Jornal Pessoal A AGENDA Amazônica de Lúcio Flávio Pinto • Ano XXXI • No 632 • MAIO de 2017 • 2a quinzena • R$ 5,00

TERRAS A chacina de Pau d’Arco Mais uma vez o governo do Pará mostra insensibilidade e incompetência no trato de um dos problemas mais graves do Estado: os conflitos de terras. Depois de Eldorado dos Carajás, 21 anos atrás, nova chacina acontece sob um governo do PSDB. Os tucanos emudecem.

secretário de segurança pública do fazenda, de 3,5 mil hectares, é motivo de disputa Pará, general JeannotJansen, fez a pri- entre os seus proprietários e posseiros desde 2012. meira declaração sobre o conflito em Desta vez, a polícia cumpriria 16 mandados Pau D’Arco, no sul do Pará, poucas ho- judiciais de prisão contra quatro pessoas, que te- Oras depois do acontecimento, na manhã do dia riam participado do assassinato de um vigilante 24, que resultou em 10 mortes, nove de homens da fazenda, ocorrido um mês antes, e de busca e e de uma mulher. Sua maior preocupação foi res- apreensão de armas e documentos, e que acaba- saltar que a polícia – civil e militar – não cumpria ram sendo mortas durante o ataque. Na explica- mandado de reintegração de posse. Ou seja: não ção do secretário, a presunção era de que a ope- ia desalojar os ocupantes da fazenda Santa Lúcia, ração resultara da constatação de que o alvo eram como acontecera em duas situações anteriores. A delinquentes comuns e não posseiros.

A PROPINA DE JORNALISTAS • CORRUPÇÃO NO PODER Havia antecedentes. Uma reintegra- sem vítima fatal. O tiroteio pesado surdo a defesa dos direitos humanos, ção de posse executada um mês antes deixaria marcas claras do combate, o como se apenas uma das partes, a falsa- retirara os ocupantes da área, mas eles que, nas vistorias posteriores ao local, mente (ou verdadeiramente) mais fra- voltaram ao local logo depois. No dia não foi constatado. ca, tivesse direitos, enquanto a outra, a 30 de abril eles mataram Marcos Mon- Mas se os policiais só atiraram por- dos policiais e fazendeiros, é totalmen- tenegro, vigilante da fazenda. Duas que foram alvejados antes, sua maior te ignorada. semanas depois, atacaram a sede da preocupação seria preservar a integri- O maniqueísmo se mostra deturpa- fazenda, queimando algumas instala- dade do local para usá-lo como prova dor em mais este exemplo. Se houve um ções e depredando outras. No dia 22 a da sua versão, logo posta em questão, momento em que o conflito de terras polícia não conseguiu cumprir os man- ou imediatamente desacreditada. No na Amazônia era claramente entre duas dados judiciais de prisão dos respon- entanto, a expedição retirou os cadáve- partes, a dos donos (por justo título ou sáveis pelos danos porque o acesso ao res, arrecadou as armas e limpou o am- mera grilagem) da terra e os posseiros, acampamento foi bloqueado por uma biente, prejudicando - ou até inviabili- que só dispunham do seu trabalho para barricada. Decidiram voltar, na ma- zando - o trabalho dos peritos. exercer seus direitos, hoje esse dualismo drugada do dia 24, para assim surpre- Novamente na sua manifestação uti- desapareceu. ender os ocupantes da área. Mas eles litária, para ganhar a pronta aprovação É tal o fracasso do governo como ór- receberam a tropa a tiros. dos seus pares e das pessoas que enca- gão regulador de litígio, acompanhante A versão oficial é coerente com essa ram o problema por uma ótica simplista dos fatos e repressor de ilícitos que os tese. Com um contingente com 25 a 30 e radical, o deputado Éder Mauro des- atores em cena se diversificaram muito. pessoas, os posseiros se beneficiaram do denha esse argumento. Disse que a ação Em meio a posseiros há pistoleiros, gri- fato de estarem numa área conhecida e foi humanitária. Afinal, os policiais não leiros, desmatadores, intermediários de a partir de uma trincheira que podem iam deixar os cadáveres expostos. fazendeiros e um universo humano que ter montado. Tinham arsenal para essa A gravidade do acontecimento, com se desenvolveu sobre a incompetência decisão: 11 armas de grosso calibre, 10 mortes só de um lado (e, talvez, mais da administração pública. incluindo espingardas, um fuzil 763 e oito feridos que escaparam do tiroteio Ainda assim, o caso de Pau D’Arco uma potente pistola Glock. pelo mato), reforçaria o cumprimento tem uma violência e um nítido sentido Mas quem já acompanhou esse tipo do dever profissional dos policiais de de parcialidade que torna difícil - se não de situação, sabe que o tiroteio costu- preservar a cena do crime, com os cor- impossível - absorver as explicações do ma se generalizar. É quase impossível pos dilacerados pelas balas, o sangue es- governo, formuladas - mais uma vez - que só haja baixa de um lado – e do palhado e, sobretudo, a prova definitiva com incompetência pelo abúlico secre- lado que estava melhor posicionado no de que houve mesmo um combate e não tário de segurança pública. que os combatentes chamam de teatro uma matança deliberada, planejada, A figura inexpressiva do general Jan- de operações. cumprida para atender uma das partes sen parece só se manter diante da cri- Essa expectativa, ao contrário do do conflito fundiário. minosa omissão do governador Simão que proclamou o delegado licenciado Chegando de madrugada, sob chuva, Jatene. Mais uma vez, diante de novo e deputado federal Éder Mauro (do os 29 homens da operação (21 da Polícia escândalo, que devolve o Pará ao pior PSD), contumaz nesse tipo de opera- Militar e oito da polícia civil) pareciam noticiário nacional e internacional, o ção, na sua reação corporativa e par- ter o propósito de matar, se prender não governador sumiu. cial, não significa que se deseje a morte fosse possível. A tropa era da própria re- Nesses momentos, o tucano parece ou ferimento de policiais. É hipótese gião e já estava afetada emocionalmente renunciar à condição de comandan- coerente com a versão da secretaria de pelas tentativas de retirada dos ocupan- te-em-chefe da força policial, que só segurança pública. tes da fazenda e prisão dos que partici- exerce em momentos festivos, com hi- Se a tropa foi vítima dos primeiros param do ataque à sede da propriedade. nos, dobrados e medalhas. O Pará que disparos ao entrar na área é porque foi Poderiam também estar querendo vin- trate suas dores por si próprio, dentre as surpreendida por essa reação. Até en- gar o vigilante assassinado, ainda mais quais matanças como esta, 21 anos de- contrar um lugar para se proteger, se se ele fosse um policial? pois de Eldorado dos Carajás, é o atesta- defender e reagir, inevitavelmente te- Suscitar essas hipóteses, de sólida do da continuidade de uma marca que ria sofrido alguma baixa, mesmo que consistência, não significa levar ao ab- tanto mal lhe faz: a selvageria. O verão amazônico promete ser sangrento

A versão logo se revelou primária, nhão, com seus parentes, Nçao há, na tros personagens incompatíveis com totalmente falha, inverossímil. Mas a história da pistolagem na Amazônia, a causa. Ainda assim, a abordagem Secretaria de Segurança Pública do nenhum caso de pistoleiros que atuam policial, além de desastrada, deixou, Estado tentou fazer acreditar que o em família. com sua violência, a suspeita de que acampamento atacado era constituído Os acampados integram um dos servia a um dos lados do litígio, o dos por pistoleiros. Verificou-se, porém, grupos organizados de posseiros, fazendeiros. que os nove homens e a mulher mor- com vinculações políticas. No meio O desprezo por todos os compo- tos formavam famílias entrelaçadas, a deles têm surgido pistoleiros infil- nentes humanos que não integrem o maior delas dos Milhomem, do Mara- trados, vendedores de terras e ou- mundo dominante dos donos da terra 2 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena se manifestou no tratamento dado aos foram preservados. Ao final da tarefa ta do interesse sobre a propriedade de corpos das vítimas, levados a Mara- profissional, eles foram devolvidos às terras na Amazônia. Numa época de bá e Parauapebas para perícia, de lá suas famílias como se fossem restos incerteza econômica e política, um devolvidos a Redenção e Pau D’Arco animais apodrecidos e não a represen- imóvel rural ou uma fazenda não são como se fossem animais. tação física de seres humanos. apenas unidades produtivas: são tam- As centenas de quilômetros per- Ao início do verão, que costuma bém reserva de valor. Protegem contra corridos na ida e volta, mais o in- ser sangrento nas frentes pioneiras da os riscos de perdas. tenso calor uma região, aceleraram Amazônia, o episódio se insere numa O problema fundiário deverá vol- a decomposição dos corpos, que não escalada de conflitos que atesta a vol- tar a se agravar. Com muito sangue. Brasil: quem sabe que país é este?

