Outubro 2011 Revista Adusp ENTREVISTA ILDO SAUER “O a t o m a i s e n t r e g u i s t a d a história f o i o l e i l ã o d e p e t r ó l e o p a r a Ei k e ”

Daniel Garcia

6 Revista Adusp Outubro 2011

O professor Ildo Luís Sauer, diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE- USP), se diz um “fruto do programa nuclear brasileiro”, pois, quando estudante, o regime militar — interessado em formar quadros para tocar as dezenas de usinas que pretendia construir no país após o acordo com a Alemanha — lhe concedeu bolsa de iniciação científica, “bolsa para fazer o mestrado e o doutorado em engenharia nuclear e outras coisas mais”. Ao longo de sua trajetória acadêmica, porém, Sauer convenceu-se de que a energia nuclear não convém ao Brasil, e passou a dedicar-se mais à energia elétrica e ao petróleo.

Foi diretor de Gás e Energia da entre 2003 e 2007, período que cobriu o primeiro mandato do presidente Lula e o início do segundo, e no qual tinha a expectativa de amplas mudanças na área de energia e petróleo. Orgulha-se de haver participado das decisões que levaram à descoberta das jazidas do Pré-Sal. Mas frustrou-se ao constatar que, ao invés da reforma que ele e o físico Pinguelli Rosa propuseram a pedido do próprio Lula, o governo tomou medidas que fortaleciam os agentes privados, em detrimento das empresas públicas e da sociedade em geral.

Nas páginas a seguir Sauer desfecha contundentes ataques às políticas de energia do governo, com destaque para a continuidade do modelo do setor elétrico herdado de Fernando Henrique Cardoso e — em especial — para a realização do leilão de “áreas de risco” da franja do Pré-Sal que acabaram por ser arrematadas por Eike Batista e sua OGX, fazendo desse empresário um dos homens mais ricos do mundo. O diretor do IEE não mede palavras ao opinar sobre o que ocorreu: “O ato mais entreguista da história brasileira, em termos econômicos. Pior, foi dos processos de acumulação primitiva mais extraordinários da história do capitalismo mundial. Alguém sai do nada e em três anos tem uma fortuna de bilhões de dólares”.

Quanto à contestada Belo Monte, Sauer, diferentemente de uma parte dos críticos, considera que a usina preenche todos os requisitos técnicos de operação. O problema, afirma incisivamente, “não é técnico, não é econômico, o problema lá é simplesmente político”, porque, em função dos erros do governo e da falta de planejamento, “ressuscitou-se um projeto longamente gestado pelo governo militar”, e assim “de certa forma um governo democrático e popular se serve da espada criada pelos militares para cravá-la no peito dos índios e camponeses, com métodos que não deixam nada a dever à ditadura de então, em relação à forma como a usina foi feita, de repente”.

Procuradas pela reportagem, as assessorias de comunicação da presidenta e do ex-presidente Lula informaram que eles não comentariam as declarações do professor.

A entrevista foi concedida a Pedro Estevam da Rocha Pomar e Thaís Carrança e ao repórter-fotográfico Daniel Garcia

7 Outubro 2011 Revista Adusp Revista Adusp. Recentemente proclamadas pelo governo Collor e de sua assessora jurídica, Ere- assistimos a algo impensável em do neoliberalismo, então não deixa nice Guerra — dizia-se claramen- outras épocas: o Procon-SP, per- de ser uma fina ironia que agora te que o novo modelo não é fruto tencente ao governo estadual do eles próprios se revoltem, os cria- de uma decisão do governo e, sim, PSDB, solicitou à Agência Nacio- dores contra suas criaturas. Mas uma agenda negociada com os agen- nal de Energia Elétrica (ANEEL) não podemos deixar de perceber tes; que o governo só se manteve intervenção na AES-Eletropaulo, também que essa criatura foi trata- no papel de árbitro, quando havia uma empresa privatizada pelos pró- da a pão-de-ló e com muito carinho divergências. Negociada entre os prios tucanos na década de 1990. O pelos oito anos de governo Lula e mesmos operadores de negócios pedido decorria da constatação de o primeiro ano do governo Dilma que levaram ao racionamento de que a AES mostrou-se totalmente Rousseff. A ocasião para reformu- 2001 e aos apagões. incapaz de restaurar a energia em lar todo esse modelo era 2003. Então não surpreende que dez diversos bairros de São Paulo, dias O governo Lula, em parte, nas- anos depois, depois que se esgotou o depois de uma tempestade que der- ceu da derrocada do neoliberalismo potencial de sobra de energia, devido rubou o abastecimento. Mas a res- consolidada pelo racionamento de à queda do consumo de mais de 20% posta do diretor da ANEEL tam- energia elétrica de 2001. Os múl- ocorrida em 2001-2002, não se colo- bém foi surpreendente: ele ironizou tiplos apagões, “apaguinhos” e o cou no lugar a mudança do espírito a solicitação, dizendo que se tivesse racionamento de uma certa forma da regulação, para que novamente de intervir em uma concessionária foram a pá de cal. Então, dentro do se passasse a ter comando e controle, teria de intervir em todas, tais as Instituto de Cidadania, dentro do que as empresas fossem obrigadas a deficiências existentes. Como você Partido dos Trabalhadores, gestou- fazer um planejamento de médio e avalia essa situação de apagões, de se uma proposta muito abrangente, longo prazo, contratar toda a deman- desrespeito à lei e de incertezas no que daria conta da reconstrução do da, fazer a manutenção. tocante às questões que envolvem a setor elétrico brasileiro. Aliás, esse O contrato de concessão no distribuição e o consumo de energia é o título de um livro cujos prin- Brasil tem os dois pontos que mais elétrica no país? Lembrando que o cipais autores somos nós e o pro- favorecem ao empreendedor, ao próprio campus do Butantã da USP fessor Pinguelli Rosa, uma equipe concessionário. Se na Inglaterra, tem sofrido apagões. aqui da USP, uma equipe da UFRJ, no auge do neoliberalismo, criou-se ILDO SAUER. A própria per- feito a pedido do então candidato, a tarifa-preço, incentivada, que só gunta já é uma resposta e serve pa- depois eleito presidente, e da sua periodicamente seria revista, com ra reafirmar a perplexidade diante ministra de Minas e Energia, Dilma regulação mão-leve, no Brasil man- do relatado e o grau de irresponsa- Rousseff. Ficou pronto no final de teve-se o preço-teto junto com o bilidade de todos os últimos gover- 2002 [A reconstrução do setor elétri- equilíbrio econômico financeiro. nos. Nos anos 1990, em que vende- co brasileiro, Campo Grande: Paz Toda vez que há uma ameaça de ram a pílula mágica da privatização e Terra, 2003]. O que causa perple- perda, devido à má gestão, os con- como saída e cura para todos os xidade é que, ainda que em grande sumidores são chamados a pagar. males, a promessa então era au- parte a proposta lá consolidada te- Então se o concessionário no Brasil mento da qualidade e redução do ria reconstruído o setor elétrico, o tem a seu favor os contratos feitos, preço. Hoje, a qualidade está com- fato é que a lenta, gradual, porém já de 1995 até 2001-2, tudo a seu pletamente deteriorada e o Brasil, contínua metamorfose no seio do favor, 2003 era a hora de fazer uma para os consumidores cativos, tem governo, a partir de 2003, meta- profunda intervenção regulatória, a tarifa mais cara do mundo. Isso é morfoseou aquela proposta numa alterar aquilo que deu errado. A uma tragédia e causa perplexidade. outra: aquela onde, declaradamen- proposta estava feita, havia ambien- Mais ainda, o regime tucano foi que te — em apresentações públicas da te político para fazê-lo e, no entan- deu início e continuou as propostas então ministra de Minas e Energia to, em troca de manter o ambiente

8 Revista Adusp Outubro 2011 com os empresários e investidores Daniel Garcia privados, preferiu-se não ressusci- “As empresas públicas foram tar os instrumentos públicos, usar descapitalizadas com a mão da Eletrobras. As empresas públicas foram criação do mercado livre. descapitalizadas com a criação do Os grandes consumidores, mercado livre, no qual 600 em- presários e cento e poucas empre- que em 2005 já consumiam sas comercializadoras compravam 8 mil MW médios, 25% do energia a 20% do custo e a reven- diam a preço cheio para os con- consumo de eletricidade sumidores finais e a meio preço do Brasil, chegaram a 12 para os grandes consumidores, di- lapidando-se o potencial de capital mil MW logo em 2008, das empresas públicas, que eram comprados por R$ 18 a R$ as principais geradoras. As prin- cipais pontas da geração eram as 20 o MW/hora, quando a empresas públicas, principalmente energia custava às estatais, as ligadas à Eletrobras e às estatais do Rio Grande do Sul, mas prin- em média, R$ 100 ” cipalmente aqui do Paraná, e São Paulo. nunca, jamais poderia ser trans- em torno de R$ 20 bilhões, nos oito Revista Adusp. Pode citar algu- formado em preço. O governo Lu- anos do governo Lula, favorecendo mas? la, através da ministra de Minas agentes, comercializadores e gran- ILDO. Cesp, Copel, , mas e Energia, converteu isto, Custo des consumidores, que não a re- principalmente Eletronorte e Ele- Marginal de Operação (CMO), em passaram à redução do preço dos trobras, Furnas, Chesf e Eletrosul, Preço de Liquidação de Diferenças seus produtos, só aumentaram seus e a CGTEE do Rio Grande do Sul, (PLD), que servia como que um lucros. Isso obviamente gerou um que são federais. O governo Lu- preço spot, que — como houvera ambiente de muita popularidade da la manteve a descontratação, de um racionamento e a demanda era ministra junto a esses centros em- maneira que a energia ficou sem muito menor que a oferta — caiu presariais, tanto que depois ela foi contratos de venda. E os empresá- para o limite mínimo decretado premiada com outros cargos. rios ditos livres não precisavam se legalmente em R$ 18 o MW/hora, A outra história é que se renova- recontratar, porque criminosamen- quando o custo da energia oscilava ram os contratos do alumínio, ini- te se criou o preço de liquidação entre R$ 60 e R$ 140 o MW/hora. ciados em 1984-5, em Tucuruí, para de diferenças como equivalente Então todos os grandes consumi- a Alcoa, Alcan exportarem alumí- ao custo marginal da água. Para dores, que em 2005 já consumiam nio, que pagavam 20% do custo alterar o sistema é preciso saber se 8 mil MW médios, 25% do consu- da energia. Pois, incrivelmente, em se usa água ou se se usa combustí- mo de eletricidade do Brasil, che- 2004 os contratos venceram depois vel hoje, tendo em vista a previsão garam a 12 mil MW logo em 2008 de 20 anos, e foram renovados por de chuvas futuras, tendo em vis- — comprados por R$ 18 a R$ 20 o mais 20 anos por preço da ordem ta a previsão de demanda, o esta- MW/hora, quando a energia custa- de R$ 53 o MW/hora, metade do do dos reservatórios e o custo dos va às estatais, em média, R$ 100. custo. Por isso a Eletronorte conti- combustíveis. Isso é um índice de Portanto houve uma dilapida- nua afundada em prejuízos, que são média para orientar a operação; ção. Uma transferência econômica resgatados pelo Tesouro Nacional.

