FAMIG – FACULDADE MINAS GERAIS CENEZA SANTOS SILVA

ANALISE A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS AOS MAIORES DE 70 ANOS

Belo Horizonte 2019

CENEZA SANTOS SILVA

ANALISE A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS AOS MAIORES DE 70 ANOS

Monografia apresentada a Famig – Faculdade Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito

Orientadora: Rosilene Conceição Queiroz

Belo Horizonte 2019

CENEZA SANTOS SILVA

ANALISE A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS AOS MAIORES DE 70 ANOS

Monografia apresentada a Famig – Faculdade Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

BANCA EXAMINADORA

______Prof. Dr. (Nome do Professor) Orientador (Instituição de Origem)

______Prof. Ms. (Nome do Professor) Membro (Instituição de origem)

______Prof. Dr. (Nome do Professor) Membro (Instituição de origem)

Belo Horizonte, xx de junho de 2019

Aos idosos, abençoados por terem seus dias prolongados e possuírem vasta sabedoria, sendo símbolo social de experiência, maturidade, paciência e amor manifestando-se essenciais à sociedade.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela oportunidade de realizar o curso de direito e pelo cuidado ao longo deste período, me concedendo saúde, capacidade e discernimento.

Agradeço aos meus pais Luzia e José pelo cuidado e carinho na minha criação, além do incentivo para que eu estudasse e realizasse todos os meus sonhos.

Às minhas irmãs Sandra, Vanessa, Jane, Preta, e ao meu irmão Welbert pelas agradáveis lembranças da infância e pelo apoio e torcida nos meus projetos de vida.

A minha filhotinha Bruna Luíza, minha amiga e companheira, pelo apoio e paciência neste projeto, sempre com palavras de carinho e incentivo até nos momentos mais difíceis.

A minha orientadora, Professora Rosilene Queiroz, pela paciência e disponibilidade na execução deste trabalho.

Aos demais Professores do Curso de Direito da Faculdade FAMIG pelas aulas ministradas ao longo de todo o período de graduação, os quais, em muito têm contribuído para o meu crescimento pessoal e profissional.

Aos demais familiares, amigos e colegas de turma em especial Débora, Elisângela, Geraldo, Charles, Luciene e Tiago, que sempre acreditaram na minha capacidade e me apoiaram nesta caminhada.

“Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?”. (Confúcio)

“Não é razoável que tantos esforços sejam feitos para prolongar a vida humana, se não forem dadas condições adequadas para vivê-la”. (Marcelo Salgado)

RESUMO

O presente trabalho foi elaborado com auxílio de pesquisas bibliográficas, revistas especializadas, e artigos de internet. Ele tem como principal objetivo analisar se o art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, padece de inconstitucionalidade ao obrigar que os nubentes maiores de setenta anos de idade ao contraírem casamento, este seja no regime de separação obrigatória de bens. Para alcançar esse escopo, foi preciso analisar se estes nubentes estão inclusos no rol de incapazes ou relativamente incapazes do CC/2002, bem como estudar o alcance desta proteção estatal a este grupo de pessoas. Por meio de esclarecimentos trazidos por doutrinadores e das jurisprudências pesquisadas acerca desta vedação, foi possível estabelecer o tema base e se posicionar sobre uma possível inconstitucionalidade.

Palavras-chave: Estatuto do idoso. Casamento. Separação obrigatória de bens. Inconstitucionalidade

ABSTRACT

The present article was elaborated using bibliographical researches, specialized magazines and articles of internet. The main objective of this article is analyze if the art. 1.641, II, of the Civil Code of 2002, is unconstitutional in the part that obligate engaged people over 70 years to have a Separate Property System when they get marriage. To reach this scope, it was necessary to analyze whether these engaged people are included in a list of incapable or relatively incapable people of the Civil Code, as well as study the coverage of this state protection to this group of people. Through the elucidations made by doctrinaires and by the jurisprudence about this subject, was possible to establish this theme and white about a possible unconstitutionality.

Keywords: Statute of the Elderly. Wedding. Goods or properties. Inconstitucionality.

LISTA DE SIGLAS

CC – Código Civil CF – Constituição Federal FAMIG – Faculdade Minas Gerais IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua OMS – Organização Mundial de Saúde STF – Supremo Tribunal Federal SUS – Sistema Único de Saúde

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...... 11

2 O ESTATUTO DO IDOSO E SUA FUNÇÃO PROTETIVA...... 14 2.1 Código Civil em consonância com o Princípio da Autonomia da Vontade ...... 17 2.2 Princípios constitucionais...... 19 2.2.1Do Princípio da Dignidade Humana...... 19 2.2.2 Do Princípio da Liberdade …...... 20 2.2.3Do Princípio da Igualdade...... …..21

3 DO CASAMENTO E SEUS REGIMES DE BENS...... 25 3.1Regime da comunhão parcial...... 27 3.2Regime da comunhão universal...... 29 3.3Regime de participação final nos aquestos...... 31 3.4Regime da separação de bens...... 32

4 ANALISE DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1.641, II, DO CC...... 36 4.1 O maior de setenta anos na melhor idade...... 36 4.2 A autonomia privada no Pacto antenupcial…...... 40 4.3 A intervenção do Estado no regime de bens e a igualdade como garantia Constitucional...... 43 4.4 Análise da (in) constitucionalidade do art. 1.641, II, do Código Civil...... 46

5 CONCLUSÃO...... 54

REFERÊNCIAS...... 58

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1 INTRODUÇÃO

A presente monografia com auxílio de doutrinas, jurisprudências e artigos da internet tem como objetivo principal analisar a possível inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do Código Civil. O referido dispositivo legal dispõe que a pessoa maior de setenta anos só pode se casar no regime da separação obrigatória de bens, não permitindo a escolha de outro regime por parte dos nubentes.

Para atingir aos fins pretendidos foi utilizado como marco teórico o livro Curso de Direito Civil Brasileiro da autoria de Maria Helena Diniz, o qual em sua abordagem sobre Direito de Família trouxe robusta contribuição para o desenvolvimento deste trabalho.

No primeiro capítulo é explanado acerca da necessidade de proteção estatal ao Idoso. A referida garantia se trata de Direito Fundamental não apenas tutelado pela Constituição, mas primordialmente pela Lei específica, denominada Estatuto do Idoso. Além do referido Estatuto os idosos têm também tutela via Código Civil que permite a disposição de seus bens por meio do Princípio da autonomia da vontade, valor que é também alicerçado nos princípios da Dignidade da Pessoas Humana, Liberdade e Igualdade.

Por conseguinte, foi necessário trazer esclarecimentos quanto aos regimes de bens existentes no ordenamento jurídico brasileiro e disposto no Código Civil, quais sejam: Comunhão Parcial de bens, Comunhão Universal, Participação final dos aquestos, Separação de bens obrigatória/legal e convencional.

A partir dos esclarecimentos fundamentais à análise do tema proposto, passou-se a abordar acerca do maior de setenta anos que tanto pela experiência quanto por ter alcançado a respectiva faixa etária se trata da melhor idade. Nesse capítulo, são citados os índices de crescimento da população idosa no Brasil, consoante as informações fornecidas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

É demonstrado que ao limitar as pessoas em comento por meio de um dispositivo de lei pode diminuir a credibilidade nos atos praticados por estes. Diante disto, será essencial trazer à baila outros atos normativos permissíveis ao maior de setenta anos, como a PEC da bengala que alterou para 75 anos a aposentadoria compulsória para servidores públicos. 12

No próximo tópico foi tratado da possibilidade de se realizar pacto antenupcial nos casos de regime de separação obrigatória de bens, sendo esclarecido que com fundamento na autonomia privada os doutrinadores, bem como as jurisprudências, têm entendido pela sua possibilidade, desde que não seja contrário a nenhum dispositivo legal.

Por último chegou-se ao tema principal, onde pode-se ponderar acerca da intervenção do Estado no regime de bens ao maior de setenta anos e as garantias constitucionais que assegurem um tratamento igualitário.

A partir de então busca-se entender até que ponto o fato de tentar proteger os que se encontram nesta faixa etária realmente os beneficiam, visto que este fato pode ser entendido como uma interferência no direito do indivíduo de dispor livremente de seus bens, o qual é garantido pelo mesmo Código Civil.

Outrossim, são citadas pessoas com alta visibilidade e importância para a sociedade que detêm idade superior a 70 anos e exercem atividade inclusive na Administração Pública. Frisa-se que dentre estes pode-se encontrar Ministros, Presidentes e Deputados, de modo que aparenta ser controverso impedir a escolha do regime de casamento e autorizar o exercício de cargos públicos a pessoas da mesma faixa etária sem que exista limitação em decorrência desta.

O Código Civil dispõe de várias formas para proteger a entidade familiar se atentando sempre para a igualdade do cônjuge e companheiro, neste sentido o trabalho pretende explicitar se ao vedar a escolha por parte de um dos nubentes cônjuge não estaria sendo excluído de uma proteção.

Também é verificado se a vedação imposta por parte do Estado realmente cumpre seu objetivo de proteger a pessoa maior de setenta anos contra possíveis interessados em dar o conhecido “golpe do baú”. A partir deste entendimento, averiguar se este ato de proteção estatal não fere direitos como: liberdade, igualdade, propriedade e dignidade humana, garantidos constitucionalmente.

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Por fim, propõe-se a análise da possível inconstitucionalidade do art. 1.641, II, CC/2002, pois ao impor limites para o maior de setenta anos no que tange à escolha de seu regime de bens, de certa forma o equipara ao totalmente incapaz, mas os maiores de 70 anos não estão entre os citados no Código Civil art. 3º, 4 º como incapazes ou relativamente incapazes, sendo assim, não poderiam ser atingidos pela respectiva vedação.

Em conclusão, são apresentados entendimentos de civilistas, bem como decisões de tribunais para corroborar a inconstitucionalidade do artigo em análise, o qual já fora declarado por meio de controle difuso, mas ainda não de modo concentrado, ou seja, sem efeito erga omnes. Contudo, de pronto verifica-se a necessidade de submissão do artigo à análise Concentrada de Controle de Constitucionalidade para que possa ser extirpado do ordenamento jurídico. 14

2 O ESTATUTO DO IDOSO E SUA FUNÇÃO PROTETIVA

O idoso necessita de uma proteção especial por ter uma fragilidade que é inerente a sua idade. Por isso, é essencial a prioridade em serviços de saúde, demandas judiciais, gratuidade de transporte e demais amparos sociais.

Uma das funções do Estado é proteger a pessoa do idoso, por meio de políticas públicas e dispositivos legais que determinem e garantam a efetividade de serviços específicos para a proteção de todos os direitos dos idosos.

Uma dessas disposições legais protetivas é o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741), o qual entrou em vigor no dia 01 de outubro de 2003 dispondo sobre proteções específicas e auxílios. Segundo Maria de Fátima Freire de Sá o Estatuto do Idoso “trata-se de um microssistema jurídico, porquanto congrega normas de natureza civil, penal, processual e administrativa”, tendo o estatuto o objetivo de disciplinar principalmente os direitos fundamentais do idoso com enfoque nas garantias voltadas à saúde. (SÁ, 2018, p. 91).

Outrossim, segundo Maria Berenice Dias, este diploma normativo vem “cumprir os desígnios do comando constitucional, o Estatuto do Idoso em 118 artigos consagra uma série de prerrogativas e direitos às pessoas de mais de 60 anos”. Porém, ressalta que os maiores de 65 anos são merecedores de cuidados ainda mais significativos. (DIAS, 2016, p. 1.103).

Por meio das definições explicitadas acima, verifica-se que o Estatuto se constitui em um microssistema e tem como objetivo primordial reconhecer as necessidades especiais dos mais velhos, direcionando as obrigações do Estado. A norma em comento deve ser considerada um verdadeiro divisor de águas na proteção do idoso. Não é apenas um amontoado de regras de caráter programático, pois são normas definidoras de direitos e garantias fundamentais cuja aplicação se dá de forma imediata.

Descortina-se que o Estado tem como uma de suas funções garantir os direitos fundamentais para uma plena proteção da pessoa idosa, sendo esta compreendida segundo o Estatuto do Idoso em seu artigo 1º as pessoas que possuem idade igual ou superior a sessenta anos.

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De acordo com o Dicionário Aurélio os idosos são compreendidos como aqueles que têm idade avançada, dispondo ainda os sinônimos: antigo, velho, velhinho, vetusto e anoso.

