PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCUS VINÍCIUS ANDRADE SANTOS

A NOVA EVANGELIZAÇÃO E O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO

À

LUZ DO SÍNODO DOS BISPOS DE 2012

MESTRADO EM TEOLOGIA

SÃO PAULO

2014 MARCUS VINÍCIUS ANDRADE SANTOS

A NOVA EVANGELIZAÇÃO E O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO

À

LUZ DO SÍNODO DOS BISPOS DE 2012

MESTRADO EM TEOLOGIA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Teologia Prática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Iwashita.

SÃO PAULO

2014 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

MARCUS VINÍCIUS ANDRADE SANTOS

A NOVA EVANGELIZAÇÃO E O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO

À

LUZ DO SÍNODO DOS BISPOS DE 2012

MESTRADO EM TEOLOGIA

Banca Examinadora

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2014 Agradecimentos

A Trindade Santa que se desdobra em amor e proximidade para com humanidade.

A minha comunidade Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, que disponibilizaram compreensão e tempo para este estudo e como lugar teológico me ajudam a viver a grandeza da fé nos pequenos detalhes que compõe a vida no cotidiano.

Aos professores Padre Sergio Conrado e Padre Pedro Iwashita que colaboraram e acompanharam este trabalho, com preciosas observações e precioso discernimento.

A Adveniat que colaborou ajudando-me em parte dos custos para que possibilitasse o avanço na elaboração do trabalho.

Ao apoio de pessoas que na vida pastoral pelas paróquias e comunidades em que passeia me ajudaram a compreender com maior profundidade a corresponsabilidade pastoral com aquele que é o Sumo e Eterno Pastor: Jesus Cristo.

A PUC Unidade-Ipiranga onde encontrei professores capazes de construir sonhos e realidade que permitem proximidade com o Mistério de Deus e o mistério de cada pessoa.

À minha Mãe, Vaneusa Viana de Andrade, que em muitas de nossas manhãs através de suas orações, palavras e exemplos pastoreou o meu coração e o colocou na direção de Deus. Resumo

SANTOS, Marcus. A Nova Evangelização e o processo de secularização à luz do Sínodo dos Bispos de 2012.

Ao apresentarmos as duas dimensões propostas pelo tema de abordagem deste trabalho, buscamos dar um destaque a Nova Evangelização e como ela se coloca na contemporaneidade. Conhecer por outro lado o processo de secularização e suas distintas abordagens e desdobramento na história e no pensamento cientifico nos permite olhar para o desafio evangelizador da Igreja com a devida sobriedade frente ao necessário e permanente testemunho que a fé deve apresentar das razões que a animam. Fazer a verificação destes dois mundos presentes no mesmo ambiente em que a vida acontece permite-nos dialogar e até mesmo perceber, seja no que se refere à fé cristã, seja o que se refere ao processo de secularização as dimensões que convergem em um mesmo sentido e no que um coloca ao outro fronteiras conceituais.

Procuramos neste trabalho além da importante abordagem do processo de secularização e o modo como os Padres sinodais refletiram sobre a presença do mesmo nos ambientes eclesiais, abordar também uma nova compreensão do conceito de evangelização e “nova evangelização” nesta atual etapa proposta e oferecida a toda a Igreja a partir do Sínodo dos Bispos de 2012, e que culminou na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco. Sabemos que o resultado desta Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, reuni em si o “Sentire cum Eclesia”, não apenas a partir de um epicentro institucional, mas um sentir eclesial a partir da universalidade considerando o particular de cada experiência, cultura e vida dos diferentes rostos da Igreja presente no mundo como um precioso contributo ao todo do tecido eclesial.

O Documento de Aparecida, assim como a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe foram sinais que levaram a Igreja a propor através de dimensões maiores e não somente continentais, uma nova convocação universal a Nova Evangelização tendo como referência o Sínodo de 2012.

A conclusão que apresento é que podemos adentrar mais profundamente neste “novo paradigma” e nestes “novos conteúdos programáticos” que convocam a Igreja a uma permanente conversão pastoral. Aprender a discernir os “sinais dos tempos” e se fazer presente na história através de uma frutuosa atitude de resignificação de todos os meios e estruturas, como de costumes ou tendências, para que a Igreja se veja menos atada por elementos secundários, expressando sua força evangélica no mundo, e sendo um sinal escatológico e histórico do Reino dos Céus em meio aos seus contemporâneos.

Palavras-chaves: Nova Evangelização, secularização, Conversão Pastoral.

Abstract

SANTOS, Marcus. “The New Evangelization and the secularization process in the light of the Synod of Bishops in 2012”

When we aim to present the two proposed dimensions given by the approaching theme from this work, we seek to highlight the New Evangelization and how it is inserted in the contemporaneity.

On the other hand, knowing the secularization process, its distinct approaches and its unfolding in History and in the scientific thought, it allows us to see the evangelizing challenge of the Church with the right sobriety before the permanent and necessary witness which faith must present on the reasons that motivate it.

Verifying these two worlds which are present at the same environment where life happens, it permits us to dialogue and even to realize, concerning to Christian Faith or to the secularization process the dimensions are converged into the same sense and how each of them provide concept borders.

Besides the important approaches on the process of secularization and how the priest of the Synod reflected on the present of it in the Ecclesial environments, this work also aims to express a new comprehension of the evangelization concept and the “new evangelization” in this current proposed stage that is offered to the whole Church starting from the Synod of Bishops from 2012 which culminated in the Apostolic Exhortation of Evangelii Gaudium.

We know that the result of this Apostolic Exhortation Evangelii Gaudium reunites on itself the “Sentire cum Ecclesia” not only from an institutional epicenter but an ecclesial feeling from the universality considering life, culture and each particular experience of the Church which is present in the world as a precious contribution to a whole Ecclesial tissue.

The Document of Aparecida, as well as the V General Conference of the Latin American and Caribbean Episcopate were signs that led the Church to propose a new universal convocation to the New Evangelization not only continental but also through greater dimensions by having the Synod of 2012 as a reference.

The conclusion I present is that we can go deeper in this “new paradigm” and in these “new programmatic contents” that convoke the Church to a permanent pastoral conversion. Learning how to discern the “signs of the times” and being present in History thought a fruitful attitude of reframing of all means and structures, such as customs and tendencies, so that the Church may see Herself less tied by secondary elements, expressing Her evangelic strength in the world, and being a eschatologic and historical signs of the Kingdom of Heavens among the contemporaries.

Key Words: New Evangelization, secularization, Pastoral Conversion. SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AG Ad Gentes

CD Christus Dominus

CDF Congregação par Doutrina da Fé

CELAM Conferência Episcopal Latinoamericana

CFL Christisfidelis Laici

CIC Catecismo da Igreja Católica

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CV Caritas in veritate

CVII Concílio Vaticano II

DA Documento de Aparecida

DM Documento de Medellín

DP Documento de Puebla

DS Documento de Santo Domingo

DV Dei Verbum

EG Evangelii Gaudium

GS Gaudium et Spes

LG Lumen Gentium

NMI Novo Millenio Ineunte

PP Populorum Progressio

RM Redemptoris Missio

SC Sacrossanctum Concilium

VD Verbum Domini

9

SUMÁRIO

Introdução...... 12

CAPÍTULO I

O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO COMO DESAFIO A FÉ CRISTÃ

1. Secularização e processo de secularização...... 16 2. O Sentido Histórico da secularização...... 17 2.1 A Tensão entre secularização e secularismo...... 19 2.1.2 A Fé cristã e o Estado...... 21 2.3 O Sentido Filosófico da Secularização...... 24 2.4 O sentido sociológico da secularização...... ,...... 27 2.4.1 O Hibrido e a liquefação da vida como cultural...... 28 2.4.2 Modernidade, ambivalência e as rupturas sociais e culturais...... 29 2.4.4 Pluralismo, crise da modernidade e da razão iluminista...... 32 2.5. O Sentido Teológico da Secularização...... 34 2.5.1 A Teologia da morte de Deus: espelho de um ambiente secularizado.....35 2.5.2 O Homem emancipado...... 38 2.5.3 A teologia política e o projeto secularizador...... 38 3. Uma nova antropologia e eclesiologia secular...... 41 3.1 Degeneração da religião e a mercantilização da Fé...... 42 3.2 O Corpo como sujeito central da mercantilização...... 45

4. O Pontificado de Bento XVI e o processo de secularização.....,,,,,,...... 47 4.1. A Antiga Europa Cristã e os novos desafios da secularização...... 50 4.2 Sínodo: A nova evangelização e a Transmissão da fé Cristã: “A Igreja existe essencialmente para evangelizar”...... 52 4.3 Papa Francisco e a resposta testemunhal á secularização ...... 52

II CAPÍTULO

EVANGELIZAÇÃO E NOVA EVANGELIZAÇÃO

1. O Conceito de Evangelização e “Nova Evangelização”...... 56 10

1.2 A Nova Evangelização: “nova no seu fervor, nos seus métodos, nas suas expressões”...... 58 1.2.1 Fundamentos Teológico-Pastorais da nova evangelização...... 60

12.2 Fundamento Antropológicos da Nova evangelização...... 62

1.2.3 Fundamentos Cristológicos da Nova Evangelização...... 63

1.2.4 Fundamentos Eclesiológicos da Nova Evangelização...... 64

1.2.5 Fundamentos Soteriológicos da nova evangelização...... 65

2. A Conversão: princípio fundamental para uma nova evangelização...... 66 2.1 A Vida Eterna principiada nas bem-aventuranças...... 68 2.2 A dimensão social da evangelização: O Reino de Deus e sua expansão no mundo...... 71 2.3 A centralidade do ministério da pregação na nova evangelização...... 74 2.4 Os novos evangelizadores-mistagogos...... 76 3. A Igreja Particular, primeiro sujeito da missão...... 78 3.1 A missão da pastoral orgânica como um desafio eclesial...... 79 3.2 A paróquia como lugar privilegiado para uma nova evangelização...... 81 3.3 A Missão e a espiritualidade de comunhão...... 84 3.4 Novos movimentos eclesiais e nova evangelização...... 87 3.5 Nova evangelização e ecumenismo...... 91

III- CAPÍTULO

CAMINHOS PARA UM NOVO PENTECOSTES

1. Conversão Pastoral: um novo paradigma e um novo programa de missão...... 93 1.2 Missão Integral e evangelizadores com Espírito...... 96 1.3 Auto-conversão eclesial...... 98

2. Discipulado e missão...... 104

2.1 Bispos, presbíteros, religiosos e leigos: discípulos missionários...... 108 2.1.1 O bispo discípulo Missionário...... 108 2.1.2 O sacerdotes discípulos missionários...... 109 11

2.1.3 A vida consagrada discípula missionária...... 111 2.1.4 Leigos discípulos missionários...... 112

3. A Igreja diaconal como rosto autêntico da comunidade cristã...... 114

3.1 O Querigma: primeiro anúncio e novas perspectivas...... 115 3.2 A Igreja: uma comunidade a serviço do amor e da verdade...... 117 3.3 Kairós: Um novo encontro pessoal com Jesus Cristo na Igreja...... 118

3.4 Em torno da Palavra...... 121

3.4.1 O lugar da homilia na nova evangelização...... 122

3.4.2 O ministério catequético...... 126

3.4.3 Os meios de comunicação e a nova evangelização...... 128

4. A Igreja: Uma comunidade do testemunho a favor e em defesa da vida...... 128

4.1 Redescobrir a sacralidade da família...... 129

4.2 A família célula fundamental a ser valorizada...... 132

4.3 A nova evangelização e os caminhos da educação...... 133

4.4 Jovens que evangelizam jovens...... 135

4.5 Os Santos: testemunhas credíveis e modelos para os “novos evangelizadores.”...... 136 5. A Igreja: uma comunidade do mistério partindo do mistério do ser humano ao mistério de Deus...... 137 5.1 A liturgia e a Contemplação de Deus e do outro como pedagogia mistagógica a serviço da nova evangelização...... 138 5.2 Veni Creator Espiritus: “Como um novo Pentecostes”...... 141

5.3 A experiência de Deus na nova evangelização como experiência de Sentido...... 143

Conclusão...... 147 Bibliografia...... 154 12

Introdução

O objetivo central da pesquisa que procuramos aqui desenvolver é o de ressaltar o sentido da nova evangelização dentro da missão e da natureza do próprio ser da Igreja frente aos desafios postos pelo processo de secularização. A Igreja é essencialmente missionária, ou seja, vive profundamente sua missão de evangelizar e de fazer presente no mundo dos homens os valores do Reino de Deus. Dentro desta temática: Nova evangelização e processo de secularização, encontramos o Sínodo dos Bispos como um eixo importante de reflexão.

A partir do Sínodo ou sob a sua luz buscamos apresentar seja com os próprios textos e discursos neles proferido, a Igreja na sua missão evangelizadora. Procuramos aqui buscar compreender o fenômeno da secularização não apenas em seu sentido contraditório, mas como um fenômeno que faz pensar a própria ação pastoral da Igreja dentro desta configuração de mundo secularizado. Ao falarmos em nova evangelização em nossos dias faz-se necessário compreender ao mesmo tempo as forças, as ideias e a estrutura que a cada dia se faz sentir no grande tecido da sociedade e que traz marcas de um mundo em acelerada transformação. A Nova evangelização com seus novos evangelizadores são convidados a compreender este movimento e perceber quais são as suas fronteiras conceituais e quais são os elementos que podem convergir para uma preciosa colaboração para a própria obra evangelizadora.

A Igreja de Cristo está no mundo para ser sal da terra e luz do mundo. É justamento dentro desta paisagem atual de paradoxos múltiplos que está mesma Igreja composta de membros e de agentes de evangelização é convocada a ir de encontro com o mundo contemporâneo e todas as suas conquistas e dramas. A Igreja é convocada a sair, ir ao encontro vivendo o “Ide por todo mundo” como um “Indo” pelos caminhos e estradas da história seja pessoal seja comum de todos os homens.

Tendo em vista o conjunto da dissertação, procurei no primeiro capítulo apresentar um panorama comum sobre as grandes transformações operadas pelo processo de secularização em algumas ciências humanas tais como a história, sociologia e sociologia da religião, filosofia e teologia, buscando relacionar estes saberes e compreender o processo de secularização como algo que permeia não só uma ciência de 13 modo isolado, mas comunica ao seu entorno um impacto conceitual de reflexão sobre o pensamento e o agir humano.

Uma das instituições a sentir os grandes impactos do processo de secularização foi justamente a Igreja. A Partir deste impacto a Igreja é convocada a refletir sobre a sua ação no mundo. Aqui se faz necessário compreender um caminho que proponha a construção de uma resposta que não seja apenas uma nova apologética, um novo confronto de conceitos e ideias, mas uma dialética deste mesmo processo. O sínodo ao analisar tal processo convoca num primeiro momento a própria Igreja a redescobrir o que significa evangelização e Nova Evangelização. Este é o ponto fundamental que procuramos abordar no segundo capítulo considerando a importância de fazer crescer a compreensão sobre a ação evangelizadora da Igreja.

No capítulo segundo ao colocarmos as bases da evangelização, e, por conseguinte apresentar o contexto da convocação da Igreja para um a nova evangelização procuramos evidenciar a atualidade e os desafios, sejam dos pastores, seja de cada agente de evangelização frente a nova configuração de mundo. Procuramos apresentar alguns fundamentos teológicos, pastorais, cristológicos, antropológicos e soteriológicos que nos permitissem avançar dentro do trabalho percebendo alguns conceitos fundantes da mesma missão evangelizadora da Igreja. Também trabalhamos neste capítulo o valor das Sagradas Escrituras em sua importância na nova evangelização. O sínodo falou da importância de valorizar a homilia e o contexto litúrgico como lugar excelente de praticar uma hermenêutica da fé assim como uma formação mais sólida, seja do clero como da vida consagrada e laical dentro dos conteúdos centrais que são transmitidos através da Palavra de Deus..

A nova evangelização dentro do mundo atual deve acontecer como ensinava o Papa João Paulo II por meio de um “novo ardor”, de “novos métodos” e “novas expressões”. Isto demonstra que esperar mudanças significativas sem uma dinâmica interna de reavaliação da própria ação evangelizadora seria cair numa nova estagnação ideológica. A Igreja para dar respostas significativa a sua missão no mundo deverá propor a partir de suas estruturas internas uma maior coesão e uma espiritualidade de comunhão que permita que sua ação pastoral e evangelizadora não seja uma atividade isolada de alguns grupos ou uma atividade sem alma. O trabalho apresenta algumas propostas oferecidas pelo Sínodo dos Bispos de 2012, através de um planejamento de 14 conjunto seja em nível de Igreja particular, seja em nível de Igreja universal revalorizando a importância de todas as forças de evangelização dentro da Igreja e que podem através de uma pastoral orgânica ser de grande valia a nova evangelização. Dentro destas propostas verifica-se que a paróquia não é uma realidade ultrapassada, mas uma presença viva em meio ao povo de Deus capaz de suscitar novas expressões eclesiais, ao mesmo tempo às novas comunidades e os movimentos com seus carismas específicos oferecem uma preciosa colaboração na ação evangelizadora da Igreja e numa atitude de abertura podem melhor colaborar nas realidades paroquiais e diocesanas em que estão inseridas. Para manter seja a força dinâmica da paróquia em atividade, assim, como a colaboração dos novos movimentos e comunidade no seu vigor evangelizacional é preciso uma auto-conversão eclesial, ou seja, uma conversão pastoral. Este é o ponto que buscaremos abordar no terceiro capítulo a conversão pastoral como uma pré-disposição da Igreja para viver um novo Pentecostes.

No terceiro capítulo, continuaremos a aprofundar os discursos do Sínodo tendo como seu ponto culminante o texto da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium em que o Papa Francisco oferece por meio deste documento uma síntese e um sentir comum das necessidades centrais da Igreja universal considerando a riqueza das Igrejas particulares. Percebe-se, também, a presença da grande experiência pastoral do continente latino americano e do evento que culminou no Documento de Aparecida, assim como a preciosa experiência pastoral vivenciada pelo Papa Francisco como Pastor de uma Igreja particular e agora de toda Igreja Universal. Deste modo algumas balizas são apresentadas por meio da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium para os próximos anos. Uma das preciosas colaborações que estão em sintonia com o Sínodo e que a Exortação Apostólica do Papa Francisco propõe é a necessidade de uma autêntica conversão Pastoral. Conversão esta que deve ser fomentada pelo empenho de conversão pessoal de cada membro do Corpo de Cristo, passando pela conversão das estruturas e do modo de realizar a missão até atingir a vida dos pastores e ser um caminho de melhor compreensão sobre o que significa ser pastor dentro dos atuais desafios. Como auxiliar hoje os pastores a serem construtivos? Missionários em sua própria realidade pastoral? São questionamentos importantes colocados aos pastores da Igreja. A Exortação propõe colocar todas as estruturas da igreja em chave missionária. Compreender desde os simples trabalhos cotidianos na comunidade até os que precisam de um melhor discernimento e cuidado, dentro de um programa missionário. De tal forma que a 15 pastoral da Igreja se torne profundamente missionária vivendo sua vocação ad intra e ad extra. Sendo capaz de edificar para dentro e sair ao encontro daqueles que mesmo batizados estão for ou distantes da prática de sua fé batismal.

Dentro destas perspectivas o trabalho procurou apresentar cada membro do Corpo de Cristo como um discípulo missionário, que busca através de seu testemunho e de seu compromisso com Cristo e sua Igreja viver de modo diaconal a sua fé. Vimos por bem apresentar a Igreja no seu rosto diaconal à serviço de Deus e dos irmãos, seja através da celebração dos sacramentos, seja na defesa da vida através da caridade, seja através do anúncio da Palavra de Deus de modo a fazer com que a fé seja transmitida operando transformações significativas na vida pessoal, familiar e social.

A Igreja diaconal está a serviço da vida e uma das maneiras de proteger e promover a vida é proteger e promover a família. A família como Igreja doméstica e célula mãe da sociedade é um lugar onde a vida pode se desenvolver. A família é convoca a ser sujeito da nova evangelização comunicando valores cristãos e humanos no seu próprio interior.

Dentro deste conjunto observamos que uma nova evangelização no contexto de mundo secularizado só será possível tendo como protagonista a Pessoa do Espírito Santo. O Espírito Santo é o promotor de um novo pentecostes na Igreja. Ao estudarmos sobre o sínodo dos bispos de 2012 percebemos que o Sínodo dentro da esteira do Concílio Vaticano II, pretende ser como bem afirmou o Papa João XXIII na abertura do Concilio Vaticano II, como que um novo Pentecostes para toda a Igreja. Ao Modelo do primeiro Concílio de Jerusalém, o Concílio Vaticano II e os subsequentes sínodos gerais tem como finalidade principal tirar todas as faixas que impedem com que a beleza da fé resplandeça por meio da Igreja e assim ela possa propor aos seus contemporâneos uma experiência pessoal com Deus que de sentido a cada ser humano. Renovando, assim, a vida cristã e a presença da Igreja no mundo como sinal escatológico e histórico do Reino em meio aos homens.

16

CAPÍTULO I

O PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO COMO DESAFIO A FÉ CRISTÃ

1. Secularização e processo de secularização

O processo de secularização está profundamente ligado a modernidade e vem penetrando na sociedade humana das mais variadas formas. Verifica-se que nos últimos anos varias estâncias dos saberes sejam eclesiásticos ou seculares tem se ocupado com o fenômeno da secularização. Este fenômeno tem sido um dos centrais objetos de estudo recentemente na Igreja católica:

“A secularização se entende por um processo histórico pelo qual o mundo toma consciência de sua consistência e de sua autonomia; seria, portanto, um processo geral de libertação, pelo qual o homem, a sociedade a cultura seriam libertados da tutela e do controle do mito, da religião e da metafísica ou das normas ou instituições dependentes do âmbito sacro ou religioso. As atenções são fortemente voltadas contra o mito, (desmitização), contra o sacro, (dessacralização), contra a metafísica, contra o sobrenatural e contra a religião como tal”1

O processo de secularização hoje é um fenômeno que pode ser percebido e notado não apenas como algo presente já no mundo, mas ele se coloca de tal forma que se impõe como uma via existencial em busca de um humanismo que seja referencia para o ser humano:

“À medida que a secularização avança, o caminho tradicional vai sendo abandonado, a começar pelas elites intelectuais, pela classe operária e pela juventude secularizada. Na origem, estão à virada cientifica, a crítica aos mitos da natureza, o desfazimento da cosmologia ptolomaica, a entrada do espírito cientifico de experimentação, a explosão da subjetividade, a afirmação da autonomia.

1 KLOPPENBURG, Boaventura. O cristão secularizado. Petrópolis: Vozes: 1971, p. 21-22. 17

Este novo caminho corta as paragens já trabalhadas pela nova visão cientifica do universo. Deixa-se para trás toda leitura mítica da natureza. Só realmente existe aquilo que cai sob a explicação da razão cientifica. Se algo lhe escapa não vem da natureza da realidade, mas da imperfeição dos conhecimentos e instrumentos científicos presentes. “Posterga para o futuro certo, nem sempre previsível, a solução ainda não conhecida.2

“Para melhor situar o conceito de secularização e secularismo o presente trabalho buscou situá-los dentro de um panorama histórico, precisamente porque na “secularização” temos um conceito político-ideológico”. Ou seja, um conceito que, no embate das idéias, não mais vem a ser diferenciado, mas se fixa no símbolo da posição própria ou do adversário, e impõe-se uma explicação tanto mais cautelosa e sopesada dos seus níveis de sentido, como também o dos seus níveis de sentido dados à palavra “secularização”, enfatizando também a diferença entre secularização e o conceito de “secularismo”.

2 O Sentido histórico da secularização

No sentido de fazer justiça as dimensões históricas deste conceito e ao seu emprego sistemático e pluriforme, recomenda-se a análise histórico-conceitual ou histórico-linguistíca dos mesmos, requerendo-se também o levantamento sistemático dos principais sentidos do conceito de secularização na atualidade.

“Acentuações histórico- linguísticas. O dado histórico-linguistíco aponta, no que se respeita aos dois termos mencionados (secularização e secularismo), para o mesmo campo vocabular derivado de saeculum. A palavra saeculum _ originalmente idade do homem e Idade do mundo, sofre decisiva mudança de modo particular na teologia Paulina, no contexto-bíblico cristão, onde o vocábulo passa a ser usado no sentido de mundo do aquém dominado pelo pecado (a ítala e a vulgata traduzem o grego aiôn por saeculum). Esta ênfase, que não se acha absolutamente desprovida de valor, continua marcando o contexto patrístico e medieval de saeculum ( mundo ), de que seria necessário fugir. Mas fornece o fundo para a compreensão que o direito eclesiástico faz do conceito: secularizatio

2 LIBÂNEO, J.B. Qual o futuro do Cristianismo. São Paulo: Paulus, 2008, p. 17.

18

é, conforme o CIC ( 684, 688, 691; 693), a dispensa de um membro de ordem religiosa que rechaçou a profissão perpétua, do grêmio da vida de clausura e o seu retorno definitivo ao “mundo”3.

Outras definições a respeito do conceito de secularização tentam encontrar em acontecimentos históricos demarcações mais precisas sobre o conceito de secularização tentando relacionar a figura da Igreja e o sua restrição no que diz respeito a expansão ou a redução de seus bens onde este processo colocou limites ao processo de expansão demográfica da própria Igreja:

O conceito de secularização adquire ênfase decisivamente nova e essencialmente política na história da Igreja, que com este termo veio designar a expropriação por parte do estado e o subseqüente uso para os fins profanos dos bens da Igreja, e na maioria das vezes contra a sua vontade. No decorrer da história da Igreja muitas vezes se procedeu a semelhantes confiscos de propriedades eclesiásticas para finalidades não eclesiais como ocorrera, por exemplo, na época franco-carolíngia e posteriormente no tempo das reformas. Neste contexto histórico e de modo mais específico nas tratativas que antecede o tratado de paz de Vestfália, deve ter sido empregado pela primeira vez o conceito de “secularização”, no sentido de passar do uso profano, em forte contraste com o “espiritual”. A Intensificação desta linha de significado acarretam as desapropriações dos bens dos mosteiros e das dioceses, como se levaram a cabo em grande escala na Alemanha em 1803 pelo “Reich” alemão. A partir deste fundo histórico, não admira que do ponto de vista dos interessados, estes processos como tais tenha sido sentidos e julgados e condenados como injustos. A categoria da ilegitimidade para caracterizar o conceito de secularização torna-se, porém, problemática, quando este conceito passa a referir-se a conceitos espirituais e culturais, ou seja, em sentido figurado. Somente com este significado é que atinge aquele nível que possibilita o uso do conceito e a apreciação respectiva de índole filosófica e teológica.4 Neste primeiro momento nos deparamos com o conceito de secularização que encontrou na linguagem teológica um campo mais amplo de abordagem e de estudos.

3 DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE TEOLOGIA. São Paulo: Paulus, 2005, p. 815. 4 Ibidem, p. 815. 19

Berger diz: “é possível também investigar suas origens históricas, inclusive sua conexão histórica com o cristianismo, sem afirmar em um primeiro momento suas causas positivas e uma degenerescência do mesmo. Este ponto deve ser particularmente enfatizado, tendo-se em vista as discussões correntes entre os teólogos. Uma coisa é sustentar que há uma relação de causalidade histórica entre o cristianismo e alguns traços do mundo moderno. Outra completamente diferente é dizer que „portanto‟, o mundo moderno, inclusive seu caráter secular, deve ser tido como certa realização lógica do cristianismo. É saudável lembrar, a esse respeito, que a maior parte das relações históricas tem um caráter irônico. Em outros termos, o curso da história tem pouco a ver com a lógica interna das idéias, que nele aparecem às vezes como fatores causais”.5 Outro aspecto do desdobramento histórico da secularização é que a guinada antropológica fora interpretada de diversas formas sejam por aqueles que refletem as mudanças que se deram na sociedade, ou seja, por aqueles que pretendiam se fazer os sujeitos desta mudança colocando o homem no centro de todas as importantes e possíveis transformações históricas que se deveriam efetuar. Por vezes este antropocentrismo se verificou em sua fragilidade, por não saber conter ou direcionar adequadamente toda a energia ideológica presente em si mesmo. É o que se verificou na história da secularização, iniciada no século XVII, culminando no século XX com o postulado da “morte de Deus” e com a exaltação do super homem. Os dois totalitarismos mais assustadores da época, assim como as duas grandes guerras mundiais são inexplicáveis sem estas duas teses que entram em crise depois de 1945 demonstrando assim, o lado doloroso do processo de secularização no que diz respeito ao seu posicionamento radical e agressivo como se verificou em alguns momentos históricos.6

2.1 A Tensão entre secularização e secularismo

Num segundo momento temos também a reflexão que se desenvolve sobre o tema do secularismo que já é uma situação em que a secularização uma vez tendo ganhado carta de cidadania procura se desenvolver como realidade inerente ao ambiente

5 BERGER, Peter. O dossel sagrado-Elementos para uma teoria sociológica da Religião. 1º Edição, São Paulo: Paulus, 2004, p. 119. 6 L‟ Osservatore. Romano. sábado 10 de dezembro de 2012, número 45, p.10. 20 social, político, jurídico que já se encontra marcadamente definido através de uma reflexão altamente secularizada que busca cortar o foco de um horizonte transcendente sobre a vida, o mundo, o ser humano e focá-lo na imanência das realidades temporais:

1. A palavra “secularismo” indica a forma mais radical de secularização ou respectivamente o seu “estado consumado” enquanto definitivo desvinculamento da religião ou a atitude de espírito em que a secularização levou e na qual o homem restringe-se exclusivamente ao campo do profano (contradizendo a interpretação religiosa ou transcendente do sentido).O conceito alcança aí o seu mais extremado limite, visto que no significado de interpretação do mundo como pura imanência elimina-se o seu correspondente, que dele originariamente fazia parte, a saber, o conceito de religioso e sagrado, visto que então o horizonte, em que antes se achava incluído o conceito de secular e secularismo, surge como tendo sido ocultado. O conceito de secularismo nos meados do século XIX entende-se no sentido de cosmo visão ideologicamente delimitada e acentuadamente anti-religiosa7

Ao tentarmos definir o significado dos termos e conceitos que se relacionam com o secularismo nos deparamos com uma gama de definições:

Secularizar é tornar secular o que era eclesiástico. Sujeitar às leis civis. Absolver (alguém) do voto de clausura; deixar de ser religioso. A origem da palavra indica claramente que se trata de um processo contra o clericalismo, contra a separação de um universo eclesial do resto do mundo, contra uma legislação de isenção que beneficia pessoas e bens da Igreja; e finalmente, contra a separação do religioso e do civil, do sagrado e do profano8

Geralmente uma grande parte das referências a secularização cai numerosamente sobre uma definição puramente de cunho religioso-clerical.

7 DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE TEOLOGIA. São Paulo: Paulus, 2005, p. 816. 8 LEPARGNEUR, Hubert. A Secularização. 1ª edição. São Paulo: Duas Cidades, 1971, p. 36.

21

2.1.2 A Fé cristã e o Estado

A história narra que com a queda do império Romano o cristianismo alcança uma importante vitória que iria principiar mudanças significativas nos futuros séculos no mundo da política, economia, filosofia e toda a compreensão sobre o mundo, o homem e sobre Deus nos séculos seguintes. Após milênios de gerência de várias partes do mundo e de forma especial da Europa o cristianismo experimentará um poderoso golpe através da revolução Francesa onde se inicia uma revogação de todos os privilégios e extensão de domínio que pertencia ao sacro Império Romano liderado por Sumos Pontífices a século. Contudo a expansão da revolução Francesa com propósitos que futuramente feriram sua relação com a Igreja deslocou de maneira contundente a Igreja e sua pretensão política secular, ou pelo menos na prática enfraqueceu consideravelmente o estado católico modelo de governo para o grande desenvolvimento social: “a secularização transformou-se no grande desafio do mundo contemporâneo com relação a Igreja, causa determinante da diminuição da prática religiosa, da redução das vocações, da perda dos valores éticos do catolicismo na vida individual e familiar, e ainda, em particular, por tender a meta de uma organização de vida coletiva que prescinde dos valores cristãos, reduzindo ou anulando a importância social da Igreja”.9

O Beato João Paulo II em contrapartida ao avanço da secularização apresenta uma oportuna “Nova Evangelização” como caminho para restaurar na Europa cristã a relevância da fé na qual a sociedade receba novamente da Igreja seus valores fundamentais.10 No interior da Igreja contemporânea várias motivações impulsionam aos diversos grupos ou correntes espirituais, intelectuais ou organizacionais no que se refere a secularização. Para os neo-integristas a secularização representa a atual ameaça a Igreja em nossos dias. A Secularização seria o sinônimo de descristianização. Permitir a marcha deste processo de secularização seria o mesmo que perder a identidade cristã, moldando-se ao mundo e assumir princípios que seriam destrutivos para os valores católicos. Já em outros ambientes católicos pensa-se justamente num programa e numa agenda que procure justamente englobar de maneira universal toda a estrutura política, sindical, econômica buscando garantir a incidência da Igreja católica buscando superar

9 AAS – 80 (1988), PP. 1310-14; 81 (1989), PP 233 e 1335-36; (1991), p. 99, e em “La documentation catholique”, 70 (1988), p. 1038. 10 TESTA.B. Nuova Evangelizzazione Dell`Europe nel magistero di Giovanni Paolo II. Bolonha, 1991, p. 46. 22 por meio de uma “Nova Cristandade” os conflitos quanto aos limites conceitos no que se refere à secularização e ao secularismo. Este movimento pretenderia concordar com alguns postulados da modernidade tais como o pluralismo, os direitos humanos, contudo, a Igreja deveria permanecer a ser a legitimadora última dos princípios da vida social.11

Rosino Gibellini diz que a secularização tem dois significados: o jurídico, no qual se vê a passagem de pessoas do estado clerical para o secular, o de bens eclesiásticos a propriedade secular, e ainda o sentido cultural, que é bem mais tardio se formando apenas por volta do final do século XIX e início do século XX, o qual aponta para a emancipação da vida cultural da tutela eclesiástica.12

Portanto, desde os seus primórdios, o termo secularização, mostra-se já marcado por um esquema antitético: o do dualismo de regular e secular que já contém em si mesmo a metamorfose moderna dos pares “paulinos” celeste/terreno, contemplativo/ativo, espiritual/mundano.

A teologia eclesial ainda não concebeu esta tarefa (ou seja: chamar o processo de secularização, a partir de sua degeneração em secularismo, de volta até sua essência verdadeira). Em vez disso, algumas linhas teológicas procuram reverter à secularização como tal, na medida em que contrapõe a ela um modo de pensar baseado em realidades sacrais, as quais pretensamente rompem e limitam a mundaneidade natural de todo o existente.13

A distinção de conteúdo entre secularização e secularismo apresenta conotações diferentes. Existe uma diferença entre a secularização e o secularismo. A palavra "secularização" sugere um movimento, um processo, e não um estado essencial, o qual é mais bem expresso pela palavra "secu1aridade".

Tendo verificado como Gogarten descreve a degeneração da secularização na modernidade, cabe dar um nome a esta "degeneração". Isto Gogarten realiza ao introduzir o conceito de secularismo. A tarefa necessária e possível da fé cristã é, para

11 BUTTIGLIONE, R. “Secolarizzazione e cristianitá”, em “La Chiesa Del concilio. Studi e contributi”, Milão, 1985, p. 165-184. 12 GIBELLINI, Rosino. A Teologia do século XX. 2ªEdição, São Paulo: Loyola, 2002, p. 123. 13 Wilfried JüEST, Verhangnis und Hoffnung der Neuzeit: Kritische Gedanken zu F..Gogartens Buch., 1966, p. 74. 23

ele, proteger a secularização de sua degeneração em secularismo. Isso não se faz, como no modelo de cristandade, buscando-se inverter o processo de secularização, o que é contraproducente, ou procurando-se uma apropriação eclesiástica deste processo.

Tendo como pano de fundo todo este processo de secularização em andamento desde o século XVI na Europa de forma específica se verifica também um processo de desclericalização que é apresentado como um desafio empírico para a Igreja. Sendo que a proposta deslocada do teocentrismo a cada dia apercebe-se como que colocada de lado pelos que promovem o processo de secularização e reconhecem que o teocentrismo promove a dominação de Deus, assim como a hierocracia a dominação dos clérigos.14 A secularização transformou-se no grande desafio do mundo contemporâneo em relação à Igreja, causa determinante da prática religiosa, da redução das vocações, da perda dos valores éticos do catolicismo na vida individual e familiar, e ainda, em particular, por tender a meta de uma organização de vida coletiva que prescinde dos valores cristãos, reduzindo ou anulando a importância social da Igreja.15Contudo, na prática o que se verifica é que ainda existe uma incidência verbal da Igreja sobre várias dimensões da sociedade, entretanto, o impacto da seculariação fez a Igreja reconsiderar sua presença na sociedade frente ao secularismo pessoal e ambiental que permeiam as novas estruturas sociais.16

O historicísmo, como a secularização, é visto como um produto do próprio cristianismo. Ressegurado dessa sua proveniência, ele pode abrir espaço para uma compreensão da historicidade onde autonomia e a noção de uma dependência radical - como filiação -podem ser reconciliadas.

