Opercurso Do Prestígio De José De Alencar E Sua Consagração Com

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Opercurso Do Prestígio De José De Alencar E Sua Consagração Com o Percurso do Prestígio de José de Alencar e sua Consagração com Iracema Valéria Cristina Bezerra I Introdução Um estudante ou curioso da literatura brasileira que hoje folheie uma história literária ou um livro didático certamente encontrará algumas páginas sobre José de Alenear e muitas referências ao seu nome. Ao ler a apreciação oferecida por esses materiais acerca do escritor, geralmente apresentado de for- ma sistemática e linear, talvez não se pergunte se a posição que Alencar ocupa na literatura foi historicamente sempre a mesma, partilhando da crença de que o romancista esteve continuamente "em lugar de centro, pela natureza e exten- são da obra que produziu'", âo quero com isso discordar da posição central em que Alencar chegou a figurar ao longo de sua atuação, mas ela foi resultado de muitas tensões, embates e incertezas, num período em que a literatura bra- sileira era ainda um anseio dos homens de letras e precisava de muitas novas composições para que viesse a ter dimensão e a conquistar o reconhecimento de sua autonomia. A "natureza" da obra de Alencar estava em construção e a sua "extensão" só viria a se concretizar ao final de sua vida. O que ocorreu ao longo da atividade de Alencar, os percursos para o seu prestígio e as diferentes formas de avaliação feitas à sua produção pelos seus pares favorecem a com- preensão do status de suas obras em sua primeira circulação e posteriormente, uma vez que a leitura de seus livros por si só não é suficiente para entender o I Doutoranda em Teoria e História Literária pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Este texto é resultado das pesquisas desenvolvidas ao longo do mestrado e do doutorado, sob orien- tação da professora doutora Márcia Abreu. 2 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994. p. 134. 287 o PERCURSO DO PRESTÍGIO DE JOSÉ DE ALENCAR E SUA CONSAGRAÇÃO COM IRACEMA lugar que ocupam na história literária. Além disso, o nome de um escritor não é um pressuposto, coerente com um "projeto" literário prévio (como muitos fazem crer quando falam de Alencar), mas resultado das posições que desem- penha e das posturas que defende em seu exercício'. Para a análise que aqui proponho, recorri à recepção crítica de José de Alencar publicada em periódicos do século XIX no momento da publicação de suas obras, sobretudo Iracema, com o fim de buscar entender por meio de quais aspectos o escritor passou a ocupar o lugar de "chefe da literatura nacio- nal'", a quem foi creditado o papel de enriquecer e de assegurar a legitimidade da literatura brasileira. Trajetória Alencar começou a escrever com regularidade no Correio Mercantil, dando início, em 3 de setembro de 1854, à publicação dos folhetins de "Ao correr da pena". Ao ser convidado a assumir a gerência do Diário do Rio de Janeiro, levou a seção consigo, cujos folhetins saíram até novembro de 1855. A atividade de folhetinlsta não era considerada de prestígio no tempo, mas certamente concedia alguma visibilidade ao novel escritor, que passava a ter leitores interessados em saber das novidades, através de um texto de leitura leve e ligeira. Ali Alencar encontrou um espaço no qual, além dos bailes e da moda, podia falar também de teatro e literatura, buscando criar um público que pudesse incentivar a incipiente produção nacional. Entre os meses de junho e agosto de 1856, Alencar escreveu cartas sobre o poema de Gonçalves de Magalhães, A Confederação dos Tamoios, que culmi- naram na primeira grande polêmica literária acontecida no país'. Magalhães figurava, então, como um dos principais representantes da literatura nacional e detinha enorme prestígio perante o imperador. José de Alencar era apenas um jovem folhetinista e redator de uma folha diária. Como crítico, colocou-se contra o poema de Magalhães (que pretendia ser a concretização da expressão máxima da literatura nacional) e teceu a desconstrução dos fundamentos de 3 Cf. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 4 A designação é bastante recorrente nas críticas ao escritor posteriormente à publicação de Iracema. 5 BUE O, Alexei; ERMAKOFF, George. Duelos no serpentário: uma antologia da polêmica intelectual no Brasil (1850-1950). Rio de Janeiro: G. ErmakoffCasa Editorial, 2005. 