9 Outubro 2011 Revista Adusp Revista Adusp. O Tesouro está expandir a oferta futura, fazer os subsidiando compradores de ener- estudos sociais e ambientais, ran- gia barata. “Se o governo tivesse queá-los, escolher na ordem os que ILDO. Sim. Isso tudo foi feito têm mais atributos favoráveis — com o loteamento da área de ener- cumprido sua obrigação, nem Santo Antônio e Jirau, nem gia no governo. Isso são só dois ou nem Santo Antônio e Jirau Belo Monte seriam necessários três exemplos do que se fez ao invés agora. Haveria um conjunto muito do que se deveria fazer. O que de- nem Belo Monte seriam anterior e esses grandes projetos veria ter sido feito em 2003 era re- necessários agora. Haveria polêmicos teriam mais tempo para formar radicalmente todos os con- o debate social, para o debate po- tratos de concessão, para inclusive um conjunto muito lítico, para a avaliação ambiental, retirar aquela fórmula mão-grande, anterior e esses grandes para então depois serem defini- que todo ano tomava R$ 1 bilhão tivamente descartados, ou então, dos consumidores, porque a fórmu- projetos teriam mais tempo feitos num processo de coerência, la colocada no contrato era contra para o debate social, para de diálogo respeitoso com as po- a lei, e portanto bastava uma ação pulações locais. o debate político, para a administrativa da ANEEL naquele Tudo que vemos hoje no setor tempo já. Mas, em nome da sacros- avaliação ambiental” elétrico brasileiro é uma deterio- santidade dos contratos, no começo ração por falta de organização, de do governo Lula ninguém quis me- planejamento e de gestão. Então xer em nada. Prometeu-se mudar, combustível e carvão importado. não surpreende que o diretor geral mas a metamorfose foi na outra Houve a crítica, aí se apelou para da ANEEL venha dizer que tinha direção. E, com isso, os encargos os projetos do tipo criado no gover- que intervir em todas. Tinha que continuaram aumentando, não se no Fernando Henrique, na parceria intervir mesmo! Por quê? Porque os fez o que foi prometido, que era fa- de Furnas com o grupo Odebrecht, últimos oito anos, nove anos, foram zer um planejamento, um inventá- as usinas do rio Madeira, Santo An- de degradação da qualidade dos rio de todos os recursos energéticos tônio e Jirau. E logo a seguir, res- serviços, de rapinagem do patrimô- hidráulicos. Fazer estudos energéti- suscitou-se um projeto longamente nio público, porque é patrimônio co, econômico, técnico, e também gestado pelo governo militar. E, concedido, a concessão é patrimô- um estudo social e um estudo am- de uma certa forma, um governo nio público gerido privadamente. biental, separando definitivamente democrático e popular se serve da Foi degradado porque não há um a questão social da ambiental. espada criada pelos militares pa- sistema de comando e controle re- Não tem razão nenhuma de o ra cravá-la no peito dos índios e gulatório, porque a regulação con- Ibama, que cuida de flora e fauna, camponeses, com métodos que não tinua na ANEEL, em Brasília, cen- cuidar de seres humanos, como se deixam nada a dever à Ditadura de tralizada, para cuidar de Campina os habitantes ribeirinhos dos gran- então, em relação à forma como a das Missões (RS), de Xapuri (AC), des empreendimentos, índios, cam- usina foi feita, de repente. de Olivença (BA). Ou aqui em São poneses, fossem uma extensão da Se o governo tivesse cumprido Paulo. flora e da fauna. Isso é um absurdo. sua obrigação — reformar o setor É em Brasília, onde todo mundo No entanto, não se fizeram os es- elétrico, recuperar o controle so- sabe que, na história da regulação, tudos, a economia começou a reto- cial sobre a qualidade e os preços há um processo de lenta e gradual mar um pouco do seu crescimento da energia, fazer inventário dos captura do regulador pelo regula- em 2005, começou a haver risco potenciais hidráulicos, eólicos, de do. O regulador só está em contato de falta de energia, e o governo cogeração com bagaço de cana, direto com as grandes empresas — apelou para contratar usinas a óleo de conservação de energia, para de distribuição são 63, tem as de

10 Daniel Garcia Revista Adusp Outubro 2011 geração e transmissão, das mais caras do mundo. são umas 100 empresas Então esse é o primeiro permanentemente pre- problema, seríssimo, des- sentes. A população se modelo. Se manteve a está ausente e pouco contratação como propos- a pouco sai da agenda to, só que não para todo o dos reguladores, para mercado. ficar apenas aquilo que O segundo problema, ficou em 2003, anun- obviamente, é que os cus- ciado publicamente tos não são apropriados pela ministra e sua entre os dois. É um único assessora jurídica, de “Não surpreende que o diretor geral da sistema de produção, com que os grandes agentes dois mercados diferentes. ANEEL venha dizer que tinha que intervir negociaram o modelo O que virou predominan- entre eles e o governo em todas. Tinha que intervir mesmo! Por te está permanentemen- apenas interveio pa- quê? Porque os últimos 8 anos, 9 anos, foram te predando em cima do ra arbitrar diferenças. mercado cativo. Consu- Por isso foi mantido de degradação da qualidade dos serviços, miram energia tendo a ta- inteiramente no setor rapinagem do patrimônio público” rifa mais barata do mun- elétrico brasileiro o es- do; e o cativo, uma das pírito da privatização e mais caras do mundo, era do neoliberalismo dos a terceira ou quarta mais anos 1990. camente cinco anos para ser cons- cara. Agora, com o câmbio, o Brasil Houve uma pequena interven- truída, uma termoelétrica de dois a foi alçado a campeão mundial da ção, o acolhimento de um dos ele- três anos. Então, se os contratos pa- tarifa. mentos da proposta do Instituto de ra expandir a oferta não são feitos Revista Adusp. Cativo é a plebe? Cidadania, que foi dizer que a gen- com essa antecedência, há o risco ILDO. É a plebe, são 50 milhões te agora devia contratar de longo de as usinas não estarem prontas, de consumidores, que consomem prazo a demanda. Só que a forma nem a linha de transmissão, nem o mais ou menos 75% da energia. É como isso está sendo feito tem dois sistema de distribuição. Então se o pequeno e médio consumidor in- graves problemas. O primeiro: tira- contrata de longo prazo, mas 25% dustrial e residencial e serviços pú- ram dessa obrigação de contratar estão fora. Não há transparência, blicos, enquanto que os 25% restan- de longo prazo, para ter transpa- então o governo vai lá e contrata tes são de cerca de 660 grandes con- rência, os consumidores livres que energia de reserva. Ora, a tarifa que sumidores, intermediados por mais são um quarto da demanda. En- o consumidor cativo paga prevê se- ou menos 150 comercializadoras. tão periodicamente tem ameaça de gurança mínima de 95%, então ele Então o primeiro problema é 2003: falta de energia porque eles não não precisa de energia de reserva; o modelo ficou mais ou menos igual são transparentes, ninguém sabe no entanto, o governo fez um leilão ao de antes, com esse acréscimo de se estão contratados ou não, eles e contratou energia de biomassa co- contratação. Como ele não é ple- representam metade do PIB indus- mo reserva, quando é a que menos no, a segunda parte é que em 2003, trial brasileiro e, com seu poder de serve para ser reserva. Quem paga, 2004, como eu já disse, foi renovado barganha, o ônus está sendo trans- 75%: os cativos. Quem deu origem o contrato do alumínio, engendrou- ferido para o mercado cativo, que é a essa necessidade foram os 25%, só se esse mercado livre, que transfe- 75% do consumo. que 75% dessa conta foram transfe- riu assimetricamente custos e be- Uma usina hidrelétrica leva tipi- ridos para nós, por isso a tarifa é nefícios, e acima de tudo o gover-

