A Chacina De Pau D'arco
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Jornal Pessoal A AGENDA AmAzôNicA DE Lúcio FLávio PiNto • ANo XXXi • No 632 • mAio DE 2017 • 2a quiNzena • R$ 5,00 TERRAS A chacina de Pau d’Arco Mais uma vez o governo do Pará mostra insensibilidade e incompetência no trato de um dos problemas mais graves do Estado: os conflitos de terras. Depois de Eldorado dos Carajás, 21 anos atrás, nova chacina acontece sob um governo do PSDB. Os tucanos emudecem. secretário de segurança pública do fazenda, de 3,5 mil hectares, é motivo de disputa Pará, general JeannotJansen, fez a pri- entre os seus proprietários e posseiros desde 2012. meira declaração sobre o conflito em Desta vez, a polícia cumpriria 16 mandados Pau D’Arco, no sul do Pará, poucas ho- judiciais de prisão contra quatro pessoas, que te- Oras depois do acontecimento, na manhã do dia riam participado do assassinato de um vigilante 24, que resultou em 10 mortes, nove de homens da fazenda, ocorrido um mês antes, e de busca e e de uma mulher. Sua maior preocupação foi res- apreensão de armas e documentos, e que acaba- saltar que a polícia – civil e militar – não cumpria ram sendo mortas durante o ataque. Na explica- mandado de reintegração de posse. Ou seja: não ção do secretário, a presunção era de que a ope- ia desalojar os ocupantes da fazenda Santa Lúcia, ração resultara da constatação de que o alvo eram como acontecera em duas situações anteriores. A delinquentes comuns e não posseiros. A PROPINA DE JORNALISTAS • CORRUPÇÃO NO PODER Havia antecedentes. Uma reintegra- sem vítima fatal. O tiroteio pesado surdo a defesa dos direitos humanos, ção de posse executada um mês antes deixaria marcas claras do combate, o como se apenas uma das partes, a falsa- retirara os ocupantes da área, mas eles que, nas vistorias posteriores ao local, mente (ou verdadeiramente) mais fra- voltaram ao local logo depois. No dia não foi constatado. ca, tivesse direitos, enquanto a outra, a 30 de abril eles mataram Marcos Mon- Mas se os policiais só atiraram por- dos policiais e fazendeiros, é totalmen- tenegro, vigilante da fazenda. Duas que foram alvejados antes, sua maior te ignorada. semanas depois, atacaram a sede da preocupação seria preservar a integri- O maniqueísmo se mostra deturpa- fazenda, queimando algumas instala- dade do local para usá-lo como prova dor em mais este exemplo. Se houve um ções e depredando outras. No dia 22 a da sua versão, logo posta em questão, momento em que o conflito de terras polícia não conseguiu cumprir os man- ou imediatamente desacreditada. No na Amazônia era claramente entre duas dados judiciais de prisão dos respon- entanto, a expedição retirou os cadáve- partes, a dos donos (por justo título ou sáveis pelos danos porque o acesso ao res, arrecadou as armas e limpou o am- mera grilagem) da terra e os posseiros, acampamento foi bloqueado por uma biente, prejudicando - ou até inviabili- que só dispunham do seu trabalho para barricada. Decidiram voltar, na ma- zando - o trabalho dos peritos. exercer seus direitos, hoje esse dualismo drugada do dia 24, para assim surpre- Novamente na sua manifestação uti- desapareceu. ender os ocupantes da área. Mas eles litária, para ganhar a pronta aprovação É tal o fracasso do governo como ór- receberam a tropa a tiros. dos seus pares e das pessoas que enca- gão regulador de litígio, acompanhante A versão oficial é coerente com essa ram o problema por uma ótica simplista dos fatos e repressor de ilícitos que os tese. Com um contingente com 25 a 30 e radical, o deputado Éder Mauro des- atores em cena se diversificaram muito. pessoas, os posseiros se beneficiaram do denha esse argumento. Disse que a ação Em meio a posseiros há pistoleiros, gri- fato de estarem numa área conhecida e foi humanitária. Afinal, os policiais não leiros, desmatadores, intermediários de a partir de uma trincheira que podem iam deixar os cadáveres expostos. fazendeiros e um universo humano que ter montado. Tinham arsenal para essa A gravidade do acontecimento, com se desenvolveu sobre a incompetência decisão: 11 armas de grosso calibre, 10 mortes só de um lado (e, talvez, mais da administração pública. incluindo espingardas, um fuzil 763 e oito feridos que escaparam do tiroteio Ainda assim, o caso de Pau D’Arco uma potente pistola Glock. pelo mato), reforçaria o cumprimento tem uma violência e um nítido sentido Mas quem já acompanhou esse tipo do dever profissional dos policiais de de parcialidade que torna difícil - se não de situação, sabe que o tiroteio costu- preservar a cena do crime, com os cor- impossível - absorver as explicações do ma se generalizar. É quase impossível pos dilacerados pelas balas, o sangue es- governo, formuladas - mais uma vez - que só haja baixa de um lado – e do palhado e, sobretudo, a prova definitiva com incompetência pelo abúlico secre- lado que estava melhor posicionado no