aproximação dessas na África do Sul, durante sua 56ª Sessão auspiciosas ceçebrações, coloca-se o desafio

22 Anistia Internacional – Informe 2015/16 para a maioria dos líderes africanos de ouvir e trabalhar com o crescente movimento de direitos humanos do continente.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 23 ocorridos no mundo. De cada 100 homicídios PANORAMA cometidos na América Latina, somente 20 resultaram em condenação. Em alguns REGIONAL: países, essa proporção era ainda menor. Os crimes violentos eram mais frequentes em AMÉRICAS países como El Salvador, Guiana, Honduras, Jamaica, Trinidad e Tobago e Venezuela. Os acontecimentos de 2015 deram a A crescente influência das empresas dimensão da crise de direitos humanos que transnacionais e seu envolvimento em abusos as Américas enfrentam hoje. Uma dos direitos humanos – sobretudo no setor combinação de discriminação, violência, extrativo e outros setores relacionados com a desigualdade, conflito, insegurança, pobreza, apropriação de terras e recursos naturais, danos ambientais e falta de justiça por principalmente nos territórios pertencentes violações de direitos humanos ameaçou a aos povos indígenas, outras minorias étnicas proteção dos direitos humanos e as e comunidades de agricultores ou liberdades fundamentais na região. reivindicados por eles – continuou sendo uma Apesar de a maioria dos Estados apoiar e ameaça para os direitos humanos em toda a ter ratificado as normas e tratados região. internacionais de direitos humanos, a Uma quantidade cada vez maior de promessa desses direitos continuou vazia conflitos socioambientais foi origem de para milhões de pessoas, confirmando a violência e violações de direitos humanos. tendência de retrocesso em matéria de Defensores dos direitos humanos e ativistas direitos humanos verificada nos dois últimos que trabalham para proteger a terra, o anos. território e os recursos naturais ficaram cada Uma cultura arraigada de impunidade vez mais expostos a homicídios, permitiu que os responsáveis por abusos de desaparecimentos forçados e outras ações direitos humanos agissem sem temer as criminosas. Em Honduras, organizações da consequências de seus atos, além de negar a sociedade civil sofreram ameaças e ataques verdade e a reparação a milhões de pessoas violentos de seguranças privados vinculados e enfraquecer o Estado de direito. Com a poderosos proprietários de terras. No Brasil, frequência, essa impunidade se sustentava à dezenas de pessoas foram mortas no custa de sistemas de segurança e de justiça contexto de conflitos por terras e recursos fracos, corruptos e carentes de recursos, naturais. situação agravada pela falta de vontade Os debates na Organização dos Estados política para assegurar sua independência e Americanos (OEA) para terminar de definir a imparcialidade. proposta da Declaração Americana sobre os Durante o ano, as autoridades insistiram Direitos dos Povos Indígenas foram em recorrer a respostas militarizadas para prejudicados por empecilhos à participação enfrentar problemas sociais e políticos, como efetiva dos povos indígenas e pelas tentativas a crescente influência das redes do crime de alguns Estados de enfraquecer o esboço organizado e o impacto das empresas da proposta. Os representantes indígenas se multinacionais sobre os direitos das pessoas. retiraram das negociações quando vários Ao mesmo tempo, os níveis de violência Estados insistiram em incluir disposições que, letal em toda a região continuavam na prática, endossariam legislações nacionais extremamente altos. Eram da América Latina que ignoravam a proteção dos direitos dos e do Caribe oito dos 10 países mais violentos povos indígenas. do mundo, e em quatro deles – Brasil, Enquanto isso, a insegurança, a violência e Colômbia, México e Venezuela – se cometia as dificuldades econômicas no México e na um de cada quatro homicídios violentos América Central levaram um número cada

24 Anistia Internacional – Informe 2015/16 vez maior de pessoas, sobretudo menores caso de uma menina de 10 anos que desacompanhados, a abandonar seus lares e engravidou depois de estuprada várias vezes, atravessar fronteiras em busca de melhores supostamente pelo padrasto, teve condições de vida e de se livrar da violência. repercussão internacional e chamou atenção Defensoras e defensores dos direitos para a necessidade de revogar a draconiana humanos continuaram sendo atacados por legislação antiaborto do país. As autoridades causa de seu trabalho. Defender os direitos se recusaram a permitir que ela fizesse um humanos foi uma opção com frequência aborto apesar das evidências de que a perigosa e até mesmo mortal, pois muitos gestação colocava sua vida em risco. governos fomentaram a deterioração do A situação dos direitos humanos em Cuba espaço cívico e a criminalização das estava em uma encruzilhada. O ano foi divergências. marcado pela melhora das relações Entre as crises de direitos humanos que internacionais – o país participou pela afetaram nações inteiras estava a do México, primeira vez da Cúpula das Américas, país assolado por milhares de denúncias de aconteceram reuniões históricas entre os tortura e outros maus-tratos, além de presidentes de Cuba e o dos Estados Unidos, execuções extrajudiciais, e onde o paradeiro e o Papa Francisco realizou uma visita de de pelo menos 27.000 pessoas continuava Estado – e por avanços como a libertação de desconhecido no fim do ano. Embora em prisioneiros de consciência. Ainda assim, as setembro tivesse se completado o primeiro autoridades sufocaram a dissidência e aniversário do desaparecimento forçado de continuaram detendo arbitrariamente 43 estudantes de uma escola rural de milhares de pessoas pelo simples fato de magistério em Ayotzinapa, uma das mais manifestarem sua opinião de forma pacífica. alarmantes violações de direitos humanos da No Brasil, as obras de infraestrutura para história recente do México, as investigações os Jogos Olímpicos de 2016 provocaram a continuavam deficientes. remoção de pessoas de suas casas no Rio de Na Venezuela, um ano após as grandes Janeiro, com frequência sem notificação manifestações que deixaram 43 pessoas adequada, indenização ou reassentamento. mortas, centenas feridas e dezenas Acontecimentos positivos também torturadas ou vítimas de maus-tratos, marcaram o ano. Na Colômbia, as ninguém foi condenado por esses crimes, conversações de paz entre o governo e as enquanto as pessoas detidas de modo Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia arbitrário pelas autoridades continuavam (FARC) continuaram a fazer avanços sendo processadas. Apesar da diminuição significativos, aumentando a expectativa de dos protestos no fim do ano, a intolerância do que o conflito armado que perdura no país há governo frente às divergências fez com que 50 anos possa terminar em breve. defensores dos direitos humanos O governo da Jamaica finalmente criou seguidamente sofressem ameaças, uma comissão de inquérito sobre as violações perseguições e ataques, enquanto as forças de direitos humanos cometidas durante o de segurança continuaram a usar força estado de emergência em 2010. Na ocasião, excessiva para reprimir manifestações. Os as forças de segurança mataram 76 pessoas, ataques a ativistas e políticos de oposição inclusive 44 que teriam sido executadas levantaram dúvidas quanto à imparcialidade extrajudicialmente. O presidente do Peru das eleições legislativas. Luis Manuel Diaz, ratificou um mecanismo nacional para a um político oposicionista do estado de prevenção da tortura e criou um registro Guárico, foi morto a tiros durante a nacional das vítimas que haviam sido campanha pré-eleitoral. submetidas à esterilização forçada na década No Paraguai, a situação dos direitos de 1990. sexuais e reprodutivos, particularmente no Os Estados Unidos aceitaram muitas das

Anistia Internacional – Informe 2015/16 25 recomendações formuladas no processo de extrajudiciais. Revisão Periódica Universal da ONU com No Equador, os protestos contra o governo base na análise da situação dos direitos que aconteceram durante o ano em todo o humanos no país, tendo repetido que país se caracterizaram por enfrentamentos apoiavam os pedidos para o fechamento do entre as forças de segurança – que, segundo centro de detenção de Guantánamo, em informações, fizeram uso excessivo da força e Cuba, para a ratificação da Convenção da efetuaram detenções arbitrárias – e os ONU sobre os Direitos da Criança e da manifestantes. Convenção sobre a Eliminação de Todas as No Peru, as pessoas que se opunham aos Formas de Discriminação contra a Mulher projetos das indústrias extrativistas foram alvo (CEDAW), bem como para a prestação de de intimidação, uso excessivo da força e contas pela prática de tortura. No entanto, detenções arbitrárias. Sete manifestantes nenhuma das recomendações foi aplicada foram mortos por tiros em circunstâncias que até o fim do ano. indicavam que agentes de segurança haviam feito uso excessivo da força. SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS Nos Estados Unidos, pelo menos 43 HUMANOS pessoas morreram depois de atingidas por A violência e a influência crescente de atores armas de eletrochoque da polícia. Ocorreram não estatais – como as redes criminosas e as protestos contra o uso excessivo da força pela empresas transnacionais que agem com polícia em várias cidades. Mais uma vez, as impunidade – continuaram desafiando a autoridades não mantiveram registro do capacidade dos governos de proteger os número exato de pessoas mortas por agentes direitos humanos. As iniciativas para controlar da lei a cada ano. as redes do crime, que incluíam o uso Na Venezuela, causou preocupação que ocasional das forças armadas, ocasionaram durante as operações de segurança pública graves violações dos direitos humanos e para enfrentar os altos índices de restrições indevidas da liberdade de criminalidade tenha se usado força excessiva, expressão e de reunião pacífica. inclusive com possíveis execuções O uso excessivo da força pela polícia e extrajudiciais, bem como prisões arbitrárias e outras forças de segurança foi registrado em remoções forçadas de supostos criminosos e países como Bahamas, Brasil, Chile, suas famílias. Equador, Guiana, Jamaica, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Venezuela. ACESSO À JUSTIÇA E LUTA CONTRA A As forças de segurança brasileiras com IMPUNIDADE frequência usaram força excessiva ou A negação de acesso significativo à Justiça desnecessária para suprimir manifestações. para um grande número de pessoas O número de homicídios cometido durante comprometeu seriamente os direitos operações policiais permaneceu alto e essas humanos, principalmente nas comunidades mortes raramente foram investigadas; a falta carentes e marginalizadas. de transparência geralmente impossibilitava Em Honduras, a impunidade generalizada que se calculasse o número exato de pessoas era fomentada por um sistema de justiça que morreram. Policiais militares, civis e penal ineficaz que, combinado com a bombeiros, fora de serviço ou já desligados corrupção e as violações de direitos humanos das corporações, praticaram homicídios cometidas por policiais, gerava desconfiança ilegais como parte de grupos de extermínio frente às instituições de justiça e aquelas que atuavam em várias cidades. No México, encarregadas de cumprir a lei. O governo houve relatos de vários incidentes com armas anunciou que enfrentaria a questão da de fogo e participação de policiais e militares, corrupção e da impunidade por meio de uma que pareciam se tratar de execuções iniciativa com a OEA para reformar o sistema

26 Anistia Internacional – Informe 2015/16 de justiça. chefe do exército José Efraín Rios Montt No Chile, casos de violações de direitos poderia ir adiante. humanos envolvendo membros das forças de No Panamá, foi suspenso o julgamento do segurança continuaram a ser investigados por ex-presidente Manuel Noriega pelo tribunais militares, apesar da preocupação desaparecimento forçado de Heliodoro com a falta de independência e Portugal depois que o advogado de Noriega imparcialidade desses tribunais e apesar do recorreu contra o indiciamento, compromisso que as autoridades assumiram argumentando que o julgamento violaria os de reformar o sistema de justiça militar. termos de sua extradição. Não estava claro se Persistiu a falta de vontade política para o julgamento prosseguiria. enfrentar violações de direitos humanos não No Haiti, depois da morte do ex-presidente resolvidas, como os milhares de assassinatos Jean-Claude Duvalier em 2014, pouco se políticos e desaparecimentos forçados avançou na investigação dos supostos crimes cometidos durante a segunda metade do contra a humanidade cometidos durante seu século XX, e para garantir o direito à verdade, governo (1971-1986). à justiça e à reparação. Na Bolívia, as medidas tomadas para TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS assegurar a verdade, a justiça e reparações Apesar dos sólidos mecanismos e leis contra plenas para as vítimas de violações dos a tortura existentes nas Américas, a tortura e direitos humanos cometidas durante os outros maus-tratos continuaram regimes militares e autoritários do passado generalizados; as autoridades não foram limitadas, embora as autoridades processaram os responsáveis nem tenham se comprometido a criar uma proporcionaram reparação adequada às comissão da verdade. Na Argentina, vítimas. Os tratamentos cruéis, desumanos e realizaram-se julgamentos públicos de crimes degradantes eram habituais nas contra a humanidade perpetrados no período penitenciárias e no momento da prisão, do regime militar de 1976 a 1983, quando sendo usados principalmente contra supostos oito novas sentenças condenatórias foram delinquentes para puni-los ou extrair pronuinciadas. No entanto, pessoas dos confissões. setores civil, empresarial e do direito que Na Argentina, as denúncias de tortura – foram cúmplices em violações dos direitos que incluíam golpes com aguilhões para humanos e crimes contra o direito gado, semiasfixia com sacos plásticos, internacional não foram levadas à Justiça. submersão e isolamento prolongado – não No Chile, seguiam abertos mais de 1.000 foram investigados, nem existia qualquer casos de violações de direitos humanos sistema de proteção às testemunhas. Na cometidas no passado; as organizações de Bolívia, a falta de um mecanismo vítimas condenaram a demora em independente para registrar e investigar estabelecer a verdade do que aconteceu a denúncias de abusos dissuadia as vítimas de milhares de vítimas de desaparecimentos tortura de tentar buscar justiça e reparação. forçados. Contudo, vários ex-militares foram O México se submeteu ao escrutínio indiciados, inclusive pelo sequestro e internacional em março, quando o relator assassinato do cantor e ativista político Víctor especial da ONU sobre a tortura e outros Jara em 1973. tratamentos ou penas cruéis, desumanos e Um tribunal de recursos da Cidade da degradantes apresentou ao Conselho de Guatemala decidiu que o decreto de anistia Direitos Humanos um relatório em que de 1986 não era aplicável a casos de crimes detalhava o caráter generalizado da tortura e contra a humanidade e genocídio cometidos a impunidade da polícia e de outras forças de na Guatemala, implicando que o processo segurança. contra o ex-presidente e comandante-em- A tortura e outros maus-tratos eram

Anistia Internacional – Informe 2015/16 27 endêmicos nas prisões brasileiras, inclusive migrantes haitianos decidiram retornar ao contra menores. Haiti, principalmente por medo da violência, As condições prisionais – que incluíam da expulsão ou do comportamento xenófobo superlotação, violência e falta de alimentos e de empregadores e vizinhos; centenas se água – eram especialmente severas em assentaram em acampamentos improvisados países como Bahamas, Bolívia, Brasil, Haiti, na fronteira. Jamaica, Estados Unidos e Venezuela. Nas Bahamas, houve denúncias de detenções arbitrárias e abusos contra REFUGIADOS, REQUERENTES DE ASILO E migrantes. O Parlamento aprovou reformas MIGRANTES relativas à imigração que poderiam impedir a Em uma situação de crise humanitária cada obtenção de nacionalidade bahamiana para vez mais aguda, migrantes e refugiados – os filhos de migrantes em situação irregular especialmente uma grande quantidade de nascidos nas Bahamas, com o risco de tornar crianças e adolescentes desacompanhados – essas crianças apátridas. que atravessavam a América Central e o Em julho, o Comitê de Direitos Humanos México enfrentaram graves violações de da ONU pediu que o Canadá informasse este direitos humanos ao tentar entrar nos Estados órgão, no prazo de um ano, a respeito de Unidos, e muitas vezes acabaram detidos em uma série de preocupações de direitos condições rigorosas. Com frequência essas humanos relativas aos migrantes e pessoas eram vítimas de homicídio, sequestro refugiados. Em uma iniciativa positiva, o novo ou extorsão por parte de gangues criminosas, governo anunciou que os cortes no Programa que costumavam agir com a conivência das de Saúde Federal Provisório para os autoridades. As mulheres e as meninas refugiados e requerentes de asilo seriam estavam mais expostas a sofrer violência revertidos e a cobertura do atendimento sexual e serem vítimas de tráfico de pessoas. médico seria restaurada. Nos Estados Unidos, dezenas de milhares Quase 2.000 cidadãos colombianos, de famílias e de menores desacompanhados inclusive refugiados e pessoas em busca de foram apreendidas durante o ano ao tentar asilo, foram deportados da Venezuela em cruzar a fronteira Sul. As famílias passavam agosto, sem que tivessem a oportunidade de meses detidas – muitas delas em instalações contestar sua expulsão ou juntar seus sem acesso adequado a cuidados médicos, pertences. Houve alguns casos em que saneamento, água ou assistência jurídica – crianças foram separadas de seus pais. enquanto eram processadas suas solicitações Dezenas de pessoas foram expulsas à força para permanecer no país. ou tiveram suas casas destruídas, sendo que Em outras partes da região, os migrantes e alguns dos detidos sofreram maus-tratos. seus descendentes sofreram discriminação Em dezembro, a Comissão Interamericana generalizada, e os Estados pouco fizeram de Direitos Humanos manifestou para lidar com a exclusão arraigada. preocupação com a vulnerabilidade de mais Apesar da aplicação de uma lei que de 4.500 migrantes provenientes de Cuba pretendia resolver a situação, na República que permaneciam abandonados à própria Dominicana muitas pessoas de ascendência sorte na fronteira entre a Costa Rica e a haitiana continuaram sendo apátridas depois Nicarágua, em meio a denúncias de que as que, em 2013, uma sentença do Tribunal autoridades nicaraguenses os estavam Constitucional lhes retirou a nacionalidade submetendo a abusos. A Comissão pediu que dominicana de forma arbitrária e retroativa. os Estados da América Central permitissem a Depois do anúncio das autoridades migração legal e segura dos cubanos que dominicanas de que as deportações de viajam por terra aos Estados Unidos. migrantes em situação irregular seriam retomadas em junho, dezenas de milhares de

28 Anistia Internacional – Informe 2015/16 DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS As autoridades não aplicaram Apesar de todos os Estados da região terem integralmente a sentença de 2012 da Corte adotado a Declaração da ONU sobre os Interamericana de Direitos Humanos em Direitos dos Povos Indígenas em 2007, as favor dos índios Quíchua de Sarayaku. A violações de direitos humanos – como decisão inclui a completa remoção dos ataques, uso excessivo da força e homicídios explosivos deixados em suas terras e a – continuaram sendo uma realidade cotidiana aprovação de legislação para regulamentar o para os povos indígenas de todo o direito dos povos indígenas ao consentimento Continente, e ameaçavam seus direitos à livre, prévio e informado sobre leis, políticas e terra, ao território e aos recursos naturais, à medidas que afetem seus meios de sua cultura e à sua própria existência. subsistência. A pobreza, a exclusão, a desigualdade e a discriminação continuaram afetando milhares DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS de pessoas em países como Argentina, EM RISCO Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, México, Em toda a região, persistia um padrão de Paraguai e Peru. Os povos indígenas ameaças e ataques contra defensores dos continuaram sendo removidos à força de direitos humanos, advogados, juízes, suas próprias terras por atores estatais e não testemunhas e jornalistas, com uma estatais – como empresas e proprietários de tendência crescente de se fazer uso indevido terras – em nome do desenvolvimento dos sistemas de justiça para reprimir econômico. defensores dos direitos humanos. Os avanços Projetos de desenvolvimento, como os das no sentido de investigar esses abusos ou indústrias extrativistas, reiteradamente levar os responsáveis à Justiça foram raros. privaram os povos indígenas de seu direito a Em muitos países das Américas, ser um uma consulta significativa e ao consentimento defensor dos direitos humanos implicava se livre, prévio e informado, ameaçando sua arriscar a sofrer abusos e violências. Os que cultura e seu ambiente e provocando o atuavam para enfrentar a corrupção ou desalojamento forçado de comunidades defender os direitos das mulheres e dos inteiras. povos indígenas corriam maior perigo. Ataques contra membros de comunidades Os defensores dos direitos humanos na indígenas continuaram sendo amplamente Colômbia corriam sério risco de ser alvo de praticados no Brasil, e os responsáveis ataques, principalmente dos paramilitares. raramente foram levados à Justiça. Uma Na Venezuela, os defensores tiveram que emenda à Constituição que transferia a enfrentar ataques verbais das autoridades. responsabilidade pela demarcação de Em Cuba, as autoridades impuseram severas territórios indígenas do Poder Executivo para restrições às liberdades fundamentais, com o Legislativo ameaçava prejudicar o acesso milhares de denúncias de casos de dos povos indígenas à terra. No fim do ano, a perseguição a críticos do governo, bem como emenda ainda aguardava a aprovação do de prisões e detenções. Defensores dos Senado. direitos humanos e outras pessoas que A Suprema Corte do Paraguai rejeitou a criticavam abertamente as políticas do segunda tentativa de um proprietário de governo do Equador enfrentaram ataques, terras de anular a lei de expropriações de multas e ações penais infundadas; órgãos de 2014, aprovada para devolver à comunidade imprensa continuaram sendo multados com Sawhoyamaxa as terras que lhes pertenciam. base em uma lei de comunicações que A decisão sobre uma ação ajuizada pela poderia estar sendo usada para enfraquecer comunidade contra a ocupação de suas a liberdade de expressão. Na Bolívia, as terras por funcionários do proprietário autoridades desacreditaram o trabalho das continuava pendente no fim do ano. organizações não governamentais, inclusive

Anistia Internacional – Informe 2015/16 29 de defensores dos direitos humanos, e desafios de direitos humanos na região. aplicaram regulamentos estritos para que as Pouco se avançou para resolver essa ONGs obtivessem registro. situação, pois proteger as mulheres e as Os defensores dos direitos humanos na meninas contra estupros, ameaças e Guatemala – principalmente as lideranças homicídios, ou levar os responsáveis à indígenas e os ativistas que defendiam o meio Justiça, não estavam entre as prioridades dos ambiente e os direitos à terra, opondo-se aos Estados. Além disso, a aplicação das leis era megaprojetos de mineração e de hidrelétricas bastante demorada. – eram alvos de constantes ataques, Houve relatos de níveis elevados de ameaças, perseguições e intimidações. violência motivada por gênero em países Em Honduras, em meio a um ambiente de como Guatemala, Guiana, El Salvador, violência e criminalidade generalizadas, os Jamaica, Trinidad e Tobago, entre outros. A defensores dos direitos humanos, sobretudo aplicação da legislação de 2007 que as mulheres, sofreram ameaças e ataques criminalizava esses abusos na Venezuela que raramente eram investigados, além de permaneceu lenta devido à falta de recursos. perseguição judicial. O Congresso aprovou As mulheres indígenas dos Estados Unidos e uma lei que poderia ser um passo importante do Alaska continuaram a vivenciar níveis para a proteção de defensores dos direitos desproporcionais de violência; sua humanos e jornalistas, entre outros. Porém, probabilidade de sofrer estupro ou violência um grupo de organizações da sociedade civil sexual era 2,5 vezes maior que a de outras manifestou sua preocupação com a mulheres do país. Em El Salvador, 475 imprecisão e a falta de transparência da mulheres foram assassinadas entre janeiro e minuta dessa normativa, tendo solicitado que outubro – mais do que as 294 mortes sua aprovação fosse adiada por vários meses. registradas em 2014. As medidas para proteger os defensores As violações dos direitos sexuais e dos direitos humanos geralmente eram reprodutivos tiveram um impacto significativo aplicadas de maneira pouco enérgica ou sobre a saúde de mulheres e meninas. Até o ignoradas por completo. O Programa fim do ano, sete países da região – Chile, El Nacional de Proteção aos Defensores dos Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua, Direitos Humanos do Brasil não conseguiu República Dominicana e Suriname – ainda oferecer a proteção prometida em suas proibiam totalmente o aborto ou não disposições, e sua aplicação foi prejudicada dispunham de provisões legais para proteger pela falta de recursos. Casos de ameaças, a vida da mulher. No Chile, um projeto de lei ataques e assassinatos contra defensores dos para descriminalizar o aborto em certas direitos humanos raramente foram circunstâncias tramitava no Congresso no fim investigados e permaneceram praticamente do ano. Na República Dominicana, o Tribunal impunes. No México, o Mecanismo para Constitucional revogou as reformas do Código Proteção dos Defensores dos Direitos Penal que descriminalizavam o aborto em Humanos e Jornalistas, de caráter federal, certos casos. No Peru, um projeto de lei para carecia de recursos e de coordenação, o que descriminalizar o aborto para vítimas de deixou defensores de direitos humanos e estupro foi rejeitado por uma comissão jornalistas mal protegidos, enquanto a constitucional do Congresso. impunidade pelos ataques e pelas violências Na Argentina, mulheres e meninas persistia. enfrentaram dificuldades para ter acesso a abortos legais. No Brasil, novas leis e VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E emendas constitucionais ameaçavam os MENINAS direitos sexuais e reprodutivos e os direitos A crescente violência contra as mulheres das mulheres. Alguns dos projetos continuou sendo um dos mais urgentes propunham criminalizar o aborto em todas as

30 Anistia Internacional – Informe 2015/16 circunstâncias ou impediriam na prática o acontecimento positivo, contudo, foi que uma acesso a abortos legais e seguros. comemoração pelo Orgulho LGBTI pôde ser Em outros países, mesmo quando o acesso realizada pela primeira vez. Durante o evento, a serviços de aborto era legal em o ministro da Justiça pediu tolerância e determinadas circunstâncias, a demora dos manifestou seu apoio ao direito das pessoas procedimentos judiciais tornava quase LGBTI de se expressarem pacificamente. impossível o acesso a abortos seguros, principalmente quando as pessoas não CONFLITO ARMADO tinham condições de pagar por serviços Na Colômbia, as negociações de paz em privados. A restrição do acesso a curso entre o governo e as FARC foram a anticoncepcionais e informações sexuais e melhor oportunidade em mais de uma reprodutivas, especialmente para as década de pôr um fim definitivo ao conflito mulheres e meninas mais marginalizadas, armado interno mais prolongado da região. continuou causando preocupação. Entretanto, durante o ano, ambas as partes Na Bolívia, os altos índices de mortalidade cometeram crimes contra o direito materna, principalmente nas áreas rurais, internacional e graves violações e abusos dos continuaram preocupantes. direitos humanos, principalmente contra Todas as partes no conflito da Colômbia – povos indígenas e comunidades de forças de segurança, paramilitares e grupos camponeses e afrodescendentes, além de guerrilheiros – cometeram crimes de violência defensores dos direitos humanos. sexual. Pouquíssimos agressores foram As forças de segurança, os grupos levados à Justiça. guerrilheiros e os paramilitares cometeram homicídios ilegais, desalojamentos forçados, DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, desaparecimentos forçados, ameaças de BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E morte e crimes de violência sexual com INTERSEXUAIS quase total impunidade. Crianças Pessoas LGBTI sofreram constante continuaram sendo recrutadas como discriminação e violência por toda a região, combatentes por grupos guerrilheiros e apesar dos avanços obtidos em alguns países paramilitares. Familiares de vítimas de com leis que proíbem a discriminação com violações de direitos humanos que se base na orientação sexual e na identidade de mobilizaram por justiça, assim como gênero. membros de organização de direitos Houve casos não solucionados de humanos que os auxiliaram, foram homicídios violentos de mulheres transgênero ameaçados de morte e sofreram outros na Argentina, bem como denúncias de graves abusos de direitos humanos. crimes de ódio – inclusive assassinato e Um cessar-fogo declarado em julho pelas estupro – contra pessoas LGBTI na República FARC e a suspensão dos bombardeios contra Dominicana. A violência e a discriminação posições das FARC por parte do governo contra lésbicas, gays, bissexuais, pareceram atenuar alguns dos piores efeitos transgêneros e intersexuais continuou do conflito sobre os civis nas áreas rurais. preocupante em países como El Salvador, Em setembro, as duas partes anunciaram Guiana, Honduras, Trinidad e Tobago e ter chegado a um acordo sobre justiça Venezuela. transicional e disseram que um tratado de As relações sexuais consentidas entre paz seria assinado até março de 2016. homens permaneceram criminalizadas na Porém, restavam dúvidas sobre se o acordo, Jamaica, onde jovens LGBTI ainda eram que até dezembro não era de conhecimento desalojados e deixados sem teto, e as público, – combinado a uma legislação que ameaças e perseguições contra pessoas poderia permitir que supostos autores de LGBTI não eram investigadas. Um abusos contra os direitos humanos evadissem

Anistia Internacional – Informe 2015/16 31 a justiça – garantiria o direito das vítimas à verdade, à justiça e à reparação de acordo com o direito internacional.

SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO Até o fim do ano, ninguém havia sido levado à Justiça para responder pelas violações de direitos humanos – como tortura, maus-tratos e desaparecimentos forçados – cometidas ao abrigo do programa secreto de detenção e interrogatório operado pela Agência Central de Inteligência (CIA), depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Mais de um ano após a publicação de um resumo, desclassificado do caráter de confidencial, de um relatório do Comitê de Inteligência do Senado relativo ao programa da CIA, o documento integral do Comitê permanecia classificado como altamente secreto, facilitando a manutenção da impunidade. A maioria das pessoas detidas com base no programa, se não todas, foi submetida a desaparecimento forçado e a condições de detenção e/ou técnicas de interrogatório que violam a proibição da tortura e de outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Os detidos continuavam encarcerados em Guantánamo, a maioria sem acusação ou julgamento, com alguns sendo levados a julgamento por comissões militares, em um sistema que não cumpria as normas internacionais para julgamentos justos.

PENA DE MORTE Os EUA continuaram sendo o único país a realizar execuções no Continente americano. Apesar disso, havia sinais de que a tendência mundial pela abolição da pena de morte aos poucos ganhava terreno também nesse país. A Assembleia Legislativa do Nebraska votou a favor da abolição da pena de morte, mas a decisão estava suspensa no fim do ano, depois que seus oponentes conseguiram requerer por meio de petição que a questão fosse a voto popular em 2016. O governador da Pensilvânia anunciou uma moratória das execuções. Nos estados de Washington e Oregon também vigoravam moratórias.

32 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Paquistão. A Indonésia retomou as PANORAMA execuções, as Maldivas ameaçaram fazê-lo, e houve uma onda de execuções no Paquistão, REGIONAL: ÁSIA E após a suspensão, em dezembro de 2014, de uma moratória da execução de civis. OCEANIA Contudo, observaram-se também alguns avanços, com Fiji tendo se tornado o 100° Apesar da continuidade da rápida país totalmente abolicionista no mundo e a transformação socioeconômica na região da aprovação pelo parlamento da Mongólia de Ásia e da Oceania, a situação dos direitos um novo Código Penal que exclui a pena de humanos muitas vezes permaneceu morte para todos os crimes. desoladora. A tendência crescente de Milhões de refugiados e requerentes de repressão e injustiça ameaçou a proteção dos asilo enfrentaram condições precárias em direitos humanos na região. toda a região da Ásia e da Oceania, e países Uma séria e recorrente ameaça aos direitos tão díspares quanto a Austrália e a China das pessoas foi a incapacidade dos estados violaram o direito internacional ao devolver de garantirem a responsabilização por forçosamente pessoas a países onde elas violações aos direitos humanos. A enfrentariam um sério risco de graves impunidade, com frequência arraigada e violações. Uma grave crise humanitária e de generalizada, negou justiça e sustentou direitos humanos ocorreu na baía de Bengala violações dos direitos humanos, incluindo e no mar de Andaman, onde traficantes de tortura e outros maus-tratos. A impunidade pessoas e contrabandistas abandonaram também exacerbou o sofrimento no âmbito milhares de refugiados e migrantes no mar, dos conflitos armados, como no Afeganistão e com os estados inicialmente recusando sua em Mianmar, e perpetuou a injustiça ao não entrada ou demorando-se para mobiliar garantir reparações por conflitos passados, operações de busca e resgate. como na Indonésia. No Nepal, o terremoto devastador de 25 de Em muitos países, observou-se uma grave abril e seus tremores secundários deixaram desconexão entre os governos e o povo. O mais de 8 mil mortos e 22 mil feridos, e povo, particularmente a juventude, com desalojaram mais de 100 mil pessoas. O frequência sentiu-se com novos poderes para governo recusou-se a revogar as onerosas exigir seus direitos, muitas vezes ajudado por tarifas e demorados trâmites aduaneiros para tecnologias e plataformas de comunicação a entrada de suprimentos médicos e de acessíveis, incluindo as redes sociais. Os assistência, deixando milhares de pessoas governos, ao contrário, muitas vezes em situação de extrema necessidade. Uma buscaram escudar-se das críticas ou de ter nova Constituição, aprovada às pressas após de prestar contas, enquanto alguns – como o terremoto, foi marcada por deficiências na os da China, Camboja, Índia, Malásia, área de direitos humanos. Uma estrutura Tailândia e Vietnã – intensificaram a federalista foi rejeitada por grupos étnicos, repressão às liberdades fundamentais. levando a protestos e confrontos violentos. As Graves restrições aos direitos às liberdades forças de segurança recorreram à força de expressão, de associação e de reunião excessiva, desnecessária ou desproporcional pacífica continuaram ocorrendo no Laos, em diversos confrontos com os onde as autoridades intensificaram o controle manifestantes, levando a dezenas de mortes. sobre grupos da sociedade civil. A repressão extremada e a violação Apesar de uma tendência global para a sistemática de quase todos os direitos abolição da pena de morte, esta continuou a humanos ofuscaram a vida na República ser aplicada em diversos países da região, Popular Democrática da Coreia (Coreia do inclusive extensivamente na China e Norte), e aqueles que fugiram do país

Anistia Internacional – Informe 2015/16 33 denunciaram um aumento das prisões constitucionais e promessas de melhorias na arbitrárias. A redução das rações diárias proteção dos direitos humanos. No entanto, ameaçou gravemente o direito à alimentação muitos problemas sérios persistiram, adequada para as centenas de milhares de incluindo o uso de prisões e detenções pessoas que continuavam a definhar em arbitrárias, tortura e outros maus-tratos, campos prisionais e centros de detenção, desaparecimentos forçados e mortes sob onde a tortura e outros maus-tratos foram custódia. Um persistente clima de generalizados e o trabalho forçado rotineiro. impunidade pelos abusos cometidos por A influência geopolítica da China continuou ambos os lados do conflito armado no Sri a crescer, mas prevaleceu uma terrível Lanka, que chegou ao fim em 2009, situação interna de direitos humanos. Sob o continuou em grande medida sem ser pretexto de reforçar a segurança nacional, o enfrentado. governo aumentou a repressão ao elaborar ou Houve outros sinais menores de progresso aprovar uma série de leis e regulações sem na região, mesmo que, às vezes, frágeis e precedentes, com o potencial de silenciar a hesitantes. Tais incluíram tentativas de dissidência e reprimir os defensores dos avanços no enfrentamento à tortura e outros direitos humanos. As autoridades também maus-tratos generalizados no Afeganistão, intensificaram seu controle sobre a internet, Índia e Sri Lanka. os meios de comunicação de massa e a academia. CRESCIMENTO DO ATIVISMO E O período de preparação para as eleições SUPRESSÃO DOS PROTESTOS PÚBLICOS gerais de Mianmar, em novembro – a Seguiu crescendo o ativismo por direitos primeira desde que um governo semicivil humanos que emergiu na região da Ásia e da chegou ao poder, em 2011, após quase cinco Oceania em anos recentes. No entanto, décadas de regime militar –, foi prejudicado protestos e outras ações foram pela privação dos direitos políticos de grupos frequentemente ofuscados pelos esforços das minoritários, em particular dos rohingya, que autoridades para restringir as liberdades de são perseguidos, e por conflitos em expressão, de associação e de reunião andamento no norte de Mianmar. No entanto, pacífica, inclusive por meio do uso da força e a vitória eleitoral esmagadora da Liga da violência. Nacional para a Democracia, liderada pela Pessoas foram intimidadas e perseguidas ex-prisioneira de consciência Aung San Suu ao exercerem seu direito à liberdade de Kyi, foi um momento histórico que traz reunião pacífica no Vietnã; em julho, as esperanças de mudanças na área dos direitos forças de segurança agrediram e intimidaram humanos. Se isso ocorrerá de fato, resta ativistas pacíficos que tentavam juntar-se a ainda a ser provado. uma greve de fome em solidariedade a Na medida em que o governo militar da prisioneiros de consciência. Nas Maldivas, Tailândia adiou seus planos para a transição centenas de opositores políticos do governo política, o país vivenciou um retrocesso que participavam de protestos pacíficos contínuo no cumprimento de suas obrigações foram presos e detidos, e na Malásia em direitos humanos. As restrições dos organizadores e participantes de protestos direitos humanos – particularmente em pacíficos foram criminalizados. relação às liberdades de expressão e de No Camboja, medidas duras de repressão reunião –, que as autoridades haviam do direito à liberdade de reunião pacífica, afirmado serem temporárias quando tomaram instituídas em 2014, foram reforçadas pela o poder em um golpe militar, em 2014, na condenação penal de manifestantes. Em verdade mantiveram-se e foram reforçadas. julho, 11 membros da oposição e ativistas Um novo governo chegou ao poder no Sri foram condenados por acusações Lanka, em janeiro, trazendo reformas improváveis de insurreição. Eles haviam

34 Anistia Internacional – Informe 2015/16 participado de uma manifestação na capital, sistema judicial e fortaleceram seus poderes Phnom Penh, em julho de 2014, que resultou para erradicar a dissidência pacífica ou a em confrontos com as forças de segurança. crítica ao regime militar. Elas demonstraram Nenhuma evidência confiável foi apresentada contínua intolerância à dissidência pacífica, que ligasse os homens à violência. prendendo arbitrariamente estudantes e Na Tailândia, as sentenças de prisão ativistas antigolpe, e mantendo acadêmicos, impostas a dois ativistas por encenarem uma jornalistas e parlamentares em detenção peça de teatro foram exemplos de do uso secreta ou sem acusação nem julgamento em indiscriminado, pelas autoridades militares, campos militares. Algumas pessoas da Lei de Lesa-Majestade para suprimir a enfrentaram julgamentos injustos em liberdade de expressão. As autoridades tribunais militares por manifestarem-se contra continuaram a proibir “reuniões políticas” de o golpe militar. As autoridades penalizaram cinco ou mais pessoas, e introduziram uma dezenas de pessoas por comentários e legislação exigindo que os manifestantes declarações feitos no Facebook, considerados peçam autorização da polícia ou das ofensivos à monarquia, com os tribunais autoridades, caso contrário serão presos. emitindo sentenças de até 60 anos de prisão. Estudantes e ativistas que realizaram O governo da Coreia do Norte recusou-se a manifestações pacíficas e simbólicas de permitir a operação de quaisquer partidos pequena escala muitas vezes políticos, jornais independentes ou experimentaram força excessiva ou prisões e organizações independentes da sociedade acusações. civil e proibiu o uso de serviços internacionais Em Mianmar, a repressão policial brutal de de telefonia móvel a quase todos os cidadãos. protestos estudantis majoritariamente Ainda assim, muitas pessoas se arriscaram pacíficos foi seguida de prisões em massa e para fazer telefonemas internacionais. As perseguição generalizada a líderes estudantis pessoas que viviam perto da fronteira com a e todos aqueles associados aos protestos. China aproveitaram a economia privada não Estes incluíram , líder da oficial para ter acesso a celulares Federação Birmanesa de Associações contrabandeados conectados a redes Estudantis. chinesas para entrar em contato com pessoas Uma série de protestos foi realizada na de fora da Coreia do Norte – expondo-se a República da Coreia (Coreia do Sul) com vigilância, prisão e detenção. relação à resposta do governo ao naufrágio da No Camboja, defensores dos direitos balsa Sewol, em 2014, que causou mais de humanos foram presos e as autoridades 300 mortes. Embora a maioria dos protestos intensificaram as arbitrárias restrições tenha sido pacífica, em abril, a polícia vigentes dos direitos às liberdades de bloqueou comícios de rua na capital, Seul, expressão e de reunião pacífica, aumentando que marcavam um ano da tragédia, e usou as prisões por atividade online. A nova Lei de força desnecessária contra participantes de Associações e Organizações Não uma vigília em memória das vítimas. Governamentais foi aprovada, apesar de protestos por parte da sociedade civil de que REPRESSÃO À DISSIDÊNCIA a lei ameaçava minar o direito à liberdade de Muitos governos na região da Ásia e da associação; não se definiu o modo como a lei Oceania demonstraram uma radical seria implementada. intolerância à dissidência e recorreram a No Vietnã, o estado controlou a imprensa e restrições draconianas aos direitos humanos. o judiciário, bem como as instituições O mês de maio marcou um ano da políticas e religiosas; dezenas de prisioneiros declaração militar da lei marcial e da tomada de consciência permaneceram na prisão em de poder na Tailândia. As autoridades condições precárias depois de julgamentos adotaram medidas severas, abusaram do injustos. Houve um aumento nas denúncias

Anistia Internacional – Informe 2015/16 35 de assédio, detenções arbitrárias de curto crítica pública incluíram o do Japão, onde prazo e agressões físicas a membros da uma lei sobre segredos oficiais que poderia sociedade civil. restringir excessivamente o direito ao acesso Em julho, as autoridades da China às informações guardadas pelas autoridades lançaram uma ofensiva massiva contra entrou em vigor em dezembro de 2014. O advogados de direitos humanos, que se governo da Coreia do Sul ampliou a aplicação manteve ao longo do resto do ano. Ativistas, da Lei de Segurança Nacional para abarcar defensores dos direitos humanos e suas grupos adicionais, como políticos, uma famílias foram sistematicamente submetidos medida que poderia cercear ainda mais a a assédio, intimidação, prisão arbitrária e liberdade de expressão. As autoridades da violência. Indonésia usaram uma lei sobre a internet O espaço para a sociedade civil, os para criminalizar certas formas de liberdade defensores dos direitos humanos e a de expressão, resultando na condenação e liberdade de expressão também diminuiu em prisão de indivíduos simplesmente por todo o sul da Ásia. O Paquistão permaneceu compartilharem sua opinião online. um dos países mais perigosos do mundo para As restrições ao ativismo e à dissidência jornalistas, na medida em que estes pacíficos em Mianmar foram intensificadas, continuaram sendo alvos de ataques, com dezenas de pessoas detidas por razões incluindo assassinatos, por parte de grupos de consciência detidos e centenas de armados, e o governo não forneceu a pessoas enfrentando acusações por proteção adequada. Bangladesh tornou-se exercerem pacificamente seus direitos às cada vez mais perigoso para aqueles que liberdades de expressão e de reunião. Estes manifestavam sua opinião, com um padrão incluíram manifestantes estudantis, ativistas de repressão da liberdade de expressão que políticos, profissionais da imprensa e incluiu o assassinato de diversos blogueiros e defensores dos direitos humanos, em editores laicos. ONGs também enfrentaram particular, ativistas rurais e sindicalistas. restrições legais por criticarem as autoridades Os meios de comunicação enfrentaram em Bangladesh e Paquistão. Na Índia, as restrições na Malásia, e ativistas foram autoridades usaram leis que restringem o intimidados e assediados. Uma decisão do financiamento estrangeiro para reprimir Tribunal Federal confirmando a ONGs críticas ao governo. constitucionalidade da repressiva Lei de No Afeganistão, defensores dos direitos Sedição – usada para prender e deter humanos foram perseguidos com arbitrariamente dezenas de defensores dos impunidade e sofreram violência por parte do direitos humanos e outros nos últimos anos – estado e de atores não estatais. Estes atores minou ainda mais a liberdade de expressão. foram acusados de envolvimento em ataques com granadas, bombardeios e o assassinato TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS de defensores dos direitos humanos. O A tortura e outros maus-tratos foram Parlamento introduziu uma emenda à lei denunciados em diversos países da região, sobre os meios de comunicação que pode incluindo Fiji, Indonésia, Malásia, Mongólia, limitar ainda mais a liberdade de expressão. Nepal, Coreia do Norte, Filipinas, Tailândia, Depois que o Talibã tomou o controle da Timor Leste e Vietnã. A impunidade dos província de Kunduz, em setembro, houve responsáveis foi corriqueira. denúncias de assassinatos em massa, Tortura e outros maus-tratos durante estupros e buscas por profissionais da detenção e interrogatório continuaram imprensa e defensoras dos direitos humanos generalizados na China. nomeados em uma lista de alvos. O governo do Afeganistão adotou medidas Em outros países, os governos que no sentido de estabelecer um plano de ação demonstraram intolerância em relação à nacional para eliminar a tortura; a agência de

36 Anistia Internacional – Informe 2015/16 inteligência emitiu uma ordem reiterando a Denúncias de violações – incluindo proibição de seu uso, ainda que a tortura e estupros e outros crimes de violência sexual – outros maus-tratos por parte de agentes de foram feitas contra membros do exército de segurança continuassem prevalentes em todo Mianmar, particularmente nos estados de o sistema prisional. Kachin e Shan do Norte, onde o conflito Na Índia, houve denúncias de uso de armado entrou em seu quinto ano. Tanto tortura e outros maus-tratos sob custódia, atores estatais como não estatais foram incluindo casos de mortes causadas por acusados de violações do direito internacional tortura. Em uma ação positiva, o Supremo humanitário e de abusos dos direitos Tribunal orientou os estados a instalarem humanos, em um clima de impunidade. circuitos fechados de televisão em todas as Na Índia, grupos armados continuaram a prisões para evitar a tortura e outras perpetrar abusos contra civis, inclusive em violações, enquanto o governo declarou que Jammu e Kashmir, bem como no centro do estava considerando alterar o Código Penal país. No entanto, em agosto, no nordeste da para reconhecer especificamente a tortura Índia, o governo e o influente grupo armado como um crime. Conselho Nacional Socialista de Nagaland A tortura e outros maus-tratos de detidos, (facção Isak-Muivah) chegaram a um incluindo violência sexual, continuaram a ser histórico acordo-quadro de paz. denunciados no Sri Lanka, assim como Na Tailândia, a violência armada continuou mortes suspeitas sob custódia. Casos antigos em três províncias ao sul, Pattani, Yala e seguiram impunes. No entanto, o novo Narathiwat, bem como em partes de governo prometeu ao Conselho de Direitos Songkhla. Humanos da ONU que emitiria instruções claras para todas as forças de segurança de IMPUNIDADE que a tortura e outros maus-tratos são A incapacidade crônica e arraigada de proibidos e que os responsáveis seriam garantir justiça e responsabilização por investigados e punidos. violações e abusos dos direitos humanos passados e recentes foi um grande problema CONFLITO ARMADO em uma ampla gama de países na região da Tiveram continuidade os conflitos armados Ásia e da Oceania. em partes da região da Ásia e da Oceania. Na Índia, a impunidade para violações Aumentaram a insegurança, as rebeliões e as cometidas por forças de segurança persistiu, atividades criminosas no Afeganistão com permanecendo em vigor em Jammu, Kashmir civis sendo feridos e mortos pelo Talibã e e partes do nordeste do país uma legislação outros grupos armados, bem como por forças que praticamente concede imunidade legal pró-governo. A responsabilização pelos para as forças armadas. homicídios arbitrários cometidos por forças No Camboja, persistiu a impunidade para pró-governo e por grupos armados foi violações cometidas durante o policiamento praticamente inexistente. de manifestações, inclusive para as mortes Em outubro, forças dos EUA causadas pelo uso desnecessário ou bombardearam um hospital administrado excessivo da força nos anos anteriores. Casos pela ONG Médecins sans Frontières na sem resolução incluíram o de Khem Saphath, cidade de Kunduz, matando 22 funcionários de 16 anos, visto pela última vez em janeiro e pacientes e desencadeando pedidos por de 2014. Há temores de que ele tenha sido uma investigação independente. O Talibã vítima de desaparecimento forçado, e, desfechou ataques contra civis ou segundo informes, ele estava entre pelo indiscriminados, e, por um curto período, menos cinco pessoas alvejadas durante uma assumiu o controle de grande parte da ação repressiva do governo. O tribunal do província de Kunduz. Khmer Vermelho examinou, pela primeira

Anistia Internacional – Informe 2015/16 37 vez, evidências das acusações de genocídio tráfico de pessoas na baía de Bengala em um processo contra Nuon Chea, o ex- expuseram milhares de refugiados e segundo em comando do Khmer Vermelho, e migrantes a graves abusos a bordo de barcos. contra Khieu Samphan, chefe de estado Algumas pessoas foram alvejadas nos barcos, durante a era do Khmer Vermelho. jogadas ao mar e deixadas para que se Na Indonésia, completaram-se 50 anos das afogassem, ou morreram de fome, violações em massa dos direitos humanos de desidratação ou doenças. Pessoas foram 1965, quando – após um golpe de Estado agredidas, às vezes durante horas, por fracassado – os militares atacaram movimentar-se, implorar por comida ou pedir sistematicamente membros do Partido para usar o banheiro. Comunista Indonésio e supostos apoiadores. Em maio, uma crise irrompeu na baía de Houve persistente omissão em garantir Bengala e no mar de Andaman, verdade, justiça e reparação pelas terríveis desencadeada pela repressão da Tailândia ao violações dos direitos humanos e pela morte tráfico de pessoas e pelo subsequente de um número estimado de 500 mil a 1 abandono de pessoas no mar por milhão de pessoas. Ainda na Indonésia, o ano contrabandistas e traficantes, causando um de 2015 também marcou os 10 anos do fim número desconhecido de mortes e deixando do devastador conflito em Aceh, que durou milhares de refugiados e migrantes à deriva décadas, entre as forças do governo por semanas, sem comida, água e cuidados indonésio e o pró-independência Movimento médicos. Aceh Livre (Gerakan Aceh Merdeka), no qual A Indonésia, Malásia e Tailândia entre 10 mil e 30 mil pessoas foram mortas. inicialmente empurraram embarcações Apesar das evidências de que as violações superlotadas de volta para o mar e impediram cometidas pelas forças de segurança podem milhares de pessoas desesperadas de constituir crimes contra a humanidade – e de desembarcarem, enquanto os governos que ambos os lados podem ter cometido regionais demoraram-se para pôr em curso crimes de guerra –, pouco tem sido feito para operações de busca e resgate. Após críticas garantir justiça. internacionais, a Indonésia e a Malásia No entanto, houve algum avanço no permitiram que as pessoas desembarcassem sentido da prestação de contas no Sri Lanka. e acomodaram-nas temporariamente. No Uma investigação da ONU sobre os supostos entanto, centenas ou mesmo milhares de abusos cometidos durante os últimos anos do pessoas continuaram desaparecidas e podem conflito armado no país, incluindo ter morrido ou sido vendidas para trabalho desaparecimentos forçados e ataques forçado. Até o fim do ano, havia graves militares contra civis, concluiu que tais questões sem resposta sobre uma solução de abusos, se levados perante um tribunal de longo prazo para os sobreviventes, uma vez justiça, poderiam configurar crimes de guerra que – apesar de a Indonésia dedicar recursos e/ou crimes contra a humanidade. A para abrigar milhares de refugiados e investigação recomendou reformas para requerentes de asilo e ajudar a atender suas enfrentar as violações em curso e a criação necessidades básicas – o governo não havia de um tribunal híbrido para abordar os esclarecido se eles poderiam ficar no país crimes contra o direito internacional, com as para além de maio de 2016. quais o governo indicou concordar. Como resultado da contínua insegurança e do conflito armado no Afeganistão, cerca de 3 MIGRANTES milhões de afegãos refugiaram-se em outros Refugiados e requerentes de asilo países, a maioria no Irã e no Paquistão, e continuaram a enfrentar dificuldades quase 1 milhão de afegãos estavam significativas na região da Ásia, da Oceania, desalojados internamente em seu próprio como em outros lugares. Contrabando e país, muitas vezes em condições precárias

38 Anistia Internacional – Informe 2015/16 em campos improvisados. no limbo ao longo de 2015; anteriormente, A Austrália mostrou-se inflexível em relação em 2012, eles haviam sido removidos à força ao tratamento a refugiados e requerentes de de sua aldeia natal, após ataques por uma asilo. As medidas adotadas pelo país gangue antixiita. As autoridades locais os incluíram devolver barcos ao mar, impediram de retornar, a não ser que se refoulement, e detenção obrigatória e por convertessem ao islamismo sunita. Em outra tempo indeterminado, inclusive em centros área, as autoridades locais na província de de processamento fora do continente, em Aceh destruíram igrejas cristãs, com a Papua-Nova Guiné e Nauru. Um relatório violência de gangues forçando cerca de 4 mil independente sobre o centro de Nauru pessoas a fugir para a província de Sumatra documentou denúncias de estupros e outras do Norte. violências sexuais. O governo aceitou todas as A liberdade de religião foi sistematicamente recomendações do relatório e anunciou, em reprimida na China. Uma campanha do outubro, que os requerentes de asilo não governo para demolir igrejas e derrubar seriam mais detidos no centro. A Anistia cruzes cristãs na província de Zhejiang Internacional reuniu evidências sobre o intensificou-se, e a perseguição aos envolvimento de patrulhas de fronteira praticantes do Falun Gong incluiu detenção marítima da Austrália em atividades arbitrária, julgamentos injustos, prisão, tortura criminosas, incluindo provas de que e outros maus-tratos. O governo manteve funcionários fizeram pagamentos para amplo controle sobre os mosteiros budistas tripulações de barcos para que traficassem tibetanos. O governo regional na Região para a Indonésia refugiados e migrantes Autônoma Uigur de Xinjiang, encontrados no mar. predominantemente muçulmana, Trabalhadores migrantes sofreram estabeleceu novos regulamentos para agressão e discriminação em diversos países. controlar de modo mais rígido as questões A Coreia do Norte enviou pelo menos 50 mil religiosas e para proibir todas as práticas pessoas para trabalhar em países como Líbia, religiosas não autorizadas. Mongólia, Nigéria, Qatar e Rússia, muitas Na Índia, as autoridades não impediram vezes em condições precárias de segurança e diversos incidentes de violência religiosa, e por horas excessivas; eles receberam os algumas vezes contribuíram para as tensões salários por meio do governo da Coreia do por meio de discursos polarizadores. Norte, que fez deduções significativas no Multidões atacaram homens muçulmanos valor. suspeitos de roubar, contrabandear ou abater vacas; e dezenas de artistas, escritores e CRESCENTE INTOLERÂNCIA ÉTNICA E cientistas protestaram contra o que eles RELIGIOSA disseram ser um clima de crescente Algumas autoridades foram coniventes ou intolerância. não enfrentaram uma tendência crescente de intolerância, exclusão e discriminação étnica DISCRIMINAÇÃO e religiosa. Agressões foram denunciadas em A discriminação continuou a ser uma países na região da Ásia e da Oceania, como preocupação em diversos países, com as Laos, Mianmar, Paquistão, Sri Lanka e Vietnã. autoridades frequentemente omitindo-se em As autoridades na Indonésia omitiram-se proteger populações. em assegurar proteção às minorias religiosas Na Índia, discriminação e violência para que pudessem praticar sua fé sem generalizadas com base em castas medo, intimidação ou ataques. Uma continuaram, e as castas dominantes comunidade de muçulmanos xiitas – seguiram praticando violência sexual contra removidos à força, em 2013, de um abrigo mulheres e meninas dalit e adivasi. Houve temporário em Java Oriental – permaneceu algum progresso quando a câmara baixa do

Anistia Internacional – Informe 2015/16 39 Parlamento aprovou uma emenda à Lei sobre permaneceu generalizada em Papua-Nova Castas e Tribos Definidas (Prevenção a Guiné, onde também houve denúncias Atrocidades), reconhecendo novos crimes, contínuas de violência e assassinato de exigindo a criação de tribunais especiais para mulheres e crianças após acusações de julgá-los e determinando que as vítimas e as feitiçaria. O governo adotou poucas medidas testemunhas recebam proteção. preventivas. No Nepal, a discriminação – seja baseada em gênero, casta, classe, etnia ou religião – PENA DE MORTE foi generalizada, enquanto na Austrália os Apesar de algum progresso na região da Ásia povos indígenas foram presos em uma taxa e da Oceania no sentido de reduzir o uso da desproporcional. pena de morte nos últimos anos, diversos Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, países ainda aplicaram a punição, inclusive transexuais e intersexuais (LGBTI) em contraposição às leis e normas enfrentaram discriminação generalizada, e a internacionais de direitos humanos. As conduta de natureza sexual entre pessoas do execuções foram retomadas em alguns mesmo sexo continuou a ser criminalizada países. em muitos países. No entanto, um distrito na O Paquistão atingiu a marca vergonhosa da capital do Japão, Tóquio, tornou-se a primeira execução de mais de 300 pessoas desde a municipalidade no país a aprovar um decreto suspensão de uma moratória na execução de para distribuir certificados que reconhecem a civis, em dezembro de 2014, depois de um união entre pessoas do mesmo sexo, ataque terrorista. enquanto a câmara alta do Parlamento da Em agosto, a Comissão Jurídica da Índia Índia aprovou uma lei que protege os direitos recomendou que a pena de morte seja das pessoas transexuais. abolida para todos os crimes, exceto delitos relacionados ao terrorismo e a “fazer guerra DIREITOS DAS MULHERES E MENINAS contra o estado”. Mulheres em toda a região da Ásia e da As emendas ao Código Penal da China Oceania foram frequentemente sujeitas a entraram em vigor, reduzindo o número de violência, abuso e injustiça, incluindo crimes puníveis com morte. Embora a mídia discriminação baseada em gênero e violações estatal tenha alegado que isso estava de e abusos dos direitos sexuais e reprodutivos. acordo com a política do governo de executar No Nepal, a discriminação baseada em um número menor de pessoas, as mudanças gênero resultou em uma série de impactos na lei não foram consistentes com as negativos sobre as mulheres de grupos convenções e normas internacionais de marginalizados. Estes incluíram a limitação direitos humanos sobre o uso da pena de da capacidade das mulheres e meninas de morte. Estatísticas sobre aplicação da pena controlarem sua sexualidade e tomarem continuaram a ser classificadas como decisões relacionadas à reprodução, tais segredo de estado. como rejeitar o casamento precoce ou Um novo Código Penal abolindo a pena de assegurar atenção pré-natal e materna morte para todos os crimes foi aprovado pelo adequada. Na Índia, o estigma e a Parlamento da Mongólia, a entrar em vigor a discriminação por parte de policiais e partir de setembro de 2016. autoridades continuaram a dissuadir as mulheres de denunciar a violência sexual, e a maioria dos estados ainda não possuía protocolos padronizados para que a abordagem policial da violência contra as mulheres. A violência sexual e baseada em gênero

40 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Partido Lei e Justiça, governista, pressionou PANORAMA pela aprovação de medidas que restringiriam a fiscalização do Tribunal Constitucional REGIONAL: EUROPA poucos meses depois de sua eleição. Cada vez menos importantes no cenário E ÁSIA CENTRAL internacional, os Estados membros da UE fecharam os olhos para as violações dos O ano de 2015 foi turbulento na região da direitos humanos que, no passado, eles Europa e da Ásia Central, e péssimo para os teriam condenado com rigor, conforme direitos humanos. Começou com combates procuraram fazer acordos econômicos e obter intensos no leste da Ucrânia e terminou com o apoio de países terceiros nos seus esforços confrontos violentos ​​no leste da Turquia. Na para combater o terrorismo e manter os UE, o ano teve um início e fim marcados por refugiados e migrantes afastados. ataques armados na capital francesa, Paris, e Embora tenha havido progressos em em seus arredores, e foi dominado pela grave matéria de igualdade para pessoas lésbicas, situação das milhões de pessoas que gays, bissexuais, transexuais e intersexuais chegaram à costa da Europa, a maioria (LGBTI) (pelo menos na maioria dos países fugindo de conflitos. Nesse contexto, o da Europa Ocidental) e a Comissão Europeia respeito pelos direitos humanos regrediu em tenha continuado a enfrentar a discriminação toda a região. Na Turquia e em toda a antiga sistemática contra ciganos, quase todas as União Soviética, os líderes abandonaram tendências subjacentes em toda a região cada vez mais o respeito pelos direitos indicavam uma perspectiva sombria para a humanos, ao mesmo tempo em que situação dos direitos humanos em 2016. reforçaram seu controle sobre os meios de comunicação e perseguiram ainda mais seus A CRISE DOS REFUGIADOS críticos e opositores. Na UE, essa tendência A imagem que definiu o ano foi a de Aylan regressiva assumiu uma forma diferente. Kurdi, um menino sírio de três anos de idade, Beneficiados pela persistente incerteza encontrado sem vida em uma praia turca. econômica, pelo desencanto com a política Junto com sua trágica morte em setembro, dominante e pelo crescente sentimento mais de 3.700 refugiados e migrantes contrário à UE e aos migrantes, partidos perderam suas vidas tentando chegar às populistas tiveram avanços eleitorais costas da Europa, enquanto os Estados significativos. Na ausência de uma liderança membros da União Europeia se esforçaram que atuasse com base em princípios, o papel para lidar com o impacto de uma crise global dos direitos humanos como um pilar das de refugiados sobre a Europa. Enquanto a democracias europeias pareceu mais frágil do Turquia hospedou mais de 2 milhões de que nunca. Abrangentes medidas de refugiados sírios e o Líbano e a Jordânia, combate ao terrorismo e propostas para juntos, acolheram mais 1,7 milhão, 1 milhão restringir o afluxo de migrantes e refugiados de refugiados e migrantes entraram na UE de geralmente foram anunciadas com todas as forma irregular durante o ano, muitos deles habituais ressalvas com relação aos direitos refugiados da Síria. No entanto, a UE, o bloco humanos, mas elas estavam cada vez mais político mais rico do mundo, com uma despojadas de seu conteúdo. população total de mais de 500 milhões de No Reino Unido, o Partido Conservador, pessoas, demonstrou uma singular que está no poder, apresentou propostas incapacidade de responder a este desafio de para revogar a Lei de Direitos Humanos; na forma coerente, humana e que respeite os Rússia, o Tribunal Constitucional recebeu o direitos humanos. poder de anular as decisões do Tribunal O ano começou de forma desfavorável, Europeu de Direitos Humanos; na Polônia, o com líderes europeus recusando-se a

Anistia Internacional – Informe 2015/16 41 substituir a Operação Mare Nostrum, uma refugiados e migrantes deixaram a Grécia e operação de busca e salvamento da Marinha cruzaram os Bálcãs, a maioria deles com o italiana, por uma alternativa adequada, objetivo de chegar à Alemanha, também apesar da ampla evidência acerca da entrou em colapso o assim chamado continuidade da pressão migratória na rota do "regulamento de Dublin" – o sistema da UE mar Mediterrâneo. A decisão foi para dividir a responsabilidade pelo reconsiderada apenas depois que mais de mil processamento das solicitações de asilo entre refugiados e migrantes morreram em uma os Estados membros. A concentração dos série de incidentes ao largo da costa da Líbia, refugiados e requerentes de asilo em alguns em um único fim de semana em meados de poucos países com fronteiras externas à abril. Em uma cúpula convocada às pressas, Europa, essencialmente a Grécia e a Itália, os líderes da UE concordaram em expandir a tornou impossível manter esse sistema, que Operação Triton, focada no controle das atribui a responsabilidade primária de fronteiras marítimas e liderada pela Frontex, processar os pedidos de asilo ao primeiro agência de gestão das fronteiras da UE, país da UE no qual o requerente ingressou. O enquanto uma série de países, incluindo o Acordo de Schengen – que aboliu os Reino Unido e a Alemanha, enviou controles nas fronteiras internas da UE – embarcações adicionais à região. Os também mostrou sinais de desestabilização, resultados foram positivos: de acordo com a com a Alemanha, Áustria, Hungria, Suécia e Organização Internacional para as Migrações, Dinamarca suspendendo a aplicação de suas a taxa de mortalidade ao longo da rota do mar disposições. Mediterrâneo caiu 9% em relação a 2014, Conforme a crise crescia, os líderes da UE mas ainda era de 18,5 mortes para cada mil organizaram várias reuniões de cúpula, mas viajantes. Todavia, o número de refugiados e sem sucesso. Embora a Comissão Europeia migrantes que morreram no mar Egeu tenha procurado em vão propor medidas aumentou consideravelmente, chegando a construtivas para a redistribuição dos mais de 700 até o fim do ano; isso requerentes de asilo e para a organização de representou cerca de 21% de todas as instalações de recepção ao longo da rota, a mortes ocorridas no mar Mediterrâneo em maioria dos Estados membros da UE se 2015, em comparação com 1% em 2014. mostrou indecisa ou obstruiu ativamente as O aumento no número de mortes no mar potenciais soluções. Apenas a Alemanha Egeu refletiu o crescimento acentuado de mostrou liderança proporcional à escala do chegadas irregulares por mar na Grécia a desafio. partir do verão. Na ausência de vias de Pouco esforço foi feito para proporcionar entrada seguras e legais para os países da vias mais seguras e legais de entrada para os UE, mais de 800 mil pessoas fizeram a refugiados na UE. Em maio, os Estados perigosa travessia para a Grécia, a enorme membros concordaram com um programa maioria de refugiados fugindo de conflitos ou proposto pela Comissão Europeia de perseguição na Síria, Afeganistão, Eritreia, reassentamento ao longo da UE para 20 mil Somália e Iraque. Apenas 3% das pessoas refugiados de todo o mundo. O ACNUR, a que ingressaram na Grécia irregularmente o agência da ONU para os refugiados, havia fizeram através da fronteira terrestre, que é fixado o número de refugiados sírios que em grande parte cercada. precisavam de reassentamento e outras Os desafios logísticos e humanitários formas de admissão humanitária em 400 mil, apresentados pela chegada de um número mas, à exceção da Alemanha, quase nenhum tão grande de pessoas fizeram ruir dos países da UE se ofereceu para reassentar completamente o sistema de recepção de mais do que alguns milhares. migrantes da Grécia, que já se encontrava Os líderes europeus também tiveram debilitado. Enquanto centenas de milhares de dificuldades para chegar a um acordo e

42 Anistia Internacional – Informe 2015/16 implementar um mecanismo eficaz para mais de 200 km de cercas ao longo das suas redistribuir entre os Estados membros os fronteiras com a Sérvia e a Croácia e adotou refugiados e migrantes que chegavam à UE. uma legislação que tornava quase impossível Em uma reunião de cúpula realizada em para os refugiados e requerentes de asilo maio, os líderes da UE votaram a favor de um procedentes da Sérvia pedir asilo. Em programa para realocar 40 mil requerentes setembro, o primeiro-ministro húngaro, Viktor de asilo da Itália e da Grécia, diante da Orbán, declarou: "Entendemos que todos os intensa oposição de vários países da Europa países têm o direito de decidir se querem ter Central. Em setembro, o programa foi um grande número de muçulmanos em seus estendido para abranger mais 120 mil países". refugiados, incluindo a realocação de 54 mil A opinião pública em toda a Europa oscilou requerentes de asilo da Hungria. Desde o entre a indiferença ou a hostilidade, de um início insuficiente, o programa fracassou em lado, e fortes demonstrações de face dos desafios logísticos e da relutância solidariedade, de outro. As cenas chocantes dos Estados de destino para cumprir as de caos e de privações ao longo da rota dos metas com as quais se comprometeram: Bálcãs levaram inúmeras pessoas e ONGs a apenas cerca de 200 requerentes de asilo preencher as lacunas da assistência haviam sido transferidos da Itália e da Grécia humanitária prestada aos refugiados e até o fim do ano, enquanto a Hungria se migrantes. No entanto, quase todos os líderes recusou a participar. europeus optaram por dar ouvidos às vozes Conforme aumentou a pressão, os países que expressavam o sentimento anti-imigração dos Bálcãs alternaram entre fechar suas e as preocupações com a perda da fronteiras ou simplesmente guiar os segurança e soberania nacionais. Como refugiados e migrantes através de seu resultado, as únicas políticas com as quais território até o país vizinho. Os guardas de concordaram foram as que reforçavam a fronteira utilizaram gás lacrimogêneo e "Fortaleza Europa". cassetetes para obrigar as multidões a recuar À medida que avançava o ano, as reuniões quando a Macedônia fechou brevemente sua de cúpula europeias concentravam-se cada fronteira, em agosto, e a Hungria fechou vez mais em medidas destinadas a impedir a permanentemente sua fronteira com a Sérvia, entrada de refugiados e migrantes na Europa em setembro. Até o fim do ano, estabeleceu- ou acelerar sua devolução. Os líderes da UE se um corredor relativamente organizado que concordaram em criar uma lista comum de atravessava a Macedônia, Sérvia, Croácia, países de origem "seguros", para os quais os Eslovênia e Áustria, constituindo uma requerentes de asilo poderiam ser devolvidos resposta ad hoc para a crise que permaneceu após um processo acelerado. Eles também inteiramente dependente da disponibilidade concordaram em reforçar a capacidade da contínua da Alemanha em aceitar a entrada Frontex para levar a cabo as expulsões. De de requerentes de asilo e refugiados. forma mais significativa, eles começaram a Milhares de pessoas continuavam a dormir ao recorrer aos países de origem e relento, enquanto as autoridades dos países especialmente aos de trânsito para que ao longo da rota enfrentavam dificuldades restringissem o fluxo de refugiados e para fornecer abrigo adequado. migrantes para a Europa. A terceirização dos A Hungria liderou a estratégia de recusar o controles de migração da UE para países envolvimento com soluções pan-europeias terceiros atingiu o seu auge com a assinatura para a crise dos refugiados. Depois de um de um Plano de Ação Conjunta com a aumento acentuado na chegada de Turquia, em outubro. Basicamente, o acordo refugiados e migrantes no início do ano, a comprometia a Turquia a reforçar seus Hungria voltou as costas para os esforços controles fronteiriços para limitar o fluxo de coletivos e decidiu isolar-se. O país construiu refugiados e migrantes para a Grécia, em

Anistia Internacional – Informe 2015/16 43 troca de 3 bilhões de euros em ajuda para a resultando em inúmeras vítimas civis. No fim população refugiada residente e, do ano, a ONU estimou que o número de extraoficialmente, de fechar os olhos à sua mortos em virtude do conflito excedeu 9 mil lista crescente de deslizes quanto aos direitos pessoas, incluindo 2 mil civis, muitos dos humanos. O acordo ignorou o fato de que, quais aparentemente morreram por causa de apesar da recepção amplamente positiva da foguetes e morteiros disparados de forma Turquia a mais de 2 milhões de refugiados indiscriminada. Crimes de guerra e outras sírios, muitos ainda viviam em extrema violações do direito internacional humanitário pobreza, enquanto os refugiados cometidos incluíram tortura e outros maus- provenientes de outros países tinham poucas tratos de detidos por ambas as partes, e a perspectivas de serem reconhecidos execução sumária de pessoas capturadas enquanto tal em razão das profundas pelas forças separatistas. Embora o conflito deficiências do sistema de asilo da Turquia. tenha diminuído no fim do ano como No fim do ano, surgiram evidências de que a resultado de um frágil cessar-fogo, a Turquia estava devolvendo à força para a perspectiva de responsabilização pelos Síria e o Iraque refugiados e requerentes de crimes cometidos permaneceu remota. Em 8 asilo detidos em suas províncias na fronteira de setembro, a Ucrânia aceitou a jurisdição ocidental do país, deixando ainda mais claro do Tribunal Penal Internacional (TPI) em que a UE estava limitando o afluxo de relação a supostos crimes cometidos em seu refugiados e migrantes em detrimento dos território desde 20 de fevereiro de 2014, mas seus direitos humanos. nenhum progresso foi feito sobre a ratificação À medida que o ano chegava ao fim, cerca do Estatuto de Roma do TPI. Ainda que as de 2 mil pessoas continuavam a entrar na autoridades ucranianas tenham aberto Grécia diariamente. Embora a capacidade e algumas investigações criminais sobre as condições de recepção nas ilhas gregas e suspeitas de abusos por parte das forças da ao longo da rota dos Bálcãs tenham Ucrânia – principalmente por grupos melhorado, elas permaneceram paramilitares –, não houve condenações até o incompatíveis com a escala do desafio. Como fim do ano. A total impunidade persistiu nas não havia sinal de que a chegada de regiões de Donetsk e Lugansk, onde a migrantes e refugiados à Europa diminuiria situação de ilegalidade generalizada se tornou significativamente em 2016, no fim do ano a comum. UE não havia avançado na busca de soluções A responsabilização pelos abusos sustentáveis e que respeitem os direitos das cometidos durante as manifestações pró- pessoas que buscam refúgio dentro das suas Europa (“EuroMaidan”) de 2013 e 2014 na fronteiras. capital, Kiev, também se mostrou evasiva. Em novembro, o Gabinete do Procurador-Geral VIOLÊNCIA ARMADA informou que estavam em curso as Em janeiro e fevereiro, intensos combates investigações de mais de 2 mil delitos recomeçaram em Donbass, na região oriental relacionados com o EuroMaidan, e foram da Ucrânia, quando separatistas apoiados instaurados processos penais contra 270 pelos russos nas autoproclamadas República pessoas. Começou o julgamento de dois ex- Popular de Donetsk e República Popular de agentes da polícia antimotim (Berkut) sob a Lugansk tentaram avançar e fortalecer sua acusação de homicídio e abuso de linha de frente. Depois de sofrer muitas autoridade, mas não houve garantias de perdas militares, as forças ucranianas condenações por crimes relacionados ao cederam o controle do aeroporto de Donetsk, EuroMaidan durante o ano. Um Painel há muito disputado, e da área ao redor da Consultivo Internacional criado pelo Conselho cidade de Debaltseve, com intenso da Europa para supervisionar as bombardeio realizado por ambos os lados, investigações sobre o EuroMaidan publicou

44 Anistia Internacional – Informe 2015/16 dois relatórios, em abril e novembro, e ambos se em toda a antiga União Soviética. O consideraram as investigações inadequadas. controle governamental sobre a mídia, a Embora continuou não havendo a censura na internet, a repressão aos responsabilização por violações dos direitos protestos e a criminalização do legítimo humanos cometidas no passado, algum exercício destas liberdades intensificaram-se progresso foi feito na instituição de reformas em quase toda parte. estruturais nas agências responsáveis pela Na Rússia, a forte repressão aos críticos do aplicação da lei na Ucrânia, notoriamente governo intensificou-se, na medida em que corruptas e abusivas; foi finalmente aprovada foram aplicadas leis repressivas decretadas uma lei apoiada pelo Conselho da Europa após o regresso de Vladimir Putin à criando um novo órgão público para presidência. Até o fim do ano, mais de 100 investigar crimes cometidos por funcionários ONGs haviam sido incluídas na lista de públicos, incluindo tortura e outros maus- “agentes estrangeiros” do Ministério da tratos. A Ucrânia deu seus primeiros passos Justiça, a maioria delas compulsoriamente. efetivos em direção a uma reforma Nenhuma ONG conseguiu contestar institucional, mas a região de Donbass judicialmente a sua inclusão na lista. Várias continuou instável e, tal como a Crimeia, um ONGs, entre elas o Centro de Direitos buraco negro para abusos de direitos Humanos Memorial, foram multadas por não humanos não monitorados. identificar suas publicações com a etiqueta Enquanto o conflito na Ucrânia diminuiu, perniciosa "agente estrangeiro", abrindo confrontos intensos eclodiram na Turquia caminho para que seus líderes sofram quando o sempre incerto processo de paz processos criminais no futuro. A lei, cujo com o Partido dos Trabalhadores do objetivo era desencorajar as ONGs de receber Curdistão (PKK) entrou em colapso, em julho. financiamento estrangeiro e desacreditar Até o fim do ano, mais de 100 pessoas teriam aquelas que o fizeram, foi complementada sido mortas durante as operações de em maio por uma nova lei que permite às manutenção da ordem em áreas urbanas, autoridades classificar organizações que assumiram um aspecto cada vez mais estrangeiras como "indesejáveis" se elas militarizado. Houve inúmeras denúncias de forem consideradas uma "ameaça à ordem uso excessivo da força e execuções constitucional, à defesa ou à segurança do extrajudiciais pelas forças turcas. Essas Estado". O alvo parecia ser as organizações operações foram geralmente conduzidas sob de doadores estrangeiros, em particular dos toques de recolher permanentes, muitas Estados Unidos. Até o fim do ano, quatro vezes com duração de várias semanas, doadores estadunidenses haviam sido durante os quais os moradores tiveram a declarados "indesejáveis", tornando ilegais água e eletricidade cortadas e não tiveram suas operações na Rússia e qualquer acesso a tratamento médico ou alimentos. A cooperação com elas. As autoridades escalada significativa das violações dos estenderam ainda mais seu controle sobre a direitos humanos recebeu quase nenhuma mídia e a internet. Milhares de sites e páginas censura internacional, já que a Turquia foram bloqueados por órgãos reguladores do ampliou com sucesso seu papel crucial em governo, muitas vezes violando o direito à relação ao conflito sírio e à crise de liberdade de expressão. Restrições à refugiados, visando atenuar a crítica às suas liberdade de reunião pacífica também foram ações domésticas. intensificadas e o número de protestos públicos diminuiu. Pela primeira vez, quatro LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE manifestantes pacíficos foram processados ​ ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO no âmbito de uma lei de 2014 que O respeito às liberdades de expressão, de criminalizava a violação reincidente da lei associação e de reunião pacífica deteriorou- sobre reuniões públicas.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 45 No Azerbaijão, como previsto, líderes de e o título de "líder da nação", enquanto no ONGs proeminentes presos em 2014 foram Uzbequistão e no Turquemenistão as regras condenados com base em uma série de profundamente repressivas continuaram acusações falsas. No fim do ano, pelo menos fundamentalmente inalteradas. Geórgia e 18 prisioneiros de consciência continuavam Ucrânia continuaram a oferecer ambientes presos, incluindo defensores dos direitos amplamente livres, mas ambos os países humanos, jornalistas, jovens ativistas e experimentaram algumas oscilações. Na políticos da oposição. Leyla Yunus, presidente Ucrânia, tornou-se cada vez mais perigoso do Instituto para a Paz e a Democracia, e seu expressar opiniões pró-Rússia: o jornalista marido e colega de trabalho, Arif Yunus, pró-russo Oles Buzina foi morto a tiros por foram libertados no fim de 2015, embora dois homens mascarados em abril, enquanto ainda enfrentem acusações espúrias de o jornalista Ruslan Kotsaba se tornou o traição. primeiro prisioneiro de consciência da A situação dos direitos humanos no Ucrânia nos últimos cinco anos, quando foi Cazaquistão também regrediu. O novo Código posto em custódia por acusações de traição, Penal, que entrou em vigor em janeiro, em fevereiro. Após a aprovação, em maio, de manteve os crimes de incitação à "discórdia" quatro"leis de descomunização”, que social e de outra natureza. Quatro proibiam o uso de símbolos nazistas e investigações criminais foram abertas no comunistas, o Ministério da Justiça iniciou âmbito desse delito vagamente formulado, um processo para banir o Partido Comunista incluindo contra os ativistas Yermek da Ucrânia. Na Geórgia, o partido da Narymbaev e Serkzhan Mambetalin, que oposição Movimento Nacional Unido e várias publicaram trechos de um livro inédito ONGs acusaram o governo de orquestrar uma considerado ofensivo ao povo cazaque na sua batalha legal prolongada entre um ex- página do Facebook. No fim do ano, eles acionista expulso da emissora de TV pró- continuavam em detenção preventiva. oposição Rustavi 2 e os seus atuais Inspirando-se na Rússia e compartilhando a proprietários. Em novembro, o Tribunal suspeita quanto ao financiamento estrangeiro Municipal de Tbilisi ordenou a substituição do das ONGs, o Cazaquistão aprovou alterações diretor-geral e do diretor financeiro da à Lei das Organizações Sem Fins Lucrativos, emissora. criando um "operador" central para reunir e Em outras partes da Europa, talvez a administrar fundos estatais e não estatais regressão mais significativa em relação aos para as ONGs, incluindo o financiamento direitos humanos tenha ocorrido na Turquia. estrangeiro, para projetos e atividades que A liberdade de expressão sofreu ainda mais estivessem de acordo com uma lista limitada retrocessos, diante do contexto de duas de requisitos aprovados pelo governo. O eleições parlamentares sucessivas que Quirguistão também estudou adotar uma lei resultaram em maioria absoluta para o sobre "agentes estrangeiros", acompanhando Partido da Justiça e Desenvolvimento (AK) no as diretrizes russas; um projeto de lei foi poder, no governo cada vez mais autocrático apresentado ao Parlamento, com forte apoio do seu ex-líder e atual presidente Recep do Presidente Atambaev, mas foi retirado Tayyip Erdoğan e na ruptura do processo de "para debate adicional" em junho. O paz com o Partido dos Trabalhadores do Parlamento também chegou à terceira leitura Curdistão. Inúmeros processos criminais de um projeto de lei criminalizando o injustos, instaurados no âmbito de leis de "fomento de atitude positiva" em relação a difamação criminal e de combate ao "relações sexuais não tradicionais", mas terrorismo, tiveram como alvo ativistas também foi retirado para consulta adicional. políticos, jornalistas e outros críticos das O presidente do Tajiquistão, Emomali autoridades públicas ou da política do Rahmon, recebeu imunidade judicial vitalícia governo. Comentaristas pró-curdos e

46 Anistia Internacional – Informe 2015/16 apoiadores dos meios de comunicação ameaçavam os direitos humanos na França associados ao ex-aliado do partido AK, em particular, mas também em outros países Fethullah Gülen, foram alvos preferenciais. da Europa. Entre elas, havia medidas Pessoas que expressaram críticas ao dirigidas contra pessoas que viajaram ou que presidente, especialmente por meio de redes pretendiam viajar para o exterior para sociais, foram cada vez mais processadas. cometer ou contribuir com atos de imprecisa Mais de 100 casos de difamação criminal nos definição relacionados com o terrorismo, termos do artigo 299 do Código Penal por ampliando os novos poderes de vigilância; "insultar o Presidente" foram instaurados pelo medidas que ampliavam o poder de detenção presidente e sancionados pelo Ministério da com garantias processuais reduzidas; e Justiça. medidas "antirradicalização" que poderiam Os meios de comunicação e jornalistas reprimir a liberdade de expressão e críticos foram submetidos a enorme pressão. discriminar certos grupos. Diversos jornalistas foram demitidos por seus Algumas das mudanças mais significativas editores por causa de reportagens e ocorreram na área da vigilância, na medida comentários críticos. Sites de notícias, em que diversos Estados adotaram ou incluindo grande parte da imprensa curda, apresentaram medidas que davam às foram bloqueados por razões pouco claras agências de inteligência e de aplicação da lei por ordens administrativas, com a ajuda de acesso quase ilimitado às comunicações um Judiciário complacente. Jornalistas foram eletrônicas. Na França, o Parlamento aprovou perseguidos e agredidos pela polícia duas leis de vigilância que garantiam amplos enquanto cobriam histórias no sudeste do poderes executivos para monitorar as país, predominantemente curdo. Os meios de comunicações e o uso da internet, inclusive comunicação ligados a Fethullah Gülen foram por meio da interceptação em massa e alvos sistemáticosde perseguição, retirados indiscriminada do tráfego da internet. A do ar ou dominados por administradores do segunda lei, adotada em outubro, abriu governo. caminho para o uso de técnicas de vigilância Protestos sobre temas em massa sobre as comunicações dentro e controversoscontinuaram a ser reprimidos. fora do país, visando cumprir uma série de Manifestações no Dia Internacional do objetivos imprecisos, incluindo a promoção Trabalho foram proibidas pelo terceiro ano da política externa e interesses econômicos e consecutivo, e a passeata anual do Orgulho científicos. Nenhuma dessas novas medidas Gay de Istambul foi violentamente dispersada de vigilância requeria autorização judicial pela primeira vez em mais de uma década. prévia, concedendo poderes limitados e Denúncias de uso excessivo da força por ocasionais para uma autoridade agentes de aplicação da lei que reprimiram administrativa aconselhar o primeiro-ministro. os protestos foram frequentes, A Suíça adotou uma nova lei de vigilância particularmente no sudeste do país. que concedeu amplos poderes ao Serviço Federal de Inteligência para interceptar dados SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO transmitidos via cabos de internet que entram O ano começou com ataques violentos em ou saem do país, acessar metadados, Paris contra jornalistas no semanário satírico históricos de internet e conteúdo de e-mails e Charlie Hebdo e contra um supermercado usar spyware do governo. O governo holandês judeu, resultando em 17 mortes e uma onda apresentou um projeto de lei que, na prática, de solidariedade tanto francesa como legalizaria a coleta em massa de dados de internacional. Em 13 de novembro, outra telecomunicações, incluindo comunicações série de ataques em Paris e arredores matou internas sem autorização judicial prévia. O mais 130 pessoas. Os ataques deram novo governo do Reino Unido propôs um novo impulso a um conjunto de medidas que projeto de Lei de Poderes Investigativos que

Anistia Internacional – Informe 2015/16 47 autorizaria os serviços de inteligência a autoridades declararam estado de interceptar todas as comunicações dentro e emergência por um período inicial de 12 dias fora do país e obrigaria as empresas e, depois, estenderam-no por três meses. provedoras de telefonia e de internet a Este introduziu uma série de medidas, entregar os históricos telefônicos e de internet incluindo a possibilidade de realizar buscas dos clientes – tudo com um controle judicial domiciliares sem mandado judicial, obrigar as insuficiente. pessoas a permanecer em locais específicos Enquanto os governos europeus e dissolver associações ou grupos vagamente ameaçaram o direito à privacidade, uma série descritos como participantes de atos que de decisões-chave dos tribunais perturbam a ordem pública. No espaço de internacionais estabeleceu indicações do que apenas algumas semanas, as autoridades provavelmente será uma questão fortemente francesas realizaram 2.700 buscas contestada e litigada nos próximos anos. Em domiciliares sem mandado judicial, dezembro, no caso Roman Zakharov v. resultando na abertura de apenas duas Rússia, a Grande Câmara do Tribunal investigações relacionadas com o terrorismo Europeu de Direitos Humanos destacou a (e outras 488 investigações por outros necessidade de haver suspeita individual crimes); atribuíram residência fixa a 360 prévia e escrutínio judicial significativo para pessoas; e fecharam 20 mesquitas e várias que qualquer atividade de vigilância que associações muçulmanas. Ao longo do ano, interfira no direito à privacidade seja as autoridades iniciaram uma onda de ações considerada necessária e proporcional. judiciais ao abrigo das disposições imprecisas Após sua histórica sentença de 2014 no de "apologia ao terrorismo", várias delas em caso Digital Rights Ireland, o Tribunal de aparente violação do direito à liberdade de Justiça da União Europeia proferiu outra expressão. decisão fundamental em outubro, quando No entanto, a França não estava sozinha. invalidou o acordo “porto seguro” entre os Após os ataques de novembro, foram Estados Unidos e a UE. Estabelecido há apresentadas propostas de novas leis de quinze anos, o acordo permitia que empresas combate ao terrorismo em países de toda a privadas transferissem dados pessoais entre região, incluindo Bélgica, Luxemburgo, as duas regiões, baseadas no pressuposto de Países Baixos e Eslováquia. Em todos eles, as que as legislações dos EUA e da UE eram novas propostas incluíram prolongar o essencialmente equivalentes na proteção dos período de tempo permitido para a prisão direitos fundamentais relativos aos dados preventiva de pessoas suspeitas de delitos pessoais. Após as revelações sobre a relacionados com o terrorismo sem que fosse extensão do programa de vigilância dos EUA necessário demonstrar "suspeitas razoáveis". feitas por Edward Snowden, o Tribunal Ao longo do ano, os Estados europeus concluiu que "as autoridades dos Estados trabalharam na adoção de uma legislação Unidos eram capazes de acessar os dados que restringia e criminalizava realizar ou pessoais transferidos a partir dos Estados planejar viagens para o exterior com a membros para os Estados Unidos e de tratá- finalidade de cometer ou contribuir para atos los de uma forma [que foi] além do relacionados ao terrorismo, como resultado estritamente necessário e proporcional à da aprovação da Resolução 2178 do proteção da segurança nacional". Conselho de Segurança da ONU, em 2014. O uso crescente de medidas excepcionais Em dezembro, a Comissão Europeia de combate ao terrorismo que ameaçam os apresentou uma proposta de nova diretiva direitos humanos desde os ataques de 11 de que introduziria na legislação nacional dos setembro de 2001 contra os EUA se Estados membros a proibição de realizar reproduziu com particular intensidade na viagens ou atividades relacionadas a elas com França após os atentados de novembro. As o propósito de cometer atos de terrorismo no

48 Anistia Internacional – Informe 2015/16 exterior. A proposta referia-se a um tratado, aprovado no início do ano sob os auspícios do Conselho da Europa, que continha medidas semelhantes. Essas leis, assim como outras introduzidas para combater o fenômeno dos chamados "combatentes estrangeiros", ameaçaram em graus diversos uma série de direitos humanos garantidos. Em vários países, e no Reino Unido em particular, tais medidas foram acompanhadas de um conjunto mais amplo de ações destinadas a identificar e prevenir o "extremismo violento" que traziam o risco de discriminar e estigmatizar a população muçulmana.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 49 a ONU, mais de 250 mil pessoas haviam sido PANORAMA mortas na Síria desde o começo da repressão brutal do governo aos protestos populares e REGIONAL: ORIENTE às reivindicações por reformas, que começaram em 2011. A população civil MÉDIO E NORTE DA continuou a sofrer os efeitos do conflito. Milhões de pessoas continuaram a ser ÁFRICA desalojadas à força; até o fim de 2015, mais de 1 milhão haviam fugido da Síria, Para milhões de pessoas em toda a região do aumentando o número de refugiados para Oriente Médio e do Norte da África, o ano de 4,6 milhões – a maioria na Turquia, Líbano e 2015 trouxe calamidade e sofrimento Jordânia. Milhares dessas pessoas tentaram incessante. Os conflitos armados na Síria, no ingressar na Europa por meio de travessias Iraque, no Iêmen e na Líbia continuaram a marítimas perigosas a partir da Turquia, deixar inúmeros mortos e feridos entre a enquanto mais de 7,6 milhões estavam população civil, além de provocar desalojadas internamente na Síria. Algumas deslocamentos forçados que, no caso da foram submetidas a vários desalojamentos Síria, ocorreram em escala verdadeiramente forçados. épica. Em outros lugares, as autoridades do Ao longo de 2015, as forças leais ao governo reprimiram a dissidência e presidente sírio, Bashar al-Assad, intensificaram seu controle sobre a vida das continuaram a bombardear sem restrições pessoas, o que justificaram com a ameaça áreas civis controladas pela oposição, para a segurança pública representada pelos matando e ferindo milhares de pessoas. grupos armados. Estes, por sua vez, Alguns ataques teriam usado agentes realizaram uma onda de bombardeios e químicos. Essas forças também continuaram outros ataques em países de toda a região e a atacar instalações médicas e a cercar áreas fora dela. civis controladas por grupos armados de oposição, aprisionando os moradores que CONFLITO ARMADO restaram nos locais, condenando-os à fome e Nos contínuos conflitos armados da Síria, no à privação severa, e expondo-os a constantes Iêmen e grandes áreas do Iraque e da Líbia, bombardeios e ataques de artilharia. Por sua as forças governamentais e não estatais parte, os grupos armados não estatais cometeram repetidamente e com impunidade cometeram homicídios ilegais e lançaram crimes de guerra e graves violações dos ataques de artilharia indiscriminados contra direitos humanos, matando e ferindo milhares áreas controladas pelo governo. Grandes de civis e levando milhões de pessoas a áreas da Síria, assim como a maior parte do deixarem suas casas e mergulharem em norte do Iraque, estavam sob o controle do situações de desespero e miséria. As forças grupo armado autodenominado Estado em combate mostraram pouca ou nenhuma Islâmico (EI), cujas forças também consideração pela vida dos civis e ignoraram continuaram a cometer crimes de guerra e a obrigação legal de todas as partes crimes contra a humanidade, enquanto envolvidas – tanto estatais como não estatais divulgavam abertamente seus abusos por – de poupar a população civil. meio da internet como ferramenta de O mais grave desses conflitos armados propaganda e de recrutamento. Em áreas sob continuou a assolar a Síria, causando o seu controle, como Al Raqqa, na Síria, e devastação e mortes generalizadas, ao Mosul, no Iraque, o Estado Islâmico aplicou mesmo tempo em que impactou severamente brutalmente sua interpretação própria e os países vizinhos, além de outros países da restrita do Islã e intimidou qualquer oposição região e fora dela. Até o fim do ano, segundo por meio de execuções sumárias e outras

50 Anistia Internacional – Informe 2015/16 punições cruéis. No Iraque, em particular, o controle de Ramadi, apoiado pelos ataques grupo continuou a perseguir muçulmanos aéreos conduzidos pela coalizão internacional xiitas e membros de minorias, como a liderada pelos EUA e pelos combatentes de comunidade yazidi; mais de uma dúzia de tribos sunitas, mas não pelas milícias xiitas. valas comuns foram encontradas em áreas As autoridades iraquianas continuaram a do Iraque anteriormente controladas pelo deter sem julgamento milhares de pessoas, Estado Islâmico, que continham os restos em sua maioria muçulmanos sunitas, por mortais de yazidis sumariamente acusações de terrorismo, submetendo-as à assassinados pelas forças do grupo. Muitas tortura e outros maus-tratos com impunidade; mulheres e meninas yazidis continuavam muitos outros foram condenados à morte ou desaparecidas depois de terem sido a longas penas de prisão após julgamentos capturadas por combatentes do Estado flagrantemente injustos em tribunais que Islâmico e forçadas à escravidão sexual. No costumavam condenar réus com base em Iraque, em maio, as forças do Estado "confissões" supostamente obtidas mediante Islâmico assumiram o controle de Ramadi, tortura. capital da província de Anbar, No Iêmen, um conjunto de forças em predominantemente sunita, expulsando as conflito disseminou sofrimento e caos por forças do governo e obrigando milhares de todo o país. No início do ano, as forças huthis pessoas a fugir para o sul, em direção à pertencentes à minoria xiita zaidi, do norte do capital, Bagdá. Após a captura da cidade, as país, que haviam assumido o controle da forças do Estado Islâmico realizaram uma capital, Sanaa, em setembro de 2014, onda de assassinatos de civis e membros das tomaram o sul, apoiadas por forças leais ao forças de segurança, jogando os corpos no rio ex-presidente Ali Abdullah Saleh, ameaçando Eufrates. O grupo impôs códigos estritos de a segunda e a terceira maiores cidades do vestimenta e conduta e puniu supostas Iêmen, Taiz e a cidade portuária de Aden, no infrações com assassinatos públicos em estilo mar Vermelho. As forças huthis dispararam de execução. As forças do Estado Islâmico armas explosivas indiscriminadamente em teriam matado dezenas de homens áreas civis do Iêmen e em direção à Arábia supostamente gays, atirando-os do telhado de Saudita; atacaram hospitais e profissionais da edifícios. Também destruíram monumentos saúde; expuseram imprudentemente a religiosos e culturais, inclusive em Palmira, população civil ao perigo, ao lançar ataques a na Síria, declarada patrimônio da partir das cercanias de casas, hospitais e humanidade pela UNESCO. escolas; instalaram minas terrestres O governo iraquiano tentou recapturar antipessoais, que eram um risco permanente Ramadi e outras áreas do norte e leste do para a população civil; usaram força letal país controladas pelo Estado Islâmico. Para contra manifestantes; fecharam ONGs, isso, inicialmente reforçou suas forças de sequestraram e detiveram jornalistas e outros segurança com milícias, em sua maioria críticos. xiitas, que tinham um histórico de Em 25 de março, uma coalizão militar assassinatos sectários e outros abusos graves composta por nove Estados árabes e liderada dos direitos humanos. Depois, solicitou pela Arábia Saudita interveio no conflito, a ataques aéreos por parte da coalizão pedido do presidente do Iêmen, Abd Rabbu internacional liderada pelos EUA, por um Mansour Hadi, que havia se refugiado na lado, e o apoio do Irã, por outro. À medida capital saudita, Riad, conforme as forças que avançavam, as forças do governo huthis avançaram. O objetivo da coalizão era bombardearam indiscriminadamente com devolver o poder ao Presidente Hadi e ao seu artilharia áreas controladas ou reivindicadas governo. A coalizão lançou uma campanha pelo Estado Islâmico, matando e ferindo civis. de ataques aéreos contra os huthis e as áreas Em dezembro, o exército iraquiano retomou o que eles controlavam ou reivindicavam,

Anistia Internacional – Informe 2015/16 51 impôs um bloqueio aéreo e marítimo parcial e centenas de civis. posiciou tropas terrestres para apoiar as A Líbia também permaneceu imersa em forças iemenitas anti-huthis. Enquanto alguns conflitos armados, quatro anos após a queda ataques da coalizão tinham como alvo do regime de Muammar al-Gaddafi. Dois objetivos militares, muitos outros foram governos e parlamentos rivais lutavam por realizados de forma indiscriminada, supremacia, um baseado no leste do país, desproporcional ou aparentemente dirigidos internacionalmente reconhecido e apoiado de modo deliberado contra a população civil pela coalizão militar Operação Dignidade, e o e bens de caráter civil, incluindo escolas, outro, sediado na capital, Trípoli, apoiado hospitais e estradas, em particular no pela coalizão Amanhecer da Líbia, formada governorado de Saada, no norte do Iêmen, por milícias armadas ocidentais e outras base principal dos huthis. Em algumas áreas, forças. Em outros lugares, grupos armados os aviões da coalizão também lançaram que perseguiam seus próprios objetivos munições de fragmentação fabricadas nos ideológicos, regionais, tribais, econômicos e Estados Unidos, apesar da proibição étnicos lutavam por controle, incluindo internacional do uso dessas armas, cujo afiliados locais do Estado Islâmico e da Al impacto se dá de forma inerentemente Qaeda. indiscriminada, arriscando a vida de civis. As várias forças em luta entre si Grupos armados contrários aos huthis, cometeram graves violações das leis de incluindo o Estado Islâmico, executaram guerra, incluindo ataques diretos contra civis, sumariamente combatentes huthis como trabalhadores da saúde, e ataques capturados e realizaram ataques suicidas e indiscriminados ou desproporcionais, de outros tipos contra a população civil. Em homicídios ilegais, raptos, detenções 20 de março, os bombardeios realizados pelo arbitrárias, tortura e outros graves abusos. As Estado Islâmico a duas mesquitas xiitas forças afiliadas ao Estado Islâmico nas mataram mais de 140 pessoas, todas ou a cidades líbias de Sirte e Derna realizaram maioria civis, e feriram centenas de outras. execuções, açoitamentos e amputações Segundo a ONU, até o fim do ano, os públicos, e elegeram como alvo cidadãos conflitos armados do Iêmen haviam matado estrangeiros de outras religiões. Em fevereiro, mais de 2.700 civis e desalojado à força mais um grupo armado afiliado ao Estado Islâmico de 2,5 milhões de pessoas, criando uma crise divulgou na internet vídeos explícitos do humanitária. assassinato em massa de 21 pessoas, a O conflito no Iêmen não foi o único em que maioria migrantes cristãos coptas egípcios, as forças internacionais se tornaram sequestradas várias semanas antes, o que participantes diretas. Tanto no Iraque quanto provocou um ataque aéreo de retaliação por na Síria, uma coalizão militar formada por aviões de guerra egípcios. Estados ocidentais e árabes e liderada pelos Em dezembro, representantes dos dois Estados Unidos utilizou aviões e veículos governos rivais da Líbia assinaram um acordo aéreos não tripulados para atacar as forças de paz mediado pela ONU, comprometendo- do Estado Islâmico e de outros grupos se a encerrar a violência e formar um governo armados, às vezes causando mortes civis. Na de unidade nacional. Isso ofereceu pelo Síria, as forças armadas da Rússia menos alguma esperança à população da intervieram para apoiar o governo de Al Líbia no fim de um ano em que o conflito Assad, apesar das evidências crescentes de armado matou cerca de 600 civis mortos e violações dos direitos humanos, lançando deixou quase 2,5 milhões de pessoas ataques aéreos e mísseis contra áreas necessitadas de assistência humanitária e de controladas pelas forças de oposição, assim proteção, embora o acordo tenha excluído como contra alvos do Estado Islâmico; até o vários grupos armados e milícias e não tenha fim do ano, estes ataques teriam matado trazido um fim às hostilidades.