11 Outubro 2011 Revista Adusp no manteve a energia emergencial, O sol move o ciclo hidrológico aqueles 1.800 MW que o governo dessas usinas e elas estão aí, com contratou depois do racionamento, “A AES do Brasil sustenta baixo custo de manutenção. A pro- pagando R$ 6 bilhões por aluguel sua matriz americana desde posta que o pessoal mais popular faz de usinas por três anos. é que se crie uma Hidrobrás, uma Revista Adusp. São as termoelé- a crise de 2008. Presta um estatal brasileira, que passe a geren- tricas? péssimo serviço, a ANEEL ciar a operação dessas usinas, que ILDO. São as termoelétricas pode até ser fisicamente operada não interveio antes para emergenciais. A proposta era aca- pelas atuais empresas, como é o ca- bar com aqueles contratos e inte- cobrar investimento, espera so da Cesp, como é o caso de Furnas grar aquelas usinas como reserva de o sistema se degradar, aí etc., mas o excedente econômico vai capacidade das estatais. O governo para um fundo público, para finan- Lula pagou R$ 6 bilhões de aluguel, diz: ‘Ah, não posso fazer ciar educação e saúde pública, fazer seguro-apagão, e as usinas sumiram nada’. O contrato previa a reforma urbana, a reforma agrária, do mapa. Foram pagas três vezes e proteção ambiental, transição ener- não tem nenhuma agora. Esse con- regulação mão leve, apenas gética, assim como deve ir o dinhei- trato terminou em 2006. define preço” ro do Pré-Sal também. Revista Adusp. Como é possível A AES do Brasil é que sustenta sumir do mapa? sua matriz americana, desde a crise ILDO. Porque elas eram do pro- de 2008. Presta um péssimo serviço, a prietário que as alugou ao governo, imprensa tem lá um grande anúncio ANEEL não interveio antes para co- depois de três anos ou ele vendeu — dos consumidores industriais, possi- brar dela planos de investimento, es- como a Termocabo, no Cabo de San- velmente aqueles mesmos livres, di- pera o sistema se degradar, aí diz: “Ah, to Agostinho, ou a Termopetrolina, zendo que a energia brasileira não não posso fazer nada”. O contrato de em Petrolina — ou foram desmobi- é competitiva, que é uma das mais concessão feito depois de 1995 de fato lizadas. Só que a população pagou caras do mundo. Só que isso para previa a regulação mão leve, apenas três vezes para a usina e não tinha um mercado regulado, dos cativos, define o preço, como se a qualidade quando precisasse. E aí o governo enquanto que eles pagam tarifas fosse algo natural, e os investimentos contratou mais energia de reserva: 2 das mais baixas, que agora, como a da manutenção de transformadores mil MW de usinas a bagaço de cana. sobra acabou, não tem mais; então e ampliação de redes acontecessem. De forma que por essas e por outras eles estão querendo se abonar dos Havia um incentivo perverso para é que a tarifa explodiu e o governo 22 mil MW, quase duas Itaipus de que fizesse o mínimo de investimento, não retomou o controle, nem sobre usinas antigas, as melhores do Bra- para remeter o máximo de lucro. O a qualidade, nem sobre o preço. sil, que, pela lei, cabem ao poder governo sabia disso. Não se mudou Em 1995, Fernando Henrique público: terminada a concessão, são regulação para distribuição; não se Cardoso prorrogou as concessões patrimônio público. Essas usinas mudou a regulação e organização do das usinas hidráulicas por 20 anos, gerarão, aproximadamente, 110 mi- sistema para transmissão; não se mu- quando elas já tinham sido amor- lhões de MW/hora por ano, mais ou dou na geração. Pois estamos colhen- tizadas antes. As concessões ven- menos 25% do consumo brasileiro do os frutos daquilo que não foi feito ceram naquele período, porque já hoje, ao custo de cerca de R$ 10 o quando era a hora, em 2003-4. Muito tinham, muitas delas, 30 anos, 40 MW/hora, valendo pelo menos R$ embora a pessoa que capitaneou esta anos. Agora tem usina com 50 anos, 110. Portanto são geradores líqui- linha, que levou o governo por este 55 anos de produção; já foi amorti- dos de um valor da ordem de R$ caminho, evidentemente foi muito zada duas, três vezes pelos consu- 10 bilhões por ano, como se diz na bem premiada: foi conduzida à Presi- midores cativos. E se você olhar na Bahia, “por vida”. dência da República.

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Daniel Garcia “O fato de não terem sido refeitos os contratos de concessão, para criar novas obrigações, para reequilibrar a equação da tarifa com a qualidade, e ter instrumento de acompanhamento local, é que gerou a deterioração na distribuição, os apagões, a descapitalização de empresas estatais como Itaipu”

Revista Adusp. Você mesmo te de grandes usinas vai para a dire- que pode ser usado em cogeração. mencionou que, com o crescimento ção da Amazônia e, principalmente, Queima-se o gás natural, aumen- econômico, há necessidade de ex- também no Centro-Oeste, todos tando seu consumo em 30%, e esses pandir a capacidade de geração de rios que descem do Planalto Cen- 30% viram eletricidade e os outros energia. Agora, o modelo preferido tral. Há ainda em outras regiões do continuam produzindo o vapor ne- pelo governo é esse, é o das grandes Brasil 17 mil MW de pequenas cen- cessário, o calor, seja num hotel, num usinas hidrelétricas. E você mencio- trais. O potencial eólico brasileiro shopping center, numa indústria quí- nou alternativas. Que alternativas o foi estimado em 143 mil MW, para mica, numa refinaria, onde for. Brasil teria a essas grandes usinas torres de 50 metros de altura; quan- Também é fato que não neces- hidrelétricas? do se dobra a altura, se dobra esse sariamente o paradigma de cresci- ILDO. Não sou, por princípio, potencial para 300 mil MW. mento econômico que o Brasil está contra as grandes, desde que todas Há uma complementariedade seguindo hoje tem que ser seguido. as questões sociais, ambientais e muito importante no Nordeste: no Não há um vínculo tão direto entre econômicas sejam resolvidas. Para período com menor intensidade hi- consumo de eletricidade e bem-es- simplificar: o Brasil hoje, o terri- drológica, há mais intensidade eólica, tar. É possível produzir unidades de tório brasileiro, tem um potencial e vice-versa. De uma certa forma, o Produto Interno Bruto com maior estimado em 250 mil MW de usi- regime de ventos do sertão do Nor- ou menor intensidade de uso da nas hidráulicas; 82 mil MW já estão deste e do litoral do Nordeste é com- energia, dependendo de em que funcionando e outros quase 20 mil plementar à hidraulicidade dos rios área isso seja. A economia na área MW estão em construção, então Tocantins, Xingu, Tapajós, Paraná e de serviços consome pouca energia. chegaremos a 100 mil MW, dos 250 São Francisco. Existe ainda também, Já produzir alumínio e ferro-ligas mil MW. É verdade que a parte sig- com o incremento da produção de consome muita energia. Então é nificativa do potencial remanescen- energia de etanol, bagaço de cana, também uma matéria de escolha,

13 Outubro 2011 Revista Adusp com que paradigma nós vamos par- ticipar da divisão internacional do A m e n o r u s i n a d o Br a s i l é trabalho. É matéria de escolha, não é de destino. De forma que recur- fotoelétrica e e s t á n o IEE sos naturais no Brasil não faltam. Daniel Garcia Eu citei então cerca de 300 mil MW de usinas eólicas, tem cerca de 1 mil MW já prontos de eólicas fun- cionando. Revista Adusp. Só 1 mil MW? ILDO. Mais ou menos 1 mil MW hoje. Está crescendo muito no Brasil, especialmente depois da crise de 2008 na Europa, havia uma produção internacional de usinas de aerogeradores e os programas incentivados da Europa e do Esta- dos Unidos foram descontinuados. Então, com isso, a energia eólica no Brasil está muito mais barata do que a nuclear; e mais barata do que “A menor usina elétrica brasileira é a do IEE, licenciada pela a de gás natural nos últimos leilões. Nesse sentido, então, não necessa- ANEEL. Está interligada à rede, inclusive no domingo. Se não riamente as grandes usinas têm que houvesse essa nossa usina aqui, provavelmente não poderia ser feitas primeiro. ter jogo no Pacaembu: a gente joga na rede 5 KW e não usa O problema é que a EPE [Em- nada. Itaipu tem 14 milhões de KW, nós temos 5 KW, mas sem presa de Pesquisa Energética] só foi isso não seria possível”. Na imagem, o painel de controle. criada em 2005, ela devia ter sido criada em 2002, para fazer o que cos. Para fazer linha de transmis- para exatamente sinalizar para os ela faz, ou poder ter recuperado o são, fazer usina, toda vez é um gru- empresários que o governo Lula vai papel que antigamente a Eletro- po privado com um grupo estatal, manter a hegemonia do capital pri- bras fazia. A EPE foi criada como uma empresa do sistema Eletrobras vado no setor de energia. uma espécie de agência reguladora mais os privados. Quando o negó- Não é surpreendente por isso neutra, para as privadas terem con- cio vai bem, o privado prevalece. que, de uma certa forma, haja um fiança nela. Porque a Eletrobras Quando começa a ir mal, se esta- movimento hoje em curso, com uti- não tinha usinas, quem tem são as tiza, e a muleta da Eletrobras está lização da influência do governo subsidiárias, a Eletrobras perdeu lá. De forma que quem deveria ter via fundos de pensão, Previ, Pe- o sentido agora. Ela era uma em- feito os estudos é o governo. Ele tros, etc., que têm investimentos em presa que fazia estudos de plane- preferiu uma empresa dita neutra, distribuidoras elétricas, para fazer jamento, organizava e financiava que é contratada num regime de da Camargo Corrêa, que hoje con- investimentos. Era uma espécie de prestação de serviço pelo Governo trola a CPFL, a campeã nacional BNDES do setor elétrico. Ela ficou Federal, e serve para organizar os das redes elétricas. Como já se fez, num limbo. Como uma organização leilões. A EPE, junto com a ANE- depois daquele enorme imbroglio para alavancar negócios privados EL, faz os leilões. Não se quis que da BrT, Telemar e Tim, se transfor- nas parcerias, para assumir os ris- fosse uma empresa estatal de porte, mou a Andrade Gutierrez na dona

