UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

CYBELLE ANGELIQUE RIBEIRO TEDESCO

LYNXFILM: UMA CONTRIBUIÇÃO À MEMÓRIA DO AUDIOVISUAL PAULISTA

CAMPINAS 2015 CYBELLE ANGELIQUE RIBEIRO TEDESCO

LYNXFILM: UMA CONTRIBUIÇÃO À MEMÓRIA DO AUDIOVISUAL PAULISTA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em Multimeios.

Orientador: PROF. DR. NUNO CESAR PEREIRA DE ABREU

Este exemplar corresponde à versão final de Tese defendida pela aluna Cybelle Angelique Ribeiro Tedesco e orientada pelo Prof. Dr. Nuno Cesar Pereira de Abreu.

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CAMPINAS 2015 Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Tedesco, Cybelle Angelique Ribeiro, 1968- T228 TedLynxfilm : uma contribuição à memória do audiovisual paulista / Cybelle Angelique Ribeiro Tedesco. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

TedOrientador: Nuno Cesar Pereira de Abreu. TedTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Ted1. Lynxfilm. 2. Memória - ensino audiovisual. 3. Cinema brasileiro. I. Abreu, Nuno Cesar Pereira de,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Lynxfilm : a contribution to the São Paulo audiovisual memory Palavras-chave em inglês: Lynxfilm Memory - audiovisual teaching brazilian film Área de concentração: Multimeios Titulação: Doutora em Multimeios Banca examinadora: Nuno Cesar Pereira de Abreu [Orientador] Alfredo Luiz Paes de Oliveira Suppia Antonio Fernando da Conceição Passos Denise Tavares da Silva Rogério Ferraraz Data de defesa: 27-11-2015 Programa de Pós-Graduação: Multimeios

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Ao meu pai, Antonio Vicente e à minha filha, Clara, pela paciência. AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Nuno Cesar Pereira de Abreu, que acreditou na potencialidade desse trabalho, possibilitando a realização da pesquisa. Sem o seu aval, nada disso teria sido possível. Ao Professor Dr. Antonio Fernando da Conceição Passos, pelas contribuições no momento da Qualificação. Ao Professor Dr. Alfredo Luiz Paes de Oliveira Suppia, pela frutífera troca de idéias. Aos entrevistados - Aloysio Raulino (in memorian), Antonio César Marra, César Mêmolo, Cyro del Nero (in memorian), Daniel Messias, Galileu Garcia, Gini Deheinzelin, Jacques Deheinzelin, Jeremias Moreira, Júlio Xavier, Marcello Tassara, Marília Santos, Paulo Dantas, Paulo Schettino, Plácido Campos Jr. (in memorian), Roberto Duailibi, Roman Stulbach (in memorian) - que cederam o seu tempo e atenção, buscando na memória as lembranças que estão aqui transcritas. Esse material de memória oral é o documento mais importante com o qual pudemos contar na realização desse trabalho. Ao Nelson Anunciato, pelas informações e documentos de arquivo. A todos os amigos e familiares, que estiveram sempre ao meu lado, pacientemente, durante o percurso do trabalho. Ao Departamento de Cinema, à CPG e a todos os seus funcionários, pelo apoio técnico. À Unicamp, que sempre fomentou minhas idéias, durante 20 anos. RESUMO

LYNXFILM : Uma contribuição à memória do audiovisual paulista

Este trabalho aborda a história da Lynxfilm, produtora de filmes publicitários de São Paulo, que teve sua trajetória intimamente ligada à história do cinema brasileiro, do cinema publicitário e da televisão no Brasil, acompanhando o desenvolvimento tecnológico da captação e difusão de imagens durante seus trinta anos de existência. A principal fonte da pesquisa são os depoimentos de dezessete personagens vinculados direta ou indiretamente à produtora. Tal percurso de pesquisa tem por objetivo contribuir para o registro da memória do audiovisual paulista.

Palavras-chave: Lynxfilm, Memória do Audiovisual Paulista, Produtoras de Filme Publicitário, Cinema Brasileiro. ABSTRACT

LYNXFILM:

A Contribution to São Paulo's Audiovisual Memory

This work addresses the history of Lynxfilm, Advertising Film Production Company from São Paulo, with a trajectory that was intimately connected to the Brazilian Film Industry, Advertising TV as well as the Brazilian TV, evolving along with the technological development of the harvesting and broadcasting of images during its thirty years of existence. The main source of research are the statements of seventeen people related directly or indirectly to Lynxfilm. Such means of research aim to contribute with the records of the São Paulo`s Audiovisual Memory.

Key-words: Lynxfilm; Audiovisual data registry in São Paulo; Advertising Film Companies; Brazilian Film.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...... 10 INTRODUÇÃO ...... 11 PARTE I. CINEMA, TELEVISÃO E PUBLICIDADE NO BRASIL 1. Cinema e Estado: relações ...... 21 2. Um modelo industrial de cinema ...... 28 3. Televisão, o novo meio ...... 32 4. As bases da moderna publicidade brasileira e suas contribuições ...... 36 PARTE II. A PRODUTORA LYNXFILM 1. Do cinema à publicidade ...... 45 2. Crescimento e qualificação da produtora: ampliando o território de atuação ...... 48 2.1 Parcerias produtivas ...... 52 2.2 Ainda consequências e expansões: Documental e Magisom ...... 58 3. Uma concorrente de peso: Jota Filmes ...... 59 4. Inovações estéticas e de produção ...... 67 5. A fase dos filmes de animação ...... 72 6. Mudança de relações e o declínio anunciado ...... 78 7. Contribuições fundamentais em 30 anos de trajetória ...... 85 PARTE III. DESDOBRAMENTOS 1. Cinema brasileiro no contexto dos anos 1960 e 1970 ...... 91 2. Ensino de cinema: a ECA ...... 98 2.1 A iniciativa de Roberto Santos ...... 101 3. Lynxfilm, produtora de longa‐metragem ...... 104 4. Os longas‐metragens ...... 107 5. Vozes do Medo: contexto de produção ...... 117 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 129 REFERÊNCIAS ...... 133 APÊNDICE ...... 136 ANEXOS ...... 217

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Apresentação

Conheci Roberto Palmari nos efervescentes anos 1970, quando eu ainda era uma criança. Amigo de meu pai desde a infância, Palmari, como era conhecido, era um participante ativo das iniciativas culturais e personagem mítico em Rio Claro, cidade onde cresceu. Cineasta, utilizou a região como locação para rodar os seus dois longas-metragens (O Predileto - 1975 e Diário da Província - 1978) e também para alguns filmes publicitários que dirigiu – entre os quais, meu irmão e eu participamos como figurantes. Quando, enfim, decidi que estas marcas daquela época que vivi deveriam ser incorporadas à minha formação acadêmica e profissional, tentei localizar Roberto Palmari que, infelizmente, tinha falecido (São Paulo, 1934 – Porto Alegre, 1992). No entanto, esta procura significou o encontro de outras histórias e memórias que me levaram ao meio publicitário de São Paulo e, nele, à Lynxfilm, produtora através da qual Roberto Palmari realizou seu desejo de fazer cinema, e onde também trabalhou por algum tempo. A partir daí, desdobraram-se descobertas e, ao mesmo tempo, incompletudes. Mas, nestes vazios, ganhava contorno nítido a importância da Lynxfilm e, ao mesmo tempo, o quão pouco se conhecia ou se tinha registro da sua história. Recuperar, através das vozes que busquei e que se dispuseram, generosamente, a relatar o que viveram com a Lynxfilm é, portanto, a finalidade maior deste trabalho. E vale destacar que o nome de Roberto Palmari foi citado em muitas das dezessete entrevistas realizadas. Entrevistas que são a base ou, parafraseando o meu orientador Nuno Abreu, a “matéria-prima” deste trabalho. Gostaria que Roberto Palmari ainda estivesse aqui para poder dizer-lhe “muito obrigada”.

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Introdução

O percurso metodológico desta pesquisa teve como ponto de partida a localização do idealizador da Lynxfilm, César Mêmolo Jr. e alguns de seus sócios, que, gentilmente, concederam suas entrevistas, a partir das quais novos nomes foram surgindo. O resgate oral do vínculo estabelecido de cada personagem com a produtora paulista resultou, de certo modo, em uma espécie de ciranda, que definiu a decisão de colocar em primeiro plano os registros colhidos, já que não há praticamente nenhum documento ou estudo que traga ao presente tais memórias. Por isso mesmo, a memória destas “vozes”, ao serem articuladas, formam um tecido significativo para a história e compreensão do processo de produção do audiovisual paulista nos anos aqui focados. Assim, o trabalho está estruturado do seguinte modo: na Parte I busca-se apresentar o desenvolvimento da relação entre o cinema e o Estado a partir dos anos 1930, localizando o cinema como veículo de propaganda oficial representado pelos cinejornais e documentários, o que implicou, também, traçar um panorama do movimento das produtoras cinematográficas que se dedicavam a esse tipo de trabalho. Ainda nesta primeira parte, há uma revisão do processo de implantação da televisão no Brasil e o conseqüente desenvolvimento do formato do filme publicitário resultante, em boa parte, do desmonte do esquema industrial das grandes companhias de São Paulo, como Vera Cruz, Maristela e Multifilmes, situação que gerou um grande número de técnicos em cinema e diretores ociosos, que foram buscar abrigo no nascente e, já aparentemente promissor, mundo da produção de filme publicitário para a televisão. A Parte II trata, especificamente, da história da Lynxfilm. Ou seja, recupera-se a sua criação e início de produção, seus personagens, suas relações com outras produtoras, as inovações de que foi protagonista e o ambiente do meio publicitário que se instalou em São Paulo, no período compreendido a partir do final dos anos 1950, avançando até os anos 1980, quando a Lynxfilm encerra suas atividades como empresa produtora.

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Na sequência, a Parte III contempla o contexto do cinema brasileiro nos anos 1960 e 1970 e a produção dos filmes de longa-metragem que a produtora paulista realizou durante a década de 70, com uma especial atenção ao caso do filme Vozes do Medo (1970). Ao longo do trabalho percebem-se as relações dos profissionais entre duas áreas – cinema e publicidade – anunciando um procedimento que se manteve e se mantém até hoje em muitas das maiores produtoras de filmes publicitários de São Paulo, entendendo que o que ocorre na capital paulista acaba sendo modelo para outros grandes centros do país. Além dos capítulos citados, incluiu-se, no Apêndice, as dezessete entrevistas completas concedidas como fonte de pesquisa, enquanto no Anexo são apresentadas as fichas técnicas e os cartazes dos dez longas-metragens produzidos pela Lynxfilm, segundo informações obtidas junto à Cinemateca Brasileira, em São Paulo. É preciso demarcar que este trabalho teve, à sua disposição, a generosa parceria da Globo.com, que disponibilizou virtualmente, em espaço da internet exclusivo, dois dos volumes de filmes publicitários da Lynxfilm, intitulados Os melhores comerciais. Apesar da inegável contribuição e da motivação que provocou a possibilidade de acesso a um acervo tão exclusivo e de tal dimensão e importância, a baixa resolução da imagem e a ausência de claquete que impedia a identificação segura dos realizadores de cada produção, não se incluiu aqui, por orientação docente e da banca de qualificação, qualquer referência ou discussão em torno destes filmes. Quanto aos dados documentais sobre a empresa, eles foram cedidos por César Mêmolo Jr., a quem fica aqui registrada, mais uma vez, nossa gratidão. Quanto ao texto, ele foi construído, como já colocado, a partir das entrevistas que definem, dão estofo e legitimam a narrativa aqui apresentada, sem que se deixe de destacar, interpretar e dialogar com os fatos, sempre que tais possibilidades se apresentam. É a partir da memória de cada uma destas vozes que se manifestam, que surge um território, um espaço, relações de vida e, principalmente, um desenho do que foi a Lynxfilm, sua importância e contribuições para o desenvolvimento do cinema e do audiovisual paulista. No entanto, é bom lembrar que como se trata de história oral, algumas vezes, há um descompasso ou equívocos na precisão de datas ou fatos. Tais

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situações, na medida do possível, foram confrontadas ao se encontrar outras fontes ou referências, porém, é intrínseca à metodologia aqui adotada a relatividade das versões apresentadas, respeitando-se, portanto, a carga de subjetividade presentes nos relatos de cada personagem. Afinal, cada indivíduo possui uma verdade individual a partir da sua vivência e do seu sentimento ligado aos fatos. Em outras palavras, trabalhou-se dentro de um tênue limite a respeito da veracidade dos fatos, de ambigüidades, paradoxos e fabulações. Nada anormal, em se tratando de história oral, em que distorções de memória podem ser um recurso, ao invés de um problema. Contrariamente às críticas dos historiadores documentaristas tradicionais, que acreditavam na não confiabilidade da memória como fonte histórica, já que podia ser distorcida pelo tempo e pelas intercorrências ligadas à idade dos entrevistados, hoje, os historiadores orais optam pela aceitação do fato de que existem diversos níveis de memória individual e pluralidade de versões de um mesmo passado.1 Ainda, consideram a importância de se compreender as razões que levam um indivíduo a construir suas memórias sob determinada ótica, bem como consideram as razões de um silêncio ou da ocultação de fatos. A história - que não é única e fixa - é dependente do olhar daquele que a constrói. Portanto, nos últimos anos, a busca, através da história oral, se dá pelo explorar das “relações entre reminiscências individuais e coletivas, entre memória e identidade, ou entre entrevistador e entrevistado.” (Amado e Ferreira, 2000, p. 69). Segundo as autoras, o interesse do pesquisador encontra-se tanto "na natureza e nos processos da rememoração, quanto no conteúdo das memórias que registramos.” (Id., 2000). Contudo, é importante ressaltar que a aceitação das subjetividades não exclui a confrontação das fontes, do trabalho crítico e das regras básicas de uma abordagem científica. Para a história oral, além da importância fundamental dada à realização das entrevistas, torná-las disponíveis é outro momento igualmente importante para o resultado da pesquisa. Da mesma maneira, espera-se que as entrevistas, aqui organizadas e disponíveis nos apêndices, possam servir para futuros pesquisadores

1 Michael Pollak destaca o papel das projeções que podem interferir na memória: “Esses três critérios, acontecimentos, personagens e lugares, conhecidos direta ou indiretamente, podem obviamente dizer respeito a acontecimentos, personagens e lugares reais, empiricamente fundados em fatos concretos. Mas pode se tratar também da projeção de outros eventos. (...) O que ocorre nesses casos são, portanto, transferências, projeções.” (Pollak, 1992, p. 200-212)

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que queiram debruçar-se sobre o tema e construir novas contribuições, já que o presente trabalho é somente uma parte da trajetória do cinema brasileiro, que ainda tem muito a ser desvendado. Aqui cabem duas observações fundamentais para a leitura do texto que se seguirá: optou-se por manter os termos jingle, comercial, propaganda, filme comercial, de acordo com as falas dos envolvidos, no lugar do termo atual para filme publicitário, por se entender que o uso dos devidos termos corresponde às épocas referidas e aos seus contextos. As entrevistas disponibilizadas no Apêndice foram editadas e modificadas na forma de depoimentos para tornar mais fluida a sua leitura.

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Os primeiros levantamentos sobre a Lynxfilm apontaram, entre outros caminhos, para um banco de dados e uma lista de discussão on-line sobre cinema brasileiro e profissionais do mercado cinematográfico, através dos quais surgiram os nomes indicados por diversas pessoas interessadas em contribuir com a pesquisa. Ao mesmo tempo, através do Sindcine, chegamos à Marília Santos, viúva de Roberto Santos, que além de seu depoimento, também colaborou fornecendo mais contatos de pessoas a serem entrevistadas. O local das entrevistas foi escolhido pelos entrevistados, sendo a maior parte delas realizadas em suas próprias casas, outras, em locais públicos, como cafés ou, ainda, ocorreram em produtoras de audiovisual. Somente duas entrevistas foram feitas por e-mail: uma, a pedido de um dos entrevistados e outra, devido à distância geográfica. Todas as outras entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas. A primeira e fundamental referência sobre a Lynxfilm é o nome de César Mêmolo Jr., fundador e sócio majoritário da empresa. Em seguida vieram os nomes dos sócios – Galileu Garcia e Antonio César Marra – respectivamente diretor de comerciais e produtor, que acompanharam o desenvolvimento da empresa durante muitos anos. A partir destas informações chegou-se aos nomes dos diretores dos dez longas-metragens produzidos pela Lynxfilm, bem como aos nomes dos diretores dos episódios do filme Vozes do Medo que, por sua vez, levaram às entrevistas com

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os diretores Aloysio Raulino, Roman Stulbach, Plácido Campos Jr., Cyro Del Nero e Julio Xavier. Ao longo da pesquisa novas descobertas foram surgindo. Entre elas, o início da história da animação no Brasil, que começaria no Departamento de Animação criado dentro da Lynxfilm, como uma importantíssima ferramenta para a produção de comerciais. Nessa área, foram contatados o Professor Marcello Tassara e Daniel Messias, animadores, que tiveram suas carreiras iniciadas ali. Ambos somaram a esta pesquisa a vivacidade do contexto que envolvia o audiovisual naquele momento, oferecendo, ainda, digressões importantes em relação à história do cinema de animação no Brasil. Reconhecido como um representante da trajetória da publicidade no Brasil, o publicitário Roberto Duailibi acrescentou, através do seu depoimento, preciosas informações sobre esta área, trazendo uma visão crítica sobre as tensões, conflitos e dificuldades provocadas por um meio que envolve tantos profissionais com perspectivas e trajetórias diferenciadas, além de um sólido testemunho sobre a Lynxfilm, que foi sua fornecedora por muitos anos. Jacques Deheinzelin e sua ex-esposa, Gini Deheinzelin estão aqui como “porta-vozes” da Jota Filmes, outra produtora que começou a atuar juntamente com a Lynxfilm e certamente, de igual importância para a primeira década do cinema publicitário no Brasil. Seus depoimentos foram fundamentais porque forneceram dados a respeito da trajetória desta produtora, uma das primeiras concorrentes da Lynxfilm, tanto pela quantidade como pela qualidade das suas realizações para a publicidade. Mas Jacques Deheinzelin vai além do depoimento sobre a trajetória da Jota Filmes e faz revelações fundamentais a respeito de técnica e estética dos primeiros momentos do filme publicitário. Diretor com grande trânsito entre o cinema de longa-metragem e a publicidade, Jeremias Moreira tem aqui sua participação com um testemunho sobre a sua vivência entre os dois lados, dentro e fora da Lynxfilm. Da mesma maneira, Paulo Dantas, produtor com longa atuação, transitou e transita ainda hoje entre o longa-metragem e o cinema publicitário com desenvoltura. Sua formação está intimamente ligada à Lynxfilm, onde trabalhou por vários anos. Finalmente, Paulo Schettino, técnico cinematográfico e professor, vem colaborar com informações sobre o universo da técnica, através de sua experiência em trucagem na única empresa que realizava aquele tipo de serviço à época.

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A importância destes personagens, não só para esta pesquisa como para a história do cinema paulista, pode ser conferida por suas biografias, mesmo quando tão rapidamente apresentadas como acontece aqui: - Aloysio Raulino (Rio de Janeiro, 1947 – São Paulo, 2013) foi aluno da primeira turma do curso de cinema da USP e dirigiu um episódio do filme Vozes do Medo - A Santa Ceia (1970). Diretor de mais de 27 filmes entre curtas, médias e longas-metragens, ele foi o responsável pela fotografia do longa-metragem de Marcello Tassara, intitulado O descobrimento, os índios e finalmente a USP (1988). Tornou-se diretor de fotografia de vários longas-metragens e é um nome significativo do cinema brasileiro na área da fotografia. - Antonio César Marra (local e ano de nascimento não obtidos) foi gerente da filial da Lynxfilm no Rio de Janeiro, e, posteriormente, tornou-se sócio da produtora em São Paulo, durante vários anos. Participou como produtor executivo em um dos longas-metragens produzidos pela produtora, O Sol dos Amantes (1979). É produtor e proprietário da produtora Vídeo Express em São Paulo. - César Mêmolo Jr. (local de nascimento não obtido - 1928) começou seu percurso em cinema como assistente de direção na Vera Cruz. Realizou na Itália o curso de direção cinematográfica no Centro Sperimentale di Cinematografia di Roma. Em seu retorno da Itália dirigiu, com Carlos Alberto de Souza Barros, o longa- metragem na Cinematográfica Brasil Filmes - Osso, amor e papagaios - lançado em 1957, que contou com a direção de fotografia de Chick Fowle e a direção de produção de Galileu Garcia. No mesmo ano fundou a Lynxfilm onde, além de sócio majoritário, foi o produtor e administrador. Fez a produção executiva de nove dos dez longas-metragens produzidos pela Lynxfilm. - Cyro del Nero (São Paulo, 1931 – São Paulo, 2010) cenógrafo com trajetória internacional, realizou durante nove anos cenários para filmes de publicidade na Lynxfilm, o que não o impediu de trabalhar também como diretor de arte e cenógrafo para produções de Roberto Santos em A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1966) e Quincas Borba (1987), além de direção de arte e cenografia para Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barretto e participações em três longas-metragens de Walter Hugo Khouri. No filme Vozes do Medo dirigiu um episódio - As Bonecas, onde também foi um dos produtores. Atuou como diretor de cenografia e diretor de arte para a televisão, realizou inúmeros projetos de cenografia e de produção, entre eles os desfiles da Rodhia durante os anos 1960.