Que país é este? Quando os militares deixaram o po- Nessa voragem do absurdo, tive- Quem saberá a resposta com ho- der, havia três bilionários no Brasil: Se- mos os ataques aos prédios dos minis- nestidade, convicção e segurança? bastião Camargo, Antonio Ermírio de térios em Brasília. Vendo as imagens Nos últimos três anos, com a Ope- Moraes e Roberto Marinho. Com FHC da destruição é impossível não voltar ração Lava-Jato, o Brasil entrou numa surgiram oito. Com Lula, 48. O mais quatro séculos, até o início da indus- catarse coletiva, num processo de lava- notável deles, Eike Batista, solto da ca- trialização na Inglaterra. Para se li- gem intestinal. Ninguém, ao início do deia por , chegou a ser o bertar da exploração, os trabalhadores levantamento da corrupção na Petro- sétimo mais rico do planeta. Hoje pede destruíam as máquinas, no nível de brás, podia imaginar a amplitude dos o desbloqueio de bens para pagar a mul- consciência que conseguiam ter na- seus desdobramentos. ta e continuar fora das grades. quele momento. A cada mês, semana ou dia, nova Quando Lula e Dilma, em atos pú- Só que, no caso, a selvageria foi surpresa. Não uma surpresa comum, blicos, apontaram para Eike e o cele- programada, teve apoio político de até previsível: uma novidade de arrasar braram como o modelo do empresário quem, com desfaçatez, foi ao governa- quarteirão. que queriam criar, não sabiam das fal- dor do Distrito Federal pedir para que Quando parecia que a Odebrecht catruas por trás dos seus negócios? E os 900 ônibus contratados para trans- afundara o país num poço profundo nas muitas viagens pelo exterior com portar os manifestantes fossem isen- de sujeiras, surgiram os cínicos irmãos os “campeões nacionais”, não se aper- tados de vistoria. Assim, evitariam o Batista da JBS com sua cartola de má- cebeu de que o dinheiro desse enrique- flagrante de armas e outros objetos gicos. Dela puxaram vícios, falcatruas, cimento vinha de bancos estatais, via utilizados nos atos de vandalismo pa- leviandades, abusos e tudo mais que dinheiro barato, quando pago? ralelos (ou seguintes) aos protestos nenhuma enciclopédia mundial da Roubar o erário virou vício dourado democráticos. O governador disse que corrupção conseguiu registrar. para essa elite. Ela não conseguiu in- não aceitou a proposta, mas também Não há limites para a canalhice com terromper seus procedimentos ilícitos não explicou como esses objetos pas- o dinheiro público, o abuso de poder, a mesmo com a força-tarefa anticorrup- saram pela revista. promiscuidade entre a burocracia esta- ção nos seus calcanhares. Propina con- Nem explicou também a má inte- tal e o topo da iniciativa privada. Tudo tinuou a ser paga e recebida, falcatruas ligência que deixou a força policial porque as riquezas da nação estão sen- montadas, contratos superfaturados. A recrutada para impedir os atos agres- do exauridas por uma exploração sel- proximidade do perigo não serviu de sivos e proteger os prédios públicos vagem, sem limites, desavergonhada. intimidação ou contenção. foi insuficiente para realizar sua mis- Nunca circulou tanto dinheiro no país. Um exemplo dessa histeria do roubo são, chegando a uma violência cho- Nunca se roubou tanto. é a mala dos 500 mil reais da JBS para cante, com o uso de armas de fogo Desde 1985, o melhor que a re- o deputado federal Rodrigo Loures. Fla- contra os manifestantes, sem deixar democratização fez foi o Plano Real, grado com a mão na botija, ele devolveu de ser inútil diante da destruição do vivo até hoje. Mas parece que a cria- a mala. Faltavam 35 mil reais. Os brasi- patrimônio público. ção de uma nova e verdadeira moeda leiros atônitos devem ter se perguntado: Quando o mal já estava feito, o pre- serviu de biombo para um assalto sem ele não sabe contar? Estava nervoso ao sidente decretou a con- igual ao erário, a partir das privatiza- preparar a devolução? Cobrou uma co- vocação das forças armadas, gerando ções negociadas mais nos bastidores missão sobre ele mesmo? Ou alguém re- tanto impacto quanto a violência dos do que à luz do dia, como fez o PSDB. solveu partilhar o botim, mesmo à custa grupos de protesto mais radicais (ou A social-democracia brasileira se tor- de ser descoberto? profissionais). O que o obrigou a voltar nou uma vergonha. Logo em seguida lá reaparece o de- atrás logo no amanhecer do dia seguin- O PT, que a sucedeu, deu à sua putado paranaense para avisar ao Su- te, num vai-e-vem ruim para a repúbli- clientela, o povo pobre, uma fração premo Tribunal Federal que deposi- ca e a democracia brasileira. do que concedeu aos muito ricos. To- tara os R$ 35 mil desaparecidos. Fato O Brasil diante de nós parece um dos os indicadores sociais positivos, inédito, talvez, na história da malan- animal enfurecido e desnorteado. Tan- mesmo quando mais manobra esta- dragem mundial: o ladrão vira arre- ta sujeira lhe causa indignação e re- tística do que realidade concreta, são pendido e tenta ser mocinho, mesmo volta, mas sua consciência do que está esmaecidos pelo enriquecimento no que isso implique em assumir a condi- vivendo parece primitiva. Pode acabar alto da pirâmide. ção de réu confesso. estourando a boiada. JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena 3 Delações da JBS: processo secreto O cidadão brasileiro conseguirá ter contra ele, levando-a à instância judi- onde jamais desfrutaria - ou desfrutará acesso, de imediato (em tempo de in- cial competente. - dos mesmos privilégios.. tervir na história e não apenas tomar Uma vez protocolada, eu levaria Tão assustador é constatar que, de- conhecimento do seu relato), à cro- a peça em mãos ao juiz sorteado. Em pois dos primeiros contatos com o MPF nologia das tratativas iniciadas pelos nome do mais alto interesse público, o (de qual Estado? com quem? seguindo donos do grupo JBS que resultaram na consultaria sobre a possibilidade de ser qual circuito?), oferecendo a delação, maior crise política brasileira desde o decretada de pronto a prisão preventi- Joesley Batista continuou a cometer os início da Operação Lava-Jato, mais de va de Joesley Batista. Movimentaria a crimes graves de corromper agentes pú- três anos atrás? secretaria da vara para expedir o man- blicos, obstruir a justiça (silenciando, ao Aparentemente, tudo começou em dado de prisão, buscaria um oficial de custo de milhões de reais, dois presos fevereiro. Permaneceu em sigilo quase justiça e o levaria para cumprir a ordem privilegiados, o ex-deputado Eduardo completo até o vazamento do conteú- judicial no local onde o empresário per- Cunha e o doleiro Lúcio Funaro), fa- do das sete delações do pessoal da JBS, manecia sob detenção. E o mandaria zer gravações ou filmagens clandesti- incluindo seus dois proprietários, pelas para a penitenciária, o lugar no qual de- nas contra o presidente da república e matérias do jornal O Globo. Assim, em veria começar a pagar pelos gravíssimos o senador Aécio Neves, além de outros menos de três meses, Joesley Batista, o crimes que cometeu contra o país. políticos e assessores ou parentes, de principal agente desse enredo, secun- Ao invés de algo parecido a isso, os efeito desagregador sobre a república, dado pelo irmão, Wesley, prestou sete procuradores se comportavam amiga- mas abrindo o flanco de um flagrante depoimentos, entregou documentos e velmente, solícitos, tratando aquele pe- forjado (a pretexto de ação controlada produziu provas sem que a imprensa fi- rigoso criminoso até com o coloquial pela Polícia Federal, comandada pelo zesse qualquer registro de um fato que “você”, que talvez não reservassem a próprio Joesley) como prova ilícita. veio a superar o impacto das delações um desprezível ladrão de galinhas. Pa- Tudo isso para ter as provas e con- de donos e executivos da Odebrecht. reciam terceiros não envolvidos (ou seguir o ressarcimento de uma parte Essa incrível façanha, de sustentar “envolvíveis”) com as mais escabrosas menor do que a JBS roubou do gover- segredo tão devastador por três me- histórias já relatada de viva voz pelo no e do contribuinte (porque raramen- ses, prossegue até hoje. A imprensa já personagem que lhes deu causa. te usou recurso próprio, no máximo produziu um material vastíssimo sobre Nunca um cidadão declarou com como antecipação pelo faturamento as acusações do pessoal da JBS contra tal ênfase e riqueza de detalhes como obtido em superfaturamento e outros o presidente Michel Temer, o senador corrompera, em série, o presidente da ganhos por meios ilícitos). Num pri- Aécio Neves e vários outros políticos república, o ex-candidato a presidente meiro acordo, 225 milhões de reais. notáveis, além de ministros e outros (que, por mínimos 3% dos votos, não Num outro, que acabou não vigoran- servidores graduados da administra- venceu a eleição), senador e presidente do, pela recusa do delator em aceita-lo, ção federal, mas faltam detalhes essen- do terceiro maior partido político do equivalente a 5,8% do patrimônio da ciais para compreender o que houve. país, e, em cascata, centenas de pessoas corporação no ano passado, valor que As informações já conhecidas criam com algum tipo de poder sobre os negó- podia ir de um mínimo de 0,1% até um no observador ou analista que as rece- cios públicos - e o caixa do erário. máximo de 20%. be uma sensação profundamente desa- Uma vez confessados todos os cri- Sinceramente diante da enormida- gradável: de que o verdadeiro condu- mes, por que afastar a lâmina da lei pu- de do prejuízo que o dono do grupo tor dos acontecimentos é o empresário nitiva e negociar, como num açougue, JBS causou ao Brasil, é ninharia, em- Joesley Batista. Os vídeos o mostram um preço que o criminoso deveria pagar bora pudesse ser o maior acordo de revelando os piores crimes contra a por seus delitos e as vantagens que teria leniência do mundo, 50% maior do administração púbica de forma natu- por confessar a ação corrosiva que exer- que o da Odebrecht, a empreiteira cujo ral, fria, irônica, cínica ou debochada, ceu ao longo de tantos anos de acesso departamento de propinas (“operações a partir de uma postura superior, arro- forçado ao poder público pela eficiente estruturadas”) só se revela superior ao gante, de verdadeiro dono da situação. e malsã via do pagamento de propina? da JBS por seus métodos rigorosos de Depois de horas assistindo os ví- Autor confesso dos crimes, cujos gestão, mas inferior em audácia, cupi- deos, ao escrever pela primeira vez efeitos se estenderam por sobre os 200 dez e virulência. E na quantidade de sobre o tema mal consegui segurar a milhões de brasileiros, o criminoso está políticos que agrilhoou pela armadilha minha revolta pela postura dos pro- a salvo de tudo em Nova York, a princi- do dinheiro fácil e muito que conso- curadores que o ouviam. Leigo, mas pal cidade do país no qual o empresá- lidou a maior corrupção da história - cidadão consciente, eu reagiria de ou- rio tem agora mais negócios do que no não só no Brasil: no mundo. tra maneira àquele espetáculo de pi- próprio Brasil, mas no qual seagigantou O Brasil vai continuar diante do dra- lhagem do dinheiro do povo, da honra por receber de banco estatal o dinheiro ma com a passividade e frieza dos pro- das pessoas, dos crimes confessados mais barato do mercado, receber infor- curadores que ouviram a confissão de com total amoralidade. Se fosse um mação privilegiada para fazer negócios crimes de um gângster maior do que to- daqueles procuradores, deixaria que rentáveis, conseguir a aprovação no exe- dos os outros registrados pela história? o criminoso confessasse seus crimes. cutivo e no legislativo (e no judiciário Um novo conde Drácula, que, ao invés Em seguida, lhe comunicaria que ele também, ainda que pouco lembrado) de chupar o sangue das suas vítimas, ne- estava detido. Aguardaria naquele o melhor para os seus negócios - tudo las inocula o vírus da completa desonra, mesmo local eu preparar a ação penal isso transferido para os Estados Unidos, da vilania e da torpeza. 4 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena Uma moral ruim