14 Revista Adusp Outubro 2011 da telefonia celular no Brasil e da tos, e ao mesmo tempo querer aten- telefonia em geral. Como se mano- der a população. Alguém tem que brou a Petrobras para converter a “O problema de Belo ganhar, alguém vai perder nessa Braskem, do grupo Odebrecht, na Monte não é técnico, não é história. Até agora o perdedor tem dona da petroquímica nacional. Co- sido o consumidor cativo do setor econômico, é simplesmente mo se está fazendo no petróleo, ao elétrico e também o de biocombus- criar o homem mais rico do mundo político. É o desrespeito tíveis, como nós vimos no tumulto em menos de três anos, dando-lhe o que o governo Lula todo em torno dos carros flex fuel que hoje já são 10 bilhões de barris e da mensagem subreptícia que foi de petróleo, em pouco mais de três impôs à população que passada, de que álcool sempre esta- anos. estava em pé de guerra ria disponível e barato, quando isso Quando ele recolhe dentro da era impossível, pelo outro arranjo, Petrobras o núcleo estratégico de contra o projeto desde no outro setor. planejamento e de exploração e os anos 1970. Não é um Parece muito simplório dizer is- produção, comandado pelo gerente so, mas eu posso demonstrar com executivo Paulo Mendonça: saíram tratamento aceitável, vindo dados que o fato de não terem sido 15 a 16 pessoas desse núcleo, que de um governo eleito como refeitos os contratos de concessão, junto com o contrato dado, manti- para criar novas obrigações, para do pelo governo Lula em novembro democrático e popular” reequilibrar a equação da tarifa de 2007, formou patrimônio, para com a qualidade, e ter instrumento quê? Contratou leilão, formou a de permanente acompanhamento empresa em julho de 2007, obteve energia, para permanentemente se local, é que gerou a deterioração na as concessões em novembro; e, em associar aos capitais nacionais, em distribuição, que gerou os apagões, julho de 2008, fez a Initial Public adição aos internacionais, que já gerou os “apaguinhos”, a descapi- Offering e a empresa já valia US$ 10 tinham vindo aqui na época da he- talização das empresas estatais, que bilhões. E agora, depois de alguns gemonia da teoria da dependência operam grandes linhas de transmis- anos de exploração, anunciou essa associada. Vieram os estrangeiros são, como aquelas de Itaipu. E o semana que tem 10 bilhões de bar- pelo governo Fernando Henrique, e privilégio que se dá para as estatais ris de petróleo de reservas, quando no governo Lula criaram-se os cam- jogarem todo o dinheiro novo delas a Petrobras, em mais de 50 anos an- peões nacionais com a ajuda genero- para fazer parcerias com as priva- tes do Pré-Sal, conseguiu chegar a sa do BNDES e de todas as estatais, das na expansão de grandes usinas, 20 bilhões de barris, produziu cinco que foram instrumentalizados para como Belo Monte, Santo Antônio e tinha 15. tal. Como a própria Petrobras de e Jirau, ou linhas de transmissão, Isso é uma empresa privada, a um lado, o sistema Eletrobras de fez com que elas não usassem o di- OGX, que daqui a oito anos vai outro e, acima de tudo, o BNDES nheiro para fazer a manutenção das estar produzindo mais petróleo do em todas. De forma que na área de redes de transmissão, e muitas ve- que a Líbia produz hoje. Os Esta- energia, petróleo, gás e eletricidade zes as próprias usinas de geração dos Unidos têm 29 bilhões de barris esta é a mensagem. antigas, que poderiam ser moderni- de reservas e ele anuncia que tem É dessa mensagem que resulta a zadas e repotenciadas. 10 bilhões de barris. Portanto, um deterioração, porque não é possível Revista Adusp. De Belo Mon- senhor só controla hoje o equiva- dar o melhor de tudo para os em- te se diz que, além dos impactos lente a um terço das reservas de presários, para os concessionários ambientais, dos danos causados às petróleo dos Estados Unidos. e os contratantes, sendo generosos populações humanas, a usina não Isso tudo foi a operação do go- em termos de não cobrar a qualida- compensaria os investimentos, que verno de 2003 a 2006, na área de de, de não cobrar a redução de cus- são enormes, uma vez que parte do

15 Outubro 2011 Revista Adusp seu potencial seria inaproveitável estudo do inventário adequado, em Daniel Garcia durante a estação seca. Queria sa- termos energéticos, econômicos, ber, em primeiro lugar, se esse ar- técnicos, ambientais e sociais, do gumento na sua opinião procede. E, potencial hidráulico remanescente. “O governo Lula se valeu do discurso teórico dos cepalinos, sobre as pequenas hidrelétricas, se A usina de Belo Monte, do ponto você as considera viáveis para even- de vista natural — é uma contro- e além de criar os ‘campeões nacionais’ ainda alçou a tualmente substituir essas usinas vérsia que precisa ser esclarecida América do Sul às quatro grandes empreiteiras, para criar gigantes, ou se seriam apenas uma — tem atributos muito favoráveis. fonte complementar de energia. Todos os rios da Bacia Amazônica algo que se aproxima de um subimperialismo regional” ILDO. Sobre Belo Monte, eu es- têm a hidrologia muito sazonaliza- tive pessoalmente em dezembro de da, caindo sua vazão muitas vezes 1992, junto com a CABA, Comis- para um quarto durante o período são dos Atingidos por Barragens da seco. O período chuvoso começa Amazônia, que era uma subsidiá- em novembro, vai até maio, tipica- ria de então do MAB [Movimento mente, depois começa a seca, que dos Atingidos por Barragens], junto vai até novembro de novo, e aí os com a CUT e a Comissão Pró-Ín- caudais são extremamente menores. dio. Eu e o professor David Zilbers- Não obstante, mesmo assim, ainda tein estivemos lá dando um curso que Belo Monte custe 50% mais de duas semanas para camponeses, do que foi anunciado no orçamen- lideranças indígenas e sindicatos em to, chegue a R$ 30 bilhões, ainda empreiteiras conjugaram-se — e o geral. Com essas duas semanas e o assim, do ponto de vista econômi- governo Lula achou que tinha for- livrinho que nós produzimos aqui co, é um dos aproveitamentos com ça política, mediante a ameaça de no Instituto ajudamos a manter a bons atributos. O problema de Belo racionamento, sem reconhecer que, resistência das comunidades locais Monte não é nem a geologia: pode se houvesse risco, era só porque ele ao projeto, que então ainda era he- haver dúvidas sobre a geologia, mas não tomou as precauções e medidas rança direta do governo militar nos parece que esses problemas foram necessárias para produzir energia anos 1990, que visava fazer grandes resolvidos. de outras formas. usinas naquela região, para sub- Então o problema não é técnico, Como eu já disse antes, os nú- sidiar a produção de alumínio de não é econômico, o problema lá é meros são eloqüentes: há mais de exportação, principalmente usando simplesmente político. É o desres- 150 mil MW de outras usinas hi- bauxita do rio Trombetas, em Ori- peito que o governo Lula impôs à dráulicas, cerca de 300 mil MW de ximiná e no Carajás. O projeto en- população que estava já há mais usinas eólicas, cerca de 15 mil MW trou em ocaso, porque a economia de 20 anos em pé de guerra, desde de bagaço de cana, cerca de 10 mil brasileira entrou em crise. os anos 1970, contra o projeto. O MW a 15 mil MW com cogeração Com a resistência local e a índia mínimo que se esperava era que os a gás natural, um potencial grande Tuíra, que afiou seu facão e o colo- estudos ambientais tivessem sido de racionalização do uso possível, cou no pescoço do então presidente aprofundados, não levassem à de- conservação de energia, e, acima da Eletronorte, os projetos ficaram missão de vários técnicos no âmbito de tudo, 17 mil MW de pequenas fora. Eis que, de repente, no final do Ibama. Isso não é um tratamen- centrais hidrelétricas. A dotação de do segundo governo Lula, ressus- to politicamente aceitável, vindo recursos naturais, capacitação tec- cita-se Belo Monte, como um de- de um governo que foi eleito como nológica, recursos humanos e finan- sespero extraordinário, para salvar democrático e popular. De repen- ciamento generoso do BNDES, está a lavoura brasileira. Tudo porque, te, parece que a pressão sobre a tudo aí. Dá para escolher qualquer como eu disse antes, não se fez o demanda e a pressão das grandes projeto para atender, basta plane-

16 Revista Adusp Outubro 2011 usinas. Então muitas vezes elas têm custo favorável e têm esses benefí- cios colaterais. O potencial estima- “O governo Lula se valeu do discurso teórico dos cepalinos, do é de 17 mil MW, é mais do que Itaipu, Itaipu hoje está com 14 mil e além de criar os ‘campeões nacionais’ ainda alçou a MW. América do Sul às quatro grandes empreiteiras, para criar No Brasil hoje, então, o que se pode dizer como síntese é que re- algo que se aproxima de um subimperialismo regional” cursos naturais não faltam, o que falta é planejamento, gestão e orga- nização do sistema e atributos. Por- que o setor de energia é marcado jar, gerir e organizar. Três coisas butos naturais, isso não quer dizer pela presença de um fenômeno que que não foram feitas no setor ener- que deva ser feito. Como ninguém se chama de possibilidade de gera- gético, apesar do que deveria ter si- hoje está propondo barrar as cata- ção de rendas absolutas e diferen- do aprendido com o racionamento ratas do Iguaçu, nem as do Niágara. ciais, ou então lucro suplementar, e os apagões que precederam 2001. Quando há situações muito fortes ou super-benefício. É uma condição Tanto que o governo Lula teve dois que se sobrepõem, não se precisa na qual o capital e o trabalho alo- apagões nacionais em dois anos; o fazer, até porque não há necessida- cados socialmente têm um retorno governo Dilma, em poucos meses, de, há outros recursos. muito maior do que teriam se fos- já empatou. Quanto às pequenas centrais hi- sem alocados no sistema de capital De forma que Belo Monte tem drelétricas, não se pode falar gene- concorrencial. Tipicamente o re- atributos naturais, essa polêmica ricamente, porque cada caso é um torno para ele é hoje de 8%, 10% em torno da sazonalidade não se caso: depende sempre da hidrolo- ao ano. Numa usina hidráulica ou sustenta, até porque todas as usi- gia, topografia, geologia e da pro- num posto de petróleo, esse lucro nas são assim. O reservatório lá vai ximidade com os demais centros. suplementar é de uma enorme di- ser pequeno, mas dá para conjugar Normalmente, as pequenas centrais mensão. É o que eu falei antes das com o reservatório das outras gran- elétricas têm enormes vantagens. usinas hidráulicas amortizadas: elas des usinas que ainda existem, os Porque elas, evidentemente, cau- têm custo de R$ 10 o MW/hora, no reservatórios de acumulação. Belo sam algum impacto no meio am- máximo; produzem algo que vale Monte vai ser uma usina tipicamen- biente, mas têm reservatórios só de R$ 110; sobram R$ 100, que é o lu- te a fio d’água, praticamente toda regularização diária ou semanal, no cro suplementar, que nós propomos a água que passa é turbinada, e a máximo, portanto são menores, ser- que seja apropriado publicamente e que não é turbinada vai para o ver- vem para piscicultura, servem para não em benefício do grande capital, tedouro, não é acumulada como recreação e servem como depósito como quer essa campanha pública previa o projeto antigamente, que de água para uso em irrigação e que já está nas manchetes dos jor- ia inundar todo o rio Iriri, que é ou- mesmo em abastecimento público. nais, subrepticiamente, e com notas, tro afluente do Xingu, e o próprio Casos muito interessantes para se como saiu na Folha de S. Paulo. Xingu, quilômetros e quilômetros olhar são, por exemplo, as usinas do Revista Adusp. Que campanha a montante das duas barragens que Departamento Municipal de Águas é essa? estavam previstas lá, que eram Ba- de Poços de Caldas, que pratica- ILDO. É uma campanha pa- bacuara e Cararaú, os nomes origi- mente tornaram a cidade autônoma ra que as usinas hidráulicas cujas nais desses empreendimentos. En- em energia há muito tempo, e ge- concessões vencem até 2015 sejam tão essa é minha visão sobre Belo raram lazer, com pousadas, hotéis, destinadas à chamada modicidade Monte: tem um projeto com atri- para recreação no entorno dessas tarifária do sistema produtivo brasi-