Para Vattimo, porém, a secularização só é um fato interior ao cristianismo e ao Ocidente porque Deus se debilita e recusa sua transcendência violenta.17 Afirma schimitt que “Todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderno são conceitos teológicos secularizados”.18

14 CONGAR, Yves-Marie. Entretiens D`autonomne. Les editions Du Cerf, 29, bd Latour- Maubourg, Paris, p. 35. 15 MENOZZI, Daniele. A Igreja católica e a secularização. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 11. 16 L’Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p.07. 17 VATTIMO, Gianni. Acreditar em acreditar, p. 17-18. 50. 18 SCHMITT, Carl. Teologia Política. 1º Edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 35. 24

2.3 O Sentido Filosófico da Secularização

O processo de secularização é uma tentativa de busca de autonomia por parte da sociedade e das ciências que vendo-se atada ao mito e a religião ou qualquer esfera normativa religiosa quer agora buscar a sua autonomia. Podemos verificar que o processo de secularização produz na sua lógica interna um progressivo afastamento da dimensão religiosa da vida, seja de Deus e de qualquer realidade sobrenatural que não é empiricamente verificável. Contudo, o iluminismo não surge num primeiro momento como rompimento com a fé cristã, mas como uma busca possível e mais ilustrada de conhecimento. O Cristianismo desde a sua origem buscou ser também uma forma de iluminismo.19

Alguns autores tentam apresentar o princípio da secularização no início do iluminismo. Kant fora um dos primeiros a propor e a colocar a questão:

“O que é o Iluminismo? Kant inicia tal texto, esclarecendo que o iluminismo é à saída do homem da menoridade da qual ele mesmo é culpado, consistindo tal menoridade na incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. O próprio homem seria culpado por isso, pois não é que lhe falte o entendimento, mas o que ele não teria seria a decisão e a coragem em servir de si mesmo, não se valendo de tutores, daí resultando não só o preconceito, como a opressão gananciosa ou dominadora. Sair da menoridade só seria possível por meio do uso público da razão.”20

É importante aqui considerar que esta guinada estrutural por vezes leva em conta os pressupostos cristãos, contudo, tentam superá-los:

Numa perspectiva sociológica, é possível dizer, inclusive, que as formas de consciências modernas relacionadas com o direito abstrato, a ciência e a arte autônoma, que gira em torno do quadro profano, não poderiam ter-se desenvolvido sem as formas

19 RATZINGER, Joseph. D’ÁRCAIS, Paulo F. Deus Existe? São Paulo: Planeta, 2009, p. 24. 20OLIVEIRA, M.L.P. Filosofia do Direito. Modernidade e Religião. Revista Direito, Estado e Sociedade n. 31, Jul/dez 2007, p. 106-126 25

organizacionais do cristianismo helenizado e das igrejas cristãs, sem as universidades, os conventos e as catedrais. E isso vale especialmente para as estruturas mentais”.21

Na área do direito e da política várias são as formas e mecanismo pensados para deslocar ou colocar a fé em uma dimensão não pertinente o que de fato gera um estranhamento na pessoa, pois sendo cidadão pertencente a um estado tendo os seus direitos e deveres convive também em uma “outra” sociedade humana que é a Igreja no caso o cristão católico. O ordenamento jurídico universalista e moral social igualitário precisam ser unidos, a partir de dentro, ao ethos da comunidade de tal forma que um consistentemente, saiba conviver na alteridade com o outro.

Aqui é oportuno confrontar o pensamento de Kant com o de Gogarten. Entretanto esta relação de dependência assume, para Gogarten, uma matiz que exclui por princípio a heteronomia. A filiação não tem como modelo, a infância. O ser humano que é pensado como filho é autônomo. O filho não é criança em sua menoridade, mas é filho emancipado (mündig). Como filho emancipado, sua própria relação com o mundo é redefinida. Este último, o mundo, passa a ser concebido como a herança do filho, pela 31 qual ele é responsável em sua autonomia. A filiação do homem representa, no âmbito da fé, a afirmação originária de Deus quanto à autonomia do homem. Diferentemente do que acontece na maioridade de Kant. A autonomia é um dom. Somente através da filiação a autonomia pode ser alcançada e preservada. Em outras palavras: não há autonomia autêntica à parte da filiação originária, assim como não há responsabilidade (Verantwortung) autêntica pelo mundo que não contenha constitutivamente a referência ao Pai em termos de resposta (Antwort). É óbvio, nisto tudo, que o próprio falar de uma autonomia autêntica ou legítima supõe uma forma da autonomia que se efetiva inautêntica ou ilegitimamente.22 Esta expectativa normativa, com a qual o Estado liberal se defronta com as comunidades religiosas, coincide com os próprios interesses delas à medida que se abre a possibilidade de desempenhar, para além do espaço público político, uma influência própria na sociedade como um todo. Contudo, esta influência pode apresentar aspectos

21 HABERMAS, J. Era das Transições. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 53. 22 GOGARTEN, Der Mensch zwischen Gott und Welt. Stuttgart. Munique, 1956, p. 74. 26 contraditórios que beiram a indiferença como bem descreveu Kierkegaard e que fora apresentada por Harvey Cox em seu livro a Cidade secular:

“Um circo ambulante ardia em chamas junto de uma aldeia dinamarquesa. O diretor dirigiu-se aos artistas que estavam já preparados para atuar e escolheu entre eles o palhaço para que chamasse os aldeões e os avisasse do perigo que corriam, pois as chamas através dos campos recém-ceifados podiam chegar à própria aldeia. O pintalgado palhaço correu às pressas para a praça da aldeia e gritou a todos que viesse ao circo a apagar as chamas. Os aldeãos riam e aplaudiam esta nova e magnífica forma de atraí-los ao grande espetáculo. O palhaço chorou e suplicou, insistiu que não estava a representar um papel, mas que a aldeia estava realmente em perigo mortal. Quanto mais implorava, mais os aldeões se riam... até que o fogo, saltando através dos campos, chegou à aldeia: Isto é também o que se passa quando os clérigos falam de Deus. A gente escutá-os com curiosidade e condescendência, como a homens que representam o seu papel. Mas pela coisa em si, com a íntima convicção de que o que eles dizem pode ser ignorado sem perigo23.

O iluminismo afirma que o olhar que merece consideração seria o olhar do cientista imparcial que analisa friamente as questões correntes e os preconceitos do vulgo. Mas descobriu-se que não era tão fácil assim. Como se podia estar seguros de estar vendo as coisas como eram? Como se pode ultrapassar a distância entre a mente e o mundo? Como se podia ter a certeza que o objeto ali em frente é de fato, idêntico à minha percepção dele? Na sua busca de certeza, a mente tem de duvidar de tudo. Tem de ser cética suspeitosa e desconfiada.

Bernard Williams caracteriza seu pensamento da seguinte maneira: “Há um imenso empenho em face da verdade ou, de qualquer modo, uma suspeita generalizada, uma disponibilidade contra ser enganado, uma ânsia de ver para lá das aparências as estruturas reais e os motivos que estão por detrás delas”.24 Pode-se afirmar que o modo de se produzir ciência em nossos dias é profundamente influenciado pela duvida, contudo, além de toda a dívida que temos para com o iluminismo em seu sentido positivo, mas “se este torna-se o modo prioritário de entender a procura da verdade,

23 HARVEY, Cox. La Ciudad secular. Barcelona, 1968, p. 265. 24 WILLIAM, B. Truth and Truthfulness: Na Essay in Genealogy, Princenton, 2002, p.1. 27 criaremos inevitavelmente uma sociedade que será desconfiada, marcada pela suspeita e pela insegurança, e cujos laços sociais hão de desmoronar-se.”25Dentro deste contexto e quadro verificamos que o processo de secularização interpretado por teólogos como um eclipsar do sentido de Deus26 na estrutura de sociedade atual e de forma específica européia apresenta seus efeitos27 contra- dissentes a toda a cultura cristã até então vigente.

O processo de secularização causou um impacto tanto na vida pessoal de vários cristãos como em todo o tecido da comunidade eclesial, tornado nítido28 cada vez mais sua influência e desafiador para os cristãos a tarefa de se manter fiel ao evangelho nestas circunstâncias.29

2.4 O Sentido Sociológico da Secularização

A sociologia da religião procura compreender este fenômeno através de outras abordagens descrevendo a religião como sub specie temporis e não como sub specie aeternitatis como pretende a teologia aqui já temos uma configuração específica de conceitos em que ciência plaina sobre seus referenciais teóricos:

O sentido de modernidade aqui trabalhado encontra analogia com sua aplicação filosófica, que se traduz como modernidade pós-renascentista. Um dos traços substantivos desta modernidade refere-se à “iniciativa teórica, até agora inédita na história humana, que propugna a imanentização dos termos da relação de transcendência, com a abolição da sua dimensão metafísica e a emergência do existente humano como fonte de movimento de autotranscendência desdobrando-se na esfera da imanência: nas instituições do universo político, na construção do mundo técnico, na concepção autônoma do agir ético, na fundamentação teórica, enfim, da visão de mundo”30

25 RADCLIFFE,Timothy. Por que ser cristão? São Paulo: Paulinas, 2011, p.193 26L’ Osservatore. Romano. sábado 13 de Outubro de 2012, número 41, p.21. 27L’ Osservatore. Romano. sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.17. 28L’ Osservatore. Romano. sábado 03 de Outubro de 2012, número 14, p. 44. 29 L’ Osservatore.Romano.sábado 03 de Novembro de 2012, número 44, p. 10. 30 VAZ, Henrique,C,L. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 16. 28

Entendemos ser pertinente destacar também os sentidos que podem ser identificados em torno do conceito da secularização no âmbito das humanidades. Segundo Marramao é possível identificar cinco acepções de secularização: 1) Como ocaso da religião; 2) Como conformidade ao mundo; 3) Como dessacralização do mundo; 4) Como descomprometimento da sociedade para com a religião, relegando a religião ao âmbito privado; 5) Como transposição de crenças e modelos de comportamento da esfera religiosa à secular.31Aqui verifica-se que os atuais processos sociais que tem se destacado nas atuais gerações trazem uma marca palpável do processo de secularização verificado de maneira contundente nas sociedades contemporâneas.32Algumas característica da configuração do processo de secularização apresentamos aqui dentro das formas de uma sociedade marcadamente híbrida, ambivalente, e plural. Elementos estes que já carregam sementes para posteriores situações estruturais da sociedade.

2.4.1 O Hibrido e a liquefação da vida como cultural

O hibridismo cultural desperta várias observações positivas e negativas a respeito deste fenômeno cada vez mais crescente. A globalização é um permanente convite a um posicionamento hibrido diante da história. O fenômeno cultural perpassa as culturas e se entrelaça de modo mais freqüente e intenso. Vemos por exemplo como este fenômeno se faz presente no mundo da música onde vários ritmos se misturam dos mais variados cardápios musicais presentes em todo o planeta. Hoje o recurso técnico usado nas gravações a “mixagem” onde se pode re-masterizar e se criar verdadeiras novidades sonoras apontam para o potencial deste fenômeno.

No pensamento de Bauman vemos como ele tenta descodificar uma face da cultura hibrida questionando a sua vulnerabilidade:

“...a imagem da “cultura híbrida” é um verniz ideológico sobre a extraterritorialidade alcançada ou proclamada. Isenta da soberania

31 MARRAMAO, Giacomo. Céu e Terra: Genealogia da Secularização. São Paulo: Fundação editora da Unesp, 1997, p. 135. 32L’ Osservatore Romano. Sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 15. 29

de unidades políticas territorialmente circunscritas, tais como as redes extraterritoriais habitadas pela elite global, “ cultura hibrida” busca sua identidade na liberdade em relação a identidades designadas e inertes, na licença para desafiar e menosprezar os tipos de mercadores, rótulos ou estigmas culturais que circunscrevem e limitam os movimentos e as escolhas do resto das pessoas, presas ao lugar: os “locais”. 33

Frente a uma permanente dissolução dos laços de interdependência social e de compromissos revogáveis existe uma luta simultânea contra a dissolução e a fragmentação. O ser humano está sitiado entre o desejo de liberdade e a necessidade de segurança. Contudo, a hibridação é apresentada como uma função que a torna louvável e cobiçada no mundo a separação34. Na busca identitária o ser humano é pressionado a não pertencer definitivamente a nada de maneira que o ser humano encontra-se conflitado e perturbado entre uma tendência cosmopolita de emancipação individual e a participação numa coletividade nacional e regional. E desse conflito não há quem o salve: é ele mesmo que deverá fazer todas as escolhas tornando-se responsável por aquilo que venha a se tornar.

A Identidade na contemporaneidade é uma reinvidicação pela diferença. Na vida líquida, a dissolução permanente dos valores sociais e das antigas referências do passado, a identidade encontra como meio de afirmação a distinção e a diferença como objetivos e metas a serem vivenciadas.

2.4.2 Modernidade, ambivalência e as rupturas sociais e culturais

Uma evidência importante que o processo de secularização traz e que se faz verificável no que se refere a uma presença “totalizadora” do pensamento secularizante é que ele não se restringiu em ser uma mera retórica, mas este pensamento se impôs como uma forma de viver e de ser no mundo moderno. Forjou consciências e criou

33 BAUMAN Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p 46. 34 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.29-31. 30 estruturas jurídicas onde a vida e o pensamento tivesse uma emancipação cada vez maior sobre as realidades da vida seja política, social e econômica. Com o apogeu da modernidade nos deparamos com outro fenômeno que nos chama a atenção que é justamente a ambivalência como lugar de sua residência. A modernidade é de fato esta manifestação ou esta busca de luzes que por vezes apresenta as mais variadas ambivalências. Queremos aqui analisar um pouco a dimensão ambivalente da modernidade no período contemporâneo em que vemos as mais variadas formas de tentativas de legitimação da modernidade. Sabemos que um dos sonhos da razão legislativa se funda no auxílio em que ela encontra por parte da filosofia. A filosofia na modernidade prestou e presta um papel importante na fundamentação de todo o sistema do estado moderno que temos hoje. Filósofos como Kant não são apenas artistas das palavras, que se ocupam de novas concepções sobre o mundo e o ser humano, mas um doador de lei, que legisla para a razão humana.35 A filosofia é na modernidade está força que possui autoridade legislativa. A razão na modernidade não tolera desconexão no pensamento, mas por meio de várias cognições claras e distintas procura se legitimar como autêntico conhecimento. O conhecimento que se propõe procurar por parte da modernidade é aquele que transcende o senso comum, constituído de meras opiniões e crenças (opinião: Juízo insuficiente tanto subjetivo como objetivamente; crença o tipo mais pérfido de juízo, “reconhecido como objetivamente insuficiente”, mas subjetivamente aceito como convincente), só pode e deve “ser revelado pelos filósofos”. Define-se como modernidade o conjunto de rupturas sociais e culturais que se desencadeia no mundo a partir de várias mudanças verificáveis. O humanismo e o renascimento que se desencadeia no século XVI, assim como as diversas batalhas intelectuais vão configurando o mundo moderno, contudo esta gestação da modernidade acontece mediante uma tensão entre o tradicional e o novo. Esses acontecimentos terminaram por desfazer a imagem do mundo antigo, o valor das tradições, a matriz hegemônica da natureza dando lugar ao primado da razão teórica e prática, á subjetividade, à história, às experiências, ao fenômeno de secularização. A teologia européia, ao defrontar-se com tal realidade complexa, empenhou-se, num primeiro

35 ZYGMUNT, Bauman. Modernidade e ambivalência, Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 45. 31 momento, numa atitude de defesa e depois em amplo diálogo crítico e interpretativo da Tradição da Fé.

A complexidade das relações que vão se fazendo presente neste novo mundo moderno é configurada no século XVII e XVIII através de elaborações científicas que dão fundamentos políticos e filosóficos a modernidade. A modernidade acaba por se tornar um valor transcendental, uma moral e um mito de referência presente em toda parte36.

Apresentamos aqui os três planos que a modernidade busca de forma geral desenvolver na sociedade:

1) Plano técnico-econômico: A modernidade define o tipo de relação com a natureza que leva à procura sistematizada de produtividade. Na era moderna, A natureza já não é a matriz de toda ordem social e moral. Ela é um reservatório das forças produtivas. O homem já não se situa na natureza, mas face à natureza, não pensa como um elemento da natureza, mas como o seu mestre; 2) Plano jurídico-político: A modernidade reside na separação que se instaura entre a esfera da vida pública e a esfera da vida privada. Kant desloca esta dissociação entre esfera pública ( uso da razão sempre livre) e esfera privada ( uso da razão pode ser limitada)para o centro do processo pelo qual o homem sai da menoridade e que ele é responsável. E desloca a religião para a esfera privada. Esta dissociação do privado e do público é a pedra angular da concepção moderna do político.37 Por um lado, há o estado, transcendente e abstrato, e o conjunto das regras formais de direito que lhe correspondem; por outro lado, há o indivíduo e as sua liberdade. Esta dualidade era ignorada pelos sistemas políticos anteriores. Esta separação do estado político da vida privada pertence aos tempos modernos. As hierarquias, os grupos intermediários, as comunidades primárias da sociedades tradicionais desaparecem ou perdem a sua consistência para dar

36 J.CHESNEAUX, De La modernité, Paris: Découvert, 1984, p.71. 37 KANT, E. Philosophie de l`histoire. Les Orígenes de La pensée de Hegel. Paris: Denoel-gonthier, Coll. Méditations, 1947, p. 46. 32

lugar ao burocrático do estado, modelando, segundo a sua própria racionalidade, todos os setores da vida social. 3) O sujeito como plano: A hegemonia do estado esvai-se para dar lugar a modernidade filosófica, plenamente realizada com Kant, que separa o sujeito e o objeto, a consciência deslocada para o centro e o universo. A este duplo processo poder-se-a chamar a modernidade psicológica, isto é, certa maneira de o homem pensar a sua individualidade e conquistar a sua identidade.38

2.4.4 O pluralismo e crise da modernidade e da razão iluminista

A quebra de paradigmas e as diversas manifestações do pluralismo religioso, impõem-se a cada dia de forma a tender o ser humano a valorizar as diversas idéias, normas pensamentos, símbolos, instituições que o circundam. A Europa principalmente encontra-se afetada por um pluralismo intercontinental.

Todo Europeu é atirado para uma pluralidade de valores, modelado por uma pluralidade de normas, comprometido por uma pluralidade de referências, emergido numa pluralidade de sensibilidades, solicitado por maneiras diversas de levar a sua existência a se organizar socialmente39.

A pluralização institucional da modernidade provoca uma instabilidade das estruturas de plausibilidade. No lugar das antigas certezas religiosas, instaura-se a dúvida. O tempo da cristandade cedeu e hoje estamos vivendo em um mundo pluralista. É mister que tenhamos uma chave de leitura de um mundo plural e não mais como uma realidade monolítica, estática e hierarquicamente organizada. Em uma sociedade dinâmica o “pluralismo consiste essencialmente num regime de competitividade cultural, que vê todos os valores em competição, primeiro através da conquista do direito de cidadania e depois pela formação de hierarquia em que são ordenados”40. Ao mesmo tempo em que o pluralismo não descarta a religião e os seus valores culturais ele a nivela e a coloca em uma situação de relativização.

38 BARBOSA, G. ADÉRITO. A nova evangelização. Lisboa: Paulinas, 1994, p. 256. 39 G.THILS, foi chretienne, p. 44. 40 GRUMELLI, A. La chiave di lettura della societá di oggi, “Quaderno di Studi Sociali” 1, Napoli: Dehoniane, 1979, p. 11-26. 33

A diversidade acontece em um ambiente desprovido de preferências e exclusivismos onde a persuasão pode tornar um ideal religioso pertinente através de sua persuasão e não imposição. Aqui surge justamente o problema da plausibilidade cristã. Uma vez que o pluralismo não admite qualquer tipo de monopólio e entra em crise a sua plausibilidade diante da sociedade de um modo universal, a sua tradição eclética enquanto se apresenta em suas pretensões entra em crise.

Em si mesmo, tal dissenso pode ser legítimo se considerado o fato que a mensagem cristã não possibilita interpretações definitivas pautadas num único referencial hermenêutico. Contudo, quando o dissenso manifesta controvérsias doutrinais e de autoridade que acarretam divisões na comunidade cristã, ele é mais do que um posicionamento hermenêutico diferenciado.

Se o pluralismo torna-se um problema para as religiões outro maior seria a própria privatização da religião como um golpe fatal do secularismo frente a grande pluralidade de afirmações ou hermenêuticas sobre a presença da religião no mundo. As religiões não seria uma realidade pertinente na organização da sociedade por isso deveria ser vivida de modo privativo. Isto dá-nos a impressão que a fé seria algo mais simbólico ou até mesmo folclórico que não proporcionasse nada de claro aos novos rumos históricos das sociedades.41.

É verificável a forma clara e perceptível que os sintomas de crise da modernidade. A primeira e a segunda guerra com seus rastros de destruição produzidos pelas bombas atômicas. Os regimes totalitaristas como o nazismo, stalinismo, comunismo com sua lógica de opressão e morte como jamais se tinha visto. Em épocas mais recentes verificamos os regimes ditatoriais do terceiro mundo, a fome que assolou mais de um terço da população mundial. A massa de excluídos nos países ricos, a extensão do comércio de armas e o narcotráfico, a crise do mundo socialista e as guerras da atualidade. Nota-se claramente que a razão que pretendia ser altamente desvinculada de qualquer alienação política e ideológica tornou-se novamente uma razão

41L’ Osservatore. Romano. sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p.14. 34 instrumentalizada. A crise da razão iluminista fora reduzida a instrumento do poder e do lucro42.

A razão iluminista ao se dedicar aos vários aspectos da realidade por vezes, descartou elementos importantes do ser humano, ou pelo menos quis apenas considerar estas mesmas realidades somente a partir de seu ponto de vista, desconsiderando outros saberes. Desta forma por vezes a razão se viu incapaz de dar conta de todos os fatores da realidade e acabou por ser manipulada por interesses técnicos e científicos que pretendem dominar a natureza e a história e colocar a razão como serviçal do poder econômico, político e ideológico.

2.5 O Sentido Teológico da Secularização

A busca de sentido feita dentro do contexto da modernidade coloca o homem de certa forma em um ambiente em que ele percebe certa decadência dos antigos projetos de engajamentos em realidades que para ele seriam de vital importância como bem descreve William Mc Namara:

“O meu lamento em relação à sociedade contemporânea é devido a sua decadência. Há ainda uns poucos prazeres que ainda me atraem, mas quase nenhuma beleza me cativa e nada de heróico me excita. Não me sinto provocado ou desafiado por nenhum círculo ou posição intelectual, nem por novas teologias e filosofias e não há nenhuma arte que me prenda a atenção ou me desperte a mente. Tampouco existem movimentos sociais, políticos ou religiosos que me entusiasmem ou me animem. Não há homens livres a quem possa submeter-me, nem santos em quem possa encontrar inspiração. Não há pecadores descontrolados o bastante para me impressionar ou com quem eu possa compartilhar a minha infeliz condição. Ninguém suficientemente humano para validar o estilo de vida “corrente”. É, portanto, muito difícil viver neste enfadonho mundo sem se sentir dominado pelo tédio. O futuro está, nas mãos daquela minoria de coração humilde e compassivo, que apaixonadamente busca a Deus no mundo

42 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização e missão profética da Igreja, Novos desafios. Texto aprovado pela 43ª Assembléia Geral, Itaici. Indaiatuba (SP), 9 a 17 de agosto de 2005. São Paulo: Paulinas, p. 38. 35

maravilhoso e ao mesmo tempo confuso de realidades redimidas e interligadas que se estende diante de nosso nariz43.

É justamente dentro deste ambiente da religião que o indivíduo trava sua peregrinação de fé, ora sitiado por um ambiente profundamente hostil a sua fé ora, encontrando nas antigas estruturas religiosas uma medicinal dose de sentido oferecido pela mesma religião. Abordamos aqui o pensamento teológico nascido no contexto da teologia protestante como do ambiente da teologia católica, assim como alguns de seus expoentes.

2.5.1 A Teologia da morte de Deus: espelho de um ambiente secularizado

Outro ponto importante é o discurso a respeito da morte de Deus que foi engendrado no campo filosófico e que penetrou também nas ciências teológicas. A secularização fora apresentada como uma perda do sentido religioso e metafísico do mundo e do homem e uma concentração neste mundo e neste tempo.44

Hubert Lepargneur conseguiu muito bem captar as diversas mudanças ocorridas pelo processo de secularização, percebendo as grandes mudanças ocorridas nas estruturas:

“A secularização que aos poucos abrange todos os domínios da cultura comporta: 1) Um elemento positivo que corresponde ao termo largamente utilizado de maturidade do homem (homem adulto), da sua libertação dos mitos, da magia, das alienações do sagrado e das assombrações do além, da prepotência abusiva daqueles que tinham pretensões ao poder espiritual para dominar as formas terrestres da vida social dos homens. Este aspecto só é possível em favor de um crescente domínio do homem sobre a natureza, muito tempo considerada, como enigmático habitável de forças sobrenaturais. Neste sentido a secularização é uma reação cultural global, aos progressos específicos das ciências e das técnicas, da industrialização e da urbanização. 2) Um elemento destrutivo das religiões, se não da religiosidade, da humanidade, assim como da própria noção de Deus. Deus não existe porque a nossa maneira pragmática de pensar, hoje em dia, não nos permite mais conceber um conteúdo concreto atrás desta palavra „Deus‟. Este aspecto abre o caminho para a crítica radical da religião e para seu desaparecimento histórico, com a possível conservação da fé cristã, para

43 MCNAMARA, William. The Human Adventure. Garden City: Image Books, Doubleday, 1976, p. 9. 44 COLOMER, Eusebi. A morte de Deus. Porto: Tavares Martins, Porto, 1972, p. 143. 36

alguns (teólogos da morte de Deus), ou sua eliminação, para a maioria dos homens radicalmente secularizados. Desde já podemos situar a questão do movimento teológico da „morte de Deus‟ (movimento sem nenhuma estruturação, muito diversificado e até contraditório) com o nosso tema secularização: 1) Esta chamada „teologia da morte de Deus‟ constitui um esforço - um tanto desesperado - para interpretar „de maneira cristã‟, o fenômeno da secularização, representativo no mundo atual. Essa interpretação poderia ser resumida da seguinte maneira: Deus morreu em Jesus Cristo; eis a Boa Notícia do Evangelho. Jesus libertou o homem religioso do constrangimento imposto às gerações anteriores pelo imperialismo do Deus transcendente. Jesus representa a redução da transcendência divina à pura imanência histórica (re-interpretação da kenosis de São Paulo): eis a que se reduz o fato da Encarnação. Não há Reino dos Céus a não ser o reino terrestre da humanidade. Ser cristão é compreender este significado da pessoa e da vida de Jesus, e imitar sua dedicação aos outros homens. 2) O definhamento da religião e o repúdio cultural da divindade (que tem um dos seus pólos no movimento da „morte de Deus‟), não são somente interpretação de um fenômeno de secularização que lhe seria exterior; eles fazem parte, inclusive o referido movimento „teológico-ateu‟, deste fenômeno total de secularização. A razão disto é simples: a secularização é uma verdadeira práxis que engloba o processo sociológico e sua elaboração ou auto-justificação teórica. A „teologia da morte de Deus‟ constitui a ponta avançada do movimento de secularização tomando consciência de si e refletindo ainda sobre sua possível ligação com o que se chamava anteriormente cristianismo.45

Filósofos como Nietzsche acreditam que todo o processo de niilismo pode ser resumido na morte de Deus, ou, também, na “desvalorização dos valores supremos”. Para Heidegger, o ser se aniquila na medida em que se transforma completamente no valor. É importante aqui tentarmos retomar o movimento ateu que ocorre em toda a Europa e outros países do ocidente como um movimento que aparece cheio de ambigüidades e que por vezes buscou fundamentar-se em conceitos cristãos.

Outra ambigüidade gerada pela pretensa concepção da morte de Deus é o fatalismo que se degenera em desespero. A figura do niilismo como uma forma de autonomia esvazia o esquecimento secularista da filiação, do cuidado e do encargo de uma herança. Assim, também o secularismo carece de purificação. Esta purificação exige uma justa distinção entre Deus e o mundo. O conceito de salvação aparece na modernidade encapado de um engajamento na mundaneidade o que permite voltar novamente a uma divinização do mundo sem uma justa diferenciação das realidades que o constituem. É preciso retomar de modo equilibrado a presença do divino no mundo.

45 LEPARGNEUR, Hubert. Secularização. São Paulo: Duas cidades, 1971, p. 13-14. 37

Ratzinger afirmou que a incredulidade no pensamento e a humildade ante o desconhecido parecem aconselhar ao agnosticismo, entretanto o ateísmo declarado pretende saber demais e leva consigo claramente um elemento dogmático.46

Vemos hoje na modernidade uma vasta tentativa de secularização ou “racionalização” da religião Cristã. Um problema visível que aparece nesta afirmação da morte de Deus é justamente uma acentuada crise do humanismo tentando colocar o homem novamente no centro do universo fazendo dele o senhor do ser. Entretanto, com o desenvolvimento técnico-cientifíco que se verifica nas últimas décadas o homem novamente é lançado em uma situação marginal.

Harvey Cox consegue de maneira precisa e pontual apresentar o caminho pelo qual pode melhor trabalhar para manter-se consciente de sua dignidade e empenho no mundo:

As principais teses do meu livro mostram que o processo estrepitoso de modernização não é algo que os cristãos devem temer. Devemos festejá-lo. Trata-se de uma das maneiras pelas quais Deus trabalha para libertar os homens do cativeiro. Não é uma maldição negra nem uma bênção pura. É, antes, uma oportunidade, um chamado à maturidade, exigindo dos indivíduos e das sociedades que escolham, em plena consciência, onde desejam ir e o que desejam ser. Sou da opinião de que o lugar em que surge este senso de resposta humana é também, o lugar em que o cristianismo está atingindo na história. Deus é mais plenamente Deus onde o homem se torna mais plenamente homem.47

O homem secular, emancipado, já não é dependente ou imoral Seria ingenuidade tentar submetê-lo a um Deus cuja força depende da fraqueza e da ignorância do homem. O evangelho cristão ensina que o homem é responsável assustadoramente responsável na sua liberdade em relação a um Deus cuja força atinge a perfeição na fraqueza e no sofrimento.48

46 RATZINGER, Joseph. Mirar a Cristo. Exercícios de fé esperança e amor. Valência: Ediap, 1990, p.17. 47 COX, Harvey. Ciudad secular, Barcelona 1971, p. 8. 48 ROBINSON, John A.T. Pesquisa em torno de Deus. 1ºEdição, Rio de Janeiro: Moraes Editores, 1968, p. 38. 38

2.5.2 O Homem emancipado

A secularização é um processo e não um estado de coisas”49 Sabemos que este processo tende a querer transformar o processo nas coisas em si. Aqui se encontra um perigo eminente que é justamente o de transformar o ser humano num arranjo existencial uma vez que valores que perduram podem ser descartados displicentemente. Tal coisa é simplesmente impossível. O simples fato de dizer “não há valores” por si só já é um valor. Como afirma Cox: “A secularização coloca a responsabilidade pela formação de valores humanos, bem como pela elaboração de sistemas políticos, nas próprias mãos dos homens. Isto exige uma maturidade que nem o niilista nem o anarquista desejam assumir”.50

A proposta de Bonhoeffer é aplicar aos apologistas teístas que se gabavam de ter um trunfo contra o homem emancipado no que diz respeito às “questões últimas” o mesmo princípio que eles aplicaram ao homem emancipado. Deus foi relegado somente para as questões derradeiras pelo homem emancipado, pois para este, Deus não é mais necessário nas outras questões de sua vida. Se Deus também tornar-se desnecessário para as questões derradeiras, então o homem religioso se encontrará num desespero ainda maior que o do homem emancipado.

2.5.3 A teologia política e o projeto secularizador

O pensador italiano Giorgio Agamben tem elaborado uma original leitura da tradição política ocidental, privilegiando, porém, a modernidade. Ele entende que a tradição política ocidental é tributária de dois registros teológicos: a teologia política e a teologia econômica. A primeira vinculada a uma perspectiva ontológica e a segunda à primazia da pragmática. Na política lembramos a Carl Schmitt quem afirma que “Todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderna são conceitos teológicos secularizados”.51

49 COX, 1971, p.40. 50 Ibidem, p.47. 51 SCHMITT, Carl. Teologia Política. 1º Edição Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006, p. 35. 39

A teologia econômica constitui-se a partir da elaboração do problema da relação entre as três pessoas da Trindade, que resultou na teoria do homoousious, unidade de substância entre Pai, Filho e Espírito Santo, porém com três expressões distintas. Agamben entende que o maior entrave para a elaboração do aparato teológico cristão foi de ordem administrativa, o gerenciamento da casa divina, das relações entre as pessoas da Trindade. A oikonomía divina é a marca distintiva da teologia econômica, que torna evidente o primado da pragmática neste registro. Esse dispositivo permite que se torne possível o início de algo como a história designada pela escatologia cristã, tornando a história ocidental e cristã história da salvação. Nesse contexto, torna-se decisiva a orientação divina para o agir humano através da Divina Providência, a saber: pronóia. Na teologia econômica, a vida e seu gerenciamento também são centrais, porém na forma da operosidade, do agir humano para a glória de Deus, que oculta o caráter sabático da condição humana.

Este construto teológico, que opera articulado com a teologia política, como uma máquina governamental, triunfou na modernidade. Esse fato permite entender o primado da economia, ou de forma mais ampla, da pragmática, nesse período histórico. Novamente, neste caso, a relação com a vida torna-se ambígua. Se neste registro a vida é marcada pela operosidade, pelo imperativo da ação orientada pela providência divina, é justamente nesse espaço que reside à possibilidade da experiência da condição inoperosa do humano. Vários teólogos tentaram pensar os novos desafios da teologia em um ambiente profundamente secular. Teólogos como Harvey Cox tentaram apresentar um intento de levar a teologia à política e de encarnar a missão da Igreja nas realidades da promoção do homem e na construção da cidade Secular. Harvey não pensa que o homem secular tenha perdido o sentido da transcendência, mas como Unamuno afirma e se questiona: “Está o homem só no Universo ou não”?52.

O projeto secularizador apresenta várias dificuldades no seu processamento prático. Um dos riscos que ele corre é justamente o de converter a secularidade em secularismo, isto é, numa visão irreligiosa do mundo com visos de nova religião que anule totalmente a liberdade do indivíduo e se interponha como um muro absoluto entre a humanidade histórica e a chamada a transcendência.

52 COX Harvey. La ciudad secular. Barcelona, 1968, p. 265. 40

A visão eclesiológica da Igreja ainda tem dificuldade de desenvolver uma visão positiva do processo de secularização que se degenerou em secularismo a sua essência verdadeira. Em vez disso ele procura reverter à secularização como tal, à medida que contrapõe a ela o seu modo de pensar baseado em realidade sacral, as quais pretensamente rompem e limitam a mundaneidade natural de todo o existente.53 Aqui verifica-se uma necessária tarefa da fé cristã que é justamente de proteger a secularização de sua degeneração em secularismo. Este acontecimento não deve tomar como referência o modelo de cristandade invertendo o processo de secularização e procurando absorve-lo numa apropriação eclesiástica.

A fé deve distinguir-se radicalmente das realizações da razão autônoma, entretanto a razão autônoma não pode converter-se em ideologia, ou seja, não deve reinvidicar fé e um caráter salvifico.54

Harvey Cox tenta apresentar de forma sucinta como a fé bíblica se manifestou como uma secularização para o mundo até então compreendido em suas estruturas cósmicas quando ele afirma juntamente com Friedrich Gogarten que a secularização é “a conseqüência legítima do impacto da fé bíblica na história humana”55,e assim, o desencantamento da natureza começa com a criação, a dessacralização da política, com o Êxodo, e a desconsagração dos valores, com o pacto do Sinai, especialmente com a proibição dos ídolos”.56

Isto é, a criação distingue decididamente entre Deus e a natureza: o mundo não é Deus. Com isso acaba a concepção sacral ou mágica da natureza, vigente até então nas sociedades primitivas e até mesmo nas grandes civilizações.

O mundo deixa de estar cheio de forças divinas imanentes para converter-se na obra do Deus Criador transcendente. Este desencantamento da natureza é o que depois tornará possível o desenvolvimento da ciência e a técnica que estão na base da ciência moderna. Em segundo lugar, Deus revela-se ao seu povo ao tirá-lo do Egito, isto é, através de um “ato de desobediência civil” contra a monarquia estabelecida. Com isso dessacraliza-se a política: o Faraó não é Deus. De novo nos encontramos com o

53 Wilfried Jüest. Verhangnis und Hoffung der Neuzeit: Kritiche Gedanken zum Gogartens Buch, Munique, p. 74. 54 GOGARTEN, Der Mensch zwischen Gott und Welt. Stuttgart. Munique, 1956, p.195. 55 Ibidem, p. 39. 56Ibidem, p. 135. 41 primeiro passo de uma ordem política sagrada para um mundo como o atual em que a chefia política depende da capacidade individual e da eleição do povo e não de uma pretensa prerrogativa divina. Finalmente, a aliança do Sinai, ao condenar absolutamente a Idolatria, relativiza os valores religiosos consagrados e mostra o que realmente são, isto é, pura elaboração humana. Desde este ponto de vista, a moderna secularização, ao levar até as últimas conseqüências a distinção entre Deus e tudo o que não é Deus, que é a alma da fé bíblica, ajuda a realçar a afirmação central desta fé: Tu solus Sanctus! (a morte de Deus citação bibliografia da página).

3. Uma nova antropologia e eclesiologia secular

Quando verificamos escritos como os de Harvey Cox, Paul Van Buren vemos um grande esforço por tentar colocar ao cristianismo importantes questionamentos humanos que poderiam fazê-lo representar um pensamento mais amplo a respeito da vida humana e seus dramas.

A secularidade da fé cristã é apresentada como elemento imprescindível no fazer teológico de teólogos como Harvey Cox e Paul Van Buren. “A secularidade autêntica pede que nenhuma concepção de mundo, nenhuma tradição, nenhuma ideologia se converta jamais na concepção oficialmente imposta fora da qual não se tolera nenhuma outra.”57

De modo cada vez mais intenso se aperceba a presença do profano na compreensão de mundo por parte de muitos homens. Podemos até mesmo afirmar que o homem secular está profundamente marcado por uma profanidade e este “homem profano é um homem que percebe a si mesmo como a fonte de qualquer significação que possa ter impressão humana”58. Escritores como Albert Camus expressam um pouco da presença desta profanidade presente na vida humana tentando dar ao seu modo uma resposta ao problema de “como viver com um fim e com uma integridade num mundo sem Deus”59.

57 COX, p. 92. 58 Ibidem, 95. 59 Ibidem, 93. 42

Uma atual releitura da dimensão eclesiológica dentro do plano da salvação coloca a igreja uma responsabilidade importante no que se refere ao seu papel não apenas de outra sociedade dentro de uma sociedade, mas procura colocar a Igreja justamente dentro de uma missão que é justamente a presença do Reino dentro ou no coração do mundo. A Igreja é aquela que procura levar a cabo uma verdadeira revolução no mundo, e para J.C. Hoeckendijk, a Igreja é a “vanguarda de Deus no mundo”.

Ora a Igreja só estará nesta vanguarda de Deus se, em continuidade com a missão histórica de Jesus se levar a cabo neste nosso mundo esta quádrupla função. Primeiro, a função do kerigma: a Igreja há-de proclamar a liberdade e a adultez do homem que recebeu de Deus a responsabilidade do mundo. Depois, a função de Diakonia: a Igreja há de conceber a sua missão como serviço ao homem no tratamento de suas feridas e fraturas individuais e coletivas. A seguir, a função de koinonia: A Igreja há-de ajudar a criar a comunidade entre os homens, colaborando com todos os movimentos que se esforçam por caminhar para uma meta nova e melhor da história. Finalmente, a função dos exorcismos: a Igreja há-de assumir a tarefa de tirar da humanidade atual os maus “demônios” que a possuem tanto no campo do trabalho como do sexo e da cultura.60

A nova eclesiologia que deve marcar o agir e a missão da Igreja deve se inserir nesta cotidianidade dos desafios que se fazem presente na realidade dos dramas humanos sejam coletivos e individuais. Assim, a Igreja torna-se cada vez mais a presença do Reino no mundo, pois, o Reino é Jesus e Jesus é a conjunção de homem e Deus. Nele se reúne ao mesmo tempo o que deve reunir-se na Igreja: iniciativa divina e resposta humana.