52 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Em outros países da região, problemas sob o Presidente Abbas nem a administração fundamentais e profundamente enraizados de facto do Hamas em Gaza tomaram persistiram. O ano não viu qualquer quaisquer medidas para investigar crimes de progresso para a resolução do conflito guerra, incluindo disparos indiscriminados de israelense-palestino, mesmo que ele não foguetes e morteiros, execuções sumárias e tenha se transformado novamente em guerra outros graves abusos por parte de grupos aberta. Israel manteve seu implacável armados palestinos durante o conflito armado bloqueio de Gaza por terra, mar e ar, de 2014 com Israel. Nada foi feito também inviabilizando a reconstrução após a para responsabilizar os agentes de segurança devastação causada pelo conflito armado de palestinos que realizaram detenções ilegais e 2014. Na Cisjordânia ocupada, Israel tortura. Da mesma forma, Israel não conduziu continuou a promover assentamentos ilegais investigações independentes sobre os e restringiu severamente a circulação de diversos crimes de guerra e outras violações palestinos por meio de um conjunto de do direito internacional cometidos por suas postos de controle militares, barreiras e uma forças em Gaza durante o conflito armado de cerca/muro que se estendia por centenas de 2014 nem responsabilizou os envolvidos em quilômetros. Milhares de palestinos que se homicídios ilegais na Cisjordânia e em tortura opunham à ocupação militar de Israel ou que e outros maus-tratos de detidos. estavam envolvidos em protestos contra essa ocupação foram presos e detidos, em REFUGIADOS, DESALOJADOS INTERNOS E centenas de casos em virtude de ordens MIGRANTES administrativas renováveis ​​que davam às O custo humano dos conflitos armados na autoridades o poder de mantê-los em Síria, Iraque, Iêmen e Líbia, em 2015, foi detenção indefinidamente sem acusação imensurável, embora a contínua onda de nem julgamento; outros foram mortos por refugiados que fugiam destes países e o tropas israelenses, que fizeram uso constante número ainda maior de pessoas desalojadas de força excessiva contra manifestantes internamente neles dessem alguma palestinos. A tensão aumentou indicação. Até o fim do ano, juntos, os quatro acentuadamente no último trimestre do ano, conflitos haviam gerado mais de 5 milhões de em meio a uma onda de esfaqueamentos e refugiados e requerentes de asilo e mais de outros ataques contra israelenses por parte 13,5 milhões de pessoas desalojadas de palestinos que atuavam sozinhos. internamente (PDI), de acordo com o Soldados e policiais israelenses responderam ACNUR, a agência da ONU para os com força letal, incluindo em circunstâncias refugiados. Em outros países da região, como em que os indivíduos não representavam o Irã, a repressão do Estado também uma ameaça iminente para a vida. alimentou um fluxo contínuo de refugiados Principalmente no último trimestre do ano, as que procuravam proteção no exterior. forças israelenses mataram pelo menos 156 O impacto da crise dos refugiados foi mais palestinos dos Territórios Palestinos intenso sobre os Estados na região do Oriente Ocupados, incluindo crianças, em alguns Médio e Norte da África. No fim do ano, o casos em aparentes execuções extrajudiciais. Líbano abrigava muito mais de 1 milhão de Em janeiro, o presidente palestino, refugiados da Síria – que representavam Mahmoud Abbas, declarou a adesão da entre um quarto e um terço da população Palestina ao Estatuto de Roma e aceitou a total do Líbano –, e a Jordânia abrigava mais jurisdição do Tribunal Penal Internacional 641.800 refugiados da Síria. A presença de sobre os crimes de sua competência tantos refugiados implicou em uma enorme cometidos nos Territórios Palestinos pressão sobre os recursos dos países que os Ocupados desde junho de 2014. No entanto, acolheram, que foi apenas parcialmente nem o governo de unidade nacional palestino aliviada pela assistência humanitária e apoio

Anistia Internacional – Informe 2015/16 53 da vacilante comunidade internacional, e deveria ser a "porcentagem justa" de trouxe enormes desafios sociais e de refugiados de cada Estado. Inúmeros outros, segurança. Tanto no Líbano quanto na no entanto, perderam suas vidas no mar Jordânia as autoridades tomaram medidas nessa fase de sua jornada, incluindo muitos para conter o fluxo de novas chegadas, bebês e crianças. intensificando os controles nos pontos de Em adição aos mais de 1 milhão de passagem fronteiriços oficiais e informais; refugiados da Síria que inflaram a sua bloqueando a entrada de certos grupos de população, o Líbano continuou a acolher pessoas, principalmente membros da várias centenas de milhares de refugiados comunidade de refugiados palestinos que se palestinos, décadas depois dos conflitos com encontravam há longo tempo na Síria; e Israel que os obrigaram a fugir de suas casas. ampliando os requisitos para a concessão de Eles receberam proteção por parte das residência para aqueles já admitidos no país. autoridades libanesas, mas permaneceram Mais de 12 mil refugiados da Síria que não sujeitos a leis e políticas discriminatórias que tiveram permissão para entrar na Jordânia lhes negavam o direito a herdar propriedades permaneceram em uma área desértica e o acesso ao ensino público gratuito e a remota no lado jordaniano da fronteira com a certas categorias de emprego remunerado. Síria, sob condições desesperadoras. Os migrantes, bem como os refugiados e Enquanto isso, em dezembro, as autoridades os desalojados internamente, continuaram jordanianas devolveram mais de 500 particularmente vulneráveis a abusos em refugiados e requerentes de asilo sudaneses diversos países. Na Argélia e no Marrocos, os para o Sudão, onde eles corriam risco de migrantes de países da África Subsaariana sofrer abusos dos direitos humanos, violando eram passíveis de prisão e expulsão sumária. o princípio internacional de non-refoulement. Na Líbia, as autoridades de Trípoli A vida continuou muito difícil e incerta, mantiveram até 4 mil migrantes e outros mesmo para aqueles que escaparam da Síria cidadãos estrangeiros sem documentos em e de outros países imersos em conflitos detenção por tempo indeterminado em armados, devido às dificuldades e à instalações onde eles sofreram tortura e insegurança que encontraram na condição outros maus-tratos, enquanto outros de refugiados. Estas dificuldades estimularam refugiados, requerentes de asilo e migrantes centenas de milhares de refugiados a se foram submetidos a graves abusos, incluindo expor a novos riscos com o objetivo de discriminação e exploração trabalhista. Em encontrar maior segurança em lugares mais Israel, as autoridades negaram aos distantes, especialmente nos países da UE. requerentes de asilo da Eritreia e do Sudão Um enorme número de refugiados partiu acesso a um processo justo para a principalmente da Líbia e da Turquia – que, determinação da condição de refugiado; sozinha, havia recebido cerca de 2,3 milhões detiveram mais de 4.200 pessoas em centros de refugiados da Síria – para tentar realizar de detenção no deserto até o fim do ano; e travessias marítimas perigosas em direção à pressionaram outros a sair de Israel Itália e à Grécia, muitas vezes em "voluntariamente", caso contrário embarcações superlotadas, sem condições enfrentariam detenção por tempo de navegar, fornecidas por traficantes de indeterminado. pessoas que cobravam preços extorsivos. Os trabalhadores migrantes, muitos do sul Muitas pessoas tiveram sucesso e e do sudeste da Ásia, também continuaram a conseguiram alcançar a relativa segurança da enfrentar graves explorações e abusos nos Europa, onde enfrentaram uma recepção países do Golfo ricos em petróleo e gás, onde claramente díspar, conforme os Estados o sistema de patrocínio laboral conhecido membros da UE discutiam sobre quem como kafala os mantinha presos aos seus deveria assumir a responsabilidade e qual empregadores e a legislação trabalhista não

54 Anistia Internacional – Informe 2015/16 lhes garantia proteção adequada. No Qatar, estrangeiros. onde 90% da força de trabalho era formada No Irã, o acordo internacional relativo ao por trabalhadores migrantes, o governo não programa nuclear do país e a flexibilização implementou a maioria das reformas que das sanções econômicas e financeiras não havia prometido em 2014; muitos diminuíram a repressão estatal. As trabalhadores da construção civil autoridades continuaram a restringir a continuavam expostos a condições de vida e liberdade de expressão e os direitos de de trabalho inseguras, e milhares de associação e de reunião, bloqueando o trabalhadores domésticos, a maioria acesso ao Facebook, Twitter e outras redes mulheres, enfrentaram numerosos abusos, sociais, interferindo em emissões de rádios e desde salários baixos e horas de trabalho televisões estrangeiras, e prendendo, detendo excessivas até agressões físicas, trabalho e aprisionando jornalistas, defensores dos forçado e tráfico de pessoas. No Kuwait, no direitos humanos, sindicalistas, artistas e entanto, uma nova lei pela primeira vez deu outras pessoas que expressaram diferenças aos trabalhadores domésticos migrantes o de opinião, incluindo três líderes políticos da direito a um dia de descanso semanal e 30 oposição detidos sem acusação nem dias de férias anuais remuneradas. julgamento desde 2009. As autoridades da Arábia Saudita também REPRESSÃO ÀS DIFERENÇAS DE OPINIÃO não admitiram críticas ou dissidência e Em toda a região do Oriente Médio e do Norte puniram severamente aqueles que ousaram da África, os governos continuaram defender reformas ou expressar seu apoio intolerantes à crítica e à dissidência e aos direitos humanos. O blogueiro Raif restringiram o direito às liberdades de Badawi permaneceu preso, cumprindo uma expressão, de associação e de reunião pena de 10 anos de prisão que um tribunal pacífica. Na Argélia e no Marrocos, as impôs a ele em 2014 por "insultar o Islã" e autoridades estatais fizeram uso de leis violar a lei de crimes virtuais por criar o site penais de amplo alcance sobre insulto e/ou da Rede de Liberais Sauditas Livres, que as difamação para processar e prender pessoas autoridades fecharam. O tribunal também o que manifestavam sua crítica por meio da condenou a um açoitamento de mil internet e outros meios, como fizeram as chibatadas. O dr. Zuhair Kutbi, preso em autoridades egípcias e os governos do julho, permaneceu detido durante meses e, Bahrein, Kuwait, Omã e dos Emirados Árabes em seguida, foi julgado e encarcerado por Unidos. Nesses Estados do Golfo, os alvos de defender a monarquia constitucional como perseguição incluíram indivíduos acusados forma de governo em uma entrevista na de prejudicar as relações do seu país com a televisão. Arábia Saudita ao publicar comentários No Egito, o governo continuou a repressão considerados desrespeitosos para com o implacável da Irmandade Muçulmana, falecido rei saudita ou criticar sua intervenção iniciada quando o exército depôs o presidente militar no Iêmen. No Qatar, um poeta Mohamed Morsi, em julho de 2013, e continuou a cumprir uma pena de 15 anos ampliada para abranger seus outros críticos e de prisão por escrever e recitar versos que as opositores, bem como defensores dos direitos autoridades consideraram ofensivos ao emir humanos e de reformas políticas. As do país. Na Jordânia, dezenas de jornalistas e autoridades realizaram milhares de detenções ativistas enfrentaram processos no âmbito de por motivos políticos; até o fim do ano, havia disposições do Código Penal que proibiam pelo menos 700 pessoas detidas sem críticas ao rei e às instituições condenação judicial por mais tempo do que o governamentais e no âmbito de uma lei máximo de dois anos estipulado pela lei. antiterrorismo alterada em 2014 que Milhares de outras pessoas enfrentaram criminalizava a crítica a líderes ou a Estados julgamentos coletivos injustos diante de

Anistia Internacional – Informe 2015/16 55 tribunais penais ou militares, que proferiram permaneceram comuns e generalizados em sentenças de prisão e condenações à morte toda a região do Oriente Médio e do Norte da em massa. Alguns detidos foram submetidos África. Essas práticas foram utilizadas para a desaparecimentos forçados. As autoridades extrair informações e "confissões", para punir rejeitaram qualquer crítica à repressão aos e aterrorizar as vítimas e para intimidar as dissidentes, justificando-a com a ameaça demais pessoas. Os perpetradores quase representada por grupos armados, que sempre o fizeram com impunidade; os lançaram ataques cada vez mais letais contra tribunais raramente consideraram as as forças de segurança, funcionários do denúncias de tortura durante a prisão Estado e a população civil. preventiva feitas pelos réus, e os governos Por toda a região, os sistemas judiciários raramente realizaram investigações nacionais eram frágeis, não tinham independentes sobre tortura ou tomaram independência e não garantiram as devidas medidas para proteger os detidos, embora a salvaguardas processuais nem respeitaram o maioria dos países tenha ratificado a direito a um julgamento justo, especialmente Convenção contra a Tortura da ONU. Na em casos contra pessoas consideradas Síria, as forças do governo continuaram a críticas ou opositoras do governo. Ao longo de usar a tortura sistematicamente, causando 2015, os tribunais em países como Bahrein, inúmeras mortes adicionais de detidos. No Irã, Iraque, Jordânia, Arábia Saudita e Egito, as forças de segurança frequentemente Emirados Árabes Unidos, bem como os do agrediram os detidos no momento da prisão e Egito, continuaram a proferir sentenças de depois os submeteram a espancamentos, prisão e à morte em julgamentos injustos; ao choques elétricos e a posições dolorosas de invés de defenderem a justiça com audácia, estresse. Os tribunais iranianos continuaram tais tribunais operaram como meros a impor punições que violavam a proibição da instrumentos de repressão do Estado. tortura e de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo PENA DE MORTE flagelação, cegueira, apedrejamento e A pena de morte foi amplamente utilizada em amputações. toda a região, inclusive em Estados como Argélia, Líbano, Marrocos e Tunísia, que há IMPUNIDADE E PRESTAÇÃO DE CONTAS anos não realizam execuções. Por outro lado, As forças do governo e grupos armados não os governos do Irã, Iraque e Arábia Saudita estatais cometeram com impunidade crimes mantiveram-se entre os maiores executores de guerra, outras violações do direito do mundo, com o Irã na vanguarda de um internacional humanitário e graves abusos aumento preocupante nas execuções. Juntos, dos direitos humanos na Síria, Iraque, Iêmen esses países realizaram centenas de e Líbia, e não houve responsabilização por execuções, apesar das claras evidências de crimes e abusos semelhantes cometidos que muitas das pessoas executadas haviam pelas forças israelenses e grupos armados sido condenadas à morte após julgamentos palestinos durante o conflito de 2014 e em injustos ou por delitos que não causaram conflitos anteriores. Na Argélia, continuou a perda de vidas ou que não cumpriam o ser crime fazer campanha por justiça às critério de “crimes mais graves”, tais como os vítimas de graves abusos cometidos por parte relacionados a drogas. Entre as pessoas das forças do Estado durante o conflito executadas no Irã ou que aguardavam a armado interno da década de 1990. No execução na Arábia Saudita estavam Líbano, nenhum progresso foi feito em menores infratores. determinar o destino de milhares de pessoas que sofreram desaparecimentos forçados ou TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS sumiram durante e depois da guerra civil que A tortura e outros maus-tratos de detidos terminou há duas décadas. No Egito, as

56 Anistia Internacional – Informe 2015/16 autoridades não investigaram nem negar a nacionalidade a mais de 100 mil asseguraram a prestação de contas pelos bidun (apátridas), alegando que eles eram homicídios de centenas de manifestantes moradores ilegais, embora muitos tenham pelas forças de segurança desde junho de nascido e vivido toda a sua vida no país. 2013. Ativistas pelos direitos da comunidade bidun Em maio, a Comissão da Verdade e enfrentaram prisão e acusação. Em Israel, os Dignidade da Tunísia, nomeada após a cidadãos palestinos enfrentaram "Revolução dos Jasmins", de 2011, começou discriminação em muitas áreas, a ouvir testemunhas como parte de suas especialmente em relação aos direitos à investigações sobre violações de direitos moradia e à terra. humanos cometidas no passado. No entanto, a Comissão continuou enfraquecida por REMOÇÕES FORÇADAS acusações de corrupção e demissões, As autoridades israelenses continuaram a enquanto um novo projeto de lei ameaçou demolir casas palestinas e a remover à força sabotar qualquer perspectiva de que ela seus moradores na Cisjordânia, incluindo garantiria a responsabilização por crimes Jerusalém Oriental. Segundo Israel, tais casas econômicos cometidos durante o regime que haviam sido construídas sem licenças se manteve no poder até 2011. Na Líbia, as israelenses, que são praticamente autoridades de Trípoli condenaram ex- impossíveis de serem obtidas. As autoridades funcionários da era Gaddafi a longas penas israelenses também destruíram, como forma de prisão ou à morte por supostos crimes de de punição, as casas de famílias de guerra e outros crimes cometidos durante o palestinos que atacaram israelenses, bem levante de 2011 e o subsequente conflito como as casas de cidadãos palestinos em armado. O julgamento foi marcado por Israel, principalmente em aldeias beduínas irregularidades; as autoridades não da região de Negev/Naqab. No Egito, os cumpriram uma exigência do TPI para militares realizaram remoções forçadas para entregar Saif al-Islam al-Gaddafi, filho de criar uma zona de segurança "tampão" ao Muammar al-Gaddafi, mas julgaram-no e longo da fronteira do país com a Faixa de condenaram-no à morte. Gaza.

DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS MULHERES E MENINAS As minorias étnicas e religiosas continuaram Mulheres e meninas continuaram a enfrentar a enfrentar discriminação em vários países. discriminação na lei e na prática em todos os No Irã, os baha'ís, sufis, yaresan (Ahl-e Haq), países da região do Oriente Médio e do Norte muçulmanos sunitas e pessoas convertidas da África; em muitos deles, elas também do islã ao cristianismo e do islamismo xiita ao sofreram com a elevada incidência de sunita foram presos ou impedidos de praticar violência sexual e de outra natureza. As leis livremente a sua fé. Ativistas pelos direitos sobre a condição jurídica das pessoas das minorias pertencentes a grupos étnicos geralmente garantiam às mulheres menos desfavorecidos do Irã, incluindo árabes direitos do que aos homens em relação ao ahwazi, turcos azerbaijanos, balúchis e divórcio, custódia dos filhos e herança, curdos, foram condenados a penas de prisão enquanto as leis sobre a nacionalidade em severas e continuaram sendo condenados à vários países proibiam as mulheres casadas morte desproporcionalmente. Na Arábia com estrangeiros de transmitir sua Saudita, a discriminação contra a minoria nacionalidade a seus filhos, ao contrário do xiita permaneceu arraigada, e líderes e que ocorria com homens casados com ativistas xiitas foram detidos e, em alguns estrangeiras. casos, condenados à morte em julgamentos Na Jordânia, as mulheres continuaram a injustos. No Kuwait, o governo continuou a receber proteção inadequada contra a

Anistia Internacional – Informe 2015/16 57 violência, incluindo os chamados crimes de A manifestação mais pública e extrema de "honra". O governo revisou a legislação que tais preconceitos e misoginia foram os crimes permitia aos estupradores escapar à cometidos contra mulheres e meninas pelas acusação casando-se com sua vítima, exceto forças do Estado Islâmico, incluindo estupro, nos casos em que a vítima tivesse entre 15 e casamento forçado, escravidão sexual e 18 anos. No Bahrein, uma nova lei concedeu execução sumária, particularmente no maior proteção às vítimas de violência Iraque. Mas em toda a região a prevalência doméstica, mas só depois de o Parlamento da violência baseada em gênero e a ausência do país ter rejeitado um artigo que de reparação para as sobreviventes não criminalizaria o estupro marital. Na Arábia foram uma exceção. Saudita, as mulheres foram autorizadas pela No fim de 2015, as esperanças inebriantes primeira vez a votar e a concorrer em eleições de reformas dos direitos políticos e humanos municipais, mas continuaram a ser proibidas que os levantes populares em massa da de dirigir. O Parlamento do Irã aprovou os Primavera Árabe haviam despertado em toda princípios gerais de um projeto de lei que a região quatro anos antes haviam sido prejudicaria o direito da mulher de decidir totalmente frustradas. Em vez de reformas livremente se e quando casar-se, divorciar-se políticas e sociais, progresso econômico e e ter filhos, e debateu outros projetos de lei maior proteção dos direitos humanos, a que ameaçavam consolidar ainda mais a região foi dominada por conflitos armados, discriminação contra as mulheres, incluindo aumento da repressão estatal, abusos de uma lei que bloquearia o acesso a direitos e a ameaça de ataques por grupos informações sobre métodos contraceptivos e armados. No entanto, em meio ao proibiria a esterilização voluntária. As pessimismo e ao desespero, milhares de mulheres no Irã também continuaram pessoas corajosas – defensores dos direitos submetidas às leis sobre o uso compulsório humanos, trabalhadores e voluntários da do véu (hijab) e a assédio, violência e prisão saúde, advogados, jornalistas, ativistas pela polícia e forças paramilitares comunitários e outros – demonstraram por responsáveis por aplicar tais leis. meio de suas ações que as esperanças As mulheres e meninas representavam expressas em 2011 permaneceram vivas, metade da população da região e deram uma firmemente estabelecidas, e não um sonho enorme contribuição para a sociedade, mas vazio. tiveram negada a igualdade com os homens em praticamente todos os aspectos da vida. Nenhum país da região tinha uma chefe de Estado, pouquíssimas mulheres ocupavam altos cargos políticos ou diplomáticos, e elas estavam quase ou totalmente ausentes do poder judiciário, em particular em níveis hierárquicos mais altos. Isso não foi surpresa, dada a contínua prevalência de atitudes estereotipadas e discriminatórias em relação às mulheres e aos seus direitos humanos.

58 Anistia Internacional – Informe 2015/16 ANISTIA INTERNACIONAL INFORME 2015/16 PAÍSES Parlamento. Em 30 de junho, o governo AFEGANISTÃO lançou o seu primeiro plano de ação nacional relacionado à Resolução 1325 do Conselho República Islâmica do Afeganistão de Segurança da ONU sobre Mulheres, Paz e Chefe de Estado e de governo: Muhammad Ashraf Segurança. Esse plano consagrou as Ghani Ahmadzai promessas do governo de fortalecer a participação das mulheres nos quatro pilares Em virtude do crescimento das atividades da Resolução 1325: participação, proteção, de insurgência e da criminalidade, prevenção e assistência humanitária e aumentou a insegurança em todo o país. Os recuperação. primeiros três meses de 2015 foram o Em 29 de julho, o governo anunciou que o trimestre mais violento de que se tem mulá Omar, líder do Talibã, havia morrido em registro. A Missão de Assistência das abril de 2013, no Paquistão. Após a Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) declaração, uma série de ataques ocorreu na registrou 1.592 mortos e 3.329 feridos capital, Cabul, entre os dias 7 e 10 de agosto. entre a população civil nos primeiros seis O mulá Akhtar Mohammad Mansoor, vice do meses de 2015. Dentre as vítimas fatais mulá Omar desde 2010, foi nomeado como civis, 70% foram atribuídas ao Talibã e a seu sucessor. Em 1° de agosto, em sua outros grupos insurgentes armados, e 16% primeira declaração pública como novo líder, às forças pró-governo afegão. O Talibã ele pediu a união dos talibãs e a continuação lançou cada vez mais ataques contra alvos da jihad, ao mesmo tempo que descartou vulneráveis ​​e civis. Em setembro, o grupo como propaganda inimiga as notícias sobre assumiu o controle da maior parte da um processo de paz. Em maio, o Ministério província de Kunduz, em um conflito que, do Interior estimou que havia cerca de 7.180 de acordo com o governo, causou o combatentes estrangeiros em todo o desalojamento interno de cerca de 20.000 Afeganistão, a maioria deles ligada aos pessoas. A maioria delas não recebeu grupos armados Movimento Talibã do qualquer tipo de ajuda humanitária do Paquistão (Tehrik-i-Taliban Pakistan) e governo. O Ministério dos Assuntos da Movimento Islâmico do Uzbequistão. Mulher documentou milhares de casos de Houve relatos de atividades do grupo violência contra as mulheres nos últimos Estado Islâmico em pelo menos quatro nove meses do ano. Em um clima de províncias do Afeganistão, embora não impunidade, continuaram as ameaças, estivesse claro até que ponto os grupos que intimidações e ataques contra defensores operavam sob o seu comando estavam dos direitos humanos por parte de diversos vinculados ao Estado Islâmico na Síria. perpetradores, sem que o governo Abusos cometidos pelas forças afegãs e investigasse esses casos nem levasse os internacionais, e por grupos armados aliados responsáveis à Justiça. O Parlamento ao governo alterou a Lei de Imprensa, trazendo temores Nas operações realizadas pelas forças a jornalistas e grupos de direitos humanos militares internacionais, caiu de que a liberdade de expressão fosse ainda significativamente o número de vítimas civis mais restringida. O Afeganistão continuou a devido à retirada das forças de combate dos aplicar a pena de morte, muitas vezes EUA e da Força Internacional de Assistência depois de julgamentos injustos. à Segurança. No entanto, de acordo com a UNAMA, INFORMAÇÕES GERAIS durante os primeiros seis meses de 2015, os Em 19 de abril foi finalmente formado o ataques das forças pró-governo, governo de unidade, cuja composição foi especialmente das Forças de Segurança aprovada por um voto de confiança do Nacionais Afegãs, levaram a um número

60 Anistia Internacional – Informe 2015/16 crescente de vítimas civis. De um total de Talibã e a outros grupos armados foi 4.921 mortes de civis, as forças pró-governo resultado de violações do direito internacional teriam sido responsáveis por 796, o que humanitário, constituindo crimes de guerra. O representou um aumento de 60% em relação Talibã e outros grupos armados continuaram ao mesmo período de 2014. a lançar ataques deliberados contra a Houve denúncias de violações cometidas população civil e contra bens de caráter civil, pela Polícia Local Afegã, incluindo utilizando armas tais como artefatos intimidação, espancamentos, detenções explosivos improvisados ativados por contato. ilegais, homicídios seletivos e estupros de De acordo com suas próprias declarações menores. Em setembro, o jornal The New oficiais, o Talibã retomou sua política de York Times informou que militares dos EUA atacar deliberadamente pessoas associadas ignoraram as denúncias feitas por seu próprio ao governo ou consideradas "nocivas". pessoal sobre abusos sexuais cometidos pela De acordo com a Organização Polícia Local Afegã contra meninos em suas Internacional para a Segurança das ONGs instalações. (INSO), foram fechadas 11 clínicas Em casos de homicídios ilegais praticados administradas por ONGs e nove escolas pelas forças e grupos pró-governo, públicas na província de Nangarhar, por praticamente não houve prestação de contas, causa de ameaças do Estado Islâmico. Nos embora o Presidente Ghani tenha prometido primeiros nove meses de 2015, a INSO tomar medidas para reduzir o número de registrou 150 ataques contra trabalhadores vítimas civis. humanitários, resultando em 33 mortos, 33 Em 3 de outubro, forças estadunidenses feridos e 82 sequestros. bombardearam um hospital administrado A população civil continuou a ser vítima de pela organização Médicos sem Fronteiras na assassinatos, punições arbitrárias e tomadas província de Kunduz, no norte do país, de reféns por grupos armados, impostos causando a morte de 40 pessoas, incluindo depois de julgamentos conduzidos por 14 funcionários do hospital, e destruindo estruturas de justiça ad hoc que não partes do edifício. A organização pediu uma ofereciam garantias judiciais plenas, violando investigação independente sobre o o direito internacional humanitário. bombardeio. Em 23 de fevereiro, 30 civis, a maioria Abusos cometidos por grupos armados membros da comunidade hazara, foram Ataques cometidos pelo Talibã e outros sequestrados por grupos armados na grupos insurgentes armados continuaram a província de Zabul. Em 11 de maio, 19 deles causar a maioria das mortes de civis. A foram libertados em troca de familiares de UNAMA atribuiu 70% das mortes e insurgentes uzbeques detidos em prisões do ferimentos de civis que ocorreram entre 1 de governo. Até o fim do ano, o destino das 11 janeiro e 30 de junho a ataques realizados pessoas restantes era desconhecido. por grupos armados (de um total de 3.436 Em 10 de abril foram encontrados os restos vítimas civis – 1.213 mortos e 2.223 feridos mortais de cinco funcionários afegãos da –, o que significou uma diminuição de 3% ONG Save the Children na província de em relação ao mesmo período de 2014). O Uruzgan. Eles haviam sido sequestrados em Talibã reivindicou a responsabilidade por atos 1° de março, em uma tentativa de trocá-los que causaram mais de mil vítimas civis, e a por prisioneiros talibãs. UNAMA atribuiu outras 971 vítimas civis a Em 28 de setembro, o Talibã assumiu o líderes vinculados aos talibãs. Além disso, a controle da cidade de Kunduz e libertou UNAMA documentou 10 mortes de civis cerca de 700 prisioneiros, incluindo pelo causadas por grupos ligados ao Estado menos 100 talibãs. Numerosos bens públicos Islâmico, especialmente no leste do país. e privados foram destruídos, incluindo A maioria das mortes civis atribuídas ao veículos de comunicação. Denúncias de

Anistia Internacional – Informe 2015/16 61 estupros e homicídios ilegais foram 3 milhões de afegãos eram refugiados, a frequentes. maioria vivendo no Irã e no Paquistão. Quase Defensores dos direitos humanos 1 milhão de afegãos eram desalojados Em meio a um clima de impunidade, internos. continuaram a ocorrer ameaças, atos de As principais causas dos desalojamentos intimidação e ataques contra defensores dos foram o conflito armado, a insegurança e as direitos humanos, sem que o governo catástrofes naturais. Embora o governo tenha investigasse os casos nem levasse os lançado, em fevereiro de 2014, a Política suspeitos de ter responsabilidade penal à Nacional de Desalojados Internos, no fim de Justiça. Os defensores dos direitos humanos 2015 vários milhares de pessoas ainda viviam foram vítimas de bombardeios, atentados em campos e abrigos improvisados, onde a com granadas e assassinatos por parte de superlotação, a falta de higiene e as duras agentes tanto estatais quanto não estatais. As condições climáticas favoreciam a mulheres que participavam da vida pública propagação de doenças contagiosas e corriam mais risco de sofrer discriminação e crônicas, como a malária e a hepatite. violência do que os homens, pois se De acordo com o Gabinete de Coordenação considerava que elas estavam desafiando de Assuntos Humanitários da ONU, durante normas culturais e sociais. os primeiros seis meses de 2015, cerca de Em 8 de janeiro, a senadora Rohgul 103.000 pessoas teriam sido desalojadas, Khairzad foi gravemente ferida quando principalmente por causa do conflito armado agressores desconhecidos dispararam contra e da insegurança em todo o Afeganistão. O seu carro. Ela havia sofrido outro ataque de governo informou que havia cerca de 20.000 insurgentes talibãs em 2013, que também desalojados internos em razão do conflito que dispararam contra seu carro, matando sua eclodiu na província de Kunduz, em filha de 7 anos e seu irmão; sua filha de 11 setembro. anos ficou paralítica. Violência contra mulheres e meninas Em 16 de fevereiro, Angiza Shinwari, O governo tomou medidas para melhorar a defensora dos direitos das mulheres e participação das mulheres no governo. Em 21 membro do conselho provincial da província de março, o Presidente Ghani e Abdullah de Nangarhar, morreu em um ataque a Abdullah, chefe do executivo afegão, bomba contra seu carro, que também matou informaram que havia quatro mulheres entre seu motorista e feriu quatro pessoas. os candidatos para chefiar o Ministério dos Ninguém assumiu a responsabilidade pelo Assuntos da Mulher, o Ministério do Ensino ataque e nenhuma prisão foi feita. Superior, o Ministério do Trabalho, Assuntos Em 28 de setembro, o Talibã assumiu o Sociais, Mártires e Pessoas com Deficiência e controle da província de Kunduz em um o Ministério da Luta contra o Narcotráfico. ataque surpresa. Houve denúncias de buscas Até 20 de agosto haviam sido constituídos nas residências de profissionais da imprensa 75 Conselhos de Mulheres Policiais – 45 nas e de defensoras dos direitos humanos cujos diretorias do Ministério do Interior e nos nomes supostamente constavam de uma lista distritos policiais de Cabul, e 30 nas de alvos. Muitas defensoras dos direitos províncias. Esses conselhos foram criados em humanos fugiram da cidade, enquanto outras dezembro de 2014 pelo Ministério do Interior foram obrigadas a se esconder. para fortalecer e aumentar os poderes das Refugiados e desalojados internos agentes de polícia. Em 14 de setembro, o O Afeganistão continuou a gerar um governo afegão aprovou a Normativa contra o número muito elevado de refugiados e de Assédio Sexual de Mulheres e Meninas, que pessoas desalojadas internamente, superado tipificava como crime e penalizava apenas pela Síria. Segundo o ACNUR, a determinados atos de assédio sexual contra agência da ONU para os refugiados, cerca de as mulheres. No fim do ano, o Ministério dos

62 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Assuntos da Mulher estava preparando outra maioria pelas mãos de funcionários do normativa contra a discriminação no governo, como a polícia e as agências de ambiente de trabalho, que o Ministério da segurança, ou de representantes eleitos. O Justiça revisaria em 2016. Em virtude de um governo não investigou as pessoas suspeitas decreto presidencial de 2 de janeiro, foram de cometer os ataques. Em 28 de janeiro, o libertadas 144 mulheres e meninas que Parlamento alterou a Lei de Imprensa e haviam sido detidas pelos chamados crimes limitou a liberdade de imprensa, fazendo com "morais". que jornalistas e grupos de direitos humanos O Ministério dos Assuntos da Mulher temessem que a liberdade de expressão documentou mais de 4.000 casos de fosse ainda mais restringida. violência contra as mulheres nos últimos nove Tortura e outros maus-tratos meses do ano. Pouquíssimos casos de Em 4 de maio, o governo criou um comitê violência contra as mulheres no Afeganistão de trabalho incumbido de lançar um plano de foram denunciados, devido à insegurança, à ação nacional para a eliminação da tortura. falta de um governo ou judiciário efetivos, e a Em 25 de junho, a Direção Nacional de práticas tradicionais, que, combinados, Segurança – serviço de inteligência afegão – dissuadiam as vítimas e seus familiares de emitiu uma ordem reiterando a proibição da denunciar a violência. tortura, em particular durante os Em 12 de fevereiro, a polícia de Balkh interrogatórios policiais. No entanto, apesar prendeu seis pessoas relacionadas ao destes avanços, a tortura e outros maus- casamento de uma menina de 11 anos. tratos, bem como a detenção incomunicável, Em 19 de março, perto do templo Shah-e continuaram sendo habituais em todo o Du Shamshira, em Cabul, uma multidão sistema penitenciário, e as autoridades matou Farkhunda Malikzada, que havia sido continuaram a deter e prender pessoas de injustamente acusada de queimar um forma arbitrária e sem o devido processo. exemplar do Corão. Um tribunal de primeira Com frequência, pessoas foram detidas por instância em Cabul sentenciou à morte atos que não eram considerados crimes pela quatro homens pelo seu assassinato, legislação afegã, como os chamados crimes enquanto outros foram condenados à prisão. “morais” – por exemplo, fugir de casa –, que Em 2 de julho, um tribunal de apelação afetaram principalmente as mulheres e as anulou as quatro penas de morte e comutou- meninas. As condições prisionais as por penas de entre 10 a 20 anos de continuaram descumprindo as normas prisão. internacionais, com superlotação, Em 9 de agosto, uma mulher acusada de alimentação e água insuficientes e adultério foi enforcada pelos talibãs durante instalações sanitárias deficientes. uma audiência judicial perante um tribunal Pessoas detidas em relação ao conflito e tribal na província de Badakhshan. mantidas sob a custódia estadunidense foram Liberdade de expressão transferidas às autoridades afegãs em Os jornalistas no Afeganistão continuaram dezembro de 2014. As forças dos Estados a enfrentar atos de violência e censura por Unidos no Afeganistão continuaram a não parte de agentes tanto estatais como não prestar contas pelas detenções ilegais, maus- estatais. Alguns jornalistas foram mortos tratos e torturas infligidos às pessoas detidas. durante ataques, enquanto outros foram Pena de morte obrigados a fugir de suas casas e buscar O Afeganistão continuou a aplicar a pena refúgio em outros locais. Segundo a Nai, de morte, frequentemente após julgamentos organização que zelava pela independência injustos. No fim do ano, ainda eram dos meios de comunicação no Afeganistão, aguardados os resultados de uma revisão ocorreram 73 casos de ataques contra requerida pelo Presidente Ghani em 2014 de jornalistas e profissionais da imprensa, a quase 400 casos de pena de morte.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 63 Em 28 de fevereiro, Raees Khudaidad foi comunidades de todo o país. enforcado na prisão de Pul-e-Charkhi, em Instituições da justiça penal, como a Cabul, após ter sido acusado de assassinato, Corregedoria da Polícia e o Ministério Público, sequestro e assalto à mão armada. foram desestabilizadas por escândalos e tensões internas, afetando sua credibilidade. Aumentou a tensão entre o governo e o ÁFRICA DO SUL judiciário. Em janeiro, a África do Sul ratificou o República da África do Sul PIDESC. Chefe de Estado e de governo: Jacob G. Zuma USO EXCESSIVO DA FORÇA A tortura e outros maus-tratos e o uso Em 25 de junho, o Presidente Zuma divulgou excessivo da força por parte da polícia o relatório e as recomendações da Comissão continuaram, apesar de algum nível de de Inquérito de Marikana a respeito da morte prestação de contas ter sido obtido. de 44 pessoas na mina da Lonmin em Também prosseguiu a violência dirigida a Marikana, na província de North West, em refugiados e requerentes de asilo, agosto de 2012. A Comissão concluiu que a responsável por mortes, desalojamentos e “causa decisiva” dos eventos de 16 de agosto destruição de propriedades. O acesso a foi a decisão ilegal tomada na noite anterior tratamento médico por pessoas portadoras por policiais graduados de desarmar e de HIV continuou a se expandir, mas foi dispersar os trabalhadores em greve, à força prejudicado pela escassez em diversas se necessário, até o fim do dia seguinte. A áreas. Houve progresso no combate aos Comissão concluiu que todos os policiais crimes de ódio baseados na real ou suposta presentes na reunião foram responsáveis pela orientação sexual ou identidade de gênero decisão; e que eles obstruíram e atrasaram o das vítimas. Defensores dos direitos trabalho da Comissão ao tentar ocultar provas humanos enfrentaram intimidação e e forjar uma versão dos fatos para justificar as ameaças por parte do partido no poder e de mortes. funcionários do Estado. A Comissão também considerou que no primeiro local, onde a polícia matou a tiros 17 INFORMAÇÕES GERAIS pessoas, não havia nenhuma prova objetiva O governo enfrentou crescente pressão por de que os grevistas em dispersão tinham a parte dos partidos políticos de oposição, da intenção de atacar a polícia, e que as mortes sociedade civil e de comunidades sobre a e ferimentos poderiam ter sido evitados caso suposta corrupção e má prestação de a polícia tivesse utilizado métodos de força serviços, entre outros temas. mínima de forma mais eficaz. A Comissão Os processos parlamentares foram concluiu que alguns dos policiais podem ter prejudicados pelas respostas irregulares excedido os limites razoáveis da defesa oferecidas aos questionamentos recorrentes própria ou privada. dos partidos de oposição ao partido A Comissão considerou que a polícia não governista Congresso Nacional Africano apresentou uma justificativa plausível para a (CNA). A frustração com o ritmo lento das morte a tiros de outros 17 grevistas no reformas que visavam lidar com o legado do segundo local e que houve uma perda apartheid resultou em protestos em todo o completa de comando e controle. O órgão país por diferentes setores, como o das recomendou a criação de uma equipe de instituições de ensino superior. A peritos, sob a autoridade do diretor do continuidade dos altos níveis de desigualdade Ministério Público, para conduzir uma levou a protestos generalizados sobre a investigação criminal sobre as mortes. prestação de serviços em diversas Também recomendou uma investigação

64 Anistia Internacional – Informe 2015/16 sobre a conduta de um policial graduado que ordenou a suspensão do comandante da não enviou as unidades médicas sob seu delegacia de Krugersdorp. controle ao primeiro local, o que levou à Sipho Ndovela, testemunha do assassinato morte de grevistas feridos. Medidas de uma das vítimas da violência em curso no preliminares haviam sido tomadas para a conjunto de albergues Glebelands, em implementação dessas recomendações até o Durban, foi morto a tiros em 18 de maio, na fim do ano. delegacia do tribunal de primeira instância de O Presidente respondeu a outras Umlazi. Ele prestaria depoimento, recomendações da Comissão, como o identificando e implicando uma figura-chave estabelecimento de um Conselho de Inquérito responsável pela violência no conjunto sobre a aptidão do comissário nacional de habitacional. A partir de março de 2014, mais polícia, o general Riah Phiyega, para exercer de 50 pessoas morreram em assassinatos o cargo, e ordenou sua suspensão. O seletivos. As investigações oficiais foram Ministério Público também reinstituiu prejudicadas pela incapacidade das acusações criminais contra alguns dos autoridades de proteger indivíduos em risco e trabalhadores envolvidos na greve, relativas à de impedir violações dos direitos de suspeitos morte de dois seguranças da Lonmin e de detidos pela polícia para interrogatório. três trabalhadores não grevistas. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS E EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS MORTES EM CUSTÓDIA O Diretório Independente de Investigação O IPID informou a ocorrência de 244 mortes Policial (IPID) informou terem ocorrido 396 sob custódia em 2014/2015. No mesmo mortes em resultado de ações policiais no período, o diretório também registrou 145 período 2014/2015, seis a mais que no ano casos de tortura, 34 de estupro e 3.711 de anterior. agressão por policiais. Na Suprema Corte de Durban, o Em agosto, o IPID levou o caso de Zinakile julgamento de 27 policiais, a maioria Fica ao diretor do Ministério Público para integrante da agora dissolvida Unidade de uma decisão sobre a abertura de um Crime Organizado Cato Manor, por 28 processo, com base numa investigação sobre assassinatos e outras acusações foi sua morte em custódia policial em março de novamente adiado até fevereiro de 2016. Os 2014. Ele havia sido preso em Glebelands policiais enfrentavam acusações criminais Hostel junto com outros, e morreu durante relacionadas à morte de, entre outros, um interrogatório na delegacia de Bongani Mkhize, dono de uma empresa de Prospecton. Os resultados de uma autópsia táxi que foi morto em fevereiro de 2009, três independente e o relato de testemunhas meses depois de obter uma ordem da indicaram que ele morreu de tortura por Suprema Corte refreando a polícia de matá- asfixia durante o interrogatório policial. lo. Em 11 de novembro, oito policiais foram Em novembro, quatro policiais de condenados a 15 anos de prisão cada um, Krugersdorp, perto de Johanesburgo, foram após serem considerados culpados, em presos e compareceram perante um tribunal agosto, pelo assassinato de Mido Macia, em para responder pela morte a tiros de um fevereiro de 2013. A polícia, depois de suspeito de crime, Khulekani Mpanza, em 19 prendê-lo, algemou-o à parte traseira da de outubro. Eles foram acusados de viatura e o arrastou por cerca de 200 metros assassinato e obstrução da justiça. As prisões antes de detê-lo ilegalmente em uma cela na ocorreram após a divulgação pela imprensa delegacia. A Suprema Corte de Pretória de imagens do incidente feitas pelo circuito concluiu também que sete dos acusados interno de câmeras de segurança. O haviam agredido Mido Macia na cela onde ele Comissário Nacional de Polícia em exercício morreu.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 65 JUSTIÇA INTERNACIONAL prevenir de modo adequado doenças Em junho, o Centro Sul-Africano de Litígios específicas, em particular silicose e processou o governo em uma tentativa de tuberculose, causadas pela exposição ao pó forçá-lo a cumprir um mandado de prisão de sílica subterrâneo. O julgamento da emitido pelo Tribunal Penal Internacional questão era reservado. (TPI) contra o presidente do Sudão, Omar al- Em seu relatório, a Comissão de Inquérito Bashir, que estava na África do Sul para uma de Marikana fez diversas constatações contra reunião da UA. A Suprema Corte de North a empresa Lonmin Plc. A Comissão concluiu Gauteng emitiu uma ordem provisória, em 14 que a Lonmin não investiu seus melhores de junho, proibindo que o Presidente Bashir esforços para resolver as disputas trabalhistas deixasse o país até a finalização do caso. Em que levaram aos assassinatos em agosto de 15 de junho, a Suprema Corte de North 2012, e deixou de empregar salvaguardas Gauteng ordenou que os réus estatais, entre suficientes para garantir a segurança dos eles os ministros da Justiça e da Polícia, funcionários. A Comissão considerou também prendessem e detivessem o Presidente que a Lonmin foi deficiente em suas Bashir para sua posterior transferência ao iniciativas com relação aos seus planos TPI. sociais e trabalhistas, particularmente no que Em 15 de junho, autoridades sul-africanas se refere às suas obrigações com o permitiram que o Presidente Bashir deixasse fornecimento de moradia. A Comissão a África do Sul, em violação direta da ordem rejeitou o argumento da Lonmin de que não judicial provisória. A Suprema Corte de North poderia arcar financeiramente com a Gauteng solicitou que o Estado apresentasse implementação de suas obrigações uma declaração explicando como Bashir foi habitacionais e determinou que o não autorizado a deixar o país. O Estado cumprimento dessas obrigações criou um apresentou sua declaração explicativa e ambiente inseguro. entrou com um pedido de autorização para recorrer da decisão da Suprema Corte. Em 16 DIREITOS DOS REFUGIADOS E de setembro, a Suprema Corte de North MIGRANTES Gauteng negou ao Estado tal autorização, Durante o ano, houve diversos incidentes indicando que a questão estava aberta a envolvendo violência contra refugiados, debate e que não havia perspectiva de requerentes de asilo e migrantes. sucesso para a apelação. O Estado levou o Em janeiro, moradores saquearam 440 caso à Suprema Corte de Recursos em pequenos negócios administrados por outubro. Posteriormente, a África do Sul refugiados e migrantes em 15 áreas declarou que estava considerando se retirar diferentes de Soweto, na província de do TPI. Gauteng. Quatro pessoas morreram, inclusive moradores sem envolvimento com o ocorrido. PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA Quase 1.400 refugiados e migrantes foram Em outubro, advogados que representavam desalojados. 56 requerentes deram entrada em uma Em abril, uma nova onda de ataques, petição na Suprema Corte de South Gauteng, principalmente na área metropolitana de no caso Nkala e outros v. Harmony Gold e Durban, resultou em pelo menos quatro outros, para certificar seu caso como uma mortes, muitas pessoas gravemente feridas e ação coletiva. Os requerentes buscavam saques. Pelo menos 5.000 refugiados e indenização de 32 empresas de mineração migrantes deixaram suas casas e pequenos de ouro em nome de milhares de negócios e foram para três campos oficiais mineradores, ex-mineradores e os temporários ou para abrigos informais. dependentes de mineradores falecidos, pelo A escala da violência na área de Durban o que eles alegam ter sido uma falha para tinha poucos precedentes e pareceu ter sido

66 Anistia Internacional – Informe 2015/16 desencadeada por uma declaração e proibiu as autoridades de deportá-los por amplamente divulgada do Rei Goodwill duas semanas, até a conclusão de uma Zwelithini, uma liderança tradicional, de que consulta jurídica adequada, que autorizou as o governo devia fazer com que todos os deportações. “estrangeiros” deixassem a África do Sul. A Em março, a Suprema Corte de Recursos conclusão preliminar de uma investigação ordenou que o Departamento de Assuntos feita pela Comissão Sul-Africana de Direitos Internos (DHA) reabrisse o Escritório de Humanos sobre os supostos comentários Recepção para Refugiados de Port Elizabeth. apontou a natureza prejudicial de tais O Tribunal Constitucional rejeitou o recurso declarações, mas absolveu o Rei de do DHA contra a decisão de março. No incitamento à violência. O governou entanto, o acesso não discriminatório aos condenou a violência e criou um Comitê procedimentos para determinação de asilo Interministerial para coordenar respostas em enfrentou uma nova ameaça com as nível nacional. Na província de KwaZulu- alterações radicais propostas pelo governo à Natal, o governo local indicou a ex-alta- Lei sobre Refugiados, que incluíam restrições comissária da ONU para os Direitos ao acesso de requerentes de asilo a meios de Humanos, Navi Pillay, para conduzir um subsistência. O projeto de lei ainda estava inquérito sobre a violência. O inquérito não sendo avaliado no fim do ano. havia sido concluído até o fim do ano. Em outubro, em Grahamstown, na DIREITOS DAS MULHERES província do Cabo Oriental, com certeza 138, A infecção pelo HIV permaneceu a principal mas possivelmente até 300 lojas causa de mortes maternas. Quase um terço administradas por refugiados e migrantes das mulheres grávidas vivia com HIV, mas a foram atacadas. Mais tarde, a polícia melhoria no acesso ao tratamento reconheceu ter falhado em responder aos antirretroviral gratuito para mulheres grávidas alertas anteriores feitos por organizações da desde 2011 contribuiu para uma queda sociedade civil e conduziu cerca de 90 significativa, de quase um quarto, da taxa de prisões de suspeitos de perpetrar a violência, mortalidade materna institucional (relativa que compareceram perante um tribunal no apenas a mortes ocorridas em instalações fim de outubro. médicas). Apesar desse progresso, a Centenas de refugiados e requerentes de escassez de médicos e enfermeiras, a falta de asilo foram detidos ilegalmente e corriam instalações médicas devidamente equipadas risco de ser deportados durante uma e a escassez de transporte de emergência iniciativa anticrime, aparentemente de âmbito continuaram a prejudicar os esforços para nacional, a Operação Fiela, iniciada em 27 de reduzir a alta taxa de mortalidade materna. A abril. A polícia, apoiada pelo exército, realizou má gestão do Departamento de Saúde em invasões e prisões em áreas urbanas, nível provincial foi apontada tanto pela inclusive em Johanesburgo. Depois das Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos invasões e prisões em larga escala, em 8 de quanto por uma Comissão Popular de maio, na Igreja Metodista Central e num Inquérito sobre o Sistema de Saúde Público prédio residencial nas proximidades, oficiais Gratuito, conduzida pela sociedade civil. da polícia e da imigração bloquearam por A expansão do tratamento com drogas quatro dias o acesso de advogados a até 400 antirretrovirais gratuitas por meio do sistema refugiados e requerentes de asilo detidos na público de saúde continuou, mas a constante Delegacia Central de Joanesburgo, apesar de escassez dos estoques de medicamentos ordens judiciais de emergência determinarem essenciais em todo o país representou um o acesso. Em 12 de maio, a Corte Superior risco para o progresso do tratamento. O país determinou que os oficiais entregassem à continuou a lutar contra o aumento da Corte uma lista completa de todos os detidos incidência de casos de tuberculose e de

Anistia Internacional – Informe 2015/16 67 casos multirresistentes da doença, um sério A Equipe de Resposta Rápida continuou a risco para a saúde de pessoas portadoras de fazer avanços com a resolução de casos de HIV e AIDS. violência contra pessoas LGBTI que antes Relatórios de pesquisas médicas estavam sem resposta. Em maio, a Corte continuaram a indicar que mulheres jovens Superior de Potchefstroom condenou um entre 15 e 24 anos são as mais afetadas por homem pelo estupro e assassinato de uma novas infecções pelo HIV. As mulheres nessa mulher lésbica, Disebo Gift Makau, em agosto faixa etária tinham risco até oito vezes maior de 2014, e o condenou a duas prisões de infecção por HIV devido a fatores tanto perpétuas e 15 anos por roubo. O juiz biológicos quanto sociais. Os dados coletados reconheceu que a vítima foi escolhida por dos distritos de saúde refletiram as altas taxas causa de sua orientação sexual. Em julho, a de gravidez entre meninas menores de 18 Corte Superior de Pretória Norte condenou anos, que correspondiam a “um em cada 14 um homem pelo estupro e assassinato de partos no país” em 2014-2015. O relatório uma mulher lésbica, Thembelihle Sokhela, observou com preocupação que as taxas de em setembro de 2014, sentenciando-o a 22 natalidade nessa faixa etária eram mais altas anos de prisão. O juiz do caso não considerou nos distritos mais pobres e que a diferença em sua decisão a orientação sexual da vítima. entre os estratos socioeconômicos mais Observadores da sociedade civil pobres e os mais ricos estava aumentando. continuaram a expressar preocupação com Um progresso significativo para os direitos as limitações da investigação policial sobre o sexuais e reprodutivos das adolescentes foi assassinato de David Olyn, um homem gay garantido com a aprovação da Emenda de Lei que foi espancado e queimado até a morte sobre Crimes Sexuais (Lei n 5), de 2015, que em março de 2014, na província do Cabo deu cumprimento à decisão do Tribunal Ocidental Norte. O julgamento começou em Constitucional no caso da Clínica Teddy Bear outubro. para Crianças Vítimas de Abusos v. Ministério da Justiça e Desenvolvimento Constitucional DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS e Outros (2013) para proteger os direitos à A perseguição a defensores e organizações dignidade e à privacidade e o princípio do de direitos humanos e a fragilização dos melhor interesse da criança. A Lei revisada órgãos de fiscalização por parte do partido descriminalizou a atividade sexual consensual governista e de funcionários do Estado entre adolescentes com idades entre 12 e 16 continuaram causando grande preocupação. anos e outros adolescentes na mesma faixa Membros do CNA na província de Free etária. State perseguiram ativistas do grupo de defesa do direito à saúde Campanha de Ação DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, por Tratamento (CAT), por causa de sua BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E campanha para melhorar os serviços de INTERSEXUAIS saúde naquela província. Em fevereiro, a Liga Houve progresso no combate aos crimes de da Juventude do CNA utilizou linguagem ódio baseados na real ou suposta orientação inflamatória para mobilizar uma marcha sexual ou identidade de gênero das pessoas, contra a sede da CAT em Bloemfontein e, em com uma ampliação dos processos julho, membros do CNA interromperam uma encabeçados pelo governo tanto em nível reunião pública da CAT. nacional quanto provincial. Equipes de A Lei de Regulamentação de Reuniões Trabalho Provinciais foram criadas em pelo continuou a ser usada pelas autoridades para menos cinco províncias para garantir um limitar o direito ao protesto. Em outubro, 94 fluxo mais eficaz de informações para a agentes comunitários de saúde e ativistas da Equipe de Trabalho Nacional, formada pela CAT que haviam sido presos durante uma sociedade civil e funcionários do governo. vigília pacífica na sede do Departamento de

68 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Saúde de Free State, em julho de 2014, o primeiro país pelo qual entraram na UE. A foram condenados por participação em uma lista de países de origem seguros foi reunião para a qual não foi dado nenhum ampliada e os benefícios para certas aviso prévio. A decisão do tribunal de categorias de requerentes de asilo tiveram primeira instância de Bloemfontein deixou cortes severos. As autoridades continuaram implícito que qualquer reunião de mais de 15 a não investigar de modo efetivo denúncias pessoas sem notificação à polícia era uma de violações de direitos humanos cometidas reunião “proibida” e, portanto, ilegal e sujeita pela polícia. Os crimes de ódio contra a uma pena de prisão. Os réus planejavam refugiados, requerentes de asilo e migrantes apelar à Suprema Corte. tiveram aumento acentuado. Prosseguiram as denúncias sobre a vigilância de defensores dos direitos REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO humanos, como jornalistas e ativistas O afluxo de requerentes de asilo, sobretudo comunitários, por parte de agentes de da Síria, do Iraque e do Afeganistão, que já segurança do Estado ou de investigação era alto, aumentou consideravelmente na criminal. segunda metade do ano. Até o fim do ano, a Houve algum nível de apoio ao gabinete da Alemanha havia recebido cerca de 1,1 milhão Defensoria Pública nos tribunais. Em outubro, de requerentes. Em agosto, a primeira- em resposta à sua investigação sobre o ministra Angela Merkel chamou atenção para diretor de operações da emissora estatal, a a urgência de se atender as necessidades Suprema Corte de Recursos determinou que dos refugiados que estavam chegando; as decisões, conclusões e ações corretivas da convidou outros líderes europeus para dividir Defensoria Pública não poderiam ser a responsabilidade por aqueles que ignoradas sem revisão jurídica. buscavam proteção na Europa; e decidiu O julgamento de um policial pelo levar em consideração os pedidos de asilo assassinato a tiros da ativista pelo direito à requeridos por dezenas de milhares de sírios moradia Nqobile Nzuza, de 17 anos, em que chegavam à Alemanha de países como a outubro de 2013, durante um protesto em Hungria e a Áustria, em vez de se empenhar Cato Crest, em Durban, foi adiado para em devolvê-los ao primeiro país pelo qual fevereiro de 2016. Em março, dois entraram na Europa – medida que fora conselheiros do partido governista foram aplicada por cerca de três meses. Até o fim presos junto com outro coacusado pelo do ano, 476.649 pedidos de asilo haviam assassinato da ativista do direito à moradia, sido apresentados. A Alemanha contribuiu Thulisile Ndlovu, em setembro de 2013, em com os programas de reassentamento e KwaNdengezi, em Durban. O processo estava transferência se comprometendo, em andamento. respectivamente, com 1.600 e 27.555 lugares. Em julho, uma nova legislação melhorou a ALEMANHA condição legal dos refugiados reassentados, inclusive facilitando as reunificações República Federal da Alemanha familiares. Porém, aumentou os poderes para Chefe de Estado: Joachim Gauck a detenção de requerentes de asilo segundo Chefe de governo: Angela Merkel a Convenção de Dublin, bem como de requerentes cuja solicitação de asilo foi Aproximadamente 1,1 milhão de rejeitada. As emedas à Lei de Benefícios aos requerentes de asilo entraram no país Requerentes de Asilo, em vigor desde abril, durante o ano. De modo unilateral, o não satisfizeram as normas de direitos governo decidiu que, por algum tempo, não humanos, principalmente no que se refere ao devolveria os requerentes de asilo sírios para acesso à assistência médica. Uma nova lei

Anistia Internacional – Informe 2015/16 69 aprovada em outubro ampliou a lista de Vestfália desde 2006, era discriminatória. países de origem seguros e passou a incluir Proibições similares continuaram a vigorar Kosovo, Albânia e Montenegro, limitando em outros estados alemães. assim as oportunidades de que cidadãos A oposição aos refugiados, requerentes de desses países busquem proteção. A lei asilo e migrantes, sobretudo os muçulmanos, também introduziu severos cortes nos resultou em centenas de protestos por todo o benefícios da Lei de Benefícios aos país. Os crimes de ódio contra refugiados, Requerentes de Asilo para aqueles que requerentes de asilo e migrantes tiveram permanecem na Alemanha contrariando uma aumento acentuado. Segundo o governo, ordem de deixar o país – ou que de algum ocorreram 113 ataques violentos contra modo permanecem sem status legal –, bem abrigos para asilados nos 10 primeiros meses como para os requerentes de asilo que se do ano, comparados com 29 em 2014. mudaram para a Alemanha mesmo tendo Tramita no Parlamento Federal uma sido transferidos a outro país europeu. emenda à seção 46 do Código Penal, que, se aprovada, requererá que os tribunais levem TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS em conta razões racistas ou xenófobas em As autoridades continuaram não investigando seus julgamentos. efetivamente as denúncias de maus-tratos Em junho, o Comitê da ONU para a cometidos pela polícia e não criaram um Eliminação da Discriminação Racial chamou mecanismo de queixas independente para atenção para o fato de as autoridades não investigar tais denúncias. Exceto nos estados estarem investigando as motivações raciais federais de Berlim, Brandenburgo, Bremen, dos delitos, inclusive com relação aos Hessen, Renânia-Palatinado e Schleswig- homicídios cometidos pelo grupo de extrema Holstein, os policiais não tinham a obrigação direita Clandestinidade Nacional-Socialista de usar crachás de identificação. (Nationalsozialistischer Untergrund – NSU) A Agência Nacional para a Prevenção da contra membros de minorias étnicas. Além Tortura, o mecanismo preventivo da disso, o Comitê manifestou preocupação com Alemanha, conforme o Protocolo Facultativo à os efeitos discriminatórios dos poderes Convenção da ONU contra a Tortura, concedidos à polícia para abordar e revistar continuava criticamente desprovida de pessoas de minorias étnicas. recursos. O procedimento de nomeação dos Diversos procedimentos judiciais membros da Agência Nacional ainda não tramitavam em vários níveis dos tribunais satisfazia as normas internacionais sobre administrativos, com relação ao suposto independência e transparência, além de impacto discriminatório das abordagens para excluir representantes da sociedade civil. verificação de identidade, efetuadas pela Em maio, os meios de comunicação polícia federal com base na seção 22(1)(a) da alemães noticiaram o suposto abuso que dois Lei da Polícia Federal. refugiados do Afeganistão e do Marrocos haviam sofrido nas celas da Polícia Federal COMÉRCIO DE ARMAS na principal estação de trens de Hanover. Em março, o Conselho Federal de Segurança Investigações relativas a um policial federal publicou novos princípios adequados às prosseguiam no fim do ano. normas internacionais para o comércio de armas leves e de pequeno porte. Em julho, o DISCRIMINAÇÃO Conselho Federal de Ministros aprovou um Em 27 de janeiro, o Tribunal Constitucional documento normativo para a introdução de concluiu que a proibição de que professores controles pós-remessa. usassem símbolos ou vestimentas religiosas, exceto as que expressassem valores cristãos JUSTIÇA INTERNACIONAL ou ocidentais, em vigor na Renânia do Norte- Em 21 de maio, o Tribunal Federal de Justiça

70 Anistia Internacional – Informe 2015/16 parcialmente revogou a decisão do Tribunal INFORMAÇÕES GERAIS Superior de Frankfurt no caso do cidadão A queda mundial do preço do petróleo em ruandês Onesphore Rwabukombe, 2015 teve um impacto negativo na economia. sentenciado em 2014 a 14 anos de prisão As forças de segurança usaram força por cumplicidade no massacre da igreja de excessiva contra pessoas que criticavam o Kiziguro. Concluiu-se na apelação que governo, expunham a corrupção ou Rwabukombe esteve ativamente envolvido na denunciavam violações de direitos humanos. morte de 450 pessoas na igreja de Kiziguro e O espaço para o exercício dos direitos às que sua sentença anterior havia sido liberdades de expressão, reunião e demasiado leniente. O processo foi remetido associação pacíficas foi restringido, na de volta a um tribunal de primeira instância medida em que defensores dos direitos em Frankfurt para novo julgamento. humanos e críticos do governo eram presos e Em 28 de setembro, o Tribunal Superior de submetidos a ações penais em um Judiciário Stuttgart sentenciou os líderes ruandeses das cada vez mais politizado. Forças Democráticas de Libertação de Quando sua situação de direitos humanos Ruanda (FDLR) Ignace Murwanashyaka e foi avaliada na Revisão Periódica Universal da Straton Musoni a 13 e 8 anos de prisão ONU em 2014, Angola aceitou 192 das 226 respectivamente. Ambos foram condenados recomendações propostas, afirmando que as por liderar um grupo terrorista estrangeiro, demais 34 recomendações, muitas delas enquanto Ignace Murwanashyaka foi relativas às liberdades de expressão, condenado adicionalmente por facilitar associação e reunião pacíficas, seriam objeto crimes de guerra. Foi o primeiro julgamento de novas considerações. Em março de 2015, com base no Código de Crimes contra o Angola rejeitou essas recomendações, Direito Internacional de 2002. inclusive as que propunham que leis penais Em 5 de dezembro de 2014, o Tribunal de difamação não fossem mais usadas para Superior de Düsseldorf condenou três restringir o direito à liberdade de expressão. cidadãos alemães, de origem ruandesa, por eu apoio às FDLR. PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA As autoridades continuaram a prender pessoas que criticavam o governo, defensores ANGOLA dos direitos humanos, ativistas políticos e jornalistas. No fim do ano, pelo menos 16 República de Angola prisioneiros de consciência estavam detidos, Chefe de Estado e de governo : José Eduardo dos 15 deles em prisão domiciliar. Santos Em 14 de setembro, o defensor dos direitos humanos José Marcos Mavungo foi As liberdades de expressão, de associação e sentenciado a seis anos de prisão, acusado de reunião foram severamente restringidas. de rebelião, um crime contra a segurança do Havia pelo menos 16 prisioneiros de Estado. Ele havia participado da organização consciência detidos; 15 deles foram postos de uma manifestação pacífica em 14 de em prisão domiciliar em 18 de dezembro. março, dia em que foi preso. José foi acusado As autoridades usaram leis penais de de associação com um grupo de homens que difamação e a legislação de segurança do havia sido encontrado com explosivos e Estado para hostilizar, prender e deter de panfletos no dia seguinte à manifestação. modo arbitrário pessoas que pacificamente Não foi apresentada qualquer prova de sua manifestavam suas opiniões, bem como associação com o grupo ou de seu para restringir a liberdade de imprensa. O envolvimento na produção dos panfletos, governo aprovou uma nova lei que limita a tampouco os outros homens foram levados a atividade das ONGs. julgamento.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 71 Entre os dias 20 e 24 de junho, quinze a realização de manifestações, as autoridades jovens ativistas foram presos e detidos pelas costumam não permitir que esses eventos forças de segurança na capital Luanda, por aconteçam. Quando ocorre algum protesto, a terem participado de uma reunião pacífica polícia geralmente prende e detém os onde discutiram política e suas preocupações participantes de modo arbitrário. Em várias com o governo do presidente José Eduardo ocasiões, a polícia deteve e espancou dos Santos.1 Em 16 de setembro, eles foram manifestantes, depois os largou a muitos formalmente acusados de preparar ações de quilômetros de distância de onde foram rebelião e conspirar contra o governo. Duas apreendidos. ativistas foram acusadas dos mesmos crimes, Em 29 de julho, em Luanda, a polícia mas não foram detidas. Os advogados dos 15 espancou e prendeu pessoas que jovens só foram comunicados oficialmente participavam de uma manifestação pacífica das acusações em 30 de setembro, depois do pedindo a libertação dos 15 jovens ativistas período de 90 dias de detenção provisória detidos em junho. permitido por lei. As acusações, consideradas Em 8 de agosto, manifestantes que crimes contra a segurança do Estado, são pacificamente pediam a libertação dos 15 passíveis, cada uma delas, a pena de até três jovens ativistas foram agredidos por policiais anos de prisão. Três ativistas foram alvo de armados, que usaram cassetetes e cães para acusações adicionais: Manuel Nito Alves, por atacar os manifestantes, tendo espancado mudança ilegal de nome (pena máxima de vários deles. Diversas pessoas foram detidas um mês de prisão); Luaty Beirão, por por períodos breves e depois foram soltas falsificação de documentos (pena máxima de sem acusações. Entre os manifestantes oito anos de prisão); e Osvaldo Caholo, por estavam as mães e esposas de alguns dos furto de documentos (pena máxima de oito ativistas detidos. anos de prisão). Em 11 de outubro, apoiadores dos 15 Em 20 de setembro, quatro dos 15 ativistas ativistas fizeram uma vigília na Igreja da entraram em greve de fome por vários dias Sagrada Família em Luanda. Segundo em protesto contra sua detenção ilegal. Em 9 pessoas que participaram do evento, a polícia de outubro, Luaty Beirão, que continuou em cercou a igreja com armas, canhões de água greve de fome, foi transferido para o hospital e cães. Para evitar o conflito com a polícia, os penitenciário de São Paulo, onde, em 11 de participantes encerraram a vigília. No dia outubro, aceitou receber uma aplicação seguinte, outra vigília foi realizada e várias intravenosa de soro fisiológico, mas nenhum pessoas foram detidas brevemente pela alimento sólido.2 Em 15 de outubro, ele foi polícia e depois liberadas sem acusações. transferido para um hospital particular em Arão Bula Tempo, advogado e presidente Luanda. Depois de 36 dias, Luaty encerrou a da Ordem dos Advogados de Cabinda, foi greve de fome. detido em 14 de março, na província de O julgamento dos ativistas teve início em Cabinda, e libertado condicionalmente em 13 16 de novembro e infringiu diversas normas de maio. No dia 22 de outubro, ele foi internacionais para julgamentos justos, como indiciado por tentativa de colaborar com o direito a audiências públicas e a ser julgado estrangeiros para constranger o Estado sem dilações indevidas.3 Em 18 de angolano (pena máxima de cinco anos de dezembro, os 15 ativistas foram postos em prisão) e rebelião (pena máxima de 12 anos prisão domiciliar. O julgamento estava de prisão). Ambos os delitos são classificados previsto para recomeçar em 11 de janeiro de como crimes contra a segurança do Estado. 2016. As acusações se basearam numa alegação de que Arão havia convidado jornalistas da LIBERDADE DE REUNIÃO República do Congo para cobrir uma Apesar de a lei não requerer autorização para manifestação organizada por José Marcos

72 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Mavungo (ver acima). Próximo ao fim do ano, internacionais se houver suspeita de lavagem a saúde de Arão piorou e ele tentou buscar de dinheiro ou de ações consideradas ilegais tratamento médico fora de Cabinda. No ou prejudiciais à soberania e à integridade de entanto, ele não teve permissão para deixar a Angola. Além disso, o artigo 15 limita a província. Essas restrições violam o direito de capacidade das ONGs de receber e utilizar Arão Bula Tempo à liberdade de circulação, recursos, bem como de conduzir suas assim como seu direito a ter acesso aos mais atividades da maneira que melhor altos padrões de saúde.4 Até o fim do ano, entenderem para alcançar seus objetivos. A ainda não havia sido marcada uma data para capacidade de buscar, receber e usar fundos o seu julgamento. é um componente crucial do direito à liberdade de associação. LIBERDADE DE EXPRESSÃO As autoridades continuaram utilizando leis penais de difamação e a legislação de 1. Angola: Detained activists must be immediately released (News story, segurança do Estado para suprimir a 22 June) manifestação pacífica de opiniões, sobretudo 2. Angola: Prisoner of conscience in critical condition must be released de quem faz críticas ao governo. immediately (News story, 20 October) Rafael Marques de Morais, um jornalista 3. Angola: Kangaroo court undermines judicial independence as trial of que trabalha com direitos humanos e activists enters fourth week (News story, 8 December) combate à corrupção, foi condenado em 4. Urgent Action, Angola: Further information: Two activists still face maio por denunciação caluniosa. Sua 10-15 years in jail (AFR 12/2039/2015) condenação se baseou nas denúncias de conduta criminosa que ele fez por meio da publicação de seu livro Diamantes de Sangue ARÁBIA SAUDITA em 2011, no qual acusou generais do exército e duas empresas mineradoras de Reino da Arábia Saudita cumplicidade em abusos de direitos Chefe de Estado e de governo: Rei Salman bin Abdul humanos cometidos nas minas de diamante Aziz Al Saud (sucedeu o Rei Abdullah bin Abdul Aziz Al da província de Lunda. Ele foi sentenciado a Saud em janeiro) seis meses de prisão, com suspensão da execução da pena por dois anos. Em junho, O governo continuou a restringir seus advogados recorreram ao Supremo severamente as liberdades de expressão, Tribunal, mas no fim de 2015 o recurso ainda associação e reunião. As autoridades não havia sido julgado (o tempo médio para o prenderam, processaram e encarceraram julgamento de um recurso é de dois anos). defensores dos direitos humanos e pessoas que criticavam o governo, inclusive com LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO base na lei de combate ao terrorismo de O governo promulgou uma nova lei relativa ao 2014, geralmente depois de julgamentos registro de organizações não-governamentais, injustos. Alguns dos detidos eram o Decreto Presidencial 74/15 de 23 de prisioneiros de consciência. A tortura e os março. A lei impõe rigorosas restrições a maus-tratos contra os detidos ainda eram como as ONGs devem se registrar e comuns. Julgamentos injustos continuaram comunicar suas finanças. As disposições sendo realizados perante o Tribunal Penal dessa legislação poderão comprometer a Especializado, uma corte especial para capacidade de organização e funcionamento julgar casos relacionados ao terrorismo, das ONGs e de outras organizações da sendo que alguns dos julgamentos sociedade civil. Segundo o novo decreto, o resultaram em pena de morte. A Ministério Público tem poderes de suspender discriminação contra a minoria xiita as atividades de ONGs nacionais e permaneceu arraigada; alguns ativistas

Anistia Internacional – Informe 2015/16 73 xiitas sentenciados à morte aguardavam “confessar”. execução. As mulheres foram discriminadas Militantes afiliados ao Estado Islâmico (EI) na lei e na prática, além de não serem realizaram atentados à bomba, visando adequadamente protegidas contra a principalmente à comunidade minoritária violência sexual e de outros tipos. Milhares xiita. Os ataques com o maior número de de migrantes foram expulsos de forma vítimas atingiram mesquitas nas cidades de sumária, muitos para países onde corriam Al Qudaih e Al Dammam, em 22 e 29 de risco de sofrer graves violações de direitos maio, matando pelo menos 25 pessoas e humanos. As autoridades usaram a pena de deixando muitos feridos. morte de forma extensiva e realizaram mais Em dezembro, o Príncipe herdeiro interino de 150 execuções. anunciou que a Arábia Saudita havia formado uma “coalizão islâmica antiterror”, composta INFORMAÇÕES GERAIS por 34 Estados muçulmanos, porém O Príncipe herdeiro Salman se tornou Rei em excluindo outros, como o Irã e o Iraque, para 23 de janeiro, após a morte do Rei Abdullah. combater “organizações terroristas”. Ele designou seu sobrinho, o ministro do Interior, Príncipe Mohamed bin Nayef, como CONFLITO ARMADO NO IÊMEN Príncipe herdeiro, e seu filho, Príncipe Em 25 de março, uma coalizão de nove Mohamed bin Salman, como ministro da Estados liderada pela Arábia Saudita Defesa e segundo na linha de sucessão. começou uma campanha de ataques aéreos Em 29 de janeiro, o Rei Salman concedeu contra o grupo armado Huthi, que havia um indulto real que, segundo as autoridades, tomado o controle de grandes áreas do propiciou a libertação de um número inédito Iêmen, como a capital Sanaa, expulsando o de presos. Foram excluídos do indulto os governo, que se transferiu para a Arábia detidos por “crimes relacionados à segurança Saudita. Nos meses seguintes, aeronaves e do Estado”, embora tais crimes não sejam outras forças da coalizão lançaram um definidos ou especificados no direito saudita. grande número de ataques, matando e Nenhum prisioneiro de consciência estava ferindo milhares de pessoas, muitas delas entre os indultados. civis. Alguns ataques aéreos da coalizão Em janeiro, o açoitamento do blogueiro Raif violaram a lei internacional humanitária, Badawi provocou forte condenação possivelmente configurando crimes de internacional e tensionou as relações entre a guerra. A coalizão também usou tropas Arábia Saudita e diversos Estados europeus. terrestres no Iêmen e impôs um bloqueio por A Suécia anunciou que não renovaria um ar, terra e mar que exacerbou a situação contrato para o fornecimento de armas; em humanitária dos civis iemenitas. resposta, o governo retirou temporariamente Os governos dos EUA, do Reino Unido e da o embaixador saudita da Suécia e França assinaram acordos de bilhões de interrompeu a concessão de vistos de dólares para o suprimento de armas para a negócios aos suecos. Arábia Saudita, apesar das flagrantes Em setembro, o governo foi alvo de novas evidências de que a coalizão sob o comando críticas internacionais quando se divulgou saudita tinha usado armas de natureza que o Supremo Tribunal havia confirmado as similar para cometer crimes de guerra e sentenças de morte de Ali Mohammed Baqir outras graves violações do direito al-Nimr, sobrinho de um importante clérigo internacional no Iêmen. xiita saudita também sentenciado à morte, e As forças Huthi e seus aliados também de dois outros ativistas, Dawood Hussein al- cometeram violações da lei internacional Marhoon e Abdullah Hasan al-Zaher. Os três humanitária, inclusive possíveis crimes de tinham menos de 18 anos quando foram guerra, ao reiteradamente efetuar presos e disseram ter sido torturados para bombardeios indiscriminados sobre Najran e

74 Anistia Internacional – Informe 2015/16 outras áreas de população civil na Arábia participasse de organizações sem Saudita, próximas à fronteira sul com o autorização. Em novembro, porém, o Iêmen. conselho de ministros aprovou uma lei de associações baseada em parte numa minuta LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE aprovada alguns anos antes pela Assembleia ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO Consultiva, mas o governo não indicou As autoridades continuaram a prender, quando entraria em vigor. As autoridades processar e encarcerar críticos do governo, também continuaram a negar o acesso da como blogueiros e outros que publicam Anistia Internacional à Arábia Saudita, e comentários na rede, ativistas políticos, tomaram medidas punitivas contra ativistas e membros da minoria xiita, ativistas e familiares de vítimas que entraram em defensores dos direitos humanos, inclusive contato com a organização. mulheres defensoras de direitos. Todas as aglomerações públicas, inclusive O blogueiro e prisioneiro de consciência manifestações pacíficas, continuaram Raif Badawi continuou a cumprir uma pena proibidas por força de uma ordem expedida de 10 anos de prisão depois de ser pelo Ministério do Interior em 2011. Quem condenado em 2014 por “insultar o Islã” e tentasse contestar a proibição se arriscava a violar a lei de crimes cibernéticos, inclusive ser preso, processado e encarcerado por pela criação e administração do site Rede acusações tais como “incitar as pessoas Liberal Saudita. Ele também foi sentenciado a contra as autoridades”. Em março, o governo açoitamento (ver abaixo). alertou que prenderia e processaria quem No dia 15 de julho, Zuhair Kutbi, quer que criticasse publicamente as ações conhecido escritor e crítico do governo, foi militares da Arábia Saudita no Iêmen; em levado de sua casa em Meca por agentes de novembro, segundo foi informado, o segurança, que o espancaram com Ministério da Justiça afirmou que processaria coronhadas de fuzis e o detiveram em três quem comparasse o sistema de justiça da locais distintos antes de levá-lo à Arábia Saudita ao do Estado Islâmico. Penitenciária Geral de Meca. Três semanas antes de ser preso, Zuhair Kutbi havia DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS participado do Fi al-Samim, um programa de Defensores dos direitos humanos entrevistas na TV, quando criticou a continuaram sendo presos, processados e repressão política na Arábia Saudita e pediu encarcerados com base na legislação que fossem feitas reformas. As autoridades antiterrorismo e outras leis. Entre as pessoas ordenaram que o Fi al-Samim fosse que foram detidas, julgadas ou cumpriam cancelado. Em dezembro, o Tribunal Penal pena estavam membros e ativistas da Especializado condenou Zuhair Kutbi por Associação Saudita de Direitos Civis e “incitar a opinião pública”, “semear a Políticos, um grupo fundado em 2009, que as discórdia” e “diminuir o respeito das pessoas autoridades nunca reconheceram pela lei” através de seus escritos e de suas oficialmente e que proibiram em 2013. No falas, sentenciando-o a quatro anos de fim do ano, sete integrantes da associação, prisão, seguidos da proibição de viajar ao que se mobilizaram pela libertação ou exterior por cinco anos. Ele também foi julgamento justo de pessoas em detenção multado e proibido de publicar seus escritos prolongada por motivos políticos, cumpriam por 15 anos. penas de até 15 anos de prisão, impostas O governo não permitiu a existência de com base em acusações vagas e demasiado partidos políticos, sindicatos ou grupos de amplas. Dois deles aguardavam em liberdade direitos humanos independentes, e as o resultado do julgamento, outro continuava autoridades continuaram a prender, detido sem acusação ou julgamento, processar e encarcerar quem formasse ou enquanto o outro já havia cumprido sua

Anistia Internacional – Informe 2015/16 75 pena, mas ainda não fora libertado. pertencer a grupos armados. Em 18 de julho, Em janeiro, a Câmara de Recursos do o Ministério do Interior afirmou que, durante Tribunal Penal Especializado, na capital Riad, “as últimas semanas”, as autoridades haviam confirmou a sentença de 15 anos de prisão prendido 431 indivíduos suspeitos de imposta ao proeminente advogado e defensor pertencer ao EI, mas deram poucos detalhes dos direitos humanos Waleed Abu al-Khair, sobre as acusações específicas ou os delitos sendo que o juiz determinou o cumprimento com base nos quais eles foram detidos. integral dos 15 anos da pena por ele ter se recusado a pedir desculpas pelas “ofensas”. PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS O tribunal que o havia sentenciado Autoridades da área de segurança efetuaram incialmente ordenou que ele cumprisse prisões arbitrárias e continuaram a deter apenas 10 dos 15 anos da sentença. pessoas por períodos prolongados, sem Em outubro, o Tribunal Penal Especializado acusação nem julgamento, inclusive dezenas sentenciou Abdulrahman al-Hamid e que passaram mais de seis meses detidas Abdulkareem al-Khoder, ambos membros sem ser encaminhadas a um tribunal fundadores da Associação Saudita de Direitos competente, em violação à Lei de Processo Civis e Políticos, a 8 e 10 anos de prisão, Penal saudita e às obrigações do país em respectivamente, seguidos de proibições de virtude do direito internacional. Durante os viagens, depois de condená-los por interrogatórios, era frequente que os detidos acusações relacionadas ao terrorismo. Um fossem mantidos em regime de tribunal penal já havia sentenciado incomunicabilidade e privados de acesso a Abdulkareem al-Khoder a oito anos de prisão, advogados, em violação às normas sentença anulada por um tribunal de internacionais para julgamentos justos. recursos antes de seu processo ser remetido ao Tribunal Penal Especializado. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Segundo indivíduos que estiveram detidos, SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO réus e outras pessoas, a tortura e outros As autoridades usaram a lei antiterrorismo de maus-tratos continuaram comuns e 2014 para prender e processar ativistas generalizados. Casos ocorridos no passado pacíficos e defensores dos direitos humanos, permaneceram impunes. Em vários casos, os bem como pessoas acusadas de fazer tribunais não excluíram declarações obtidas oposição violenta ao governo. Waleed Abu al- mediante tortura, maus-tratos ou coação, Khair foi o primeiro defensor dos direitos tendo condenado os réus unicamente com humanos a receber uma sentença de prisão base em “confissões” que eles deram antes com base na lei e a ter a sentença do julgamento, sem investigar suas confirmada em recurso. As ativistas pelos denúncias de que tais confissões foram direitos das mulheres Loujain al-Hathloul e extraídas com tortura, em alguns casos Maysaa al-Amoudi foram acusadas de delitos sentenciando-os à morte. previstos na lei depois de terem sido presas Alguns presos sentenciados por motivos no fim de 2014 por desafiar a proibição de políticos em anos anteriores teriam sofrido que mulheres dirijam automóveis. Elas maus-tratos na prisão. O ativista Issa al- ficaram várias semanas detidas antes de Nukheifi, da Associação Saudita de Direitos serem libertadas em 12 de fevereiro. Não Civis e Políticos, que se encontra estava claro se o julgamento iria prosseguir. encarcerado, depois de sentenciado em 2013 As autoridades dissuadiram publicamente a três anos de prisão, acusou as autoridades os cidadãos de se juntar ou contribuir com policiais de o submeterem a agressões fundos e outras formas de apoio a grupos verbais e a frequentes revistas corporais com militantes sunitas armados na Síria e no ele despido, assim como de incitarem ou Iraque, tendo prendido pessoas suspeitas de coagirem outros presos a ameaçá-lo e atacá-

76 Anistia Internacional – Informe 2015/16 lo. também aguardavam execução. Em abril, o prisioneiro de consciência O Tribunal Penal Especializado continuou a Waleed Abu al-Khair foi agredido por outro julgar outros ativistas xiitas por sua suposta recluso, no presídio al-Hair em Riad, depois participação em protestos em 2011 e 2012. que ele se queixou às autoridades penitenciárias das más condições na prisão, DIREITOS DAS MULHERES inclusive corrupção e comida imprópria. Ele Mulheres e meninas continuaram submetidas denunciou formalmente a agressão. Depois à discriminação na lei e na prática. De acordo disso, os guardas revistaram sua cela e com a lei, a condição da mulher esteve estragaram alguns de seus pertences. subordinada à do homem, principalmente com respeito a questões familiares, como DISCRIMINAÇÃO – MINORIA XIITA casamento, divórcio, custódia dos filhos e A minoria xiita, que vive principalmente na herança. Além disso, não estiveram Província Ocidental da Arábia Saudita, uma adequadamente protegidas contra a violência região rica em petróleo, enfrentou uma sexual ou de outra natureza. A violência discriminação arraigada que limitava seu doméstica permaneceu endêmica, apesar de acesso a serviços estatais e a emprego. uma campanha de conscientização lançada Líderes e ativistas xiitas foram submetidos a pelo governo em 2013. Uma lei prisões, encarceramento e, em alguns casos, criminalizando a violência doméstica, que foi a pena de morte após julgamentos injustos. adotada em 2013, continuou não sendo Em janeiro, a Câmara de Recursos do aplicada na prática. Tribunal Penal Especializado confirmou a Em dezembro, pela primeira vez, as pena de prisão de oito anos seguida de dez mulheres tiveram permissão para votar e se anos de proibição de viagem imposta em candidatar às eleições municipais, embora agosto de 2014 a um proeminente clérigo não pudessem fazer campanha pública entre xiita, o xeique Tawfiq Jaber Ibrahim al-Amr, o eleitorado masculino. Das 2.106 cadeiras por fazer sermões religiosos e discursos nos legislativos municipais disputadas por considerados incitadores do sectarismo, voto direto, as mulheres foram eleitas para difamar o sistema vigente, ridicularizar líderes 21. religiosos, mostrar desobediência ao mandatário e defender mudanças. DIREITOS DOS MIGRANTES Em setembro, as famílias de Ali As autoridades continuaram a reprimir com Mohammed Baqir al-Nimr, Dawood Hussein rigor os migrantes irregulares, prendendo, al-Marhoon e Abdullah Hasan al-Zaher detendo e deportando centenas de milhares tomaram conhecimento de que tanto a de trabalhadores estrangeiros. Em março, as Câmara de Recursos do Tribunal Penal autoridades anunciaram que, nos cinco Especializado quanto a Suprema Corte meses anteriores, haviam prendido e haviam confirmado suas sentenças de morte. deportado 300.000 migrantes irregulares. Os três foram condenados por delitos tais Milhares de migrantes foram deportados como fazer manifestação contra o governo, para a Somália e outros Estados onde corriam posse de armas e atacar as forças de risco de sofrer violações de direitos humanos, segurança, quando tinham 18 anos de idade. em contravenção ao princípio de não Eles negaram as acusações e afirmam que os devolução. As deportações para o Iêmen, interrogadores os forçaram a “confessar” porém, foram suspensas em março devido ao mediante tortura; porém, o tribunal de conflito armado. Muitos migrantes contaram primeira instância não investigou suas que, antes de ser deportados, ficaram denúncias. O tio de Ali al-Nimr, o xeque Nimr confinados em locais de detenção Baqir al-Nimr, clérigo xiita de Al Qatif e crítico improvisados e extremamente superlotados, tenaz do governo, e outros três ativistas xiitas onde recebiam comida e água insuficientes,

Anistia Internacional – Informe 2015/16 77 além de serem agredidos pelos guardas. fim de junho, a Arábia Saudita havia executado pelo menos 102 pessoas, mais do PENAS CRUÉIS, DESUMANAS OU que em todo 2014, e até o fim do ano o DEGRADANTES número total de execuções ultrapassava 150. Os tribunais continuaram a impor punições Muitas execuções se basearam em delitos cruéis e desumanas, inclusive açoitamento, que não cumpriam os critérios de “crimes como castigos opcionais adicionais às penas mais graves” e que, portanto, conforme o previstas para vários delitos, como calúnia, direito internacional, não deveriam acarretar a insulto e assédio sexual. pena de morte. Muitas das execuções se O blogueiro Raif Badawi foi submetido a deram na forma de decapitações públicas. açoitamento público em Jidá no dia 9 de janeiro, quando recebeu 50 chibatadas, provocando protestos internacionais. Em ARGENTINA 2014, ele havia sido sentenciado a 1.000 chibatadas; as autoridades não o República Argentina submeterem a novas chibatadas em 2015. Chefe de Estado e de governo: Mauricio Macri Em novembro, um tribunal de recursos (substituiu Cristina Fernández de Kirchner em confirmou a sentença proferida em 2014 novembro) contra o defensor dos direitos humanos Mikhlif bin Daham al-Shammari por Mulheres e meninas enfrentaram acusações como “instigar a opinião pública dificuldades para ter acesso a abortos ao se associar aos xiitas” e “descumprir as legais. A discriminação contra os povos ordens do mandatário ao realizar uma indígenas continuou causando preocupação. reunião particular e postar mensagens no Pessoas suspeitas de ter cometido crimes Twitter”. A corte confirmou sua condenação a durante a ditadura militar (1976 a 1983) dois anos de prisão e açoitamento com 200 foram a julgamento. Denúncias de tortura e chibatadas. outros maus-tratos não foram investigadas.