Joesley Batista é um dos donos e ridade pública do país. No diálogo ínti- O detonador de toda essa tragédia principal executivo de uma corporação mo, Temer se expôs ao enquadramento nacional está em Nova York, depois de que no ano passado faturou em torno em vários crimes, que começarão a ser ter conseguido evitar a prisão numa de 300 bilhões de reais, como a segunda apurados em inquérito conduzido pelo penitenciária, a prisão domiciliar, a maior produtora de alimentos do mun- Supremo Tribunal Federal. tornozeleira eletrônica e até o domi- do. Ele precisa negociar constantemente Esse é o componente mais grave da cílio no próprio país. Negocia o pa- com o governo. Tem acesso direto à cú- série de danos que Joesley, seu irmão, gamento do acordo de leniência, que pula da administração pública, o que é Wesley, e mais cinco integrantes da cor- pode chegar a mais de 11 bilhões de até normal, considerado o seu peso eco- poração causaram ao Brasil com a divul- reais, superando o da Odebrecht, de R$ nômico, que garante 250 mil empregos gação de documentos que entregaram ao 7 bilhões, que era o maior do mundo. no Brasil e no exterior. Ministério Público Federal, complemen- Joesley conversou coloquialmente Na interlocução, o empresário reser- tados por sO país entrou em estado de com quatro procuradores federais, que o va parte do seu tempo para apresentar choque. Não se recuperou até hoje. Tenta trataram com toda cordialidade e respei- argumentos e razões técnicas. Mas isso identificar todos os bandidos, seus cri- to, mesmo quando relatava propinas de é apenas a cereja do bolo. Em essência, a mes, a extensão dos danos, a extensão da muitos milhões de reais, pagos na hora, negociação é decidida num toma lá dá cá: lama moral. Enquanto isso, a atividade com cinismo de quem acha que pode o empresário paga propinas milionárias econômica é mínima. O prejuízo diário comprar o mundo inteiro porque todos a políticos, dirigentes de estatais e outros pode ser medida em bilhões de reais. são desonestos, têm seu preço. agentes, indo até o topo da hierarquia. O presidente da república vai respon- O empresário que mantém o seu ne- Joesley pode conversar com o presi- der a inquérito, pode ser cassado, punido gócio, a despeito da massacrante burocra- dente da república em horários nada or- criminalmente ou obrigado a renunciar. cia estatal e da má fé de agentes públicos, é todoxos. Na última vez, o dono do gru- O senador Aécio Neves está a caminho um autêntico herói. Mas Joesley Batista é po JBS entrou na residência particular da prisão, aonde se juntará à irmã, o cen- o pior dos personagens dessa nova histó- de Michel Temer às 10 e meia da noite tro de uma família que herdou sua fama ria de indignidades e abusos. O Ministério de uma terça-feira, pelo porão, para sua por Tancredo Neves. Muitas cabeças no Público e a justiça, que negociam com o presença não ser registrada oficialmente. mundo político ainda cairão. Espera-se dono da JBS, deviam considerá-lo pelo Tratou de temas nada decentes e morais que, desta vez, a limpeza seja completa que ele é: um gângster, agente extrema- sem ser interrompido pela maior auto- para que o país possa recomeçar do zero. mente nocivo do organismo nacional.

Um crime perfeito?

No dia 12, a Polícia Federal conduziu Nada mandava, mas colocou à dis- JBS, a J&F. Em julho do ano passado, a Wesley Batista para depor sobre denún- posição muito dinheiro. Só para a JBS Operação Sépsis, investigou pagamen- cia de que a empresa da qual ele é um adquirir o frigorífico americano Pil- tode propinas para obtenção de recur- dos donos fora beneficiada com aportes grim’s, foram 3,5 bilhões de reais, apli- sos do FGTS. Em setembro do mesmo irregulares da BNDESPar, subsidiária cados na compra de debêntures, ações ano, a Operação Greenfield foi em cima do BNDES. Outro mandado judicial sem direito a voto. do recebimento irregular de fundos de era para a condução coercitiva do irmão Com a operação, Palocci mudou de pensão por parte da Eldorado Celulose. dele e principal executivo da corpora- ideia e resolveu negociar um acordo de Em janeiro deste ano, a J&F foi in- ção. Mas Joesley estava em Nova York. delação com os investigadores da Ope- vestigada pela Operação “Cui Bono?”. As medidas faziam parte da Ope- ração Lava-Jato. O anúncio fez o merca- Ela teria sido beneficiada pela conces- ração Bullish, criada para investigar do financeiro tremer então tanto quanto são de créditos pela Caixa Econômica os repasses feitos à companhia depois hoje. O ex-ministro da Fazenda possui Federal em um esquema que envolveria que a empresa de consultoria do ex- informações privilegiadas sobre um se- o ex-deputado (que, ministro da Fazenda, o petista Antonio tor ainda não alcançado pelas investiga- agora se sabe, recebia mesada mensal Palocci foi contratada. As operações ções da Lava Jato: os grandes bancos. da empresa) e o ministro Geddel Viei- teriam causado prejuízo aos cofres pú- Cinco dias depois da Bullish, O ra Lima. Dois meses depois a Operação blicos, calculados pela Polícia Federal Globo vazou os segredos das delações Carne Fraca apurou o pagamento de em 1,2 bilhão de reais, pela compra de dos dois irmãos, posicionados entre os propinas para que carnes irregulares da ações a um preço supostamente supe- maiores bilionários do país e do mundo. JBS fossem vendidas. rior ao de mercado. Desta vez, não era só Joesley que estava Quando tudo indicava que em nova Para capitalizar a empresa, tornan- no seu suntuoso apartamento em Nova investida a Polícia Federal prenderia os do-a competitiva no mercado interna- York: Wesley o acompanhava. Ambos dois irmãos, eles se anteciparam, con- cional, a partir do primeiro mandato fora do alcance geral, graças à liberação seguindo imunidade penal do ministro de Lula como presidente da república, dada pelo Supremo Tribunal Federal. , do STF, em virtude das o Banco Nacional de Desenvolvimento Boa hora. Além da Bullish, outras provas que que apresentaram cpntra Econômico e Social se tornou sócio mi- quatro operações da Polícia Federal vi- notáveis da república. noritário da JBS (com 21% das ações). saram empresas da holding do grupo Um crime perfeito? JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena 5 ANTOLOGIA O castigo vem do céu (Artigo publicado no Jornal Pessoal 165, de junho de 1997, mostra a repercussão local da venda da Vale, em especial sobre o projeto de cobre de Carajás. E o estranho papel que o primeiro presidente da ex-estatal desempenhou nesse primeiro momento.)

governador Almir Gabriel não que a CVRD, ainda que a contragos- trapor aosapparatchicks do Estado é um leitor contumaz da Bí- to, acabou aceitando. No dia acertado brasileiro (uma categoria técnica em O blia, ao contrário do seu pe- para a celebração da festa, o presiden- mutação e, em algumas instâncias, riclitante aliado político, o ex-prefeito te do conselho de administração da em extinção). Hélio Gueiros. Se se permitisse leitu- nova Vale, Benjamin Steinbruch, que Dentre as várias perguntas – consi- ras bíblicas, poderia ter interpretado os acumula de fato a própria presidência deradas inconvenientes – que fez aos graves incômodos da semana passada executiva, apesar da presença nominal antecessores, uma foi: o que o Mara- como castigos do céu – ou do ainda de Francisco Schettino no cargo, veio nhão ofereceu à Salobo Metais para a desconhecido. a Belém com um tonel de água gelada: instalação da metalúrgica de cobre em Governador do Estado da federação a execução do projeto Salobo está sus- Rosário (que era a alternativa preferida mais importante para a Companhia Vale pensa – por 90 ou 180 dias, segundo da Anglo American, contra Parauape- do Rio Doce, Almir procurou o mais os dois diferentes prazos que apresen- bas e Marabá da CVRD)? Dizem as alto muro para acomodar a sua omissão tou – para reexame, sujeito a duas hi- fontes que fez-se silêncio. Os técnicos diante do aceso debate sobre a privati- póteses: manutenção tal como está ou que estudaram as hipóteses avaliaram zação da empresa, interrompido antes cancelamento. cada uma delas, mas negociação para do tempo pelo ato consumado da ven- Qualquer que venha a ser a hipóte- valer sobre vantagens e compensações, da açodada. Todos os que o conhecem se concretizada (e na verdade há mais só houve com o Pará. melhor e de mais tempo sabiam que o alternativas do que admitiu o novo Quando conseguiu benefícios no pensamento do governador era contra a messias do empresariado nacional), valor de 75 milhões de dólares, equali- privatização, mas ele silenciou oportu- quem saiu definitivamente desgastado zando as três hipóteses (e assim elimi- nisticamente para não complicar os pro- do episódio foi o governador Almir nando a possibilidade de perdas para pósitos do tucano maior, o presidente Gabriel. Ele não conseguiu fazer res- a Salobo), a diretoria da Vale fechou Fernando Henrique Cardoso. Em troca, peitar um protocolo de intenções assi- acordo com o governo do Pará para ganharia a disputa para instalar a meta- nado um mês antes, que ainda estava que a metalúrgica ficasse em Marabá. lúrgica de cobre do Salobo em Marabá. para ser encaminhado à Assembleia Foi uma decisão política, mas não co- O próprio presidente da república Legislativa. Mais uma vez teve que se lidiu com os critérios técnicos e eco- telefonara de Brasília para o governa- submeter a uma decisão unilateral do nômicos. Por isso, a Anglo American dor anunciando-lhe, informalmente, parceiro, sem qualquer poder de an- – com certa relutância – aceitou, man- que todo investimento, de 1,5 bilhão tecipação. E ao invés de ser premido tendo a associação. de dólares, ficaria no Pará – e, espe- pelo silêncio confirmado, foi punido, Esse sempre foi o modo de atua- cificamente, no município de Marabá. naquela forma categórica de castigo ção da estatal, que lhe garantia a con- Estranhamente, porém, Fernando Hen- que a moral bíblica costuma reservar dição de representante brasileira (do rique não marcou a data para o anúncio aos omissos. governo e também da nação), mesmo oficial da decisão, nem fez questão de Renunciando voluntariamente ao quando envolvida em negócios com participar de uma solenidade que seria poder que a posição estratégica do Pará multinacionais, sem perder o contato realizada no Pará, ao contrário do que no conjunto dos interesses da CVRD com a eficiência e a busca do lucro, tem sido sua norma de conduta (em lhe conferia, o governador é o primeiro que caracterizam a empresa privada véspera de eleição, político se sujeita a sofrer as consequências do novo mo- (a Vale, por isso, era única, o que dei- até a inaugurar qualquer coisa que ren- dus operandi da ex-estatal. xou de ser). da votos). O boss(ou capo?) Benjamin Mas não é esse o raciocínio de O ato foi agendado para o último Steinbruch, até recentemente um Steinbruch e do ainda obscuro consór- dia 14, depois de um primeiro adia- desconhecido playboy, não encarna a cio por ele liderado. O novo condutor mento, graças a uma iniciativa da anti- figura tradicional do controlador, que da Vale ficou espantado ao ser -infor ga diretoria da CVRD (ainda no cargo, possui 51% do controle acionário. A mado que o governo do Maranhão não mas já sem poder decisório), que apro- parte de Steinbruch na nova Vale não fora contatado para apresentar a sua vou a definição do local da fábrica para chega a 2%, mas ele invadiu a sede proposta. Considerou essa hipótese antes da privatização da estatal. da empresa, no , como indispensável no reexame do projeto. O ato se revelou precipitado, ou em um déspota esclarecido, com o chi- Quer reduzir ao máximo o investi- descompasso com o processo de venda, cote dos números nas mãos para con- mento próprio da Salobo, avançando