3.1 A Degeneração da religião e a mercantilização da Fé

Enquanto o desencantamento do mundo fala da ancestral luta da religião contra a magia, sendo uma de suas manifestações mais recorrentes e eficazes a perseguição aos feiticeiros e bruxas levada a cabo por profetas e hierocratas, vale dizer, a repressão

60 Ibidem, p. 149. 43 político-religiosa da magia 61a secularização, por sua vez, nos remete à luta da modernidade cultural contra a religião, tendo como manifestação empírica no mundo Moderno. O declínio da religião como potência in temporalibus, seu disestablishment (vale dizer, sua separação do Estado), a depressão do seu valor cultural e sua demissão/liberação da função de integração social.

O mercado é, para Ortiz, a outra instituição que concorre com o estado-nação moderno. Neste caso o autor se vale dos teólogos que analisam a “religião do mercado”, como Harvey Cox. No mercado fazem-se presentes as duas qualidades outrora já verificadas na religião, a transcendência e a onipresença. Para o autor o mercado seria uma “falsa religião”, porque carece de um fundamento ontológico. O mercado global contém duas qualidades freqüentemente associadas à herança religiosa: transcendência e onipresença.

A universalidade do mercado, ou seja, sua extensão confere-lhe a dimensão de totalidade (e muitas vezes de totalitarismo). A transcendência é, contudo, sempre abstrata, algo latente; para se realizar ela deve manifestar-se no mundo, afirmar sua onipresença. A transcendência do mercado perpetua-se através do consumo, este é o ato que a situa e a singulariza, inserindo o indivíduo no seu ser. Metaforicamente eu diria que o consumo torna coetânea a presença na transcendência62. O consumismo como tal apresentado pela secularização radical desvela-se de um modo devastador banindo toda a possibilidade de uma transcendência que não se funde no mercado ou no consumo.63

O reavivamento religioso é entendido como uma prova viva do vigor do processo da secularização; diferentemente dos defensores da tese da dessecularização que somente atentam para o aumento da oferta religiosa, sem considerar que essas novas instituições religiosas precisam ser autorizadas pelo Estado e reguladas por este para seu funcionamento, isto é, sem considerar que o Estado (supostamente) laico regula o mercado religioso. O livro é constituído de uma série de ensaios, um dos mais instigantes, de autoria de Theodor Adorno, intitulado “A indústria cultural – o iluminismo como mistificação das massas”, é referência obrigatória para a compreensão da reprodução da cultura enquanto mercadoria. Esse ensaio inicia com uma contundente

61 SZASZ, Thomas. La teología de la medicina. Barcelona: Tusquets, 1981,p. 237. 62 COX, p. 72. 63 L‟Osservatore. Romano. Sábado, 03 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 44 afirmação sobre o caráter religioso da cultura moderna, colonizada pela indústria cultural:

Na opinião dos sociólogos, a perda do apoio que a religião objetiva fornecia a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a um caos cultural. Ora, essa opinião encontra a cada dia um novo desmentido. Pois a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. Até mesmo as manifestações estéticas de tendências políticas opostas entoam o mesmo louvor do ritmo do aço.64

Já nos anos 70 um perspícuo sociólogo como Alain Touraine declarava que: “É perigoso falar de secularização quando as sociedades industrializadas, como todas que as precederam são orientadas por um modelo cultural. Ora, este modelo é “prático” e não mais metassocial, mas nem por isso é menos sacro. O progresso é um modelo cultural mais prático de quanto o sejam Deus ou o soberano; todavia, tudo que ele toca torna-se sacro65”. Oliveira entende que a sacralidade do mercado distingue-se da sacralidade das religiões porque a primeira é de caráter imanente, enquanto a segunda se ancora na transcendência. Entretanto, esses dois registros, longe de serem contraditórios, se complementam. Dado que o “ethos” do mercado rege a esfera pública e a vida material, enquanto as religiões regem apenas a vida privada e funcionam mais como sistemas simbólicos para a produção do sentido das biografias individuais, essas duas formas de sacralidade –a sacralidade imanente e a sacralidade referente à transcendência- não se opõem. Antes, se completam e se apoiam mutuamente. O “ethos” do mercado só entra em contradição com as antigas religiões cuja dimensão ética as proíbe de abandonar a esfera pública ao mercado e, caminhando na contramão do processo de modernização e de secularização, propõem a existência de uma sociedade não regida pelo mercado. Mas este já é outro problema para a sociologia da religião66.

64 ADORNO, HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 256. 65 TOURAINE, 1974 apud MARRAMAO, 1997, p. 74. 66 Ibidem, p.75. 45

3.2 O Corpo como sujeito central da mercantilização

Os “novos clérigos” são os profissionais da cura, seja do corpo ou da alma. Essa fronteira se torna na atualidade (européia, burguesa) mais porosa e os antigos problemas reputados à alma são considerados agora problema relativos ao corpo. Assim, o antigo monopólio pela cura das almas e pela administração dos bens simbólicos de salvação não se restringe mais aos especialistas formados nas diferentes denominações religiosas, mas se tornaram também objeto dos profissionais da medicina, da psicologia, da Educação Física, dentre outros.

Para Giacomo Marramao, o “teorema da secularização” estaria pautado por duas questões-chave: a compreensão de tempo moderna e a relação do homem com o mundo67 . Este autor entende, seguindo os passos de Karl Löwith, que a concepção de tempo moderna, calcada na noção de progresso, Fortschritt, é a versão secularizada da escatologia cristã. Porém, na medida em que a modernidade avança, aconteceu uma “segunda secularização” que, diferentemente da primeira, já não mais se pauta pela idéia de progresso enquanto processo que tem uma meta salvífica, redentora, mas pela idéia de progresso enquanto destino, enquanto pathos moderno.

Trazemos para o debate a fala lapidar que se registra no final da “Ética Protestante e o espírito do capitalismo”: Um dos elementos componentes do espírito capitalista moderno, e não só deste, mas da própria cultura moderna: a conduta de vida racional fundada na ideia de profissão como vocação, nasceu – como queria demonstrar esta exposição – da ascese cristã.

O puritano queria ser um profissional – nós devemos sê-lo. Pois a ascese, ao se transferir das celas dos mosteiros para a vida profissional, passou a dominar a moralidade intramundana e assim contribuiu com sua parte para edificar esse poderoso cosmos da ordem econômica moderna ligada aos pressupostos técnicos e econômicos da produção pela máquina, que hoje determina com pressão avassaladora o estilo de vida de todos os indivíduos que nascem dentro dessa engrenagem não só dos

67 Ibidem, p. 75-118. 46 economicamente ativos e talvez continue a determinar até que cesse de queimar a última porção de combustível fóssil.68

Em outra passagem em que Weber já discute o ascetismo intramundano do protestantismo ascético como legado cultural do homem moderno, expressa de maneira resignada o quadro que se apresenta:

A idéia da obrigação do ser humano para com a propriedade que lhe foi confiada, à qual se sujeita como prestimoso administrador ou mesmo como “máquina de fazer dinheiro”, estende-se por sobre a vida feita uma crosta de gelo. Quanto mais posses, tanto mais cresce se a disposição ascética resistir a essa prova – o peso do sentimento da responsabilidade não só de conservá-la na íntegra, mas ainda de multiplicá-la para a glória de Deus através do trabalho sem descanso69. (Ibid., p. 155)(77)

Nas palavras de Weber:

Eis, porém algo ainda mais importante: a valorização religiosa do trabalho profissional mundano, sem descanso, continuado, sistemático, como o meio ascético simplesmente supremo e a uma só comprovação a mais segura possível da regeneração de um ser humano e da autenticidade se sua fé tinha que ser, no fim das contas, a alavanca mais poderosa que se pode imaginar da expansão dessa concepção de vida que aqui temos chamado de “espírito” do capitalismo70.

Todavia, os efeitos da “segunda secularização” são radicalmente diversos dos da primeira: de fato, se extingue toda e qualquer resídua utopia do “homem novo” e em seu lugar entra a idéia de uma evolução constantemente adaptativa do sistema social, garantida pela “cooperação”.

68 WEBER, 2004, p. 164-165. 69 Ibid., p. 155. 70 WEBER, 2004, p. 156-157. 47

A secularização na política é condição necessária para a constituição do campo religioso e a consequente pluralidade religiosa, na medida em que se desvincula a relação simbiótica entre a Igreja Católica e o Estado. O Estado passa a ter entre suas funções a regulação da religião, o que leva a incluir como duas das suas prerrogativas determinarem se uma entidade poderá ou não ser considerada religiosa, e, uma vez reconhecida como religiosa, garantir as condições de livre profissão da sua fé, bem como garantir aos cidadãos a liberdade de escolha e prática da religião.

O grande desafio da fé cristã frente a mentalidade hedonista pseudo-religiosa que enfraquece os valores da fé na vida cotidiana é o de justamente questionar aquilo que se coloca como a única ou preferencial busca de finalidades possíveis pela sociedade, ou seja, o dinheiro e o que advêm de sua presença.71

4. O Pontificado de Bento XVI e o processo de secularização

Queremos abordar dentro deste tema o estudo que o Papa Bento XVI faz desta temática seja dentro do seu pontificado, seja dentro de seu contexto teológico inicial como professor de várias faculdades na Alemanha, assim como o movimento de seu pensar em seus escritos enquanto teólogo e antigo Cardeal presidente da atual Congregação para Doutrina da Fé.

O atual pontífice no ultimo livro de entrevistas sal da terra demonstra de forma incisiva qual é sua atual abordagem da relevância da fé e do mundo secularizado quando com grande propriedade procura captar a situação do mundo atual no que se refere ao secularismo:

“Encontramo-nos diante do confronto entre dois mundos espirituais, o mundo da fé e o mundo do secularismo. A questão é: em que o secularismo tem razão? Em que coisa, portanto, a fé deve apropriar- se de formas e imagens da modernidade, e em que deve, ao contrário, opor resistência? Esta grande luta atravessa hoje o mundo inteiro. Os bispos do Terceiro milênio dizem-me: “Também entre nós existe o secularismo; aqui, porém, mistura-se a estilos de vida ainda arcaicos.

71 L’ Osservatore. Romano. Sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 22. 48

Muitas vezes nos perguntamos como é possível que cristãos, que são pessoalmente crentes, não encontrem a força para tornar a sua fé politicamente operante. Devemos buscar sobretudo que as pessoas não percam de vista Deus; que reconheçam o tesouro que possuem;e que, além disso, elas mesmas, a partir da própria fé, no embate com o secularismo, possam praticar o discernimento espiritual. Este processo enorme é a verdadeira, a grande tarefa do momento presente. Podemos apenas esperar que a força interior da fé que existe nas pessoas adquira vigor também na opinião pública, formando a opinião pública, e, ao agir assim, impeça a sociedade de cair em um poço sem fundo72

É importante perceber que o esforço feito pelo teólogo Joseph Ratzinger muito antes de ser Bento XVI ou o anterior cardeal Ratzinger sempre esteve presente em seus escritos uma preocupação com o processo de secularização.

Queremos aqui destacar que estes dois mundos espirituais se fazem sentidos através de diversos porta-vozes do mundo da ciência em nossos dias e que não apenas falam a respeito da religião, mas justamente buscam conhecê-la e fazer um juízo a respeito de sua afirmação e seus porta-vozes é o que encontramos nas afirmações de Richard Rorty principalmente quando ele descreve seu conceito de espiritualidade:

Se por espiritualidade se entende uma aspiração pelo infinito, esta acusação é perfeitamente justificada, mas ela não se justifica quando se vê a espiritualidade como um sentido elevado de novas possibilidades que se abrem para os seres finitos. A diferença entre estes dois significados do termo espiritualidade é a diferença entre a esperança de transcender a finitude e a esperança num mundo em que os seres humanos tenham vidas muito mais felizes dos que as que vivem atualmente”73

No primeiro momento o tema da secularização aparece nos escritos de Joseph Ratzinger como um inimigo antigo que fora combatido com toda a veemência. A tentativa que o processo de secularização realiza de tornar a fé meramente um

72 BENTO XVI. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos. Uma conversa com Peter Seewald. São Paulo:Paulinas, 2011, p. 70. 73 RORTY, Richard. Uma ética laica. São Paulo: editora Martins Fontes, 2010, p.22. 49 departamento privado da vida humana inquieta o cardeal Ratzinger que afirma que Deus se encontra marginalizado no mundo moderno:

“... N a vida política, parece quase indecente falar de Deus, como se fosse um ataque à liberdade de quem não crê. O mundo político segue as suar normas e os seus caminhos, excluindo Deus como uma realidade que não pertence a esta terra. O mesmo acontece no mundo do comércio, da economia e da vida privada. Deus fica a margem. No entanto, parece-me necessário voltar a descobrir[...] que também a esfera política e econômica têm necessidade de uma responsabilidade moral, de uma responsabilidade que nasce do coração do homem e que, em última análise, tem a ver com a presença e a ausência de Deus. Uma sociedade que Deus esteja absolutamente ausente autodestrói-se.”74

O início do Pontificado de Bento XVI é marcado pela encíclica: Deus caritas est. Esta é justamente uma tomada de posição do Papa frente ao ambiente secularizado presente na Europa que não apenas se contenta em avançar em todas as esferas da sociedade, mas procura fazer-se presente também no âmbito teológico utilizando-se de conceitos que até então são usufruídos pela teologia, e que são utilizados através de uma abordagem secular. Analisaremos como a Igreja propõe caminhos diante deste fenômeno de proporções mundiais que se faz presente hoje em várias esferas do mundo intelectual e espiritual de nosso tempo.

O Papa Bento XVI reconhece que é necessário repensar o sentido dos valores morais que norteiam nossa própria existência e que a cada dia estão como que entrando em colapso na sociedade:

“Esta catarse é um apelo a todos nós, a toda sociedade mas, naturalmente, acima de tudo, à Igreja, a que voltemos a reconhecer os valores que nos orientam, a reconhecer os perigos que nos ameaçam não somente os sacerdotes, mas profundamente toda a sociedade. A consciência da ameaça de toda a estrutura moral de nossa sociedade deveria ser, para nós, um apelo a purificação. Devemos voltar a

74 PABLO, Blanco. Joseph Ratzinger uma bibliografia. Porto: Zenit, 2004, p. 155. 50

reconhecer que não podemos viver na indiferença, e que é importante aprender uma liberdade que seja responsabilidade”75

O êxodo da catarse é uma missão importante pela qual a Igreja deve atravessar. Reconhece o Papa que a liberdade enquanto conquista, é também uma tarefa e uma responsabilidade que deve percorrer caminhos que conduzam o ser humano ao ser humano naquilo que realmente torna relevante a sua dignidade. Para o Papa Bento XVI a modernidade não é uma realidade a ser ignorada ou descartada , mas acolhida naquilo que apresenta toda sua realidade positiva de busca de sentido por parte do ser humano: “É importante que busquemos viver e pensar o cristianismo de maneira tal que assuma a modernidade boa e justa e, portanto ao mesmo tempo, afaste-se e se distinga daquela que se está transformando em uma contra-religião”.76

Dentro desta perspectiva a liberdade tão cara ao ser humano não aparece como uma oposição a verdade, fazendo assim pender a liberdade a uma ditadura do relativismo e nem mesmo fazer da verdade um meio de impor um autoritarismo que também tenha seus desdobramentos clericais. A modernidade aparece aqui como possibilidade da verdade ser buscada e proposta na liberdade. “Em uma direção contrária, a modernidade fora apresentada e pensada como a emancipação e liberdade do homem que caminham pari passu para o seu distanciamento de Deus e da fé.77

5.1 A Antiga Europa Cristã e os novos desafios da secularização

O grande desafio enfrentado em nossos dias por parte da fé cristã diz respeito justamente aos fundamentos apresentados pela secularização negativa no que se refere em pensar a moralidade a partir da subjetividade e da autonomia do sujeito desencantando de modo contundente o aspecto religioso até se tornar abertamente anti- religiosa a nova forma de pensar sobre os novos caminhos da humanidade.

75 BENTO XVI. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos. Uma conversa com Peter Seewald. Ed: Paulinas, São Paulo. 2011, p. 60. 76 Ibidem, p.78. 77 DEL NOCE, Augusto. B. La legitimazione crítica Del moderno. Genov – Milano: Marietti, 2011, p. 368. 51

O cardeal Ratzinger pode vivenciar em diferentes gerações as grandes mudanças que se operou no mundo nos decênios anteriores a partir da ditadura nazista passando pela segunda guerra mundial, vivenciando o Concílio Vaticano II e o 4 de maio de 1968 momento em que se operou uma grande revolução cultural em muitos países da Europa. Ratzinger esta vivenciando este período de grande turbilhão de revoluções que se opera no mundo moderno. Na missa Pro Eligendo Romano Pontífice Celebrada pelo Cardeal Ratzinger e posteriormente Bento XVI visualizamos um pouco do contexto eclesial que o então Cardeal descreve historicamente:

“Quantos ventos doutrinários conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantos modos de pensamento.O pequeno barco do pensamento de muitos cristãos foi, não raro, agitado por essas ondas e jogado de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até a libertinagem; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e assim por diante. A cada dia nasce novas seitas e se realiza o que diz São Paulo sobre o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro. Ter uma fé clara, segundo o credo da Igreja, muitas vezes é rotulado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, ou seja, o deixar-se levar “para lá e para cá por qualquer vento doutrinário”, aparece como única atitude diante dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo, que não conhece nada como definitivo e que deixa como última medida somente o eu e suas vontades”78

Esta crise gerou um fastio grande com relação principalmente a Igreja Católica. A partir da revolução francesa o conflito trono e altar se acirraram. Uma procura por parte do poder civil de um desligamento de sua relação de proximidade e acordos substâncias com a fé católica. Uma das saídas possíveis ao desafio do processo de secularização seria a atitude da fé adulta capaz de dialogar com os novos questionamentos que são apresentados a fé cristã.79

78 RATZINGER, Joseph. Ditadura do relativismo. Veja. São Paulo, 27 de abril, 2005. Pg.36-37. 79 L‟Osservatore Romano. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.11. 52

5.2 O Sínodo: Nova Evangelização e Transmissão da Fé Cristã; “A Igreja existe essencialmente para evangelizar”.

A Igreja possui uma missão intransferível que é a de ser um sinal histórico do Reino dos Céus na terra. Este legado abrange a valorização da vida humana e tudo aquilo que por meio dela e de seu legado faz resplandecer sua visão de homem. A Igreja que não tivesse a valentia de evidenciar o valor, inclusive publicamente, de sua visão antropológica, haveria deixado de ser sal da terra e luz do mundo, cidade sobre o monte.80 Aqui faz-se mister compreender a missão da Igreja a partir de seu envio para ser no mundo expressão dos valores do Reino de Deus. Valores estes que são transmitidos há séculos por meio da fé crista de modo mais situado através do cristianismo e por meio de uma transmissão que hoje compreendemos como evangelização ou “Nova Evangelização”.

Os Padres sinodais reunidos recentemente no XIII sínodo dos Bispos bobre a nova evangelização e a transmissão da fé cristã afirmaram a necessidade de uma autêntica renovação espiritual. Seja da Igreja e ao mesmo tempo do mundo. O compromisso de fé por parte dos cristãos seria capaz de lançar os primeiros germes desta possível renovação espiritual: “O compromisso de renovação espiritual da própria Igreja, para poder renovar espiritualmente o mundo secularizado81. Constatou-se que a secularização modelou duas gerações de católicos que não conhecem as orações fundamentais da Igreja82 e nem a sua missão no mundo. Necessário se faz em propor como tarefa fundamental uma profunda conversão pastoral que possa aproximar e dar a compreender melhor ao mundo qual é a tarefa e a missão da Igreja.

4.3 Papa Francisco e a resposta testemunhal à secularização.

80 RATZINGER, Joseph. Mirar a Cristo. Exercícios de fé esperança e amor. Valência: Ediap, 1990, p.82. 81 L‟Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 12-13. 82 L‟Osservatore Romano. Sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p.21. 53

Ao Lançarmos um olhar sobre o atual pontificado exercido na pessoa do Papa Francisco, ou como ele mesmo gosta de ser cognominado Jorge M. Bergoglio, vemos que o processo de secularização também ocupa um lugar de reflexão. O Papa Francisco constata através de um olhar sinodal que o “processo de secularização tende a reduzir a fé e a Igreja ao âmbito do privado e íntimo”83. Para Francisco quando o homem perde ou não leva em conta a sua dimensão espiritual a transcendência a sua visão antropológica mergulha no vazio, desembocando em um relativismo progressivo. O olhar do Papa Francisco não se situa somente na preocupação secular do homem moderno de se emancipar de toda e qualquer instituição, mas o Papa percebe que ao perder a referência, ou não considerar a dimensão transcendental presente na vida humana a desorientação se generaliza na sociedade e a adolescência e a juventude torna- se joguete de um relativismo moral84 incapaz de propor ao ser humana caminhos que promovam a verdadeira pessoa em sua dignidade.

Outro aspecto que é destacado pelo Papa Francisco é justamente a atual crise cultural profunda pela qual passa a família. O matrimonio na visão do Papa deve superar o nível da afetividade e das necessidades ocasionais do casal e por outro lado deve conduzir o casal a uma dimensão da dimensão matrimonial que apresente este compromisso como uma união de vida total85.

Outra dimensão que deve ser considerada ao referir-se ao processo de secularização como compreende o Papa Francisco é justamente o individualismo pós- moderno e globalizado. Este tipo de individualismo como compreende o Papa Francisco somente debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares.

Ao levantarmos alguns traços do olhar do Papa Francisco sobre o processo de secularização destacamos aqui outra realidade que é justamente os caminhos apresentados pelo mesmo Papa para encontrar caminhos que possam mudar esta paisagem negativa gerada pelos frutos de uma secularização que não considera o ser humano em sua diferentes dimensão. Um dos pontos ou dos caminhos que o Papa Francisco apresenta é uma ação pastoral que promova e incentive uma comunhão

83 PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. São Paulo, Ed: Loyola, 2013, II, § 64, p. 45. 84 Ibidem, II, § 64, p.45. 85 Ibidem, II, § 66, p. 46. 54 salutar, que promova e fortaleça os vínculos pessoais: “Enquanto no mundo, especialmente em alguns países, reacendem-se várias formas de guerras e conflitos, nós, cristãos, insistimos na proposta de reconhecer e ajudar o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos “a carregar as cargas uns dos outros” (Gl 6,2).86

O caminho pelo qual o Papa Francisco se propõe a percorrer e indicar como caminho comum para toda a Igreja é um caminho testemunhal. A Igreja compreendida como estrutura de serviço humilde aos irmãos e a humanidade. É principalmente no testemunho da pessoa de Jesus e de modelo supremo.

O desafio atual da Igreja na contemporaneidade não se situa unicamente no confronto de idéias, ou no apresentar um conceito que seja mais sólido do que aquele que o processo de secularização apresenta, mas a urgência que se encontra hoje no tecido eclesial é o de buscar caminhos para que a caridade de Cristo continue sendo um evento por meio do qual a Igreja encarnado os valores do Reino de Deus em meio aos seus contemporâneos apresente melhor o rosto de Deus aos seus contemporâneos.

Redescobrir o aspecto acolhedor do evangelho, o olhar do bom samaritano, para o qual pessoa alguma é invisível, será o começo para que se iniciem novas mudanças dentro das estruturas eclesiais, superando assim á atitude burocrática, onde o aspecto administrativo sufoca a ação pastoral, desembocando em uma sacramentalização que não visualize outros caminhos oportunos a evangelização.

Procuramos aqui nesta primeira parte da dissertação apresentar algumas dimensões que consideramos necessária para situarmos um pouco o sentido do Processo de secularização. Apresentamos algumas abordagens científicas por parte de algumas ciências humanas e trouxemos reflexões por parte da XIII Assembleia ordinária do sínodo dos Bispos sobre a nova evangelização e a transmissão da fé cristã. Por último demos um acento seja nas propostas colocadas pelo sínodo, contudo já adentrando com sua síntese na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco que sintetiza o pensamento dos padres sinodais.

A partir do próximo capítulo apresentaremos a visão de alguns pontos de reflexão sobre o conceito de evangelização e “Nova evangelização” dentro dos novos

86 Ibidem, II, § 67, p. 46. 55 desafios atuais da Igreja. Também dentro deste segundo capítulo continuaremos a fazer dos textos Sinodais um caminho para a compreensão da ação evangelizadora da Igreja buscando assim acolher de modo mais universal aquilo que valioso será para a vivência local e de toda Igreja. O testemunho e a experiência, e até mesmo as dificuldade daqueles que evangelizam e do caminhar das diversas Igrejas locais acrescentam e enriquecem consideravelmente a visão e a ação evangelizadora da Igreja na sua universalidade.

O segundo capítulo colhendo os desafios postos pelo processo de secularização apresentará caminhos de superação deste mesmo processo e alguns elementos necessários para que se compreendam melhor as necessidades internas da Igreja de se auto-estruturar na compreensão necessária do conceito de evangelização e Nova evangelização, assumindo de maneira comum e caminhando na mesma direção considerando a particularidade de cada experiência e cultura e ao mesmo tempo utilizando da própria experiência para que numa dinâmica interna se abra a uma guinada paradigmática dentro de um novo modo de olhar os horizontes missionários e pastorais de toda a Igreja.

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II CAPÍTULO

EVANGELIZAÇÃO E “NOVA EVANGELIZAÇÃO”

2. O Conceito de Evangelização e “Nova Evangelização”

A palavra “evangelium” “euangelisasthai” aparece já nos escritos de Homero como o anúncio de uma vitória e, por conseguinte, é anuncio de bem, de alegria, de felicidade. O segundo livro do Profeta Isaias (40, 9) como voz que anuncia a alegria de Deus, como voz que faz compreender que Deus não se esqueceu de seu povo, que Deus, o qual aparentemente quase se tinha retirado da história, existe, está presente.87 Neste contexto sobressaem três palavras: dikaiosyne, eirene, soteria – justiça, paz, salvação. O próprio Jesus retoma as palavras de Isaías, em Nazaré, falando deste “Evangelho” que agora ele leva precisamente aos excluídos, aos encarcerados, aos sofredores e aos pobres. Dentro do ambiente do novo testamento a palavra “evangelium” aparece paralelamente ao uso da mesma que o Império Romano começando pelo Imperador Augusto realizava.

A Igreja existe para evangelizar, ela é essencialmente missionária. A reflexão sobre a dimensão missionária na Igreja com seus desdobramentos na pastoral encontra- se em uma autêntica encruzilhada. Deparamo-nos com uma estrutura de mundo em permanentes transformações e com o paradigma antropológico bem acentuado. O mandato missionário do Redentor e a preocupação em ser autêntica com este mandato leva novamente a Igreja a se concentrar em sua missão evangelizadora.

A teologia da missão encontra nos documentos do Concílio Vaticano II um suporte teológico na missão ad gentes, que apresenta uma progressão na corresponsabilidade missionária. A missão aparece como um acontecimento Trinitário é o Pai que envia o Filho e o Filho por sua vez em Pentecostes envia o Espírito Santo e o Espírito é que envia a Igreja por meio dos apóstolos e de todos aqueles que crendo e sendo batizados são tocados pela experiência com o Ressuscitado.

87 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Meditação do Papa Bento XVI durante a oração da Hora Tércia na inauguração dos trabalhos do Sínodo dos Bispos. A Nova Evangelização para a Transmissão da Fé Cristã. São Paulo: CNBB. 2013, P.15.

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A evangelização obedece ao mandato missionário de Jesus: “Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt 28, 19-20). Nestes versículos, aparece o momento em que o Ressuscitado envia os seus discípulos a pregar o Evangelho em todos os lugares e tempos e, para que a fé n‟Ele se estenda a todos os cantos da terra.88 A Igreja reconhece que: “não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor e sem existir uma «primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização».89

Hoje os agentes de evangelização enviados pelo espírito são os cristãos que sendo por sua vez evangelizados tornam-se evangelizadores. A evangelização não é uma propaganda ou uma estratégia de marketing, mas antes de tudo é a “arte de viver”.90 Crer em Cristo e em seu evangelho não é apenas partirmos em busca de realizar algo por nós mesmos, mas de acolhermos a graça que se apresenta como caminho de vida e salvação. Os profetas anunciaram e transmitiram a Palavra de Deus impelido pelo Senhor a situações concretas do peregrinar do povo de Israel. Grandes personalidades e mestres conferiram saberes aos seus discípulos que eram verdadeiras instruções para o seu agir e ser. Ser evangelizado é acolher o Reino na sua proximidade. O Reino que se faz presente “em” e “entre nós”. O Reinado de Jesus transforma a vida em um servir. Este servir os outros com o anúncio explícito da pessoa de Cristo e uma vida que se coadune com a mesma mensagem e fé. Os anunciadores e missionários da nova evangelização deverão superar distâncias ideológicas de igual modo imensas, muitas vezes ainda antes de sair fora do bairro ou da própria família.91 O sínodo por sua vez constatou que três fases devem estar presentes no novo empenho da ação evangelizadora da Igreja:

88 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, I, § 19, p. 19. 89 Ibidem, III, § 110, p. 69. 90 http://www.vatican.va/roman curia / congregations/cfaith/documents/rc con cfaith doc 20001210 jubillcatechists-ratzinger po. Html. 22-06-2014/ 9:00hs. 91 L’ Osservatore Romano. Relatório do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral, por ocasião da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p. 21. 58

1. A primeira fase: corresponde à renovação ou o aprofundamento da nossa fé a nível intelectual e afetivo. Abraçando com alegria a mensagem evangélica e podo-a em prática na própria vida92; 2. A segunda fase: refere-se a uma nova confiança na verdade da nossa fé e na própria mensagem que vamos anunciar. Aqui temos como referência o próprio Jesus que ensinava com autoridade (Mc 1, 21-22). Ensinou do fundo de sua identidade. Jesus tem autoridade por saber que Ele é: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”93; 3. A terceira fase: deve ser à vontade e o desejo de partilhar a própria fé. O testemunho pessoal se fará fundamental e se constituirá em si uma proclamação da Palavra de Deus.94

A Igreja reconhece que guiar os homens e mulheres do nosso tempo a Jesus, ao encontro com Ele, é uma urgência em todas as regiões do mundo, de antiga e de recente evangelização:95

1.2 A Nova Evangelização: “nova no seu fervor, nos seus métodos, nas suas expressões”

A Igreja reconhece que guiar os homens e mulheres do nosso tempo a Jesus, ao encontro com Ele, é uma urgência em todas as regiões do mundo, de antiga e de recente evangelização:96

As transformações sociais às quais assistimos nos últimos decênios têm causas complexas, que afundam as suas raízes no tempo longínquo e modificaram profundamente a percepção do nosso mundo. Considerem-se os gigantescos progressos da ciência e da técnica, o ampliar-se das possibilidades de vida e dos espaços de liberdade individual, as profundas mudanças em âmbito econômico, o

92 SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé. Brasília: CNBB, 2012, § 24, 37, 40, 118,-119, 147-158. 93 Ibidem, 31,41,46,49,120. 94 Instrumentum Laboris, 33-34, 81. 95 L‟ Osservatore Romano. Sábado 3 de novembro de 2012, número 44, P. 6. 96 L‟ Osservatore Romano. Sábado 3 de novembro de 2012, número 44, P. 6. 59

processo de mistura de etnias e culturas causadas por maciços fenômenos migratórios, a crescente interdependência entre os povos. Tudo isto causou consequências também na dimensão religiosa da vida do homem. E se por um lado a humanidade conheceu inegáveis benefícios por estas transformações e a Igreja recebeu ulteriores estímulos para dizer a razão da sua esperança (1 Pd 3, 15), por outro se verificou uma preocupante perda do sentido do sagrado, chegando até a pôr em questão aqueles fundamentos que pareciam indiscutíveis, como a fé num Deus criador e providente, a revelação de Jesus Cristo único salvador, e a comum compreensão das experiências fundamentais do homem como nascer, morrer, viver numa família, a referência a uma lei moral natural.97

Outra referência que amplia o conceito de evangelização é aquele apresentado pelo Papa João Paulo II, quando propôs a toda Igreja uma nova evangelização, “nova no seu ardor, nos seus métodos e nas suas expressões”.98 Este deve ser o primeiro e mais necessário serviço que a Igreja deve oferecer a toda a humanidade. Aqui se faz ressoar também as Palavras do Papa Paulo VI, em Evangelii Nuntiandi:

a) Uma evangelização nova em seu fervor (ardor):” Uma evangelização inspirada no fervor que se pode sempre observar sempre na vida dos grandes pregadores e evangelizadores, que se consagraram ao apostolado”.[...]”Esta falta de fervor manifesta-se no cansaço e na desilusão, no acomodamento e no desinteresse e, sobretudo, na falta de alegria e esperança em numerosos evangelizadores”(EN 80). b) Uma evangelização nova em seus meios (método):”Este problema de como evangelizar apresenta-se sempre atual, porque a maneira de o fazer variam em conformidade com as diversas circunstâncias de tempo de lugar e de cultura...”[...]” incumbe o cuidado de remodelar com ousadia e com prudência e numa fidelidade total ao seu conteúdo, os processos, tornando-os o mais possível adaptados e eficazes para comunicar a mensagem evangélica aos homens de nosso tempo”(EN 40). C) Uma evangelização nova na maneira de expressar os conteúdos (expressões); “ Na mensagem que a Igreja anuncia, há. certamente muitos elementos secundários. A sua apresentação depende, em larga escala das circunstâncias mutáveis. Também eles mudam”(EN 25). [...] É por isso que a evangelização comporta uma mensagem explícita, adaptada as diversas situações e continuamente atualizada...”(EN 29).99

97http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/apost_letters/documents/hf_benxvi_apl_20100921_ubi cumque-et-semper _po.html 29. 06. 2014./ 16:00hs. 98 JOÃO PAULO II. Discurso á XIX Assembleia do CELAM, Porto Príncipe, Haiti, 9 de março de 1983, 3; AAS 75 I, 1983, 778. 99 BRIGHENTI, Agenor. Por uma evangelização realmente nova, Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Ano 45, Numero 125, p. 83-106, Jan/ Abril, 2013. 60

A nova evangelização seguindo na esteira da proposta de atualização do Concílio Vaticano II quer fazer novamente resplandecer a beleza da fé no hoje do nosso tempo100, sem sacrificar às exigências do presente nem a manter ligada ao passado: na fé ressoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo e, contudo pode ser acolhido por nós unicamente no nosso hoje irrepetível.101 Outro elemento que é importante compreender no que se refere ao conceito de evangelização e nova evangelização abordado pelo sínodo é justamente de compreendê- lo como um acontecimento testemunhal dos discípulos de Jesus frente aos novos desafios que se apresentam através da realidade, e não um “sonhar com a volta de uma cristandade, o que seria um engano, uma ilusão, pois se baseia na sacralização de uma forma histórica da presença da Igreja Católica no mundo”. 102

1.2.1 Fundamentos Teológico-Pastorais da nova evangelização

Uma das particularidades importantes neste Sínodo fora justamente o complemento apresentado pelo Papa Bento XVI: “para Transmissão da fé cristã” o que

100 “Novo fervor/ardor se refere ao mensageiro, que também é mensagem. Na evangelização não é possível desvincular a mensagem do mensageiro, sobretudo, como dirá a Evangelii Nuntiandi, porque o testemunho constitui” o momento primeiro de um processo de evangelização” (EN 21). Antes do anúncio explícito do querigma, impõe-se à necessidade de uma prévia evangelização implícita, alicerçada num falar de Deus sem falar, a exemplo de seu próprio modo silencioso de comunicar-se. Neste particular, Os grandes pregadores e evangelizadores tem muito a nos inspirar, entre os quais, nossos mártires brilham como modelo de zelo pela defesa e promoção da “vida em abundância”(Jo 10, 10), que Jesus veio trazer. Para uma nova evangelização, um mensageiro novo, sintonizado com seu tempo e contexto é, sobretudo, expressão da mensagem sempre nova do evangelho. Novos meios/métodos aludem ao fato de que a evangelização, além do mensageiro, o método é também mensagem. E como as meditações o mensageiro tira da cultura, sempre viva e dinâmica, inevitavelmente, os métodos caducam e passam. Métodos e mediações que num determinado tempo e espaço mostram-se inadequados, em outras circunstâncias, podem se revelar totalmente defasados. O mensageiro precisa zelar para que os métodos que ele utiliza para evangelizar estejam sempre em congruência com o conteúdo da mensagem veiculada. Não basta que o fim seja evangélico; também os meios precisam ser evangélicos. Na evangelização, os meios são sempre o fim na gradualidade do processo. É preciso ficar atento a meios que não são bom caminho, pois desviam do fim ao qual a mensagem se acena. Novas expressões ou nova maneira de expressar o conteúdo dizem respeito à roupagem através da qual se veicula o evangelho. E a roupagem é também mensagem. Além do mensageiro e do método, a instituição é também mensagem, assim como estruturas, organização, configurações históricas, são também mensagem dado que afetam o caráter de uma Igreja sacramento do Reino de Deus. Sacramento, além de Instrumento, é também sinal que precisa mostrar ou visibilizar a mensagem na forma como se busca explicita-la e atualiza-la nas novas circunstâncias.”(BRIGHENTI, Agenor. Por uma evangelização realmente nova, perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Ano 45, Numero 125, p. 83-106, Jan/ Abril, 2013 p, 89. 101http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2012/documents/hf_bentoxvi_hom_2012101 1_anno-fede_po.html. 28.06.2013/ 14:00hs 102 L‟ Osservatore Romano. D. Pascal Wintzer, Arcebispo de Poitiers (França), 27 de outubro de 2012, número 43, p. 7. 61 dá justamente a conotação de uma unidade entre a “nova evangelização” e a transmissão da fé cristã que costuma a ser transmitida pela vivíssima Tradição da Igreja. Sem este componente essencial a nova evangelização poderia consistir numa experiência que, por conseguinte poderia se tornar mais uma experiência intimista e subjetivista do que algo que direcionasse a um engajamento e a um ser no corpo de Cristo que é a Igreja comunidade dos que creem. Conceito como a encarnação, a ressurreição, a redenção, os sacramentos e a graça são temas fundamentais para compreensão da própria fé vivida pela igreja.103 É de fundamental importância que o evangelizador esteja aberto a abordar outras temáticas importantes sendo ele um grande responsável por socializar e clarificar melhor pela vivencia do evangelho o que crê.