A palavra velho é considerada politicamente incorreta e dispõe de conteúdo ofensivo. Daí o uso do vocábulo idoso que também guarda conotação pejorativa. Por isso, há uma série de expressões que tentam suavizar a identificação das pessoas que somente deixaram de ter plena capacidade competitiva na sociedade: terceira idade, melhor idade, adulto maduro, adulto maior etc. Até parece que suavizar tais palavras vai fazer alguns anos desaparecer. Mas é quase como a expressão usada com relação aos automóveis. Não mais se usa carro usado e sim seminovo ainda que o carro seja o mesmo! (DIAS, 2016, p. 1.101).

O Estado busca cumprir o seu papel de protetor para com as pessoas supracitadas por meio da concessão de preferências ou estipulação de vedações. Ao impor esses limites o Estado entende que cumpre seu papel de zelo e proteção, o que é efetivado principalmente pelo Estatuto do Idoso. Por meio desse diploma legal foi criado um instrumento de estimulação da autoestima capaz de amparar e fortalecer toda uma classe de brasileiros e reinseri-los como cidadãos ativos na sociedade, reafirmando os princípios constitucionais tendentes a valorizar a pessoa humana.

Isso pode ser visto de forma evidente no art. 2º do Estatuto do Idoso ao dispor que este último goza de todos os direitos fundamentais inerentes a um indivíduo, contando com proteção integral nos termos da citada lei, tais como concessão de oportunidades e facilidades para sua integridade física, psíquica e moral, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2003).

Cumprindo sua função protetiva o estatuto em análise, especificamente no art. 4º traz que nenhum idoso será negligenciado e ressalta que é vedada a imposição de qualquer tipo de discriminação para com a pessoa em questão, proibindo ainda atos de violência, crueldade ou opressão contra o idoso. “Além de serem indicados os direitos dos idosos, o Estatuto identifica os obrigados a dar-lhes efetividade: a família, a comunidade, a sociedade e o poder público” como se visualiza no § 2º, estende-se a todos o dever de prevenir ameaça ou violação aos direitos do idoso. (DIAS, 2016, p. 1.108).

De acordo com o Estatuto do Idoso em seu art. 8o “O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente”, da mesma forma o art. 9º estabelece que é “obrigação do Estado, garantir à pessoa 16

idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade”. (BRASIL, 2003). De acordo com Flávio Martins (2017, p. 814), “o direito à vida está umbilicalmente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana. Isso porque, sem a tutela adequada do direito à vida, não há como se exercer a dignidade da pessoa e os direitos dela decorrentes”, com isso não se trata de um dever de mera liberalidade pública, pois o estado tem como obrigação assegurar ao idoso a sua existência ou, pelo menos, subsistência em prol de uma vida digna.

No mesmo sentido, dispõe o art. 10 deste diploma que não é somente obrigação do Estado, sendo estendido a toda a sociedade assegurar à pessoa idosa o direito ao respeito à dignidade humana e à liberdade, uma vez que igualmente aos demais cidadãos são sujeitos de direitos civis e políticos, individuais e sociais, garantidos constitucionalmente, prezando pela preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e de seus objetos pessoais. (BRASIL, 2003).

Conforme se nota no art. 12 do mesmo dispositivo legal é solidária a obrigação quanto a alimentos para o idoso, que neste caso poderá optar entre os parentes que tiverem condições de prestá-lo. Confirmando a referida proteção, o art. 14 dispõe que quando o idoso ou seus familiares não tiverem condições econômicas de prover o seu sustento este será imposto ao Poder Público como mecanismo de assistência social e garantia do direito a alimentos. (BRASIL, 2003).

Em relação ao direito à saúde o art. 15 assegura atenção de forma integral por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) cujo acesso é universal e igualitário para todos os serviços, com o intuito de promoção, prevenção, proteção e restabelecimento da saúde garantido ainda atenção especial para as doenças típicas da pessoa idosa. (BRASIL, 2003).

O art. 28 do Estatuto do Idoso aduz que o Poder Público deve criar e estimular meios de profissionalização especificamente para a pessoa idosa, visando utilizar seus potenciais e habilidades em atividades de forma regular e remunerada, e ainda incentivar as empresas privadas nas contratações dessas pessoas ao trabalho. Para garantia destes, o art. 100 da mesma norma descreve que constitui crime cuja pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, proibir o acesso a qualquer cargo público a uma pessoa em razão de sua idade, bem como, negar emprego ou trabalho a qualquer pessoa devido a sua idade. (BRASIL, 2003). 17

Todos esses dispositivos legais buscam garantir ao indivíduo idoso os direitos assegurados aos demais sem distinção em virtude da idade, ressalvados os casos necessários em decorrência das peculiaridades dessa fase da vida. Assim, o simples fato de envelhecer não deve ser visto como fator de exclusão de direitos. Taísa Maria (2018, p. 82), traz como brilhante compreensão que “o trabalho pode produzir algo totalmente diferente dos objetos usuais e, nem por isso, perde a sua importância”. Assim, o primordial não seria uma análise de quantidade e sim de qualidade que deve ser analisada com observância ao indivíduo que está desenvolvendo certa atividade.

Cumpre esclarecer que todas as disposições concessivas ao idoso não afrontam ao princípio da isonomia, pelo contrário é a afirmação deste, pois concede tratamento desigual, no intuito de equiparar aqueles que não detêm mais as mesmas condições físicas e psíquicas às oportunidades que um indivíduo de tenra idade teria.

Um tratamento respeitoso e preferencial aos idosos é, sem dúvida, um verdadeiro dogma na disciplina atual das relações de família. A devida reverência a todos aqueles que sobreviveram às batalhas da vida e, agora, encontram menos vigor em seus corpos físicos é um imperativo de justiça e uma decorrência necessária do princípio geral da proteção à dignidade da pessoa humana, bem como, em especial, do princípio da solidariedade social. (GAGLIANO, 2017, p. 118).

Como averiguado, o Estatuto do Idoso traz amplas disposições visando a proteção e o cuidado da pessoa idosa e assim como no estatuto acima analisado, o idoso também encontra-se amparado por meio do disposto no Código Civil acerca do princípio da Autonomia da Vontade, o qual é de muita importância para este estudo e por isso passa-se agora a analisá-lo.

2.1 O Código Civil em consonância com o Princípio da Autonomia da vontade

Desde o direito romano as pessoas são livres para contratar, se assim quiserem, sobre o que quiserem, e com quem quiserem. O princípio da autonomia da vontade se alicerça justamente na ampla liberdade contratual para estipular os interesses mediante acordo de vontades, conforme o Código Civil em seu art. 421: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Preceitua ainda o art. 425 que “é lícito 18

as partes estipular contratos atípicos observadas as normas gerais”, garantindo plena liberdade aos pactuantes. (BRASIL, 2002).

Partindo da liberdade trazida pelo Código Civil o ser humano por ter consciência, inteligência, memória e habilidade para se comunicar é totalmente capaz de tomar decisões racionais, por isso tem-se por primordial a liberdade de escolha advinda do princípio da autonomia da vontade. Esta por sua vez, é a escolha por parte de um indivíduo para tomar suas decisões no âmbito particular, visando interesses próprios e suas preferências. Em suma, trata-se de um direito individual permitindo fazer tudo aquilo que se tem vontade, atentando-se a não prejudicar aos demais, uma vez que é permitido escolher, também se torna responsável por suas escolhas.

Assim, pode o sujeito decidir por si mesmo o lugar que queira frequentar; qual a religião seguir; se quer ter uma religião; com que tipo de pessoa deseja se relacionar; qual profissão deseja seguir ou que conteúdos literários pretende ler e outras inúmeras escolhas pertinentes aos direitos de liberdade de locomoção, religião e expressão, ou seja, a autonomia de escolha conforme a vontade do cidadão tem correlação com vários outros princípios.

Ao proteger a autonomia da vontade ou autonomia privada confere ao indivíduo a autodeterminação, podendo ele se determinar autonomamente, criando por meio de suas escolhas seu próprio destino, o qual refletirá de forma direta em seu desenvolvimento humano, como ao tomar a decisão de casar-se ou não, de ter filhos ou não tê-los, de definir sua orientação sexual, de dispor livremente de seus bens e toda a construção de suas vontades de forma autônoma ou privada, como resultado torna-se responsável por seus próprios atos.

A autonomia da vontade pode ser definida, de forma sucinta como a liberdade ou poder assegurado por lei aos indivíduos para criar normas que regerão suas relações jurídicas particulares, de caráter patrimonial ou subjetivo observados os limites impostos pela própria lei em sentido amplo. A autonomia privada é um direito subjetivo e tem como fonte a norma que o protege, que nada mais é do que a expressão do interesse público, ou seja, é o próprio Estado quem estabelece a autonomia privada (como barreira a sua aplicação). (RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 169).

A autonomia da vontade precisa ser lida à luz de todos os princípios constitucionais que regem a família e que na visão do Estado Democrático de Direito tem que unir tanto a 19

liberdade individual de cada ser, quanto as consequências do vínculo, que está diretamente ligado ao exercício de ética e boa-fé pelas partes envolvidas. (RODRIGUES JUNIOR, 2018, p. 170).

Entretanto, se por um lado a autonomia da vontade é a não interferência estatal nas relações privadas, por outro lado a ordem pública atua como o principal elemento limitador do exercício da autonomia da vontade. Assim, parte-se do pressuposto de que as partes são livres para estabelecer o negócio jurídico, no entanto é preciso que essa liberdade seja exercida dentro de determinados parâmetros. Em decorrência dos limites da liberdade as pessoas ficam condicionadas a aspectos sociais, morais, econômicos e jurídicos estabelecidos historicamente dentro de cada sociedade.

2.2 Princípios constitucionais

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226 destaca a família como sendo a base da sociedade, ressaltando que, por isso, tem garantida especial proteção do Estado. Estabelece que o casamento civil terá sua celebração gratuita e para efeito de proteção do Estado este reconhece como entidade familiar a união entre homem e mulher, disposição flexibilizada pela ADI 132, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL, 1988).

Muito embora a família tenha amparo em dispositivos legais os princípios constitucionais formam o solo para o direito das famílias, Logo no art. 1º, inciso III, a Carta Magna estabelece um princípio fundamental no direito de família, qual seja a Dignidade Humana e preceitua em seu art. 226, § 7º que o citado princípio seja o basilar para o planejamento familiar. Segundo Maria Berenice (2009, p. 95) “a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independente de sua origem”. Desta forma faz-se primordial entender um pouco mais sobre este princípio.

2.2.1 Do Princípio da Dignidade Humana

O Princípio da dignidade da pessoa humana vem disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal como um dos fundamentos da República Democrática, assim, serve como limitador para atuação do Estado e como parâmetro para as leis positivadas, limitando a execução de 20

atos que atentem contra a dignidade humana e com maior importância faz com que o ente público promova, por meio de seus atos, condutas efetivas, visando garantir o mínimo existencial para cada ser humano, por isso a proximidade deste princípio com os direitos humanos.

De acordo com Maria Berenice Dias (2009), este princípio tem um valor supremo, sendo que é reconhecido como o princípio maior, dando fundamento ao Estado Democrático de Direito afirmado no primeiro artigo da Constituição Federal. A Preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional, cabendo neste, vários outros direitos fundamentais do homem, porquanto é a diretriz mais importante imposta pelo ordenamento jurídico brasileiro, por isso não se pode dizer que seja uma garantia de direito individual do homem, mas traz em sentido amplo uma forma de normatização direcionando as relações sociais em geral do homem com a sociedade e com o direito.

Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito. (DIAS, 2009, p. 61).

Desta forma, pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana traz consigo o fundamento básico do Estado Democrático Brasileiro o direito adquirido pelo cidadão do respeito que se deve ter com a pessoa humana como indivíduo e como sociedade.

Com o direito ao respeito advindo da dignidade humana denota-se importante a construção da família de maneira digna, aceitando, qualquer forma de entidade familiar, e devendo ter tratamento igualitário quanto à sua forma de constituição, permitindo o desenvolvimento pessoal e social a cada membro da família independente de sua idade.

A dignidade da pessoa humana é a base dos direitos da personalidade, devendo ser valorado e resguardado de quaisquer violações que venham a agredir o ser humano e os direitos inerentes à sua dignidade.