PENA DE MORTE INFORMAÇÕES GERAIS Os tribunais continuaram impondo a pena de As eleições presidenciais dominaram o morte para uma série de crimes, como delitos cenário político durante o ano. Maurício Macri não violentos envolvendo drogas, geralmente foi eleito Presidente após um segundo turno após julgamentos injustos nos quais as em 22 de novembro. denúncias dos réus de que os interrogadores os haviam torturado, coagido ou enganado DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS durante a detenção provisória a fim de que O Ministério da Saúde publicou um novo fizessem confissões falsas não eram protocolo para a realização de abortos legais, investigadas. em conformidade com uma decisão da Em novembro, o Tribunal Geral de Abha Suprema Corte de 2012. Até o fim do ano, o sentenciou à morte o artista e poeta palestino protocolo não havia sido aprovado pelo Ashraf Fayadh, depois de tê-lo condenado Ministério. Em mais da metade das comarcas por apostasia. Anteriormente, um tribunal de não havia protocolos hospitalares detalhados recursos havia anulado sua sentença original que garantissem o acesso a abortos legais de quatro anos de prisão e 800 chibatadas, quando a gravidez decorresse de estupro ou imposta quando ele foi condenado por constituísse risco à saúde ou à vida da infringir o artigo 6 da lei de crimes mulher ou da menina. cibernéticos. Uma mulher de um bairro carente de A onda de execuções que começou em Tierra del Fuego foi posta em liberdade agosto de 2014 se estendeu por 2015. Até o condicional depois de ser indiciada, em

78 Anistia Internacional – Informe 2015/16 2013, por ter feito um aborto clandestino. Ela JUSTIÇA TRANSICIONAL havia enfrentado restrições para conseguir Realizaram-se julgamentos públicos de fazer um aborto legal no local onde morava. crimes contra a humanidade perpetrados no No fim do ano, o julgamento ainda não tinha período do regime militar de 1976 a 1983. uma decisão. Ocorreram oito novas condenações, elevando para 142 o número total de pessoas DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, sentenciadas entre 2006 e 2015. BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E Houve pouco progresso no sentido de levar INTERSEXUAIS à Justiça indivíduos pertencentes aos setores Em setembro, uma conhecida ativista civil, empresarial e jurídico. Segundo o argentina dos direitos LGBTI, Daiana Ministério Público, ainda havia dúvidas sobre Sacayán, foi encontrada morta em seu responsabilidade mesmo nos casos em que apartamento. Ela foi a terceira mulher foi possível a coleta de provas significativas. transgênero – depois de Marcela Chocobar e Até então, apenas um membro do Judiciário Coty Olmos – a morrer em circunstâncias e dois empresários haviam sido condenados. violentas no período de um mês. Até o fim do Em 23 de setembro, a Câmara dos ano, ninguém havia sido acusado pelos Deputados enviou ao Senado um projeto de crimes. lei propondo a criação de uma comissão, composta por representantes de ambas as DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS casas, para identificar interesses econômicos Apesar de a Constituição reconhecer os e financeiros que conspiraram com a direitos dos povos indígenas a suas terras ditadura militar. ancestrais e à participação na gestão dos recursos naturais, esses direitos raramente IMPUNIDADE foram respeitados. Prosseguiam no fim do ano as investigações Félix Días, líder da comunidade indígena sobre a morte, em janeiro, de Alberto de La Primavera (Potae Napocna Navogoh) Nisman, promotor no caso do atentado contra na província de Formosa, continuou a a sede da Associação Mutual Israelita enfrentar três diferentes processos penais, Argentina (AMIA) em Buenos Aires, em por acusações formalizadas em 2010 de 1994, no qual 85 pessoas morreram. ocupação de terras, resistência à autoridade Em agosto, teve início uma audiência e roubo. Félix negou as acusações. Em junho, pública sobre o acobertamento da a defesa solicitou que a decisão de julgá-lo investigação do atentado contra a AMIA em por suposta ocupação de terras fosse 1994. Entre os acusados estavam um ex-juiz revogada. No fim do ano, uma decisão e promotor e outras autoridades de alto judicial ainda era aguardada. escalão, inclusive o ex-presidente Carlos Em outubro, Relmu Ñamku, líder da Menem. O principal processo relativo ao comunidade Mapuche de Winkul Newen, na atentado está paralisado desde 2006, quando província de Neuquén, foi julgada com base um juiz emitiu ordens de captura e extradição em acusações desproporcionais por ter contra oito cidadãos iranianos e um libanês a resistido a uma remoção ilegal de seu fim de que fossem interrogados. Quatro território tradicional. Ela foi absolvida da dessas ordens ainda estavam em vigor e acusação de tentativa de homicídio contra eram objeto de um “alerta vermelho” da um policial. Tratou-se do primeiro julgamento Interpol. O Irã se recusou a extraditar os oito penal na região a incluir um júri intercultural iranianos. com interpretação simultânea em Mapuzungun, a língua nativa dos Mapuche. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Houve denúncias de uso de tortura durante atos de prisão e nas penitenciárias das

Anistia Internacional – Informe 2015/16 79 províncias de Buenos Aires, Santa Fé e emendar a legislação nacional a fim de Chubut. Os métodos incluíam o uso de descriminalizar o aborto, entre outras aguilhões para gado eletrificados, quase recomendações. asfixia com sacos plásticos ou com submersão na água e isolamento prolongado. IMPUNIDADE Denúncias de tortura e outros maus-tratos As medidas tomadas para assegurar a não foram investigadas, e a Argentina verdade, a justiça e reparações plenas para continuava não contando com um sistema as vítimas de violações dos direitos humanos nacional para o registro de informações sobre cometidas durante os regimes militares e tortura. Não havia qualquer sistema de autoritários do passado (1964-1982) foram proteção às testemunhas de tortura. Houve muito limitadas. As autoridades não tomaram novos atrasos na criação de um Sistema qualquer medida concreta para estabelecer Nacional para a Prevenção da Tortura. uma comissão da verdade, embora tenham assumido esse compromisso em março, após uma audiência pública na Comissão BOLÍVIA Interamericana de Direitos Humanos.1 Um projeto de lei apresentado por organizações Estado Plurinacional da Bolívia de vítimas à Assembleia Legislativa Chefe de Estado e de governo: Evo Morales Ayma Plurinacional para a criação de tal comissão ainda não havia sido apreciado no fim do Verdade, justiça e reparações plenas para as ano. vítimas de violações dos direitos humanos Em julho, o Ministério Público anunciou a cometidas pelos regimes militares no criação de um banco de dados genético para passado ainda eram esperadas. As medidas identificar os restos mortais de possíveis tomadas para garantir a realização integral vítimas de desaparecimentos forçados. dos direitos sexuais e reprodutivos foram Calcula-se que aproximadamente 150 insuficientes. O fato de as autoridades pessoas tenham sido vítimas de desacreditarem o trabalho das organizações desaparecimento forçado durante os regimes não governamentais, inclusive de defensores militares. O Ministério Público pediu que os dos direitos humanos, somado ao familiares das vítimas fizessem exames de enrijecimento das regras para obtenção de sangue para estabelecer possíveis relações registro legal, continuou sendo motivo de de parentesco. preocupação. Não houve progresso no sentido de assegurar reparações justas e integrais às INFORMAÇÕES GERAIS vítimas de violações de direitos humanos A Justiça permaneceu fora do alcance das cometidas no passado, depois que o pessoas, sobretudo das que não possuíam os processo de qualificação foi concluído em meios financeiros para acessá-la. Denúncias 2012. de corrupção, de interferência política e de atrasos na administração da Justiça TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS enfraqueceram ainda mais a confiança no A ausência de um mecanismo independente sistema. para registrar e investigar denúncias de Em julho, o Comitê da ONU para a tortura desencorajou as vítimas a buscar Eliminação da Discriminação contra a Mulher justiça. Nenhuma iniciativa foi tomada para (CEDAW) exortou a Bolívia a adotar medidas, garantir a plena independência do no prazo de dois anos, para prevenir a mecanismo preventivo nacional, o Serviço violência contra as mulheres, garantir para a Prevenção da Tortura (Sepret), educação e acesso à informação sobre dependente do Ministério da Justiça. No fim direitos sexuais e reprodutivos, bem como do ano, o mecanismo ainda não havia sido

80 Anistia Internacional – Informe 2015/16 regulamentado. processos foram mantidos não havia Em junho, Juan Bascope formalizou uma começado no fim do ano. denúncia de tortura, ameaça de morte e discriminação a que fora submetido enquanto DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS detido em 2014 na localidade de Maripiri, na Em setembro, as autoridades anunciaram região de Yungas. Ele havia sido acusado de que 38 ONGs foram consideradas matar três membros das forças de segurança “irregulares” por não terem apresentado os e um médico durante uma operação conjunta documentos necessários para confirmar sua da polícia e do exército para combater pessoa jurídica, de acordo com uma plantações ilegais de coca no município de regulamentação de 2013. Uma decisão do Apolo em 2013. Juan foi detido e somente Tribunal Constitucional Plurinacional sobre a três dias depois foi levado à presença de um regulamentação, requerida pela Defensoria juiz. Porém, ao que se sabe, nenhuma Pública, era aguardada. A Defensoria investigação sobre sua denúncia foi aberta, argumentou que alguns artigos da apesar das gravidades das lesões que ele regulamentação poderiam infringir o direito à sofreu. reunião e o princípio de não discriminação. Em agosto, o vice-presidente desacreditou DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS o trabalho de quatro organizações locais que Os altos índices de mortalidade materna, criticaram os projetos do governo e ameaçou principalmente nas áreas rurais, o acesso expulsar algumas ONGs internacionais limitado a métodos contraceptivos modernos, instaladas no país caso se envolvessem no inclusive anticoncepcionais de emergência, e que as autoridades considerassem ser a taxa elevada de gravidez na adolescência questões de política interna. continuaram preocupantes.2 Apesar de uma resolução expedida pelo CONDIÇÕES PRISIONAIS Ministério da Saúde em janeiro, uma decisão Serviços sanitários inadequados, deficiências de 2014 do Tribunal Constitucional no acesso à saúde e na alimentação, assim Plurinacional abolindo a exigência de como a superlotação das prisões, autorização judicial para a realização de continuaram preocupantes. Uma pesquisa da aborto em casos de estupro não foi aplicada. Pastoral Carcerária constatou que havia quase 14.000 presos no país em 2015, mas DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS que a capacidade máxima era de 5.000 Em março, o governo emitiu um decreto reclusos. Os atrasos na conclusão dos supremo para alterar o Regulamento de julgamentos dentro de um prazo razoável e a Consulta e Participação para Atividades utilização excessiva de detenções provisórias Hidrocarboníferas. O decreto continha novas eram as principais causas da superlotação. regras, como prazos rígidos e uma metodologia a ser estabelecida pelas autoridades, que poderiam prejudicar o 1. Bolivia: Derecho a la verdad, justicia, reparación de las víctimas de direito dos povos indígenas à consulta e ao las violaciones graves de derechos humanos cometidas durante los consentimento livre, prévio e informado sobre gobiernos militares de Bolivia (1964-1982) (AMR 18/1291/2015) os projetos que os afetam. 2. Bolivia: Briefing to the UN Committee on the Elimination of Em abril, os processos contra os 12 Discrimination Against Women (AMR 18/1669/2015) policiais acusados de uso excessivo da força durante uma marcha pacífica contra a construção de uma rodovia no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Sécure (TIPNIS) em 2011 foram arquivados. O julgamento de outros seis policiais cujos

Anistia Internacional – Informe 2015/16 81 EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS BRASIL Em 2015, o número de homicídios durante operações policiais permaneceu alto, mas a República Federativa do Brasil falta de transparência na maioria dos estados Chefe de Estado e de governo: Dilma Rousseff impossibilitou que se calculasse o número exato de pessoas mortas em consequência Graves violações de direitos humanos dessas operações. Nos estados do Rio de continuaram sendo denunciadas, como Janeiro e São Paulo, a quantidade de pessoas homicídios cometidos pela polícia, tortura e mortas por policiais no cumprimento de suas maus-tratos de pessoas presas. Jovens funções aumentou significativamente, negros moradores de favelas e periferias mantendo-se a tendência observada em corriam maiores riscos. As forças de 2014. Os homicídios cometidos por policiais segurança, com frequência, usaram força em serviço raramente foram investigados, e excessiva ou desnecessária para reprimir os relatos de que os agentes envolvidos manifestações. Conflitos por terras e tentavam alterar a cena do crime e recursos naturais provocaram a morte de criminalizar as vítimas eram frequentes. dezenas de pessoas. Comunidades rurais e Policiais muitas vezes tentavam justificar as seus líderes continuaram a sofrer ameaças e mortes como atos de legítima defesa, ataques de proprietários de terras, alegando que as vítimas teriam resistido à principalmente no Norte e Nordeste do país. prisão. Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e Em setembro, um menino de 13 anos foi intersexuais (LGBTI) continuaram a morto durante uma operação policial em enfrentar discriminação e violência. Manguinhos e um adolescente de 16 anos foi Intensificou-se a oposição da sociedade civil morto a tiros na Maré, duas favelas do Rio de às novas leis e emendas constitucionais que Janeiro.1 ameaçavam retroceder direitos sexuais e Em fevereiro, 12 pessoas foram mortas a reprodutivos, bem como direitos das tiros e outras quatro foram feridas por mulheres e das crianças; jovens e mulheres policiais militares durante uma operação no tomaram a frente dessas mobilizações. O bairro de Cabula, em Salvador, na Bahia. Brasil não se candidatou à reeleição para Após as mortes, os moradores relataram que um assento no Conselho de Direitos se sentiam ameaçados e que temiam as Humanos da ONU. frequentes visitas que a Polícia Militar começou a fazer ao local. Uma investigação SEGURANÇA PÚBLICA da Polícia Civil concluiu que os policiais A segurança pública e o alto número de militares agiram em legítima defesa. Porém, homicídios de jovens negros continuaram as organizações que trabalharam sobre o entre as maiores preocupações. O governo caso encontraram fortes evidências indicando não apresentou um plano nacional concreto que as 12 pessoas foram vítimas de para a redução dos homicídios no país, execuções extrajudiciais. O Ministério Público apesar de ter anunciado em julho que o faria. condenou as ações dos policiais militares Segundo um relatório do Fórum Brasileiro de envolvidos nas mortes e questionou a Segurança Pública referente a 2014, mais de imparcialidade da investigação conduzida 58.000 pessoas foram vítimas de homicídios; pela Polícia Civil.2 o número de policiais mortos foi de 398, uma Eduardo de Jesus Ferreira, um menino de pequena queda de 2,5% com relação ao ano 10 anos, foi morto por policiais militares anterior; e mais de 3.000 pessoas foram diante de sua casa no Complexo do Alemão, mortas pela polícia, um aumento de conjunto de favelas do Rio de Janeiro, no dia aproximadamente 37% com relação a 2013. 2 de abril. Os policiais tentaram adulterar a cena do crime e remover seu corpo, mas

82 Anistia Internacional – Informe 2015/16 foram impedidos pelos familiares e vizinhos homicídios cometidos por policiais abertas do menino. Após receberem ameaças de em 2011 na cidade do Rio de Janeiro, houve, morte, a mãe de Eduardo e outros membros até 2015, somente um caso em que um da família tiveram que deixar a cidade. policial foi indiciado. Em abril de 2015, 183 Cinco jovens negros com idades entre 16 e dessas investigações continuavam abertas.3 25 anos foram mortos a tiros no bairro Costa O Congresso Nacional instituiu duas Barros, no Rio de Janeiro, em 29 de Comissões Parlamentares de Inquérito, uma novembro, por policiais militares do 41° no Senado e outra na Câmara, para investigar Batalhão de Polícia Militar. Policiais o alto índice de homicídios de jovens negros. efetuaram mais de 100 disparos em direção Ao mesmo tempo, uma lei que altera o atual ao automóvel dentro do qual os homens Estatuto do Desarmamento para permitir estavam sentados. maior acesso às armas de fogo ganhou Surgiram denúncias de que, em várias impulso no Congresso. O Brasil não ratificou cidades, policiais fora de serviço cometeram o Tratado sobre o Comércio de Armas. homicídios como parte de grupos de Uma Comissão Parlamentar de Inquérito extermínio. foi instalada em outubro na Assembleia Em Manaus, no Amazonas, 37 pessoas Legislativa do Rio de Janeiro para investigar foram mortas num único fim-de-semana de homicídios cometidos por policiais e tem sua julho. Em Osasco, na região metropolitana de conclusão prevista para maio de 2016. A São Paulo, 18 pessoas foram mortas numa Polícia Civil do Rio de Janeiro anunciou que única noite, e as investigações iniciais todos os casos de homicídios cometidos pela apontavam o envolvimento de policiais polícia seriam investigados pela Divisão de militares. Homicídios. Em fevereiro, Vitor Santiago Borges, de 29 anos, foi atingido por disparos feitos por CONDIÇÕES PRISIONAIS, TORTURA E membros das forças armadas na favela da OUTROS MAUS-TRATOS Maré. Em razão dos ferimentos, ele ficou Em março, a Presidente nomeou 11 paralisado. As autoridades não prestaram a especialistas para o Mecanismo Nacional de devida assistência a Vitor ou a sua família, Prevenção e Combate à Tortura. O grupo nem conduziram uma investigação completa integra o Sistema Nacional de Prevenção e e imparcial sobre as circunstâncias dos Combate à Tortura, e seu mandato incluirá disparos. Desde abril de 2014, o Exército visitas e inspeções a locais de detenção. vinha desempenhando funções policiais na Superlotação extrema, condições comunidade. Os soldados foram destacados degradantes, tortura e violência continuaram para atuar na Maré no período que sendo problemas endêmicos nas prisões antecedeu a Copa o Mundo e deveriam ter brasileiras. Nenhuma medida concreta foi deixado o local logo após o evento. Porém, tomada pelas autoridades para resolver o continuaram a realizar funções de grave problema de superlotação e as policiamento na comunidade até junho de condições cruéis da Penitenciária de 2015. Nesse período, os moradores Pedrinhas no estado do Maranhão. Em denunciaram um grande número de outubro, foi revelado que um interno de violações de direitos humanos cometidas Pedrinhas havia sido morto e parcialmente pelas forças armadas, como violência física e canibalizado por outros presos. disparos contra os residentes. Rebeliões de presos ocorreram em diversos estados. Em Minas Gerais, três detentos IMPUNIDADE foram mortos durante uma rebelião no Policiais responsáveis por execuções presídio de Teófilo Otoni, em outubro, e dois extrajudiciais desfrutaram de quase total foram mortos em circunstâncias similares no impunidade. Das 220 investigações sobre presídio de Governador Valadares em junho.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 83 Em outubro, ocorreram distúrbios na DIREITO À MORADIA penitenciária de Londrina, no Paraná. Desde que o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para sediar os Jogos Olímpicos de DIREITOS DAS CRIANÇAS E 2016, milhares de pessoas foram removidas ADOLESCENTES de suas casas para dar lugar às obras de O sistema de justiça juvenil também infraestrutura para o evento. Muitas famílias apresentou superlotação severa e condições não receberam a devida notificação, nem degradantes. Houve grande número de indenizações suficientes ou reassentamento denúncias de tortura e de violência contra adequado. A maioria das 600 famílias da meninos e meninas, sendo que vários comunidade de Vila Autódromo, próxima ao adolescentes morreram em custódia no futuro Parque Olímpico, foi removida pela decorrer do ano. Prefeitura. Em junho, integrantes da guarda Em agosto, a Câmara dos Deputados municipal agrediram os moradores que aprovou uma emenda à Constituição permaneceram no local e protestavam reduzindo a idade em que crianças e pacificamente contra as remoções. Cinco adolescentes podem ser julgados como moradores ficaram feridos, entre eles, Maria adultos de 18 para 16 anos. No fim do ano, a da Penha Macena, que teve o nariz emenda ainda não havia sido aprovada pelo quebrado. No fim do ano, os residentes que Senado. Caso aprovada, a emenda violará ainda permaneciam no local estavam vivendo diversas obrigações do Brasil diante da em meio aos escombros das demolições e legislação internacional de direitos humanos sem acesso a serviços básicos como água e relativa à proteção dos direitos da criança e eletricidade. do adolescente. Na cidade do Rio de Janeiro, a maioria dos condomínios que fizeram parte do programa LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO Minha Casa, Minha Vida para famílias de No dia 29 de abril, no Paraná, uma baixa renda estavam sob o controle de manifestação contra as mudanças nas regras milícias (grupos criminosos formados que alteram os benefícios de previdência principalmente por policiais militares, civis e social e aposentadoria dos professores bombeiros, fora de serviço ou já desligados estaduais foi confrontada com uso das corporações) ou de outras gangues desnecessário e excessivo da força pela criminosas organizadas. Essa situação deixou Polícia Militar. Os policiais usaram gás milhares de famílias sujeitas à violência, lacrimogêneo e balas de borracha para sendo que muitas delas foram forçadas a dispersar os manifestantes. Mais de 200 abandonar suas casas por causa de pessoas ficaram feridas e pelo menos sete intimidações e ameaças. foram detidas temporariamente. Em consequência do incidente, a Defensoria DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS Pública e o Ministério Público iniciaram ações O Programa Nacional de Proteção aos judiciais contra o governo do estado. No fim Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) do ano, o caso ainda aguardava conclusão.4 não foi capaz de oferecer a proteção Em outubro, o Senado aprovou um projeto prometida em suas disposições. A falta de de lei que tipifica o terrorismo como um recursos continuou a prejudicar sua crime específico no Código Penal. Temia-se implementação e deixou os defensores em que, caso aprovada em sua forma atual, a lei perigo, enquanto a ausência de um marco pudesse ser usada para criminalizar legal para o programa também comprometeu manifestantes e classificá-los como sua eficácia. Um projeto de lei visando à “terroristas”. No fim do ano, a lei ainda criação de um marco legal para embasar a aguardava aprovação final da Câmara dos coordenação dos governos federal e Deputados. estaduais na proteção dos defensores

84 Anistia Internacional – Informe 2015/16 tramitava no Congresso no fim do ano. maior desastre ambiental da história do Conflitos por terras e recursos naturais Brasil. O acidente resultou em mortes e continuaram a provocar dezenas de mortes a ferimentos, além de outras sérias violações cada ano. Comunidades rurais e seus líderes dos direitos humanos, que incluíam privar foram ameaçadas e atacadas por famílias e comunidades inteiras de acesso proprietários de terras, principalmente no suficiente à água potável e a abrigos seguros, Norte e Nordeste do país. Em outubro, cinco bem como a informações confiáveis sobre o pessoas foram mortas em Vilhena, no estado que estava acontecendo. A lama tóxica que de Rondônia, no contexto dos conflitos por tomou conta dos cursos d’água também terras naquela área. violou o direito aos meios de subsistência dos Raimundo Santos Rodrigues, também pescadores e de outros trabalhadores que conhecido como José dos Santos, foi morto a dependiam direta ou indiretamente das águas tiros em 25 de agosto na cidade de Bom do Rio Doce. Jardim, no Maranhão. Sua esposa, que estava com ele, também foi atingida por tiros. DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS Raimundo Santos Rodrigues era membro do O processo de demarcação das terras Conselho da Reserva Biológica do Gurupi, indígenas continuou extremamente uma área de proteção ambiental na floresta demorado, apesar de o governo federal Amazônica no estado do Maranhão. Por contar com a autoridade legal e os meios muitos anos, ele fez denúncias e campanhas financeiros para pôr em prática o processo. contra a exploração ilegal de madeira e o Vários casos estavam pendentes no fim do desmatamento na Amazônia, trabalhando ano. Ataques contra membros das para defender os direitos de sua comunidade. comunidades indígenas continuaram sendo Raimundo também era membro do Sindicato praticados de modo generalizado, e os dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim. Ele responsáveis raramente foram levados à havia recebido várias ameaças de morte, que Justiça. foram reiteradamente denunciadas às A situação da comunidade Guarani-Kaiowá autoridades pela Comissão Pastoral da Terra de Apika´y, no Mato Grosso do Sul, deteriorou e por uma organização local de direitos de forma dramática e muito preocupante. humanos. No entanto, nada foi feito para Uma ordem de despejo que teria deixado a protegê-lo. comunidade sem ter onde viver foi Casos de ameaças, ataques e assassinatos temporariamente suspensa em agosto. No envolvendo defensores dos direitos humanos fim do ano, porém, o risco de expulsão raramente eram investigados e permaneciam permanecia.5 praticamente impunes. Temia-se que os Em 29 de agosto, fazendeiros locais responsáveis pela morte de Flaviano Pinto atacaram a comunidade indígena Ñanderú Neto, líder da comunidade quilombola do Marangatú no município de Antonio João, no Charco, no Maranhão, em outubro de 2010, Mato Grosso do Sul. Um homem, Simião não fossem levados à Justiça. Apesar de uma Vilhalva, foi morto e várias mulheres e investigação minuciosa ter sido realizada, em crianças ficaram feridas. Nenhuma outubro os tribunais indeferiram as ações investigação foi aberta sobre o ataque, nem contra os acusados e culparam a vítima por foram tomadas quaisquer medidas para sua própria morte. No fim do ano, não estava proteger a comunidade contra novos atos de claro se o Ministério Público iria recorrer da violência. decisão. Uma emenda à Constituição que transfere O rompimento de uma barragem da a responsabilidade pela demarcação de mineradora Samarco, controlada pela Vale e terras indígenas do Poder Executivo para o pela BHP Billiton, no estado de Minas Gerais, Legislativo, onde a frente de pressão do no dia 5 de novembro, foi considerado o agronegócio tem grande força, foi aprovada

Anistia Internacional – Informe 2015/16 85 por uma Comissão Especial da Câmara dos teve início o processo de pôr em curso uma Deputados em outubro. No fim do ano, a esperada investigação pública sobre o emenda aguardava aprovação do Plenário da desaparecimento e a morte de mulheres e Câmara. Caso aprovada, impactará de forma meninas indígenas, enquanto se prometia bastante negativa o acesso à terra para os tratar de uma série de outras preocupações povos indígenas. de direitos humanos.

DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS Novas leis e emendas constitucionais que Em junho, a Comissão de Verdade e estavam sendo debatidas no Congresso Reconciliação publicou uma série de ações a representaram uma séria ameaça aos direitos serem tomadas com base em seis anos de sexuais e reprodutivos, assim como aos procedimentos judiciais. Entre outras coisas, direitos das mulheres. No fim do ano, o documento constatou que o sistema tramitavam no Congresso Nacional alguns canadense de escolas residenciais para projetos de lei, como o Estatuto do Nascituro, crianças aborígines constituía “genocídio que propunham criminalizar o aborto em cultural”, e apresentou extensas todas as circunstâncias. Outra proposta recomendações para ajudar a recompor as visava impedir o acesso a abortos seguros e comunidades indígenas e impedir que outros legais no sistema público de saúde, mesmo danos sejam causados às suas crianças. nos casos atualmente permitidos pela Em julho, a construção da represa Site C legislação brasileira, como quando a vida da teve início na Colúmbia Britânica, sem que mulher corre risco ou a gravidez resulta de fosse tratado de seu impacto sobre os direitos estupro. Caso aprovada, a medida também dos povos indígenas. impediria a assistência de emergência para Em julho, o Comitê de Direitos Humanos vítimas de estupro. da ONU pediu que, dentro do prazo de um ano, o Canadá fornecesse informações sobre os progressos obtidos no combate à violência 1. Brasil: Duas pessoas mortas e outras feridas em operações policiais contra as mulheres e meninas indígenas e na (AMR 19/2424/2015) proteção das terras e dos direitos indígenas. 2. Brasil: Doze pessoas mortas por policiais militares (AMR Um recurso contra a decisão de permitir o 19/002/2015) prosseguimento das obras do oleoduto 3. Brasil: “Você Matou Meu Filho” – Homicídios cometidos pela Polícia Northern Gateway no norte da Colúmbia Militar na cidade do Rio de Janeiro (AMR 19/2068/2015) Britânica, mesmo com a oposição de muitos 4. Brasil: Polícia Militar ataca professores em protesto (AMR povos indígenas que dependem das terras e 19/1611/2015) águas potencialmente afetadas pelo projeto, 5. Brasil: Comunidade indígena em risco de despejo forçado (AMR ainda não havia sido julgado no fim do ano. 19/2151/2015) Uma decisão do Tribunal de Direitos Humanos do Canadá, referente a um caso iniciado em 2008 alegando discriminação do CANADÁ governo federal com relação aos gastos públicos para a proteção de crianças das Chefe de Estado: Rainha Elizabeth II, representada Primeiras Nações indígenas, continuava pelo governador-geral David Johnston pendente no fim do ano, após 14 meses de Chefe de governo: Justin Trudeau (substituiu Stephen espera. Harper em novembro) DIREITOS DAS MULHERES Drásticas reformas das leis de segurança Em março, o Comitê para a Eliminação da nacional motivaram preocupação com os Discriminação contra a Mulher concluiu que direitos humanos. Após a troca de governo, tanto a polícia quanto o sistema de justiça do

86 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Canadá haviam falhado em seu dever de SISTEMA DE JUSTIÇA proteger efetivamente as mulheres indígenas Em setembro, a Real Polícia Montada do contra a violência, de fazer com que os Canadá acusou criminalmente de tortura um agressores prestassem contas e de garantir oficial do serviço de inteligência militar da reparação para as vítimas. Síria no caso do cidadão canadense Maher Em dezembro, após a mudança de Arar, que havia sido detido ilegalmente na governo, foi iniciado o processo de abertura Síria em 2002-2003 após ter sido extraditado de uma investigação pública sobre a violência extrajudicialmente dos EUA. Tratou-se da contra mulheres e meninas indígenas; o primeira ação judicial a ser impetrada no inquérito estava previsto para começar em Canadá pela prática de tortura cometida fora 2016. do país. Duas ações judiciais contestando o uso SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO generalizado do regime de isolamento em Em maio, Omar Khadr, um cidadão cela de segurança ainda não haviam sido canadense mantido em Guantánamo por 10 julgadas. anos, desde os 15 anos de idade, e repatriado ao Canadá em 2012 com base REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO num acordo sobre transferência de Em outubro, surgiram denúncias de que prisioneiros, foi libertado mediante fiança funcionários do governo haviam suspendido o enquanto aguarda um recurso contra sua processamento dos casos de refugiados sírios condenação nos EUA. Também em maio, a por várias semanas durante o verão, e que Suprema Corte do Canadá decidiu que Omar estavam fazendo uma triagem dos casos a Khadr deveria ser tratado como menor de fim de priorizar refugiados de certas minorias idade no âmbito do sistema penitenciário étnicas ou religiosas, bem como os que eram canadense. proprietários de negócios ou falavam inglês Em junho, entrou em vigor a Lei ou francês fluentemente. Em novembro, o Antiterrorismo de 2015. A lei amplia os novo governo anunciou que planejava poderes dos órgãos do governo canadense de reassentar 10.000 refugiados sírios até o fim compartilhar informações sobre pessoas sem de 2015. No fim do ano, aproximadamente as necessárias salvaguardas. Além disso, 6.000 refugiados sírios haviam chegado ao permite que o Serviço Canadense de Canadá. Inteligência de Segurança tome medidas para Em julho, o Comitê de Direitos Humanos reduzir ameaças à segurança mesmo que tais da ONU pediu que o Canadá informasse este medidas infrinjam direitos. A nova legislação órgão, no prazo de um ano, a respeito de tipifica como delito penal advogar ou uma série de preocupações de direitos promover a realização de “delitos terroristas humanos relativas aos imigrantes e em geral”, o que compromete o direito à refugiados. liberdade de expressão. O resultado de uma Em julho, o Tribunal Federal anulou a lista apelação contra a nova lei era aguardado no de “países de origem designados” por meio fim do ano e o novo governo se comprometeu da qual pessoas provenientes de países a rever algumas de suas disposições. “seguros” que solicitassem refúgio eram Aguardava-se também a decisão de uma privadas do direito de apelação. contestação jurídica das reformas à Lei de Em agosto, o cidadão camaronês Michael Cidadania aprovadas em 2014, as quais Mvogo foi deportado do Canadá, 13 meses permitiam que pessoas com dupla depois de o Grupo de Trabalho sobre nacionalidade condenadas por terrorismo e Detenções Arbitrárias da ONU ter solicitado o outros delitos fossem destituídas da cidadania fim de sua detenção por tempo canadense. O novo governo prometeu revogar indeterminado. as reformas de 2014. Em novembro, o novo governo anunciou

Anistia Internacional – Informe 2015/16 87 que os cortes no Programa de Saúde Federal nem o Protocolo Facultativo à Convenção da Provisório para refugiados e solicitantes de ONU contra a Tortura. refúgio seriam revertidos e a cobertura do atendimento médico seria restaurada. CATAR PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA Em fevereiro, foi lançada uma investigação Estado do Catar conjunta de órgãos federais e provinciais para Chefe de Estado: Xeque Tamim bin Hamad bin Khalifa determinar se a Imperial Metals infringiu Al Thani alguma lei quando a barragem com resíduos Chefe de governo: Xeque Tamim bin Hamad bin Khalifa tóxicos de sua mina de Mount Polley se Al Thani rompeu em 2014. O desastre despejou 24 milhões de metros cúbicos de resíduos de As autoridades restringiram de modo mineração em reservatórios de peixes. arbitrário os direitos à liberdade de Em maio, foi divulgado o quarto relatório expressão, associação e reunião pacíficas. anual ao Parlamento para avaliar o impacto Um prisioneiro de consciência cumpria sobre os direitos humanos do Acordo de Livre longa pena de reclusão por escrever e recitar Comércio entre o Canadá e a Colômbia. Mais poemas. Trabalhadores migrantes, como os uma vez, o relatório não levou em conta as do âmbito doméstico e os empregados na preocupações com os direitos humanos, construção de megaprojetos, continuaram a inclusive os graves abusos cometidos contra sofrer exploração e abusos. A discriminação povos indígenas, comunidades contra as mulheres continuou arraigada afrodescendentes e outras em áreas de tanto na lei quanto na prática. A pena de investimento na extração de recursos na morte permaneceu em vigor; nenhuma Colômbia execução foi registrada. Em outubro, o Canadá foi um dos 12 países que assinou a Parceria Transpacífico, INFORMAÇÕES GERAIS um novo e abrangente tratado de livre Em março, o Catar se juntou à coalizão comércio que não inclui garantias para os liderada pela Arábia Saudita e que está direitos humanos. envolvida no conflito armado do Iêmen (ver a Até o fim do ano, cinco ações judiciais seção sobre o Iêmen). tramitavam nos tribunais canadenses buscando estabelecer a responsabilidade LIBERDADE DE EXPRESSÃO legal de empresas com matriz no Canadá As autoridades continuaram a restringir a pelos danos aos direitos humanos causados liberdade de expressão. O poeta catariano por suas operações mineradoras na Eritreia e Mohammed al-Ajami (também conhecido na Guatemala. como Ibn-Dheeb) continuou prisioneiro de consciência. Ele recebeu uma pena de 15 MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS anos de prisão em 2012, por escrever e OU INSTITUCIONAIS recitar poemas que as autoridades Um anteprojeto de lei que teria acrescentado consideraram ofensivos ao Emir e ao Estado. a identidade de gênero às razões proibidas de Em fevereiro, o ministro das Relações discriminação na Lei de Direitos Humanos do Exteriores negou que Mohammed al-Ajami Canadá e na legislação que trata de crimes tivesse sido preso por expressar de ódio não foi aprovado no Senado antes de pacificamente suas opiniões.1 o Parlamento entrar em recesso devido às Em maio, as autoridades de segurança eleições federais. detiveram quatro profissionais da imprensa, Apesar de constantes apelos, o governo entre eles o jornalista britânico Mark Lobel, não ratificou o Tratado de Comércio de Armas apesar de terem autorização oficial para

88 Anistia Internacional – Informe 2015/16 visitar o Catar e informar sobre as condições processo por meio do qual os trabalhadores dos trabalhadores migrantes. Eles foram tentam mudar de emprego ou sair do país. libertados sem acusações depois de dois dias Entretanto, os trabalhadores migrantes e tiveram permissão de permanecer no Catar. continuaram tendo que conseguir aprovação de seu patrocinador tanto para mudar de SISTEMA DE JUSTIÇA emprego quanto para deixar o país. O novo Em março, a relatora especial da ONU sobre regime não entraria em vigor até pelo menos a independência de magistrados e advogados o fim de 2016. Em fevereiro, o Emir aprovou apresentou o relatório de sua visita ao Catar a introdução de um sistema eletrônico de em 2014. Ela constatou problemas graves proteção das remunerações, que visava a que prejudicam a realização dos direitos regularizar o pagamento de salários humanos no Catar e a independência e requerendo que todas as empresas imparcialidade de quem trabalha no sistema pagassem seus funcionários por meio de de justiça. transferência bancária. O Tribunal de Recursos na capital Doha Era comum que os trabalhadores confirmou a condenação do cidadão filipino migrantes tivessem os passaportes Ronaldo Lopez Ulep, que em 2014 recebeu confiscados por seus empregadores, prática pena de prisão perpétua por espionagem. proibida pelas leis catarianas, ficando Sua condenação se baseou em grande parte suscetíveis a trabalhos forçados e outros numa “confissão” obtida antes do abusos. Milhares de trabalhadores do setor julgamento, que ele afirmou ter sido forçado a da construção civil e de ouros setores fazer mediante tortura das forças de relacionados continuaram a viver em locais segurança. O Tribunal de Recursos reduziu sujos e superlotados, geralmente em sua pena para 15 anos de prisão, tendo condições insalubres. O governo afirmou que, também confirmado as condenações e antes do fim de 2016, construiria novas reduzido as sentenças de dois outros unidades para abrigar até 258.000 cidadãos filipinos que foram a julgamento trabalhadores, tendo anunciado em agosto com Ronaldo. que havia concluído a construção de acomodações para 50.000 trabalhadores. DIREITOS DOS TRABALHADORES Milhares de trabalhadores domésticos, a MIGRANTES maioria mulheres, e outros migrantes Os trabalhadores migrantes, que somavam empregados em pequenas empresas ou com mais de 1,6 milhão, segundo as autoridades, arranjos de trabalho informais continuaram e constituíam mais de 90% da mão-de-obra correndo maiores riscos de abusos, tais como do Catar, continuaram sendo submetidos a trabalho forçado e tráfico de pessoas. Os exploração e abusos. Tanto o Emir quanto o trabalhadores contratados por grandes ministro das Relações Exteriores se empresas também se queixaram de abusos comprometeram a combater a exploração dos laborais crônicos, como alojamentos trabalhadores migrantes na cadeia de inadequados, baixa remuneração e atraso recrutamento, durante visitas oficiais que nos pagamentos, condições precárias de fizeram, respectivamente, à Índia e ao Nepal, trabalho e o impedimento de que mudem de de onde provêm muitos dos trabalhadores emprego ou deixem o país por causa do migrantes do Catar. Em outubro, o Emir sistema kafala. aprovou mudanças no sistema de patrocínio Após os terremotos que devastaram o kafala, criando um novo sistema para que os Nepal em abril e maio, muitos trabalhadores trabalhadores migrantes recorram da decisão migrantes nepaleses reclamaram que seus de um patrocinador que se recusar a fornecer empregadores se recusaram a conceder a licença para que deixem o país e permissão para eles saírem do Catar ou a intensificando a supervisão do Estado sobre o pagar suas passagens de volta, conforme

Anistia Internacional – Informe 2015/16 89 requer a lei quando os contratos são investigadas no decorrer do ano. terminados. Sem essa cooperação, poucos tinham condições de retornar. Entre os que FORÇAS DE SEGURANÇA E SISTEMA DE conseguiram voltar ao Nepal, muitos se JUSTIÇA MILITAR queixaram de que os empregadores no Catar Casos de violações de direitos humanos retiveram seus pagamentos. envolvendo membros das forças de segurança continuaram a ser julgados por DIREITOS DAS MULHERES tribunais militares, apesar das promessas As mulheres eram discriminadas na lei e na assumidas publicamente pelas autoridades prática, além de não serem adequadamente de reformar a legislação pertinente. A protegidas contra a violência no âmbito de Suprema Corte, porém, ao decidir transferir suas famílias. As leis de condição pessoal alguns casos específicos para a competência continuaram discriminando as mulheres no de tribunais comuns, sustentou o direito a um que se refere ao casamento, ao divórcio, à processo com as devidas garantias, bem herança, à custódia dos filhos, à como as obrigações internacionais de direitos nacionalidade e à liberdade de circulação. humanos do país.1 Em maio, uma Corte Marcial (o tribunal de PENA DE MORTE recursos no sistema de justiça militar) reduziu O Tribunal de Recursos confirmou pelo de três anos e 61 dias para 461 dias a menos uma sentença de morte. Nenhuma sentença imposta a um ex-policial execução foi registrada. (carabinero) por ele ter matado a tiros Manuel Gutiérrez Reinoso, de 16 anos, e ferido Carlos Burgos Toledo durante uma manifestação em 1. Qatar: Release the poet, Mohammed al-Ajami (MDE 22/2760/2015) 2011. A Corte Marcial desconsiderou as conclusões do tribunal militar de que outros métodos, que não o uso de armas de fogo, CHILE poderiam ter sido usados para dispersar os manifestantes, declarando, em vez disso, que República do Chile não havia provas de que o policial tivesse a Chefe de Estado e de governo: Michelle Bachelet Jeria intenção de ferir.2 A decisão foi confirmada pela Suprema Corte em dezembro. Casos de violência policial continuaram A investigação sobre a morte de Iván sendo levados a tribunais militares. Vásquez Vásquez em custódia da polícia em Prosseguiram as ações judiciais contra os 2014, na localidade de Chile Chico, região de responsáveis por violações de direitos Aysén, fez alguns avanços. A família humanos cometidas no passado. O aborto requisitou uma terceira autópsia, mais continuou criminalizado em todas as completa, devido às discrepâncias entre as circunstâncias. duas necropcias anteriores. Em julho, a Corte Marcial concordou em conduzir essa INFORMAÇÕES GERAIS autópsia, que ainda não havia sido concluída Em outubro, a Presidente Bachelet anunciou no fim do ano. o processo que será seguido para a adoção Alguns casos de violência policial foram da nova Constituição em 2017. A levados a tribunais comuns. Dentre eles, os Constituição atual foi adotada durante o casos de Nelson Quichillao, um mineiro que governo militar do general Pinochet e, para foi morto a tiros pelas forças de segurança muitos, não é compatível com um sistema durante um protesto em julho em El Salvador, democrático. região de Atacama, e o do estudante Rodrigo Denúncias de corrupção política Avilés, de 28 anos, que foi ferido gravemente envolvendo vários parlamentares foram por um canhão d’água da polícia em maio. As

90 Anistia Internacional – Informe 2015/16 investigações sobre esses casos prosseguiam Em setembro, a Corte Interamericana de no fim do ano. Direitos Humanos decidiu que o Chile havia Em setembro, o relator especial sobre os negado recurso efetivo a 12 pessoas direitos à liberdade de reunião e associação sentenciadas por um tribunal militar entre pacíficas pediu que as autoridades deixassem 1974 e 1975. O processo contra essas de utilizar tribunais militares para tratar de pessoas não foi anulado, apesar das provas casos de violações de direitos humanos. de que sua confissão fora extraída mediante tortura, sendo que suas denúncias de tortura IMPUNIDADE não foram investigadas. Prosseguiram as iniciativas para levar à Justiça os responsáveis por violações dos DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS direitos humanos cometidas no passado. O aborto continuou sendo um delito penal em Segundo o presidente da Suprema Corte, até todas as circunstâncias.4 Um projeto de lei março havia 1.056 processos ativos, dos para descriminalizar o aborto quando a quais 112 relativos a denúncias de tortura. gravidez apresenta risco à vida da mulher ou Dados oficiais do programa de Direitos resulta de estupro ou incesto ou, ainda, em Humanos do Ministério do Interior indicaram casos de malformação fetal grave, tramitava que 72 das 122 pessoas condenadas por no Congresso no fim do ano. violações dos direitos humanos entre 2014 e Em julho, o Comitê de Direitos Econômicos, setembro de 2015 estavam cumprindo penas Sociais e Culturais da ONU exortou o Chile a de prisão. apressar a adoção de uma lei que Entretanto, organizações que representam descriminalize o aborto em algumas as vítimas condenaram a demora em circunstâncias. estabelecer a verdade sobre os milhares de vítimas de desaparecimentos forçados. DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS As informações e documentações reunidas Surgiram novas denúncias de uso excessivo pela Comissão Valech sobre as prisões e a da força e detenções arbitrárias durante prática de tortura por motivos políticos operações policiais contra comunidades durante o regime Pinochet permaneceram Mapuche. classificadas como confidenciais, inclusive Em julho, o Comitê de Direitos Econômicos, para o Judiciário, estando, portando, sob Sociais e Culturais instou o Chile a garantir o sigilo por 50 anos e indisponíveis para reconhecimento constitucional dos direitos aqueles que buscam justiça para as vítimas. dos povos indígenas, assegurando seu direito Em outubro, depois que algumas vítimas ao consentimento livre, prévio e informado de tortura fizeram uma greve de fome de 40 com relação às decisões que possam dias, aprovou-se uma lei que concede diretamente afetar seus direitos.5 reparações antecipadas a vítimas de tortura e Em outubro, a Comissão Interamericana de de prisões políticas. Direitos Humanos determinou medidas Em julho, 10 ex-militares foram indiciados cautelares para a líder indígena Mapuche pelo sequestro e morte do cantor e ativista Juana Calfunao e membros de sua família político Vítor Jara em 1973. que vivem na comunidade de Juan Paillalef, Com base em informações recebidas de no sul do Chile. A decisão foi tomada após um militar, sete ex-militares foram indiciados denúncias de uso excessivo da força pelas em julho por terem queimado Rodrigo Rojas, forças de segurança, de ameaças e de 19 anos, até a morte, e por terem ferido intimidações contra sua família em 2014 e gravemente Carmem Gloria Quintana, em 2015, relacionadas a disputas por terras. 1986. Não houve qualquer progresso no sentido de revogar a Lei de Anistia de 1978.3

Anistia Internacional – Informe 2015/16 91 DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, universidades. Multiplicaram-se as BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E “confissões” televisionadas de críticos INTERSEXUAIS detidos para investigação. A liberdade de Em outubro, entrou em vigor uma lei sobre religião continuou sendo sistematicamente parcerias civis, inclusive para casais do sufocada. O governo prosseguiu com sua mesmo sexo. campanha para demolir igrejas e derrubar Um projeto de lei sobre o direito à cruzes cristãs na província de Zhejiang. Na identidade de gênero, que permitiria a Região Autônoma Uigur de Xinjiang, mudança de nome e gênero em documentos predominantemente muçulmana, o governo oficiais, ainda não havia sido votado pelo regional instituiu novas regras para controlar Senado no fim do ano. de forma mais rígida assuntos ligados à religião e proibir todas as práticas religiosas não autorizadas. O governo manteve amplo 1. Chile: Un avance: Otro caso de violaciones de derechos humanos se controle sobre os mosteiros budistas traspasa a la justicia ordinaria (AMR 22/1149/2015) tibetanos. O Comitê contra a Tortura da 2. Chile: El uso excesivo e innecesario de la fuerza policial debe ONU lamentou que suas recomendações investigarse y sancionarse en tribunales ordinarios (AMR anteriores não tenham sido aplicadas. 22/1738/2015) 3. Chile: Amnesty law keeps Pinochet’s legacy alive (News story, 11 DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS September) Defensores dos direitos humanos, advogados, 4. Chile’s failure to protect women and girls: the criminalization of jornalistas e ativistas sofreram intimidação, abortion is a human rights violation (Amnesty International Chile, perseguição, prisão arbitrária e violência cada June 2015) vez maiores. 5. Chile: Briefing for the UN Committee on Economic, Social and Cultural A detenção da advogada e de sua Rights: 55 session (AMR 22/1479/2015) família em 9 de julho marcou o início de uma repressão sem precedentes do governo sobre advogados de direitos humanos e outros CHINA ativistas. Nas semanas seguintes, pelo menos 248 pessoas, entre advogados e ativistas, República Popular da China foram interrogadas ou detidas por agentes de Chefe de Estado: Xi Jinping segurança do Estado, e muitos de seus Chefe de governo: Li Keqiang escritórios e casas foram invadidos. No fim do ano, 25 pessoas continuavam desaparecidas Novas leis focadas na segurança nacional ou em custódia, e pelo menos 12 delas, que representam graves ameaças aos incluindo os proeminentes advogados de direitos humanos foram elaboradas ou direitos humanos Zhou Shifeng, Sui Muqing, promulgadas. O governo lançou uma série Li Heping e Wang Quanzhang, estavam de medidas repressivas em todo o país sendo mantidas sob “vigilância domiciliar em contra advogados e advogadas que um local designado” por suspeita de defendem direitos humanos. Outras pessoas envolvimento em crimes contra a segurança ativistas e defensoras dos direitos humanos nacional.1 Essa forma de detenção permite à continuaram a ser sistematicamente polícia deter os suspeitos de tais crimes por perseguidas e intimidadas. Cinco ativistas até seis meses fora do sistema formal de de direitos das mulheres foram detidas por detenção, negando seu acesso à assistência planejarem marcar o Dia Internacional da jurídica e à família. Familiares também foram Mulher com uma campanha contra o submetidos à vigilância policial, assédio e assédio sexual. As autoridades restrição da sua liberdade de circulação. intensificaram seu controle sobre a internet, O advogado de direitos humanos Pu os meios de comunicação de massa e as Zhiqiang recebeu uma pena condicional de

92 Anistia Internacional – Informe 2015/16 três anos por acusações de “criar desavenças pagamento de fiança.4 e provocar distúrbios” e de “incitar o ódio Em dezembro, pelo menos 33 étnico”, motivadas principalmente por trabalhadores e ativistas pelos direitos comentários que ele havia feito nas redes trabalhistas foram alvo de ações da polícia; sociais. Em consequência da sentença, ele foi sete foram detidos na província de proibido de exercer a profissão. Guangdong, onde levantes e greves de Em abril, a jornalista Gao Yu foi condenada trabalhadores estavam em ascensão. Os a sete anos de prisão por um tribunal da centros de detenção não permitiram o acesso capital, Pequim, pela acusação de a advogados, alegando que os casos “disseminar segredos de Estado” por envolviam “risco à segurança nacional”.5 compartilhar um documento interno do Partido Comunista em que a liberdade de MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS imprensa e “valores universais”, como OU INSTITUCIONAIS liberdade, democracia e direitos humanos, O governo promulgou ou elaborou uma série eram duramente criticados. Em novembro, de leis e regulamentos de aplicação geral, sua sentença foi reduzida para cinco anos, e com o pretexto de fortalecer a segurança ela foi posta em liberdade condicional por nacional. Tais normativas suscitaram temores questões de saúde. Sua libertação ocorreu de que pudessem ser usadas para silenciar a depois que sua família e amigos denunciaram dissidência e reprimir defensores dos direitos que ela não tinha acesso aos cuidados humanos por meio de acusações médicos necessários na detenção.2 abrangentes, tais como “incitação à Das mais de 100 pessoas na China subversão”, “separatismo” e “divulgação de continental detidas por apoiar os protestos segredos de Estado”. A Lei de Segurança em Hong Kong em 2014, oito haviam sido Nacional, aprovada em 1 de julho, despertou formalmente presas e permaneciam detidas inquietações por incluir uma definição ampla em dezembro. Pelo menos duas delas e difusa de “segurança nacional”, que abarca denunciaram ter sofrido tortura na detenção.3 áreas como política, cultura, economia e Em março, cinco ativistas pelos direitos das internet. mulheres – Wei Tingting, Wang Man, Wu O projeto de Lei de Gestão de ONGs Rongrong, Li ingting e Zheng Churan – foram Estrangeiras, se aprovado na forma como foi presas e detidas sob a acusação de “criar apresentado para consulta pública em maio, desavenças e provocar transtornos” por poderá restringir drasticamente os direitos às planejarem marcar o Dia Internacional da liberdades de associação, de reunião pacífica Mulher com o lançamento de uma campanha e de expressão.6 Embora a lei tenha sido contra o assédio sexual. Em 13 de abril, após pretensamente elaborada para regularizar e pressão internacional sem precedentes, elas mesmo proteger os direitos das ONGs foram libertadas sob “fiança aguardando estrangeiras, ela atribuiria ao Ministério da julgamento”, mas continuaram sendo Segurança Pública a responsabilidade de submetidas a interrogatórios policiais, além supervisionar o registro de ONGs de confisco e expropriação de objetos estrangeiras, bem como de fiscalizar sua pessoais. operação e pré-aprovar suas atividades. O Muitos ex-funcionários e voluntários da amplo poder discricionário dado às Yirenping, uma conhecida organização de autoridades para supervisionar e gerir o ativismo antidiscriminação, foram detidos e trabalho das ONGs aumentou o risco de que sofreram perseguição e intimidação. Dois ex- a lei seja usada de modo inadequado para funcionários – Guo Bin e Yang Zhangqing – intimidar e perseguir defensores dos direitos foram detidos em 12 de junho por suspeita humanos e funcionários de ONGs. de “atividade empresarial ilegal”. Em 11 de O projeto de Lei de Segurança Cibernética7, julho, eles foram libertados mediante o que afirma vir em proteção dos dados

Anistia Internacional – Informe 2015/16 93 pessoais dos usuários da internet contra Segurança Pública por supostamente roubo e invasão, também forçaria as difundirem rumores sobre a bolsa de valores, empresas que operam na China a censurar uma explosão química na cidade costeira de conteúdos, armazenar os dados dos usuários Tianjin no início do mês, ou outros assuntos. na China e aplicar um sistema de registro Em seguida, no mesmo mês, Wang Xiaolu, baseado no nome verdadeiro, contrariando as repórter da revista financeira Caixin, foi detido obrigações nacionais e internacionais de depois de ser acusado pelo governo de salvaguardar o direito à liberdade de “forjar” um artigo sobre a bolsa de valores. expressão e o direito à privacidade. A lei Após ser obrigado a fazer uma “confissão” proposta proibiria que indivíduos ou grupos transmitida pela televisão nacional, ele foi usassem a internet para “prejudicar a mantido sob “vigilância domiciliar em um segurança nacional”, “perturbar a ordem local designado”. Observadores da imprensa social” ou “prejudicar os interesses chinesa acreditam que ele foi usado como nacionais” – termos vagos e imprecisos que bode expiatório e como um alerta para que a poderiam ser usados para restringir ainda imprensa se abstenha de publicar notícias mais a liberdade de expressão. negativas sobre a crise na bolsa de valores. Em dezembro, o Parlamento aprovou a Lei Em outubro, o repórter investigativo Liu Wei Antiterrorismo, a qual praticamente não foi detido após expor um escândalo de incluía qualquer salvaguarda para evitar corrupção envolvendo autoridades do perseguição, sob acusações difusas governo. O reconhecido historiador Yang relacionadas a “terrorismo” e “extremismo”, Jisheng foi forçado a demitir-se do cargo de de pessoas que praticassem sua religião de editor da publicação liberal Yanhuang modo pacífico ou simplesmente criticassem Chunqiu depois que a Administração Estatal as políticas do governo. de Imprensa, Publicações, Rádio, Cinema e Televisão criticou a revista por publicar LIBERDADE DE EXPRESSÃO – INTERNET E dezenas de artigos que “violavam as JORNALISTAS normas”. Em janeiro, o governo anunciou que a internet seria o principal “campo de batalha” LIBERDADE DE CRENÇA E DE RELIGIÃO em 2015 em sua campanha para “combater A campanha para demolir igrejas e derrubar a pornografia e a [informação] ilegal”. No cruzes na província de Zhejiang, lançada em mesmo mês, o governo anunciou que havia 2013, intensificou-se ao longo de 2015. De fechado 50 sites e contas do WeChat – acordo com relatos da imprensa muitos relacionados à discussão de internacional, mais de 1.200 cruzes foram acontecimentos recentes, assuntos militares derrubadas durante a campanha, dando ou de programas anticorrupção –, e 133 início a uma série de protestos. Em julho, o contas que disseminavam informações que governo da província de Zhejiang aprovou um “distorciam a história do Partido Comunista e regulamento restringindo o tamanho de a história nacional”. Também em janeiro, o objetos agregados ao topo das construções, ministro da Educação declarou que livros limitando-os a um décimo da altura total do didáticos estrangeiros seriam proibidos a fim prédio, decisão que, para muitos, tinha como de impedir a propagação de “valores objetivo legitimar a remoção das cruzes. ocidentais impróprios”, e advertiu a respeito Zhang Kai, advogado que vinha oferecendo da infiltração de “forças hostis” nas assistência jurídica às igrejas afetadas, foi universidades. detido em 25 de agosto por suspeita de Em agosto, segundo os meios de crimes contra a segurança do Estado e comunicação estatais, 197 pessoas foram “perturbação da ordem pública”, sendo “punidas”, no âmbito de uma campanha posteriormente colocado sob “vigilância especial liderada pelo Ministério da domiciliar em um local designado”.8 Diversos

94 Anistia Internacional – Informe 2015/16 outros pastores e líderes de “igrejas TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS domésticas” também foram mais tarde O uso de tortura e outros maus-tratos colocados sob a mesma forma de detenção continuou generalizado durante a detenção e incomunicável. os interrogatórios, em grande parte por causa Praticantes de Falun Gong continuaram a de deficiências na legislação nacional, dos ser submetidos a perseguição, detenção problemas sistêmicos no sistema de justiça arbitrária, julgamentos injustos, tortura e penal e das dificuldades para a aplicação de outros maus-tratos. regras e procedimentos diante de práticas arraigadas. O advogado Yu Wensheng foi PENA DE MORTE torturado durante sua detenção de outubro As emendas ao Código Penal, que entraram de 2014 a janeiro de 2015, no Centro de em vigor em novembro, reduziram o número Detenção de Daxing, em Pequim. Ele foi de crimes puníveis com morte, de 55 para interrogado diariamente por 15 a 16 horas, 46.9 A imprensa estatal indicou que, embora enquanto permanecia sentado em uma esses nove crimes raramente ocorressem, cadeira de contenção rígida, algemado por tendo assim pouco impacto na redução do longas horas e privado de sono.10 número de execuções, sua anulação estava O acesso a tratamento médico adequado em conformidade com a política foi negado ou não foi disponibilizado a governamental de “matar menos, matar com pessoas detidas com problemas de saúde. mais cautela”. As emendas, no entanto, Entre elas, Gao Yu e Su Changlan, esta última ainda não lograram ajustar o Código Penal às uma reconhecida ativista dos direitos das exigências do direito internacional e dos mulheres que, depois de ser detida em padrões internacionais sobre a aplicação da outubro de 2014 por apoiar os protestos pró- pena de morte. As estatísticas continuaram a democracia em Hong Kong, permaneceu o ser classificadas como segredos de Estado. ano todo em detenção. Em 24 de abril, Li Yan, vítima de violência Zhou Jinjuan, de 84 anos, vítima de doméstica que assassinou seu marido em remoção forçada que buscou reparação em 2010, recebeu uma pena de morte Pequim junto a órgãos do governo, foi detida “suspensa” com adiamento de dois anos, em agosto e colocada numa unidade de que normalmente é convertida em prisão detenção não oficial por mais de uma perpétua ao fim desse período. A Suprema semana sem o tratamento médico de que Corte do Povo, em 2014, com uma medida necessitava, o que contribuiu para que sem precedentes, anulou sua pena de morte perdesse a visão em um dos olhos. inicial e ordenou um novo julgamento. No Em 18 de junho, quando Wang julgamento original, evidências da violência Quanzhang, advogado de defesa de diversos doméstica sistemática que ela sofria, bem praticantes de Falun Gong, falava no Tribunal como seus apelos anteriores por proteção Distrital de Dongchangfu, na cidade de policial, haviam sido ignorados pelos juízes. Liaocheng, na província de Shandong, foi Em março, a Suprema Corte do Povo e o interrompido pelo juiz e expulso da sala por governo emitiram novas diretrizes para casos “perturbar a ordem do tribunal”. Wang de violência doméstica, com recomendações Quanzhang disse que os agentes de sobre a condenação de vítimas de violência segurança judiciária o arrastaram para outra doméstica que cometem crimes contra seus sala e o espancaram. agressores. Em dezembro, o Parlamento Em dezembro, o Comitê contra a Tortura aprovou a Lei de Violência Doméstica, que da ONU reiterou suas recomendações sobre pela primeira vez determina que a polícia a criação de salvaguardas legais para investigue todas as denúncias de violência prevenir a tortura; e denunciou perseguição doméstica e estabelece um sistema de contra advogados, defensores e defensoras ordens de restrição para proteger as vítimas. dos direitos humanos e querelantes, bem

Anistia Internacional – Informe 2015/16 95 como a falta de informações estatísticas sobre tibetano Druklo.12 No fim do ano, ainda não a tortura. O Comitê também instou as se conheciam as acusações contra eles nem autoridades a pararem de punir advogados seu local de detenção. que atuam de acordo com seus deveres Tenzin Deleg Rinpoche, líder religioso e profissionais reconhecidos e a revogar comunitário tibetano preso por “incitação ao disposições legais que permitem a detenção separatismo” em 2002, morreu em julho incomunicável de facto por meio da enquanto cumpria uma sentença de prisão “vigilância domiciliar em um local perpétua. A polícia perseguiu e deteve designado”. familiares e outras pessoas que se reuniram para exigir a devolução de seu corpo, a fim DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS de que pudessem realizar os devidos ritos Em outubro, o governo anunciou mudanças religiosos budistas.13 Contra a vontade de sua na política de planejamento familiar. Depois família, as autoridades cremaram o corpo. de muitos anos de mudanças graduais, as Também houve denúncias de que a polícia autoridades promoveram essa alteração de reagiu com força excessiva e arbitrária, maneira a encerrar a “política do filho único” inclusive gás lacrimogêneo e tiros, aos e permitir que um casal tenha dois filhos. As grandes protestos que se seguiram. políticas que permitem às famílias rurais e às Ao longo do ano, pelo menos sete pessoas minorias étnicas em determinadas atearam fogo ao próprio corpo, em áreas de circunstâncias ter filhos adicionais população tibetana, em protesto contra as continuariam. O governo também anunciou repressivas políticas governamentais; pelo que tomaria medidas para regularizar a menos cinco morreram em consequência situação de 13 milhões de crianças sem desses atos. O número de casos conhecidos documentos na China, nascidas em de autoimolação, desde fevereiro de 2009, contravenção à política antiga.11 aumentou para 143.

REGIÃO AUTÔNOMA DO TIBETE E ÁREAS REGIÃO AUTÔNOMA UIGUR DE XINJIANG DE POPULAÇÃO TIBETANA EM OUTRAS Uma campanha “linha dura” contra “o PROVÍNCIAS terrorismo violento e o extremismo religioso”, Para marcar os 50 anos do estabelecimento lançada em maio de 2014 e planejada da Região Autônoma do Tibete, em setembro, inicialmente para ter um ano de duração, o governo chinês emitiu um documento estendeu-se durante 2015. Quando a denunciando a abordagem do “caminho do campanha completou um ano, em maio, as meio” proposta pelo Dalai Lama e as autoridades alegaram ter desmontado 181 “atividades separatistas do grupo do Dalai “grupos terroristas”. Relatou-se um número Lama”. Em uma cerimônia marcando a data, crescente de incidentes violentos e operações o líder político Yu Zhengsheng prometeu de combate ao terrorismo que resultaram em combater o separatismo e instou o exército, a muitas mortes. polícia e os agentes judiciários do Tibete a Em 1 de janeiro, uma nova diretiva de prepararem-se para uma longa batalha contra “Aplicação das Normas sobre Assuntos o “grupo do 14 Dalai”. Religiosos” entrou em vigor na região, com o As pessoas de etnia tibetana continuaram a objetivo declarado de controlar de modo mais sofrer discriminação e restrições de seus rígido as comunicações virtuais e restringir o direitos às liberdades de religião, de papel da religião em “casamentos, funerais, expressão, de associação e de reunião cultura, artes e esportes”. Na prática, isso pacífica. Diversos monges, escritores, aumentou ainda mais as restrições aos manifestantes e ativistas tibetanos foram uigures, um grupo étnico turcomano detidos, entre eles o monge tibetano majoritariamente muçulmano que vive na Choephel Dawa e o escritor e blogueiro região e que há muitos anos tem sido

96 Anistia Internacional – Informe 2015/16 submetido a amplas práticas discriminatórias. dos detidos havia sido condenada até o fim No mesmo mês, a capital da região, Urumqi, de 2015. proibiu o uso de burcas. Em outubro, Ken Tsang Kin-Chiu, ativista Como nos anos anteriores, diversos pró-democracia cujo espancamento pela distritos publicaram avisos em seus sites polícia durante o protesto em 2014 foi declarando que estudantes do ensino registrado por câmeras de um canal de primário e secundário e membros do Partido televisão local, foi indiciado por “agredir Comunista não teriam permissão para policiais no devido exercício de suas funções” observar o Ramadã. e outras quatro acusações de “resistir a um policial no devido exercício de sua função”. REPATRIAÇÕES FORÇADAS DE PAÍSES Os sete agentes que supostamente realizaram VIZINHOS o espancamento foram acusados no mesmo Em julho, após pressão diplomática chinesa, dia de “causar lesão corporal grave de modo a Tailândia deportou 109 uigures para a doloso”. Em dezembro, os policiais e Ken China, onde corriam risco de sofrer tortura, Tsang se declararam inocentes. desaparecimento forçado e execução.14 Em A direção da Universidade de Hong Kong novembro, dois ativistas pró-democracia que foi criticada por decisões que suscitaram haviam recebido estatuto de refugiado do preocupações em relação à liberdade ACNUR, a agência da ONU para os acadêmica em Hong Kong. Tratava-se, por refugiados, e haviam confirmado seus exemplo, das sanções universitárias emitidas destinos de reassentamento, também foram em agosto contra o professor de direito Benny repatriados para a China. A China continuou Tai, por administrar doações anônimas a ignorar as obrigações de non-refoulement relacionadas aos protestos, o que a direção (não devolução) do direito internacional, alegou ser uma violação dos procedimentos repatriando norte-coreanos para a Coreia do da universidade; e do veto, em setembro, do Norte, onde corriam risco de detenção, conselho diretor da universidade, à decisão prisão, trabalho forçado, tortura e outros do comitê de seleção de indicar Johannes maus-tratos. Chan Man-mun, professor de direito e ex- reitor da Faculdade de Direito, como vice- REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE reitor adjunto. A imprensa, acadêmicos e HONG KONG estudantes afirmaram que essas decisões Durante o ano, a polícia de Hong Kong foram uma retaliação ao apoio dos dois prendeu formalmente 955 pessoas que acadêmicos aos protestos da “Revolução dos haviam participado dos protestos pró- Guarda-Chuvas”, em 2014. democracia de 79 dias em Hong Kong, entre Em um julgamento histórico, em fevereiro, setembro e dezembro de 2014, também Law Wan-Tung foi considerada culpada de conhecidos como “Revolução dos Guarda- intimidar, agredir e causar lesões corporais às Chuvas”. Outras 48 pessoas foram intimadas suas funcionárias, as trabalhadoras pela justiça. Entre os presos estavam domésticas migrantes da Indonésia Erwiana legisladores da oposição, os três Sulistyaningsih e Tutik Lestari Ningsih. Ela foi cofundadores da campanha de condenada a seis anos de prisão. desobediência civil “Occupy Central” e líderes de dois grupos estudantis – Alex Chow, da Federação de Estudantes, e Joshua 1. China: Latest information on crackdown against lawyers and activists Wong, do “Escolarismo”, organização pró- (Press release, 28 August) democracia liderada por jovens. O longo 2. China: Authorities show callous disregard for imprisoned journalist by intervalo em geral decorrido entre a prisão e a denying appropriate medical care (Press release, 6 August) decisão de processar a pessoa detida 3. China: Release supporters of Hong Kong pro-democracy protests implicou que apenas uma pequena parcela (Press release, 28 September)

Anistia Internacional – Informe 2015/16 97 4. Further information – China: Two activists released in China (ASA indígenas, das comunidades de camponeses 17/2097/2015) e de afrodescendentes e dos defensores dos 5. China: Activists held in crackdown on labour rights (ASA direitos humanos. As forças de segurança, 17/3015/2015) os grupos guerrilheiros e de paramilitares 6. China: Submission to the NPC Standing Committee’s Legislative foram responsáveis por crimes contra o Affairs Commission on the Second Draft Foreign Non-Governmental direito internacional. Organizations Management Law (ASA 17/1776/2015) O Congresso aprovou uma legislação que 7. China: Submission to the NPC Standing Committee’s Legislative ameaçava exacerbar o já altíssimo nível de Affairs Commission on the Draft “Cyber Security Law” (ASA impunidade, principalmente dos membros 17/2206/2015) das forças de segurança implicados em 8. China: Lawyer supporting churches in China detained (ASA violações de direitos humanos, como 17/2370/2015) homicídios ilegais, tortura, tomada de 9. China: Submission to the NPC Standing Committee’s Legislative reféns, desaparecimentos forçados, ameaças Affairs Commission on the Criminal Law Amendment (9) (Second de morte, desalojamentos forçados e Draft) (ASA 17/2205/2015) estupros. 10. China: Submission to the UN Committee against (ASA Centenas de candidatos nas eleições 17/2725/2015) regionais de outubro sofreram ameaças e 11. China: Reform of one-child policy not enough (News story, 29 October) alguns foram assassinados, na maioria das 12. China: Fears for Tibetan monk detained in China – Choephel Dawa vezes por paramilitares, embora em (ASA 17/1551/2015) quantidade menor que nas eleições 13. China: Return the body of prominent Tibetan monk Tenzin Deleg passadas. Rinpoche who died in prison (ASA 17/2102/2015) 14. Thailand must not send Uighurs to Chinese torture (News story, 9 July) PROCESSO DE PAZ Em 23 de setembro, o governo e as FARC anunciaram um acordo sobre justiça COLÔMBIA transicional – tornado público em 15 de dezembro – e que um acordo de paz seria República da Colômbia assinado até 23 de março de 2016. Seu Chefe de Estado e de governo: Juan Manuel Santos componente central era uma Jurisdição Calderón Especial para a Paz, que consistiria de um tribunal e cortes especiais com competência As conversações de paz entre o governo e as sobre quem estivesse direta ou indiretamente Forças Armadas Revolucionárias da envolvido no conflito e implicado em “graves Colômbia (FARC) fizeram avanços violações dos direitos humanos e graves significativos. As duas partes anunciaram infrações da lei internacional humanitária”. ter chegado a um acordo sobre justiça Se alguém negar responsabilidade sobre transicional e que um tratado de paz seria crimes graves e for julgado culpado, poderá assinado em 2016. Esse acordo pareceu ser condenado a até 20 anos de prisão. não satisfazer as normas da lei internacional Quem assumir sua responsabilidade poderá sobre o direito das vítimas à verdade, à receber sentenças não privativas de liberdade justiça e à reparação. que variariam entre cinco e oito anos de O cessar-fogo implementado “restrição de liberdades”. unilateralmente pelas FARC e a suspensão Ao propor punições que parecem não do bombardeio aéreo das posições da proporcionais à gravidade dos crimes guerrilha por parte do governo reduziram a cometidos contra o direito internacional, a intensidade das hostilidades. No entanto, o Colômbia pode estar descumprindo suas conflito continuou tendo um impacto obrigações frente ao direito internacional de negativo sobre os direitos humanos da impedir e punir tais crimes. população civil, sobretudo dos povos Foi proposta uma Lei de Anistia que

98 Anistia Internacional – Informe 2015/16 beneficiaria os acusados de “crimes políticos 240.000 pessoas foram desalojadas à força ou relacionados”. Embora uma definição do em 2014, em comparação a quase 220.000 que constitua “crimes relacionados” ainda no ano anterior. não tivesse sido estipulada, as pessoas A Organização Nacional Indígena da condenadas por crimes graves estariam Colômbia registrou 35 homicídios e 3.481 excluídas. desalojamentos forçados em 2015. No No dia 4 de junho, as duas partes departamento de Cauca, a situação das anunciaram planos de criar uma comissão da comunidades indígenas, muitas delas se verdade, apesar de que os tribunais não mobilizando pelo reconhecimento de seus poderiam fazer uso das informações direitos territoriais, era especialmente crítica. reveladas pela comissão. Isso poderia Em 6 de fevereiro, Gerardo Velasco Escue comprometer a capacidade do Judiciário de e Emiliano Silva Oteca, da reserva indígena investigar e julgar crimes contra o direito de Toéz, desapareceram à força depois de internacional. terem sido abordados por homens armados Em 17 de outubro, as duas partes não identificados próximo ao povoado de La chegaram a um acordo para estabelecer um Selva, município de Caloto, no departamento mecanismo de localização e resgate dos de Cauca. Dois dias depois, a comunidade restos mortais de muitas pessoas – civis e encontrou seus corpos com marcas de combatentes – ainda desaparecidas em razão tortura no município de Guachené. Em 5 de do conflito. fevereiro, uma ameaça de morte do grupo paramilitar Águilas Negras anunciando que CONFLITO ARMADO INTERNO era “hora da limpeza social no norte de O conflito armado interno continuou a ter um Cauca” foi circulada naquela área e em impacto significativo sobre os direitos municípios vizinhos. humanos dos civis, principalmente dos que Em 2 de julho, dois pequenos dispositivos vivem nas áreas rurais.1 Muitas comunidades explodiram em Bogotá, ferindo várias que vivem em áreas urbanas empobrecidas, pessoas. As autoridades atribuíram o ataque como os afrodescendentes da cidade de ao grupo guerrilheiro Exército de Libertação Buenaventura, na costa do Pacífico, também Nacional (ELN). Quinze pessoas, muitas foram afetados.2 delas defensores dos direitos humanos e Todas as partes no conflito foram ativistas estudantis ligados ao movimento responsáveis por crimes de direito social Congresso dos Povos, foram presas, internacional, como homicídios ilegais, embora só 13 delas tenham sido indiciadas. desalojamentos forçados, desaparecimentos Algumas autoridades públicas relacionaram forçados, ameaças de morte e crimes de todos os 13 às explosões de julho e ao ELN, violência sexual. Crianças continuaram sendo mas somente três acabaram sendo acusados recrutadas como combatentes por grupos de “terrorismo” e filiação ao ELN. Os outros guerrilheiros e paramilitares. 10 foram indiciados por delitos relacionados a Até 1 de dezembro, a Unidade de Vítimas armas. havia registrado 7,8 milhões de vítimas do Temia-se que esses eventos pudessem ter conflito, entre elas, quase 6,6 milhões de sido usados para minar o trabalho dos vítimas de desalojamentos forçados, mais de defensores dos direitos humanos. Alguns 45.000 vítimas de desaparecimentos integrantes do Congresso dos Povos já forçados e aproximadamente 263.000 haviam sido submetidos a ameaças de morte homicídios relacionados ao conflito; a grande e hostilidades por causa de seu trabalho de maioria das vítimas era civil. defesa dos direitos humanos. Em janeiro, um Segundo dados da ONG Colombiana dos líderes do Congresso dos Povos, Carlos CODHES (Consultoría para los Derechos Alberto Pedraza Salcedo, foi assassinado em Humanos y el Desplazamiento), mais de Bogotá.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 99 FORÇAS DE SEGURANÇA sete e os paramilitares por 24. A maioria dos As denúncias de execuções extrajudiciais sequestros (123), porém, foi atribuída a cometidas pelas forças de segurança, uma delinquentes comuns. Minas terrestres, a prática sistemática e amplamente maioria colocada pelas FARC, continuaram a disseminada durante o conflito, continuaram matar e mutilar civis e membros das forças a diminuir. Incluem-se entre essas práticas os de segurança. chamados “falsos positivos”: homicídios ilegais cometidos pelas forças de segurança – PARAMILITARES em troca de benefícios como bônus, Os grupos paramilitares, a que o governo se promoções ou férias extras – em que as referiu como “gangues criminosas” (bandas vítimas, geralmente jovens pobres, são criminales – bacrim), continuaram a cometer falsamente apresentadas como se fossem crimes contra o direito internacional e graves combatentes mortos. Os “falsos positivos” violações de direitos humanos, apesar de sua foram prática predominante no governo do suposta desmobilização com base no presidente Álvaro Uribe (2002-2010). processo de Justiça e Paz patrocinado pelo Embora o mais recente relatório do Alto governo e iniciado em 2005. Os paramilitares Comissariado da ONU para os Direitos – às vezes agindo com apoio ou Humanos, publicado em janeiro, não tenha consentimento de atores estatais, inclusive de registrado “falsos positivos”, o documento membros das forças de segurança – incluiu casos “em que as forças armadas ameaçaram e mataram, entre outras pessoas, tentaram mostrar vítimas de execuções defensores dos direitos humanos. arbitrárias como sendo baixas inimigas em No dia 11 de janeiro, um panfleto do combate ou reorganizaram a cena do crime Bloque Norte Costa Atlántica Águilas Negras para simular legítima defesa”. circulou no departamento de Atlántico. A Pouco avançaram as investigações dos ameaça de morte citava nominalmente cerca suspeitos de responsabilidade por esses de 40 pessoas, entre elas defensores dos crimes, principalmente dos oficiais direitos humanos, sindicalistas, pessoas que graduados. O Ministério Público registrou reivindicavam a devolução de terras e um mais de 4.000 denúncias de execuções servidor público que trabalhava com a extrajudiciais nas últimas décadas. restituição de terras. Os indivíduos mencionados no panfleto com ameaças GRUPOS GUERRILHEIROS participaram do processo de restituição de Grupos guerrilheiros foram responsáveis por terras e de questões relacionadas ao crimes contra o direito internacional e por processo de paz. abusos dos direitos humanos, como Até o fim do ano, apenas 122 dos mais de homicídios ilegais e ataques indiscriminados 30.000 paramilitares que supostamente que puseram em perigo a população civil. O depuseram suas armas no processo de líder comunitário afrodescendente Genaro desmobilização haviam sido condenados por García, do Conselho Comunitário de Alto Mira crimes relativos a violações de direitos y Frontera, foi morto a tiros pelas FARC, no humanos. Aproximadamente 120 dia 3 de agosto, no município de Tumaco, paramilitares foram libertados após departamento de Nariño. Em outubro de cumprirem o máximo de oito anos de prisão 2014, as FARC haviam ameaçado matá-lo estipulado pelo processo de Justiça e Paz. caso ele continuasse na liderança do Ações judiciais contra a maioria deles ainda Conselho, que desde 2012 vinha buscando a estavam em andamento. Persistiram os restituição do território. temores com os riscos à segurança que os Segundo a ONG País Libre, ocorreram 182 paramilitares representavam para as sequestros entre janeiro e novembro. Desses, comunidades às quais retornavam depois de o ELN foi responsável por 23, as FARC por soltos. A maior parte dos paramilitares,

100 Anistia Internacional – Informe 2015/16 porém, não se submeteu ao processo de sentenciado a seis anos de prisão pela tortura Justiça e Paz e recebeu anistias de fato sem psicológica da jornalista Claudia Julieta qualquer investigação efetiva para determinar Duque. sua possível participação, ou daqueles Em 6 de novembro, numa cerimônia coniventes com eles, em violações de direitos determinada pela Corte Interamericana de humanos. Direitos Humanos, o Presidente Santos assumiu responsabilidade e se desculpou IMPUNIDADE pelo papel do Estado no desaparecimento O Estado continuou não levando à Justiça a forçado de 10 pessoas, pelo desaparecimento grande maioria das pessoas suspeitas de forçado e execução extrajudicial de uma 11ª responsabilidade penal individual por crimes pessoa e pela tortura de muitas outras. Esses contra o direito internacional. O governo crimes foram cometidos depois que as forças também comandou a aprovação de leis – de segurança invadiram o Palácio da Justiça como o Ato Legislativo N 1, que emendava o em Bogotá, em novembro de 1985, onde artigo 221 da Constituição, e a Lei 1765 – algumas pessoas estavam sendo mantidas que ameaçavam exacerbar os níveis já reféns pelo grupo guerrilheiro M-19. Cerca de elevados de impunidade. 100 pessoas morreram na invasão. Muito O sistema de justiça militar continuou a poucos dos supostos responsáveis por esses reivindicar competência para julgar e crimes tiveram de prestar contas do que posteriormente arquivar investigações fizeram. relativas a casos de supostas violações de Em 16 de dezembro, a Suprema Corte direitos humanos por membros das forças de revogou a condenação do coronel reformado segurança, sem que os indivíduos Luis Alfonso Plazas Vega, que, em 2010, supostamente implicados prestem contas. havia sido sentenciado a 30 anos de prisão Familiares de vítimas de violações de pelo crime de desaparecimento forçado com direitos humanos que se mobilizaram por relação a esse caso. justiça, assim como membros de organizações de direitos humanos que os DIREITO À TERRA auxiliaram, foram ameaçados de morte e O processo de restituição de terras, que sofreram outras graves violações de direitos começou em 2012 com o objetivo de humanos por parte dos paramilitares e de devolver a seus ocupantes de direito alguns membros das forças de segurança.3 dos milhões de hectares de terra adquiridos Houve certo progresso em levar à Justiça ilegalmente ou abandonados à força durante alguns dos indivíduos implicados num o conflito, continuou em ritmo lento. Até o fim escândalo envolvendo o agora desativado de 2015, apenas 58.500 hectares de terras serviço de inteligência civil (Departamento reivindicadas por camponeses agricultores, Administrativo de Seguridad, DAS). O DAS um território indígena de 50.000 hectares e esteve implicado em ameaças e vigilância um território de afrodescendentes de 71.000 ilegal de defensores dos direitos humanos, hectares haviam sido objeto de decisão políticos, jornalistas e juízes, principalmente judicial determinando sua devolução. Um dos durante o governo do Presidente Uribe. Em maiores empecilhos era não haver garantias 28 de abril, a Corte Suprema de Justiça com relação à segurança das pessoas que sentenciou a ex-diretora do DAS, María del queriam voltar para suas terras, bem como a Pilar Hurtado, a 14 anos de prisão e o ex- falta de medidas econômicas e sociais chefe da casa civil do Presidente Uribe, efetivas para assegurar a sustentabilidade dos Bernardo Moreno, a oito anos de prisão retornos. domiciliar por sua participação no escândalo. Lideranças de comunidades desalojadas e Em 1 de outubro, o ex-diretor de inteligência pessoas que buscavam a devolução de suas do DAS, Carlos Alberto Arzayús Guerrero, foi terras foram mortas ou ameaçadas.4

Anistia Internacional – Informe 2015/16 101 Integrantes de comunidades indígenas e foram mortos em 2015, em comparação a 21 afrodescendentes que tentaram defender em 2014. seus direitos territoriais, inclusive A quantidade de ameaças de morte contra denunciando a presença de atividades defensores dos direitos humanos novamente mineradoras ilegais ou se opondo a interesses aumentou. Em um e-mail enviado em 9 de mineradores externos em seus territórios março, os Águilas Negras Bloque Sur coletivos, também foram alvo.5 ameaçaram 14 pessoas, inclusive políticos Temia-se que a Lei 1753, aprovada pelo que atuavam em questões de paz e de Congresso em 9 de junho, pudesse permitir direitos humanos e duas ONGs de direitos que o setor de mineração e outros setores humanos. A ameaça dizia: “Guerrilheiros econômicos conseguissem obter o controle comunistas [...] seus dias estão contados, das terras adquiridas ilegalmente. Isso seu sangue servirá de adubo ao solo pátrio poderia prejudicar o direito de muitos dos [...] estendemos esta mensagem também a ocupantes legítimos dessas terras, sobretudo [...] seus [...] filhos e [...] suas mulheres”. nos territórios indígenas e afrodescendentes, de reivindicar sua propriedade.6 VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E MENINAS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS Todas as partes no conflito foram Defensores dos direitos humanos – líderes responsáveis por crimes de violência sexual comunitários de comunidades indígenas, de cometidos principalmente contra mulheres e afrodescendentes e de camponeses, meninas. Raros suspeitos foram levados à sindicalistas, jornalistas, ativistas rurais e Justiça. pessoas que trabalhavam por justiça – Em junho, a decisão de alguns corriam perigo de sofrer ataques, procuradores de encerrar o processo e soltar principalmente dos paramilitares.7 Também um dos principais suspeitos do sequestro e houve denúncias de roubo de informações de estupro da jornalista Jineth Bedoya por caráter sensível em posse de organizações de paramilitares em 2000 causou tamanha direitos humanos. comoção pública que os promotores se viram Algumas investigações criminais contra forçados a rapidamente reverter a decisão. defensores dos direitos humanos Em julho, o governo promulgou a Lei 1761, continuaram a levantar preocupações de que que tipificava o feminicídio como um crime o sistema judicial estava sendo mal utilizado específico e aumentava a pena das pessoas para tentar prejudicar seu trabalho. Em condenadas por esse delito para até 50 anos setembro, o líder indígena Feliciano Valencia de prisão. foi sentenciado a 18 anos de prisão por ter Defensores dos direitos humanos que detido ilegalmente um membro das forças de demandavam justiça em casos de violência segurança que havia se infiltrado numa sexual sofreram ameaças, sendo que manifestação indígena no departamento de algumas das ameaças contra mulheres Cauca. Feliciano Valencia, que há muito ativistas eram de natureza sexual.8 vinha sendo alvo de hostilidades por parte de autoridades civis e militares por sua defesa ASSISTÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS dos direitos territoriais dos povos indígenas, A assistência dos EUA à Colômbia continuou negou as acusações. diminuindo. Os Estados Unidos alocaram Segundo a ONG Somos Defensores, 51 cerca de 174,1 milhões de dólares para defensores dos direitos humanos foram assistência militar e 152,2 milhões de dólares assassinados entre janeiro e setembro, em para assistência não militar à Colômbia. Em comparação a 45 no mesmo período de setembro, 25% do total da ajuda militar 2014. Segundo dados provisórios da ONG prevista para o ano foi liberada depois que o Escola Nacional Sindical, 18 sindicalistas secretário de Estado dos EUA determinou

102 Anistia Internacional – Informe 2015/16 que as autoridades colombianas haviam feito land restitution to victims of the armed conflict and allow mining progresso em matéria de direitos humanos. firms to operate on illegally acquired lands (AMR 23/2077/2015) 7. Colombia: Director of human rights NGO threatened: Iván Madero ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL Vergel (AMR 23/2007/2015) Em seu relatório de janeiro, o Alto 8. Colombia: Harassed for fighting sexual violence (AMR 23/002/2015) Comissariado da ONU para os Direitos Humanos reconheceu os avanços obtidos nas negociações de paz, mas expressou COREIA DO NORTE preocupação com a impunidade e com o impacto do conflito sobre os direitos República Popular Democrática da Coreia humanos, especialmente sobre as Chefe de Estado: Kim Jong-un comunidades indígenas e afrodescendentes e Chefe de governo: Pak Pong-ju os defensores dos direitos humanos. Embora o relatório tenha observado que ambas as Os norte-coreanos continuaram a ter partes beligerantes foram responsáveis por negados e violados quase todos os aspectos abusos e violações dos direitos humanos, o de seus direitos humanos. As autoridades documento afirmava que os paramilitares (a continuaram a prender e deter quem o relatório se referia como “grupos arbitrariamente indivíduos sem um armados pós-desmobilização vinculados ao julgamento justo ou acesso a advogados e crime organizado”) constituíam o “principal familiares, inclusive cidadãos da República desafio em termos de segurança pública”. da Coreia (Coreia do Sul). Algumas famílias Em agosto, o Comitê para a Eliminação da permaneceram sob vigilância sistemática, Discriminação Racial (CERD) observou que o particularmente aquelas com membros conflito armado continuou a afetar suspeitos de terem fugido do país ou desproporcionalmente os povos indígenas e tentado acessar informações de fora da as comunidades afrodescendentes, e criticou Coreia do Norte. O governo providenciou o fato de não se garantir a efetiva participação para que mais de 50.000 pessoas dessas comunidades no processo de paz. trabalhassem em outros países, recolhendo O Comitê da ONU contra a Tortura os seus salários diretamente dos manifestou preocupação com “a persistência empregadores e retendo uma parcela de graves violações de direitos humanos no significativa para sua própria receita. Pouco Estado Parte, tais como execuções progresso foi feito no enfrentamento aos extrajudiciais e desaparecimentos forçados” e casos de sequestros e desaparecimentos com o fato de “não ter recebido informações forçados de cidadãos estrangeiros. relativas aos processos e condenações penais por delitos de desaparecimento forçado”. INFORMAÇÕES GERAIS No quarto ano do governo de Kim Jong-un, os meios de comunicação internacionais 1. Colombia: Peasant farmer linked to Peace Community killed (AMR continuaram a relatar execuções de 23/2554/2015) funcionários de alto escalão. O chefe de 2. Colombia: Human rights defender under surveillance: Berenice Celeita Estado não compareceu às comemorações (AMR 23/1945/2015) do aniversário do fim da Segunda Guerra 3. Colombia: Caller “will kill” missing man’s mother (AMR Mundial na China e na Rússia. As relações 23/2022/2015) entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul 4. Colombia: Land restitution process sparks more threats (AMR permaneceram tensas. Explosões de minas 23/0003/2015) terrestres norte-coreanas na zona 5. Colombia: Restoring the land, securing the peace: Indigenous and desmilitarizada entre os dois países no início Afro-descendant territorial rights (AMR 23/2615/2015) de agosto causaram ferimentos graves em 6. Colombia: National Development Plan threatens to deny the right to dois soldados sul-coreanos. A difusão de

Anistia Internacional – Informe 2015/16 103 mensagens sonoras da Coreia do Sul através acusações, inclusive espionagem. da fronteira em busca de um pedido de O governo continuou a restringir o acesso a desculpas resultaram na troca de fogo de várias fontes externas de informação, apesar artilharia entre as forças armadas de ambos da ausência de quaisquer jornais nacionais, os lados, no fim desse mês. A tensão foi meios de comunicação ou organizações da resolvida depois de um diálogo entre as sociedade civil independentes. As autoridades com duração de 43 horas; a autoridades usaram ondas de rádio para Coreia do Norte lamentou as explosões, e um obstruir a recepção das transmissões acordo mútuo foi alcançado para continuar estrangeiras de televisão ou rádio, ao mesmo com as reuniões de famílias separadas. tempo em que impossibilitaram que canais Desastres naturais, como a grave seca de estrangeiros fossem captados por aparelhos verão e enchentes, mataram pelo menos 40 legalmente disponíveis. Pessoas que pessoas e afetaram mais de 10.000, segundo possuíam, assistiam ou copiavam e os meios de comunicação estatais. compartilhavam materiais audiovisuais estrangeiros corriam risco de ser presas se o LIBERDADE DE EXPRESSÃO material fosse considerado como “emissão As autoridades continuaram a impor severas hostil ou propaganda inimiga" no âmbito do restrições à liberdade de expressão, inclusive direito penal. ao direito de procurar, receber e transmitir informações, independentemente das DIREITO À PRIVACIDADE fronteiras nacionais. Embora houvesse no Norte-coreanos que fizeram telefonemas país três milhões de assinantes de serviços usando celulares contrabandeados relataram de telefonia móvel em meio a uma população ter experimentado frequentes interferências de 25 milhões de pessoas, praticamente nas linhas, bem como escutas de conversas, todos os norte-coreanos foram privados de entre outras formas de violação do direito à serviços internacionais de telefonia móvel e privacidade. Uma unidade especial do de acesso à internet. Apenas os turistas e Departamento de Segurança do Estado para residentes estrangeiros foram autorizados a operações secretas de inteligência e digitais comprar cartões SIM especiais para fazer usou dispositivos de monitoramento chamadas para fora do país ou acessar a sofisticados e importados para detectar internet por meio de smartphones. A rede usuários de celulares que tentaram fazer existente de computadores permaneceu chamadas para fora do país. Indivíduos cujas disponível, permitindo somente o acesso a conversas foram ouvidas poderiam ser presos sites e serviços de e-mail nacionais, mas nem se ligassem para a Coreia do Sul ou se isso era inteiramente acessível. pedissem o envio de dinheiro. Os norte-coreanos que viviam perto da Os sistemas de vigilância entre a população fronteira com a China correram riscos civil também ameaçavam o direito à significativos por usar celulares privacidade. Grupos de bairro, criados pelo contrabandeados conectados a redes governo com propósitos como o de educação chinesas, a fim de fazer contato com pessoas ideológica, foram autorizados a realizar visitas fora do país. Quem não possuísse um domiciliares a qualquer momento e informar telefone deste tipo precisava pagar uma taxa sobre as atividades das pessoas. Os líderes exorbitante e utilizar os serviços de um do grupo, juntamente com outra unidade intermediário. Ainda que as ligações para fora especializada do Departamento de Segurança da Coreia do Norte não fossem um crime em do Estado, monitoraram hábitos de rádio e si, o uso de celulares contrabandeados para televisão das pessoas. As famílias que eram se conectar a redes móveis chinesas expôs suspeitas de assistir a materiais audiovisuais todos os envolvidos ao risco de vigilância, estrangeiros ou de receber dinheiro de um bem como de prisão e detenção sob várias familiar que tenha fugido do país foram

104 Anistia Internacional – Informe 2015/16 submetidas a vigilância reforçada. condições precárias de segurança, privação de informações sobre leis trabalhistas e falta PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS de acesso a quaisquer órgãos Os norte-coreanos que fugiram do país governamentais de monitoramento de tal relataram que as prisões haviam aumentado, conformidade. Os trabalhadores não à medida que os controles de pessoas e receberam os salários diretamente dos mercadorias nas fronteiras haviam empregadores, mas por meio do governo endurecido sob o governo de Kim Jong-un. norte-coreano após deduções significativas Tais prisões eram arbitrárias, pois muitas no valor. Eles permaneceram sob vigilância vezes ocorriam como punição pelo exercício nos países anfitriões, tal como seria na Coreia dos direitos humanos, repressão à economia do Norte, e o contato com a população local de mercado privada ou meio de extorquir foi severamente restringido. subornos. Centenas de milhares de pessoas LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO permaneceram detidas em campos de Nos primeiros 10 meses de 2015, o prisioneiros políticos e outros centros de Ministério da Unificação sul-coreano detenção, onde foram submetidas a violações informou a chegada de 978 norte-coreanos sistemáticas, generalizadas e graves dos ao país, entre eles um soldado adolescente direitos humanos, como trabalho forçado, que atravessou a fronteira intercoreana a pé, tortura e outros maus-tratos. Muitos dos em 15 de junho. De acordo com a imprensa detidos nesses campos não haviam sido da Coreia do Sul, os militares norte-coreanos condenados por qualquer crime reconhecido plantaram minas terrestres extras em 2015, internacionalmente, mas declarados para impedir seus soldados de fugirem para a “culpados por associação”, apenas por serem Coreia do Sul, onde o número de chegadas familiares de indivíduos considerados como se manteve nos níveis de 2014, quando se ameaças ao Estado. contabilizou a entrada de 1.397 pessoas, Em maio e junho, três homens sul- quantidade similar às de 2013 e 2012. Estes coreanos, Kim Jung-wook, Kim Kuk-gi e Choe números permaneceram baixos em Chun-gil, foram sentenciados à prisão comparação com anos anteriores, devido à perpétua depois de condenados por intensificação do controle nas fronteiras. espionagem e outras acusações, por meio de Os norte-coreanos repatriados à força pela procedimentos judiciais que não cumpriam China ou outros países continuaram em risco as normas internacionais para julgamentos de detenção, prisão, trabalho forçado, tortura justos. Um estudante sul-coreano, Joo Won- e outros maus-tratos. A China ignorou as moon, que havia sido preso por entrar obrigações de não devolução (non- ilegalmente no país em abril, foi libertado em refoulement) previstas no direito outubro, depois de mais de cinco meses de internacional, devolvendo norte-coreanos ao detenção sem acesso ao seu advogado ou a país. Essa prática, ao que parece, foi familiares.1 estabelecida por meio de um acordo com as autoridades norte-coreanas em 1986. A DIREITOS DOS TRABALHADORES Rússia estaria formalizando um acordo MIGRANTES semelhante. O governo enviou pelo menos 50.000 pessoas para países como Líbia, Mongólia, DIREITO À ALIMENTAÇÃO Nigéria, Catar e Rússia para trabalhar em A Organização das Nações Unidas para a vários setores, incluindo medicina, Alimentação e a Agricultura informou em construção, florestamento e alimentação. Os setembro que, após três anos consecutivos trabalhadores foram frequentemente de crescimento, a produção de alimentos submetidos a horas excessivas de trabalho, havia estagnado em 2014, enquanto a seca

Anistia Internacional – Informe 2015/16 105 de 2015 diminuiu a produção de arroz e outros cereais em mais de 10%. 1. Mais informações: Student released by North Korea (ASA Possivelmente em consequência disso, o 24/2609/2015) governo reduziu as porções diárias de alimentos para as famílias em julho e agosto, de 410 para 250 gramas por pessoa, bem CUBA abaixo da quantidade distribuída durante os mesmos meses em 2013 e 2014. O sistema República de Cuba público de distribuição foi o principal canal Chefe de Estado e de governo: Raúl Castro Ruz de fornecimento de alimentos para pelo menos 18 milhões de pessoas – três quartos Apesar de suas relações diplomáticas cada da população. Com a redução das porções, o vez mais abertas, severas restrições às direito à alimentação adequada da maioria liberdades de expressão, de associação e de dos indivíduos foi gravemente ameaçado. reunião se mantiveram. Houve denúncias de milhares de casos de assédio a críticos do ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL governo e de prisões e detenções arbitrárias. Com maior escrutínio internacional depois da publicação, em 2014, de um relatório da INFORMAÇÕES GERAIS Comissão de Inquérito da ONU sobre os O ano foi marcado por significativas Direitos Humanos na República Popular mudanças nas relações diplomáticas de Democrática da Coreia e sua respectiva Cuba. Em abril, o Presidente Castro se discussão no Conselho de Segurança da encontrou com o presidente dos EUA, Barack ONU, no fim daquele ano, o Alto Obama, durante a primeira participação de Comissariado das Nações Unidas para os Cuba em uma Cúpula das Américas, no Direitos Humanos abriu um escritório em primeiro encontro entre líderes dos dois Seul, capital da Coreia do Sul, em 23 de países em quase 60 anos. Em maio, Cuba foi junho. O novo escritório estava entre as removida da lista estadunidense de países recomendações do relatório e foi encarregado considerados Estados patrocinadores do de monitorar e documentar a situação dos terrorismo internacional. Cuba e Estados direitos humanos na Coreia do Norte, como Unidos reabriram suas respectivas medidas preliminares à prestação de contas. embaixadas e anunciaram a intenção de Sua abertura foi recebida com críticas restabelecer relações diplomáticas. severas por parte do governo norte-coreano. Apesar disso, em setembro, o Presidente O Conselho de Segurança da ONU realizou Obama renovou a Lei de Comércio com o outro debate sobre os direitos humanos na Inimigo, que impõe sanções econômicas e Coreia do Norte em 10 de dezembro. financeiras a Cuba. Em outubro, a Outros órgãos da ONU fizeram esforços Assembleia Geral da ONU adotou, pelo 24 para tratar dos sequestros internacionais e ano consecutivo, uma resolução requerendo desaparecimentos forçados, com poucos que os EUA suspendam seu embargo resultados concretos. Em agosto, o governo unilateral. norte-coreano escreveu ao Grupo de Trabalho Até o fim do ano, Cuba ainda não havia da ONU sobre Desaparecimentos Forçados ratificado o Pacto Internacional sobre Direitos ou Involuntários em relação a 27 casos Civis e Políticos nem o Pacto Internacional pendentes, O Grupo de Trabalho observou sobre Direitos Econômicos, Sociais e em seu relatório que as informações Culturais, ambos assinados em fevereiro de fornecidas eram insuficientes para o 2008, tampouco o Estatuto de Roma do esclarecimento dos casos. Tribunal Penal Internacional.

