Viagem, Experiência E Notas De Euclides Da Cunha Nos Sertões Baianos

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Viagem, Experiência E Notas De Euclides Da Cunha Nos Sertões Baianos UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA MARGEAR O OUTRO: VIAGEM, EXPERIÊNCIA E NOTAS DE EUCLIDES DA CUNHA NOS SERTÕES BAIANOS. NATHÁLIA SANGLARD DE ALMEIDA NOGUEIRA Niterói 2013 NATHÁLIA SANGLARD DE ALMEIDA NOGUEIRA MARGEAR O OUTRO: VIAGEM, EXPERIÊNCIA E NOTAS DE EUCLIDES DA CUNHA NOS SERTÕES BAIANOS. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de mestre. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Hebe Mattos. Niterói, RJ 2013 2 NATHÁLIA SANGLARD DE ALMEIDA NOGUEIRA MARGEAR O OUTRO: VIAGEM, EXPERIÊNCIA E NOTAS DE EUCLIDES DA CUNHA NOS SERTÕES BAIANOS. BANCA EXAMINADORA: ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro (orientadora) ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Giselle Martins Venâncio ______________________________________ Prof. Dr. Leonardo Affonso de Miranda Pereira ______________________________________ Prof.ª Dr.ª Carolina Vianna Dantas (suplente) 3 À minha mãe, meu sanhaço azul, a quem entrego todo o meu bem-querer. 4 AGRADECIMENTOS À minha orientadora, a professora Hebe Mattos, por ter acolhido minha pesquisa, me presenteado com a sutileza do seu olhar, sua lucidez intelectual e uma delicada paciência, entremeadas às margens da liberdade. Aos professores Giselle Venâncio e Leonardo Pereira, pela generosidade da leitura e pelas preciosas sugestões, fundamentais para o amadurecimento da minha pesquisa. Aos professores do PPGH, em especial, à Martha Abreu e à Verónica Secreto, por reafirmarem meu encanto pela História e acenarem para uma inspiradora prática docente: leve e emancipatória. Aos colegas e companheiros do mestrado, pelas prosas acadêmicas ou não, e, sobretudo, pela admiração que o trabalho de vocês me desperta. Ao meu tio Antônio, a quem devo o gosto pelos causos e a gratidão pela torcida incondicional. Ao Leonardo Pavone, meu pouquinho de saúde, meu descanso na loucura. À Ana Carolina Pereira, à Clara Carvalho, ao Daniel Gonçalves, à Katarina Pitasse, ao Luiz Gustavo Vieira, à Patrícia Reis e à Samia Mounzer, essas andorinhas altaneiras que dilatam os limites da matéria sonhável. Muito obrigada pelo carinho com que ouviram meus devaneios e desassossegos, desde o momento em que apareceram e maravilharam minha travessia. À minha mãe, Marta, pelos afagos, pelo remanso, pela cumplicidade e pela confiança, que clareiam meus dias e reabilitam minha paz. 5 “Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou.” “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” João Guimarães Rosa, Grande Sertão: veredas. 6 Resumo: Esta dissertação propõe remontar a feitura d'Os sertões, de modo a recuperar as imagens traçadas por Euclides da Cunha a respeito das terras agrestes, desde sua mocidade aos escritos posteriores. Assim, preliminarmente, serão analisadas as oscilações euclidianas em torno do sertão, entre uma tônica idílica, nos poemas e artigos da juventude, e uma atordoante, nos registros ulteriores, marcados por leituras cientificistas. Em seguida, a partir de sua estada na Bahia, cruzando-se um "ter estado lá" e tendências do pensamento científico e histórico à época, pretende-se avaliar a centralidade do contato do autor com as coisas e pessoas deste canto de um Brasil ignoto e perceber como o exercício de um olhar etnográfico converteu a viagem em impulso e embrião para sua obra-mestra, o que se ambiciona corroborar em função do cotejo entre sua caderneta, suas correspondências enviadas ao jornal O Estado de S. Paulo e o livro em questão. Por último, estuda-se o mecanismo de tradução da alteridade sertaneja, perdida em recônditas trilhas, onde haveria o mais genuíno, anacrônico, aterrador e vigoroso Brasil. Palavras-chave: Euclides da Cunha; sertão; olhar etnográfico; alteridade. 