17 Outubro 2011 Revista Adusp leiro. Quer dizer, eles querem com- antes no Brasil, com a petroquími- outras coisas que eu disse, e ainda prar energia a R$ 10 o MW/hora, ca e tal, ainda alçaram a África e a sobraria. Isso daria 1.100 milhões ao invés de ajudar... Porque depois América do Sul às quatro grandes de MW/hora. Hoje nós possuímos de quase nove anos de “Luz para empreiteiras, com financiamento cerca de 400 milhões de MW. Então Todos”, dos 12,5 milhões de brasi- do BNDES, para criar algo que se sobraria ainda energia com poten- leiros que estavam às escuras ainda aproxima de um subimperialismo cial remanescente para, por exem- têm 2,5 milhões às escuras. Em três regional. Impor essas usinas, mui- plo, transformar grande parte da anos era possível ter eletrificado tas vezes negociadas com processos frota de veículos de combustíveis todo mundo, no entanto, nove anos politicamente questionáveis com líquidos para elétricos, assim aju- depois ainda tem 2,5 milhões às es- as lideranças locais. E aí vê o es- dando a despoluir o ar das grandes curas, e o governo ainda prorrogou cândalo que foi uma empresa do metrópoles, que é um grave proble- o “Luz para Todos” para 2014. Por porte da Odebrecht fazer a usina ma de saúde pública hoje. quê? Falta de recursos. Ora, onde é no Equador, US$ 500 milhões, e a Por que ir para o Peru? Não teria que está o recurso? A Constituição usina não funciona. Com dinheiro sentido fazer hidrelétrica no Peru diz que o petróleo de subsolo é da do BNDES. E o governo brasilei- ou na Bolívia para mandar energia nação, que os potenciais hidráulicos ro entrando em arbitragem nos fó- para cá, porque vai ser mais cara, são da nação. Se as usinas já amor- runs jurídicos internacionais para instabiliza mais ainda o sistema elé- tizadas, pagas duas ou três vezes obrigar o pobre povo do Equador trico, por causa das longas linhas pelo consumidor brasileiro, agora a pagar por uma usina que não fun- de transmissão. A única razão é o pertencem ao Tesouro Nacional, só ciona. Isto é uma vergonha. negócio em favor das empreiteiras, esses 22 mil MW cujas concessões Isso está acontecendo, eles fa- que são o sócio predileto. Citei as vão vencer até 2015 dariam, como zem qualquer obra, a qualquer cus- quatro grandes, como elas criaram eu disse antes, uma geração líquida to, desde que as autoridades locais um naco do capitalismo brasilei- da ordem de R$ 10 bilhões a R$ 15 aceitem. Isso tanto na África como ro: Odebrecht, Andrade Gutierrez, bilhões por ano. É o volume que é aqui, para fazer biocombustíveis OAS e Camargo Corrêa. Estão em gasto com Bolsa Família, poderia e obras hidrelétricas, rodoviárias, toda América do Sul, na África e fazer uma nova educação pública, principalmente, e outras usinas. na América Central também, com saúde pública. Está sendo feito. O mais grave foi dinheiro do BNDES, e a Eletrobras Revista Adusp. O Brasil preten- Inambari, no Equador. Veja, Inam- entra como garantidora. Que ope- de construir hidrelétricas em sete bari fica 700 km para lá de Santo ra [no exterior] inteiramente livre países da América Latina. Além Antônio e Jirau, que ficam a 2,4 dos controles públicos do Tribunal das críticas ambientais, tem as críti- mil km de São Paulo. Nós temos o de Contas da União. O ambiente é cas das populações locais de que se potencial tão grande aqui no Bra- mais livre, tem mais agilidade para trataria de imperialismo. sil que citei há pouco. Na disserta- fazer negócios. E o BNDES tem ILDO. Subimperialismo, sim. Eu ção de mestrado da Juliana Ricosti sido a mãe de todos, porque o go- vejo isto como uma das faces da nós mostramos que, se a gente usar verno pega dinheiro do público a chamada mudança, em homenagem parte desse potencial que eu citei 12,5%, capitaliza o BNDES, que à “Carta aos Brasileiros”, que o Lu- há pouco, em 2020 — quando a passa a emprestar a 6%, 7% ao ano. la acrescentou à política hegemôni- população, segundo o IBGE, vai Tem, além dessas relações compli- ca do Fernando Henrique Cardoso. se estabilizar em 220 milhões de cadas com as populações locais, rela- Eles se valeram do discurso teórico habitantes — será possível dobrar o ções complicadas com líderes políti- dos cepalinos, que viam a neces- consumo per capita de hoje, usando cos, muitas vezes desprestigiados, co- sidade de induzir a construção de apenas cerca de 50% do potencial mo o que saiu do Peru agora. Sempre grupos econômicos nacionais e aí, eólico e 70% do potencial hidráu- permanece em brumas e obscuridade além de fazer aquilo que eu disse lico, complementados com essas o que foi negociado nesses projetos.

18 Revista Adusp Outubro 2011 Daniel Garcia

“Abandonei a energia nuclear em 1991, já achava que não era prioritária para o Brasil. Havia outros recursos. Há países onde a opção nuclear dificilmente tem condição de ser abandonada, se não for substituída por carvão. Então eu separo o debate dentro do Brasil e fora”

Revista Adusp. Vamos para ou- Há países onde a opção nuclear No entanto, Angra I levou vinte tro “departamento”. A Alemanha dificilmente tem condição de ser e poucos anos para ser concluída; acaba de sepultar o seu programa de abandonada, se não for substituída Angra II, 21 anos; e Angra III de- energia nuclear. O Brasil deve aban- por carvão, como é o caso da China. veria ter sido abandonada. Já está donar a energia nuclear, desativar as Então eu separo o debate dentro em R$ 10 bilhões o orçamento a ser usinas de Angra? Ou, ao contrário, do Brasil e fora. Como repositório utilizado para concluir Angra III. O deve persistir nessa seara? natural de energia herdado do Big governo está propondo no seu pla- ILDO. Este é meu campo pre- Bang e do seu reprocessamento ao no ainda mais quatro usinas nucle- dileto, porque sou engenheiro nu- longo de corpos celestes, que de- ares, juntas elas vão custar mais R$ clear. Eu abandonei a energia nu- pois vieram formar a Terra, eviden- 40 bilhões. Na dissertação de mes- clear em 1991, quando vim para a temente o urânio, o deutério e o trado da Juliana Ricosti, que está USP, porque já então eu achava trítio representam uma fonte enor- à disposição de vocês, simulamos que era um caminho não prio- me de energia natural e não pode a retirada de todas as usinas que ritário para o Brasil. Havia ou- ser descartada. Mas no caso brasi- entrariam depois de 2015, as quatro tros recursos, como já discutimos leiro, particularmente, a previsão nucleares, só não tiramos Angra III há pouco. Isso porque o impacto do acordo nuclear Brasil-Alemanha porque eles já estão querendo con- de Three Mile Island havia sido era de que em 1990 teríamos oito cluí-la, todas as usinas a carvão e a um tsunami financeiro já então. usinas nucleares, mais Angra I; em óleo, e simulamos colocando eólica. Não mais do que isso, porque não 2000, 40 usinas nucleares; em 2016, Concluímos que o custo de fazer houve problemas de radioativi- 160 usinas nucleares no Brasil. Essa só eólica e hidráulica, com com- dade fora do controle em grande era a previsão dos militares, quando plementação térmica, seria muito escala. Chernobyl revelou a face criaram o programa nuclear brasi- menor. Como eu disse antes, o Bra- que a falta de cuidado pode signi- leiro, quando me deram bolsa para sil não precisa das nucleares, tem ficar, em relação ao permanente fazer o mestrado e o doutorado em outros recursos, é uma condição risco da opção nuclear, porque o engenharia nuclear e deram bol- diferente da dos demais países. Po- critério de segurança lá era muito sa de iniciação científica e outras deríamos simplesmente abandonar primitivo, eram usinas sem barrei- coisas mais. Então eu sou fruto do as quatro nucleares novas. É impor- ra de proteção múltipla. programa nuclear brasileiro. tante notar que o governo está fa-