6 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena sobre o tesouro público, primeiro para Esse é o problema tecnológico que que o BNDES foi chamado a viabi- abocanhar mais vantagens e isenções pode vir a ser resolvido, mas por causa lizar, à custa de sangria desatada nos fiscais e tributárias; em seguida, para dele os donos da Salobo decidiram que cofres públicos? arrancar colaboração financeira. a produção seria verticalizada, englo- Quaisquer que sejam as pressões Dizem algumas fontes que o inte- bando a mineração, a concentração e a e orientações das quais Benjamin resse não é apenas de poupar capital no metalurgia. A decisão, evidentemente, Steinbruch se tornou o porta-voz, projeto de cobre, mas para definir um foi técnica, deixando pendente apenas ele escondeu o jogo nos contatos novo perfil do setor.Individualmente, o onde ficaria a fábrica, em algum ponto que manteve em Belém e simplifi- maior acionista da Vale é o Previ, do ao longo da ferrovia de Carajás. cou a situação que envolve o projeto Banco do Brasil, o mais rico dos fun- Afinal, o BNDES entrou no projeto Salobo. Mas o bom e desapaixonado dos das estatais. O Previ é também o Salobo, em 1985, apenas por apostar observador pode ter medido, pelos principal controlador da Companhia que nele poderia obter para a Caraíba, fatos da semana passada, a profun- Brasileira de Metais Não-Ferrosos, onde tinha (e tem) muito dinheiro en- didade das transformações que já uma superempresa que surgiu no início terrado, o concentrado de cobre que é ocorreram e ainda irão acontecer no do ano passado, a partir da absorção da trazido, com ônus cambial, do Chile e vácuo da CVRD, exatamente quan- Caraíba Metais, Paranapanema, Parai- da Bolívia (apenas 20% da necessida- do a empresa está iniciando, 30 anos buna Metais e Eluma. A CBMNF pas- de da empresa são atendidos pela sua depois da descoberta original, um sou a ser a segunda maior empresa de própria mina, no sertão baiano). novo ciclo, muito mais importante mineração e metalurgia do país, abaixo Há ainda outra questão. Para produ- do que o primeiro, de aproveitamen- apenas da própria Vale, agora, obliqua- zir 200 mil toneladas de metal, a Salo- to da província mineral de Carajás. mente, também sob seu controle. bo terá que gerar 500 mil toneladas de A preço de banana e ainda sem con- A holding é dona da única metalúr- concentrado, acima do que precisará seguir sequer identificar quem real- gica de cobre do país, a Caraíba Me- a caraíba se continuar utilizando sua mente está por trás dos intermediá- tais, instalada na Bahia. Segundo algu- mina. O que se fará do excedente: ex- rios que fizeram os lances no leilão, mas fontes, o Previ teria solicitado a portá-lo? Seria um negócio sem atrativo o Brasil – por seu príncipe presunti- Steinbruch para verificar se é possível para a própria Salobo, exceto se ela for vo – renunciou ao seu principal ins- associar o projeto Salobo à Caraíba, imediatamente vendida à Caraíba, que trumento de geração de riqueza. ampliando-a para receber o concen- poderia ter prejuízo no processo mine- Se os grupos que deram a Steinbruch trado extraído de Carajás e consoli- ração-concentração, mas compensaria o poder que seu controle acionário não dando-a como a monopolista do cobre essa perda na metalurgia. E ainda eco- avaliza estão interessados apenas no lu- metálico no Brasil, para desespero de nomizaria grande parte dos US$ 700 cro das aplicações, o que irá se seguir 150 compradores nacionais do produ- milhões reservados do investimento será um jogo de barganha avançando to, sujeitos aos seus humores. total para a fábrica, já que precisaria sobre os cofres públicos para reduzir ao Essa hipótese já foi estudada. An- apenas ampliar e modificar a planta que máximo o tamanho do capital próprio glo American e CVRD decidiram pela já possui. Seria o primeiro retalhamento envolvido. Se a desenvoltura do execu- verticalização da produção na região da CVRD depois da venda. tivo se ata a novelos ainda mais enrola- da mina em função de um detalhe téc- Interessaria ao país continuar de- dos, que estão acelerando um acelerado nico: nenhuma outra metalúrgica em pendendo de uma única metalúrgica processo de oligopolização e carteli- operação no mundo, inclusive a Ca- de cobre, atada a esquemas logísti- zação do setor minero-metalúrgico da raíba, tem um design industrial apro- cos complicados a partir do desmo- economia brasileira, favorecido pela priado para tratar o minério de cobre ronamento do artificial cálculo de eliminação da agência governamental de Carajás. viabilidade da Caraíba, feita pelo que a Vale sempre foi na prática, des- O teor de flúor no concentrado é playboy Baby Pignatary, de certa de a sua criação, com a transferência do excepcionalmente alto, causando pro- forma um antecessor de Steinbruch, poder decisório para além das fronteiras blemas principalmente na nacionais, então pode-se limpeza de gases na me- temer pelo pior. talurgia. Para enfrentar Um pior tornado ine- o problema, a fábrica da vitável pela ausência de Salobo foi projetada com UEM mecanismo eficaz uma torre de limpeza. Ou- de contrapartida nas mãos tras fábricas que viessem a do poder público, devol- usar o concentrado de Ca- vendo ao país os ricos de rajás teriam que consumir manipulação que estavam mais energia e reagentes minimizados antes da químicos para eliminar o onda neoliberalizante na flúor, onerando o custo de qual o governo embarcou produção e prejudicando como surfista neófito. E o sua competitividade. pior apenas começou.

JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena 7 BNDES: caixa preta de tamanho gigante

Maria Silvia Bastos nem chegou a completar um ano como aprovação da operação financeira. Joes- presidente do Banco nacional de desenvolvimento Econômico e ley prometeu realizar o pagamento. Social. Na semana passada ela entregou o cargo ao presidente A operação foi aprovada com gran- Michel Temer, sem comunicar a sua decisão ao seu chefe, o ministro de rapidez. O crédito relativo à primei- da Fazenda, Henrique Meirelles. ra carta-consulta ficou disponível em A saída foi rápida, assim como a sua substituição, pelo até então agosto de 2005, e o relativo à segunda, presidente do IBGE, Paulo de Castro Rabello. A queda e Maria Silvia, dias depois da respectiva apresenta- porém, sempre foi tema de especulações. Mal assumiu, ela iniciou uma ção; Joesley pagou, então, a vantagem profunda revisão das práticas do principal banco de fomento do país. prometida a Vic por meio de conta de Não fez escândalo nem devassa. Simplesmente foi mudando os offshore que controlava para conta no procedimentos, tentando salvar da contaminação com a desastrada exterior indicada por Vic. administração anterior, mais do ministro Guido Mantega do que do BNDES: SÓCIO DA JBS presidente Luciano Coutinho, o corpo técnico da instituição financeira. Mas também começou a provocar as reações costumeiras dos velhos Mesmo depois de 2006, quando clientes das linhas de crédito subsidiado do banco, principalmente Guido Mantega se tornou ministro da os empresários paulistas. Eles reclamavam das novas exigências que Fazenda, foram fechadas duas opera- a presidente impôs para conceder financiamentos, com os quais não ções entre a JBS e o BNDES com in- estão acostumados. Na conversa secreta com Temer, Joesley Batista, termediação de Vic. A primeira ope- da JBS, transmitiu o coro dos descontentes. Dentre eles também se ração foi realizada em junho de 2007 acham os petistas, em cuja gestão surgiram os maiores escândalos. e consistiu na aquisição, pelo BNDES, Todos esses casos reforçaram o consenso de que o BNDES é uma de 12,94% do capital social da JBS, por das principais – se não o principal – fontes de enriquecimento de 580 milhões de dólares, para apoio ao empresários que se especializaram em pagar propinas para roubar plano de expansão daquele ano. o governo. Na parte do depoimento que concedeu à Procuradoria A segunda operação foi realizada no Geral da República, em 7 de abril, Joesley conta como conseguiu 13 primeiro semestre de 2008 e consistiu bilhões de reais do banco para expandir os seus negócios. Comprou o na aquisição, pelo BNDES, de 12,99% ministro da Fazenda Guido Mantega. Deu dinheiro para Dilma e Lula, do capital da JBS, por 500 milhões de informando-os pessoalmente sobre as contas secretas que chegaram a dólares, em operação conjunta com armazenar 150 milhões de dólares para o partido e aliados. E que se FUNCEF e PETROS [fundos de pensão tornou interlocutor semanal do ministro durante certo tempo. da Caixa e da Petrobrás], para apoio ao Infelizmente, apenas alguns trechos desse depoimento foram divulgados plano de expansão do ano de 2008. pela imprensa. Para abrir um pouco mais a porta do BNDES, Ao longo desse período, Joesley per- reproduzo-o na íntegra Fiz modificações para que a linguagem forense cebeu, em seus contatos diretos com se tornasse mais agradável e inteligível para o leitor. Afora isso, tudo é Guido Mantega, que a intermediação de responsabilidade (ou irresponsabilidade) do dono da JBS. de Vic era real. Ele efetivamente conse- Espertamente, ele trata de se safar da sujeira dizendo que ela era guiu marcar mais de dez reuniões com apenas para poupar a empesa das complicações burocráticas, não Mantega. Quando encontrava o empre- para permitir negócios ilícitos. É o santo Joesley. Depois de relatar tantas sário, o ministro estava informado dos ilicitudes, ele tenta fazer crer que recebeu a dinheirama de forma legal. assuntos que Joesley indicava a Vic que queria discutir. No final de 200S, Vic oesley Batista foi apresentado, em com o próprio Guido e toda a diretoria pediu que oempresário custeasse cesta meados de 2004, porintermédio do banco. A finalidade da reunião era de Natal no valor de 17 mil reais para do advogado Gonçalo Sá, a Victor apresentar o plano de expansão da JBS, Guido Mantega, que, em encontro com JGarcia Sandri, conhecido como Vic, a fim de iniciar o processo de convenci- Joesley, pouco tempo depois, agradeceu empresário e amigo íntimo de Guido mento do BNDES a apoiar esse plano. a cesta. Nessas reuniões, o dono da JBS Mantega, então Ministro do Planeja- Depois da reunião, a JBS apresentou indicava a Guido Mantega com clareza mento. Vic se ofereceu para conseguir ao BNDES, em junho e agosto de 2005, suas demandas junto ao BNDES. para o empresário facilidades com duas cartas-consulta que, juntas, pleite- A PROPINA DO MINISTRO Mantega, cobrando 50 mil mensais avam financiamento no valor de 80 mi- para tanto e afirmando que o dinheiro lhões de dólares para suportar o plano Mantega ressalvava que Luciano seria dividido com o ministro. de expansão daquele ano. Vic solicitou, Coutinho, então presidente do Banco, Quando Guido Mantega se tornou para si e para Guido Mantega, paga- era pessoa difícil, mas que ouvia as de- presidente do BNDES, Joesley conse- mento de 4% do valor do financiamen- mandas, e ao final, o BNDES as atendia. guiu, por intermédio de Vic, no início to, em troca de facilidades com Mante- Ao chegar o ano de 2009, Joesley enten- de 2005, marcar reunião, no BNDES, ga, inclusive a marcação de reuniões e a deu já ter proximidade suficiente com