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Foi professor de Cenografia na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, entre outras tantas atividades na área. - Daniel Messias (local e ano de nascimento não obtidos) iniciou sua carreira profissional no departamento de animação da Lynxfilm, juntamente com Marcello Tassara, Ely Barbosa e Ruy Perotti. Ainda como animador autônomo fez, entre outras, animações encomendadas pelas empresas Cica e Sadia, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e O Estado de São Paulo, além do primeiro curta-metragem dos estúdios Maurício de Souza chamado Natal da turma da Mônica. Em 1975, abre sua própria produtora de animação, a Daniel Messias Cinema de Animação Ltda. e trabalha com personagens internacionais do cartoon, como Pernalonga, Frajola, Taz, Dexter, Dee Dee, Meninas Superpoderosas, A Vaca e o Frango e o Homem Aranha, em computação gráfica. Hoje, sua empresa de animação é uma das mais importantes do Brasil. - Galileu Garcia (São Paulo, 1930) começou sua trajetória na Vera Cruz, onde teve sua primeira oportunidade em cinema, ao fazer o terceiro assistente de direção no filme Sai da Frente (1952). Depois foi assistente de direção do filme Na Senda do Crime (1957) e Floradas na Serra (1954). Também foi na Vera Cruz que teve seu nome reconhecido através do filme O Cangaceiro (1953), em que atuou como assistente de direção. Foi assistente de direção em A Carrocinha (P.J.P. Filmes, 1955), no filme O Sobrado (Cinematográfica Brasil Filmes,1956), fez produção no filme Paixão de Gaúcho (Cinematográfica Brasil Filmes, 1957) e direção e roteiro do longa-metragem Cara de Fogo (Cinematográfica São José dos Campos, 1957). Participou da sociedade na Lynxfilm entre 1959 e 1961, onde foi também diretor de centenas de filmes de publicidade. Em 1962, em sociedade com a Lynxfilm, criou a produtora Documental. E em 1963 criou a Magisom. É reconhecido como um dos grandes diretores de filmes comerciais, devido à sua longa e constante atuação. - Gini Deheinzelin (Trieste, Italia, 1929) também passou pela Vera Cruz, onde conheceu Jacques Deheinzelin, com quem se casou. Dirigiu por dois anos a Jota Filmes, após a saída de seu marido da sociedade na empresa. - Jacques Deheinzelin (Hirson, França, 1928) veio da França, com formação em fotografia pelo IDHEC, para trabalhar na Vera Cruz. Com o fim desta, fez a fotografia em dois filmes produzidos pela Multifilmes – O Amanhã Será Melhor (1952) com direção de Armando Couto e A Carrocinha (1955) dirigido por Agostinho

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Martins Pereira (P.J.P. Filmes, utilizando os estúdios da Multifilmes). Iniciou sua aventura pelo campo do filme publicitário ao abrir a Jota Filmes, produtora de filmes publicitários, em São Paulo, em sociedade com John Waterhouse, em 1957. - Jeremias Moreira (Taquaritinga, 1942) passou pela Lynxfilm como montador, produtor e diretor eventual, entre idas e vindas. Mas como funcionário fixo, foi diretor por oito meses. Realizou a produção do episódio Arroz e Feijão, de Roberto Santos, no filme Contos Eróticos (1977). Foi montador do curta-metragem Retrospectivas, de Roberto Santos (1972). Participou de 17 longas, tendo dirigido três: O Menino da Porteira (1976), Mágoa de Boiadeiro (1977) e Fuscão Preto (1982). Foi, ainda, produtor e montador do filme O Predileto (1975) e montador de Diário da Província (1978), ambos de Roberto Palmari e produzidos pela Lynxfilm. Possui uma produtora de filmes publicitários, a JerêFilmes, onde também faz direção e edição. - Julio Xavier (local e ano de nascimento não obtidos) diretor de filmes publicitários, em 40 anos de carreira, colecionou muitos prêmios, entre eles, inúmeros Leões em Cannes, no London Film Festival, no Festival Brasileiro do Filme Publicitário, no Clube de Criação de São Paulo, “Colunistas” e “Profissionais do Ano”. Começou sua carreira na publicidade em 1964, na Denison Propaganda. De seu portfólio, o trabalho mais famoso é O primeiro Sutiã, filme publicitário realizado para a Valisère, que está entre os 100 melhores filmes da história da publicidade mundial. Dirigiu um dos dez longas-metragens produzidos pela Lynxfilm – Alguém (1980). Em 1991, torna-se sócio diretor da produtora JX Plural e em 2005 cria a produtora BossaNovaFilms. O seu nome é um dos mais conhecidos entre os diretores de filmes publicitários no Brasil. - Marcello Tassara (local e ano de nascimento não obtidos) além da formação em física pela Universidade de São Paulo, também é formado em publicidade pela Escola de Propaganda de São Paulo. Seu nome faz parte da história dos primeiros anos de existência da Lynxfilm, quando trabalhou no Departamento de Animação, junto com Ruy Perotti e Daniel Messias. Durante anos realizou animações para filmes publicitários como free-lance em agências: Standard Propaganda, Norton Publicidade, Alcântara Machado, Salles. Mais tarde, seria um dos primeiros professores do curso de cinema da Escola de Comunicações e Artes, na USP, tendo lecionado para a primeira turma. Realizou inúmeros curtas- metragens, documentários, médias-metragens e um documentário de longa-

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metragem sobre a história da USP, que se intitula O Brasil, os índios e, finalmente, a USP (1986), com fotografia de Aloysio Raulino. Fez parte do corpo docente da Universidade Anhembi Morumbi, foi professor visitante em universidades na Europa e co-responsável pela proposição de um laboratório de mídias digitais junto à ECA/USP. - Marília Santos (local e ano de nascimento não obtidos) é viúva do diretor Roberto Santos. Foi pesquisadora e tesoureira do Sindcine - Sindicato dos Trabalhadores da Industria Cinematográfica do Estado de São Paulo, que teve em suas origens a efetiva participação de Roberto Santos. Envolveu-se na realização do filme Vozes do Medo (1970) e é testemunha de todas as produções de Roberto Santos. - Paulo Dantas (local e ano de nascimento não obtidos), produtor, tem uma longa carreira no cinema, tendo iniciado nos anos 1960, junto aos cineastas do Rio de Janeiro ligados ao Cinema Novo. Começou trabalhando com assistência de produção na Lynxfilm de São Paulo, para em seguida assumir, juntamente com Antonio César Marra, a condução da Lynxfilm no Rio de Janeiro. Após aproximadamente três anos, comprou-a para montar a 2P, em parceria com Paulo Parente. Há 27 anos possui a Movie&Art Produções Cinematográficas, importante produtora que, além de filmes publicitários, realiza também longas-metragens em co- produção, como Noel, o poeta da Vila (2007) e Última Parada 174 (2008), para citar os mais recentes. - Paulo Schettino (Castelo, ES, 1944) físico de formação, técnico cinematográfico em montagem, trucagem e efeitos especiais, manteve uma relação indireta com a Lynxfilm quando trabalhou com Joseph Reindl, que oferecia seus serviços de trucagem a produtora. Posteriormente, abriu sua própria empresa de trucagem, a CTEV – Central de Trucagem e Efeitos Visuais. Tornou-se professor universitário do programa de pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, além de professor do curso de cinema da FAAP. - Plácido Campos Jr. (Anápolis, GO, 1944 – São Paulo, 2008) foi companheiro de Aloysio Raulino e de Roman Stulbach no curso de cinema da USP. Realizou três curtas-metragens antes de fazer a direção de um episódio do filme Vozes do Medo - intitulado Produto, e teve sua vida ligada ao cinema nacional como fotógrafo e montador, vinculando-se, posteriormente ao setor de cinema do Centro Cultural São Paulo e abraçando a docência no curso de cinema da FAAP.

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- Roberto Duailibi (Campo Grande, MS, 1935), um dos publicitários pioneiros no Brasil, foi aluno, professor e diretor da Escola de Propaganda, que depois viria a ser a Escola Superior de Propaganda e Marketing, referência fundamental para o universo da publicidade no país até hoje. Fundou há 40 anos a DPZ, uma das mais importantes agências de publicidade brasileiras, onde é sócio- diretor, juntamente com Francesc Petit e José Zaragoza. Como publicitário, foi cliente da Lynxfilm durante anos. - Roman Stulbach (Cracóvia, Polônia, 1947 – Rio de Janeiro, 2013) também foi aluno do curso de cinema da primeira turma da USP. Diretor de um dos episódios de Vozes do Medo – O mundo é cor-de-rosa – seguiu carreira na cinematografia brasileira como diretor. Foi assistente de direção no curta-metragem Embu, de Roberto Santos (1969). Como se pode notar através de seus percursos de vida, todos os entrevistados possuem relações entre si, formando uma grande rede de relacionamentos. Chegar a eles foi, de certa forma, confirmar uma percepção de que, se fosse possível traçar duas linhas que representassem, imaginariamente, uma, a produção histórica do cinema brasileiro e a outra, em paralelo, a produção do filme publicitário no Brasil, seria possível perceber que tais trajetórias foram muito próximas e até, em alguns momentos, entrecruzadas. Pois foi justamente nesta confluência que se destacou a Lynxfilm, principalmente entre os anos 1960 e 1980, por servir de abrigo à significativa safra de cineastas brasileiros que, por sua vez, contribuíram para que a publicidade brasileira incluísse em seu percurso esta experiência profissional, visão de mundo e relação com o audiovisual. O pioneirismo da Lynxfilm abriu mercado para a produção de filmes publicitários de televisão. Compreendendo uma confluência que foi generosa para ambas as filmografias – a publicitária e a cinematográfica – no mínimo, contribuiu para a existência das duas.

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PARTE I. Cinema, televisão e publicidade no Brasil

1. Cinema e Estado: relações

“A indústria e o comércio nos anos 40 e 50 era formada por imigrantes que enriqueceram através do esforço do seu trabalho junto a uma máquina de arrecadação imperfeita. Por isso, sobrava mais dinheiro para quem produzia. Nessa época, as colônias de imigrantes criaram as grandes instituições beneficentes, por conta própria, sem ajuda do governo. Depois, com a informatização, é que o governo passou a ser uma máquina arrecadatória impressionante. Todos esses ingredientes vão compondo um quadro, que é parte da origem da propaganda política. Neste período, o cinema era o grande veículo e a sessão iniciava com os documentários sobre o que o governo e o governante estavam fazendo, o que nos remete à origem do Goebbels. A criação do cinema, a disseminação das salas de espetáculos, a criação do celulóide, foi uma coisa revolucionária.” (Duailibi, Roberto)1

Localizar o início da produção do filme de propaganda e, consequentemente, do filme publicitário no Brasil exige, primeiramente, uma regressão no tempo em busca de suas origens, ligadas à relação entre cinema e Estado e no uso do cinema como veículo de propaganda oficial. É a partir dos anos 20 - período em que surgem no Brasil os conceitos e mitos de “esperança na edificação do ‘país do futuro’, do gigante que deve ser acordado, ou da preocupação com a ‘construção da nação’” (Simis, 1996, p. 25) - que começa a ganhar corpo a idéia da reforma do ensino público como o motor da reforma da sociedade, num esforço de modernização do país. A atenção voltada à importância do ensino e à sólida formação cultural através da universidade, fazia parte de um projeto cívico, ao mesmo tempo em que significava a base do nacionalismo que começaria a crescer a partir dos anos 30. Depois da imprensa, o cinema na década de 20 já era o meio de comunicação mais importante, portanto,

1 Duailibi, Roberto. Entrevista [Set. 2006]. Apêndice, p. 210. 22

era óbvia a sua utilização como instrumento, no objetivo de transformação da sociedade através da educação - objetivo este que encontrava respaldo em diversos setores da intelectualidade, que defendia as vantagens pedagógicas do cinema. Nesse aspecto, o uso do aparato cinematográfico tinha também o apoio da emergente burguesia industrial e das lideranças operárias que, a partir de 1930, “identificavam a solução dos seus problemas com soluções de tipo nacionalista”. (Ianni,1979 apud Simis, 1996, p. 27) Esse nacionalismo incipiente ganharia força com o governo de Getúlio Vargas, iniciado com a tomada do poder, provisoriamente, em novembro de 1930 e que carregava consigo a idéia um Estado forte, paternalista e centralizador. Os ecos do debate a respeito do uso do cinema na educação e, consequentemente, na formação da nação, estão presentes em seu discurso em 1934, ano em que seria nomeado pela Assembléia, tornando-se presidente de fato e “assinalava uma das características do nacionalismo deste século, aquela que responsabiliza o Estado pela manutenção da ordem moral, da virtude cívica e da consciência iminente da coletividade, destacando o papel pedagógico do cinema na implementação da sua política.” (Simis, 1996, p. 29) Nesse governo a integração nacional era uma das prioridades na formação do Estado e de sua identidade e o cinema, naquele momento, seria fundamental. Além de sua função educativa, o cinema, segundo Simis, “graças à sua capacidade ordenadora, uniria o que está disperso e faria a comunicação entre as várias partes desse território extenso.” (1996, p. 42). Porém, é somente em 13 de janeiro de 19372, com a criação oficial do Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), por Roquete Pinto, que esteve na direção do órgão até 1947, que, efetivamente, a utilização do cinema com papel educativo será colocada em prática, o que incluía o aparelhamento das escolas com equipamentos, filmotecas e salas de projeção. Antes, poucas e isoladas iniciativas nesse sentido foram realizadas a partir dos anos 20, quando se iniciou o debate3.

2 Apesar de instituído oficialmente em 1937, o INCE já produzia filmes desde o ano anterior. 3 Em 1934 é criado, o DPDC – Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, então o primeiro órgão dedicado ao estudo do cinema como veículo de propaganda e de seu uso na educação, que, porém, não chegou a produzir filmes. “O DPDC propunha-se a estudar a utilização do cinematógrafo, da radiotelefonia e demais processos técnicos, estimular a produção de filmes educativos, classificar estes filmes para a obtenção de prêmios e favores fiscais e orientar a cultura física.” (Simis, 1996, p. 50) 23

O INCE surgia no bojo de um projeto articulado no governo de Getúlio Vargas, que, no esforço em construir uma identidade imprescindível ao desenvolvimento industrial e à constituição de um mercado, valorizou os instrumentos de difusão cultural, abrindo um novo relacionamento do cinema com o poder. (...) Desse modo, o cinema educativo tornou-se um dos pilares de um projeto mais amplo, que procurava organizar a produção, o mercado exibidor e o importador, ao mesmo tempo em que servia ao propósito de propagandear o aspecto integrador/centralizador da ideologia nacionalista. (Ramos e Miranda, 2000, p. 299)

O objetivo do INCE era a produção de curtas e médias metragens que deveriam ser exibidos em escolas, instituições culturais, centros operários, agremiações esportivas e cinemas, orientado pela proposta de educação popular e divulgação da ciência como auxiliar do ensino. O cineasta Humberto Mauro, que ali realizou mais de 300 filmes4, criou uma equipe que permitiu ao INCE uma produção ininterrupta por mais de 20 anos. Para tanto, o INCE contava com laboratórios e equipamentos próprios, necessários para realizar todas as etapas do processo de produção: revelação, montagem, gravação de som, filmagem em estúdios e geração de cópias. Esta completa estrutura física foi muito positiva, no sentido de que possibilitou o aprendizado para muitos diretores e técnicos em todas as áreas, servindo de “escola” e de local de troca de informações. Da produção do INCE constam filmes em 16 e 35 mm, silenciosos e sonoros, com temáticas que variavam de adaptações literárias brasileiras, episódios históricos, pequenos documentários e filmes didáticos sobre geografia, música, medicina ou educação rural, por exemplo. Poucos cineastas se preocuparam com o cinema educativo como Humberto Mauro, que defendia o desenvolvimento da indústria cinematográfica através da produção de documentários de curta e longa metragem. Em 1966 é criado o Instituto Nacional do Cinema – INC - que incorpora o INCE e o transforma em um departamento destinado ao cinema educativo, sob o nome de INC. É importante lembrar que o ano de criação do INCE, 1937, coincide com a instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas. Assim, é dentro dos ideais do

4 Humberto Mauro produziu 357 filmes curtos para o INCE durante o período de 1936 a 1964. A primeira fase corresponde à vigência do Estado Novo e da influência de Roquete Pinto em relação aos temas e ao papel do cinema educativo. A segunda fase – 1947 a 1964 – coincide com a aposentadoria de Roquete Pinto e a um período de maior autonomia do diretor dentro do Instituto. Scharvzman, S. O livro das letras luminosas: Humberto Mauro e o Instituto Nacional de Cinema Educativo. Mnemocine. Ago. 2002. Disponível em: [Acesso em 22 Maio 2009].

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Estado Novo que será também criado o cinejornal oficial do Governo, o Cine Jornal Brasileiro - CJB - em 1938, sob a égide da integração nacional e educação popular. A estratégia de comunicação de Getúlio Vargas era parte de uma proposta política mais ampla que incluía um imenso esforço do Estado Novo no sentido de fazer do Brasil uma sociedade urbano-industrial, o que possibilitou avanços impressionantes na economia do país. O potencial dos cinejornais para a propaganda política já havia sido descoberto em diversos países da Europa, nas primeiras décadas do século XX, sendo logo utilizado por aqui. Segundo Luporini e Carrasco (2007), data de 1912 o primeiro cinejornal produzido no Brasil, no Rio de Janeiro, mas foi a partir de 1938 que o cinejornalismo ganha força, com a criação do Cine Jornal Brasileiro. Com um misto de temas: esportes, atualidades, realizações e eventos envolvendo os representantes do poder e da elite, o Cine Jornal Brasileiro era apresentado antes das exibições cinematográficas. Estes cinejornais eram um misto de divulgação e comunicação institucional, através dos documentários e conteúdos jornalísticos.

O mapa da mina apontava na direção da publicidade comercial disfarçada de matéria jornalística. Sob o famoso bordão ‘com a presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas’ mostravam- se as cerimônias de inauguração de lojas, fábricas e empresas de todo o tipo de prestação de serviço. (Paes, 2002, p. 15)

O Cine Jornal Brasileiro era responsabilidade do Departamento Nacional de Propaganda, o DNP, dirigido por Lourival Fontes5. O DNP tinha como incumbências a realização do programa radiofônico Hora do Brasil, a exibição do cinejornal, a formação cívica da população e a propaganda governamental. Em dezembro de 1939, o DNP é substituído pelo Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP6, vinculado diretamente ao gabinete da presidência da República, responsável por todos os serviços de propaganda, imprensa, turismo, radiodifusão e

5 “É de se notar, portanto, que, embora neste período a cavação tenha produzido documentários e jornais cinematográficos constituídos de propaganda política e comercial, o cinema ainda não havia sido incorporado a um projeto de propaganda oficial, seja para a propaganda do Brasil no exterior, seja para a propaganda interna dos feitos do governo. (...) tal projeto só seria expresso com a passagem do DPDC para as mãos de Lourival Fontes.” (Simis, 1996, p. 86) 6 A criação do DIP é o resultado da transformação do DPDC, que desde 1935 já era dirigido por Lourival Fontes, que com sua forte orientação fascista e admiração por Mussolini, buscava dotar o departamento sempre de maior poder junto ao governo, com o objetivo de aumentar a intervenção nas atividades de difusão cultural. (Simis, 1996) 25

diversões públicas e agindo também como um órgão de controle e censura sobre a cultura de massa e as artes. É com o DIP que o regime de Getúlio Vargas procura construir uma imagem positiva no meio da sociedade: “Sua missão era centralizar, orientar e coordenar a propaganda do Estado Novo, tanto no território nacional quanto no exterior” (Jambeiro, 2002, p.43). Com o fim do Estado Novo em 1945, o DIP foi extinto e o Cine Jornal Brasileiro foi transformado no Cine Jornal Informativo, produzido então pelo Departamento Nacional de Informações – DNI, mais tarde Agência Nacional, permanecendo em circulação até 1954. Aqui, vale compreender com um pouco mais de cuidado o papel que os cinejornais cumpriram no processo de construção de modelos para a publicidade e propaganda no Brasil. Segundo Jean-Claude Bernardet (1991, p. 24), “um levantamento da exibição cinematográfica em São Paulo até 1935 indica que nada menos de 51 jornais cinematográficos brasileiros apareceram nas telas paulistas.” Tendo em vista que o mercado de filmes de ficção no Brasil era alimentado principalmente pela Europa e Estados Unidos, aos produtores nacionais cabia ocupar um nicho específico e muito mais viável do que o filme de ficção: os documentários e cinejornais, que sustentariam a produção brasileira das primeiras décadas do século XX, permitindo a existência de uma estrutura - ainda que pequena e deficiente - com laboratórios e equipamentos, e garantindo trabalho aos profissionais do cinema7. O impulso significativo para o aumento do número de produtoras dedicadas ao cinejornal foi a obrigatoriedade, a partir de 1934, da exibição do Complemento Nacional que antecipava as projeções dos filmes nos cinemas. Apesar de parte desses cinejornais serem realizados pelo governo, a nova obrigatoriedade não deixou de ser também inspiração para que outras produtoras como a Sonofilmes S.A., Tupi Filmes, Guanabara Filmes, Cinelândia Filmes, Cinédia8, Atlântida9, Pan

7 “A tendência dos historiadores foi aplicar ao Brasil, sem crítica, um modelo de história elaborado para os países industrializados em que o filme de ficção é o sustentáculo da produção. Não é o que se deu no Brasil. O conceito de história do cinema que se usou no Brasil está mais vinculado à vontade dos cineastas e dos historiadores que à realidade concreta.” (Bernardet, 1991, p. 28) 8 A Companhia Cinédia é criada no Rio de Janeiro em 1930, pelo jornalista e cineasta Adhemar Gonzaga, “inaugurando o modelo de estúdio de porte” (Ramos e Miranda, 2000), com completa estrutura, estúdios e equipamentos importados, o que representou um salto tecnológico para o cinema no Brasil. Segundo Sales Gomes (1996, p. 70), “até certo ponto consequência e prolongamento da revista Cinearte e da campanha a favor do cinema brasileiro. (...) A década de 30 girou em torno da Cinédia, em cujos estúdios firmou-se uma fórmula que asseguraria a continuidade do cinema brasileiro durante quase vinte anos: a comédia musical (musicarnavalescos), tanto na modalidade carnavalesca quanto nas outras que ficaram conhecidas sob a denominação genérica de 26

Filme do Brasil, Rossi Filmes, Rex Filmes, Botelho Filmes, por exemplo, também investissem e se dedicassem a este tipo de produção, mesmo que algumas tenham tido vida curta. (Luporini e Carrasco, 2007). Estas produtoras de cinejornais viviam, sobretudo, do patrocínio – ou “cavação” -, que foi institucionalizado à medida que os cinejornais se estabeleciam como um produto que seguia uma corrente internacional, com a padronização da sua duração e do seu formato. Porém, a oficialização do Cine Jornal Brasileiro e a sua produção própria pelo DIP causou uma grave situação de desequilíbrio desse mercado para as outras produtoras, devido à forte concorrência representada pela produção oficial, provocando o desaparecimento de muitas delas, conforme observam Luporini e Carrasco:

O Cine Jornal Brasileiro significou uma nova ordem na produção nacional. Se, antes, a legislação federal promovia a abertura de espaços para a produção de cinejornais nacionais, a partir de então, os produtores teriam que enfrentar a desleal concorrência do estado e seu poder político e financeiro. A solução encontrada por alguns destes produtores foi se transformar em funcionários públicos e trabalhar diretamente para o DIP. (2007, p. 13)

A distribuição nacional do CJB era realizada pela Distribuidora de Filmes Brasileiros e, apesar da sua importância para o Governo, essa distribuição era principalmente concentrada no eixo São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, sendo muito deficiente nas outras regiões do país, chegando, às vezes, com atraso de seis meses. A exibição obrigatória do Complemento Nacional, criada durante o governo Getúlio Vargas, permanece mesmo após o fim do seu governo, porém, com uma grande queda no repasse da arrecadação ao realizador, que correspondia à venda de cinco poltronas por sessão, forçando-os a buscar outras formas de viabilização destes cinejornais. Eram os exibidores que dificultavam o repasse da arrecadação da bilheteria aos realizadores. chanchada.” Humberto Mauro é o diretor do primeiro longa metragem da companhia, Lábios sem beijos e mais tarde, em 1933, é lá que também realiza Ganga Bruta. No início da veiculação do CJB, a Cinédia produziu 127 cinejornais para o DIP. (Simis, 1996) 9 Fundada em 1941, no Rio de Janeiro, a Atlântida Empresa Cinematográfica do Brasil S.A. foi a companhia de maior importância na segunda metade dos anos 40. Criada por Alinor Azevedo, Moacir Fenelon e Carlos Burle, com o apoio do Jornal do Brasil, foi responsável por grandes sucessos de público, tendo a dupla Oscarito e como seus maiores astros. Em 1947 foi assumida pelo exibidor Luís Severiano Ribeiro, que apostou, quase que exclusivamente, nos filmes carnavalescos e chanchadas, o que colaborou no sucesso da companhia, elevando o seu nível técnico. Em 1962, deixou de ser produtora exclusiva e tentou sobreviver através de co-produções. Definitivamente encerra suas atividades em 1983. (Ramos e Miranda, 2000)

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A partir do advento da televisão e seu posterior desenvolvimento, o Cinejornal perde força, “contentando-se com a periferia do grande mercado, as rebarbas que as agências não queriam: aquela prefeitura do interior, por exemplo, (...)” (Simões, 1999, p. 61). Apesar deste cenário, em 1958, uma produtora que se tornaria um grande nome na história do Cinejornal – o Canal 100 – encontra nesse segmento a fórmula que a manteve durante vinte e sete anos produzindo: reportagens sobre a vida política, cultural e esportiva do Brasil – sobretudo os documentários sobre futebol. Entre 1959 e 1986 o Canal 100 produziu um cinejornal por semana e seu fim se deu após a proibição, pelo governo do Presidente Figueiredo, da propaganda comercial em cinejornal. Sem o aporte financeiro das instituições governamentais10 o Cinejornal não possuía condições de sobrevivência em relação ao predomínio da televisão. Mesmo que se saiba que o formato dos cinejornais brasileiros não possa ser, simplesmente, classificado como propaganda ou publicidade, o fato é que esta produção explicita uma proximidade do cinema nacional com os filmes publicitários que inclui, entre outras convivências ou dependências, vínculos profissionais de muitos técnicos e diretores que estarão, ao longo dos anos 1950 e das próximas décadas, ora exclusivos da produção cinematográfica, ora atuando apenas nas produtoras de filmes publicitários ou, também, algumas vezes, participando de ambas. A situação prossegue atualmente: se antes, para sobreviver, os produtores e cineastas recorriam à “cavação”, à procura de patrocinadores que sustentassem os cinejornais, hoje o filme publicitário e os documentários institucionais são os produtos que garantem o funcionamento das produtoras, proporcionando, em alguns casos, as possibilidades de realização do sonho do filme de ficção.