106 Anistia Internacional – Informe 2015/16 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE Membros e apoiadores das Damas de ASSOCIAÇÃO Branco, um grupo de mulheres que pede a Críticos do governo continuaram a enfrentar libertação dos presos políticos e maior assédio, inclusive “atos de repúdio” liberdade, e membros da União Patriótica de (manifestações lideradas por apoiadores do Cuba (UNPACU), um grupo dissidente, governo, com participação de agentes de seguidamente eram presos e detidos por segurança estatais) e ações penais por períodos de até 30 horas, segundo a motivos políticos. O sistema judicial CCDHRN. As detenções eram efetuadas para permaneceu sob controle político. impedir os ativistas de participar das O governo continuou a controlar o acesso à passeatas que regularmente realizam aos internet e a bloquear e filtrar alguns sites, domingos, bem como para impedi-los de limitando o acesso à informação e as críticas protestar. ao Estado. Ativistas relataram que telefones Em 10 de dezembro, Dia Internacional dos celulares ficaram fora de serviço durante a Direitos Humanos, a polícia política deteve visita do Papa em setembro. ativistas, muitos em suas casas, para impedir seus protestos pacíficos. Os agentes também PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS impediram que jornalistas saíssem de seus Prosseguiram as denúncias sobre críticos do escritórios para reportar o que acontecia. governo, inclusive jornalistas e ativistas de direitos humanos, serem rotineiramente PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA submetidos a prisões arbitrárias e detenções Leis que tratavam de “desordem pública”, breves por exercerem seu direito à liberdade “desacato”, “desrespeito”, “periculosidade” e de expressão, associação, reunião e “agressão” foram usadas em ações judiciais movimento. politicamente motivadas ou em ameaças de A Comissão Cubana de Direitos Humanos e processo contra adversários do governo. Reconciliação Nacional (CCDHRN) Em janeiro, as autoridades libertaram cinco documentou mais de 8.600 detenções prisioneiros de consciência, junto com um politicamente motivadas de ativistas e grupo de mais de 50 pessoas que se acredita adversários do governo durante o ano. terem estado detidas por razões políticas. Os Antes da visita do Papa Francisco em Estados Unidos haviam requerido que elas setembro, as autoridades anunciaram que fossem libertadas como parte de um acordo libertariam 3.522 prisioneiros, entre eles, entre os dois governos para “normalizar” as pessoas com mais de 60 anos, presos com relações. menos de 20 anos sem antecedentes Nos dias 7 e 8 de janeiro, os irmãos criminais, presos com doenças crônicas e Vianco, Django e Alexeis Vargas Martín foram cidadãos estrangeiros cujos países soltos da prisão. Os três estavam detidos concordassem em repatriá-los, de acordo desde dezembro de 2012, tendo sido com o Granma, o jornal oficial do Partido sentenciados em junho de 2014 a penas que Comunista. variavam de dois anos e meio a quatro anos Entretanto, antes e durante a visita do de prisão por “desordem pública”. Em 8 de Papa, ativistas de direitos humanos e janeiro, os prisioneiros de consciência Iván jornalistas relataram um aumento significativo Fernández Depestre e Emilio Planas Robert no número de prisões e detenções breves. foram, ao que parece, libertados Somente em setembro, a CCDHRN registrou incondicionalmente. Os dois haviam sido 882 prisões arbitrárias. Entre estas, as de três sentenciados, respectivamente, a três anos e ativistas que teriam se aproximado do Papa a três anos e meio de prisão, acusados de para discutir direitos humanos. Os três “periculosidade”.1 entraram em greve de fome enquanto O prisioneiro de consciência Ciro Alexis detidos. Casanova Pérez foi solto quando terminou de

Anistia Internacional – Informe 2015/16 107 cumprir sua pena em junho de 2015.2 Ele tortura e outros maus-tratos. Os tribunais havia sido condenado em dezembro de 2014 proferiram centenas de condenação à morte por “desordem pública” após realizar uma e longas penas de prisão após julgamentos manifestação de um homem só contra o coletivos claramente injustos. A falta de governo nas ruas de sua cidade natal, responsabilização era crítica; a maioria das Placetas. violações de direitos humanos foi cometida O grafiteiro Danilo Maldonado Machado, impunemente. Mulheres e membros de conhecido como El Sexto, foi preso por minorias religiosas sofreram discriminação e agentes da polícia política em Havana não receberam proteção adequada contra a quando se locomovia em um taxi em 25 de violência. Pessoas foram presas e julgadas dezembro de 2014. Ele levava consigo dois sob a acusação de "devassidão" em virtude porcos com os nomes “Raúl” e “Fidel” de sua orientação sexual ou identidade de pintados nas costas, os quais planejava soltar gênero real ou percebida. O exército durante uma apresentação cultural no Dia de removeu à força comunidades de suas casas Natal. Danilo foi acusado de “desrespeitar os ao longo da fronteira com Gaza. Execuções líderes da Revolução”, mas nunca foi levado foram realizadas após julgamentos a julgamento. Ele foi solto no dia 20 de flagrantemente injustos. outubro. INFORMAÇÕES GERAIS ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL As condições de segurança continuaram Desde 1990, Cuba não permite o acesso da tensas, particularmente na região do Sinai. As Anistia Internacional ao país. autoridades afirmaram que o exército e outras forças de segurança mataram centenas de "terroristas", a maioria no norte do Sinai, onde 1. Cuba: Prisoner releases must lead to new environment for freedoms o grupo armado autodenominado Província (Press release, 8 January) do Sinai, afiliado ao grupo armado Estado 2. Urgent Action: Political dissident must be released (AMR Islâmico, reivindicou responsabilidade por 25/1379/2015) vários ataques importantes. O Egito fechou sua fronteira com Gaza, no Estado da Palestina, durante grande parte do EGITO ano. O exército egípcio destruiu túneis utilizados para contrabando sob a fronteira; República Árabe do Egito para isso, teria inundado a área. Chefe de Estado: Abdel Fattah al-Sisi Em fevereiro, o Egito realizou ataques Chefe de governo: Sherif Ismail (substituiu Ibrahim aéreos na Líbia, matando pelo menos sete Mahlab em setembro) civis, depois que um grupo armado decapitou no local um grupo de cristãos coptas egípcios A situação dos direitos humanos continuou que haviam sequestrado.1 a deteriorar. As autoridades restringiram Em março, o Egito se juntou à coalizão arbitrariamente os direitos à liberdade de internacional liderada pela Arábia Saudita expressão, de associação e de reunião que se envolveu no conflito armado no pacífica; promulgaram uma nova lei Iêmen. O Presidente Al Sisi anunciou que a antiterrorismo draconiana; e prenderam e Liga Árabe concordou em formar uma "força encarceraram críticos do governo, líderes e militar árabe conjunta" para combater as ativistas políticos de oposição, submetendo ameaças regionais. alguns a desaparecimento forçado. As forças Em 13 de setembro, o exército e as forças de segurança usaram força excessiva contra de segurança na região do Deserto Ocidental manifestantes, refugiados, requerentes de atacaram e mataram 12 pessoas, incluindo asilo e migrantes. Os detidos sofreram oito turistas mexicanos, aparentemente

108 Anistia Internacional – Informe 2015/16 depois de confundi-los com membros de um 31 de outubro. Todas as 224 pessoas a bordo grupo armado. morreram, em sua maioria russas. Em 17 de Em 23 de setembro, o Presidente Al Sisi novembro, o Serviço Federal de Segurança perdoou 100 homens e mulheres, inclusive da Rússia anunciou que uma bomba havia jornalistas e dezenas de ativistas que haviam derrubado o avião. sido presos por participar de protestos. O perdão não se estendeu aos líderes do LIBERDADE DE EXPRESSÃO movimento juvenil egípcio ou aos líderes da Jornalistas que trabalhavam para veículos de Irmandade Muçulmana presos. comunicação críticos das autoridades ou Segundo dados oficiais, as eleições ligados a grupos de oposição foram parlamentares realizadas entre outubro e processados por divulgar "notícias falsas" e dezembro tiveram um comparecimento de outras acusações penais politicamente 28,3%. motivadas. Tribunais impuseram longas penas de prisão a vários deles e condenaram SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO um à morte. Pessoas continuaram a enfrentar Em agosto, o governo promulgou a Lei 94 de processos criminais por acusações como 2015, uma nova lei antiterrorismo que definia "difamação à religião" e ofensas à “moral um "ato terrorista" em termos vagos e pública" por exercerem pacificamente seu excessivamente amplos. A nova lei concedia direito à liberdade de expressão. Em ao Presidente poderes para "tomar as novembro, um jornalista investigativo de medidas necessárias a fim de garantir a destaque foi brevemente detido pelos ordem pública e a segurança", equivalentes serviços de inteligência militar e processado aos poderes concedidos no estado de por causa de um artigo que escreveu sobre o emergência; estabelecia tribunais especiais; e exército. previa a imposição de multas custosas para O repórter fotográfico Mahmoud Abu Zeid, jornalistas cujas informações sobre conhecido como Shawkan, foi encaminhado "terrorismo" divergissem das declarações a julgamento em agosto junto com outros 738 oficiais.2 réus, entre eles líderes e apoiadores do grupo Irmandade Muçulmana. Preso enquanto ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS cobria a dispersão violenta de uma ARMADOS manifestação pelas forças de segurança em Os grupos armados lançaram ataques 14 de agosto de 2013, Mahmoud Abu Zeid deliberados contra alvos civis. permaneceu detido sem acusação por quase Em 29 de junho, o Procurador-Geral foi dois anos, antes de o Ministério Público morto por uma bomba na capital, Cairo. A encaminhar seu caso a um tribunal. O autoria do atentado não estava clara. julgamento começaria em dezembro, mas foi O grupo armado Província do Sinai adiado por falta de espaço para acomodar reivindicou responsabilidade por vários centenas de réus no tribunal. ataques, inclusive um ocorrido em 29 de Em 1 de janeiro, o Tribunal de Cassação, a janeiro que teria matado 40 pessoas, entre máxima instância judicial do Egito, anulou as civis, soldados e policiais. Em 1 de julho, um condenações de três jornalistas presos que ataque realizado pelo mesmo grupo na trabalhavam para a emissora Al Jazeera – cidade de Sheikh Zuweid, no norte do Sinai, Peter Greste, Mohamed Fahmy e Baher matou 17 membros das forças armadas e de Mohamed – e ordenou um novo julgamento. segurança, de acordo com o Ministério da As autoridades deportaram Peter Greste em Defesa; pelo menos 100 membros do grupo 1 de fevereiro; Mohamed Fahmy e Baher armado também morreram no ataque. O Mohamed foram libertados mediante o Província do Sinai também reivindicou a pagamento de fiança em 12 de fevereiro, mas autoria da queda de um avião civil russo em foram condenados a três anos e três anos e

Anistia Internacional – Informe 2015/16 109 meio de prisão, respectivamente, em 29 de Irmandade Muçulmana. agosto, sob a acusação de difundir "notícias falsas" e exercer sua atividade sem USO EXCESSIVO DA FORÇA autorização. O Presidente Al Sisi perdoou a As autoridades restringiram arbitrariamente o ambos em 23 de setembro. direito à liberdade de reunião pacífica com Em 11 de abril, um tribunal do Cairo base na Lei de Protesto (Lei 107 de 2013). sentenciou 14 jornalistas ligados à oposição a Ocorreram menos protestos do que nos 25 anos de prisão por "difusão de notícias últimos anos, mas as forças de segurança falsas" e condenou à morte outro jornalista continuaram a usar força excessiva ou por supostamente formar "comitês de mídia" desnecessária para dispersar manifestações e "liderar e financiar um grupo proibido". O "não autorizadas" e outras reuniões públicas, tribunal julgou vários réus em sua ausência. resultando em mortes e ferimentos graves. Eles foram julgados como parte de um grupo Em 24 de janeiro, as forças de segurança de 51 pessoas, incluindo lideranças da mataram a tiros Shaimaa al-Sabbagh, que Irmandade Muçulmana. As pessoas que participava de uma manifestação no centro foram presas entraram com recursos junto ao do Cairo. Os vídeos e fotografias de sua Tribunal de Cassação, que anulou sua morte, amplamente divulgados, provocaram condenação em dezembro e ordenou um indignação. Pelo menos 27 pessoas novo julgamento. morreram por causa da violência relacionada aos protestos entre os dias 23 e 26 de janeiro LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO em todo o Egito, a maioria como resultado de Organizações de direitos humanos sofreram força excessiva utilizada pelas forças de restrições arbitrárias a suas atividades e segurança. Dois membros das forças de financiamento com base na Lei das segurança também morreram. Associações (Lei 84 de 2002). Os Pelo menos 22 torcedores do time de funcionários de algumas organizações de futebol Zamalek morreram durante um direitos humanos foram presos e interrogados tumulto num estádio de Novo Cairo, em 8 de tanto por agentes de segurança quanto por fevereiro, depois que as forças de segurança um "comitê de peritos" nomeado pelas imprudentemente lançaram gás lacrimogêneo autoridades como parte de uma investigação para dispersá-los. criminal em curso sobre as atividades e o financiamento estrangeiro de grupos de PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS direitos humanos. As autoridades impediram As forças de segurança prenderam 11.877 alguns ativistas políticos e de direitos membros de "grupos terroristas" entre janeiro humanos de viajar para o exterior.3 e o fim de setembro, de acordo com o Até o fim do ano, o governo afirmou ter ministro-adjunto de Segurança Pública do fechado mais de 480 ONGs por causa de Ministério do Interior. Havia suspeitas de que seus supostos vínculos com o grupo a repressão também visava membros e Irmandade Muçulmana. supostos apoiadores da Irmandade Em 21 de outubro, as forças de segurança Muçulmana, bem como outros críticos do invadiram a Fundação Mada para o governo. As autoridades haviam afirmado Desenvolvimento da Imprensa, uma ONG de anteriormente que em 2014 pelo menos jornalismo com sede no Cairo. Elas detiveram 22.000 pessoas tinham sido presas pela todos os presentes e interrogaram-nos por mesma razão. várias horas antes de libertá-los, exceto o Algumas pessoas detidas por motivos diretor da organização, que permaneceu políticos foram mantidas em detenção detido sem acusação por suspeitas de prolongada sem acusação nem julgamento. "suborno internacional – receber No fim do ano, pelo menos 700 pessoas financiamento estrangeiro" e pertencer à estavam em detenção preventiva havia mais

110 Anistia Internacional – Informe 2015/16 de dois anos sem terem sido condenadas por As celas estavam gravemente superlotadas e um tribunal, violando o limite de dois anos sem higiene e, em alguns casos, os para tais detenções, de acordo com a lei funcionários impediram familiares e egípcia. advogados de fornecer alimentos, remédios e O estudante Mahmoud Mohamed Ahmed outros itens para os presos. Hussein permaneceu detido sem acusação nem julgamento por mais de 700 dias depois JULGAMENTOS INJUSTOS de sua prisão, em janeiro de 2014, por vestir O sistema de justiça penal continuou a servir uma camiseta com os dizeres "Nação sem como um instrumento de repressão do tortura". De acordo com sua família, os Estado. Os tribunais condenaram centenas agentes penitenciários o agrediram em julho. de réus por acusações como "terrorismo", "protesto não autorizado", participação em DESAPARECIMENTOS FORÇADOS atos de violência política e pertencimento a Grupos de direitos humanos informaram ter grupos proibidos depois de julgamentos recebido dezenas de denúncias relativas a coletivos claramente injustos, nos quais os casos de pessoas detidas pelas forças de promotores não estabeleceram a segurança e, em seguida, mantidas responsabilidade penal individual dos réus.5 incomunicáveis, em condições que, em Pelo menos 3.000 civis foram julgados por alguns casos, caracterizavam tribunais militares injustos, por "terrorismo" e desaparecimento forçado. outras acusações relacionadas a atos de As forças de segurança detiveram os violência política. Muitos foram submetidos a estudantes Israa al-Taweel, Sohaab Said e julgamentos coletivos, entre eles líderes da Omar Mohamed Ali no Cairo, em 1 de junho, Irmandade Muçulmana. Julgamentos e os submeteram a desaparecimento forçado militares de civis são inerentemente injustos. durante 15 dias, durante os quais, segundo O ex-presidente Mohamed Morsi enfrentou Sohaab Said, ele e Omar Mohamed Ali foram cinco julgamentos distintos, ao lado de torturados. Ambos tiveram um julgamento centenas de outros réus, incluindo líderes da injusto perante um tribunal militar. Israa al- Irmandade Muçulmana. Em 21 de abril, um Taweel, portadora de deficiência causada por tribunal condenou-o a 20 anos de prisão por um tiro durante um protesto em 2014, foi seu suposto envolvimento nos confrontos libertada da prisão em dezembro, mas armados ocorridos em frente ao Palácio permanecia em prisão domiciliar. Presidencial, no Cairo, em dezembro de 2012. Em 16 de junho, ele foi condenado à TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS morte por supostamente planejar uma fuga Pessoas que foram detidas pelas forças de da prisão durante a revolta de 2011 e a 25 segurança e pelos serviços de inteligência anos de prisão pela acusação de militar foram torturadas, inclusive por meio de espionagem. Os julgamentos de Mohamed espancamentos, choques elétricos e posições Morsi foram fundamentalmente injustos, uma de estresse. As forças de segurança vez que se basearam em provas reunidas frequentemente agrediram detidos no enquanto ele estava submetido a momento da prisão e durante sua desaparecimento forçado pelo exército, transferência entre a delegacia e a durante os meses seguintes à sua deposição, penitenciária. Ao longo do ano, houve em 2013. No fim do ano, os veredictos de denúncias de mortes em custódia como outros julgamentos contra o ex-presidente resultado de tortura e outros maus-tratos, ainda estavam pendentes. bem como por falta de acesso a cuidados médicos adequados.4 IMPUNIDADE As condições de detenção nas prisões e Na maioria dos casos, as autoridades não delegacias de polícia continuaram péssimas. realizaram investigações efetivas,

Anistia Internacional – Informe 2015/16 111 independentes e imparciais sobre violações anunciar uma estratégia nacional de combate dos direitos humanos, incluindo o uso à violência e à discriminação contra mulheres repetido de força excessiva pelas forças de e meninas, as autoridades não aplicaram a segurança, que resultou na morte de maioria das medidas importantes, como centenas de manifestantes desde julho de alterar ou revogar a legislação discriminatória 2013. Ao invés disso, as investigações do sobre a condição jurídica das pessoas, que Ministério Público sobre os protestos e os impede as mulheres de obterem o divórcio de incidentes de violência política tiveram como um marido abusivo sem perder seus direitos foco supostos abusos cometidos por financeiros.6 opositores e críticos das autoridades. Os tribunais responsabilizaram um DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS pequeno número de membros das forças de RELIGIOSAS segurança por homicídios ilegais, em casos Minorias religiosas, incluindo cristãos coptas, relacionados a vários episódios que muçulmanos xiitas e bahá-ís, continuaram a suscitaram ampla condenação nacional e sofrer restrições discriminatórias. Ocorreram internacional. novos episódios de violência sectária contra Em 11 de junho, um tribunal condenou um as comunidades cristãs coptas, as quais membro das forças de segurança a 15 anos também enfrentaram obstáculos para a de prisão por ferir fatalmente a manifestante reconstrução de igrejas e de outras Shaimaa al-Sabbagh. No entanto, as propriedades danificadas em ataques autoridades também processaram sectários em 2013. individualmente 17 testemunhas oculares do O Ministério da Solidariedade Social fechou assassinato, incluindo a defensora dos a mesquita Al-Imam al-Hussein, no Cairo, de direitos humanos Azza Soliman, sob a 22 a 24 de outubro para impedir que os acusação de "protesto não autorizado" e muçulmanos xiitas celebrassem o Dia de "perturbação da ordem pública". Os tribunais Ashura no local; o Ministério afirmou que o absolveram as 17 testemunhas oculares em fechamento visava a evitar "falsidades xiitas". 23 de maio e, novamente, em 24 de outubro, após recurso interposto pelo Ministério DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, Público. BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E Em dezembro, dois membros das forças de INTERSEXUAIS segurança foram condenados a cinco anos Pessoas continuaram a enfrentar prisão, de prisão pela acusação de torturar até a detenção e julgamento por acusações de morte um advogado na delegacia de "devassidão" nos termos da Lei 10 de 1961, Mattareya, no Cairo, em fevereiro. com base em sua orientação sexual e Em novembro, o ex-presidente Hosni identidade de gênero, real ou percebida. Mubarak e vários oficiais graduados de suas Em 12 de janeiro, um tribunal absolveu da forças de segurança foram julgados acusação de "devassidão" 26 homens que novamente pelo Tribunal de Cassação, haviam sido presos em uma casa de banhos acusados de planejar uma repressão letal no Cairo, em dezembro de 2014. contra os manifestantes durante "a Revolução de 25 de Janeiro", em 2011. O julgamento DIREITOS DOS REFUGIADOS E ainda estava em andamento no fim do ano. MIGRANTES As forças de segurança continuaram a usar DIREITOS DAS MULHERES força excessiva e força letal desnecessária Mulheres e meninas continuaram a sofrer contra refugiados, requerentes de asilo e discriminação na lei e na prática e não foram migrantes que tentavam entrar ou sair do protegidas adequadamente contra a violência Egito de forma irregular.7 Pelo menos 20 sexual e baseada em gênero. Apesar de cidadãos sudaneses e uma cidadã síria foram

112 Anistia Internacional – Informe 2015/16 mortos quando tentavam deixar o Egito dessa 6. Circles of hell: Domestic, public and state violence against women in maneira. Egypt (MDE 12/004/2015) 7. Syria: Voices in crisis - August 2015 (MDE 24/2352/2015) DIREITO À MORADIA – REMOÇÕES 8. Egypt: Confirmation of 183 death sentences “outrageous” (News FORÇADAS story, 2 February) As forças armadas continuaram a remover à força comunidades que viviam ao longo da fronteira do Egito com Gaza, onde as EL SALVADOR autoridades queriam criar uma "zona tampão" de segurança. República de El Salvador O governo continuou a discutir planos de Chefe de Estado e de governo: Salvador Sánchez desenvolvimento para o Cairo que não Cerén incluíam garantias suficientes para evitar remoções forçadas. O aborto legal continuou totalmente proibido, violando direitos humanos das PENA DE MORTE mulheres. Defensores dos direitos humanos Tribunais condenaram à morte centenas de de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e réus considerados culpados de "terrorismo" e intersexuais (LGBTI), assim como aqueles outras acusações relacionadas com a que defendem e promovem os direitos violência política que se seguiu à deposição sexuais e reprodutivos, enfrentaram cada de Mohamed Morsi, em julho de 2013, bem vez mais riscos e, principalmente, sofreram como por homicídio e outros crimes. Entre os violência e intimidação por parte de agentes executados estavam presos condenados após do Estado, de indivíduos e de grupos julgamentos injustos perante tribunais penais privados. A Lei de Anistia de 1993 não foi e militares.8 derrubada, dificultando o acesso à Justiça e Pelo menos sete homens foram executados reparações para as vítimas das violações de por atos de violência política; um deles, direitos humanos cometidas durante o executado em 7 de março, foi submetido a conflito armado de 1980-1992. um julgamento injusto. Seis homens que foram executados em 17 de maio haviam INFORMAÇÕES GERAIS sido condenados após um julgamento Eleições legislativas e municipais ocorreram flagrantemente injusto perante um tribunal em março. Pela primeira vez, foi exigida uma militar, apesar das evidências de que os quota de gênero de 30% nas listas de agentes de segurança utilizaram tortura para candidatos. Nenhum partido alcançou o forçá-los a "confessar" crimes puníveis com a número necessário de representantes para morte e adulteraram suas datas de prisão em obter maioria na Assembleia Legislativa. documentos oficiais. A violência relacionada a gangues e o crime organizado cresceram acentuadamente, e as taxas de homicídio 1. Libya: Mounting evidence of war crimes in the wake of Egypt's dispararam. Dados oficiais registraram 4.253 airstrikes (News story, 23 February) homicídios nos primeiros oito meses do ano, 2. Egypt’s president to sign draconian counter-terrorism law today em comparação com 3.912 em todo o ano de (News story, 13 August) 2014. Os crimes violentos forçaram muitos 3. Egypt: Renewed crackdown on independent groups: Government salvadorenhos a deixar o país, além de investigating human rights workers (MDE 12/1873/2015) provocar o desalojamento interno de milhares 4. Egypt: Spate of detainee deaths points to rampant abuse at Cairo’s de famílias, segundo a Conferência da Materia Police Station (News story, 4 March) Sociedade Civil Sobre Desalojamento Forçado 5. Generation jail: Egypt's youth go from protest to prison (MDE pela Violência e o Crime Organizado de El 12/1853/2015) Salvador.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 113 Em setembro, a Comissão Interamericana recomendações para proporcionar acesso a de Direitos Humanos solicitou que El Salvador serviços de saúde sexual e reprodutivo, adotasse medidas de precaução para incluindo contraceptivos, o país apenas proteger a vida e a integridade física de três “observou” a recomendação de homens que foram supostamente submetidos descriminalizar o aborto e derrubar a a desaparecimentos forçados, assim como proibição absoluta. El Salvador calou-se com das suas famílias, que foram atacadas e relação à recomendação de libertar imediata ameaçadas após pedirem informações às e incondicionalmente todas as mulheres autoridades sobre o paradeiro de seus presas por fazer abortos ou sofrer abortos parentes. espontâneos.1 Em setembro, em meio a denúncias e Em novembro, a Ouvidoria de Direitos queixas de crescente violência contra Humanos divulgou a resolução do caso de comunidades LGBTI, a Assembleia Legislativa Maria Teresa Rivera, que havia sido reformou o Código Penal para aumentar as condenada a 40 anos de prisão após ter penas por crimes motivados por opiniões sofrido uma complicação obstétrica e ser políticas, ódio racial ou orientação sexual e injustamente acusada de fazer um aborto. O identidade de gênero. ouvidor encontrou violações do devido processo e da presunção de inocência e DIREITOS DAS MULHERES determinou que a participação de Maria Entre janeiro e outubro, 475 mulheres foram Teresa Rivera não foi comprovada durante o assassinadas, um aumento em comparação julgamento. às 294 de 2014, segundo informações coletadas pela Organização de Mulheres DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS Salvadorenhas pela Paz e dados oficiais. O Grupo de Cidadãos pela Descriminalização Apesar da Lei Especial Integral para uma Vida do Aborto Terapêutico, Ético e Eugênico e o Livre de Violência para as Mulheres, alguns Coletivo Feminista pelo Desenvolvimento juízes continuaram a qualificar assassinatos Local – organizações líderes na promoção dos de mulheres e meninas motivados por gênero direitos sexuais e reprodutivos – foram como homicídio em vez de crimes de intimidadas e estigmatizadas por autoridades feminicídio, como definido na lei, segundo a governamentais, indivíduos e grupos privados Organização de Mulheres Salvadorenhas pela devido ao seu trabalho pelos direitos das Paz. mulheres. Ambas as organizações foram Em janeiro, a Assembleia Legislativa chamadas de “grupos inescrupulosos” e aceitou o pedido de absolvição em favor de “traidores da pátria”. “Guadalupe”, uma mulher encarcerada por Defensores dos direitos humanos que razões relacionadas à gravidez. Ela foi trabalham pela defesa e promoção dos libertada depois de cumprir sete anos de uma direitos sexuais e reprodutivos também foram sentença de 30, com base em acusações de estigmatizados pela assistência legal “homicídio qualificado” após sofrer um aborto fornecida a mulheres condenadas por espontâneo. As autoridades reconheceram os homicídio após sofrerem emergências erros judiciais no processo original. Mais de obstétricas. Campanhas difamatórias contra 15 mulheres permaneceram presas sob esses defensores agravaram os riscos circunstâncias semelhantes. enfrentados. As autoridades não tomaram Em março, o Conselho de Direitos medidas eficientes para controlar a Humanos da ONU aprovou a conclusão da estigmatização e reduzir os riscos.2 Revisão Periódica Universal de El Salvador. Defensores de direitos humanos de Foram feitas quatorze recomendações comunidades LGBTI também denunciaram relacionadas a direitos sexuais e reprodutivos. violência e intimidação. Em maio, Francela Embora El Salvador tenha aceitado as Méndez, uma ativista transgênero e membro

114 Anistia Internacional – Informe 2015/16 da Rede de Mulheres Salvadorenhas de divulgada pela Câmara Constitucional. Defensoras de Direitos Humanos, foi Em julho, a Câmara Constitucional assassinada.3 Até o fim de 2015, ninguém determinou que as forças armadas eram havia sido levado à Justiça. Organizações responsáveis pelo desaparecimento forçado relataram um aumento dos casos de assédio de onze pessoas no contexto da “Operação e violência contra a comunidade transgênero de Limpeza” militar em 1982. A decisão da por agentes do Estado e outros indivíduos. Câmara Constitucional exigiu que o Ministério da Defesa Nacional fornecesse informações IMPUNIDADE sobre a operação, especialmente sobre o A Lei de Anistia de 1993 foi mantida, destino e o paradeiro das vítimas. A Câmara negando acesso à Justiça e a reparações Constitucional solicitou que o Gabinete do para as vítimas das violações de direitos Procurador-Geral iniciasse uma investigação humanos cometidas durante o conflito imediatamente. armado (1980-1992). Em abril, o ex-general e ministro da Defesa Eugenio Vides Casanova foi deportado dos EUA depois que um juiz de 1. Amnesty International calls on El Salvador to decriminalize abortion imigração na Flórida determinou em 2012 and immediately release all women imprisoned for pregnancy-related que ele deveria ser mandado de volta a El complications (AMR 29/1254/2015) Salvador por sua participação em violações 2. Defensores dos direitos humanos em perigo Protecting sexual and de direitos humanos cometidas pelas forças reproductive rights in the Americas (AMR 01/2775/2015) armadas durante o conflito armado.4 Até o fim 3. El Salvador: El Estado debe garantizar justicia en el asesinato de do ano, não havia informações públicas activista transgénero (AMR 29/1855/2015) indicando que o ex-general Vides estivesse 4. El Salvador: No amnesty for human rights violations (AMR enfrentando processos judiciais. 29/1431/2015) Em março, a Ouvidoria de Direitos Humanos apelou às autoridades para superar a impunidade que prevalece para as EQUADOR violações de direitos humanos cometidas durante o conflito armado. O ouvidor também República do Equador solicitou que a Assembleia Legislativa Chefe de Estado e de governo: Rafael Vicente Correa retirasse os efeitos legais da Lei de Anistia e Delgado recomendou com insistência que a Procuradoria-Geral da República investigue Pessoas que criticaram as autoridades, efetivamente as denúncias das vítimas. inclusive defensores dos direitos humanos, Em março, mais de um ano após uma enfrentaram ataques, multas e ações penais decisão judicial da Câmara Constitucional do infundadas. O direito dos povos indígenas Tribunal Superior de Justiça ordenar que o ao consentimento livre, prévio e informado Gabinete do Procurador-Geral fizesse uma sobre as decisões que afetam seus meios de investigação minuciosa do massacre de San subsistência não foi cumprido. Francisco Angulo ocorrido em 1981, quando 45 pessoas foram mortas supostamente por INFORMAÇÕES GERAIS membros do exército, a Câmara A Assembleia Nacional aprovou 15 emendas Constitucional exigiu que o Procurador-Geral constitucionais propostas pelo Executivo, que informasse o andamento da investigação. incluíam recorrer ao efetivo militar para Quase dois meses depois, o Procurador-Geral responder a situações de segurança pública apresentou um relatório, seguido por um internas, bem como possibilitar a reeleição segundo em julho, após a Câmara por tempo indeterminado do Presidente e de Constitucional solicitar mais detalhes. Até o outras autoridades. fim do ano, nenhuma decisão havia sido No decorrer do ano, aconteceram protestos

Anistia Internacional – Informe 2015/16 115 contra o governo em todo o território nacional, Fundamedios para “acatar a proibição de liderados por sindicatos, organizações de atuar em questões de natureza política, povos indígenas e sociedade civil. As evitando divulgar alertas infundados com o demonstrações se caracterizaram por único propósito de depreciar o prestígio do confrontos entre as forças de segurança e os Equador e de suas instituições”. manifestantes, bem como por denúncias de A defensora dos direitos humanos Paulina uso excessivo da força e de prisões arbitrárias Muñoz Samaniego foi submetida a uma pelas forças de segurança. Pelo menos 21 campanha de intimidação que ela acredita pessoas detidas durante os protestos contra o estar relacionada ao seu trabalho com a governo em dezembro na capital Quito foram Equador Decide, uma coalizão de sentenciadas judicialmente, motivando organizações da sociedade civil que se preocupações com a violação de seu direito a opõem ao Tratado de Livre Comércio (TLC) um julgamento justo. entre o Equador e a União Europeia. Apesar Em março, o Tribunal Internacional de de ela ter formalizado uma denúncia, Justiça (TIJ) sustentou uma decisão judicial nenhuma investigação havia sido aberta pelo de 2011 do Equador, que garantia ministério público até o fim do ano. compensação às comunidades indígenas do Em fevereiro, o ativista ambiental e líder Amazonas afetadas pelos danos ambientais comunitário Darwin Javier Ramírez Piedra foi causados pela Chevron, corporação do setor sentenciado a 10 meses de prisão, acusado de energia com sede nos EUA. A decisão do de “rebelião” por sua suposta participação TIJ determinou que um acordo anterior entre em um ataque contra uma delegação da a Chevron e as autoridades não impedia que Empresa Nacional Mineira do Equador os indígenas amazônicos demandassem (ENAMI). A promotoria não apresentou compensação da multinacional. Em outro provas consistentes contra ele, e a processo judicial, também em março, o condenação pareceu ser uma tentativa de Tribunal Penal Internacional concluiu que silenciar sua campanha contra o impacto das não tinha competência para julgar uma ação atividades de mineração sobre o direito à movida pelas comunidades indígenas contra água das comunidades Junin da região de o diretor geral da Chevron. Intag, na província de Imbabura, no norte do Equador. Darwin foi libertado no mesmo dia LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE em que sua sentença foi pronunciada, uma ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO vez que já havia cumprido sua pena em Defensores dos direitos humanos e outras detenção provisória. pessoas que criticaram abertamente as Veículos de imprensa continuaram a ser políticas governamentais foram ameaçados e multados com base em uma lei de hostilizados. Houve tentativas de impedi-los comunicação que dá amplos poderes ao de realizar seu trabalho, e casos de ataques, Superintendente de Comunicação e multas, hostilidades e ações penais Informação, um servidor público eleito a infundadas. partir de uma lista prévia apresentada pelo Em setembro, com base num decreto Presidente, para limitar e regular os meios de executivo conferindo amplos poderes às comunicação. Temia-se que a aplicação da autoridades para monitorar e dissolver lei estivesse ameaçando o direito à liberdade organizações não governamentais, a de expressão e criando um ambiente de Secretaria Nacional de Comunicação autocensura. Em maio, o jornal La Hora foi ameaçou fechar a ONG Fundamedios, ao que multado em 3.540 dólares por não ter feito a parece, em represália por suas denúncias de cobertura de um evento da Prefeitura da violações dos direitos à liberdade de cidade de Loja considerado de interesse expressão e de reunião. No fim de setembro, público. O jornal se recusou a pagar a multa. a Secretaria emitiu uma “advertência final” à Em fevereiro, o administrador da página

116 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Crudo Ecuador no Facebook, que publica memes de sátira política, fechou a página ESPANHA depois de receber ameaças. As intimidações começaram após o Presidente ter se referido Reino da Espanha à Crudo Ecuador em seu programa semanal Chefe de Estado: Rei Felipe VI de Borbón de televisão, encorajando seus apoiadores a Chefe de governo : Mariano Rajoy reagir aos que criticam as autoridades nas mídias sociais. A liberdade de reunião foi restringida por novas disposições legislativas. Houve DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS denúncias de casos de maus-tratos e de uso As autoridades continuaram não aplicando excessivo da força por policiais. As forças de integralmente a decisão de 2012 da Corte segurança também efetuaram expulsões Interamericana de Direitos Humanos em coletivas e usaram força excessiva contra favor dos índios Quíchua de Sarayaku, que pessoas que tentavam entrar de forma inclui a completa remoção dos explosivos irregular nos enclaves espanhóis de Ceuta e deixados em suas terras, bem como a Melilla a partir do Marrocos. A impunidade aprovação de uma legislação que continuou sendo motivo de grande regulamente o direito dos povos indígenas ao preocupação. consentimento livre, prévio e informado sobre leis, políticas e medidas que afetem seus INFORMAÇÕES GERAIS meios de subsistência. Em maio, pessoas As eleições gerais de dezembro resultaram autorizadas pelo Ministério do Ambiente em um Parlamento fragmentado. O Partido adentraram o território Sarayaku sem o seu Popular, liderado por Mariano Rajoy, consentimento para realizar um estudo de presidente em exercício, apesar de ter sido o impacto ambiental para futura extração de mais votado, não conquistou um número petróleo de suas terras. suficiente de cadeiras para sozinho formar o governo. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Houve menos manifestações que em anos Meninas e mulheres continuaram tendo anteriores contra as medidas de austeridade acesso limitado a métodos anticoncepcionais do governo, embora essas medidas modernos, sendo que as mais vulneráveis continuassem em vigor e afetassem eram afetadas de modo desproporcional. Em negativamente os direitos humanos. fevereiro, o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE manifestou preocupação com a limitação do REUNIÃO acesso a serviços, educação e informações Entraram em vigor em julho uma reforma do de saúde sexual e reprodutiva. Código Penal e uma nova Lei de Segurança O aborto permaneceu ilegal em todos os Cidadã. Ambas tipificavam delitos que casos, exceto quando a vida da mulher poderiam limitar de maneira desproporcional estivesse em perigo ou em caso de estupro se o exercício legítimo do direito à liberdade de a vítima apresentasse deficiência mental. expressão e de reunião pacífica. A Lei de Segurança Cidadã impunha limites sobre onde e quando poderiam ocorrer manifestações, e punições adicionais a quem realizasse manifestações espontâneas em frente a certos edifícios públicos. Além disso, os policiais tinham ampla liberdade para multar quem mostrasse “falta de respeito” com eles. A lei também tornava crime

Anistia Internacional – Informe 2015/16 117 difundir imagens dos policiais em emendada a fim de legalizar a expulsão determinadas circunstâncias. Em julho, o automática e coletiva de migrantes e Comitê de Direitos Humanos da ONU refugiados nas fronteiras dos enclaves manifestou preocupação com os efeitos espanhóis de Ceuta e Melilla. Essa disposição dessa lei. abria caminho para novas expulsões coletivas, proibidas pelo direito internacional. TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS No entanto, o número de pessoas que Em maio, o Comitê contra a Tortura da ONU tentavam cruzar as cercas que separam expressou preocupação com a continuidade Melilla do Marrocos diminuiu a partir de da detenção em regime de fevereiro, quando as autoridades marroquinas incomunicabilidade e recomendou que a desmancharam vários acampamentos Espanha modificasse a definição de tortura improvisados no norte do país. em sua legislação e investigasse de forma Em maio, o Comitê contra a Tortura da efetiva todas as denúncias de tortura e outros ONU manifestou preocupação com a prática maus-tratos. de “devoluções ainda quentes” a partir das Houve denúncias de maus-tratos por cidades autônomas de Ceuta e Melilla, onde agentes da lei na fronteira e nos centros de as rejeições na fronteira impediam o acesso detenção. Os atrasos e a ineficácia das aos procedimentos de asilo. investigações sobre esses casos foram motivo Em julho, o Comitê de Direitos Humanos de preocupação. Muitos foram arquivados da ONU exortou a Espanha a cumprir o sem os devidos processos, inclusive vários princípio de não devolução (non-refoulement) em que não foi possível identificar os policiais e proporcionar acesso a procedimentos envolvidos porque seus uniformes não tinham efetivos de asilo. crachás de identificação. Em agosto, foram arquivadas as No fim do ano, ainda não havia começado investigações em Melilla sobre o caso de um o julgamento penal de dois agentes da lei migrante espancado por agentes da Guarda acusados de lesão corporal grave contra Ester Civil quando tentava cruzar a fronteira entre o Quintana, que perdeu um olho ao ser atingida Marrocos e Melilla, e devolvido de forma por uma bala de borracha disparada pela sumária para o Marrocos, em outubro de polícia durante um protesto em Barcelona em 2014. O tribunal não conseguiu colher os novembro de 2012. Em setembro, em um depoimentos de outros migrantes, uma vez acordo extrajudicial, o governo da Catalunha que todos eles também foram expulsos aceitou pagar-lhe uma indenização de coletivamente na mesma operação policial. 260.000 euros. Depois de espancado pelos guardas, o homem foi deixado inconsciente do lado DIREITOS DOS REFUGIADOS E DOS marroquino da fronteira. Apesar de existirem MIGRANTES provas em vídeo, o Ministério do Interior Em 3 de fevereiro, seis homens provenientes alegou ser impossível identificar os agentes da África subsaariana foram devolvidos envolvidos. Um recurso contra a decisão de sumariamente de Ceuta para o Marrocos. Em arquivar a investigação continuava pendente anos anteriores, principalmente em Melilla, no fim do ano. foram denunciados com frequência casos Em outubro, uma investigação sobre o uso semelhantes de expulsões coletivas, em que de força excessiva pela Guarda Civil na praia agentes da Guarda Civil devolveram à força de El Tarajal em fevereiro de 2014, foi para o Marrocos pessoas que estavam sob encerrada sem fazer qualquer indiciamento. seu controle, sem avaliar individualmente sua Os agentes da Guarda Civil usaram balas de situação e sem lhes dar a oportunidade de borracha e bombas de fumaça para impedir requerer asilo. que cerca de 200 pessoas chegassem a nado Em março, a Lei de Estrangeiros foi do lado marroquino ao lado espanhol da

118 Anistia Internacional – Informe 2015/16 praia. Vinte e três pessoas foram devolvidas apesar dos temores de que corresse risco de de forma ilegal ao Marrocos e pelo menos 14 sofrer tortura ao retornar e de que o Comitê morreram no mar. havia solicitado medidas cautelares para que Continuaram as restrições à liberdade de ele não fosse expulso enquanto seu caso circulação dos requerentes de asilo, uma vez estivesse sendo examinado. que em Ceuta e Melilla ainda se exigia que Em julho, vários artigos do Código Penal tivessem autorização da polícia para se relativos a terrorismo foram modificados, deslocar dos enclaves ao continente. Essas inclusive a definição do que constitui um ato restrições infringem a legislação nacional e de terrorismo, que passou a ser mais ampla. foram declaradas ilegais por vários tribunais O relator especial da ONU sobre a liberdade espanhóis. de expressão observou que essas O Centro de Estadia Temporária de modificações poderiam criminalizar Migrantes em Melilla estava superlotado. Os comportamentos que, de outra forma, não requerentes de asilo costumavam ter que constituiriam terrorismo, podendo resultar em esperar em Melilla pelo menos dois meses ou restrições desproporcionais ao legítimo mais antes de serem transferidos para o exercício da liberdade de expressão, entre continente. O período de espera em Ceuta outras limitações. era ainda maior. Até o fim de novembro, 12.500 pedidos de DISCRIMINAÇÃO asilo foram apresentados na Espanha. Em A nova Lei de Segurança Cidadã estabeleceu outubro, de acordo com o regime europeu de que a polícia deveria efetuar as abordagens transferências, a Espanha aceitou realocar para verificação de identidade sem 14.931 requerentes de asilo antes do fim de discriminar por razões de origem étnica ou 2016. Em 2015, o país ofereceu apenas 130 quaisquer outras. vagas para reassentamento. Em maio, o governo criou um observatório Cerca de 750.000 migrantes sem contra a discriminação por orientação sexual documentos estavam vivendo na Espanha e identidade de gênero, para receber sem acesso adequado a serviços de saúde. denúncias de vítimas e testemunhos e Vários organismos da ONU recomendaram possibilitar uma resposta rápida aos atos de que o país garantisse o acesso universal a discriminação por esses motivos. esses serviços. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO De acordo com o Ministério da Saúde, As reformas feitas em outubro à Lei de Políticas Sociais e Igualdade, 56 mulheres Processo Penal não eliminaram o uso da foram mortas por seus parceiros ou ex- detenção em regime de incomunicabilidade, parceiros até meados de dezembro. apesar das preocupações dos organismos Em julho, o Comitê para a Eliminação da internacionais de direitos humanos de que Discriminação contra a Mulher instou a essas detenções descumpriam as obrigações Espanha a garantir que todas as mulheres internacionais da Espanha. As melhoras se vítimas de violência motivada por gênero limitaram a excluir menores de 16 anos da tenham acesso à reparação e proteção, que aplicação da detenção em regime de os funcionários que as atendam tenham incomunicabilidade. formação adequada e que os responsáveis Em julho, o Comitê de Direitos Humanos sejam processados. mais uma vez recomendou que a Espanha No fim do ano, o governo continuava se oferecesse uma reparação efetiva a Ali negando a proporcionar reparação a Ángela Aarrass pelas torturas e maus-tratos que González Carreño. Ela foi vítima de violência sofreu no Marrocos. Em 2010, ele foi doméstica e teve a filha assassinada pelo ex- extraditado da Espanha para o Marrocos, parceiro em 2003, não tendo recebido

Anistia Internacional – Informe 2015/16 119 proteção adequada apesar de haver ou tutor para ter acesso a serviços de aborto denunciado casos anteriores de violência seguros e legais. Tanto o Comitê CEDAW familiar. quanto o grupo de trabalho da ONU sobre a questão da discriminação contra a mulher IMPUNIDADE instaram a Espanha a não restringir o acesso As definições de desaparecimento forçado e de mulheres e meninas a esses serviços. O tortura na legislação espanhola continuaram Comitê de Direitos Humanos também incompatíveis com o direito internacional dos recomendou que a Espanha se certificasse direitos humanos. Restrições ao exercício da de que nenhuma barreira legal force as jurisdição universal levaram ao arquivamento mulheres a recorrer a abortos clandestinos de casos internacionais importantes. Em que ponham sua vida e sua saúde em risco. particular, em julho, o Tribunal da Audiência Nacional decidiu suspender sua investigação MORADIA sobre tortura e outros maus-tratos no centro Segundo as estatísticas publicadas em março de detenção dos EUA na Baía de pelo Conselho Geral do Poder Judiciário, Guantánamo, em Cuba. A suspensão se deu entre 2008 e 2014 foram iniciados na mesmo com a apresentação de documentos Espanha 578.546 processos de execução em maio indicando que agentes espanhóis hipotecária. Nos primeiros nove meses de estiveram implicados no interrogatório de 2015, foram iniciados outros 52.350. pessoas detidas no centro. Um recurso As medidas adotadas pelo governo em estava pendente no fim do ano. anos anteriores para melhorar a situação das Também em julho, um tribunal militar pessoas em risco de perder sua casa não arquivou a investigação das torturas infligidas proporcionaram soluções efetivas àquelas por cinco militares espanhóis a dois cujos direito à moradia pudesse estar sendo indivíduos detidos em uma base militar violado. espanhola no Iraque em 2004, alegando que Em junho, o Comitê de Direitos não puderam identificar nem os responsáveis Econômicos, Sociais e Culturais da ONU nem as vítimas. Ficaram dúvidas sobre a pediu que a Espanha garantisse o acesso a eficácia da investigação do tribunal militar. recursos judiciais para as pessoas que O direito à verdade, à justiça e à reparação estavam enfrentando processos de execução continuou sendo negado às vítimas de crimes hipotecária. cometidos durante a Guerra Civil Espanhola e o regime de Franco (1936-1975), pois as autoridades espanholas não cooperaram de ESTADOS UNIDOS forma adequada com os juízes argentinos que investigavam esses crimes. Em março, o DA AMÉRICA governo rejeitou uma solicitação apresentada pela Justiça argentina para a extradição de Estados Unidos da América 17 pessoas. Posteriormente, um grupo de Chefe de Estado e de governo: Barack Obama peritos da ONU exortou a Espanha a cumprir sua obrigação de extraditar ou julgar pessoas Não houve prestação de contas nem responsáveis por graves violações de direitos reparações pelos crimes contra o direito humanos. internacional cometidos com o programa secreto de detenções operado pela Agência DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Central de Inteligência (CIA). Dezenas de Uma legislação aprovada em setembro pessoas continuaram em detenção militar requeria que as mulheres menores de 18 por tempo indeterminado na base naval que anos e aquelas com deficiência intelectual os EUA mantêm na Baía de Guantánamo, obtivessem o consentimento de seu pai, mãe em Cuba, enquanto prosseguiam os

120 Anistia Internacional – Informe 2015/16 julgamentos de alguns dos casos por impunidade pelas violações de direitos comissões militares. Continuou causando humanos cometidas de forma sistemática ao preocupação o uso do regime de isolamento abrigo do programa secreto de detenções nas penitenciárias estaduais e federais, operado pela CIA, com autorização do ex- assim como o uso de força nas práticas presidente George W. Bush após os ataques policiais. Vinte e sete homens e uma mulher de 11 de setembro de 2001. foram executados durante o ano. Os Estados Unidos também afirmaram ao CDH que “apoiavam a transparência” com INFORMAÇÕES GERAIS relação a essa questão. Até o fim do ano, Em março, setembro e novembro, porém, mais de 12 meses após a publicação respectivamente, os Estados Unidos de um resumo, desclassificado do caráter forneceram suas respostas ao confidencial, de um relatório do Comitê de acompanhamento anual do Comitê de Inteligência do Senado relativo ao programa Direitos Humanos (CDH) da ONU, do Comitê da CIA, o relatório integral do Comitê, com para a Eliminação da Discriminação Racial 6.700 páginas, contendo detalhes do (CERD) e do Comitê contra a Tortura, tratamento de cada detento, permanecia relativas às recomendações prioritárias que classificado como altamente secreto. Se não esses órgãos fizeram após examinar o todos, a maioria dos detentos foi submetida a cumprimento pelo país do Pacto desaparecimento forçado e a condições de Internacional sobre Direitos Civis e Políticos detenção e/ou técnicas de interrogatório que (PIDCP), da Convenção para a Eliminação da violam a proibição da tortura e de outros Discriminação Racial (CERD) e da Convenção tratamentos cruéis, desumanos ou da ONU contra a Tortura. degradantes. A classificação secreta do Em maio, a situação dos direitos humanos relatório continuou a facilitar a impunidade e nos Estados Unidos foi avaliada segundo o a negação de recursos legais.1 processo de Revisão Periódica Universal da Durante o ano, promotores militares teriam ONU. Em setembro, os EUA aceitaram cerca tomado conhecimento de um arquivo sigiloso de três quartos das 343 recomendações na internet com aproximadamente 14.000 resultantes do processo. Assim como em fotografias de locais de detenção secretos 2011, o país declarou apoiar os pedidos para (black sites) da CIA no Afeganistão, na o fechamento da unidade de detenção de Tailândia, na Polônia, na Romênia, na Guantánamo, para a ratificação da Lituânia e possivelmente outros lugares, Convenção sobre os Direitos da Criança e da contendo imagens de detidos nus sendo Convenção sobre a Eliminação de Todas as transportados. As fotografias não haviam sido Formas de Discriminação contra a Mulher, divulgadas até o fim do ano. assim como para a prestação de contas sobre a prática de tortura. Nada disso foi feito até o COMBATE AO TERRORISMO E DETENÇÕES fim do ano. Os prisioneiros mantidos na unidade de detenção de Guantánamo continuaram sendo IMPUNIDADE privados de seus direitos humanos com base Na comunicação anual que faz ao CDH, os no falso paradigma de “guerra global” dos EUA afirmaram ter proibido a tortura e outros EUA e em sua interpretação da não maus-tratos, o desaparecimento forçado e a aplicabilidade das leis internacionais de detenção arbitrária de “de qualquer pessoa direitos humanos a essas detenções. Em sua em sua custódia, onde quer que esteja resposta como parte do seguimento anual ao detida” e que faziam “toda pessoa pedido da CDH para que a detenção responsável por tais atos prestar contas”. administrativa e as comissões militares a que Contudo, até o fim do ano, nenhuma medida são submetidos os detentos de Guantánamo havia sido tomada para acabar com a fossem encerradas, os EUA reiteraram sua

Anistia Internacional – Informe 2015/16 121 posição errônea sobre extraterritorialidade, de que teria sido preso na Turquia em 2006, que as “obrigações do Pacto se aplicam transferido à custódia dos EUA, detido somente a indivíduos que se encontrem ao secretamente pela CIA e transferido para mesmo tempo dentro do território do Estado Guantánamo em 2007. Ele fora indiciado no Parte e da jurisdição desse Estado”. Com dia 18 de junho de 2014. No fim do ano, o relação à requisição do Comitê para a julgamento ainda não havia terminado. Eliminação da Discriminação Racial (CERD) Majid Khan e Ahmed Mohammed al Darbi de pôr um fim “sem mais demoras” às ainda aguardavam sua sentença depois de detenções em Guantánamo, os EUA fazer acordo de declaração de culpa em responderam que não concordavam que tal 2012 em 2014 respectivamente, “pedido tivesse respaldo direto nas concordando em não processar os EUA pelo obrigações da Convenção”. tratamento que haviam recebido quando em No fim do ano, 107 indivíduos custódia. Ahmed Mohammed al Darbi foi continuavam detidos em Guantánamo. A preso por autoridades civis no Azerbaijão em maioria sem acusação ou julgamento. junho de 2002 e transferido à custódia dos Aproximadamente a metade deles teve sua EUA dois meses depois. Ele denuncia ter transferência aprovada havia pelo menos sofrido maus-tratos. Majid Khan foi mantido cinco anos. No decorrer do ano, 21 detidos no programa de detenções secretas da CIA foram transferidos da base para a Estônia, o desde 2003, tendo sido submetido a Marrocos, a Arábia Saudita, a Mauritânia, desaparecimento forçado, tortura e outros Oman, os Emirados Árabes Unidos e o Reino maus-tratos antes de ser transferido para Unido. Guantánamo em 2006. Emergiram durante o Prosseguiram as audiências do Conselho ano maiores detalhes sobre seu tratamento de Revisão Periódica. Esses procedimentos em custódia da CIA, que incluiu estupro, de revisão administrativos, que agressão sexual, espancamento, comprometem os processos regulares de confinamento prolongado em regime de justiça penal, aplicam-se aos detidos que não isolamento e escuridão, passar dias estão sendo julgados por comissões militares dependurado em uma trave de madeira e nem tiveram sua transferência aprovada por ameaças contra ele e sua família. outras revisões administrativas. Em junho, um comitê de três juízes da Procedimentos preliminares de comissões Corte de Apelações dos EUA nulificou a militares prosseguiam contra cinco detidos condenação por uma comissão militar de Ali acusados de envolvimento nos atentados de Hamza Suliman al Bahlul, detido em 11/9 e indiciados em 2012 com base na Lei Guantánamo. Ele havia sido condenado por de Comissões Militares para receber a pena conspiração para cometer crime de guerra, de morte. Os cinco homens – Khalid Sheikh mas o tribunal a rejeitou com base em que tal Mohammed, Walid bin Attash, Ramzi bin al- acusação não era reconhecida no direito Shibh, Ali Abd al-Aziz e Mustafa al Hawsawi, internacional e não poderia ser julgada por mais Abd al-Rahim al-Nashiri, denunciado um tribunal militar. Em setembro, um recurso em 2011 em processo com pena capital por das autoridades para que a Corte realizasse participação no atentado contra o navio de nova audiência do caso foi aceito, e as guerra USS Cole no Iêmen em 2000 – foram alegações orais ocorreram em 1 de mantidos em regime de incomunicabilidade dezembro. Até o fim do ano, ainda não havia sob custódia secreta dos EUA por quase uma decisão. quatro anos antes de serem transferidos para Guantánamo em 2006. Seus julgamentos USO EXCESSIVO DA FORÇA ainda não haviam iniciado no fim do ano. Pelo menos 43 pessoas em 25 estados Procedimentos preliminares também morreram depois de atingidas por armas de prosseguiam no caso de Abd al Hadi al Iraqi, eletrochoque usadas pela polícia, elevando

122 Anistia Internacional – Informe 2015/16 para 670 o número dessas mortes desde tortura e um centro de aconselhamento aos 2001. A maioria das vítimas não estava sobreviventes da tortura. armada nem parecia ameaçar qualquer pessoa de morte ou ferimentos graves DIREITOS DOS MIGRANTES quando a arma de eletrochoque foi usada. Mais de 35.000 crianças desacompanhadas A morte de Freddie Gray em abril e o e 34.000 famílias foram apreendidas ao aniversário de um ano da morte de Michael cruzar a fronteira Sul do país durante o ano, Brown foram motivo de protestos em muitas fugindo da violência e da insegurança Baltimore, no estado de Maryland, e em no México e na América Central. As famílias Ferguson, no estado de Missouri, ficavam detidas por meses enquanto respectivamente. Protestos similares contra o reivindicavam permanecer nos EUA; muitas uso da força por parte da polícia ocorreram eram mantidas em unidades sem acesso em cidades como Cleveland, em Ohio, e St. adequado a cuidados médicos, comida Louis, no Missouri, entre outras. O uso de salubre, água potável e assistência jurídica. pesadas indumentárias antidistúrbio e de Pessoas transgênero costumavam ser detidas armas e equipamentos de uso militar para o de acordo com seu gênero de nascimento, o policiamento de manifestações visava a que as deixava suscetíveis a abusos, ou eram intimidar os manifestantes que exerciam seu mantidas em regime de isolamento e sem direito de reunião pacífica. acesso a terapia hormonal. As autoridades não mantiveram registro do número exato de pessoas mortas por agentes DIREITOS DAS MULHERES da lei a cada ano – as estimativas variavam Apesar dos benefícios legislativos da entre 458 e 1.000 mortes. De acordo com os confirmação da Lei da Violência contra a dados limitados disponíveis, homens negros Mulher, inclusive das cláusulas que tratam foram vitimados de modo desproporcional por dos altos níveis de violência contra mulheres homicídios cometidos por policiais. As indígenas e preveem proteção e serviços às legislações estaduais sobre o uso de força sobreviventes de violência doméstica, as letal são demasiado permissivas; nenhuma mulheres indígenas dos Estados Unidos e do limita o uso de armas de fogo a um último Alaska que foram estupradas continuavam recurso que só deve ser empregado depois sem ter acesso a cuidados básicos, inclusive de se esgotarem outros meios não violentos e exames e outros serviços médicos essenciais, menos lesivos, e quando um policial ou como anticoncepcionais de emergência. As outras pessoas estejam sob ameaça iminente mulheres indígenas dos Estados Unidos e do de morte ou lesão grave. Alaska continuaram a vivenciar níveis desproporcionais de violência; sua TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS probabilidade de sofrer estupro ou violência A cidade de Chicago, no estado de Illinois, sexual era 2,5 vezes maior que a de outras aprovou uma portaria para estipular mulheres do país. reparações a mais de 100 sobreviventes de Havia grandes disparidades no acesso das tortura cometida por agentes do mulheres a cuidados de saúde sexual e Departamento de Polícia de Chicago de 1972 reprodutiva, inclusive a serviços de saúde a 1991. A portaria prevê um fundo de 5,5 materna. As mulheres afrodescendentes milhões de dólares para os sobreviventes, um continuaram tendo uma probabilidade quase pedido de desculpas formal da Câmara de quatro vezes maior de morrer por causas Vereadores de Chicago, um componente relacionadas à gravidez do que as mulheres educacional nas escolas públicas de Chicago brancas. Mais de 230 projetos de lei foram sobre a história da tortura praticada pelo apresentados em vários estados dos EUA Departamento de Polícia da cidade, um visando a restringir o acesso a abortos memorial público para os sobreviventes da seguros e legais.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 123 CONDIÇÕES PRISIONAIS o veto do governador ao projeto de lei Um número de presos nunca menor que referente. Entretanto, a anulação do 80.000 era mantido em condições de parlamento estava suspensa no fim do ano, privação física e social nas penitenciárias depois que seus oponentes coletaram uma federais e estaduais de todo o país. quantidade de assinaturas suficiente para Em setembro, um acordo inédito em uma requerer por meio de petição que a questão ação coletiva, Ashker v. Brown, praticamente fosse a voto popular em novembro de 2016. eliminou o regime de isolamento prolongado A oposição à pena de morte continuou a e indefinido em unidades especiais de ganhar impulso no país; em fevereiro o segurança na Califórnia. Segundo os termos governador do estado da Pensilvânia do acordo, a vasta maioria dos presos detidos anunciou uma moratória das execuções. No nessas unidades seria transferida para as fim do ano, moratórias também continuavam unidades que abrigam a população carcerária em vigor nos estados de Washington e geral. Em reconhecimento aos efeitos Oregon. danosos do regime de isolamento de longo Warren Hill foi executado no estado da prazo, os presos que ficaram por mais de 10 Geórgia em 27 de janeiro. Todos os peritos anos detidos nessas unidades serão que o examinaram, inclusive a serviço do transferidos imediatamente a ambientes estado, concordaram que ele apresentava restritos em unidades de população deficiência intelectual, o que tornava carcerária geral para começarem um inconstitucional sua execução. Cecil Clayton, programa de dois anos que deverá finalmente um homem de 74 anos, foi executado em 17 reintegrá-los à população carcerária geral. de março no estado de Missouri. Ele havia Em março, a publicação de uma auditoria sido diagnosticado com demência e um “independente” sobre o uso do regime de transtorno psicótico causado por uma grave isolamento em unidades do Serviço Federal lesão cerebral. de Prisões apontava diversas inadequações O governador de Missouri comutou a pena do sistema, inclusive relativas à saúde mental de morte de Kimber Edwards pouco antes de e aos programas de readaptação de internos ele ser executado em outubro. O homem que que passaram períodos prolongados em atirou na vítima, e que está cumprindo pena isolamento. As recomendações da auditoria de prisão perpétua depois de admitir sua não trataram de como melhorar os efeitos culpa em troca de evitar a pena de morte, danosos que o isolamento exerce sobre a assinou uma declaração se retratando das saúde física e mental dos reclusos, nem de afirmações que fizera logo após ser preso fazer com que o Serviço Federal de Prisões implicando Kimber Edwards no homicídio. se ajuste a suas obrigações internacionais.2 Kelly Gissendaner foi executada no estado da Geórgia em 30 de setembro pelo PENA DE MORTE homicídio de seu marido. O homem que se Vinte e sete homens e uma mulher foram declarou culpado de ter atirado na vítima e executados em seis estados, elevando para testemunhou contra a esposa está cumprindo 1.422 o número total de execuções desde pena de prisão perpétua. Vários internos e ex- que a Suprema Corte reintroduziu a pena de agentes penitenciários apoiaram a concessão morte em 1976. Esse foi o maior número de de clemência a Kelly Gissendaner, com base execuções no período de um ano desde em sua reabilitação e na influência positiva 1991. Cerca de 50 novas sentenças capitais que ela exerceu sobre a vida prisional e sobre foram proferidas. Quase 3.000 pessoas os reclusos. continuavam no corredor da morte no fim do Vários estados continuaram sendo objeto ano. de ações judiciais referentes aos protocolos O parlamento do estado de Nebraska para aplicação de injeções letais e aos aprovou a abolição da pena capital, anulando problemas na aquisição das drogas utilizadas

124 Anistia Internacional – Informe 2015/16 nas execuções. Em 29 de junho, no caso Glossip v. Gross, a Suprema Corte manteve a FRANÇA continuação do uso de midazolam como um dos sedativos do protocolo de três drogas do República Francesa estado de Oklahoma. Dois juízes divergentes Chefe de Estado: François Hollande argumentaram que a Corte deveria rever a Chefe de governo: Manuel Valls constitucionalidade da pena de morte. Sua contestação arguia ser “altamente provável” Em janeiro e novembro, foram realizados que a pena capital fosse agora diversos ataques contra a população na inconstitucional, inclusive por seu caráter capital, Paris, e em seus arredores, matando arbitrário e sua falta de credibilidade. mais de 140 pessoas e ferindo centenas. Após a decisão, o estado de Oklahoma Em janeiro, o governo adotou novas medidas marcou a execução de Richard Glossip, um de combate ao terrorismo. Em 14 de dos autores da ação que contestava as novembro, foi declarado formalmente um injeções letais. Poucas horas antes de ele ser estado de emergência, posteriormente executado em 16 de setembro e, depois estendido pelo Parlamento até fevereiro de disso, alguns minutos antes de ele ser 2016. executado na nova data marcada em 30 de setembro, o governador suspendeu a SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO execução quando foi revelado que as Em janeiro, ataques violentos contra autoridades penitenciárias possuíam a droga jornalistas da revista semanal satírica Charlie errada. Descobriu-se posteriormente que Hebdo e um supermercado judeu deixaram essa droga havia sido usada em pelo menos 17 pessoas mortas em Paris. Como uma execução, a de Charles Warner em consequência dos ataques, o governo emitiu janeiro. O procurador-geral do estado diversos decretos visando à implementação requereu e obteve uma suspensão da de algumas disposições da lei de combate ao execução da sentença por tempo indefinido terrorismo de 2014. Destaca-se entre eles o e, em outubro, a procuradoria informou que decreto emitido pelo governo em 14 de não marcaria quaisquer novas execuções até janeiro proibindo viagens ao exterior com o pelo menos 150 dias depois de concluídas as propósito de cometer atos terroristas investigações sobre o protocolo de conforme definidos na legislação francesa. De execuções. acordo com o Ministério do Interior, entre Em outubro, as autoridades penitenciárias janeiro e novembro, 222 pessoas foram do estado de Ohio anunciaram que 11 afetadas por essa proibição. execuções programadas para 2016 estavam Em 5 de fevereiro, as autoridades emitiram sendo remarcadas para 2017, 2018 e 2019, um decreto que regulava o bloqueio pois o estado continuava buscando “meios administrativo de sites, incluindo aqueles que legais” de obter as drogas para as injeções se considerasse que incitavam ou letais. justificavam atos terroristas. Segundo o Durante o ano, seis presos foram Ministério do Interior, 87 sites foram absolvidos dos crimes pelos quais bloqueados entre janeiro e novembro. Além originalmente haviam sido condenados à disso, cerca de 700 pessoas foram morte, elevando para 156 o número dessas processadas por incitar ou justificar o exonerações desde 1973. terrorismo, com base em uma nova disposição (“apologia ao terrorismo”) introduzida na lei de combate ao terrorismo 1. USA: Crimes and impunity (AMR 51/1432/2015) de 2014. Devido à definição vaga do delito, 2. USA: Entombed: Isolation in the US federal prison system (AMR em muitos casos as autoridades processaram 51/040/2014) indivíduos por declarações que não

Anistia Internacional – Informe 2015/16 125 constituíam incitação à violência, mas se muçulmanos, fechando-os em alguns casos. enquadravam no âmbito do exercício legítimo As autoridades impuseram residência da liberdade de expressão. permanente a 26 ambientalistas no contexto Após uma série de oito ataques armados da COP 21 com base em seu possível aparentemente coordenados em Paris e nos envolvimento em manifestações violentas. seus arredores, em 13 de novembro, resultando em 130 mortes e centenas de VIGILÂNCIA feridos, o governo declarou estado de Em julho, o Parlamento aprovou uma lei que emergência. Em 20 de novembro, o concedia ao primeiro-ministro o poder de Parlamento aprovou um projeto de lei que autorizar – sem supervisão judicial estendia o estado de emergência até 26 de independente e com o único requisito de fevereiro de 2016, alterava a lei de 1955 consultar um comitê ad hoc – o uso de sobre o estado de emergência e introduzia medidas de vigilância no território nacional uma série de medidas que diferem do regime com uma ampla variedade de objetivos, como penal comum. Essas medidas incluíram a proteção de interesses econômicos ou de realizar buscas domiciliares sem mandado interesses gerais de política externa. As judicial, impor um local de residência medidas incluíram o poder de empregar permanente e dissolver associações ou técnicas de vigilância em massa para grupos vagamente definidos como combater o terrorismo. participantes de ações que violam a ordem Em novembro, foi aprovada outra lei que pública. Com base nessa lei, a realização de permitia a vigilância em massa de todas as tais medidas não exigia autorização judicial comunicações eletrônicas enviadas ao – ou prévia. recebidas do – exterior. O primeiro-ministro Em dezembro, o governo propôs um tinha o poder de autorizar esse tipo de projeto de lei para incluir uma disposição vigilância, sem qualquer consulta prévia ou sobre o estado de emergência na supervisão judicial independente, a fim de Constituição. atingir objetivos vagamente definidos. Segundo o Ministério do Interior, a polícia realizou 2.029 buscas domiciliares entre 14 TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS de novembro e 1 de dezembro. No mesmo Em 6 de fevereiro, os governos francês e período, 296 pessoas foram submetidas à marroquino assinaram um protocolo adicional residência forçada. Manifestações públicas à sua convenção bilateral de cooperação foram proibidas na região de Paris (Ile-de- judicial em matéria penal. O acordo facilitou a ) logo após 13 de novembro. Essa transferência às autoridades marroquinas de proibição se estendeu a outras regiões entre denúncias registradas na França por vítimas os dias 28 e 30 de novembro, quando marroquinas de supostos crimes cometidos diversas manifestações estavam programadas no Marrocos. para acontecer no contexto da Conferência Em abril, o Tribunal de Recursos de Paris sobre Mudanças Climáticas, em Paris (a 21ª aprovou uma petição para convocar Geoffrey Conferência das Partes, conhecida como Miller, ex-diretor do centro de detenção dos COP 21). EUA na Baía de Guantánamo, em Cuba, para Diversas pessoas muçulmanas foram alvo depor nos casos de dois ex-detentos de buscas domiciliares ou submetidas à franceses de Guantánamo, e residência permanente com base em critérios Mourad Benchellali, que afirmaram ter sido vagos, como práticas religiosas consideradas torturados no centro de detenção. pelas autoridades como “radicais” e, Em 17 de setembro, o primeiro-ministro portanto, uma ameaça à ordem pública ou à assinou uma ordem de extradição do cidadão segurança nacional. A polícia também cazaque Mukhtar Ablyazov para a Rússia, revistou mesquitas e outros locais de culto apesar do alto risco de que fosse submetido a

126 Anistia Internacional – Informe 2015/16 um julgamento injusto ou transferido da assentamentos informais durante todo o ano; Rússia para o Cazaquistão, onde poderia em junho e julho, centenas foram removidos sofrer tortura ou outros maus-tratos. No fim repetidamente de diversos locais em Paris. do ano, um recurso aguardava decisão do Em março, o Tribunal Europeu de Direitos Conselho de Estado. Humanos comunicou ao governo os casos de três pessoas transgênero que tiveram negado DIREITOS DOS REFUGIADOS E o reconhecimento legal do seu gênero MIGRANTES feminino por se recusarem a cumprir os Aproximadamente 5.000 migrantes, requisitos médicos exigidos. requerentes de asilo e refugiados Em 17 de abril, o governo adotou um plano continuaram a viver em condições precárias de ação para combater o racismo e o em um assentamento informal na cidade de antissemitismo. Entre outras medidas, o Calais, no norte da França. plano recomendava a adoção de uma Em 23 de novembro, o Conselho de Estado emenda ao Código Penal para garantir que a concluiu que as condições de vida no motivação racista ou antissemita seja uma assentamento informal de Calais equivaliam a circunstância agravante na prática de um tratamento desumano, e ordenou a instalação crime. imediata de serviços de água e saneamento Em agosto, o Comitê de Direitos Humanos no local. da ONU recomendou a revisão da lei de 2004 Tanto o Comitê de Direitos Humanos da que proibia o uso de símbolos religiosos nas ONU quanto o Ouvidor de Direitos Humanos escolas e da lei de 2011 que proibia cobrir o francês expressaram preocupação com os rosto. O Comitê afirmou que essas leis casos de violência, intimidação e maus-tratos constituíam uma violação do direito à contra migrantes, requerentes de asilo e liberdade de religião e que afetaram de modo refugiados por parte de agentes de aplicação desproporcional as mulheres e as meninas, da lei em Calais. Em 2 de dezembro, o órgão assim como grupos religiosos específicos. Em independente que supervisiona os centros de novembro, o Tribunal Europeu de Direitos detenção criticou o uso abusivo de detenções Humanos concluiu que o fato de um administrativas contra migrantes em Calais. empregador público ter se recusado a Em julho, foi aprovada uma nova lei de renovar o contrato de uma assistente social asilo com o objetivo de fortalecer as garantias que fazia uso do véu não violou seus direitos processuais para requerentes de asilo, às liberdades de expressão e de religião. reduzindo o tempo de espera para a avaliação das solicitações e protegendo seus LIBERDADE DE EXPRESSÃO direitos econômicos e sociais. Em 20 de outubro, com base em uma lei de As autoridades aceitaram realocar quase 1881 sobre liberdade de imprensa, o Tribunal 31.000 requerentes de asilo em 2016-2017 e de Cassação confirmou a condenação de 14 reassentar 2.750 refugiados, a maioria sírios. pessoas por incitação à discriminação racial. Menores desacompanhados continuaram Em 2009 e 2010, elas haviam participado de sendo rotineiramente detidos na “zona de iniciativas não violentas em um espera” do aeroporto Roissy-Charles de supermercado para pedir o boicote de Gaulle. produtos israelenses.