2.2.2 Do Princípio da Liberdade 21

O princípio da liberdade vem disposto no caput do art. 5º, da Constituição Federal de 1998, por meio do qual é estabelecido que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo a liberdade aos brasileiros e estrangeiros residentes no país. O legislador cuidou de garantir ao cidadão que aqui reside a inviolabilidade de sua liberdade dentro dos parâmetros da lei. (BRASIL, 1988).

Assim, o cidadão tem a possibilidade de gerir sua própria vida, visto que, este princípio é também uma garantia individual e consiste na possibilidade de pensar e agir ligado às pluralidades de liberdades abordadas pela CF/88, que no final é sempre uma e a mesma, utilizada em diferentes situações.

Entende José Afonso (2008), que a liberdade no sentido pessoal consiste em locomoção e circulação, enquanto a liberdade de pensamento é constituída por opiniões, religiões, informações, já a liberdade de expressão coletiva em suas várias formas de reunião ou associação.

Então em um regime democrático forte pode se dizer que as liberdades estão mais garantidas pois, “quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem vai se libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade conquista” (SILVA, 2008, p.186). Estaria então a liberdade ligada à democracia, por meio desta se tem a garantia de ir e vir, de pensar e concretizar, de sonhar e realizar, não cabendo vedações individuais, uma vez que estas afetariam direto à liberdade e a democracia.

A liberdade como princípio constitucional individual deve ser estendida a todo cidadão independentemente da idade, ou outro critério. Esta, ao contrário dos demais princípios citados prevê garantia de inércia do Estado, sendo chamada de liberdade negativa, mas também atuação Estatal em prol de garantir o exercício de direitos sem imposição de limitações não estipuladas em lei.

2.2.3 Do Princípio da Igualdade

A Constituição Federal dispõe de vários princípios que devem ser observados e garantidos a todo cidadão e vários destes estão interligados, pois inerentes a outro é o caso do princípio 22

da liberdade acima descortinado por meio do qual o homem é livre para fazer suas escolhas, e quando se proíbe um determinado grupo de exercer esta liberdade de forma isonômica a igualdade é afetada.

O conceito de igualdade foi objeto de discussões divergentes. Para Aristóteles o princípio de igualdade existe na análise do ideal de justiça, assim, tratar os iguais como igualmente e os desiguais na medida de suas desigualdades é a demonstração da denominada igualdade material. Desta forma, não é possível a igualdade de forma geral, mas sim com análise de classes igualitárias cujas condições sejam semelhantes. (MELLO, 2010).

A Constituição da República de 1988 traz em seu art. 5º a igualdade no sentido formal, dispondo que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza vedando assim diferenças arbitrárias. Segundo Flávio Martins Alves (2017), consiste em dar a todos o mesmo tratamento de forma idêntica não importando a sua cor, a origem, a nacionalidade, o gênero ou a situação financeira, “todas as pessoas seriam tratadas com a absoluta igualdade, podendo cada um lutar com suas armas para obtenção dos seus resultados, obtidos por conta de seus próprios méritos (meritocracia)”(NUNES JUNIOR, 2017, p. 87.), o referido posicionamento se demonstra difícil de alcançar em um país com desigualdade real, sendo impossível lutar com “armas iguais” visto que, nem todos tiveram as mesmas oportunidades e não se encontram na mesma condição para competir em pé de igualdade.

Em analogia poderia se dizer em igualdade ao possibilitar uma luta sem utilização de armas de calibre diverso. Logo, a igualdade está em prover meios de equiparação dos indivíduos.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2010), este princípio constitucional funciona em dois sentidos diferentes, por um lado vincula o legislativo e o executivo na vedação de criações de leis, atos normativos e medidas provisórias com características extremamente diferenciadas para as pessoas que se encontram em situações idênticas. E por outro lado, obriga a autoridade pública no momento da interpretação e aplicação da lei a agir de forma igualitária sem atitudes discriminatórias em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social, com isso tem-se uma igualdade perante a lei, ou seja, em sentido formal concretizando a igualdade material.

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Quando a norma faz distinção de maneira desproporcional ou abusiva no tratamento de diversos indivíduos tem se por atos de desigualdade que, em alguns pontos é permissível pela Constituição, como forma de equilíbrio para garantir os direitos aos iguais e aos desiguais, nestes casos não será considerada discriminatória, pois são razoavelmente justificados pela Carta magna para conformidade com o que se busca com os direitos e garantia constitucionais.

O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, à moda que as pessoas compreendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. (MELLO, 2010, p. 12)

Então, deve haver a igualdade para os cidadãos por meio de uma norma legal, por isso a lei não deve ser instituída ou editada em desconformidade com a isonomia. Não podem ser elaborados dispositivos legais sem estender o mesmo tratamento para todas as pessoas, atentando se que sejam alcançados também o aplicador e o legislador, assim são normas reguladoras que tendem a tratar de forma imparcial todos os cidadãos.

A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e judicializado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. (MELLO, 2010, p. 10).

Portanto, normas que em seu conteúdo violam o princípio da igualdade, sendo estas abusivas e discriminatórias, serão incompatíveis com os preceitos constitucionais, julgados como flagrantes de inconstitucionalidade e, ainda ensejando em responsabilidade civil e penal. O conceito de igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito sendo também um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio introduzido como pilar de sustentação e direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental.

Logo, é de suma importância a observância ao princípio da igualdade o qual é sinônimo da isonomia, ou seja, direito estendido a todos sem qualquer forma de discriminação contrária a constituição por meio de lei ou atos normativos, bem como, os demais princípios constitucionais.

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Por meio do exposto até aqui, verifica-se que todos estes princípios e normas visam trazer proteção ao idoso nos atos da vida civil e passa-se a demonstrar a seguir que esta é abarcada inclusive no momento matrimonial.

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3 DO CASAMENTO E SEUS REGIMES DE BENS

O casamento é a manifestação do casal em constituir uma família, em unir-se a outra pessoa por laços sentimentais e patrimoniais, de acordo com os regimes de bens permitidos no ordenamento jurídico.

Segundo Diniz (2018), de todas as instituições de direito privado o casamento é a mais importante, pois se trata de uma das bases da família é o alicerce para uma construção fundada em moral social e cultural do país. É o vínculo legal entre homem e mulher, que reconhecem a necessidade de uma vida em comum composta por amor, respeito e companheirismo e não somente uma legalização da união sexual.

O casamento parte da escolha daqueles que o compõem, por isso algo personalíssimo, necessitando da manifestação clara de querer uma convivência com outra pessoa e então a partir de uma estrutura fundada em amor comprometem-se reciprocamente as responsabilidades resultantes deste pacto.

Para Donizetti (2017), o casamento é uma formalização da união conjugal, é a instituição mais antiga de que se tem conhecimento, sendo um ato jurídico voluntário onde os efeitos principais são determinados pela lei, mas não se trata de um negócio jurídico e não pode ser intitulado como contrato, visto que não cabem às partes construir e modificar seus efeitos, apenas aceitar imposições legais independentes de sua vontade. Sendo então o casamento um ato jurídico solene e por outro lado o estado civil.

O Estado protege de forma especial a família por se tratar da formação da sociedade, por isso, como reza o art. 226, §1º, da Constituição Federal a celebração do casamento é civil e gratuita, oportunizando àqueles que se encontrem em condição financeira difícil o direito de formalizar o casamento perante o cartório de registro público sem nenhum custo, com intuito de facilitação da união na forma legal. (BRASIL, 1988)

Igualmente, o Estado visando facilitar a formalização da união em casamento reconhece nos termos da lei que o casamento religioso tenha efeitos civis, conforme preconiza o art. 226, §2º, da Constituição Federal. E ainda, no art. 226, §3º, da mesma norma, o Estado com intuito de proteção à família reconhece a união estável constituída entre homem e mulher e 26

em decorrência determina a facilitação para sua legalidade por meio do casamento civil. (BRASIL, 1988)

O casamento dentro do Código Civil no art. 1.511, estabelece aos cônjuges uma comunhão plena de vida, cujo fundamento é a igualdade de direitos e deveres. O art. 1.565 do mesmo Código dispõe ser o ato pelo qual os nubentes assumem em conjunto a posição de consortes companheiros, se responsabilizando desde então pelos encargos da família. (BRASIL, 2002)

De acordo com Coelho (2012), são quatro os efeitos oriundos do casamento, o primeiro é a constituição de família, por meio do casamento duas pessoas que antes eram distintas passam a compor um novo núcleo familiar que pode ser aumentado com a vinda de filhos biológicos, adotados ou mesmo já existente de um relacionamento anterior.

O segundo efeito, conforme esclarece Coelho (2012) diz respeito ao nome dos consortes disposto no art. 1565, § I, CC/02 os nubentes caso queiram poderão acrescentar ao seu nome o sobrenome do outro.

Quanto ao terceiro efeito resultante do casamento é a vinculação dos cônjuges a certos deveres que não são mais como no passado, hoje, qualquer um dos dois assumem rigorosamente as mesmas obrigações recíprocas e perante os filhos. Esse efeito se torna bem visualizado no art. 1.565, CC, “pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelo encargo da família” (BRASIL, 2002). Ambos ficam responsáveis e de forma igualitária.

O quarto e último efeito diz respeito ao regime de bens, o casamento deve resultar efeitos significativos ao patrimônio dos cônjuges de modo a unificá-los de forma total ou parcial.

A comunhão de vida estabelecida pelo casamento estende-se aos bens de propriedade dos cônjuges dependendo geralmente da vontade deles, havendo assim, uma comunicação e alteração na titularidade dos bens, ocasionando um condomínio entre marido e mulher sujeito a regras próprias, o princípio fundamental é o da ampla liberdade dos cônjuges para estipularem acerca de seus bens, anteriores ou posteriores ao casamento, o que bem quiserem. Em conformidade com art.1639, CC a lei permite aos cônjuges dispor livremente sobre os bens e os efeitos patrimoniais do casamento mostrando assim não poder ter 27

interferência na disposição dos bens particulares e a vontade dos nubentes. (COELHO, 2012).

Por ter ampla liberdade os cônjuges podem livremente tomar decisões se querem comunicação ou não dos bens do casamento, para ajudar na disciplina a lei trouxe quatro regimes com a intenção de facilitar a criação por parte dos nubentes.

Como afirmado os regimes de casamento são quatro: comunhão universal, comunhão parcial, separação absoluta e participação final nos aquestos, não havendo interesse por parte dos noivos na escolha de um regime ou se tratar de algo que diante da lei é nulo ou ineficaz estará a comunhão sujeita ao regime parcial de bens.

3.1 Regime da comunhão parcial

Inicialmente, traz-se o regime da comunhão parcial de bens onde os bens particulares adquiridos anteriormente ao casamento e os frutos de doação não se comunicam, portanto, a divisão em caso de dissolução do casamento será dos bens adquiridos onerosamente após o casamento.

Diniz (2018), descreve o regime da comunhão parcial de bens como uma solidariedade entre os cônjuges, estes, se encontram ligados por interesses comuns de forma material e parcial, conservando o que já era seu antes do matrimônio. Assim, torna-se justa a divisão dos bens em caso de separação judicial, pois tudo que adquirirem durante o matrimônio é comum, visto que houve colaboração dos cônjuges.

O Código Civil em seu art. 1.659 relata os bens incomunicáveis neste regime matrimonial como sendo os bens que cada cônjuge possuir no momento do casamento e os que adquirir após o matrimonio, provenientes de doação ou sucessão e os sub-rogados em seu lugar; as obrigações contraídas em data anterior ao casamento; as obrigações provenientes de atos ilícitos a menos que se utilizou em proveito do casal; os frutos do trabalho pessoal de cada cônjuge e as pensões e meios soldos montepios ou rendas similares destas. (BRASIL, 2002)

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Nestes casos dispostos acima, não haverá comunicação destes bens, ou seja, em caso de dissolução do casamento estes bens ficam resguardados, sendo somente de direito do cônjuge titular, logo destes bens não haverá divisão entre o casal.

