6 James Cooley Fletcher, Pastor, Missionário E Agente Do “Progresso”
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144 6 JAMES COOLEY FLETCHER, PASTOR, MISSIONÁRIO E AGENTE DO “PROGRESSO” Ao longo deste capítulo serão estudadas as possíveis contribuições do missionário James Cooley Fletcher para o estabelecimento de melhores relações (especialmente diplomáticas) entre Brasil e Estados Unidos ao longo da segunda metade do século 19, aproximadamente. Dedicar um capítulo exclusivo para o estudo da atuação deste missionário pode ser justificado de diferentes formas. Em primeiro lugar, embora presbiteriano e contemporâneo de outros missionários, Fletcher não fazia parte do mesmo projeto missionário a que pertenciam os demais missionários que serão analisados nessa dissertação. Conforme será explicado ao longo dos próximos capítulos, sua presença no Brasil não obedecia aos mesmos parâmetros estratégicos e não possuía os mesmos objetivos iniciais dos demais missionários (evangelizar brasileiros). Estudar Fletcher como um precursor do presbiterianismo no Brasil enfatizando suas especificidades frente aos seus sucessores é uma opção consagrada que não pretendo questionar. 1 Em segundo lugar, existem razões encontradas na revisão bibliográfica para qualificar Fletcher como um “reformador social” mais do que como um “evangelizador”. Conforme já foi apresentado nessa dissertação, essas duas tendências missiológicas estiveram presentes no movimento missionário norte-americano, oferecendo estratégias e objetivos diferenciados para a ação missionária. Uma vez que os demais missionários podem ser previamente qualificados como “evangelizadores”, existe aqui a possibilidade de contrapor ao longo dos próximos capítulos a ação de missionários de duas vertentes distintas, procurando compreender a possibilidade de influência dessas duas tendências sobre as relações EUA-Brasil. Uma terceira razão para abordar James Cooley Fletcher em separado pode igualmente ser encontrada na revisão de literatura. Fletcher é o chamado “cupido do caso de amor entre D. Pedro II e Estados Unidos”. Essa afirmação, nem um pouco desprezível, merece uma análise especial. Conforme será visto ao longo desse capítulo, Fletcher foi um personagem histórico “muito comentado, mas pouco 1 A respeito disso, ver os trabalhos de Boanerges Ribeiro, Alderi Matos, Júlio Ferreira e David Gueiros. 145 compreendido”, como escreveu David Gueiros. Uma tarefa proposta aqui é oferecer uma melhor compreensão desse personagem através de uma análise em separado, procurando inclusive destacar suas peculiaridades em relação aos demais missionários em atuação no Brasil em seu tempo. Feita essa justificativa, cabe aqui introduzir algumas informações a respeito da estrutura deste capítulo. As seções estão organizadas de acordo com dois critérios: em primeiro lugar, buscando sistematizar a atuação de James Cooley Fletcher no Brasil de acordo com assuntos e eventos que podem ser mais diretamente ligados à aproximação entre Brasil e Estados Unidos. Neste caso, eventos considerados por Lawrence Hill e outros autores como os mais marcantes nas relações entre Estados Unidos e Brasil no século 19 (a Guerra do Paraguai, o tráfico de escravos, a abertura dos rios brasileiros ao comércio internacional, a criação de linhas de vapores ligando os dois países, etc.) são destacados nas seções do capítulo. Em segundo lugar, embora não menos importante, as seções desse capítulo são organizadas buscando a articulação entre essa mencionada sistematização e a fundamentação teórica dessa dissertação. Nesse sentido, será analisado de que forma um ator transnacional (no caso, um representante de diferentes agências missionárias, como será observado) pode buscar afetar a realidade doméstica de um país, mais especificamente sua política externa. Será analisado também como um ator transnacional pode articular-se com outros atores, criando uma rede de influências internacional, no caso ligando dois países através de diferentes estratégias de atuação. Seguindo estes critérios, as seções do presente capítulo estão na seguinte ordem: primeiro são estudados dados biográficos a respeito de Fletcher e seu papel como missionário no Brasil; em segundo lugar é analisado seu relacionamento com diplomatas e com os demais missionários presbiterianos no Brasil; a seguir são analisadas duas das principais estratégias utilizadas por Fletcher com o fim de aproximar Brasil e Estados Unidos: a aproximação com Dom Pedro II e a propaganda através de livros e artigos em jornais. Por último são estudados os posicionamentos de Fletcher frente a assuntos relevantes para o relacionamento entre EUA e Brasil ao longo do século 19. 6.1 146 DADOS BIOGRÁFICOS DE JAMES COOLEY FLETCHER E SEU PAPEL COMO MISSIONÁRIO 6.1.1 DADOS BIOGRÁFICOS O pastor James Cooley Fletcher nasceu em Indianápolis, Indiana, em 15 de Abril de1823, somente três anos após a fundação da cidade e sete após aquele Estado tornar-se parte da União. 