DISCRIMINAÇÃO PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA Segundo várias ONGs, quase 4.000 ciganos Em novembro, o Senado rejeitou um projeto que viviam em 37 assentamentos informais de lei que visava a estabelecer um marco foram removidos à força na primeira metade normativo para garantir o respeito aos direitos do ano. Migrantes e requerentes de asilo humanos por parte de empresas também foram removidos à força de multinacionais, incluindo suas subsidiárias,

Anistia Internacional – Informe 2015/16 127 subcontratados e fornecedores. O projeto por dirigir uma organização criminosa e havia sido aprovado em março pela participar de suas atividades, além de uma Assembleia Nacional. série de outros delitos, como várias agressões racistas e o assassinato do cantor antifascista Pavlos Fyssas em 2013. Em setembro, o líder GRÉCIA do partido, Nikos Mihaloliakos, admitiu durante uma entrevista à imprensa que o República Helênica Aurora Dourada teve responsabilidade política Chefe de Estado: Prokopis Pavlopoulos (substituiu pelo assassinato. Nesse mesmo mês, o Karolos Papoulias em março) partido foi o terceiro colocado nas eleições Chefe de governo: Alexis Tsipras (substituiu Vassiliki parlamentares e elegeu 18 deputados. Thanou Christophilou em setembro, que assumiu como Primeira Ministra interina após a renúncia de REFUGIADOS, REQUERENTES DE ASILO E Tsipras em agosto) MIGRANTES Mais de 851.319 refugiados, requerentes de O drástico aumento no número de asilo e migrantes atravessaram o mar para requerentes de asilo e migrantes irregulares chegar às ilhas do Egeu. Nesse mesmo que chegavam às ilhas Egeias forçaram ao período, mais de 612 pessoas, entre elas limite um sistema de acolhida já precário e muitas crianças, morreram ou incapaz de fazer frente ao desafio. desapareceram durante a travessia quando Continuaram as expulsões coletivas na as embarcações em que viajavam fronteira entre a Grécia e a Turquia. As naufragaram. denúncias de tortura e outros maus-tratos e A polícia continuou com as expulsões de uso excessivo da força pela polícia coletivas na fronteira terrestre entre a Grécia persistiram. Uma lei que estendia as uniões e a Turquia; vários refugiados e requerentes civis a casais do mesmo sexo foi aprovada de asilo denunciaram terem ocorrido no fim do ano. devoluções imediatas com uso de violência. Essas devoluções sumárias também INFORMAÇÕES GERAIS aconteceram no mar. Entre novembro de No fim de junho, o governo impôs controle de 2014 e o fim de agosto de 2015, foram capital aos bancos; em julho, 61,3% dos registrados 11 casos de devoluções imediatas votantes num referendo rejeitaram um plano nas fronteiras marítimas e terrestres entre a de resgate com condições rigorosas proposto Grécia e a Turquia. Em outubro, o promotor pelos credores da Grécia. Posteriormente, do Tribunal de Recursos de Tessalônica após meses de intensas negociações, o ordenou à Direção de Assuntos Internos da governo acordou um novo plano de resgate Polícia que investigasse uma série de com as instituições europeias e o Fundo denúncias formuladas por ONGs sobre as Monetário Internacional. expulsões coletivas de refugiados e migrantes Em outubro, o Comitê de Direitos efetuadas pela polícia em Evros. Econômicos, Sociais e Culturais da ONU Em julho, foi aprovada a Lei 4332/2015, manifestou preocupação com os efeitos que estabelecia os requisitos para a severos da crise financeira sobre o desfrute concessão de nacionalidade grega aos filhos dos direitos ao trabalho, à previdência social de migrantes. e à saúde, principalmente por parte de alguns grupos desfavorecidos. Condições de recepção Começou em abril o julgamento de 69 O sistema de acolhida, precário desde seu pessoas ligadas ao partido Aurora Dourada, início, mostrou-se incapaz de responder inclusive seu líder e vários deputados e adequadamente ao drástico aumento no simpatizantes. Os réus haviam sido indiciados número de refugiados e migrantes que

128 Anistia Internacional – Informe 2015/16 chegava às ilhas Egeias. O planejamento estádio. inadequado, o uso ineficaz dos fundos da UE e a profunda crise econômica agravaram a Detenções de requerentes de asilo e migrantes péssima situação humanitária nas ilhas. Em fevereiro, a ministra de Política Migratória Ativistas locais, voluntários, ONGs e o órgão e o ministro de Proteção ao Cidadão tomaram da ONU para os refugiados, o ACNUR, várias medidas para mudar a política de tentaram suprir as graves deficiências na detenção sistemática e prolongada de provisão de ajuda humanitária às pessoas pessoas em busca de asilo e migrantes. refugiadas.1 Principalmente, as autoridades deixaram de As condições de recepção em ilhas como aplicar a tão criticada política de detenção Lesbos and Kos eram desumanas. Faltavam indefinida e libertaram um grande número de policiais e agentes da guarda costeira, requerentes de asilo e migrantes irregulares barracas, comida e condições de higiene. A que estavam detidos por mais de seis meses. grande maioria dos recém-chegados não Com frequência, menores tinha acesso a serviços de primeira desacompanhados eram colocados junto com necessidade. os adultos e detidos por várias semanas em Em meados de outubro, as autoridades condições precárias. As condições nos locais gregas puseram em prática um plano piloto, de detenção de imigrantes, inclusive administrado pela agência de fronteiras da delegacias de polícia, geralmente UE e pela polícia grega, para submeter os configuravam tratamento desumano ou recém-chegados a um processo de triagem. degradante. No fim do ano, as autoridades O “ponto de acesso” foi instalado no centro começaram a deter cidadãos de terceiros de detenção de imigrantes de Moria, em países da região do Magreb com o objetivo de Lesbos. No entanto, as condições de controlar a imigração. recepção no local continuaram péssimas.2 Pessoas que buscavam asilo, estando Os alojamentos e as instalações para os detidas ou não, continuavam tendo refugiados e migrantes que chegavam a dificuldade para acessar os procedimentos de Atenas eram inadequados. Centenas de requerimento. pessoas, entre elas famílias inteiras, tiveram que passar várias noites em praças e parques TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS da capital. Em agosto, as autoridades Persistiram as denúncias de tortura e outros instalaram um centro de recepção no distrito maus-tratos a refugiados e migrantes, de Elaionas, em Atenas, para oferecer abrigo inclusive durante as devoluções imediatas e temporário aos recém chegados. Três enquanto eram mantidos nos centros de estádios de Ática também foram preparados detenção. para, caso necessário, abrigar Em setembro, advogados denunciaram que provisoriamente refugiados e migrantes. nove pessoas, algumas menores de idade, Em novembro e dezembro, as condições haviam sofrido maus-tratos nas mãos de de recepção no campo informal de refugiados policiais da unidade especial DELTA, depois de Idomeni se deterioraram de forma de terem sido presas no bairro de Exarcheia acentuada quando as autoridades da em Atenas. A Direção de Assuntos Internos Macedônia começaram a impor controles da Polícia iniciou uma investigação criminal. fronteiriços seletivos aos refugiados e Em abril, um tribunal de júri misto de migrantes que chegavam ao país.3 Depois de Atenas condenou dois policiais por terem uma operação policial em meados de torturado Christos Chronopoulos, portador de dezembro, o campo foi evacuado. As pessoas deficiência mental, em maio de 2007. O que não tinham autorização para cruzar a tribunal proferiu sentenças de oito anos de fronteira foram transferidas de ônibus para prisão para cada um, as quais passaram a Atenas e alojadas temporariamente num ser condicionais depois de um recurso.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 129 USO EXCESSIVO DA FORÇA Tessalônica no dia 19 de setembro, e Persistiram as denúncias de uso excessivo da receberam uma sentença de 19 meses de força pela polícia. Em agosto, mais de 2.000 prisão. refugiados e migrantes foram encarcerados No fim do ano, não havia avançado a em condições desumanas no estádio investigação sobre a agressão homofóbica e esportivo de Kos. Houve denúncias de que a racista sofrida em agosto de 2014 por Costas, polícia não foi capaz de manter a ordem e um cidadão grego, e seu parceiro. Os usou extintores de incêndio para dispersar a responsáveis não foram identificados ou multidão. Em várias ocasiões entre agosto e localizados. outubro, a polícia de choque em Lesbos teria usado gás lacrimogêneo e espancado Direitos de lésbicas, gays, bissexuais, refugiados e migrantes que aguardavam sua transgêneros e intersexuais vez de se submeter ao processo de triagem Em 22 de dezembro, o Parlamento aprovou no centro de detenção de imigrantes de uma lei que estendia as uniões civis a casais Moria, bem como os que estavam sendo do mesmo sexo. A nova lei permitia que registrados no porto de Mitilene. esses casais desfrutassem de alguns dos direitos garantidos aos casais convencionais, DISCRIMINAÇÃO como o direito de tomar decisões médicas de urgência e direitos de herança, mas não Crimes de ódio garantia direitos de adoção nem o Ataques motivados por ódio contra refugiados reconhecimento do gênero legal às pessoas e migrantes continuaram a ocorrer. Em julho, transgênero. o Tribunal de Recursos para Delitos Graves de Piraeus condenou o dono de uma padaria Ciganos por sequestrar, roubar e causar lesões As crianças ciganas continuaram a sofrer corporais graves ao trabalhador migrante segregação e exclusão no sistema egípcio Walid Taleb em 2012. O tribunal o educacional em muitas partes da Grécia, sentenciou a 13 anos e dois meses de prisão. como nas cidades de Aspropirgos, Sofades e Outros três homens foram declarados Karditsa. Apesar de uma decisão de 2013 do cúmplices e condenados a penas de prisão Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no que, após recurso, seriam cumpridas em caso Lavida e outros vs. Grécia, as crianças liberdade condicional. ciganas continuaram sendo escolarizadas de Em 3 de setembro, um grupo com forma segregada em escolas separadas na aproximadamente 15 a 25 homens, cidade de Sofades, região central da Grécia. supostamente membros do Aurora Dourada, Em abril, o relator especial da ONU sobre atacaram refugiados em Kos e ameaçaram as formas contemporâneas de racismo ativistas. A polícia não tomou qualquer manifestou preocupação com as condições providência para evitar que o grupo atacasse de alojamento no assentamento cigano de os refugiados, e a tropa de choque somente Spata, próximo de Atenas, destacando, entre interveio depois de começadas as agressões outras coisas, a falta de eletricidade e suas físicas. consequências para a educação e a saúde Durante o ano, com o projeto “Tell us”, a das crianças ciganas. ONG Color Youth documentou 73 casos de agressões motivadas por ódio contra lésbicas, DIREITOS DAS MULHERES gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais, Em outubro, o Comitê de Direitos em comparação aos 22 casos registrados em Econômicos, Sociais e Culturais da ONU todo o ano de 2014. Em 24 de setembro, dois reiterou sua preocupação com os altos homens foram condenados por agredir uma índices de violência no âmbito familiar e o mulher transgênero em um bar de reduzido número de processos por esses

130 Anistia Internacional – Informe 2015/16 delitos, bem como pela baixa representação anunciou a formação de um governo de das mulheres na vida política e pública. transição que incluía membros dos partidos de oposição. OBJETORES DE CONSCIÊNCIA O primeiro turno das eleições legislativas O serviço civil alternativo continuou sendo ocorreu em 9 de agosto e foi marcado por punitivo e discriminatório. Os homens que se violência e distúrbios generalizados. O negavam a cumprir o serviço militar e primeiro turno das eleições presidenciais, também o serviço civil alternativo bem como o segundo turno das legislativas e continuaram sendo julgados pelo sistema de municipais, aconteceu em 25 de outubro. justiça militar por insubordinação, estando Embora nesses turnos a violência tenha sido sujeitos a penas de até dois anos de prisão e mínima, candidatos de oposição e multas consideráveis. observadores nacionais das eleições denunciaram ampla ocorrência de fraudes. Em consequência de manifestações massivas 1. Humanitarian crisis mounts as refugee system pushed to breaking e da recusa do segundo colocado no pleito point (Press release, 25 June) presidencial em participar do segundo turno 2. Urgent Action: Refugees face hellish conditions on Islands (EUR marcado para 27 de dezembro, no dia 22 de 25/2798/2015) dezembro o Presidente Martelly criou uma 3. Fear and fences: Europe’s approach to keeping refugees at bay (EUR comissão incumbida de avaliar a eleição de 03/2544/2015) 25 de outubro. O segundo turno havia sido adiado no dia 21 de dezembro. Em outubro, o Conselho de Segurança da HAITI ONU renovou o mandato da Missão de Estabilização da ONU no Haiti (MINUSTAH) República do Haiti pelo 12 ano, tendo declarado sua intenção Chefe de Estado: Michel Joseph Martelly de considerar a possível suspensão da Chefe de governo: Evans Paul missão no prazo de um ano. A estiagem rigorosa que atingiu os As eleições legislativas, presidenciais e departamentos do Noroeste e Sudoeste do municipais foram realizadas em um país prejudicou a segurança alimentar e a ambiente de violência e controvérsia. Mais nutrição da população, especialmente das de 60.000 pessoas que ficaram famílias que vivem nas áreas rurais e na desabrigadas em consequência do terremoto fronteira com a República Dominicana. de janeiro de 2010 continuaram desalojadas. Dezenas de milhares de PESSOAS DESALOJADAS DENTRO DO PAÍS imigrantes haitianos que retornaram ou No fim de junho, mais de 60.000 pessoas foram deportados da República Dominicana que ficaram desabrigadas com o terremoto se estabeleceram em campos improvisados de janeiro de 2010 ainda viviam em 45 sem acesso a serviços. A falta de campos improvisados. As condições de vida independência do sistema de justiça nos campos ficaram ainda piores com o fim continuou causando preocupação. de muitos programas humanitários por falta de fundos. Muitos dos desabrigados puderam INFORMAÇÕES GERAIS deixar os campos depois de receber subsídio Um período demasiado prolongado sem para custear um ano de aluguel. No entanto, eleições legislativas tornou o Parlamento o governo não pôs em prática qualquer inoperante. Em 16 de janeiro, após um solução sustentável para os desalojados1. acordo com os partidos políticos, o Presidente confirmou a nomeação de Evans Paul como primeiro-ministro. Dois dias depois, o premiê

Anistia Internacional – Informe 2015/16 131 DIREITOS DOS REFUGIADOS E DOS IMPUNIDADE MIGRANTES A investigação sobre supostos crimes contra Dezenas de milhares de migrantes haitianos e a humanidade cometidos pelo ex-presidente suas famílias retornaram ao Haiti depois que Jean-Claude Duvalier e seus ex- as autoridades dominicanas anunciaram que colaboradores quase não avançou. Após sua as deportações de migrantes irregulares visita ao Haiti em setembro, o especialista recomeçariam em 17 de junho. Segundo independente da ONU sobre a situação dos informações, muitos foram deportados; outros direitos humanos no Haiti reiterou sua tiveram que fugir por receber ameaças ou recomendação para a criação de “uma temer serem expulsos de forma violenta. comissão da verdade, justiça e paz para Centenas se estabeleceram em campos esclarecer e reparar” as vítimas de violações improvisados na fronteira. Organizações de de direitos humanos cometidas no passado direitos humanos internacionais e do Haiti, nos governos de François e Jean-Claude bem como o especialista independente da Duvalier, bem como do presidente Bertrand ONU sobre a situação dos direitos humanos Aristide. no Haiti, manifestaram preocupação com a falta de acesso a serviços para as pessoas SISTEMA DE JUSTIÇA que viviam nos campos do município de A designação do presidente do Conselho Anse-à-Pitres. Superior do Judiciário em março ajudou a restaurar a credibilidade da instituição. DIREITO À SAÚDE – EPIDEMIA DE Também colaborou para isso a indicação do CÓLERA diretor da Inspetoria Judicial e de 10 juízes Nos primeiros seis meses do ano, o número na qualidade de inspetores. No entanto, os de mortes por cólera triplicou comparado ao atrasos na renovação do mandato e no mesmo período de 2014. Segundo as processo de apuração de antecedentes dos estatísticas oficiais, 9.013 pessoas morreram juízes prejudicou a eficiência do Judiciário. de cólera entre outubro de 2010 e agosto de A falta de independência generalizada 2015. A resposta humanitária ao problema dentro do sistema de justiça continuou sendo continuou prejudicada pela falta de recursos. motivo de preocupação. Por exemplo, A ONU, que se considera ter organizações de direitos humanos inadvertidamente provocado a epidemia, manifestaram-se preocupadas de que continuou se recusando a garantir o direito motivações políticas tivessem levado à das vítimas a recursos jurídicos e decisão do tribunal penal de Porto Príncipe reparações.2 de arquivar um processo contra dois supostos membros de uma gangue em abril. VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E Cerca de 800 pessoas detidas em MENINAS penitenciárias da região de Porto Príncipe se Um projeto de lei para prevenir, processar e beneficiaram de uma revisão de processos erradicar a violência contra a mulher, determinada pelo Ministério da Justiça para elaborado em 2011, e o projeto de um código lidar com os problemas da superlotação penal com disposições progressistas sobre a carcerária e das detenções provisórias violência motivada por gênero permaneceram prolongadas. No fim de setembro, porém, um parados frente a um Parlamento inoperante. número excessivamente alto de pessoas As condenações em processos por violência continuava detido provisoriamente. sexual contra mulheres continuaram sendo poucas, e a maioria dos casos de violência DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, doméstica não era investigada ou indiciada. BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E INTERSEXUAIS Casos de agressões físicas e verbais contra

132 Anistia Internacional – Informe 2015/16 pessoas LGBTI foram registrados durante o entram na Hungria desde janeiro, o governo ano, e a maioria não foi devidamente adotou medidas destinadas a mantê-los fora investigada. Segundo organizações de defesa do país. Em 15 de setembro, o governo dos direitos LGBTI, alguns candidatos declarou "estado de crise devido à situação presidenciais e legislativos fizeram causada pela imigração em massa". No declarações homofóbicas durante a mesmo dia, foi concluída a construção de campanha eleitoral. uma cerca na fronteira com a Sérvia, Embora organizações de direitos LGBTI enquanto entravam em vigor as alterações ao tenham contribuído com o treinamento dos Código Penal e à Lei de Asilo, tornando crime agentes recém ingressados na polícia, não entrar no país através da cerca e houve qualquer treinamento similar para os estabelecendo "zonas de trânsito" na policiais que já estão em atividade. fronteira. Em 17 de outubro, foi concluída uma cerca na divisa com a Croácia. Em dois dias, o número de refugiados e migrantes que 1. Haiti: ‘15 Minutes to leave’: Denial of the right to adequate housing in entravam diariamente na Hungria caiu de post-quake Haiti (AMR/36/001/2015) 6.000 para poucas dezenas. Até o final do 2. Haiti: Five years on, no justice for the victims of the cholera epidemic ano, mais de 900 pessoas foram processadas (AMR 36/2652/2015) por "travessia ilegal da fronteira" e submetidas a processos de expulsão. A criminalização da entrada irregular e o HUNGRIA fechamento das fronteiras complementaram as medidas legislativas adotadas no verão, Hungria que restringiram o acesso ao asilo de forma Chefe de Estado: János Áder mais geral. Em 1 de agosto, entrou em vigor Chefe de governo: Viktor Orbán uma alteração à Lei do Asilo, que autoriza o governo a emitir uma lista de "países de A Hungria construiu cercas ao longo de suas origem seguros" e "terceiros países seguros fronteiras meridionais, criminalizou a para trânsito". Como resultado, os pedidos de entrada irregular no seu território e acelerou asilo por pessoas de "países de origem o regresso dos requerentes de asilo e seguros" poderiam ser rejeitados, e aqueles refugiados para a Sérvia, efetivamente que transitaram através de "terceiros países transformando a Hungria em uma zona sem seguros" antes de chegar à Hungria poderiam proteção a refugiados. Os ciganos ser devolvidos ao país de trânsito. Sérvia, continuaram em risco de remoção forçada e Macedônia e os Estados membros da UE, sem proteção adequada contra crimes de incluindo a Grécia, foram posteriormente ódio. considerados "seguros" pelas autoridades. Isso suscitou preocupações manifestadas por INFORMAÇÕES GERAIS ONGs de que a aplicação da lei poderia levar Em março, as ONGs Instituto Eötvös Károly, à violação da obrigação de não-retorno da Comitê Húngaro de Helsinque e União Hungria, uma vez que a Hungria não iria Húngara de Liberdades Civis publicaram um verificar se um requerente estaria em risco de relatório concluindo que a substituição dos graves violações dos direitos humanos no juízes do Tribunal Constitucional e as país de origem ou de trânsito. Em outubro, a emendas constitucionais de 2010 minaram a Comissão Europeia manifestou uma série de independência do Tribunal de Justiça. preocupações em resposta a essas medidas, incluindo a de que a Hungria está realizando REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO uma "aparentemente quase sistemática Em resposta a um aumento significativo no recusa" de pedidos de asilo apresentados na número de refugiados e migrantes que fronteira com a Sérvia. Em dezembro, a

Anistia Internacional – Informe 2015/16 133 Comissão Europeia iniciou um processo de ciganos quanto outras minorias infração contra a Hungria por violar a lei de permaneceram desprotegidos contra crimes asilo da UE. de ódio. Em junho, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância observou LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO que a motivação racista ainda não aparece no ONGs que criticavam as políticas do governo Código Penal como circunstância agravante foram intimidadas e ameaçadas de perder o específica para crimes. seu registro. Em janeiro, quatro ONGs responsáveis pela gestão e distribuição de CRIMES DE ÓDIO subsídios oriundos do Espaço Econômico Em setembro, o Tribunal Distrital de Eger Europeu (EEE) / Noruega foram objeto de sustentou que a polícia havia discriminado os investigação criminal e ameaçadas de ciganos na cidade de Gyöngyöspata, quando suspensão de seu registro de contribuinte. Os deixou de protegê-los de grupos de extrema- processos instaurados para cancelar os direita na primavera de 2011. A denúncia foi registros foram suspensos pelos tribunais em apresentada pela União Húngara de fevereiro e maio. Em 19 de junho, depois de Liberdades Civis, a qual afirmou que a polícia uma petição apresentada por ONGs, o não interveio contra diversos grupos Tribunal Administrativo e do Trabalho de Eger paramilitares que patrulharam por várias pediu ao Tribunal Constitucional para semanas o bairro dos ciganos em esclarecer se a tentativa de suspender o Gyöngyöspata. registro das ONGs violava a Lei Fundamental Em outubro, o Tribunal Europeu de Direitos da Hungria (a Constituição). Em 5 de Humanos julgou, no caso Balázs v. Hungria, outubro, o Tribunal Constitucional considerou que a Hungria violou a proibição de que o procedimento não violava a Lei. discriminação ao não investigar um ataque Uma das ONGs afetadas, a Fundação racista contra um cigano em Szeged, em Ökotárs, relatou em janeiro que o Gabinete do 2012. O homem sofreu lesões corporais, que Procurador-Geral também estava disse terem sido agravadas pela motivação investigando a legalidade das atividades de racista do agressor. O Tribunal Europeu de duas ONGs que receberam financiamento Direitos Humanos considerou que as proveniente dos Subsídios. Em junho, ele autoridades judiciais se omitiram ao não finalizou a sua investigação sobre as ONGs e apurar a causa racista do crime, apesar dos não encontrou nenhuma infração penal. Em "fortes indícios de um crime de ódio", maio, o Ministério norueguês dos Negócios violando, assim, a Convenção Europeia de do Espaço Econômico Europeu e da UE Direitos Humanos. anunciou os resultados de uma auditoria independente quanto aos programas de ACESSO À MORADIA ONGs financiados pelos Subsídios na Hungria Cerca de 100 famílias, principalmente e concluiu que os programas estão em ciganas, continuaram sob risco de remoção conformidade com os requisitos legais. forçada nas "ruas numeradas" do bairro de Em janeiro, um tribunal distrital de Buda Miskolc. Entre março e junho, cerca de 120 julgou ilegal a revista policial realizada nos famílias foram removidas à força. Muitas escritórios de duas ONGs em setembro de tiveram que ir morar com parentes, em casas 2014, motivada por uma queixa-crime, em mau estado, ou ficaram sem moradia. A apresentada pelo Gabinete de Controle do grande maioria das famílias removidas Governo, de apropriação indébita de ativos. anteriormente não recebeu habitação ou indenização alternativa adequada. DISCRIMINAÇÃO – CIGANOS Em 14 de maio, a Corte Suprema da Os ciganos continuaram sofrendo Hungria decidiu que o município de Miskolc discriminação no acesso à moradia. Tanto os havia violado a legislação do país relativa à

134 Anistia Internacional – Informe 2015/16 igualdade de tratamento, ao remover à força centenas de ciganos de um bairro tradicional, IÊMEN violando também os direitos dessas pessoas a uma vida privada e familiar, bem como à República do Iêmen liberdade de circulação. Chefe de Estado: Abd Rabbu Mansour Hadi Em 5 de junho, o Escritório do Comissário Chefe de governo: Khaled Bahah para os Direitos Fundamentais publicou um relatório sobre a situação em Miskolc, A situação dos direitos humanos deteriorou criticando os métodos aplicados pelo severamente em meio ao conflito armado, município na chamada "remoção de favelas". que se intensificou em março e continuou O relatório também convocou o município a ao longo do ano. Todas as partes envolvidas evitar remoções, desenvolver um plano para no conflito cometeram crimes de guerra e as famílias sem moradia e elaborar uma outras graves violações do direito estratégia holística junto ao Ministério das internacional com impunidade, incluindo Capacidades Humanas para lidar com a bombardeios indiscriminados e com eliminação de favelas. artilharia em áreas civis, matando e ferindo Em julho, Autoridade para a Igualdade de milhares de civis e deslocando à força mais Tratamento confirmou uma queixa de de 2,5 milhões de pessoas. O grupo armado discriminação apresentada pela ONG Huthi e as forças de segurança aliadas húngara NEKI contra o município. O recurso também restringiram arbitrariamente os interposto pelo município continuava direitos à liberdade de expressão, de pendente no final do ano. associação e de reunião, prendendo jornalistas, líderes do partido político Al- LIBERDADE DE RELIGIÃO Islah e outros, forçando o fechamento de A liberdade de religião continuou a ser ONGs, utilizando força excessiva e letal restringida. Depois da promulgação da Lei contra manifestantes pacíficos e utilizando Eclesiástica de 2011, que exigia a renovação tortura. Mulheres e meninas continuaram do registro de todas as igrejas e outras sujeitas a discriminação e abusos, inclusive organizações religiosas, e da decisão do casamentos forçados e mutilação genital Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no feminina. Tribunais proferiram condenações caso Magyar Keresztény Mennonita Egyház e à morte, e execuções foram realizadas. outros [Igreja Menonita Cristã da Hungria] vs. Hungria, de que a revogação dos registros INFORMAÇÕES GERAIS havia violado o direito à liberdade religiosa, O processo de transição política foi em setembro o governo propôs uma alteração interrompido, uma vez que o Iêmen se da lei. No entanto, de acordo com o Fórum envolveu em um conflito armado. Após entrar das ONGs para a Liberdade Religiosa, a na capital, Sanaa, em setembro de 2014, o alteração não abordou a arbitrariedade do grupo armado Huthi, auxiliado por unidades processo de cancelamento do registro que foi das forças armadas leais ao ex-presidente Ali criticado pelo Tribunal Europeu de Direitos Abdullah Saleh, estendeu seu controle sobre Humanos. O Fórum, além disso, expressou outras áreas no início de 2015. Em janeiro, preocupação quanto ao número de huthis atacaram edifícios governamentais e comunidades religiosas que continuariam a posições militares, como o complexo ter negados os direitos que detinham presidencial, forçando o Presidente Hadi e anteriormente como igrejas. seu governo a renunciar, assumindo o controle efetivo de Sanaa e outras áreas. Em 6 de fevereiro, o grupo armado Huthi dissolveu o Parlamento do Iêmen e emitiu uma declaração constitucional determinando

Anistia Internacional – Informe 2015/16 135 a criação de um conselho presidencial de de fontes governamentais. Também instou transição para governar o país por um todos os Estados a impedir a transferência de período interino de dois anos. Em 15 de armas para o ex-presidente Saleh e o líder fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU huthi Abdul Malik al-Huthi, e pressionou aprovou a Resolução 2201, que criticava todas as partes envolvidas no conflito a fortemente as ações dos huthis e exigia que respeitar os acordos anteriores, inclusive as eles não realizassem mais ações unilaterais conclusões do diálogo nacional do Iêmen e o que pudessem desestabilizar a transição acordo de Paz e Parceria Nacional, de política e a segurança do Iêmen. O setembro de 2014. Presidente Hadi, que voltou atrás em sua Em julho, as forças de oposição aos huthis, renúncia, transferiu o governo para a capital apoiadas por tropas terrestres dos Emirados da Arábia Saudita, Riad, no fim de março, Árabes Unidos e por ataques aéreos da quando o avanço dos huthis e de suas forças coalizão, retomaram o controle de Aden. Em aliadas no sul do Iêmen levou-os a intensos setembro, o governo do Presidente Hadi embates contra grupos armados que se transferiu-se parcialmente da Arábia Saudita opunham a eles e as unidades do exército para Aden. leais ao Presidente Hadi. O confronto no sul As negociações de paz mediadas pela do Iêmen foi marcado por ataques ONU aconteceram em Genebra, na Suíça, de indiscriminados, em que ambos os lados 15 a 20 de dezembro, acompanhadas de um dispararam repetidamente armas imprecisas cessar-fogo temporário, mas terminaram sem em áreas residenciais, deixando mortos e qualquer avanço significativo. feridos civis. As forças dos EUA continuaram a realizar Em 25 de março, uma coalizão de nove ataques com aviões teleguiados contra o Estados liderada pela Arábia Saudita interveio grupo armado Al Qaeda, na Península no conflito iemenita em apoio ao governo do Arábica, no centro e sudeste do Iêmen, Presidente Hadi, reconhecido principalmente nas províncias de Marib e internacionalmente. A coalizão lançou uma Hadramawt. campanha de ataques aéreos em áreas controladas ou disputadas por huthis e suas CONFLITO ARMADO forças aliadas, incluindo Sanaa e a província Tanto o grupo armado Huthi e seus aliados, de Saada, enviou tropas por terra para o sul quanto os diversos grupos armados e forças do Iêmen e impôs um bloqueio marítimo e pró-governo que se opunham a eles, aéreo. Enquanto muitos ataques da coalizão cometeram graves violações da lei foram dirigidos a alvos militares, outros foram internacional humanitária, inclusive algumas indiscriminados, desproporcionais ou violações que configuram crimes de guerra, direcionados a casas e infraestruturas civis, bem como abusos dos direitos humanos. como hospitais, escolas, mercados e fábricas, além de veículos que transportavam civis e Ataques indiscriminados e desproporcionais ajuda humanitária, matando e ferindo Grupos armados huthis e anti-huthis milhares de pessoas. Até o fim do ano, de utilizaram armas explosivas de amplo acordo com a ONU, o conflito havia causado impacto, como morteiros e bombardeios de a morte de mais de 2.700 civis, incluindo artilharia, ao atacar áreas residenciais civis centenas de crianças, e o deslocamento controladas ou disputadas por seus forçado de mais de 2,5 milhões de pessoas, oponentes no sul do Iêmen, matando e provocando uma crise humanitária. ferindo civis. Durante o conflito pelo controle Em 14 de abril, na Resolução 2216, o de Aden e Taiz, as duas cidades mais Conselho de Segurança da ONU exigiu que populosas do Iêmen depois de Sanaa, ambos os huthis se retirassem de Sanaa e outras os lados dispararam repetidamente armas áreas e entregassem as armas apreendidas explosivas de amplo impacto em áreas civis

136 Anistia Internacional – Informe 2015/16 densamente povoadas. Também realizaram de Segurança Central pró-Huthi responderam operações militares em bairros residenciais com força excessiva, inclusive com uso de civis, lançando ataques a partir ou perto de munição real, prisões e tortura. casas, escolas e hospitais, expondo os Na cidade de Ibb, huthis e suas forças moradores locais a sérios riscos. O grupo aliadas usaram munição real para disparar armado Huthi e seus aliados colocaram contra manifestantes pacíficos em 16 de minas terrestres antipessoais banidas fevereiro, ferindo três manifestantes, e, em 21 internacionalmente, que causaram a morte de fevereiro, matando o manifestante Nasr al- de civis; dezenas de civis foram mortos ou Shuja. feridos por minas terrestres ao retornar para Em Taiz, a Força de Segurança Central suas casas no segundo semestre do ano, pró-Huthi usou força excessiva, como após o fim do conflito em Aden e áreas bombas de gás lacrimogêneo e munição real, vizinhas. para dispersar manifestações pacíficas de 22 Huthis e seus aliados realizaram ataques a 25 de março, matando pelo menos oito transfronteiriços a partir do norte do Iêmen, manifestantes e ferindo ao menos outras 30 que poderiam configurar crimes de guerra, pessoas. Cerca de 300 manifestantes e bombardeando indiscriminadamente com transeuntes necessitaram de cuidados artilharia Najran e outras áreas povoadas por médicos por causa da inalação de gás civis no sul da Arábia Saudita. lacrimogêneo. Em Sanaa, huthis e suas forças aliadas Ataques a instalações médicas e a profissionais detiveram três manifestantes em 11 de da saúde fevereiro e os torturaram durante os quatro O grupo armado Huthi e seus aliados, bem dias seguintes; um deles, Salah Awdh al- como seus oponentes pró-governo, atacaram Bashri, morreu em decorrência dos instalações médicas, profissionais da saúde e ferimentos que sofreu durante horas de pacientes, ou expuseram-nos a graves riscos tortura. ao utilizar instalações médicas ou sua vizinhança imediata como locais para Homicídios ilegais posições de tiro ou outras atividades militares, Forças anti-Huthi executaram sumariamente particularmente durante o conflito em Aden, combatentes huthis capturados e civis Taiz e arredores. Em Aden, atiradores não suspeitos de apoiar os huthis. Elas identificados atacaram as instalações do publicaram vídeos na internet divulgando Comitê Internacional da Cruz Vermelha, alguns desses assassinatos em Aden e Taiz, obrigando sua equipe a se transferir. daqueles que acusavam de ser “espiões” ou Combatentes anti-Huthi dispararam fuzis de “apoiadores dos huthis”. assalto de dentro do complexo do hospital Al Sadaqa, em Aden, e lançaram morteiros Sequestros, prisões e detenções arbitrárias perto do hospital, expondo pacientes e Houve uma onda de prisões e detenções médicos ao risco de ataques de retaliação. arbitrárias, bem como de sequestros, No fim de abril, o hospital Al Joumhouria, em cometidos por huthis e forças aliadas leais ao Aden, foi obrigado a suspender suas ex-presidente Saleh, tendo como alvos atividades médicas por causa de ações apoiadores do governo, jornalistas, similares por parte de combatentes. defensores dos direitos humanos e outros. Muitos detidos foram mantidos em vários USO EXCESSIVO DA FORÇA, TORTURA E locais diferentes e não oficiais, como casas OUTROS MAUS-TRATOS particulares, sem serem informados do A expansão do controle Huthi provocou motivo da detenção nem terem qualquer protestos generalizados em Taiz e outras oportunidade de contestar sua legalidade. cidades, aos quais as forças Huthi e a Força Quando participavam de uma reunião em um

Anistia Internacional – Informe 2015/16 137 hotel em Ibb, em 13 de outubro, pelo menos cidade de Saada, matando pelo menos 35 25 homens, incluindo ativistas políticos, crianças, 11 mulheres e nove homens, e defensores dos direitos humanos e ferindo outros nove residentes. Moradores jornalistas, foram detidos por homens disseram que os ataques continuaram armados em trajes civis que disseram enquanto os esforços de busca e resgate pertencer ao Ansarullah, o braço político do estavam em andamento para procurar restos grupo armado Huthi. A maioria foi mais tarde mortais e sobreviventes nos escombros. libertada, supostamente depois de sofrer Apesar disso, nem as autoridades da coalizão tortura, mas Antar al-Mabarazi, um nem o governo do Presidente Hadi engenheiro, e Ameen al-Shafaq, um professor conduziram investigações e universitário, permaneciam em detenção responsabilizaram os culpados por esses e incomunicável no fim do ano. outros ataques ilegais. As forças da coalizão usaram munições Liberdade de associação imprecisas, como bombas grandes com Forças huthis cercearam a liberdade de amplo raio de impacto, fabricadas nos associação, fechando pelo menos 27 ONGs Estados Unidos e no Reino Unido, que em Sanaa e ameaçando seus diretores e causam mortes e destruição para além do funcionários. seu local de impacto imediato. Em Saada e Hajjah, também foram utilizadas munições de Abusos cometidos pelo Estado Islâmico fragmentação fabricadas nos EUA, armas O grupo armado Estado Islâmico (EI) inerentemente indiscriminadas cujo uso é reivindicou responsabilidade por proibido, que espalham bombas menores em bombardeios direcionados principalmente uma área ampla e representam um risco contra mesquitas em Sanaa consideradas permanente aos civis, uma vez que pro-Huthi, matando e ferindo civis. Os frequentemente não detonam no momento ataques mais mortíferos, em 20 de março, do impacto. atingiram as mesquitas de Al Badr e Al Alguns ataques da coalizão elegeram como Hashoosh, em Sanaa. Eles mataram 142 alvo infraestruturas essenciais, como pontes e pessoas, a maioria civis, e feriram 351. Em 6 rodovias. Foram ataques como os que em de dezembro, um bombardeio do Estado julho destruíram quatro pontes numa estrada Islâmico matou o governador de Aden e que liga a província de Saada a Sanaa. Outros vários de seus assessores. ataques aéreos da coalizão danificaram pontes em estradas que ligam Sanaa a Violações cometidas pela coalizão liderada pela Hodeidah e Marib, e Taiz a Aden. Arábia Saudita Alguns ataques aéreos da coalizão Iniciada em 25 de março, a coalizão militar atingiram hospitais e outras instalações de nove países liderada pela Arábia Saudita médicas na província de Saada, ferindo lançou uma campanha de ataques aéreos em pacientes e profissionais da saúde. Em 26 de todo o Iêmen contra os huthis e seus aliados. outubro, a coalizão liderada pela Arábia Alguns ataques foram direcionados contra Saudita destruiu um hospital apoiado pela alvos militares, que foram destruídos; outros organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) foram desproporcionais, indiscriminados ou em Hayden, em Saada, ferindo sete pareceram ser direcionados diretamente profissionais da saúde. A MSF disse que contra civis e/ou alvos civis, deixando muitos outro de seus centros médicos em Taiz foi civis mortos ou feridos. Alguns dos ataques atingido por ataques aéreos da coalizão em 2 configuraram crimes de guerra. de dezembro, ferindo nove pessoas, inclusive Os ataques aéreos das forças da coalizão dois funcionários da MSF. Em 4 de setembro, destruíram um grupo de nove casas em 3 de uma aeronave da coalizão teria bombardeado junho, na aldeia de Al Eram, a noroeste da o hospital Al Shara, em Razih, na província

138 Anistia Internacional – Informe 2015/16 de Saada. Segundo a equipe da MSF que visitou a área logo após o ataque, não havia ÍNDIA evidências de que o hospital era utilizado para fins militares. A MSF disse que o ataque República da Índia matou seis pacientes e feriu outros. Chefe de Estado: Pranab Mukherjee Com o objetivo de negar abastecimento aos Chefe de governo: Narendra Modi huthis e suas forças aliadas, a coalizão impôs um bloqueio aéreo e naval parcial. Isso As autoridades reprimiram as organizações reduziu severamente a importação e o da sociedade civil que criticavam as fornecimento de combustível e outros itens políticas oficiais e aumentaram as restrições essenciais, obstruindo o acesso a alimentos, ao financiamento estrangeiro. As tensões água, assistência humanitária e suprimentos religiosas se intensificaram e a médicos, agravando ainda mais a crise discriminação e a violência baseadas no humanitária. gênero e na casta ainda eram generalizadas. Aumentaram a censura e os ataques à IMPUNIDADE liberdade de expressão por parte de grupos Todas as partes envolvidas no conflito hindus radicais. Dezenas de artistas, armado cometeram graves abusos dos escritores e cientistas devolveram os direitos humanos com impunidade. prêmios nacionais que haviam recebido em As autoridades iemenitas não conduziram protesto pelo que consideravam um investigações completas e independentes das ambiente de crescente intolerância. Frente violações dos direitos humanos cometidas no à pressão popular, o governo desistiu de passado, como os homicídios ilegais e outros aplicar medidas polêmicas para a aquisição graves abusos cometidos por forças do de terras. Apesar dos abusos dos grupos governo com relação aos protestos populares armados continuarem ameaçando os civis, o em massa de 2011. marco de um histórico acordo de paz foi Em setembro, o Presidente Hadi decretou estabelecido em Nagaland. O sistema de a criação de uma comissão nacional de justiça criminal permaneceu precário, inquérito para investigar todas as violações violando o direito a um julgamento justo e cometidas desde o início de 2011. não garantindo justiça para os abusos. As execuções extrajudiciais, as torturas e DIREITOS DAS MULHERES outros maus-tratos persistiram. Mulheres e meninas continuaram a enfrentar discriminação na lei e na prática e foram ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS protegidas de maneira inadequada contra a ARMADOS violência sexual e de outros tipos, como a Em março, três homens foram torturados e mutilação genital feminina, os casamentos assassinados em Lohardaga, estado de forçados e outros abusos. Jharkhand, supostamente por combatentes maoístas. Em maio, cerca de 250 moradores PENA DE MORTE de vilarejos foram sequestrados e mantidos A pena de morte permaneceu em vigor para reféns por um dia em Sukma, estado de uma ampla gama de crimes. Tribunais Chhattisgarh, por combatentes maoístas que continuaram a impor sentenças de morte, e tentavam pressionar as autoridades estaduais execuções foram realizadas. Prisioneiros no a interromper as obras de uma ponte. Grupos corredor da morte teriam incluído dezenas de armados maoístas foram acusados de menores infratores condenados por crimes ameaçar e intimidar adivasis (indígenas) e cometidos quando tinham menos de 18 anos. ocupar escolas. No estado de Jammu e Caxemira, grupos armados ameaçaram operadores de telefonia

Anistia Internacional – Informe 2015/16 139 móvel e atacaram torres de telefonia móvel e agosto, foram denunciados em 2014 mais de escritórios de telecomunicações em maio, 47.000 crimes contra membros das Castas junho e julho, provocando a morte de duas Reconhecidas e mais de 11.000 contra pessoas. Em setembro, homens armados não membros das Tribos Reconhecidas. Em identificados mataram um menino de três outubro, duas crianças dalits foram mortas anos e seu pai em Sopore. Nesse mesmo em um incêndio criminoso próximo a Delhi, mês, foram encontrados no estado os corpos supostamente por homens da casta de quatro membros de um grupo armado que dominante. se acredita terem sido mortos por grupos Em dezembro, o Parlamento aprovou rivais. emendas à Lei de Prevenção de Atrocidades Em julho, membros de grupos armados contra as Castas e Tribos Reconhecidas, atacaram uma delegacia de polícia e uma tipificando diversos novos delitos. As estação rodoviária em Gurdaspur, estado de emendas também previam a criação de Punjab, matando três civis. tribunais especiais para julgar esses delitos, Em agosto, o governo anunciou um acordo bem como a proteção de vítimas e de paz com o grupo armado Conselho testemunhas. Socialista Nacional de Nagaland (facção Isak- Em julho, um censo oficial revelou que Muivah). Grupos da sociedade civil afirmaram mais de 180.000 famílias trabalhavam na que o acordo poderia melhorar a situação dos limpeza manual de latrinas – a remoção de direitos humanos no estado de Nagaland e dejetos humanos realizada principalmente partes do nordeste da Índia. pelos dalits. Ativistas disseram que a quantidade era maior. PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS As castas dominantes continuaram usando Defensores dos direitos humanos, jornalistas a violência sexual contra mulheres e meninas e manifestantes continuaram sendo presos e dalits e adivasis. detidos de modo arbitrário. Em janeiro, mais de 3.200 pessoas estavam em detenção DIREITOS DAS CRIANÇAS administrativa com base em decretos A determinação legal de que as escolas executivos, sem acusação ou julgamento. As privadas reservem 25% das vagas do ensino autoridades continuaram usando leis fundamental para crianças de famílias “antiterroristas”, como a Lei de Prevenção a carentes continuou sendo muito pouco Atividades Ilegais e outras leis de âmbito aplicada. Crianças dalits e adivasis seguiam estadual, que não cumpriam as normas discriminadas. internacionais de direitos humanos. Em dezembro, o Parlamento aprovou Em abril, o governo do estado de Gujarat emendas à legislação sobre justiça de aprovou um projeto de lei antiterrorismo menores, permitindo que adolescentes entre contendo várias disposições que violavam as 16 e 18 anos sejam julgados como adultos normas internacionais. Em dezembro, a lei em casos de crimes graves, o que viola as ainda aguardava a sanção presidencial. obrigações legais internacionais da Índia. Legislações semelhantes continuavam em Em maio, o conselho de ministros aprovou vigor nos estados de Maharashtra e mudanças na legislação sobre trabalho Karnataka. infantil que proíbem empregar menores de 14 anos. As emendas excluíam os que DISCRIMINAÇÃO E VIOLÊNCIA COM BASE trabalhassem em empresas familiares ou na EM CASTAS indústria de entretenimento. Ativistas Incidentes de violência contra dalits e disseram que isso incentivaria o trabalho adivasis foram registrados nos estados de infantil e afetaria de modo desproporcional os Uttar Pradesh, Bihar, Karnataka e Tamil menores de grupos marginalizados e as Nadu. Segundo estatísticas divulgadas em meninas.

140 Anistia Internacional – Informe 2015/16 VIOLÊNCIA ÉTNICA E INTERCOMUNITÁRIA risco de sofrer remoções forçadas. O As autoridades não evitaram que centenas de Ministério do Meio Ambiente tentou eliminar incidentes de violência comunitária a exigência do consentimento das acontecessem em todo o país. Alguns assembleias dos moradores locais para certos políticos contribuíram para as tensões projetos de infraestrutura. religiosas ao proferirem discursos justificando Em abril, o Ministério do Meio Ambiente a discriminação e a violência. Pelo menos recusou uma oferta do Programa das Nações quatro homens muçulmanos morreram Unidas para o Meio Ambiente de avaliar a linchados por multidões que suspeitavam que difusão de resíduos tóxicos no local onde eles tivessem roubado, matado ou ocorreu o desastre de Bhopal em 1984, contrabandeado vacas. causado por um vazamento de gás. Em Em setembro, uma comissão que agosto, o governo do estado de Madhya investigava a violência entre comunidades de Pradesh incinerou 10 toneladas desses Muzaffarnagar, no estado de Uttar Pradesh, resíduos em Pithampur, a 250 quilômetros de em 2013, publicou um relatório que, segundo Bhopal, ação que, segundo os ativistas, os jornalistas, culpava membros de partidos descumpriu as ordens do Supremo Tribunal e políticos, policiais e funcionários pôs em risco a saúde dos moradores locais. administrativos de alto escalão. Em fevereiro, o governo montou uma PENA DE MORTE equipe para investigar novamente os casos Em agosto, dois parlamentares apresentaram arquivados relativos ao massacre de sikhs em projetos para abolir a pena de morte. A 1984 e propor indiciamentos. Em agosto, o Assembleia Legislativa do estado de Tripura mandato da equipe foi prorrogado por um aprovou por unanimidade uma resolução ano. instando o governo federal a abolir a pena Pelo menos oito pessoas foram mortas em capital para casos de homicídio. conflitos étnicos no estado de Manipur devido Em agosto, a Comissão Jurídica da Índia às demandas para que se regulasse a apresentou ao governo um relatório em favor entrada na região de pessoas não da abolição sem demora da pena de morte. O domiciliadas, bem como à promulgação de órgão afirmou que na Índia essa pena era um leis que afetavam os direitos dos indígenas. “castigo irreversível em um sistema imperfeito, frágil e falível”; porém, PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA recomendou que a pena capital fosse Em fevereiro, o governo apresentou um mantida para os delitos relacionados ao projeto de lei que modificava a lei sobre terrorismo e para “atos de guerra contra o aquisição de terras na Índia, eliminando os Estado”. requisitos de obter o consentimento das comunidades afetadas e fazer avaliações de EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS impacto para uma série de projetos Em março, um tribunal de Delhi absolveu 16 industriais. Diante da oposição de grupos de policiais acusados de matar 42 homens camponeses, da sociedade civil e de partidos muçulmanos em Hashimpura, Uttar Pradesh, políticos de todo o país, o governo anunciou em 1987. O tribunal declarou que não em agosto que não levaria adiante as poderia condenar nenhum deles devido à reformas. Muitas indústrias, como as do setor “investigação insuficiente, duvidosa e ferroviário, rodoviário e de mineração estatal problemática”. de carvão, continuaram isentas de obter o Em abril, policiais e guardas florestais de consentimento das comunidades indígenas Andhra Pradesh mataram a tiros 20 pessoas ou de realizar estudos de impacto social. suspeitas de contrabando em uma suposta As comunidades vulneráveis que viviam execução extrajudicial. No mesmo mês, a em áreas ricas em recursos continuaram em polícia de Telangana matou cinco presos

Anistia Internacional – Informe 2015/16 141 provisórios que estavam sendo transladados Setalvad e Javed Anand por suposta violação ao tribunal, alegando que eles tentaram das disposições dessa lei. Em setembro, as dominá-los. No fim do ano, prosseguiam as autoridades suspenderam o registro da ONG investigações de ambos os casos. administrada por eles por receber fundos do Um tribunal do Escritório Central de exterior. Investigações absolveu vários policiais suspeitos de envolvimento numa execução LIBERDADE DE EXPRESSÃO extrajudicial em Gujarat em 2005. Em junho, Leis que não cumpriam as normas o relator especial da ONU sobre execuções internacionais sobre liberdade de expressão extrajudiciais observou em um relatório de foram usadas para processar defensores dos seguimento sobre a Índia que as diretrizes direitos humanos e outros. Em janeiro, dois dos tribunais e da Comissão Nacional de ativistas foram presos em Kerala por posse de Direitos Humanos com frequência literatura pró-maoísta. Em outubro, um cantor “permaneciam no papel, com pouca ou folclórico dalit foi preso em Tamil Nadu por nenhuma aplicação na prática”. compor canções em que criticava o governo e Em julho, o Supremo Tribunal ordenou que o chefe do poder executivo estadual. o governo federal, o governo do estado de Em março, o Supremo Tribunal anulou o Manipur e a Comissão Nacional de Direitos artigo 66A da Lei de Tecnologias da Humanos apresentassem um relatório sobre Informação por sua redação vaga e os mais de 1.500 casos de suspeitas de excessivamente ampla. A lei havia sido usada execução extrajudicial em Manipur. para processar pessoas que exerciam legitimamente seu direito à liberdade de LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO expressão na internet. As autoridades tomaram várias medidas de Em agosto, o governo do estado de repressão contra organizações da sociedade Maharashtra emitiu uma circular sobre a civil, como o uso da Lei sobre a Regulação de aplicação da lei sobre subversão na Índia, Contribuições Estrangeiras – que impedia as insinuando que criticar um representante do organizações de receber fundos estrangeiros governo constituiria subversão. A circular foi – para perseguir ONGs e ativistas. retirada em outubro. Em dezembro, um O governo tomou uma série de medidas parlamentar apresentou um projeto de lei contra o Greenpeace Índia: impediu um de requerendo a revisão da lei sobre subversão. seus ativistas de viajar ao Reino Unido em Houve vários casos de intimidação e janeiro, ordenou que as contas bancárias da ataques a jornalistas, escritores, artistas e organização fossem congeladas em abril e defensores dos direitos humanos por parte de cancelou seu registro sob a Lei sobre a grupos religiosos e baseados em casta. Dois Regulação de Contribuições Estrangeiras em escritores racionalistas foram mortos em setembro. Tribunais Superiores concluíram ataques que se acreditava terem sido que algumas dessas medidas eram ilegais. motivados por suas críticas à intolerância Com base na Lei sobre a Regulação de religiosa e à idolatria. Contribuições Estrangeiras, o Ministério do Em julho, o governo argumentou perante o Interior cancelou o registro de milhares de Supremo Tribunal que a privacidade não era ONGs por infringirem as disposições da lei. um direito fundamental protegido pela Em abril, o Ministério determinou que teria de Constituição. Em setembro, as autoridades aprovar os fundos estrangeiros de certas propuseram a minuta de um projeto sobre organizações doadoras que o órgão criptografia que ameaçava a liberdade de especificou. expressão e a privacidade, tendo-o retirado Em julho, o Escritório Central de devido à oposição que provocou. Investigações iniciou um procedimento contra As autoridades restringiram o acesso a os ativistas de direitos humanos Teesta serviços de internet em várias ocasiões, como

142 Anistia Internacional – Informe 2015/16 nos estados de Gujarat e Jammu e Caxemira, condenados foi escassamente aplicada. alegando razões de ordem pública. Em setembro, a Comissão Central de Informação, respondendo a uma solicitação IMPUNIDADE – FORÇAS DE SEGURANÇA da Anistia Internacional Índia, declarou que A impunidade pelas violações cometidas os governos dos estados teriam a obrigação pelas forças de segurança persistiu. de fornecer informações periódicas às Legislações que praticamente concediam autoridades e aos detidos sobre as condições imunidade processual, como a Lei de de sua libertação. Poderes Especiais das Forças Armadas, ainda vigoravam em Jammu e Caxemira e DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, partes do nordeste da Índia. BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E Em fevereiro, o Ministério do Interior INTERSEXUAIS rejeitou oficialmente o relatório de um comitê Em abril, a câmara alta do Parlamento criado em 2004 para revisar a Lei sobre os aprovou um projeto de lei para proteger os Poderes Especiais das Forças Armadas que direitos das pessoas transgênero, inclusive recomendava sua derrogação. Em junho, o seu direito à educação e à saúde. Os ataques estado de Tripura retirou essa lei de seus contra as pessoas transgênero prosseguiram. estatutos 18 anos depois de tê-la adotado O artigo 377 do Código Penal continuou “em vista da redução dos incidentes sendo usado para criminalizar as relações relacionados ao extremismo”. Em julho, um sexuais consentidas entre adultos do mesmo comitê designado para avaliar a condição sexo. Autoridades de alto escalão do governo jurídica da mulher recomendou que a lei deram declarações contraditórias sobre a fosse revogada. Em novembro, o Tribunal conveniência de manter esse artigo. Em Superior de Meghalaya requereu que o dezembro, um projeto de lei para governo central considerasse a possibilidade descriminalizar as relações sexuais entre de aplicar a Lei sobre os Poderes Especiais pessoas do mesmo sexo não foi aprovado na das Forças Armadas em uma determinada câmara baixa do Parlamento. região para manter a lei e a ordem. Em agosto, o governo do estado de Delhi Em setembro, o exército indiano confirmou propôs um projeto de lei sobre os direitos da as prisões perpétuas de seis de seus mulher que estabelecia a igualdade perante a membros condenados por um tribunal militar lei de todas as mulheres por matar três homens em Machil, em “independentemente de sua orientação Jammu e Caxemira, em uma execução sexual”. Foi a primeira vez que um governo extrajudicial em 2010. estadual reconheceu legalmente a discriminação com base na orientação DETENÇÃO PROVISÓRIA PROLONGADA sexual. A detenção provisória prolongada e a superlotação nas prisões continuaram TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS generalizadas. Em janeiro havia mais de Houve denúncias de tortura e outros maus- 282.000 presos – 68% de toda a população tratos de pessoas em custódia policial e carcerária – em detenção provisória. Dalits, judicial. Em julho, o Supremo Tribunal adivasis e muçulmanos continuaram determinou que os governos estaduais formando uma parcela desproporcionalmente instalassem câmaras de televisão em circuito alta desses detidos. fechado em todos os estabelecimentos Uma resolução de 2014 do Supremo prisionais num prazo de dois anos, para evitar Tribunal ordenando que os juízes distritais a tortura e outras violações dos direitos dos libertassem os detidos provisórios que já internos, e que considerassem a tivessem passado na cadeia mais da metade possibilidade de instalar essas câmaras em do tempo que teriam de cumprir caso fossem todas as delegacias de polícia. Também em

Anistia Internacional – Informe 2015/16 143 julho, o Ministério do Interior declarou que o abrandar as leis sobre crueldade por parte governo estava considerando emendar o dos maridos. Código Penal para reconhecer a tortura como Em dezembro, o governo declarou no um crime específico. Em novembro, a polícia Parlamento que pretendia emendar o Código de Chhattisgarh começou a investigar as Penal a fim de criminalizar o estupro marital. denúncias de que membros das forças de Os conselhos de aldeia baseados no segurança haviam estuprado duas mulheres sistema de castas continuaram a ordenar e uma menina no mês anterior. castigos sexualmente violentos por questões As ONGs continuaram a denunciar mortes consideradas transgressões sociais. A mediante tortura de presos em custódia discriminação e a violência contra as policial. Estatísticas publicadas em agosto mulheres de comunidades marginalizadas mostraram que em 2014 foram registrados continuaram sendo práticas generalizadas, 93 casos de mortes e 197 casos de estupro enquanto o número de denúncias e em custódia da polícia. Em agosto, a condenações foi baixo. Comissão Nacional de Direitos Humanos registrou 1.327 mortes sob custódia judicial entre abril de 2014 e janeiro de 2015. INDONÉSIA

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E República da Indonésia MENINAS Chefe de Estado e de governo: Joko Widodo Embora quase 322.000 crimes contra mulheres, incluindo mais de 37.000 casos de Houve denúncias de violações de direitos estupro, tenham sido denunciados em 2014, humanos por parte das forças de segurança, o estigma e a discriminação por parte dos inclusive do uso de força desnecessária ou policiais e das autoridades continuaram excessiva. Ao longo de todo o ano, dissuadindo as mulheres de denunciar ocorreram prisões arbitrárias de violências sexuais. A maioria dos estados manifestantes pacíficos, especialmente em ainda não contava com procedimentos Papua. O governo restringiu as atividades operativos padronizados para a polícia lidar que marcavam o cinquentenário das graves com casos de violência contra as mulheres. violações de direitos humanos ocorridas Em mais de 86% dos casos de estupro entre 1965 e 1966. Perseguição, denunciados, as sobreviventes conheciam os intimidação e ataques contra minorias supostos responsáveis. Estatísticas religiosas ocorreram em todo o país. Um publicadas em agosto mostraram que quase novo Código Penal Islâmico de Aceh entrou 123.000 casos de crueldade nas mãos de em vigor em outubro, ampliando o uso de esposos ou parentes foram denunciados em punições físicas inclusive para relações 2014. Em março, o governo federal anunciou sexuais consensuais. Foram realizadas 14 que estudava a possibilidade de permitir a execuções. retirada das denúncias de crueldade caso as partes chegassem a um acordo. INFORMAÇÕES GERAIS Em julho, um comitê designado para Apesar dos compromissos assumidos durante avaliar a condição jurídica da mulher sua campanha eleitoral em 2014, o formulou recomendações-chave sobre presidente Joko Widodo não tratou das prevenção, proteção e acesso à Justiça para violações de direitos humanos ocorridas no mulheres e meninas vítimas de violência. passado. O governo restringiu ainda mais a Entre outras recomendações, o comitê liberdade de expressão e aumentou o uso da exortou o governo a tipificar como crime o pena de morte para delitos relacionados a estupro conjugal, introduzir uma lei especial drogas. para tratar dos crimes de “honra” e não

144 Anistia Internacional – Informe 2015/16 FORÇAS POLICIAIS E DE SEGURANÇA 1965, entre elas homicídios ilegais, tortura Persistiram as denúncias de violações de incluindo estupro, desaparecimentos direitos humanos por parte da polícia e do forçados, escravidão sexual e outros crimes exército, inclusive homicídios ilegais, uso de sexuais violentos, escravidão, prisões e força desnecessária e excessiva, tortura e detenções arbitrárias, remoções forçadas e outros tratamentos ou punições cruéis, trabalho forçado. Estima-se que entre desumanas ou degradantes. 500.000 e um milhão de pessoas tenham Em março, membros da Brigada de Polícia sido mortas na época, e centenas de milhares Móvel (Brimob) atacaram residentes da detidas, sem acusação ou julgamento, por aldeia de Morekau, no distrito de Seram períodos que variam entre alguns dias e mais Bagian Barat, província de Maluku, depois de 14 anos. Apesar de os impedimentos que os moradores reclamaram aos policiais legais à cidadania plena para as vítimas da Brimob que haviam entrado na aldeia de desses crimes não terem persistido, ainda que eles estavam interrompendo uma existe uma cultura de impunidade para os cerimônia religiosa. Treze pessoas foram criminosos. feridas gravemente. Apesar das promessas Em maio, o procurador-geral anunciou que de investigação, por parte do chefe de polícia o governo iria instituir um mecanismo não regional, nenhum policial foi acusado judicial para resolver antigas violações de formalmente. direitos humanos através de um “comitê de Em agosto, militares que não estavam em reconciliação”. Isso foi visto por grupos de serviço mataram dois homens durante uma direitos humanos como um avanço modesto, troca de tiros em frente a uma igreja em porém positivo, após décadas de impunidade Timika, na província de Papua. Também em pelas violações e abusos de direitos humanos Timika, a polícia atirou em dois estudantes que ocorreram durante o governo do ex- desarmados, matando um deles, durante presidente Suharto (1965-1998). Entretanto, uma “operação de segurança” em setembro. vítimas e ONGs temiam que esse processo Em Jacarta, a polícia local utilizou força priorizasse a reconciliação em detrimento dos desnecessária contra manifestantes num esforços para obtenção de verdade e justiça. comício pacífico de trabalhadores em Em 2015, o povo de Aceh comemorou os outubro. A polícia prendeu e espancou 23 dez anos do Acordo de Paz de Helsinki, manifestantes, além de dois ativistas de celebrado em 2005 entre o governo e o grupo assistência jurídica gratuita que relataram armado pró-independência Movimento Aceh ferimentos na cabeça, no rosto e no Livre. O acordo deu fim a um conflito de 29 abdômen. A polícia culpou os manifestantes anos, durante o qual foram mortas entre pela violência. Todos foram libertados após 10.000 e 30.000 pessoas, muitas das quais serem acusados de ameaça a servidores civis. Em novembro, a Câmara de públicos e recusa de dispersar. Representantes do Povo de Aceh montou uma equipe encarregada de nomear IMPUNIDADE delegados para a Comissão da Verdade e Mais de dez anos depois do assassinato do Reconciliação de Aceh, um organismo criado conhecido defensor dos direitos humanos para investigar os abusos ocorridos durante o Munir Said Thalib, as autoridades ainda não conflito. Algumas cláusulas do estatuto sob o foram capazes de levar à Justiça todos os qual a Comissão foi criada não estão de culpados. acordo com o direito e as normas Setembro marcou o cinquentenário das internacionais. Sua jurisdição foi limitada ao graves violações de direitos humanos genocídio, crimes contra a humanidade e ocorridas entre 1965 e 1966. Organizações crimes de guerra, não incluindo outros crimes de direitos humanos registraram uma série de previstos no direito internacional, como violações no contexto do golpe frustrado de tortura, execuções extrajudiciais e

Anistia Internacional – Informe 2015/16 145 desaparecimentos forçados.1 doze foram indiciados por participar da As investigações sobre disparos, tortura e manifestação, inclusive com base em leis abusos da polícia e dos militares continuam sobre “rebelião”.5 paralisadas. Apesar das promessas do O Presidente Widodo anunciou em maio Presidente Widodo de que haveria uma que seriam eliminadas as restrições para investigação rigorosa sobre o incidente de jornalistas estrangeiros que solicitam entrada dezembro de 2014, quando forças de em Papua; todavia, até o fim do ano, a segurança mataram a tiros quatro estudantes medida ainda não havia sido plenamente em Paniai, até o final do ano ninguém havia efetivada. No início de outubro, três ativistas sido levado à Justiça.2 papuas que acompanhavam uma jornalista francesa ao distrito de Pegunungan Bintang, LIBERDADE DE EXPRESSÃO em Papua, para cobrir as atividades do O prisioneiro de consciência Filep Karma foi KNPB, foram presos e interrogados pelo libertado em 19 novembro, após passar mais agente de imigração local sobre as atividades de uma década na prisão por sua expressão da jornalista. Eles ficaram detidos durante política pacífica. Esse foi o mais recente dez horas antes de serem libertados sem passo positivo, embora limitado, das acusação. autoridades para aumentar a liberdade nas Prosseguiram durante todo o ano, com províncias de Papua e Papua Ocidental. Em base nas leis relacionadas à difamação maio, o Presidente concedeu perdão a cinco criminosa, à blasfêmia e ao “discurso de ativistas políticos na província de Papua, ódio”, as condenações de pessoas que presos por invadir um complexo militar, e expressaram suas opiniões de forma pacífica. prometeu conceder perdão ou anistia a Em março, o tribunal do distrito de outros ativistas políticos. Bandung condenou uma mulher a cinco Prisioneiros de consciência, como Johan meses de prisão por ter enviado uma Teterissa, em Maluku, permaneceram mensagem “pessoal” a uma amiga, através encarcerados por manifestações pacíficas, do Facebook, acusando seu marido de com base nos artigos do Código Penal agredi-la. Ele a denunciou para a polícia, indonésio relacionados à makar (rebelião).3 quando descobriu a acusação ao acessar a Pelo menos 27 indivíduos em Papua também conta da esposa, e ela foi condenada com permaneceram encarcerados com base base no artigo 27(1) da Lei de Informações e nesses artigos, assim como 29 prisioneiros de Transações Eletrônicas (Lei N 11/2008) por consciência em Maluku. “transmitir conteúdo eletrônico que viola a As prisões e detenções de ativistas decência”.6 Durante o ano, outras três pacíficos também continuaram nas províncias pessoas foram declaradas culpadas de de Papua e Papua Ocidental. Em maio, difamação criminosa sob a mesma lei em autoridades prenderam 264 ativistas que Yogyakarta, Sulawesi Meridional e Java planejaram manifestações pacíficas para Central. marcar os 52 anos da entrega de Papua ao O governo seguiu restringindo atividades governo Indonésio pela ONU.4 relacionadas às graves violações de direitos Outros 216 membros do Comitê Nacional humanos ocorridas entre 1965 e 1966. Em de Papua Ocidental (KNPB) foram detidos outubro, a polícia de Salatiga, Java Central, arbitrariamente por participar de confiscou e queimou centenas de cópias da manifestações pacíficas em apoio ao pedido revista Lentera, coordenada pela Faculdade de Papua para juntar-se ao Grupo Melanésio de Estudos Sociais e Comunicação da Ponta de Lança (Melanesian Spearhead Universidade Satya Wacana, em Salatiga, Group, em inglês) – uma organização pois o número continha um relatório intergovernamental do Pacífico Sul. Embora a detalhado, destacado na capa, sobre o maioria tenha sido libertada posteriormente, cinquentenário das violações. No mesmo

146 Anistia Internacional – Informe 2015/16 mês, o Festival de Escritores e Leitores de por um grupo de pelo menos 200 pessoas, Ubud cancelou três sessões de painéis no distrito de Aceh Singkil, após o governo relacionados às mesmas violações de direitos local ordenar a destruição de dez igrejas no humanos após receber ameaças das distrito, citando regulamentos provisórios e autoridades de ter a licença anulada.7 distritais que restringiam os locais de culto. Pelo menos seis pessoas ainda estão Os agressores puseram fogo em uma igreja e detidas ou presas com base nas leis contra a tentaram atacar outra, mas foram impedidos blasfêmia. Em janeiro, seis membros do pelas forças de segurança locais. Um Gafatar, um movimento cultural nacional agressor foi morto durante o ataque, após o criticado por organizações islâmicas, sob a qual cerca de 4.000 cristãos fugiram alegação de que promovia crenças imediatamente para a província vizinha de “dissidentes”, foram presos em Banda Aceh, Sumatra Norte. Dez pessoas foram presas. O na província de Aceh, e acusados, com base governo de Aceh Sigkil prosseguiu com os no artigo 156 do Código Penal, de insultar a planos de destruir o restante das igrejas.8 religião. Em junho, o líder do grupo foi Em novembro, um local de culto de condenado a quatro anos de prisão. crenças indígenas de uma comunidade local Em outubro, a polícia aprovou um novo em Rembang, Java Central, foi queimado por regulamento nacional (Surat Edaran No. uma multidão durante seu processo de SE/6/X/2015) sobre o discurso de ódio. reforma. Antes do ataque, o líder da Embora esse regulamento se refira às comunidade havia recebido uma ameaça de manifestações “com intuito de causar ódio e uma organização islâmica local, e também hostilidade [contra] indivíduos”, ativistas da uma solicitação do chefe de governo do sociedade civil temem que possa ser utilizado distrito de Rembang para interromper a para condenar pessoas acusadas de reforma. Até o fim de 2015, ninguém havia difamação criminosa e religiosa. sido responsabilizado pelo ataque. A situação de diversas comunidades de LIBERDADE DE RELIGIÃO E DE minorias religiosas que sofreram hostilidades, EXPRESSÃO violência e despejos forçados ainda é incerta. Perseguição, intimidação e ataques contra Três anos depois das autoridades locais minorias religiosas persistiram, incentivados despejarem uma comunidade de por leis e regulamentações discriminatórias muçulmanos xiitas de Sampang, Java em âmbitos local e nacional. Oriental, após uma multidão anti-xiita tê-los Em julho, membros da Igreja Evangélica ameaçado de violência, 300 membros Cristã (Gereja Injil di Indonesia, GIDI) continuavam desalojados de suas casas.9 puseram fogo em um local de culto Membros da Igreja Presbiteriana de muçulmano em Karubaga, distrito de Yasmin e da Igreja Filadélfia continuaram a Tolikara, na província de Papua, onde se reunir em frente ao palácio presidencial muçulmanos celebravam o Eid al-Fitr. em Jacarta, em resposta ao fechamento de Membros da GIDI haviam se reunido, suas igrejas em Bogor e Bekasi, inicialmente, para reclamar que o barulho respectivamente. Embora a Corte Suprema oriundo do culto estava interferindo em um tenha anulado a revogação da licença da evento da igreja. Agentes de segurança do Igreja de Yasmin, determinada pela prefeitura exército e da polícia dispararam contra a de Bogor em 2011, a administração da multidão, matando um homem. Jovens da cidade continuou recusando permissão para GIDI então destruíram o local de culto a reabertura da igreja. muçulmano e diversas lojas nas proximidades. Dois homens foram presos por incitar a violência. Em outubro, igrejas cristãs foram atacadas

Anistia Internacional – Informe 2015/16 147 PUNIÇÕES CRUÉIS, DESUMANAS OU 10. Indonesia: Repeal or revise all provisions in the new Aceh Islamic DEGRADANTES Criminal Code that violate human rights (ASA 21/2726/2015) Ao longo do ano, pelo menos 108 pessoas 11. Flawed justice: Unfair trials and the death penalty in Indonesia (ASA foram açoitadas em Aceh, de acordo com a 21/2434/2015) lei sharia, por participarem de jogos de azar, por ingerirem álcool ou por “adultério”. Em outubro, o Código Penal Islâmico de Aceh IRÃ entrou em vigor, ampliando o uso de punições físicas para relações homossexuais República Islâmica do Irã e intimidade entre indivíduos não casados, Chefe de Estado: Aiatolá Sayed Ali Khamenei (Guia da com punições de, respectivamente, até 100 e República Islâmica do Irã) 30 chibatadas. O regulamento torna difícil Chefe de governo: Hassan Rouhani (Presidente) para as vítimas de estupro buscar justiça, uma vez que agora elas mesmas precisam As autoridades reprimiram severamente os fornecer provas do estupro. Acusações falsas direitos à liberdade de expressão, de estupro ou adultério também são puníveis associação e reunião, prendendo e com açoitamento.10 encarcerando jornalistas, defensores dos direitos humanos, sindicalistas e outros que PENA DE MORTE manifestaram divergências, com base em Quatorze presos foram executados em janeiro acusações vagas e excessivamente amplas. e abril, doze dos quais eram estrangeiros. A tortura e outros maus-tratos contra os Todas as execuções estavam relacionadas a detidos ainda eram comuns e cometidos crimes por tráfico de drogas, para as quais o com impunidade; as condições prisionais presidente Widodo havia declarado eram severas. Continuaram os julgamentos previamente que se recusaria a considerar injustos, em alguns casos resultando em qualquer pedido de clemência.11 O governo sentenças de morte. Mulheres e membros alocou recursos orçamentários para novas de minorias étnicas e religiosas sofriam execuções em 2016. Pelo menos 131 discriminação generalizada na lei e na pessoas permaneciam condenadas à morte. prática. As autoridades aplicaram penas cruéis, como cegamento, amputação e açoitamento. Os tribunais impuseram 1. Indonesia: Appointment of Aceh Truth Commission selection team a sentenças de morte para uma série de step closer to truth and reparation for victims (ASA 21/2976/2015) crimes; muitos presos, pelo menos dois 2. Indonesia: Paniai shootings – make investigation findings public and menores infratores, foram executados. bring perpetrators to justice (ASA 21/0001/2015) 3. Indonesia: Release Johan Teterissa and other prisoners of conscience INFORMAÇÕES GERAIS (ASA 21/1972/2015) As negociações entre o Irã e os cinco 4. Indonesia: End attacks on freedom of expression in Papua (ASA membros permanentes do Conselho de 21/1606/2015) Segurança da ONU, mais a Alemanha, 5. Indonesia: End mass arbitrary arrests of peaceful protesters in Papua resultaram na concordância por parte do Irã, (ASA 21/1851/2015) em julho, de restringir seu programa de 6. Indonesia: Two women convicted under internet law for social media desenvolvimento nuclear em troca da posts (ASA 21/1381/2015) suspensão das sanções internacionais. 7. Indonesia: Stop silencing public discussions on 1965 violations (ASA Em março, o Conselho de Direitos 21/2785/2015) Humanos da ONU renovou o mandato do 8. Indonesia: Christian minority in Aceh under threat (ASA relator especial sobre a situação dos direitos 21/2756/2015) humanos no Irã; as autoridades iranianas 9. Indonesia: Three years later, forcibly evicted Sampang Shi’a continuaram a recusar sua entrada no país e community still wanting to go home (ASA 21/2335/2015) a impedir o acesso de outros peritos da ONU.

148 Anistia Internacional – Informe 2015/16 O Conselho de Direitos Humanos também permaneceram em prisão domiciliar, sem adotou formalmente o resultado de sua acusação ou julgamento. Dezenas de segunda Revisão Periódica Universal prisioneiros de consciência continuaram referente ao Irã. O Irã aceitou 130 detidos ou cumprindo penas de prisão por recomendações, aceitou parcialmente outras exercerem pacificamente seus direitos 59 e rejeitou 102. Entre as rejeições, estavam humanos. Eram jornalistas, artistas, as recomendações de que o Irã ratificasse a escritores, advogados, sindicalistas, Convenção da ONU contra a Tortura e a estudantes, ativistas pelos direitos das Convenção da ONU sobre a Eliminação de mulheres e das minorias, defensores dos Todas as Formas de Discriminação contra a direitos humanos e outros. Mulher, bem como de que termine com o uso De acordo com o Código Penal Islâmico de da pena de morte contra pessoas menores de 2013, pessoas condenadas por múltiplas 18 anos à época do suposto cometimento do acusações devem cumprir apenas a sentença crime. mais longa proferida. Porém, ao condenar réus por mais de três crimes, os juízes tinham LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE que impor sentenças que excedessem o ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO máximo previsto para um único delito. Isso As autoridades continuaram a restringir levava as autoridades a impetrar múltiplas severamente as liberdades de expressão, ações judiciais forjadas contra alguns críticos associação e reunião. Bloquearam o pacíficos a fim de se certificar que Facebook, o Twitter e outros sites de mídias receberiam penas prolongadas de prisão2. sociais, fecharam ou suspenderam órgãos de As autoridades continuaram a reprimir imprensa, como a revista feminina mensal protestos pacíficos. Em 22 de julho, a polícia Zanan, interferiram na transmissão por prendeu temporariamente dezenas de satélite de televisões estrangeiras, prenderam pessoas e dispersou milhares de professores e encarceraram jornalistas e pessoas que que se reuniram em frente ao Parlamento na faziam críticas na internet e fora dela, além capital, Teerã. Eles protestavam pelo fato de de suprimirem protestos pacíficos. as autoridades hostilizarem os professores Em agosto, o Ministério das Comunicações que participavam de atividades sindicais e e Tecnologias da Informação anunciou a protestos similares. Os manifestantes segunda fase da “filtragem inteligente” demandavam a libertação de conhecidos (controle de conteúdo) de sites que as sindicalistas, como Ismail Adbi, que autoridades considerem ter consequências permanecia detido3. sociais prejudiciais, contando para isso com o apoio de uma empresa estrangeira. As TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS autoridades prosseguiram com seus esforços As pessoas detidas e presas continuaram para criar uma “internet nacional”, que denunciando atos de tortura e outros maus- poderia ser usada para obstruir ainda mais o tratos, principalmente durante as acesso às informações na rede. Também investigações iniciais, para forçar prenderam e processaram pessoas que “confissões” ou conseguir outras provas usaram as mídias sociais para manifestar incriminatórias. divergências.1 Em junho, um porta-voz do Um novo Código de Processo Penal, que Judiciário afirmou que as autoridades haviam entrou em vigor em junho, introduziu prendido cinco pessoas por atividades algumas salvaguardas, como registros “antirrevolucionárias” com uso de mídias eletrônicos centralizados dos detidos em cada sociais, e outras cinco por “atos contra a província. No entanto, o novo Código não decência no ciberespaço”. oferecia proteção adequada contra a tortura e Os líderes oposicionistas Mir Hossein não conciliava a legislação iraniana com Mousavi, Zahra Rahnavard e Mehdi Karoubi direito e as normas internacionais. O Código

Anistia Internacional – Informe 2015/16 149 não garantia acesso adequado à assistência tortura e de outras penas cruéis, desumanas jurídica independente desde o momento da ou degradantes, e as autoridades prisão, um requisito judicial de proteção continuaram a aplicá-las. As punições contra a tortura e outros maus-tratos. A incluíam açoitamento, cegamento e legislação iraniana não tipificava o delito amputações, às vezes executados em específico de tortura, e o novo código não público. Em 3 de março, as autoridades em estabelecia procedimentos detalhados para Karaj cegaram propositalmente o olho investigar as denúncias de tortura. Ademais, esquerdo de um homem depois que um embora o Código excluísse as declarações tribunal lhe impôs um “castigo equivalente ao obtidas mediante tortura como provas delito” (qesas) por ter atirado ácido no rosto admissíveis, só o fazia em termos gerais, sem de outro homem. Ele ainda podia ter o outro oferecer disposições detalhadas. olho cegado. As autoridades adiaram a Pessoas detidas e presos condenados punição de outro preso marcada para 3 de foram privados de cuidados médicos março; ele estava condenado à cegueira e adequados. Em alguns casos, como castigo, surdez.5 as autoridades retiraram a medicação Em 28 de junho, as autoridades da Prisão receitada aos reclusos e descumpriram as Central de Mashhad, na província de recomendações médicas de hospitalizá-los Khorasan, amputaram quatro dedos das para tratamento.4 Com frequência, as mãos direitas de dois homens condenados autoridades também submetiam pessoas por roubo, aparentemente sem anestesia.6 detidas e presas à detenção prolongada em Sentenças de açoitamento também foram regime de isolamento, o que constituía tortura aplicadas. Em junho, um vice-procurador- ou outros maus-tratos. geral de Shiraz anunciou que 500 pessoas Os presos foram submetidos a condições haviam sido detidas e 480 delas julgadas e de superlotação e insalubridade severas, sem condenadas no período de 24 horas por alimentos suficientes e expostos a terem interrompido publicamente seu jejum temperaturas extremas, como, por exemplo, durante o Ramadã. A maioria recebeu nas prisões de Dizel Abad, em Kermanshah, sentenças de açoitamento administradas pelo de Adel Abad, em Shiraz, de Gharchak, em Departamento de Aplicação de Sentenças. Varamin, e de Vakilabad, em Mashhad. Alguns dos açoitamentos teriam ocorrido em Segundo alguns ex-presidiários, na Prisão público. Central de Tabriz, de 700 a 800 presos eram mantidos em três celas mal ventiladas e JULGAMENTOS INJUSTOS insalubres, com acesso a apenas 10 latrinas. Muitos julgamentos, inclusive alguns que As autoridades costumavam desconsiderar os resultaram em sentenças de morte, foram regulamentos penitenciários que exigiam flagrantemente injustos. Antes do julgamento, colocar as diferentes categorias de presos e os acusados eram detidos por semanas ou detentos em alas distintas dos presídios, o até meses, com pouco ou nenhum acesso a que motivou greves de fome de alguns presos advogados ou familiares, quando eram políticos, inclusive de prisioneiros de coagidos a redigir ou assinar “confissões” consciência. Registrou-se a morte de pelo que então eram usadas como provas menos um prisioneiro de consciência, principais contra eles em procedimentos Shahrokh Zamani, possivelmente devido às judiciais sem as devidas garantias. Os juízes más condições prisionais e à falta de sistematicamente desconsideravam as cuidados médicos apropriados. denúncias feitas pelos réus de torturas e outros maus-tratos durante a detenção Penas cruéis, desumanas ou degradantes preventiva, sem solicitar investigações. Os tribunais continuaram a impor Depois de anos de deliberações, entrou em condenações que infringiam a proibição da vigor o novo Código de Processo Penal,

150 Anistia Internacional – Informe 2015/16 introduzindo algumas melhoras, como a motivos tais como prover educação a regulação mais estrita dos interrogatórios e a estudantes bahá-is que são privados de obrigação de informar aos detidos sobre seus acesso ao ensino superior. direitos. Contudo, o Código foi seriamente As autoridades continuaram a destruir comprometido por uma série de emendas lugares sagrados das comunidades bahá-i, aprovadas poucos dias antes de sua entrada sunita e sufi, incluindo seus cemitérios e em vigor. Uma delas, aplicável a casos locais de culto. relacionados à segurança nacional, restringia Em agosto, um tribunal revolucionário de o direito dos detidos a ser representados por Teerã declarou Mohammad Ali Taheri advogados de sua escolha durante a culpado de “propagar corrupção na Terra” prolongada fase de instrução, pois tinham de por ter criado uma doutrina e um grupo escolher um que fosse aprovado pelo chefe espiritual chamados Erfan-e Halgheh, e do poder Judiciário. As mesmas restrições se condenou-o à morte. Em 2011, ele havia sido aplicavam aos réus em processos por crime condenado a cinco anos de prisão, 74 organizado, nos quais podem ser impostas chibatadas e multa pela acusação de sentenças de morte, prisão perpétua ou “insultar santidades islâmicas”.9 Penas de amputação.7 Respondendo as críticas às prisão também foram impostas a vários de emendas, um alto funcionário do Judiciário seus seguidores. Em dezembro, o Supremo afirmou: “o que acontece é que alguns Tribunal anulou sua condenação por advogados podem causar problemas”. Em considerar que a investigação havia sido alguns casos, ao que parece, os tribunais “incompleta” e devolveu o processo ao estenderam também à fase oral do processo tribunal de primeira instância. a restrição do direito dos réus a um advogado de sua escolha. DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS ÉTNICAS Continuaram em funcionamento as cortes Os grupos étnicos em desvantagem no Irã, especiais, como o Tribunal Especial para o como as comunidades árabes ahwazi, turca Clero, instituído praticamente à margem da azerbaijana, balúqui, curda e turcomana, lei, e os Tribunais Revolucionários, que não continuaram denunciando que as observavam as normas internacionais para autoridades do Estado as discriminavam julgamentos justos. O Judiciário não era sistematicamente, principalmente no independente e os tribunais continuaram trabalho, na habitação, no acesso a cargos sujeitos à pressão dos órgãos de segurança, políticos e no exercício dos direitos culturais, como o Ministério da Informação e a Guarda civis e políticos. Esses grupos continuaram Revolucionária, para que pronunciassem sem poder usar sua língua minoritária como sentenças condenatórias e impusessem instrumento de ensino na educação primária. penas severas.8 Caso exigissem mais direitos culturais e linguísticos, podiam ser presos e LIBERDADE DE RELIGIÃO E DE CRENÇA encarcerados, até mesmo condenados à Os membros de minorias religiosas, como os morte em alguns casos. bahá-is, os sufis, a comunidade Ahl-e Haq, As forças de segurança reprimiram de os convertidos do islã ao cristianismo, os maneira desproporcional os protestos de muçulmanos sunitas e os muçulmanos que minorias étnicas, principalmente das se converteram do xiismo ao sufismo sofriam comunidades árabes ahwazi, turca discriminação no âmbito do trabalho, azerbaijana e curda. Entre março e abril, as restrições de acesso à educação e da autoridades teriam efetuado grande número liberdade de praticar sua fé. Houve relatos de prisões na província do Khuzistão, de sobre a prisão e o encarceramento de população árabe, muitas delas depois de dezenas de bahá-is, cristãos convertidos e uma partida de futebol em março, quando membros de outras minorias religiosas, por jovens árabes ahwazis exibiram uma bandeira

Anistia Internacional – Informe 2015/16 151 em solidariedade a Younes Asakereh, um voluntária. Em 2 de novembro, o Parlamento vendedor ambulante dessa minoria que havia aprovou os princípios gerais de outra morrido em 22 de março depois de atear fogo proposta, o projeto de Lei Geral de População ao próprio corpo durante um protesto contra e Exaltação da Família. Caso promulgada, a as autoridades municipais. Ao que parece, lei obrigaria que todas as entidades públicas ele não recebeu tratamento médico de e privadas, ao contratar seus funcionários, urgência devido à falta de fundos. As prisões priorizassem os homens com filhos, os se deram alguns dias antes do 10° homens casados sem filhos e as mulheres aniversário das grandes manifestações casadas, nessa ordem. A lei também antigovernamentais que ocorreram no ameaçava estabelecer ainda mais a questão Khuzistão em abril de 2005, depois da da violência doméstica como “assunto publicação de uma carta em que se familiar” privado. mencionavam os planos do governo de Na prática, as mulheres continuaram tendo aplicar políticas que reduziriam a população acesso limitado a métodos contraceptivos árabe na província. Durante o protesto, a modernos e acessíveis, uma vez que as polícia teria prendido e espancado autoridades não haviam restituído o principalmente os homens que usavam financiamento do programa de planejamento roupas tradicionais árabes.10 familiar, interrompido em 2012. Em novembro, várias pessoas do grupo As mulheres e as meninas continuaram étnico árabe azerbaijano teriam sido presas sem proteção adequada contra a violência depois das manifestações essencialmente sexual e de outros tipos, como o matrimônio pacíficas que eclodiram em várias cidades precoce e forçado. As autoridades não para protestar contra um programa de adotaram leis que criminalizem estes e outros televisão que os membros desse grupo abusos, como o estupro marital e a violência consideraram ofensivo. doméstica. Além disso, as leis sobre o uso Em 7 de maio, a polícia de choque teria obrigatório do “véu” (hijab) continuaram usado força excessiva ou desnecessária para conferindo poderes às forças policiais e dispersar manifestantes em Mahabad, uma paramilitares para submeter as mulheres a cidade da província de Azerbaijão Ocidental, hostilidades, violência e encarceramento. onde a maior parte da população é da As autoridades foram alvo de pressões minoria curda, que protestavam depois que locais e internacionais para permitir que as uma mulher curda morreu em circunstâncias mulheres assistam como espectadoras às não esclarecidas. partidas de voleibol masculino no Estádio Azadi de Teerã, mas mantiveram a exclusão DIREITOS DAS MULHERES devido à pressão de grupos As mulheres continuaram submetidas à ultraconservadores, como o Ansar Hizbollah. discriminação perante a lei, sobretudo no direito penal e de família, assim como na PENA DE MORTE prática. Mulheres e meninas também As autoridades continuaram fazendo largo enfrentaram novas dificuldades com relação uso da pena de morte e executaram grande a sua saúde e seus direitos sexuais e número de pessoas, algumas condenadas reprodutivos. O Parlamento apresentou para por delitos cometidos quando tinham menos debate vários projetos de lei que de 18 anos. Algumas execuções foram enfraquecem ainda mais os direitos das realizadas em público. mulheres, como o Projeto de Lei para Os tribunais impuseram grande quantidade Aumentar as Taxas de Fertilidade e Evitar o de sentenças de morte, geralmente depois de Declínio Populacional, que impedia o acesso julgamentos injustos e por ações que não a informações sobre métodos cumpriam os critérios de delitos “mais anticoncepcionais e proibia a esterilização graves” segundo o direito internacional, como

152 Anistia Internacional – Informe 2015/16 os relacionados a drogas. A maioria das em abril.11 pessoas executadas durante o ano havia sido O Código Penal Islâmico continuava condenada por acusações evolvendo drogas; prevendo a execução por apedrejamento; outras por homicídio ou depois de serem pelo menos duas sentenças foram proferidas, condenadas por acusações vagas como mas nenhuma execução por esse método foi “animosidade contra Deus”. registrada durante o ano. Muitas pessoas acusadas de delitos passíveis de pena de morte foram privadas de acesso à assistência judiciária durante a fase 1. Iran: Film producer given jail term after unfair trial: Mostafa Azizi de instrução do processo quando estavam (MDE 13/2272/2015); Iran: Couple sentenced to jail on security em detenção provisória. O novo Código de charges (MDE 13/2520/2015) Processo Penal revogava o artigo 32 da Lei 2. Iran: Harsh prison sentences for two female activists highlight Antinarcóticos de 2011, que negava o direito rampant injustice (News story, 2 June) de recurso aos presos condenados à morte 3. Iran: Prominent trade unionist unlawfully detained: Ismail Abdi (MDE por acusações relativas a drogas. Não estava 13/2208/2015) claro, porém, se as pessoas condenadas 4. Iran: Death of trade unionist must trigger action to tackle appalling antes da entrada em vigor do Código prison conditions (MDE 13/2508/2015) poderiam recorrer. 5. Iran: Man forcibly blinded in one eye in 'unspeakably cruel' retribution Dezenas de pessoas continuaram no punishment (News story, 5 March) corredor da morte por delitos cometidos 6. Iran amputates fingers of two men in shocking act of cruelty (MDE quando eram menores de idade. Várias delas 13/1998/2015) foram novamente condenadas à morte depois 7. Iran: Draconian amendment further erodes fair trial rights (MDE de serem submetidas outra vez a julgamento 13/1943/2015) conforme as novas diretrizes do Código Penal 8. Iran: Activists tortured for alleged ‘flag-burning’ (MDE 13/2110/2015) Islâmico de 2013 sobre o sentenciamento de 9. Iran: Mohammad Ali Taheri sentenced to death (MDE 13/2245/2015) menores. A Anistia Internacional pôde 10. Iran: Sweeping arrests of Ahwazi Arab activists (News story, 28 April) confirmar a execução de pelo menos três 11. Iran: Whereabouts of juvenile offender on death row emerge five pessoas que tinham menos de 18 anos à months after scheduled execution (News story, 13 July) época do suposto delito: Javad Saberi, enforcado em 15 de abril, Samad Zahabi, enforcado em 5 de outubro, Fatemeh IRAQUE Salbehi, enforcada em 13 de outubro. Grupos de direitos humanos informaram que, em República do Iraque junho ou julho, ocorreu o enforcamento de Chefe de Estado: Fuad Masum Vazir Amroddin, cidadão afegão também Chefe de governo: Haider al-Abadi condenado à morte por delito supostamente cometido que era menor de idade. Em A situação dos direitos humanos continuou fevereiro, as autoridades transferiram Saman a se deteriorar. As forças de segurança do Naseem, que havia sido condenado em 2013 governo, suas milícias aliadas e o grupo por um delito cometido quando tinha 17 armado Estado Islâmico (EI) cometeram anos, a um local não revelado, provocando crimes de guerra e abusos dos direitos grande preocupação internacional pelo temor humanos. As forças governamentais de que ele fosse executado. Ele ficou realizaram ataques indiscriminados em submetido a desaparecimento forçado por áreas sob o controle do Estado Islâmico e cinco meses; em julho, as autoridades cometeram execuções extrajudiciais. As acabaram permitindo que ele telefonasse forças do Estado Islâmico perpetraram para sua família e confirmaram a seu assassinatos em massa ao estilo de advogado que o Supremo Tribunal havia execuções, bem como sequestros, incluindo determinado que ele fosse a novo julgamento raptos de mulheres e meninas para a

Anistia Internacional – Informe 2015/16 153 escravidão sexual. As autoridades do existente. Muitas das pessoas desalojadas governo mantiveram milhares de detidos buscaram refúgio na região semiautônoma do sem julgamento; a tortura e outros maus- Curdistão, no norte do Iraque. tratos contra os detidos continuaram Todas as partes envolvidas no conflito generalizados. Muitos julgamentos não cometeram crimes de guerra, outras cumpriram as normas internacionais para violações da lei internacional humanitária e julgamentos justos. Mulheres e meninas abusos dos direitos humanos. Tanto as enfrentaram discriminação e violência Unidades de Mobilização Popular quanto o sexual e de outra natureza. Jornalistas Estado Islâmico teriam utilizado crianças trabalharam em condições perigosas. soldados. Tribunais continuaram a impor penas de Em janeiro, o Parlamento criou um morte, principalmente em acusações de Conselho Consultivo de Direitos Humanos terrorismo; dezenas de execuções foram para ONGs, encarregado de facilitar a realizadas. consulta a grupos da sociedade civil na revisão da legislação a fim de ajustá-la aos INFORMAÇÕES GERAIS direitos humanos; no entanto, nenhuma Continuou o conflito armado entre as forças reforma jurídica significativa havia sido feita de segurança governamentais e as forças do até o fim do ano. Estado Islâmico, que controlava áreas Em agosto, numa investigação oficial sobre predominantemente sunitas no norte e leste a tomada de Mossul por forças do Estado da capital, Bagdá, e inclusive a cidade de Islâmico em junho de 2014, culpou-se o ex- Mossul. As forças do governo foram apoiadas primeiro-ministro Nuri al-Maliki e as por Unidades de Mobilização Popular, autoridades do seu governo pelo abandono compostas principalmente por milícias xiitas. da cidade pelas forças de segurança. Em maio, as forças do Estado Islâmico Em setembro, o Presidente Masum tomaram Ramadi, capital da província de ratificou a Lei 36 de 2015, que proíbe os Anbar, fazendo que milhares de pessoas partidos políticos de terem braços armados fugissem para Bagdá e outras cidades, e ou afiliação a grupos armados. Porém, no fim massacraram membros das forças de do ano, uma proposta de lei de anistia e segurança capturados. Em resposta ao projetos de leis sobre responsabilização e avanço do Estado Islâmico, o Primeiro- justiça não haviam sido promulgados. O Ministro Al Abadi concordou que uma Primeiro-Ministro Al Abadi se comprometeu a contraofensiva das forças governamentais expulsar do exército os militares corruptos. contasse com o apoio das Unidades de Um projeto de Lei da Guarda Nacional para Mobilização Popular, apesar do seu histórico regulamentar as milícias armadas e fortalecer de graves violações dos direitos humanos o controle local das forças de segurança e da contra muçulmanos sunitas. No fim do ano, polícia, com o fim de reduzir a marginalização Mossul permanecia sob controle do Estado dos sunitas e curdos em suas fileiras, Islâmico, enquanto Ramadi foi recuperada revelou-se particularmente controverso; pelas forças de segurança iraquianas em alguns membros do Parlamento afirmaram dezembro. Forças armadas curdas que o projeto de lei ameaçava a segurança (peshmerga) descobriram valas comuns em nacional. Sinjar depois de retomarem o controle da Vários organismos de direitos humanos da cidade do Estado Islâmico em novembro. ONU que conduziram revisões do Iraque em Segundo a ONU, o conflito causou a morte 2015, como o Comitê sobre os Direitos da de cerca de 6.520 civis entre janeiro e Criança, o Comitê contra a Tortura e o Comitê outubro, e o deslocamento forçado de quase de Direitos Humanos, manifestaram 3,2 milhões de pessoas desde janeiro de preocupação com a deterioração da situação 2014, agravando a crise humanitária dos direitos humanos.