Quanto aos bens que se comunicam no regime de comunhão parcial de bens, estão dispostos no art. 1.660 CC, como sendo os bens adquiridos de forma onerosa durante a vigência do casamento, troca, vendas; também os adquiridos por eventualidade, jogo, aposta, rifa, loteria; os adquiridos por ambos os cônjuges por uma doação herança ou legado, e ainda as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; os frutos dos bens comuns ou particulares dos cônjuges durante o casamento e a renda que resultar da utilização dos direitos patrimoniais do autor. (BRASIL, 2002)

Todos esses bens em caso de dissolução do casamento serão divididos entre o casal, visto que há comunicação entre todos estes, independente de esforço do outro cônjuge. Por isso é um regime parcial onde o que foi adquirido durante o casamento pertence igualmente ao casal.

No entendimento de Donizetti (2017), neste regime há existência de três patrimônios, sendo o comum aos cônjuges, o patrimônio pessoal da esposa e o patrimônio pessoal do marido. Isso significa que os bens que cada cônjuge possuía anteriormente ao casamento trata-se de um patrimônio particular, e em caso de dissolução da união este não entrará na divisão, no entanto, os bens adquiridos após o casamento fazem parte desta comunhão, sendo tudo dividido de forma parcial cabendo a cada um a metade do montante do patrimônio em comum.

Quanto à administração dos bens comuns, esta cabe a qualquer um dos cônjuges, sendo necessária a concordância de ambos para atos que visem alienar onerosamente ou a título gratuito, a cessão de uso ou gozo dos bens comuns, conforme art. 1.647, do Código Civil é necessária esta outorga conjugal para evitar prejuízos ao patrimônio do casal. Não havendo o consentimento do outro para a prática destes atos, serão nulos. (BRASIL, 2002)

Ocorrerá a dissolução deste regime em caso de separação, divórcio, nulidade ou anulação do casamento, dividindo em igualdade os bens comuns e retirando em sua totalidade os bens 29

particulares, ou ainda pela morte de um dos cônjuges, neste caso serão entregues aos herdeiros do falecido quando estes existirem os bens de sua propriedade. (DINIZ, 2018).

Ressalta-se que o art. 226, §3º, da Constituição Federal e o art. 1.723 do Código Civil reconhecem a união estável entre o homem e a mulher, como sendo uma entidade familiar quando esta preencher os requisitos de uma convivência pública, contínua, duradoura e cujo objetivo principal seja a constituição de família, logo possibilita a conversão desta união estável em casamento, devendo ser primeiramente solicitado ao juiz e após consentimento deste, o devido assentamento no registro civil, como determina o art. 1.726, do Código Civil. (BRASIL, 2002), (BRASIL, 1988).

Neste caso, conforme ressaltado no art. 1.725 do Código Civil não havendo um contrato entre os companheiros estipulando um regime de bens será aplicado no que couber o regime da comunhão parcial de bens. (BRASIL, 2002)

Após a compreensão do regime da comunhão parcial de bens, o qual vigora nos casos em que não há escolha de regime matrimonial específico antes do casamento por parte do casal e que estende-se a união estável, uma vez que por força de lei está é equiparada ao casamento, torna-se essencial a compreensão do regime da comunhão universal.

3.2 Regime da comunhão universal

O regime da comunhão universal de bens tem previsão no art. 1.667 do Código Civil, permitindo os nubentes estipular por meio do pacto antenupcial o regime da comunhão total de seus bens. Neste regime todos os bens do casal se comunicam, sejam estes presentes ou futuros adquiridos antes ou depois do matrimônio. Contudo, também as dívidas passivas são de responsabilidade do casal, constituindo-se um estado de indivisão, adquirindo cada cônjuge o direito à metade ideal de todo o patrimônio comum. (BRASIL, 2002)

A comunicação do ativo e passivo no regime da comunhão universal ocorrerá porque este regime funciona como uma espécie de sociedade disciplinada por regras próprias e peculiares. Em decorrência disso, enquanto existir a sociedade conjugal “nenhum dos consortes tem a metade de cada bem, e muito menos a propriedade exclusiva de bens discriminados avaliados na metade do acervo do casal”. (DINIZ, 2018, p. 198) É devida esta 30

universalidade dos bens, mesmo após a dissolução desta sociedade, haja vista que estes não se reintegram ao patrimônio daquele que o trouxe ou adquiriu.

Pelos princípios que regem a comunhão universal todos os bens do casal se subordinam à lei da comunhão. A partir do momento em que acontece a aquisição de um bem por um dos consortes este já se torna comum, então os dois serão meeiros da totalidade dos bens, mesmo quando um deles nada tinha no momento do matrimônio ou nada adquiriu durante este.

Embora o regime em comento implique a comunicabilidade dos bens presentes e futuros, o art. 1.667 do CC/02, traz que alguns poderão ser albergados pela exceção de incomunicabilidade por terem efeitos personalíssimos ou por causa de sua própria natureza. São os casos dos bens doados ou herdados mediante cláusula de incomunicabilidade; dívidas anteriores ao casamento desde que estas não foram contraídas para custeio do casamento ou proveito do casal; os bens gravados de fideicomissos e o direito do herdeiro fideicomissário; os bens de uso pessoal de cada consorte; os proventos do trabalho pessoal de cada consorte; as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges contendo cláusula de incomunicabilidade; as pensões meios soldos e assemelhados; e ainda os diretos patrimoniais do autor, salvo se houver pacto nupcial em contrário. (BRASIL, 2002)

Sobre a extinção da comunhão universal, Diniz (2018), informa que ocorrerá com a morte de um dos cônjuges, também em caso de sentença de nulidade ou anulação do casamento ou ainda pela separação ou pelo divórcio.

Como relatado, a escolha do regime da comunhão universal se dá por meio de pacto antenupcial pelo qual fica acordada a participação de forma extensiva de todos os bens do casal.

Em prosseguimento ao entendimento dos regimes de bens essenciais à compreensão deste trabalho, passa-se a traçar esclarecimentos acerca do regime de participação final dos aquestos.

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3.3 Regime de participação final nos aquestos

Dentre os regimes de bens dispostos no ordenamento jurídico outro muito importante é o da participação final nos aquestos, o qual está previsto nos artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil. O art. 1.672 estabelece que cada cônjuge possui o seu patrimônio próprio e em caso de dissolução da sociedade conjugal haverá divisão dos bens adquiridos de forma onerosa durante o casamento cabendo a metade a cada cônjuge. (BRASIL, 2002).

Diniz (2018) argumenta que o regime da participação final dos aquestos é geralmente utilizado quando os cônjuges têm considerável patrimônio no momento do casamento ou quando desenvolvem atividades empresariais distintas, para terem uma maior liberdade ao conduzir seus negócios profissionais.

Neste regime constitui-se massas de bens particulares incomunicáveis, no período do casamento e no ato da dissolução tornam-se bens comuns. Desta forma, enquanto esta não ocorre, ficam separados em dois patrimônios, um com os bens que cada cônjuge possuía antes do casamento e um outro com os adquiridos na constância da sociedade matrimonial. (DINIZ, 2018, p. 205).

A escolha deste regime se dá devido à necessidade de administração dos bens particulares de forma independente sem a outorga conjugal em casos de disposição de bens particulares, tendo assim uma maior liberdade e agilidade para gerir negócios próprios oriundos de bens anteriores ao matrimônio.

Para Donizetti (2017) o regime da participação final nos aquestos é um regime misto, durante o casamento é bem parecido com da separação de bens e no momento da extinção assemelha-se ao da comunhão parcial de bens.

Como reza o art. 1673 do CC/02, cada cônjuge pode administrar o patrimônio inicial de forma individual, podendo dispor de bens móveis sem a autorização do outro cônjuge, e, se quiserem podem convencionar no pacto antenupcial a liberdade para alienar bens imóveis particulares. E quanto aos bens imóveis em comum caberá a participação dos dois nas tomadas de decisões que envolvem alienação. (BRASIL, 2002).

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Em caso de dissolução conjugal, em consonância com o art. 1.674 do Código Civil será feito levantamento do total dos aquestos, momento em que será realizada uma precisa e rigorosa apuração contábil, excluído da soma dos patrimônios próprios: os bens anteriores ao casamento e os que foram sub-rogados em seu lugar; os adquiridos por cônjuge por meio de herança, legado ou doação, bem como os débitos tributários e os oriundos de financiamentos neste caso vencidos e a vencer. (BRASIL, 2002)

Após os devidos abatimentos analisa-se o patrimônio existente por ocasião das núpcias com o final e constatando-se que um adquiriu valor superior do que o outro, sendo o cônjuge deverá atribuir a este, metade da diferença. É o que preleciona Diniz:

Cada cônjuge tem um crédito sobre a parte do que o outro adquiriu a título oneroso na constância do casamento, pois, se contribuíram cada um a seu modo, para a formação do patrimônio familiar, será juto que, havendo dissolução da sociedade conjugal, possam dividir ao meio o que adquiriram onerosamente e o que obtiveram em conjunto com esforço comum. (DINIZ, 2018, p. 210).

Finalizado o casamento, cabe a cada cônjuge a metade da partilha dos bens assemelhados em conjunto de forma onerosa, igualmente o que acontece no regime de comunhão parcial. Ressalta-se de que este direito à meação é irrenunciável, inacessível ou impenhorável durante o regime do casamento, conforme art. 1682 do CC/02, o intuito é proteger o patrimônio da família. (BRASIL, 2002)

Após entendimento do regime da separação final dos aquestos importante se faz a análise do último regime de bens disposto no ordenamento jurídico, sendo o regime da separação de bens.

3.4 Regime da separação de bens

O regime da separação de bens está disposto no art. 1.687 do CC/02. Neste regime cada cônjuge tem por exclusividade o domínio, a posse e a administração de seus bens presentes ou futuros e se responsabiliza individualmente por eventuais débitos anteriores ao matrimônio. Os patrimônios do marido e da mulher permanecem separados não comunicando entre si, sejam os anteriores ou adquiridos na constância do casamento.

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Ao optar por este regime, um cônjuge não influi na vida financeira do outro, de modo que cada qual pode administrar e dispor livremente de seus bens inclusive os imóveis.

No regime da separação de bens cada consorte poderá fluir livremente de seus bens, manterá a posse e a organização destes, de qualquer tempo anterior ou posterior ao casamento, inclusive os débitos. Isso significa que sempre haverá dois patrimônios sendo um do marido um da mulher e a incomunicabilidade alcança todos os bens. (DINIZ, 2018).

Conforme o art. 1.647 do CC/2002, poderão os consortes, sem o consentimento do outro, pleitear ações em que seja autor ou réu, em se tratando de bens ou direitos imobiliários, prestar fiança, aval, podendo ainda fazer doação. (BRASIL, 2002).

Em caso de débito, este não se comunica respondendo isoladamente cada cônjuge. Mas de forma conjunta o casal é obrigado a contribuir para as despesas familiares de acordo com o seu ganho, exceto quando em pacto antenupcial acordarem diferente. (DIAS, 2018).

O regime de separação de bens poderá ser convencional ou por força da lei, pois tem situações em que torna-se obrigatório que o casamento se realize somente sobre este regime, para proteção dos nubentes, de terceiros ou ainda por sanção. Uma destas situações pode ser visualizada no art. 1.641 do CC/02, o qual prevê que os nubentes quando estiverem sobre causas suspensivas como no caso de viúva ou viúvo que tenham filhos do falecido e ainda não concretizaram o inventário, só podem contrair matrimônio sobre o regime em comento, salvo na falta de bens a partilhar ou prova de não haver prejuízo para o herdeiro ou ainda na prova de inexistência de gravidez. (BRASIL, 2002).

Ainda de acordo com o art. 1.641 do CC/2002 também são vedados de escolher regime diverso da separação de bens os divorciados quando tiverem bens a partilhar enquanto não o fizer, o tutor ou curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos com a pessoa que se encontrar sobre a curatela ou tutela. A vedação também é cabível à pessoa maior de setenta anos, evitando que o idoso seja lesado em um possível “golpe do baú”, e às pessoas que dependem de suprimento judicial para realizar o matrimônio. (BRASIL, 2002)

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A vedação é somente a escolha do regime de bens com qual estas pessoas desejam se casar, por isso, podem realizar o matrimônio, mas somente regido pelo regime da separação de bens. Os divorciados, caso queiram optar por um regime diverso é necessário fazer a partilha de bens caso exista algum do casamento anterior, assim estarão liberados da vedação do art. 1.641 do CC/2002. Os demais supracitados ficam submetidos a esta proibição.