10 O cinejornal era financiado pelo produtor e pelos anunciantes. Por lei, um cinejornal podia ter até um máximo de três reportagens patrocinadas declaradamente - no caso do Canal 100, o futebol tinha o patrocínio da Caixa Econômica Federal, Shell, Petrobrás, por exemplo. (Depoimento de Carlos Niemeyer no Canal 100). Disponível em: [Acesso em 14 abril 2009].

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2. Um modelo industrial de cinema

A vantagem que teve a Vera Cruz para o cinema brasileiro em geral, foi a de ter disciplinado o ensino, com grandes técnicos como professores. Era um estudo metódico, basicamente orientado pelos ingleses. (...) Antes da Vera Cruz, aqui no Brasil o pessoal se formava por geração espontânea, você tinha um cinema em que as pessoas faziam de tudo, sem especialização e sem conhecimentos específicos: o cara montava, iluminava, dirigia a perua, fazia produção, escrevia o roteiro, acabava não fazendo nada bem mesmo, fazia de tudo um pouco. (Depoimento de Galileu Garcia in Galvão, 1981, p.139).

Para tratar do início da produção do filme publicitário no Brasil, precedido pelas relações entre o cinema e seu uso pelo Estado para a veiculação de propaganda, é de fundamental importância localizar o papel que teve a Companhia Vera Cruz, através de sua proposta de um modelo de produção cinematográfica industrial. Este modelo agregou os melhores técnicos em cinema e um conjunto de equipamentos que mais tarde fariam parte do cenário da produção do filme publicitário em São Paulo. A criação da Vera Cruz, bem como das companhias produtoras Maristela e Multifilmes11 - marcou o retorno da cidade de São Paulo como importante centro para o cinema, após o longo período de domínio da produção cinematográfica do Rio de Janeiro, com a Cinédia e Atlântida em evidência. Essa nova produção paulista pretendia ser o oposto das produtoras do Rio de Janeiro: buscava um cinema refinado, ao realizar filmes de alta qualidade técnica, com temáticas bem diversas daquela das chanchadas. Localizada em São Bernardo do Campo, a Vera Cruz foi a principal tentativa de implantar uma indústria cinematográfica no Brasil, baseada no sistema

11 A Companhia Cinematográfica Maristela foi fundada em 1950, com os estúdios no bairro Jaçanã, por Mário Boeris Audrá Jr., que convenceu seu pai, a investir no negócio cinematográfico. Vai à falência em 1958. Suas principais produções são: Rio, Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos e O Grande Momento, de Roberto Santos. Já a Multifilmes Sociedade Anônima foi criada em 1952, com inovações que as outras companhias cinematográficas na época não dispunham, como uma fábrica própria de refletores, a primeira do Brasil. Os estúdios foram construídos por Mario Civelli na cidade de Mairiporã. Na Multifilmes passaram nomes consagrados como Procópio Ferreira, , , Roberto Santos, Luíz Sérgio Person, entre outros. O último filme realizado pela Multifilmes foi no ano de 1955, mas a companhia, foi fechada oficialmente em 1958.

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dos estúdios. Podendo contar com os recursos de uma alta classe social de São Paulo – pois é fundada por Francisco Matarazzo Sobrinho e Franco Zampari, que tinham acabado de criar o Museu de Arte Moderna (MAM) e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), nesta cidade – a Vera Cruz tem como modelo o padrão Hollywood de fazer cinema12. Com o desejo de fazer cinema de qualidade, a Companhia Vera Cruz tenta reunir apuro técnico – e, para tanto, não hesita em contratar mais de duas dúzias de profissionais estrangeiros, mão-de-obra altamente qualificada na Europa, trazendo-a para o Brasil – com argumentos que articulassem princípios universais do cinema com uma relativa brasilidade, o que poderia ser garantido com a participação dos brasileiros. No papel de produtor geral foi convidado Alberto Cavalcanti, com a bagagem do reconhecimento público de seu trabalho na Europa e com a meta de fazer cinema aqui, nos moldes daquele que fazia na Inglaterra. Além disso, é incumbido de formar a equipe de técnicos estrangeiros que viria juntar-se aos técnicos brasileiros. Assim, vieram através de seu convite: o inglês Chick Fowle, o dinamarquês Eric Rassmussen, o iugoslavo Oswald Hafenrichter, o francês Jacques Deheinzelin, o inglês John Waterhouse, entre tantos outros que compuseram um mosaico de nacionalidades. A proposta deste cinema gestado em processo industrial não dura mais do que cinco anos – a Vera Cruz foi criada em 1949, precisamente no dia 3 de novembro, em coquetel no Museu de Arte Moderna, reunindo intelectuais, artistas e industriais paulistas. Durante seus anos de existência a Companhia segue sob o então governo do General Dutra até janeiro de 1951, data em que Getúlio Vargas retorna ao poder. E o seu fim, em 1954, coincide com o suicídio de Vargas. Mas, mesmo com todos os problemas que a levaram à falência financeira, a Companhia de São Bernardo do Campo contribuiu tanto para a melhora da qualidade técnica do cinema brasileiro, quanto para apurar o nível de interpretação dos atores. Da Vera Cruz saíram alguns dos diretores e técnicos que mais tarde fariam parte das produtoras Lynxfilm e Jota Filmes. Assim, ganhou o cinema paulista.

12 “Apesar de todas as críticas emitidas contra essa “burguesia” paulistana e seus devaneios no campo da cultura, todas as iniciativas culturais deste período vieram a beneficiar também muitos jovens de outras classes sociais, levando a estes, a possibilidade de participar do mundo da chamada “alta cultura”.” (Simões, 1997, p.11). 30

Para que se possa compreender o nível de transformação de que a Vera Cruz foi protagonista, é necessário entender como esse cinema era produzido antes dela: pouco dinheiro, pouquíssimos estúdios disponíveis com cenários precários, funcionando de modo improvisado, com equipamentos obsoletos e falta de técnicos especializados. Sabe-se que o conjunto de circunstâncias que contribuíram para o seu fim foi bastante complexo, mas a sua falência deveu-se, em resumo: aos custos exagerados e desperdícios de produção; ao retorno lento dos altíssimos investimentos que financiavam novas produções; aos empréstimos bancários elevados e contratos distributivos realizados com as distribuidoras norte-americanas Universal e Columbia, prejudiciais à Companhia e finalmente, ao padrão de produção perfeccionista, caro e demorado, copiado do modelo inglês. Com relação ao último item, cabe observar que o modelo inglês de produção cinematográfica já tinha levado à falência o sistema na Inglaterra e que, obviamente, também não daria certo aqui. Essa é a explicação para a facilidade que teve Alberto Cavalcanti em contratar tantos técnicos ingleses de renome para trabalhar na Companhia. A indústria cinematográfica britânica vivia uma crise e faltava trabalho, então, cortavam-se gastos, simplificavam-se as produções e tentava-se uma modernização. Para uma cinematografia marcada pela descontinuidade - como bem destacou Jean-Claude Bernardet (1967) - observada a partir de ciclos regionais de vida curta, a proposta de um cinema industrial como a que balizou a existência da Vera Cruz, contribuiu, sem dúvida, para a melhoria técnica da produção nacional no que se refere à fotografia, som, iluminação e montagem, apesar da acusação de críticos de então e futuros diretores do Cinema Novo. Estes acusavam aos filmes saídos dos estúdios de São Bernardo, de mostrarem um Brasil mais fictício ou exótico, do que realista e comprometido com os conflitos sociais de sua época, como já bem fazia o neo-realismo italiano, parâmetro de cinema de qualidade ou que deveria servir de inspiração, para estes futuros cineastas. Engrossando o coro das críticas, Jean-Claude Bernardet (1967, p. 141) comenta:

Os fotógrafos e iluminadores da Vera Cruz utilizaram um claro- escuro rebuscado, uma luz trabalhada pelo rebatedor, pelo refletor e pelos filtros. Era a única escola de fotografia do Brasil e continua tendo seus adeptos, num Walter Hugo Khouri ou num Flávio Tambellini. Embora não se possa rejeitar sistematicamente esse tipo de fotografia, deve-se reconhecer que não está apto a expressar a 31

luz brasileira. O Cangaceiro, produção da Vera Cruz, fotografada por Chick Fowle, obtém efeitos de luz que nada têm a ver com a luz que envolvia os cangaceiros.

No entanto, essa mesma luz que não correspondia à realidade em alguns longas-metragens e era tão duramente desclassificada, faria o mérito do mesmo Chick Fowle no filme publicitário, dentro dos estúdios, em um outro momento. Ali, esse tipo de luz encontraria a sua melhor função. Enquanto existiu, a Vera Cruz foi responsável pela produção de dezoito longas-metragens no período de 1950 a 1954. Além disso, seu final ainda gerou outras tentativas de se continuar fazendo cinema no país, mantendo o nível técnico que ela havia conseguido implantar. Após o fim da Vera Cruz, Abílio Pereira de Almeida formou a Cinematográfica Brasil Filmes em 1955, que foi uma subsidiária da Vera Cruz, funcionando com pessoal da Vera Cruz, com o espírito da Vera Cruz, com seus estúdios, equipamentos e parte sonora, que eram de ótima qualidade. Apesar do empenho, não havia mais condições de sobrevivência para os profissionais de cinema e a Brasil Filmes, a Companhia Cinematográfica Maristela13 e a Multifilmes, quase nada puderam absorver destes profissionais14, fechando, todas elas, no mesmo ano de 1958. Diante deste cenário, muitos buscaram trabalho no teatro, outros na publicidade ou mudaram radicalmente o rumo das suas vidas. Com a crise e inviabilidade das grandes companhias produtoras, foi desfeito o sonho da industrialização do cinema em São Paulo e o meio cinematográfico, consciente das reivindicações da classe dentro do novo contexto, vê a necessidade de movimentar-se para sistematizar análises da nova situação15. A partir da segunda metade dos anos 1950, dentro dos parâmetros do nacionalismo e desenvolvimentismo, surgem os primeiros órgãos estatais para o cinema acompanhando o crescimento da indústria cultural. O setor cinematográfico

13 “Apesar do fracasso da Maristela, seu prejuízo acumulado ao longo dos anos foi bem menor do que os enfrentados por Franco Zampari na Vera Cruz e Anthony Assunção na Multifilmes.” (Catani, 2002, p.46) 14 “No mesmo período em que a Vera Cruz entrou em crise (1954), outras empresas paulistas também passaram ao declínio. (...) A Maristela, fundada em 1950, já apresentava tais sinais em meados de 1952 e a Multifilmes S.A., em 1954, dois anos depois de ser criada.” (Simis, 1996, p. 175) 15 “Será dentro de uma estrutura estigmatizada pelos traços nacionalistas característicos do governo Vargas que surgirão os Congressos de Cinema (nos anos 1952/53), bem como é sob influência forte do desenvolvimentismo do governo Kubitschek que se criarão as Comissões de Cinema, num primeiro momento, municipais e estaduais, posteriormente extrapoladas, em 1956, para o âmbito federal.” (Ramos, 1983, p. 16) 32

apostava no incremento estatal e se alinhava ao desenvolvimentismo do governo Kubitschek.

3. Televisão, o novo meio

Se nas décadas de 1940 e 1950, os cinejornais e as propagandas para o cinema já atingiam um público amplo, a chegada da televisão trouxe para o meio publicitário, a partir da percepção do potencial da TV, a possibilidade de abertura de um novo caminho, desta vez dentro dos domicílios, junto às famílias. Mas este não foi um percurso anunciado tão claramente e sempre vale lembrar o esforço de Assis Chateaubriand que, visionário, empenhou-se pessoalmente para conseguir introduzir a nova mídia no país, o que não foi tão rápido. De todo modo, o jornalista, como ficou registrado na história, foi o responsável pelo primeiro equipamento de TV instalado no país, comprado em Nova Iorque, em 1948. Apenas dois anos depois desta compra, o empresário inaugurava, em 18 de setembro de 1950, a primeira emissora da América Latina e a sexta do mundo. A emissora era a TV Tupi-Difusora que começou suas atividades transmitindo apenas para 500 aparelhos receptores na cidade de São Paulo. (Jambeiro, 2002) Este começo, aparentemente nada promissor, revela-se, rapidamente, um negócio de fôlego. Um ano após criar sua primeira emissora, Assis Chateaubriand já inaugura a segunda, desta vez no Rio de Janeiro. Pouco a pouco, grandes e pequenos grupos de radiodifusores resolvem também apostar neste negócio nascente e outras emissoras surgem. Mas o desafio da popularização com sua consequente ampliação de mercado, esbarrava no custo dos aparelhos de TV que eram, ainda, importados e caros. Esta dificuldade só foi rompida no final dos anos 1950, quando empresas estrangeiras instalaram-se no Brasil e passaram a fabricar aparelhos de televisão. Nesta altura, a televisão brasileira existia, basicamente, a partir de três grandes blocos de profissionais: os oriundos do rádio, os oriundos do teatro e os remanescentes do cinema. Em relação aos primeiros, coube incorporar à grade de programação os programas de auditório em que se apresentavam os ídolos da música popular brasileira e, também, as telenovelas, gravadas ao vivo, como se fazia no rádio. Os profissionais vindos do teatro acrescentaram à televisão a 33

experiência dramatúrgica que, obviamente sofreu adaptações para o novo meio, além da experiência plástica da cenografia, ainda que subutilizada nos estúdios. Quanto aos profissionais oriundos do cinema, se também participavam das iniciativas da grade de programação, traziam, por outro lado, a vivência e o apuro técnico conquistados no cinema, pois, o quadro inicial de dificuldade da televisão não inibiu a relação destes profissionais que já faziam filmes ou propagandas para o cinema, com o novo veículo. Isto porque, embora a introdução das novas tecnologias no cinema brasileiro tenha se dado de maneira gradual, a publicidade criada para a tela grande estimulou a busca por novos equipamentos, justificada por motivos econômicos. Com isso, os profissionais que trabalhavam nesta área acabaram sendo os primeiros a se atualizarem tecnologicamente e, de certo modo, a nova mídia - que muitos foram obrigados a assumir com a falência dos projetos industriais para o cinema, como se viu anteriormente - colocava desafios razoavelmente motivadores para a criatividade destes profissionais envolvidos com o processo de melhor vender. Um destes desafios era a própria produção para a TV já que, nestes primeiros anos de funcionamento era feita ao vivo, desde os teleteatros, shows, novelas, programas esportivos, femininos ou jornalísticos, até os intervalos comerciais - ou, mensagens dos patrocinadores - colocados no ar já a partir de 1951. Roberto Duailibi, publicitário, proprietário da agência DPZ, relembra a precariedade inicial do comercial televisivo:

“O comercial de televisão começou com um papel pregado na parede com um texto escrito à mão, indicando o nome do produto e o preço, ao vivo. A propaganda começou com o varejo modesto e a isso, posteriormente, foi acrescentada a garota-propaganda, que ficava de plantão na emissora. Ela decorava o texto que era feito dentro da emissora. O anunciante procurava a emissora diretamente ou era procurado pelos corretores da emissora que escreviam o texto, o que já era o primórdio da agência.” 16

A figura da garota-propaganda na televisão tornou-se, segundo o publicitário, fonte de muitas lendas, já que o meio elevava-a a condição de ídolo ou celebridade, numa sociedade tradicional em que predominava o preconceito com relação à mulher. Apesar disso, a garota-propaganda foi assumida por praticamente

16 Duailibi, Roberto. Entrevista [set. 2006]. Apêndice, p. 213. 34

todos os canais de televisão da época e se tornou estratégia fundamental de divulgação de produtos, o que acabou ampliando o novo espaço de comunicação na televisão. Assim, logo o intervalo comercial não somente veiculava a publicidade como também cobria eventuais problemas da programação, durando o tempo suficiente para que um estúdio estivesse pronto, por exemplo, ou era colocado no ar, repentinamente, após qualquer problema técnico inesperado, podendo, portanto, durar até trinta minutos. O que não significava, ainda, prioridade, ou seja, apesar de o novo veículo já abrigar as inserções comerciais, a produção para a televisão era pouco considerada em uma estratégia de divulgação ou venda de algum produto, como relata Jacques Deheinzelin, diretor de fotografia oriundo da Vera Cruz e mais tarde, proprietário da produtora Jota Filmes:

“Primeiro se fazia toda a propaganda impressa e quando sobrava dinheiro se pensava no filme publicitário, o filme era a última coisa que se pensava numa campanha. Não sobrava dinheiro para o filme publicitário Quando o filme publicitário era para cinema, era muito mais sério e era muito mais bem remunerado, nós fazíamos filmes de três minutos que eram exibidos antes do filme, coloridos. A publicidade para a televisão era o parente pobre, porque tinha que caber a verba dentro da audiência. Os espectadores de cinema eram muito mais do que os de TV, porque pouca gente na época tinha TV.” 17

Jacques Deheinzelin lembra ainda quanto era amadora a produção dos filmes publicitários. Segundo ele, havia dificuldade em encontrar pessoas dispostas a participar de um filme publicitário, mesmo quando remuneradas. Além disso, havia imensa dificuldade de locação: “Quando tinha que filmar um banheiro, era o meu banheiro; quando tinha crianças, eram os meus filhos”18. Esta situação reiterava uma postura que ele assume - seu profundo desprezo pela televisão - e hoje reconhece que foi um dos grandes equívocos da sua vida: “(...) como todo o pessoal de cinema da época, eu quase não olhava a televisão. Isso me abalou profundamente: perceber a minha incompetência em valorizar o potencial da televisão”.19 Mas, com a maior profissionalização e racionalização do trabalho, novos anunciantes de produtos de consumo em massa buscaram a nova mídia,

17 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 175. 18 Id., 2006, p. 178. 19 Ibid., 2006, p. 178. 35

aumentando a concorrência entre as três grandes emissoras da época - Tupi, Paulista e Record. Com este esquema de produção mais dinâmico, o fato é que se conseguia apresentar, pelas garotas-propaganda, de quatro a cinco comerciais por intervalo. Porém, é só a partir do regime militar iniciado em 1964 - cuja ideologia moldada na Escola Superior de Guerra, através da Lei de Segurança Nacional, dava grande importância aos meios de comunicação - que a televisão brasileira consolidou o seu espaço, iniciando um processo de hegemonia que persiste até hoje e que repercutiu na sofisticação do mundo que envolve a produção do filme publicitário para TV. Assim, segundo Mattos:

Os meios de comunicação de massa se transformaram no veículo através do qual o regime poderia persuadir, impor e difundir seus posicionamentos, além de ser a forma de manter o status quo após o golpe. A televisão, pelo seu potencial de mobilização, foi mais utilizada pelo regime, tendo também se beneficiado de toda a infra- estrutura criada para as telecomunicações. (2002, p. 35)

Tal situação, entretanto, não deve fazer esquecer que em sua primeira década de existência a televisão era muito precária do ponto de vista técnico. A tecnologia de ponta e a qualidade de som e imagem estavam no cinema. Dessa maneira, os profissionais de cinema que foram para a televisão, procuraram dar ao novo veículo uma qualidade mais próxima ao seu meio de origem:

A tevê era um espetáculo diário, que durava de 14 a 15 horas ininterruptas. Trabalhávamos sete dias por semana. Havia muita improvisação e pouca responsabilidade, a gente resolvia os problemas inventando. (...) Cassiano Gabus Mendes, por exemplo, conseguiu na televisão o plano e o contraplano do cinema. Parecia que não dava para colocar duas câmeras atrás dos ombros de dois atores que contracenavam sem que uma não enquadrasse a outra. Hoje todos fazem isso, mas, na época, era um problema. Pois foi o Cassiano que pôs esse ovo em pé. (Daniel Filho, 2001, p.19)

O desenvolvimento técnico e de programação foram fatores decisivos para que a força de comunicação da televisão se revelasse. A rápida percepção do que estava ocorrendo com a televisão naquela década motivou muitos profissionais a abrirem suas produtoras de filmes publicitários - como se verá na Parte II. O novo padrão da comunicação no Brasil, cujo principal representante era a televisão, seria marcado pela busca das massas e economia baseada na publicidade, seguindo o 36

modelo de televisão norte-americano, com capital privado, orientação comercial e programação baseada no entretenimento, ao contrário do modelo Europeu, estatal e de caráter cultural. A percepção de tal trajetória estimula as agências publicitárias a intensificarem as pesquisas de opinião, mapeando os hábitos de consumo do telespectador e os melhores horários de veiculação dos comerciais a partir, principalmente, do IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião, Pesquisa e Estatística - que, desde 1942, fornecia o quadro da audiência20, dando base ao fator que viria a se transformar na força dominante da televisão e mesmo sua possibilidade de existência: a publicidade.

4. As bases da moderna publicidade brasileira

Um dos momentos emblemáticos no processo de modernização brasileiro foi simbolizado pelo governo de Juscelino Kubitschek, a partir de 1956. O nacionalismo, que tinha como bandeiras a industrialização e o desenvolvimento, foi a maneira que o Brasil encontrou para deixar seu status de país subdesenvolvido. Assistiu-se a um crescimento populacional e econômico, com o consequente crescimento da indústria de bens de consumo, eletrodomésticos e automóveis, bem como houve um forte impulso na construção de estradas e investimentos em energia e transportes21. A industrialização e urbanização criaram nichos de necessidades específicas, voltadas para a nova população das cidades. A publicidade, nesse contexto, tinha que atrair o consumidor, criar novos hábitos, criar necessidades de consumo e divulgar os modos de uso desses novos produtos. Não foi uma coincidência o fato de que, a partir dos anos 1950, se inicia uma fase reconhecida pelos publicitários como fase da propaganda moderna no

20 Além do IBOPE, havia também a Marplan, empresa de pesquisas de opinião do grupo McCann- Erickson, que foi criada em 1953. As pesquisas tinham interesses comerciais para subsidiar as decisões das empresas anunciantes. 21 Entre 1956 e 1961 houve extraordinário crescimento da produção industrial. Por exemplo, o setor das indústrias de aço cresceu 100%, o das indústrias mecânicas viu uma alta de 125%, o de indústrias elétricas e de comunicações chegou a uma taxa de 380% de crescimento e as indústrias de equipamentos de transporte, 600%. (Skidmore, 1982, p. 204)

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Brasil, que tem como base o marketing e as técnicas profissionais copiadas da propaganda norte-americana:

Esta fase nova da propaganda instalou-se no Brasil a partir do término da II Guerra Mundial quando o país experimentou um boom econômico que atraiu muitas empresas estrangeiras (principalmente americanas) para cá. Eram empresas com longa experiência de marketing e propaganda, que utilizavam os serviços das grandes agências de propaganda americanas, algumas das quais já estavam entre nós. Para servir a esses seus clientes multinacionais, essas e outras agências ampliaram as suas operações entre nós, trouxeram profissionais de alto nível (que rapidamente fizeram escola) e criaram, assim, as bases da moderna propaganda brasileira (Gracioso e Penteado, 2004, p. 89).