1 Ele era o filho mais velho de Calvin Fletcher, um destacado cidadão local. 2 Após estudar em diversas escolas locais, o jovem Fletcher foi enviado para a Philips Academy, em New Hampshire, onde realizou 1 As referências a datas, formação e áreas de atuação de James Cooley Fletcher neste capítulo seguem principalmente o Biographical Catalogue of the Princeton Theological Seminary, 1815- 1932 , de 1933. Obtido em http://digital.library.ptsem.edu/default.xqy?img=6&src=biographical1933.xml&div=14. Acesso em 4 de novembro de 2008. Sobre a atuação de Fletcher no Brasil ver os capítulos 3 a 5 de O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil , além de O Brasil e os Brasileiros . 2 Calvin Fletcher foi um cidadão proeminente de Indianápolis de sua chegada em 1821 até sua morte em 1866. Ele foi Senador do Estado, advogado de sucesso, homem de negócios e fazendeiro. Era também membro ativo de diversas organizações da cidade. Fletcher nasceu em Ludlow, Vermont, em 4 de fevereiro de 1798. Deixou Vermont em 1815 e se estabeleceu em Urbana, Ohio, onde trabalhou como professor e estudou Direito sob James Cooley. Ali casou-se com Sarah Hill. Em 1821 o casal se mudou para Indianápolis. Pouco após sua chegada, ele foi eleito procurador para a jurisdição do Condado de Marion e começou a viajar através do estado. Em 1825 foi eleito senador e permaneceu no cargo até 1833. Embora não tenha concorrido a cargos públicos novamente, manteve seu interesse pela política defendendo legislações a favor de escolas públicas, participando em debates e participando de convenções públicas. Destacou-se como advogado, aposentando-se dessa atividade em 1845. Em 1834 foi designado diretor do Banco do Estado e comissário do fundo de amortização. Ele também se destacou como banqueiro, chegando a organizar seu próprio banco, o Indianapolis Branch Banking Co., também conhecido como Fletcher and Sharpe Bank, com Thomas Sharpe. Outros de seus negócios envolveram especulação fundiária e a presidência da Indianapolis and Bellefontaine Railroad. Além da advocacia e dos bancos, envolveu-se com a agricultura, tornando-se um destacado fazendeiro. Participou da fundação da Marion County Agricultural Society, sendo seu tesoureiro no primeiro ano de atividade. Fletcher apoiou diferentes igrejas de Indianápolis, comparecendo a seus trabalhos pessoalmente. Era participante em escolas dominicais, primeiro como professor e mais tarde como superintendente da Escola Dominical da Roberts Chapel. Contribuía também com palestras. Embora não tenha tido uma educação formal, passava boa parte do tempo lendo. Era um fervoroso defensor da educação pública. Em 1847 ele participou da Common School Convention, um encontro realizado em Indianápolis. Foi curador de escolas por sete anos, estabelecendo um sistema público de ensino. Também esteve envolvido em recrutar professores no Leste. Também foi membro da Indianapolis Benevolent Society, da Indiana Historical Society, do comitê local de temperança e outros grupos. Durante a Guerra Civil, ele foi dirigente da comissão mista da U.S. Sanitary Commission e da comissão local, realizando os preparativos para cuidado dos doentes e feridos. Sua esposa faleceu em 1854. Um ano depois ele contraiu segundas núpcias com Mrs. Keziah Price Lister, uma professora de New Hampshire. Calvin Fletcher faleceu em 26 de maio de 1866. Informações obtidas através da Indiana Historical Society. http://www.indianahistory.org/library/manuscripts/collection_guides/M0108.html. Acesso em 13 de novembro de 2008. 147 os preparatórios para ingressar na faculdade. Ingressou na Brown University, de Providence, Rhode Island, onde graduou-se em 1846. Em 1847, tendo decidido se dedicar ao ministério, Fletcher ingressou no Seminário de Princeton, onde estudou sob Charles Hodge e Archibald Alexander. Dois anos depois, em 1849, Fletcher transferiu-se para a Europa visando aperfeiçoar seu domínio da língua francesa a fim de tornar-se um dia missionário no Haiti. Completou seus estudos em Paris e Genebra - nesta última sob Jean- Henry Merle d'Aubigne, historiador da Reforma Protestante. Casou-se com uma filha de César Malan, teólogo calvinista de Genebra, e em 1850 retornou aos Estados Unidos com a esposa Henriette e a filha Julia Constance Fletcher. Nas palavras do professor David Gueiros... Autor muitas vezes citado, ainda que pouco compreendido, James Cooley Fletcher foi um pioneiro do trabalho protestante missionário no Brasil e um dos que, muito ativamente, contribuíram para o movimento de protestantização do Império e para a luta em favor da completa liberdade de culto. 1 Fletcher foi ordenado em 13 de fevereiro de 1851 pelo presbitério de Muncie, Indiana, e no mesmo ano foi enviado ao Rio