19 Outubro 2011 Revista Adusp zendo um processo de aliciamento a seu amigo Norberto Odebrecht. que poderá investir maciçamente no Nordeste, nas margens do São Para evitar o monopólio da tecno- em áreas até agora relegadas, tais Francisco, que precisa de água para logia nuclear na mão da Odebrecht, como educação, ciência e tecnolo- resfriamento, eles estão anuncian- o terceiro contrato quem ganhou gia. Por outro lado, quando mais do que as nucleares poderão ser a foi a Andrade Gutierrez. Décadas se fala em energia limpa, o Brasil salvação contra a pobreza, porque depois, eles conseguiram ressuscitar se compromete enormemente com ser vizinho de uma usina nuclear o contrato. Ironicamente, é a mes- fontes fósseis de energia, cujo po- vai render royalties, como rende ma Andrade Gutierrez que herdou tencial poluidor é conhecido. Como em Angra, rende uma contribuição também as telecomunicações do você analisa esse quadro contradi- anual às prefeituras. É uma espécie país. O grande monopólio privado, tório? de compra pelo direito de colocar como dizia o ex-ministro para mim: ILDO. Não acredito que o regi- algo perigoso no seu quintal. “Nós não podemos colocar tudo me capitalista tenha condições, sem No Brasil, então, a conta que eu na mão das empresas estatais e do se aprofundar numa crise mais vio- fiz foi a seguinte: ao invés de gas- governo, temos que ajudar essas lenta do que a que já viveu até hoje, tar R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões de abrir mão dos recursos remanes- para fazer Angra III mais quatro centes do petróleo. A população nucleares, você pode com R$ 25 “O regime capitalista não era de 700 milhões de habitantes bilhões fazer a mesma capacidade tem condições de abrir mão em 1750. A Era do Carvão a elevou de geração de energia usando hi- para 1,7 bilhão, com o incremento dráulicas, eólicas, complementadas dos recursos do petróleo. extraordinário da produtividade do termicamente. Gastar só metade e O PIB mundial é de trabalho social. A Era do Petróleo praticamente não vai queimar com- praticamente se aprofunda de 1910 US$ 60 trilhões e o bustível, nem vai deixar piscinas in- a 1920, e é hegemônica ainda até teiras, cada uma delas, para cada excedente econômico do agora, como processo de incremen- reator que operar 30 anos, com mil petróleo, de US$ 3 trilhões, to extraordinário da produtivida- toneladas de elementos combus- de do trabalho e da circulação de tíveis queimados ao longo da vida é disputado com todas mercadorias, no âmbito industrial, útil, que exigem cuidado. Se você as armas para incrementar urbano e de circulação, conquanto for reprocessar, quebrar e separar, a eletricidade foi mais para alguns você precisa de 300 anos para cui- a acumulação capitalista” tipos de fábrica e algumas coisas do dar dos resíduos. Se não reproces- ambiente urbano. sar, são cerca de 2 mil anos para es- Lenin dizia que socialismo é so- perar que fiquem inofensivos. Dei- empresas, que podem nos ajudar.” viete mais eletricidade. Ele tinha xar de herança para nossos netos, Eu não entendia o que era “nos” razão porque a eletricidade che- bisnetos, gerações futuras, a carga ajudar nessa conversa. gando, a produtividade do trabalho de cuidar de elementos radioativos, Revista Adusp. Vamos para o aumentava, saía-se da era de quase que vão exigir custos por séculos, se Pré-Sal. Você foi diretor de Gás e caçador e coletor, pré-revolução não milênios, é absolutamente des- Energia da Petrobras. agrícola, para uma era pós. Então propositado. ILDO. Cinco anos. não há que desprezar o que aconte- O absurdo de Angra III é o se- Revista Adusp. A descoberta das ceu na União Soviética em termos guinte: eles ressuscitaram um con- reservas do Pré-Sal sugere que o de fenômeno de produção. Incre- trato que estava hibernando por país reforçou extraordinariamente mento extraordinário com apro- duas décadas, com a Andrade Gu- a sua condição de produtor de com- priação social da energia. tierrez. Os primeiros contratos da bustível fóssil e que, com isso, obte- A apropriação do petróleo pelo era nuclear o presidente Geisel deu rá recursos financeiros de tal monta capitalismo para incrementar a pro-

20 Revista Adusp Outubro 2011 dutividade do trabalho fez a popu- mais, portanto incrementar a pro- em hidrogênio e oxigênio, combi- lação pular de 1,7 bilhão, em 1910, dutividade industrial do trabalho, na os hidrogênios com carbono e para 6 bilhões de pessoas, 100 anos mas, acima de tudo, redistribuir faz qualquer cadeia de combustível, depois. Produz-se em escala sem melhor o produto social do siste- que pode ser GLP, pode ser gás na- precedentes, circula-se em escala ma econômico. Esse é o dilema. tural, pode ser gasolina, pode ser sem precedentes. O PIB mundial Isso evidentemente agrava a ques- querosene, pode ser óleo combus- hoje é de US$ 60 trilhões, mais ou tão ambiental global da biosfera. tível. Quanto custa? US$ 80, que menos; o excedente econômico do Só que eu não vejo saída, a não ser aliás é o preço diretor, o preço so- petróleo sozinho é US$ 3 trilhões. uma saída gradual. cial de produção da energia. Marx Hoje um barril custa menos de US$ Não é possível imaginar, como já previa isso, ele estava correto. É 10, vale mais de US$ 100. Produ- muitos da sustentabilidade vulgar o carvão que determina o preço do zem-se hoje 85 milhões de barris fazem crer, que os processos são petróleo, porque ele é o único subs- por dia, que dá uns 30 bilhões de circulares, que retornam sempre ao tituto em escala global. barris por ano. O excedente é US$ mesmo ponto. A história só anda Então, do ponto de vista da 100 por barril, vezes 30 bilhões, isso Daniel Garcia apropriação da renda absoluta, ren- dá US$ 3 trilhões por ano, que é da diferencial, todos aqueles que um excedente econômico disputado controlam o oligopólio do petróleo com todas as armas para incremen- não abrem mão dele, a não ser pelo tar a acumulação capitalista. Isto é seu preço social alternativo, que é produção de valor sem alocar tra- dado pelo preço social de produção balho de capital, é o chamado lucro do carvão, que seria a alternativa suplementar. Então se invade o Ira- em escala mundial, capaz de satis- que, se ameaça a Venezuela, se cria fazer as necessidades energéticas. a 4ª Frota para vigiar o Atlântico Talvez no futuro, se a tecnologia Sul quando o Pré-Sal brasileiro vai evoluir muito, podem ser os reno- até 300 km mar adentro e não é re- váveis, ou então a nuclear. Porque conhecido que isso é mar territorial o bolsão de petróleo remanescente pelos países. convencional hoje é de cerca de 1,8 Os Estados Unidos têm 30 bi- trilhão de barris. Nós estamos con- lhões de barris de reservas: dá para sumindo hoje 30 bilhões de barris três anos se eles quiserem produzir por ano, portanto teria, teoricamen- seu próprio petróleo, consumindo te, [estoque para] 60 anos. cerca de 9 bilhões/ano. O capitalis- para frente, é um processo dialético No entanto, nesse quadro, eu mo mundial não consegue operar permanente de rupturas e mudan- não vejo como se poderá abrir mão sem o petróleo, por esses atributos. ças. Achar que o mar sempre vai do petróleo. Ainda que fosse um Substituir o petróleo significa gastar ser do mesmo jeito, a atmosfera, é desejo de apropriar mais energia muito mais trabalho, muito mais ilusão. E aí, como é que eu coloco renovável, aumentar a produtivi- capital, para fazer a mesma pro- o Pré-Sal nessa história? Primeiro, dade dos sistemas tecnológicos que dução. Quando o mundo de hoje que a demanda mundial de petróleo apropriam energia do sol, o recur- precisaria, se fosse possível pensar vai ser satisfeita, independentemen- so menos disponível na Terra é o utopicamente, satisfazer as necessi- te de com que recursos, ou vai ser do petróleo. Energia natural não dades dos 2 bilhões de famintos que substituído por coisas piores como falta. Aquela que é disputada é a vivem abaixo da linha de pobreza, carvão liquefeito, por um processo que permite maior excedente eco- dos outros 2 bilhões de remediados; Fischer-Tropsch. Você usa carvão nômico, especialmente aquela que significa que deveríamos produzir para separar a molécula da água gera o lucro suplementar tão gran-

21 Outubro 2011 Revista Adusp de quanto é o petróleo hoje. Não ra criar concorrência. Porque, em há nada que se compare. Mesmo 2006, Tupi já havia sido furado e num sistema socialista, se eu me “Um ex-ministro do comunicado. O segundo poço de lembro bem do que disse o Lenin, governo Lula e dois do Tupi, para ver a dimensão, foi fei- também não se poderia abrir mão to mais adiante, esse ficou pronto governo FHC foram daqueles recursos que permitem em 2007. Só que o Lula e a Dilma produzir mais com menos trabalho, assessorar Eike Batista. foram avisados pelo Gabrielli em para satisfazer mais necessidades, O que caberia a um 2006. Muitos movimentos sociais ao invés de só acumular e botar no foram a Brasília, nós falávamos balanço das empresas, que é o que governo que primasse com os parlamentares, os sindica- o capitalismo faz — essa é a grande por dignidade? Cancelar tos foram protestar. O Clube de diferença. Engenharia, que é a voz dos en- No entanto, nesse quadro, é ab- o leilão. Por que não foi genheiros, mandou uma carta ao solutamente inaceitável o modelo feito? Porque tanto Lula, Lula, em 2007, pedindo para nun- que foi aprovado, depois que o Pré- ca mais fazer leilão. Em 2005-6, o Sal foi confirmado, em 2005, quan- quanto Dilma, quanto [Rodolfo] Landim, o queridinho do se furou o poço de Paraty. No os ex-ministros, estavam do Lula e da Dilma, saiu da Petro- poço de Paraty, debaixo do sal, havia bras. Porque o consultor da OGX, petróleo, confirmando uma suspeita nessa empreitada” do grupo X, do senhor [Eike] Ba- de três, quatro décadas. Em 2005 foi tista, era o ex-ministro da Casa Ci- Paraty, 2006 Tupi chegou. vil, e ele sugeriu então que Eike Revista Adusp. Você ainda esta- vai ter mais leilão”. Mas se subjuga- entrasse no petróleo. Aí ele con- va na Petrobras? ram às grandes pressões e mantive- tratou o Landim, que começou a ILDO. Eu ajudei a tomar essa ram os leilões. Fernando Henrique arquitetar. Como o centro nevrál- decisão. Nós tomamos essa deci- fez quatro, Lula fez cinco. Lula en- gico da estratégia da Petrobras é a são, não sabíamos quanto ia cus- tregou mais áreas e mais campos gerência executiva de exploração, tar. O poço de Tupi custou US$ 264 para a iniciativa privada do petróleo o geólogo Paulo Mendonça, nasci- milhões, para furar os 3 km de sal do que Fernando Henrique. do em Portugal, formado aqui na e descobrir que tinha petróleo. O Revista Adusp. Mas Gabrielli USP, e o Landim, articularam para Lula foi avisado em 2006 e a Dil- era contra e acabou concordando? em 2007 criar uma empresa nova, ma também, de que agora um novo ILDO. Não. A Petrobras não a partir dos técnicos da Petrobras. modelo geológico havia sido desco- manda nisso, a Petrobras é vítima, E o senhor Batista queimou alguns berto, cuja dimensão era gigantesca, ela não era ouvida. Quem executa milhões de dólares para assinar não se sabia quanto. Então, obvia- isso é a ANP [Agência Nacional do os contratos e dar as luvas desses mente, do ponto de vista político, Petróleo], comandada pelo PCdoB, novos cargos, que estavam den- naquele momento a nossa posição, e a mão de ferro na ANP era da tro da Petrobras mas, desde que o de muitos diretores da Petrobras, Casa Civil. Então a voz da política Landim foi trabalhar com o senhor principalmente eu e Gabrielli, que energética era a voz da Dilma, ela Batista, ele já estava lá para arran- tínhamos mais afinidade política é que impôs essa privatização na car de dentro da Petrobras esses com a proposta do PT de antiga- energia elétrica e no petróleo. De- técnicos. mente, a abandonada, achávamos pois do petróleo já confirmado em Aí chegou o fim de 2007, todos que tinha que parar com todo e 2006, a ANP criou um edital pe- nós pressionando para não ter mais qualquer leilão, como aliás foi pro- lo qual a Petrobras tinha limitado leilão, o Lula tira 41 blocos... Ve- messa de campanha do Lula. Na acesso. Podia ter no máximo 30% ja, vamos voltar a 2006. Em 2006, transição, ainda a Dilma falou, “não ou 40% dos blocos, necessários pa- quem anulou o leilão foi a justiça,