Paralelo a este quadro, havia outro fator favorável às iniciativas de modernidade implantadas pelo governo: uma população que ainda acreditava fortemente na retórica política, ouvia rádio e freqüentava comícios. Estava-se vivendo, no Brasil, uma situação em que as classes sociais eram representadas por partidos políticos de forma mais clara e vinculada, de fato, às especificidades de cada grupo social. Assim, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), representava a maior parte do sindicalismo brasileiro e mantinha um discurso corporativo e populista. Já a UDN (União Democrática Nacional) assumia um discurso de fortalecimento do capitalismo a partir da abertura de mercado, mais vinculado à classe média. Outra força política era o PSD (Partido Social Democrático) com um discurso de centro e, ainda, o PCB (Partido Comunista Brasileiro), que tinha razoável penetração nas classes populares e entre os intelectuais. Este panorama político facilitou as iniciativas de Juscelino Kubitschek, que pautou seu governo pela realização de grandes projetos, sempre sob o apoio maciço de praticamente todos os setores da sociedade. (Gracioso e Penteado, 2004). Neste contexto, um fato muito positivo no campo da cultura foi a busca de integração do país no circuito internacional das artes, consolidando um processo iniciado por Assis Chateaubriand e , responsáveis pela criação de museus como o MASP (Museu de Arte de São Paulo) e os Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro. Tais projetos permitiram maior visibilidade a uma geração importante de arquitetos e paisagistas como , e Burle Marx, bem como a artistas como Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Vitor 38

Brecheret, ou Aldemir Martins, por exemplo, nomes que, em maior ou menor grau acabaram influenciando a publicidade brasileira. Este painel favorável nas artes plásticas também pode ser detectado no teatro, no cinema, em outras áreas das artes e nos esportes. O país, de certo modo, tinha orgulho de si mesmo - uma situação que pode ser colocada como mais favorável às mudanças que viriam, sempre na tentativa de integrar o Brasil às benesses da modernidade, com a abertura às possibilidades de consumo e, em seu rastro, a necessidade de se disputar este mercado promissor. O Museu de Arte Moderna de São Paulo, dirigido por Pietro Maria Bardi, teve um papel fundamental na história da publicidade brasileira, ao criar dentro do seu próprio espaço físico, em 27 de outubro de 1951, na Rua Sete de Abril22, a Escola de Propaganda do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que deu origem, em 1973, à reconhecida Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM. A criação da Escola de Propaganda do Museu de Arte Moderna contou com o apoio de Assis Chateaubriand e partiu de uma sugestão de Pietro Maria Bardi. A elaboração do projeto pedagógico ficou sob a responsabilidade do publicitário Rodolfo Lima Martensen – então diretor da agência Lintas – que também assumiu a direção da Escola, por 20 anos. Pietro Maria Bardi, observando o nível dos trabalhos publicitários que eram realizados à época de maneira amadora e primitiva e que se espalhavam por jornais e revistas do país e conhecendo o que era feito, ao mesmo tempo, com qualidade e competência pelos profissionais dentro das agências, pretendia colocar a publicidade alinhada à modernidade que se desenhava no país naqueles anos, através de um curso formal. A Escola, que preparava para uma profissão ainda incipiente na sociedade brasileira, viu esta profissão ser largamente difundida nas décadas seguintes, ganhando cada vez mais status e importância inclusive para a economia brasileira, já que o projeto do novo curso privilegiava o marketing e possuía clara orientação mercadológica. Além do vanguardismo do curso, foi

22 Até os anos 1960, o polo da cultura em São Paulo se concentrava no centro da cidade, na região da Praça da República, Rua Maria Antonia e Praça Roosevelt. Ali encontravam-se as agências de publicidade, as Universidades e as sedes das primeiras TVs. Na Rua Sete de Abril, estavam a Cinemateca, o Museu de Arte Moderna e a Escola de Propaganda, os dois últimos alocados no edifício dos Diários Associados.

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fundamental a contribuição do experiente corpo de professores, alguns oriundos do mundo profissional das agências, outros vindos dos grandes meios de comunicação ou do cinema. (Gracioso e Penteado, 2004). A partir dos anos 1950, assiste-se à expansão das agências de publicidade estrangeiras23, sobretudo americanas, sendo que o Rio de Janeiro, capital política e econômica do país, concentrava a sede da maioria delas. Mas é no final dessa década que elas começam a se transferir para São Paulo, que já revelava grande vitalidade econômica e cultural, graças, em boa parte, ao parque industrial de produção de automóveis, instalado na região do ABC. Esta relação entre a produção automobilística no Brasil e o impulso na atividade publicitária é observada no relato de Roberto Duailibi, que vivenciou aquele momento:

“A propaganda realmente começou como profissão, com a implantação da indústria automobilística no Brasil. Foi ela que deu esse caráter profissional e competitivo. Começou com a DKW- Vemag, com Romisetta. A DKW-Vemag começou com o investimento de um banqueiro cuja fortuna tinha origem no jogo do bicho. A indústria automobilística, principalmente a Volkswagen, é que exigia cada vez mais o profissionalismo da comunicação.” 24

Por outro lado, é também a partir deste contexto que são criadas as primeiras agências brasileiras – Almap em 1954, Salles em 1966 e a DPZ em 1968, por exemplo. Com a expansão das agências de publicidade internacionais assistiu-se a um rápido salto de qualidade nas produções publicitárias locais devido à vinda de profissionais estrangeiros. Na opinião de profissionais do meio, foram as agências americanas McCann-Erickson25 e J. W. Thompson que trouxeram o know-how

23 No final da década de 1920 e início da década de 1930, começam a se instalar no Brasil as primeiras agências de publicidade internacionais, com o objetivo de cuidar das contas das empresas estrangeiras que aqui se estabeleciam: a J.W. Thompson chega em 1929; a Standard, Ogilvy & Mather, em 1933; a McCann-Erickson, em 1935. 24 Duailibi, Roberto. Entrevista. [set. 2006]. Apêndice, p. 214. 25 Em 1935 a McCann abre no Rio de Janeiro seu primeiro escritório no Brasil, para atender a conta da Esso. Armando de Moraes Sarmento é contratado como gerente-geral da filial, que era subordinada à McCann-Buenos Aires, presidida por Henry Clark. Em 1937 São Paulo sedia o segundo escritório da McCann no Brasil, comandado por David Augusto Monteiro. Os primeiros clientes da filial são GM e Frigidaire. Disponível em: [Acesso em 10 abril 2015].

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publicitário ao Brasil, influenciando e modernizando a linguagem da publicidade que era feita aqui, num período em que fazer publicidade significava criar para o rádio e veículos impressos, principalmente o jornal, o que representava um alcance pequeno. Com a implantação da televisão, a publicidade brasileira é alavancada pela força desse novo meio, mesmo se no início, timidamente. Em Gracioso e Penteado encontra-se também uma avaliação da linguagem do novo veículo:

Para as agências em geral e para os criadores em particular, a transição para este novo veículo – a televisão – não foi fácil. Ao contrário de outros países, que tinham uma tradição cinematográfica, o Brasil não tinha gente capaz de falar a linguagem audiovisual da TV. A solução foi adaptar a TV à nossa criação de rádio. Por isso, nos nossos primeiros filmes de TV, o vídeo repetia o áudio e este dava o tom do comercial. Levamos muitos anos para aprender a usar este veículo com desembaraço. (2004, p. 16)

Esta avaliação, vinda do meio publicitário, não se preocupa muito em observar as trocas que também ocorreram com o meio cinematográfico brasileiro. Talvez tal ponderação só seja mesmo possível para quem fizesse este trânsito como Roberto Duailibi e tantos outros que tiveram um vínculo efetivo com a Lynxfilm ou com outras poucas produtoras. Roberto Santos, em depoimento concedido à Maria Rita Galvão, refere-se ao filme publicitário usando a palavra jingle, reafirmando a idéia que se tinha inicialmente sobre o filme publicitário – um jingle de rádio animado:

E havia as empresas de jingles. Todo mundo despreza muito esse tipo de cinema sem se dar conta do quanto foi importante essa produção contínua de filmes publicitários. Importante não apenas enquanto mercado de trabalho, mas na própria evolução de linguagem do cinema brasileiro. (...). (1981, p. 219)

De qualquer modo, é realmente mais próximo do final dos anos 1960 que se torna possível ter maior clareza sobre o quanto, neste momento, a propaganda moderna brasileira já havia se consolidado: um feito que repercutia nas altas verbas que a ela eram destinadas. Como exemplo, temos o caso da empresa Rhodia, que tinha disponível naquela época, verbas que permitiam realizar os seus mais ousados 41

projetos de marketing, conforme narra Cyro del Nero, cenógrafo responsável pelos seus inesquecíveis desfiles26:

“As nossas verbas não tinham limite, sobrava dinheiro e nós viajávamos pela Europa e pelo mundo todo. A fez o primeiro espetáculo solo na Rhodia, em 1969. (...) E aí precisávamos fazer os comerciais da Rhodia. Lívio Rangan, para desenhar os estampados, chamou todos os renomes das artes plásticas no Brasil para desenhar: Aldemir Martins, Di Cavalcanti e outros. (...) E aí tinha que convidar alguém pra dirigir os comerciais, tínhamos dinheiro e convidamos o melhor, convidamos o Roberto Santos. E ele é convidado a fazer filme publicitário. Depois precisava mais alguém pra dirigir os shows e procurou-se Ademar Guerra, gente de teatro e apresentei Roberto Palmari pra Rhodia, meu colega de TV Excelsior. E ele começou a dirigir para a Rhodia e a fazer comerciais pra Lynxfilm.” 27

Portanto, pode-se creditar a este elo, um dos pilares da moderna publicidade brasileira cuja qualidade e importância pode ser resumida pela lembrança de Roberto Duailibi em um momento de seu depoimento: “O Marshall McLuhan tem uma frase muito interessante que é: ‘Quando o arqueólogo do futuro quiser entender a sociedade em que nós vivemos, ele vai procurar nos filmes publicitários.’ ”28 Se McLuhan estiver certo, é bom lembrar que o modelo que começa com a descoberta da eficiência da garota-propaganda vai, pouco a pouco, mudando seu formato e conteúdo, ao lado do diagnóstico de que a sociedade também mudou. Enquanto em seu início, a publicidade para a televisão é objetiva, concreta e privilegia muito mais o conteúdo do que a forma, ao longo do tempo ela vai se tornando subjetiva, buscando estratégias que colocam em primeiro plano muito mais a forma do que o conteúdo. Isso se deve ao fato de que, antes de a televisão tornar- se um espaço fundamental para as produções, os criadores de campanhas pensavam em termos gráficos, já que as mídias mais importantes eram jornais e revistas. Hoje, o que ocorre é o contrário: a criação começa pelo audiovisual e depois é adaptada para os veículos impressos.

26 Toledo, Marina Sartori de. A teatralização da moda brasileira: os desfiles da Rhodia nos anos 60. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes; Universidade de São Paulo, 2004. Dissertação de Mestrado. 27 Del Nero, Cyro. Entrevista. [jun. 2006]. Apêndice, p. 158-159. 28 Duailibi, Roberto. Entrevista. [set. 2006]. Apêndice, p. 215. 42

Com o lucro que se amplia quando a televisão começa a consumir mais e mais filmes publicitários, as produtoras progridem e, consequentemente, investem em melhor aparato técnico, importando muitos equipamentos e atualizando, constantemente, o seu maquinário. Esta atualidade repercute no cinema, quando as produtoras publicitárias acabam por incorporar em seus quadros, cineastas. A mesma posição tem Galileu Garcia, diretor vindo da Vera Cruz e sócio da Lynxfilm, para quem o cinema brasileiro de hoje deve muito do que faz à atuação das produtoras de comerciais, pois foram elas que, efetivamente, reinvestiram o seu lucro em equipamentos, proporcionando condições de produção: “Tudo o que hoje um produtor ou diretor conta, é com esse material das produtoras. Hoje o melhor equipamento que tem no mercado é originário do filme publicitário. A publicidade criou as condições ideais para a produção do longa-metragem.”29 Analisar as bases da propaganda moderna brasileira implica em um movimento que, para ser completo, deve incluir o vínculo efetivo que esta teve com a televisão. É ela que, na sua necessidade de “fechar” a programação, escancara o tempo que tem para o mundo da publicidade criando uma ciranda alimentada pelos dois lados. Ou seja, a expansão da televisão que resultou em modificações também na forma de se fazer propaganda, fez com que esta encontrasse mais espaço para atuar. Assim, na década de 1960, com o crescimento do público televisivo, a programação torna-se mais popular, dando espaço para o surgimento dos comunicadores de auditório e mais transmissão de telenovelas que, por sua grande aceitação, se transforma no principal produto do veículo, permitindo o início da industrialização do processo de produção para a TV. Assim, a telenovela, ao aumentar a audiência do público, consequentemente, provoca o aumento das verbas publicitárias o que traz, por sua vez, a necessidade de mais profissionais para esta área e estes se agrupam e criam novas empresas. Aqui, não podemos deixar de citar José Mário Ortiz Ramos (1995, p. 14- 15), que em seu estudo sobre a implantação e o desenvolvimento do audiovisual brasileiro, trata das relações entre o cinema, a televisão e a publicidade (e o cinema publicitário). Para ele, no Brasil, a publicidade tem uma presença mais sólida e contínua quando em comparação aos ciclos de cinema de curta duração - lembrando, como exemplo, os casos da Atlântida, Vera Cruz, Maristela ou

29 Garcia, Galileu. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 167-168. 43

Multifilmes, que não conseguiram atravessar a década de 50 - e, também, se comparada à história das primeiras emissoras de televisão, que não conseguiram ter uma vida longa. Nesse sentido, Ramos defende a estabilidade do meio publicitário no processo de modernização do Brasil, que, diante de um cenário cinematográfico de rupturas e interrupções, atravessou, a partir do final dos anos 1920, momentos diversos da trajetória econômica, política e social brasileira, desenhando assim, uma “sólida continuidade" através dos séculos XX e XXI. O cinema publicitário, para Ramos, nasce da junção desta estrutura de agências publicitárias, de longa tradição no país, com o desenvolvimento e consolidação da televisão brasileira. Reconhecida, portanto, como fundamental para a sobrevivência do novo meio, a publicidade não tardou a perceber que seu sucesso também dependia de algumas mudanças estruturais na cultura de um país que ambicionava fazer parte do mundo industrializado, mas mantinha-se preso à sua história agrária altamente conservadora, conforme observa Roberto Duailibi em seu depoimento, para quem, o maior concorrente da propaganda brasileira era: “(...) o preconceito contra o consumo, característica dessa origem rural da sociedade brasileira. Era visto quase como um pecado ter uma camisa nova, ter mais de um par de sapatos, cuidar dos dentes.”30 Para conseguir vender mais, a propaganda tinha que lutar contra esse pensamento. Não foi uma dificuldade conviver com o pecado e até inverter seu mérito. De qualquer modo, os profissionais da publicidade, até mesmo independentemente de sua origem ou formação inicial, não deixaram de revelar seu potencial criativo e competência técnica, segundo Roberto Duailibi:

“Uma das funções dos “Mêmolos”31 era utilizar o filme como um ingrediente educativo para as pessoas melhorarem a sua vida, trazer a sociedade para o século XX. Passou a existir a compreensão da beleza como instrumento de venda e então o humor, o plot, a história com começo, meio e fim surpreendente. Isso gerou uma profissão nova que era o intérprete, criou personagens. Foi longo o caminho dessa transformação do ato de vender, numa disciplina com vários aspectos, multidisciplinar, que incluía o conhecimento da venda, que não era uma mera oferta do produto.” 32

30 Duailibi, Roberto. Entrevista [set. 2006]. Apêndice, p. 215. 31 Referência a César Mêmolo, proprietário da Lynxfilm. 32 Duailibi, Roberto. Entrevista [set. 2006]. Apêndice, p. 215. 44

Um longo caminho entranhado à memória da cultura brasileira. Afinal, os resquícios são muitos e, também, não se pode ignorar que uma das táticas da publicidade é justamente acionar estas lembranças afetivas construídas pela excepcional capacidade criativa destes profissionais que sonharam fazer cinema no Brasil, ou literatura, ou jornalismo, e encontraram no negócio publicitário uma oportunidade econômica e um espaço para suas realizações.

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Parte II. A Produtora Lynxfilm

1. Do cinema à publicidade

“Lynxfilm – Uma época em que todos nós éramos professores e alunos ao mesmo tempo.” (Tassara, Marcello)1

A Lynxfilm nasceu em uma pequena sala na Avenida Ipiranga em São Paulo, numa sociedade em que César Mêmolo Jr. detinha 90% do capital e seu tio, Amadeu Mêmolo Jr., uma participação de 10%. Este capital inicial era mínimo, e a produtora não tinha, praticamente, nenhuma infra-estrutura, quando foi criada oficialmente no dia 03 de maio de 1957, iniciando suas atividades no dia 08 de junho de 1957. (Paes, 2002) As motivações que levaram César Mêmolo Jr. à criação da produtora vinham de uma situação extremamente difícil que ele e outros profissionais do cinema brasileiro viveram, a partir do fim do sonho de se ter no país um cinema produzido industrialmente, conforme demonstrado na Parte I. Sem emprego no cinema, opta pela abertura da empresa com o nome inicial de Lynce Filmes Ltda., nome que procurava perpetuar a tradição dos negócios do pai, do setor hoteleiro, cuja empresa chamava-se Lynce Ltda. Se era difícil viver de cinema naqueles anos, por outro lado o ambiente no Brasil da metade dos anos 1950 era muito propício ao seu projeto: o filme publicitário era a nova mídia, o que havia de mais eficiente e moderno em se tratando de publicidade. Se o momento não era o melhor para investir em longa-metragem, era o mais acertado para o filme publicitário e para as produtoras que lhes dava vida. Foi na Vera Cruz que César Mêmolo Jr. iniciou sua carreira em cinema,

1 Tassara, Marcello. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 191. 46

em 1952, como assistente de direção de Abílio Pereira de Almeida em um filme com Mazzaropi - Candinho - lançado em 1954. Mas seu percurso na Vera Cruz foi desviado por uma estadia na Itália, para um curso de direção de cinema no Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma, com duração de dois anos, propiciado por uma bolsa de estudos através do Consulado Italiano de São Paulo. Superado o concurso para a disputa das duas bolsas que eram oferecidas, foram aprovados César Mêmolo Jr. e Trigueirinho Neto, este também assistente de direção na Vera Cruz e amigo de Alberto Cavalcanti. Concluído o curso e com o diploma em mãos, César Mêmolo Jr. recebeu uma proposta para atuar na Itália como assistente de direção de Dino Risi, em seu primeiro longa-metragem, mas essa proposta foi preterida por uma outra, vinda do Brasil, através de uma carta de Abílio Pereira de Almeida, o mesmo diretor com quem já tinha trabalhado anteriormente na Vera Cruz. Nesta carta, Abílio o convidava a voltar ao país e, aqui, co-dirigir - na sua recém-criada produtora, a Cinematográfica Brasil Filmes - o seu próprio filme de longa-metragem, com Carlos Alberto de Souza Barros. Dividido entre as duas opções, decide voltar ao seu país de origem, trazendo na bagagem a experiência de ter vivido em uma Itália que havia apostado no Neo-Realismo, logo reconhecido como uma das maiores e mais significativas “escolas cinematográficas” da história do cinema. De volta ao Brasil, César Mêmolo Jr. realiza seu primeiro longa-metragem Osso, amor e papagaios (1957) que contou com a fotografia de Chick Fowle, produção de Abílio Pereira de Almeida e gerência de Galileu Garcia. Baseado no conto A Nova Califórnia, do escritor Lima Barreto, o filme ganhou os prêmios Saci e Governador do Estado e também foi premiado pela Prefeitura de São Paulo, porém, foi um fracasso de público, segundo o depoimento do seu próprio diretor:

“Vim embora e dirigi o filme de longa metragem, Osso, amor e papagaios, que ganhou dois prêmios Saci, o prêmio Governador do Estado e o Prêmio da Prefeitura, e foi um terrível fracasso de público. O filme era baseado num conto do escritor Lima Barreto, A Nova Califórnia. O filme era uma comédia e abordava, de maneira cômica, um tema que era a história de um vilarejo em que de repente as pessoas começavam a morrer misteriosamente e um cientista meio maluco que chega à cidade começa a fazer umas experiências com ossos humanos e descobre uma fórmula de transformar ossos humanos em ouro. Isso provoca na cidade um escândalo, porque as pessoas passam a se interessar por ossos humanos e então há uma 47

corrida ao cemitério para abrir as sepulturas, recolher os ossos e todos vão para a prefeitura vender os ossos e o prefeito queria comprar esses ossos. Porque só o prefeito é que tinha conseguido, do cientista, a fórmula para transformar os ossos em ouro. Esse fato de tratar de ossos humanos e tratar com total desrespeito o cemitério, as pessoas abrindo as sepulturas para retirar os ossos, chocou o público espectador. Na época, o cemitério era considerado um campo santo, havia um respeito muito grande. Era 1957 e as regras morais eram diferentes. O filme foi um fracasso, mas ganhou esses prêmios todos, principalmente uma crítica na revista Anhembi, do Benedito J. Duarte, que achou o filme genial.” 2

Mas não se deve creditar apenas a este aspecto o fracasso do filme. Lançado em 1957, muito provavelmente Osso, amor e papagaios sofreu, também, as consequências de fazer parte de um cenário de crise do cinema brasileiro, em especial, o paulista. No ano de 1958 o cinema paulista produziu apenas três filmes importantes: Cara de Fogo, com roteiro e direção de Galileu Garcia; O Grande Momento, dirigido e escrito por Roberto Santos e Estranho Encontro, o primeiro filme de Walter Hugo Khoury, escrito e dirigido por ele. Galileu Garcia, diretor de filmes publicitários, começou a trabalhar na Vera Cruz como redator publicitário no departamento de propaganda, o que garantiu, como desdobramentos, o ingresso no mundo do cinema através da prática, fazendo assistência de direção para Abílio Pereira de Almeida. Aqui, ele tece um argumento para a crise em que se encontrava o cinema brasileiro naquele período:

“Mas, por que o cinema brasileiro morreu, mais ou menos, em 1960? Porque o cinema brasileiro não era dono do seu mercado, os donos do mercado eram as distribuidoras estrangeiras, especialmente as americanas e eles tinham um trunfo pra acabar com a gente. Vinha um filme com o Gary Cooper e nós tínhamos um Anselmo Duarte, nós não tínhamos um Gary Cooper. Os grandes atores americanos puxavam uma bilheteria enorme. E a gente estava lançando os atores brasileiros, que não tinham a popularidade que tinha um Gary Cooper.” 3

O esvaziamento, portanto, das perspectivas no cinema, não impediu César Mêmolo Jr. de constatar que havia em São Paulo apenas algumas pessoas que filmavam comerciais para televisão, mas não havia o modelo de empresa produtora estruturada. Grande parte dos comerciais eram realizados ao vivo, quase

2 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 148. 48

sempre protagonizados pelas garotas-propaganda que faziam demonstração de produtos. Ou então se recorria às simples exibições na tela da televisão de cartazes e letreiros fixos dos produtos anunciados. Nesse início, a criação no Brasil ainda estava ligada somente à tradição dos suportes gráficos, produzindo meramente anúncios filmados para a televisão. Com esta percepção, César Mêmolo Jr. se viu, outra vez, diante de uma nova escolha: entre voltar para os negócios de seu pai em Atibaia ou criar sua própria empresa e permanecer em São Paulo: acabou decidindo por esta segunda opção. Sua aposta na publicidade revelou-se, logo, muito mais ampla e produtiva do que imaginava.