154 Anistia Internacional – Informe 2015/16 CONFLITO ARMADO INTERNO ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS As forças do governo e as Unidades de ARMADOS Mobilização Popular cometeram crimes de Grupos armados mataram e feriram civis em guerra, outras violações da lei internacional todo o Iraque, em ataques suicidas e com humanitária e violações dos direitos carros-bomba, cometidos de maneira humanos, principalmente contra as indiscriminada ou direcionados comunidades sunitas em áreas sob o controle deliberadamente contra civis. Combatentes do Estado Islâmico. Nas províncias de Anbar, do Estado Islâmico mataram civis em Nínive e Salah al-Din, ataques aéreos bombardeios indiscriminados e continuaram indiscriminados das forças do governo a sequestrar e matar civis nas áreas mataram e feriram civis e atingiram dominadas por eles, especialmente os que se mesquitas e hospitais. opunham ao seu controle. Em março e Em áreas retomadas do Estado Islâmico, as novembro, a imprensa informou que as forças de segurança do governo e milícias forças do Estado Islâmico usaram gás de aliadas realizaram assassinatos em represália cloro em bombardeios. Cerca de 500 a moradores sunitas suspeitos de apoiar o pessoas, incluindo civis, morreram durante o Estado Islâmico e incendiaram casas e confronto pelo controle de Ramadi em maio. mesquitas. Em um caso, em janeiro, as As forças do Estado Islâmico que assumiram forças de segurança e as milícias xiitas o controle da cidade mataram civis e aliadas executaram extrajudicialmente pelo membros das forças de segurança, jogando menos 56 muçulmanos sunitas na aldeia de alguns corpos no rio Eufrates. O grupo Barwana, na província de Diyala, após armado também executou sumariamente reunirem os homens locais sob o pretexto de alguns de seus próprios combatentes que verificar suas identidades. As vítimas foram tentaram fugir. mortas a tiros, a maioria enquanto estava O Estado Islâmico impôs regras estritas de algemada. vestimenta, conduta e circulação para os Também em janeiro, membros de uma habitantes das áreas sob o seu controle, milícia yazidi atacaram Jiri e Sibaya, duas punindo severamente as infrações. Seus aldeias predominantemente árabes sunitas combatentes realizaram assassinatos na região noroeste de Sinjar. A milícia públicos em estilo de execução e outras realizou em estilo de execução 21 punições, inclusive depois que seus assassinatos de civis, incluindo crianças e "tribunais" condenaram pessoas por homens e mulheres idosos, além de transgredir suas regras ou sua interpretação sequestrar outros civis. Moradores disseram da lei islâmica. O EI também executou que as forças armadas (peshmerga) e os sumariamente dezenas de homens que, serviços de segurança (Asayish) curdos segundo o grupo, seriam gays, muitas vezes estavam presentes quando os assassinatos jogando-os de prédios altos. Em Mossul, as foram cometidos. As casas de árabes sunitas forças do Estado Islâmico controlaram toda a também foram saqueadas e incendiadas circulação de entrada e saída da cidade, e pelas milícias yazidi depois que as forças impediram as pessoas de buscar tratamentos armadas curdas retomaram o controle de médicos em outro lugar, a menos que elas Sinjar do Estado Islâmico em novembro. fornecessem fiadores como garantia de seu Forças militares dos Estados Unidos, Reino retorno; quando as pessoas que receberam Unido, França e outros países realizaram permissão para viajar não retornaram, o ataques aéreos contra o Estado Islâmico em Estado Islâmico teria decapitado alguns apoio ao governo iraquiano; alguns desses fiadores. ataques teriam matado e ferido civis em áreas Combatentes do Estado Islâmico controladas ou disputadas pelo grupo incendiaram ou destruíram santuários e armado. peças culturais de xiitas, yazidis e outras

Anistia Internacional – Informe 2015/16 155 comunidades religiosas, assim como casas TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS que haviam sido ocupadas por funcionários A tortura e outros maus-tratos permaneceram do governo e membros das forças de comuns e generalizados nas prisões e centros segurança. de detenção, e foram cometidos com impunidade. Interrogadores torturaram VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E detidos para extrair informações e MENINAS "confissões" a serem usadas contra eles no Mulheres e meninas sofreram discriminação julgamento; alguns teriam morrido como na lei e na prática, e não foram protegidas de resultado de tortura. Em abril, um membro da modo adequado contra a violência sexual e Comissão Parlamentar de Direitos Humanos de outra natureza. Foram submetidas a disse que os detidos continuavam a sofrer abusos graves em áreas controladas pelo tortura e a ser forçados a fazer confissões. O Estado Islâmico, onde mulheres e meninas Comitê contra a Tortura da ONU criticou o teriam sido vendidas como escravas, forçadas fracasso do governo em investigar as a se casar com combatentes do grupo ou denúncias e apelou por mais salvaguardas assassinadas quando se recusavam. Em contra a tortura. março, forças do EI teriam matado pelo menos nove mulheres xiitas pertencentes à JULGAMENTOS INJUSTOS minoria turcomana por se recusarem a casar O sistema de justiça penal continuou com combatentes do grupo armado depois padecendo de graves deficiências e o que estes mataram seus maridos. Judiciário careceu de independência. Os julgamentos, sobretudo de réus acusados de PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS terrorismo e passíveis de serem condenados As forças de segurança realizaram prisões à morte, foram sistematicamente injustos, sem mandado judicial e sem informar os com os tribunais muitas vezes admitindo detidos nem seus familiares quais eram as como provas "confissões" obtidas por meio de acusações. Os detidos, principalmente os tortura, algumas delas sendo transmitidas por suspeitos de terrorismo, foram mantidos canais de televisão controlados pelo Estado incomunicáveis por semanas ou meses após antes dos suspeitos serem levados a a prisão, muitas vezes em condições julgamento. análogas ao desaparecimento forçado e em Advogados que representavam suspeitos prisões secretas controladas pelos Ministérios de terrorismo sofreram ameaças e do Interior e da Defesa, que não foram intimidações por parte de agentes de abertas à inspeção do Ministério Público ou segurança e foram agredidos fisicamente por de quaisquer organismos de supervisão. Em membros de milícias. Juízes, advogados e maio, respondendo às denúncias de funcionários judiciais continuaram a ser desaparecimentos forçados feitas por atacados e mortos pelo Estado Islâmico e familiares dos detidos, o ministro do Interior outros grupos armados. negou que seu Ministério tenha operado Em julho, o Tribunal Penal Central do centros de detenção secretos. Muitos detidos Iraque, em Bagdá, condenou à morte 24 foram libertados sem acusação, mas milhares supostos membros do Estado Islâmico depois continuaram em condições adversas, como de condená-los pelo homicídio ilegal de pelo na prisão de Nassíria, ao sul de Bagdá, usada menos 1.700 cadetes do Campo Speicher, principalmente para manter homens sunitas base militar perto de Tikrit, na província de condenados ou enfrentando julgamento por Salah al-Din, em junho de 2014. Outros acusações de terrorismo, e onde os quatro homens foram absolvidos. O prisioneiros teriam sofrido abusos. julgamento foi concluído em poucas horas e se baseou principalmente em "confissões" que os réus disseram ter sido forçados a fazer

156 Anistia Internacional – Informe 2015/16 sob tortura durante a detenção preventiva, agredidos por seguranças de um oficial bem como em imagens de vídeo do massacre graduado das forças de segurança. Em abril, previamente divulgadas pelo Estado Islâmico. o chefe da sucursal da agência de notícias Todos os acusados negaram envolvimento Reuters em Bagdá, Ned Parker, deixou o nas mortes, e alguns negaram que Iraque por causa das ameaças que recebeu estivessem em Tikrit no momento do crime. de uma milícia xiita. As ameaças foram feitas Nenhum dos réus tinha um advogado de sua depois de ele relatar que as Unidades de escolha. Eles foram representados por Mobilização Popular cometeram abusos e advogados nomeados pelo tribunal, que saques após retomarem o controle de Tikrit pediram clemência, mas não contestaram as do Estado Islâmico. provas ou a admissibilidade das "confissões". Em maio, Raed al-Juburi, ativo jornalista do canal de televisão Al Rasheed e colunista do LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE jornal Azzaman, foi encontrado morto em sua REUNIÃO casa em Bagdá com marcas de tiros no peito. As autoridades restringiram o direito à O resultado da investigação de sua morte liberdade de expressão, inclusive a liberdade permanecia desconhecido no fim do ano. de imprensa. Em junho, o governo introduziu uma nova lei para regular as redes de REFUGIADOS E DESALOJADOS INTERNOS comunicação; a Alta Comissão Independente O Iraque continuou a abrigar cerca de de Direitos Humanos, um organismo oficial, 244.527 refugiados da Síria. O conflito entre considerou a lei excessivamente restritiva. as forças do governo e o Estado Islâmico fez Em julho e agosto, milhares de pessoas quase 3,2 milhões de pessoas, a maioria saíram às ruas em Bagdá, Basra e outras delas das províncias de Anbar, Nínive e Salah cidades para protestar contra a corrupção al-Din, abandonarem suas casas e ficarem oficial, os cortes de eletricidade, a escassez desalojadas. Muitas fugiram para a região do de água e o fracasso das autoridades em Curdistão ou para outras províncias . Algumas fornecer outros serviços básicos. Pelo menos foram desalojadas à força mais de uma vez. cinco pessoas foram mortas quando as forças Cerca de 500 mil pessoas fugiram da de segurança usaram força desnecessária província de Anbar em maio, quando as para dispersar os protestos. Nas semanas forças do Estado Islâmico tomaram Ramadi; seguintes, vários líderes das manifestações muitas foram impedidas pelas autoridades de foram mortos por agressores não entrar em Bagdá. As condições humanitárias identificados em Bagdá, Basra e Nassíria. O para as pessoas desalojadas internamente ministro do Interior alegou que as mortes não continuaram precárias; muitas vezes elas não tinham conexão com os protestos, mas não tinham acesso a serviços básicos e algumas estava claro até que ponto elas foram teriam sido atacadas e feridas por moradores investigadas pelas autoridades. locais na cidade curda de Suleimânia. Outras A situação continuou perigosa para os pessoas que fugiram para a região do jornalistas. Eles foram vítimas de ameaças e Curdistão foram presas por suspeitas de violência por parte das forças de segurança, e vínculo com o Estado Islâmico. de sequestro e assassinato pelo Estado Islâmico e outros grupos armados. Em abril, o REGIÃO DO CURDISTÃO IRAQUIANO ministro do Interior alegou que as As tensões políticas aumentaram na região informações negativas publicadas pela semiautônoma do Curdistão, em meio a imprensa sobre as forças de segurança esforços do Partido Democrático do Curdistão estavam prejudicando a luta contra o Estado (KDP) para prorrogar o mandato de seu líder, Islâmico. Massoud Barzani, como presidente do Em fevereiro, durante uma coletiva de Governo Regional do Curdistão (KRG), imprensa em Bagdá, vários jornalistas foram medida a que outros partidos políticos se

Anistia Internacional – Informe 2015/16 157 opuseram. Em outubro, centenas de funcionários públicos protestaram em IRLANDA Suleimânia e outras cidades do leste para exigir o pagamento de salários atrasados. Em República da Irlanda outubro, as milícias do Partido Democrático Chefe de Estado: Michael D. Higgins do Curdistão atiraram contra manifestantes Chefe de governo: Enda Kenny em Qaladze e Kalar, matando pelo menos cinco pessoas e ferindo outras. O partido O acesso ao aborto e a informações sobre o disse que foram abertas investigações sobre o tema continuou severamente restringido e incêndio de sua sede, mas não especificou se criminalizado. Foi introduzido o casamento elas abrangeriam os homicídios cometidos igualitário para casais do mesmo sexo. Uma por suas milícias. legislação que reconhece o gênero legal foi As autoridades do Governo Regional do promulgada. Curdistão prenderam e detiveram pessoas suspeitas de apoiar ou ter vínculos com o DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Estado Islâmico, mas não revelaram o Em julho, o Comitê de Direitos Econômicos, número. Sociais e Culturais da ONU (CDESC) criticou a “legislação altamente restritiva” da Irlanda PENA DE MORTE “sobre aborto e sua rígida interpretação da As autoridades continuaram a impor mesma”, bem como sua “criminalização do extensivamente a pena de morte e realizaram aborto, mesmo em casos de estupro e incesto dezenas de execuções. A maioria dos ou de risco à saúde da gestante”. O Comitê condenados à morte eram homens sunitas recomendou que a Irlanda tomasse todas as sentenciados com base na Lei Antiterrorismo medidas necessárias, inclusive um referendo de 2005. Em junho, o Conselho de Ministros sobre o aborto, a fim de reformar a legislação concordou em alterar o Código de Processo pertinente. Causou preocupação o impacto Penal para permitir ao ministro da Justiça que a lei que trata do acesso e das ratificar ordens de execução se o Presidente informações sobre aborto poderia ter sobre não agir sobre elas no prazo de 30 dias. No mulheres e meninas, assim como a proteção mês seguinte, o Presidente Masum ratificou constitucional conferida ao feto, que também pelo menos 21 penas de morte. afetava a saúde materna.1 Segundo a Em setembro, um tribunal em Bagdá Constituição, o aborto só é permitido quando condenou à morte os irmãos Ali, Shakir e a vida da mulher ou da menina correrem Abdel-Wehab Mahmoud Hameed al-Akla, “risco real ou considerável”, acarretando acusados de terrorismo por decapitar um pena de até 14 anos de prisão em todas as homem em 2010. Os três afirmaram que, outras circunstâncias. durante os meses que passaram em regime de isolamento, foram torturados por agentes VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E de segurança e obrigados a "confessar" terem MENINAS matado pessoas que eles não conheciam. Em novembro, a Irlanda assinou a Convenção Em agosto, as autoridades do Governo do Conselho da Europa sobre Prevenção e Regional do Curdistão enforcaram Farhad Combate à Violência contra a Mulher e à Jaafar Mahmood e suas esposas, Berivan Violência Doméstica. Haider Karim e Khuncha Hassan Ismaeil, O CDESC manifestou preocupação com a encerrando um período de sete anos sem resposta do governo à violência doméstica. O execuções na região. Um tribunal de Dohuk órgão criticou a falta de investigações céleres, havia sentenciado os três à morte em abril de completas e independentes sobre as 2014, após condená-los por sequestro e denúncias de abusos cometidos no passado assassinato. nos abrigos para mulheres administrados por

158 Anistia Internacional – Informe 2015/16 freiras e conhecidos como “lavanderias de TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Madalena”, bem como o fato de não terem Em novembro, o Comitê Europeu para a sido proporcionadas às sobreviventes as Prevenção da Tortura publicou as conclusões devidas reparações. de sua visita de 2014. O Comitê observou melhoras no sistema prisional, mas DISCRIMINAÇÃO manifestou preocupação com a violência Em maio, um referendo popular aprovou uma entre os presos, com a falta de saneamento disposição constitucional que prevê o acesso nas celas persistente em algumas igualitário de casais do mesmo sexo ao penitenciárias, com a reclusão em condições casamento civil. A legislação foi promulgada que correspondiam a confinamento solitário em outubro. como punição, com as deficiências dos Uma lei que prevê o reconhecimento do serviços de saúde (inclusive mental) e com a gênero legal foi promulgada e passou a colocação de detidos por motivos de vigorar em setembro, atendendo imigração junto com presos provisórios ou substancialmente as normas de direitos condenados. O Comitê também assinalou ter humanos. recebido algumas denúncias de maus-tratos Surgiram novas preocupações com a pela polícia, tendo recomendado a melhora institucionalização de pessoas portadoras de dos serviços de saúde nas delegacias como deficiências e com as más condições de vida salvaguarda contra maus-tratos. dessas pessoas nos centros residenciais. Causou preocupação a demora do governo Também houve preocupação com a em ratificar o Protocolo Facultativo à possibilidade de negligência e abuso em Convenção da ONU contra a Tortura e alguns centros. estabelecer o Mecanismo Preventivo Nacional requerido. MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS OU INSTITUCIONAIS REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO O CDESC fez críticas à limitada definição legal Em setembro, o governo anunciou que de direitos humanos contida nas leis com aceitaria um máximo de 4.000 pessoas com relação a algumas funções da Comissão de necessidade de proteção internacional, Igualdade e Direitos Humanos.2 O órgão incluindo tanto aquelas que precisassem ser concluiu que essa limitação, combinada à transferidas dentro da UE quanto os 520 falta de reconhecimento aos direitos refugiados sírios que estavam sendo econômicos, sociais e culturais na legislação reassentados na Irlanda diretamente do doméstica, são “fatores preponderantes” que Oriente Médio. impedem a Comissão de exercer seu Continuaram preocupantes as más mandato e aplicar o inteiro conjunto de condições de vida nos centros de acolhida direitos. O CDESC recomendou que o governo com regime de “manutenção direta” e o reexaminasse a legislação de 2014. período prolongado (cerca de 51 meses) de Até o fim do ano, o governo ainda não estadia nesses locais. Um grupo de trabalho havia respondido à recomendação de criado pelo governo para identificar possíveis fevereiro de 2014 da Assembleia Constituinte melhorias no sistema de “manutenção direta” instituída pelo governo de que a Constituição publicou seu relatório em junho. Em julho, o fosse emendada para incorporar os direitos governo criou uma equipe especial que econômicos, sociais e culturais. Várias outras estudaria se e como pôr em prática as recomendações da Assembleia para reformas recomendações do grupo de trabalho. constitucionais em áreas como igualdade das Foi promulgada em dezembro uma mulheres e blasfêmia seguiam pendentes. legislação que previa um procedimento único para lidar com os pedidos de asilo para refugiados e outras formas de proteção.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 159 requerentes de asilo e prenderam 1. She is not a criminal – the impact of Ireland’s abortion law (EUR israelenses objetores de consciência. 29/1597/2015) 2. Ireland: Submission to the CESCR (EUR 29/1629/2015) INFORMAÇÕES GERAIS As relações entre israelenses e palestinos continuaram tensas durante todo o ano. Em ISRAEL E janeiro, após a Palestina candidatar-se a membro do TPI e aceitar sua competência TERRITÓRIOS sobre os crimes cometidos nos Territórios Palestinos Ocupados (TPO) desde junho de PALESTINOS 2014, Israel interrompeu temporariamente o pagamento das receitas fiscais mensais OCUPADOS devidas às autoridades palestinas. Mais tarde, em janeiro, o procurador do TPI abriu uma Estado de Israel investigação preliminar sobre supostos crimes Chefe de Estado: Reuven Rivlin contra o direito internacional cometidos por Chefe de governo: Benjamin Netanyahu Israel e por grupos armados palestinos; Israel condenou a iniciativa, mas deu início a Na Cisjordânia, incluindo Jerusalém interações limitadas com o procurador do TPI Oriental, as forças israelenses perpetraram em julho. homicídios ilegais de cidadãos palestinos, Os esforços internacionais não inclusive crianças, e detiveram milhares de conseguiram fazer com que israelenses e palestinos que protestavam ou se opunham palestinos reiniciassem as negociações. O de outras formas à prolongada ocupação governo israelense continuou a apoiar a militar de Israel, mantendo centenas de promoção e expansão dos assentamentos pessoas em detenção administrativa. Tortura ilegais na Cisjordânia, incluindo Jerusalém e outros maus-tratos continuaram ocorrendo Oriental, e tomou medidas para autorizar em larga escala e foram cometidos com vários postos avançados de colonos na impunidade. As autoridades continuaram a Cisjordânia, que haviam sido estabelecidos promover assentamentos ilegais na sem a permissão do governo. Cisjordânia e restringiram severamente a A partir de outubro, houve um aumento liberdade de circulação dos palestinos, significativo da violência, quando palestinos, ampliando ainda mais as restrições em meio em sua maioria indivíduos sem vínculo com a uma escalada da violência a partir de grupos armados, realizaram esfaqueamentos, outubro, que incluiu ataques contra tiroteios, colisões com carros e outros tipos de cidadãos israelenses por palestinos e ataques contra as forças israelenses e contra aparentes execuções extrajudiciais por parte civis, tanto em Israel quanto na Cisjordânia, e de forças israelenses. Colonos israelenses intensificaram os protestos contra a ocupação na Cisjordânia atacaram palestinos e suas militar de Israel. As forças israelenses propriedades com quase total impunidade. responderam aos ataques e protestos com A Faixa de Gaza permaneceu sob um força letal. Vinte e um civis israelenses e um bloqueio militar israelense que impôs uma cidadão estadunidense foram mortos por punição coletiva sobre seus habitantes. As palestinos durante o ano, todos, com exceção autoridades continuaram a demolir casas de quatro, entre outubro e dezembro. Forças palestinas na Cisjordânia e em Israel, israelenses mataram mais de 130 palestinos particularmente em aldeias beduínas na entre outubro e dezembro. região de Negev/Naqab, removendo à força Grupos armados palestinos em Gaza seus residentes. Elas também detiveram e esporadicamente lançaram foguetes de forma deportaram milhares de cidadãos africanos indiscriminada contra o sul de Israel;

160 Anistia Internacional – Informe 2015/16 nenhuma morte foi relatada. Israel reagiu Prisões e detenções arbitrárias com ataques aéreos a Gaza; um ataque em As autoridades detiveram milhares de outubro matou dois civis. Israel também palestinos dos Territórios Palestinos realizou vários ataques aéreos e outros Ocupados (TPO); a maioria foi mantida em ataques em áreas na Síria. prisões em Israel, violando o direito Liberdade de circulação – o bloqueio de internacional. Centenas foram detidos sem Gaza e as restrições na Cisjordânia acusação nem julgamento, por meio de As forças israelenses mantiveram seu ordens de detenção administrativa bloqueio por terra, mar e ar a Gaza, em vigor renováveis, emitidas com base em desde 2007, impondo uma punição coletiva informações às quais nem eles nem seus para 1,8 milhão de habitantes do território. advogados tinham acesso; em protesto, Controles israelenses sobre a circulação de alguns participaram de greves de fome pessoas e bens de e para Gaza, prolongadas. Mohammed Allan, um particularmente em relação a materiais de advogado, permaneceu em greve de fome construção essenciais, junto com o por 65 dias para protestar contra sua fechamento da fronteira de Rafah por parte detenção administrativa; ele foi libertado em do Egito e a destruição dos túneis novembro sem qualquer acusação. transfronteiriços, prejudicaram gravemente a As autoridades israelenses lançaram uma reconstrução pós-conflito e o fornecimento de nova onda de repressão aos protestos de serviços essenciais, agravando a pobreza e o palestinos nos TPO em meio à escalada da desemprego. violência a partir de outubro, prendendo mais As forças israelenses continuaram a impor de 2.500 palestinos, incluindo centenas de uma "zona tampão" dentro da fronteira de crianças, e aumentando de modo significativo Gaza com Israel e utilizaram armamentos o uso da detenção administrativa. Mais de letais contra palestinos que entraram ou se 580 detenções administrativas de palestinos aproximaram da área. Elas também atiraram ocorreram até o fim do ano, inclusive de pelo contra pescadores palestinos que estavam menos cinco crianças. Além disso, vários perto ou dentro de uma "zona de exclusão" judeus israelenses suspeitos de planejar que Israel manteve ao longo da costa de ataques contra palestinos foram mantidos em Gaza, matando um e ferindo outros. detenção administrativa. Na Cisjordânia, Israel restringiu Palestinos dos TPO que foram acusados severamente a circulação de palestinos, que enfrentaram julgamentos injustos em foram excluídos de grandes áreas que haviam tribunais militares. Em dezembro, a sido designadas como zonas militares de parlamentar palestina Khalida Jarrar foi disparo ou estavam próximas da cerca/muro condenada a 15 meses de prisão e a uma construído por Israel ou dentro de multa após um acordo judicial feito depois de assentamentos ilegais. Israel também meses de procedimentos judiciais militares manteve uma série de postos de controle injustos.1 militares e estradas secundárias que Tortura e outros maus-tratos restringiam as viagens de palestinos, Forças militares e policiais israelenses, permitindo a livre circulação dos colonos assim como funcionários da Agência de israelenses. As forças israelenses Segurança Interna (ASI), torturaram e estabeleceram novos postos de controle e praticaram outros maus-tratos contra barreiras, particularmente em Jerusalém detentos palestinos, inclusive crianças, em Oriental e na província de Hebron, em meio particular durante a prisão e o interrogatório. ao recrudescimento da violência a partir de As denúncias de tortura aumentaram em outubro, sujeitando centenas de milhares de meio às prisões em massa de palestinos, que palestinos às restrições, o que significa impor começaram em outubro. Os métodos punição coletiva. utilizados incluíram espancamento com

Anistia Internacional – Informe 2015/16 161 cassetetes, tapas, estrangulamento, posições israelenses mataram a tiros palestinos que algemadas e de estresse prolongado, jaziam feridos ou deixaram de prestar privação de sono e ameaças. Judeus assistência médica a tempo para palestinos suspeitos detidos em conexão com os feridos. ataques a palestinos também alegaram ter Execuções extrajudiciais sofrido tortura. A impunidade para a tortura Alguns palestinos pareceram ter sido foi comum. As autoridades receberam quase vítimas de execuções extrajudiciais, como 1.000 queixas de tortura realizadas pela ASI Fadi Alloun, que foi morto a tiros pelas forças desde 2001, mas ainda não tinham iniciado israelenses em 4 de outubro, em Jerusalém; quaisquer investigações criminais. Dania Ershied, de 17 anos, e Saad al-Atrash, Em julho, o parlamento de Israel, o mortos a tiros pelas forças israelenses em Knesset, ampliou a abrangência da legislação Hebron, em 25 e 26 de outubro; e Abdallah que exime a polícia e a ASI da necessidade Shalaldah, morto pelas forças secretas de gravar interrogatórios de palestinos israelenses em 12 de novembro, no hospital “suspeitos de segurança", com o aval do Al Ahli, em Hebron. governo, contrariando uma recomendação de Uso excessivo da força 2013 da Comissão Turkel (veja abaixo). No As forças israelenses, inclusive unidades mesmo mês, o Knesset aprovou uma lei que secretas, usaram força excessiva e letal permite às autoridades submeter os detentos contra manifestantes tanto na Cisjordânia em greve de fome à alimentação forçada, quanto na Faixa de Gaza, matando dezenas, apesar da oposição de grupos de direitos incluindo 43 no último trimestre do ano, e humanos e da ONU. ferindo milhares com balas de metal Homicídios ilegais revestidas de borracha e munição real. Soldados e policiais israelenses mataram Embora muitos manifestantes tenham jogado pelo menos 124 palestinos dos Territórios pedras ou outros projéteis contra as forças Palestinos Ocupados na Cisjordânia, israelenses, eles geralmente não incluindo Jerusalém Oriental, 22 na Faixa de representavam qualquer ameaça à vida dos Gaza e 10 em Israel durante o ano. Muitos bem protegidos soldados israelenses quando destes mortos, inclusive crianças, pareceram foram alvejados. Em setembro, o gabinete de ter sido vítimas de homicídios ilegais. Entre segurança de Israel autorizou a polícia a usar eles, estavam Muhammad Kasba, de 17 munição real em Jerusalém Oriental. Em 9 e anos, e Laith al-Khalidi, de 15 anos, que 10 de outubro, as forças israelenses usaram foram mortos com tiros nas costas em 3 e 31 munição real e balas de metal revestidas de de julho, respectivamente, após jogarem borracha contra manifestantes palestinos nas pedras ou bombas de gasolina em postos de áreas fronteiriças da Faixa de Gaza, matando controle militares ou veículos israelenses; e nove pessoas, incluindo uma criança, e Falah Abu Maria, que foi alvejado no peito em ferindo dezenas. 23 de julho, quando forças israelenses Liberdade de expressão, de associação e invadiram sua casa. de reunião Muitas das mortes ocorreram no último Ordens militares israelenses proibindo trimestre do ano, quando a polícia e as forças manifestações não autorizadas na Cisjordânia militares israelenses mataram a tiros foram usadas para reprimir protestos de palestinos que realizaram esfaqueamentos ou palestinos e prender ativistas, como o outros ataques contra israelenses, incluindo defensor dos direitos humanos Murad Shtewi, civis, ou eram suspeitos de planejar tais que foi libertado em janeiro, depois de ataques, em circunstâncias em que eles não cumprir uma pena de nove meses e meio de representavam uma ameaça iminente à vida prisão com base na Ordem Militar 101. Em e poderiam ter sido detidos, tornando os diversas ocasiões, jornalistas que cobriam os homicídios ilegais. Em alguns casos, as forças protestos e outros acontecimentos na

162 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Cisjordânia foram agredidos ou alvejados pela ilegais na Cisjordânia ocupada atacaram polícia e forças militares israelenses. cidadãos palestinos e suas propriedades com As autoridades também aumentaram as frequência, às vezes na presença de soldados restrições sobre os cidadãos palestinos dentro e policiais israelenses, que não intervieram. de Israel, banindo a sucursal norte do Um incêndio provocado por colonos contra a Movimento Islâmico e fechando 17 ONGs casa da família Dawabsheh na aldeia de associadas a ele em novembro, e prendendo Duma, perto de Nablus, em 31 de julho, mais de 250 manifestantes e organizadores matou Ali, de 18 meses de idade, e seus pais de protestos entre outubro e dezembro. Saad e Riham, ferindo gravemente seu irmão Em setembro, o denunciante israelense Ahmad, de 4 anos. O incidente chamou Mordechai Vanunu foi condenado a uma atenção para o aumento dos ataques de semana em prisão domiciliar depois de colonos dentro de comunidades palestinas, conceder uma entrevista ao Canal 2 de Israel. fazendo com que muitos palestinos se sintam Ele continuou a ser proibido de viajar para o inseguros em suas casas. Os suspeitos foram exterior e de se comunicar eletronicamente posteriormente presos, e muitos continuavam com estrangeiros durante todo o ano. detidos no fim do ano. Direito à moradia – remoções forçadas e Um civil israelense matou a tiros Fadel al- demolições Qawasmeh quando estava muito próximo de Na Cisjordânia, incluindo Jerusalém soldados israelenses na Cidade Velha de Oriental, as forças israelenses demoliram pelo Hebron, em 17 de outubro; o homem menos 510 casas palestinas e outras israelense não foi preso no local e não havia estruturas construídas sem licenças indicações de que ele seria processado. israelenses, que são praticamente Embora dois dos três israelenses acusados impossíveis de se obter, removendo à força do sequestro e morte do adolescente mais de 610 pessoas. Elas também palestino Muhammad Abu Khdeir, em julho removeram à força mais de 120 pessoas ao de 2014, tenham sido condenados em demolir ou tornar inabitáveis 19 casas de novembro e aguardassem sentença em famílias de palestinos que realizaram ataques janeiro de 2016, na maioria dos casos a contra israelenses. Na Área C da Cisjordânia, polícia israelense não investigou de modo sob total controle israelense, dezenas de efetivo supostos crimes perpetrados por comunidades beduínas e de pastoreio colonos nem processou os suspeitos, continuaram sendo desalojadas à força. tornando constante a impunidade para a As autoridades também demoliram violência praticada por colonos. dezenas de casas palestinas dentro de Israel Impunidade que, segundo elas, foram construídas sem Em junho, a Comissão Independente de permissão, principalmente em aldeias Inquérito das Nações Unidas sobre o Conflito beduínas na região de Negev/Naqab. Muitas de Gaza de 2014 publicou o seu relatório, das aldeias eram oficialmente "não documentando crimes de guerra cometidos reconhecidas". Em maio, a Suprema Corte pelas forças israelenses e pelos grupos aprovou a demolição planejada da aldeia "não armados palestinos durante o conflito de 50 reconhecida" de Um al-Heiran e a remoção dias e pedindo a responsabilização dos de seus moradores beduínos para construir culpados. Israel rejeitou as conclusões da uma nova cidade judaica. Em novembro, o ONU e continuou suas investigações governo aprovou a criação de cinco novas militares, mas estas não tinham comunidades judaicas na região, inclusive independência e não conseguiram fazer duas em áreas onde existem aldeias justiça. As autoridades militares israelenses beduínas. abriram investigações sobre as mortes de Violência cometida por colonos palestinos pelas forças israelenses na Israelenses que vivem em assentamentos Cisjordânia, mas essas investigações foram

Anistia Internacional – Informe 2015/16 163 igualmente falhas, e apenas um caso de número de detidos na instalação atingiu seu 2013 levou a uma acusação de "uso ponto mais alto. Em novembro, o governo negligente de arma de fogo", após longos introduziu um novo projeto de emenda atrasos e um recurso à Suprema Corte de segundo o qual os requerentes de asilo Israel. ficariam detidos em Holot por um ano, Em setembro, um comitê do governo período prorrogável por mais seis meses. publicou sua análise das recomendações da Até o fim do ano, o asilo havia sido Comissão Turkel de 2013 sobre os sistemas concedido a apenas uma pequena parte dos de investigação de Israel e sua conformidade milhares de cidadãos eritreus e sudaneses com o direito internacional. O comitê deixou que entraram com o pedido, e as autoridades de lado algumas recomendações, tais como continuaram a pressionar muitos, incluindo tornar os crimes de guerra delitos a serem os detidos em Holot, a deixar Israel punidos pela legislação nacional, e não "voluntariamente". Até o fim de novembro, definiu medidas práticas ou orçamentos mais de 2.900 requerentes de asilo tinham necessários para implementar outras aceitado tal "regresso voluntário". Em recomendações. novembro, um tribunal distrital confirmou Violência contra mulheres e meninas uma decisão do governo anunciada em Houve novas denúncias de violência contra março de deportar alguns dos 45.000 mulheres, particularmente dentro das requerentes de asilo que ainda estavam no comunidades palestinas em Israel. De acordo país, sem o seu consentimento, para Ruanda com ativistas, pelo menos 18 mulheres foram e Uganda ou detê-los indefinidamente na assassinadas em Israel, a maioria por prisão de Saharonim. O governo se recusou a parceiros ou membros da família; algumas divulgar detalhes sobre os acordos firmados foram mortas depois de buscar proteção com Ruanda e Uganda ou a dar quaisquer policial. garantias de que os deportados, Refugiados e requerentes de asilo "voluntariamente" ou não, não seriam As autoridades continuaram a negar aos transferidos posteriormente para seus países requerentes de asilo, dos quais mais de 90% de origem, violando a proibição de eram da Eritreia e do Sudão, o acesso a um refoulement . processo justo para a determinação do status Objetores de consciência de refugiado. Mais de 4.200 pessoas eram Pelo menos quatro objetores de mantidas no centro de detenção de Holot e consciência foram presos. Entre eles estava na prisão de Saharonim, no deserto de Edo Ramon, preso várias vezes desde março Negev/Naqab, no fim do ano. por se recusar a servir no exército israelense. Em agosto, o Tribunal Superior de Justiça decidiu que as disposições de uma emenda de dezembro de 2014 à Lei de Prevenção da 1. Israel/Occupied Palestinian Territories: Palestinian parliamentarian Infiltração permitindo às autoridades deter os sentenced: Khalida Jarrar (MDE 15/3031/2015) requerentes de asilo em Holot por 20 meses eram desproporcionais, e ordenou ao governo rever a lei e libertar aqueles que estavam ITÁLIA detidos na unidade há mais de um ano. Cerca de 1.200 dos aproximadamente 1.800 República Italiana requerentes de asilo foram posteriormente Chefe de Estado: Sergio Mattarella (substituiu Giorgio libertados de Holot, mas foram Napolitano em fevereiro) arbitrariamente banidos das cidades de Tel Chefe de governo: Matteo Renzi Aviv e Eilat. Milhares de outras pessoas foram convocadas a ir para Holot de acordo com Entre janeiro e abril foi registrado um critérios mais amplos de detenção, e o número cada vez maior de mortos entre os

164 Anistia Internacional – Informe 2015/16 refugiados e migrantes que tentavam chegar pelos governos e do estabelecimento da à Itália por barco a partir do Norte da África. operação militar da UE no sul do Esse número diminuiu depois que os Mediterrâneo (EUNAVFOR MED, mais tarde governos europeus introduziram recursos renomeada Operação Sophia) para combater navais para salvar vidas em alto mar. A o tráfico de pessoas. Estas medidas, aliadas implementação de um sistema ao aumento dos esforços das ONGs, levaram convencionado na UE para a triagem dos a uma redução drástica da taxa de acolhidos – o "sistema dos centros de mortalidade nos meses seguintes. No registro" (de abordagem direta nos pontos entanto, a perda de vidas no mar continuou a de acesso) – causou preocupações. ser registrada durante o resto do ano, devido Continuou a discriminação contra os ao elevado número de pessoas viajando – ciganos, com milhares segregados em pressionadas pela deterioração da situação campos monoétnicos. A Itália não tipificou o nos países de origem e de trânsito – e à crime de tortura na legislação nacional, não ausência de alternativas seguras e legais para criou uma instituição nacional de direitos buscar proteção na Europa. humanos independente nem concedeu As autoridades italianas se empenharam reconhecimento legal a casais do mesmo para assegurar condições de recepção sexo. adequadas para as dezenas de milhares de pessoas que desembarcaram na Itália. O DIREITOS DOS REFUGIADOS E governo estabeleceu um plano para distribuí- MIGRANTES las em centros de recepção em todo o país, Mais de 153.000 refugiados e migrantes encontrando, em alguns casos, forte chegaram à Itália depois de atravessar o mar resistência por parte das autoridades e da Mediterrâneo em barcos superlotados e sem população local, inclusive com ataques condições de navegar. A maioria partiu do violentos. Em julho, em Quinto di Treviso, no Norte da África e foi resgatada no mar pela nordeste da Itália, moradores e militantes de guarda costeira e pela Marinha italianas, por extrema-direita invadiram apartamentos embarcações de outros países ou por navios destinados a receber requerentes de asilo, mercantes ou de ONGs. levaram os móveis para fora e atearam fogo Cerca de 2.900 refugiados e migrantes neles, fazendo com que as autoridades morreram ou desapareceram no mar ao tivessem que transferir os requerentes de tentar a travessia durante o ano. A taxa de asilo para outro local. mortalidade aumentou consideravelmente Em agosto, foi adotada uma nova legislação nos primeiros quatro meses, quando foram para transpor as diretivas da UE em matéria relatadas cerca de 1.700 mortes, incluindo de asilo, reestruturando o sistema de mais de 1.200 causadas por dois grandes recepção. Houve preocupações quanto a um naufrágios só em abril. Isto estava ligado à aumento previsto no uso da detenção em redução de recursos para o patrulhamento Centros de Identificação e Expulsão (CIES). proativo no fim de 2014, quando a Operação Em setembro, a Itália começou a aplicar o Mare Nostrum foi substituída por uma chamado “sistema dos centros de registro", operação menor, com foco no controle de segundo o qual os requerentes de asilo de fronteiras, denominada Operação Triton e certas nacionalidades seriam identificados operada pela Frontex, o órgão da UE para se beneficiar do reassentamento em encarregado da gestão de fronteiras. outros Estados-membros da UE, onde No fim de abril, os governos europeus poderiam requerer asilo. O programa de decidiram restabelecer o patrulhamento do reassentamento levou à transferência de 184 mar Mediterrâneo por meio de melhorias na pessoas até o fim do ano. Houve Operação Triton, do lançamento de preocupações de que os requerentes de asilo operações independentes de salvamento e migrantes poderiam ser detidos

Anistia Internacional – Informe 2015/16 165 arbitrariamente e forçados a coletar Lazio, em Turim. A Comissão Europeia contra impressões digitais nos locais designados o Racismo e a Intolerância criticou as como centros de registro (pontos de acesso remoções, muitas vezes realizadas sem de migrantes). Na Sicília, as autoridades oferecer garantias processuais e acomodação emitiram ordens de expulsão de indivíduos no alternativa. Também reiterou as momento de sua chegada, aumentando os recomendações para reforçar a temores de que as pessoas inelegíveis para independência e os poderes do Escritório reassentamento poderiam ser expulsas sem Nacional contra a Discriminação Racial, que ter antes a oportunidade de requerer asilo ou estava coordenando a implantação da receber informações sobre os seus direitos. Estratégia Nacional para a Inclusão dos Em setembro, o Tribunal Europeu de Ciganos. No entanto, o governo reduziu os Direitos Humanos condenou a Itália no caso recursos do Escritório Nacional e interferiu Khlaifia pelas detenções arbitrárias, maus- em suas atividades. tratos e expulsão coletiva de um grupo de Em maio, o Tribunal Civil de Roma tunisianos em 2011. O caso dizia respeito à reconheceu em uma decisão histórica que a sua detenção no centro de recepção de atribuição de moradias para os ciganos no Lampedusa e em embarcações militares, e à campo monoétnico de La Barbuta, perto do sua repatriação sumária para a Tunísia, sem aeroporto de Ciampino, em uma área considerar suas circunstâncias individuais. considerada inadequada para a habitação A "entrada e estadia irregulares" no humana, constituía atitude discriminatória e território continuaram sendo crimes. O teria de ser interrompida. As autoridades não governo não adotou decretos para a abolição haviam tomado qualquer medida concreta da medida, embora as instruções para isso para cumprir a decisão até o fim do ano. tenham sido aprovadas pelo Parlamento em abril de 2014. Direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais DISCRIMINAÇÃO Em julho, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos julgou no caso Oliari que a Itália Ciganos violou o direito dos requerentes a uma vida Milhares de famílias ciganas continuaram a privada e familiar, por causa da falta de viver em campos e abrigos segregados, enquadramento legal para proteger os direitos muitas vezes em condições precárias, como de casais do mesmo sexo. Apesar disso, o destacou em outubro o Comitê de Direitos Parlamento não aprovou a legislação Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. O pendente para resolver essa lacuna. Em fracasso do governo em implementar de dezembro, o Tribunal de Recursos de Roma modo eficaz a Estratégia Nacional para a confirmou o direito de uma mulher de adotar Inclusão dos Ciganos significou que, três formalmente a criança nascida de sua anos após a sua adoção, não houve parceira como resultado de inseminação progresso significativo no sentido de oferecer artificial. acomodação alternativa adequada para as Em julho, o Tribunal de Cassação decidiu famílias ciganas impossibilitadas de prover o que pessoas transgênero podem obter o próprio sustento. Os ciganos que viviam em reconhecimento legal de seu gênero sem a campos continuaram a ter pouca chance de exigência de se submeter a qualquer acesso à moradia social, particularmente na tratamento médico. capital, Roma. As remoções forçadas de No fim do ano, o Parlamento ainda não ciganos foram denunciadas em todo o país. havia aprovado as alterações legislativas para Em fevereiro, cerca de 200 pessoas, estender aos crimes homofóbicos e incluindo crianças e mulheres grávidas, transfóbicos a aplicação das penas previstas foram removidas do campo Lungo Stura para os crimes de ódio baseados em outros

166 Anistia Internacional – Informe 2015/16 motivos. um novo julgamento de cinco médicos que haviam sido absolvidos em recurso da TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS acusação de homicídio culposo. Um projeto de lei para incorporar o crime de tortura à legislação nacional foi inicialmente SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO aprovado por uma seção do Parlamento em Em junho, o Tribunal Europeu de Direitos abril, mas não obteve aprovação final. Da Humanos convocou uma audiência pública mesma forma, o governo não introduziu o uso no caso Nasr e Ghali. Os advogados de de crachás de identificação nos uniformes Usama Mostafa Hassan Nasr (conhecido dos agentes de aplicação da lei, o que como Abu Omar) e sua esposa Nabila Ghali facilitaria a prestação de contas por abuso. afirmaram que policiais e agentes de Em abril, o Tribunal Europeu de Direitos inteligência italianos foram responsáveis ​​por Humanos julgou no caso Cestaro que a conspirar com a Agência Central de polícia, ao invadir a escola Diaz, em Gênova, Inteligência (CIA) dos Estados Unidos no durante a cúpula do G8 em 2001, cometeu sequestro e maus-tratos de Abu Omar em tortura contra os manifestantes ali abrigados. fevereiro de 2003, em Milão, em sua O Tribunal destacou que nenhum agente posterior extradição ilegal para o Egito, e em havia sido condenado por essa conduta sua tortura e outros maus-tratos durante a devido à inexistência do crime de tortura no detenção secreta no Cairo. O caso continuava âmbito da legislação nacional, à aplicação da pendente no Tribunal Europeu de Direitos prescrição e à falta de cooperação policial. Humanos. Em dezembro, o Presidente A ouvidoria nacional para os direitos dos Mattarella concedeu perdão a um agente da detidos ainda estava para entrar em operação CIA e perdão parcial a outro; os dois haviam no fim do ano. sido anteriormente condenados à revelia por tribunais italianos devido ao seu papel no MORTES EM CUSTÓDIA sequestro e na extradição. Continuaram as preocupações quanto à falta Em fevereiro, foram adotadas novas leis de de responsabilização pelas mortes ocorridas combate ao terrorismo, aumentando as penas em custódia, apesar de progressos lentos em de prisão para "pessoas recrutadas por outras alguns casos. para cometer atos de terrorismo" e Em junho, começou um julgamento por estabelecendo sanções para quem organiza, homicídio culposo contra quatro policiais e financia ou promove viagens "com a três voluntários da Cruz Vermelha italiana no finalidade de realizar atos de terrorismo". As caso de Riccardo Magherini, que morreu leis também criminalizaram a participação durante sua detenção em uma rua de em um conflito em território estrangeiro "em Florença, em março de 2014. Deficiências apoio a uma organização terrorista". Também nas investigações haviam sido denunciadas concederam ao governo a autoridade para nos meses anteriores. manter uma lista de sites utilizados com fins Surgiram novas evidências, inclusive de recrutamento e para instruir os provedores depoimentos de testemunhas, no caso de de serviços de internet a bloquear esses sites. Stefano Cucchi, que morreu uma semana após ser preso na ala penitenciária de um MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS hospital de Roma em 2009, reforçando a OU INSTITUCIONAIS suspeita de que ele pode ter morrido em Apesar das promessas do governo, a Itália consequência de espancamento. Em mais uma vez não criou uma instituição setembro, novas investigações foram nacional de direitos humanos, conforme os iniciadas pelo Ministério Público contra os Princípios relativos ao Estatuto das policiais envolvidos em sua prisão. Em Instituições Nacionais (Princípios de Paris). dezembro, o Tribunal de Cassação ordenou

Anistia Internacional – Informe 2015/16 167 um procedimento de pré-triagem a fim de JAPÃO excluir do processo requerentes “inelegíveis”, alegando que as pessoas em busca de Japão oportunidades de empregos foram as Chefe de governo: Shinzo Abe responsáveis pelo aumento no número de pedidos de asilo. Os critérios para a Apesar da Constituição pós-Segunda Guerra qualificação não foram especificados de Mundial, que renunciou ao “uso da força forma clara. Em agosto, um homem do Sri como meio de resolver disputas Lanka deu entrada em outra ação judicial internacionais”, em julho o primeiro- contra o Ministério, que continuou a negar ministro Shinzo Abe aprovou na Câmara dos seu estatuto de refugiado, apesar de uma Deputados uma nova legislação que ordem do Tribunal do Distrito de Osaka em permitiria às forças de autodefesa do Japão seu favor. Essa foi a primeira vez que uma unir-se a ações militares coletivas no recusa do governo em obedecer a uma exterior. A reação pública se opondo à decisão judicial sobre o estatuto de refugiado legislação incluiu a realização de uma das resultou em uma segunda ação judicial. maiores manifestações em décadas. Os governos do Japão e da Coreia do Sul DIREITOS DOS TRABALHADORES chegaram a um acordo sobre o sistema MIGRANTES militar de escravidão sexual estabelecido O governo manteve fortes restrições à antes e durante a Segunda Guerra Mundial; imigração e anunciou planos para expandir o resultado foi duramente criticado pelas ainda mais o Programa de Treinamento sobreviventes. Continuaram as execuções de Técnico Interno, para trazer mais pessoas que estavam no corredor da morte. trabalhadores estrangeiros ao país. O Programa era passível de abuso por parte dos DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS ÉTNICAS empregadores, resultando em trabalho Apesar de uma recomendação de 2014 do forçado, falta de supervisão ou proteção Comitê da ONU para a Eliminação da efetiva aos trabalhadores e outros abusos dos Discriminação Racial, a coalizão governista se direitos humanos. Desde junho, cerca de 180 opôs a uma legislação que proibia a mil estrangeiros trabalhavam no âmbito do discriminação racial. Ainda assim, um grupo Programa. de legisladores nacionais enviou ao Parlamento um projeto de lei que exigiria que DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, o governo criasse programas de combate à BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E discriminação. A discussão sobre o projeto de INTERSEXUAIS lei começou em agosto. Com o aumento das Em abril, o distrito de Shibuya, em Tóquio, manifestações contra pessoas de etnia tornou-se a primeira municipalidade no Japão coreana, alguns governos municipais, como o a aprovar um decreto que reconhece as de Osaka, propuseram decretos para refrear uniões entre pessoas do mesmo sexo como os discursos de ódio contra estrangeiros e equivalentes ao casamento. Parceiros do minorias. mesmo sexo registrados receberiam um certificado, não vinculante juridicamente, e REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO teriam direitos de visitação em hospitais e a Continuaram as preocupações com o possibilidade de assinar contratos conjuntos processo para solicitação de refúgio. O de aluguel. O distrito de Setagaya, em Tóquio, Ministério da Justiça concedeu estatuto de adotou orientações similares em julho, refugiado a apenas 11 pessoas, entre mais de enquanto cidades fora de Tóquio anunciaram 5 mil requerentes em 2014. Em junho, o possíveis acordos futuros para parcerias entre Ministério anunciou planos para introduzir pessoas do mesmo sexo.

168 Anistia Internacional – Informe 2015/16 VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E no âmbito do sistema de juízes leigos, o que MENINAS representa cerca de 2% de todos os No 70° aniversário do fim da Segunda Guerra processos penais. O projeto também não Mundial, o Primeiro-Ministro Abe expressou aboliu nem reformou o sistema daiyo tristeza, mas referiu-se apenas aos pedidos kangoku, que permite à polícia deter de desculpas feitos por ex-chefes de governo. suspeitos por até 23 dias antes de uma Em dezembro, o governo chegou a um acusação formal, o que facilita a prática de acordo com a Coreia do Sul e reconheceu a tortura e outros maus-tratos com o fim de enorme responsabilidade do Japão pelo extrair confissões durante os interrogatórios. sistema militar de escravidão sexual estabelecido antes e durante a guerra, por meio do qual mulheres e meninas foram MÉXICO forçadas à escravidão sexual pelo Exército Imperial Japonês. O resultado do acordo foi Estados Unidos Mexicanos criticado, uma vez que não considerou os Chefe de Estado e de governo: Enrique Peña Nieto pontos de vista e as necessidades das sobreviventes, e estas não participaram das Persistiu a impunidade para graves negociações. violações dos direitos humanos, como tortura e outros maus-tratos, LIBERDADE DE EXPRESSÃO desaparecimentos forçados e execuções A Lei sobre a Proteção de Segredos extrajudiciais. Mais de 27.000 pessoas Considerados Especiais, que entrou em vigor continuaram sumidas ou desaparecidas. em dezembro de 2014, continha disposições Jornalistas e defensores dos direitos que poderiam violar o direito de acesso às humanos continuaram a ser ameaçados, informações guardadas por autoridades hostilizados ou assassinados. O número de públicas. Críticos da Lei enfatizaram que o detenções, deportações e denúncias de governo poderia reter informações sem abusos contra migrantes irregulares por critérios claros, que as comissões parte das autoridades aumentou parlamentares que supervisionam a significativamente. A violência contra as classificação das informações como secretas mulheres permaneceu amplamente eram muito fracas e que os jornalistas disseminada. Projetos de grande porte de corriam risco de ser presos por solicitar e desenvolvimento e exploração de recursos publicar informações consideradas secretas. continuaram sendo executados na ausência No fim do ano, o governo ainda tinha de criar de um marco legal para o consentimento um mecanismo independente de fiscalização livre, prévio e informado das comunidades que incluiria disposições sobre a proteção de indígenas afetadas. A Suprema Corte autores de denúncias e poderia de fato evitar sustentou o direito de casais do mesmo sexo abusos da Lei. de se casar e adotar filhos.

SISTEMA DE JUSTIÇA INFORMAÇÕES GERAIS Um projeto de lei que reformava a lei de O Presidente Peña Nieto cumpriu a metade processo penal e previa a solicitação de de seu mandato de seis anos. O governista gravações na íntegra, em áudio ou vídeo, dos Partido Revolucionário Institucional manteve interrogatórios conduzidos pela polícia ou por a maioria das cadeiras nas eleições para a procuradores foi aprovado na Câmara dos Câmara dos Deputados; vários estados Deputados em agosto, mas não havia sido elegeram governadores e outros discutido na Câmara dos Conselheiros até o representantes locais. fim do ano. A proposta de lei era aplicável Uma nova Lei Geral de Transparência foi apenas aos “crimes graves” a serem julgados promulgada em maio, fortalecendo as

Anistia Internacional – Informe 2015/16 169 proteções ao direito de acesso à informação. para operações de aplicação da lei, muitas O governo defendeu sua reforma violações de direitos humanos ainda eram educacional frente aos protestos em massa atribuídas às forças armadas. Havia planos dos sindicatos de professores e dos de aumentar a presença de pessoal da movimentos sociais. Membros dos sindicatos marinha em operações de aplicação da lei. de professores foram alvo de processos que Violações de direitos humanos nas mãos aparentavam motivação política, sendo que das foças armadas e da polícia continuaram quatro réus foram transferidos para uma rotineiras, sobretudo nos estados de penitenciária de segurança máxima em Tamaulipas, Michoacán e Guerrero, onde outubro. operações de segurança de grande escala Um plano de segurança de 10 pontos, eram conduzidas. anunciado em novembro de 2014 pelo Em abril, a Corte Interamericana de Presidente Peña Nieto depois das massivas Direitos Humanos considerou que a reforma manifestações contra o desaparecimento de 2014 do Código de Justiça Militar não forçado de 43 estudantes, resultou em vários cumpria integralmente várias decisões governos estaduais assumindo o controle das anteriores da Corte, pois não excluía da polícias municipais, bem como em um competência militar as violações de direitos projeto de lei apresentado ao Congresso para humanos cometidas contra membros das criar zonas econômicas especiais nas áreas forças armadas. O Congresso não aplicou ao empobrecidas do sul do país. Outras medidas Código as reformas requeridas para acatar as anunciadas no pacote, como novas leis sobre decisões da Corte. tortura e desaparecimento, ainda não haviam sido implementadas. EXECUÇÕES EXTRAJUDICIAIS A proporção de pessoas vivendo em Os responsáveis por execuções extrajudiciais situação de pobreza subiu de 45,5% para continuaram a gozar de quase absoluta 46,2% entre 2012 e 2014, segundo dados impunidade. Pelo segundo ano consecutivo, oficiais divulgados em julho. O percentual de as autoridades não publicaram qualquer pessoas vivendo na pobreza extrema estatística sobre a quantidade de pessoas diminuiu de 9,8% para 9,5% no mesmo mortas ou feridas em confrontos com a período. polícia e com as forças militares como parte Em abril, a Suprema Corte decidiu que 40 da luta contra o crime organizado. dias de detenção provisória sem acusação Jornalistas denunciaram que 16 pessoas (arraigo) é uma medida constitucional para desarmadas foram mortas por policiais casos de delitos graves, uma prática que tem federais e outras forças de segurança em sido condenada por vários órgãos que Apaztingán, estado de Michoacán, em monitoram o cumprimento dos tratados. janeiro. A Comissão Nacional de Direitos Humanos determinou uma investigação dos FORÇAS POLICIAIS E DE SEGURANÇA homicídios. Mais de 40 foram mortas em A violência relacionada ao crime organizado maio durante uma operação policial em continuou sendo motivo de grave Tanhuato, no estado de Michoacán. As preocupação. Apesar dos dados oficiais investigações sobre os crimes não foram indicarem uma redução no número de tornadas públicas e até o fim do ano ninguém homicídios de 35.930 entre janeiro de havia sido processado. dezembro de 2014 para 33.017 entre janeiro Em junho, a ONG Centro Prodh (Centro de e novembro de 2015, esses dados misturam Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez) homicídios dolosos com não intencionais, revelou que uma ordem militar para “abater omitindo que a média mensal de homicídios criminosos” (nesse contexto, “matar”) foi a dolosos aumentou. Embora uma quantidade base das operações efetuadas em 2014 em menor de soldados tenha sido designada Tlatlaya, estado do México, quando os

170 Anistia Internacional – Informe 2015/16 soldados mataram 22 pessoas que autoridades não aplicaram o procedimento supostamente pertenciam a uma gangue. As conforme os princípios do Protocolo de autoridades alegaram ter se tratado de uma Istambul. Em muitas ocasiões, as troca de tiros com pistoleiros, mas a investigações de tortura e outros maus-tratos Comissão Nacional de Direitos Humanos e não avançavam sem que houvesse um uma comissão especial de inquérito do exame oficial. Especialistas médicos Congresso separadamente concluíram que a independentes continuaram tendo maioria das pessoas havia sido morta quando dificuldades para realizar seu trabalho e ter não apresentava ameaça. Sete policiais foram seus exames aceitos como prova em presos, mas apenas três continuavam sendo procedimentos penais. investigados no fim do ano. A Procuradoria Em setembro, em seu primeiro julgamento Geral da República não investigou nenhum relativo ao país, o Comitê da ONU contra a militar ou outros indivíduos com Tortura concluiu que a tortura praticada por responsabilidade na cadeia de comando, que soldados em 2009 contra quatro homens não preveniram nem impediram esses condenados por crimes que incluíam crimes. sequestro violou a Convenção da ONU contra a Tortura. Após a sentença da Corte, os TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS quatro indivíduos foram absolvidos de todas A tortura e outros maus-tratos continuaram as acusações; entretanto, os soldados não sendo prática comum entre agentes e haviam sido indiciados até o fim do ano. investigadores das forças policiais, pouco tendo sido feito para sua erradicação. As DESAPARECIMENTOS FORÇADOS autoridades negaram a magnitude do Desaparecimentos forçados com a problema, enquanto persistiam as denúncias participação do Estado e desaparecimentos de tortura tanto em nível federal quanto cometidos por atores não estatais estadual. O governo não foi capaz de informar continuaram ocorrendo de forma a respeito de quaisquer ações ou sentenças generalizada. No fim do ano, o governo no âmbito federal. Em abril, três policiais informou que 27.638 pessoas (20.203 foram indiciados por tortura no estado de homens e 7.435 mulheres) tinham o Baja California; as ações foram indeferidas paradeiro desconhecido, mas não especificou por um juiz. A promotoria recorreu. quantas haviam sido submetidas a Houve anúncios referentes a políticas e desaparecimento forçado. As poucas projetos legislativos que tratam de tortura, investigações criminais realizadas em alguns como as diretrizes para investigações internas desses casos costumavam ser precárias e as sobre tortura da Procuradoria Geral da autoridades não conduziram buscas das República. Em 10 de dezembro, o Presidente vítimas. A impunidade para esses crimes foi Peña Nieto enviou ao Congresso o projeto de quase total. Em outubro, a Procuradoria Geral uma Lei Geral sobre Tortura, resultado de da República criou uma Promotoria Especial uma reforma constitucional que permitia ao para lidar com casos de pessoas Congresso legislar em questões de tortura e desaparecidas ou cujo paradeiro era desaparecimentos em nível federal e desconhecido. estadual. Grupos de vítimas e seus familiares, junto Assim como em anos anteriores, o com organizações de direitos humanos, procedimento especial para exames médicos engajaram-se em um debate nacional e estabelecido pela Procuradoria Geral da produziram uma série de requerimentos para República para casos de denúncias de a Lei Geral sobre Desaparecimentos. Em 10 tortura não foi aplicado na maioria dos casos, de dezembro, o Presidente Peña Nieto enviou deixando um acúmulo de mais de 1.600 ao Congresso um projeto de lei que não casos em espera.1 De modo geral, as cumpria as normas internacionais.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 171 Em janeiro, o procurador-geral da pedidos foram aceitos. A impunidade por República novamente afirmou que os 43 ameaças e agressões persistia. estudantes de uma escola rural de magistério Em junho, o jornalista maia Pedro Canche em Ayotzinapa, no estado de Guerrero, que foi libertado depois de passar nove meses em foram submetidos a desaparecimento forçado detenção provisória, com base em uma ação em setembro de 2014 e cujo paradeiro não fundamentada de sabotagem, instaurada continuava desconhecido, foram como represália por ele exercer assassinados, queimados e jogados em um pacificamente seu direito à liberdade de rio. Os restos mortais de um dos estudantes expressão. Outros jornalistas continuaram foi identificado, mas o paradeiro dos demais sendo hostilizados pelas autoridades, sendo 42 ainda não havia sido revelado. Em que alguns tiveram que fugir das cidades em setembro, um Grupo Interdisciplinar de que viviam ou suspender seu trabalho por Especialistas Independentes (GIEI) designado medo de represálias. Em julho, o repórter pela Comissão Interamericana de Direitos fotográfico Rubén Espinosa Becerril, a ativista Humanos determinou que a investigação se Nadia Dominique Vera Pérez e outras três caracterizara por falhas graves e concluiu que mulheres foram encontradas mortas em um as condições no local eram tais que seria apartamento na Cidade do México. Tanto impossível os corpos terem sido queimados Rubén Espinosa quanto Nadia Vera haviam conforme descrito pelas autoridades. O GIEI deixado o estado de Veracruz alguns meses confirmou que agentes dos serviços de antes devido às ameaças que recebiam. inteligência à paisana seguiram e vigiaram os estudantes durante os ataques e as LIBERDADE DE REUNIÃO detenções, e que as autoridades municipais, A Suprema Corte continuou a examinar uma estaduais e federais estavam cientes dos contestação judicial à Lei de Mobilidade de ataques. Até o fim do ano, aproximadamente 2014 da Cidade do México. A lei constitui 100 pessoas haviam sido presas ou estavam uma ameaça à liberdade de reunião pacífica, sendo processadas, mas nenhuma delas inclusive por instituir um regime de havia sido acusada de desaparecimento autorização prévia para manifestações, pela forçado. falta de disposições sobre manifestações espontâneas e pelos poderes conferidos ao DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS E governo para proibir protestos em locais JORNALISTAS específicos. A Anistia Internacional e outras Defensores dos direitos humanos e jornalistas organizações internacionais encaminharam à continuaram a ser ameaçados, hostilizados, Corte um informe conjunto de amicus curiae, atacados ou assassinados. Os que defendiam argumentando que certas disposições da lei o meio ambiente e o direito à terra corriam violam as normas do direito internacional. maior perigo. Vários jornalistas que trabalhavam sobre questões relativas ao VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E estado de Veracruz foram mortos. O MENINAS Mecanismo para Proteção dos Defensores A violência contra mulheres e meninas dos Direitos Humanos e Jornalistas, de continuou endêmica, com crimes de caráter federal, carecia de recursos e de assassinato, sequestro e violência sexual. O coordenação, o que deixava defensores de Sistema Nacional para Prevenir, Punir e direitos humanos e jornalistas mal protegidos. Erradicar a Violência contra a Mulher Uma Unidade de Prevenção, Monitoramento anunciou pela primeira vez a ativação de um e Análise foi instalada três anos depois da mecanismo de “Alerta de Gênero” no estado criação do Mecanismo. O número de pedidos de Morelos e em partes do estado do México. de proteção com base no Mecanismo O “Alerta de Gênero” foi concebido para permaneceu estável, e cerca de 90% dos mobilizar as autoridades no combate à

172 Anistia Internacional – Informe 2015/16 violência de gênero amplamente disseminada A execução do Plano Fronteira Sul levou ao e suscitar uma resposta oficial efetiva aos crescimento do número de deportações e casos de violência. detenções de migrantes que entram no país. Em julho, cinco homens receberam Até novembro, 178.254 migrantes irregulares múltiplas condenações à prisão perpétua pelo haviam sido apreendidos e detidos pelo sequestro, exploração sexual e assassinato de Instituto Nacional de Migração, comparados 11 mulheres em Ciudad Juárez, município na aos 127.149 de 2014. Esse crescimento, fronteira com os EUA, cujos restos mortais porém, não se refletiu num aumento foram encontrados no deserto nos arredores comensurável no número de concessões de da cidade em 2012. A sentença do tribunal asilo. A quantidade de deportações de reconheceu a natureza endêmica da violência migrantes centro-americanos pelo México motivada por gênero naquela área e superou a dos Estados Unidos. Houve determinou novas investigações de outros denúncias de brutalidade nas operações responsáveis pelos crimes. conjuntas das autoridades de migração, da polícia e dos militares ao longo da fronteira DIREITOS DOS REFUGIADOS E DOS Sul do México. MIGRANTES Migrantes e pessoas em busca de asilo que DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS cruzam o México continuaram sendo O país ainda não contava com um marco submetidas a sequestros em massa, extorsão, jurídico sobre o direito dos povos indígenas desaparecimento e outros abusos cometidos ao consentimento livre, prévio e informado por grupos do crime organizado, que com relação a projetos de desenvolvimento geralmente agem em conluio com agentes do que afetam suas terras e seus meios de vida Estado. A maior parte dos sequestros tradicionais. Dois líderes indígenas Yaqui que registrados aconteceu no estado de haviam sido presos por protestar contra a Tamaulipas. Os ataques em massa contra construção de um aqueduto foram libertados migrantes por grupos criminosos persistiram por falta de provas. O aqueduto, no entanto, em todo o país, sem quaisquer investigações seguiu operando mesmo depois que uma adequadas nem acesso à Justiça ou autoridade nacional de antropologia reparações para as vítimas. Em junho, constatou que a obra ameaçava a homens armados atacaram um grupo de sobrevivência da comunidade indígena. aproximadamente 120 migrantes da América Central próximo ao estado de Sonora; até o ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL fim do ano não havia sido feita nenhuma O governo reagiu de modo áspero às críticas investigação. Uma comissão de peritos internacionais sobre a situação dos direitos criminais formada em 2013 para identificar humanos no país. Em março, o relator os restos mortais dos migrantes massacrados especial da ONU sobre a tortura foi em San Fernando, estado de Tamaulipas, e questionado publicamente depois de produzir em municípios vizinhos informaram sobre a um relatório descrevendo a tortura como identificação das vítimas aos seus familiares prática disseminada no país. Um relatório do na América Central. As autoridades Comitê da ONU para Desaparecimentos continuaram a obstruir o trabalho da Forçados sobre o México foi descrito pelo comissão, sonegando informações e governo como “não aportando elementos complicando a entrega dos restos mortais às adicionais” para solucionar o problema. famílias. Em maio, a Suprema Corte decidiu que o O fluxo de refugiados e migrantes da país não tinha a obrigação de cumprir as América Central continuou aumentando, sentenças da Corte Interamericana de sendo que muitos deles deixavam seus Direitos Humanos relativas às restrições dos países por causa da violência. direitos humanos contidas na Constituição

Anistia Internacional – Informe 2015/16 173 mexicana. A decisão contradiz o direito INFORMAÇÕES GERAIS internacional e ameaça perpetuar violações Em 8 de novembro, Mianmar realizou as de direitos humanos como o arraigo. muito esperadas eleições gerais, quando a Em setembro, pela primeira vez desde opositora Liga Nacional para a Democracia 1996, a Comissão Interamericana de Direitos obteve a maioria dos assentos no Parlamento. Humanos visitou o México para avaliar sua O estabelecimento de um novo governo foi situação de direitos humanos. Em suas programado até o fim de março de 2016. observações preliminares, a Comissão Embora as eleições tenham sido amplamente destacou, entre outros pontos, a questão da elogiadas por sua credibilidade e tortura, dos desaparecimentos forçados, da transparência, por outro lado, foram violência contra as mulheres e das execuções prejudicadas pela privação de direitos dos extrajudiciais, manifestando preocupação grupos minoritários e por restrições à com a impunidade desses crimes. O Alto liberdade de expressão. Comissariado da ONU para os Direitos Em junho, os militares bloquearam uma Humanos visitou o país com propósitos reforma na Constituição de 2008 que similares e declarou que “há um amplo eliminava seu poder de veto às emendas consenso nacional, regional e internacional constitucionais e a cláusula que impedia a sobre a gravidade da situação atual dos líder da oposição, Aung San Suu Kyi, de ser direitos humanos no México”. eleita Presidente pelo Parlamento. Em julho, Mianmar ratificou a Convenção sobre Armas Químicas e assinou o Pacto 1. Paper Promises, Daily Impunity: Mexico´s torture epidemic continues Internacional sobre Direitos Econômicos, (AMR 41/2676/2015) Sociais e Culturais.

DISCRIMINAÇÃO MIANMAR Houve um aumento alarmante da intolerância religiosa, principalmente dos sentimentos República da União de Mianmar antimuçulmanos, com grupos radicais de Chefe de Estado e de governo: Thein Sein nacionalistas budistas crescendo em influência. As autoridades não combateram o As autoridades não combateram a crescente incitamento à discriminação e à violência intolerância religiosa nem as incitações à com base no ódio nacional, racial e religioso. discriminação e à violência contra Entre maio e agosto, o Parlamento aprovou muçulmanos, permitindo o crescimento do quatro leis que visavam a “proteger a raça e a poder e da influência de grupos religião”, originalmente propostas por grupos nacionalistas budistas radicais antes das nacionalistas budistas radicais. As leis – a Lei eleições gerais de novembro. A situação da sobre a Conversão Religiosa, a Lei sobre o perseguida comunidade rohingya se Casamento Especial para Mulheres Budistas, deteriorou ainda mais. O governo a Lei de Controle de Natalidade e a Lei sobre intensificou a repressão às liberdades de Monogamia – foram aprovadas apesar de expressão, de associação e de reunião conter disposições que violam os direitos pacífica. Prosseguiram as denúncias de humanos, inclusive ao discriminar com base abusos dos direitos humanos e do direito em religião e gênero. Temia-se que elas internacional humanitário nas zonas de fortalecessem a discriminação generalizada e conflito armado interno. As forças de alimentassem mais violência contra grupos segurança suspeitas das violações de minoritários.1 direitos humanos continuaram a gozar de Pessoas que se manifestaram contra a quase total impunidade. discriminação e a crescente intolerância religiosa enfrentaram retaliação de agentes

174 Anistia Internacional – Informe 2015/16 estatais e não estatais. Em 2 de junho, o durante o ano. Em maio, uma operação escritor Htin Lin Oo foi condenado a dois contra o tráfico na vizinha Tailândia anos de prisão com trabalhos forçados por encontrou milhares de pessoas – muitas “insultar a religião” em um discurso proferido delas rohingyas que fugiam de Mianmar – em outubro de 2014 que criticava o uso do encalhadas no mar em barcos superlotados budismo para promover a discriminação e o controlados por traficantes e contrabandistas preconceito. Ativistas dos direitos das de pessoas. Muitos foram espancados e mulheres e outros defensores dos direitos mantidos reféns em troca de resgate.2 humanos que criticaram as quatro leis “de proteção à raça e à religião” foram vítimas de PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA assédio e intimidação, inclusive ameaças de As autoridades continuaram a prender e abuso sexual. encarcerar pessoas por exercerem pacificamente os seus direitos, inclusive A minoria rohingya manifestantes estudantis, ativistas políticos, A situação da minoria rohingya continuou a profissionais da imprensa e defensores dos deteriorar. A maioria permaneceu direitos humanos, em particular ativistas efetivamente privada de nacionalidade devido rurais e trabalhistas.3 Até o fim do ano, pelo à Lei de Cidadania de 1982 e continuou a menos 114 prisioneiros de consciência enfrentar restrições severas de seu direito à permaneciam atrás das grades, enquanto liberdade de circulação, bem como acesso centenas de outros libertados mediante o limitado à assistência médica vital e negação pagamento de fiança enfrentavam processos dos seus direitos à educação e à igualdade – e prisão – unicamente pelo exercício de oportunidades de emprego. Houve pacífico de seus direitos. constantes denúncias de prisões arbitrárias, Em março, a polícia dispersou com tortura e outros maus-tratos de rohingyas violência uma manifestação estudantil detidos, bem como de mortes sob a custódia majoritariamente pacífica contra a nova Lei das forças de segurança. O acesso de Nacional de Educação na cidade de observadores internacionais ao estado de Letpadan, na região de Bago. Mais de 100 Rakhine permaneceu severamente pessoas, entre manifestantes, líderes restringido. estudantis e seus apoiadores, foram Em fevereiro, o presidente anunciou a posteriormente acusadas de uma série de revogação de todos os Cartões de Registro delitos por participar dos protestos. Entre eles Temporário (CRT) – também conhecidos estava a líder estudantil Phyoe Phyoe Aung, como “cartões brancos” –, deixando muitos que, se condenada por suas atividades rohingyas sem qualquer forma de documento pacíficas, poderia enfrentar mais de nove de identidade. A medida efetivamente anos de prisão. Nos dias e semanas impediu os rohingyas – e outros ex-titulares seguintes, as autoridades submeteram do CRT – de votar nas eleições de novembro. estudantes e seus apoiadores à vigilância e A exclusão dos rohingyas foi reforçada pela outras formas de assédio, em uma tentativa desqualificação de quase todos os candidatos flagrante de intimidar e punir os que tinham dessa etnia às eleições. Muitos outros ligações com os protestos estudantis.4 muçulmanos também foram desqualificados Em outubro, um mês antes das eleições por motivos de discriminação. gerais, as autoridades detiveram diversas O agravamento de sua situação levou um pessoas por causa de postagens nas redes número crescente de rohingyas a deixar sociais que zombavam do exército. Entre os Mianmar. Segundo o ACNUR, o órgão da detidos estava o ativista pacífico da etnia ONU para refugiados, 33.000 pessoas – tanto kachin Patrick Kum Jaa Lee, cujos reiterados rohingyas quanto cidadãos de Bangladesh – pedidos de fiança foram rejeitados, apesar da deixaram a Baía de Bengala por barco piora de sua saúde durante a detenção.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 175 Essas pessoas foram acusadas com base na modo pacífico, motivando certo grau de Lei de Telecomunicações de 2013, soando o autocensura.6 alarme de que as autoridades podem estar transferindo sua repressão para a esfera CONFLITO ARMADO INTERNO digital. Em 15 de outubro, o governo e oito grupos Uma anistia em 30 de julho levou à armados de minorias étnicas assinaram o libertação de 6.966 pessoas que estavam Acordo Nacional de Cessar-Fogo, que busca presas, 11 delas prisioneiras de consciência. pôr fim a décadas de conflito armado entre os O prisioneiro de consciência Tun Aung foi militares e os diversos grupos armados de libertado em janeiro após um indulto minorias étnicas. No entanto, a decisão das presidencial. autoridades de excluir do acordo alguns Em 5 de janeiro, o presidente Thein Sein grupos armados de minorias étnicas levou os reestruturou um comitê criado em 2013 para outros sete grupos convidados a assinar o examinar os casos dos prisioneiros de acordo – incluindo todos aqueles em conflito consciência remanescentes. De acordo com ativo com o exército – a decidir não assiná-lo. a imprensa estatal, o novo Comitê para O conflito se intensificou nos estados de Assuntos de Prisioneiros de Consciência Kachin e Shan, com denúncias constantes de estaria “tratando de solucionar prontamente e assassinatos, desaparecimentos forçados, desde as bases os assuntos relativos aos estupros e outros crimes de violência sexual e prisioneiros de consciência”. No entanto, até trabalho forçado.7 O governo continuou a o fim do ano, não havia informações sobre negar o acesso total e permanente dos seu mandato, seus recursos ou suas trabalhadores humanitários às comunidades atividades, e não estava claro se estava ou desalojadas. não funcionando.5 Em fevereiro, quando novos conflitos eclodiram entre o Exército de Mianmar e o LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE grupo armado Exército da Aliança Nacional ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO PACÍFICA Democrática de Mianmar, na região Leis amplas e vagas foram usadas para autônoma de Kokang, milhares de pessoas reprimir as divergências e restringir os direitos foram desalojadas e houve denúncias de à liberdade de expressão, de associação e de assassinatos. Em 17 de fevereiro, o reunião pacífica. Entre elas estavam a Lei presidente impôs a lei marcial na região, sobre o Direito de Reuniões e Passeatas revogando-a nove meses depois, em 17 de Pacíficas, as disposições do Código Penal novembro. Em outubro, novas ofensivas que criminalizam “reuniões ilegais”, os militares na região central do estado de Shan “insultos à religião” e o “incitamento”, bem provocaram o desalojamento de cerca de como a Lei sobre Associações Ilegais, entre 6.000 pessoas. Até o fim do ano, o número outros. Não houve tentativas de rever ou de desalojados chegava a 4.000. alterar leis que restringiam tais direitos. Em setembro, o governo assinou o As autoridades intimidaram e monitoraram Protocolo Facultativo à Convenção da ONU defensores dos direitos humanos e ativistas sobre os Direitos da Criança relativo ao pacíficos, submetendo-os a diversas formas envolvimento de crianças em conflitos de assédio e vigilância – como segui-los, armados. Segundo informações, o Exército fotografá-los comparecendo a eventos e exonerou 146 crianças e jovens adultos de reuniões, revistando seus escritórios e casas, suas forças. Houve denúncias constantes de assediando e intimidando seus familiares, que crianças soldados estavam sendo colegas e amigos. recrutadas pelo Estado e por atores não Jornalistas continuaram sujeitos a assédio, estatais. prisão, julgamento e encarceramento unicamente por realizarem suas atividades de

176 Anistia Internacional – Informe 2015/16 PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA terrestres e as limitadas oportunidades de A estrutura jurídica permaneceu inadequada educação e emprego. para impedir que as empresas causem ou contribuam para abusos dos direitos IMPUNIDADE humanos. Não havia nenhuma legislação Membros das forças de segurança proibindo as remoções forçadas nem continuaram a violar os direitos humanos salvaguardas ambientais adequadas com impunidade quase total. Investigações garantindo que as pessoas estejam sobre as violações de direitos humanos protegidas contra os efeitos negativos da cometidas pelas forças de segurança foram poluição da água, do ar e do solo causada raras e, quando ocorreram, careceram de pelas indústrias extrativista e manufatureira. transparência e independência. Milhares de pessoas corriam risco de ser Perpetradores raramente foram removidas à força de suas casas e fazendas responsabilizados. As vítimas e suas famílias para dar lugar à controversa mina de cobre continuaram privadas de seus direitos à de Letpadaung, no centro de Mianmar. O justiça, à verdade e à reparação.9 projeto de mineração de Monywa, do qual Em maio, a Comissão Nacional de Direitos Letpadaung faz parte, tem um longo histórico Humanos de Mianmar (CNDHM) anunciou de abusos dos direitos humanos, incluindo ter sido informada de que um tribunal militar remoções forçadas, repressão violenta de absolveu dois militares acusados da morte do protestos por parte das autoridades e jornalista Aung Kyaw Naing (também impactos ambientais que ameaçam a saúde e conhecido como Par Gyi), morto a tiros em o acesso à água potável das pessoas locais. custódia militar em outubro de 2014. Essa Até o fim do ano, nenhuma das empresas corte marcial foi realizada apesar de uma envolvidas tinha sido responsabilizada por investigação policial e um inquérito judicial já quaisquer abusos dos direitos humanos.8 estarem em curso. A família de Aung Kyaw Naing não tinha conhecimento da corte REFUGIADOS E PESSOAS DESALOJADAS marcial até o anúncio da CNDHM. Até o fim DENTRO DO PAÍS do ano, ninguém havia sido levado à Justiça De acordo com o Escritório das Nações pelo assassinato. Unidas para a Coordenação de Assuntos Autoridades do Estado, como os membros Humanitários (OCHA), havia mais de das forças de segurança, continuaram 230.000 desalojados internos em Mianmar. protegidas contra processos por violações Destes, mais de 100.000 haviam sido passadas de direitos humanos, por causa de desalojados pelo conflito nos estados de disposições sobre imunidade na Constituição Kachin e Shan-Norte, enquanto 130.000, a de 2008. Em dezembro, foi enviado ao maioria rohingyas, foram desalojados no Parlamento um projeto de lei que garantiria estado de Rakhine desde a eclosão de aos ex-presidentes imunidade vitalícia contra violência no local em 2012. Em julho, 1,7 processos pelas “ações” tomadas enquanto milhão de pessoas foram temporariamente estavam no poder, entre as quais poderiam desalojadas pelas grandes inundações que estar violações de direitos humanos, crimes assolaram o país. contra a humanidade e crimes de guerra. O Cerca de 110.000 pessoas, algumas de projeto de lei não havia sido aprovado até o Mianmar e outras refugiadas, viviam em nove fim do ano. campos na fronteira com a Tailândia, incertas de seu futuro. Muitas expressaram PENA DE MORTE preocupação de voltar a Mianmar, apontando Nenhuma execução foi realizada. Pelo menos como barreiras para seu retorno voluntário a 17 novas sentenças de morte foram impostas constante militarização, a impunidade durante o ano. persistente, a presença contínua de minas

Anistia Internacional – Informe 2015/16 177 ESCRUTÍNIO INTERNACIONAL mine (ASA 16/0003/2015) Em novembro, a situação dos direitos 9. : Four years on, impunity is the Kachin conflict’s hallmark humanos em Mianmar foi avaliada na (ASA 16/1832/2015) Revisão Periódica Universal da ONU.10 O país 10. Stalled reforms: Impunity, discrimination and ongoing human rights rejeitou recomendações-chave para rever leis abuses: Amnesty International submission to the Universal Periodic específicas que restringem os direitos à Review, (ASA 16/2276/2015) liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, e se recusou a reconhecer a discriminação sistêmica enfrentada pela MOÇAMBIQUE minoria rohingya. A relatora especial da ONU sobre a REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE situação dos direitos humanos em Mianmar Chefe de Estado e de governo: Filipe Jacinto Nyussi fez duas visitas oficiais ao país durante o ano, mas foi obstruída na execução do seu Ninguém foi responsabilizado pelo mandato. Em agosto, ela recebeu permissão assassinato do jurista que afirmou ser para viajar por apenas cinco dias, teve constitucional a proposta apresentada pelo dificuldades para se reunir com interlocutores partido de oposição sobre autonomia do governo e teve sem acesso negado ao provincial. O Ministério Público acusou dois estado de Rakhine. Ela também denunciou a homens de cometerem crime contra a vigilância e o assédio a membros da segurança do Estado por terem criticado o sociedade civil que se reuniram com ela. Até ex-presidente Armando Guebuza. Um novo o fim do ano, ainda não havia um acordo Código Penal entrou em vigor. Projetos de para estabelecer um Escritório do Alto lei que afetam os direitos de mulheres e Comissariado das Nações Unidas para os meninas foram convertidos em lei. Direitos Humanos (ACNUDH) em Mianmar. Mesmo que os funcionários do ACNUDH INFORMAÇÕES GERAIS tenham conseguido operar em Mianmar, eles Filipe Nyussi, da Frente de Libertação de não tinham acesso total e permanente ao Moçambique (FRELIMO), o partido país, o que interferia na capacidade de governista, tomou posse como Presidente em realizarem seu trabalho. 15 de janeiro, após vencer as eleições de outubro de 2014 com 57% dos votos. Afonso Dhlakama, líder da Resistência 1. Amnesty International and the International Commission of Jurists Nacional Moçambicana (RENAMO), o (ICJ), Parliament must reject discriminatory ‘race and religion’ laws principal partido de oposição, não aceitou o (ASA 16/1107/2015) resultado do pleito e boicotou a abertura do 2. Deadly journeys: The refugee and trafficking crisis in Southeast Asia Parlamento em janeiro. Durante todo o ano, a (ASA 21/2574/2015) RENAMO fez campanha por autonomia 3. ‘Going back to the old ways’: A new generation of prisoners of provincial nas regiões do centro e norte do conscience in Myanmar (ASA 165/2457/2015) país, onde o partido alega ter obtido a maioria 4. Myanmar: End clampdown on student protesters and supporters (ASA dos votos. Em abril, o Parlamento rejeitou um 16/1511/2015) projeto de lei proposto pela RENAMO que 5. Amnesty International and Human Rights Watch, Open letter on the visava a formalizar a autonomia regional. establishment of the Prisoners of Conscience Affairs Committee (ASA Em setembro, após vários meses de tensão 16/0007/2015) pós-eleitoral, recomeçaram os confrontos 6. Caught between state censorship and self-censorship: prosecution entre as forças armadas nacionais e as and intimidation of media workers in Myanmar (ASA 16/1743/2015) milícias da RENAMO. Em 13 de setembro, a 7. Investigate alleged rape and killing of two Kachin women (ASA comitiva de Afonso Dhlakama foi atingida por 16/0006/2015) tiros quando ele estava em campanha na 8. Open for business? Corporate crime and abuses at Myanmar copper província de Manica. Uma investigação sobre

178 Anistia Internacional – Informe 2015/16 o incidente ainda não estava concluída no fim publicada no jornal Mediafax. Fernando do ano. Mbanze, editor do Mediafax, foi acusado de A estagnação do nível de pobreza do país “abusar da liberdade de imprensa” e infringir na última década contribuiu para alimentar a Lei de Segurança do Estado. os conflitos sociais. Em 16 de setembro, o Tribunal Distrital do Município de Kampfumo absolveu a ambos MUDANÇAS LEGAIS argumentando que publicar uma carta não Em outubro, o Conselho de Ministros aprovou era considerado crime segundo o direito a Lei de Regulamentação do Acesso à moçambicano. O Ministério Público recorreu Informação, que vigorava desde dezembro de da decisão do tribunal. No fim do ano, o 2014. A lei estabeleceu a responsabilidade recurso ainda não havia sido julgado. de autoridades governamentais e entidades Em 3 de março, o constitucionalista Gilles privadas com relação à divulgação e Cistac foi morto a tiros por quatro atiradores disseminação de informações de interesse na capital Maputo. Conceituado acadêmico, público; os prazos para que as informações ele havia afirmado publicamente que a sejam fornecidas; e um mecanismo legal para proposta da RENAMO sobre autonomia quando um pedido de informações for provincial era constitucional, motivando negado. críticas por parte da FRELIMO. No dia 7 de Um novo Código Penal entrou em vigor em março, centenas de ativistas de direitos julho, com várias revisões positivas, como a humanos e estudantes fizeram uma passeata descriminalização do aborto, a opção de em Maputo para pedir justiça por seu penas não privativas de liberdade como assassinato. A polícia abriu publicamente alternativa à prisão e a criminalização de uma investigação sobre o crime, mas até o ações que destruam o meio ambiente. fim do ano os responsáveis não haviam sido Segundo o novo Código, o aborto é legal identificados. quando a gravidez oferece risco à saúde da mãe ou do feto, quando resulta de estupro ou DETENÇÕES ARBITRÁRIAS incesto, ou quando é realizado nas 12 Pelo terceiro ano consecutivo, nada foi feito primeiras semanas de gestação por um para que alguém prestasse contas pela profissional de saúde qualificado, em um detenção arbitrária e ilegal de José Capitine centro de saúde oficial. Cossa. Ele havia sido detido sem acusação ou A necessidade de que seja aprovada uma julgamento na Penitenciária de Segurança Regulamentção para a descriminalização do Máxima de Machava, de onde foi libertado aborto, bem como o fato de o Código de em 2012. Processo Penal não ter sido revisado são obstáculos à aplicação da nova legislação. NICARÁGUA LIBERDADE DE EXPRESSÃO Em 19 de junho, o Ministério Público acusou República da Nicarágua formalmente Carlos Nuno Castel-Branco de Chefe de Estado e de governo: Daniel Ortega Saavedra cometer crime contra a segurança do Estado por difamar o ex-presidente Armando Defensores dos direitos humanos, assim Guebuza. A acusação se baseou em uma como grupos indígenas e afrodescendentes, carta aberta publicada na página de Carlos foram ameaçados e intimidados em Nuno Castel-Branco no Facebook em represália por seu trabalho, principalmente novembro de 2013, em que ele criticava os em situações de manifestações públicas. antecedentes de governança de Armanddo Veículos de imprensa e organizações da Guebuza. sociedade civil enfrentaram hostilidades. A postagem do Facebook foi mais tarde Várias pessoas foram mortas e centenas

Anistia Internacional – Informe 2015/16 179 desalojadas em consequência dos conflitos povos indígenas que poderão ser desalojados por terras cada vez mais intensos na Região pela obra. Autônoma da Costa do Caribe Norte. A Os ativistas que protestaram contra violência contra as mulheres prosseguiu; o projetos de mineração na Nicarágua também aborto em qualquer circunstância continuou foram intimidados e hostilizados, segundo a absolutamente proibido. CENIDH.