Aqui é importante compreender a nova evangelização dentro de sua profunda relação com a pastoral. O termo “pastoral” deriva de pastor. No início de seu uso (finais do século XVIII e princípios do século XIX) referia-se basicamente à doutrina e prática de formar pastores (presbíteros), e ao modo de realizar o ofício da cura animorum (cuidado das almas) próprio do pároco.104 Contudo dentro da eclesiologia do Vaticano II, compreendemos a pastoral dentro de uma perspectiva de ministérios onde cada membro do corpo de Cristo, dentro de seu carisma e vocação específica colabora para uma auto-edificação da própria comunidade eclesial a partir do paradigma testemunhal do próprio Jesus.105 Faz-se necessário a compreensão neste contexto da importante relação entre evangelização e pastoral:

“Entendendo-se por evangelização o anúncio da Boa-Nova do Reino e do amor do Pai, manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para a salvação, podemos dizer que a pastoral e evangelização não se identificam, mas são interdependentes e complementares; a evangelização é a tarefa que deve ser realizada (o que), e a pastoral é o modo necessário de concretizar tal tarefa (o como); a evangelização é uma e única, a pastoral é diversa e com métodos variados. O ministério pastoral é instrumento e canal, o Evangelho, a fonte. Daí que o mais importante não seja realizar ações, mas evangelizar por meio delas. Conclusão: se o ministério não fizer presente Jesus Cristo

103 L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral, por ocasiaão da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p. 21. 104 FLORISTÁN, C. Teología práctica, teoria y práxis de La acción pastoral. Salamanca: sígueme, 1993. P. 108. 105 VALADEZ FUENTES, S. Espiritualidade Pastoral: Como superar uma pastoral “sem alma”? São Paulo: Paulinas, 2008. 62

e sua práxis, não é evangelizador e não merece o qualificativo de „pastoral‟.”106

Uma das atuais e oportunas definições sobre a pastoral encontra-se no discurso do Papa Francisco no encontro que teve com o episcopado brasileiro por ocasião da Jornada da Juventude em 27 de Julho de 2013:

“Pastoral nada mais é que o exercício da maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão. Por isso, faz falta uma Igreja capaz de descobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem misericórdia poucas chances temos hoje de inserir-nos em um mundo de “feridos”, que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor. ”107

1.2.2 Fundamento Antropológicos da Nova evangelização

A nova evangelização deve indicar a própria origem da nossa dignidade humana, o conhecimento de si e a realização de si dentro de um horizonte antropológico mais amplo. Evangelizar será o esforço de colocar o ser humano frente ao projeto de Deus para sua própria vida. Abeirando-se dos direitos fundamentais a respeito da vida humana da família e de tudo aquilo que pode promover integralmente a dignidade humana:

“A nova evangelização deve basear-se sobre a compreensão teológica que é Cristo que revela o homem ao homem a si mesmo, que a verdadeira identidade do homem está em Cristo, o novo Adão. Este aspecto da Nova evangelização tem um significado muito prático para o indivíduo. Se é Cristo quem nos revela quem é Deus e, por conseguinte, quem somos e como nos relacionamos com Deus, então Deus não está distante ou incrivelmente distante.”108

106 Ibidem, p. 21. 107 PAPA FRANCISCO. Pronunciamentos do Papa Francisco no Brasil. São Paulo: Loyola, 2013, p. 54. 108 SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé. Brasília: CNBB, 2012, §19. P.30. 63

O fundamento antropológico da nova evangelização deve ser o desejo natural, que todos sentimos, de comunhão com o transcendente- com Deus. Outro elemento é que a compreensão antropológica sobre a abertura do homem a Deus o coloca diante do drama do enfrentamento do mal e do pecado na própria vida. Frente a este drama o ser humano tem o auxílio do próprio Cristo para empreender um peregrinar a uma vida nova buscando superar e transcender o que lhe apequena sua dignidade. Esta é a tarefa da nova evangelização, ajudar o ser humano a reconhecer que através da luz da fé que tem sua visibilidade na encarnação e na humanidade do Filho de Deus, Ele também ser humano torna o homem mais plenamente homem.

1.2.3 Fundamentos Cristológicos da Nova Evangelização

A nova Evangelização é a re-proposta da pessoa de Jesus Cristo. A apresentação da pessoa de Jesus e sua relação com o Pai, a sua atividade e missão na humanidade e a realidade de sua paixão, morte e ressurreição. O Cristo apresentado deve ser o Cristo da revelação, da auto-comunicação de Deus. Jesus veio revelar a verdade sobre Deus e sobre nós mesmos.109

O sínodo dos bispos ao tomar novamente os fundamentos cristológicos de todo o ser e missão da Igreja está bem consciente que a fé cristã não diz respeito somente a comunicação de saberes culturais cristãos que plasmaram por muitos séculos os continentes beneficiados pela mensagem evangélica, mas o que a Igreja realmente pretende é reconhecer e trazer a memória de cada um de seus membros que: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma pessoa que dá a vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.”110

Ao colocarmos a experiência com Cristo como evento testemunhal do envio missionário ressaltamos aqui a importância de que os que se lançam na missão evangelizadora assumam também o estilo evangelizador de Jesus Cristo, que é o

109 Ibidem, p. 18-21. 110 BENTO XVI. Deus caritas est . Carta Encíclica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2005, § 1, p.7. 64 primeiro e o maior evangelizador.111 Esta atitude renovada deve se fazer presente em qualquer atividade que se realiza.112

1.2.4 Fundamentos Eclesiológicos da nova evangelização

A missão da nova evangelização deve também apresentar uma explícita compreensão teológica sobre o lugar da Igreja para a salvação. De fato é um desafio delicado, pois a cultura moderna é permeada por um sentimento de que a salvação é um acontecimento unicamente do encontro com a pessoa de Jesus Cristo. Aqui é necessário apresentar a Igreja na sua dimensão diaconal. A dimensão diaconal da Igreja não é aquela que se coloca como a detentora de todos os meios sem o qual ninguém poderá chegar à salvação, mas como aquela que deseja, reza e auxilia a cada crente para que este vivencie a salvação e sinta-se como pertencente a este corpo eclesial, mesmo que esta pertença por vezes não seja plena ou ainda não testifique uma plena unidade cristã em diferentes aspectos, costumes e disciplinas internas seja das igrejas mais históricas, ou seja, das nova comunidades eclesiais.113. Os novos evangelizadores se esforçarão por apresentar a Igreja como corpo de Cristo:

“Agora Vós sois o Corpo de Cristo e, cada um segundo a própria parte, seus membros (I Cor 12,13). A base de nossos esforços na nova evangelização deve ser o reconhecimento de que no batismo Cristo deu a cada um de nós dons do Espírito Santo. É o Espírito, a alma da Igreja, que nos liga numa unidade que supera qualquer tipo de divisão (I Cor 12, 13). A nova evangelização deve falar da vontade salvífica de Deus e ao mesmo tempo reconhecer que Jesus ofereceu um percurso claro e único para a redenção e salvação. A Igreja não é um entre os muitos modos para se alcançar a Deus, considerados todos igualmente válidos. Enquanto Deus quer que sejamos todos salvos, é precisamente por sua vontade salvífica universal que Deus

111 PAULOVI. Evangelii Nuntiandi . Exortação Apostólica. (8 de dezembro de 1075), 7: AAS 68 (1976), 9. 112 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,§18, p. 17. 113 SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé. Brasília: CNBB, 2012, § 35-36.p. 44-45. 65

enviou Cristo para nos fazer filhos adotivos e leva-nos á eventual glória eterna”.114

A nova evangelização é inseparável de uma renovação da comunhão eclesial na relação entre dimensão carismática e hierarquia.115

1.2.5 Fundamentos soteriológicos da Nova evangelização

Uma justa compreensão da presença de Deus conosco é a consciência do que entendemos como seu Reino. O novo testamento todo fala sobre o Reino de Deus. Já desde o início da pregação evangélica Jesus diz que “reino de Deus está próximo” (Mt 4, 17). O coração do evangelho é o Reino de Deus. Se quisermos reivindicar o fato de que somos seguidores de Jesus é essencialmente necessário que olhemos para o Reino que Ele proclamou. Na terra o reino está misteriosamente escondido, mas pode ser conhecido em toda parte de modo espiritual, contudo, o Reino que veio na pessoa de Cristo, cresce no coração de quantos a ele são incorporados.116

O grande empreendimento da evangelização em nossos dias consistira em uma organização aberta que deverá contar com alguns pontos fundamentais tais como a necessidade de reafirmar a natureza essencial da evangelização em toda igreja. Outro aspecto será a solidez dos fundamentos teológicos a serem colocados como balizas para a nova evangelização.

O encorajamento de numerosas e atuais manifestações e iniciativas pastorais, evangelizadoras, espirituais que fomentem um novo impulso evangelizador demonstra- se de fundamental importância. Também será de grande importância sugerir meios

114 L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral, por ocasião da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p. 21. 115 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Marc Quellet, P.S.S, Prefeito da Congregação para os Bispos (Cidade do Vaticano), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.19. 116 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes, 1993, I, § 865, p. 212. 66 concretos de se introduzir em toda Igreja iniciativas que permeiem tanto paróquias, e movimentos num atualizado compromisso missionário.117

Destacamos aqui a importante da contribuição dada pela exortação Apostólica Evangelii Gaudium que bem apresenta e sintetiza as dimensões particulares e universais em que a nova Evangelização e a transmissão da fé cristã se preocupa em abordar:

“À escuta do Espírito, que nos ajuda a reconhecer comunitariamente os sinais dos tempos, celebrou-se de 7 a 28 de Outubro de 2012 a XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, sobre o tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Lá foi recordado que a nova evangelização interpela a todos, realizando-se fundamentalmente em três âmbitos. Em primeiro lugar, mencionamos o âmbito da pastoral ordinária, animada pelo fogo do Espírito a fim de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a comunidade, reunindo-se no dia do Senhor, para se alimentarem da sua Palavra e do Pão de vida eterna. Devem ser incluídos também neste âmbito os fiéis que conservam uma fé católica intensa e sincera, exprimindo-a de diversos modos, embora não participem frequentemente no culto. Esta pastoral está orientada para o crescimento dos crentes, a fim de corresponderem cada vez melhor e com toda a sua vida ao amor de Deus. Em segundo lugar, lembramos o âmbito das pessoas batizadas que, porém, não vivem as exigências do Batismo, não sentem uma pertença cordial à Igreja e já não experimentam a consolação da fé. Mãe sempre solícita, a Igreja esforça-se para que elas vivam uma conversão que lhes restitua a alegria da fé e o desejo de se comprometerem com o Evangelho. Por fim, frisamos que a evangelização está essencialmente relacionada com a proclamação do Evangelho àqueles que não conhecem Jesus Cristo ou que sempre O recusaram. Muitos deles buscam secretamente a Deus, movidos pela nostalgia do seu rosto, mesmo em países de antiga tradição cristã. Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de anunciá-lo, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração.118”

2. A Conversão: princípio fundamental para uma nova evangelização.

117 L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral, por ocasiaão da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p. 21. 118PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, § 14, p. 14. 67

“Arrependei-vos, porque o Reino dos céus está próximo.”(Mt 3, 2)119. A mensagem da conversão é a mensagem que acessa a nova vida. O estilo de vida dos discípulos de Jesus manifestam o projeto de Deus e dilata a presença de seu Reino em meio ao mundo. A conversão é a abertura e um redimensionar integral do ser humano e de sua potencialidade em direção ao mistério de Deus auto-comunicado através do mistério do Verbo encarnado. O acontecimento da conversão não é apenas um movimento ad extra que acontece para fora dos portões ou dos muros da própria Igreja:

“A conversão (metanoia), no seu significado propriamente cristão, é uma mudança de mentalidade e de ação, como expressão da vida nova em Cristo proclamada pela fé: trata-se de uma contínua reforma do pensamento e de obras para uma mais intensa identificação com Cristo(Gl 2, 20), que são chamados primeiro os batizados. Tal é, em primeiro lugar, o significado do convite formulado por Cristo: „convertei-vos e crede na Boa Nova‟(Mc 1, 15; Mt 4, 17).”120

Sabemos que a conversão pastoral, condição para uma autêntica evangelização deve também passar pela conversão dos pastores para que eles sejam os primeiros a se abrirem a uma nova primavera do Espírito Santo sobre a Igreja:

“Fechamo-nos em nós mesmos, mostramos uma auto-suficiência que impede que nos aproximemos como uma comunidade viva e fecunda que gera vocações, a tal ponto burocratizamos a vida de fé e sacramental. Numa palavra, já não sabemos que ser batizados é sermos evangelizadores. Incapazes de ser propositivos do evangelho, tíbios na certeza da verdade que salva, e cautos no falar porque estamos oprimidos pelo controle da linguagem, perdemos credibilidade e arriscamos tornar vão o Pentecostes. Neste momento não nos serve as saudades dos tempos passados nem a utopia para perseguir os sonhos; ao contrário serve uma análise lúcida que não esconde as dificuldades e nem sequer o entusiasmo de todas as experiências que permitiram nestes anos realizar a nova evangelização.121

120 CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Nota Doutrinal sobre alguns Aspectos da Evangelização. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 17. 121 L‟ Osservatore Romano. D. Rino Fisichella. Durante a terceira congregação geral, intervenção dos Padres sinodais, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p.12. 68

A finalidade da evangelização é metanoia e a opção pela palavra de Deus, através de uma mudança radical no modo de refletir, viver e estar no mundo.122É justamente esta Palavra, este falar de Deus aos homens que produzirá um modo de ser, pensar e agir.123 A conversão é em si uma antecipação da vida nova sob as condições deste mundo nas possibilidades do evangelho e que o Espírito de Deus põe a vigorar: Conversão é vida na antecipação do Reino de Deus com base na proveniência desse reino.124 Mesmo que o Reino de Cristo não tenha chegado na terra a plenitude ele faz-se sinalizar através da presença da igreja. A Igreja é o meio pelo qual Cristo reina e dilata o seu Reino em meio aos homens. Contudo, este Reino, encontra fecundidade quando pessoas que assumiram viver uma conversão autêntica explicitam a vida nova em Cristo.125

2.1 A Vida Eterna principiada nas bem-aventuranças

Um dos aspectos fundamentais do cristianismo é que ele abre o ser humano para dimensões de eternidade. No início da pregação de Jesus está presente a pregação sobre o Reino de Deus que se faz presente no “já” e no “ainda não” da Igreja peregrinante. Ao caminhar na companhia de seu Senhor a Igreja reconhece-se como a discípula bem aventurada que vive a beatitude de Deus já na cotidianidade das relações humanas. Este entrar na vida já é um acontecimento existencial-ontológico de quem se abriu para a vida que é comunicada pelo Senhor Jesus Cristo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”(Jo 10,10), realiza-se só quando as pessoas entram na vida eterna. É a ação da Igreja que indica o caminho rumo a vida em abundância.126

As motivações do alto é o que deve mover as iniciativas que tomamos no cotidiano da nossa história. Afirma a Constituição Dogmática Lumen Gentium que: “...

122 L‟ Osservatore Romano. D. Mauro Semren, O.F.M. Auxiliar de Banja Luka (Bósnia e Herzegovina) sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 18 123 123 L‟ Osservatore Romano. Relátorio do Cardeal William Wuerl, relator-geral, antes do debate geral, por ocasião da primeira congregação geral do sínodo dos bispos, sábado 13 de outubro de 2012, número 41, p. 21. 124 MOLTMANN, JÜRGEN. O Caminho de Jesus Cristo. Cristologia em dimensões messiânicas, Petrópolis: Ed; Vozes, 1993, p, 147. 125 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização e missão profética da Igreja: Novos desafios, (n 80), São Paulo: Paulinas, 2006, p. 29. 126 L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Thottunkal, chefe no sínodo da Igreja Sírio Malancar (índia). 69 enquanto consideramos a vida daqueles que seguiram fielmente a Cristo, somos incitados a buscar por novas motivações a Cidade futura (cf. Heb 13, 14 e 11, 10)”.127

O crer é o acolhimento da vida que produz vida abundante no coração do discípulo. A partir do batismo a vida eterna se faz presente na vida dos discípulos levando a pessoa a um enraizamento no relacionamento com Cristo.

A bem-aventurada vida que propõe o evangelho é a amizade com a pessoa de Jesus Cristo que se consolidando, se desdobra na missão como auto realização. A bem- aventurança são os sinais daqueles que pelo amor ao Reino de Deus dão o melhor de si e a si mesmo pela causa do evangelho. Não é trocar uma ideologia ateia por uma ideologia religiosa, mas é a manifestação da presença do ressuscitado em meio aos homens.128 Esta manifestação do ressuscitado nos aproxima daquele que conhece as dores que atinge a alma e o corpo do ser humano. Ao tornar-se humano o Senhor Jesus assumiu como suas chagas as chagas da humanidade, deste modo evangelizar para a Igreja é se aproximar também das chagas de seu Senhor:

“Às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em contacto com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente e vivemos a intensa experiência de ser povo, a experiência de pertencer a um povo.”129

A nova evangelização deve ser um apelo a uma nova caridade: “Só seremos portadores credíveis da alegria do evangelho se a proclamação for acompanhada da

127 CONCÍLIO VATICANO II. Constituições, decretos e declarações. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 135. Vozes, 1968. 128 L‟ Osservatore Romano. D. Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro (Itália), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 21. 129 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, V, § 270, p. 151. 70 mensagem inseparável da caridade. A caridade de Jesus é o dom de si. A caridade da nova evangelização deve ser o dom de Jesus.”130

O homem é um ser pluridimensional. A boa nova da salvação deve assumir todas as dimensões do humano para lhe fazer experimentar na vida terrena o bem-estar como sacramento da beatitude futura.131 A evangelização deve partir das coisas práticas e fundamentais da nossa existência: “Quando nós cristãos anunciamos este Deus pessoal, que nos ama, que nos salvou, que nos convida a uma vida feliz e eterna em comunhão com ele, não estamos a formular conclusões que derivam automaticamente dos nossos conhecimentos sobre a natureza”.132

É dentro deste horizonte mais amplo e que abarca a missão dentro de sua dimensão integral que os padres do sínodo buscaram apresentar respostas que fossem ao mesmo tempo teológicas e pastorais, não deixando de tomar a existência concreta da vida de cada ser humano e sua presença no mundo:

“Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos que Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas para nosso usufruto (1Tm 6, 17), para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e sua consecução do bem comum”133

A beatitude proposta pelo evangelho que procura sinalizar o Reino na busca de uma “Magna” felicidade se desdobra como contributo a ética e a vida frente ao próximo: “a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categoria do mercado”.134 A proposta da vida beatifica não é somente uma utopia em direção a qual caminhamos,mas já é o desdobramento do eterno no temporal, é o

130 L‟ Osservatore Romano. Dom Sócrates B. Villegas, Arcebispo de Lingayen-Dagupan (Filipinas), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p.15. 131 L‟ Osservatore Romano. D. Der Raphael Dabiré Kusiéle, Bispo de Diébougou ( Burquina Faso ), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 18. 132 L‟ Osservatore Roamano. Cardeal Peter Erdó, Arcebispo de Esztergom-Budapeste, Presidente da Conferência Episcopal (Hungria), Presidente das conferências Episcopais da Europa (C.C.E.E.), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 18. 133 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013,§ 182, p. 109. 134 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium. Constituição Dogmática. Petrópolis: Vozes, 1968, § 57, p.41. 71 fundamento de uma “vida mais feliz” que nos coloca a caminho. Uma fé autêntica é uma fé que se envolve com as grandes questões do mundo, porque envolve a vida de seus contemporâneos:

“Uma fé autêntica que nunca é cômoda nem individualista comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela. Amamos este magnífico planeta, onde Deus nos colocou, e amamos a humanidade que o habita, com todos os seus dramas e cansaços, com os seus anseios e esperanças, com os seus valores e fragilidades. A terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos. Embora a justa ordem da sociedade e do Estado seja dever central da política, a Igreja não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção dum mundo melhor. É disto mesmo que se trata, pois o pensamento social da Igreja é primariamente positivo e construtivo, orienta uma ação transformadora e, neste sentido, não deixa de ser um sinal de esperança que brota do coração amoroso de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, une o próprio empenho ao esforço em campo social das demais Igrejas e Comunidades eclesiais, tanto na reflexão doutrinal como na prática.”135

2.2 A dimensão social da evangelização: O Reino de Deus e sua expansão no mundo

O Reino de Deus é outro acontecimento importante como componente essencial da evangelização. O Reino por meio dos sinais se faz presente como obra de Deus que se opera no mundo. O Reino de Deus não é uma oposição radical a sociedade, mas é sinal de tensão que sinaliza outra realidade que opera como fermento dilatando a presença dos valores do Reino de Deus no mundo. A teologia do Reino é a teologia que justamente se coloca de modo integral a serviço da vida humana e propõe a esta mesma vida o Cristo total. Aqui é importante a compreensão do Reino não somente como cristandade operando como uma força centrípeta e centrifuga, mas operando ao molde de sementes, acolhendo “a multiplicidade e a evolução das culturas, penetra a fé, que é

135 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, IV, § 183, p. 110. 72 uma comunhão transcendente com Deus, e se múltipla em sua imanência”136 A evangelização aparece através de várias facetas nos diversos campos missionários, por exemplo em alguns países árabes ela é realizada de modo direto através das escolas, universidades, nos hospitais, e nos institutos pertencente às ordens religiosas aberta quer aos cristãos quer aos muçulmanos.137

A fé e a caridade são complementares na vida cristã de modo que se apoiam mutuamente.138 A caridade permite que vejamos o rosto de Cristo expresso na opção preferencial pelos pobres abraçada pela Igreja como uma opção que está “ implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza”.139

A nova evangelização na Igreja em nossos dias é indispensável à dimensão do social como componente a dimensão missionária, testemunha a caridade de Cristo através das obras da justiça, da paz e do desenvolvimento humano integral que propõe esta doutrina.140 Hoje, a cultura da mudança de época apresenta-nos desafios: “a dificuldade de aceitar Deus como fundamento do comportamento humano, assim, como fundamento da justiça, da paz, da fraternidade, a dificuldade de conciliar a experiência democrática com o respeito pelos valores morais”.141 A nova evangelização trilhará também o caminho de uma libertação integral do ser humano, ou seja, abordará desde as dimensões e consequências pessoais do pecado até seus estragos na vida social.142

A dimensão social do evangelho toca várias dimensões da própria vida pública dos cristãos que por sua vez evoca um testemunho público de toda a Igreja:

136 LECLERC, JEAN. O amor às letras e o desejo de Deus: Iniciação aos autores monásticos da Idade média. São Paulo: Paulus, 2012, p. 05. 137 L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Béchara Boutros Raí, O.M.M, Patriarca de Antioquia dos Maronitas(Líbano), 3 de novembro de 2012, número 44, p. 19. 138 L‟ Osservatore Romano. D. José Luis Azuaje Ayala, Bispo de El Vigía-San Carlos Del Zulia, Presidente da Conferência Episcopal (Venezuela), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 20. 139 DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto legislativo da V Conferência do Episcopado Latino- Americano e do Caribe: 13-31 de Maio de 2007., Brasília-São Paulo: CNBB, Paulus, Paulinas, §3, p. 10. 140 BENTO XVI. Caritas in veritate .Carta Encíclica. São Paulo: Paulinas, 2009, I, § 15, p. 23. 141 L´Osservatore Romano. D. Benedito Beni dos Santos, Bispo de Lorena (Brasil), 27 de outubro de 2012, número 43, p. 9. 142 L‟ Osservatore Romano. D. Eduardo Lozano, Bispo de Gualeguaycitu (argentina), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p. 19. 73

“Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. Nenhuma definição parcial e fragmentada, porém, chegará a dar razão da realidade rica, complexa e dinâmica que é a evangelização, a não ser com o risco de empobrecê-la e até mesmo de mutilá-la. Desejo agora partilhar as minhas preocupações relacionadas com a dimensão social da evangelização, precisamente porque, se esta dimensão não for devidamente explicitada, corre-se sempre o risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora.”143

Em alguns continentes de minoria católica a ação caritativa da Igreja foi apresentada como porta de evangelização para muitos não cristãos. O cuidado com a vida realizado por meio de hospitais, ambulatórios, colégios são para adeptos de outras tradições religiosas sinais eloquentes de amor a humanidade.144 O sínodo dos bispos também procuro elucidar o aspecto diaconal da caridade no processo de evangelização:

“A relação intrínseca entre evangelização e diaconia manifesta-se, como recorda a encíclica Deus Caritas Est, no fato de que juntamente com a liturgia são as dimensões fundamentais e próprias através das quais a Igreja se realiza a si mesma. A Igreja oferece ao mundo um invejável testemunho de caridade, do qual nascem numerosas conversões. A nossa pastoral de caridade é um grande instrumento de evangelização, quer para quem presta, quer para quem recebe os nossos serviços. É claro que a Igreja não se reduz a uma agência social, mas o desafio para nós é exatamente ajudar a reconduzir através das obras de caridade, ao Deus que é caridade. Com efeito, o que chama a fé são a unidade e a caridade. Um elemento essencial da encíclica Deus caritas est talvez tenha sido um pouco descuidado. A chave que abre e fecha a porta do homem ao evangelho é a experiência que Deus ama. Sem esta verdade simples o homem moderno nunca poderá conhecer verdadeiramente a Cristo. A atividade caritativa da Igreja, por conseguinte, pode oferecer-nos uma oportunidade enorme para fazer entrar a luz no mundo.”145

A Igreja deseja ser como uma artéria da sociedade, para levar esperança, encorajamento, conforto e infundir nova energia em toda a sociedade, como o corpo humano é vitalizado pela ação das artérias e das vias que levam oxigênio e nutrimento e

143 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, IV, § 176, p. 105. 144 L‟ Osservatore Romano. D. Kyrillos William, Bispo de Assiutidcos Coptas (Republica Árabe do Egito), 17 de novembro de 2012, número 46, p. 22. 145 L‟ Osservatore Romano. Cardeal , Presidente do Pontifício Conselho “Cor Unum”(Cidade do Vaticano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 18. 74 eliminam as escórias: “Se a Igreja se afastar da sociedade a evangelização não produzirá fruto. É indispensável que através da evangelização, a Igreja infunda abundantemente nova linfa na vida social e familiar”.146

A caritas desdobrada em amor a Deus e amor ao próximo sinaliza a presença do Reino de Deus no mundo e viabiliza a sua presença:

“A proposta é o Reino de Deus (Lc 4, 43); trata-se de amar a Deus, que reina no mundo. Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais. Procuremos o seu Reino: „Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo‟ (Mt 6, 33). O projeto de Jesus é instaurar o Reino de seu Pai; por isso, pede aos seus discípulos: „Proclamai que o Reino do Céu está perto‟ (Mt10, 7)”.147

A ética é um viés importante dentro do contexto de um testemunho social do evangelho: “a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que esta fora das categorias do mercado.”148

Em síntese a dimensão social do evangelho nos remete a integralidade da missão, isto é a totalidade do evangelho que a Igreja nos transmite e nos envia a pregar. A sua riqueza plena incorpora acadêmicos e operários, empresários e artistas, incorpora todos.149

2.3 A centralidade do ministério da Pregação na nova evangelização

Uma das verdades centrais no que se refere ao anúncio do evangelho é justamente a renovação profunda do ministério da pregação no interior da Igreja. É preciso que o clero e o laicato continuem se abrindo a um frutuoso ministério da

146 L‟ Osservatore Romano. D. Dominic Ryoni Miyahara, Bispo de Fukuoka (Japão), sábado 20 de novembro de 2012, número 45, p. 11. 147 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, § 80, p. 108. 148 Ibidem, II, § 57, p. 41. 149 Ibidem,IV, § 237, p. 133. 75 palavra, onde a palavra de Deus ocupe a centralidade na vida cristã não apenas como um dado na hierarquia de valores internos da própria Igreja, mas como uma realidade em que a Igreja jamais deve se descurar. Podemos até mesmo afirmar que se faz necessário em nossos dias uma verdadeira reforma ou uma autêntica renovação do ministério da pregação. A pregação não pode somente ser um discorrer lógico sobre um assunto ou um tema o que não significa que o discurso não deva aqui ter uma lógica interna. Mas sabemos que de fato a grande missão da Igreja em nossos dias é ajudar a fazer com que as pregações no interior do ministério dado pelo Senhor a sua Igreja provenha da vivência de uma profunda intimidade com o Senhor por parte daqueles que pregam o evangelho.

É Justamente dentro deste contexto que se insere o atual convite da Igreja para anunciarmos o evangelho no transbordamento da alegria que surge da missão de transmitir a fé: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria.”150

Os verdadeiros frutos que devem surgir de conversão e de nova vida em Cristo não é apenas fruto da eficácia humana com as estratégias próprias de empresas ou um marketing sofisticado, mas o que de fato garante a eficácia da pregação são os bons frutos a que dela advêm é justamente uma vida de fidelidade ao Senhor. É preciso que Jesus volte a ser o centro de nossa pregação:

“Chegou a hora, para nós como bispos, de colocar Cristo no centro de nossa pregação e de nossos ensinamentos, e de encorajar os nossos sacerdotes e diáconos a fazer o mesmo. Devemos deixar as pessoas serem arrebatadas pelo fascínio que o Jesus dos evangelhos exerce sobre os corações e as mentes. O maior desafio que a Igreja deve enfrentar hoje é o retorno da Igreja a Cristo e a restituição de Cristo à Igreja, não para se tornar diversos, mas para ser de forma mais plena quem somos e o que somos.151”

150 CONCÍLIO VATICANO II .Lumen Gentium Constituição Dogmática. Petrópolis: Vozes, 1968, § 1, p. 39. 151L‟Osservatore Romano. D. Thimothy John, Quarta Congregação geral, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 24. 76

2.4 Os novos evangelizadores-mistagogos

Queremos destacar aqui algumas qualidades necessárias dos novos evangelizadores na Igreja, e que o Sínodo destacou como sendo de fundamental importância. Quatro qualidades deveriam ser evidenciadas nestes novos evangelizadores que por sua vez devem também ser mistagogos.

A primeira qualidade encontra-se no livro dos Atos dos Apóstolos é a coragem. A figura de São Pedro é apresentada corajosamente pregando o evangelho da Ressurreição, mais tarde Paulo retoma o tema e se lançando-se numa corrida de gigante pelo mundo vai anunciando esta mesma Palavra.152

Hoje a nova evangelização deve mostrar uma coragem nascida da confidência em Cristo. Quando se fala de coragem pode nos reportar tanto a figuras de Santos carismáticos como São Maximiliano Maria Kolbe, a beata Madre Teresa de Calcutá, os mártires sejam da Coréia, Nigéria e Japão. Mas sabemos que várias pessoas cristãs também hoje, vivendo nos mais diferentes ambientes institucionais como hospitais, serviços sociais, escolas, universidades são convocados a continuar a sendo luz em meio a estas realidades.

Os evangelizadores de hoje devem ser homens de fé capazes de descobrirem que a nova evangelização exige um caráter profético. Pois, o “profeta é aquele que interpreta as circunstâncias e os acontecimentos com o olhar de Deus, mas é também aquele que antecipa de forma simbólica o caminho da história.”153

A segunda qualidade que deverão portar os novos evangelizadores será o compromisso de realizarem a evangelização num “sentire cum Eclésia”. A unidade e o testemunho de comunhão eclesial são fundamentais para que o mundo creia. A solidariedade entre ministérios e carismas é de fundamental importância. O caminhar em comunhão com os pastores da Igreja deve ser a marca de quem deseja anunciar o evangelho “com”, “na” e junto à própria Igreja.154

152 SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé. Brasília: CNBB, 2012, II, §41, p. 51. 153 L‟ Osservatore Romano. Cardeal , Arcebispo de Gênova, Presidente da Conferência Episcopal (Itália), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.17. 154 SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé. Brasília: CNBB, 2012, II, § 77-78, p. 76-77. 77

A terceira qualidade que deve portar os novos evangelizadores é a urgência. O fato de serem urgente, ou seja, prontos para anunciar o evangelho. Talvez tenham a necessidade de voltar ao Evangelho de Lucas da Visitação de Maria a Isabel, modelo para o nosso sentido de urgência. O evangelho narra como Maria partiu as pressas para uma longa viajem de Nazaré a uma aldeia nas colinas da Judéia.155 Não havia tempo a perder porque a missão era muito importante. É justamente este sentido de urgência que será o gerador de prontidão para os novos evangelizadores. Se o continuo sentimento de não estar preparado para evangelizar permear a mentalidade de alguns cristãos, algo de muito grave estará acontecendo na identidade do próprio ser cristão.

Por fim, a última qualidade que auxiliará os novos evangelizadores é a alegria. Os evangelizadores dos tempos atuais devem lançar sementes de vida nova no campo aberto do mundo de hoje, sabendo serem eles próprios alvos deste evangelho redentor. A alegria deve caracterizar os novos evangelizadores. A mensagem que anunciamos é uma mensagem de grande alegria, é a mensagem de que Cristo ressuscitou, Cristo está conosco. Sejam quais forem as nossas circunstâncias, o nosso testemunho deve irradiar, juntamente com os frutos do Espírito Santo, amor, paz e alegria (Gl 5, 22).

O Sínodo sinalizou que a tarefa dos novos evangelizadores é de promover uma renovação espiritual que implique num renovado encontro com a pessoa de Jesus Cristo e uma catequese que promova o crescimento espiritual.156Contudo, “só seremos novos evangelizadores, se nos renovarmos primeiramente”,157somente assim, poderemos comunicar aos de dentro e aos de fora do ambiente eclesial à alegria de evangelizar, sabendo que: “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que aos mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”.158

O caminho proposto pela nova evangelização encontrará na celebração dos mistérios de Deus uma fonte permanente que permitira amadurecer e fazer crescer a

155 Ibidem, IV, § 138, 149, p.123. 156 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 5. 157 L‟ Osservatore Romano. Cardeal D. Gerarhard Ludwig Muller, Prefeito da Congregação para Doutrina da Fé (Cidade do Vaticano), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 13. 158 PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (8 de dezembro de 1975), n. 41: AAS 68 (1976) 31-12. 78 vida espiritual de cada cristão: “Guiar de modo pedagógico os fiéis nos percursos mistagógicos que permitem que o crente entre na experiência do mistério de Deus”159

Quanto mais as Sagradas Escrituras e a mistagogia for elementos que proporcionem uma frutuosa catequese, mais servirá a grandiosa causa do nova evangelização.160

A escola dos Ícones são métodos também que trazem uma particular colaboração no ensino sobre pontos fundamentais da fé cristã. É de fato parte de uma tradição antiga, porém sempre pode ser revisto com um olhar renovado que contribui de modo singular a nova evangelização.161

A catequese atualmente percebe a necessidade de integrar-se a uma dimensão querigmática e mistagógica. A catequese e a educação é um serviço de crescimento. Dentro deste percurso pedagógico a Igreja propõe novamente uma mistagogia que seja ao mesmo tempo iniciática e permanente:

“A iniciação mistagógica, que significa essencialmente duas coisas: a necessária progressividade da experiência formativa na qual intervém toda a comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação cristã. Muitos manuais e planificações ainda não se deixaram interpelar pela necessidade duma renovação mistagógica, que poderia assumir formas muito diferentes de acordo com o discernimento de cada comunidade educativa. O encontro catequético é um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa sempre duma ambientação adequada e duma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua inserção num amplo processo de crescimento e da integração de todas as dimensões da pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta.”162

3. A Igreja Particular, primeiro sujeito da missão.

159 L „ Osservatore Romano. Relatório de D. , Arcebispo de Tlalnepantla, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 7. 160 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Quellet, Relátorio sobre a Exortação Apostólica Pós-Sinodal da precedente Assembleia Ordinária, Atuação da “Verbum Domini”, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 18. 161 L‟ Osservatore Romano. D. Virgil Berle, Bispo de Ordea Mare, Grão-Variano dos Romeno (Romênia), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 11. 162PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III, § 166, p. 99. 79

Por força do mandato missionário cada um dos membros da Igreja deve assumir a tarefa de ser discípulo missionário. O documento de aparecida afirma: A diocese presidida pelo bispo é o primeiro espaço de comunhão e missão. Ele deve estimular e conduzir uma ação pastoral orgânica e vigorosa deve fazer que a variedade de carismas, ministérios, serviços e organizações se orientem em auxiliar este mesmo projeto missionário para comunicar vida no próprio território. Este projeto surge de um caminho de variada participação, torna possível a pastoral orgânica, capaz de dar respostas aos novos desafios. Porque um projeto só é eficiente se cada comunidade cristã, cada paróquia, cada comunidade educativa cada comunidade de vida consagrada, associação e movimento se inserem ativamente na pastoral orgânica de cada diocese. Cada uma é chamada a evangelizar de um modo novo e integrado no projeto pastoral da diocese.163

Aqui se verifica de modo claro que a base da evangelização está, portanto, na articulação da Igreja particular, enriquecida de carismas, ministérios e serviços, diversificados presente no meio do povo de Deus. Uma catequese vigorosamente alimentada pela palavra de Deus é meio imprescindível para gerar um sentido de pertença dos convertidos. O compromisso e o sentido de pertença fazem parte do processo que inclui os novos cristãos como novos agentes de evangelização no coração da comunidade cristã.164

3.1 A missão da pastoral orgânica como um desafio eclesial

O grande desafio a ser observado na execução de uma missão que seja integral na abordagem e na concretização da conversão pastoral é justamente a responsabilidade de desenvolver em conjunto ações eclesiais que sejam como que um leimotiv para direcionar toda a ação evangelizadora da Igreja.

A pastoral orgânica deve ser justamente o primeiro âmbito da missão e da comunhão. O Bispo ao presidi-la deve estar aberto aos carismas e ministérios e procurar

163 DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto legislativo da V Conferência do Episcopado Latino- Americano e do Caribe: 13-31 de Maio de 2007, Brasília-São Paulo: CNBB, Paulus, Paulinas, II, §166, p.85. 164 L‟ Osservatore Romano. D. Cornelius Fontem Esua, Arcebispo de Bemenda (Camarões), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p.17. 80 um caminho que seja frutuoso a todos os setores eclesiais envolvidos. Todas as potencialidades pastorais e ministeriais, tanto quanto as carismáticas devem tender a um projeto que seja comum onde se procurará produzir frutos positivos no próprio território em que atuam.