2. Crescimento e qualificação da produtora: ampliando o território de atuação

Pouco a pouco, foram sendo convidadas outras pessoas para se associarem à pequena produtora Lynxfilm, em troca de uma participação de 10%, que seria paga com o lucro conseguido. Os primeiros sócios que se ligariam à produtora foram4: Sady Carnot Scalante, Henry Edward Fowle (conhecido como Chick Fowle), José Aliado Brasil Scatena e Ruy Perotti Barbosa, os três primeiros vindos também da experiência da Vera Cruz. Sady Scalante, diretor geral da Lynxfilm, teve papel fundamental no sucesso da empresa. Totalmente envolvido com o trabalho, era o primeiro a chegar e o último a sair, mesmo aos finais de semana. Suas funções eram inúmeras, bem como suas responsabilidades pelo funcionamento perfeito da produtora: atendia os clientes, realizava os orçamentos, coordenava a produção, acompanhava os prazos de finalização, assinava uma pilha diária de cheques, contratava e demitia funcionários (o quadro de funcionários da Lynxfilm chegou a 110 contratados, além dos profissionais free-lances), acompanhava as reformas do prédio para as ampliações, definia a compra de todos os equipamentos, cuidava dos estoques de lâmpadas, de negativos, numa época em que as importações eram muito difíceis e a Lynxfilm era a única produtora capaz de manter um estoque de produtos. Ainda

3 Garcia, Galileu. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 170. 4 Segundo documento apresentado por César Mêmolo Jr. 49

cuidava do departamento de animação, que foi o único do Brasil a possuir uma câmera Oxberry table-top para a filmagem dos desenhos. Além de grande formador de profissionais, criou um método de trabalho que é ainda hoje um modelo utilizado pelas produtoras. Ao se desligar da Lynxfilm, teve a posse dos documentários e curtas-metragens produzidos durante os trinta anos de existência da empresa5. A síntese do que seu trabalho representou para a produtora é dada por Paulo Dantas, produtor:

“A Lynx, através do Sady, foi o maior centro de formação de produtores que já existiu. (...) Mas o grande formador de mão de obra mesmo foi o Sady Scalante, ele era o operário. O César era o empresário. A mente de fora era do César, mas a mente de dentro era do Sady. O Sady era o grande cérebro disso.” 6

Outro sócio que participou desde o início da produtora foi o renomado diretor de fotografia Chick Fowle, que veio ao Brasil convidado por Alberto Cavalcanti. O contato entre os dois se deu em 1933, no General Post Office Film Unit, considerado o núcleo de produção institucional que revolucionou o modo de se fazer documentário social até então e foi esta experiência que o fotógrafo agregou aos projetos da Vera Cruz, mesmo não tendo sido essa a proposta da empresa que, porém, não ignorava a força das locações em seus projetos. Seu trabalho no cinema inglês durante a Segunda Guerra aliado a uma sólida experiência profissional, garantia a todos que estavam ao seu lado uma grande segurança. Mesmo após o fim da Vera Cruz resolve permanecer no Brasil, tornando-se um dos pilares da Lynxfilm. Ali, a última palavra era a sua quando havia um problema a ser resolvido na área técnica. E apesar dos problemas, Chick Fowle não perdia o humor, uma virtude essencial para um inglês, segundo memórias de quem com ele conviveu. Em sua carreira, após ter formado os profissionais que o substituíram, dedicou-se exclusivamente ao desenvolvimento técnico da produtora, quando ela passou a produzir em cores, voltando-se principalmente às áreas de finalização, revelação, montagem, trucagem e copiagem. Foi também responsável pela formação de tantos renomados profissionais de fotografia, como, por exemplo, , Ronald Lucas Ribeiro, Geraldo Gabriel, Marcelo Primavera, Kimihiko Kato.

5 Contatado, Sady Scalante recusou-se a falar sobre sua vida, sobre a Lynxfilm e sobre os documentários e curtas-metragens de sua propriedade. Aqui, todas as informações foram obtidas através de contato com seu filho, que gentilmente respondeu às perguntas através de e-mail. 6 Dantas, Paulo. Entrevista [jan. 2009]. Apêndice, p. 196. 50

Pouco a pouco, mais nomes viriam a se associar à produtora ao longo de sua trajetória, como Galileu Garcia, Roberto Santos, Agostinho Martins Pereira, Antonio César Marra, enquanto outros com o passar do tempo se desligariam da sociedade. Presente na Lynxfilm desde 1959, Galileu Garcia foi convidado por César Mêmolo Jr. a fazer parte da sociedade na produtora, logo após a estréia de seu longa-metragem realizado na Vera Cruz, Cara de Fogo, em 1958. A amizade entre os dois diretores fez com que Galileu já colaborasse com a Lynxfilm antes mesmo que dela fizesse parte, ao convidar os primeiros profissionais e diretores que seriam parte da história da produtora. Assim, além de convidar Chick Fowle e Sady Scalante, foi também o responsável pela entrada de Mamoru Miyao, o primeiro diretor oficial da produtora, que tinha sido assistente de direção de seu primeiro longa-metragem, além de ter levado também o diretor Roberto Santos. Roberto Santos também fazia parte do grupo de cineastas oriundos dos grandes estúdios de São Paulo e assim como seus colegas de profissão, encontrou alternativas profissionais na publicidade. Filho de fotógrafo do Brás, possuía arte e sensibilidade na veia por herança, segundo seu amigo pessoal e companheiro de Lynxfilm, Cyro del Nero: “(...) (ele) tinha uma visão do que tinha que ser feito em cinema, extraordinária. Ele foi uma das personalidades mais pessoais e mais doces do cinema brasileiro. Ele era Lynxfilm também.” 7 Com um currículo na direção de longas-metragens e curtas-metragens, Roberto Santos estava envolvido com o cinema desde o início dos anos 1950, mais precisamente desde 1953, quando foi assistente de direção no filme O Homem dos Papagaios (1953), de Armando Couto. Conviveu com Agostinho Martins Ferreira, Galileu Garcia, Nelson Pereira dos Santos, Bráulio Pedroso, entre outros. Foi um dos primeiros diretores de filmes publicitários na Lynxfilm e no Brasil, tendo contribuído de maneira decisiva para a fase inicial da publicidade televisiva, dirigindo filmes marcantes e significativos, como o já citado filme de animação para a Fiat Lux, os filmes da Ducal e o famoso filme para a Nestlé, apelidado de filme das “Comadrinhas”, com a participação de crianças. Contribuiu com Cyro del Nero em trabalhos para a Rhodia e foi personagem fundamental para o curso de cinema da USP. Foi sócio na produtora até 1963, contabilizando então em torno de 150 filmes

7 Del Nero, Cyro. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 157. 51

publicitários e alguns documentários como Viaje bem (1959) e Primeira Chance (1961), desligando-se naquele ano para realizar A Hora e a Vez de Augusto Matraga (1965). Após a produção do filme, continuou a dirigir publicidade para a Lynxfilm, bem como para outras produtoras, além de dirigir programas e documentários para a TV Globo e TV Cultura e seguiu assim, apoiando-se na publicidade e na televisão para realizar seus longas-metragens. Em 1968 criou a Roberto Santos Produções Cinematográficas que durou até o ano do seu falecimento, em 1987.

Segundo Simões (1997, p. 63):

Em perspectiva, percebe-se hoje que Roberto deu uma grande contribuição à Lynx, dirigindo filmes que foram decisivos no processo de decolagem da empresa, e por outro lado a Lynx retribuiu funcionando como uma espécie de segundo lar que ele frequentou até os últimos dias, para conversar ou discutir algum filme, inclusive Quincas Borba, que foi montado na moviola da empresa.

Na sequência dos contatos de Galileu Garcia, cabe apresentar Mamoru Myiao, que se estabeleceria como o diretor com a mais longa permanência na Lynxfilm, tendo atuado durante vinte e cinco anos, desde o início da empresa, e tendo lá dirigido mais de cinco mil produções, entre comerciais e filmes curtos. Essa extrema dedicação à produtora valeu-lhe o convite à participação no filme Vozes do Medo – sobre o qual se discorrerá na Parte III – com um episódio tecnicamente bem realizado, intitulado Aborto8. Após a saída de Galileu Garcia, que se dedicava então à experiência da Documental, e na ausência de Roberto Santos, que resistia ao cinema publicitário - tornando-se um colaborador eventual, indo e voltando de suas experiências no longa-metragem - Mamoru Myiao passou a predominar totalmente na área de direção da Lynxfilm.

Dessa maneira, formou-se em torno da produtora uma grande rede de relacionamentos, que agregava os sócios da empresa, os profissionais fixos da casa, os eventuais colaboradores, amigos e clientes, formando uma grande ciranda de solidariedade, que se refletiria em todo o ambiente do cinema dos anos 1950, como observa Simões e como se verá no decorrer deste capítulo:

8 Mamoru Myiao estudou cinema na Escola do Museu de Arte Moderna e foi o primeiro diretor no Brasil de origem oriental. Na Lynxfilm dirigiu os mais importantes comerciais, como, por exemplo, para a Varig, Volkswagen, Ford, Mercedes Benz, Gessy Lever. Com o comercial do "fusca" na Amazônia, para a Volkswagen, gravado na recém iniciada rodovia Transamazônica, ganhou o Leão de Bronze no 19º Festival Internacional da Sawa, de Cannes/Veneza, em 1972. Disponível em: . Acesso em 23 Maio 2009. 52

A fidelidade aos amigos e o espírito de grupo foi uma das marcas do grupo de cineastas formado na década de 50 à sombra dos grandes estúdios. Com a falência da proposta industrial os técnicos se viram sem emprego, houve claras manifestações de ajuda mútua, sendo que ressaltaram, às custas de muito esforço, na formação de sociedades, produtoras, estúdios, laboratórios e associações de classe. (Simões, 1997, p.177)

2.1. Parcerias produtivas

O salto inicial de qualidade e de quantidade de produções da Lynxfilm é resultante de um primeiro aporte financeiro, vindo do sócio “capitalista” da produtora: José Scatena, proprietário da RGE – Rádio Gravações Especializadas. Foi a parceria com a RGE que permitiu, de fato, iniciar suas atividades, ainda que alterando seu nome de batismo, de Lynce Filmes Ltda. para RGE Lynce Filmes Ltda. (mais tarde, por questões de direito de nome, a produtora adotou o nome Lynxfilm S.A.). Graças a essa parceria, a produtora garantia também a sua produção sonora, o que lhe conferia, de início, mais autonomia. A RGE era, em sua origem, um pioneiro estúdio de som completo para a gravação de jingles, spots, radionovelas e programas variados, criado pela agência Standard em 1939, como parte do seu Departamento de Rádio. Em 1941, José Scatena é contratado pela Standard para trabalhar no estúdio, que em 1947 se tornaria independente, transformando-se em RGE e prestando serviços para todas as agências. Por esse estúdio também passou Gilberto Martins, profissional já famoso na área de jingles, que depois também criaria o seu próprio estúdio, o que o levaria a ser o maior nome do rádio comercial da década (Cadena, 2001). Por outro lado, José Scatena foi um importante produtor musical que lançou nomes como Maysa e Agostinho dos Santos. A associação da Lynxfilm com a empresa que era uma potência no ramo sonoro durou somente dois anos, no período compreendido entre 1957 e 1959. Antonio César Marra, sobrinho de César Mêmolo Jr., produtor, gerente e sócio da Lynxfilm, narra o desfecho da separação das duas empresas:

“Eu sei que o César e o Scatena brigaram feio e o Scatena abriu uma produtora, abriu a Prova Cinematográfica e o César abriu um estúdio de som chamado Sonotec, em que ele era sócio do 53

Humberto Marçal. Por lá passaram grandes maestros e grandes nomes como Téo de Barros, Sá, Rodrix e Guarabyra. A Sonotec era uma outra empresa separada da Lynx, foi o berço do pessoal todo do som. A Sonotec durou uns dez anos, mas ela não se atualizou, não renovou, não investiu e morreu de decadência tecnológica.” 9

A parceria com José Scatena levou a Lynxfilm a mudar-se para um edifício localizado à Rua Rego Freitas, mais adequado à nova configuração e às novas aspirações da empresa, ocupando ali dois andares. Porém, como o espaço ainda era insuficiente, foi necessário outro local, na Rua Teodoro Baima, para abrigar o estúdio de filmagem e o de animação. Foi no prédio da Rua Teodoro Baima que ocorreu um incidente, até hoje bastante lembrado, não somente pelos danos causados ao imóvel, mas pela sua consequência imediata, já que forçou a Lynxfilm a mudar de prédio. No dia do acidente, o trabalho que estava sendo realizado marcou, sobretudo, Marcello Tassara. O famoso filme de animação para a Fiat Lux que estava sendo produzido na ocasião era um desafio que tinha a direção de Roberto Santos e o animador Marcello Tassara como responsável pela façanha de animar os palitos, que saíam de uma caixa de fósforos, marchando em direção a um castelo construído inteiramente com as caixas. Era então o primeiro filme de animação utilizando a técnica de stop-motion no Brasil. Após muitos dias de trabalho sobre essa maquete, com quase tudo pronto para as filmagens, o teto desabou sobre o estúdio, porém, por uma grande sorte, o trabalho foi salvo por uma viga de madeira. Assim, a empresa transfere-se para um novo espaço, na Rua Major Sertório, onde funciona por aproximadamente dois anos e onde inaugura seu departamento de animação. Após o endereço da Rua Major Sertório a Lynxfilm instala-se, definitivamente, em 1962, no prédio da Rua Fortaleza, 168, como inquilina de uma produtora que possuía um grande laboratório de cinema preto e branco, a Divulgação Cinematográfica Bandeirante, de propriedade de Adhemar de Barros. Essa produtora foi responsável pela realização em São Paulo, do cinejornal Bandeirante da Tela entre os anos de 1949 e 1956, um cinejornal produzido principalmente para servir aos interesses do seu proprietário, o político Adhemar de Barros. O Bandeirante da Tela enaltecia as qualidades e benfeitorias realizadas por

9 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 145. 54

ele, em meio ao povo, exaltando seu caráter populista10. Pouco tempo após a mudança, ainda no mesmo ano de 1962, César Mêmolo Jr. comprou não somente o laboratório, como também o imóvel em que este estava instalado, o que deu à Lynxfilm uma mobilidade e uma rapidez operacional impressionante, um fundamental instrumento de agilidade, porque era a única produtora que possuía o seu próprio laboratório preto e branco. Antonio César Marra, relembra:

“Quando eu entrei na Lynx em 67, o César já tinha comprado o laboratório Divulgação Cinematográfica Bandeirante. Então, ele ficou no mercado com laboratório próprio até 1973, quando acabou a festa do preto e branco, entrou a televisão colorida e os clientes não queriam mais nada em preto e branco e o laboratório virou sucata. Nem o copião os clientes queriam mais em preto e branco. Aí, a Lynx desativou o laboratório e continuou com o prédio...” 11

E, se a Lynxfilm teve o seu crescimento inicial graças à ligação com a RGE, a autonomia técnica conquistada através da compra dos laboratórios foi de fundamental importância para a sua afirmação no mercado. De 1957 a 1970, o crescimento da empresa foi muito grande e nesse período transformou-se na maior produtora de filmes de publicidade da América Latina, graças a mais um fator que merece aqui ser destacado: o princípio econômico da empresa era aquele do reinvestimento. Todo o lucro conseguido com o trabalho era constantemente investido na compra e manutenção de equipamentos e de estrutura, o que garantiu a grandiosidade da empresa com relação ao número de funcionários, de equipes de produção, estúdios completos, autonomia das etapas e processos de produção com moviolas e laboratórios, e completo suprimento de equipamentos. Essa estratégia de funcionamento agregou à Lynxfilm nomes importantes do cinema e da publicidade daquele momento. Atento aos caminhos que, efetivamente, viabilizariam seu novo projeto, César Mêmolo Jr., para muitos que trabalharam com ele, direta ou indiretamente, foi alguém que soube extrair o melhor destes profissionais e das possibilidades reais de trabalho daquele período, como revela Galileu Garcia:

10 “Durante o governo Vargas (1951-54), um assunto da Agência Nacional era enxertado no Bandeirante da Tela, rendendo dinheiro para a produtora e mostrando a sintonia entre os dois líderes.” (Ramos e Miranda, 2000, p. 135) 11 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 144. 55

“O César queria montar uma produtora que fosse operante, mas ele não quis montar sozinho. Ele me chamou, chamou pessoas que tinham um bom prestígio público junto às agências de publicidade, porque o nosso nome era muito divulgado, então ele me convidou para dirigir filmes de publicidade. Ele estava estreando, não era o seu forte dirigir filmes de publicidade. Quando entrou na publicidade, ele entrou com o objetivo de ser o produtor, ele não tinha muito entusiasmo para dirigir, mas ele foi um grande produtor.” 12

Com sua vocação para agregar pessoas, a Lynxfilm também soube contar com o “capital” criativo de profissionais como Boni - José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – publicitário e diretor de criação que era o representante de José Scatena na Lynxfilm, a quem César Mêmolo Jr. reconhece muito do crescimento da sua produtora. Numa época em que as agências não sabiam fazer roteiros, Boni criava os roteiros e, entre muitas das outras novidades introduzidas na área de criação, foi também o precursor da assinatura nos filmes, que até então não existia. Boni foi um dos primeiros diretores de comerciais no Brasil13 e foi ainda o responsável pela criação dos inesquecíveis comerciais da Varig, um dos maiores clientes da Lynxfilm em sua primeira década de existência. Esses comerciais fizeram parte de uma série, toda realizada em animação e com jingles marcantes para uma inteira geração, criados por Archimedes Messina, compositor de jingles famosos para diversos outros filmes publicitários. Cada nova rota aérea inaugurada pela Varig merecia um novo filme, com um novo jingle, como, por exemplo, a canção Seu Cabral para a rota de Portugal e Urashima Taro, para os vôos ao Japão – sendo que o sucesso desses filmes acabou por transformar os jingles em marchinhas de carnaval14. Ainda a respeito da importância de Boni, César Mêmolo Jr. diz:

“... foi um impulso muito grande na Lynxfilm, a participação do Boni. Ele era chefe do departamento de rádio e televisão da Lintas, da Norton, da Multi Propaganda e se encantou com o projeto da Lynx e carreava uma quantidade grande de comerciais. Foi uma colaboração fundamental pra que a Lynxfilm pudesse continuar a crescer. Então houve uma época - de 57 a 60 - por aí, que a

12 Garcia, Galileu. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 167. 13 Segundo depoimento de Júlio Xavier, diretor de filmes publicitários, Boni criou pela agência Lintas o roteiro e dirigiu o filme para o desodorante Mum, um dos primeiros comerciais exibidos em televisão, tendo sido inclusive premiado. Trata-se de uma animação realizada por Ruy Perotti e produzida pela Lynxfilm. 14 Mattos, L. Autor de hits da Varig fala sobre derrocada da companhia piloto dos jingles. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 abr. 2006. Ilustrada. 56

produção de filmes em São Paulo, além do que era feito por free- lances, sem um esquema industrial, se dividia em duas produtoras: a Lynxfilm e a Jota Filmes.” 15

Muito provavelmente este contato com Boni consolidou no sócio majoritário da Lynxfilm a convicção de que a relação com a TV viabilizaria seu projeto e, quem sabe, os frutos seriam tão seguros que ainda lhe permitiriam voltar a fazer cinema, o que, de fato, acabou acontecendo. Mas, antes deste momento, a Lynxfilm acumulou muitos ganhos e César Mêmolo Jr. não perdia espaço, nem tempo para comemorar o sucesso do seu empreendimento:

“(...) eu tinha uma diversão na hora de ver os comerciais: quando eu assistia a TV, se entrava um filme da Lynx eu punha um palito de fósforo de um lado e quando entrava um comercial de outras produtoras, eu colocava um palito do outro lado, de maneira que em geral a Lynx ganhava de 10 a 8, 12 a 7.” 16

Junto a ele, outros colaboradores da Lynxfilm vivenciavam também os sucessos da produtora. Nesse caso, Antonio César Marra foi uma testemunha desse sucesso que culminou com importantes premiações:

“Em 1972, no Festival de Veneza (atual Festival de Cannes – na época, era realizado um ano em Veneza e outro ano em Cannes – depois passou a ser realizado somente em Cannes) a Lynx foi a 4ª melhor produtora do mundo em pontuação. Foi o ano em que a Lynx teve o melhor desempenho. E para representá-la estava lá o Chick Fowle e eu. Foi com a Almap que a Lynx ganhou a maior parte dos prêmios. Ela era a principal cliente da Lynx. (...) O Alex Periscinotto era o presidente da Almap.” 17

No entanto, mesmo com este reconhecimento fora do Brasil, César Mêmolo Jr. percebe que havia espaço para romper fronteiras internamente e busca ampliar o território de atuação de sua empresa. Responsável por tantas inovações inseridas no mercado de produção de filmes publicitários, a Lynxfilm foi também a primeira produtora a se expandir, montando e investindo em uma primeira filial, na cidade do Rio de Janeiro e numa segunda filial, em Porto Alegre. É novamente Antonio César Marra, primeiro gerente da Lynxfilm no Rio de Janeiro, quem narra o início de sua trajetória profissional, intimamente ligada à abertura da filial naquela

15 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 150. 16 Id., 2006, p. 150. 57

cidade:

“Quando eu me formei, fui fazer um estágio na Inglaterra em cinema, em produtoras de comerciais, (...) e aí quando eu voltei em 72 para o Brasil, me convidaram pra ser gerente da Lynx do Rio. Eu tinha 23 anos e fui abrir a filial do Rio de Janeiro, onde contratei 25 profissionais. Fiquei três anos no Rio e voltei para São Paulo. A Lynx já tinha um escritório no Rio de Janeiro, que fazia muito comercial, mas os clientes tinham que ir a São Paulo para produzir, por isso o César resolveu abrir a produtora também no Rio, onde eu fui ser o gerente. No Rio, a Lynx era uma produtora totalmente autônoma, com todos os equipamentos necessários.” 18

Junto com Antonio César Marra, Paulo Dantas é convidado para a filial carioca, como produtor, após um período na Lynxfilm de São Paulo. Em seu depoimento, acrescenta à história mais informações acerca da curta existência da Lynxfilm Rio de Janeiro e de seus posteriores desdobramentos:

“Depois de uns dois anos, houve uma inflação de salários na Lynx e ela não estava tendo condições de nos pagar, por isso houve uma proposta de venda para nós. Então o Antonio César voltou para a Lynx de São Paulo e eu tive a oportunidade de comprar a Lynx do Rio, junto com o Paulo Parente e abrimos a produtora 2P, no início dos anos 70, com os equipamentos e estúdios da Lynx. Assim, a Lynx do Rio foi fechada. Na verdade nós não compramos a Lynx, nós compramos o escritório deles. A 2P durou uns oito anos. Depois eu saí e resolvi montar a Moviart sozinho.” 19

Apesar da curta duração, foi também na filial do Rio de Janeiro que funcionou a primeira oficina responsável por formar a primeira turma de iluminadores da Rede Globo, sob a coordenação de Jorge Monclar, diretor de fotografia que prestou serviços para a Lynxfilm durante oito anos. Ainda no rastro das contribuições da produtora, a abertura da Lynxfilm em Porto Alegre foi um dos fatores que impulsionou, não somente a produção dos filmes de publicidade criados pelas agências locais, como também, posteriormente, impulsionou a produção do cinema gaúcho em geral, uma vez que para a filial do Rio Grande do Sul foram enviadas uma câmera e uma moviola, o que naquele

17 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 145. 18 Id., 2007, p. 143. 19 Dantas, Paulo. Entrevista [jan. 2009]. Apêndice, p. 196. 58

momento facilitou o esquema de produção dos filmes publicitários, que era realizada quase que exclusivamente em São Paulo, já que não havia nenhuma produtora naquela capital. Nesse sentido, o mérito é de Sady Scalante, que notando a necessidade de atendimento aos clientes do Rio Grande do Sul, devido à grande demanda por filmes publicitários, lutou para que se abrisse em Porto Alegre uma filial da sua produtora, da qual ele foi o gerente por diversos anos.