INFORMAÇÕES GERAIS LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE O partido da Frente Sandinista de Libertação ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO Nacional (FSLN) ainda exercia significativo Autoridades e apoiadores do governo controle sobre todos os setores do governo. tentaram reprimir e estigmatizar o trabalho de Em novembro, o governo aprovou organizações da sociedade civil e órgãos de formalmente um estudo de impacto imprensa que criticavam o partido no ambiental que permitiria o prosseguimento da governo. Em maio, dois integrantes do Centro construção de um megaprojeto de pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), infraestrutura conhecido como Grande Canal uma organização regional de direitos Interoceânico, uma via conectando os humanos, foram proibidos de entrar no país, oceanos Atlântico e Pacífico. Dificuldades sendo deportados assim que chegaram ao financeiras tornavam seu futuro incerto. aeroporto da capital, Manágua, para participar de um evento de direitos humanos. DISPUTAS POR TERRAS E DIREITOS DOS Não foi dado qualquer motivo oficial para o POVOS INDÍGENAS que aconteceu.1 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) determinou que a DIREITOS DAS MULHERES Nicarágua proporcionasse medidas protetivas Em outubro, durante uma audiência da aos indígenas Miskito, depois que o constante Comissão Interamericana de Direitos conflito entre a comunidade indígena e os Humanos, organizações de direitos humanos colonos que tentam tomar o controle de suas regionais e nicaraguenses discutiram suas terras ancestrais se intensificou em setembro. preocupações com relação aos abusos O Centro por Justiça e Direitos Humanos na cometidos contra os direitos humanos de Costa Atlântica da Nicarágua (CEJUDHCAN) mulheres e meninas, como a proibição informou que entre 2013 e 2015, 24 absoluta do aborto e o acesso à Justiça para indígenas Miskitos foram mortos, 30 atacados meninas e mulheres que sofreram atos de e centenas desalojados. violência ou abusos. A Rede de Mulheres Grupos indígenas, afrodescendentes e contra a Violência da Nicarágua informou que outros que protestavam contra o Grande 35 mulheres e meninas foram assassinadas Canal Interoceânico foram intimidados, (crime especificado como “feminicídio” no atacados e detidos de modo arbitrário, Código Penal) no primeiro semestre do ano, segundo o Centro Nicaraguense de Direitos em comparação a 47 no mesmo período de Humanos (CENIDH). Em outubro, policiais 2014. Entretanto, as ONGs manifestaram ergueram uma barreira na estrada para preocupação com as reformas aprovadas em impedir que milhares de camponeses 2013 que comprometeram a Lei Integral protestassem contra o canal; vários contra a Violência contra a Mulher (Lei 779) manifestantes foram atacados por grupos ao oferecer às mulheres mediação com seus favoráveis ao governo, segundo a organização parceiros abusivos em alguns casos de de direitos humanos Fundação Popol Na. Os violência doméstica. manifestantes acusaram o governo de conceder licença à construção do canal sem o consentimento livre, prévio e informado dos

180 Anistia Internacional – Informe 2015/16 dezembro, o Supremo Tribunal Federal na 1. Nicaragua: Defensores de derechos humanos deportados capital, Abuja, ordenou sua libertação arbitrariamente (AMR 43/1687/2015) incondicional da custódia do Departamento de Serviços do Estado (DSS). No entanto, ele não foi libertado e foi acusado de traição em NIGÉRIA 18 de dezembro, permanecendo detido no fim do ano. República Federal da Nigéria Em novembro, o relatório de uma comissão Chefe de Estado e de governo: Muhammadu Buhari investigativa criada pelo Presidente sobre a (substituiu Goodluck Ebele Jonathan em maio) aquisição de armas e equipamentos no setor de segurança descobriu, entre outros, O conflito entre o exército e o grupo armado contratos fictícios no valor de vários bilhões Boko Haram continuou, resultando na morte de dólares. O Presidente ordenou a prisão de de milhares de civis e mais de dois milhões todos os implicados no relatório, inclusive de desalojados internos (DI) até o fim do Sambo Dasuki, o conselheiro de Segurança ano. Tortura e outros maus-tratos foram Nacional para o período 2012-2015. Ele extensamente praticados pela polícia e permanecia detido no fim do ano. pelas forças de segurança. Demolições de assentamentos informais provocaram a CONFLITO ARMADO remoção forçada de milhares de pessoas. Sentenças de morte continuaram a ser Boko Haram impostas; nenhuma execução foi relatada. O Boko Haram continuou a cometer crimes de guerra e crimes contra a humanidade no INFORMAÇÕES GERAIS nordeste da Nigéria, matando milhares de A eleição geral para Presidente e membros civis.1 Em janeiro, o grupo expandiu o do Senado e da Câmara dos Deputados território sob seu controle ao dominar as ocorreu em 28 de março; a eleição para cidades de Baga e Monguno, no estado de governadores e a Assembleia Legislativa em Borno. Combatentes do Boko Haram 11 de abril. O candidato do partido de mataram deliberadamente civis, em particular oposição, o Congresso de Todos os homens em idade de combate, detiveram Progressistas (APC), Muhammadu Buhari, outros e destruíram edifícios. No ataque em venceu a disputa presidencial. Os novos Baga, o Boko Haram matou centenas de civis membros do gabinete tomaram posse em 11 naquele que pode ter sido seu ataque mais de novembro. letal até o momento. Imagens de satélite Em julho, o Presidente Buhari aposentou revelaram que mais de 3.700 edifícios foram os chefes do serviço militar nomeados pelo danificados ou destruídos no ataque. ex-presidente Goodluck Jonathan – inclusive Milhares de civis viveram sob o violento dois oficiais militares cuja potencial controle do Boko Haram, tanto nas cidades responsabilidade por crimes contra o direito capturadas quanto depois de sequestrados e internacional não foi investigada pelas levados para campos. Muitas mulheres e autoridades – e os substituiu. meninas foram estupradas e forçadas a se Protestos a favor do estado independente casar. de Biafra ocorreram no sul e sudeste do país. A partir de março, uma ofensiva Em 14 de outubro, Nnamdi Kanu, líder da continuada por parte do exército, com apoio organização Povos Indígenas de Biafra das forças armadas de Camarões, do Chade (IPOB) e diretor da Rádio Biafra, foi preso e e do Níger, expulsou o Boko Haram de acusado de conspiração criminosa, de cidades importantes do nordeste da Nigéria. administrar e fazer parte de uma sociedade No entanto, o Boko Haram continuou a matar clandestina e de intimidação. Em 17 de civis por meio de ataques a cidades menores

Anistia Internacional – Informe 2015/16 181 e vilarejos, bem como de bombardeios.2 acesso às suas famílias ou a advogados, nem Os bombardeios tiveram como alvo foram levados perante um tribunal. Eram mercados, centros de transporte, bares, principalmente homens jovens; embora restaurantes e locais de culto em cidades do mulheres, crianças e homens mais velhos nordeste, bem como em Abuja e nas cidades também tenham sido detidos. de Jos, Kano e Zaria.3 O Boko Haram usou Muhammad Mari Abba, médico e consultor mulheres jovens e meninas em atentados da Organização Mundial de Saúde, que foi suicidas com explosivos em muitos dos preso em 2012 no estado de Yobe, não havia incidentes. sido acusado e permanecia em detenção O exército anunciou o resgate de mais de incomunicável no fim do ano. 1.400 pessoas de territórios controlados pelo Alhaji Bukar Yaganami, empresário que foi Boko Haram, a maioria mulheres e crianças. preso em Maiduguri, no estado de Borno, em O destino de 219 alunas sequestradas da 2013, permanecia em detenção militar no fim cidade de Chibok, no estado de Borno, em do ano, apesar de haver uma ordem judicial 14 de abril de 2014, permanecia de julho de 2014 a favor de sua libertação desconhecido. mediante o pagamento de fiança. Aparentemente, as condições em alguns Forças de segurança centros de detenção militar melhoraram. Os O exército cometeu crimes de guerra e detidos receberam três refeições por dia, possíveis crimes contra a humanidade em acesso a instalações sanitárias e à assistência sua resposta ao Boko Haram entre 2011 e médica. No entanto, suspeitos continuaram a 2015.4 O Presidente Buhari prometeu morrer em detenção. Tortura rotineira e investigar evidências de diversos casos de outros maus-tratos levaram a mortes em crimes de guerra cometidos por militares centros de detenção, uma vez que os entre junho e dezembro. No entanto, suspeitos continuaram a ser mantidos nenhuma ação adicional foi tomada para dar incomunicáveis. início a investigações independentes e Um número pequeno de suspeitos foi imparciais. Em seu relatório sobre exames libertado ao longo do ano; o exército preliminares, em novembro, o Gabinete do anunciou a libertação de 310 suspeitos em Procurador do Tribunal Penal Internacional julho e setembro, após a conclusão das identificou oito potenciais casos envolvendo a investigações. Muitos estavam detidos havia execução de crimes contra a humanidade e mais de um ano. Alguns receberam 10 mil crimes de guerra pelo Boko Haram (seis nairas (cerca de 50 dólares) ou roupas no casos) e pelas forças de segurança (dois momento de sua libertação, enquanto outros casos). não receberam nada. Os militares continuaram a executar Em 21 de dezembro, o Supremo Tribunal extrajudicialmente homens suspeitos de Federal em Abuja inocentou cinco policiais pertencer ao Boko Haram. pelo suposto assassinato do líder do Boko O exército prendeu pessoas durante Haram, Mohammed Yusuf, em 2009. “operações de triagem”, em que membros do público eram enfileirados diante de Pessoas desalojadas dentro do país informantes, ou em suas casas. Outros foram Em setembro, a Organização Internacional presos arbitrariamente quando tentavam fugir para as Migrações (OIM) estimou que mais de ataques do Boko Haram ou de áreas de 2,1 milhões de pessoas foram desalojadas controladas pelo grupo. Em muitos casos, as internamente no norte da Nigéria; 92% delas prisões foram realizadas sem haver motivos viviam em comunidades de acolhimento, para suspeitas razoáveis ou sem investigação enquanto o restante vivia em campos. Os adequada. campos em Maiduguri estavam superlotados, Suspeitos detidos por militares não tiveram com acesso inadequado à alimentação e

182 Anistia Internacional – Informe 2015/16 saneamento. O governo estabeleceu um TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS comitê para investigar denúncias de tráfico A tortura e outros maus-tratos por parte da de pessoas e de abuso sexual de desalojados polícia e dos militares continuaram internos, com a cumplicidade de funcionários generalizados. Execuções extrajudiciais, do campo e da segurança. Os resultados da extorsão, detenções arbitrárias e prolongadas investigação não haviam sido divulgados até o foram frequentes. fim do ano. Em julho, a polícia anunciou que estava revendo as Ordens da Força, inclusive a USO EXCESSIVO DA FORÇA Ordem da Força 237, que permite que Em 12-13 de dezembro, militares mataram policiais atirem contra suspeitos e detidos mais de 100 membros de uma seita xiita, o que tentem evitar a prisão ou fugir – Movimento Islâmico da Nigéria, em Zaria, no independentemente de representarem ou não estado de Kaduna. O líder do grupo, uma ameaça à vida. O Inspetor-Geral da Ibraheem Zakzaky, foi preso em sua Polícia também anunciou que, nos últimos residência e permanecia em detenção três anos, quase 1 bilhão de nairas (5 incomunicável no fim do ano. Centenas de milhões de dólares) tinham sido pagos como outras pessoas também foram presas. indenização a vítimas de violações de direitos Em 17 de dezembro, o exército matou humanos cometidas pela polícia. cinco pessoas quando abriu fogo contra Muitos departamentos policiais, inclusive a membros do IPOB que faziam uma Unidade Especial Antirroubos (SARS) e a manifestação em Onitsha, no estado de Divisão de Investigação Criminal, mantiveram Anambra, para comemorar o anúncio da salas onde suspeitos foram torturados libertação de Nnamdi Kanu. enquanto eram interrogados. Em novembro, o Inspetor-Geral da Polícia anunciou a criação VIOLÊNCIA ENTRE COMUNIDADES de uma Unidade de Resposta a Denúncias e A violência entre grupos étnicos continuou a uma iniciativa de reforma da SARS, em tirar vidas. Em Riyom e Barikin Ladi, áreas do resposta a preocupações públicas sobre governo local no estado de Plateau, supostas violações cometidas por policiais em comunidades entraram em confronto por todo o país. alegações de roubo de gado e disputas por O projeto de Lei Antitortura – criado para terras. Perpetradores de violência raramente proibir e criminalizar o uso de tortura – foi foram investigados e processados. aprovado pelo Parlamento em junho. O projeto não havia sido convertido em lei até o SISTEMA DE JUSTIÇA fim do ano. Em maio, o Decreto de Administração da Justiça Criminal foi aprovado. O Decreto PENA DE MORTE adotou novas disposições que melhoraram o As autoridades continuaram a condenar sistema de justiça criminal. As principais pessoas à morte. Não há relatos de nenhuma disposições incluíram indenização para as execução. vítimas de crimes, penas não privativas de Em janeiro e março, 66 soldados foram liberdade e registros eletrônicos dos condenados à morte no Tribunal Geral procedimentos. Marcial por diversas acusações, inclusive No entanto, os presídios continuaram motim. Em dezembro, suas sentenças foram superlotados e os processos judiciais lentos. comutadas para 10 anos de prisão cada. Greves frequentes por parte de funcionários Em 28 de maio, Moses Akatugba foi judiciais, como oficiais de justiça, por causa perdoado após 10 anos no corredor da morte. de salários e o consequente fechamento dos Em 25 de junho, o Tribunal Superior da tribunais provocaram atrasos nos julgamentos Sharia, em Kano, condenou à morte por e na gestão de prisões preventivas. blasfêmia o acadêmico islâmico Abdulaziz

Anistia Internacional – Informe 2015/16 183 Dauda, também conhecido como Abdul DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, Inyass, e oito de seus seguidores. BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E Em setembro, o governador do estado de INTERSEXUAIS Cross River aprovou um projeto de lei que Os direitos das pessoas LGBTI continuaram torna obrigatória a pena de morte em casos sendo cerceados. Defensores dos direitos de sequestro. humanos relataram um aumento significativo no número de prisões de pessoas LGBTI e de DIREITO À MORADIA extorsão policial. As remoções forçadas em massa A Coalizão para a Defesa dos Direitos continuaram. Sexuais, uma coalizão de ONGs que Os novos governos dos estados de Lagos e trabalham com os direitos das pessoas LGBTI Kaduna deixaram milhares de pessoas na Nigéria, citou mais de 200 casos de todo o desabrigadas e vulneráveis a outras violações país em que pessoas consideradas LGBTI de direitos humanos quando realizaram foram agredidas por multidões e entregues à remoções forçadas em massa sem consulta, polícia. indenização nem oferta de moradia alternativa. DIREITOS DAS MULHERES Em agosto, centenas de moradores da Em maio, o ex-Presidente Jonathan aprovou a comunidade de Bayan Alhudahuda, em Lei de Violência contra Pessoas (Proibição). A Zaria, receberam um aviso de demolição de lei criminaliza a mutilação genital feminina e 28 dias, ordenando que demolissem suas “a submissão de uma viúva a práticas próprias casas ou se arriscassem a pagar tradicionais nocivas”. No entanto, a definição uma taxa para que as autoridades o fizessem. de estupro na lei fica aquém das normas Noventa e duas casas, com entre 10 e 40 internacionais, no sentido de que não moradores cada, foram demolidas. Duas abrange suficientemente todas as formas de semanas depois, os moradores afetados coerção. A lei também poderia ser fortalecida ainda dormiam nas salas de aula de uma caso proibisse explicitamente o estupro escola próxima, em mesquitas e mercados. marital. Em setembro, cerca de 10.200 moradores da comunidade de Badia East, em Lagos, LIBERDADE DE EXPRESSÃO foram removidos à força de suas casas A Seção 38 do projeto de Lei sobre Crime menos de 24 horas após serem notificados Virtual, que se tornou lei em maio, exige que de que o Ojora (líder tradicional da os provedores de serviços de internet comunidade) havia recebido o direito de mantenham todo o tráfego e outros dados dos tomar posse delas. Muitos dos moradores assinantes por dois anos e disponibilizem continuaram dormindo na área de demolição essas informações para as agências de por até três semanas e depois permaneceram segurança quando solicitadas, sem mandado desabrigados. judicial, violando, assim, os direitos à Em julho, 10 moradores de Bundu Ama, privacidade e à liberdade de expressão. na cidade de Port Harcourt, receberam 6,5 Em março, dois jornalistas da Al Jazeera milhões de nairas (cerca de 30 mil dólares) que cobriam o conflito no nordeste da Nigéria como parte do pagamento de 11 milhões de foram detidos por militares em Maiduguri. nairas concedido pelo Tribunal de Justiça da Eles foram libertados após 13 dias. Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a ser pago pelo PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA governo federal. Trata-se da indenização por Vinte anos após a execução do ambientalista tiroteios ilegais durante um protesto pacífico Ken Saro-Wiwa e outras oito pessoas, a contra a demolição planejada de suas casas, poluição provocada pelo petróleo continuou a em 2009. devastar a região do Delta do Níger,

184 Anistia Internacional – Informe 2015/16 prejudicando a subsistência e a saúde de by Boko Haram and human rights violations by state security forces seus habitantes. Ocorreram centenas de (AFR 44/2428/2015) novos vazamentos de petróleo durante o ano, 3. Nigeria: Boko Haram: Bombing campaign sees civilian deaths spiral e as empresas petroleiras não limparam a (AFR 44/2498/2015) contaminação de vazamentos anteriores, 4. Nigeria: Stars on their shoulders, blood on their hands – war crimes alguns dos quais ocorreram décadas atrás.5 committed by the Nigerian military (AFR 44/1657/2015) O governo continuou a não responsabilizar as empresas petroleiras que operam no Delta do Níger. Não providenciou a supervisão PALESTINA necessária para garantir que as empresas atuem de modo mais efetivo a fim de evitar Estado da Palestina que os vazamentos aconteçam ou de Chefe de Estado: Mahmoud Abbas responder a eles a tempo e de maneira Chefe de governo: Rami Hamdallah adequada. A resposta das empresas para os vazamentos foi frequentemente lenta, e a Tanto as autoridades palestinas na limpeza foi inadequada. Cisjordânia quanto o Hamas, que exerce a As empresas petroleiras continuaram a administração de facto na Faixa de Gaza, culpar a sabotagem e o roubo pela grande restringiram a liberdade de expressão, maioria dos vazamentos, alegações baseadas inclusive com a prisão e detenção de em um processo falho de investigação dos críticos e opositores políticos. Eles também vazamentos de petróleo, conduzido pelas restringiram o direito à reunião pacífica e próprias empresas petroleiras, em vez de pela utilizaram força excessiva para dispersar agência fiscalizadora do governo, a Agência alguns protestos. Tortura e outros maus- Nacional de Detecção e Resposta a tratos impostos aos detidos permaneceram Vazamentos de Petróleo (NOSDRA). comuns tanto em Gaza quanto na A NOSDRA publicou na internet detalhes e Cisjordânia. Julgamentos injustos de civis um mapa de investigações sobre os por tribunais militares continuaram em vazamentos, mas não divulgou informações Gaza; pessoas foram mantidas detidas sem sobre a resposta aos vazamentos e a acusação nem julgamento na Cisjordânia. limpezas. Mulheres e meninas enfrentaram Em agosto, o Presidente Buhari anunciou discriminação e violência; algumas foram que seu governo começaria a limpar e vítimas dos chamados “assassinatos de restaurar a região de Ogoniland, danificada honra" por familiares do sexo masculino. pelo petróleo, seguindo as recomendações do Tribunais tanto em Gaza como na Programa das Nações Unidas para o Meio Cisjordânia impuseram sentenças de morte; Ambiente. nenhuma execução foi relatada. Nem as A soma de 55 milhões de libras esterlinas autoridades palestinas na Cisjordânia nem (83 milhões de dólares) paga pela empresa as autoridades do Hamas em Gaza tomaram petroleira Shell foi distribuída para a medidas para investigar e garantir a comunidade de Bodo, após o acordo de uma responsabilização por crimes de guerra e ação judicial no Reino Unido, em 2014. No outras graves violações, inclusive execuções entanto, a Shell ainda tinha que limpar o sumárias, cometidas durante o conflito com dano causado por dois enormes vazamentos Israel em 2014 e em conflitos anteriores. em Bodo em 2008. INFORMAÇÕES GERAIS As negociações entre Israel e o governo e 1. ‘Our job is to shoot, slaughter and kill’: Boko Haram’s reign of terror in instituições palestinas sob o controle de north east Nigeria (AFR 44/1360/2015) Mahmoud Abbas continuaram paralisadas 2. Boko Haram: Civilians continue to be at risk of human rights abuses durante todo o ano. Tensões constantes entre

Anistia Internacional – Informe 2015/16 185 o Fatah e o Hamas minaram o governo de apoiadores de grupos salafistas e outros unidade nacional palestino formado em junho grupos armados palestinos, alguns dos quais de 2014. O Hamas continuou a exercer a ocasionalmente dispararam foguetes de autoridade de facto em Gaza, onde anunciou forma indiscriminada contra Israel a partir de uma nova força de segurança em julho, Gaza. depois que o Presidente Abbas fez alterações A Cisjordânia assistiu a uma crescente no gabinete do governo de unidade. tensão entre palestinos e israelenses, Denúncias de que o Hamas estaria envolvido especialmente a partir de setembro, quando em negociações indiretas com Israel a Israel restringiu ainda mais o acesso de respeito de um possível cessar-fogo e da palestinos à mesquita de Al Aqsa, em suspensão do bloqueio israelense de Gaza Jerusalém, aumentando os protestos e por ar, mar e terra agravaram ainda mais as confrontos entre manifestantes palestinos e tensões entre o Fatah e o Hamas. Em janeiro, forças israelenses. Nos últimos três meses do o Estado da Palestina candidatou-se a ano, ocorreu uma onda de protestos membro do Tribunal Penal Internacional palestinos contra a ocupação israelense e (TPI); Israel se opôs à candidatura da ataques de palestinos contra forças e civis Palestina e reteve o pagamento das receitas israelenses, aos quais as tropas e a polícia fiscais devidas às autoridades palestinas até israelenses responderam com o uso de força abril. A Palestina aderiu formalmente ao TPI letal. Dezessete civis israelenses foram em abril. Em setembro, o Presidente Abbas mortos por agressores palestinos durante disse à Assembleia Geral da ONU que a esse período, a maioria agindo sozinhos e Organização para a Libertação da Palestina sem vínculo com grupos armados, enquanto não honraria mais os compromissos as forças israelenses mataram mais de 130 assumidos no âmbito dos Acordos de Oslo, os palestinos na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e acordos de paz assinados em 1990 com dentro de Israel. Israel, enquanto as autoridades israelenses continuassem a violá-los; no entanto, a PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS cooperação na área de segurança entre as As autoridades de segurança na Cisjordânia, forças de segurança palestinas na Cisjordânia como a Inteligência Geral e de Segurança e em Israel se manteve. Preventiva, e aquelas sediadas em Gaza, Gaza permaneceu sob o bloqueio particularmente a Segurança Interna, israelense por ar, mar e terra, em vigor prenderam e detiveram arbitrariamente os continuamente desde junho de 2007. As seus críticos, inclusive apoiadores de restrições constantes sobre as importações organizações políticas rivais. de materiais de construção impostas pelo bloqueio contribuíram para os graves atrasos JULGAMENTOS INJUSTOS na reconstrução de casas e de outras Tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, as infraestruturas danificadas ou destruídas autoridades políticas e judiciárias não durante os conflitos armados recentes e para aderiram aos direitos básicos requeridos para o empobrecimento generalizado entre os 1,8 o devido processo legal, tais como o acesso milhão de habitantes de Gaza. As autoridades imediato à assistência jurídica e o direito de egípcias restringiram severamente a ser acusado ou libertado. Forças de circulação por meio do único outro acesso de segurança palestinas na Cisjordânia Gaza ao mundo exterior, fechando a mantiveram pessoas detidas por longos passagem de Rafah durante quase o ano períodos sem julgamento, com base em todo e destruindo centenas de túneis usados ordens de governadores regionais, e para o contrabando entre Gaza e Egito. atrasaram ou não cumpriram ordens judiciais Dentro de Gaza, houve confrontos para a libertação dos detidos em dezenas de esporádicos entre as forças do Hamas e casos. Em Gaza, os tribunais militares do

186 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Hamas continuaram a condenar réus em Preventiva detiveram um estudante da julgamentos injustos, sentenciando alguns à Universidade de Birzeit, Bara 'al-Qadi, por 13 morte. dias, depois de prendê-lo em janeiro por criticar um funcionário do governo em TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS comentários que postou no Facebook. Os A tortura e outros maus-tratos de pessoas agentes da Segurança Preventiva também detidas permaneceram comuns e foram detiveram e interrogaram outros ativistas cometidos impunemente pela polícia e outras estudantis, alguns dos quais prestaram forças de segurança palestinas na queixas denunciando ter sofrido maus-tratos, Cisjordânia, e pela polícia e outras forças de depois que um grupo de estudantes filiados segurança do Hamas em Gaza. Em ambas as ao Hamas venceu as eleições para o áreas, as vítimas incluíram crianças. A conselho estudantil da Universidade de Comissão Independente para os Direitos Birzeit, em abril. Humanos, instituição nacional de direitos humanos da Palestina, afirmou ter recebido USO EXCESSIVO DA FORÇA um total de 613 denúncias de tortura e outros As forças de segurança foram acusadas de maus-tratos contra detidos entre janeiro e usar força excessiva para dispersar protestos novembro, 179 da Cisjordânia e 434 de Gaza, e ao tentar efetuar prisões, tanto na com a maioria das queixas em ambas as Cisjordânia quanto em Gaza. áreas sendo contra a polícia. Nem o governo Na Cisjordânia, em março, a polícia e de unidade nacional na Palestina nem a outros agentes de segurança usaram a força administração de facto do Hamas em Gaza para encerrar um protesto sentado pacífico realizaram investigações independentes sobre em Ramallah realizado por familiares de as denúncias de tortura ou responsabilizaram presos políticos detidos pelas autoridades, os perpetradores. chutando e agredindo os manifestantes com a coronha das armas. Em junho, batidas LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE policiais em casas em Balata, o maior campo ASSOCIAÇÃO E DE REUNIÃO de refugiados da Cisjordânia, provocaram O governo de unidade nacional e o Hamas confrontos violentos. Pelo menos um morador restringiram severamente os direitos à do campo foi ferido a tiros. Alguns moradores liberdade de expressão, de associação e de do campo que foram presos e depois reunião pacífica na Cisjordânia e em Gaza, libertados disseram ter sido torturados respectivamente. Em ambas as áreas, as durante a detenção. forças de segurança prenderam e detiveram Em Gaza, a polícia agrediu manifestantes críticos ou apoiadores de organizações em Khuza'a, perto da cidade de Khan Younis, políticas rivais; na Cisjordânia, as forças de que protestavam contra recorrentes cortes de segurança detiveram apoiadores do Hamas, energia elétrica em março; vários enquanto, em Gaza, as forças de segurança manifestantes ficaram feridos e alguns foram do Hamas detiveram apoiadores do Fatah. As presos. Em setembro, a polícia dispersou forças de segurança em ambas as áreas violentamente novos protestos contra a dispersaram protestos organizados por escassez de energia na cidade de Rafah, ativistas da oposição, muitas vezes fazendo agredindo manifestantes e apreendendo uso de força excessiva, e agrediram filmes e equipamentos de jornalistas que jornalistas que cobriam os protestos, cobriam os protestos. danificaram seus equipamentos e assediaram Em 2 de junho, as forças de segurança de tanto eles quanto ativistas das redes sociais, Gaza mataram Yunis Sa'id al-Hunnar, um inclusive por meio de repetidas intimações ativista islâmico e opositor do Hamas, durante para interrogatório. uma incursão em sua casa, na região de Na Cisjordânia, agentes da Segurança Sheikh Redwan, na Cidade de Gaza. O

Anistia Internacional – Informe 2015/16 187 Ministério do Interior de Gaza disse que as Segundo informações, pelo menos 18 forças de segurança o mataram a tiros depois mulheres e meninas foram vítimas de tais que ele se recusou a se render e abriu fogo assassinatos durante o ano. contra os agentes; no entanto, as autoridades não realizaram uma investigação PENA DE MORTE independente. Em 8 de julho, policiais de A pena de morte permaneceu em vigor para Gaza mataram um homem e feriram outras assassinato e outros crimes. Tribunais na duas pessoas durante um tumulto ocorrido Cisjordânia proferiram três sentenças de após um funeral. morte; tribunais em Gaza emitiram pelo menos 10. Não houve execuções. ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS ARMADOS Grupos armados palestinos em Gaza PAQUISTÃO ocasionalmente dispararam foguetes de forma indiscriminada contra Israel; nenhuma República Islâmica do Paquistão morte foi registrada. Embora as autoridades Chefe de Estado: Mamnoon Hussain do Hamas tenham impedido o lançamento de Chefe de governo: Muhammad Nawaz Sharif foguetes na maior parte do tempo, elas não levaram os responsáveis à Justiça. Execuções foram retomadas depois do Ainda que a maioria dos agressores ataque perpetrado pelo Talibã paquistanês palestinos responsáveis por esfaqueamentos, em Peshawar contra a Escola Pública de tiroteios e outros ataques contra israelenses Exército, em dezembro de 2014. Às na Cisjordânia e em Israel, que mataram 21 preocupações sobre julgamentos justos, civis israelenses e um cidadão estadunidense somam-se novas com os recém-criados durante o ano, não fosse membro de grupos tribunais militares, designados para julgar armados palestinos, estes grupos todos os acusados ​​de delitos relacionados frequentemente elogiaram os ataques. com o terrorismo, incluindo civis. Foi criada uma nova Comissão Nacional de Direitos IMPUNIDADE Humanos com a missão de promover e Um clima de impunidade continuou a proteger os direitos humanos, mas o órgão prevalecer. As autoridades mais uma vez não foi impedido de investigar denúncias de investigaram os homicídios ilegais, inclusive abusos de direitos humanos contra as execuções sumárias, e os disparos de armas agências de inteligência. As minorias de efeito indiscriminado e outros supostos religiosas continuaram a sofrer crimes de guerra cometidos pelo braço militar discriminação, perseguição e ataques. do Hamas e por outros grupos armados Ativistas de direitos humanos foram vítimas palestinos antes e durante os conflitos de abusos e perseguições. Em março, armados com Israel em 2014. Nem ativistas do Baluquistão foram impedidos de realizaram investigações independentes ou sair do país para dar palestras em uma responsabilizaram os agentes envolvidos na conferência nos EUA sobre as violações dos tortura e maus-tratos de detidos ou no uso direitos humanos no Baluquistão e em Sind. excessivo de força contra manifestantes. Uma nova política para as ONGs internacionais foi aprovada em outubro, DIREITOS DAS MULHERES dando ao governo o poder de controlar os Mulheres e meninas continuaram a sofrer seus fundos e operações e fechá-las caso discriminação na lei e na prática e não foram suas atividades sejam consideradas protegidas de modo adequado contra a prejudiciais aos interesses do Paquistão. Em violência sexual e de outra natureza, como novembro, o governo voltou a instituir o nos chamados crimes “em nome da honra". Ministério de Direitos Humanos que havia

188 Anistia Internacional – Informe 2015/16 sido incorporado ao Ministério da Lei e com idades de até 13 anos. Justiça em 2013. Mais de 300 execuções foram registradas durante o ano, a maioria por homicídio e INFORMAÇÕES GERAIS outras por estupro, tentativa de assassinato, Depois do ataque à Escola Pública do sequestro e acusações relacionadas ao Exército em Peshawar em 16 de dezembro terrorismo. Faisal Mehmood e Aftab Bahadur de 2014, em que 149 pessoas foram mortas, estavam entre os executados apesar das incluindo 132 crianças, as autoridades apelações e provas apresentadas por seus políticas e militares anunciaram um Plano de advogados de que eles eram menores de Ação Nacional (PAN) de 20 medidas para idade na época dos crimes pelos quais foram combater o terrorismo. A implementação do condenados. Em outubro, o Supremo Plano começou com a retomada imediata das Tribunal confirmou a pena de morte de execuções de presos condenados por crimes Mumtaz Qadri por matar o governador de relacionados ao terrorismo. Em janeiro, o Punjab em 2011. presidente assinou a 21ª Emenda Os tribunais militares condenaram pelo Constitucional de 2015 e alterou a Lei do menos 27 pessoas à morte e quatro à prisão Exército Paquistanês de 1952, outorgando perpétua. Os pormenores das denúncias e o competência aos tribunais militares por dois processo penal continuaram desconhecidos. anos para julgar civis por crimes relacionados Sentenças de morte impostas a pelo menos ao terrorismo. Segundo o PAN, o governo duas pessoas foram contestadas junto ao também se comprometeu a refrear a Supremo Tribunal de Peshawar, incluindo a incitação ao ódio por meio de discursos e de Haider Ali, cujos pais afirmaram que ele literatura, proteger as minorias e prevenir o era menor de idade quando foi preso em terrorismo. Até outubro, quase 9.400 pessoas 2009, e Qari Zahir Gul, cujos pais haviam sido presas, de acordo com dados argumentaram que ele não teve um governamentais, por acusação de instigar o julgamento justo. Em outubro o STP ratificou ódio sectário; alguns livreiros e editores ambas as sentenças durante um julgamento afirmaram que foram injustamente a portas fechadas. perseguidos pela polícia, que era pressionada a fazer detenções. Pelo quinto ano DISCRIMINAÇÃO – MINORIAS consecutivo, grandes inundações RELIGIOSAS desabrigaram centenas de milhares de As minorias religiosas, tanto muçulmanas pessoas e mataram mais de 200. Em quanto não-muçulmanas, continuaram a outubro, um terremoto na cordilheira de enfrentar leis e práticas que resultaram em Hindu Kush do Afeganistão matou pelo discriminação e perseguição. Em fevereiro, o menos 28 pessoas no Paquistão. Movimento Talibã do Paquistão (Tehrik e Taliban Pakistan,TTP) assumiu a PENA DE MORTE responsabilidade pelo ataque a uma Após o ataque à escola de Peshawar em mesquita xiita em Peshawar, que matou pelo dezembro de 2014, o primeiro-ministro menos 20 fiéis e feriu 60. Em março, um anunciou a retomada das execuções de ataque suicida a duas igrejas em Lahore, pessoas condenadas por crimes de reivindicado pelo Jamaat ul Ahrar, um grupo terrorismo. Em março, foi dado fim à dissidente do TTP, matou pelo menos 22 moratória sobre a pena de morte para todos pessoas. Após o ataque, um grupo de os 28 crimes passíveis de pena capital, cristãos no mesmo bairro matou dois homens inclusive crimes sem desfechos fatais. Em muçulmanos. Em maio, 45 ismaelitas foram novembro, um júri parlamentar aprovou a atacados e mortos dentro de um ônibus em pena de prisão perpétua ou de morte para o Karachi; e vários grupos, incluindo TTP, crime de estupro cometido contra meninas Jundullah e o grupo armado Estado Islâmico

Anistia Internacional – Informe 2015/16 189 (IS) reivindicaram a autoria do ataque. Pelo Kech, Baluquistão; a Frente de Libertação do menos três templos hindus foram atacados Baluquistão assumiu a autoria do ataque. Em na província de Sind; não houve relatos de agosto, vários grupos armados, incluindo o mortes ou ferimentos. Lashkar-i-Jhangvi, reivindicaram a autoria As leis sobre blasfêmia continuaram em depois do atentado suicida que matou 18 vigor, principalmente na província de Punjab; pessoas, inclusive o ministro do Interior aplicam-se a pessoas de todas as religiões, punjabi. mas foram desproporcionalmente usadas contra as minorias religiosas. Um recurso A POLÍCIA E AS FORÇAS DE SEGURANÇA impetrado em outubro de 2014 contra a pena Desaparecimentos forçados continuaram de morte imposta a Asia Noreen (também ocorrendo impunemente, em especial no conhecida como Asia Bibi) foi acolhido pela Baluquistão, KPK e Sind. Os corpos das Suprema Corte, mas até o final de 2015 a vítimas foram encontrados mais tarde com data da audiência ainda não havia sido sinais de tortura evidentes e ferimentos de confirmada. Um recurso contra a bala. Raja Dahir, filiado ao partido condenação e sentença de morte de Sawan nacionalista sindi Jeay Sindh Mutihida Masih por acusações de blasfêmia, as quais Muhaz, foi levado pelas forças de segurança provocaram um tumulto e ataques aos após uma batida em sua casa em Sind em moradores da colônia cristã José em Lahore, junho, e desapareceu. Seu corpo foi em 2013, continuava pendente no Superior recuperado um mês depois, no distrito de Tribunal de Justiça de Lahore. No seu Jamshoro. veredicto contra Mumtaz Qadri, o Superior A ONG Comissão de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça observou que críticas à lei Paquistão documentou um aumento nas da blasfêmia não equivaliam à blasfêmia. mortes de suspeitos em Karachi durante Manteve-se como infração penal para os operações de segurança das forças membros da comunidade ahmadi propagar, paramilitares, quando 255 pessoas foram professar ou praticar sua religião mortas no primeiro semestre de 2015. O abertamente. partido político Muttahida Qaumi afirmou que Continuaram as conversões forçadas e os alguns de seus membros foram sequestrados casamentos de meninas hindus com e assassinados arbitrariamente. muçulmanos, especialmente em Sind. Em novembro, uma emenda à Lei do Exército do Paquistão deu cobertura legal ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS retrospectiva às detenções efetuadas pelas ARMADOS forças armadas e pela polícia. Os advogados Grupos armados continuaram a realizar de Qari Zahir Gul e Haider Ali, que foram ataques contra civis, incluindo profissionais julgados pelos recém-criados tribunais de saúde e civis ligados ao governo. militares, declararam que eles foram Pelo menos oito membros das equipes de submetidos a desaparecimento forçado e vacinação contra a pólio – seis homens e detenção ilegal antes do julgamento. duas mulheres – foram mortos por grupos armados na província de Khyber CONFLITO ARMADO INTERNO Pakhtunkhwa (KPK), nas Áreas Tribais A população civil em FATA continuou a ser Administradas pelo governo (FATA) e na afetada por conflitos armados internos. O província do Baluquistão. Exército do Paquistão deu seguimento às Os grupos armados continuaram a suas operações militares, iniciadas em 2014, perseguir civis ligados ao governo ou a contra os grupos armados não estatais no projetos administrados pelo governo. Em Waziristão do Norte e da agência tribal de abril, 20 trabalhadores da construção civil de Khyber. O Exército afirmou que mais de Sind e de Punjab foram mortos no distrito de 3.400 militantes foram mortos e pelo menos

190 Anistia Internacional – Informe 2015/16 21.193 foram presos durante essas de 2.000 peregrinos, a Agência Reguladora operações. Devido à falta de transparência dos Meios de Comunicação Eletrônicos do das operações e de cobertura independente Paquistão (um órgão estatal) advertiu os pela mídia, e diante das preocupações meios de comunicação para não veicular anteriores sobre o uso desproporcional da reportagens que pudessem ser vistas como força em operações semelhantes, persistiram críticas à Arábia Saudita. Em ambos os casos, sérias inquietações relacionadas às o órgão regulador invocou o artigo 19 da circunstâncias das mortes, ao tratamento em Constituição, que prevê exceções do direito à detenção e ao acesso a um julgamento justo liberdade de expressão quando se tratar de dos detidos. críticas ao exército, ao judiciário e às relações Mais de um milhão de pessoas do Paquistão com "países amigos". continuavam desalojadas em consequência Pelo menos dois profissionais da imprensa dos conflitos armados atual e passados na foram mortos e seis ficaram feridos em razão região Noroeste. de seu trabalho. Zaman Mehsud foi morto em Os ataques aéreos com drones (veículos 3 de novembro em Tank. O Movimento Talibã aéreos não tripulados) dos Estados Unidos do Paquistão (TTP) reivindicou a autoria do diminuíram em número e ocorreram assassinato e alegou que a razão eram as principalmente no Waziristão do Norte. Quase matérias que ele havia publicado contra o não há informações quanto ao impacto grupo. Facções do TTP ameaçaram desses ataques sobre a população civil. Dois jornalistas de sérias consequências caso eles voluntários de ajuda humanitária estrangeiros não lhes dessem cobertura. A promessa do – o estadunidense Warren Weinstein e o primeiro-ministro, feita em março de 2014, italiano Giovanni Lo Porto – que haviam sido de nomear promotores especiais para detidos como reféns pela Al Qaeda, estavam processar casos de ataques a jornalistas não entre os mortos de um ataque por drones dos havia sido cumprida até ao fim do ano. EUA em janeiro, confirmando, uma vez mais, Em abril, a ativista de direitos humanos os amplos temores de que os ataques com Sabeen Mahmud foi morta depois de aviões não tripulados estejam matando civis promover uma discussão sobre o Baluquistão de forma arbitrária. em seu café em Karachi. Seu motorista, uma O Exército do Paquistão lançou seu testemunha-chave, foi posteriormente morto primeiro ataque com drones em 7 de a tiros, apesar da Lei de Proteção a setembro, informando que três líderes de Testemunhas de Sind, adotada em 2013 para grupos armados foram mortos no Waziristão proteger as testemunhas. do Norte. Três ativistas balúquis, incluindo Abdul Persistiu o conflito armado em áreas do Qadeer Baloch, vice-presidente da Waziristão do Norte; grupos de direitos organização Voz pelos Balúquis humanos denunciaram que civis foram Desaparecidos, foram proibidos de viajar para feridos e mortos em decorrência de os EUA em março para participar de uma operações militares indiscriminadas. conferência organizada por ativistas sindis e balúquis. Eles foram detidos no aeroporto de LIBERDADE DE EXPRESSÃO Karachi por algumas horas, acusados ​​de Alguns jornalistas e veículos de comunicação envolvimento em atividades contrárias ao exerceram a autocensura por medo de Estado e de terrorismo. Nenhuma ação foi represálias do Exército do Paquistão e dos interposta contra eles. grupos armados. Depois da cobertura da Em outubro, foi anunciada uma nova resposta do Paquistão à intervenção da política exigindo que todas as ONGs Arábia Saudita no Iêmen em maio, e do internacionais se registrem e obtenham a tumulto de setembro durante a peregrinação permissão do Ministério do Interior para a anual a Meca (hajj), em que morreram mais realização de suas atividades. A política

Anistia Internacional – Informe 2015/16 191 também autorizou o governo a monitorar os telefone e mensagens de texto, que fundos e operações dessas organizações e a obrigaram sua mudança para outra cidade. fechá-las com base em alegações de Apesar dos esforços dos últimos anos pela atividades consideradas contrárias aos promulgação de legislação que proteja as interesses do Paquistão. mulheres da violência, leis pelas quais as Em setembro, o Comitê Permanente da mulheres vítimas de estupro podem ser Assembleia Nacional de Tecnologia da condenadas por adultério continuaram em Informação e Telecomunicações aprovou o vigor. As mulheres continuam sendo privadas Projeto de Lei para Prevenção de Crimes de igualdade e proteção perante a lei, uma Cibernéticos, que permite ao governo situação agravada pela ausência de legislação censurar dados de conteúdo on-line e contra o incesto e por um sistema de justiça acessar dados dos usuários da internet. penal que é insensível ao gênero Ativistas manifestaram preocupação com algumas de suas disposições, que ameaçavam a privacidade e a liberdade de PARAGUAI expressão, além de imporem pesadas sanções. No fim do ano, o projeto de lei República do Paraguai aguardava aprovação final pela Assembleia Chefe de Estado e de governo: Horacio Manuel Cartes Nacional. Jara

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E Os povos indígenas continuaram sendo MENINAS privados do acesso a suas terras Mulheres e meninas continuaram a sofrer tradicionais. Os direitos sexuais e violências e ameaças. Pelo menos 4.308 reprodutivos não eram assegurados e o casos de violência contra mulheres e aborto continuou criminalizado na maioria meninas foram registrados durante os dos casos. primeiros seis meses de 2015. O dado inclui 709 casos de assassinato; 596 de estupro e INFORMAÇÕES GERAIS de estupro em grupo; 36 de agressão sexual; Em outubro, o relator especial sobre o direito 186 dos chamados crimes de "honra"; e de toda pessoa a desfrutar o mais alto nível 1.020 de sequestro. Apesar da promulgação possível de saúde física e mental enfatizou em 2011 da Lei de Controle de Ácido e que a criminalização do aborto contribui para Prevenção dos Crimes cometidos com Ácido, as elevadas taxas de gravidez precoce e para pelo menos 40 casos de ataque com ácido os abortos inseguros, e que a discriminação foram registrados entre janeiro e junho. generalizada e as desigualdades profundas Em Sahiwal, registraram-se vários ataques ameaçam o direito à saúde. a faca contra mulheres que se encontravam Não houve qualquer avanço na aprovação fora de casa sem companhia masculina. Em de leis de não discriminação. No fim de uma única semana de setembro foram 2014, um projeto de lei foi rejeitado pelo registrados seis casos. Senado porque não houve acordo sobre Na província de Khyber Pakhtunkhwa incluir na lei todos os motivos de (KPK), Tabassum Adnan, fundadora do discriminação. Em novembro, dois novos Khwendo Jirga, primeiro jirga (conselho projetos de lei que tratavam de discriminação judicial informal) do Paquistão formado só foram apresentados ao Congresso. por mulheres, recebeu o Prêmio Internacional de 2015 para Mulheres de Coragem DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS concedido pelo Departamento de Estado dos Os povos indígenas enfrentaram atrasos EUA. Após a publicidade despertada pelo quanto à aquisição de títulos e ao acesso a prêmio, ela sofreu ameaças anônimas por suas terras ancestrais.

192 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Em junho, uma segunda tentativa de um do ano. proprietário de terras de anular a lei de Em outubro, o julgamento dos agricultores expropriações de 2014 – aprovada para foi suspenso pela nona vez, depois que a devolver à comunidade Sawhoyamaxa as defesa requereu a desqualificação judicial do terras que lhes pertenciam – foi rejeitada pela tribunal de primeira instância, argumentando Corte Suprema. A decisão sobre uma ação que este não era imparcial. Os argumentos ajuizada pela comunidade contra a ocupação da defesa foram desconsiderados e o de suas terras por funcionários do julgamento prosseguia no fim do ano. proprietário continuava pendente no fim do Em julho, o tribunal de recursos confirmou ano. que não havia provas suficientes do A comunidade Yakye Axa ainda não havia envolvimento de Lucia Sandoval no homicídio conseguido se restabelecer em suas terras – de seu marido em 2011. Ela ajuizou uma apesar de um acordo firmado entre as ação pelos abusos que sofreu nas mãos de autoridades e o proprietário, finalizado em seu marido antes que ele morresse. Até o fim janeiro de 2012 – porque a estrada que daria do ano, ela ainda não havia recuperado a acesso à terra não estava concluída. O custódia dos filhos. governo não disponibilizou nenhum fundo para que a comunidade Xákmok Kásek TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS pudesse readquirir suas terras da empresa Prosseguiam as investigações sobre as que hoje detém sua propriedade, apesar de denúncias de tortura de campesinos durante um acordo nesse sentido firmado em 2014. os conflitos de 2012 no distrito de Curuguaty. A comunidade Ayoreo Totobiegosode A defesa denunciou atrasos e falta de denunciou a invasão e o desmatamento de medidas investigativas por parte do Ministério seu território tradicional por empresas Público. pecuaristas, bem como os perigos a que O julgamento dos suspeitos da morte de estão expostos os índios que vivem em dois adolescentes em abril de 2014 no Centro isolamento voluntário.1 Educacional Itauguá, uma unidade de Além do desflorestamento, a comunidade detenção de menores, foi anunciado em Ayoreo Atetadiegosode denunciou que vinha junho. sofrendo ataques de seguranças privados e atrasos na regularização de seu território DIREITOS DAS MULHERES E DAS tradicional.2 MENINAS Uma legislação que visava a prevenir e punir IMPUNIDADE E SISTEMA DE JUSTIÇA a violência contra a mulher, apresentada em Prosseguiam as ações judiciais contra 13 março à Câmara dos Deputados, ainda estava campesinos (agricultores) por seu suposto sendo debatida no fim do ano. Em junho, envolvimento nas mortes de seis policiais e aconteceu uma audiência pública na qual em outros crimes relativos a uma disputa por organizações da sociedade civil comentaram terras no distrito de Curuguaty em 2012. o projeto. Em maio, um projeto de lei para Ninguém foi indiciado pelas mortes dos 11 prevenir e punir a violência sexual e agricultores que também perderam a vida no determinar apoio integral às vítimas de abuso confronto, o que lança dúvidas sobre a sexual foi apresentado à Câmara dos imparcialidade da investigação.3 Deputados e continuava sendo analisado no Em julho, 12 dos 13 agricultores acusados fim do ano. solicitaram a mudança de seus advogados. O aborto só era permitido quando a vida da Desde 2014, os representantes legais mulher ou da menina corresse grave perigo, respondiam a medidas administrativas por permanecendo criminalizado em todas as terem supostamente atrasado o processo. O outras circunstâncias, inclusive quando a procedimento ainda estava em curso no fim gravidez resultasse de estupro ou incesto, ou

Anistia Internacional – Informe 2015/16 193 quando o feto não tivesse condições de sobreviver fora do útero. PERU Provocou ultraje dentro e fora do país o caso de uma menina de 10 anos que República do Peru engravidou depois de ser estuprada – Chefe de Estado e de governo: Ollanta Moisés Humala supostamente pelo padrasto – e, em abril, Tasso teve negada a possibilidade de fazer um aborto.4 Um ano antes, sua mãe havia Críticos do governo foram atacados. Houve denunciado o abuso sexual ao ministério denúncias de uso excessivo da força por público, mas o caso foi desconsiderado. A agentes de segurança. Os povos indígenas gravidez da menina não foi constatada continuaram sendo privados de seus plenos mesmo nas consultas que foram feitas em direitos. Houve certo progresso no combate diversos centros de saúde públicos. Depois à impunidade. Os direitos sexuais e que ela deu à luz, em agosto, sua família reprodutivos não foram assegurados. denunciou a falta do apoio médico, educativo e financeiro que havia sido prometido pelas INFORMAÇÕES GERAIS autoridades. As investigações sobre a suposta Em dezembro, o Presidente ratificou um responsabilidade do padrasto, que fora mecanismo nacional para a prevenção da detido, prosseguiam no fim do ano. A mãe da tortura, aprovado pelo Congresso em 2014. menina também estava sendo investigada por Um projeto de lei para a busca de negligência, mas as acusações foram desaparecidos durante o conflito armado retiradas em novembro. interno não havia sido apresentado ao Congresso, apesar de os familiares das DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS vítimas e as autoridades terem chegado a um Advogados que representam os direitos de acordo em 2014. A Penitenciária de comunidades indígenas e camponesas foram Challapalca, localizada a mais de 4.600 alvo de medidas administrativas por metros acima do nível do mar, na região de realizarem seu trabalho.5 Tacna, permaneceu em operação, apesar das Em dezembro, um advogado que graves preocupações de que suas condições representava as comunidades indígenas constituíssem tratamento cruel, desumano e Sawhoyamaxa e Yakye Axa foi alvo de uma degradante. Em junho, foi encerrado o estado investigação administrativa, sendo punido de emergência em Alto Huallaga, região de com uma admoestação da Suprema Corte San Martín, declarado havia 30 anos devido à por ter criticado a decisão de um juiz sobre ação do grupo armado de oposição Sendero uma lei de expropriação que beneficiava as Luminoso. comunidades. Um recurso contra a punição ainda não havia sido julgado no fim do ano. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE REUNIÃO Pessoas que criticaram os projetos da 1. Indigenous group in voluntary isolation at risk (AMR 45/2041/2015) indústria extrativista foram submetidas à 2. Paraguay: Security Guards Threatening Indigenous Group (AMR intimidação, uso de força excessiva e prisões 45/2700/2015) arbitrárias pelas forças de segurança. 3. Paraguay: Continúa la impunidad a tres años de las muertes en Máxima Acuña Chaupe Atalaya e sua Curuguaty, 15 June 2015 (News story, 15 June) família, praticantes da agricultura de 4. Paraguay: Life of a pregnant 10-year-old girl at risk (AMR subsistência que há muito travam uma 45/1554/2015); Paraguay: Raped 10-year-old must be allowed an disputa de terras com a mineradora abortion (Press release, 29 April) Yanacocha, continuaram a enfrentar 5. Paraguay: Administrative inquiry against human rights defender in intimidações das forças de segurança, que Paraguay is disproportionate (AMR 45/1476/2015) tentavam expulsá-los do local em que viviam

194 Anistia Internacional – Informe 2015/16 em Tragadero Grande, região de Cajamarca. indígenas em Bagua, na região Amazônica. Em fevereiro, a polícia demoliu uma estrutura Ao todo, 33 pessoas morreram nos que ela estava construindo para tornar sua confrontos, 23 delas policiais, e mais de 200 casa a prova d’água. ficaram feridas. Nenhum integrante das Em maio, Ramón Colque foi morto a tiros forças de segurança foi responsabilizado. quando a polícia abriu fogo contra moradores locais que tentavam bloquear a Rodovia IMPUNIDADE Panamericana durante um protesto contra o projeto de mineração de cobre Tía María no Conflito armado interno Vale do Tambo, província de Islay, Houve certo progresso na investigação das departamento de Arequipa. Os manifestantes violações de direitos humanos cometidas afirmavam que o projeto afetaria seu acesso à durante o conflito armado interno água potável. Outros três homens foram (1980-2000). mortos, inclusive um policial, e dezenas Em março, 10 militares foram formalmente foram submetidos a maus-tratos e prisões acusados de crimes contra a humanidade arbitrárias. No fim do ano, todos os detidos relativos à violência sexual, inclusive estupro, haviam sido libertados, mas muitos ainda infligidos a dezenas de mulheres de Manta e estavam sendo processados. Líderes Vilca, na província de Huancavelica. Tratou- comunitários sofreram intimidações.1 se do primeiro caso de violência sexual Em setembro, quatro civis morreram e cometida durante o conflito armado interno a dezenas de pessoas, inclusive policiais, chegar aos tribunais. Segundo o registro de ficaram feridas durante os protestos contra vítimas criado em 2005, mais de 4.400 um projeto de mineração de cobre na região mulheres e meninas denunciaram ter sido de Las Bambas e Apurímac. No fim de estupradas ou abusadas sexualmente pelos setembro, um estado de emergência de militares nesse período. quatro semanas foi declarado nas regiões de Em maio, o tenente-coronel reformado José Cusco e Apurímac. Luis Israel Chávez Velásquez foi preso por participação no desaparecimento de sete DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS pessoas em Huancapi, região de Ayacucho, Os povos indígenas continuaram sendo em 1991. O mandado de prisão foi expedido privados de seu direito ao consentimento 11 anos antes de sua prisão se efetivar. livre, prévio e informado com relação a Em setembro, a Corte Interamericana de propostas que afetam seus meios de Direitos Humanos decidiu que o Peru era subsistência. responsável pelo desaparecimento forçado de Em maio, as autoridades adotaram uma 15 pessoas, sete delas crianças, de uma legislação que permitia a expropriação de comunidade de agricultores de Santa terras e reduzia as exigências para aprovação Bárbara, em Huancavelica, em 1991, de estudos de impacto ambiental para ordenando que o Peru processasse os grandes projetos de desenvolvimento, apesar responsáveis, oferecesse reparação aos das graves preocupações de que a lei familiares e exumasse e identificasse os pudesse afetar os direitos e os territórios dos restos mortais das vítimas. povos indígenas. No fim do ano, prosseguia o julgamento de Uso excessivo da força 53 pessoas, inclusive indigenas e algumas de A grande maioria das mortes ocorridas suas lideranças, que foram acusados de durante protestos devido ao uso excessivo da matar 12 policiais durante um confronto com força pelas forças de segurança continuou as forças de segurança, em meio a uma sem qualquer solução. operação efetuada em 2009 para dispersar o Em abril, o Ministério Público afirmou que bloqueio de uma estrada, comandado pelos apenas duas investigações haviam sido

Anistia Internacional – Informe 2015/16 195 abertas sobre mortes supostamente causadas por uso de força excessiva pela polícia PORTUGAL durante protestos. Pelo menos 50 casos foram documentados por organizações de República Portuguesa direitos humanos desde 2012. Chefe de Estado: Aníbal António Cavaco Silva Chefe de governo: Pedro Manuel Mamede Passos DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Coelho Meninas e mulheres continuaram tendo acesso limitado a métodos anticoncepcionais. Ciganos e afrodescendentes continuaram a A distribuição gratuita de contraceptivos de sofrer discriminação. Houve novas emergência, mesmo em casos de abuso denúncias de uso excessivo da força pela sexual, continuou proibida. Segundo dados polícia e as condições prisionais se de julho do Instituto Nacional de Estatística e mantiveram inadequadas. Informática, a taxa de gravidez na adolescência em 2014 teve um aumento de INFORMAÇÕES GERAIS quase 15% para meninas e mulheres entre Após uma visita em janeiro, o relator especial 15 e 19 anos de idade. da ONU sobre a independência de Em novembro, a Comissão de Constituição magistrados e advogados manifestou e Regulamento do Congresso rejeitou um preocupação com o fato de os honorários de projeto de lei que propunha legalizar o aborto assessoramento jurídico estarem impedindo para vítimas de estupro. que mais pessoas em situação de pobreza Em maio, o Ministério Público reabriu e devido à crise econômica tivessem acesso à ampliou a investigação sobre o caso de mais Justiça. O Tribunal Constitucional decidiu que de 2.000 mulheres indígenas e agricultoras algumas medidas de austeridade que que teriam sido esterilizadas à força. Mais de afetavam direitos econômicos e sociais eram 200.000 mulheres foram esterilizadas na inconstitucionais. década de 1990 por meio de um programa de planejamento familiar, muitas sem o seu TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS consentimento. Houve denúncias de uso desnecessário e Em novembro, publicou-se um decreto-lei excessivo da força pela polícia, e as que criava um registro de vítimas de condições prisionais continuaram esterilização forçada, como sendo um inadequadas. primeiro passo para assegurar o direito Em maio, um policial foi filmado dessas pessoas à justiça e à reparação espancando um homem diante de seus dois adequada. filhos e de seu pai no entorno do estádio de futebol Guimarães. As imagens mostram o DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, policial derrubando no chão um torcedor BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E aparentemente pacífico e golpeando-o várias INTERSEXUAIS vezes com o cassetete enquanto seus filhos Em março, a Comissão de Justiça e Direitos eram contidos. O mesmo policial pode ser Humanos do Congresso rejeitou uma lei que visto dando dois socos no rosto do pai do concederia direitos iguais a casais do mesmo torcedor quando ele intervém para impedir o sexo. espancamento. Segundo o Ministério do Interior, o policial foi suspenso de suas funções por 90 dias enquanto aguarda 1. Peru: Urgently investigate two deaths amid anti-mining protests procedimentos disciplinares. (News story, 6 May)

196 Anistia Internacional – Informe 2015/16 REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, Apenas 39 dos 44 refugiados previamente BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E selecionados para reassentamento em INTERSEXUAIS Portugal em 2014, e nenhum dos Em dezembro, foi adotada uma lei que selecionados em 2015, haviam chegado ao concedia a casais do mesmo sexo direitos país no fim do ano. Portugal se comprometeu iguais para adoção de crianças. a receber mais 4.574 requerentes de asilo que, nos dois anos seguintes, seriam VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E transferidos da Grécia e da Itália de acordo MENINAS com o programa de reassentamento da UE. Segundo os dados fornecidos pela ONG Entretanto, até o fim do ano, somente 24 UMAR (União de Mulheres Alternativa e pessoas haviam sido transferidas. Segundo o Resposta), até 20 de novembro, 27 mulheres Conselho Português para os Refugiados, os foram mortas e 33 foram vítimas de tentativas centros de recepção a refugiados na capital de homicídio, principalmente por pessoas Lisboa permaneciam superlotados. com quem elas mantinham relações íntimas. Em julho, de acordo com um estudo da DISCRIMINAÇÃO Universidade Nova de Lisboa, 1.830 meninas residentes em Portugal já haviam sido ou Ciganos corriam risco de ser submetidas à mutilação Discriminação contra os ciganos continuou genital feminina (MGF). Entrou em vigor em sendo registrada em vários municípios. setembro uma nova legislação que introduz a Em julho, o prefeito de Estremoz proibiu os MGF como um crime específico no Código ciganos que viviam no bairro de Quintinhas Penal. de usar as piscinas municipais devido a supostos atos de vandalismo por parte de alguns moradores. A decisão foi contestada REINO UNIDO pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, e uma decisão era Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte aguardada no fim do ano. Chefe de Estado: Rainha Elizabeth II Chefe de governo: David Cameron Afrodescendentes Prosseguiram as denúncias de agressões de Confirmaram-se os planos de revogar a Lei cunho racial e de uso desnecessário da força de Direitos Humanos. O governo continuou pela polícia contra pessoas afrodescendentes. se recusando a participar dos esforços da Em fevereiro, cinco jovens UE para dividir a responsabilidade pelo afrodescendentes denunciaram ter sido crescente número de refugiados que espancados e submetidos a comentários chegam à Europa. Críticas às leis de racistas por policiais da delegacia de vigilância ganharam impulso. Alfragide, onde haviam estado para reclamar do uso de força excessiva durante uma prisão MUDANÇAS LEGAIS, CONSTITUCIONAIS efetuada naquele dia no bairro de Alto da OU INSTITUCIONAIS Cova da Moura. Eles receberam tratamento Em maio, o Partido Conservador venceu as médico devido aos ferimentos causados pela eleições gerais e formou um governo de agressão e foram acusados de resistência e maioria. O novo governo confirmou os planos coerção a um policial. As investigações sobre de revogar a Lei de Direitos Humanos e suas denúncias de maus-tratos prosseguiam substitui-la por uma Carta de Direitos no fim do ano. Britânica. O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos e o Comitê de Direitos Humanos, entre outros organismos,

Anistia Internacional – Informe 2015/16 197 manifestaram grave preocupação de que SEGURANÇA E COMBATE AO TERRORISMO revogar a Lei de Direitos Humanos poderia A abrangência dos poderes permitidos no enfraquecer a proteção aos direitos humanos combate ao terrorismo continuou motivando no Reino Unido.1 preocupação.2 Em fevereiro, a Lei de Em julho, o governo publicou um projeto Segurança e Combate ao Terrorismo de 2015 de Lei Sindical. Caso aprovada, a lei entrou em vigor e introduziu novos poderes, aumentaria os empecilhos legais para que os como restrições de viagem para pessoas sindicatos organizassem greves, restringindo suspeitas de envolvimento em atividades significativamente os direitos sindicais. relacionadas ao terrorismo e a exclusão do Reino Unido de certos cidadãos ou de TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS pessoas com direito de residência no país Em agosto, o Comitê de Direitos Humanos que rejeitem as condições impostas pelo manifestou preocupação com a possível governo em seu retorno para casa. A lei inadequação do Comitê Parlamentar de introduzia ainda uma obrigação legal, Inteligência e Segurança (ISC, na sigla em conhecida como “obrigação de prevenir”, inglês) para investigar a suposta para certos órgãos como escolas e conselhos cumplicidade do Reino Unido com a tortura municipais, que deverão dar a “devida de pessoas detidas em operações de consideração à necessidade de prevenir que combate ao terrorismo no exterior. as pessoas sejam seduzidas pelo terrorismo”. Preocupações com a independência do ISC e Organizações não governamentais e a com o poder do governo de impedir a sociedade civil manifestaram preocupação revelação de materiais sensíveis levaram o com os efeitos potencialmente Comitê de Direitos Humanos a requerer que o discriminatórios da obrigação. governo considerasse a possibilidade de Em outubro, o governo introduziu uma iniciar uma investigação judicial completa nova “estratégia de combate ao extremismo”. sobre essas denúncias. A estratégia incluía em seus planos uma Lei Em 30 de outubro, Shaker Aamer, ex- de Extremismo que introduziria novos residente do Reino Unido, foi libertado da poderes para se enfrentar o que a lei base naval que os EUA mantêm na Baía de caracteriza como sendo extremismo. Esses Guantánamo, em Cuba, e devolvido ao Reino poderes incluem a proibição de certas Unido. Ele estivera detido em Guantánamo, organizações, restrições a indivíduos sem acusação ou julgamento, desde fevereiro especialmente identificados e restrições de de 2012. acesso a locais usados para o apoio ao Em novembro, começaram na Suprema extremismo. Temia-se que tais poderes Corte os procedimentos judiciais relativos ao pudessem levar à violação do direito à casal Abdul-Hakim Belhaj e Fatima liberdade de reunião, associação, expressão e Boudchar, que afirma ter sido vítima de privacidade das pessoas. extradição extrajudicial, tortura e outros Em setembro, o Primeiro Ministro anunciou maus-tratos em 2004 por parte dos governos no Parlamento que, em 21 de agosto, a Real dos EUA e da Líbia, com o conhecimento e a Força Aérea (RFA) realizara um ataque com cooperação de autoridades do Reino Unido. veículo aéreo não tripulado na região de Al- O governo britânico argumentou que a Raqqa, na Síria, matando três pessoas que se doutrina do “ato de Estado” deverá impedir o acreditava serem membros do grupo armado prosseguimento do caso, uma vez que as Estado islâmico (EI), entre elas, dois cidadãos cortes do Reino Unido não deveriam julgar a britânicos. O governo recusou os pedidos de conduta de Estados estrangeiros (envolvidos ONGs e de parlamentares para tornar na suposta extradição extrajudicial) por ações públicas as orientações legais com base nas empreendidas nas jurisdições desses quais o ataque aéreo foi autorizado. Estados. Em 30 de julho, no caso Serdar

198 Anistia Internacional – Informe 2015/16 Mohammed v. Ministro da Defesa, a Corte de Internacional que órgãos do governo estavam Apelações decidiu que a detenção de um espionando a organização por meio de homem afegão pelas forças armadas interceptação, acesso e armazenamento de britânicas por quase quatro meses havia sido suas comunicações.5 O IPT constatou uma ilegal. A corte concluiu que sua detenção fora infração dos artigos 8 e 10 da Convenção arbitrária e que, portanto, violara o direito Europeia de Direitos Humanos, devido ao fato dessa pessoa à liberdade, conforme o artigo de as comunicações interceptadas terem sido 5 da Convenção Europeia de Direitos retidas por um período mais longo do que o Humanos, que também se aplica às previsto pelas políticas internas da GCHQ detenções no estrangeiro. (Government Communications Headquarters, a agência de espionagem britânica). O IPT VIGILÂNCIA também constatou uma infração de políticas As críticas às leis de vigilância do Reino internas com relação ao Legal Resources Unido ganharam impulso no decorrer do ano Centre, uma ONG com sede na África do Sul. com o Comitê de Direitos Humanos da ONU, Em 17 de julho, a Corte Superior decidiu entre outros órgãos, manifestando que a Seção 1 da Lei sobre Retenção de preocupação e pedindo que o governo Dados e Poderes Investigatórios de 2014 era garanta que a interceptação de ilegal de acordo com a legislação da UE comunicações pessoais e a retenção dos relativa ao respeito à vida privada e à dados das comunicações sejam feitos de proteção de dados pessoais, em virtude da acordo com o direito dos direitos humanos. Carta dos Direitos Fundamentais da União Em 6 de fevereiro, o Tribunal dos Poderes Europeia. Investigadores (IPT, na sigla em inglês), em Em novembro, o governo publicou para uma ação ajuizada pela Anistia Internacional consultas a minuta de um projeto de Lei e por outras nove ONGs de quatro sobre Poderes Investigatórios. O projeto prevê continentes, concluiu que os procedimentos uma reforma geral das leis de vigilância e governamentais para “que as autoridades do retenção de dados. ONGs manifestaram Reino Unido solicitem, recebam, armazenem preocupação de que o projeto não continha e transmitam comunicações privadas de proteções adequadas aos direitos humanos e indivíduos localizados no Reino Unido, as previa práticas que ameaçam esses direitos. quais foram obtidas pelas autoridades dos EUA,” violavam o direito à privacidade e à IRLANDA DO NORTE liberdade de expressão.3 Apesar disso, o IPT Em 26 de junho, a Corte Superior de Belfast afirmou que esse regime de considerou legal a decisão do governo de não compartilhamento de informações havia se realizar uma investigação independente sobre tornado legal devido às revelações feitas pelo o homicídio do advogado Patrick Finucane governo no decorrer dos procedimentos em Belfast em 1989. judiciais. A Assembleia da Irlanda do Norte não Após a decisão do IPT, a Anistia adotou uma legislação sobre matrimônio Internacional e as outras nove ONGs que igualitário, fazendo dessa a única divisão do participaram da ação levaram o caso ao Reino Unido em tal situação. Duas ações Tribunal Europeu de Direitos Humanos, judiciais contestando a proibição de argumentando que a legislação britânica que casamentos entre pessoas do mesmo sexo rege vários aspectos da vigilância das foram julgadas em tribunais de Belfast em comunicações violava as obrigações de dezembro. direitos humanos do país, inclusive com O governo, bem como os partidos políticos relação ao direito à privacidade e à liberdade da Irlanda do Norte e o governo irlandês, não de expressão.4 chegaram a um acordo sobre uma legislação Em julho, o IPT informou à Anistia que criaria novos mecanismos para investigar

Anistia Internacional – Informe 2015/16 199 as mortes atribuídas ao conflito na Irlanda do expandiria seu programa de reassentamento Norte, como havia sido prometido no Acordo para sírios, de algumas centenas de vagas de Stormont House. em três anos para até 20.000 nos próximos cinco anos. Com relação à situação em DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Calais, na França, o governo manteve sua O acesso ao aborto na Irlanda do Norte posição de contribuir primariamente com continuou limitado a casos excepcionais em recursos financeiros para segurança dos que a vida ou a saúde da mulher ou menina perímetros do porto e do Eurotúnel, estivessem em risco.6 Em junho, informou-se recusando-se a aceitar qualquer parcela de que o ministro da Justiça havia apresentado refugiados e migrantes de Calais no sistema um projeto ao Executivo da Irlanda do Norte de asilo do Reino Unido (ver seção sobre a referente à reforma da legislação sobre o França). aborto nessa parte do país, que permitiria sua Em março, o Parlamento aprovou a Lei realização em casos de deficiência fetal grave sobre Escravidão Moderna de 2015, que ou fatal. A apresentação do projeto se deu aumenta os poderes necessários para após a conclusão, em janeiro, de uma monitorar e enfrentar a escravidão e o tráfico consulta sobre reformas jurídicas. de pessoas. O governo foi criticado por Em agosto, as observações finais do Comitê algumas ONGs em razão de sua decisão de Direitos Humanos pediam que o governo anterior de retirar as proteções contidas nas emendasse a legislação do país sobre o regras de imigração que ajudavam os aborto na Irlanda do Norte, com vistas a trabalhadores domésticos estrangeiros a prever exceções adicionais à proibição escapar de situações de escravidão no Reino judicial dessa prática, como em casos de Unido. Em resposta, o governo comissionou “estupro, incesto e anomalia fetal mortal”. O uma revisão do sistema de vistos para Comitê também requereu que se trabalhadores domésticos estrangeiros, a qual possibilitasse o acesso a informações sobre resultou na recomendação de reintroduzir a aborto, métodos anticoncepcionais e opções opção de que esses trabalhadores possam de saúde sexual e reprodutiva. mudar de empregador. Em novembro e dezembro, a Corte Em outubro, foi publicada uma nova Lei de Superior de Belfast decidiu que a atual lei Imigração, que previa estabelecer mais sobre aborto na Irlanda do Norte era firmemente o que o governo caracterizou incompatível com o direito internacional dos como um “ambiente hostil” para migrantes direitos humanos, pois impede o acesso à sem documentação. Caso aprovada pelo interrupção da gravidez em casos de Parlamento, a lei permitirá a retirada do anomalia fetal mortal, incesto e estupro. auxílio a famílias que tiveram o asilo recusado em decisão final e eximirá as autoridades DIREITOS DOS REFUGIADOS E DOS locais de prestar apoio a menores com status MIGRANTES de imigrante que perdem o auxílio ao O governo continuou se recusando a completar 18 anos; ampliará a gama de participar dos esforços da UE para dividir a pessoas que, embora mantenham o direito de responsabilidade pelo crescente número de recorrer da decisão, podem ser retiradas do refugiados que chegam à Europa. Optou-se país antes do recurso ser julgado; e por exercer a prerrogativa de não participar transferirá poderes significativos dos tribunais do programa da UE para o reassentamento ao Ministério do Interior (Home Office) para de 160.000 refugiados sírios, eritreus e decidir conceder ou não liberdade provisória iraquianos que se encontravam na Grécia, na a migrantes detidos e com quais condições. Hungria e na Itália. Em setembro, porém, Inspetorias independentes continuaram a diante de crescente pressão pública, o chamar atenção para graves inadequações Primeiro Ministro anunciou que o país no uso da detenção por questões de

200 Anistia Internacional – Informe 2015/16 imigração. Em março, um relatório elaborado organizações que atuam no combate à por um grupo parlamentar multipartidário violência doméstica sobre os cortes no concluiu que esse tipo de detenção estava financiamento aos serviços especializados sendo utilizado de modo excessivo. nessa área, o governo anunciou em agosto Em julho, o ministro da Imigração um fundo de prevenção da violência suspendeu o procedimento acelerado de doméstica de 3,2 milhões de libras esterlinas detenção – um processo por meio do qual (quase 19 milhões de reais). No entanto, a muitos requerentes de asilo são detidos e magnitude dos cortes no financiamento dos contam com pouquíssimo tempo para instruir serviços especializados para lidar com a advogados ou coletar provas que sustentem violência contra a mulher ainda causava sua demanda – após uma decisão da Corte grande preocupação. Superior, confirmada pela Corte de Apelações, de que tal processo era estruturalmente injusto e, portanto, ilegal. 1. UN Human Rights Council: Oral Statement under Item 4 on the UK Human Rights Act (IOR 40/1938/2015) VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E 2. United Kingdom: Submission to the UN Human Rights Committee MENINAS (EUR 45/1793/2015) Em maio, a relatora especial da ONU sobre a 3. UK: ‘Historic’ surveillance ruling finds intelligence-sharing illegal violência contra a mulher, suas causas e (News story, 6 February) consequências, publicou o relatório sobre sua 4. Amnesty International takes UK to European Court over mass visita ao Reino Unido. O documento concluiu surveillance (News story, 10 April) que, embora o governo tivesse declarado que 5. United Kingdom: British government surveillance programmes and a violência contra a mulher era prioridade interception of Amnesty International communication (EUR nacional e contasse com diversas estratégias 45/2096/2015) e planos de ação em nível nacional, tais 6. United Kingdom: Northern Ireland: Barriers to accessing abortion iniciativas, na maioria dos casos, resultaram services (EUR 45/1057/2015) em bolsões isolados de boas práticas. O relatório indicou que isso se devia ao fato de a resposta do governo à violência contra a REPÚBLICA mulher carecer de uma abordagem consistente e coerente com base nos direitos DEMOCRÁTICA DO humanos. Emendas feitas à legislação por meio da Lei CONGO de Crimes Graves de 2015 incluíam uma nova obrigação de notificar casos de República Democrática do Congo mutilação genital feminina (MGF). A Chefe de Estado: Joseph Kabila obrigação passou a vigorar em 31 de outubro Chefe de governo: Augustin Matata Ponyo Mapon e requeria que profissionais regulamentados da área de saúde e assistência social, assim Intensificou-se a repressão por parte do como professores na Inglaterra e País de governo aos protestos contra as tentativas Gales, comunicassem à polícia os casos do Presidente Kabila de concorrer à conhecidos de MGF em meninas menores de presidência além dos dois mandatos 18 anos. autorizados pela Constituição. Aumentaram Em 29 de dezembro, relativo à violência as violações dos direitos à liberdade de doméstica, entrou em vigor um novo delito expressão, associação e reunião pacífica. penal de comportamento coercitivo e Defensores dos direitos humanos, jovens controlador, com uma pena máxima de cinco ativistas e políticos foram ameaçados, anos de prisão, multa, ou ambos . perseguidos, presos arbitrariamente e, em Em resposta às preocupações de alguns casos, condenados por exercerem

Anistia Internacional – Informe 2015/16 201 pacificamente os seus direitos. No leste da meses sem qualquer notícia de tais eventos. República Democrática do Congo (RDC), a Após a expiração de um ultimato de seis situação da segurança continuou instável, meses para as Forças Democráticas para a com numerosos grupos armados cometendo Libertação de Ruanda (FDLR) deporem as abusos graves de direitos humanos e armas, o exército congolês implementou a violações da lei internacional humanitária. O operação "Sokola 2" para neutralizar a FDLR, fracasso do exército congolês e da força de cuja capacidade militar, segundo consta, paz da ONU MONUSCO (Missão de permanece ainda em grande parte intacta. Estabilização da Organização das Nações Após a nomeação de dois generais Unidas na RDC) em proteger a população suspeitos de terem cometido violações dos civil levou a um elevado número de civis direitos humanos, a MONUSCO decidiu mortos e a deslocamentos em massa. interromper sua colaboração militar com o exército congolês na "Sokola 2". No entanto, INFORMAÇÕES GERAIS as operações do exército contra a Frente de Especulações sobre alteração na Constituição Resistência Patriótica em Ituri (FRPI) e outras maneiras de prorrogar o mandato do continuaram com o apoio da MONUSCO. A Presidente Kabila, que deve se encerrar em deterioração geral das relações entre o dezembro de 2016, desencadearam exército e a MONUSCO impediu a proteção protestos públicos e críticas generalizadas. adequada à população civil e provocou a Em fevereiro, o governo iniciou um criação de grupos autoproclamados de processo de descentralização, dividindo as 11 "autodefesa". províncias do país em 26 entidades. A Comissão Eleitoral Nacional Independente LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO E DE (CENI) não conseguiu organizar as eleições REUNIÃO locais previstas para 25 de outubro e as As forças de segurança dispersaram com eleições para os governadores das novas força excessiva manifestações contra um províncias. Em 29 de outubro, o Presidente projeto de lei que altera a legislação eleitoral, nomeou comissários especiais para governar visto como uma tentativa de estender o as províncias. Em outubro, tanto o presidente mandato do presidente Kabila. Trinta e seis quanto o vice-presidente da CENI pessoas foram mortas e várias centenas renunciaram, o que aumentou os temores de foram presas entre os dias 19 e 21 de janeiro. que as eleições presidenciais não seriam Dois líderes da oposição, Ernest Kyaviro e organizadas dentro dos prazos Cyrille Dowe, foram detidos nos protestos e constitucionais. mantidos em detenção incomunicável por 86 Em setembro, o "G7", uma plataforma de e 145 dias, respectivamente. Jean-Claude partidos que fazia parte da maioria Muyambo, que deixou a coalizão no poder parlamentar, foi excluída da coalizão de depois de se manifestar publicamente contra governo depois de apelar ao Presidente para um terceiro mandato para o Presidente respeitar a Constituição. Kabila, foi preso em 20 de janeiro. Seu Nove membros da Comissão Nacional de julgamento com base em acusações Direitos Humanos foram nomeados. aparentemente motivadas por fatores políticos A operação militar Sokola 1, liderada pelo estava em andamento no final do ano. governo ("operação de limpeza" em Lingala), Em 15 de março, as forças de segurança contra o grupo armado Forças Democráticas invadiram uma coletiva de imprensa na Aliadas (FDA), continuou no território de capital Kinshasa, onde jovens ativistas Beni, na província de Kivu-Norte. No início de lançavam um manifesto sobre educação setembro, houve uma onda de ataques cívica, Filimbi. Vinte e sete pessoas foram supostamente perpetrados por membros das presas. Duas delas, Fred Bauma e Yves FDA contra civis, depois de quase quatro Makwambala, ainda se encontravam detidas

202 Anistia Internacional – Informe 2015/16 no final do ano e enfrentam sérias acusações, governista. A emissora de TV Canal Futur incluindo conspiração contra o chefe de permaneceu fechada durante todo o ano. Estado1. Protestos de solidariedade ocorridos Durante os protestos de janeiro, os serviços após as detenções foram sistematicamente de internet e de mensagens de texto foram reprimidos. Os manifestantes foram presos cortados pelas autoridades, supostamente arbitrariamente e submetidos à tortura e para manter sob controle a ordem pública. O outros tipos de maus-tratos. Em 18 de sinal da Rádio France Internationale também setembro, quatro ativistas do movimento ficou temporariamente prejudicado. juvenil Lutte pour le Changement (LUCHA, Cinco estações de rádio que tinham sido "Luta por mudança") foram condenados por fechadas em novembro 2014, após incitação à desobediência civil, o que viola noticiarem ataques da FDA, permaneceram seu direito de reunião pacífica. fechadas durante todo o ano. Em 15 de setembro, uma reunião pacífica da oposição em Kinshasa foi alvo de ataque PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS por agressores não identificados. A polícia se O número de prisões e detenções arbitrárias omitiu em proteger os manifestantes. se manteve elevado. Muitas foram realizadas Em 8 de outubro, o prefeito de pelos serviços de inteligência. As detenções Lubumbashi emitiu uma ordem proibindo arbitrárias foram, muitas vezes, seguidas por todos os protestos políticos públicos. detenção incomunicável por tempo prolongado, período em que as pessoas LIBERDADE DE EXPRESSÃO permaneciam detidas sem acusação, acesso A liberdade de expressão foi seriamente a advogado ou apresentação perante um juiz. ameaçada durante o ano2. As autoridades perseguiram políticos e ativistas que se ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS opunham pacificamente às propostas ARMADOS percebidas como sendo tentativas, por parte Os grupos armados continuaram a cometer do Presidente Kabila, de estender seu abusos contra civis no leste do país. A FDA mandato, bem como aos atrasos na foi responsável por um elevado número de organização das eleições presidenciais. homicídios ilegais, pilhagens, raptos, bem Vano Kiboko, antigo parlamentar da como por estupros e escravidão sexual. Em 2 coalizão governista, foi preso e condenado, de maio, a FDA atacou dois locais perto de depois de sugerir, durante uma conferência Mavivi, na província de Kivu-Norte, e matou de imprensa, que a coalizão deveria começar pelo menos 10 civis. a decidir quem será o sucessor do Presidente Abusos cometidos pelas FDLR incluem Kabila. homicídios ilegais, saques, estupros e outras Jornalistas continuaram a ser vítimas de violências sexuais, bem como trabalho perseguição, ameaças e detenções forçado. Os combatentes das FDLR forçaram arbitrárias; o livre fluxo de informação foi civis a trabalhar nas minas e no transporte de muitas vezes obstruído. bens roubados, armas e munições. Em 16 de janeiro, o Canal Kin Télévision A FRPI foi responsável por operações de (CKTV) e a Radiotelevisión Catholique Elikya pilhagem em grande escala, estupro e outras (RTCE) tiveram seus sinais de transmissão violências sexuais, bem como homicídios cortados depois de transmitir uma chamada ilegais de civis. Operações contra o grupo da oposição para protestos em massa. O sinal armado provocaram grandes deslocamentos da RTCE foi restabelecido em junho. O CKTV de civis. continua sem poder transmitir; a Radio Télévision Lubumbashi Jua, uma estação de VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E propriedade de Jean-Claude Muyambo, foi MENINAS fechada quando ele deixou a coalizão A violência sexual contra mulheres e meninas

Anistia Internacional – Informe 2015/16 203 continuou desenfreada, tanto em zonas de civis por parte de grupos armados e do conflito quanto em regiões onde não havia exército. conflito, nas áreas urbanas e rurais. A Supostamente, o exército foi responsável instauração de processo legal contra tais por um ataque contra a cidade de Matukaka, crimes continua sendo um desafio devido à em fevereiro, durante o qual mais de 10 civis falta de recursos. A maioria dos criminosos foram mortos. Bernard Byamungu, do 809o desfruta de impunidade total. regimento, foi detido em fevereiro por um ataque semelhante contra civis nas aldeias de CRIANÇAS SOLDADOS Tenambo e Mamiki, em outubro de 2014. Os grupos armados continuaram a recrutar Segundo informações, ele continuava sob crianças durante todo o ano. Elas foram custódia militar no final do ano. usadas como combatentes, escolta, criadas, Cobra Matata, líder da FRPI, foi preso em coletoras de impostos, mensageiras ou janeiro. Ele foi indiciado pelo promotor militar cozinheiras. Nos primeiros oito meses do ano, por crimes de guerra e crimes contra a mais crianças foram resgatadas com sucesso humanidade, inclusive recrutamento de de grupos armados do que em todo ano de crianças. 2014. Há relatos de que, em março, mais de 400 corpos foram enterrados em uma vala VIOLÊNCIA COMUNAL comum na periferia de Kinshasa. Suspeita-se O conflito entre as comunidades Batwa e que alguns dos corpos eram de vítimas de Luba continuou ao longo do ano e causou um execuções extrajudiciais e de elevado número de mortes de civis. Em 21 de desaparecimentos forçados. Até o final do outubro, um acordo de paz foi assinado entre ano, nenhuma investigação fidedigna, as duas comunidades. independente e eficaz havia ocorrido3. Em setembro, iniciou-se no Tribunal de PRESTAÇÃO DE CONTAS CORPORATIVA Recursos, em Lubumbashi, o julgamento de Vítimas de remoções forçadas que ocorreram 23 membros das comunidades Bantu e na comunidade Kawama, em Lubumbashi, Batwa por genocídio e crimes contra a em 2009, continuaram privadas de acesso à humanidade. Foi o primeiro julgamento por Justiça e do direito de receber reparações por crimes internacionais a ocorrer em tribunais parte das autoridades judiciais congolesas. As civis do país. expulsões foram realizadas pela polícia Em mais um avanço na luta contra a usando tratores pertencentes à empresa de impunidade, a Assembleia Nacional e o mineração Entreprise Générale Malta Forrest Senado aprovaram uma lei implementando o – uma subsidiária da empresa belga Groupe Estatuto de Roma do Tribunal Penal Forrest International –, que tinha direito às Internacional (TPI), em junho e novembro, concessões localizadas próximas à respectivamente. O texto final da lei, comunidade. A empresa continuou a negar promulgada em 2 de janeiro de 2016, prevê a qualquer responsabilidade na viabilização das pena de morte para crimes de guerra, crimes remoções. Um recurso contra a decisão do contra a humanidade e genocídio. tribunal estava em curso em Lubumbashi. CONDIÇÕES DE PRISÃO IMPUNIDADE As condições das prisões continuaram O sistema de justiça continua a sofrer de terríveis. Desnutrição, falta de higiene básica, grave falta de capacidade para processar doenças infecciosas e péssima assistência todos os crimes relacionados à lei médica resultaram na morte de dezenas de internacional. A persistente impunidade dos prisioneiros. Centros de detenção estavam crimes cometidos no passado abriu caminho muito superlotados e a administração para contínuas violações e abusos contra penitenciária carecia seriamente de fundos.

204 Anistia Internacional – Informe 2015/16 DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS em setembro. Ambos foram condenados por Defensores dos direitos humanos e ativistas liderar uma organização terrorista, e Ignace continuaram a ser alvo de intimidação, Murwanashyaka foi considerado culpado de ameaças, detenções arbitrárias, maus-tratos, crimes de guerra. bem como prisão incomunicável e detenção Apesar de uma operação militar em curso secreta. contra a FDLR, Sylvestre Mudacumura, o Christopher Ngoyi, um defensor dos suposto comandante de seu braço armado, direitos humanos que estava monitorando o permaneceu em liberdade. uso excessivo da força pela polícia durante os protestos de janeiro, foi preso e detido em regime de isolamento por 21 dias. Ele 1. DRC: Free human rights activists (News story, 19 March) continuava detido no fim do ano, aguardando 2. Treated like criminals: DRC’s race to silence dissent (AFR julgamento. 62/2917/2015) Movimentos de jovens que trabalham com 3. DRC: Authorities should work hand in hand with MONUSCO to ensure educação cívica e governança foram thorough and independent investigations into mass grave (AFR perseguidos. Três jovens ligados ao Filimbi e 62/14/2015) à LUCHA foram arbitrariamente presos e mantidos em detenção incomunicável, sendo depois libertados sem acusações. RÚSSIA Em 18 de setembro, chegou-se a um veredito final para o duplo assassinato do Federação Russa defensor dos direitos humanos Floribert Chefe de Estado: Vladimir Putin Chebeya e seu motorista Fidele Bazana. O Chefe de governo: Dmitry Medvedev policial Daniel Mukalay, que foi considerado culpado sob circunstâncias atenuantes, foi As liberdades de expressão e de reunião condenado a 15 anos de prisão, enquanto pacífica continuaram severamente outros quatro oficiais foram absolvidos. restringidas. As autoridades mantinham o domínio dos meios de comunicação JUSTIÇA INTERNACIONAL impressos e eletrônicos, além de ampliarem Em abril, o líder da FDA, Jamil Mukulu, foi seu controle sobre a internet. As ONGs preso na Tanzânia. Ele foi extraditado para enfrentaram novas hostilidades e represálias Uganda em 10 de julho e enfrenta acusações com base na lei de “agentes estrangeiros”, de assassinato, terrorismo, traição, violação enquanto seu acesso a fundos do exterior foi dos direitos humanos, sequestro e restringido ainda mais por uma nova lei que recrutamento de menores tanto em Uganda bania organizações “indesejáveis”. Cada vez quanto na RDC. mais pessoas foram presas e processadas Em 2 de setembro, iniciou-se o julgamento criminalmente por criticar políticas estatais do ex-general congolês Bosco Ntaganda e exibir publicamente ou possuir materiais perante o TPI. Ele estava sendo processado considerados extremistas ou ilegais com por 13 acusações de crimes de guerra e base em leis de segurança nacional de cinco acusações de crimes contra a natureza vaga. Quatro pessoas foram humanidade – incluindo assassinato, estupro processadas com base em uma lei de 2014 e escravidão sexual, bem como o que tipificava como delito penal a infração recrutamento forçado e uso de crianças reiterada de uma lei sobre reuniões soldados – presumidamente cometidos em públicas. A profundidade dos problemas do 2002-2003, na província de Ituri. sistema judicial ficou ainda mais explícita Dois líderes das FDLR, Ignace com alguns casos de grande repercussão; Murwanashyaka e Straton Musoni, foram uma nova lei deu ao Tribunal Constitucional sentenciados por um tribunal na Alemanha, a autoridade para revogar decisões do

Anistia Internacional – Informe 2015/16 205 Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Os opõem ao presidente Bashar al-Assad. refugiados enfrentaram várias dificuldades Relatou-se um grande número de mortes de para ter acesso à proteção internacional. civis, o que foi negado pela Rússia. Em 24 de Graves violações de direitos humanos novembro, a Turquia derrubou um avião continuaram ocorrendo no norte do militar russo que supostamente teria invadido Cáucaso, e os defensores dos direitos seu espaço aéreo, provocando recriminações humanos que informavam o que acontecia mútuas e uma crise diplomática entre os dois na região eram alvo de hostilidades. países.

INFORMAÇÕES GERAIS LIBERDADE DE EXPRESSÃO Frente ao crescente isolamento internacional A liberdade de imprensa continuou e ao agravamento dos problemas econômicos severamente restrita, por meio do controle da Rússia, as autoridades buscaram direto do Estado e de autocensura. A política consolidar a opinião pública em torno dos editorial da maioria dos órgãos de imprensa ideais de unidade e patriotismo, de “valores reproduzia fielmente o ponto de vista oficial tradicionais” e do medo de supostos inimigos sobre os principais acontecimentos externos e internos do país. Pesquisas de domésticos e internacionais. opinião mostravam um nível invariavelmente As autoridades ampliaram seu controle alto de apoio ao Presidente Putin. Críticos do sobre a internet. Milhares de sites e páginas governo foram taxados nos meios de da internet foram bloqueados pelos comunicação dominantes como provedores de acesso por ordem do “antipatrióticos” e “contrários ao Estado Roskomnadzor, o órgão regulador da mídia. russo”, tendo às vezes sido alvo de Entre os sites que tiveram seu direito à agressões. Em 27 de fevereiro, um dos mais liberdade de expressão violado estavam os de proeminentes ativistas de oposição da Rússia, sátira política, os que divulgavam informações Boris Nemtsov, foi morto a tiros nas LGBTI, informações sobre manifestações proximidades do Kremlin. Pessoas enlutadas públicas e textos religiosos. Um número que quiseram prestar-lhe uma homenagem crescente, embora ainda pequeno, de no local de sua morte foram hostilizadas por pessoas estava sendo processado autoridades municipais e apoiadores do criminalmente por postagens feitas na governo. internet, geralmente com base na legislação O governo continuou a rejeitar as de combate ao extremismo; a maioria evidências crescentes do envolvimento militar recebeu multas. russo na Ucrânia, enquanto o Presidente Yekaterina Vologzheninova, uma Putin decretava em maio que as perdas de comerciária de Yekaterimburgo, foi a vidas entre os militares durante “operações julgamento em 27 de outubro pelas especiais” em tempos de paz eram segredo postagens satíricas que fez nas mídias sociais de Estado.1 em 2014, criticando a anexação russa da As autoridades calculavam que, até Crimeia e o envolvimento militar do país no novembro, 2.700 cidadãos russos haviam se leste da Ucrânia. A promotoria argumentou juntado ao grupo armado Estado Islâmico (EI) que ela havia incitado a violência e na Síria e no Iraque, a maioria proveniente do “promovido o ódio e a animosidade contra norte do Cáucaso. Especialistas autoridades do governo russo, contra os independentes calculavam que esse número voluntários que combatiam no leste da seria maior. Ucrânia e contra um grupo étnico específico, Em 30 de setembro, a Rússia começou os o dos russos”. Seu julgamento ainda ataques aéreos na Síria com o objetivo transcorria no fim do ano.2 declarado de ter como alvo o EI, mas muitas Prosseguiram as intimidações contra vezes também visou outros grupos que se órgãos de imprensa e jornalistas

206 Anistia Internacional – Informe 2015/16 independentes. Os incidentes de violência preso desde 28 de dezembro de 2014 por contra jornalistas independentes acontecidos postagens feitas nas mídias sociais criticando no passado raramente tiveram investigações o papel da Rússia no conflito no leste da efetivas. Dois homens foram presos por Ucrânia e o tratamento dispensado aos participação no espancamento do jornalista tártaros da Crimeia na península ocupada Oleg Kashin, em novembro de 2010, e um pela Rússia. terceiro estava sendo procurado. Um dos Em 10 de novembro, o Tribunal Distrital de suspeitos afirmou ter provas de que o Kirsanovski decidiu que o ambientalista espancamento fora ordenado pelo governador Yevgeny Vitishko deveria ser libertado. Ele já da divisão administrativa de Pskov, o que havia cumprido mais da metade da pena coincidia com as suspeitas de Kashin, mas as desde que foi condenado com base em autoridades preferiram não levar adiante a acusações forjadas às vésperas das investigação da denúncia. Olimpíadas de Inverno de Sochi em 2014. , jornalista da gazeta Entretanto, em 20 de novembro, um dia independente , informou que antes da decisão do tribunal ser cumprida, a uma adolescente de 17 anos da Tchetchênia Promotoria Pública recorreu da decisão. estava sendo forçada a se casar com um Vitishko foi finalmente libertado em 22 de oficial graduado da polícia que tem três vezes dezembro, depois de julgado o recurso. a idade dela e já seria casado. O caso foi amplamente divulgado e causou comoção LIBERDADE DE REUNIÃO pública. O líder tchetcheno O direito à liberdade de reunião pacífica apoiou publicamente o oficial e acusou permaneceu severamente restrito. Houve Milashina de mentir e interferir na vida poucos protestos, que tiveram sua privada do povo tchetcheno. Em 19 de maio, quantidade reduzida desde a introdução de a agência de notícias do governo da restrições em anos anteriores. A permissão Tchetchênia na internet, Grozny-Inform, para fazer passeatas nas ruas foi publicou um artigo com ameaças de morte rotineiramente negada aos organizadores, ou veladas contra Milashina. concedida apenas para eventos fora da área A repressão à liberdade de expressão não central. Quem desafiou a proibição ou as se limitou a jornalistas e blogueiros. Natalya regras foi penalizado com multas e detenção. Sharina, diretora da Biblioteca de Literatura Uma “monstração” (tipo de evento Ucraniana, um órgão público, na capital simulacro das manifestações de rua) que Moscou, foi detida em 28 de outubro por acontece anualmente em Novosibirsk acusações relacionadas ao extremismo. Os parodiando a pomposidade das passeatas do investigadores afirmaram que obras do Dia do Trabalho, não recebeu permissão pela nacionalista ucraniano Dmitry Korchinsky primeira vez desde 2005. Seu organizador, haviam sido encontradas na biblioteca, em Artem Loskutov, foi preso e sentenciado a 10 um lote de livros ainda não catalogado. Ela dias de detenção por infringir a lei de ficou detida numa delegacia de polícia sem reuniões, depois que ele e outros comida, bebida ou roupa de cama até 30 de “monstrantes” resolveram então participar outubro, quando foi posta em prisão das paradas oficiais do Dia do Trabalho. domiciliar, enquanto aguarda possível Pela primeira vez, um manifestante indiciamento.3 pacífico foi condenado com base na lei de Em 15 de setembro, Rafis Kashapov, um 2014 que criminaliza a participação repetida ativista de Naberezhnye Chelny, na República em reuniões não autorizadas. do Tartaristão, foi condenado por incitação ao No dia 7 de dezembro, um tribunal de ódio interétnico e ameaça à integridade Moscou sentenciou Ildar Dadin a passar três territorial da Federação Russa, sendo anos em uma colônia penal por participar sentenciado a três anos de prisão. Ele estava repetidamente de reuniões “não autorizadas”

Anistia Internacional – Informe 2015/16 207 entre agosto e dezembro de 2014. Ele foi negado seu recurso judicial contra a decisão. posto em prisão domiciliar em 30 de janeiro, Após uma inspeção de rotina da organização depois de cumprir 15 dias de detenção por em novembro, o Ministério da Justiça ter participado de um protesto pacífico em concluiu que as críticas de seus integrantes Moscou, contra a condenação de cunho aos processos da Praça Bolotnaya e às político de Oleg Navalny, irmão do ativista políticas russas na Ucrânia “minavam as anticorrupção e líder oposicionista Alex fundações do sistema constitucional” e Navalny. correspondiam a “defender a derrubada do No fim do ano, dois outros manifestantes atual governo e a mudança do regime pacíficos de Moscou, Mark Galperin e Irina político”. O Ministério da Justiça encaminhou Kalmykova, também foram processados suas “conclusões” ao Ministério Público para criminalmente com base na mesma lei. mais investigações. Os prisioneiros de consciência Stepan Em maio, foi aprovada uma lei autorizando Zimin, Aleksei Polikhovich e Denis o Ministério Público a classificar como Lutskevich, que haviam sido detidos em 2012 “indesejável” toda organização estrangeira em razão dos protestos da Praça Bolotnaya, que se considerasse “ameaçar a ordem foram libertados durante o ano, após constitucional do país, a defesa ou a terminarem de cumprir sua pena. Outro segurança do Estado”, com o efeito imediato prisioneiro de consciência, Sergey Krivov, de tornar sua presença e toda atividade em continuou preso; as autoridades processaram seu nome ilegais. Em julho, a Fundação criminalmente pelo menos outras duas Nacional para a Democracia (NED, na sigla pessoas por causa dos protestos de em inglês), com sede nos EUA, foi declarada Bolotnaya. “indesejável”. Outras três organizações doadoras, a Fundação para Sociedades LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO Abertas, a Fundação de Assistência Instituto A liberdade de associação foi restringida para Sociedades Abertas e a Fundação EUA- ainda mais. Até o fim do ano, o Ministério da Rússia para o Progresso Econômico e o Justiça havia registrado 111 ONGs como Estado de Direito, foram declaradas “agentes estrangeiros”, requerendo que as “indesejáveis” em novembro e dezembro. organizações estampassem esse rótulo estigmatizante em todas as suas publicações DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, e que cumprissem exigências onerosas de BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E regulamentação. As ONGs que desafiassem INTERSEXUAIS as determinações receberam pesadas multas. Ativistas LGBTI continuaram a atuar em um Nenhuma ONG teve êxito ao contestar na ambiente de extrema hostilidade. Registrou- Justiça a inclusão de seu nome no registro. se uma grande quantidade de denúncias de Sete organizações foram retiradas do registro discriminação contra lésbicas, gays, depois de renunciarem a qualquer bissexuais, transgêneros e intersexuais. financiamento do exterior, sendo que outras Em 25 de março, um tribunal de São 14 que foram incluídas no registro optaram Petersburgo determinou que o grupo por fechar. “Crianças-404” – uma comunidade online A ONG Centro de Direitos Humanos criada pela jornalista Elena Klimova para Memorial foi multada em 600.000 rublos apoiar adolescentes LGBTI – fosse (8.800 dólares) em setembro, depois que bloqueado. Em julho, um tribunal de Nizhny uma organização afiliada, o Centro Histórico e Tagil, na região de Sverdlovsk, multou Educacional Memorial – que não constava do Klimova em 50.000 rublos (830 dólares) por registro – não marcou suas publicações com fazer “propaganda de relações sexuais não o rótulo de “agente estrangeiro”. A ONG tradicionais entre menores”. Em 2 de Centro de Direitos Humanos Memorial teve outubro, um tribunal de São Petersburgo

208 Anistia Internacional – Informe 2015/16 determinou que a página deveria ser advogado a havia convencido a se declarar desbloqueada. culpada para reduzir sua provável sentença As autoridades continuaram a violar os de 20 para 12 anos. Em 3 de fevereiro, ela foi direitos das pessoas LGBTI à reunião libertada e, em 13 de março, diferente do pacífica. Em maio, o ativista Nikolay Alekseev que costuma acontecer em outros casos de tentou realizar uma marcha do Orgulho traição, o processo criminal contra ela foi LGBTI não autorizada em Moscou. O evento encerrado. resultou em confronto com manifestantes Em setembro, teve início o julgamento de anti-LGBTI e em 10 dias de detenção para Nadezhda Savchenko, cidadã ucraniana e três ativistas LGBTI, entre os quais Nikolay membro do batalhão voluntário Aidar. Ela foi Alekseev. Em São Petersburgo, os ativistas acusada de fazer disparos de artilharia com o conseguiram realizar algumas atividades propósito deliberado de matar dois jornalistas públicas sem interferência da polícia. russos durante o conflito na Ucrânia em junho de 2014. Ela insistiu em afirmar que o SISTEMA DE JUSTIÇA caso contra ela foi forjado e que os Vários julgamentos de alta repercussão depoimentos que a incriminavam, inclusive evidenciaram as falhas profundas e de várias testemunhas secretas, eram falsos. generalizadas do sistema de justiça criminal O processo foi marcado por várias falhas da Rússia, como a ausência do princípio de processuais. igualdade processual, o uso de tortura e Em 15 de dezembro, o Presidente Putin outros maus-tratos no curso das sancionou uma nova lei segundo a qual o investigações e a aceitação nos tribunais de Tribunal Constitucional pode pronunciar provas obtidas mediante tortura, o uso de “inaplicáveis” as decisões do Tribunal testemunhos secretos e outras provas Europeu de Direitos Humanos e de outras secretas que a defesa não tem como cortes internacionais caso estas “violem” a contestar, e a negação do direito a ser “supremacia” da Constituição russa. representado por um advogado de própria escolha. Menos de 0,5% dos julgamentos DIREITOS DOS REFUGIADOS E DOS resultaram em absolvição. MIGRANTES O caso de Svetlana Davydova era um dos Segundo dados oficiais, nos primeiros nove cada vez mais numerosos processos por meses do ano, 130.297 pessoas receberam suposta alta traição e espionagem, com base asilo temporário, das quais 129.506 eram da em delitos vagamente definidos introduzidos Ucrânia e 482 da Síria. Somente 96 dos em 2012. Ela foi presa em 21 de janeiro por 1.079 pedidos de refúgio permanente foram causa de uma ligação telefônica que havia concedidos, nenhum deles de cidadãos feito oito meses antes para a Embaixada da sírios. De acordo com as ONGs, inúmeros Ucrânia a fim de compartilhar suas suspeitas obstáculos, como corrupção e desinformação de que soldados da cidade onde ela morava, proposital, visavam desencorajar os pedidos Vyazma, na divisão de Smolensk, estavam de asilo temporário ou permanentes por parte sendo enviados para combater no leste da de pessoas em busca de proteção Ucrânia. O advogado que lhe foi designado internacional. pelo Estado declarou à imprensa que ela Uma família de seis refugiados da Síria, havia “confessado tudo” e que preferia não incluindo quatro crianças, ficou retida na área recorrer contra sua detenção porque “todas de trânsito internacional do aeroporto essas audiências e o estardalhaço da mídia Sheremetyevo em Moscou por mais de dois [causariam] um trauma psicológico meses. No dia 10 de setembro, agentes de desnecessário em seus filhos”. No dia 1° de fronteira recusaram sua entrada dizendo que fevereiro, dois novos advogados assumiram o seus documentos de viagem eram falsos. Em caso. Ela se queixou de que o primeiro 19 de novembro, o Tribunal Municipal de

Anistia Internacional – Informe 2015/16 209 Khimki multou-os em 10.000 rublos (150 dólares) por tentarem entrar no país com 1. Making troop deaths a secret ‘attacks freedom of expression’ (News documentos falsificados; no dia seguinte, eles story, 28 May) foram registrados como requerentes de asilo 2. Russian Federation: Prosecuted for criticizing government: Yekaterina e transferidos para a região de Tver, com Vologzheninova (EUR 46/2682/2015) ajuda da ONG Comitê de Assistência Cívica. 3. Federation: Natalya Sharina. Librarian detained for holding Houve constantes relatos de devolução ‘extremist books’ (EUR/2900/2015) forçada de pessoas para o Uzbequistão e 4. Russian Federation: Joint Mobile Group office ransacked by mob (EUR outros países da Ásia Central, onde corriam o 46/1802/2015) risco de ser submetidas à tortura e outras violações graves dos direitos humanos. SÍRIA NORTE DO CÁUCASO Foram registrados menos ataques de grupos República Árabe da Síria armados no norte do Cáucaso do que em Chefe de Estado: Bashar al-Assad anos anteriores. Chefe de governo: Wael Nader al-Halqi Os órgãos de aplicação da lei insistiram em recorrer às operações de segurança como Forças do governo e grupos armados não método de combate aos grupos armados, e estatais impunemente cometeram crimes de continuaram suspeitos de praticar guerra, outras violações do direito desaparecimentos forçados, detenções internacional humanitário e graves abusos ilegais, tortura e outros maus-tratos contra os dos direitos humanos no conflito armado detidos. interno. As forças do governo realizaram As informações sobre a situação dos ataques indiscriminados ou que visaram direitos humanos na região diminuíram diretamente os civis, como o bombardeio de significativamente, devido à severa repressão áreas residenciais civis e de centros aos defensores de direitos humanos e aos médicos, com artilharia, morteiros, bombas jornalistas independentes, que rotineiramente de barril e, supostamente, agentes eram submetidos a hostilidades, ameaças e químicos, matando civis de forma ilegal. As violência, inclusive por agentes de aplicação forças governamentais também impuseram da lei e grupos pró-governo. cercos prolongados, encurralando os civis e Em 3 de junho, uma multidão agressiva privando-os de comida, cuidados médicos e cercou o edifício do Grupo Móvel Conjunto, outras necessidades. As forças de segurança uma organização de direitos humanos, na prenderam de modo arbitrário e capital da Tchetchênia, Grósni. Homens continuaram a deter milhares de pessoas, mascarados entraram à força no escritório, inclusive ativistas pacíficos, defensores dos destruindo o que havia dentro e obrigando os direitos humanos, trabalhadores funcionários a sair.4 Até o fim do ano nenhum humanitários, profissionais da imprensa e suspeito havia sido identificado. crianças. Alguns foram submetidos a Em 6 de novembro, o escritório e desaparecimento forçado e outros a residência do defensor dos direitos humanos detenções prolongadas ou julgamentos Magomed Mutsolgov na República da injustos. As forças de segurança Inguchétia foi revistado por agentes de sistematicamente torturaram ou maltrataram aplicação da lei armados, que confiscaram os detidos com impunidade; entre 2011 e documentos e equipamentos de TI. Segundo 2015, milhares morreram em consequência Mutsolgov, o mandado que autorizava a de tortura e outros maus-tratos. Grupos busca afirmava que ele estava “agindo armados não estatais, que controlavam conforme os interesses dos EUA, da Geórgia, algumas áreas e disputavam outras, da Ucrânia e da oposição síria”. bombardearam indiscriminadamente e

210 Anistia Internacional – Informe 2015/16 sitiaram áreas predominantemente civis. O março, a resolução 2209 condenou o uso de grupo armado Estado Islâmico (EI) sitiou os cloro como arma de guerra, afirmando que os civis nas áreas controladas pelo governo, culpados por seu uso deveriam ser efetuou ataques diretos contra civis e outros responsabilizados e apoiando o uso de ações ataques indiscriminados, como atentados militares, sanções econômicas e outros meios suicidas, ataques supostamente com contra quem não cumprisse a determinação. agentes químicos e outros tipos de Em agosto, a resolução 2235 pedia que um bombardeios em áreas civis, além de Mecanismo Conjunto de Investigação perpetrar inúmeros homicídios ilegais, apontasse a responsabilidade pelo uso de inclusive de pessoas capturadas. As forças armas químicas na Síria. comandadas pelos Estados Unidos As iniciativas da ONU para intermediação realizaram ataques aéreos contra o EI e da paz, com base num cessar-fogo gradual outros alvos, matando grande número de em Alepo e ou em conversações multilaterais, civis. Em setembro, a Rússia começou a foram infrutíferas. Negociações internacionais realizar ataques aéreos e lançou mísseis de conhecidas como “Processo de Viena” navios contra áreas controladas por grupos visavam ao estabelecimento de conversações armados de oposição e alvos do EI, matando diretas entre o governo sírio e as forças de centenas de civis. No fim do ano, a ONU oposição em janeiro de 2016. calculava que o conflito havia causado a A Comissão de Inquérito internacional morte de 250.000 pessoas, forçado o independente sobre a República Árabe da desalojamento de 7,6 milhões de pessoas Síria, criada em 2011 pelo Conselho de dentro do país e levado 4,6 milhões a Direitos Humanos da ONU, continuou a buscar refúgio no exterior. monitorar e informar a ocorrência de violações do direito internacional cometidas INFORMAÇÕES GERAIS pelas partes no conflito, embora tenha O conflito armado interno na Síria, que permanecido impedida pelo governo de começou após os protestos contra o governo entrar na Síria. em 2011, intensificou-se durante o ano. As Uma coalizão internacional de países forças governamentais e seus aliados, como o comandada pelos EUA continuou a realizar Hizbollah libanês e os combatentes iranianos, ataques aéreos contra o EI e alguns outros controlavam o centro da capital Damasco e a grupos armados no norte e no leste da Síria. maior parte do oeste da Síria, enquanto uma Os ataques, que começaram em setembro de variedade de grupos armados não estatais 2014, segundo informações, mataram controlava ou disputava outras áreas, às dezenas de civis. No dia 30 de setembro, em vezes se enfrentando entre si. Tratava-se apoio ao governo sírio, a Rússia começou a principalmente de grupos que combatiam as realizar ataques aéreos que seriam contra o forças governamentais, como os afiliados ao EI, mas que visaram principalmente grupos Exército Livre da Síria, e outros como o Ahrar armados que combatiam tanto o governo Al-Sham, a Frente Al-Nusra (braço sírio da Al- quanto o EI, tendo disparado, em outubro, Qaeda), o Estado Islâmico (EI) e forças do mísseis de cruzeiro contra alvos na Síria. Os Governo Autônomo estabelecido nos enclaves ataques russos, segundo informações, teriam de predominância curda ao norte da Síria. matado centenas de civis. As divisões internas no Conselho de Vários ataques dentro da Síria, que se Segurança da ONU impossibilitaram as acredita serem de Israel, tinham como alvo o iniciativas para buscar a paz, mas o Conselho Hizbollah, posições do governo sírio e outros adotou várias resoluções sobre a Síria. Em combatentes. fevereiro, a resolução 2199 requeria que os Estados impedissem a transferência de armas e fundos ao EI e à Frente Al-Nusra. Em

Anistia Internacional – Informe 2015/16 211 CONFLITO ARMADO INTERNO – Leste, Daraya e Yarmouk, expondo os VIOLAÇÕES COMETIDAS POR FORÇAS DO moradores à inanição e privando-os de GOVERNO acesso a cuidados médicos e outros serviços básicos, enquanto eram submetidos a Ataques indiscriminados ou que visavam repetidos ataques aéreos, bombardeios de diretamente os civis artilharia e outros tipos de ataque. O governo e as forças aliadas continuaram a As forças do governo, inclusive cometer crimes de guerra e outras sérias combatentes do Hizbollah libanês, violações do direito internacional, como começaram em julho a impor um cerco a ataques diretos contra civis e ataques Zabadani e outras cidades e povoados indiscriminados. As forças governamentais próximos, ao sul da Síria, desalojando à força repetidamente atacaram áreas controladas ou milhares de civis para Madaya, que as forças disputadas por grupos armados de oposição, do governo também cercaram e matando e ferindo civis, bem como avariando bombardearam indiscriminadamente, bens civis, em ataques ilegais. Efetuaram provocando a morte de civis. ataques indiscriminados e ataques diretos contra áreas residenciais civis, inclusive com Ataques a trabalhadores e centros médicos bombardeio aéreo e de artilharia, geralmente As forças do governo continuaram tendo utilizando bombas de barril não guiadas de como alvos centros de saúde e pessoal da alto poder explosivo lançadas de helicópteros. área médica nas regiões controladas por Os ataques provocaram grande número de grupos armados de oposição. Em diversas mortes e ferimentos de civis, inclusive ocasiões, bombardearam hospitais e outros crianças. Por exemplo, um ataque com centros médicos, impediram ou restringiram bomba de barril em Baideen, no governorado a inclusão de suprimentos médicos nas de Alepo, em 5 de fevereiro, deixou pelo entregas de ajuda humanitária às áreas menos 24 civis mortos e 80 feridos. Um sitiadas ou de difícil acesso, atrapalhando ou ataque aéreo no mercado de Sahat al- impedindo a prestação de cuidados médicos Ghanem em Duma, no dia 16 de agosto, nessas regiões e detendo trabalhadores e matou aproximadamente 100 civis e deixou voluntários da área médica. A ONG Médicos centenas de feridos. Segundo o Centro para pelos Direitos Humanos acusou as forças do Documentação de Violações, uma ONG síria, governo de atacar o sistema de saúde de bombardeios aéreos foram responsáveis por forma sistemática nas áreas controladas por metade das mortes de civis. grupos armados de oposição, além de As forças do governo também efetuaram responsabilidade pelas mortes da grande centenas de ataques supostamente com gás maioria dos 697 profissionais de saúde de cloro em áreas controladas por grupos mortos na Síria entre abril de 2011 e armados não estatais, principalmente no novembro de 2015. governorado de Idleb, causando a morte de civis. Em um ataque em 16 de março, CONFLITO ARMADO INTERNO – ABUSOS helicópteros do governo teriam lançado COMETIDOS POR GRUPOS ARMADOS bombas de barril contendo cloro sobre Grupos armados não estatais cometeram Sermin e arredores, no governorado de Idleb, crimes de guerra, outras violações do direito matando uma família de cinco pessoas e internacional humanitário e graves abusos ferindo cerca de 100 civis. dos direitos humanos.