22 Revista Adusp Outubro 2011 Jo s é Di r c e u e Ei k e Ba t i s t a c o n t e s t a m p r o f e s s o r

Além da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presi- na 9ª Rodada de Licitações da ANP”. Acrescenta dente Lula, também o Ministério das Minas e Ener- que tais “insinuações” refletem desconhecimento da gia e a ANEEL deixaram de se manifestar a respeito legislação que rege o setor do petróleo, e considera das declarações do professor Ildo Sauer. Contudo, o completamente equivocada a informação de que o ex-ministro José Dirceu e a empresa OGX, de Eike empresário Eike Batista tenha “surgido do nada” há Batista, procurados pela Revista Adusp, encaminharam apenas três anos. textos em que contestam as acusações formuladas pelo “Neste leilão, aberto e transparente, do qual os diretor do IEE-USP. blocos do Pré-Sal foram retirados por decisão do O ex-ministro José Dirceu sustenta jamais ter feito CNPE, a empresa desembolsou R$ 1,4 bilhão pelos “uso de influência política” para desenvolver seu tra- direitos de exploração em águas brasileiras, o maior balho e nega que tenha participado do leilão citado valor já pago por uma empresa privada nos leilões ou nele representado os interesses da OGX: “É no promovidos pela ANP. Nunca uma empresa privada mínimo equivocada a hipótese de que profissionais ousou assumir tantos riscos na indústria do petróleo desligados do serviço público ou de empresas estatais no Brasil como a OGX”, declara. “Não são verdadei- não possam retomar suas atividades na iniciativa pri- ras as insinuações de que a empresa teria tido acesso vada. Pensar desta forma é banir do mercado de tra- a informações privilegiadas. Todos os dados referen- balho quem dedicou uma parcela de sua vida à cons- tes aos blocos ofertados no leilão foram tornados trução de um país melhor. Cabe a cada profissional públicos pela ANP na ocasião, garantindo isonomia que cruza esta fronteira manter-se alinhado aos mais no acesso às informações técnicas a todas as empresas elevados padrões éticos”, diz. interessadas”. “Desde 2005, quando deixei o governo, me dedico Ainda segundo a OGX, “o processo de geração de às atividades de advogado e consultor e jamais fiz riqueza por parte do Grupo EBX e de seu empreende- uso de influência política para desenvolver o meu dor Eike Batista foi iniciado na década de 80, com as trabalho. Não tive nenhuma participação no leilão atividades de comércio e exploração de ouro e diaman- citado e não representei os interesses da OGX. Por tes” e a entrada em atividade de oito minas de ouro no determinações contratuais — comuns à advocacia e à Brasil e no Canadá e uma mina de prata no Chile. “A consultoria — não posso tornar público quem são os partir de 2004, o grupo voltou seu foco para o setor de meus clientes.” recursos naturais e infraestrutura e abriu o capital de cinco empresas. O Grupo EBX, que já produz minério “Insinuações” de ferro em Minas Gerais e no , A OGX, empresa pertencente ao Grupo EBX, está investindo US$ 15,5 bilhões entre 2011 e 2012, nos repudia “toda e qualquer acusação de que tenha re- setores de petróleo, logística, energia, mineração e in- cebido favorecimento na aquisição de suas concessões dústria offshore no País”.

por discriminação contra a Petro- fazer essas coisas. Ouvi isso da Jô pho Tourinho, foram assessorar o bras, feita pelo governo do PT, co- Moraes, num debate na Câmara Eike Batista. Ele já tinha gasto um mandado pelo PCdoB na ANP, a dos Deputados. monte para montar sua empresa mando da Dilma. Como diz o pró- Só que aí se criou o seguinte im- de petróleo. Se o leilão fosse sus- prio PCdoB, o Haroldo Lima só broglio: um ex-ministro do governo penso, ele ia ficar sem nada, e já executou ordens do governo, como Lula e dois do governo Fernando tinha aliciado toda a equipe de ex- fiel cumpridor, não é iniciativa dele Henrique, Pedro Malan e Rodol- ploração e produção da Petrobras.

23 Outubro 2011 Revista Adusp Daniel Garcia

“A OGX foi criada em 2007. Em 2008 ele fez um IPO, arrecadou R$ 6,71 bilhões por 38% da empresa, portanto estava valendo R$ 17 bilhões. Tudo que tinha de ativo: a equipe recrutada da Petrobras e os blocos generosamente leiloados por Lula e Dilma”

O que caberia a um governo que recriminação contra ele, digamos no insiste em leiloar. E leiloou. E primasse por um mínimo de dig- assim. Eu tenho contra o governo na franja do Pré-Sal é que tem esse nidade para preservar o interesse que permitiu se fazer. E hoje ele enorme poderio. público? Cancelar o leilão e pro- [Eike] anuncia ter 10 bilhões de Como é que pode? A empresa cessar esses caras que saíram da barris já, que valem US$ 100 bi- dele foi criada em julho de 2007. Petrobras com segredos estratégi- lhões. Até então, esse senhor Ba- Em junho de 2008 ele fez um Ini- cos. Por que não foi feito? Porque tista era um milionário, tinha cerca tial Public Offering, arrecadou R$ tanto Lula, quanto Dilma, quanto de US$ 200 milhões. Todo mundo 6,71 bilhões por 38% da empresa, os ex-ministros, os dois do governo já sabia que o Pré-Sal existia, me- portanto a empresa estava valen- anterior e um do governo Lula, es- nos o público, porque o governo do R$ 17 bilhões, R$ 10 bilhões tavam nessa empreitada. não anunciou publicamente. As dele. Tudo que ele tinha de ativo: Revista Adusp. Quem era o ex- empresas que operavam sabiam, a equipe recrutada da Petrobras ministro? tanto que a Ente Nazionale Idro- e os blocos generosamente lei- ILDO. O ex-chefe da Casa Civil, carburi D’Italia (ENI) pagou US$ loados por Lula e Dilma. Só is- antecessor de Dilma. 300 milhões por um dos primeiros so. Eu denunciei isso já em 2008. Revista Adusp. José Dirceu? poços leiloados em 2008. Três ou Publicamente, em tudo quanto é ILDO. É, ele foi assessor do Ei- quatro leilões foram feitos quando lugar que eu fui, eu venho falando ke Batista, consultor. Para ele, não o leilão foi suspenso pela justiça. para que ficasse registrado antes era do governo, ele pegou contrato Até hoje, volta e meia o [ministro] que ele anunciasse as suas desco- de consultoria, para dar assistên- Lobão ameaça retomar o leilão bertas. Porque fui alertado pelos cia nas negociações com a Bolívia, de 2008, 2006. A oitava rodada. geólogos de que lá tinha muito com a Venezuela e aqui dentro. Para entregar. Tudo em torno do petróleo. Ele [Dirceu] me disse que fez isso. Pré-Sal estava entregue naquele Foi um acordo que chegaram Do ponto de vista legal, nenhuma leilão. No leilão seguinte, o gover- a fazer, numa conversa entre Pe-