Iniciativas como a do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, no futuro seriam reconhecidas como grandes contribuições da produtora paulista ao desenvolvimento do cinema e, posteriormente, ao audiovisual brasileiro.

2.2. Ainda consequências e expansões: Documental e Magisom

No ano de 1962, por questões pessoais, Galileu Garcia desligou-se da sociedade da Lynxfilm à revelia de César Mêmolo, que sugeriu a ele, então, que criasse uma produtora de documentários, em que a Lynxfilm teria 50% de participação. Dedicar-se unicamente à produção de filmes documentários fazia parte dos sonhos dos cineastas vindos da experiência com o longa-metragem. Assim, Galileu Garcia comprou as instalações de uma empresa instalada na Rua Santo Amaro e criou a Documental e o que deveria ser somente uma produtora de documentários, acabou expandindo-se para a produção também de filmes publicitários, devido à grande procura pelas agências, pelo então famoso diretor Galileu Garcia. Da equipe de profissionais atuantes na produtora faziam parte o diretor Agostinho Martins Pereira, da Vera Cruz e o diretor de fotografia húngaro Ferenc Fekete. No ano de 1965 a Documental foi vendida para Madruga Duarte e Ari Fiadi.

Após a venda da Documental, mais uma vez Galileu Garcia se aventura em uma nova aposta empresarial, comprando em 1966 a Magisom, novamente em sociedade com a Lynxfilm. A Magisom era a produtora criada por Gilberto Martins, que diversificando sua atuação no campo da produção sonora, amplia a produtora, produzindo também imagem. Composta por estúdios de filmagem e estúdios de som, ambos localizados à Rua Barão de Itapetininga, a Magisom foi, posteriormente, transferida para o bairro de Pinheiros. Tendo durado somente quatro anos, a Magisom de Galileu Garcia foi vendida em 1970. A vida curta da produtora tem suas 59

explicações, dadas pelo seu proprietário:

“(...) Magisom foi uma das primeiras produtoras que tinha uma organização, que tinha equipamentos, tudo, do Gilberto Martins, que foi um dos melhores produtores de jingles do Brasil. Ele começou com jingles e depois esticou a firma para a produção de filmes. Ele era um criador genial de som (...). Eu comprei tudo dele, fiquei com os estúdios de som e de filmagem. Então eu estava famoso na publicidade. A Magisom fechou porque foi mal administrada, é difícil dirigir tudo sozinho, administrar uma empresa muito grande, mas fez uma belíssima carreira. E ela fazia filmes melhores do que a própria Lynx. Era uma concorrente da Lynx. A gente tinha uma diferença, porque a Lynx era dirigida por um produtor, com a visão de produção e a Magisom era uma empresa dirigida por um diretor. O César era um homem de negócios.” 20

Após a Magisom, Galileu Garcia, devido ao prestígio que seu nome havia alcançado até então, dedica-se a trabalhar somente como diretor free-lance, tendo sido o primeiro diretor free-lance de filmes publicitários no Brasil, chegando a dirigir vinte filmes em um mês.

3. Uma concorrente de peso: Jota Filmes

Até aproximadamente o final dos anos 60, a Lynxfilm dividiu o espaço no mercado publicitário com a produtora Jota Filmes, de John Waterhouse e Jacques Deheinzelin, ambos europeus e vindos também da extinta Vera Cruz. A sugestão do nome Jota Filmes partiu justamente de César Mêmolo Jr., ao observar que os parceiros na nova empresa possuíam a mesma letra como inicial dos seus nomes. Segundo documentos da Junta Comercial de São Paulo, a Jota Filmes foi registrada em 06/02/58 e começou a atuar como empresa em 09/04/58, porém, já funcionava informalmente há quase um ano, portanto, no mesmo período em que a Lynx também iniciava suas atividades. (Paes, 2002) Jacques Deheinzelin, francês, estudou cinema no IDHEC em Paris e formou-se diretor de fotografia. No curso do IDHEC conheceu o inglês John Waterhouse. Ambos vieram ao Brasil dois anos após o fim do curso, para trabalhar

20 Garcia, Galileu. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 168. 60

na Vera Cruz na equipe de técnicos europeus, a convite de Alberto Cavalcanti. John Waterhouse foi chamado para o trabalho, porém, dada a grande quantidade de profissionais ingleses já escalados, Cavalcanti pediu a ele que também chamasse seu colega francês, com o objetivo de diversificar a equipe. O reencontro no Brasil dos dois colegas de curso frutificou e deu origem, alguns anos mais tarde, à Jota Filmes. Aqui, Jacques Deheinzelin conta como foi o processo que o trouxe ao Brasil:

“Há pouco tempo fiquei sabendo que o (Alberto) Cavalcanti tinha amigos nesta firma publicitária na França onde eu fiz os meus primeiros filmes, e foi assim que ele ficou sabendo de mim, apostando num jovem inexperiente e me chamando para trabalhar com eles (na companhia Vera Cruz).” 21

Dos profissionais estrangeiros, Jacques Deheinzelin foi aquele que chegou primeiro à Vera Cruz. Apesar da sua inexperiência e pouca idade – tinha 22 anos quando chegou a São Paulo – assumiu a direção de fotografia em O Caiçara enquanto a produção do filme aguardava a chegada de Chick Fowle, o diretor de fotografia oficial da película, que ainda não tinha vindo da Inglaterra. Foi seu primeiro trabalho, mas na Companhia fez um pouco de tudo, passando por áreas distintas e funcionando como uma espécie de “coringa” - montagem, trucagem, fotografia, assistência de direção - num esquema de produção que era comum na Inglaterra àquela época e que Alberto Cavalcanti havia trazido: a segunda equipe, para cenas que não utilizavam todo o elenco. Segundo Jacques Deheinzelin, a idéia de Alberto Cavalcanti era repetir aqui a experiência da Escola de Documentário22 e começar na Vera Cruz a formar profissionais através do documentário, o que não se realizou porque não era a idéia de Franco Zampari. A permanência de Alberto Cavalcanti na Vera Cruz é curta. Logo após a estréia de Terra é sempre Terra (1951), sua segunda produção, Alberto Cavalcanti desentende-se com Carlo Zampari, diretor da empresa e irmão de Franco Zampari e abandona a Companhia, sendo seguido por John Waterhouse, que também se desliga da Companhia. Logo Jacques Deheinzelin também sai da Vera Cruz, mas

21 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 173. 22 Na Inglaterra, Alberto Cavalcanti, a convite de John Grierson fez parte da equipe do General Post Office Film Unit - GPO, que, apesar de seu caráter institucional, revoluciona o documentário. 61

não se desliga totalmente do cinema, realizando ainda alguns trabalhos para a Companhia Maristela e para a Multifilmes23 e caminhando, paralelamente, sobre outro eixo não menos importante para o cinema brasileiro:

“Eu saí da Vera Cruz e fui contratado por várias outras firmas, a Maristela, a Multifilmes e logo desmontou todo o sistema e eu fiquei desempregado. E passei a me interessar por aquilo que foi o mais importante na minha vida: a partir do meu desemprego eu quis entender o que era esse negócio de cinema e me dediquei a estudar o cinema sob o seu aspecto econômico. Isso fez com que eu me tornasse uma espécie de especialista em economia do cinema, eu fiz parte de comissões municipais, estaduais, eu me envolvi mais com essa parte.” 24

Com o fim da Vera Cruz e o desmonte do sistema cinematográfico da Companhia Maristela e da Multifilmes, Jacques e John viram-se diante do mesmo problema de César Mêmolo Jr.: a falta de oportunidades de trabalho na área cinematográfica. E assim, também pensaram em abrir uma produtora de filmes publicitários, principalmente porque John Waterhouse, que possuía mais experiência e contatos com o meio publicitário mundial na Shell, foi quem deu o “ponta-pé inicial”, facilitando a iniciativa no negócio. Antes da experiência no longa-metragem, proporcionada pelo trabalho na Vera Cruz, Jacques Deheinzelin participou em seu país de origem em três filmes publicitários e John Waterhouse teve alguma experiência na França, em filmes que tinham algo entre o documentário e a publicidade. Ou seja, de efetivo, pouco ou quase nada de experiência na linguagem do cinema publicitário ambos conheciam, repetindo, de certo modo, a situação de César Mêmolo Jr., no início da sua Lynxfilm. Na França, Jacques teve uma formação de “cultura de Cinemateca”, como ele mesmo diz, muito intelectualizada e mais ligada ao documentário, como era a tradição do IDHEC, que formava mais críticos e diretores. Em sua turma de quarenta alunos aspirantes à direção, Jacques era o único voltado à fotografia, tendo feito, portanto, a direção de fotografia de todos os filmes dirigidos por seus colegas de classe. John Waterhouse era mais ligado à idéia da comédia, do humor britânico, no

23 Jacques Deheinzelin fez a fotografia em dois filmes produzidos pela Multifilmes – O Amanhã Será Melhor (1952), com direção de Armando Couto e A Carrocinha (1955), dirigido por Agostinho Martins Pereira. (A Carrocinha foi rodado nos estúdios da Multifilmes, apesar de a produção ter sido realizada pela P.J.P. Filmes) 24 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 174. 62

estilo de Mr. Bean, que era um traço da cultura inglesa e essa característica era colocada na publicidade: a comédia a serviço de um estilo de publicidade. Mas aqui cabe um parêntese: alguns anos antes da abertura da Jota Filmes (em torno de 1954), a dupla Jacques e John fez uma breve passagem pela Musa Filmes, de Tito Battini - pequena produtora com parcos recursos, pois não possuía nem câmera nem moviola e produzia com equipamentos alugados - que realizava documentários comerciais de curta-metragem e cinejornais e por onde também passou o diretor de fotografia Juan Carlos Landini, que depois trabalharia na Jota Filmes, entre os anos de 1959 e aproximadamente o início de 1963 e que também faria parte, posteriormente, do quadro de fotógrafos da Lynxfilm. A Jota Filmes começou a operar, inicialmente, em um prédio desocupado no próprio conjunto da Vera Cruz, localizado à Rua Major Diogo, 307, no bairro do Bexiga, passando posteriormente para uma casa na Rua Veiga Filho em Higienópolis e depois, à medida que crescia, instalou-se na Avenida Francisco Matarazzo, 1009, em um prédio alugado de três andares, com um estúdio montado com fundo infinito, oficina e cerca de trinta funcionários, número relativamente grande para a época. O seu espaço físico era maior que aquele da Lynxfilm. Dentre os funcionários, dois diretores de filmes eram fixos e se revezavam com Jacques Deheinzelin, que também fazia direção. Outros profissionais que se tornariam grandes nomes junto ao filme publicitário e às produtoras, ou que abririam suas próprias produtoras, também passaram pela Jota Filmes, como por exemplo, Peter Overbeck, fotógrafo; o já citado fotógrafo Juan Carlos Landini; Lucio Braun, montador; Olivier Perroy, fotógrafo; Miguel Angelo dos Santos Costa, técnico de som direto; Fabio Perez, atendimento; Waldemar Lima, fotógrafo; Antonio Pólo Galante, eletricista25; Clemente , diretor; Ugo Giorgetti, diretor; Adolfo Paz Gonzales, fotógrafo, Sérgio Toffani, Paulo Pichi. Durante seus melhores anos, a Jota Filmes alcançou status como uma produtora mais sofisticada, praticando preços maiores que a concorrente Lynxfilm e, consequentemente, realizando menos filmes. A idéia da Jota Filmes era trabalhar com qualidade, sem muita preocupação com a quantidade produzida, o que é confirmado por Jacques Deheinzelin:

25 “Em 1957, Galante foi trabalhar como eletricista na Jota Filmes. Lá, começou o aprendizado de assistente de câmera, estreando na função no filme A Ilha, de Walter Hugo Khoury. Já conhecedor 63

“A Lynxfilm certamente produzia um número muito maior de filmes do que nós. (...) Talvez a Jota Filmes fosse maior porque tinha um prédio de três andares com os estúdios ao fundo, tinha oficinas. Mas com relação aos funcionários, a Lynx tinha maior número. Eles tinham muita gente no setor de animação e eu, neste setor, fazia uma co-produção através de um outro francês que tinha uma produtora de animação. Com relação ao faturamento, a Lynx também era maior, mas eu cobrava mais caro enquanto a Lynx prezava mais pela quantidade.” 26

Jacques Deheinzelin nunca teve um departamento de animação na sua produtora e entregava todo o trabalho dessa área ao seu conterrâneo, o animador francês Guy Boris Lebrun, que trabalhava praticamente sozinho em seu estúdio no bairro de Santo Amaro. Extremamente talentoso, foi responsável pela animação de comerciais que fizeram muito sucesso na época, como o marinheiro do arroz Brejeiro e os primeiros filmes da Mônica e Cebolinha para a Cica, os quais acabaram fazendo parte do repertório de produção da Jota Filmes, segundo informações de Daniel Messias. Vale ressaltar que a concorrência entre a Jota Filmes e a Lynxfilm sempre foi muito amigável porque, além da boa relação com César Mêmolo Jr., Jacques não gostava da idéia de competição, facilitando as coisas para ambos os lados, sempre que possível. Gini Deheinzelin pôde testemunhar essa relação:

“Se existia uma disputa entre a Lynx e a Jota Filmes, era muito mais porque o Jacques era mais charmoso e a Jota Filmes tinha uma atmosfera mais descontraída, as pessoas iam lá conversar, tomar um drinque. A marca do Jacques dentro do cinema publicitário era a introdução do conceito de cinema. Era um cinema extremamente sofisticado e de vanguarda. Acho que estava uns vinte anos à frente do seu tempo. O Jacques mudou a publicidade fazendo Brastemp, utilizando atores como o Jô Soares, a . Ele criava muito sobre as idéias da agência. (...) O Jacques fazia cinema porque estava no sangue e conseguiu agregar gente muito boa à sua volta. Ele tinha uma visão estritamente cinematográfica do negócio e não tinha nenhuma visão empresarial.” 27

das “coisas de cinema”, trabalhou na Documental, com Galileu Garcia, e depois, na Lynxfilm, na produção de filmes comerciais.” (Abreu, 2006, p.30) 26 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 176. 27 Deheinzelin, Gini. Entrevista [jun. 2007]. Apêndice, p. 171. 64

A repercussão causada pelos filmes realizados na Jota Filmes era relacionada ao prestígio que ela, naquele momento gozava, pelo fato de seus proprietários serem europeus. Mais ainda: europeus que já tinham passado pela Vera Cruz, além dos contatos de John Waterhouse com empresas internacionais, já que o meio publicitário era dominado por elas. Durante o período em que Jacques Deheinzelin esteve à frente da Jota Filmes, a empresa cresceu, ganhou o reconhecimento do setor e teve um saldo de aproximadamente mil filmes publicitários, na sua grande maioria para as agências J.W.Thompson e McCann Erickson, com uma clientela que era, principalmente, formada pela indústria automobilística – Volkswagen e General Motors – ou outras grandes empresas como Gessy Lever. No entanto, o crescimento e o prestígio da empresa não garantiram a satisfação e realização de um projeto de vida para seu proprietário, levando-o a uma situação de crise. Jacques Deheinzelin conclui que seu maior interesse é o cinema - e não a publicidade – e, mais ainda, a questão da economia do cinema, já que seu interesse estava centrado na problemática do governo em criar condições de desenvolver uma indústria de produção de filmes destinada às salas de cinema, tornando-se, assim, um especialista em legislação e economia do cinema. Essa constatação pessoal refletiu definitivamente em toda a configuração da Jota Filmes e, em certa medida, teve desdobramentos no contexto do ambiente de produção daquele momento: “(...) e vi que o meu negócio não era esse, então fiz uma espécie de desmembramento, propus criar várias firmas, peguei o meu pessoal e propus a eles criar várias firmas, alguns grupos nasceram lá e deram origem a empresas.”28 Dessas novas empresas criadas por Jacques Deheinzelin, a partir do desmembramento da Jota Filmes, saíram produtoras e profissionais, que foram, de certo modo, responsáveis pelo início do aumento no número de pequenas produtoras em São Paulo. Aquele teria sido então, um primeiro “criadouro” de produtoras, que também contavam à época, com um novo sistema que estava sendo ensaiado por Jacques: o de aluguel de equipamentos, proporcionando independência a essas pequenas produtoras, que poderiam funcionar sem que possuíssem, por exemplo, uma moviola própria29. Esse seria mais um marco no

28 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 177. 29 Depoimento de Claudio Meyer in: Sampaio, Rafael. Lynxfilm, 25 anos de pioneirismo – Uma panorâmica do cinema publicitário. Revista Propaganda, São Paulo, dez/1982. 65

desenvolvimento da produção audiovisual publicitária no Brasil – e, como veremos adiante, concorda com as reflexões que faz Ramos (1995): o nascimento de pequenas produtoras, que, somente contando com a estrutura de um escritório, é capaz de produzir seus filmes, através do aluguel de equipamentos e de serviços de terceiros. Assim, a produtora de Jacques e John teve vida curta em relação à Lynxfilm, devido a dois eventos: John Waterhouse, algum tempo depois da abertura da empresa retorna à Inglaterra, mantendo a sociedade à distância, deixando para Jacques todas as tarefas. E em 1970, Jacques Deheinzelin é chamado para ser o diretor do INC – Instituto Nacional do Cinema30, no Rio de Janeiro, passando a direção da Jota Filmes à sua ex-esposa, Gini Deheinzelin, nunca mais retornando à produtora, segundo seu relato:

“Em 1970 fui chamado pelo governo para ser diretor do INC e minha idéia era passar para o cinema educativo. Passei dois anos no Rio e durante essa época já tinha passado a propriedade da Jota Filmes para a minha ex-mulher que tocava o barco lá. Aí, quando fui para o governo, eu fui colocado numa comissão para regulamentar as profissões de artista e técnico de espetáculos em geral e me deram outra atribuição, que a era de regulamentar a televisão. Eu representava o ministério da Educação e aí, de repente, eu tive que analisar como andava a profissão e como ela iria se encaminhar. Revi toda a minha visão fechada sobre o cinema e entrei na televisão. Nessa comissão já dominava a Globo. Tive mais contatos com o pessoal da televisão. O Boni era o grande criador da Globo, que vinha da publicidade e eu comecei a pensar mais seriamente sobre o que era o audiovisual e isso me remetia ao problema da tecnologia. Ficou claro, pra mim, que gravar em película não tinha mais sentido e todo o meu equipamento era de cinema. E eu pensei: ou sigo o audiovisual, ou largo tudo. Então, larguei tudo, inclusive a família, porque eu não encontrei meios de sustentá-la. Passei a Jota Filmes para a minha ex-mulher, que ficou a titular da empresa e me afastei de tudo (...).” 31

Mas ainda Jacques Deheinzelin nos conta um pouco do caminho

30 O INC, criado em 1966, passa a ser a grande referência para os grupos cinematográficos que desde os anos 1950 lutavam por uma política específica para a área. Subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, incorporava o Geicine – Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica - e o INCE. Criado como um órgão legislador, fiscalizador, de fomento à produção, distribuição e exibição, além de proteção e incentivo - através de premiações - para as atividades cinematográficas, as políticas do INC formaram o cerne daquilo que viria a ser, a partir de 1969, a Embrafilme. Em 1975 o órgão foi extinto e suas atribuições passaram a ser exercidas unicamente pela Embrafilme. 66

percorrido, após deixar as atividades na Jota Filmes:

“Durante dez anos eu trabalhei como projetista de casas no litoral. Voltei pra São Paulo no começo dos anos 80 e o meu interesse era a criação da indústria do cinema no Brasil, uma coisa governamental. Em função disso, com meus ex-colegas eu criei uma associação, com várias leis, para criar condições de trabalho para a classe e me chamaram pra ser secretário executivo, o que me deu condições de vida. O que foi providencial é que nós implantamos um sistema de cobrança de cópias. Com tudo isso a área de audiovisual se profissionalizou.” 32

É fato que a saída de Jacques Deheinzelin e a divisão da produtora original em outras menores não encerra a carreira da empresa. Sob o comando de Gini Deheinzelin, a produtora seguiu realizando seus trabalhos até 1971, sendo amparada por Lucio Braun, Waldemar Lima e Fabio Perez, que faziam uma espécie de gerência técnica, segundo seu depoimento:

“Quando o Jacques saiu, a Jota Filmes passou a operar com Lucio Braun, montador, Waldemar Lima, fotógrafo e Fabio Perez, como braço direito dele - era como um triunvirato “chefiando” a minha “chefia” e foi complicado porque não havia da parte deles muito interesse. Era como se eles fossem interventores na empresa. E eu era a dona da empresa. Eu tinha interesse na empresa porque eu tinha filhos pra criar.” 33

Ainda em 1971, o cineasta torna-se o proprietário da produtora, onde escreveu, produziu, dirigiu e fotografou mais de cento e cinquenta filmes publicitários e institucionais até 1974, quando decide deixar a publicidade para se dedicar definitivamente ao longa-metragem. No momento em que Reichenbach tornava-se o diretor da “moda” na publicidade, a produtora é vendida, sendo anunciado assim o seu fim. O nome Jota Filmes não significaria mais nada no mercado de produção publicitária. Apesar disso Gini Deheinzelin ressalta a importância da empresa:

“O que importa na Jota é que ela mudou o conceito do filme publicitário, porque o grande problema do filme publicitário é que a agência de publicidade sempre achava que era ela quem fazia o filme. Mas quem fazia o filme era a produtora. A produtora ganhava

31 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice p. 177. 32 Id., 2006, p. 177-178. 67

uma miséria e a agência ganhava uma fortuna. (...) Realmente houve um esforço muito grande de qualidade, de inovação, de se fazer cinema e através do cinema, fazer publicidade. Isso é muito patente nos filmes da Jota. Ela fez escola. O Jacques ensinou muita gente, os grandes montadores de cinema saíram da mão dele.” 34

No entanto, apesar da vida curta, a Jota Filmes é viva na memória de todos que com ela contribuíram e um dos marcos na história do audiovisual paulista.