de que houve mesmo um combate e não tário de segurança pública. que os combatentes chamam de teatro uma matança deliberada, planejada, A figura inexpressiva do general Jan- de operações. cumprida para atender uma das partes sen parece só se manter diante da cri- Essa expectativa, ao contrário do do conflito fundiário. minosa omissão do governador Simão que proclamou o delegado licenciado Chegando de madrugada, sob chuva, Jatene. Mais uma vez, diante de novo e deputado federal Éder Mauro (do os 29 homens da operação (21 da Polícia escândalo, que devolve o Pará ao pior PSD), contumaz nesse tipo de opera- Militar e oito da polícia civil) pareciam noticiário nacional e internacional, o ção, na sua reação corporativa e par- ter o propósito de matar, se prender não governador sumiu. cial, não significa que se deseje a morte fosse possível. A tropa era da própria re- Nesses momentos, o tucano parece ou ferimento de policiais. É hipótese gião e já estava afetada emocionalmente renunciar à condição de comandan- coerente com a versão da secretaria de pelas tentativas de retirada dos ocupan- te-em-chefe da força policial, que só segurança pública. tes da fazenda e prisão dos que partici- exerce em momentos festivos, com hi- Se a tropa foi vítima dos primeiros param do ataque à sede da propriedade. nos, dobrados e medalhas. O Pará que disparos ao entrar na área é porque foi Poderiam também estar querendo vin- trate suas dores por si próprio, dentre as surpreendida por essa reação. Até en- gar o vigilante assassinado, ainda mais quais matanças como esta, 21 anos de- contrar um lugar para se proteger, se se ele fosse um policial? pois de Eldorado dos Carajás, é o atesta- defender e reagir, inevitavelmente te- Suscitar essas hipóteses, de sólida do da continuidade de uma marca que ria sofrido alguma baixa, mesmo que consistência, não significa levar ao ab- tanto mal lhe faz: a selvageria. O verão amazônico promete ser sangrento A versão logo se revelou primária, nhão, com seus parentes, Nçao há, na tros personagens incompatíveis com totalmente falha, inverossímil. Mas a história da pistolagem na Amazônia, a causa. Ainda assim, a abordagem Secretaria de Segurança Pública do nenhum caso de pistoleiros que atuam policial, além de desastrada, deixou, Estado tentou fazer acreditar que o em família. com sua violência, a suspeita de que acampamento atacado era constituído Os acampados integram um dos servia a um dos lados do litígio, o dos por pistoleiros. Verificou-se, porém, grupos organizados de posseiros, fazendeiros. que os nove homens e a mulher mor- com vinculações políticas. No meio O desprezo por todos os compo- tos formavam famílias entrelaçadas, a deles têm surgido pistoleiros infil- nentes humanos que não integrem o maior delas dos Milhomem, do Mara- trados, vendedores de terras e ou- mundo dominante dos donos da terra 2 - JORNAL PESSOAL Nº 632 • MAIO DE 2017 • 2ª quINzENA se manifestou no tratamento dado aos foram preservados. Ao final da tarefa ta do interesse sobre a propriedade de corpos das vítimas, levados a Mara- profissional, eles foram devolvidos às terras na Amazônia. Numa época de bá e Parauapebas para perícia, de lá suas famílias como se fossem restos incerteza econômica e política, um devolvidos a Redenção e Pau D’Arco animais apodrecidos e não a represen- imóvel rural ou uma fazenda não são como se fossem animais. tação física de seres humanos. apenas unidades produtivas: são tam- As centenas de quilômetros per- Ao início do verão, que costuma bém reserva de valor. Protegem contra corridos na ida e volta, mais o in- ser sangrento nas frentes pioneiras da os riscos de perdas. tenso calor uma região, aceleraram Amazônia, o episódio se insere numa O problema fundiário deverá vol- a decomposição dos corpos, que não escalada de conflitos que atesta a vol- tar a se agravar. Com muito sangue. Brasil: quem sabe que país é este? Que país é este? Quando os militares deixaram o po- Nessa voragem do absurdo, tive- Quem saberá a resposta com ho- der, havia três bilionários no Brasil: Se- mos os ataques aos prédios dos minis- nestidade, convicção e segurança? bastião Camargo, Antonio Ermírio de térios em Brasília. Vendo as imagens Nos últimos três anos, com a Ope- Moraes e Roberto Marinho. Com FHC da destruição é impossível não voltar ração Lava-Jato, o Brasil entrou numa surgiram oito. Com Lula, 48. O mais quatro séculos, até o início da indus- catarse coletiva, num processo de lava- notável deles, Eike Batista, solto da ca- trialização na Inglaterra. Para se li- gem intestinal. Ninguém, ao início do deia por Gilmar Mendes, chegou a ser o bertar da exploração, os trabalhadores levantamento da corrupção na Petro- sétimo mais rico do planeta. Hoje pede destruíam as máquinas, no nível de brás, podia imaginar a amplitude dos o desbloqueio de bens para pagar a mul- consciência que conseguiam ter na- seus desdobramentos.