8 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena Mantega para prescindir da intermedia- ta, que se destinaria a Dilma. Joesley O OLHAR E O SILÊNCIO ção de Vic, passando a marcar reunião perguntou se a conta já existente não DE LULA diretamente com o ministro [aquele que seria suficiente para os depósitos dos Em uma delas, ocorrida em outubro por mais tempo permaneceu à frente da valores a serem provisionados, ao que de 2014 no Instituto Lula, Joesley en- pasta da Fazenda em todos os tempos], Guido respondeu que esta era de Lula, controu-se com Lula e relatou a ele que tendo explicado, na reunião, que, por fato que só então passou a ser do co- as doações oficiais da IBS já tinham ul- motivos pessoais, preferia não mais uti- nhecimento do depoente. Joesley inda- trapassado 300 milhões de reais e inda- lizar a intermediação de Vic. gou se Lula e Dilma sabiam do esque- gou se ele percebia o risco de exposição Na mesma reunião, ocorreu, ainda, ma, e Guido confirmou que sim. que isso atraía, com base na premissa diálogo que Joesley se recorda de ter O negócio subsequente foi o finan- implícita de que não havia plataforma perguntado a Guido Mantega como ciamento de 2 bilhões de reais, em maio ideológica que explicasse tamanho deveria acertar o valor da propina, ao de 2011, para a construção da planta de montante. O ex-presidente olhou nos que ele teria respondido: “fica com celulose da Eldorado [negócio que está olhos do depoente, mas nada disse, você; confio em você”. sendo investigado pela Polícia Federal]. Na outra, ocorrida também em no- Em seguida indagou qual seria o Também nesse negócio, Guido Mante- vembro de 2014, depois de receber so- percentual, ressaltando que, quando as ga interveio junto a Luciano Coutinho licitações insistentes para o pagamento tratativas eram realizadas por intermé- para que o negócio saísse. de 30 milhões de reais para Fernando dio de Vic, era combinado um “valor A operação foi realizada após cum- Pimentel, governador eleito de Minas certo”, ao que Guido Mantega respon- pridas as exigências legais. Joesley sempre Gerais, veiculadas por Edinho Silva, e deu que deveriam ver “caso a caso”. percebeu que os pagamentos de propina de receber de Guido Mantega a infor- Joesley entendeu que deveria discutir não se destinavam a garantir a realização mação de que “isso é com ela”, solicitou valores de propina por cada negócio de operações ilegais, mas sim de evitar audiência com Dilma. emque Guido Mantega interviesse em que se criassem dificuldades injustifica- Recebido no Palácio do Planalto, seu favor e que custodiaria, ele próprio, das para a realização de operações legai. Joesley relatou a Dilma que o governa- os valores. Àquela altura, o empresário Ele depositou, a pedido de Guido dor eleito de MG, Fernando Pimentel, entendia que estava pagando propina Mantega, por conta desse negócio, cré- estava solicitando, por intermédio de para o próprio Guido Mantega. dito de 30 milhões de dólares em nova Edinho Silva, 30 milhões de reais, mas Esse formato foi aplicado a duas conta no exterior. Nesse momento, já que, atendida essa solicitação, o saldo operações realizadas no âmbito do sabia que esse valor se destinava a Dil- das duas contas se esgotaria. BNDES. A primeira foi a aquisição, ma. Os saldos das contas vinculadas a Dilma confirmou a necessidade e em dezembro de 2009, pelo BNDES, Lula e Dilma eram formados pelos ajus- pediu que o depoente procurasse Pi- de debêntures da JBS, convertidas em tes sucessivos de propina do esquema mentel. No mesmo dia, Joesley encon- ações, no valor de 2 bilhões de dóla- BNDES e do esquema-gêmeo, que fun- trou Pimentel no aeroporto da Pampu- res, para apoio do plano de expansão cionava no âmbito dos fundos PETROS lha, em Belo Horizonte, disse que havia do ano de 2009. Nesse negócio, Gui- e FUNCEF. Esses saldos somavam, em conversado com Dilma e que ela havia do Mantega interveio junto a Luciano 2014, cerca de 150 milhões de dólares. indicado que os 30 milhões deveriam Coutinho, inclusive em reuniões a que ser pagos. Pimentel orientou o empre- COMPRA DE POLÍTICOS o empresário estava presente, para que sário a fazer o pagamento por meio da o negócio saísse, sempre contornando A partir de julho de 2014, Mante- compra de participação de 3% na em- as objeções do presidente do Banco. ga passou a chamar o depoente quase presa que detém a concessão do Está- No entanto, embora a negociação das semanalmente ao Ministério da Fazen- dio Mineirão. operações tenha sido bastante dura, aca- da, em Brasília, ou na sede do Banco Fora essas duas ocasiões, Edinho baram sendo realizadas sem que fossem do Brasil em São Paulo, para reuniões Silva, então tesoureiro da campanha praticadas irregularidades e sem que a a que só estavam presentes os dois, nas do PT, encontrava-se, no período da instituição financeira tenha tido prejuí- quais lhe apresentou múltiplas listas de campanha de 2014, semanalmente zo; Em várias ocasiões, Joesley percebeu, políticos e partidos políticos que deve- com Ricardo Saud e apresentava as de- inclusive, a surpresa e o desconforto de riam receber doações de campanha a mandas de distribuição de dinheiro. Luciano Coutinho com sua presença. partir dos saldos das contas. Ricardo Saud submetia essas deman- A primeira lista foi apresentada em das ao chefe, que, depois de verificá-las CONTAS DE LULA E DILMA 04.07.2014 por Guido, no gabinete do com Guido Mantega, autorizava o que O depoente escriturou em favor de Ministro da Fazenda no 15º andar da efetivamente estivesse ajustado com o Guida Mantega, por conta desse negó- sede do Banco do Brasil em São Paulo, e então ministro da Fazenda. cio, crédito de 50 milhões de dólares e se destinava a pagamentos para políticos Ricardo Saud então procurava Edi- abriu conta no exterior, em nome de do PMDB. A interlocução com políticos nho e lhe dava o aceno positivo. Saud offshore que controlava, na qual depo- e partidos políticos para organizar a dis- era, logo depois, procurado por Mano- sitou o valor. Em reunião com Mantega tribuição de dinheiro coube a Ricardo el, então chefe de gabinete de Edinho, ocorrida no final de 2010, este pediu ao Saud, Diretor de Relações Institucionais que lhe apresentava escritos com os empresário que abrisse uma nova con- da J&F, exceção feita a duas ocasiões. pedidos. O ajuste mais amplo consistia

JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena 9 em direcionar grande parte do dinhei- para que clientes privilegiados recebes- Janot talvez se julgue com direito a ser ro para a campanha de , sem esse formidável subsídio, talvez incluído entre os varões da república (no tanto para o PT nacional quanto para sem paralelo no mundo capitalista. caso, a brasileira, não a romana), selecio- os diretórios estaduais do PT. Os sucessivos escândalos produzi- nados por Plutarco. Ele se indigna que o Joesley deveria custear a compra dos em escalada crescente pela Opera- foco do debate sobre as revelações estupe- dos partidos da coligação, conforme o ção Lava-Jato fizeram a população bra- facientes dos donos do grupo JBS tenha PT fosse fechando os negócios e orien- sileira calcular melhor o tamanho desse sido “surpreendentemente deturpado”. tando o depoente e Ricardo Saud. Esse rombo, identificar os processos para a O importante seria concluir dos fa- ajuste mais amplo abrangeu não só seleção dos beneficiados por esse sub- tos “o estado de putrefação de nosso sis- o esquema do BNDES aqui descrito, sídio e conhecer todos os vilões dessa tema de representação política”. No en- como também outro esquema de for- história imoral. Políticos e burocratas tanto, a sociedade foi conduzida “para mato semelhante - intervenção para a só puderam valorizar a venda dos seus ponto secundário do problema – os be- liberação de financiamentos em troca serviços pela existência dessa política nefícios concedidos aos colaboradores”. de propinas, calculadas como porcen- de crédito. Empresários inescrupulosos Com a espada de fogo do anjo Ga- tagens das liberações - em que o depo- só tiveram acesso ao tesouro porque, briel, que expulsou Adão e Eva do pa- ente teve participação, e que envolveu tendo dinheiro para começar o jogo, raíso, o procurador-chefe aponta para Guida Mantega e os presidentes dos realimentaram seus caixas em evolução o senador Aécio Neves (cujo nome em fundos fechados de previdência com- exponencial porque avançavam sobre o nenhum momento escreve), que se apre- plementar PETROS e FUNCEF. patrimônio público. sentava como “a principal alternativa Guido Mantega determinava, para Em números mais detalhados, o cré- presidencial de 2014”, criticando a cor- os dois esquemas, em interlocução dito no mercado livre somou R$ 1 tri- rupção dos adversários enquanto “rece- com Joesley, a destinação das propinas, lhão 557 bilhões. O crédito subsidiado, bia propina do esquema que aparentava embora o esquema dos fundos envol- R$ 1 trilhão 550 bilhões. Menor, portan- combater e ainda tramava na sorrelfa vesse também parte das propinas para to, “apenas” R$ 7 bilhões. para inviabilizar as investigações”. os respectivos presidentes. No ano de Num cálculo simples, quem recebeu Já o presidente da república tem que 2012, Mantega solicitou ao empresário dinheiro dos bancos estatais pagou pou- ser investigado por receber, às onze ho- um empréstimo, conversível em parti- co mais de R$ 150 bilhões de juro. Se ras da noite, fora da agenda oficial, em cipação societária, na empresa Pedala fosse para o mercado livre, teria que de- sua residência, “pessoa investigada por Equipamentos Esportivos Ltda. Joesley sembolsar R$ 600 bilhões. Os amigos do vários crimes, para com ela travar diálo- aceitou conceder o empréstimo, no va- rei lucraram, portanto, R$ 450 bilhões. go nada republicano”. lor de cinco milhões de dólares, deposi- Assim, onerando o povo, que precisa Impondo-se a heroica missão de res- tado por meio de sua empresa Antígua trabalhar para se manter, os nababos da ponder a todas as perguntas que se fez InvestmentsLLC.. QUE o empreendi- república das Odebrecht, JBS, Andrade sobre as provas de corrupção geral na mento da Pedala não resultou frutífero, Gutierrez, Camargo Correa et caterva, república, “na solidão do meu cargo”, o mas o empresário perdoou a dívida e a podiam pagar seus 300, 400, 500 milhões procurador não atenta para a circuns- empresa encerrou suas atividades. de reais em propinas ao setor público. À tância de que dialogou com o mesmo Em outra oportunidade, Mantega ala corrupta e venal do setor público. empresário investigado, autorizou os solicitou um investimento de 20 mi- Conclusão óbvia: é preciso acabar flagrantes montados que ele produziu, lhões de dólares, debitado da “conta- com essa política de juro especial. Quem negociou delação premiada sem paralelo corrente” do PT, em uma conta no ex- defende essa medida, autenticamente de na história desse instituto e, com a par- terior. Joesley consentiu e determinou salva-pátria? ceria do ministro Edson Fachin, atendeu fosse realizada a transferência. Após todos os desejos do criminoso confesso. um ano, o investimento foi devolvido Um varão da república Até o direito de ir embora do país le- para a “conta-corrente” do PT, em igual vando consigo o gravador no qual fez os valor, não sabendo este qual o destino Rodrigo Janot, procurador geral da registros clandestinos, nos quais só ele ou a finalidade do investimento. república desceu das suas tamancas para mesmo sabia que a conversa estava sen- escrever um artigo para o portal UOL, do gravada, podendo dar-lhe o comando A cocaína financeira com um texto melodramático que de- das ações. marcou o aprofundamento da sua parti- No ímpeto de mostrar a corrupção da Em dezembro de 2016, os bancos cipação na vida política do país. Parecia república e, no isolamento da sua certeza, brasileiros emprestaram 1,5 trilhão de escrito não pelo fiscal da lei e dono da com a prerrogativa que se conferiu, ultra- reais cobrando juro médio de 52,0% ao ação penal pública, mas por um jorna- passar os limites da prudência, do bom ano. Nessa mesma data, os bancos es- lista. Mais do que isso: por um tribuno. senso, da ética, da moral e do direito, tatais (principalmente Banco do Brasil, Ou por um político. O chefe do Minis- para agir como um herói, Janot deixou BNDES e Caixa) emprestaram o mesmo tério Público Federal tentava provar que de se acautelar para o risco de estar aju- volume de dinheiro, ou R$ 1,5 trilhão, não se excedera. Pelo contrário: devia dando a produzir provas ilícitas. com juro médio de 10,7% ao ano. A bru- ser louvado pela atitude que tomou, em Como herói de si mesmo, Janot não ta diferença foi paga pelo contribuinte defesa do Brasil. tem dúvida que as provas entregues pe-

10 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena los irmãos Joesley& Wesley valeram a Como e quando elas começaram? co Federal em Brasília. Rodrigo Janot pena. Superaram em muito as imuni- Quem lhes deu partida? De que ma- endossou o plano que lhe foi apresen- dades que lhes conferiu. Além do mais, neira elas conduziram o país à crise das tado pelo empresário. As provas que dentre os ganhos para o país, o procura- crises sucessivas que tem vivido desde iria produzir, sob as bênçãos do Procu- dor geral aponta a multa de 11 bilhões o começo da Operação Lava-Jato, três rador Geral da República, abalariam os de reais imposta à J&F, holding do gru- anos atrás? alicerces da república com mais inten- po, que até agora se mostra disposta a Quem colocou o bode na sala foi sidade do que os documentos de que pagar apenas 15% desse valor. Joesley Batista. Ele queria fazer delação ele já dispunha. Desde então, a revisão a que a dela- premiada. Mas não queria ser preso. Em março, dois meses depois de co- ção tem sido submetida lança dúvidas Nem devolver o que roubou. Nem so- meçar as tratativas para a delação, o dono sobre a legalidade do processo e a sua frer qualquer prejuízo. do grupo JBS começou a produzir provas honorabilidade. Tão diferente ela foi em Como conseguiria essa façanha se o contra os seus alvos, com o acompanha- relação a todos os acordos realizados principal dos delatores até então esta- mento do ministro Edson Fachin e do no âmbito da Operação Lava-Jato que va na cadeira, Marcelo, o terceiro dos procurador Rodrigo Janot. Completou o seus autores prosseguem fora do Brasil Odebrecht à frente daquela que, sob trabalho com a aliança da Polícia Federal, e com todos os seus direitos. o PT, Lula em particular, se tornou a através da ação controlada, que flagrou a maior empreiteira do país? Como não entrega de dinheiro de propina, induzida O dono da palavra ter prejuízo se a construtora aceitou pelo próprio empresário. pagar 7 bilhões de reais em 23 anos, no Produzido o material, ele ficou li- Os guardiões das instituições es- maior acordo de leniência da história vre para viajar para os Estados Unidos, tão destruindo, “como nunca antes”, mundial, colocando no chinelo empre- deixando atrás de si o maior questiona- as instituições brasileiras. Nesse pro- sas dos Estados Unidos, do Japão, da mento já feito na era da Lava-Jato. Tudo cesso não há inocentes nem ingênuos. Inglaterra ou da França? porque a delação da gangue da JBS dife- O que há é muita violação das regras Para conseguir a delação realmente riu totalmente de todas as anteriores, à legais e das normas éticas e morais. premiada, Joesley não foi a Curitiba, margem de tudo, inclusive da lei. O interesse superior do povo, o des- base da força-tarefa da lava-Jato, nem a Por que esse absurdo se tornou tinatário das ações institucionais, não São Paulo, sede da sua empresa. Foi ao possível? É a questão que cabe ao povo conta nessas tramoias. gabinete do chefe do Ministério Públi- cobrar, já. Campo em chamas Este artigo publicado no Jornal Pessoal 310, de outubro de 2003, mostra que acontecimentos como o comparasse ao massacre de Pau d’Arco, são repetições quase idênticas de uma causa que não muda. A Amazônia parece condenada a se esvair em sangue na insolúvel questão fundiária

m dos exercícios intelectuais O conde russo me veio à memória bém brincar com o fogo – dos outros, a que frequentemente me de- enquanto lia as estatísticas divulgadas naturalmente. Não muito propensos dico é imaginar como teria pela Comissão Pastoral da Terra duas a metáforas, os donos da terra inter- Uevoluído a Rússia czarista se os nobres semanas atrás. Há quem questione pretam a simpatia presidencial como tivessem dado crédito de confiança ao o rigor dos números e dos conceitos cumplicidade maliciosa. Conde Stolypin. Convencido de que usados pela CPT, sempre sujeitos a in- Tratam, então, de colocar os cachor- a razão da letargia de seu poderoso consistência metodológica. Mas não ros na rua, a maioria deles portando país estava aamarrada ao imobilismo me darei a esse trabalho: vou aceitá pistolas ou espingardas. A ampliação do no campo, o conde quis fazer uma re- -los como estão. confronto e seu crescente saldo de san- forma agrária para valer, capaz de mo- O que eles sugerem? Indicam que gue são previsíveis. Já estão ocorrendo. dernizar a agricultura russa. papá Lula recebe de braços abertos Segundo a CPT, até setembro, as Mas foi sabotado pelos seus pares. os sem-terra, enverga-lhes o boné, ocupações cresceram quase 75% e o Eles certamente perderiam os anéis promete-lhes cumprir a reforma número de acampamentos quase tripli- com Stolypin, mas perderam muito agrária incluída como item de pro- cou. Em compensação, houve 84% mais mais com os bolcheviques (sincera- grama eleitoral, mas o governo do despejos, 41% mais prisões e 100% mais mente preocupados com os campo- PT limita-se, no básico, a não repri- assassinatos, sendo o Pará o campeão, neses, é verdade, mas incapazes de mir essa energia liberada. com quase dois terços dos casos regis- entendê-los no seu projeto autoritário Isto não é pouco se lembrarmos trados, 80% a mais do que em 2002. de reforma agrária, que resultaria na da ferocidade de outros governos, Vai voltar a lei da selva, com o mo- destruição dos mujiques e no malogro flagrantemente parciais a favor dos cinho homiziado em Brasília, ou sabe- das fazendas coletivas). proprietários rurais. Mas isso é tam- se lá onde?

JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena11 CORONEL política, governo e negócios respondeu presente. Um ano Ao morrer, aos 87 anos, depois Mestrinho foi cassa- em 1952, o coronel Luiz Dias do pelos militares. da Silva tinha três filhos, 24 netos e 26 bisnetos. Além de EUA ter sido vereador de Belém, era “um dos destacados vul- Em 1964 os Estados tos do comércio paraense”. que é a atual Almirante Bar- MESTRINHO Unidos tinham uma for- Era o único dos dirigentes roso. Sem constrangimen- te presença em Belém. Por da Associação Comercial do to, colocava-se à disposição Em março de 1963, o isso, o USIS, seu serviço de Pará fundadores da Escola dos interessados na Caixa, apartamento do banqueiro divulgação e relações cultu- de Comércio ainda vivo. entre 8 e 11 horas. Haroldo e corretor de ações Alberto rais, fez uma prévia entre os era um ativíssimo corretor Bendahan era suficiente- paraenses sobre a eleição de de imóveis. mente espaçoso para aco- 3 de novembro, na qual dis- ESCRITOR lher 300 pessoas, que foram putariam a presidência da TEATRO convidadas – e compare- república Lyndon Johnson Haroldo Maranhão, um ceram – para um coquetel (que estava no cargo, depois dos maiores escritores para- No final de 1957, a em homenagem a Gilberto do assassinato de John Ke- enses, autor de uma extensa direção do Grande hotel Mestrinho. Foi o “affair so- nnedy, do qual era vice) e o obra, em 1957 era funcio- avisava: depois da festa cial de maior gabarito destes senador Barry Goldwater. nário da Caixa Econômica. do Acordeon Clube, a en- últimos tempos”, segundo Nas três representações Era também sócio do filó- trada para o Palace Thea- Regina Pesce, colunista so- americanas, todas situadas na sofo Benedito Nunes num tre, que era feita por den- cial da Folha do Norte. avenida Nazaré (o consulado, escritório de advocacia. Por tro do hotel, passaria a O encontro foi para ho- o USIS e o Centro Cultural isso, publicou anúncio no ser pela rua Silva Santos, menagear o político ama- Brasil-Estados Unidos), era jornal do avô, a Folha do ao lado do Cinema Olím- zonense, que também atu- possível obter formulários e norte. Era para alugar “uma pia. Teatro e hotel desapa- ava intensamente no Pará, colocá-los em urnas, preen- casa recentemente reforma- receram. No lugar surgiu sendo presidente do Ban- chendo os campos com as da. à Trav. Vileta nº 1.126, o Hilton e está agora o co Comercial do Pará. Os indicações dos Estados ame- próximo à Ac. Tito Franco”, Princesa Louçã. principais personagens da ricanos em que os candidatos