4. Inovações estéticas e de produção

A geração de César Mêmolo Jr., Jacques Deheinzelin e de todos os profissionais que trabalharam para consolidar a produção do filme comercial no Brasil - formada pelo cinema clássico de longa-metragem - foi responsável pela criação de uma estética publicitária para o novo mercado que nascia ao lado da televisão, absorvendo modelos estrangeiros por um lado e por outro, acrescentando com criatividade outros procedimentos que solucionariam os problemas ligados à produção e à estética daqueles filmes35. As produtoras foram importantes não apenas para a abertura de um novo mercado de trabalho, mas também para a própria evolução da linguagem do filme publicitário. O investimento na importação de equipamentos modernos para a captação e montagem dos filmes, possibilitava novas experimentações, como testemunha Roberto Santos, ao se referir à revolução de linguagem que implicou a importação de novos equipamentos no Brasil:

(...) E pra montar um filme, de repente surgiram as moviolas horizontais, trazidas pelas empresas de jingles (produtoras de publicidade), que triplicavam os recursos dos velhos olhos-de-boi, moviolas verticais da Vera Cruz (...) (Galvão,1981, p. 219)

A construção da linguagem publicitária audiovisual no Brasil teve como um dos seus primeiros modelos os filmes publicitários americanos que, na época, já

33 Deheinzelin, Gini. Entrevista [jun. 2007]. Apêndice, p. 171. 34 Id., 2007, p. 171-172. 35 O que se viu a seguir foram as gerações posteriores, que, ao contrário, se desenvolveram dentro da publicidade, absorvendo a cultura e a linguagem desse meio, superando a primeira geração e impondo-se então nesse mercado. 68

eram considerados como parte da melhor propaganda do mundo. Aos poucos, os profissionais brasileiros também foram buscar inspiração nos trabalhos da Inglaterra e Suécia, considerando que estas eram sociedades bastante desenvolvidas, econômica e socialmente. Mas, tais buscas não se resumiam ao modo de fazer. As questões que envolviam a auto-regulamentação, já tão presentes na Inglaterra e na Itália, também eram observadas pois, de certo modo, interferiam no processo de criação, como nos conta Roberto Duailibi:

“Os filmes ingleses entraram com um conceito muito interessante – a Inglaterra sempre teve um código de auto- regulamentação para evitar a mentira, os exageros e os ingleses sempre foram muito rigorosos com isso, os criadores tinham que encontrar o caminho dentro disso e fizeram muita coisa de bom gosto, que era o oposto do que se fazia na Itália. A Itália também tinha a regulamentação rigorosa, mas eles por lei exigiam que as propagandas na TV de concessão pública tivessem no seu conteúdo 70% de cultura e 30% de vendas. Então saía muita bobagem. Os ingleses faziam coisas mais refinadas, utilizavam muito o humor. A propaganda brasileira era muito séria, não tinha o humor, o riso. O riso veio com a observação de que os outros usavam o humor pra vender, o que foi uma descoberta importante.” 36

Os contatos com a publicidade estrangeira foram bem concretos: os publicitários brasileiros - ainda segundo Roberto Duailibi - através de amizades com profissionais norte-americanos, chegaram a receber rolos de filmes comerciais já produzidos em cor (porque lá a televisão já era colorida). Tais produções eram mostradas na Escola de Propaganda do Museu de Arte Moderna, o que causou, várias vezes, conflitos com os profissionais brasileiros:

“Nós começamos a mostrar na Escola de Propaganda (hoje Escola Superior de Propaganda e Marketing), em palestras que nós fazíamos, essa linguagem nova, diferenciada, do excessivo profissionalismo americano aplicado à linguagem do comercial e eu me lembro que em uma dessas palestras, ao final, o Mêmolo se mostrou bastante irritado com a gente e disse que nós ficávamos mostrando esses comerciais americanos e os anunciantes iriam querer esses comerciais sem querer pagar a mais por isso, que ninguém estava disposto a pagar mais para ter mais qualidade. À medida que a gente começava a fazer exigências maiores, tinha a

36 Duailibi, Roberto. Entrevista [set. 2006]. Apêndice, p. 214. 69

contrapartida do custo e isso ele já estava antecipando.” 37

Apesar da irritação do seu sócio majoritário, a Lynxfilm, que no início das suas produções trabalhava com poucos recursos e limitava-se a usar o fundo infinito, logo passa a considerar as vantagens dos modelos estrangeiros, sem impedir que as novas estratégias de produção, vindas dos melhores profissionais do mundo, fossem aqui experimentadas, conforme nos conta Galileu Garcia:

“A Lynx no começo fazia coisas muito simples, muito pobre. No início era tudo feito com fundo infinito. O fundo infinito foi uma etapa, um estilo de filme. Colocava-se o ator diante do fundo infinito e dizia- se que o fundo infinito era bom porque não causava nenhuma dispersão, melhorava a concentração. Isso era uma técnica que veio dos Estados Unidos. Quando as produtoras começaram a se organizar, a primeira coisa que construíam era o fundo infinito. A gente trabalhava no Brasil com muitas agências americanas, os rolos vinham da matriz americana. Punha um ator num fundo infinito e tinha que tirar todo o proveito do rosto dele porque a gente tinha o domínio da linguagem, do corte. E a gente introduziu no filme publicitário uma coisa que foi muito importante, a idéia de fazer um filme pra ser montado, já decupado na cabeça antes de filmar, uma coisa do longa-metragem.” 38

Mas, como se sabe, no Brasil, por mais que os profissionais da publicidade buscassem inspiração nos modelos estrangeiros, especialmente os norte-americanos, os padrões de produção no país permaneciam com as consequentes limitações que tal situação engendra. Galileu Garcia, por exemplo, destacou com ênfase a dificuldade que existia para que os clientes aceitassem atores nos comerciais que encomendavam, já que consideravam que estes profissionais, de certo modo, “contaminariam” os produtos divulgados, tornando-os ligados à imagem do ator.

“Esse era um problema que a gente tinha que enfrentar na publicidade: os atores. O cliente não aceitava ator porque achava que estaria muito ligado a outras idéias, a outras identificações e não ao produto. Aos poucos fomos forçando a barra, introduzindo os atores na publicidade, o que deu grande resultado. O fabuloso Eugenio Kusnet, diretor russo, por exemplo, fez um comercial com o

37 Id., 2006, p. 211. 38 Garcia, Galileu. Entrevista [ jun. 2006]. Apêndice, p. 169. 70

Julio Xavier - o do frade que viajava todo dia de Mercedes Benz, mas era o ônibus. Ele criou um personagem que ficou popularíssimo, muito famoso.” 39

E apesar das limitações, não podem ser excluídos alguns rastros extremamente criativos, como o uso do efeito de maquetes vindo do cinema inglês, segundo depoimento de Cyro del Nero, cenógrafo da produtora:

“O cinema inglês é o inventor do efeito de maquetes. O cinema inglês inventou, em virtude da sua miséria, da falta de dinheiro, o sistema de colocar uma figura num cenário em que ele não está, através de maquetes, não por corte digital. Colocava-se essa figurinha do tamanho que se queria, num grande estúdio, de tal maneira que lá longe ele entre numa maquete que está aqui junto da câmera. Então a maquete é muito grande, em frente da câmera, você grava a maquete e bota ele lá embaixo pra ficar pequenininho dentro da maquete. Naquele momento isso era um “ovo de colombo” que nós não conhecíamos e foi aí que eu aprendi, do ponto de vista cenográfico, muito a respeito de cinema com o Chick Fowle. (...) Cenários para comerciais eram coisas pequenas, em virtude dessa técnica do Chick de fazer coisas pequenas parecer coisas grandes. Então, cenografia tinha pouquíssima.” 40

Juntamente com as inovações e experimentações, as produtoras contavam também naquela época com uma autonomia de criação, para operar interferências nas propostas que chegavam das agências. E, mesmo com a televisão brasileira patinando ainda no preto e branco, a Lynxfilm passou a filmar em cores, conforme informação, novamente, de Roberto Duailibi:

“A própria Lynxfilm foi pioneira em filmar comerciais em cor para a televisão preto e branco, porque o resultado visual era melhor e quando ele era exibido em palestras e aulas ele ganhava uma dimensão nova, era um custo extra, mas era uma vantagem competitiva. Não se conseguia ainda a qualidade do casting americano, a qualidade da interpretação, do cenário, da iluminação, da montagem, tudo aquilo que tornava um comercial muito mais rico, porque aqui tudo ainda era filmado em estúdio, com limitações. Os americanos já filmavam nas grandes produtoras de Hollywood e Nova York, que tinham recursos muito mais ricos.” 41

39 Id., 2006, p. 169. 40 Del Nero, Cyro. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 196-197. 41 Duailibi, Roberto. Entrevista [set. 2006]. Apêndice, p. 211. 71

A publicidade brasileira de antes dos anos 1960 e apesar da presença da televisão, era ainda muito primária, pautada por uma concepção muito presa aos cânones do impresso. Mas também era com esses cânones da publicidade impressa que se aprendia e os resultados desse aprendizado eram praticados nos filmes, conforme depoimento de Jacques Deheinzelin:

“E apesar de eu não ter tido uma formação em publicidade, eu aprendia muito com os fotógrafos. As campanhas no Brasil eram feitas, primeiramente, pensando a publicidade para a imprensa. O diretor de arte contratava os fotógrafos, que tinham uma qualidade muito superior ao pessoal de cinema. Muitas vezes eu aprendia a fotografar modelos olhando a fotografia da campanha impressa. Primeiro se fazia toda a propaganda impressa e quando sobrava dinheiro se pensava no filme publicitário, o filme era a última coisa que se pensava numa campanha. Eu aprendi fazendo, mas olhando muito o lado da fotografia, que era extremamente mais sofisticada, tinha fotógrafos muito bons para a imprensa, que era muito mais bem remunerada do que o filme publicitário, que era o parente pobre. Não sobrava dinheiro para o filme publicitário.” 42

A partir da descoberta de uma nova forma de fazer publicidade para televisão, aos poucos esta realidade foi sendo alterada e, mais uma vez, a participação da Lynxfilm é ressaltada, segundo Júlio Xavier:

“O Alex (Periscinotto) trouxe, dos Estados Unidos, todo o estilo de criação da Volkswagen que era feita pela DDB, que fazia as campanhas da Volkswagen. E isso foi uma revolução de comunicação também nos Estados Unidos e no mundo inteiro. A partir daí, nos anos 60, os filmes da Volkswagen passaram a ter uma outra característica. Ao invés do filme que dizia: “um carro é isso ... com tantos cavalos de potência ...” - você tinha um carrinho, num fundo infinito com o texto: “o Volkswagen anda para a frente, sobe, desce, dá marcha à ré ...” e só. A locução não era gritada, uma direção de arte minimalista, sintético. Isso foi uma revolução no Brasil também. Esse filme foi uma produção da Lynx, com direção do Guga, o Carlos Augusto de Oliveira. Ele era o diretor da Alcântara Machado na época. Nem sei se é uma versão de um filme americano ou se foi criação do Brasil. A partir daí, da década de 60, do surgimento dos filmes da Volkswagen, a palavra de ordem passou a ser criatividade... “ 43

42 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai, 2006]. Apêndice, p. 175. 43 Xavier, Julio. Entrevista [nov. 2006]. Apêndice, p. 187-188. 72

Este reconhecimento da importância da Lynxfilm em termos econômicos, na formação de mão-de-obra e na configuração e consolidação do filme publicitário, além de sua parcela de contribuição para o cinema brasileiro44, está presente na totalidade dos depoimentos daqueles que mantiveram alguma relação com a produtora que teve, entre seus inúmeros clientes, algumas das maiores empresas instaladas no Brasil como Nestlé, Açúcar União, Lacta, Brinquedos Estrela, Varig, Rhodia, Shell, Esso, Volkswagen, Gessy Lever, Editora Abril, Petrobras, TV Globo, TV Excelsior, TV Tupi, além de trabalhos realizados para partidos políticos, personagens políticos, bancos, governos estaduais e governo federal, só para citar alguns exemplos.

5. A fase dos filmes de animação

Até aqui, fica clara a convicção de que a Lynxfilm interferiu, decisivamente, para um novo desenho estético e de estilo dos filmes publicitários brasileiros, tendo investido, inclusive, em novas formas de criação. Uma delas, que muito contribuiu para o seu sucesso, foi o uso da animação nos filmes. O departamento de animação da Lynxfilm foi responsável pela formação da primeira geração de animadores publicitários brasileiros, além de fundamental no sentido de torná-la conhecida no mercado e de fazer a história da animação no Brasil.

O sucesso do departamento de animação deve muito, segundo seus integrantes, ao profissionalismo e entusiasmo de Ruy Perotti. Além de desenhar bem e muito rapidamente – “Ruy era capaz de animar um filme inteiro em apenas um fim de semana, se o prazo assim o exigisse”, conta Daniel Messias – este autodidata que lia de tudo, de psicologia à magia negra, chegando, até mesmo, a se interessar por hipnose, o que rendeu diversas sessões entusiasmadas na Lynxfilm, tinha uma qualidade rara: respeitar a individualidade de seus parceiros, além de ser extremamente generoso na relação profissional. Mesmo quando passou a ser sócio da empresa, quando havia conflitos trabalhistas, Ruy Perotti tomava, quase sempre, o partido dos seus colegas de trabalho. Mas, é principalmente seu potencial criativo

44 Cf. Parte III Cap. 3: Lynxfilm, produtora de longa-metragem. 73

e a qualidade do que fez que rendem as melhores memórias em torno da sua participação na Lynxfilm: entre tantos personagens criados por ele, o que mais o notabilizou foi o Sujismundo (1972), símbolo de uma campanha do Governo Federal intitulada “Povo desenvolvido é povo limpo”, encomendada através da AERP45. Ainda criou inúmeras vinhetas para a TV Excelsior, para o Canal 9 e tornou célebres os filmes da Varig com os personagens em animação como o Seu Cabral ou o japonês Umashimataro. Marcello Tassara, apesar de reconhecer que chegou à produtora sem saber praticamente nada de animação do ponto de vista profissional – “...fiquei sabendo que a velocidade de projeção era de 24 fotogramas por segundo e isso, pra mim era já suficiente (...) o desenho animado, pra mim, deixou de ter segredos ...” 46 - , foi, junto com Ruy Perotti, Ely Barbosa e Daniel Messias, responsável por alguns dos mais importantes comerciais de animação no Brasil, e, sem dúvida, fez parte de uma equipe fundamental para o desenvolvimento da animação no Brasil. Marcello Tassara teve sua primeira formação em física pela USP e depois uma segunda formação em publicidade pela ESPM. Unindo-as a uma facilidade com o desenho, chegou à Lynxfilm justamente no momento em que Ruy Perotti estava criando o departamento de animação e necessitava de pessoal nessa área:

“Eu fui para a Lynx e aí eu conheci o Ruy Perotti, que estava criando o departamento de animação. Ele conhecia já a animação, mas não era um profundo conhecedor, era um aventureiro como todos os outros. Todos nós estávamos começando da estaca zero. Para dar um exemplo, na época a gente fazia desenhos em folhas de acetato que depois eram colocadas na mesa de animação e os desenhos, filmados. A perfuração convencional de animação era de três furos e como não tínhamos uma furadeira própria, que devia ser importada dos Estados Unidos, furávamos com furadeira comum de papel. Os celulóides eram limpos e reaproveitados, porque era caro. Era uma aventura.” 47

45 A Lynxfilm realizou muitos filmes para o governo federal e para diversos governos estaduais. Um desses clientes foi a AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República, criada pela ditadura militar em decreto de 15/01/1968, como parte da política governamental de desenvolvimento econômico e social, fundamental para a construção da imagem do Brasil durante aqueles anos sob a ditadura. Para a AERP, a produtora realizou os famosos filmes coloridos do Sujismundo, além de outros três: Combate ao Câncer, Acidentes de Trabalho e Simplório. (Informações obtidas a partir do catálogo de filmes produzidos pela Lynxfilm, que infelizmente, não contém indicação de data de produção ou dados sobre a direção). 46 Tassara, Marcello. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 192. 47 Id., 2006, p. 191. 74

Essa aventura, como já dito, teve outras companhias, como Daniel Messias, que, fazendo parte do grupo, acrescenta:

“No início de 1960, a Lynxfilm, então RGE Lynce Filmes, era uma pequena casa produtora de filmes publicitários para a televisão, à procura de técnicos em animação e pessoal de produção ao vivo. Eram tempos de pioneirismo e os animadores no Brasil podiam ser contados nos dedos. A Lynx tinha contratado dois deles, o Marcello Tassara, que viria a se especializar em filmes abstratos, animação gráfica e stop motion e o Ruy Perotti, carioca de Valença, grande desenhista, cartunista e que viria a ser diretor do recém-fundado departamento de animação da produtora. Ruy era um entusiasta da animação, desenhava com extrema rapidez e muita qualidade. Esperançoso em se juntar ao grupo que então se formava, mostrei meus desenhos a ele que me convidou a participar da equipe. Entrei na Lynx em abril de 1960 e saí em janeiro de 67.” 48

Daniel Messias começou a se interessar por animação apenas dois anos antes de se empregar na Lynxfilm. Desenhando relativamente bem, teve como professor o próprio pai, Messias de Mello, chargista e desenhista de quadrinhos e apaixonado por cinema. Tanto que, um dia, apareceu em casa com uma câmera 16mm Paillard Bolexque que filmava quadro a quadro. Encantado com o equipamento trazido pelo pai, fixou a câmera a um titulador e começou a brincar com desenhos que se alternavam. Um ano depois, junto com Ely Barbosa - outro interessado em animação que conhecera no Colégio Salete onde ambos estudaram - realizou o seu primeiro comercial animado dando o pontapé inicial a uma carreira que se estenderia por vários anos: um spot de 30 segundos que mostrava três leõezinhos muito populares na época porque formavam o logotipo da loja de departamento Três Leões. Já membro do departamento de animação da Lynxfilm, Daniel Messias, no trecho do depoimento que se segue, credita a Ruy Perotti a descoberta e valorização desta técnica que colaborou para que a produtora de César Mêmolo Jr. conquistasse lugar entre as melhores do mundo:

“É inquestionável a importância de Ruy Perotti como um pioneiro da animação publicitária brasileira. A seção de animação

48 Messias, Daniel. Entrevista [out. 2007]. Apêndice, p. 160. 75

daquela produtora (Lynx) nasceu de um sonho do Ruy. Não fosse a sua insistência, provavelmente não existiria aquele departamento. Os sócios majoritários daquela empresa eram homens de cinema ao vivo, com formação cinematográfica européia. César Mêmolo, fundador da Lynxfilm, acabara de chegar da Itália, onde havia feito um curso de cinema na Cinecittà. Sua paixão era o cinema ao vivo e até hoje suspeito que ele jamais gostou de animação. Ruy convenceu-o de que valia a pena fazer animação. Lá fora, a UPA explodia com Mister Magoo, Gerald Mc Boing Boing e outras coisas maravilhosas. Na então Iugoslávia, Zagreb criava uma escola de animação que revolucionaria a sua estética. César cedeu aos argumentos de Ruy e se convenceu de que essa era a hora de criar um departamento exclusivo voltado à produção de animação.” 49

A animação foi, portanto, um dos pilares do sucesso da Lynxfilm e este reconhecimento deu fôlego ao novo departamento que conquistou, realmente, um espaço próprio, em 1962, ao mudar-se para as amplas instalações da Rua Fortaleza. Mais uma vez, é Daniel Messias quem narra o período:

“O mercado de animação publicitária começou a crescer rapidamente devido à substituição do comercial importado e a sala da Major Sertório ficou pequena. Em 62, mudávamos para uma casa ampla na Rua Fortaleza, 168, que seria a sede da produtora até o fim. Os departamentos de animação e filmagem ao vivo foram acomodados na mesma casa. Uma grande sala fora transformada em estúdio, onde eram filmados os comerciais ao vivo. A essa altura, César Mêmolo e seu novo sócio, o inglês Chick Fowle já consideravam a animação um sucesso e passaram a investir na ampliação do pessoal e em equipamentos importados. A produtora foi a pioneira em trazer equipamentos usados nos EUA, como câmeras de filmagem, discos de animação, furadoras e tintas especiais. Já contávamos, então, com dois letristas, dois camera- man, um grupo de moças responsável pela arte final em acetatos, dois cenaristas e mais a equipe de seis animadores, que crescera também com o grupo.” 50

O crescimento da produtora refletia e alimentava o departamento de animação que começou a acumular, também, peças extremamente criativas, apesar dos limites técnicos da época quando comparados às facilidades que se têm hoje graças à computação gráfica, como é contado por Marcello Tassara, a respeito de seu primeiro trabalho com animação:

49 Id. 2007, p. 161-162. 76

“O primeiro filme de animação publicitário que realizei foi pra Varig. Eram umas figuras abstratas, figuras geométricas que giravam, era um teaser pro lançamento da Ponte Aérea. Eu trabalhei na Lynx com animação durante todo o tempo. Eu fiz vários outros filmes da Varig também porque o Boni trabalhava com a gente e ele fazia roteiros. E um outro rapaz, desenhista, o Agnelli, fazia os storyboards. E o Boni tinha um contato com a Varig e conseguiu muitos filmes.” 51

A este primeiro trabalho, Marcello Tassara logo somou outros e a troca com os profissionais consolidava o departamento como um dos espaços mais criativos da produtora. A equipe, formada inicialmente por Marcello Tassara, Ruy Perotti, Ely Barbosa e Daniel Messias, acumulou nos dois primeiros anos, praticamente todas as funções da animação com muita versatilidade - ou seja, fazia os cenários, os storyboards e também colaborava nas filmagens. Mas pouco a pouco teve que acrescentar novos integrantes responsáveis pela arte final que, naquele momento, era feita diretamente no acetato. Para entender melhor como funcionava esta produção que qualificou a produtora de César Mêmolo Jr., é preciso lembrar que, apesar de muitos dos roteiros já virem prontos das agências de publicidade, a maioria dos clientes confiava nos profissionais da produtora, abrindo espaço para que estes criassem personagens para os filmes que, quase sempre, iam parar nas campanhas impressas. Era, portanto, um trabalho exaustivo, quase que exclusivamente realizado pela equipe que só reconheceu a necessidade de incorporar assistentes após muita insistência de Daniel Messias. Esta mudança trouxe algum alívio pois os novos funcionários passaram a ser responsáveis por transferir os desenhos para as folhas de acetato enquanto o cenarista – outra nova figura – pintava os cenários. Assim, os acetatos com os cenários eram filmados em uma câmera especial importada por César Mêmolo. Todo o processamento – negativo, copiões e cópias em 16 mm - era realizado no próprio laboratório da produtora, instalado no andar térreo do prédio. Nenhuma etapa da produção visual era terceirizada pela Lynxfilm, exceto a parte sonora, que era entregue aos cuidados de um estúdio de som, em geral, a empresa RGE. Todas estas etapas de produção eram sempre acompanhadas pelo animador. O departamento, aos poucos, passou a ser um dos mais bem servidos de

50 Ibid., 2007, p. 162. 77

funcionários, contando com mais empregados do que a “seção ao vivo”, o que gerava cobrança para que o trabalho ganhasse agilidade, pois a relação custo- benefício apontava para um lucro menor quando o comercial era uma animação, dado o fato de que era um trabalho artesanal e lento, segundo Daniel Messias:

“(...) pela natureza do processo, lento e artesanal, a produção era quantitativamente menor. Portanto, menos lucrativa também. Muitos dos filmes com atores não demandavam mais que uma semana e muitas vezes até menos que isso, para serem produzidos, enquanto a feitura de um simples comercial animado de 30 segundos se arrastava por quase um mês. Isso refletia no status e salário dos técnicos do setor ao vivo, que recebiam melhores salários e tratavam o nosso grupo com um certo desdém. Na realidade, essa atitude preconceituosa refletia a idéia geral que se tinha do nosso trabalho. Para o leigo, éramos um bando esquisito cuja ocupação lúdica era ficar rabiscando desenhos o dia todo... e ainda ganhávamos para isso!” 52

Por ironia, no entanto, a pouca valorização dos comerciais de animação acabou por garantir-lhe uma maior sobrevivência já que seu preço mais barato atraía os clientes que não estavam dispostos a grandes investimentos em uma forma de fazer publicidade ainda sem retorno garantido, como foi a publicidade da televisão dos primeiros anos. Marcello Tassara relembra um dos seus maiores desafios, em sua segunda animação - e dos resultados dessa experiência de trocas de conhecimento que aconteciam com frequência na produtora - quando da realização do trabalho para a Fiat Lux, já mencionado anteriormente:

“Apareceu esse desafio que alguém da Fiat Lux propôs, de fazer os palitos de fósforo andando. Esse filme dos palitos de fósforo foi o segundo de animação que eu fiz. Nessa época eu fiquei muito amigo do Roberto Santos. Eu ainda não tinha muita noção de narrativa cinematográfica e foi o Roberto que comigo desenvolveu todo o roteiro. Fizemos a decupagem do roteiro e eu aprendi com ele o que era uma decupagem de roteiro, mas a técnica de realização fui eu que desenvolvi. Depois o Roberto acompanhou a montagem desse filme e eu aprendi montagem. O Roberto aprendeu comigo um pouco de animação e eu aprendi a fazer direção de montagem com ele, nesse espírito em que todo mundo estava aprendendo tudo junto. E tinha excelentes professores que já tinham experiência

51 Tassara, Marcello. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 192. 52 Messias, Daniel. Entrevista [out. 2007]. Apêndice, p. 163. 78

também, como o Chick Fowle, com quem eu aprendi a fazer trucagem.” 53

No entanto, no mundo da publicidade, a renovação costuma ser uma palavra-chave e esta, logo, também atingiu a produtora, como lembra Cyro del Nero: “Antes de 1960 a Lynx ficou conhecida e era sinônimo de uma produtora de animação para comerciais. Depois ela passou a fazer os comerciais filmados, porque mudou a estética e a animação ficou uma coisa velha”.54 Com o desenvolvimento dos efeitos mecânicos especiais e das tecnologias de trucagem, os desenhos animados perderam o seu posto exclusivo. A trucagem permitia colocar em prática as idéias ainda mais fantásticas que saíam das mesas das duplas de criação, mas nesse ponto, o departamento de animação da Lynxfilm começaria a se tornar cada vez mais inativo, deixando tão somente boas lembranças.