Cercos e privação de ajuda humanitária Uso de armas indiscriminadas e ataques diretos Forças do governo impuseram bloqueios contra os civis prolongados a áreas predominantemente civis Forças do EI realizaram ataques diretos de Damasco e arredores, inclusive Ghouta contra civis, além de ataques

212 Anistia Internacional – Informe 2015/16 indiscriminados. Segundo informações, o EI executou sumariamente Faisal Hussein al- também lançou ataques químicos usando gás Habib e Bashir Abd al-Ladhim al-Salem, dois de cloro e gás mostarda. A Sociedade Médica ativistas pacíficos que teriam documentado Sírio Americana afirmou que seus os abusos do EI. funcionários trataram mais de 50 civis com Em 5 de julho, o EI divulgou um vídeo que sintomas que indicavam exposição a agentes mostrava alguns de seus soldados crianças químicos, depois que forças do EI dispararam aparentemente matando a tiros soldados do morteiros e bombas de artilharia contra governo capturados, diante de uma multidão Marea, uma cidade no governorado de Alepo, em um anfiteatro de Palmira. As forças do EI em 21 de agosto. Um bebê morreu em deliberadamente destruíram tempos antigos e consequência da exposição. outras obras culturais em Palmira, depois que As forças do EI atacaram reiteradamente as o local, designado pela UNESCO como áreas sob controle curdo. Pelo menos 262 Patrimônio da Humanidade, caiu sob controle civis foram mortos em ataques direitos do EI do grupo em maio. Em agosto, o EI decapitou contra civis na cidade de Kobani em 25 de Khaled al-Asaad, chefe de antiguidades de junho. Palmira, depois de mantê-lo detido desde O EI e outros grupos armados empregaram maio. armas explosivas de pouca precisão, como Outros grupos armados também morteiros e bombas de artilharia, em ataques cometeram homicídios ilegais. Em junho, a a áreas residenciais, matando e ferindo civis. Frente Al-Nusra teria matado a tiros 20 civis Em agosto, grupos armados teriam lançado de religião drusa em Kalb Loze, Idleb. O centenas de bombas de morteiros contra Jaysh al-Islam executou sumariamente Fuah e Kefraya, dois vilarejos supostos membros do EI que haviam majoritariamente xiitas, e matado 18 civis em capturado, conforme imagens divulgadas em ataques indiscriminados na cidade de Deraa. 25 de junho. Em setembro, combatentes do Jaysh al-Fateh liderados pela Frente Al-Nusra Homicídios ilegais executaram sumariamente 56 soldados As forças do EI executaram de modo sumário capturados do governo, depois de tomarem a soldados do governo que foram capturados, base aérea de Abu al-Dhuhr, em Idleb, em 9 membros de grupos armados rivais, de setembro. profissionais da imprensa e outros civis capturados. Em áreas de al-Raqqa, Deyr al- Cercos e privação de ajuda humanitária Zur e no leste de Alepo controladas pelo Forças do EI encurralaram cerca de 228.000 grupo, o EI impôs sua rígida intepretação da pessoas em bairros controlados pelo governo lei islâmica, frequentemente realizando a leste da cidade de Deyr al-Zur. Ativistas execuções públicas, inclusive de pessoas que locais afirmaram que cinco civis morreram foram acusadas de apostasia, adultério ou em julho por falta de alimentos e cuidados roubo, ou pela orientação sexual real ou médicos. O EI fechou centros de saúde e imaginada das pessoas. teria impedido que mulheres profissionais da Em 30 de janeiro, o EI decapitou o saúde atuassem nas áreas sob seu controle, jornalista sequestrado Kenji Goto e, quatro restringindo o acesso dos civis a cuidados dias depois, queimou até a morte o piloto da médicos. força aérea jordaniana capturado, Muath al- Durante a maior parte do ano, grupos Kasasbeh. Em 3 de março, membros do EI armados não estatais também encurralaram teriam atirado um homem do alto de um cerca de 26.000 pessoas em Zahraa e Nobel, edifício em Tabqa, governorado de al-Raqqa, a noroeste de Alepo. depois apedrejando-o até a morte pelo que acreditavam ser sua orientação sexual. Sequestros No dia 5 de julho em al-Raqqa, O EI Vários grupos armados não estatais, inclusive

Anistia Internacional – Informe 2015/16 213 o EI, praticaram sequestros e tomadas de EUA continuou a realizar seus ataques reféns. aéreos, iniciados em setembro de 2014, Em 23 de fevereiro, forças do EI contra o EI e determinados grupos armados sequestraram cerca de 253 civis de povoados no norte e no leste da Síria. Alguns ataques majoritariamente assírios ao longo do Rio causaram a morte de civis. O Observatório Khabur, em al-Hasakeh. Cerca de 48 foram Sírio de Direitos Humanos informou que 243 mais tarde libertados, mas temia-se pela sorte civis foram mortos em ataques da coalizão na dos que permaneciam desaparecidos, Síria durante o ano. Em 30 de abril, ataques principalmente depois que, em outubro, o EI aéreos da coalizão contra supostos alvos do divulgou um vídeo sobre os sequestrados, EI em Bir Mahli, no governorado de Alepo, mostrando três corpos não identificados. teriam matado 64 civis. Seguiam desconhecidos o destino e o paradeiro da defensora dos direitos humanos ATAQUES DAS FORÇAS RUSSAS , de seu marido, Wa’el A Rússia interveio no conflito em apoio ao Hamada, e de Nazem Hamadi e Samira governo sírio, começando seus ataques Khalil. Os quatro foram sequestrados por aéreos em 30 de setembro principalmente homens armados não identificados em 9 de contra os grupos armados de oposição. dezembro de 2013. Eles foram levados dos Nesse mesmo dia, ataques aéreos russos em escritórios compartilhados pelo Centro de Talbiseh, Zafraneh e Rastan, no governorado Documentação de Violações e pelo Birô de de Homs, teriam matado pelo menos 43 civis. Apoio ao Desenvolvimento Local e Pequenos Em 7 de outubro, forças russas lançaram Projetos, em Duma, uma área controlada pelo mísseis de cruzeiro para a Síria a partir de Jaysh al-Islam e outros grupos armados. navios posicionados no Mar Cáspio. Um dos mísseis matou cinco civis e destruiu pelo CONFLITO ARMADO INTERNO – ABUSOS menos 12 casas em Darat Izza, no COMETIDOS PELO GOVERNO AUTÔNOMO governorado de Alepo. Em 20 de outubro, LIDERADO PELO PYD dois ataques aéreos supostamente da Rússia Ao norte da Síria, o Governo Autônomo atingiram as proximidades de um hospital de liderado pelo Partido de União Democrática campanha em Sermin, no governorado de (PYD, na sigla em curdo) controlava os Idleb, matando 13 civis e interrompendo o enclaves predominantemente curdos de funcionamento do hospital. Em 29 de Afrin, Kobane (também chamado de Ayn al- novembro, um avião supostamente russo Arab) e Jazira. Em julho, depois de expulsar o disparou três mísseis contra um EI, as forças de segurança e a polícia do movimentado mercado em Ariha, Governo Autônomo forçaram o desalojamento governorado de Idleb, matando 49 civis. da população de 10 vilarejos e cidades, como Ao todo, os ataques russos teriam matado Husseiniya em fevereiro, e impediram os pelo menos 600 civis e atingido pelo menos moradores desalojados de retornar a suas 12 unidades médicas em áreas controladas casas em Suluk, uma cidade no governorado ou disputadas por grupos armados não de al-Raqqa. Também efetuaram prisões estatais. arbitrárias, detenções e julgamentos injustos de supostos apoiadores de grupos armados e REFUGIADOS E PESSOAS DESALOJADAS outras pessoas. Segundo informações, as DENTRO DO PAÍS forças de segurança do Governo Autônomo O persistente conflito provocou o fizeram uso de crianças soldados. desalojamento em massa da população. Segundo o ACNUR, o órgão da ONU para os ATAQUES DAS FORÇAS DA COALIZÃO refugiados, cerca de 4,6 milhões de pessoas INTERNACIONAL fugiram da Síria entre 2011 e o fim de 2015, A coalizão internacional comandada pelos inclusive 1 milhão de pessoas que se

214 Anistia Internacional – Informe 2015/16 tornaram refugiadas em 2015. De acordo Salaheddin al-Tabbaa, de 22 anos, com o Escritório das Nações Unidas para a estudante e voluntário do Crescente Vermelho Coordenação de Assuntos Humanitários, Árabe Sírio, morreu em abril enquanto estava aproximadamente 7,6 milhões de pessoas detido, segundo um atestado de óbito que as foram desalojadas dentro da Síria. A metade autoridades entregaram a sua família em dos desalojados era de crianças. Turquia, julho. O laudo afirmava que ele havia morrido Líbano e Jordânia, os países que receberam o de ataque cardíaco. Quando as forças de maior número de refugiados sírios, segurança do governo o detiveram em restringiram o acesso às pessoas que tentam setembro de 2014 seu estado de saúde era fugir do continuado conflito, expondo-as a bom. As autoridades não devolveram o corpo novos ataques e privações na Síria. O Líbano à família, dizendo que ele havia sido e a Jordânia continuaram a bloquear a enterrado. entrada de refugiados palestinos da Síria, deixando-os especialmente vulneráveis. Pelo PRISÕES E DETENÇÕES ARBITRÁRIAS menos 500.000 refugiados sírios chegaram Dezenas de milhares de civis, inclusive por terra ou mar à Europa, mas muitos países ativistas pacíficos, foram detidos pelas forças europeus e outros da região se recusaram a de segurança do governo. Muitos eram acomodar uma parcela razoável das pessoas mantidos em detenção provisória por que fugiam. períodos prolongados, sendo submetidos a torturas ou maus-tratos. Outros eram julgados DESAPARECIMENTOS FORÇADOS de modo injusto perante o Tribunal As forças do governo mantiveram milhares de Antiterrorismo ou tribunais militares de pessoas detidas sem julgamento, geralmente campanha. em condições que configuravam Bassel Khartabil, um ativista pacífico pela desaparecimento forçado. Dezenas de liberdade de expressão na internet, milhares de pessoas continuaram submetidas permanecia detido de forma arbitrária desde a desaparecimento forçado, algumas desde o sua prisão em março de 2012. No fim início do conflito em 2011. Dentre elas daquele ano, ele compareceu brevemente a estavam críticos e oponentes pacíficos do um tribunal militar de campanha, mas não governo, bem como pessoas detidas em lugar tomou conhecimento do resultado da de familiares que as autoridades queriam audiência. Em 3 de outubro de 2015, ele foi prender. transferido da Prisão de Adra para um local Entre as pessoas submetidas a desconhecido. desaparecimento forçado desde 2012 As autoridades libertaram o defensor dos estavam Abd al-Aziz al-Khayyir, Iyad Ayash e direitos humanos Mazen Darwish, diretor do Maher Tahan, integrantes do Corpo de Centro de Mídia e Liberdade de Expressão da Coordenação Nacional para a Mudança Síria, em 10 de agosto, e Hani al-Zitani e Democrática, que foram presos em um posto Hussein Gharir, dois membros do centro, em de controle dos serviços de Inteligência da julho. Os três estavam detidos desde fevereiro Força Aérea em 20 de setembro de 2012. de 2012 e foram julgados pelo Tribunal Antiterrorismo. As acusações contra eles TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS foram posteriormente retiradas. A tortura e outros maus-tratos de pessoas detidas pelos órgãos de segurança e PENA DE MORTE inteligência do governo, assim como nas A pena de morte continuou vigorando para prisões estatais, ainda ocorrem de forma muitos delitos, mas havia poucos detalhes sistemática e disseminada. Essas práticas sobre as sentenças proferidas, e nenhuma continuaram levando inúmeros detidos à informação sobre execuções. morte. O Tribunal Antiterrorismo teria condenado

Anistia Internacional – Informe 2015/16 215 à morte 20 pessoas detidas no presídio países, começou a mediação entre o governo central de Hama por participação em do Sudão do Sul e o Exército Popular de protestos pacíficos, depois de julgamentos Libertação do Sudão/ Movimento flagrantemente injustos em maio e junho. Oposicionista (SPLA/M-IO), em janeiro de 2014. Apesar de diversos acordos de cessar- fogo, o conflito continuou ao longo de 2014 e SUDÃO DO SUL em 2015. Em 3 de março, o Conselho de Segurança República do Sudão do Sul da ONU estabeleceu um regime de sanções Chefe de Estado e de governo: Salva Kiir Mayardit contra o Sudão do Sul, que incluiu a proibição de viagens e o congelamento de Em agosto, depois de mais de 20 meses de bens, tendo como alvo indivíduos suspeitos negociações intermitentes, as partes em de cometer crimes contra o direito conflito do Sudão do Sul finalmente internacional e abusos dos direitos humanos concordaram com os termos de um acordo ou de ameaçar a paz, a segurança ou a de paz abrangente. No entanto, apesar do estabilidade do país. acordo de paz e de uma declaração de Em 12 de março, a IGAD anunciou um cessar-fogo subsequente, o conflito novo mecanismo a fim de exercer uma continuou em diversas partes do país, ainda pressão mais combinada sobre as partes que com menor intensidade que antes. beligerantes para resolver o conflito. Este Todas as partes desrespeitaram os direitos incluiu os três mediadores da IGAD, além de humanos internacionais e o direito cinco representantes da União Africana internacional humanitário durante o (Argélia, Chade, Nigéria, Ruanda e África do conflito, mas ninguém foi responsabilizado Sul), a ONU, a UE, a China, o Fórum de por crimes contra o direito internacional Parceiros da IGAD e a Troika (Noruega, Reino cometidos no contexto do conflito armado Unido e Estados Unidos). interno. Cerca de 1,6 milhão de pessoas Em 27 de agosto, o Presidente Kiir assinou continuaram sendo desalojadas de suas um acordo de paz que tinha sido firmado 10 casas em todo o país, e aproximadamente dias antes pelo líder da oposição e ex-vice- 600 mil pessoas buscaram refúgio em presidente Riek Machar. O acordo forneceu países vizinhos. Pelo menos 4 milhões de um quadro de referência para que as partes pessoas enfrentaram escassez de alimentos. encerrem as hostilidades e abordou uma O governo não tomou medidas para ampla gama de assuntos, entre os quais: concretizar o direito à saúde. Agentes de partilha de poder, medidas de segurança, segurança reprimiram vozes independentes assistência humanitária, medidas e críticas da oposição, da imprensa e da econômicas, justiça e reconciliação, e os sociedade civil. parâmetros de uma Constituição permanente.1 INFORMAÇÕES GERAIS As Forças de Defesa do Povo de Uganda, O conflito armado, que eclodiu em dezembro que lutavam ao lado do governo do Sudão do de 2013, opôs as forças leais ao Presidente Sul, começaram a retirar suas tropas em Salva Kiir àquelas leais ao ex-vice-presidente outubro, conforme o acordo de paz. Riek Machar. Grupos de milícias armadas Em 3 de novembro, o governo e o SPLA/M- aliados a cada lado participaram do IO assinaram um acordo para um cessar-fogo confronto, que continuou ao longo de 2015, permanente e medidas de segurança mas de forma mais esporádica do que antes. transitórias, o que criou um compromisso de A Autoridade Intergovernamental para o ambos os lados com a desmilitarização da Desenvolvimento (IGAD), uma organização capital, Juba, e outras cidades principais. Em regional do Leste Africano composta por oito dezembro, o SPLA/M-IO enviou uma

216 Anistia Internacional – Informe 2015/16 delegação de membros a Juba como parte da 2015. O governo e grupos jovens aliados equipe preliminar que preparará a lideraram uma ofensiva em 28 aldeias nos implementação do acordo de paz. condados de Rubkona, Guit, Leer e Koch, no O mandato da Missão das Nações Unidas estado de Unity, no fim de abril e começo de no Sudão do Sul (UNMISS) foi renovado em maio. Eles incendiaram aldeias inteiras, dezembro para incluir: proteção de civis, espancaram e mataram civis, roubaram gado monitoramento e investigação de violações de e outros bens, queimaram pessoas vivas, direitos humanos, garantia de entrega de cometeram atos de violência sexual e ajuda humanitária e apoio à aplicação do sequestraram mulheres e crianças. Em acordo de paz. outubro, os confrontos no sul e no centro do estado de Unity se intensificaram, com graves CONFLITO ARMADO INTERNO consequências para os civis. Milhares de O conflito se concentrou no nordeste do país, pessoas foram obrigadas a fugir em busca de em partes dos estados de Jonglei, Unity e segurança, proteção e assistência, das quais Alto Nilo, sendo marcado por períodos de cerca de 6.000 chegaram ao campo de calma e outros de violência intensa. Ambos Proteção de Civis da UNMISS, em Bentiu. os lados continuaram a se envolver em Outras pessoas fugiram para Nyal e Ganyiel, confrontos, apesar do acordo de paz de no sul do estado de Unity, abrigando-se em agosto, das declarações de cessar-fogo pântanos e florestas. permanente e do acordo sobre medidas de Embora 1.755 crianças soldados tenham segurança de novembro. Mais de 20 forças sido libertadas pelo grupo armado Facção armadas diferentes estavam envolvidas, Cobra em março, na Área Administrativa da incluindo forças do governo apoiadas por Grande Pibor, os sequestros de crianças soldados ugandeses, de um lado, e uma série continuaram ao longo do ano. Por exemplo, de facções rebeldes, de outro. Jovens dezenas de crianças, algumas com apenas armados entraram em confronto 13 anos, foram sequestradas de Malakal em regularmente com as forças do governo em fevereiro, e há relatos de que centenas foram partes do estado de Equatória Ocidental. levadas das aldeias de Kodok e Wau Shilluk, Ambas as forças do governo e da oposição ao norte, no começo de junho. O Fundo das desconsideraram os direitos humanos Nações Unidas para a Infância (UNICEF) internacionais e o direito internacional estimou em novembro que mais de 16.000 humanitário. Ambos os lados atacaram crianças estavam associadas a forças ou deliberadamente civis, muitas vezes com grupos armados. base em sua etnia ou suposta afiliação A violência sexual e baseada em gênero política. Atacaram civis abrigados em relacionada ao conflito foi generalizada, hospitais e locais de culto; executaram inclusive com casos de escravidão sexual e combatentes capturados; sequestraram e incidentes de estupro coletivo de meninas detiveram civis arbitrariamente; incendiaram com apenas 8 anos. Houve também casos de casas; danificaram e destruíram instalações castração de homens e meninos. médicas; saquearam propriedade pública e privada, bem como lojas de alimentos e ajuda SISTEMA DE JUSTIÇA humanitária; e recrutaram crianças para O sistema de justiça criminal sofreu com servir em suas forças armadas. As partes do grave falta de recursos e de capacidade em conflito também atacaram, detiveram, áreas críticas, como investigação e análise assediaram e ameaçaram regularmente forense. Esse cenário foi dificultado ainda trabalhadores humanitários e funcionários da mais por interferência ou falta de cooperação UNMISS. de parte dos órgãos de segurança e do poder A violência no estado de Unity, que havia executivo. Casos envolvendo abusos dos diminuído, intensificou-se a partir de abril de direitos humanos também foram

Anistia Internacional – Informe 2015/16 217 prejudicados pela ausência de programas de organizações que fizeram campanha ao longo apoio às vítimas e de proteção a de 2015 para o CPSUA publicar o relatório do testemunhas. inquérito.2 O sistema de justiça não garantiu o direito Em 27 de outubro, o CPSUA publicou o ao devido processo legal e a julgamentos relatório. O documento encontrou provas de justos. Violações de direitos humanos violações sistemáticas de direitos humanos e comuns incluíram prisões e detenções crimes contra o direito internacional, arbitrárias, tortura e outros maus-tratos, cometidos por ambas as partes no conflito, prisões preventivas prolongadas e negação do geralmente com extrema brutalidade. O direito a um advogado. relatório encontrou provas convincentes de O conflito armado interno exacerbou os execuções extrajudiciais, inclusive de desafios preexistentes no sistema de justiça, assassinatos motivados por etnia. em particular nos estados de Jonglei, Unity e Depoimentos dados à AUCISS indicaram de Alto Nilo. A militarização e a deserção de forma consistente que cerca de 15 a 20 mil muitos policiais prejudicaram gravemente a pessoas da etnia nuer foram assassinadas capacidade de aplicação da lei. durante os primeiros três dias de conflito (15-18 de dezembro de 2013). O relatório FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS também encontrou evidências de tortura e As autoridades não responsabilizaram mutilação de corpos; sequestros; ninguém por crimes contra o direito desaparecimentos forçados; saques e internacional cometidos durante o conflito pilhagens; vítimas forçadas a se envolver em armado, ou não conduziram investigações atos de canibalismo; e vítimas obrigadas a se completas e imparciais desses crimes. atirar ao fogo. Provas convincentes foram O acordo de paz de agosto previu a criação encontradas em apoio às acusações de de três mecanismos: a Comissão da Verdade, violência sexual sistemática, que foi uma Reconciliação e Cura; a Autoridade de característica comum das atrocidades Indenização e Reparações; e um Tribunal cometidas por ambos os lados. A AUCISS Híbrido do Sudão do Sul. O mandato da concluiu que houve grande probabilidade de Comissão da Verdade, Reconciliação e Cura o estupro ter sido usado como arma de abrange o processo de construção de paz e guerra. inclui crimes baseados em gênero e violência A AUCISS recomendou que aqueles com a sexual. O mandato da Autoridade de maior responsabilidade pelas atrocidades Indenização e Reparações busca compensar sejam processados e que as necessidades as perdas de bens ocorridas durante o das vítimas, como indenizações, sejam conflito. O Tribunal Híbrido teria competência levadas em consideração. A Comissão pediu sobre crimes contra o direito internacional e a criação de um mecanismo legal africano ad crimes estipulados pela legislação pertinente hoc sob a liderança da UA, bem como outros do Sudão do Sul. mecanismos para a justiça transicional Em 2014, o Conselho de Paz e Segurança similares às disposições do acordo de paz de da UA (CPSUA) estabeleceu uma Comissão agosto. Também recomendou a reforma dos de Inquérito da UA sobre o Sudão do Sul sistemas de justiça civil, penal e militar, de (AUCISS), presidida pelo ex-presidente maneira a contribuir para a garantia da nigeriano Olusegun Obasanjo, para investigar prestação de contas. violações e abusos dos direitos humanos cometidos durante o conflito armado no DIREITO À SAÚDE – SAÚDE MENTAL Sudão do Sul. Seu mandato incluiu a Os graves abusos de direitos humanos recomendação de medidas para garantir a sofridos e testemunhados no Sudão do Sul prestação de contas e a reconciliação. A tiveram severas consequências para a saúde Anistia Internacional estava entre as mental de muitas pessoas, assim como a

218 Anistia Internacional – Informe 2015/16 incidência generalizada de deslocamentos árabe Al Rai. Diversos jornais tiveram edições forçados, as privações, a destruição ou perda apreendidas, algumas de modo temporário, de meios de subsistência, a perda da família outras inteiramente confiscadas. O Serviço de e da comunidade, a alimentação e abrigos Segurança Nacional também fechou duas inadequados. Estudos recentes identificaram estações de rádio. níveis extremamente altos de transtorno de Um professor sênior na Universidade de estresse pós-traumático e depressão entre as Juba teve de deixar o país por causa de populações do Sudão do Sul. Apesar dessa temores com sua segurança, após apresentar necessidade esmagadora, os serviços de e moderar um debate sobre um controverso saúde mental são quase inexistentes. decreto presidencial publicado em outubro, Durante o ano, apenas um hospital público que estabelecia 28 estados. no país ofereceu assistência psiquiátrica, com As forças de segurança continuaram a a ala de internação contendo só 12 leitos. cometer desaparecimentos forçados, prisões Pessoas com sérios problemas de saúde arbitrárias e detenções prolongadas, tortura e mental foram rotineiramente encarceradas outros maus-tratos. Desde o início do conflito, em prisões. Com pouco ou nenhum cuidado o Serviço de Segurança Nacional, a médico, presos com doenças mentais Inteligência Militar e membros da força costumavam ser mantidos acorrentados, nus policial têm reprimido supostos dissidentes ou em solitárias. políticos, muitos dos quais foram detidos em violação ao direito internacional. LIBERDADE DE EXPRESSÃO O espaço para jornalistas, defensores dos MUDANÇAS LEGAIS direitos humanos e sociedade civil realizarem Em abril, o Sudão do Sul se tornou parte da seu trabalho sem intimidação continuou a Convenção da ONU contra a Tortura e seu diminuir, como tem acontecido desde o início Protocolo Facultativo; da Convenção da ONU do conflito. As autoridades, especialmente o sobre os Direitos da Criança e seus Serviço de Segurança Nacional, assediaram e Protocolos Facultativos sobre o envolvimento intimidaram jornalistas, convocando-os para de crianças em conflitos armados e sobre a interrogatórios e prendendo-os e detendo-os venda de crianças, prostituição infantil e arbitrariamente. pornografia infantil; e da CEDAW e seu O repórter Peter Julius Moi foi morto a tiros Protocolo Facultativo. Até o fim do ano, o em Juba, em 19 de agosto, dias após o Sudão do Sul ainda não havia depositado os Presidente Kiir ameaçar de morte repórteres instrumentos de ratificação da Carta Africana que trabalham contra o país, declaração que dos Direitos Humanos e dos Povos e da mais tarde se alegou ter sido tirada de Convenção da UA que Rege os Aspectos contexto. Dois outros jornalistas foram mortos Específicos dos Problemas dos Refugiados na no exercício da profissão, um em maio e África, ainda que o Parlamento tenha outro em dezembro. George Livio, jornalista aprovado sua ratificação em 2014. da Rádio Miraya, permaneceu detido sem Em março, o ministro da Justiça anunciou acusação ou julgamento ao longo do ano; ele que o projeto de Lei sobre o Serviço de tinha sido preso em agosto de 2014, acusado Segurança Nacional tinha se tornado lei, uma de colaborar com rebeldes. vez que o Presidente excedeu o prazo de 30 A versão impressa do Nation Mirror foi dias previsto pela Constituição para consentir fechada em janeiro de 2015, depois de uma ou devolver a legislação ao Parlamento para foto do ex-vice-presidente Machar ter sido revisões, após ele a ter aprovado em outubro colocada acima de uma do Presidente Kiir. de 2014. Houve oposição nacional e Em agosto, o Serviço de Segurança Nacional internacional à aprovação dessa lei, e o fechou o The Citizen, um jornal diário em Presidente não a assinou. A lei concedia inglês, bem como o jornal diário de língua amplos poderes ao Serviço de Segurança

Anistia Internacional – Informe 2015/16 219 Nacional, inclusive poderes de prisão, IMPUNIDADE detenção e apreensão, sem supervisão Houve pouco progresso em lidar com os independente adequada ou salvaguardas crimes contra a humanidade e outras contra abusos. violações dos direitos humanos cometidas O Presidente Kiir devolveu ao Parlamento o pelas forças de segurança indonésias e seus projeto de Lei sobre Organizações Não auxiliares entre 1975 e 1999. Muitos Governamentais, depois de ter sido aprovado supostos perpetradores continuaram em pelo Parlamento no fim de maio. A versão do liberdade na Indonésia. projeto de lei aprovada pelo Parlamento Não se registrou qualquer progresso por continha uma série de disposições restritivas. parte das autoridades em aplicar as O projeto tornaria obrigatório o registro das recomendações da Comissão de ONGs e criminalizaria o trabalho voluntário Acolhimento, Verdade e Reconciliação realizado sem um certificado de registro. (CAVR) e da Comissão da Verdade e da Amizade (CVA) entre a Indonésia e o Timor- Leste relativas à impunidade. Em setembro, 1. South Sudan: Warring parties must fully commit to ensuring um relatório de seguimento do Grupo de accountability for atrocities (News story, 26 August) Trabalho da ONU sobre Desaparecimentos 2. South Sudan: Release of AU Inquiry Report a vital step for resolution Forçados ou Involuntários lamentou que o of crisis (News story, 23 July) Timor-Leste ainda não houvesse debatido um projeto de lei para a criação de um Instituto Público de Memória, visando à aplicação das TIMOR-LESTE recomendações da CAVR e da CVA.

República Democrática do Timor-Leste SISTEMA DE JUSTIÇA Chefe de Estado: Taur Matan Ruak Prosseguiram as denúncias de maus-tratos e Chefe de governo: Rui Maria de Araújo (substituiu Kay uso desnecessário ou excessivo da força Rala Xanana Gusmão em fevereiro) pelas forças de segurança. Os mecanismos de prestação de contas permaneceram Persistiu a impunidade pelas graves fracos. violações de direitos humanos cometidas Dezenas de pessoas foram detidas de durante a ocupação indonésia modo arbitrário e sofreram tortura ou maus- (1975-1999). As forças de segurança foram tratos pelas forças de segurança durante acusadas de prisões arbitrárias e uso operações de segurança conjuntas realizadas desnecessário ou excessivo da força durante no distrito de Baucau entre março e agosto. operações de segurança no distrito de As operações foram efetuadas em resposta Baucau. Os níveis de violência doméstica aos ataques supostamente lançados por permaneceram elevados. Mauk Moruk (Paulino Gama) e seu proscrito Conselho Revolucionário Maubere (KRM) INFORMAÇÕES GERAIS contra a polícia nos subdistritos de Laga e Em fevereiro, Rui Maria de Araújo, líder da Baguia. Organizações locais de direitos Frente Revolucionária de Timor-Leste humanos documentaram dezenas de casos Independente (FRETILIN), tomou posse de espancamentos por parte de agentes de como Primeiro Ministro. O novo governo foi segurança, que também destruíram formado com uma coalizão da maioria dos propriedades de pessoas suspeitas de partidos políticos, inclusive o Congresso pertencer ao KRM.1 Em agosto, Mauk Moruk Nacional para a Reconstrução de Timor- foi morto a tiros. As conclusões do Ouvidor de Leste, de Xanana Gusmão. Em setembro, o Direitos Humanos e Justiça foram publicadas Timor-Leste foi objeto de uma revisão do em novembro. Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança. O sistema de justiça continuou prejudicado

220 Anistia Internacional – Informe 2015/16 pela falta de acesso aos tribunais e pela governo; a liberdade de expressão tanto na ausência do devido processo da lei. A internet quanto fora dela foi fortemente expulsão, em outubro de 2014, de todos os prejudicada. O direito à liberdade de oficiais judiciais internacionais empregados reunião pacífica continuou sendo violado. como juízes, advogados e investigadores Aumentaram os casos de uso excessivo da continuou a lançar dúvidas sobre os força pela polícia e de maus-tratos durante julgamentos ainda por concluir, como os que a detenção. A impunidade por abusos dos tratam de crimes contra a humanidade. direitos humanos persistiu. A independência do Judiciário foi comprometida ainda mais. DIREITOS DAS MULHERES Distintos atentados suicidas com bombas Uma lei de 2010 que previa o processamento atribuídos ao grupo armado Estado Islâmico judicial compulsório de casos de violência (EI) contra ativistas e manifestantes de doméstica continuou sendo usada mesmo esquerda e pró-curdos mataram 139 diante dos questionamentos que suscita. pessoas. Calcula-se que 2,75 milhões de ONGs manifestaram preocupações relativas refugiados e requerentes de asilo tenham ao acesso à Justiça e à proteção limitada para sido acolhidos na Turquia, mas eles foram vítimas e testemunhas, bem como ao cada vez mais submetidos a prisões acúmulo de processos que faz que algumas arbitrárias e deportações, enquanto o mulheres protocolem por si mesmas as governo negociava um acordo de migração ações. com a UE. Em novembro, o Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher INFORMAÇÕES GERAIS recomendou que o Timor-Leste adotasse leis Continuaram durante o ano as nomeações e que assegurassem total reparação às transferências de juízes e promotores por sobreviventes de estupro e de outras formas razões políticas, levando o caos a um de violência sexual ocorridas durante a Judiciário já carente de independência e ocupação indonésia e o referendo de 1999, imparcialidade. Os Tribunais Penais de Paz – bem como que não houvesse impunidade com competência sobre a condução de para a violência sexual cometida durante a investigações criminais, inclusive decisões ocupação. sobre detenções preventivas e provisórias, confisco de bens e recursos contra tais decisões – foram cada vez mais controlados 1. Timor-Leste: Dozens arrested and tortured in Timor-Leste (ASA pelo governo. 57/1639/2015) Em abril, ocorreram comemorações para marcar o 100 aniversário dos massacres dos armênios pelo Império Otomano em 1915, TURQUIA com manifestações pacíficas por todo o país. Não houve qualquer progresso quanto ao República da Turquia reconhecimento pleno dos crimes que foram Chefe de Estado: Recep Tayyip Erdoğan cometidos. Chefe de governo: Ahmet Davutoğlu Nas eleições gerais de junho, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (Partido AK), A situação dos direitos humanos se no governo desde 2002, não conseguiu obter deteriorou de forma acentuada depois das a maioria absoluta no Parlamento, o que foi eleições parlamentares de junho e da alcançado com um novo turno de votação em eclosão de violência entre o Partido dos novembro, quando o partido obteve Trabalhadores Curdos (PKK) e as forças aproximadamente 50% dos votos. armadas curdas em julho. A imprensa O instável processo de paz que se enfrentou uma pressão sem precedentes do mantinha desde 2013 entre o PKK e o Estado

Anistia Internacional – Informe 2015/16 221 se desintegrou em julho. Forças do Estado agosto, mais de 2.000 pessoas haviam sido lançaram ataques contra bases do PKK na detidas por suposta ligação com o PKK, Turquia e no norte do Iraque, enquanto o enquanto mais de 260 foram postas em PKK lançava ataques fatais contra alvos da prisão preventiva. Tiveram início os processos polícia e do exército. Confrontos armados contra indivíduos acusados de pertencer à entre a ala jovem do PKK (YDG-H) e a polícia “Organização Terrorista Fethullah Gülen”, e o exército em centros urbanos causaram a inclusive o próprio Fethullah Gülen, clérigo e morte de um grande número de cidadãos ex-aliado do Partido AK, agora residindo nos comuns. A mobilização massiva de forças de EUA. segurança nas províncias do sudeste em meados de dezembro resultou na LIBERDADE DE EXPRESSÃO intensificação dos combates e, segundo O respeito pela liberdade de expressão se advogados e ativistas locais, na morte de deteriorou. Inúmeros processos penais dezenas de moradores desarmados. O injustos, inclusive com base em leis criminais ministro do Interior afirmou que mais de antiterrorismo e de difamação, foram 3.000 “terroristas” haviam sido mortos desde impetrados contra ativistas políticos, o fim do cessar-fogo. jornalistas e outros críticos das autoridades Depois que o PKK realizou atentados fatais públicas ou das políticas do governo. em setembro, os ataques de multidões Cidadãos comuns com frequência foram nacionalistas se multiplicaram na Turquia, levados aos tribunais por suas postagens em visando principalmente os curdos e suas mídias sociais. propriedades, bem como os escritórios do O governo exerceu uma pressão imensa Partido Democrático dos Povos (HDP), sobre a mídia, tendo como alvo empresas de agremiação de esquerda ligada aos curdos. O comunicação e redes de distribuição digital, Ministério do Interior informou que dois civis visando especificamente os jornalistas mais morreram, 51 ficaram feridos e 69 prédios de críticos, que foram então ameaçados e partidos políticos e 30 residências e lojas atacados fisicamente por agressores foram avariados. O HDP informou a geralmente não identificados. Jornalistas de ocorrência de mais de 400 ataques, inclusive destaque foram demitidos depois de criticar o 126 contra seus escritórios. governo. Sites de notícias, como a maior Prosseguiram os processos judiciais em parte da imprensa curda, foram bloqueados massa baseados em leis antiterrorismo por motivos incertos com base em ordens amplas e vagas. Em março, todos os 236 administrativas emitidas por um Judiciário militares indiciados no caso “Marreta”, um obediente. Jornalistas foram intimidados e golpe para derrubar o governo do Partido AK, agredidos pela polícia enquanto cobriam foram absolvidos depois de um segundo acontecimentos na região Sudeste, de julgamento. Continuaram os procedimentos predominância curda. de recursos no caso “Ergenekon”, em que Em março, o jornalista Mehmet Baransu, civis foram acusados de conspirar para do jornal Taraf, foi detido preventivamente, derrubar o governo. As ações judiciais contra acusado de obter documentos secretos do ativistas políticos curdos por suposta afiliação Estado, sobre os quais ele escreveu em 2010, à União de Comunidades Curdas, ligada ao tendo-os repassado depois aos promotores. Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), Esses documentos fundamentaram o continuaram pendentes, depois da abolição processo por tentativa de golpe no caso em 2014 dos tribunais especiais para julgar “Marreta”. No fim do ano, ele continuava em casos de terrorismo e crime organizado. Com detenção preventiva. a eclosão da violência entre o PKK e as forças No período de seis meses até março, o do Estado em julho, houve uma onda de ministro da Justiça autorizou 105 processos detenções. Calculava-se que, até o fim de penais por insulto ao Presidente Erdoğan,

222 Anistia Internacional – Informe 2015/16 com base no artigo 299 do Código Penal. Oito libertados e deportados dois dias depois; pessoas foram postas em prisão provisória. Mohammed Rasool, jornalista curdo Processos com base nesse artigo, passíveis iraquiano, continuava em detenção provisória de pena de até quatro anos de prisão, no fim do ano. continuaram sendo impetrados durante o Medidas sem precedentes foram tomadas ano. Em setembro, um estudante de 17 anos para silenciar a imprensa sobre as foi condenado por “insulto” depois de ter investigações da “Organização Terrorista chamado o Presidente de “ocupante larápio Fethullah Gülen”. Em outubro, a plataforma do palácio ilegal”. Ele recebeu uma sentença digital privada Digiturk removeu sete canais com pena suspensa de 11 meses e 20 dias de seu serviço. Quatro dias antes das eleições de prisão, de um tribunal de menores da de 1 de novembro, a polícia acompanhou cidade de Konya, na região central da um mandatário judicial do governo e entrou à Anatólia. força na sede do conglomerado de mídia Aconteceu em novembro a primeira Koza İpek, interrompendo as transmissões ao audiência do julgamento da jornalista Canan vivo de dois canais de notícias, Bugün e Coşkun, do jornal Cumhuriyet, acusada de Kanaltürk, e impedindo a impressão dos insultar 10 promotores públicos, quando jornais Millet e Bugün. Os órgãos de denunciou que eles adquiriram imóveis com imprensa que antes faziam oposição valor reduzido devido a sua condição de contundente ao governo reabriram como seus promotores. Ela poderia ser condenada a até ferrenhos defensores. Em novembro, a estatal 23 anos e quatro meses de prisão. Em Türksat, Empresa Turca de Comunicações novembro, o editor-chefe do jornal, Can por Satélite, removeu 13 canais de televisão e Dündar, e seu representante em Ancara, rádio do Grupo de Emissoras Samanyolu. Erdem Gül, foram indiciados por espionagem, Hidayet Karaca, presidente do grupo, passou revelações de segredos de Estado e auxílio a todo o ano em detenção provisória. organização terrorista, depois de uma matéria Em novembro, o presidente da Ordem dos no jornal denunciar que os serviços de Advogados de Diarbaquir e renomado inteligência haviam transferido armas para defensor dos direitos humanos Tahir Elçi foi um grupo armado na Síria em 2014. O então morto a tiros depois de fazer uma declaração primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan à imprensa em Diarbaquir. O responsável afirmara anteriormente que os caminhões ainda não havia sido identificado no fim do levavam ajuda humanitária. Os dois foram ano, em meio a dúvidas sobre a postos em detenção preventiva e imparcialidade e eficácia da investigação. Ele permaneciam encarcerados no fim do ano. começou a receber ameaças de morte depois Caso condenados, poderiam ser sentenciados de ter sido acusado no mês anterior de “fazer à prisão perpétua. propaganda para uma organização terrorista”, O jornalista holandês Frederike Geerdink, por ter dito ao vivo em um canal nacional de residente em Diarbaquir, foi absolvido em televisão que o PKK “não era uma abril de “fazer propaganda para o PKK”, mas organização terrorista, mas um movimento foi detido e deportado depois de fazer uma político armado com apoio significativo”. Sua reportagem em setembro na província de pena seria de até sete anos de prisão. O Yüksekova, no sudeste do país. Em agosto, canal CNN Turquia também foi multado em três jornalistas do Vice News foram 700.000 liras (230.000 euros) por transmitir interrogados pela polícia depois de cobrirem as declarações. os confrontos entre o PKK e as forças de segurança, sendo indiciados por “auxiliar LIBERDADE DE REUNIÃO uma organização terrorista” e postos em O direito de reunião pacífica continuou a ser prisão preventiva. Jake Hanrahan e Philip limitado por lei e negado na prática, Pendlebury, cidadãos britânicos, foram dependendo do motivo do protesto e do perfil

Anistia Internacional – Informe 2015/16 223 dos manifestantes. A prática de detenções foram condenadas num julgamento em arbitrárias em aglomerações de pessoas Istambul em que 255 eram rés, por várias ganhou uma base legal com as emendas acusações baseadas na Lei sobre parlamentares feitas em março como parte Manifestações e Reuniões. Dois médicos do Pacote de Segurança Interna, que foram condenados por “desonrar um local de concedeu à polícia poderes de detenção sem culto”, por terem prestado atendimento de supervisão judicial. Manifestantes pacíficos emergência a manifestantes feridos dentro de continuaram sendo processados e uma mesquita. Outro processo foi aberto em condenados. setembro contra 94 pessoas por terem As tradicionais comemorações pelo Dia do participado de protestos relativos ao Parque Trabalho na Praça Taksim não tiveram Gezi na cidade de Esmirna. licença para acontecer pelo terceiro ano consecutivo. As mesmas razões de uma USO EXCESSIVO DA FORÇA ameaça não especificada à segurança e de Aumentaram drasticamente as denúncias de perturbação do tráfego e do turismo foram uso excessivo da força durante dadas pelas autoridades, que propuseram manifestações. Força letal foi empregada locais alternativos fora da área central da pelas forças de segurança durante operações cidade. Dezenas de milhares de policiais antiterrorismo, com frequência envolvendo cercaram todo o bairro de Taksim e áreas confrontos armados com o YDG-H. Em adjacentes para impedir a circulação de muitos casos, relatos conflitantes e a manifestantes, do trânsito e dos turistas. ausência de investigações efetivas impediram Em junho, pela primeira vez em seus 12 o estabelecimento dos fatos. Em março, as anos de história, as autoridades dispersaram emendas legislativas incluídas no Pacote de com violência a Parada anual do Orgulho Segurança Interna conflitaram com as LGBTI em Istambul, alegando falta de normas internacionais sobre o uso da força. notificação formal e informações sobre Em janeiro, o menino Nihat Kazanhan, de manifestações contrárias. As conversações 12 anos, foi morto a tiros por um policial na entre os organizadores da Parada e as cidade de Cizre, no sudeste do país. As autoridades no período anterior ao evento não autoridades inicialmente negaram o indicavam que a marcha pudesse ser envolvimento da polícia, mas surgiram proibida. A polícia usou força excessiva, com evidências em vídeo que mostravam Nihat gás lacrimogêneo, canhões de água e Kazanhan e outras crianças atirando pedras projéteis de bolas de pimenta contra os nos policiais e, em outra gravação, um manifestantes, tanto durante o dia quanto à policial disparando o fuzil contra uma noite numa festa da Parada. Em novembro, o criança. Nihat Kazanhan foi morto com um governador da província de Istambul negou único tiro na cabeça. O julgamento dos cinco permissão para uma investigação penal sobre policiais prosseguia. a conduta da polícia relativa à Parada. As autoridades locais impuseram toques de Prosseguiram as ações judiciais com base recolher de 24 horas, por vários dias, em acusações forjadas contra os enquanto ocorriam operações de perseguição manifestantes do Parque Gezi. Em abril, um ao YDG-H nas cidades do Sudeste. Durante o tribunal de Istambul absolveu os integrantes toque de recolher, os moradores ficavam do Solidariedade a Taksim, uma organização totalmente proibidos de sair de casa; a água, guarda-chuva que lidera a oposição à a eletricidade e as comunicações eram reurbanização da Praça Taksim e do Parque cortadas e pessoas de fora não podiam entrar Gezi, inclusive cinco que haviam sido na cidade. Os toques de recolher impostos à acusados de “fundar uma organização cidade de Sur, em 11 de dezembro, e às criminosa”. A maioria dos julgamentos cidades de Cizre e Silopi, em 14 de resultou em absolvições, mas 244 pessoas dezembro, continuavam em vigor no fim do

224 Anistia Internacional – Informe 2015/16 ano. prestação de contas pelos abusos policiais cometidos durante os protestos do Parque TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS Gezi em 2013. Em janeiro, policiais e Aumentaram as denúncias de casos de cidadãos comuns foram condenados por maus-tratos em detenção e de outros participação no espancamento que matou o tratamentos desumanos ou degradantes no manifestante Ali Ismail Korkmaz na cidade de contexto de operações policiais ou militares Eskişehir. Em junho, um tribunal de Istambul contra o PKK. condenou um policial que usou spray de Quatro homens acusados de matar dois pimenta em uma manifestante pacífica, que policiais na cidade de Ceylanpınar, sudeste ficou conhecida como “a mulher de do país, afirmaram ter sido brutalmente vermelho”. O julgamento de um policial pela espancados em custódia da polícia em julho morte de Abdullah Cömert e um novo e agosto, primeiro quando estavam sendo julgamento pela morte de Ethem Sarısülük, transferidos para a penitenciária Osmaniye N ambos manifestantes, prosseguiam. 1, na província de Adana, e depois na própria Não foi instaurado qualquer processo pela penitenciária. No fim do ano, eles morte de Berkin Elvan, de 14 anos, nem continuavam em detenção preventiva. pelas centenas de outros casos em que Circularam na internet algumas imagens, pessoas foram feridas pela polícia. Entre possivelmente gravadas por agentes policiais esses, o caso de Hakan Yaman, que foi das operações especiais, que pareciam filmado sendo espancado e jogado numa mostrar o corpo nu e desfigurado de Kevser fogueira por policiais de Istambul, que o Eltürk (Ekin Wan), uma integrante do PKK, deixaram queimar pensando que ele sendo exibido nas ruas da cidade de Varto, morreria. Apesar de ter perdido um olho, ele na província de Muş, a leste do país, depois sobreviveu ao ataque. Passados dois anos e de confrontos com as forças do Estado em meio, os policiais que aparecem no vídeo não agosto. Uma fotografia mostrava o corpo de foram identificados. Hacı Lokman Birlik sendo arrastado na Dois processos foram instaurados com traseira de um veículo blindado da polícia na relação aos protestos ocorridos na cidade de província de Şırnak, sudeste do país, em Kobane, sudeste da Turquia, em outubro de outubro. Uma autópsia que teria sido 2014, que deixaram mais de 40 mortos. Um realizada no corpo registrou 28 tiros. As deles, aberto em março, era contra jovens autoridades informaram que ambos os que supostamente apoiavam o PKK, pela incidentes estavam sendo investigados. morte de quatro pessoas em Diarbaquir. O outro, em junho, era contra 10 seguranças IMPUNIDADE privados e parentes do prefeito municipal, do Persistiu a impunidade por abusos contra os Partido AK, por terem matado a tiros três direitos humanos cometidos por agentes manifestantes em Kurtalan, na província de públicos. Investigações foram prejudicadas Siirt. Entretanto, as investigações de muitos pela sonegação de provas cruciais pela outros casos não progrediram, como quando polícia, como a lista de policiais em serviço e se acreditava que as pessoas tivessem sido gravações de câmaras de segurança, bem mortas a tiros por agentes que recorreram à como pela passividade dos promotores dos força excessiva durante as operações policiais casos diante dessas obstruções. Sem a tão efetuadas no Sudeste. A falta de laudos prometida Comissão Independente de balísticos, de investigações das cenas dos Queixas sobre a Polícia, havia poucas crimes e da tomada de depoimentos de perspectivas de melhora. Nos casos em que testemunhas por parte dos promotores houve processamento judicial, estes foram deixavam poucas esperanças de que as geralmente precários. circunstâncias das mortes pudessem ser Fracassaram totalmente as tentativas de reveladas.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 225 Em novembro, todos os oito réus, inclusive que estava fora dos campos recebiam pouca o ex-comandante distrital da Gendarmaria, ou nenhuma assistência, nem tinham Cemal Temizöz, em um processo judicial permissão para trabalhar. Em muitos casos, inédito instaurado pelo desaparecimento e eles se empenhavam em sobreviver à base morte de 21 pessoas em Cizre, entre 1993 e de trabalhos irregulares, exploradores e mal 1995, foram absolvidos depois de um remunerados, assim como da caridade de julgamento extremamente problemático. moradores. Os pedidos de asilo de não sírios, na prática, raramente foram processados. Em ABUSOS COMETIDOS POR GRUPOS outubro, o governo firmou um acordo com a ARMADOS UE a fim de impedir a migração irregular da Três atentados suicidas com bombas Turquia para a UE. imputados ao EI deixaram grande número de Em setembro, pelo menos 200 refugiados, vítimas. Em junho, quatro pessoas foram a maioria sírios, que tentavam cruzar a Grécia mortas em explosões que tinham como alvo de modo irregular, foram detidos em regime um comício do Partido Democrático dos de isolamento ou em diferentes locais Povos, poucos dias antes das eleições de secretos na Turquia. Muitos foram junho. Em julho, uma bomba matou 33 pressionados a retornar “voluntariamente” jovens ativistas na cidade de Suruç, sudeste para a Síria e o Iraque, em flagrante violação da Turquia, quando eles davam uma ao direito internacional. declaração à imprensa sobre sua missão de entrega de ajuda humanitária a uma cidade vizinha na Síria, Kobane, de população UCRÂNIA majoritariamente curda. Em outubro, explosões simultâneas na capital Ancara em Ucrânia meio a um comício organizado por sindicatos, Chefe de Estado: Petro Poroshenko organizações da sociedade civil e partidos de Chefe de governo: Arseniy Yatsenyuk esquerda mataram 102 pessoas. Em março, o procurador de Istambul, O ano começou com intensos combates no Mehmet Selim Kiraz, foi morto depois de ter leste do país entre separatistas pró-Rússia e sido feito refém pelo grupo armado Partido da forças da Ucrânia e terminou com tiroteios Frente Revolucionária de Libertação Popular esporádicos interrompendo um precário (DHKP-C). Os dois sequestradores foram cessar-fogo. Prevaleceu a impunidade para mortos numa operação policial dentro do os crimes de guerra cometidos pelos dois tribunal. lados. Houve pouco progresso na Ataques do PKK resultaram na morte de investigação das violações e abusos civis, como o médico Abdullah Biroğul, referentes às manifestações pró-europeias quando seu carro foi alvo de disparos na de 2013-2014 (“EuroMaidan”) na capital província de Diarbaquir, sudeste da Turquia. Kiev e na condução dos perpetradores à Justiça. A adoção de uma lei criando um REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO Escritório de Investigação do Estado foi um Cerca de 2,3 milhões de refugiados sírios passo positivo em direção ao registrados e 250.000 refugiados e estabelecimento de um mecanismo efetivo requerentes de asilo de outros países, como para investigar abusos cometidos por Afeganistão e Iraque, foram recebidos na agentes de aplicação da lei. Veículos de Turquia. Aproximadamente 260.000 comunicação e ativistas independentes e de refugiados sírios foram acomodados em caráter crítico não puderam trabalhar com campos desprovidos de recursos liberdade nas chamadas Repúblicas administrados pelo governo, enquanto a Populares de Donetsk e Lugansk, tampouco maioria dos refugiados e requerentes de asilo na Crimeia. Nas áreas controladas pelo

226 Anistia Internacional – Informe 2015/16 governo, órgãos de imprensa e pessoas cujos Grupos de extrema-direita, que haviam posicionamentos eram percebidos como pró- obtido fraco apoio eleitoral após os protestos russos ou pró-separatistas foram alvo de da EuroMaidan em 2014, envolveram-se em hostilidades. Em maio, uma marcha do uma série de incidentes violentos. Em julho, Orgulho LGBTI em Kiev foi marcada por paramilitares da organização nacionalista violência apesar da proteção policial. Em Pravy Sektor (Setor da Direita) fizeram uma novembro, foram introduzidas emendas à troca de tiros com a polícia da região de legislação trabalhista proibindo Zakarpattya, que resultou em três mortes. Em expressamente a discriminação contra agosto, durante um protesto organizado pelo lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e Partido de extrema-direita Svoboda, sem intersexuais. representação legislativa, em frente ao Parlamento, quatro oficiais da Guarda INFORMAÇÕES GERAIS Nacional foram mortos por uma granada. Em janeiro e fevereiro, fortes combates Vários ativistas do Svoboda foram presos. recomeçaram ao leste da Ucrânia, na região Em outubro e novembro ocorreram de Donbass, quando os separatistas apoiados eleições locais nos territórios controlados pelo pelos russos em Donetsk e Lugansk tentaram governo. No entanto, na cidade de Mariupol, avançar e fortalecer sua linha de frente. Em a votação foi adiada até o fim do ano, não meio a pesadas baixas militares, as forças da tendo sido realizada em várias cidades e Ucrânia entregaram o controle do aeroporto vilarejos das regiões leste e sul da Ucrânia de Donetsk e da área em torno da cidade de devido a preocupações com a segurança. Debaltseve. Surgiram novas evidências de Em 20 de setembro, ativistas contrários à que a Rússia apoiava fortemente os ocupação russa da Crimeia montaram postos combatentes separatistas com recursos de controle na fronteira terrestre com a humanos e armamentos militares, embora o Crimeia, bloqueando totalmente o transporte país continuasse a negar seu envolvimento de alimentos e outras mercadorias militar direto. Em fevereiro, um acordo com provenientes do território da Ucrânia. Em 20 mediação internacional foi obtido entre o de novembro, quatro linhas de transmissão governo ucraniano e as autoridades de fato de energia que forneciam quase 70% da das Repúblicas Populares de Lugansk e eletricidade da Crimeia foram explodidas por Donetsk, ao qual se seguiu um instável indivíduos não identificados, provocando um cessar-fogo. Em setembro, ambos os lados apagão em toda a península. Equipes de recuaram no uso de armamentos pesados, reparo enviadas pelas autoridades ucranianas mas embates com morteiros e armas de para restaurar a linha de transmissão foram pequeno porte continuavam ocorrendo no fim impedidas de prosseguir pelos ativistas do ano, resultando em mais vítimas. Segundo antiocupação. Em 8 de dezembro, o bloqueio dados da ONU, o número de mortes no fim foi suspenso, mas as linhas de energia não do ano ultrapassava 9.000, incluindo cerca estavam funcionando plenamente até o fim de 2.000 civis. Mais de 2,5 milhões de do ano. pessoas foram desalojadas, das quais 1,1 O PIB da Ucrânia diminuiu mais de 12%; milhão para fora da Ucrânia. sua moeda perdeu mais da metade do valor No dia 8 de setembro, a Ucrânia remeteu a com relação ao dólar, dificultando ainda mais situação de Bonbass ao Tribunal Penal a situação da maioria dos ucranianos. As Internacional, quando apresentou uma condições de vida nas áreas controladas declaração aceitando a competência do pelos separatistas continuaram a deteriorar tribunal sobre supostos crimes cometidos em de forma acentuada, com as autoridades de seu território a partir de 20 de janeiro de Kiev restringindo ainda mais a circulação de 2014. Porém, o Parlamento não ratificou o pessoas e mercadorias na região. Estatuto de Roma.

Anistia Internacional – Informe 2015/16 227 TORTURA E OUTROS MAUS-TRATOS separatistas. Dois anos após os protestos da EuroMaidan, Em 13 de janeiro, 12 passageiros de um houve poucos avanços concretos para levar à ônibus civil foram mortos próximo à cidade Justiça os agentes de aplicação da lei de Volnovakha, ao serem atingidos por um responsáveis pelo uso excessivo, foguete Grad enquanto esperavam para desnecessário e ilegal da força. Em cruzar um posto de controle das forças novembro, a Procuradoria Geral informou que ucranianas.1 Em 22 de janeiro, 15 pessoas estavam em curso investigações sobre mais foram mortas quando um morteiro atingiu um de 2.000 incidentes relacionados à ônibus elétrico em Donetsk.2 Em 24 de EuroMaidan, com processos penais janeiro, 29 civis morreram e mais de 100 instaurados contra 270 indivíduos. Teve início ficaram feridos por mísseis disparados pelas o julgamento de dois ex-policiais do batalhão forças separatistas no bairro densamente de choque (Berkut) por homicídio culposo e habitado de Vostochny, em Mariupol. abuso de autoridade, referentes à morte de Ihor Branovytsky foi um dos 12 ucranianos 39 manifestantes em 20 de fevereiro de que defendiam o aeroporto de Donetsk e 2014. No dia 7 de dezembro, o tribunal foram aprisionados pelo batalhão separatista distrital de Obolon em Kiev sentenciou os Sparta em 21 de janeiro. Durante o estudantes Aziz Tagirov e Ramil Islamli a, interrogatório, ele foi espancado até perder a respectivamente, quatro anos de prisão e consciência e morto com um tiro na cabeça quatro de liberdade condicional por eles pelo comandante do batalhão, que mais tarde terem espancado, sequestrado e ameaçado admitiu numa entrevista por telefone ter matar um manifestante em 21 de janeiro de matado outros 15 indivíduos capturados.3 2014. Essas foram as únicas condenações Os membros das forças ucranianas Andriy proferidas em 2015 para crimes relacionado Kolesnyk, Albert Sarukhanyan e Serhiy à EuroMaidan. Slisarenko foram vistos vivos pela última vez O Comitê Consultivo Internacional criado numa filmagem que os mostrava sendo pelo Conselho da Europa para monitorar as capturados no vilarejo de Krasnyi Partizan em investigações sobre a EuroMaidan e a 22 de janeiro. Pouco tempo depois, todos violência na cidade de Odessa em 2 de maio foram mortos por tiros de arma de fogo de 2014 publicou dois relatórios em 2015. disparados à queima-roupa. Em ambos, o Comitê constatou que as Um ex-prisioneiro relatou ter passado investigações não “cumpriam os requisitos da várias semanas em cativeiro numa cela no Convenção Europeia de Direitos Humanos”. subsolo de um edifício próximo ao vilarejo de Em 12 de novembro, o Parlamento adotou Velykomykhailivka que era usado como base uma lei criando um Escritório de Investigação dos paramilitares do Pravy Sektor. Antes de do Estado, incumbido de investigar supostos ser libertado, no começo de 2015, ele e pelo crimes cometidos por agentes de aplicação menos outros 12 homens e uma mulher da lei. No fim do ano, a lei aguardava a estiveram presos por diferentes períodos de sanção presidencial. tempo na mesma cela, sendo submetidos a espancamentos diários e outros maus-tratos.4 CONFLITO ARMADO O porta-voz do Pravy Sektor confirmou a Durante a escalada dos confrontos em prática de prender pessoas suspeitas de Donbass em janeiro e fevereiro, o bombardeio separatismo por parte de seus membros, mas indiscriminado de áreas civis prosseguiu com negou todas as denúncias de maus-tratos. os dois lados culpando um ao outro. Ambas Outra fonte anônima corroborou as as partes cometeram crimes de guerra, como denúncias. tortura e outros maus-tratos de prisioneiros. A Procuradoria Geral informou que pelo Houve relatos confirmados da morte menos três processos penais foram abertos deliberada de prisioneiros pelos combatentes com base em supostos abusos cometidos por

228 Anistia Internacional – Informe 2015/16 membros do Pravy Sektor, como sequestro, Arsen Avakov, anunciou no Facebook que o espancamento e extorsão, cometidos entre caso estava “solucionado”. Os dois homens agosto de 2014 e maio de 2015, bem como afirmavam ser inocentes e denunciaram ter por maus-tratos e desaparecimento de um sofrido pressão física e psicológica dos homem em novembro de 2014, com a investigadores. No fim do ano, o caso ainda suposta participação de paramilitares aguardava conclusão. voluntários e de integrantes do Serviço de Foram aprovadas em maio quatro leis Segurança da Ucrânia. As três investigações denominadas de “descomunização”, prosseguiam no fim do ano. proibindo o uso de símbolos comunistas e nazistas. Em julho, o Ministério da Justiça PRISIONEIROS DE CONSCIÊNCIA interpôs quatro ações judiciais para banir o Ruslan Kotsaba, jornalista autônomo e Partido Comunista da Ucrânia e dois partidos blogueiro da cidade de Ivano-Frankivsk, foi menores que se diziam “comunistas”. Esses preso em 7 de fevereiro depois de postar um dois partidos, ambos praticamente extintos, vídeo no YouTube em que demandava o fim foram banidos no dia 1° de outubro, imediato dos combates em Donbass e pedia enquanto o Partido Comunista foi banido no que os homens ucranianos resistissem ao seu dia 16 de dezembro. Em 28 de dezembro, o alistamento. Ele foi detido provisoriamente e, Partido recorreu da decisão. no dia 31 de março, foi indiciado por “traição Jornalistas com posições pró-Ucrânia ou ao Estado” e “obstrução das atividades que trabalhavam para órgãos de imprensa legítimas das Forças Armadas da Ucrânia”. ucranianos não puderam atuar com liberdade Seu julgamento ainda transcorria no fim do nas áreas controladas pelos separatistas. Em ano. 16 de junho, o jornalista russo Pavel Kanygin foi detido por várias horas por forças de LIBERDADE DE EXPRESSÃO segurança locais em Donetsk, sendo De modo geral, a imprensa continuou livre espancado severamente antes de ser solto. nas áreas controladas pelo governo. No Ele havia escrito várias reportagens para o entanto, com a ocupação e anexação da jornal russo Novaya Gazeta sobre dois Crimeia pela Rússia em 2014 e o continuado cidadãos russos feitos prisioneiros pelas conflito em Donbass, os órgãos de imprensa forças do governo ucraniano em Donbass, que parecessem manifestar pontos de vista nas quais denunciava o acobertamento por pró-russos ou pró-separatistas se tornavam parte da Rússia do fato de os dois serem alvo de hostilidades. As emissoras 112 militares da ativa. Ucrânia e Inter TV receberam advertências formais do Conselho Nacional de Rádio e DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, Televisão por transmitirem entrevistas e BISSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E reportagens de áreas controladas pelos INTERSEXUAIS separatistas, que mostravam os moradores Uma marcha do Orgulho LGBTI foi realizada locais manifestando apoio aos separatistas. em Kiev no dia 6 de junho, depois de Com três advertências consecutivas, as extensas negociações entre os organizadores emissoras teriam suas licenças de e as autoridades. Antes e depois da marcha, transmissão canceladas. o presidente Petro Poroshenko se declarou O jornalista Oles Buzina, bastante fortemente favorável ao direito das pessoas conhecido por seus pontos de vista pró- LGBTI à liberdade de reunião. Contudo, Rússia e com mais de 25.000 seguidores no apenas no dia anterior ao evento a polícia Facebook, foi morto a tiros por dois homens concordou em prover proteção. Dezenas de mascarados em frente a sua casa no dia 16 ativistas de extrema-direita romperam as de abril. Quando dois suspeitos foram presos barreiras policiais e atacaram a marcha. Dez no dia 18 de junho, o ministro do Interior, participantes e três policiais ficaram feridos;

Anistia Internacional – Informe 2015/16 229 25 agressores foram presos e depois fechar, seus líderes foram submetidos a liberados. Os organizadores da marcha revistas domiciliares frequentes, processados receberam mensagens com ameaças em criminalmente e detidos por motivos políticos. seus celulares e na internet. Quatro ações A Assembleia dos tártaros da Crimeia penais contra manifestantes anti-LGBTI foram (Mejlis), um órgão representativo eleito por abertas e prosseguiam no fim do ano. membros da comunidade, sofreu novas Em agosto, um tribunal de Odessa proibiu represálias. Seu atual líder, Ahtem Chiygoz, a realização de uma marcha do Orgulho, foi preso em 29 de janeiro e acusado de ter alegando “ameaça à ordem pública” e organizado “distúrbios em massa” no dia 26 mencionando a segurança dos participantes. de fevereiro de 2014. As autoridades de fato Em vez da passeata, os organizadores advertiram reiteradamente que o Mejlis resolveram realizar um festival menor em poderia ser classificado como grupo terrorista local fechado no dia 15 de agosto. Enquanto segundo o direito russo. Os dois líderes o festival acontecia, vários homens anteriores do Mejlis, Mustafa Dzhemiliev e mascarados atiraram rojões e bombas de Refat Chubarov, continuaram oficialmente fumaça no escritório da organização. proibidos de entrar em sua terra natal. Em 28 Em 12 de novembro, o Parlamento adotou de outubro, o Procurador de fato da Crimeia emendas à legislação trabalhista proibindo a anunciou que Chubarov poderia retornar, discriminação com base na orientação sexual depois que um tribunal da cidade de e na identidade de gênero. O procedimento, Simferopol havia ordenado sua prisão em 6 exigido pela UE como parte do processo de de outubro por “incitar contra a integridade liberação de vistos para a Ucrânia, por muito territorial da Federação Russa”. tempo enfrentou a resistência do Parlamento A emissora de televisão ATR, que transmite ucraniano. As emendas foram promulgadas na língua tártara da Crimeia, foi obrigada a pelo Presidente em 23 de novembro. interromper seu funcionamento em 1 de abril, quando o prazo para que renovasse seu CRIMEIA registro, conforme as leis russas, expirou. A Não houve qualquer investigação efetiva emissora já havia requerido a renovação do sobre seis casos de supostos registro pelo menos quatro vezes, o que desaparecimentos forçados de ativistas sempre foi negado de forma arbitrária. A ATR tártaros da Crimeia em 2014 e um caso recomeçou suas transmissões a partir do confirmado de sequestro, tortura e homicídio. território da Ucrânia, mas seus repórteres não As investigações não se realizaram mesmo podiam mais trabalhar abertamente na diante de inúmeras evidências, como Crimeia. gravações em vídeo, indicando fortemente Em 9 de março, Aleksandr Kravchenko, que paramilitares pró-russos da chamada Leonid Kuzmin e Veldar Shukurdzhiev foram “força de autodefesa da Crimeia” seriam presos durante uma pequena comemoração responsáveis por ao menos alguns desses de rua em Simferopol para celebrar o 201 crimes. aniversário de nascimento do poeta As liberdades de expressão, reunião e ucraniano Taras Shevchenko, quando associação continuaram sendo restringidas usavam símbolos nacionais, como fitas pelo governo de fato da Crimeia, depois de amarelas e azuis. Eles foram levados a uma sua ocupação e anexação pela Rússia em delegacia de polícia, liberados depois de três 2014. Quem manifestasse simpatias horas e sentenciados a 40 horas de trabalho ucranianas enfrentava rigorosas represálias. A comunitário cada um, por infringirem as leis comunidade tártara da Crimeia foi sobre reuniões públicas. Posteriormente, eles especialmente afetada: seus eventos públicos foram alvo de hostilidades da unidade de eram rotineiramente proibidos, órgãos de polícia antiextremismo, tendo sido presos e imprensa em língua tártara foram forçados a interrogados de modo informal. Kuzmin

230 Anistia Internacional – Informe 2015/16 também perdeu seu emprego como professor discriminação de pessoas LGBTI, bem como de história. de adotar medidas para promover a Contrariando o direito internacional igualdade de gênero, entre outros humanitário, os ativistas antiocupação da compromissos. Crimeia Oleg Sentsov e Alexander Kolchenko Em março, o Comitê da ONU sobre os foram levados a julgamento fora da Crimeia. Direitos da Criança exortou o Uruguai a tomar Eles foram julgados com base no direito russo medidas para prevenir, proibir e proteger os em um tribunal militar da cidade de Rostov, menores de idade frente a todas as formas de no sul da Rússia, e sentenciados, tortura e outros tratamentos cruéis, respectivamente, a 20 e 10 anos de prisão, desumanos ou degradantes, como os por acusações desproporcionais relacionadas cometidos pela polícia, durante sua detenção. ao terrorismo. Seus julgamentos foram O Comitê também pediu ao governo que injustos e baseados em testemunhos busque uma solução para os altos índices de supostamente extraídos mediante tortura. A pobreza que afetam as crianças e melhore decisão foi confirmada pelo Supremo seu acesso a serviços de saúde de qualidade, Tribunal da Federação Russa em 24 de principalmente para as crianças que vivem novembro. em áreas mais carentes ou remotas. Em outubro, o Uruguai foi eleito como membro do Conselho de Segurança da ONU 1. Eastern Ukraine: Investigate deadly artillery strike on civilian bus para o período 2016-17, após 50 anos de (News story, 13 January) ausência desse organismo. 2. Eastern Ukraine: Deadly attack on Donetsk trolleybus as ceasefire Em junho, o governo anunciou que daria unravels (News story, 22 January) continuidade ao programa de reassentamento 3. New evidence of summary killings of Ukrainian soldiers must spark de refugiados sírios. Cinco famílias sírias urgent investigations (News story, 9 April) chegaram ao Uruguai em 2014. 4. Ukraine: Breaking bodies: Torture and summary killings in eastern Ukraine (EUR 50/1683/2015) IMPUNIDADE Em maio, foi criado por decreto presidencial o Grupo de Trabalho por Verdade e Justiça, URUGUAI para investigar violações de direitos humanos ocorridas entre 1968 e 1985. O grupo seria República Oriental do Uruguai composto por sete integrantes que Chefe de Estado e de governo: Tabaré Vázquez satisfizessem critérios de autonomia e (substituiu José Alberto Mujica Cordano em março) independência no curso de suas carreiras, bem como pelo Presidente e Vice-Presidente Houve poucos progressos no sentido de do Uruguai. garantir justiça para as violações dos Uma decisão de 2013 da Suprema Corte direitos humanos cometidas no período do continuou sendo um obstáculo à justiça, pois regime civil e militar de 1973 a 1985. A revogou artigos essenciais da Lei 18.831, desigualdade de gênero persistiu, inclusive adotada em 2011, os quais estabeleciam que com relação ao acesso ao aborto e aos crimes cometidos durante o período do direitos de lésbicas, gays, bissexuais, regime civil e militar de 1973 a 1985 eram transgêneros e intersexuais (LGBTI). crimes contra a humanidade e não estavam sujeitos à prescrição. INFORMAÇÕES GERAIS Em março, Tabaré Vázquez tomou posse com DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS a promessa de implementar um Plano Em agosto, um tribunal administrativo Nacional de Convivência e Direitos Humanos manteve o direito dos profissionais da área e de fortalecer as políticas de combate à médica de se recusarem a realizar um aborto

Anistia Internacional – Informe 2015/16 231 legal alegando questões de consciência. A asilo colombianos foram deportados, decisão procedeu de uma ação impetrada expulsos à força e maltratados. A por um grupo de profissionais da área médica superlotação e a violência nas prisões contra vários artigos de um decreto persistiram. Sobreviventes de violência regulamentando a legislação de 2012 que motivada por gênero enfrentaram obstáculos descriminaliza o aborto e assegura o acesso significativos para acessar a Justiça. legal e seguro ao procedimento. A sentença causou dúvidas sobre como o governo INFORMAÇÕES GERAIS garantiria a aplicação efetiva da legislação, a Nas eleições parlamentares de dezembro, a depender do número de profissionais que se Mesa da Unidade Democrática, uma coalizão recusarem a realizar abortos por motivos de de partidos opositores, conquistou dois terços consciência. das cadeiras. O aborto é descriminalizado no Uruguai em Em julho, o projeto de um Plano Nacional todas as circunstâncias nas primeiras 12 de Direitos Humanos foi apresentado para semanas de gestação. A descriminalização se consulta com todos os setores da sociedade. estende até a 14ª semana quando a gravidez O plano incluía propostas de reforma do resultar de estupro, e até o final da gestação Judiciário, do sistema prisional e das forças quando esta apresentar grave risco à saúde de segurança, bem como de acabar com a da mulher ou se tratar de malformação fetal discriminação e melhorar os direitos de incompatível com a vida fora do útero. grupos vulneráveis, como povos indígenas, mulheres, crianças, comunidades DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, afrodescendentes, trabalhadoras domésticas BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E e lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e INTERSEXUAIS intersexuais (LGBTI). A consulta ainda estava Pouco avançaram as investigações sobre os em andamento no fim do ano. assassinatos de cinco mulheres transexuais A decisão tomada pela Venezuela em 2012 ocorridos entre 2011 e 2012. de sair da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos continuou a privar de acesso à Justiça as vítimas de violações de VENEZUELA direitos humanos e seus familiares cujos direitos não foram assegurados nos tribunais República Bolivariana da Venezuela nacionais. Chefe de Estado e de governo: Nicolás Maduro Moros A interferência no sistema judicial por parte de autoridades dos mais altos escalões do Jornalistas e defensores dos direitos governo pôs em dúvida seu compromisso humanos continuaram a enfrentar ataques e com a independência do Judiciário e o intimidações. Adversários políticos do Estado de direito. Temia-se que o caráter governo tiveram julgamentos injustos e temporário das posições mantidas por mais foram presos. Houve novas denúncias de de 60% dos juízes os deixasse suscetíveis a uso excessivo da força pela polícia e pelas pressões políticas. forças de segurança, que resultaram em dezenas de mortes, algumas em LIBERDADE DE EXPRESSÃO circunstâncias que pareciam configurar Em junho, a Corte Interamericana de Direitos homicídios ilegais. A maioria dos Humanos ordenou que a Venezuela responsáveis por violações graves dos restituísse a concessão de transmissão da direitos humanos durantes os protestos de Radio Caracas Televisión (RCTV), que havia 2014 não foi levada à Justiça, e a sido suspensa em 2007. Até o fim do ano, as independência do Judiciário foi motivo de autoridades não haviam cumprido a decisão. preocupação. Refugiados e requerentes de Proprietários de órgãos de imprensa e

232 Anistia Internacional – Informe 2015/16 jornalistas que criticaram as autoridades pública. A resolução permitia também que o enfrentaram processos por difamação, uso de armas de fogo fosse autorizado ataques e intimidações.1 durante o policiamento de manifestações públicas. Porém, não expressava claramente DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS que o uso excessivo da força nessas Defensores dos direitos humanos foram operações não seria tolerado. atacados e intimidados. O uso excessivo da força pelas forças de Tanto o Presidente Maduro quanto o segurança continuou sendo denunciado e presidente da Assembleia Nacional, entre resultou na morte de Kluiberth Roa Núñez, outros, acusaram nominalmente na televisão de 14 anos, atingido por uma bala de alguns defensores de prejudicar a reputação borracha disparada pelas forças de do país e minar o governo. Depois disso, segurança no estado de Táchira, quando ele vários defensores dos direitos humanos foram caminhava próximo a uma manifestação.5 hostilizados. Em março, por exemplo, Marco Antonio Ponce, do Observatório Venezuelano DETENÇÕES ARBITRÁRIAS de Conflitos Sociais, e outros 11 defensores Em setembro, Leopoldo López, prisioneiro de dos direitos humanos que retornavam de consciência e líder do partido oposicionista uma visita à Comissão Interamericana de Vontade Popular, foi condenado por Direitos Humanos, onde haviam estado para associação para o crime, instigação pública, levar suas preocupações, foram seguidos, danos à propriedade e incêndio intencional fotografados e filmados por homens não durante os protestos de 2014. Ele foi identificados no aeroporto de Caracas.2 sentenciado a 13 anos e nove meses de Em abril, Carlos Lusverti, defensor dos prisão. Não havia provas consistentes que direitos humanos e professor do Centro de sustentassem as acusações ou as Direitos Humanos da Universidade Católica declarações públicas feitas pelas autoridades Andrés Bello, foi ferido por um tiro pela antes de sua condenação. O fato de o segunda vez em 15 meses, no que seria uma Presidente pedir a prisão de Leopoldo López tentativa de assalto. comprometeu seriamente seu direito a um Em outubro, Marino Alvarado Betancourt, julgamento justo.6 do Programa Venezuelano de Educação e Em janeiro, um juiz determinou que Rosmit Ação em Direitos Humanos (Provea), e seu Mantilla, ativista pelos direitos LGBTI e filho de nove anos foram atacados e roubados membro do Vontade Popular, fosse julgado por três homens armados em sua residência.3 pelas acusações de instigação pública, Em abril, Víctor Martínez, ativista que incêndio de edifícios públicos e privados e combate a corrupção e as violações de associação para o crime durante os protestos direitos humanos cometidas pela polícia do de 2014, apesar da falta de provas estado de Lara, foi ameaçado por dois consistentes contra ele. No fim do ano, ele homens armados, diante de sua casa em continuava em detenção provisória. Barquisimeto, no estado de Lara. Ao que Em março, Emilio Baduel Cafarelli e parece, a ameaça estava ligada a suas Alexander Tirado Lara foram sentenciados a críticas à polícia; na época do ataque ele oito anos de prisão. Eles haviam sido estava sob proteção policial, que afirma ter condenados por instigação pública, sido esporádica.4 intimidação pública com artefatos explosivos e conspiração para o crime durante os USO EXCESSIVO DA FORÇA protestos de 2014. O Ministério Público não Em janeiro, o ministro da Defesa publicou a apresentou provas que corroborassem as Resolução 008610, permitindo que todos os acusações e o juiz desconsiderou provas setores das forças armadas fossem periciais apontando que nenhum dos dois destacados para operações de ordem havia manuseado explosivos ou substâncias

Anistia Internacional – Informe 2015/16 233 inflamáveis. foram mais tarde liberadas sem acusações, o que indica que muitas prisões foram REFUGIADOS E REQUERENTES DE ASILO arbitrárias. Em agosto, quase 2.000 cidadãos Em agosto, numa comunidade ao sul de colombianos, inclusive refugiados e pessoas Valencia, no estado de Carabobo, as forças em busca de asilo, foram deportados num de segurança teriam detido todos os homens período de poucos dias, sem que tivessem a maiores de 15 anos e demolido todas as oportunidade de contestar sua expulsão ou casas da comunidade, deixando pelo menos juntar seus pertences. Houve alguns casos 200 famílias desabrigadas. em que crianças foram separadas de seus pais. Dezenas de pessoas foram removidos à IMPUNIDADE força ou tiveram suas casas destruídas, Houve pouco progresso em levar à Justiça os sendo que alguns dos detidos sofreram responsáveis pela morte de 43 pessoas, maus-tratos.7 inclusive das forças de segurança, e pelos As deportações foram uma resposta às maus-tratos de manifestantes nos protestos mortes de três oficiais e um civil no contexto de 2014. Segundo o Ministério Público, 238 de operações de segurança e combate ao investigações foram abertas em fevereiro, contrabando. No fim do ano, nove municípios mas somente 13 ações foram ajuizadas. do estado fronteiriço de Táchira Ninguém foi levado à Justiça para permaneciam em estado de emergência, e as responder pela morte de nove pessoas da fronteiras continuavam fechadas nos estados família Barrios nem pelas ameaças e de Zulia, Táchira e Apure, bem como em intimidações contra outros de seus parentes partes do Amazonas. no estado de Aragua em 1998.8

FORÇAS POLICIAIS E DE SEGURANÇA CONDIÇÕES PRISIONAIS Apesar da indisponibilidade de dados oficiais As prisões continuaram extremamente recentes, o Observatório Venezuelano de superlotadas, apesar das várias reformas Violência informou que o país tinha a feitas no sistema desde 2013. Segundo o segunda maior taxa de homicídios da região. Observatório Venezuelano de Prisões (OVP), Em julho, a Operação de Libertação e as penitenciárias do país continham um Proteção do Povo foi posta em prática pelas número de reclusos três vezes maior que sua forças de segurança para enfrentar os níveis capacidade. Em tal situação, as autoridades elevados de criminalidade. Houve denúncias penitenciárias não tinham condições de de possíveis execuções extrajudiciais, uso proteger os direitos dos presos, como o direito excessivo da força, prisões arbitrárias e à saúde e à integridade física. Rebeliões e remoções forçadas de pessoas suspeitas de protestos, inclusive com lesões autoinfligidas, cometer crimes e de suas famílias. para demandar melhores condições de prisão Segundo o Ministério da Justiça, um mês continuaram comuns. O OVP registrou mais depois do início da operação, 52 civis haviam de 1.200 casos de lesões autoinfligidas nos sido mortos em confrontos armados com as primeiros seis meses do ano. Além disso, no forças de segurança. O alto número de mesmo período, foram registradas 109 mortes civis, em contraste com a ausência de mortes de presos e pelo menos 30 ferimentos ferimentos ou fatalidades do lado policial, em consequência da violência dentro dos indicava que as forças de segurança presídios. O grande número de armas nas poderiam ter usado força excessiva ou unidades de detenção continuou sendo efetuado execuções extrajudiciais. motivo de preocupação. De acordo com organizações de direitos humanos, 90% das mais de 4.000 pessoas detidas nos primeiros três meses da operação

234 Anistia Internacional – Informe 2015/16 VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS MENINAS Não existia nenhuma disposição legal que A aplicação da legislação de 2007 que garantisse e regulasse a consulta aos povos criminaliza a violência baseada em gênero indígenas sobre questões que afetam seus permaneceu lenta devido à falta de recursos. meios de subsistência. Pessoas que A assistência jurídica e o acesso à Justiça, defendem os direitos dos povos indígenas bem como outras medidas efetivas de informaram que o direito ao consentimento proteção, como abrigos, não haviam se livre, prévio e informado não foi respeitado concretizado até o fim do ano. pelas autoridades ao conceder licenças para Estatísticas do Ministério Público indicavam extração de recursos naturais em territórios que das mais de 70.000 denúncias de indígenas. violência motivada por gênero recebidas em A lentidão do processo de demarcação dos 2014 menos de 1% chegou aos tribunais. territórios indígenas, iniciado em 2011, foi Segundo organizações de direitos das considerada preocupante. No fim do ano, mulheres, 96% dos casos que chegaram às calculava-se que apenas 12% dos territórios cortes não resultaram em condenação. indígenas haviam sido demarcados.

DIREITOS DE LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E 1. Venezuela: Journalist beaten and threatened: Horacio Giusti (AMR INTERSEXUAIS 53/1714/2015) Organizações LGBTI manifestaram 2. Venezuela: Human rights in Venezuela before the United Nations preocupação com a discriminação arraigada Human Rights Committee (AMR 53/1942/2015) no país. As denúncias de violência contra 3. Venezuela: Armed assault against human rights defender must be pessoas LGBTI eram constantes. Os thoroughly investigated (News story, 2 October) responsáveis raramente tiveramde prestar 4. Venezuela: Human rights defender attacked again: Víctor Martínez contas, pois as denúncias não foram (AMR 53/1450/2015) investigadas ou indiciadas. 5. Venezuela: The faces of impunity: a year after the protests, victims Não havia na lei qualquer disposição still await justice (AMR 53/1239/2015) específica criminalizando os crimes de ódio 6. Venezuela: Opposition leader sentenced unjustly: Leopoldo López (AMR baseados na orientação sexual, tampouco na 53/2449/2015) identidade ou expressão de gênero. 7. Venezuela: Concerns over grave human rights violations on the border with Colombia (AMR 53/2329/2015) DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS 8. Venezuela Submission to the United Nations Human Rights O acesso a métodos contraceptivos, como Committee 114th Session, 29 June - 24 July 2015 (AMR anticoncepcionais de emergência, era 53/1769/2015) limitado e geralmente disponível apenas a quem pudesse pagar. O aborto era criminalizado em todos os casos, exceto quando a vida da mulher ou da menina corresse risco. Segundo um relatório de 2015 da Organização Mundial da Saúde, a mortalidade materna havia aumentado para 110 a cada 100.000 nascidos vivos. Esse número era significativamente maior do que a média regional de 63 para cada 100.000 nascidos vivos.

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