Os nubentes quando obrigados a se casarem sobre o regime da separação de bens não poderão contratar sociedade entre si, como informa o disposto no art. 977 CC/2002, e os que não se enquadram nesta hipótese, nos casos de separação convencional, desde que acordado em pacto antenupcial poderão como sociedade constituir-se, como demonstra o art. 1.639 CC/2002. (BRASIL, 2002).

Sobre a separação convencional, é permitido aos nubentes acordarem sobre bens que eventualmente se comunicarão, criar normas no que se refere a administração a quota de contribuição de cada cônjuge as despesas referentes ao lar e educação dos filhos. “Logo, esse tipo de separação de bens pode apresentar-se como pura ou absoluta e limitada ou relativa. A separação pura ou absoluta é a que estabelece incomunicabilidade de todos os bens adquiridos, inclusive frutos e rendimentos”. A limitada ou relativa circunscreve-se aos bens presentes havendo, portanto, comunicação dos frutos e rendimentos futuros. Contudo, os nubentes devem dispor no pacto antenupcial como se comunicaram os aquestos da forma que bem quiserem. (DINIZ, 2019, p. 216).

Nota-se que há muitas divergências acerca do direito de comunicação dos bens adquiridos por esforço comum na constância do casamento quando regido pela separação obrigatória de bens. Há uma primeira corrente que sustenta que o direito de comunicação dos bens adquiridos por esforço comum na constância do casamento regido pela separação obrigatória de bens é separação absoluta. Nesse sentido, pode-se citar Clóvis Beviláqua, Caio Mario da silva Pereira, Pontes de Miranda e ainda Carvalho Santos, e outros.

Por outro lado, há uma corrente que entende que o direito de comunicação dos bens adquiridos por esforço comum na constância do casamento regido pela separação obrigatória de bens, é separação limitada. Os defensores dessa corrente são Espínola, Washington de Barros Monteiro, Vicente Ráo, Orlando Gomes, Philadelpho Azevedo e Cândido de Oliveira e alguns outros civilistas. 35

O casamento no regime de separação de bens é escolhido pelo casal que não quer a comunicação dos seus bens caso ocorra a dissolução da sociedade conjugal, enquanto a separação de bens obrigatória ou legal é imposta por um dispositivo normativo, independente da vontade dos nubentes, com isso, ainda que queiram, os seus bens não se comunicam.

No entanto, a súmula 377 do STF, contrariando o art. 1.641, do Código Civil trouxe um entendimento contrário de que há comunicação nos bens onerosos adquiridos após o casamento, mesmo quando este se tratar do regime de separação de bens, uma vez que a incomunicabilidade causaria enriquecimento sem causa a uma das partes e prejuízos a outra.

Após ter discorrido no presente trabalho acerca dos cinco regimes de bens dispostos no Código Civil, de forma mais específica o trabalho se volta ao tema central, foco deste estudo, qual seja a análise da constitucionalidade do art. 1.641, inciso II, do Código Civil que preleciona que a pessoa que adquirir os seus 70 anos fica proibida de optar por um dos regimes de bens disponíveis no ordenamento jurídico, podendo apenas optar pelo regime da separação de bens obrigatória.

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4 ANALISE DA (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART.1.641, II, DO CC

O trabalho se reporta para o tema principal, sendo este a análise do ato do Estado que proíbe, por meio do disposto no art. 1.641, II, do Código Civil, que os nubentes quando maiores de setenta anos escolham o regime de bens sob o qual o casamento vai se submeter.

Nesse sentido, necessário se faz verificar quem é o idoso e quais as suas habilidades, bem como se o Estado realmente detém o intuito de protegê-los quando estipula a vedação supracitada. Igualmente, faz-se necessário analisar se essa proteção viola direitos amparados pela Carta Magna e, por fim, esclarecer se a referida imposição se trata de norma inconstitucional.

4.1 O maior de setenta anos na melhor idade!

Como visto, o Código Civil no art. 1.641, inciso II, impõe limitação ao regime de casamento do maior de setenta anos, fazendo com que de certa forma as pessoas que atingem essa faixa etária recebam tratamento discriminatório como se não possuíssem capacidade de raciocínio e escolha.

Inicialmente cabe dizer que o número de idosos no Brasil, segundo os dados oficiais do IBGE, já se encontra alto e tende a aumentar nos próximos anos. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a estimativa populacional do Brasil, conta com mais de 209 milhões de habitantes. Nos rankings entre as cidades brasileiras mantêm-se o crescimento do número de pessoas idosas, ressaltando um índice importante, em menos de uma década o Brasil aumentou em 8,5 milhões o número de idosos. (IBGE, 2019).

Segundo os dados do IBGE, que foram apurados por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos com isso acrescentou 4,8 milhões de idosos desde 2012. Devido a este acréscimo o número de pessoas idosas teve um aumento de 18% alcançando 30% da população brasileira e superando a marca dos 30,2 milhões no ano de 2017. (IBGE, 2019)

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De acordo com o instituto, em todo o mundo é percebida a tendência de envelhecimento da população nos últimos anos, este também explica que um dos fatores que contribuiu para o presente cenário foi o aumento da expectativa de vida que hoje é de 76,2, o que decorreu de uma melhoria na condição de saúde da população em geral, além da redução da taxa de fecundidade, uma vez que a quantidade média de filhos por mulher vem sendo reduzida consideravelmente, sendo constatado este fenômeno de forma mundial. (IBGE, 2019)

A gerente da Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios Contínua, do IBGE, Maria Lúcia Vieira, discorre sobre a quantidade de idosos e seu crescimento em todas as unidades da federação, segundo ela “os estados com maior proporção de idosos é o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, ambas com 18,6% de sua população dentro do grupo de 60 anos ou mais. Minas Gerais é o segundo estado em quantidade de idosos do país que somam 15% da população mineira e o Amapá, por sua vez, é o estado com menor percentual de idosos, com apenas 7,2% da população. (IBGE, 2019)

Informa ainda que, o aumento de pessoas idosas no Brasil mostra outro dado curioso, a diferença entre a quantidade de idosas se sobrepõe ao número de idosos. Sobre isso, Maria Lúcia Vieira destaca que “as mulheres são maioria expressiva nesse grupo, com 16,9 milhões (56% dos idosos), enquanto os homens idosos são 13,3 milhões (44% do grupo) ”, logo, independentemente do número de acréscimo que ocorre na quantidade dos maiores de sessenta anos, o número de mulher tem se mantido superior. (IBGE, 2019)

Ainda por meio de dados do IBGE, verifica-se que os idosos continuam no mercado de trabalho, pois de acordo com o censo agropecuário de 2017, é comum a presença de idosos tanto como produtores rurais ou como recenseadores, destacando que atualmente há 222 pessoas com 60 anos ou mais trabalhando no censo. (IBGE, 2019)

Como exemplo, o Instituto destaca uma recenseadora que, aos 75 anos, trabalha no quarto recenseamento junto ao instituto IBGE na unidade de Santo Antônio do Monte em Minas Gerais. Após a sua aposentadoria, pretendendo manter a rotina agitada iniciou as atividades laborativas no censo demográfico 2000, e cumpre com rigor e disposição as suas tarefas, e, ainda espera realizar o censo 2020. (IBGE, 2019)

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É comum que, devido à idade, os idosos encontrem dificuldade para se inserir ou manter-se no mercado de trabalho, uma vez que estes dispõem de um tempo diferente para aprender ou realizar atividades que parecem fáceis para uma pessoa mais jovem, no entanto, isso não deve ser obstáculo que não possa ser superado. Embora o tempo de aprendizado muitas vezes pode ser diferente, à satisfação de ser útil, de trabalhar independentemente da idade é essencial para se manter ativo, pois, o cidadão pode se aposentar, mas o sujeito jamais se aposenta.

Assim, com intuito de demonstrar a presença do idoso também na atividade rural, o IBGE (2019), destaca uma senhora que, aos 83 anos de idade, conforme documentos mostrados, embora garante ter completado 101 anos em 2017, recebeu o censo com sua enxada na mão, que é também seu instrumento de trabalho, e relatou as dificuldades de viver do campo e o esforço para cultivar diariamente hortaliças, feijão, milho e mandioca, além de criar gado. (IBGE, 2019)

Diante de números tão altos de idosos, o governo precisa pensar em políticas públicas que atendam de forma adequada e eficaz essa parcela numerosa da população. Pois, ainda que seja dificultoso para um idoso se manter no mercado de trabalho e se inserir no meio da sociedade é extremamente necessário reinseri-lo, visto que, desta forma, ele se sente útil, vivo, e contribui para o seu sustento e de sua família. Taísa Maria Macena de Lima (2018), diz que, “todas estas estratégias podem contribuir para neutralizar o sentimento de falta de pertencimento e de menos-valia dando lugar a um renovar-se na velhice” desta forma, continuar o idoso com suas atividades laborais embora seja um direito, também se revela uma necessidade.

Traz-se à baila que vários cargos públicos são preenchidos por pessoas que se encontram na faixa etária analisada por este trabalho, a título de exemplo: os ministros Marco Aurélio Mendes de Faria Melo (73), José Celso de Mello Filho (74), Enrique Ricardo Lewandowski (71), Rosa Maria Pires Weber (71), que com idades superiores a setenta anos fazem parte da composição atual do Supremo Tribunal Federal (STF).

Também na Presidência da República a idade não é um problema, pelo contrário, é considerado experiência. Nota-se que o Sr. Michel Miguel Elias Temer Lulia, durante o 39

período que esteve à frente na presidência do Brasil tinha 78 anos de idade, fato que não o impediu de desempenhar suas funções com total credibilidade.

Ressalta-se que na Assembleia Legislativa da Bahia foi eleito um deputado estadual com 82 anos de idade, bem como foi reeleita uma deputada federal do Estado de São Paulo que já está com 84 anos de idade e exercendo seu 5º mandato.

Isso demonstra que a idade avançada não é sinônimo de incapacidade, o fato de um indivíduo completar 70 anos não o torna menos capaz que os demais ou inapto para gerir sua vida e funções importantes como de um agente público. Como demonstrado pelos exemplos supracitados a muita capacidade e experiência em um cidadão nesta faixa etária estando apto para desenvolver qualquer função sem nenhuma vedação normativa.

O tema abordado se trata de um assunto de suma importância, haja vista que o número da população idosa no Brasil tende a aumentar cada vez mais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a 2 bilhões até 2050, isso representará um quinto da população mundial. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população idosa do mundo, e, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. (USP, 2019).

Como afirmado, é crescente o quantitativo de pessoas idosas no Brasil e entre estas pode-se destacar a quantidade dos que se encontram na faixa etária superior a setenta anos, de acordo com o site do Tribunal Superior Eleitoral estes já alcançam o contingente de 12 milhões. (FERREIRA, 2019)

O Estado se preocupa em proteger essa classe, tanto que há um estatuto do idoso e vários outros dispositivos normativos onde se tem preferência a pessoa em comento. Outra grande proteção pode ser visualizada no art. 1.641, II, do Código Civil ao proibir que o maior de setenta anos se case em regime diferente do imposto a eles, o regime da separação obrigatória de bens, estes atos por parte do Ente Público são com intuito de proteção de forma especial com a pessoa idosa.

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Para Paul Tournier, os atos que demonstram interesse de verdade para com a pessoa idosa, faz com este se sinta amado e se enxergue como pessoa.

Um velho se transforma quando vê que alguém se interessa de verdade por sua vida pessoal. Uma chama iluminara seus olhos, que pareciam apagados; seu rosto endurecido numa expressão estereotipada certamente se anima com profunda emoção: até este momento se sentia arquivo morto, um objeto que não serve para nada, mas subitamente lhe renasce a vida, volta a ser uma pessoa (TOURNIER 2014, p. 83).

O idoso tem muito a lembrar as inúmeras experiências passadas se fazem presentes no seu dia a dia, seja como simples saudade ou como recordação e o que vive no presente é observado com o olhar de quem já muito presenciou, mas afinal, pergunta Taisa Maria (2018), “o que se pode esperar quando se chega a velhice? Pode-se viver com discernimento e autonomia”, enfatiza que são muitos os exemplos de idosos no meio social ou na mídia como empreendedores criando a cada dia novos projetos, mas ao lado deste sonho existe o medo de uma perda gradativa da consciência e da saúde e em decorrência à falta de autonomia para decidir seu próprio destino.