A tomada de consciência a respeito da nova evangelização deve proporcionar entre aqueles que pretendem fazer com que ela tome corpo e consistência a importância de que este projeto pastoral não é apenas um lenitivo contra a crise presente que se instala sobre a Igreja e o mundo. A nova evangelização é uma missão constante na Igreja que deve fazer parte da agenda dos discípulos de Cristo.

O desenvolvimento do projeto pastoral não acontece apenas através de uma modalidade. Aqui residiria o perigo de cair no uniformismo onde também as iniciativas singulares e que partissem de grupos com índoles específicas se veriam tolhidas por tais iniciativas tomadas. Mas é preciso, contudo que haja uma linguagem comum e de sinais participados que fazem emergir mais o caminho de toda Igreja do que a originalidade de uma experiência particular.165

O trabalho e o empreendimento missionário em prol de uma nova evangelização devem levar em consideração e fundamental colaboração de uma eficaz pastoral orgânica. A Igreja particular precisa de um programa pastoral para poder cumprir em circunstâncias concretas de espaço e de tempo, à vontade salvifíca de Deus Pai, plenitude cumprida no seu Filho Jesus.166A organização de uma pastoral orgânica demanda empenho de todos os fiéis no projeto de nova evangelização. O programa missionário diocesano não é uma simples estratégia, mas uma ação conjunta de Pastores e fiéis em atitude de abertura ao Espírito Santo, ao mesmo tempo discernindo e lendo os sinais dos tempos.

O plano pastoral encontrará sempre uma solidez maior, quanto mais for uma colaboração dos diversos setores da Igreja particular. Trata-se de organizar a missão de evangelizar a Igreja diocesana, inspirando-se no discernimento do Espírito e com participação autêntica e direta dos fiéis. Dedicando-se a oração e a contemplação, porque nos dão a liberdade de espírito que nos permite superar os moralismos e

165 L‟Osservatore Romano. D. Rino Fisichella Intervenções dos Padres Sinodais durante a terceira congregação geral. sábado, 20 de Outubro de 2012, numero 42, p.12. 166 L‟ Osservatore Romano. Durante a terceira Congregação Geral. D. Fabio Suescún Mutis, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 16. 81 fundamentalismos doutrinais tão iníquos. Esta é a mística que nos convida a unir fé e vida, fé e razão e, sobretudo, fé e amor.167

3.2 A paróquia como lugar privilegiado para uma nova evangelização.

Sabemos que a figura da paróquia em nossos dias sofre um desgaste muito grande. Alguns chegam até mesmo a afirmar que a estrutura paroquial em que nos organizamos em nossos dias seria já uma realidade ultrapassada e que não corresponderiam mais os anseios missionários e pastorais de uma nova evangelização. Aqui é preciso muito cuidado, pois, a paróquia assim como outros ambiente que compõem o mandato missionário e que abrange também um território diocesano pode ser um meio privilegiado para fomentar a nova evangelização e o surgimento de inúmeros novos ministérios no interior das comunidades cristãs. É verdade, contudo que as paróquias não podem se restringir em ser apenas um centro de serviços culturais e administrativos, mas devem se tornar por sua vez como que casas da comunidade dos cristãos e escolas de discípulos missionários.168Este aprendizado do discipulado tem como uma das metas principais tornar a paróquia em um ambiente missionário. É justamente este estilo e consciência missionária que colocara as paróquias em um continuo movimento evangelizador.169 Quando vemos as diversas iniciativas que vem sendo tomadas por parte da Igreja no que se refere a um novo empenho evangelizador é preciso atentar para um importante desafio a ser enfrentado em nossos dias que é justamente o de fazer com a fé seja expressa e vivida num contexto missionário, isto significa, empenhar-se para que a paróquia assuma um modo de ser pastoralmente missionária.

Em um primeiro momento alguns podem se questionar se este modelo de paróquia missionária não seria um tanto quanto ingênua, contudo, verificamos que é justamente isto o que as nossas paróquias devem se tornar: autenticamente missionária. Sabemos que no passado toda a vida eclesial acontecia em torno das paróquias. Esta

167 L‟ Osservatore Romano. D. Pedro Mario Ossanron Bucjevic, Bispo titular de La Imperial- auxiliar de Santiago (Chile), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p, 18. 168 L‟Osservatore Romano. D. Fábio Suescun Mutis. Terceira Congregação Geral. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 16. 169 L‟ Osservatore Romano. D. Stanislav Lipovsek, Bispo de Celje (Eslovénia), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 17. 82 consolidação da estrutura paroquial começou acontecer a partir do século V quando o cristianismo tornou-se religião oficial do império Romano e recebera também a incumbência de se fazer presente nas aldeias por meio de um presbítero residente. Com o passar do tempo várias paróquias foram tomando um aspecto não apenas espiritual, mas também a vida social, jurídica e política também aconteciam sob a sombra das paróquias. Em alguns países o próprio presbítero não era apenas um membro do clero e o seu representante, mas os presbíteros também eram vistos como funcionários do Rei o do Estado.

O Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja nunca se verifica a palavra “paróquia”. Os pensamentos dos Padres conciliares não estão fixados no conceito de paróquia, mas eles tentam resgatar a compreensão de comunidade o que não diminui a responsabilidade e aquilo que de fato é positivo na estrutura paroquial, contudo amplia consideravelmente a compreensão de igreja enquanto “Communnio”. Sabemos, contudo que à obra da evangelização não é obra apenas de alguns na Igreja, mas das comunidades eclesiais como tais, onde se tem acesso a plenitude dos instrumentos do encontro com Cristo: a Palavra, os sacramentos, a comunhão fraterna, o serviço da caridade, a missão.170

O sínodo denotou que as Paróquias continuam a ser designados aos quais se realiza a maior parte da vida da Igreja. A importância das paróquias no desenvolvimento da nova evangelização foi ressaltada muitas vezes, porque falta o lócus no qual se realiza grande parte da experiência das pessoas na igreja. Tanto as paróquias e as novas comunidades têm uma fundamental importância em nossos dias porque podem promover uma organização e uma canalização oportuna de todas as energias de renovação dentro do tecido eclesial.171 O grande desafio par dinamizar as paróquias é justamente o de transformá-las não somente para uma ação pastoral e catequética, mas o de transformá-las em um lugar de formação para a evangelização.172O sínodo percebeu a grande relevância da paróquia na vida eclesial, e percebe nesta estrutura eclesial uma grande plasticidade:

170 L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 07. 171 L‟ Osservatore Romano. O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 5. 172 L‟ Osservatore Romano. Cardeal , Arcebispo de Varsóvia, Ordinário do próprio rito (Polônia), sábado 10 de novembro de 2012, número 43, p. 20. 83

“A paróquia não é uma estrutura caduca; precisamente porque possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade. Embora não seja certamente a única instituição evangelizadora, se for capaz de se reformar e adaptar constantemente continuará a ser «a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas». Isto supõe que esteja realmente em contato com as famílias e com a vida do povo, e não se torne uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos. A paróquia é presença eclesial no território, âmbito para a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração. Através de todas as suas atividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da evangelização. É comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos vão beber para continuarem a caminhar, e centro de constante envio missionário. Temos, porém, de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto, tornando-as ainda mais próximas das pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-as completamente para a missão. ”173

Nova evangelização é sinal de atualização, e mesmo se a Igreja crescesse até alcançar dimensões colossais, ela deveria manter a estratégia do pequeno rebanho. É a estratégia apostólica: “formar o pequeno rebanho com o fervor do grande rebanho”174e “pensar emocionalmente com a Igreja universal e agir com eficácia na Igreja local”.175

Sem um renovado impulso missionário da paróquia, e uma estrutura que possibilite as paróquias serem comunidades fraternas176 do qual sejam protagonistas os próprios agentes pastorais que nela trabalham, será difícil viver uma nova evangelização radical:177

173 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, § 28, p. 24. 174 L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Gregóire III, B.S., Patriarca de Antioquia dos Greco- Melquitas, chefe do Sínodo da Igreja Greco-Melquita católica (Síria), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p.10. 175 L´‟ Osservatore Romano. D. Joseph Vu Duy Thong, Bispo de Phnathiêt (Vietname), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p.11. 176 L‟ Osservatore Romano. D. José Dolores Grullón Estella, Bispo de La Maguana (República Dominicana),sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 11. 177 L‟ Osservatore Romano. D. Bruno Forte, Arcebispo de Chieti-Vasto (Itália), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 14. 84

“A renovação Pastoral das nossas paróquias inclui uma condição de missão permanente, de modo que se tornem menos burocráticas. Cremos na co-responsabilidade pastoral dos batizados, que colocam a serviço da comunidade a própria fé, o seu tempo, talentos e bens.[...] A nova evangelização significa reconstruir o tecido cristão da sociedade humana, ajudando a Igreja a continuar a viver dentro das casas dos seus filhos”.178

3.3 A Missão e a Espiritualidade de comunhão

Outro fator importante ao lançar-se diante do mandato missionário de Cristo é justamente atentarmos para outra dimensão que será de fundamental importância e cujo descuido viria a dificultar em muito o impulso missionário, o que tratamos aqui é justamente a espiritualidade de Comunhão. Seria como que impermeável aos corações, seja dos mais simples fiéis seja dos presbíteros e bispos em suas respectivas dioceses falar de discipulado e missão sem que houvesse uma abertura verdadeira e sincera para viver uma espiritualidade de comunhão que resultasse numa nova evangelização eficaz para toda a Igreja. Falar de evangelização hoje é justamente atentar para a importância da conversão de corações. Não se transmite uma experiência viva da fé se o transmissor ou o comunicador não se dispõe a ser o primeiro a ser atingido pela mensagem que é maior do que aquele que a anuncia.

Sabemos que evangelizar não é apenas uma iniciativa humana. Não é o homem com sua própria iniciativa a fazer algo para Deus. Se o desejo de evangelizar emergiu no coração humano é justamente uma chamada do próprio Deus. O ser humano aberto à vontade Divina, e colaborando com a mesma pode ou não corresponder a este chamado. A nova evangelização precisa de um chão, ou um fundamento seguro e sólido que só pode ser encontrado na espiritualidade, senão seria apenas um corpo atuando sem alma fadado ao fracasso ao passar o entusiasmo.

Um dos pontos de urgência no percurso da nova evangelização é de aprofundar e fazer própria a autêntica espiritualidade cristã. Aos que se colocam neste empreendimento pelo Reino lhes é pedido uma substancial busca de “viver em Cristo” e

178 L‟ Osservatore Romano. D. Juan José de Pineda Fasquelle, C.M.E., Bispo titular de Obori, auxiliar e vigário-geral de Tegucigalda (Honduras), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 19. 85

“no Espírito” que se aceita na fé, se expressa no amor, e animada pela esperança, se traduz no cotidiano da comunidade eclesial.179 O Papa João Paulo II bem descreveu o sentido da espiritualidade de Comunhão:

Que significa isso concretamente? Também aqui o nosso pensamento poderia fixar-se imediatamente na ação, mas seria errado deixar-se levar por tal impulso. Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma espiritualidade de comunhão, elevando-a ao nível de princípio educativo em todos os lugares onde se plasmam o homem e o cristão, onde se educam os ministros do altar, os consagrados, os agentes pastorais, onde se constroem as famílias e as comunidades. Espiritualidade de comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. Espiritualidade de comunhão significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como “um que faz parte de mim”, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio ás suas necessidades para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. Espiritualidade de comunhão é ainda a capacidade de ver antes de tudo o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um “dom para mim”, como o é para o irmão que diretamente o recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber “criar espaço” para o irmão, levando “os fardos uns dos outros” (Gl 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e gera competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem essa caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar- se-iam como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento. 180

A nova evangelização é inseparável de uma renovação da comunhão eclesial. É de fundamental importância para a Igreja que exista uma relação bem estabelecida da dimensão carismática com a dimensão hierárquica da Igreja. Fora constatado que nas relações entre hierarquia e vida consagrada surgiu bastante desentendimento: em alguns casos devido a certa ignorância a respeito dos carismas e do seu papel na missão e na comunhão da Igreja; noutros devido à inclinação de alguns consagrados à contestação do magistério.181 Contudo, o que se verifica nos últimos decênios fora justamente um grande crescimento da dimensão carismática na Igreja e o que deve ser revisto nos

179 Ibidem, § 6, p. 10. 180 JOÃO PAULO II. Novo Millennio Ineunte, Carta Apostólica. São Paulo, 2001, III, § 43, p. 65. 181 L‟Osservatore Romano. Cardeal Marc Quellet, Durante décima quinta congregação geral, sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 19. 86 aspectos de relação entre hierarquia e carismas é justamente a oportunidade para ambos crescerem e se renovarem superando divisões no corpo diocesano e paroquial em suas relações sejam com os bispos, sacerdotes e as novas comunidades e novas formas de consagração para que por meio desta comunhão aconteça uma nova primavera para uma nova evangelização na Igreja. A Igreja é chamada a ser como bem expressara Dietrich Bonhoeffer a “casa fraterna”, onde pelo testemunho visível de unidade ilumina as dimensões da convivência humana.182

O que se pretende fomentar na espiritualidade de comunhão é a eclesiologia de comunhão incentivando uma nova liberdade para a evangelização e o cuidado pastoral, percorrendo o caminho de um permanente, e também oportuna comunhão com a Sé apostólica e todas as outras expressões do tecido eclesial.183Esta mesma Sé apostólica consciente de ser um instrumento precioso para a unidade da fé deverá perceber a urgência de uma nova relação entre Igreja católica e as outras Igreja e comunidades eclesiais.184

A espiritualidade de comunhão é profundamente trinitária.185 O convite à comunhão é mais que um slogan. É a conversão do coração. Os ministros e os agentes de pastoral, assim como os movimentos eclesiais e as congregações religiosas, com a espiritualidade formada e reavivada pelo mistério da Santíssima Trindade abrirão novos caminhos ao diálogo com o mundo secularizado, dando uma contribuição à nova evangelização.186

Ressaltamos aqui também outras dimensões da espiritualidade de comunhão que se expressa constituinte de uma comunidade autenticamente cristã e que estão presentes nos atos dos Apóstolos (At 2, 42. 46-47). O livro dos atos dos apóstolos apresenta a comunidade que perseverava na fração do Pão e nas orações: A Eucaristia é fonte inesgotável de vida cristã. Outro aspecto era a perseverança nos ensinamentos dos Apóstolos, Anunciadores da Palavra de Deus em todos os âmbitos da existência humana. Também a perseverança na comunhão: Tinham tudo em comum, partilhavam

182 LOEW, Jaques. Vocês serão meus discípulos. São Paulo: Paulinas, 1981, p. 142. 183 L´ Osservatore Romano. Cardeal , Durante a nona congregação geral, sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 15. 184 L‟Osservatore Romano. Cardeal , Durante a décima primeira congregação, sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p.22. 185 L‟Osservatore Romano. D. John Corriveu, O.F.M. CAP., Durante a Terceira congregação geral, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 13. 186 Ibidem, p.19. 87 os seus bens com todos irmãos porque antes partilharam o maior de todos os bens o próprio Cristo. E por fim a alegria da atração, o Senhor juntava a comunidade novos irmãos que desejavam viver o mesmo estilo de vida marcado pelo encontro com a pessoa de Jesus Cristo que transbordava na alegria de ser salvo.187

O fruto da espiritualidade de comunhão que deverá sinalizar também a comunhão eclesial não é uma tarefa somente a ser realizada dentro do âmbito do mundo católico, mas é um convite a uma unidade entre os cristãos para que o mundo creia. O grande obstáculo para a evangelização é a divisão entre os cristãos. A colaboração entre igreja católica e outras comunidades eclesiais pode ser um recomeço para melhorar e reforçar a confiança no cristianismo como caminho de unidade para o bem integral do ser humana. A nova evangelização deve contar com todas as energias do mundo cristão em todas as suas diversidades e especificidades, crendo na multiforme graça de Deus que atua em todo o tecido eclesial seja no mundo católico, ortodoxo e protestante.188 Potencializar a comunhão nos leva a descobrir um caminho de cura originador de uma oportuna fraternidade mística, contemplativa:

“Nisto está à verdadeira cura: de fato, o modo de nos relacionarmos com os outros que, em vez de nos adoecer, nos cura é uma fraternidade mística, contemplativa, que sabe ver a grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano, que sabe tolerar as moléstias da convivência agarrando-se ao amor de Deus, que sabe abrir o coração ao amor divino para procurar a felicidade dos outros como a procura o seu Pai bom. Precisamente nesta época, inclusive onde são um pequenino rebanho (Lc 12, 32), os discípulos do Senhor são chamados a viver como comunidade que seja sal da terra e luz do mundo (Mt 5, 13-16). São chamados a testemunhar, de forma sempre nova, uma pertença evangelizadora.Não deixemos que nos roubem a comunidade”!189

3.4 Novos movimentos eclesiais e nova evangelização

187 L‟ Osservatore Romano. Cardeal , Arcebispo de Milão (Itália), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 188 L´Osservatore Romano. Cardeal Francesco Cocco Palmerio, Presidente do Pontifício Conselho dos Textos Legislativos (Cidade do Vaticano), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 189 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, III, § 92, p.59. 88

Podemos afirmar que um dos sinais de Pentecostes após o Concílio Vaticano II que mais impressionam é justamente o do grande crescimento dos movimentos e novas comunidades. É surpreendente como estes novos movimentos e novas comunidades vem dar um novo impulso a todo o corpo eclesial. Contudo, por outro lado ainda se verifica em muitos bispos e sacerdotes, que existe certa reserva quanto a dar confiança a estes novos movimentos que surgem dentro da Igreja. Aqui também a Igreja é convidada na pessoa de seus pastores a colocar primeiramente o desafio da conversão pastoral dos bispos e sacerdotes, chamados a reconhecer que os movimentos são antes de tudo um dom precioso, e não um problema.190

Uma grande colaboração fora dada pelo Cardeal Ratzinger para os catequistas e professores de religião, por ocasião do grande jubileu de 2.000 e que encaixa muito bem com a missão que devem desenvolver as novas comunidades e os novos movimentos no interior da Igreja:

“Em primeiro lugar, a Lei da Expropriação, ou seja, não falar em nome próprio, mas em nome da Igreja, tendo como ponto firme o fato de que evangelizar não é simplesmente uma forma de falar, mas uma forma de viver, isto é, a clara consciência de pertencer a Cristo e ao seu corpo que é a Igreja. A segunda lei é a do pequeno grão de mostarda, ou seja, a coragem de evangelizar com paciência e perseverança, sem pretender alcançar resultados imediatos e recordando sempre que a lei dos grandes números não é a lei do evangelho. É uma atitude que podemos reconhecer, por exemplo, na obra de evangelização empreendida por movimentos e novas comunidades nas regiões mais secularizadas da terra. A terceira “lei” é a do grão de trigo, que para dar vida deve morrer, deve aceitar a lógica da cruz. Nestas leis estão encerrados os segredos mais profundos da eficácia do compromisso evangelizador da Igreja em todos os tempos.”191

Aprofundar a problemática dos carismas e remover os obstáculos que não permitem integrar plenamente os carismas a fim de apoiar a nova evangelização seria um descuido. No sínodo fora constatado que o primeiro obstáculo é que grande parte dos sacerdotes não estão dispostos a ocupar-se dos novos grupos e dos novos movimentos, porque não receberam uma preparação adequada para este governo de

190 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Stanislaw Rylko, Sábado 20 de Outubro de 2012, p.11. 191 Ibidem, p.12. 89 trabalho pastoral. Outro consiste que a maior parte dos líderes não tem uma preparação teológica e facilmente erram sob o ponto de vista doutrinal. Com freqüência os sacerdotes se mantêm distantes destes grupos. Encorajar os sacerdotes para se ocuparem com estes grupos e movimentos seria auxiliá-los a exercer através do acompanhamento e do discernimento um auxílio favorável a toda Igreja, pois estes mesmos movimentos e grupos sempre foram vistos como um dom da providência divina por vários pontífices.192

Um grande dom do Espírito Santo são os novos movimentos eclesiais, que contribuem para o desenvolvimento de uma “cultura de Pentecostes”.193 Um dos grandes e positivos aspectos destes novos movimentos e destas novas comunidades é o acompanhamento espiritual que oferecem a cada irmão. Vemos o quanto é importante acompanhar aqueles que vivem, por exemplo, o fenômeno migratório que ao saírem de um ambiente, uma cultura, um modo específico de viver os valores familiares e ao se encontrarem por vezes em ambientes hostis veem-se vivendo em realidades por vezes hostis a sua própria fé e tem-na por vezes colocada a prova. A mobilidade humana que se verifica nos grandes centros urbanos é hoje um desafio a fé cristã a se aproximar dos homens que vivem nesta condição e oferecer a eles o seu auxílio fraterno e solidário.194

Outro desafio é o de acolher àqueles que também migram de religiões africanas para a Igreja. Notou-se o crescimento de sacerdotes dedicados ao ministério de cura e libertação em muitos ambientes eclesiais que tentam aliviar o sofrimento de muitos através da aproximação, acolhimento e acompanhamento destes irmãos.195

A nova evangelização traz uma nova estação de evangelização para toda a Igreja. Já apontada no Concílio Vaticano II:

“O dinamismo missionário dos movimentos e das novas comunidades, representam um Dom de Deus para a nova evangelização e para a

192 L‟ Osservatore Romano. D. Zbig Ev Stakevics, Arcebispo de Riga (Letônia), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 20. 193 L‟ Osservatore Romano. D. Christopher Charles Prowse, Bispo de Sale (Austrália), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 7. 194 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Antonio Maria Veglio, Presidente do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes (Cidade do Vaticano), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p.20. 195 L‟ Osservatore Romano. D. Nicodême Anani Barrigah-Bénissan, Bispo de Atakpamé (Togo), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 20. 90

atividade missionária propriamente dita. A Partir da conversão Pastoral dos bispos e dos sacerdotes chamados a reconhecer que os movimentos são antes de tudo um dom precioso, e não um problema.”196

Os movimentos eclesiais as associações de leigos são forças necessárias que somadas a Igreja particular dão um testemunho de evangelização baseados na comunhão e unidade dos agentes de pastorais da diocese que, como sacramento de Cristo, é sujeito da evangelização.197

Outra dimensão importante no que se refere a ajuda oportuna que os novos movimentos e novas comunidades oferecem é preciso que seja profundamente eclesial. Todo carisma autêntico surge na Igreja como uma nova resposta aos antigos e novos desafios de sua própria ação evangelizadora, e não somente como “uma espécie de clube espiritual aberto só a membros santos, mais fiéis a minúcias prescritas pelo manual redigido pelo seu fundador do que pelas exigências de Jesus e de seu evangelho.”198

Os novos movimentos são um grande dom para a Igreja mais a atenção a sua eclesialidade será fundamental para autenticar um bom direcionamento daquilo que é específico de sua missão e direcionar seu enfoque evangelizacional como uma preciosa colaboração a pastoral orgânica da Igreja local: “Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades sem raízes.”199

A Igreja no seu materno exercício pastoral é mediadora e promotora de todos os carismas autênticos no seu interior. O intuito profundo que sinaliza a autenticidade operante do carisma no tecido da ação evangelizadora da Igreja é a sua eclesialidade:

196 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Stanislaw Rylko, Presidente do Pontifício Conselho para Leigos, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 11. 197 L‟ Osservatore Romano. D. Milton Luis T., Bispo titular de Munatiana, auxiliar de Montevidéu (Uruguai), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p, 22. 198 L‟ Osservatore Romano. D. Berhaneyesus De Merew Souraohiel, C.M, Arcebispo Metropolita de Adis Abeba, Presidente da Conferência Episcopal de Etiópia e Eritreia, Presidente do Conselho da Igreja Etíope, sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p, 10. 199PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, § 29, p. 25. 91

“Um sinal claro da autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos. Uma verdadeira novidade suscitada pelo Espírito não precisa fazer sombra sobre outras espiritualidades e dons para se afirmar a si mesma. Quanto mais um carisma dirigir o seu olhar para o coração do Evangelho, tanto mais eclesial será o seu exercício. É na comunhão, mesmo que seja fadigosa, que um carisma se revela autêntico e misteriosamente fecundo.” 200

3.5 Nova evangelização e ecumenismo

A atenção a dimensão ecumênica é também um aspecto importante da nova evangelização. O desafio da nova evangelização interpela a Igreja universal e pede- nos também que prossigamos com o compromisso de buscar a plena unidade entre os cristãos201. A nova evangelização deve ser um acontecimento que encontra no ecumenismo uma dimensão testemunhal importante de credibilidade frente ao mundo. Somente por meio de provas significativas de comunhão será possível caminhar em direção a uma superação das divisões no dom total de si pela causa do evangelho.202

Três desafios a serem considerados e enfrentados pela nova evangelização são:

1) O desfio da Identidade: Que é Deus? A minha vida está em sintonia com as minhas convicções?;

2) O desafio da alteridade: quem pratica uma religião diversa da minha, não é necessariamente um inimigo, mas um peregrino da verdade;

200Ibidem, II, § 130, p. 80-81. 201 L‟Osservatore. Romano. Cardeal Kurt Kocch, durante a décima terceira congregação geral, sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 18. 202 Ibidem, p.18. 92

3) O desafio do pluralismo: Deus age em cada pessoa, através de vias que só ele conhece (AG, 7).203

O caminho da unidade tem sido visto no interior da Igreja como um caminho possível comum frente aquilo que nos une as outras Igrejas e comunidades cristãs frente às tarefas comuns no mundo como sinal e testemunho do Reino de Deus. É preciso olhar para o movimento ecumênico não apenas com algumas suspeitas como se tem verificado em alguns setores eclesiais, mas como uma exigência de superar as nossas representações, as quais muitas vezes, se resumem em conflitos bairristas.204

Ao abordarmos neste segundo capítulo a importância de uma profunda compreensão no que venha a ser evangelização e nova evangelização e a pedra de toque que é a espiritualidade de comunhão para que os organismos e projetos pastorais caminhem como forças vivas e dinâmicas uma vez que são formados por pessoas que compartilham da mesma fé e que devem sempre caminhar na direção de uma permanente superação daquilo que são preferências pessoais que minimizam a ação do todo buscando abraçar de modo mais amplo um desafio comum a todo o Corpo de Cristo de tal modo que a disponibilidade e a abertura de cada discípulo missionário seja uma predisposição essencial para que se realize um novo pentecostes sobre a Igreja e nossas pastorais se tornem cada vez mais proféticas e missionárias.

No terceiro capítulo pretendemos abordar a proposta de um “novo paradigma” que é a conversão pastoral, proposta para um novo Pentecostes em todos os setores da Igreja. Este Pentecostes tem como finalidade desvelar de modo mais visível o “rosto” diaconal da Igreja. Uma Igreja servidora de Deus e dos homens.Tendo diante dos olhos o grande acontecimento de Aparecida em 2007, e que tomou proporções maiores uma vez que inspirou em muitos aspectos o Sínodo da nova evangelização para a transmissão da fé cristã e que culminou na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco trazendo valiosas contribuições para uma nova primavera de evangelização na Igreja. Buscaremos fazer uma conexão entre a evolução do Conceito de Conversão pastoral na proposta de uma identificação clara do cristão com o discipulado missionário de Jesus Cristo.

203 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Jean-Louis Tauran, Presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo inter-religioso (Cidade do Vaticano), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p.6. 204L‟ Osservatore Romano. Prof. Emmanuel [Adamakis], Metropolita de França, Presidente da Conferência das Igrejas Europeias, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 15. 93

III- CAPÍTULO

CAMINHOS PARA UM NOVO PENTECOSTES

2. Conversão Pastoral: Um novo paradigma e um novo programa de missão

A missão continental é verdadeiramente um grande sopro do Espírito Santo que trará tempos novos para o ambiente eclesial, partindo da América Latina e Caribe para toda a Igreja. A conferência dos Bispos que se realizou em Aparecida foi de fato um grande pentecostes para toda a Igreja e uma referência de como caminhar a luz dos caminhos do Espírito para viver um novo pentecostes no interior da Igreja e fora de seus muros físicos. O Acontecimento da V Conferência Geral do Episcopado Latino- Americano e do Caribe realizado em Aparecida retomou com intensidade o termo Ecclesia peregrinans natura sua missionária est. Como a Igreja Peregrina é, por sua natureza, missionária205, é a partir desta chave de leitura que se propõe uma renovada ação evangelizadora e pastoral:

“Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à auto-preservação. A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude constante de «saída» e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade. ”206

A missão Continental realizada em Aparecida não termina com um documento, mas é justamente referência para A Igreja Universal que se faz presente em toda face do urbi e do orbe. A Igreja a partir da América Latina percebe que a missão continental é o modo de levar a cabo o compromisso evangelizador dos pastores da Igreja em comunhão com todo o povo de Deus.

205 CONCÍLIO VATICANO II. Decreto Ad Gentes, § 2; 5-6; 9-10; Constituição Dogmática Lumen Gentium, § 8; 13; 17; 23; Decr. Cristus Dominus, § 6. Petrópolis: Vozes, 1968. 206 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, I § 27, p. 23. 94

O acontecimento de Aparecida empenha profundamente a Igreja no continente Latino-americano, porém têm uma real significação para a Igreja em sua universalidade. O acontecimento de Aparecida tomou proporções maiores através da convocação para o Sínodo dos Bispos em 2012.

Queremos aqui apresentar alguns pontos que foram assinalados no Sínodo, e que denotam justamente o grande sinal de esperança que foi para a Igreja todo o acontecimento de Aparecida, agora remodelado em uma maior configuração. Este acontecimento fora uma grande iniciativa do Papa Bento XVI e dos Padres Sinodais para pensar e refletir mais amplamente o ano da Fé considerando de modo particular a missão evangelizadora da Igreja.

A missão continental quer ser na Igreja uma missão universal que tira a Igreja de uma ação de “simples administração” e a coloca num “estado permanente de missão”.207 Seja a missão ad extra, que por sua vez está intimamente ligada a missão ad intra. A ad intra e a ad extra enriquecem-se mutuamente exortando a servir de forma única à missão de evangelização.208

A missão continental destacou a importância da presença da ação pastoral no interior da Igreja e na sua presença no mundo. De modo específico nos últimos duzentos anos, o significado de Pastoral tem ampliado o seu raio de ação, de tal forma que, em primeiro se refere ao trabalho dos pastores, depois ás tarefas intra-eclesiais e, por último, ao diálogo com o mundo.209 A pastoral faz referência à sua ação de modo específico tendo como referência a ação do próprio Deus na história por meio daqueles que o Senhor escolhe para colaborar em seu pastoreio:

“Podemos, pois, dizer que a salvação de Deus em relação ao seu povo apresentada a Israel em termos pastorais e esta salvação se desenvolveu por meio de mediações humanas nem sempre fiéis como deveriam. E como a fidelidade de Deus supera a resposta humana, o seu pastoreio exige uma novidade no comportamento de seus pastores e que expresse na radicalidade a ação de Deus. Isto nos mostra como

207 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I § 25, p. 22. 208 L‟ Osservatore Romano, D. Olivier Schitthausler, M.E.P. , Bispo Titular de Catabum castra, Vigário Apostólico de Phnom-Penh (Camboja), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 209 RAMOS, A., J, Teologia Pastoral, Madrid: BAC, 2001, p.18. 95

a ação Divina e ação humana caminham juntas na pastoral e esta exigência está presente nos tempos messiânicos.”210

A conversão Pastoral é um convite à profundidade do encontro com a pessoa de Jesus Cristo e o seu estilo evangelizador. Encontro este que é um convite a passar de uma tradição fraca a uma vivacidade através da adesão pessoal da pessoa de Jesus Cristo.211 A conversão Pastoral quer ser nos tempos atuais em que a Igreja vive a oportunidade para renovarmos o grande acontecimento de pentecostes: “Precisamos de um novo pentecostes para que a salvação de Jesus possa alcançar o mundo inteiro e transforma-lo, a fim de que a Igreja possa ser renovada e a santidade prospere nela, e por fim, para que nós, cristãos, procedamos com a nova evangelização.” 212

Outra dimensão importante que ressalta o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium é justamente levar a Igreja a viver esta conversão Pastoral por meio de uma pastoral em chave missionária:

“Uma pastoral em chave missionária não está obsessionada pela transmissão desarticulada de uma imensidade de doutrinas que se tentam impor à força de insistir. Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que

210 CONRADO, S. O Planejamento Pastoral a Luz do Documento de Aparecida. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v.16, n. 64, 75-88,- jul/Set 2008. 211 “A evangelização tem como finalidade a conversão dos homens, ou seja o acolhimento da novidade de Cristo (cf. Instrumentum Laboris, n. 24) Esta conversão começa dentro da Igreja, realizando mudanças pastorais. Trata-se, nos países de antiga tradição cristã, de passar de um cristianismo de tradição para um cristianismo de adesão pessoal a pessoa de Jesus cristo e de um compromisso missionário. Esta conversão pastoral diz respeito a todos os batizados e participantes da vida eclesial, mas sobretudo, aos pastores: bispos e sacerdotes. A fim de que a nova evangelização não se reduza a um slogan, ou a uma ação a cumprir, que não seja sufocada pelo imobilismo, da burocracia ou do clericalismo, é importante que todos os pastores sejam bem mais preparado para a prática do governo pastoral. Esta conversão dos pastores depende primeiramente de uma obra de santificação pessoal, acompanhada de uma profunda releitura dos textos conciliares e do magistério da Igreja em vista de uma compreensão eclesial e teológica da renovação missionária. Esta conversão requer ainda da aprendizagem de um novo modo de exercer a responsabilidade pastoral; por em primeiro lugar na pastoral ordinária o anúncio direto da fé, promover uma catequese de iniciação de tipo catecumenal para os principiantes e para os que recomeçam os percursos apologéticos adequados, desenvolver uma eclesiologia de comunhão que considere a complementaridade dos estados de vida e dos carismas, favorecer a criação de lugares de acolhimento e de diálogo aberto às expectativas espirituais, suscitar nos cristãos o testemunho da caridade. L‟Osservatore Romano, D. Dominique Rey, Bispo de Frejus-Toulon (França), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p, 22.