PROPAGANDA De Belém para o Nordeste Três vezes por semana o passageiro podia ir de Belém para São Luiz, Fortaleza e Recife (e a natal, uma vez por semana) pelo Super-Convair da Real, que tinha seu escritório em Belém em consórcio com a Aeronorte.Talvez hoje não se tenha essa frequência. 12 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena FOTOGRAFIA Central Hotel Durante vários anos o Central Hotel foi o segundo mais importante hotel de Belém, abaixo apenas do Grande Hotel. Esta foto, dos anos 1950, mostra o seu restaurante, usado para uma confraternização. O mezanino, no qual se apresentava um conjunto musical, não aparece. Mas se pode observar o chão, em acapu e pau amarelo. Tudo desapareceu quando a C&A, que comprou o prédio, modificou completamente o seu interior para transformá-lo numa loja de departamento. O prédio foi salvo por um movimento em defesa do Central organizado por um grupo de intelectuais. seriam vencedores. Quem ários, indicando a tendência seus cavalos e rodeou seus da Costa Franco (Sérgio acertasse integralmente rece- de apoiar a implantação de gados até aos 80 anos”, ates- Franco), Lúcia, Selma, Lu- beria uma coleção de livros. fazendas com recursos dos tou a Folha do Norte. signan, Léa, Cláudio e Nel- Fui um dos que apresen- incentivos fiscais. Quatro Mas teve uma carreira son (solteiros). taram seu voto e acompa- meses antes fora criada, em diversificada: marchante nhei a transmissão da elei- São Paulo, a Associação dos em Cametá, seringalista AVENIDA ção até alta noite, na sede Empresários Agropecuários no Anajás, chefe político do USIS, quando o resulta- da Amazônia. Era a apli- em Cametá e Chaves, só- O último trecho da ave- do foi anunciado. Acertei o cação da terrível “filosofia” cio da firma Dias & Cia. nida Pedro Álvares Cabral a vencedor, mas não a tota- da ocupação da Amazônia Ltda., em Belém, que ne- receber asfalto foi aterrado lidade dos Estados em que pela pata do boi, que levou gociava com castanha, ve- por 65 metros cúbicos de ganhou. Mesmo assim, por ao maior desmatamento da reador na capital. areia dragados em 1971 da liberalidade dos promoto- história da humanidade. Quando morreu, era vi- doca da Marechal Hermes, res, recebi uma coleção de úvo de Lúcia Dias, pai de conhecida por bacia, no livros, dentre os quais havia MARAJOARA Altair Morelli (casada com porto de Belém. A draga- alguns muito bons. Armando Morelli), Cláudio gem aprofundou o leito da Os americanos ainda Seu necrológio ressaltava: Dias (Arlete Dias), Maria baía em dois metros e meio cultivavam a boa vizinhan- aos 86 anos, o coronel Lusig- Amélia Dias da Costa (viú- de profundidade. Ao ser de- ça, ao menos com muita nan de Figueiredo Dias mor- va de Orlando Costa) e Rai- positado no trecho inundá- ação cultural. reu, em 1968, “dedicado ex- mundo Dias (Neusa Dias). vel da avenida, entre o igara- clusivamente à profissão para Seus netos: Paulo Dias pé das Almas e a rua Soares PECUÁRIA a qual nascera: fazendeiro”. Morelli (Solange Morelli), Carneiro, o material elevou Nasceu em Chaves, na ilha Fernando Dias da Costa em quase um metro o nível Em setembro de 1968, 11 do Marajó, e se orgulhava de (Rosalba Costa), Vera Lúcia da via, que, em seguida, foi dos 14 projetos aprovados ser, ao mesmo tempo, fazen- Morelli Acatauassu (Ronal- asfaltada. A paisagem mu- pela Sudam eram agropecu- deiro e vaqueiro. “Montou do Acatauassu), Analúcia dou completamente.

JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena13 As conversas de jornalistas: à prova de qualquer gravação

Andrea, irmã do senador Aécio Episódio semelhante aconteceu, NOTA DIVULGADA Neves, afastado do cargo pelo mi- em 2012, com Ricardo Boechat. Foi POR REINALDO nistro Edson Fachin, do STF, e sua gravada uma conversa íntima de- principal auxiliar, encontra-se presa mais e contrária à ética jornalística Andrea Neves, Aécio Neves e perto numa penitenciária em Minas Ge- que ele teve com Paulo Marinho, as- de uma centena de outros políticos são rais. A Polícia Federal a grampeava, sessor do empresário Nelson Tanure, minhas fontes. com autorização judicial, para pro- que cresceu favorecido pelo governo Trechos de duas conversas que duzir provas de corrupção do ex-pre- Collor. Com a divulgação da fita, mantive com Andrea, que estava sidente do PSDB. Uma das conversas Boechat foi demitido de O Globo e grampeada, foram tornadas públicas. gravadas foi a que ela teve com o jor- da TV Globo. Numa delas, faço uma crítica a uma nalista Reinaldo Azevedo. A situação não é rara no jornalis- reportagem da VEJA e afirmo que A conversa é mais do que o con- mo, infelizmente. Rodrigo Janot é pré-candidato ao go- tato de um jornalista com sua fon- verno de Minas e que estava apurando te. Há certa conivência de Reinaldo A CONVERSA ENTRE essa informação. Em outro, falamos com Andrea e críticas à revista Veja, COM ANDREA NEVES dos poetas Cláudio Manuel da Costa que abrigava o seu concorrido blog, e Alvarenga Peixoto. virulento contra o PT, agora ampara- Andrea Neves - Agora, que está Fiz o que deveria fazer: pedi demis- do pela Rede TV. Reinaldo rompeu o acontecendo na Veja, o que o pessoal são — na verdade, mantenho um con- contrato que tinha com a revista (e fez… trato com a VEJA e pedi o rompimen- a rádio Jovem Pan), que concordou Reinaldo Azevedo - Ah, eu vi. É to, com o que concordou a direção da em encerrar a relação profissional. nojento, nojento. Eu vi. revista. Foi reação imediata à divulgação do Andrea Neves - Assinaram todos Abaixo, segue a resposta que enviei conteúdo da conversa (veja abaixo). os jornalistas e vão pegar a loucura ao BuzzFeed, que vai fazer ou já fez Tem razão o jornalista quando desse cara para esquentar a maluquice uma reportagem a respeito. Volto para diz que Andrea – e não ele – era contra mim. encerrar. Mesmo! quem estava sendo monitorada. Reinaldo Azevedo - Tanto é que Comecemos pelas consequências. Sustenta que a divulgação é obra do logo no primeiro parágrafo, a Veja pu- Pedi demissão da VEJA. Na verda- procurador geral da república, Ro- blicou no começo de abril que não sei o de, temos um contrato, que está sendo drigo Janot. O vazamento – sustenta que, na conta de Andrea Neves. Como rompido a meu pedido. E a direção da o jornalista –seria um escândalo em se o depoimento do cara endossasse revista concordou. qualquer país do mundo porque vio- isso. E ele não fala isso. 1: não sou investigado; la o sigilo da fonte, o que é verdade. Andrea Neves - Como se agora ti- 2: a transcrição da conversa privada, No Brasil, o Estado autoritário não vesse uma coleção de contas lá fora e a entre jornalista e sua fonte, não guarda o respeita e as autoridades fazem o minha é uma delas. relação com o objeto da investigação; que querem do seu poder. Reinaldo Azevedo - Eu vou ter 3: tornar público esse tipo de con- O ato de vazamento tem que ser de entrar nessa história porque já ha- versa é só uma maneira de intimidar apurado e identificado o autor da viam me enchido o saco. Vou entrar jornalistas; divulgação, conforme solicitou o evidentemente com o meu texto e não 4: como Andrea e Aécio são minhas jornalista. Trata-se realmente de um com o deles. Pergunto: essas questões fontes, achei, num primeiro momento, crime. Mas a conversa entre Reinal- que você levantou para mim, posso que pudessem fazer isso; depois, pensei do e Andrea é um ato de interesse colocar como se fosse resposta do que seria de tal sorte absurdo que não público – e depõe contra o jorna- Aécio? aconteceria; lista. Um bom profissional da im- Andrea Neves - Nós mandamos 5: mas me ocorreu em seguida: “se prensa deve conversar em “off” da agora para a Veja uma nota para botar estimulam que se grave ilegalmente mesma maneira como se manifesta nessa matéria. o presidente, por que não fariam isso publicamente. Seguindo essa regra, Reinaldo Azevedo - Não quer com um jornalista que é crítico ao tra- nada pode incriminá-lo, mesmo que mandar para mim também? balho da patota? seja manobra ilegal. Andrea Neves - Mando. 6: em qualquer democracia do Jornal Pessoal Editor: Lúcio Flávio Pinto Contato: Rua Aristides Lobo, 871 - Belém/PA • CEP: 66.053-030 • Fone: (091) 3241-7626 • E-mail: [email protected] • Site: www.jornalpessoal.com.br Blog: http://lucioflaviopinto.wordpress.com • Diagramação/ilustração: Luiz Antonio de Faria Pinto (LuizPê) • [email protected] 14 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena mundo, a divulgação da conversa lugar, vocês ficarão sabendo; Encerro. No próximo 24 de junho, de um jornalista com sua fonte seria 10: O que se tem aí caracteriza um meu blog completa 12 anos. Todo esse considerada um escândalo. Por aqui, estado policial. Uma garantia consti- tempo, na VEJA. Foram muitos os en- não; tucional de um indivíduo está sendo frentamentos e me orgulho de todos 7: tratem, senhores jornalistas, de agredida por algo que nada tem a ver eles. E também sou grato à revista por só falar bem da Lava Jato, de incensar com a investigação; esses anos. seus comandantes; 11: e também há uma agressão a Nesse tempo, sob a direção de Eu- 8: Andrea estava grampeada, eu uma das garantias que tem a profissão. rípedes Alcântara ou de André Petry, não. A divulgação dessa conversa me A menos que um crime esteja sendo sempre escrevi o que quis. Nunca hou- tem como foco, não a ela; cometido, o sigilo da conversa de um ve interferência. 9: Bem, o blog está fora da VEJA. Se jornalista com sua fonte é um dos pila- O saldo é extremamente positivo. A conseguir hospedá-lo em algum outro res do jornalismo. luta continua. A Globo conspirou?