De fato, a idade em comento deve ser vista como “a melhor idade” por tratar-se de um milagre alcançá-la com saúde lucidez e força para trabalhar. O idoso, por ser maior de 70 anos, não perde, em sua maioria, o discernimento necessário para decidir o que é melhor para sua vida. Desta forma se encontra capaz para realizar atos importantes como a escolha do regime de bens com o qual pretende se casar, sendo assim, a idade não pode ser um parâmetro para análise de lucidez, impedindo que o maior de setenta anos em perfeitas condições psíquicas tenha o direito de amar e ser amado, ainda que seja pelo fato de possuir o idoso uma boa condiçao financeira.

4.2 Autonomia privada no Pacto antenupcial

Tendo o Estado total conhecimento do aumento da população idosa, no decorrer dos anos, procurou elaborar normas que não violem e não deixem os idosos a mercê de qualquer pessoa, cuidando da proteção do seu patrimônio muitas vezes construído durante toda a vida. Todavia, o Estado, procurando resguardar direitos, acaba por suprimir outros, os quais igualmente devem ser resguardados, como acontece no caso dos idosos maiores de 70 anos que desejam se casar e constituir uma família com todos os direitos inerentes a 41

esta, mas de acordo com o art. 1.641, II, do Código Civil ficam submetidos ao regime da separação obrigatória de bens.

O intuito do estado em interferir nas relações de família e impor um regime à pessoa maior de setenta anos é proteger os seus bens, pois este encontra-se, na maioria das vezes, em condição frágil, onde possíveis aventureiros podem se aproveitar da condição do idoso para se beneficiar de seu patrimônio por meio do casamento. Neste sentido, Gonçalves (2018, p. 352), traz que “a pessoa maior de setenta anos a restrição é eminentemente de caráter protetivo, objetiva obstar a realização de casamento exclusivamente por interesse econômico”. Desta forma o casamento pode ser realizado, mas se o objetivo for aproveitar da condição financeira da pessoa idosa este não será atingido, visto que, pelo regime obrigatório de separação, os bens ficam protegidos

Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2012), a capacidade e o desimpedimento são as premissas fundamentais para aqueles que querem casar, sendo que a capacidade está ligada a idade núbil e a maior idade dos nubentes, já os impedimentos estão ligados a fatores biológicos e jurídicos. Por isso, andam junto a cláusulas suspensivas que vedam a escolha de um regime impondo como única opção a separação de bens.

A disposição da idade para o casamento é regida pelo Código Civil especificamente no art. 1.517, quando determina que aos 18 anos é adquirida a capacidade para a vida civil e, para o casamento, após 16 anos com o consentimento dos pais ou de representantes legais. Contudo, não basta ter somente a idade capaz é necessário também estar desimpedido para o ato do casamento. O art. 1521, CC/2002 traz os impedimentos aos que desejam se casar e o art.1523, CC traz as causas suspensivas, que visam impedir uma escolha dos nubentes de qual regime de bens pretendem se casar determinando, aos que se encontrarem nas hipóteses arroladas pela lei, só poderão se casar mediante o regime da separação obrigatória de bens. (BRASIL, 2002)

De acordo com o princípio da livre estipulação o casal pode escolher por um dos regimes regrados no código e ainda há possibilidade de combinar suas regras resultando em regimes mistos diversos dos trazidos pelo legislador, assim podem os casais optar pela comunicação de bens móveis e a não comunicação dos bens imóveis ou vice-versa, sendo esta uma autonomia privada. O caput do art. 1.639, do Código Civil garante esta ampla liberdade “é 42

lícito aos nubentes antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver” fica evidente a expressa liberdade dos cidadãos para compactuar podendo fazê-lo como bem quiserem. (BRASIL, 2002)

O casal tem a liberdade perante o Código Civil de escolher o regime de bens pelo qual será regido o casamento e os direitos de cada cônjuge aos bens do casal. No entanto, por ter idade superior a setenta anos o mesmo diploma normativo veda esta escolha, sem a observância da importância desta decisão neste momento da vida de um idoso que consegue amar, e proteger seu cônjuge independentemente da idade.

Talvez neste movimento de um ao outro possamos ver o sentido de toda a vida. A todo momento estamos diante desta escolha; podemos avançar a um horizonte mais amplo ou retroceder a um amor mais estreito. O homem deve interessar-se por uma posição e consegue inserção por meio do amor, mas se ela é estreita demais o limitara mais do que o ajudará a expandir-se e chegar ao universal. Nunca esta escolha é tão decisiva como no momento em que a aposentadoria e a velhice nos privam de nossos pontos de inserção anteriores. (TOURNIER 2014, P. 216).

Também no art. 1.857, do Código Civil pode ser verificado o princípio da autonomia privada ao ressaltar que “toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade de seus bens, ou de parte deles para depois de sua morte” fazendo ressalva a legitima caso haja herdeiros necessários, e em sequência no art. 1.858, do mesmo dispositivo, garante novamente por meio da autonomia privada que o testador modifique o testamento a qualquer momento, por se tratar este de um ato personalíssimo. Com isso garante ao indivíduo desde que esteja em plena capacidade mental dispor livremente de seus bens. (BRASIL, 2002)

Por muito tempo, o casamento no Brasil era a única forma de reconhecimento de família, com advindo da Constituição Federal de 1988, este reconhecimento foi estendido a todo ambiente familiar igualitário e solidário, embasando-se no eudemonismo, onde o que importa é a busca da e a realização plena da família, mantidos por atos de liberdade e responsabilidade, tendo por consequência uma maior autonomia privada e uma menor intervenção do Estado.

Assim, o casamento é parte do direito privado, sendo que sua existência se dá por meio de um acordo de vontades para atingir o objetivo das partes que devem ser respeitados em observância aos dispositivos legais. Por meio do pacto antenupcial pode se convencionar 43

sobre o regime da separação de bens, podendo este também ser imposto pelo legislador conforme art. 1.641, II, do Código Civil, porém, neste caso por força da súmula 377 do STF os bens adquiridos na constância do casamento, independente de prova de esforço comum se comunicam, igualando a separação obrigatória legal ao regime da comunhão parcial de bens, violando dispositivo normativo.

Neste caso aos nubentes que discordam do entendimento da súmula 377 do STF por optarem pelos efeitos da separação de bens legal seria então necessário um pacto antenupcial para declarar a absoluta e total separação patrimonial e afastar a incidência da citada súmula. Contudo, nem sempre é aceito na habilitação do casamento por força do disposto no item 7º, do art. 70 da Lei 6.015/73, a qual estipula que não poderão ser consignadas escrituras de pacto antenupcial no assento de casamentos quando o regime for o legal, ainda que o pacto seja em concordância com o dispositivo legal. Com isso, incidiria a súmula 377 em caso de dissolução do casamento e teria por violada a autonomia privada. (NEVARES, 2014).

Logo, é permitido a escritura pública de Pacto Antenupcial nos regimes diversos do regime legal, para as partes manifestarem a autonomia da vontade e estabelecer sobre o regime de bens que lhe convém conforme permitido no art. 1.639, CC/02, dessa forma a união tem laços patrimoniais, sob o crivo da autonomia privada.

De acordo com José Fernando Simão, na decisão da Corregedoria Geral de Justiça em dezembro de 2017, houve uma perfeita interpretação do Código Civil, ao admitir que nas hipóteses do art. 1.641, II, CC./02 em que a Lei impõe o regime de separação obrigatória de bens, pode os nubentes por meio de pacto antenupcial estabelecer a incomunicabilidade parcial ou total dos aquestos, afastando a incidência da súmula 377 do STF, mas sendo obrigatório manter todas as demais regras. (SIMÃO, 2018).

A interferência do estado em não permitir a escolha de um regime patrimonial nos matrimônios das pessoas que alcançaram os setenta anos e a concretização de um pacto nupcial com a disposição de suas vontades, além de violar o princípio da autonomia privada também fere o direito constitucional de igualdade, o qual se passa a analisar.

4.3 A intervenção do Estado no regime de bens e a igualdade como garantia constitucional 44

Muito tem se falado acerca desta vedação na escolha do regime de bens trazida pelo Código Civil, uma vez que aos 70 anos muitos ainda gozam de pleno discernimento mental e físico para escolherem, igualmente aos demais, o regime de bens que acharem mais vantajosos. Nesse contexto, o estado ao entender que o idoso após 70 anos precisa de um amparo maior e que não tem condições para tomar decisões importantes diminui de certa forma a credibilidade em atos praticados por este, ferindo direitos de liberdade, dignidade e igualdade, garantidos constitucionalmente e reafirmados no estatuto do idoso.

É comum o idoso sofrer preconceito e se sentir rejeitado por não ter voz perante suas vontades e poder frente as decisões importantes de sua vida, sendo impedido de participar de decisões familiares que por muitos anos foram decididas por ele, ou mesmo vendo alguém decidir em seu lugar, sem que ele concorde que este esteja apto para tomar tal decisão. Com isso, ferindo o direito de igualdade o qual é “a base fundamental do princípio republicano e da democracia, pois deste princípio, inúmeros outros decorrem” e uma vez que por meio de uma limitação normativa o Estado impõe contra a liberdade de manifestar suas opiniões como os demais sobre qualquer assunto, de ter seu espaço físico preservado, bem como seus pertences, bens pessoais, patrimoniais e decidir o que fazer com estes, fere de morte a igualdade constitucional. (ALEXANDRINO, 2014, p. 89).

O caput do art. 5º da constituição Federal garante esta igualdade a todos sem nenhum tipo de distinção a qualquer indivíduo, e veda a violação ao princípio da igualdade, o direito à vida à liberdade, propriedade e segurança. Com isso o idoso deve ter tratamento igual aos demais visto que trata-se de uma garantia constitucional que conforme o citado artigo deve ter estendido a todos pois isso, se configura igualdade.

No entendimento de Alexandre, todo cidadão tem o direito idêntico pela lei, direitos de cidadania à igualdade, liberdade e dignidade como pessoa humana e sujeitos de direitos civis, previstos na Constituição, cabendo ao estado em conjunto com a sociedade evitar que estes sejam violados, conforme art. 10° do estatuto do idoso, compreendidos nos direitos de liberdade e igualdade a opinião e expressão. Assim devem ser vedadas todas as diferenças arbitrarias e as discriminações absurdas, visto que a “igualdade é meta que deve ser alcançada não só por meio de leis, mas também por aplicação de políticas ou programas de ação estatal, a igualdade se configura como uma eficácia transcendente” e por isso todo 45

meio de desigualdade não é recepcionado pela Constituição, não sendo compatíveis com valores destacados pela norma suprema. (MORAES 2010, p. 36).

Alicerçado no §2º do citado art. 10, o idoso tem direito ao respeito que consiste na inviolabilidade da sua autonomia, portanto, não podendo ser imposto a estes condutas que inibem sua participação seu poder de decisão sua autonomia frente a decisões em que possua condições de decidir sozinho.

Porquanto quando o estado proíbe o idoso maior de setenta anos de escolher em qual regime que será regido o seu matrimônio, ainda que protegendo seu patrimônio e o direito de terceiros, o estado está ferindo outros direitos garantidos a este cidadão, uma vez que, segundo José Afonso da Silva, “a igualdade na lei exige que nas normas jurídicas não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria Constituição” para não ferir direitos de igualdade, liberdade e dignidade. (SILVA, 2010, p. 211).

Quando o Estado impõe às pessoas em comento o regime da separação de bens para contraírem um matrimônio interfere em seu direito de dispor livremente de seus bens o qual, e garantido pelo mesmo Código Civil em seu art. 1.639 e desta forma os distinguem da igualdade universal.

Outrossim, o Código Civil se preocupa em proteger todas as partes de uma entidade familiar independentemente do tipo constituído, bem como a Constituição que traz garantias fundamentais a todo cidadão e de forma especial a pessoa do idoso.

No entanto, por causa de tal vedação o cônjuge ou companheiro do maior de 70 anos, que muitas vezes poderá se tratar de uma pessoa também idosa, sobre a qual o estado deveria ter todo o cuidado de proteger, ao contrair o matrimônio fundado somente em amor com um companheiro maior de 70 anos que esteja incluso nesta imposição, estaria sendo excluído desta proteção almejada pelo Estado. Ademais, teria tratamento diferente dos demais, novamente ferindo a igualdade constitucional.