24 Revista Adusp Outubro 2011 dro Malan, Rodolpho Tourinho foram-se as terras, irão também sil vai exportar uns 3 ou 4 milhões e a então ministra-chefe da Casa os potenciais hidráulicos e o pe- de barris. Já é o terceiro ator. Não Civil, em novembro, antes do lei- tróleo, para essas negociatas entre se pode fazer mais isso. lão. O Lula chegou a concordar, a elite. O modelo aprovado não Toda a longa trajetória da his- segundo disse o pessoal do MST é adequado. Mantém-se uma au- tória do petróleo culmina a partir e os sindicalistas, em acabar com ra de risco sem necessidade, para de 1960 com a criação da Opep o leilão. Mas esse imbroglio, de o justificar que o cara está “corren- [Organização dos Países Expor- empresário ter gasto dezenas de do risco”, mas um risco que ele já tadores de Petróleo]. Tudo para milhões de dólares para recrutar sabe que não existe. que? Para acumular o excedente equipe e apoio político nos dois Qual é a nossa proposta? Pri- econômico, a renda. Então você governos fez com que eles man- meiro, vamos mapear as reservas: não pode ter alguém no mercado tivessem... Tiraram o filé-mignon, saber se temos 100 bilhões, 200 bi- que não opere de maneira coorde- mas mantiveram o contra-filé. lhões, 300 bilhões de barris. Segun- nada. E a lógica dos contratos de O contra-filé é alguém que ho- concessão — já entregaram 28% je anuncia ser o oitavo mais rico do Pré-Sal e dos de partilha que do mundo. E tudo foi mediante “É loucura arrancar todo querem fazer — é de que de você essa operação no seio do gover- o petróleo do Pré-Sal e assina o contrato, tem um prazo no. Contra a recomendação dos para começar a explorar, concluir técnicos da Petrobras, do Clube convertê-lo em moeda. a exploração, depois tem uns 20 de Engenharia, do sindicalismo. Qual? O derretido dólar? anos para retirar o mais rapida- Foi a maior entrega da história mente o petróleo. No caso, a ur- do Brasil. O ato mais entreguista O derretido euro? O yuan? gência urgentíssima do Congresso da história brasileira, em termos O yen? Nenhum ativo no Nacional era de que tinha urgên- econômicos. Pior, foi dos proces- cia para fazer fundos sociais. Essa sos de acumulação primitiva mais mundo será mais rentável é a maior falácia que eu já vi na extraordinários da história do ca- do que o petróleo certificado minha vida. A Petrobras tem dois, pitalismo mundial. Alguém sai do três anos para fazer a exploração; nada e em três anos tem uma for- debaixo da terra” depois dois, três anos para come- tuna de bilhões de dólares. çar a botar as plataformas, é 2016- A Petrobras durante a vida in- 17. Daí a três anos vai começar a teira conseguiu descobrir 20 bi- do, vamos criar o sistema de pres- produzir o óleo-custo, estamos em lhões de barris de petróleo, antes tação de serviço: a Petrobras passa 2020. Aí ela pagou todos os custos, do Pré-Sal. Este senhor, está no a operar, recebe por cada barril a partir daí o óleo-lucro é dividido site da OGX, já tem 10 bilhões de de petróleo produzido US$ 15 ou entre o governo e a empresa. Aí barris consolidados. Os Estados US$ 20, e o governo determina o vai para o fundo no exterior. Em Unidos inteiros têm 29,4 bilhões ritmo de produção. Porque há um 2022, talvez, vai começar a man- de barris. Ele anuncia que estará problema: a Arábia Saudita produz dar dividendos para cá. E tinha produzindo, em breve, 1,4 milhão em torno de 10 milhões de barris, a urgência urgentíssima para mandar de barris por dia — o mesmo que a Rússia uns 8 milhões de barris, de- dividendos do fundo social, que Líbia produz hoje. pois vêm os outros, com 2 a 4 mi- vai investir preferencialmente em É esse o quadro. Ou a popula- lhões de barris por dia: Venezuela, ativos no exterior. Está na lei. ção brasileira se dá conta do que Iraque, Irã. O Eike Batista anuncia Não há nenhum ativo no mun- está em jogo, ou o processo vai a produção de 1,4 milhão de barris, do que vai ter mais rentabilida- ser o mesmo de sempre. Do jeito a Petrobras anuncia 5 milhões de de do que o petróleo certificado que foi-se a prata, foi-se o ouro, barris e pouco. Significa que o Bra- debaixo da terra. Qual moeda?

25 Outubro 2011 Revista Adusp Daniel Garcia

“O governo deve estatizar os fundos de pensão. Melhor do que ter gestões privadas ditas de parceria, onde os trabalhadores não opinam e os governos impõem uma agenda de rapinagem. Com isso a Vale será estatal, a Petrobras será mais uns 15% estatal”

No IEE, com a equipe da Revista Adusp O derretido dólar? O derretido É uma loucura arrancar debaixo Nós fizemos um plano estraté- euro? O yuan? O yen? Eu faço do seio do oceano brasileiro todo gico na Petrobras, algumas ações, essa pergunta desde 2007. Entro o petróleo, convertê-lo em moeda, inclusive tomar a decisão de in- no Congresso Nacional, “Vocês para submeter à lógica do capital vestir em exploração para chegar querem investir em quê?” Em pe- financeiro internacional. É o que ao Pré-Sal, e me orgulho de ter tróleo na Arábia Saudita, talvez todo mundo quer, porque todo participado disso. De investir for- fosse melhor, se eles deixarem. Só mundo ganha com isso. Ganha o temente em exploração, porque que não tem onde comprar petró- empreiteiro que faz a plataforma, lá, um bom marxista sabe disso, leo. Maluquice. Então minha pro- a empresa que opera, ganham os lá está o excedente econômico, o posta para o Pré-Sal é muito sim- bancos, ganham os políticos. Ima- lucro suplementar. Na explora- ples: que se delimitem as reservas; gine um fundo lá fora de US$ 1 tri- ção. Na renda do petróleo. Não que se defina um plano nacional lhão na hora de uma crise política, está nas outras indústrias: refino, de desenvolvimento econômico e que maná. petroquímica, tudo é capitalismo social: quanto para a educação, Defendo o seguinte: deixa o convencional concorrencial, on- todo ano um orçamento, tipo R$ petróleo lá, como reserva de va- de o retorno médio é o retorno 100 bilhões a R$ 200 bilhões por lor, produz o necessário para fi- médio da acumulação do capital ano, para a educação, para a saú- nanciar a transformação da base apenas. Se tivéssemos feito o que de pública, para a reforma urba- social e produtiva do Brasil, só. queriam muitos, teríamos só cons- na, reforma agrária, proteção am- E ambiental. Não arranca de lá truído coisas por aí, feito termoe- biental, infraestrutura em geral, mais do que isso. Se nós temos létrica, que nem o Fernando Hen- ciência e tecnologia e, acima de isso, podemos abrir espaço para rique fez, e algumas refinarias, tudo, transição energética. Muito as outras fontes de energia: solar, para atender os lobbies. investimento em tecnologia para fotovoltaica, eólica, tudo mais. Só que a Petrobras opera como apropriar as formas renováveis. Isso pode ser feito. E a Petrobras empresa capitalista, e quanto mais Com essa agenda, você define está pronta para fazer — claro ela está sendo loteada entre os gru- qual o orçamento de médio e lon- que tem que reformar a Petro- pos da base da governo, ela passa a go prazo e aí ordena o ritmo de bras. Na minha opinião tudo isso ser um capitalismo meio estranho, produção com alguma folga para vale também para a Vale do Rio que de um lado atende à pressão dos atender a isso. E vai acumulando Doce. Tem que se apropriar do lobbies, e do outro tende a maximizar no fundo só o do orçamento do excedente econômico da indús- a acumulação. Só. Ela tem que mu- ano seguinte. tria mineral. dar, como a Vale tem que mudar.

26 Revista Adusp Outubro 2011 Revista Adusp. A Vale continua Revista Adusp.Você ficou até tar no que a Dilma fazia. privada. 2008 na Petrobras? A Dilma gostava de fazer o que ILDO. Mas isso é muito simples, ILDO. Saí de lá 24 de setembro o Lula pedia. Ela praticava estra- eu já escrevi sobre isso. O capital de 2007, um pouco antes desse úl- tégia que eu considero de assédio dela é majoritariamente público ou timo leilão. Eu reclamava muito moral contra os subordinados, em para-público. internamente. Mandei oito car- todas as linhas, os funcionários de Revista Adusp. Via fundos? tas ao governo Lula, criticando a governo, todos os ministérios e das ILDO. Fundos de pensão. Es- política do setor elétrico, propus estatais. Ela impunha uma estraté- tatiza os fundos de pensão. Toda uma reforma na direção do que gia de ataque, de grosseria, então vez que os fundos de pensão têm nós falamos no começo, já em cada um faz o que ela quer. Ela prejuízo, são as estatais públicas 2005-6 eu fiz isso. Fiquei espe- sempre mandava os outros fazerem que pagam, porque a Secretaria de rando, o troço não mudava, então esses negócios, de vender energia Previdência Privada é obrigada a no mercado livre, de organizar es- supervisionar... sas coisas. Usava desse poder de Revista Adusp. A Petrobras con- “Mandei oito cartas ao quem está em cima para mandar trola o Petros, por exemplo? fazer e, ao mesmo tempo, do ou- ILDO. Sim. governo criticando a tro lado, ela era vista com extrema Revista Adusp. Diretamente? política do setor elétrico, simpatia. Tinha uns arroubos com ILDO. Quem controla é o go- os privados, mas em geral estendia verno. Então a Petros, todos eles, não tinha eco. Porque o tapetes. Era essa estratégia que o são um instrumento paralelo de Lula gostava de acreditar Lula via, por isso ela virou candi- governo, privado. O governo faz o data dele. que quer, porque não presta con- no que a Dilma fazia. A O Lula se revelou ser aquilo tas a ninguém. Eu prefiro que esta- Dilma praticava estratégia que o Coggiola [professor Osvaldo tize os fundos. Por isso a Vale será Coggiola, da FFLCH] tinha ante- estatal, a Petrobras será mais uns de assédio moral contra os cipado no prefácio do livro O filho 15% estatal. subordinados, impunha do Brasil. E o Florestan Fernan- Revista Adusp. Estatiza formal- des também tinha antecipado. A mente então? uma estratégia de ataque, precária formação política, muito ILDO. Formalmente. Faz uma de grosseria. Por isso virou superficial, e valores extremamen- lei decretando que os mutuários do te conservadores. Eu só li o pre- fundo têm os direitos que estão no candidata dele” fácio depois que voltei. Encontrei estatuto garantidos pelo governo o Coggiola, fui ler o prefácio. E federal. É melhor do que ter essas o Lula me deu o livro, portanto gestões privadas ditas de parceria, resolvi escrever. Fui a público, dei eu não devia reclamar dele. Cada onde os trabalhadores não opinam entrevistas ao Valor Econômico um tinha um Lula, achava que o e os governos impõem uma agenda criticando a postura do governo Lula era um paradigma da trans- de rapinagem, obrigam a comprar nessa área. Eu não falava em pe- formação — e ele era o que era, títulos que interessam aos parcei- tróleo publicamente, mas agía- capitalista, conservador. E sur- ros. Isso foi profundamente feito mos com o MST, os sindicatos de preendentemente para mim, ele no governo do Fernando Henri- petroleiros, todos os deputados queria chegar lá. Queria se con- que e continua sendo feito hoje, amigos nossos, eles iam lá. Eu ia verter num Pelé da política, para no governo Dilma. Então prefiro pressioná-los, eles iam lá recla- deixar o Palocci virar o Pelé da que estatize. Escrevi isso para os mar, não tinha eco. Porque o Lula economia, e assim todo mundo ter engenheiros. só acreditava, gostava de acredi- salário de Pelé.

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