212 L‟ Osservatore Romano. D. Gustavo Garcia-Siller, M.S.P.S., Arcebispo de Santo Antônio (Estados Unidos), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 14. 96

é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa”.213

A conversão Pastoral é o novo desafio que a Igreja coloca a si mesma no intuito de retomar um revigorador frescor evangélico:

“Para reencontrar este fervor primitivo do evangelho, aceitaríamos nós uma segunda conversão? Por vezes temos dificuldade de aceitar a expressão carregada de emotividade. Mas se trata de saber se nós, adultos, aceitamos revisões tanto mais difíceis quanto os hábitos de longos anos e o orgulho da vida que se opõe ao espírito de pobreza e a espera de Deus? O orgulho da vida cria uma fissura pela qual se escoa todo o frescor evangélico. Mas, se aceitamos esta conversão em sua totalidade, em nós o Cristo penetrará as regiões da inteligência e do coração. Ele atingirá mesmo nossa carne até as entranhas, de modo que, por nossa vez, tenhamos “entranhas de misericórdia”.214

A urgência missionária de nossos dias exige uma renovada práxis pastoral, é preciso convocar todas as forças vivas da Igreja para difusão do evangelho.215

1.2 Missão Integral e evangelizadores com Espírito

Esta opção missionária de viver a missão requer evangelizadores com Espírito. Evangelizadores que se lancem com coragem na missão. Missionários que procuram viver um permanente pentecostes em suas vidas:

“Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo. No Pentecostes, o Espírito faz os Apóstolos saírem de si mesmos e transforma-os em

213 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, I, § 35, p, 27. 214 SCHUTZ, R. Dinâmica do provisório. São Paulo: Duas Cidades, 1967, p, 34. 215 CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Carta circular sobre: A Identidade Missionária do Presbítero na Igreja como dimensão intrínseca do exercício dos Tria Munera,. (Doc 5) Brasília: CNBB, 2011, p. 25. 97

anunciadores das maravilhas de Deus, que cada um começa a entender na própria língua. Além disso, o Espírito Santo infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contracorrente. Invoquemo-Lo hoje, bem apoiados na oração, sem a qual toda a ação corre o risco de ficar vã e o anúncio, no fim das contas, carece de alma. Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não só com palavras, mas, sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus.”216

Ao caminho pelo qual a evangelização pretende percorrer vivendo uma nova estação ardorosa, alegre, generosa, e cheia de amor e vivida com uma atitude contagiante, faz-se necessário imbuído deste mesmo fervor de espírito.217 Os novos evangelizadores com Espírito abraçarão a missão na sua integralidade. Serão agentes revestidos de um renovado impulso missionário:

“Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que rezam e trabalham. Do ponto de vista da evangelização, não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração.”218

Assumir a conversão pastoral como uma missão integral nos possibilita a redescobrir algo novo sobre Deus no encontro com o ser humano. O reconhecimento do outro como um dom alarga os nossos horizontes missionários:

“O amor às pessoas é uma força espiritual que favorece o encontro em plenitude com Deus, a ponto de se dizer, de quem não ama o irmão, que «está nas trevas e nas trevas caminha» (1Jo 2, 11), «permanece na morte» (1 Jo 3, 14) e «não chegou a conhecer a Deus» (1 Jo 4, 8). Bento XVI disse que «fechar os olhos diante do próximo torna cegos também diante de Deus» e que o amor é

216 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, v, § 259, p, 145. 217 Ibidem, V, § 262, p. 146. 218 Op. cit. 146. 98

fundamentalmente a única luz que «ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir”.219

A conversão pastoral como missão integral aproxima os pastores da vida do povo, os coloca numa atitude de servidores. É justamente nesta atitude ontológico- existencial que a Igreja na pessoa de seus bispos, sacerdotes, diáconos, leigos redescobre a missão no coração do povo. A Igreja no contato com o seu ser mais profundo recupera a sua misteriosa e operosa existência que acontece evangelizando, “primeireando”, e envolvendo-se com o povo e com o mundo onde se encontra. A missão dentro do mistério da Igreja não é simplesmente um eslogan, mas é o ser mesmo da Igreja, se pudéssemos designar outro nome a Igreja seria missão220, o que melhor demonstraria esta aproximação com a sua vida e a sua ação, pois está só o é na medida em que é enviada a anunciar Jesus Cristo:

“A missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto uma pessoa se revela enfermeira no espírito, professor no espírito, político no espírito, ou seja, pessoas que decidiram, no mais íntimo de si mesmas, estar com os outros e ser para os outros. Mas, se uma pessoa coloca a tarefa dum lado e a vida privada do outro, tudo se torna cinzento e viverá continuamente à procura de reconhecimentos ou defendendo as suas próprias exigências. Deixará de ser povo.”221

1.3 Auto-Conversão eclesial

Ao falarmos sobre o tema da conversão eclesial queremos aqui destacar que a nova evangelização e sua tarefa de começar com um profundo sentido de resposta e de

219PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, V, § 272, p. 152. 220 CHANTRAINE, G. Les Laics Chretiens Dans le Monde. París: Fayard, 1987, p. 97. 221 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica, V, § 273, p, 153. 99 reverência pela humanidade e pela cultura. A evangelização foi ferida e continua ser obstada pela arrogância de alguns de seus agentes. A hierarquia deve evitar a arrogância, a hipocrisia e o sectarismo222:

“Se a fé de hoje se torna cada vez mais débil, não se podem acusar os outros, mas a nós mesmos. Se a mensagem da fé não é mais interessante nem atraente é talvez assim, porque a própria mensagem já não o é para nós mesmos, porque já não nos apaixona, porque não pregamos Cristo às nossas famílias e nas ruas e nas nossas cidades.”223

O apelo à conversão que se torna para Igreja como que um conteúdo programático é também uma interpelação interna de conversão que se dirige também em primeira pessoa a própria Igreja: “O convite a evangelizar traduz-se num apelo a conversão. Sentimos sinceramente que devemos converter em primeiro lugar a nós mesmos ao poder de Cristo, o único capaz de renovar todas as coisas, antes de tudo as nossas próprias existências”.224

Toda a conversão eclesial é conversão do coração dos evangelizadores. Anunciar o evangelho é mudar de vida, metanoia. Esta mudança deve ser um trabalho motivado a ser desenvolvido em todos os membros da Igreja, sejam os fiéis como os pastores, e de modo acurado aos futuros pastores da igreja que precisam encontrar ambientes favoráveis a esta formação mais sólida numa atitude de colaboração e indispensável labor auto-formativo:

“Não é raro encontrar nas comunidades, quer as locais, quer as provinciais, grupos que lutam para impor a hegemonia de seu pensamento e de suas preferências. Isso costuma acontecer quando a caritativa abertura ao próximo é suprida pelas ideias de cada um. Já não se defende o todo da família, e sim a parte que me toca. Já não se adere à unidade que vai configurando corpo de Cristo, e sim ao conflito que divide parcializa, debilita. E, para os formadores e superiores, nem sempre é fácil formar nessa pertinência o espírito de família, especialmente quando é preciso formar atitudes interiores,

222 L‟ Osservatore Romano. Durante a terceira congregação geral. D. Socrates B. Villegas, Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.15. 223 L‟ Osservatore Romano. D. Josef Michalik, Arcebispo de Przemysl dos Latinos, Presidente da Conferência Episcopal (Polônia), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p, 19. 224 L‟ Osservatore Romano. Sábado 3 de Novembro de 1012, número 44, p. 6. 100

em si pequenas, mas que têm sua repercussão no âmbito do corpo institucional.”225

Um dos auxílios sacramentais que temos neste caminho de mudança é o sacramento da reconciliação. O sacramento da reconciliação evangeliza os evangelizadores porque nos põe em contato com Jesus que nos chama a conversão do coração e nos inspira a acolher o seu convite a arrepender-nos.226

Esta busca de novos caminhos já começara a ser uma atitude de profunda delegação e distribuições de novos modos de viver antigas responsabilidades. Um dos pontos interessantes que aconteceram na Assembleia geral dos bispos foram os remanejamentos que vieram a acontecer através da pessoa do Papa Bento XVI em alguns dicastérios da Cúria Romana:

“No contexto das reflexões do Sínodo dos bispos: A Nova evangelização para a transmissão da Fé Cristã” e na conclusão de um caminho de reflexão sobre as temáticas dos seminários e da catequese, de bom grado anuncio que decidi, depois de rezar e refletir, transferir a competência sobre os seminários da Congregação para a educação católica para a congregação para o clero e a competência sobre a catequese da Congregação para o clero e a competência sobre a catequese da Congregação para o clero para o pontifício Conselho para a promoção da Nova Evangelização”.227

Este movimento que busca novos caminhos e novas experiências ajuda a ação pastoral da Igreja investir em capacidades latentes presentes em todo o povo de Deus. “Respeitando o que é específico de cada ministério mais avançando sem medo de rever o que é necessário”.228

Faz-se necessário aqui uma tomada de consciência pelos vários setores da Igreja de viver um novo estilo do seguimento de Cristo:

225 BERGOGLIO, J. M. Sobre a acusação de si mesmo. São Paulo: Ave-Maria, 2013,p.10. 226 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Timothy Michel Dolan, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, P.13. 227 L‟ Osservatore Romano. 03 de Novembro de 2012, número 44, P. 5. 228PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, § 43, p. 32. 101

“A tomada de consciência para gerar comunhão eclesial inicia com a conversão pastoral (A conversão pastoral é a chave para a evangelização nova e fervorosa), entendida como aceitação da manifestação do Reino de Deus e do compromisso de se tornar discípulo de Cristo para dar a conhecer o mundo (Mc 1, 15), compromisso que requer a conversão pessoal permanente ( A conversão pessoal desperta a capacidade de por tudo a serviço da afirmação do reino da vida. Bispos, presbíteros diácono permanentes, consagrados, consagradas, leigos e leigas, todos somos chamados a assumir uma atitude de conversão pastoral permanente, que abrange a escuta atenta e o discernimento „ do que o Espírito diz as igrejas‟ através dos sinais dos tempos no qual Deus se manifesta.(DA 366)” 229

A comunhão eclesial proposta por uma conversão pastoral é sempre um acontecimento que coloca a Igreja em um caminho de autenticidade. Esta autenticidade expressa a opção pelo reino como a preocupação central da decisão por uma vida evangélica:

“Proponho que os sacerdotes e os bispos examinem constantemente a própria vida pessoal à luz deste “simples” modo de ser, ou seja, do ser “simples”. A simplicidade exclui o “auto-engano”, o colocar “máscaras”, atos típicos de quem está dividido entre a realidade de ser uma “personagem pública” muito respeitada e a de ser aparentemente embaixador do Reino. Porque Jesus se sentia “tão à- vontade” e se identificava perfeitamente com a maior parte do povo de seu tempo, até com os pecadores? Simplesmente por que se sentia profundamente à-vontade consigo mesmo, porque era livre como pessoa radicada numa educação simples e humilde entre os seus contemporâneos. Ele era mais conhecido como o “filho do carpinteiro”. A coerência na reflexão pessoal pode evitar a tendência a ser enviados inconscientemente no mundo superficial do “protagonismo a qualquer preço” e da busca da visibilidade das celebridades.”230

A conversão Pastoral quer ser um caminho para elevar o nível espiritual dos sacerdotes e das comunidades reconhecendo ao mesmo tempo em que somente uma

229 L‟ Osservatore Romano. Relatório de D. Carlos Aguiar Retes, Arcebispo de Tlalnepantla. Missão Continental para a América. Sábado 20 de Outubro de 2012, n°42, p. 06. 230 L‟ Osservatore Romano. D. Soane Patita Paini Mafi, Bispo de Tonga, Presidente da Conferência Episcopal (C.E.P.A.C), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.21. 102 realidade evangelizada é por sua vez evangelizadora.231Esta dimensão atrai-nos a uma vida simples dentro de uma frutuosa pobreza evangélica, onde aprendemos não apenas a renunciar aos bens materiais, mas também a apreciar a simplicidade e a humildade dos pobres, a sua felicidade baseada no pouco que tem e a sua solicitude para com os outros.232

O cristão que acolhe viver sua dimensão discipular e missionária busca abrir-se a convocação do Espírito Santo a sair das “catacumbas do medo” e da consciência de “nós mesmos” para compartilhar mais Jesus com os outros: Os “espaços originais do mass media”, ou seja, os campos de Jogos, as ruas, as cidades, os mercados, os night clubs, os centros comerciais, ou até os bares e os guetos aspiram a ser em certa medida “Igreja”.233

A auto-conversão eclesial evoca dimensões importantes para uma ação consolidante da evangelização. Ser evangelizador e anunciar o evangelho é procurar viver uma identidade profunda:

“O Concílio Vaticano II apresentou a conversão eclesial como a abertura a uma reforma permanente de si mesma por fidelidade a Jesus Cristo: „Toda a renovação da Igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação. (…) A Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente desta reforma‟.á estruturas eclesiais que podem chegar a condicionar um dinamismo evangelizador; de igual modo, as boas estruturas servem quando há uma vida que as anima, sustenta e avalia. Sem vida nova e espírito evangélico autêntico, sem „fidelidade da Igreja à própria vocação‟, toda e qualquer nova estrutura se corrompe em pouco tempo.”234

Um aspecto surpreendente também com relação à conversão pastoral que coloca toda a Igreja em chave de leitura missionária apresenta uma tensão oportuna para uma

231 L‟ Osservatore Romano. Cardeal , Prefeito da Congregação para o Clero (Cidade do Vaticano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 17. 232 L‟ Osservatore Romano. D. Gervas Rozario, Bispo de Rajshsri (Bangladesh), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 23. 233 L‟ Osservatore Romano. D. Emmanuel Adetoyse Badejo, Bispo de Oyo (Nigéria), sábado 10 de novembro de 2012, número, p. 17. 234PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, § 26, p. 23. 103 renovação interna da própria Igreja. O Papa Francisco reconhece que ao propor a conversão pastoral aos Bispos e todos os setores da Igreja o papado também deve ser alvo desta conversão, pode-se falar desta forma na conversão do papado:

“Dado que sou chamado a viver aquilo que peço aos outros, devo pensar também numa conversão do papado. Compete-me, como Bispo de Roma, permanecer aberto às sugestões tendentes a um exercício do meu ministério que o torne mais fiel ao significado que Jesus Cristo pretendeu dar-lhe e às necessidades atuais da evangelização. O Papa João Paulo II pediu que o ajudassem a encontrar «uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova».Pouco temos avançado neste sentido. Também o papado e as estruturas centrais da Igreja universal precisam de ouvir este apelo a uma conversão pastoral. O Concílio Vaticano II afirmou que, à semelhança das antigas Igrejas patriarcais, as conferências episcopais podem «aportar uma contribuição múltipla e fecunda, para que o sentimento colegial leve a aplicações concretas» Mas este desejo não se realizou plenamente, porque ainda não foi suficientemente explicitado um estatuto das conferências episcopais que as considere como sujeitos de atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade doutrinal.Uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária.”235

Uma das virtudes fundamentais que deve acompanhar todo caminho proposto pela nova evangelização é a virtude da humildade. Afirmou o Arcebispo de Malinas D. Luis Tagle nas Filipinas descrevendo um episódio pastoral vivenciado em sua arquidiocese: “um jovem perguntou: “Somos nós que nos perdemos ou a Igreja que nos perdeu”.236 Entre esta pergunta e a resposta apresentada por este episódio Sinodal há um convite de que a Igreja continue a apreender a humildade de Jesus. A força e o poder de Deus estão no esvaziamento de si através de seu Filho Jesus. A humildade, o respeito e o silêncio podem recordar de modo mais claro o rosto de Deus em Jesus.

É de fundamental importância redescobrir hoje a Igreja no seu frescor evangélico. A Igreja será tanto mais convincente quanto ela trazer em si os traços de seu Fundador. A Igreja sacramento caminhando humildemente pelas estradas da vida será

235 Ibidem, I, § 32, p. 26. 236 L‟Osservatore Romano. Durante a terceira Congregação Geral. D. Luis Tagle. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.12. 104 uma Igreja que comove o coração. Uma Igreja simples. Uma Igreja hospitaleira. Uma Igreja orante. Uma Igreja Jubilosa.237

3. Discipulado e Missão

É importante retomar no âmbito da vida eclesial o tema do discipulado cristão. Como comunidade de fé é preciso procurar compreender melhor o que significa ser discípulo de Cristo de forma que melhor conhecendo a própria identidade cristã opere- se um movimento de crescimento e amadurecimento desta mesma identidade mesma.

Tivemos importantes contribuições de experiências no Sínodo sobre o discipulado que melhor ajuda a compreender a experiência em alguns povos como, por exemplo, da comunidade asiática:

“Para nós, a religião é mais o discipulado de uma pessoa do que a adesão a uma doutrina ou a obediência a uma série de regras. A pessoa de Jesus é profundamente fascinante: a sua mensagem e a sua vida, a sua paixão, morte e ressurreição. A adesão a uma doutrina nasce como fruto de ser discípulo de um mestre. Foi deste modo que os primeiros cristãos proclamaram a boa nova.”.238

Quando abordamos este tema do discipulado tendo sempre em mente a sua complementaridade na missão percebemos que a Igreja necessita se preparar com toda a energia de seus membros para o grande empreendimento da evangelização. Os leigos são de fundamental importância nesta tarefa de comunicar a fé e os tesouros do evangelho.

A exortação apostólica Evangelii nuntiandi recorda que “os leigos podem também sentir-se ou ser chamados a colaborar com seus pastores no serviço da

237 L‟ Osservatore Romano. D. Olivier Schitthausler, M.E.P. , Bispo Titular de Catabum castra, Vigário Apostólico de Phnom-Penh (Camboja), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 238 L‟ Osservatore Romano. Cardeal , Arcebispo de Bombaim, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 10. 105 comunidade eclesial, para o crescimento e a vitalidade da mesma, exercendo ministérios muito diversos, segundo a graça e os carismas que o Senhor quiser dispensar.”239

A exortação apostólica Christifidelis laici é assumida na conferência episcopal latino americano de Santo Domingo, quando propõe:

“Que todos os leigos sejam protagonistas da nova evangelização, da promoção humana e da cultura cristã. É necessário à promoção constante do laicato, livre de qualquer clericalismo e sem redução ao intra-eclesial. Que os batizados não evangelizados sejam os principais destinatários da nova evangelização. Ela será efetivamente cumprida se os leigos, conscientes do seu batismo, respondem a chamada de Cristo a converter-se em protagonistas da nova evangelização.”240

O sínodo fora um momento propositivo para que todos os bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos sejam renovados concretamente na fé e na vida cristã para que aspirem um discipulado e a transmissão da Boa Nova, com referência ao magistério da Igreja, á liturgia, a vida de oração, e a formação permanente.241 Muitos viram a urgência de acompanhar de maneira progressiva a formação dos pastores locais e dos leigos através da criação de seminários e de centros de formação, assim, como o trabalhar em traduções bíblicas que ajudem em uma frutuosa compreensão das Sagradas Escrituras.242No caminho do discipulado é preciso compreender as escrituras em conexão com os grandes questionamentos do coração humano:

“Hoje, a maioria dos cristãos fica feliz se ninguém lhe faz perguntas. Entre cinco homens, que podemos encontrar na vida cotidiana, três estão a percorrer o mesmo caminho do emissário etíope, ou seja, estão a regressar depois de ter vivido um momento de socialização religiosa na sua vida atual. Trazem consigo interrogações sobre o sentido da própria vida, desde seu passado, limitando-se a lê-las tristemente, sem compreender o que têm a ver com as suas próprias vidas. Compraram até um documento da mensagem bíblica,

239 PAULO VI. Evangelli Nuntiandi. Exortação Apostólica, 1976. São Paulo: Paulinas, 22ª edição2011, V, § 73, p. 92. 240 L‟ Osservatore Romano. D. Leonardo Ulrich Steiner, O.F.M. Bispo auxiliar de Brasília, sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 7. 241 L‟ Osservatore Romano. D. Francis Xavier Kriengsak Kovithavanij, Arcebispo de Bang-Kok (Tailândia), sábado 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 21. 242 L‟ Osservatore Romano. D. Jean-Baptiste Tiama, Bispo de Sikasso, Presidente da Conferência Episcopal (Mali), sábado 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 21. 106

exatamente como o viajante tinha comprado o trecho de Isaías, mas não tem ninguém para orientá-los, ninguém para lançar uma ponte entre a palavra da fé e sua vida cotidiana. [...] Muitas vezes, não nos deixamos envolver pelos problemas das outras pessoas, porque os temos medo de tê-los que resolver em seu lugar. Talvez ele precise apenas de ser ouvido, de partilhar os seus pensamentos e de um ato benéfico por parte de alguém capaz de se por em seu lugar, que sobe a carroça de sua vida e leve a sério as suas perguntas. Isso significa iniciar a refletir a partir do lugar onde o outro se encontra.”243

É importante retomar no âmbito da vida eclesial o tema do discipulado cristão. Como comunidade de fé têm vários testemunhos importantes neste sentido, como por exemplo, a inculturação do cristianismo nas dimensões asiáticas. O discipulado tornou- se uma arte a se viver:

“para nós, a religião é mais o discipulado de uma pessoa do que a adesão de uma doutrina ou a obediência a uma série de regras. A pessoa de Jesus é profundamente fascinante: a sua mensagem e a sua vida, a sua paixão, morte e ressurreição. A adesão a uma doutrina nasce como fruto do discípulo de um mestre. Foi deste modo que os primeiros cristãos proclamavam a boa nova”.244

Retomar o tema do discipulado é procurar compreender melhor a própria identidade cristã:

“O dever de anunciar a verdade salvifíca não é só responsabilidade do clero e dos religiosos. Aliás, o sínodo ressaltou o importante papel de cada discípulo de cristo na missão de difundir a fé. O debate acentuou a participação decisiva e vital de cada católico na missão evangelizadora, sobretudo mediante o compromisso lícito e graças aos dons dos fiéis leigos”.245

Vemos de modo claro que a convocação para viver o discipulado e a missão na Igreja não é tarefa de um grupo de pessoas especiais, mas uma convocação a todo o batizado:

243 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Joachim Meisner, Arcebispo de Köln (Alemanha), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 11. 244 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Oswald Gracias, Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.10. 245 L‟Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, relatório post disceptionem, sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p. 4. 107

“Em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário (Mt 28, 19). Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações. A nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados. Esta convicção transforma- se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários»”.246

É dentro desta consciência e chamado universal ao discipulado que vai se compreendendo que ser discípulo: significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho.247 Dentro desta dimensão do seguimento de Cristo o discípulo do Senhor vive sob o prisma de uma confiança em Deus frente à imprevisibilidade dos novos cenários públicos que são para o discípulo lugares de testemunho de sua fé e de seu seguimento da pessoa de Cristo:

“O discípulo é arrancado de sua relativa segurança de vida e lançado à incerteza incompleta (isto é, na verdade, para a absoluta segurança e proteção da comunhão com Jesus); de uma situação previsível e calculável (isto é, na verdade, de uma situação totalmente imprevisível) para dentro do imprevisível e fortuito (na verdade, para dentro do único que é necessário e previsível); do domínio das possibilidades finitas (isto é, na realidade das possibilidades infinitas (isto é, na verdade, para a única realidade libertadora”. 248

246 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, § 120, p.75. 247 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III, § 128, p. 79. 248 BONHOEFFER, DIETRICH. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 21. 108

2.1 Bispos, presbíteros, religiosos e leigos: discípulos missionários.

Outro elemento importante na nova evangelização é a sua dimensão de suscitar vocações. Uma autentica evangelização corresponde ao desejo de Jesus de “pedir ao Senhor da colheita que envie operários para sua colheita. (Mt 9, 38). Evangelização e vocação são dois elementos inseparáveis. Aliás, critérios de autenticidade de uma eficaz evangelização é a sua capacidade de suscitar vocações, de amadurecer projetos de vida evangélica de envolver inteiramente as pessoas que são evangelizadas, até os tornar discípulos, testemunhas e apóstolos.

O despertar de vocações deve ser compreendido não como uma mera conquista, mas como uma presença servidora.249A vocação é sempre uma participação no mistério pascal de Cristo, e de modo específico se formos co-relacionarmos a vocação com o discipulado veremos que a na origem de toda vocação está o encontro com a cruz de Cristo. Ser discípulo de Cristo assumindo por meio de uma vocação uma forma de ser e estar operando na Igreja significa colocar-se nas sendas da cruz. A cruz é imprescindível ao seguimento de Cristo por meio do discipulado: “Quando caminhamos sem a cruz e buscamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor”.250

2.1.1 O Bispo discípulo missionário

O Bispo discípulo missionário tem a missão confiada pelo seu Senhor de ir visitar as suas ovelhas nas casas, nas praças onde se reúnem os jovens, nos campos desportivos, nos lugares de festa, nas prisões, nos hospitais, nas escolas e em qualquer outro lugar para lhes dizer que o caminho da felicidade, da verdade e da vida verdadeira é Jesus Cristo. É muito importante que o primeiro anúncio e a aproximação dos pastores não sejam um tanto quanto reprovativa, mas educativa ensinando e infundindo positivamente valores, ao invés de simplesmente reprovar e não acompanhar aqueles

249 L‟ Osservatore Romano. Pe. Pascual Chávez Villanueva S.D.B., Reitor-Mor da sociedade salesiana de São João Bosco, Presidente da União dos Superiores-Gerais (U.S.G), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, P,17. 250 FRANCISCO, Homilia na Santa missa com os cardeais (Roma, 14 de Março de 2013), in: AAS 105 (2013), p. 365-366. 109 que necessitam de instrução religiosa. Verificou-se no sínodo que quando o bispo é protagonista da evangelização na própria diocese, toda a sua Igreja o segue. Aqui esta também a arte pastoral que é “catequizar, antes, durante e depois da celebração”.251 A evangelização como arte de viver será na vida do Bispo um caminho pelo qual vivenciando a amizade com Cristo será ele também para sua comunidade diocesana um amigo de Deus e um amigo de seu povo:

“O encontro com Cristo reveste um caráter profundamente pessoal, de tipo amistoso. Os amigos são destinatários da dedicação redentora do Senhor (Jo 15, 18), aos quais Jesus revela o Pai (Jo 15, 15). Nós bispos corremos o risco de perder a humanidade e a sensibilidade pastoral, se os outros compromissos não nos deixarem tempo para cultivar relações de amizades concretas”.252

É nesta proximidade com o povo real que a vida pastoral vai tomando tonalidades e sentidos importantes para o bispo. Que prosseguindo para além de um funcionalismo empresarial ou de uma postura de generais derrotados, é mais oportuno que os bispos se reconheçam como soldados preciosos no campo do Senhor.253

2.1.2 Os. Sacerdotes discípulos missionários

Onde trabalha um sacerdote zeloso, um homem de vida santa, a fé cresce, enquanto que onde trabalha um sacerdote tíbio, tudo se extingue. Os bispos e os sacerdotes devem ser homens da nova evangelização e este aspecto da sua vida deve ser desenvolvido já desde a sua formação no seminário.254 O Sínodo apresentou caminhos importantes para serem trilhado por aqueles que desejam tornar-se um pastor construtivo no desempenho de sua colaboração com o Bispo Local no exercício de seu sacerdócio, assim, como reconheceu também a importância de que alguns teólogos pode também desenvolver trabalhos relevantes em

251 L‟ Osservatore Romano. D. Juan de La Caridad Garcia Rodríguez(cuba), Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.10. 252 L‟ Osservatore Romano. D. Antonio Arregui Yarza, Arcebispo de Guayaquil, Presidente da Conferência Episcopal do Equador, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 15. 253 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II, § 96, p. 61. 254 L‟ Osservatore Romano. D. Ján Bab Jack, S.J, Arcebispo metropolitano de Presov dos católicos de rito bizantino, Presidente do conselho da Igreja Eslovaca, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 14. 110 prol do Reino de Deus, contudo por outro lado constatou algumas deficiências e alguns obstáculos a nova evangelização advinda da má vivência do ministério sacerdotal:

“O maior obstáculo para se tornar teólogo ou pastor construtivo, e, por conseguinte, eficaz na perspectiva da nova evangelização, é sem dúvida alguma soberba com o seu aliado natural: o egoísmo. A mania de se tornar grande, original, importante, levam não poucos a serem „Pastores que apascentam a si mesmos e não o rebanho‟ (Ez 34, 8; Santo Agostinho, Sobre os Pastores), na realidade tornam-se pouco relevantes no Reino dos céus, contraproducentes para o crescimento da Igreja e para a evangelização. Dado que em cada um de nós, depois do pecado original, há uma dose de soberba, devemos fazer constantemente nesta matéria um sólido exame de consciência e, aos pés da cruz, aprender a humildade e o amor autêntico”.255

Um ministério presbiteral vigoroso exige o compromisso de cada presbitério na sua formação permanente, mas exige também a proposta institucional das Igrejas particulares, singularmente ou com as outras Igrejas da região ou do país.256Promover uma permanente formação dos presbíteros possibilitando uma melhor atualização teológica-Pastoral-Espiritual mostra-se fecundo em todos os sentidos, uma vez que muitos presbitérios se veem carentes de uma sólida e atualizada formação. O sínodo constatou por várias experiências vividas no decorrer dos anos que a ignorância, o cansaço, o desencorajamento, a indiferença, a rotina danificaram imensamente o espírito presbiteral.257 Por outro lado é preciso ver o sacerdote hoje não apenas como um “ministro do culto”, mas também um representante de Cristo-esposo, que veio para desposar a humanidade.258 O sacerdote deve ser ele também, um apaixonado pela humanidade. O múnus regendi vivido pelos sacerdotes diz respeito a um governo que opera pelo serviço a Deus e a comunidade:

Não se esqueça que, quando falamos da potestade sacerdotal, „estamos na esfera da função e não na da dignidade e da santidade‟. O sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande dignidade vem do Batismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote

255 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Zenon Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica (Cidade do Vaticano), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.13. 256 L‟ Osservatore Romano. D. Carlos Maria Franzini, Bispo de Rafaella (Argentina), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p, 15. 257 L‟ Osservatore Romano. D. Fábio Svescún Mutis, Bispo Ordinário Militar (Colômbia), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p, 16. 258 L‟ Osservatore Romano. D. André Léonard, Arcebispo de Malina-Bruxelas, Presidente da conferência Episcopal (Bélgica), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p, 23. 111

com Cristo Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque por cima dos demais. Na Igreja, as funções „não dão justificação à superioridade‟ de uns sobre os outros ”.259

O frutuoso anúncio do evangelho por parte do sacerdote discípulo-missionário terá o desejado impacto frutuoso não apenas pelo discurso que este pode apresentar a sua comunidade, mas principalmente através da presença de um pastor próximo que caminha com o seu povo com a eloquência do bom exemplo.260

2.1.3 A vida consagrada discípula e missionária

A vida consagrada sempre foi uma preciosa ajuda a toda a Igreja no que se refere a sua missão evangelizadora. Hoje mais do que nunca a Igreja percebe a necessidade de um renovado testemunho na vida religiosa e a necessidade de continuar por meio de um testemunho profético anunciando os valores do Reino de Deus que se faz presente em meio aos homens. Isto implica em colocar Cristo no centro da própria vida e a coragem de testemunhar abertamente a sua pessoa.261O Sínodo procurou novamente convidar a vida religiosa a fazer confluir as potencialidades de cada carisma específico da vida consagrada a uma preciosa colaboração no programa diocesano de evangelização. A vida Religiosa nesta dimensão de conversão pastoral é convocada a dar um testemunho mais eloqüente de presença e de abertura e a lançarem-se em meio aos novos desafios e a vencerem a tentação de se tornarem multinacionais, desempenhando um trabalho bom e útil para responder as necessidades materiais esquecendo-se de seu fim principal de anunciar o evangelho.262 A vida religiosa discípula e missionária deve recuperar o amor a evangelização e o compromisso com o mundo:

Hoje nota-se em muitos agentes pastorais, mesmo pessoas consagradas, uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais de

259PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II, § 104, p. 65. 260 L‟ Osservatore Romano. D. Benjameim Phiri, auxiliar de Chipata, zâmbia, sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 18. 261 L‟ Osservatore Romano. Pe. Mauro Johri, O.F.M.Cap, Ministro Geral da Ordem Fransciscana dos Frades Capuchinhos, sábado 27 de outubro de 2012, numero 43, p. 17. 262 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Telesphore Placidus Toppo, Arcebispo Ranchi, Presidente da Conferência Episcopal (Índia), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 18. 112

autonomia e relaxamento, que leva a viver os próprios deveres como mero apêndice da vida, como se não fizessem parte da própria identidade. Ao mesmo tempo, a vida espiritual confunde-se com alguns momentos religiosos que proporcionam algum alívio, mas não alimentam o encontro com os outros, o compromisso no mundo, a paixão pela evangelização. Assim, é possível notar em muitos agentes evangelizadores não obstante rezem uma acentuação do individualismo, uma crise de identidade e um declínio do fervor. São três males que se alimentam entre si.263

É de fundamental urgência recuperar em muitas comunidades onde se vive a vida consagrada o caráter profético da missão, sendo em primeiro lugar profetas nas estruturas ad intra para serem também profetas e sinais do reino de Deus ad extra:

“Para quantos estão feridos por antigas divisões, resulta difícil aceitar que os exortemos ao perdão e à reconciliação, porque pensam que ignoramos a sua dor ou pretendemos fazer-lhes perder a memória e os ideais. Mas, se virem o testemunho de comunidades autenticamente fraternas e reconciliadas, isso é sempre uma luz que atrai. Por isso me dói muito comprovar como nalgumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo o custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. A Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?”. 264

2.1.4 Leigos discípulos missionários

São de fato os leigos que, pela sua índole secular, têm a responsabilidade de transformar a realidade social, cultural, política, e econômica dos nossos povos.265 É preciso potencializar a missão dos leigos no interior da Igreja, e parar de vê-los apenas objetos de evangelização. Na verdade os leigos são os primordiais sujeitos da nova evangelização através de um testemunho eficaz no coração da sociedade.266É preciso

263 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II, § 78, p. 52. 264 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, II, § 100, p. 63. 265 L‟ Osservatore Romano. D. José Luis Azuaje Ayala, Bispo de El Vigía-San Carlos Del Zulia, Presidente da Conferência Episcopal (Venezuela), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 20. 266 L‟ Osservatore Romano. D. José S. Palmo, Arcebispo de Cebu, Presidente da Conferência Episcopal (Filipinas), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 21. 113 também com que estes mesmos leigos encontrem em seus pastores a presença e o auxílio necessários para que sejam confirmados em sua missão dentro da vida secular.

A nova evangelização que deve ser tomada pelos leigos na Igreja não pode ser um evento apenas a nível paroquial, mas deve ser um acontecimento que leva ao encontro aqueles que se distanciaram da vida da fé. A autêntica evangelização procurará encurtar caminhos e colocar-se a caminho e em direção aos nossos irmãos que ficaram pelo caminho. É preciso ir até o encontro daqueles que não se identificam com a Igreja em seus próprios ambiente como por exemplo; clubes , creches, hospitais, prisões, shoppings. É preciso ir até a casa das mães e pais daqueles que se preparam para a primeira comunhão, é preciso encurta e se por a caminho. O sínodo foi também uma grande oportunidade para constatar que muitos leigos na tarefa da evangelização desempenham um papel de verdadeiros protagonistas, muitos dedicam a própria vida a missão evangelizadora da Igreja.267 A evangelização, a transmissão da fé passa principalmente de uma pessoa a outra. Cada batizado é capaz de testemunhar aos parentes, vizinhos e colegas, a alegria humilde de conhecer a Cristo.268 Hoje a Igreja precisa de leigos bem formados e bem informados, capazes de renovar e frutificar a ordem temporal. Para tal, a formação dos leigos deve estar no cimo da nossa lista de prioridades.269O dinamismo missionário é importante para um novo impulso à tarefa missionária:

“Quando mais precisamos dum dinamismo missionário que leve sal e luz ao mundo, muitos leigos temem que alguém os convide a realizar alguma tarefa apostólica e procuram fugir de qualquer compromisso que lhes possa roubar o tempo livre. Hoje, por exemplo, tornou-se muito difícil nas paróquias conseguir catequistas que estejam preparados e perseverem no seu dever por vários anos. [...] Isto, muitas vezes, fica-se a dever a que as pessoas sentem imperiosamente necessidade de preservar os seus espaços de autonomia, como se uma tarefa de evangelização fosse um veneno perigoso e não uma resposta alegre ao amor de Deus que nos convoca para a missão e nos torna

267 L‟ Osservatore Romano. D. Benedito Beni dos Santos, Bispo de Lorena (Brasil), 27 de Outubro de 2012, número 43, p, 9. 268 L‟ Osservatore Romano. D. Yves Le Sux, Bispo de Le Mans (França), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p, 11. 269 L‟ Osservatore Romano. D. Julian Winston Sebastian Fernando, S.S.S., Bispo de Badulla (Siri Lanka), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p, 20. 114

completos e fecundos. Alguns resistem a provar até ao fundo o gosto da missão e acabam mergulhados numa acédia paralisadora”.270

3 A Igreja diaconal como rosto autentico da comunidade cristã.

Não é o poder e nem mesmo a dignidade, mais a humildade e a disponibilidade que constituem os ministérios na Igreja. As pessoas de nosso tempo estão ávidas de ver o rosto diaconal da Igreja. Querem ver a Igreja diaconal a serviço do plano de Deus no mundo. Uma Igreja serva que a exemplo de seu Senhor e mestre foi aos pés, e pode se sentir próxima daqueles que vivem debaixo de inúmeras angustias e desesperos e falta de sentido na própria vida. O serviço recíproco entre os cristãos e a comunidade local faz refletir uma auto-comunicação da Igreja como servidora ao modelo de seu fundador que soube servir e dar a sua vida por muitos. É a partir desta configuração que passamos a refletir e a pensar nestas ultimas páginas que virão a Igreja vista como comunidade, a Igreja em seu mistério diaconal.

O serviço diaconal da Igreja quer apresentar a paternidade de Deus como uma aproximação amorosa do ser humano a partir da pessoa de seu Filho Jesus. O testemunho diaconal da atenção as pessoas no mundo de hoje é muito bem compreendido.271Quem com a graça do Espírito Santo alcança esta experiência fundamental e originária de Jesus; a filiação, encontrando esta experiência encontra a vida e possui a força de realizar o projeto de Deus.

Outro ponto fundamental ao apresentarmos o rosto diaconal da Igreja é justamente de vê-la como a servidora da comunidade e criadora de comunhão. Somente que veio para servir pode criar laços verdadeiramente perduráveis. Dentro desta perspectiva a família a paróquia, a Igreja doméstica, os novos movimentos e as novas comunidades tornam-se ambientes de serviço e de doação humilde. A Igreja diaconal é uma Igreja que comunica Deus pela pregação e pelas atitudes. Não pode existir maior alegria para a Igreja de Jesus Cristo do que comunicar aquilo ou Aquele que a faz feliz.

270 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II,§ 81, p. 53. 271 L‟ Osservatore Romano. D. Franz-Josef Hermann Dode, Bispo de Osnabruck (Alemanha), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 17. 115

Contudo a Igreja diaconal compreende que a verdadeira evangelização brota do encontro com Deus e com os homens sob a Guia do Espírito Santo.272

O amor diaconal manifesta-se na paixão que o Filho de Deus manifestou aos homens. Neste amor está o fundamento da paixão que a Igreja deve vivenciar por cada ser humano.273Uma linha teológica-pastoral para a reflexão e concretização da nova evangelização se construa ao redor desta linha de “comunhão-testemunho-serviço.”274É dentro deste modelo diaconal que descrevemos aqui algumas observações feitas pelo sínodo dos Bispos e que demonstram de modo claro que a tradição e a transmissão fiel da Palavra de Deus, testemunhada no cânon das Escrituras, por meio dos profetas e apóstolos e na leiturgia(liturgia), martyria (testemunho) e diakonia275 (serviço) da Igreja.276A transmissão da fé encontrará nesta tríade comunicante a expressão de uma dinâmica continuada nos Actus Christi Testimonial, que convida a Igreja a uma participação mais operosa enquanto esposa que convoca a humanidade a união com Deus por meio das relações humanas por meios dos Actus Christi Relacional.277

3.1 O Querigma: O primeiro anúncio e novas perspectivas

O sínodo dos bispos foi um grande cenário para refletir sobre as novas perspectivas e ações concretas para a nova evangelização. Uma das propostas foi

272 L‟ Osservatore Romano. D. Ricardo Antonio Tobón Restrepo, Arcebispo de Medellín (Colômbia), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 19. 273 L‟ Osservatore Romano, Pe. José Rodríguez Carballo, O.F.M, Ministro Geral da Ordem dos Fransciscanos dos Frades menores, sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p.14. 274 L‟ Osservatore Romano, D. Mario Del Valle Moronha Rodríguez, Bispo de San Cristobál (Venezuela), 27 de Outubro de 2012, número 43, p.19. 275 “O sentido de diakonía está estreitamente relacionado com o forte gesto de Jesus na última ceia – o lava-pés. Contrapondo-se à “bacia da omissão de Pilatos” está a “bacia do serviço de Jesus” na quinta feira Santa. Com toalha nas mãos, ele se faz o menor, quem serve, inaugurando uma nova ordem de relação interpessoal, fundada no descentrar-se de si mesmo para “amar primeiro”, assim como Deus nos amou: “Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15, 15); “quem não se fizer o menor, como as crianças, não entrará no Reino dos Céus” (Mt 11, 11; Lc 7, 28; 9, 48).BRIGHENTI, AGENOR. A Pastoral dá o que pensar: A inteligência da Prática transformadora da fé. São Paulo: Ed: Paulinas, 2ª Edições, 2011, p. 130. 276 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. Teologia hoje: perspectivas, princípios e critérios. Brasília: CNBB, 2012, p. 16. 277 FERREIRO, FRANCISCO. Cristologia Del Testimonio en El Concilio Vaticano II. Búsqueda Del “centro real” Del Concílio Vaticano II a partir Del estúdio Del Actus Christi. Madrid, Universidade San Dámaso, 2011, p. 465. 116 justamente aproximar novamentente o querigma da catequese, potencializando estas duas vias de transmissão da fé para melhor servir a causa da evangelização:

“A proclamação Querigmática exige a conversão ao Senhor ressuscitado Jesus Cristo através do Batismo. A catequese de maneira diferente mais não separada promove o crescimento e a instrução na vida cristã. Ambos constituem dois aspectos de uma única ação pastoral. O primeiro anúncio e a catequese devem cantar unidos ao mundo, em harmonia perfeita, um dueto que responda novamente ao mandato do Senhor Jesus: “Ide, por todo o mundo e anuncia o evangelho a todas as criaturas” (Mc 16, 15)”278

Gera preocupação a escassez do primeiro anúncio na vida cotidiana.279 A retomada atualidade do querigma faz-se necessário para uma evangelização no quadro de prioridade em nossos dias. Anunciar a palavra de Deus em todas as ocasiões, oportuna e inoportunamente, recuperando a voz profética da Igreja, buscando discernir os sinais dos tempos.