7 Abstract: This dissertation aims to reconstruct the made of Os Sertões (Rebellion in the Backland) in order to rescue the images built by Euclides da Cunha on the wild lands, from his youth until his late writings. Firstly, we analyze Euclidean variations on the backlands: something between an idyllic accent, during the poems and essays of his young years, and the dazzling tone of the scientific readings of his late works. Secondly, taking into consideration Cunha’s staying in Bahia and contrasting the experience of “having been there” to the scientific and historical thoughts of that moment, we evaluate the centrality of the author’s contact with people and things that belonged to an unknown part of Brazil, trying to understand how an ethnographic eye converted his voyage into the seed of his master piece. To do so, we collate his notes and letters to the newspaper O Estado de S. Paulo and the Rebellion in the Backlands. We finally study the translation of the backland people’s otherness, which was lost in the remote roads where the most genuine, anachronistic, terrifying and vigorous Brazil could be found. Key-words: Euclides da Cunha; backlands; ethnographic eye; otherness 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10 Um (in)certo sertão ..................................................................................................... 10 “Roteiro todo da viagem, aos poucos para se historiar”: os passos da pesquisa ........ 14 I. ORA IDÍLICOS, ORA TERRÍVEIS: OS SERTÕES EUCLIDIANOS E SUAS OSCILAÇÕES ............................................................................................................... 18 Versando viagens e sertões: sensibilidade romântica nas primeiras impressões de Euclides da Cunha ...................................................................................................... 18 Dos sertões dos sonhos ao “arraial maldito”: o enquadramento do olhar pelas sciencias ...................................................................................................................... 28 II. VIAGEM AO ARRAIAL: A ESTADA DE EUCLIDES EM CANUDOS E A EXPERIÊNCIA COM O “OUTRO” .............................................................................. 44 Sobre as notas da travessia .......................................................................................... 44 Sobre o olhar, o testemunho e a experiência nos sertões baianos ............................... 81 III. AS SINUOSAS VEREDAS DA TRADUÇÃO DA ALTERIDADE SERTANEJA .................................................................................................................. 98 A escrita d’Os sertões: notas sobre o estilo de um narrador sincero e dividido ......... 98 Um agreste labirinto: a ambivalente tradução euclidiana da brasilidade sertaneja .. 100 A religiosidade no agreste segundo Euclides da Cunha: predicados dissonantes e refluxo no tempo ....................................................................................................... 108 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 115 FONTES ....................................................................................................................... 120 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 121 9 INTRODUÇÃO Um (in)certo sertão (...) longe, longe, até ao fim, como o sertão é grande... João Guimarães Rosa A fala de Riobaldo, no romance de João Guimarães Rosa, desvela um sentido recorrente da palavra sertão: espaço longínquo, incerto, vasto. Em sua etimologia, certão seria uma corruptela do vocábulo muceltão, a designar interior, sítio apartado do mar, em princípio, sem vínculos com traços de secura e esterilidade. Outros filólogos atribuíram sua gênese ao termo latino desertanu, mais colado à ideia de agreste1. Entre os séculos XVIII e XIX foram atravessados por bandeirantes e viajantes naturalistas, que, apesar de imbuídos por motivos diversos, adentraram o território, ou para conquistá-lo, expandir fronteiras, ou para maravilhar-se e pesquisar seu aspecto belo, pitoresco e, mais tarde, terrivelmente, sublime. Na tradição literária oitocentista, o imaginário romântico evocou a nostalgia da vida no seio ameno da natureza, zona por excelência da autenticidade, por ressentir-se da perda dos valores comunitários e dos atropelos impostos pela civilização. No Brasil, este ímpeto de reencontrar a natureza pura direcionou-se aos sertões, onde se cria possível resgatar tradições e retornar ao passado. Identificada, portanto, com o ambiente rural, com o campo, a representação das paragens sertanejas, todavia, não foi sempre idealizada, convivendo com perspectivas depreciativas, a enxergarem a inferioridade étnica de sua gente, sua inadequação ao progresso e seu estado de barbárie. Ora lido como original, ora como domínio da selvatiqueza, os sertões apareciam quase sempre referidos como o contrário da cidade. Essa dualidade entre as esferas do rural e do urbano, essencial à época em que se almejava construir a nação brasileira, repercutiu, segundo Luciana Murari, na fundação de um gênero definido, a literatura regionalista, na última década do século XIX. Para a autora, este florescimento devia-se ao impacto da modernização
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