O fato do Estado utilizar-se da vedação trazida no artigo 1641, II, do CC/2002 para proteger um lado, acaba desamparando outro, neste caso, um nubente que não utilizaria de atos de má fé ao se envolver com outro nubente maior de setenta anos não teria igualdade de direitos 46

advindos desta relação como nos demais casos, violando assim vários direitos inclusive à proteção para com esta pessoa.

Ao intervir na escolha de bens pelos nubentes, o Estado viola o princípio de igualdade e, de certa forma, à democracia por agir de forma distintiva privilegiando a alguns, fazendo pairar dúvidas quanto a constitucionalidade desta disposição normativa.

4.4 Análise da (in) constitucionalidade do art. 1.641, II, do Código Civil

O Código Civil no artigo 1.641, II, traz vedação expressa aos maiores de 70 anos ao se casarem, quanto a escolha de regime de bens, impondo que só poderão constituir matrimônio sob o regime de separação obrigatória de bens. Neste contexto é essencial a análise da constitucionalidade deste ato legal.

De acordo com o art. 1º do CC/2002 toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil destacando em seguida no art. 3º os menores de dezesseis anos como absolutamente incapazes para atos da vida civil e por conseguinte no art. 4º dispondo como relativamente incapaz a certos atos os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios e os viciados em tóxicos, aqueles que por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade e os pródigos. (BRASIL, 2002)

Como bem pode ser observado, os maiores de 70 anos não estão entre os citados no Código Civil art. 3º e 4º, como incapazes ou relativamente incapazes. Sendo assim, ao impossibilita- los de escolher qual regime deve reger sua relação conjugal, o Estado acaba por conferir tratamento equivocado ao idoso como se um incapaz fosse. (BRASIL, 2002)

Uma vez que o Estado entende de forma generalizada que o maior de setenta anos não tem capacidade para gerir seus bens ou decidir como dispor de seu patrimônio, entende-se que este é visto como alguém sem um total discernimento ou que não está em sua perfeita capacidade mental, mas como relatado acima, o Código Civil se preocupou em destacar os incapazes e os relativamente incapazes, definitivamente nestes não incluem os idosos. Diante disto, não cabe tamanha tutela estatal suprimindo direitos como, liberdade, dignidade, autonomia e propriedade garantidos constitucionalmente, obrigando que o idoso quando tiver alcançado os seus setenta anos só se case sobre o regime de separação de bens. 47

Em contrapartida, o estado cria normas que demonstram total capacidade de um maior de setenta anos como na Lei Complementar 152/2015, art. 1º e 2°, que aumentou, de 70 para 75 anos, a idade para a aposentadoria compulsória de um servidor público, incluso neste o cargo de Ministro. Tal Lei Complementar ficou conhecida como PEC da bengala. Ou seja, ao entender que um maior de setenta anos não está apto para todos os atos da vida civil pode ser visto por duvidoso os atos praticados por qualquer um que se encontre nesta faixa etária, inclusive os que se estejam prestando serviço público como agentes.

Pode parecer contraditório que alguém possa estar inapto para gerir seus próprios bens e este mesmo cidadão se encontrar completamente capaz de gerir a Administração Pública expedindo atos administrativos que geralmente dizem respeito a um interesse coletivo. A pessoa maior de setenta anos pode trabalhar em um cargo público tomando diversas decisões diárias, mas se este resolver se casar não pode escolher o regime diferente daquele imposto pelo estado, qual seja, regime de separação obrigatória de bens.

De acordo com Gonçalves (2018), a restrição trazida pelo citado dispositivo legal que impõe o casamento por meio da separação obrigatória aos maiores de setenta anos é incompatível com as cláusulas constitucionais, da dignidade do ser humano, da igualdade jurídica e da intimidade, pois não cabe tamanha tutela a pessoa adulta, capaz e apta para todos os atos de uma vida civil, nem mesmo tendo como justificativa o interesse de proteção por parte do Estado.

Deste ato por parte do estado em impor um casamento com separação de bens para os maiores de setenta anos, Maria Helena Diniz (2018), se posiciona contrária, a autora assevera que não se pode duvidar que o nubente é limitado, diminuído por esta imposição do Estado e que tem maturidade suficiente para decidir em relação a comunicação de seus bens estando se ainda apto aos atos da vida civil, porquanto não tem sentido tamanha restrição legal em função da idade superior a setenta anos do nubente, pelo contrário, visto que tal proibição pode torná-lo mais vulnerável psicologicamente ou emocionalmente e em decorrência disso ser um alvo fácil, concretizando o conhecido “golpe do baú”.

Neste mesmo entendimento, Coelho (2012, p. 197), diz ser “inconstitucional a lei quando impede a livre decisão quanto ao regime de bens aos que se casam com mais de 70 anos”. 48

Trata-se de um pensamento arcaico que se estranha o casamento com idade elevada e a permanência na lei de tal vedação ofende ao princípio da dignidade humana, motivo pelo qual deve ser desconsiderada tal vedação do art. 1641, II, do Código Civil.

Na atual conjuntura não tem cabimento esta atitude do Estado em impedir a escolha de regime de bens em um casamento somente porque uma das partes seja um idoso, vez que é comum um casamento com diferença de idade ou com os nubentes maiores de setenta anos sendo esta proibição ofensiva e discriminatória.

De acordo com Leonardo Macedo Poli (2015), caracterizar os maiores de setenta anos como incapazes de administrar sua vida pessoal, vedando a escolha do regime de bens que lhes convêm afronta aos direitos fundamentais da dignidade humana, promoção de uma sociedade livre, igualdade sem preconceito de idade e ainda o direito de liberdade e propriedade. Enfatiza que seria uma superproteção a pessoa de setenta anos como alguém incapaz, sendo que no dia anterior quando com sessenta e nove anos se tratava de uma pessoa totalmente capaz.

Lado outro, traz-se doutrinadores que compartilham de entendimento diverso, cabendo frisar que se tratam de doutrina minoritária, dentre estes Washington de Barros Monteiro (2010) aduz que a imposição do Estado para que o maior de setenta anos se case pelo regime da separação obrigatória de bens tem uma finalidade protetiva ao cônjuge que atingiu a idade em comento e a terceiros, arguindo que a vedação do art. 1.641, II, do CC/2002 não ofende ao princípio constitucional da liberdade, pois, embora este permita fazer tudo o que se quer é preciso limitar ao que não é contrário à lei. Frisa o doutrinador que o ordenamento jurídico brasileiro traz diversas limitações à liberdade individual, sendo que a tratada neste trabalho não retiraria a aplicação do princípio.

A teor da fundamentação utilizada pelo doutrinador citado acima, esta vedação seria um meio de impedir que pessoas de má-fé contraia casamento com o único objetivo de fazer fortuna, trazendo prejuízos para o cônjuge idoso e seus familiares. Por isso, seria prudente a norma do dispositivo legal considerando a idade atingida pelo nubente, evitando que aventureiros venham aproveitar da carência afetiva do idoso que, se sujeitando a um relacionamento meramente por interesse, acarrete prejuízos que se tornariam insuportáveis.

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Com o mesmo entendimento de que o disposto no art. 1.641, II, CC/2002 é constitucional aduz Zeno Veloso (2016) que o legislador não acredita em amores vespertino entendendo que o casamento com o maior de setenta anos teria sempre um interesse financeiro, por isso, cabível como forma de proteção ao idoso a vedação a livre escolha de um regime de bens por parte do nubente que atingiu esta faixa etária em comento, afim de evitar ou diminuir as possibilidade de um “golpe do baú” contra o maior de setenta anos.

Por se tratar de tema muito conflitante no direito de família a jurisprudência também se faz muito necessária como forma de garantir um direito que o maior de setenta anos entende que a lei retirou-lhe indevidamente, visando ainda analisar a inconstitucionalidade ou não do disposto no art. 1.641, II, do Código Civil. Neste mesmo contexto, colaciona-se a seguinte jurisprudência do TJMG, que trata da obrigatoriedade do regime da separação de bens em caso de união estável com idoso maior de 70 anos.

Ementa: apelação cível - sucessões - ação de inventário - sentença omissa - reconhecimento - teoria da causa madura - art. 1.013, § 3º, III, CPC/2015 - mérito - união estável com septuagenário - regime obrigatório da separação de bens - súmula 377 do STF - comunicação dos bens adquiridos na constância da união - reconhecimento - recurso parcialmente provido. - nos moldes do art. 1.013, § 3º, inciso III, do novo código de processo civil (CPC/2015), o tribunal tem o poder- dever de julgar o pedido sobre o qual foi omissa a sentença de primeiro grau, desde que o processo esteja em condições de imediato julgamento. - se a união estável foi configurada quando pelo menos um dos conviventes era maior de 70 anos, aplica-se, obrigatoriamente, o regime da separação de bens. - a súmula 377 do STF estabelece que os bens adquiridos na constância do casamento serão comunicados no regime de separação legal de bens. (TJMG - apelação cível 1.0000.17.082081-5/001, relator (a): des. (a) luís Carlos Gambogi , 5ª câmara cível, julgamento em 01/02/2018, publicação da súmula em 06/02/2018).

A jurisprudência apresentada se refere a um recurso que trata de matrimônio de idoso maior de 70 anos, cujo pacto antenupcial é a obrigatoriedade do regime da separação legal de bens, por força do art. 1.641, II, do Código Civil, sendo, portanto, sem comunicação dos bens do casal. No entanto, o entendimento do tribunal mineiro foi pela aplicação da súmula 377 do STF, assim permitindo a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento independente de esforço comum.

O STJ em seus julgados vem demonstrando partilhar do mesmo entendimento acerca do assunto em comento, veja:

Embargos de divergência no recurso especial. Direito de família. União estável. Casamento contraído sob causa suspensiva. Separação obrigatória de bens (CC/1916, art. 258, II; CC/2002, art. 1.641, II). Partilha. Bens adquiridos 50

onerosamente. Necessidade de prova do esforço comum. Pressuposto da pretensão. Moderna compreensão da súmula 377/STF. Embargos de divergência providos. 1. nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens.2. no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.3. Releitura da antiga súmula 377/STF (no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à suprema corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao superior tribunal de justiça.4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial. (e resp. 1623858/mg, rel. ministro Lázaro Guimarães- desembargador convocado do TRF 5ª região, segunda seção, julgado em 23/05/2018, DJE 30/05/2018).

A jurisprudência citada diz respeito a um embargo de divergência em recurso especial, com intuito de uniformizar um entendimento no tocante a comunicação de bens em um casamento contraído sob causas suspensivas por efetividade do art. 1.641, II do Código Civil. Na presente demanda também aplicou-se a súmula 377 do STF, com isso entendeu-se por haver comunicação nos bens adquiridos pelo casal unidos pelo regime de separação legal.

Observa-se inúmeros conflitos de tribunais por meio de suas jurisprudências advindas da propositura de ações por casais que não querem se submeter a esta imposição e utilizam do Poder Judiciário para buscar a liberdade de escolher o regime de bens que acharem necessário, firmando-se em doutrinadores que sustentam a inconstitucionalidade desta proibição por parte do estado e tendo por referência casos individuais que conseguiram provar a violação de diretos fundamentais garantidos pela Constituição, como a dignidade da pessoa, liberdade, propriedade, igualdade, motivos estes que trazem a necessidade de uma maior compreensão acerca do assunto, veja-se:

Ementa: incidente de inconstitucionalidade – direito civil – casamento – cônjuge maior de sessenta anos – regime de separação obrigatória de bens – art. 258, parágrafo único da lei 3.071/1916 – inconstitucionalidade – violação dos princípios da igualdade e da dignidade humana. - é inconstitucional a imposição do regime de separação obrigatória de bens no casamento do maior de sessenta anos, por violação aos princípios da igualdade e dignidade humana. (TJMG – arg: 10702096497335002 mg, relator: José Antonino Baía Borges, data de julgamento: 12/03/2014, órgão especial / órgão especial, data de publicação: 21/03/2014).

A jurisprudência acima também é favorável à inconstitucionalidade do disposto no art. 1.641, II, CC/2002. Nesta o magistrado ressalta a violação de princípios constitucionais da dignidade humana e igualdade ao impor o regime da separação obrigatória de bens ao maior de sessenta anos, hoje após estendido aos setenta anos. 51

E por último, mas ainda no entorno do estudo dos entendimentos jurisprudenciais acerca da comunicação dos bens dos cônjuges, casados sob o regime da separação legal, e a aplicabilidade da súmula 377 do STF, destaca-se a jurisprudência do estado de São Paulo a qual é favorável a comunicação descrita pela referida súmula.