O retorno a uma compreensão que auxilia a nova evangelização em chave querigmática é fundamental importância. O Sínodo percebeu a necessária impostação profética que a vida laical é chamada a dar através de um testemunho profético no mundo:

“Cristo, o grande Profeta que, pelo testemunho de sua vida e pela força da sua palavra, proclamou o reino do Pai, cumpre o seu múnus profético até à plena manifestação da glória, não apenas por meio da hierarquia, que ensina em seu nome e com o seu poder, mas também por meio dos leigos, aos quais estabelece suas testemunhas e aos quais dá o sentido da fé e a graça da palavra (cf. At 2,17-18; Ap 19,10), para que façam brilhar a força do Evangelho na vida cotidiana, familiar e social. Eles apresentam-se como filhos da promessa, quando, fortes na fé e na esperança, aproveitam o tempo presente (cf. Ef 5,16; Cl 4,5) e com paciência esperam a glória futura (cf. Rm 8,25). Não escondam esta esperança no interior da alma, mas exprimam-na também através das estruturas da vida secular, por uma renovação contínua e pela luta “contra os dominadores deste mundo

278 L‟ Osservatore Romano. D. Chistopher Charles Prowse, Bispo de Sale (Austrália), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 7. 279 L‟ Osservatore Romano. Pe. Julián Carrón, Presidente da fraternidade de Comunhão e libertação, sábado, 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 16. 117

de trevas e contra os espíritos do mal” (Ef 6,12). Lumen Gentium (35)”280

3.2 A Igreja: Uma comunidade a serviço do amor e da verdade.

A Igreja é convidada em nossos dias a se fazer presente em meio ao mundo não como realidade impositiva, mas propositiva e expositiva dos valores que tendem a enobrecer a família humana. Para isso é preciso ter uma atitude importante de simpatia e empatia para com o mundo. Neste aproximar-se do “mundo” a Igreja discerne a si mesma em sua identidade fundamental de ser sinal histórico e escatológico em meio ao “saeculum”, não somente através de uma contra-posição, mas discernindo os pontos convergentes destas “duas cidades”: A cidade de Deus, não é a Igreja visível: muitos das cidade celestial estão na Roma pagã, e muitos da terrena, na Igreja cristã. As “cidades” são entidades escatológicas: no juízo final, poderão visualizar-se com seus perfis definidos, como o joio e o trigo depois da colheita. Até lá, aqui na história, estão intrinsecamente entremeadas. O “secular” é a existência histórica das duas cidades. Se escatologicamente elas são mutuamente excludentes, por sua vez no saeculum, o tempo mundano, não podem ser adequadamente distintas e separadas. A linha divisória passa pela liberdade dos seres humanos, pessoal e coletiva”.281 A Igreja diaconal é também dialogal não tem medo da diferença e nem teme o que é humano, porque sabe que o Filho do homem veio trazer a plenitude a todos os homens e a cada homem. Por isso a Igreja não pode ser vista como realidade poderosa sempre a se impor, mas uma comunidade diaconal a partilhar a verdade no serviço do amor.282 A diaconia da verdade é parte central da mensagem do evangelho e de sua missão.283

280 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium, Constituição Dogmática. Petrópolis: Vozes, IV, § 35, p.81. 281 BERGOGLIO, JORGE MARIO. Educar: exigência e paixão. Desafios para educadores cristãos. São Paulo: Ave-Maria, 2013, p.153. 282 L‟ Osservatore Romano. D. Santiago Silva Retamales. Secretário do Conselho episcopal latino- americano, sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 18. 283 L‟ Osservatore Romano. D. Zygmwski, Arcebispo emérito de Radom (Polônia). Presidente do Pontifício Conselho para a pastoral no campo de saúde (Cidade de Vaticano), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 20. 118

A nova evangelização a serviço do amor e da verdade priorizará a formação de cristãos coerentes, capazes de responder sobre a própria fé, mediante palavra simples e sem temor.284 A comunidade do amor e da verdade deve na sua ação apostólica transbordar as torrentes e os rios caudalosos da graça de Deus de que dispõe. Isto somente irá acontecendo saindo. Saindo para acolher, saindo pelas estradas da vida:

“Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37).285

É dentro desta cultura do encontro que o caráter testemunhal da vida dos cristãos torna-se um meio indispensável a nova evangelização pois a “evangelização não se realiza só através da pregação pública do Evangelho, nem unicamente através das obras de relevância pública, mas também por meio do testemunho pessoal, que é sempre uma via de grande eficácia evangelizadora”.286

3.3 KAIRÓS: Um novo encontro pessoal com Jesus Cristo na Igreja

284 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Jean-Louis Tauran, Presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religiosos (Cidade do Vaticano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 6. 285 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, § 49, p. 34-35. 286CONGREGAÇÃO PARA DOUTRINA DA FÉ. Nota Doutrinal sobre alguns Aspectos da Evangelização. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 21. 119

O caráter pessoal do cristianismo se configura a partir do encontro pessoal com Jesus Cristo e da relação com Ele. Esta dimensão do encontro tem sua especificidade na experiência de conversão. A conversão é o chamado de Deus para que o homem caminhe na sua companhia, e este caminhar se dá “com” e “na” Igreja. A Igreja é o “Locus” do encontro com Jesus Cristo. Esta “communio” é a sinalização testemunhal do serviço de amor que a Igreja realiza como meio eficaz na evangelização.287 É justamente dentro desta comunhão eclesial que escutamos o convite da Igreja na Pessoa do Papa Francisco: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo dia a dia sem cessar”.288

A nova evangelização propõe uma hermenêutica de continuidade no que se refere à vivência da própria fé e adesão a Pessoa de Jesus Cristo. Outro elemento importante a ser enfrentado é a separação intelectual e ideológica de Cristo e de sua Igreja. Algo que seria de difícil compreensão e o que dificultaria uma adesão plena ao evangelho e ao programa apresentado por Cristo que passa pela sua Igreja, pois, “a Igreja é em Cristo, o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da união intima com Deus e da unidade de todo o gênero humano”.289 Dentro desta mesma reflexão encontramos uma abertura a superação de toda a forma de individualismo produzido de modo exacerbado pela secularização como se cada pessoa tivesse que receber um acento especial no que lhe é particular desconectando assim a pessoa do todo da sociedade o que minimiza os relacionamentos pessoais.

Ao refletirmos sobre o conceito de evangelização devemos ter claro que este conceito se esclarece à medida que cresce na pessoa o evento e o acontecimento do encontro com a pessoa de Jesus Cristo. A dimensão eclesiológica da Igreja aqui se demonstra em sua fundamental importância. O encontro com a pessoa de Jesus remete a pessoa a sua família que é a Igreja. Tornar-se discípulo seguidor de Jesus significa

287 L‟ Osservatore Romano. D. Leo Laba Ladjar, O.F.M. Bispo de Jayapura( indonésia), sábado, 3 de novembro de 2012, número 44, p, 16. 288 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, § 3, p. 8. 289SÍNODO DOS BISPOS. Instrumentum Laboris.A nova evangelização para a transmissão da fé. Brasília: CNBB, 2012, I, § 27, p.37. 120 inserir-se nesta grande família espiritual que tem como fundamento tornar de modo claro a presença do Reino de Deus através da vida e da missão dos cristãos neste mundo: “A obra de evangelização consiste em repropor ao coração à mente, não pouca vezes distraídos e confundidos, dos homens e das mulheres do nosso tempo, antes de tudo a nós mesmos, a beleza e a novidade perene do encontro com Cristo.”290

Este fortalecimento da própria vida cristã é um caminho eficaz e um instrumento necessário para nova evangelização. Um caminho que se resumisse somente numa via intelectual se demonstraria insuficiente, é necessário “um contato pessoal com o Deus vivo”291 verdadeiro promotor da vida nova.

Para uma nova guinada na maneira de compreender a fé cristã e sobre sua incidência na vida humana nos deparamos com dois dos problemas que são atualmente claramente verificáveis que são justamente o limite entre abraçar a fé em Jesus Cristo e o inteirar-se de uma fé que passa também pelo circuito institucional. Um fenômeno aparentemente insignificante, mas que a cada ano toma proporções maiores é justamente o fenômeno dos “novos cristãos”, ou seja, daquelas pessoas que até se propõe a iniciar um caminho espiritual, contudo se veem profundamente perplexos quando este caminho quase que necessariamente precisa passar pelo caminho da instituição. Sabemos, porém que é necessário que existam alguns sinais para identificar a necessária eclesiologia para um desenvolvimento harmônico da própria caminhada de fé dentro de um ambiente favorável ao desenvolvimento da própria vivência cristã: A Igreja é o espaço em que Cristo se oferece ao ser humano na história para o poder encontrar, porque ele lhe confiou a sua Palavra, o Batismo que nos torna Filhos de Deus, o seu Corpo e o seu Sangue, a graça do perdão do pecado, sobretudo no sacramento da reconciliação, a experiência da Comunhão que é reflexo do próprio mistério da Santíssima Trindade, a força do Espírito que gera caridade para com todos.”292 Entretanto, é importante compreender que a dilatação do Reino de Deus acontece mesmo frente as fragilidade humanas seja dos Pastores da Igreja, assim como as de todo o povo de Deus: “Sabemos que devemos reconhecer humildemente a nossa vulnerabilidade ás feridas da história e não hesitemos em reconhecer os nossos pecados pessoais. Estamos também

290 L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 06. 291 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Zenon Grocholewsk, Prefeito da Congregação para a Educação Católica (Cidade do Vaticano), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 13. 292 L´ Osservatore Romano. Sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 6. 121 convencidos de que a força do Espírito do Senhor pode renovar a sua Igreja e tornar esplendorosa a sua veste, se nos deixarmos plasmar por ele.293

A igreja por sua vez como serva do evangelho não pode se omitir frente às urgências que lhe são colocadas e que lhe evocam o cumprimento da sua própria missão que é anunciar o evangelho: “A Igreja está envolvida neste movimento de Auto- revelação Divina que começa com a Bem-Aventurada Virgem Maria quando sob a ação do Espírito Santo, recebe no seu seio a Palavra de Deus que se encarnou nela para poder se dar ao mundo inteiro”.294

3.4 Em torno da Palavra

O conteúdo programático da nova evangelização será tanto mais eficiente quanto mais for capaz de se fazer em torno da Palavra de Deus. A nova evangelização terá como auxilio fundamental o uso das Sagradas Escrituras, em unidade com os sacramentos e os diversos aspectos da vida cristã.295

Fora recordado no Sínodo a grande paixão que tinham os Padres da Igreja pelas Sagradas Escrituras e suas interpretações. Os seus comentários bíblicos são místicos, totalizadores, mistagógicos, simbólicos e alegóricos. Sobretudo, suas homilias catequéticas. Além disso, serviam da poesia como melhor instrumento de evangelização.296

Um dos pontos fundamentais desta renovada aproximação da Palavra de Deus é a atitude de escuta: “A evangelização não começa com a pregação, mas com a escuta.” 297 . É na escuta da Palavra que somos gerados: “A Palavra de Deus é o ventre do nosso ser, e para encontrar a „novidade‟ tão desejada, para a evangelização do presente,

293 Ibidem, p. 6. 294 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p.4. 295 L‟ Osservatore Romano. D. Ricardo Blasquez Péres, Arcebispo de Valladolid (Espanha), 27 de outubro de 2012, número 43, p. 9. 296 L‟ Osservatore Romano. D. Joseph Kallarangatt, Bispo de Palai dos Sírios Malabares (Índia), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p 8. 297 L‟ Osservatore Romano. Sua Excelência Leo Makkonen, Arcebispo de Karelia e de toda Finlândia, Patriarcado Ecumênico, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 14. 122 devemos voltar a este lugar original do nosso ser. A Palavra tornada é „espírito e vida‟, este é o lugar.” 298

A evangelização é a pregação da Palavra, a qual é a resposta á Palavra transmitida por Deus e, portanto, é uma realidade Divino-humana expressa sob forma interpessoal.299

A nova evangelização é um acontecimento que tem a Palavra de Deus como uma referência insubstituível, pois é por meio desta palavra que a Igreja se consolida, pois ela é o coração de toda atividade eclesial:

“Não é só a homilia que se deve alimentar da Palavra de Deus. Toda a evangelização está fundada sobre esta Palavra escutada, meditada, vivida, celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte da evangelização. Por isso, é preciso formar-se continuamente na escuta da Palavra. A Igreja não evangeliza se não se deixa continuamente evangelizar. É indispensável que a Palavra de Deus «se torne cada vez mais o coração de toda a atividade eclesial».A Palavra de Deus ouvida e celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta e reforça interiormente os cristãos e torna-os capazes de um autêntico testemunho evangélico na vida diária. Superamos já a velha contraposição entre Palavra e Sacramento: a Palavra proclamada, viva e eficaz, prepara a recepção do Sacramento e, no Sacramento, essa Palavra alcança a sua máxima eficácia.”300

3.4.1 O lugar da homilia na nova evangelização

Na esteira do sínodo dos Bispos sobre a da Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja ocorrido em 2008, temos também uma preciosa contribuição, e no Sínodo de 2012 sobre a nova evangelização e a transmissão da fé cristã o relevante imperativo do anúncio evangélico no mundo de hoje. O sínodo dos Bispos de 2008 ressaltou a importância do contexto litúrgico como o lugar por excelência da proclamação da Palavra de Deus, também o sínodo dos Bispos de 2012 ressaltou a importância de

298 L‟ Osservatore Romano. D. Vincent Ri Pyungi-ho, Bispo de Jeonju (Coréia), Sábado 17 de Novembro de 2012, número 46, p. 18. 299 L‟ Osservatore Romano. D. Tarassenkiu, O.M., Bispo titular de Sccenna, Auxiliar Proto-sincelo e administrador Apostólico “Ad nutum sanctae sedis” de Stryj dos Ucranianos (Ucrânnia), sábado 10 de novembro de 2012, numero 45, p. 18. 300 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III, § 174, p. 103. 123 potencializar a homilia: “Potencializar o a missa Dominical, a fim de que seja o ponto de referência para a nova evangelização”.301

O anúncio do evangelho por meio da homilia no contexto litúrgico merece uma atenção particular e uma renovação decisiva. As pregações nas nossas Igrejas com frequência perdem o caráter querigmático, e, portanto, já não tem a força do evangelho (Rm 1,16) e a eficácia da Palavra de Deus.302A homilia capacita a Igreja a “ver” em Jesus o mestre que ensina pela palavra e pelos gestos o estilo de Deus:

“A celebração do Domingo [...] Cada semana aprendemos palavras e gestos do mestre, para viver em família, no bairro, no lugar de trabalho e de estudo. Uma preparação atenta da liturgia e dos sinais da celebração constitui a melhor catequese para os fiéis; por isso, a proclamação bíblica e os cânticos devem conduzir-nos a uma participação consciente, ativa e frutuosa que nos encha o espírito para a missão.”303

A homilia fora vista como um local nuclear na Igreja de onde a Palavra de Deus encontra toda uma eficácia e uma proposta pertinente aqueles que participam da celebração eucarística, mas é também um modo de compreender a sintonia do Pastor local com o coração de sua comunidade:

“A homilia é o ponto de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encontro de um Pastor com o seu povo. De fato, sabemos que os fiéis lhe dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste que assim seja. A homilia pode ser, realmente, uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento”.304

301 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Luiz Martínez Sistach, Arcebispode Barcelona (Espanha), sábado 3 de Novembro de 2012, número 44, p. 22. 302 L‟ Osservatore Romano. Sua Beatitude Sui Atolslav Sche Uchuuk, Arcebispo Mor de Hyiu-Halyc, chefe do Sínodo da Igreja Greco-católica Ucraniana, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 16. 303 L‟ Osservatore Romano. D. Salvador Pineiro Gárcia-Calderón, Arcebispo de Ayacucho (Peru), sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p. 11. 304 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III, §135, p. 82. 124

Um dos temas programáticos na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium é sobre a singular importância da homilia e também da pessoa do pregador. Isto sinaliza a valor conferido pelo sumo Pontífice Papa Francisco a este ministério na Igreja que fora minimizado ou por vezes encontrou-se desqualificado ou sem a pertinência oportuna, também no que se refere à nova evangelização. A temática da Homilia, da pregação, da pessoa do pregador é tomada de modo sentida pelo sumo pontífice o que o fez dedicar 25 parágrafos sobre o tema tentando trazer novamente o ministério da palavra ao centro de importância no ambiente eclesial principalmente diante desta situação emergente em que a Igreja se encontra diante do grande desafio de harmonizar o conteúdo programático do grande mosaico de doutrinas e conteúdos, ou seja, o seu depósitum Fidei dentro de uma síntese evangélica apropriada ao contexto de mundo em que vivemos:

. O desafio duma pregação inculturada consiste em transmitir a síntese da mensagem evangélica, e não ideias ou valores soltos. Onde está a tua síntese, ali está o teu coração. A diferença entre fazer luz com sínteses e o fazê-lo com ideias soltas é a mesma que há entre o ardor do coração e o tédio. O pregador tem a belíssima e difícil missão de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo. O diálogo entre Deus e o seu povo reforça ainda mais a aliança entre ambos e estreita o vínculo da caridade. Durante o tempo da homilia, os corações dos crentes fazem silêncio e deixam-No falar a Ele. O Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma maneiras diretamente, sem intermediários, mas, na homilia, querem que alguém sirva de instrumento e exprima os sentimentos, de modo que, depois, cada um possa escolher como continuar a sua conversa. A palavra é, essencialmente, mediadora e necessita não só dos dois dialogantes mas também de um pregador que a represente como tal, convencido de que «não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos consideramos vossos servos, por amor de Jesus» (2 Cor 4, 5).305

Todo pregador consciente de sua instrumentalidade enquanto, meio pelo qual Deus se comunica com o seu povo deve manter de modo profundo uma intencionalidade de comunicar à vida que vem do Espírito Santo. A colaboração entre pregador e a Pessoa do Espírito Santo deve ser uma abertura onde a co-responsabilidade

305 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III, § 143, p. 86. 125 de se preparar não sufoca a abertura interior e a atenção ao mistério de Deus da parte do mesmo pregador:

“A confiança no Espírito Santo que atua na pregação não é meramente passiva, mas ativa e criativa. Implica oferecer-se como instrumento (cf. Rm12, 1), com todas as próprias capacidades, para que possam ser utilizadas por Deus. Um pregador que não se prepara não é «espiritual»: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu”.306

Todo aquele que diante do chamado do Senhor se dispuser a anunciar o evangelho deve manter uma contínua familiaridade com a Palavra de Deus para que o próprio pregador seja o primeiro a estar embebido e de certo modo impregnado da Palavra, por um contínuo estudo, meditação e leitura orante, desta mesma Palavra:

“O pregador «deve ser o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não lhe basta conhecer o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; precisa de se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade». Faz-nos bem renovar, cada dia, cada domingo, o nosso ardor na preparação da homilia, e verificar se, em nós mesmos, cresce o amor pela Palavra que pregamos. É bom não esquecer que, «particularmente, a maior ou menor santidade do ministro influi sobre o anúncio da Palavra». Como diz São Paulo, «falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus que põe à prova os nossos corações» (1 Ts 2, 4). Se está vivo este desejo de, primeiro, ouvirmos nós a Palavra que temos de pregar, esta transmitir-se-á duma maneira ou doutra ao povo fiel de Deus: «A boca fala da abundância do coração» (Mt 12, 34). As leituras do domingo ressoarão com todo o seu esplendor no coração do povo, se primeiro ressoarem assim no coração do Pastor”.307

Outro passo importante sinalizado pela Exortação Apostólica Evangelii Gaudium é que o pregador se deixe interpelar no profundo de sua consciência e de seu

306 Ibidem, 145, p. 87. 307 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, III, § 149, p. 89. 126 coração por esta mesma Palavra. Saber ambientar a Palavra dentro de seu contexto confrontá-la com a própria vida e lançando um olhar sobre a realidade da própria comunidade em que vive deve ele o pregador carregar a mensagem de Deus que ilumina e dá sabor as realidades humanas e espirituais que habitam no pessoal e no coletivo das circunstâncias eclesiais e sociais que o envolvem:

“Na presença de Deus, numa leitura tranquila do texto, é bom perguntar-se, por exemplo: «Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis mudar na minha vida? Que é que me dá fastídio neste texto? Porque é que isto não me interessa?»; ou então: «De que gosto? Em que me estimula esta Palavra? Que me atrai? E porque me atrai?”.308.

O ministério do anúncio do evangelho carrega em si outra dimensão significativa que é a contemplação. A esfera contemplativa que permeia o conhecimento da mensagem sagrada convida o pregador a ser ele também um contemplativo da Palavra atento à vida concreta do povo a quem ele anuncia esta mesma palavra:

“Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo. Desta forma, descobre as aspirações, as riquezas e as limitações, as maneiras de orar, de amar, de encarar a vida e o mundo, que caracterizam este ou aquele aglomerado humano, prestando atenção ao povo concreto com os seus sinais e símbolos e respondendo aos problemas que apresenta”.309

3.4.2 O Ministério catequético

Notou-se desde o início das discussões de preparação e no desenvolvimento das pautas do sínodo uma insistência em buscar uma compreensão mais profunda sobre uma instituição de um ministério catequético na Igreja como uma forma de estabelecer uma

308 Ibidem, III, § 153, p. 92. 309 Ibidem, III, § 154, p. 93. 127 permanente tarefa onde houvesse um empenho maior na formação dos catequistas para uma melhor realização do ensino da fé cristã.310

A Igreja reconhece o lugar específico e particular de cada catequista na tarefa de transmitir a fé e educar para a vida cristã, e de modo totalmente especial podem os catequistas oferecer uma importante contribuição para a nova evangelização. O Sínodo procurou refletir sobre a profundidade desta tarefa e a urgência de dar a este ministério maior estabilidade, visibilidade ministerial e formação.311Essas mudanças poderiam traduzir-se na formação de grupos pastorais compostos por presbíteros e leigos, como reflexão e reconhecimento oficial dos ministros eclesiais leigos, também mediante uma participação deliberada e sistemática das mulheres, conferindo-lhes ser designadas como leitoras e ministrantes e constituindo o ministério do catequista.312

O sínodo foi contundente em reconhecer o possível ministério do catequista como um precioso recurso para a transmissão da fé neste momento de evangelização em que a Igreja vive.313No livro Anunciar o Evangelho: Mensagens aos catequistas vemos de modo contundente como o até então Cardeal Jorge Mario Bergoglio falando num tom coloquial expressa a grandeza da vocação do ministro da catequese:

“Detrás de cada catequista, de cada um de vocês, há um chamado, uma eleição, uma vocação. Esta é uma verdade fundadora de nossa identidade: fomos chamados por Deus, eleitos por Ele. Cremos e confessamos a iniciativa de amor que há na origem do que somos. Nós reconhecemos como dom, como graça [...]”.314

3.4.3 Os meios de comunicação e a Nova evangelização

310 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Wuerl, O relatório post disceptationem, sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 5. 311 L‟ Osservatore Romano. D. Sérgio da Rocha, Arcebispo de Brasília (Brasil), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 8-9. 312 L‟ Osservatore Romano. D. Brian Joseph Dunn, Bispo de Antigunish (Canadá), sábado 27 de outubro, número 43, p. 19. 313 L‟ Osservatore Romano. D. Patrick Christopher Pinder, Arcebispo de Nassau (Bahamas), Presidente da Conferência Episcopal (Antilhas), 27 de outubro de 2012, número 43, p. 20. 314 BERGOGLIO, J.M. Anunciar o Evangelho (mensagem aos catequistas) .Campinas: CEDET, 2013, p. 43. 128

Um dos novos métodos e expressões que a Igreja lança mão nos últimos decênios fora justamente os meios de comunicação. O adentramento da presença da Igreja na internet através do lançamento do documento Eclesia in Oceania constata que a Igreja quis e quer se fazer cada vez mais presente através das vias eletrônicas para levar ao coração do homem contemporâneo a mensagem do evangelho.315

É fundamental, para a eficácia da nova evangelização, um profundo conhecimento atual na qual os meios de comunicação social têm grande influência. Portanto, conhecer e usar estes meios quer nas suas formas tradicionais quer nas mais recentes introduzidos pelo progresso tecnológico são indispensáveis:

“Os novos Mass Media mudam radicalmente a nossa cultura e oferecem novos percursos para partilhar a mensagem do evangelho. A arena digital não é um espaço „virtual‟ menos importante que o mundo „real‟ e, se a boa nova não for proclamada também „digitalmente, corremos o risco de abandonar muitas pessoas, para as quais este é o mundo em que „vivem‟.A Igreja já esta presente no espaços digitais, mas o próximo passo é mudar nosso estilo comunicativo para tornar eficiente esta presença. Temos que valorizar as „vozes‟ aos numerosos católicos presentes nos blogs, para que possam evangelizar e apresentam o ensinamento da Igreja. A Igreja é chamada a um diálogo no respeito de todos, explicando- lhes a razão da própria esperança”.316

A Igreja para ser evangelizadora deve ser mediática. Na nova cultura secularizada os meios de comunicação social devem ser capazes de ajudar a Igreja a ser deveras evangelizadora e missionária, em correspondência dos tempos, quando é necessário não só batizar os convertidos, mas também converter os batizados.317

4 A Igreja: Uma comunidade do testemunho a favor e em defesa da vida

315 L‟ Osservatore Romano. Relatório de D. John Atcherley Dew Arcebispo de Wellington, sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, P.8. 316 L‟ Osservatore Romano. D. Claudio Maria Celli, Arcebispo Titular de Civitanova, Presidente do Pontifício conselho de comunicações Sociais (Cidade do Vaticano), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 19. 317 L‟ Osservatore Romano. D. Tadeusz Kondrusiewicz, Arcebispo de Minsk-mohilev (Bielo-Rússia), sábado 27 de outubro de 2012, número 43, p. 14. 129

Queremos abordar aqui a importância que teve desde o início da Igreja as manifestações elevadas de amor a vida que deram muitos dos cristãos que nos precederam. O testemunho do martírio ilumina hoje a ação de cada cristão para que na defesa da vida possa também ofertar a própria vida em causas que sejam elevada como ensina-nos o Senhor no evangelho: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13). É nesse amor aos irmãos que somos interpelados como Igreja a irmos procurar o encontro com cada homem, de modo particular no caminho do seu sofrimento.318

Na história a “profissão e a confissão” da fé são tangíveis na vida doada dos pastores, sacerdotes e religiosos; mas também é precisos realçar dos fiéis leigos, das suas famílias. Sendo o martírio a forma mais explícita e convincente de transmissão da fé, devemos também nos questionar “Em que ponto a nossa não credibilidade se torna contra testemunho para os outro? Com efeito, a fé nunca pode fechar-se na dimensão pessoal, porque o testemunho do cristão por natureza é público.”319

4.1 Redescobrir a sacralidade da família

Um dos pontos cardeais que devem nortear a nova evangelização é a redescoberta da sacralidade da família. A vida matrimonial apresentada na sua beleza dos vínculos matrimoniais tem por outro lado a critica secularista das ideologias na contemporaneidade que atacam de maneira frontal a santidade da família. O divórcio, outrora, considerado um tabu, agora já não é tão insólito. Começaram a se levantarem várias vozes contra a santidade do matrimônio.320A Igreja reconhece que a família é o lugar no qual se forja o futuro da humanidade e se concretiza a fronteira decisiva da nova evangelização.321

A renovação da vida familiar deve ser tomada como uma das prioridades principais para a conservação da família no mundo ocidental. O sacramento do

318 L‟ Osservatore Romano. Pe. Renato Salvatore, M.I, Superior-Geral dos clérigos regulares ministros dos enfermos (camilianos), 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 11. 319 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Josip Boazanic, Arcebispo de Zagrábia (Croácia), 3 de novembro de 2012, número 44, p. 20. 320 L‟ Osservatore Romano. Relatório do Cardeal Oswald Gracias Arcebispo de Bombaim, Sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p.10. 321 L‟ Osservatore Romano. D. Nicolas John Lola. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.14. 130 matrimônio é precioso para a Igreja, pois as famílias não são apenas um lugar privilegiado de missão, mas elas são também agentes de missão dentro do tecido eclesial e social. São assim comunicadoras de valores de fé e humano para outras famílias.322

O Sínodo percebeu que em grande parte o futuro da evangelização passa pela família, ou seja, da Igreja doméstica. Isto apresenta a urgência de acompanhar as famílias que passam por diversas dificuldades a ponto de desenvolver e fortalecer uma pastoral do acompanhamento dos matrimônios e das famílias. Vemos que a família não é posta em questão não só como modelo cristão. Foi-lhe tirado o valor ou colocada num plano de concepções que obedecem a interesses ideológicos de alguns grupos.323

A valorização da vida após a concepção é uma causa na qual a Igreja reconhece a importância primordial de proteger e promover a própria vida humana. Uma proposta de valorização da própria vida é a sugestão que fora dada no sínodo de abençoar a criança no ventre materno e orientar ao mesmo tempo um oportuno acompanhamento até o batismo.324Isto leva a Igreja como comunidade de fé a se colocar na defesa da vida: desde sua concepção até o seu desfalecimento biológico.

O futuro de uma nova evangelização conta com o auxílio em grande parte da família que verdadeiramente assumiram os valores da fé cristã, e propriamente dizendo o ser cristão. É perceptível em nossos dias como a “deflagração da família surge como o problema número um da sociedade contemporânea, mesmo se poucos se dão conta disso”.325

Na contemporaneidade a Igreja é convocada a ter um rosto de família. A futura evangelização depende em grande parte da Igreja doméstica. Em muitas partes do mundo encontramos uma infecundidade pastoral, não é porventura porque nos tornamos mais instituição do que família?326

322 L‟ Osservatore Romano. Pe. Heinrich Walter, Superior Geral dos Padres de Schönstt, sábado 3 de novembro de 2012, numero 44, p. 17. 323 L‟ Osservatore Romano. D. Eusébio Ramos Morales, Bispo de Fajardo-Humacao (Porto Rico), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 22. 324 L‟ Osservatore Romano. D. Joseph Edward Kurtz, Arcebispo de Louisville, Vice-Presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos da América, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 15. 325 L‟ Osservatore Romano. D. Vincenzo Paglia, Arcebispo Emérito de Terni-Narni-Amelia (Itália), Presidente do Pontifício Conselho para a Família ( Cidade do Vaticano), sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 21. 326 Ibidem, p. 21. 131

Outro ponto referente à família que deve ser de fundamental importância é o acompanhamento daquelas que estão em situação irregular e os “recasados” como superar a incompreensão e buscar uma proximidade com estes sem permitir-lhes estarem distante da misericórdia de Deus.327

A família transmite a fé com o coração, com a vida e com a prática. Ela é o ambiente primeiro onde se comunica os verdadeiros valores de vida e de fé:

“A nova evangelização terá sucesso se conseguir restituir a sacralidade do matrimônio que é o lar familiar do amor, assim como a família torna-se a pequena Igreja. Posso afirmar que se transmite a fé muito mais com que se é do que com o que diz. A verdade da vida é que nos sacrificamos pelo que amamos e, se for necessário, até morremos. Aquilo pelo qual estamos prontos a dar a vida nunca pode morrer, porque a força do amor é mais forte do que a morte”.328

A defesa da vida não pode ser apenas uma pauta na agenda eclesial, mas deve se constituir verdadeiramente uma das causas centrais da diaconia, da caridade, do serviço que a Igreja oferece a vida humana. Serviço este que é sinal eminente de seu amor a humanidade:

“A consciência da sacralidade da vida que nos foi confiada, não como algo que se possa dispor livremente, mas como dom a guardar fielmente, pertence a herança moral da humanidade.[...] A morte da pessoa amada é, para quem ama, o acontecimento mais absurdo que se possa imaginar: aquela é incondicionalmente digna de viver, é bom e belo que exista. Entretanto, a mesma morte da pessoa aparece, aos olhos de quem não ama, como um acontecimento natural, lógico (não absurdo). Quem têm razão? Aquele que ama („a morte desta pessoa é absurda‟) ou que não ama („a morte desta pessoa é lógica‟)? A primeira posição só é defensível se cada pessoa for amada por um poder infinito; e aqui está o motivo por que foi preciso apelar a Deus. De fato, quem ama não quer que a pessoa amada morra; e, se pudesse, impedilo-ia sempre. Se pudesse. O amor finito é importante; o amor infinito é onipotente. Ora, está é a certeza que a Igreja anuncia „tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu filho

327 L‟ Osservatore Romano. D. José Ulloa Mendieta, O.S.A, Arcebispo de Panamá (Panamá) ,sábado, 3 de novembro de 2012, número 44, p. 18. 328 L‟ Osservatore Romano. Cardeal Vinko Puljic, Arcebispo de Urhbosna (Bósnia-Herzegovina), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 8. 132

unigênito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna‟(Jo 3, 16). Sim! Deus ama a cada pessoa e, por isso, é incondicionalmente digna de viver.”329

O amor maturado e bem orientado na relação matrimonial é uma colaboração para redescobrir de maneira essencial o benéfico relacionamento e desenvolvimento do amor entre os esposos e sua vivência no contexto social:

“A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-se de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos. O matrimônio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contribuição indispensável do matrimônio à sociedade supera o nível da afetividade e o das necessidades ocasionais do casal. Como ensinam os Bispos franceses, não provém do sentimento amoroso, efêmero por definição, mas da profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida total”.330

4.2 A família célula fundamental a ser valorizada

Desde a primeira evangelização a transmissão de a fé no suceder-se das gerações encontrou um lugar natural nas famílias:

“Não escondemos o fato de que hoje a família, que se constitui no matrimônio de um homem e de uma mulher, que os torna “uma só carne” (Mt 19, 6) aberta a vida, é atravessada em toda a parte por fatores de crise, circuncidada por modelos de vida que a penalizam, descuidadas pelas políticas daquela sociedade da qual é conteúdo a célula fundamental, nem sempre respeitada nos seus ritmos nem apoiadas nos seus compromissos pelas comunidades eclesiais. Mas precisamente isto nos estimula a dizer que devemos ter uma solicitude

329 BENTO XVI. Mensagem aos participantes no Átrio dos Gentios em Portugal, L‟Osservatore Romano.sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 12-13. 330 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, II, § 66, p.46. 133

particular para com a família e pela sua missão na sociedade e na Igreja”.331

A nova evangelização vê nesta célula fundamental para ao desenvolvimento da vida humana um lugar privilegiado para comunicar os valores da fé e ao mesmo tempo percebe certa indiferença no que se refere a um importante acompanhamento, para que os horizontes onde a vida humana se dá no ambiente familiar não sejam relativizados:

“A vida familiar é o primeiro lugar no qual o Evangelho se encontra com o dia-a-dia da vida e mostra a sua capacidade de transfigurar as condições fundamentais da existência no horizonte do amor. Mas é importante também para o testemunho da Igreja mostrar como esta vida no tempo tem um cumprimento que vai além da história dos homens e alcança a comunhão eterna com Deus”.332

4.3 A nova evangelização e os caminhos da educação

A educação sempre fora vista pela Igreja como um caminho excelente de desenvolvimento integral do ser humano. As escolas constituem um terreno fértil para a nova evangelização, porque oferece a possibilidade de voltar a inserir as famílias na vida da Igreja.333O Sínodo foi um momento de reflexão e de percepção do importante papel da educação na nova evangelização e para compreender que o seu descuido torna- se espaço para o domínio e imposição de várias ideologias:

“A situação atual de descristianização progressiva da velha Europa depende, entre outros, de dois processos inegáveis ligados entre si, são: A estatização do direito e a Estatização das escolas. De fato, as escolas e as universidades (inclusive católicas), estão cada vez mais submetidas ao controle dos estados. O cavalo de Tróia, através do qual os estados se apropriam das inteligências dos estudantes, é a formação dos professores. A Progressiva descristianização do Ocidente aconteceu desta forma, através da descristianização das escolas e das Universidades. Uma nova evangelização deverá tratar com urgência e prioridade do bom funcionamento das escolas e das

331 L‟ Osservatore Romano. 3 de novembro de 2012, número 44, P, 7. 332 Ibidem, p. 7. 333 L´Osservatore Romano. Relatório de D. John Atcherley Dew. Sábado 20 de Outubro de 2012, número 42, p.8. 134

universidades em geral, mas de modo particular das católicas. Um projeto de evangelização que pudesse em segundo lugar- ou pior descuida-se o papel insubstituível das escolas, correria o risco de falir”.334

No Caminho proposto pela nova evangelização a educação encontra-se como uma realidade constitutiva. Por isso a emergência educativa é também uma emergência de evangelização.335 As escolas católicas não se apresentam no contexto da nova evangelização apenas como lugares de formação intelectual e humana, mas são lugares oportunos que oferecem a possibilidade de inserir as famílias na vida da Igreja.336

Esta presença da Igreja nos meio escolares e universitários é novamente proposta para que aqueles que na Igreja consagram grande tempo de sua existência ao ensino e ao estudo, e ao mesmo tempo vivendo a sua fé nos ambientes intelectuais encontram nos meios acadêmicos os novos areópagos onde anunciar o evangelho. Dentre as propostas apresentadas no sínodo viu-se a necessidade de um renovado testemunho através do encontro pessoal com Jesus Cristo, a fim de que os jovens vivam a fé dentro de um compromisso com a própria sociedade em que vivem. Aqui a proximidade dos pastores da Igreja deve ser reconhecida como um sinal profético capaz de despertar novas vocações seja ao sacerdócio seja a vida consagrada.337

Nas dioceses de países laicos com uma rede de escolas e colégios católicos, a principal comunidade de fé tornou-se a escola, Ali, pela primeira vez, a maior parte dos batizados experimenta de modo sistemático, a pessoa de Jesus Cristo através da liturgia e da vida sacramental da Igreja. Os professores, mais do que os pais, em muitas ocasiões tornaram-se os primeiros formadores dos nossos jovens.