288 JOS~ DE ALE CAR S~CULO XXI composição da obra, defendendo que a forma escolhida não era feliz, assim como o assunto não teria elevação e os personagens, profundidade. Alencar ensaiava, dessa forma, uma proposta para a execução de obras de caráter emi- nentemente nacional", As cartas mobilizaram a opinião de alguns expoentes das letras e até mesmo a do imperador. Assinadas com o pseudônimo Ig., a adoção desse codinome foi explicada pelo autor em prefácio à edição em livro das cartas: Ig. significava a abreviação do nome da personagem Iguaçu, do poema A Confederação dos Tamoios, mas bem poderia ser interpretado pelo leitor da época como significando Ignoto, tendo em vista não só o caráter anônimo das cartas, mas também, ao ver do público, a posição de pouco des- taque que possivelmente seu autor usufruiria, considerando sobretudo o lugar de prestígio dos nomes contra os quais se em batia. No mesmo ano de 1856, Alenear publicou, em folhetins no Diário do Rio de Janeiro, Cinco minutos, cujos capítulos apareceram entre os dias 22 e 30 de dezembro. Já no dia 111 de janeiro do ano seguinte, começaram a ser veiculados os folhetins de O guarani, cujo último capítulo foi publicado em 20 de abril de 1857. No dia 22 de abril de 1857, teve início a publicação dos folhetins de A viuvinha, suspensos no oiravo capítulo, no dia 26 de abril. Não foram loca- lizadas, até o momento, críticas a essas obras durante esse período. O próprio Alenear se queixou do silêncio a respeito de O guarani em Como e por que sou romancista: "Durante todo esse tempo e ainda muito depois, não vi na imprensa qualquer elogio, crítica ou simples notícia do romance, a não ser em uma folha do Rio Grande do Sul, como razão para a transcrição dos folhetins'". Ainda em 1857, Alencar estreou no teatro. Foram representadas, no Ginásio Dramático, as peças Rio de Janeiro, verso e reverso, em outubro; O de- mônio familiar, em novembro; e O crédito, no mês de dezembro". Essas peças tiveram acolhida pela crítica na imprensa periódica, que se dividiu quanto à qualidade dessas composições". O demônio familiar, por exemplo, recebeu 6 Cf MAGALHÃES, Domingos José Gonçalves de. A Confederação dos Tamoios. (Edição fac-similar seguida da polêmica sobre o poema). Organização de Maria Eunice Moreira, Luís Bueno. Curitiba: Ed. UFPR, 2007. 7 ALE CAR, José de. Como e por que sou romancista. São Paulo: Pontes, 2005. p. 63. 8 AGUlAR, Flávio. A comédia nacional no teatro de José de A/encar. São Paulo: Ática, 1984. p.93-94. 9 Cf FARIA, João Roberto. José de A/encar e o teatro. São Paulo: Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1987; BEZERRA, Valéria Cristina. A recepção crítica de José de A/encar: a avaliação de seus romances e a representação de seus leitores. 2012. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas, 2012. 289 ° PERCURSO DO PRESTÍGIO DE JOSÉ DE ALENCAR E SUA CONSAGRAÇÃO COM IRACEMA artigos elogiosos, como o de autoria de Francisco Otaviano", mas também foi alvo dos ataques de Paula Brito em artigo publicado na sua A Marmota", o qual, contrariamente ao esperado pelo crítico, mobilizou a opinião dos ho- mens de letras em favor da peça. Logo em seguida, a interdição de As asas de um anjo pela policia provocou a reação dos críticos, que saíram em defesa da peça e do nome de Alenear, através de artigos que discutiam a qualidade da peça e buscavam compreender os aspectos que poderiam suscitar tal proibi- ção. Mãe (1860) e O que é o casamento? (1862) também obtiveram críticas, as quais, juntamente com as anteriores, compunham o cenário no qual o escritor passava a ser alocado. Alenear era então considerado um escritor jovem e ta- lentoso, cuja produção, "imperfeita em alguns pontos?", poderia contribuir para o enriquecimenro das letras e cuja atividade era vista como promissora". Ao lado de sua dedicação ao teatro, Alenear voltou a publicar os seus romances. Em 1860, saíram a lume em livro os romances A viuvinha e Cinco minutos, pela tipografia do Correio Mercantil. Em crítica sobre A viuvinha, F. Teixeira Leitão revia do seguinte modo a atuação de Alencar até então: Outrora Alenear era aplaudido pelos seus serviços em prol da imprensa e do teatro, e seu nome era com louvor pronunciado por todos quantos amam a leitura de romances nacionais. Aí estáo bem visíveis os folhe- tins: Ao correr da pena, do Correio Mercantil; os artigos de fundo do Diário do Rio, o Demônio Familiar, As asas de um anjo, Mãe, e outras belas produçóes dramáticas representadas no Ginásio e no teatro nor- mal de Lisboa, e o Guarani, mimoso e importante romance brasileiro, a meu ver o primeiro romance nacional. E note que nâo lhe falei nas conceituadas Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, com as quais provou Alenear a messe feita dos mais varia- dos e importantes estudos literários, mostrando-se êmulo de Lopes de Mendonça". 10 OTAVIANO, Francisco. Correio Mercantil, 7 de novembro de 1857. 11 BRITO, Paula. Estreia dramática. A Marmota, 10 de novembro de 1857. 12 Um crítico anônimo do Jornal do Comércio declarava: "não deixemos de reconhecer no autor, quem quer que ele seja, um talento brilhante, que claramente se está revelando numa obra, mesmo que a nosso ver, imperfeita em alguns pontos".
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