Ação de reconhecimento de união estável post mortem – Sentença de procedência – Insurgência dos requeridos – Início da união estável em junho de 2006 que não foi objeto de recurso – Insurgência acerca da aplicabilidade do artigo 1.641, II, do Código Civil, por se tratar de convivente com mais de sessenta anos – Nada obstante o regime da separação obrigatória de bens imposto em razão da idade do convivente, comporta aplicação a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal – Partilha dos bens que deve ser realizada nos autos de inventário – Recurso provido em parte. Dá-se parcial provimento ao recurso. (TJSP; Apelação Cível 1006212-39.2017.8.26.0482; Relator (a): Marcia Dalla Déa Barone; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Prudente - 2ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 15/05/2018; Data de Registro: 15/05/2018).

Lado outro, apenas para fins de demonstração do conflito jurisprudencial ainda existente acerca do tema, junta-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que confirma a validade do inciso II do art. 1.641 do Código Civil.

Civil. Processo civil. Embargos de terceiro. Preclusão. Artigo 507 do novo código de processo civil. Bem de família. Não comprovação. Separação obrigatória de bens. Artigo 1.641, inciso ii do código civil. Sentença mantida.1. Conforme artigo 507 do novo código de processo civil é vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.2. Não comprovado nos autos ser o imóvel bem de família, não há respaldo para conferir a proteção da lei n. 8009/90.3. Uma vez comprovado nos autos o regime de separação obrigatória de bens, correta a sentença que reconhece seus efeitos jurídicos, no caso previsto no artigo 1.641, inciso II do código civil.4. Recurso parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido. (TJDF 0030080- 84.2014.8.07.0001, 5ª turma cível. Relator: Josapha Francisco dos santos, data de julgamento: 31/05/2017).

É de suma importância frisar que, por mais que a norma em análise ainda não tenha sido objeto de ações de Controle Concentrado de Constitucionalidade para que fosse possível a aplicação de efeitos erga omnes, esta já foi submetida ao crivo da análise de constitucionalidade de norma no âmbito difuso, entretanto não sob a ótica do STF, logo não pode ser aplicada de modo vinculante à sociedade e Administração Pública.

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Por meio de análise das jurisprudências trazidas pode-se entender que é comum o auxílio deste recurso junto aos tribunais com intuito de buscar a liberdade na escolha do regime de bens ao qual deseja se casar o idoso septuagenário e quando isso não ocorre gera conflitos posteriores em divisões de bens ou herança.

Estes julgados referenciam a súmula 377 do STF, a qual reconhece por meio da prova de comunhão de esforços a comunicabilidade de bens adquiridos após o casamento conseguindo, desta forma, relativizar o entendimento do art. 1.641, II, do CC/02.

A súmula 377 do STF comentada acima, garante o direito aos bens constituídos após o casamento independente do esforço do cônjuge. Diante disto, o tema do trabalho se torna de suma importância, devido as dúvidas ocasionadas acerca da constitucionalidade ou não de um ato do estado elencado no art. 1.641, II, CC/2002, ao impor o regime da separação de bens ao maior de setenta anos, e o ato de não permitir a participação nos bens do atingido por esta proibição se trata de um conflito normativo, visto que a súmula em análise garante a comunicabilidade dos bens ao cônjuge e o Código Civil o veda, mantendo desta forma o citado conflito.

De acordo com César Fiúza, a separação de bens imposta pelo estado vem sendo discutida e não parece de bom senso a exigência de um regime ao maior de setenta anos entendendo que “a norma do Código Civil os infantiliza, os idiotiza, por não ser condizente com a atual realidade onde é comum ver jovialidade na pessoa com setenta anos inclusive para contrair um casamento e escolher as regras que este deve valer”. O autor cita que a separação obrigatória é a separação legal de bens, não sendo necessário o pacto antenupcial, pois é imposto aos nubentes e nestes casos aplica-se a súmula 377 do STF que garante a participação do casal aos bens adquiridos na constância do casamento. (FIÚZA, 2012, p. 980).

No intuito de elucidar um pouco mais sobre o tema, Caio Mario, em relação ao testamento, esclarece que “se trata de um ato pelo qual a pessoa dispõe de seus bens para depois de sua morte ou faz outras declarações de última vontade sendo assim a disposição de vontade para produzir efeitos num tempo posterior a morte”. Desta forma, trata-se de um negócio jurídico a partir de uma declaração de vontade destinada a produção de efeitos jurídicos, devendo ser feita pelo testador sem interferência de quem quer que seja, independente de sua idade e 53

escolhendo como beneficiário aquele que quiser, até mesmo o seu cônjuge. (PEREIRA, 2015, p. 179).

No mesmo entendimento, Maria Berenice Dias (2010, p. 41) diz que “todo novo modo de ver o direito emerge da Constituição Federal, verdadeira carta de princípios”, diante disto, todas as demais normas devem ser criadas em consonância com esta, não tendo intuito de violar direitos constitucionais. Assim não é constitucional o dispositivo que proíbe que o maior de setenta anos escolha o regime de bens com o qual pretende contrair matrimônio, uma vez que esta viola direitos de igualdade e liberdade.

Conforme se observa pela leitura das jurisprudências trazidas acima, os Tribunais brasileiros, em parte quando provocados a decidir conflitos envolvendo a obrigatoriedade do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos estão proferindo decisões favoráveis à declaração de inconstitucionalidade dessa norma. Da mesma forma a doutrina majoritária também tem se manifestado, como exposto ao longo deste trabalho, que o art. 1.641, II, CC/02 padece de vício de inconstitucionalidade material. 54

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo analisar o art.1.641, II, do Código Civil e verificar sua possível inconstitucionalidade. A teor do referido artigo, a pessoa maior de setenta anos ao contrair matrimônio é limitada à escolha do regime de separação obrigatória de bens, o que violaria princípios fundamentais como a liberdade, igualdade, dignidade humana e autonomia da vontade.

Primeiro foi esclarecido que o idoso, em decorrência de sua faixa etária, necessita de cuidado especial, o qual é prestado pelo Estado por meio das garantias estipuladas no Estatuto do Idoso.

Em seguida foi demonstrado que além do Estatuto do Idoso, o Código Civil prevê o exercício de direitos pautados no princípio da autonomia da vontade. Desta forma, é garantida a liberdade de pactuar sobre o que bem entender, podendo dispor livremente de seus bens, ou seja, também se tem a garantia de liberdade negativa, onde é permitido tomar várias decisões com o mínimo de interferência do Estado, desde que se atente em não violar o direito dos demais.

Também foi falado acerca da aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade. Por meio das explanações realizadas, pode-se chegar ao entendimento de que as garantias constitucionais citadas não podem ser atropeladas por vedações trazidas pelo Código Civil, lei infraconstitucional, visando com atos de desigualdade limitar a liberdade e inibir a autonomia do indivíduo frente às suas necessidades e vontades.

Dentre os regimes de bens estabelecidos pela legislação vigente e explanados neste trabalho, dá-se um maior enfoque ao regime da separação obrigatória de bens, que é imposto pelo Estado em alguns casos, dentre estes à pessoa maior de setenta anos que deseja se casar, sob o fundamento de protegê-lo de possíveis golpes. Entretanto, foi demonstrado também que a referida proteção nada mais é que uma limitação um tanto arbitrária.

A referida limitação é imposta principalmente sob o fundamento de proteção ao idoso, mas veja que, se dois idosos se casam, um não pode proteger o outro patrimonialmente por conta 55

da limitação estatal fundamentada na proteção, o que é um contrassenso. De igual forma, se um idoso se casa após completar seus setenta anos, este fica impedido de garantir financeiramente sua companheira, deixando-a desamparada e trazendo frustrações aos nubentes, pois o impede de gerir livremente seu patrimônio impondo sobre este, tratamento equiparado ao de um incapaz.

Esta imposição ao regime de separação obrigatória de bens, disposta no inciso II, do art. 1.641, do CC/2002, acaba por denegrir a imagem do maior de setenta anos, uma vez que põe em dúvida os atos praticados por este como a escolha de regime de bens de seu casamento. O que prejudicaria outras condutas desenvolvidas por estas pessoas, passando uma impressão de que não são totalmente capazes de discernir acerca do que é melhor para sua vida. A citada imposição violaria princípios fundamentais constitucionalmente previstos, já que o maior de setenta anos não está no rol de pessoas incapazes ou relativamente incapazes dispostos pelo Código Civil e por isso não pode ser impedido de gerir sua própria vida munido da autonomia da vontade.

O Código Civil reconhece e visa proteger todos os tipos de entidade familiar, mas neste caso ao proibir que o idoso escolha um regime de bens diferente da separação obrigatória para o matrimonio e consequentemente não ser beneficiado o cônjuge com a comunicação dos bens em caso de uma dissolução conjugal, não houve uma preocupação em proteger aquele que contrai casamento sem nenhum interesse, colocando de forma genérica que todos que se relacionam e pretendem se casar com uma pessoa com setenta anos ou mais, estaria agindo de má-fé, casando-se por mero interesse, o que não procede. E ainda por meio desta imposição é quase que uma confirmação que não há outros bons motivos para que uma pessoa se envolva com outra após os setenta anos.

Conforme fontes oficiais citadas neste trabalho, a população idosa do Brasil é alta e tendente a crescer, o que se pode inferir no censo, o Brasil passará a ser um país com mais população idosa do que de jovens e adultos, assim, consequentemente surgirão mais casamentos entre idosos e mais pessoas sofrerão tais restrições legais.

Outrossim, foi demonstrado que existem várias pessoas que exercem cargos de alta responsabilidade na Administração Pública como Presidentes, Deputados Federais e Ministros, os quais possuem mais de setenta anos. Logo, é visível que hoje em dia o maior 56

de setenta anos, em regra, ainda detém capacidade física e mental tanto para gerir o Estado quanto para administrar seus atos da vida civil, como é o caso da escolha do regime de bens a ser utilizado.

Ao final foi abordado especificamente acerca da inconstitucionalidade do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002 e, por meio do entendimento de vários doutrinadores civilistas e jurisprudências sobre o tema, chegou-se ao entendimento que o diploma legal realmente se trata de norma que afronta garantias constitucionais, o que já fora confirmado por meio de controle difuso.

Assim, pode-se concluir que a vedação por parte do estado em não permitir que a pessoa maior de setenta anos escolha em qual regime pretende contrair matrimônio, viola direitos constitucionais da dignidade humana, isonomia, igualdade, liberdade e ainda a autonomia privada. Ficou evidente que o art. 1.641, II, Do Código Civil é contrário às disposições constitucionais e, portanto, inaceitável no ordenamento jurídico, uma vez que se trata de norma que contraria a lei fundante. Portanto o entendimento é pela reformulação do texto contido no art. 1.641, II, CC/2002 ou a revogação em sua totalidade.

Por meio da vedação em comento, compreende-se que o maior de setenta anos não poderia amar ou ser amado vez que não teria outro motivo para uma pessoa se relacionar com um maior de setenta anos se não fosse por interesse financeiro, assim, tal vedação mais inferioriza do que protege, e ainda que o idoso precise da proteção e das políticas públicas estatais não justifica intervir na autonomia privada com fundamento de proteger o patrimônio sendo portanto descabido. Até porque a referida proteção poderia ser exercida por meio de outros métodos utilizados pelo Estado.

Primeiro, pode-se pensar na aplicação da curatela, haja vista que se visualizada a incapacidade do indivíduo poderia se impor tal limitação, ou seja, aplicar a separação obrigatória de bens, já que um dos nubentes seria curatelado.

Outro método razoavelmente aceito seria a fiscalização Estatal, por meio da família do nubente que supostamente estaria em desvantagem e seria lesionado pelo matrimônio, ou mesmo por ações do Ministério Público por se tratar de função essencial que visa promover justiça. 57

Assim, em se tratando de um caso especifico em que a pessoa idosa não tem condições psíquicas para discernir sobre atos da vida civil, neste, pode utilizar-se dos dispositivos supracitados como forma de proteção deste indivíduo, sendo desnecessária uma vedação com poder de alcance a toda pessoa idosa como a trazida no art. 1.641, II, CC/2002 ora analisado na presente monografia. 58

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