As escolas católicas não são produtos, mas agentes da missão da Igreja. Entre os diversos pontos basilares de uma escola comprometida na nova evangelização, enumeramos os seguintes:

334 L‟ Osservatore Romano, D. Enrico Dal Covoto, S.D.B., Bispo Titular de Eraclea Magnifíco Reitor da Pontifícia Universidade Lateranense em Roma (Itália), 27 de Outubro de 2012, número 43, p.18. 335 L‟ Osservatore Romano, D. Rogelo Carreira Lópes, Arcebispo de Monterrey (México), sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 15. 336 L‟ Osservatore Romano. D. John Atcherley Dew Arcebispo de Wellington, sábado 20 de outubro de 2012, número 42, p. 8. 337 L‟ Osservatore Romano. D. Launay Saturné, Bispo de Jacmel (Haiti), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 18. 135

1) O Encontro com Jesus Cristo: a amizade com o Senhor ressuscitado, levará as nossas escolas a animar a vida de oração, a liturgia, o respeito que provém do confronto com os outros como irmãos e irmãs em Cristo, e o serviço caritativo; 2) A diaconia da verdade: nas sociedades nas quais os ventos de relativismo e de individualismo comportam os trágicos destroços da confusão moral e da queda das aspirações. As escolas sobressaem como faróis de esperança. O conhecimento da verdade amorosa de Jesus e do seu evangelho leva os jovens à descoberta do bem: o caminho da paz interior, da beleza interior e do respeito de si e dos outros; 3) O espírito de sabedoria: Um antídoto à superficialidade e a trivialidade. Os jovens podem empreender por meio da sabedoria uma reflexão que de bases e fundamento ao qual podem se inspirar para potenciar a arte do discernimento e da crítica; 4) O sentido de pertença ao povo de Deus: a identidade e a convicção são estimuladas quando a escola reflete a vida de fé eclesial da Igreja. Trata-se essencialmente de uma manifestação de apreço do significado do Dia do Senhor e da participação à santa missa.

Quando é dada ampla ressonância à liderança de fé dos professores e dos alunos nas nossas paróquias, as próprias comunidades escolares poderão fazer muito pela renovação das paróquias. De fato, tocados pelo encanto da vida da verdade, de bondade e de beleza de Deus, tornam-se testemunhas extraordinárias nas suas famílias da vida em Cristo que a nova evangelização repropõe a cada um de nós.338

4.4 Jovens que evangelizam Jovens

A nova evangelização devera considerar como “novos agentes” de evangelização os jovens. Prepará-los para a catequese através da participação da vida da comunidade de fé e das experiências missionárias para poderem agir na comunidade e na sociedade. Considerar os novos areópagos dos jovens como o mundo da instrução,

338 L‟ Osservatore Romano. D. Charles Edward Drennan, Bispo de Palmerston North (Nova Zelândia), sábado 17 de novembro de 2012, p. 19. 136 dos mas media, da internet, da arte. Espaços irrenunciáveis para a nova evangelização.339 A nova Evangelização deve ser, marcada por um confronto de idéias, não em termos de agressão ideológica, mas deve ajudar os jovens a discernir as idéias.340É neste discernimento que os jovens vão aprendendo a discernir as grandes mudanças ocorridas no mundo e viver sua juventude e identidade cristã de modo frutuoso:

“A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens habitualmente não encontram respostas para as suas preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos custa-nos a ouvi-los com paciência, compreender as suas preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas educacionais não produzem os frutos esperados.”341

4.5 Os Santos: testemunhas credíveis e modelos para os “novos evangelizadores.”.

Outro ponto interessante no caminho percorrido em favor da nova evangelização é a capacidade de inspiração que existe na vida dos Santos. Sejam os santos de longa data, ou seja, os santos contemporâneos e próximos ao nosso tempo. Mais do que métodos e recursos técnicos são necessários evangelizadores com uma profunda experiência de fé, alimentada na comunhão com Deus. Os Santos, ao longo da história da Igreja, foram cristãos autênticos e os evangelizadores eficazes:

“Há quem se console, dizendo que hoje é mais difícil; temos, porém, de reconhecer que o contexto do Império Romano não era favorável ao anúncio do Evangelho, nem à luta pela justiça, nem à defesa da dignidade humana. Em cada momento da história, estão presentes as fraquezas humanas, a busca doentia de si mesmo, a comodidade egoísta e, enfim, a concupiscência que nos ameaça a todos. Isto está sempre presente, sob uma roupagem ou outra; deriva mais da limitação humana que das circunstâncias. Por isso, não digamos que hoje é mais difícil; é diferente. Em vez disso, aprendamos com os Santos que nos precederam e enfrentaram as dificuldades próprias do

339 L‟ Osservatore Romano. D. Leonardo Ulrich Steiner, O.F.M. Bispo auxiliar de Brasília, sábado 3 de novembro de 2012, número 44, p. 7. 340 L‟ Osservatore Romano. D. Diarmuid Martin, Arcebispo de Dublin (Irlanda), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 18. 341 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II, § 105, p. 66. 137

seu tempo. Com esta finalidade, proponho-vos que nos detenhamos a recuperar algumas motivações que nos ajudem a imitá-los nos nossos dias”.342

5. A Igreja: Uma comunidade do mistério partindo do mistério do ser humano ao mistério de Deus

Todo ser humano traz em si o desejo de conhecer-se mais profundamente a Deus e de conhecer o mistério e o significado da própria existência. É justamente nesta busca de sentidos e de significados que a Igreja olha para o homem e propõe o mistério de Deus. O ser humano aspira conhecer e nesta busca fundamental colocam-se diante dele outras dimensões da própria existência que o impedem de cogitar profundamente sobre o seu existir, como por exemplo, o espetáculo.

A vida envolta pelos espetáculos. Nem sempre este homem é capaz de postar-se diante de si e fazer a si questionamentos que alarguem as dimensões de seu próprio conhecimento e sentido. É nesta abertura e crise existencial de uma constante fuga do ser humano de si mesmo que a Igreja lhe apresenta o mistério de Deus que compreende a encarnação como proximidade e possibilidade de um desvelar de sua identidade mais profunda. No sínodo ouviram-se vozes que novamente apresentaram o lugar intransferível do mistério na vida humana: “A verdadeira missão da Igreja é fazer conhecer às pessoas o mistério. Como antídoto contra o espetáculo”.343

O mistério de Deus opera como caminho de unidade interna e externa da dimensão humana tendo como desafios atuais o “racionalismo e o subjetivismo que esvaziam a ética e justificam os piores ataques a dignidade da pessoa e da vida humana, e pretendem fundar a ordem moral sobre o consenso social, sem qualquer referência a natureza da pessoa e seus atos”.344

A Igreja ao referir-se ao mistério de Deus buscou ter sempre presente o mistério do ser humano diante de si. De forma mais demarcada vemos que as reflexões que partiram do grande evento do Concílio do Vaticano II ventilaram novas formas de

342 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, V, § 263, p. 147. 343 L‟ Osservatore Romano. Pe. Robert Francis Prevost, O.S.A, Prior da Ordem de Santo Agostinho (Agostiniano), sábado 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 10. 344 L‟ Osservatore Romano. D. Benedito Beni Dos Santos, Bispo de Lorena (Brasil), 27 de Outubro de 2012, número 43, p. 9. 138 compreensão do mistério de Deus na vida humana que buscaram realçar a profunda conexão do mistério de Deus e do homem que encontram seu lugar comum na história:

“Na economia divina, não há dois mundos separados e sobrepostos: um mistério da criação numa ordem “natural” e, em seguida, um mistério sobreimposto da redenção, numa ordem “sobrenatural”. Não há o mundo natural, de um lado, e a Igreja sobrenatural, de outro lado, como duas realidades concorrentes, com fronteiras mais ou menos pacíficas. Não há a construção do mundo, duma parte, sem interesse nem valor para o Reino e, doutra parte, O Reino de Deus sem interesse nem contribuição na construção do mundo. Não, criação e encarnação são compreendidas numa involução recíproca. Pois a encarnação redentora se completou nesta total recapitulação de toda verdade, de todo bem, de todos os valores humanos, em germes na criação”.345

A comunidade do mistério é a comunidade da inclusão e não da exclusão. É a comunidade que convida a comunhão com Deus a cada pessoa humana. Cada pessoa humana deve ser vista como alguém precioso. A Comunidade do mistério é a casa do Pai, é este rosto que devemos contemplar no rosto da igreja, uma comunidade para os fracos os frágeis, é para eles que o Senhor quer se dar em alimento:

“A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos. Estas convicções têm também conseqüências pastorais, que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Muitas vezes agimos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa”.346

5.1 A liturgia e a contemplação de Deus e do outro como pedagogia mistagógica a serviço da nova evangelização

345 CHENU, M.D. A missão da Igreja no mundo de hoje. Petrópolis, Ed: Vozes, 1967, p. 340. 346PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, I, § 47, p. 34. 139

A liturgia sempre foi um lugar privilegiado de encontro com o Senhor por meio da ação sacramental da Igreja:

“Uma preparação atenta da liturgia e dos demais da celebração constitui a melhor catequese aos fiéis, por isso, proclamação e cânticos bíblicos devem conduzir- nos a uma participação consciente ativa e frutuosa”347 Uma nova pedagogia de transmissão da fé encontra-se na capacidade de fazer presente os seus valores por meio de uma pedagogia mistagógica. A beleza fascinante e contagiosa do mistério escondido dos ritos e nos símbolos deve manifestar-se com toda a força para que a liturgia seja realmente evangelizadora. A nova evangelização depende, portanto em ampla medida da capacidade de fazer da liturgia a fonte da vida espiritual. ”348 A Igreja” evangeliza e se evangeliza com a beleza da liturgia, que é também celebração da atividade evangelizadora e fonte dum renovado impulso para se dar.”349

Quando olhamos para a grande pirâmide da atividade humana e toda ação evangelizadora da Igreja devemos atentar para a importância da contemplação como o coroamento de toda a atividade humana em prol do Reino de Deus.

Um dos conceitos tidos como de fundamental importância para a ação evangelizadora da Igreja em nossos dias e que fora retomado de modo mais intenso por parte de alguns padres sinodais foi justamente a atitude contemplativa da Igreja e dos Cristãos: “Só de um olhar adorante sobre o mistério de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, só da profundidade de um silêncio que se apresenta como seio que acolhe a única Palavra que salva, pode brotar um testemunho credível para o mundo”.350 O compromisso em prol da evangelização encontra sua alegria e sua força na contemplação.351

Outro sinal de autenticidade da nova evangelização é reconhecer o rosto de Cristo presente também no rosto do pobre e nas fragilidades de nossos irmãos: “Colocar-se ao lado de quem está ferido pela vida não é só uma prática de sociabilidade,

347 CONCÍLIO VATICANO II. Sacrossanctum Concilium Constituição. Petrópolis: Vozes, 1968, § 2, p.259. 348 L‟ Osservatore Romano. D. Geraldo Lyrrio Rocha, Arcebispo de Mariana (Brasil), sábado 10 de novembro de 2012, numero 45, p. 19. 349 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo:Paulus-Loyola, 2013, I, § 24, p. 22. 350 L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 08. 351 L‟ Osservatore Romano. Padre Bruno Cadoré, O.P, Mestre Geral dos Padres Pregadores (Dominicanos), sábado 10 de novembro de 2012, número 45, p. 16. 140 mas antes de tudo um fato espiritual. Porque no rosto do pobre resplandece o próprio rosto de Cristo: “Tudo o que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos é a mim eu o fazeis” (Mt 25, 40). Aos pobres deve ser reconhecido um lugar privilegiado nas nossas comunidades, um lugar que não exclui ninguém, mas quer ser um reflexo de como Jesus se ligou com eles. A presença dos pobres em nossas comunidades é misteriosamente poderosa: “muda as pessoas mais que um discurso, ensina fidelidade, e faz compreender a fragilidade da vida, pede oração: em síntese, conduz a Cristo.”352

“O olhar contemplativo sobre mundo e sobre a cidade é um auxilio precioso para descobrir Deus:”

“Precisamos identificar a cidade a partir dum olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que indivíduos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido para a sua vida. Ele vive entre os citadinos promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada. Deus não Se esconde de quantos O buscam com coração sincero, ainda que o façam tateando, de maneira imprecisa e incerta”.353

Ao retomarmos a reflexão sobre o olhar contemplativo não queremos aqui nos evadir de nossas responsabilidades cristãs e temporais, mas queremos justamente dar razões mais profundas que nos motivam a sermos anunciadores do evangelho:

“A melhor motivação para se decidir a comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração”. Se o abordamos desta maneira, a sua beleza deslumbra- nos, volta a cativar-nos vezes sem conta. Por isso, é urgente recuperar um espírito contemplativo, que nos permita redescobrir, cada dia, que somos depositários dum bem que humaniza que ajuda a levar uma vida nova. Não há nada de melhor para transmitir aos outros”.354

352 L‟ Osservatore Romano. Sábado 03 de novembro de 2012, número 44, p. 09. 353PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulus-Loyola, 2013, II, § 71, p. 48. 354 Ibidem, V, § 264, p. 148. 141

É o olhar contemplativo sobre o mistério e sobre o mundo que nos permite uma aproximação em profundidade da própria realidade. A contemplação deve permear nossas atividades: “A nossa contemplação deve ser universal e incessante.”355A contemplação remonta as origens fontais da evangelização: “Desta contemplação nasce, em toda força interior, a urgência da missão, a necessidade imperiosa de “anunciar o que vimos e ouvimos”, a fim de que todos estejam em comunhão com Deus (1 Jo 1, 3).”356

5.2 Veni Creator Espiritus: “Como um novo Pentecostes”

Toda a reflexão aqui desenvolvida tem como finalidade principal ajudar-nos a perceber a Igreja dentro do seu mistério. A Igreja tem necessidade de uma nova efusão do Espírito Santo. A nova evangelização precisa de um testemunho de vida que deve acompanhar a obra evangelizadora.357

Pentecostes é o evento que coloca toa a Igreja em movimente frente a sua missão de ser sinal histórico do Reino de Deus no mundo. O acontecimento de Pentecostes deu início à primeira evangelização e agora necessitamos de um novo pentecostes. Só o proceder de Deus torna possível o nosso caminhar o nosso cooperar, que é sempre um cooperar, não uma nossa decisão.358 Os discípulos do Senhor ao fazerem a experiência do Senhor Ressuscitado operando em seu meio compromete a sua atividade em favor do Reino de Deus de modo que as atividades sejam teândrica, ou seja, uma ação de Deus com o comprometimento dos agendes desta transformação na sociedade que são justamente os discípulos do Senhor.

Acreditamos que também em nosso tempo podemos verificar certos sinais do nascimento da Igreja já presente em vários lugares, verificamos um novo nascimento da Igreja em lugares aparentemente desérticos espiritualmente e pastoralmente.

355 LEBRET, L.J. Princípios para a ação. São Paulo, Ed: Duas Cidades, 1959, p, 76. 356 BENTO XVI. Silêncio e Palavra: Caminhos de Evangelização. ( Dia das Comunicações Sociais, 20 de maio de 2012). São Paulo: Paulus, 2012, p. 8-9. 357 L‟ Osservatore Romano. D. Michel Aoun, Bispo de Jbeil dos Maronitas (Líbano), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p. 21. 358 BENTO XVI. Homilia na Santa Missa para a abertura do sínodo dos Bispos e proclamação de São João de Ávila e de Santa Hildegard de Binge “Doutores da Igreja”.Brasília: CNBB, 2013, p. 9-14. 142

A Igreja vê a permanente necessidade de que este novo Pentecostes continue a ser manifesto em seu interior, pois o Pentecostes caracteriza o início das grandes renovações espirituais que ocorreram na Igreja que mantiveram acesa nela a consciência de sua missão evangelizadora em meio aos homens. É justamente dentro desta perspectiva que o acontecimento de Pentecostes deve gerar uma ação conjunta que propõe no interior da Igreja aquilo que ela mesma vivenciará no início com a criação de uma universalidade que comunica a cada pessoa esta presença Espiritual.359

Á referência ao acontecimento do Concílio Vaticano II é de fundamental importância para compreender através de uma oportuna analogia podemos afirmar que falar de um novo Pentecostes na Igreja é remeter-se a compreensão de uma analogia “Jerusálem-Vaticano II”. É justamente procurar dentro desta compreensão missionária que busca facilitar ao máximo um contato com o essencial por parte daqueles que não se encontram nesta mesma fé. Encurtar o caminho é a tarefa da Igreja que reconheceu no Concílio Vaticano II um Concílio de libertação que pretende desatar a Igreja das faixas que nos séculos impediram seus movimentos, para que permita a Igreja anunciar o evangelho com uma força renovada deste mesmo Espírito.360

Este novo pentecostes pode ser caracterizado também por um renovado discernimento espiritual e uma continua abertura aos meios que podem auxiliar a nova evangelização:

“Devemos promover a arte do discernimento dos espíritos. Neste tempo de relativismo, no qual a verdade objetiva não é facilmente aceita, podemos ajudar as pessoas a comparar as suas exigências subjetivas para orientá-las rumo a verdade objetiva. Não devemos apresentar apenas o evangelho e o catecismo, mas promover exercícios espirituais, nos quais pomos as pessoas em diálogo com Jesus. Isto significa que devemos oferecer aos sacerdotes e aos religiosos uma formação espiritual melhor, a fim de que sejam guias espirituais”.361

359 TILLICH, PAUL. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas, p. 501. 360 LE GUILLOU, M.J. El Rostro Del Resucitado. Grandeza Profética, Espiritual y Doutrinal, Pastoral y Missionária Del Concílio Vaticano II, Madrid: Encuentro, 2012, p. 71. 361 L‟ Osservatore Romano. D. Everardus Johannes de Jong, Bispo Títular de Cariama, Auxíliar-Geral de Roermonda (países baixos), sábado 17 de novembro de 2012, número 46, p.17. 143

Mantendo a reflexão teológica dentro de um discernimento que nos proporcione continuarmos a aprofundar um novo momento da história da Igreja que marca de maneira sentida o ser e o agir da Igreja nos próximos anos. Manter o pensamento aberto é uma fundamental atitude teológica e pastoral. A nova evangelização considerando e discernindo o processo de secularização, buscando dar uma resposta testemunhal quer ser também um caminho de encontro e não de distanciamento de escuta de recíproco crescimento seja no que se refere a vida humana na sua presença no mundo quanto ao diálogo dialético com o mesmo processo:

“A meu ver, a partir do 11 de setembro de 2001, este espírito de „compassio‟ passou a ter um significado decisivo na nova situação de mundo, na qual os conflitos culturais e sociais se sobrepõe mundialmente. Para além da defesa militar contra o terrorismo, esse espírito criou no Ocidente a necessidade de nos olharmos e avaliarmos não apenas com os nossos olhos, mas também com os olhos dos outros, os olhos do”resto” do mundo, e valorizarmos esse olhar. E, finalmente, na noção estritamente secular de liberdade e nosso modo secular de vida, esse espírito nos obriga a nos colocarmos – como no passado, diante da assim, chamada “dialética do iluminismo” – diante da dialética da secularização”, praticamente ainda não descoberta”.362

5.3 A experiência de Deus na nova evangelização como experiência de Sentido

Outro ponto importante que se deve destacar na nova evangelização é justamente a experiência fontal da experiência de Deus por parte do homem que procura a Deus em nossos dias. Vivemos tempos em que se faz corrente a expressão experiência de Deus.

A palavra experiência aparece de maneira bem incisiva nos escritos de Martinho Lutero. O conceito chave de experiência trabalhado pelo ex-frade agostiniano aborda uma experiência pessoal que a pessoa faz dentro do círculo da religião. Para Martinho Lutero toda experiência com Deus é “experientia sola facit theologum”. A pessoa que experiência Deus é uma pessoa teológica que experiência dentro de sua realidade,

362 METZ, J.B. Mística de olhos abertos. São Paulo: Paulus 2013, p. 89-90 144 dentro de seu ambiente de vida e de relacionamentos. Outros teólogos procuraram definir esta experiência como “cognitio experimentalis”.

A experiência com Deus pode ser classificada de diversas formas, e atualmente alguns parâmetros são de fundamental importância para compreender a própria experiência que se faz. Aqui apresentamos uma relação quádrupla desta experiência363:

1) A relação com a vida: Uma autêntica experiência com Deus não tira a pessoa de sua vida alienando-a frente ao „numinoso‟, mas as coloca dentro de uma responsabilidade mais profunda ainda, responsabilidade que emerge como convite continuo para que a pessoa se torne mais consciente a respeito de sua própria vida como dom e tarefa e com relação a vida daqueles que a circundam; 2) A relação com a história: Toda a experiência com Deus ela acontece historicamente dentro de uma temporalidade, mesmo sabendo que Deus não se prende ao conceito de tempo e de espaço, mas a forma de Deus se fazer conhecer na história humana é por meio de tempo e espaços bem definidos; 3) A relação com a realidade: A realidade como se verifica e a capacidade de compreensão da mesma é indispensável por parte daquele que busca compreender a própria experiência de fé; 4) A relação com a percepção: outro ponto importante é como que aquele que faz a experiência com Deus consegue perceber a profundidade, a pertinência e a relevância da própria experiência que o mesmo que faz com Deus pode compreender.

Dentro destas últimas considerações apresentamos aqui apresentar a experiência de Deus como parte fundamental na grande convocação que a Igreja faz para que se realize como que um “novo pentecostes” em seu interior e no mundo por meio de uma nova evangelização. Para que tal acontecimento tomar proporções de totalidade e mudanças significativas fazemos aqui memória do conceito usado pelo Padre Henrique de Lima Vaz no que se refere a fundamental compreensão sobre a experiência de Deus na vida cristã e humana considerando a experiência de Deus como experiência de sentido de plenitude ou de sentido radical: “Com efeito, a experiência cristã de Deus é a experiência da presença do Sentido radical numa existência historicamente dada, a

363 LATOURELLE, Rene. O‟COLLINS, G. Problemas e perspectivas de teologia fundamental. São Paulo, Loyola, 1993, P.28. 145 existência de Jesus e na palavra da revelação que é totalmente condicionada por essa existência histórica na medida em que dela procede e a ela se refere”.364

Experimentar Deus hoje não é uma questão apenas de fazer uma experiência religiosa ou experiência do Sagrado, mas dentro de uma reflexão missionária fazer uma autêntica experiência de Deus convida-nos a nos colocarmos em um caminho de continua libertação de estruturas que não são e não revela em profundidade o mistério de Deus. Padre Henrique de Lima Vaz compreendeu que a Experiência radical de Deus é totalizante permeia nossa existência cristã, engaja-nos em responsabilidades significativas dentro do tecido eclesial e social em que vivem os homens nosso contemporâneos.

A experiência de sentido que cada cristão é chamado a fazer tende a tornar a sua existência não apenas vivida em si mesma, mas uma existência “para”. O encontro com Deus faz-nos “ser-par-os-outros”, na busca da construção de uma sociedade mais justa e fraterna. A experiência de sentido faz-nos “ser-para-Deus”. Nossa existência torna-se uma existência capaz de transcender o que apequena o projeto de Deus para o ser humano ao passo que faz imanar a experiência do mistério do totalmente Outro no contato e na cotidianidade dos outros próximos. A obra da evangelização não é apenas expansão de instituições ou uma mera tarefa que exige o empenho de grandes ativistas eclesiais. A resposta mais plausível a ser construída pela Igreja na grande convocação para uma nova evangelização frente a um mundo secularizado é justamente uma resposta testemunhal onde os valores do Reino são visibilizados no testemunho e na coerência da vida daqueles que o anunciam, pois os homens de hoje escutam mais as testemunhas que os mestres, e se escutam os mestres é porque estes, também são testemunhas.

A nova evangelização é antes de tudo uma irradiação. Irradiação de uma experiência que deu sentido a nossa vida e a nossa existência. Os agentes da nova evangelização são pessoas que se abriram em sua disponibilidade ao chamamento, a ser o prolongamento do Pathos divino por cada ser humano. Como bem definiu o Papa

364 LIMA VAZ, H.C., Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, 3ª edição, São Paulo: Loyola, 2002, p. 253. 146 emérito Bento XVI no início de seu pontificado em 24 de abril de 2005: “Nós existimos para mostrar Deus”. 365

365http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2005/documents/hf_benxvi_hom_20050424_ inizio-pontificato_po.html 29.06.2014/ 20:00hs. 147

Conclusão

Ao concluirmos este trabalho em que procuramos compreender melhor o conceito de nova evangelização e os desafios colocados pelo processo de secularização constatamos a grandeza do tema e a vastidão de elementos que podem ser trabalhados de modos mais setorizados dentro da teologia pastoral oferecendo preciosos contributos para ação evangelizadora da Igreja. Poder aproximar-se da compreensão de um acontecimento sinodal como o do ano de 2012, é justamente entrar em contato com a dimensão universal de toda Igreja e poder considerar também as suas particularidades como um grande tesouro a contribuir com a dimensão universal. Poder aprofundar textos de diversos pastores da Igreja muitos dentre eles teólogos, temos a impressão de “tocar” esta universalidade do Corpo de Cristo e perceber em cada continente os seus desafios próprios. Poder ler e refletir sobre os discursos dos Bispos presentes no sínodo vindos de todos os continentes nos aproxima de um “Sentire cum Ecclesia” que não é algo focalizado apenas em uma dimensão ou em um epicentro. Sentire cum Ecclesia é podes sentir o todo a partir dos tesouros presentes em cada particular. Ao discorrermos sobre a nova evangelização, buscamos nos aproximar, também do grande evento que fora o Concílio Vaticano II para toda a Igreja, e que se tornou uma fonte fundamental para compreender a nova evangelização. Documentos como, por exemplo, o da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, que apresenta linhas fundamentais para toda igreja no que se refere a missão da Igreja no mundo contemporâneo. Outro documento é a Constituição Dogmática sobre a Igreja, “Lumem Gentium”, que apresenta uma reflexão teológica sobre o mistério da Igreja. A “Dei Verbum” apresenta a fecundidade da renovação bíblica, a “sacrossanctum Concilium” abre novo caminho para a recepção dos sacramentos da iniciação cristã e a importância da participação mais ativa, consciente e frutuosa dos fiéis nas celebrações. Preciosa é a “Ad Gentes” sobre a evangelização dos povos. O Concilio Vaticano II apresentou elementos importantes no que se refere à terminologia da missão e o processo de evolução do conceito de evangelização até se chegar ao conceito de nova evangelização, destacando o núcleo principal de “Novas expressões, novos métodos e novo ardor” proposto pelo Papa João Paulo II. O Papa Paulo VI contribuiu de modo singular com a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi onde procurou questionar profundamente a consciência cristã sobre o significado do que é evangelizar? Ao mesmo tempo se perguntando sobre os 148 conteúdos e os meios pelos quais esta evangelização deveria acontecer. Deste modo o Papa Paulo VI vai apresentando através deste documento a importante tarefa de ver a evangelização como uma força transformadora (EN 17-20) que assume uma dimensão fundamental na vida cristã não apenas como uma função a se realizar mas como uma opção a se fazer. No documento do Papa João Paulo II “Redemptoris Missio”. Verificamos o esforço do então pontífice em colocar a relevância da missão no mundo contemporâneo na direção também daqueles que não conhecem a Cristo. O documento possui uma ampla explanação onde procurou apresentar a centralidade da Pessoa de Jesus Cristo como único Salvador, desdobrando e assinalando as características e exigências do Reino. Apresenta o protagonismo do Espírito Santo que atua sobre a vida de Jesus e de seus discípulos os enviando “até os confins da terra” (AT 1, 18). O Papa João Paulo II procuro por meio deste documento colocar novamente a missão ad Gentes no centro das atividades da Igreja , sem deixar de valorizar a importante ação missionária entre os batizados que não praticam mais a sua fé. No ano de 2000 uma importante contribuição foi dada pelo então Cardeal Ratizinger sobre a “Nova evangelização” num artigo escrito para os catequistas e professores de religião onde numa conferência procurou apresentar a estrutura, os métodos e conteúdos desta grande obra de evangelização. Afirma que a Igreja nunca deixou de evangelizar e celebrar os sacramentos diariamente, contudo, ele já introduz uma reflexão sobre o movimento de secularização presente na sociedade. Convida ao mesmo tempo a cultivar uma importante paciência que faz referência a parábola do grão de mostarda (Mc 4, 26-29), convidando a atuar com humildade. Apresenta a obra da evangelização tendo como força motriz a oração. Não será possível alcançar significados plausíveis sem viver uma profunda experiência pessoal com Cristo que passe pela Igreja como caminho eclesiológico para uma eficaz ação pastoral. Na América Latina encontramos experiências significativas que vieram somar com todo este caminhar da Igreja frente aos novos desafios da evangelização. Um organismo eclesial que tem colaborado de modo bastante importante foi o CELAM através de documentos que foram verdadeiras bussolas na ação evangelizadora da Igreja na América Latina. A conferência de Medellín de 1968 procurou deter-se em três pontos importantes: o primeiro que foi compreender o conflito da fé com a modernidade; o desafio da tensão que começava a aparecer entre uma eclesiologia que opõe 149 institucional com o carismático e o problema social como resposta a “Populorum progressio”. Outros pontos que se fez notar em Medellín foram à chave hermenêutica de Leitura da sociedade que se utilizou do método ver, julgar e agir, assim como o surgimento das CEBs como pequenas comunidades que buscam promover a vida cristã, libertando-a do excesso de formalismos dando um “rosto” mais popular, seja no que se refere à liturgia, seja em outras práticas eclesiais. A conferência de Puebla em 1979 teve a difícil tarefa de buscar caminhos em meio ao período de regimes totalitaristas e por vezes, sob pressão de guerras e terrorismos. Temos neste período a transição de Papas: Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II no mesmo ano de 1978. O foco do documento situa-se sobre a importância da conversão, projeção do testemunho, a participação vital no mistério de Cristo e ao mesmo tempo a tudo aquilo que se opõe ao Reino. O documento fala da dimensão missionária de cada batizado e seu compromisso de ser sinal do Reino de Deus no mundo através do esforço que este realiza na construção de uma civilização do amor. Na IV Conferência do Episcopado latino Americano de Santo Domingo o marco histórico foi os quinhentos anos do descobrimento da América e a evangelização destes povos. Esta conferência foi também uma oportunidade do Papa João Paulo II de lançar de modo mais amplo para toda a América Latina o convite a uma conversão pastoral como caminho para uma nova evangelização. O documento tem alguns pontos chaves como a reconciliação, a solidariedade, a integração e a comunhão, que devem ser características da nova evangelização. Santo Domingo recupera a importância do Querigma cristão como núcleo insubstituível da mensagem cristã e propõe a cada cristão a tarefa insubstituível de colaborar de modo eficaz na evangelização por meio do testemunho e do zelo apostólico que se traduz em coerência de vida e serviço. A conferência de Aparecida que ocorreu em 2007 enfrenta situações históricas bem específicas como o acontecimento histórico de 11 de setembro e o fenômeno da globalização como um completo desafio para a humanidade. Este documento convida a todos os fiéis a sentirem-se convocados a tarefa evangelizadora da Igreja dentro dos episódios de todas as conferências episcopais desde a conferência do Rio de janeiro até Santo Domingo. O documento apresenta uma introdução. Uma primeira parte sobre a vida de nossos povos hoje, numa segunda parte a vida de Jesus nos discípulos missionários. E a terceira parte, a vida de Jesus para nossos povos, o documento traz profundas contribuições pastorais para a proposta de uma fecunda missão continental. 150

É dentro deste contexto que se insere o Sínodo da nova evangelização para a transmissão da fé Cristã como um convite a uma nova e mais intensa onda missionária na Igreja. Algumas iniciativas precedem o Sínodo como a Carta Apostólica “Ubicumque et Semper”, de Bento XVI. Assim como a propagação do Ano da Fé que tem como elemento principal recordar o acontecimento mais importante do século XX na Igreja que foi o Concilio Vaticano II. O documento “Instrumentum Laboris”, sobre o Sínodo da nova evangelização retoma algumas linhas gerais, seja do documento Evangelii Nuntiandi como do Redemptoris Missio. O texto apresenta o documento em quatro capítulos, o primeiro é Jesus Cristo Evangelho de Deus para o homem; o segundo, o tempo de nova evangelização; o terceiro, sobre a transmissão da fé e o quarto, reavivar a ação pastoral. É dentro deste breve panorama que buscamos desenvolver este trabalho dando um corte no início através de uma atenção especial a secularização, pois, vimos a necessidade de considera-la como um dos temas de maior preocupação do Sínodo para não dizer o maior, o que levou o Papa Bento XVI a escrever a carta “Ubicumque et Semper” criando um novo dicastério nos organismos de governo da cúria Romana como o Conselho para a Promoção da nova evangelização frente a um grande desafio atual que é o da secularização, como bem o definiu o Papa Bento XVI em uma entrevista:

“Encontramo-nos diante do confronto entre dois mundos espirituais, o mundo da fé e o mundo do secularismo. A questão é: em que o secularismo tem razão? Em que coisa, portanto, a fé deve apropriar- se de formas e imagens da modernidade, e em que deve, ao contrário, opor resistência? Esta grande luta atravessa hoje o mundo inteiro. Os bispos do Terceiro milênio dizem-me: “Também entre nós existe o secularismo; aqui, porém, mistura-se a estilos de vida ainda arcaicos.

Muitas vezes nos perguntamos como é possível que cristãos, que são pessoalmente crentes, não encontrem a força para tornar a sua fé politicamente operante. Devemos buscar sobretudo que as pessoas não percam de vista Deus; que reconheçam o tesouro que possuem;e que, além disso, elas mesmas, a partir da própria fé, no embate com o secularismo, possam praticar o discernimento espiritual. Este processo enorme é a verdadeira, a grande tarefa do momento presente. Podemos apenas esperar que a força interior da fé que existe nas pessoas adquira vigor também na opinião pública, 151

formando a opinião pública, e, ao agir assim, impeça a sociedade de cair em um poço sem fundo366

Este texto denota grande preocupação do Papa Bento XVI com o avançado processo de secularização, e como sendo até então Pastor da Igreja universal se preocupou em convocar um sínodo para refletir sobre o tema da nova evangelização tendo diante de si a grande importância de tornar novamente a fé cristã plausível, seja na vida pessoal, familiar e social.

A conferência de Aparecida pode ter sido um ponto de despertar de esperanças para Bento XVI, que após quatro anos quis realizar dentro de datas e comemorações significativas na Igreja, um forte movimento de renovação espiritual, seja na Igreja, seja no mundo.

No primeiro capítulo de nosso trabalho procuramos tendo diante dos olhos este contexto histórico desenvolver uma melhor compreensão sobre o fenômeno do processo de secularização. Adentramos na leitura de alguns textos, seja de filosofia, sociologia, história e teologia que traziam reflexões sobre o impacto da secularização no mundo do pensamento. Trouxemos como colaboração alguns textos dos padres sinodais onde a palavra secularização aparece por mais de trinta vezes demonstrando assim uma grande preocupação, seja daqueles pastores que vivem sobre o impacto da secularização seja por aqueles que já começam a perceber com a globalização a transmissão de ideias e formas de vida profundamente marcadas pela secularização. O Sínodo foi um momento de compartilhar as dificuldades e buscar conjuntamente compreender o processo e se fazer presente em meio a este contexto apresentando por meio de uma nova evangelização um caminho possível.

Ao abordarmos o segundo capítulo procuramos observar a importante apreensão do conceito de evangelização e nova evangelização apresentados no Sínodo e nos documentos e contextos precedentes em que eles surgiram na intenção de uma reaproximação e melhor reflexão sobre os desafios de evangelizar em meio a um mundo secularizado. Enfrentar a barreira da linguagem e as fronteiras que ela coloca ao pensamento de nossos contemporâneos é um desafio a se enfrentar. Num segundo

366 BENTO XVI. O Papa, a Igreja e os sinais dos tempos. Uma conversa com Peter Seewald. São Paulo:Paulinas, 2011, p. 70.

152 momento apresentamos, também o desfio de uma comunhão interna por meio de uma espiritualidade de comunhão. A nova evangelização só verificará frutos consistentes se as Igrejas locais juntamente com o clero e seu laicato for capaz de pensarem, refletirem e decidirem juntos através de uma leitura aberta dos sinais dos tempos e de uma capacidade renovada de aprofundar os aspectos espirituais que comportam uma ação apostólica mais sólida. Uma pastoral orgânica, um projeto diocesano com diretrizes bem definidas deve ser um trabalho conjunto de muitas mentes e corações que buscam caminhar num mesmo compasso em uma mesma direção, sem isto a nova evangelização não seria irradiação e transmissão, mas apenas um projeto fadado a se perder no vazio.

O terceiro capítulo a luz da experiência Sinodal e dentro do paradigma apresentado já em Aparecida e reconfirmado na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco procurou ver na leitura de um novo paradigma para a evangelização um caminho de conversão pastoral e de uma releitura da evangelização tendo como ponto principal a chave hermenêutica da missão, apresenta-se a nova evangelização como uma proposta para uma nova primavera do Espírito Santo para toda a Igreja , como que um grande Pentecostes. Ter a coragem de se avaliar e propor dentro do tecido eclesial uma auto-conversão de suas próprias estruturas, sejam internas na Igreja sejam estruturas do próprio coração e da forma de pensar novos caminhos em contradição com afirmações do tipo “sempre foi feito assim”. O caminho proposto pela nova evangelização à luz da Exortação Apostólica é uma a atitude corajosa e audaciosa do papa Francisco de propor a Igreja à coragem de responder aos grandes desafios contemporâneos de um modo testemunhal. O rosto de uma Igreja diaconal pode ser um precioso auxílio, seja na assimilação do conceito, seja por meio de uma prática que demonstra o desejo da Igreja de ser servidora. Servidora dos mistérios de Deus, servidora da Palavra de Deus, servidora do ser humano. Uma possível guinada na conjectura da Igreja virá com a corajem de tomar a peito “novos paradigmas” de forma a vivenciar “novos conteúdos programáticos” que falem diretamente ao coração a mente dos homens de hoje. Existe uma carência na visibilidade de coerências e atitudes evangélica. É necessário que todo o povo de Deus composto pelo clero e pelos fieis saibam desprender-se das faixas que impedem uma maior mobilidade do Corpo de Cristo. É preciso que a mensagem do evangelho, seja primeiro uma verdade capar de transfigura a vida dos mesmos agentes de evangelização para que o mundo perceba novamente o frescor do evangelho. O Sínodo dos bispos de 2012 assinalou a 153 importância de voltar ao centro de voltar a Cristo, de tornar-se sinal histórico de seu Reino. Muito existe ainda por aprofundar sobre o tema da nova evangelização, como também sobre o fenômeno da secularização para considera-lo em seu aspectos positivos. Estudar a nova evangelização e o processo de secularização à luz do Sínodo dos Bispos de 2012, foi um primeiro passo para que eu pessoalmente melhor pudesse compreender está “magna” missão da Igreja que desprende uma força valiosa, mas que traz alegrias imensas e sentido profundo a própria vida. Termino dizendo que foi um colocar-se a caminho, sabendo que existem muitas estradas ainda para ser percorridas na grande tarefa e aventura humana e cristã que nos apresenta a nova evangelização.

“Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá a vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.”

Papa Bento XVI

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