Às 18h30 do dia 17, o site do jornal ministro da Fazenda, Henrique Meirel- O Globo, do Rio de Janeiro, divulgou o les, os donos de O Globo queriam tro- maior “furo” da imprensa brasileira em cá-lo por um nome novo, que podia ser muitos anos: o conteúdo de uma gra- do próprio Meirelles ou até da presiden- vação secreta que o empresário Joesley te do STF, Cármen Lúcia. Deixando em Batista fez de uma conversa confiden- estado de choque a sociedade, O Globo cial com o presidente Michel Temer, seria o personagem principal desse en- um mês antes, na residência oficial da redo. Mas para isso a mudança teria que vice-presidência da república, em Bra- ser imediata, antes que as ideias alheias sília. A república foi abalada e entrou se reorganizassem para reagir. num transe do qual até hoje não con- Esse tempo resultou também do seguiu sair. A exclusividade fora con- comportamento do ministro Edson seguida pelo colunista Lauro Jardim, Fachin, relator no STF da Operação La- completada pela redação do jornal da va-Jato. Ele determinou o afastamento família Marinho. do senador Aécio Neves, do PSDB de Segundo o diretor de jornalismo Minas, e do deputado federal Rodrigo da TV Globo, Ali Kamel, só então a ta ganhar na bolsa com a alta imediata Rocha Loures, do PMDB do Paraná, emissora foi informada e só às 19h20 do dólar e se acautelar contra a queda do exercício dos seus cargos.Mandou recebeu o texto da reportagem, que di- do valor das ações da empresa, que prender pessoas supostamente do es- vulgou “porque os colegas garantiram venderam antes em volume suficiente quema de corrupção do ex-governador estar seguros, sem chance de erro”. Sig- para cobrir o prejuízo. mineiro, e a apreensão de documentos. nifica que a fonte dos dados era segura, Na negociação da inconfidência, ha- Faltou, porém, uma medida comple- inteiramente confiável. via uma moeda de troca: a exclusividade mentar – e essencial – a essas decisões: Deduziu-se que a proximidade que deu às Organizações Roberto Marinho a retirada do sigilo em torno da delação tinha com Jardim tornava o procurador o poder de influência sobre a sociedade. premiada dos dirigentes do grupo JBS geral da república, Rodrigo Janot, o pri- Como só os repórteres do jornal cario- e, de forma inédita e inusitada, do ad- meiro a receber o material das mãos do ca tinham acesso ao teor das gravações, vogado que, em nome deles, negociava dono do grupo JBS, suspeito de ter pro- com o atestado de garantia do próprio as suas delações premiadas na justiça. movido o vazamento. Sem eliminar essa autor, Joesley Batista, a repercussão do Foi uma tratativa célere e feita com o hipótese, outra se tornou mais factível: fato dependia da transcrição de O Globo maior dos sigilos até agora no âmbito o responsável pelo vazamento era o pró- e da interpretação que fez das conversas da Lava-Jato. A quebra do sigilo só veio prio empresário, que planejara tudo, as- e demais provas. num segundo momento, quando já era sumindo o comando das ações. O jornal foi além: no editorial da insustentável. Conseguira a homologação da sua edição do dia seguinte, pediu logo a re- Kamelescreveu um artigo na Folha delação premiada, mais a do irmão, núncia do presidente. A partir dessa ini- de S. Paulo para negar as acusações con- Wesley, e cinco executivos da empresa, ciativa, que também foi única, se expôs tra a empresa. Mas um observador mais a imunidade penal, que livraria a todos a várias interpretações e teorias conspi- atento deve ter percebido a orientação de qualquer punição, e a autorização ratórias. Os Marinhos decidiram apro- da cobertura da Globo para críticas para viajar para os Estados Unidos, veitar a exclusividade para intervir na abertas e extremadas a Temer, contras- onde ainda se encontra, levando até política nacional. Sem confiar na capa- tando com a cobertura mais discreta mesmo o gravador, peça chave para a cidade de Temer de promover as refor- mantida até então. Mas se a empresa perícia do pen-drive que entregou a Ja- mas que ele mesmo propôs ao Congres- tentou alguma coisa, não conseguiu o not.O vazamento permitiria aos Batis- so, a partir do projeto formulado pelo resultado desejado. JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quinzena15 Afinal, uma grande escritora: é Paloma A escritora, cronista e professora paraense Paloma Franca Amorim lançou, em São Paulo, seu primeiro livro. Eu preferia ter perdido um olho, publicado pela editora paulista Alameda, reúne as crônicas que escreve semanalmente em O Liberal. Por coincidência, ela tem a mesma idade deste jornal, nascida que foi em Belém, em 1987. Por isso, foi com dupla honra que aceitei o seu convite para escrever o prefácio do livro.

larice Lispector teve que arrom- mações suficientes para um bom relato Um exemplo ajuda a esclarecer essa bar a porta do gosto estabeleci- da sua vida. Ela é escassa na revelação visão. Vibrei quando li a crônica de Pa- do no Brasil da segunda metade de dados objetivos sobre si. No entan- loma sobre a sessão da Câmara Federal Cdo século passado para fazer parte da to, grande parte dos leitores a adota por que recebeu o processo do impeachment literatura nacional. Seu estilo intimista ver no espelho da alma da autora um da presidente Dilma Rousseff. Era a mais e sua escrita apurada a obrigaram a uma reflexo de si. criativa das abordagens do episódio. batalha pela publicação e aceitação do A biografia vira matéria de ficção Paloma organizou uma antologia seu primeiro livro. Com o passar dos na literatura de Clarice, abstração e das declarações de voto dos parlamen- anos e da obra, porém, e de forma sur- profundidade, aldeia e universalidade tares que retratava com exatidão a alga- preendente, ela se tornou um sucesso. – como em toda grande literatura. A de ravia e barafunda daquela sessão. Para Mesmo que sob um andamento mais Paloma Franca faz parte dessa tradição. mim, jornalista, faltava a identificação lento do que o dos fugazes best-sellers, . Escrevendo sobre ela mesma nas dos autores daquelas frases. Para o leitor novas edições dos seus livros surgem crônicas/contos deste livro, ela fala so- dos grandes autores, não faltava nada. quase todos os anos. Encontrando sem- bre o mundo e transforma suas obser- Não falta nada aos textos deste livro. pre um público receptivo, devoto, fiel. vações e personagens em arquétipos e É obra da melhor literatura. Serenamente Este é um dos paradoxos de Clarice. tipos ideais das ciências humanas e so- espicaçadora, provocadora e reveladora. Mas ela é farta na matéria. ciais, a versão acadêmica e científica do Abro alas ao leitor para que usufrua des- Tudo que escreveu é flagrantemente universo da ficção (e menos precisa do se prazer e privilégio, como eu, sem mais autobiográfico. Mas é pouco provável que ela, apesar da pretensão de objetivi- delongas. Em frente, pois. Paloma é a al- que alguém consiga em sua obra infor- dade e verdade). deia universal de cada um de nós. Jornalismo de resultados

Em novembro de 2014, o jornalista Cláudio Humberto montou a co- adotar contra o lobista “as medidas ju- Cláudio Humberto publicou uma nota luna a partir da notoriedade que teve diciais cabíveis”. no seu site (e coluna, reproduzida em como assessor de imprensa e porta-voz Mas não negou que recebia dinhei- vários jornais) que se revelaria profé- de Fernando Collor na presidência da ro da JBS. Segundo ele, os R$18 mil tica. Disse que “Joesley [Batista] fez República, entre 1990 e 1992). Com foram referentes a contrato de veicu- de Ricardo Saud o homem da mala”. acesso a uma rede de jornais em todo lação publicitária, assinado em 5 de Seu amigo, senador , país (incluindo O Liberal, em Belém), fevereiro de 2015, pelo prazo de um do PMDB de Alagoas, foi provavel- ele teria cobrado, inicialmente, 30 mil ano.“As abordagens da empresa para mente a fonte da informação. reais mensais pela “não veiculação” anunciar no portal começaram em se- Nas delações premiadas, o diretor das notícias. Após negociação com tembro de 2013, mais de um ano antes de relações institucionais do grupo Saud, ficou acertado pagamento de R$ da publicação das notícias denuncian- J&F – que controla a empresa JBS 18 mil por mês. do as atividades criminosas do lobista – foi o principal agente de negocia- Saud disse que há dois anos o jor- Ricardo Saud”. ção e pagamento de propinas pela nalista é pago para parar de falar mal Um princípio ético elementar, po- empresa a políticos e burocratas do da J&F, proprietária da JBS. “Se não rém, seria o de não aceitar qualquer governo, sempre carregando grandes pagar no dia, ele vai lá e fala mal. Se forma de pagamento de uma empresa quantidades de dinheiro em malas. faz isso comigo, deve estar fazendo que criticara. Embora Humberto diga Saud disse, no depoimento que com muita gente”, disse o representan- que a aproximação da JBS tenha co- prestou no dia 5 ao Ministério Pú- te do grupo. meçado em setembro de 2013, o con- blico Federal, que procurou Renan Cláudio Humberto reagiu dizendo trato foi assinado dois meses depois da logo depois de ler a notícia e foi que Ricardo Saud mentiu na delação nota sobre a mala recheada de dinheiro aconselhado pelo senador alagoano para se vingar, porque foi o primeiro que Saud mandava entregar às pessoas (integrante do grupo mais próximo a revelar suas atividades criminosas, que corrompia. de Collor, como o jornalista) a nego- tentando arrastá-lo “para o seu lama- É a prova cabal do crime de certo ciar: “Ele fez isso para chamar vo- çal, afirmando agora em depoimento jornalismo de chantagem, que se des- cês lá para um acerto. Vai lá e dá um que teria sido vítima de ‘chantagem’”. nuda quando cala depois de uma dar dinheirinho para ele que resolve. Ele No entanto, “não apresentou provas nota sobre fato tão grave. A falta de vive disso”. das acusações de extorsão”. Prometeu continuidade é a prova dos nove.