6. Mudanças de relações e o declínio anunciado

O mundo flutuante da publicidade logo mostraria sua face às promissoras e bem-sucedidas Lynxfilm e Jota Filmes. Por um lado, para personagens que vieram do cinema e tinham, de certo modo, críticas à publicidade na mesma medida em que gostariam de estar contribuindo para o desenvolvimento da indústria cinematográfica do país, a chegada ao topo acabava por provocar muitos questionamentos, que podem ser observados no relato de Jacques Deheinzelin:

“Quando a área se profissionalizou tudo complicou muito, porque ao invés de usar o meu banheiro eu tive que construir cenários, com marcenaria, cenógrafos, estúdio. A solução que foi dada é que se dividia a receita da produtora em duas partes, uma era a produção e outra eram as cópias. O número de cópias era muito grande e a demanda foi crescendo muito, nós tínhamos muitos cinemas, e era necessário muitas cópias também para televisão. As cópias que eram exibidas em projetores muito ruins se riscavam e tinham que ser trocadas, então a receita verdadeira vinha das cópias. E para isso precisava criar um preço de cópias que fosse aplicado para todo mundo. Aí foi o meu trabalho de criar uma associação,

53 Tassara, Marcello. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 192. 54 Del Nero, Cyro. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 157. 79

fazer acordo com todo mundo para criar um preço de cópias. A minha relação com o filme publicitário estava muito ligada a isso, porque precisava criar uma legislação que desse suporte, defender o preço das cópias pelo direito autoral e outra coisa era a defesa do comercial estrangeiro, que era dublado e era uma enorme ameaça. Houve períodos em que a coisa balançava. Foi feita uma legislação tentando proibir e o meu papel nos últimos anos foi defender tudo isso.” 55

A fragilidade da relação com o universo da publicidade e o forte vínculo com o cinema, portanto, explica um pouco dos futuros caminhos percorridos pelos personagens que protagonizaram o cenário do cinema paulista de 1950 a 1980, sendo que vários continuam em primeiro plano até hoje, em uma ou outra área, conforme redescobriram, ou não, suas vocações. Não se pode, porém, creditar todas as iniciativas de rompimento com o meio publicitário dos personagens aqui envolvidos somente à marca da ausência de dinheiro. Na medida em que se destacavam em seu meio profissional, recebiam propostas, como aquela feita a Jacques Deheinzelin, convidado a assumir a direção do INC, Instituto Nacional do Cinema, em 1970, onde encontrou então, uma saída para a crise que estava vivendo. A evolução tecnológica citada por Jacques Deheinzelin também já fizera seu estrago, na própria Lynxfilm. Após o advento da televisão colorida, em 1973, o mercado começou a pulverizar-se e surgiram outras produtoras com uma nova visão de trabalho, o que acarretou sérias consequências para a produtora, como exemplificado no depoimento de Antonio César Marra:

“Na época do preto e branco a gente fazia em torno de 80 comerciais por mês, depois essa média caiu para 40 na fase do colorido e aí a produtora foi envelhecendo, por culpa dos sócios, que não tiveram a mentalidade de acompanhar a evolução tecnológica e aí eu fiquei um tempo tomando conta da montagem, voltei pra área comercial e me tornei sócio em 81. O patrimônio da produtora era muito grande, então eles relutaram muito em me dar a sociedade, mas eu tinha clientes muito importantes que justificavam a minha entrada como sócio.” 56

Nesse cenário de rápidas mudanças, os desdobramentos da qualificação tecnológica também interferiam na forma de produzir. Uma mudança significativa

55 Deheinzelin, Jacques. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 178. 80

neste sentido foi o crescimento da importância dos diretores dos filmes publicitários, consequência, principalmente, da mudança de funcionamento das agências que, a partir do exemplo importado pela Alcântara Machado, passaram a unificar os departamentos que antes funcionavam separadamente. Assim, o profissional de RTV (Rádio e Televisão), que além de cuidar do orçamento e produções dos filmes também era responsável pela criação foi, de certo modo, substituído por um profissional que passava a pensar toda a criação, incluindo a produção de material impresso. Na verdade, esse profissional dividia-se em dois, isto é, as duplas de criação que existem até hoje nas agências, e que são formadas por um diretor de arte e um redator que criam para todos os meios de comunicação. Mas o novo modelo, naquele momento, passou a ser questionado pelos clientes que se perguntavam do por que pagar, além de 10% de produção, mais 20% sobre mídia e, ainda, pagar o diretor, que era um funcionário da empresa. Tal interrogação teve, como um dos resultados, o fato de os diretores passarem a atuar como free-lance ou terem que abrir a sua própria produtora ou passarem a pertencer a uma. Ou seja, a primeira reação diante das mudanças fez com que a velha fórmula empregada também pela Lynxfilm, voltasse. Porém, a “lua-de-mel” com o antigo formato dura pouco. Logo, a dupla de criação passa a ditar as regras do processo. É uma nova geração que detém, relativamente, as rédeas das agências. E os anos 1980 começam incorporando o cachê de diretor para cada filme realizado. Em outras palavras, ele deixa de ter um salário fixo e passa a receber por trabalho. Tal solução, se de um lado aponta para a instabilidade profissional, de outro aumenta o valor do trabalho dos diretores de sucesso, pois a dupla de criação passa, também, a indicar seus preferidos, a exigir determinados profissionais que, quase sempre, já não estavam incorporados às produtoras. Estas, tentando se proteger, procuram os diretores mais requisitados passando a contratá-los por um salário, também, muito mais alto. Como a Lynxfilm era uma produtora que teve seu início vinculado a diretores que vinham da Vera Cruz, ou seja, da área de longa-metragem, a falta de experiência e a pouca afinidade com a linguagem publicitária também provocou situações de conflitos e não impediu que a produtora de César Mêmolo Jr. participasse deste cenário de mudanças que marcaram a publicidade de 1960 a

56 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 144. 81

1980. As produtoras passaram a trabalhar sob as vistas dos profissionais das agências que, de certo modo, funcionavam como produtores executivos que fiscalizavam o trabalho do diretor da produtora. E a Lynxfilm, apesar das boas relações que sempre manteve com as agências, não escapou desta relação que gerou, não poucas vezes, alguns conflitos, como atesta Julio Xavier:

“A gente entrava na produtora e ficava quase como um produtor executivo fiscalizando o que o diretor da Lynxfilm fazia. Isso depois de algum tempo começou a gerar conflito, porque antes de rodar o diretor enquadrava, colocava a câmera, nos chamava, nós olhávamos e dizíamos, “não, não está muito bom, baixa a câmera; não, está muito longe; não, troca a lente.” Isso começou a desautorizar os diretores da Lynx, porque na realidade você estava dirigindo o diretor que estava dirigindo um filme e criou um conflito de operação dentro da empresa. O mérito da co-direção era nosso também, isso chegou a um ponto que os diretores da empresa começaram a se rebelar. E durante uma época foi proibido aos diretores das agências ficar nas produtoras.” 57

A solução encontrada, no entanto, foi um paliativo que não durou muito. As empresas, acostumadas a se organizar através de seus produtores, não assimilaram rapidamente a mudança - entre elas, a própria Lynxfilm - refém de um modelo que já se colocava, em poucos anos, como superado, como observam Antonio César Marra e Jeremias Moreira, respectivamente:

“Com o advento dos diretores a Lynx ficou mais uma produtora de estrutura porque não investiu suficientemente em grandes diretores. Se ela tivesse dado a participação a alguns diretores como, por exemplo, à Flávia Moraes ou ao Julio Xavier, se ela tivesse tido a visão de marketing correta na época, teria sido diferente. Seria a forma de perenizar a Lynx, mas ela não investia suficientemente nos seus talentos. As produtoras deixaram de ser dos produtores e passaram a ser dos diretores. Isso foi uma virada muito grande no conceito de produção. O importante hoje é – quem vai dirigir? (...) O negócio publicitário foi gradativamente passando de uma atividade de produtor para uma atividade de diretor. Hoje, o critério preponderante para uma agência, na hora da escolha de uma produtora é o diretor, o diretor é a estrela. A agência hoje “compra” um diretor, o diretor da “moda”.” 58

57 Xavier, Julio. Entrevista [nov. 2006]. Apêndice, p. 183-184. 58 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 145-146. 82

“Eu acho que faltou visão pro pessoal da Lynx, tinha um desperdício na hora de finalizar, na hora da trucagem e do som. Com relação ao vídeo eu também acho que faltou visão. O César Mêmolo, no auge da Lynx, tinha boas relações com os donos das agências. Mas a publicidade é muito dinâmica, está em constante modificação, as coisas mudaram e a partir de um determinado momento, quem passou a dar as regras dentro da agência era o pessoal de criação, uma outra geração. E esse pessoal foi para um outro lado.” 59

Este outro lado, destacado por Jeremias Moreira, foi um movimento dos diretores rumo a outras produtoras que permitissem que eles dirigissem. Deste modo, diversos publicitários localizados no departamento de criação da agência, passaram, também, à direção dos filmes que criavam. Enquanto isso a Lynxfilm seguia acumulando, muitas vezes, papel de produtora e também de agência, como fazia em relação a um de seus clientes, a Varig. Este modelo era bastante criticado pelo meio, como nos explica Julio Xavier:

“Tinha uma gíria para isso, na época, que se chamava “cupincha”. Eu trabalhava para a Denison Propaganda e para a Alcântara Machado, mas criava por baixo do pano, de forma secreta para outras agências e para outros clientes que não tinham agência, clientes diretos. E aí tinha um time de diretores e criadores que criavam para que a Lynx pudesse vender para clientes que não tinham agência. No início a publicidade era ainda muito incipiente. Depois disso é que se desenvolveu o código de regulamentação, surgiu o conceito de mídia e tudo foi sendo organizado a respeito disso.” 60

Este acúmulo de problemas, somados à pouca agilidade para se compreender que a publicidade, naquele momento, já alterara muito das suas formas de realização, contribuíram, significativamente, para o declínio daquela que fora, até os anos 80, a maior produtora de filmes comercias no Brasil, segundo palavras do seu criador, César Mêmolo Jr.:

“A partir de 1980 começaram a surgir muitas pequenas produtoras. Cada diretor de cinema de sucesso abria a sua própria produtora e a Lynx começou a ter um declínio na sua produção. De 80 a 100 filmes por mês, em 1987 estávamos produzindo 20 a 25

59 Moreira, Jeremias. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 181. 60 Xavier, Julio. Entrevista [nov. 2006]. Apêndice, p. 184. 83

filmes por mês, com uma estrutura muito grande, eu achei que era o momento de parar e eu sou muito cabalístico nessas coisas: 30 anos de Lynxfilm produzindo comercias, em 87 eu parei. Mas aí eu não sabia o que fazer com todo o equipamento que eu tinha, câmeras, refletores, quatro mesas para filmar desenho animado, cabos e os dois estúdios que eu tinha. Eu não vi outra alternativa, senão a de transformar a Lynx em uma locadora de equipamentos. Então eu parei a produção, desmontei a estrutura da equipe, fiquei somente com 15 funcionários e me transformei em uma locadora de equipamentos. Isso durou 10 anos, porque no início a locadora de equipamentos era rentável, mas a cada ano que passava o meu equipamento ia ficando mais obsoleto, as pessoas queriam equipamentos mais modernos. Fui levando isso até achar que em 1997 era o momento de parar com a locadora. Parei como locadora. Vendi os equipamentos e a partir daí comecei somente a alugar os estúdios e dispensei todos os funcionários.” 61

Para reforçar estas observações, encontramos no trabalho de Ortiz Ramos (1995) mais informações que ajudam a explicar as transformações por que passava o meio das produtoras publicitárias. Em 1965, havia apenas 20 produtoras em São Paulo, disputando um mercado de 60 a 80 filmes publicitários por mês. Em 1975, dez anos depois, já eram 60 produtoras no país, e nos anos 1980, 150 produtoras em todo o Brasil, sendo 70 a 80% concentradas na cidade de São Paulo. Naquele que se poderia chamar de período de formação da produção do filme publicitário, houve um modelo de produtora, seguido pela Lynxfilm e pela Jota Filmes, que era decorrente das dificuldades e fragilidades vistas e vividas pelos seus proprietários, naquilo que se pretendia ser o cinema brasileiro industrial, com a falta de estúdios, equipamentos e pessoal. Nesse sentido, tanto César Mêmolo Jr. quanto Jacques Deheinzelin buscaram, através de investimentos em suas empresas, suprir aquelas deficiências com uma estrutura dotada de estúdios, equipamentos e equipes que pudessem sempre prontamente atender às mais variadas necessidades do mercado, de maneira independente. Esse modelo então adotado, ao qual Ramos (1995) dá o nome de “produtora integrada”, era necessário àquela época no Brasil, ao contrário dos países de tradição cinematográfica, em que o filme publicitário poderia se valer da base industrial da produção de longa- metragem. A partir dos anos 1970, com a modernização televisiva e a chegada da

61 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 154. 84

cor, ocorre um fenômeno de proliferação de pequenas produtoras baseadas na ênfase à qualidade artesanal dos seus produtos, produtoras estas “que poderiam ser chamadas de butiques” (Ramos, 1995, p.75), mas sempre dependentes de estúdios e equipamentos alugados, em contraponto às produtoras de grandes proporções. Isso é lembrado por César Mêmolo Jr. e apontado como um fator decisivo para o abalo de seu prestígio:

“Mas a partir de 1980 houve uma campanha muito grande contra a Lynxfilm: todas as pequenas produtoras que vendiam seu trabalho para as agências alegavam que o trabalho que elas ofereciam era artesanal e que a Lynx era uma fábrica. Então, essa campanha fez com que o nome da Lynx desse uma balançada e muitas das agências não queriam trabalhar com a Lynx porque as agências consideravam que a Lynx era uma fábrica e não um negócio artesanal, um negócio criativo. E isso era mais ou menos nos anos 80. (...) A partir de 1980, eu não quis entrar na era do vídeo - estava acontecendo uma transformação com a chegada do vídeo - porque fui toda a vida um homem de cinema e eu não entrei nessa.” 62

A essa avaliação vem somar-se outra, não menos crítica, de Paulo Dantas, ex-gerente da Lynxfilm do Rio de Janeiro, produtor e hoje proprietário da Movie&Art, sobre um dos possíveis motivos do encerramento das atividades da Lynxfilm:

“Não tinha sentido a Lynx fechar. Eu acho que não foi o problema do vídeo que fez a Lynx fechar, nem a questão dos equipamentos obsoletos, mas acho que faltou vontade das pessoas de continuar. Na verdade muitas pessoas foram saindo. Porque equipamento, compra-se outro. Acho que o vídeo estourou e fez a O2 acontecer, porque ela levou a qualidade ao vídeo. Acho que faltou a liderança do Antonio César, para tocar a Lynx. Eu comprei, em várias, fases equipamentos da Lynx para a Movie&Art e eu tenho até hoje aqui na minha produtora esses equipamentos, que estão funcionando. Essa é a vantagem do cinema em relação ao vídeo, os equipamentos de cinema duram.” 63

62 Id., 2006, p. 153-154/151-152. 63 Dantas, Paulo. Entrevista [jan. 2009]. Apêndice, p. 197. 85

7. Contribuições fundamentais em 30 anos de trajetória

Importantes pelo profissionalismo, pela abertura de um novo mercado de trabalho, mas, também, para a própria evolução da linguagem do cinema brasileiro, este diagnóstico também deve ser incorporado a qualquer análise que se faça do papel das produtoras de filmes publicitários no Brasil, atuantes a partir do final dos anos 1950. Entre tantas justificativas, as produtoras permitiram o ingresso de muitos profissionais no novo veículo, a televisão, e também na própria continuidade, ou, sobrevivência, do cinema brasileiro. É com nostalgia que Jeremias Moreira fala sobre a produtora:

“O que eu tenho pra dizer com muita saudade é que a Lynxfilm era uma verdadeira escola de cinema: tudo era multiplicado por cinco, tinha cinco equipes, cinco moviolas, cinco câmeras, filmava-se todos os dias, era muito grande o volume de trabalho. Vários fotógrafos se formaram na Lynx com o Chick e a forma como o Chick lidava com eles era impressionante; o cuidado com o equipamento ... era impressionante como as coisas funcionavam por lá, era uma perfeição. E as pessoas se formavam, começavam como assistentes e depois passavam por todas as outras funções.” 64

A ausência de uma significativa produção cinematográfica que estimulasse a Lynxfilm a se movimentar no sentido de ampliar uma hegemonia cultural, que tinha na expansão da televisão e do consumo seu principal elemento, multiplicou-se, de algum modo, mesmo quando ela já não ocupava o primeiro plano no cenário do mundo da publicidade. Plácido Campos Jr. faz sua análise nesse sentido:

“Antes, o que se tinha era uma propaganda feita pelo pessoal que fazia cinejornal. É da Vera Cruz de onde saem as pessoas com uma qualificação técnica e estética suficientemente bem elaborada e diferenciada pra começar esse ciclo do cinema publicitário brasileiro: Galileu Garcia, Agostinho Martins Pereira. Enquanto eles estavam aprendendo na prática na Vera Cruz, o Mêmolo estava estudando com o Rossellini. (...) E ele monta a Lynx, no início uma estrutura pequena, que não recusa nada, que faz desde trabalhos no estilo “varejão”, filmes simples, baratos, rápidos, até filmes mais sofisticados para a indústria automobilística, por exemplo, que era o top do orçamento. No contexto da Lynx que estava crescendo, as

64 Moreira, Jeremias. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 180. 86

primeiras agências de publicidade McCann, Almap, Salles, de certa maneira promoviam a viabilização do cinema publicitário e encerram a possibilidade de uma estrutura específica de produção tipo Lynx, que será a primeira grande. É no início dos anos 80 que aquele modo de fazer filmes publicitários da Lynx começa a sofrer a concorrência de outras jovens produtoras, de um pessoal mais novo, com uma postura mais agressiva. Esse mercado vende, como valor agregado, a novidade.” 65

A novidade chegou ao mundo da publicidade brasileira, mas é inegável que a história das produtoras já estava tecida, esperando ser narrada, recuperada. Uma história que perpassa, também, o percurso do cinema brasileiro, na medida em que, primeiro, como se viu, absorve boa parte dos profissionais que naquele período estavam momentaneamente desempregados na área e, segundo, porque ao mesmo tempo, serve como “escola” para outros novos talentos que logo construiriam uma carreira cinematográfica. Conhecer a Lynxfilm e viver um clima maravilhoso, proporcionado pela segurança de um negócio que dava certo e era realizado entre amigos. Essa é a memória do cenógrafo oficial da produtora, Cyro Del Nero, que lá prestou seus serviços no período compreendido entre 1960 e 1969, tendo a possibilidade de conviver por muito tempo com Chick Fowle, estabelecendo parcerias de criação e nutrindo por ele uma grande admiração: “Havia uma segurança que todos respiravam. Os funcionários eram extremamente dedicados e humildes... O local de encontro dos amigos era o bar da esquina (...)”.66 Contribuindo para abalar a hegemonia da Lynxfilm, havia uma produtora que representava uma concorrência para a empresa de César Mêmolo Jr. e que lentamente viria a se tornar um potente grupo de comunicação liderado hoje pela empresa Casablanca. Esta produtora era a Diana Cinematográfica, que começou Indiana Filmes, como produtora de documentários, funcionando na Rua Conselheiro Carrão. Quando passa a se concentrar na produção de filme publicitário, muda seu nome para Indiana Visual Filmes e, posteriormente, Diana Cinematográfica, já então instalada na Rua Almirante Marques Leão, também no Bexiga. Primeira a perceber o quanto o futuro estava no vídeo, a principal característica da produtora Diana, era combinar uma estrutura enxuta com alta produção e contar com truca e estúdio de

65 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 204. 66 Del Nero, Cyro. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 157. 87

som próprios, em uma época em que a trucagem e o som despendiam enormes orçamentos. Jeremias Moreira tece sua constatação sobre a falta de atualização da Lynxfilm:

“Naquela época todos os efeitos especiais eram realizados na Truca, uma empresa de trucagem. A Lynx praticamente sustentava uma empresa que fazia truca, era como se eles terceirizassem o serviço. Outro desses serviços que eles sustentavam era o som. E eu dava dicas: ‘Por que vocês não montam um estúdio de som, porque vocês não montam uma truca?’ ” 67

Mas, nesta altura, a produtora, com toda a sua história e importância, já não possuía mais a força de antes e nem seu passado de alta produção impedia o seu declínio. Pelo contrário, conforme observação de Daniel Messias:

“A Lynx pagou um preço alto a esse aumento desmesurado da produção. Para atender essa lucrativa demanda, a produtora teve que renunciar à qualidade de suas produções e passou a fazer muitos filmes de varejo, considerados de baixa qualidade. O processo ficou quase maquinal e chegou-se ao absurdo de se fazer o que apelidamos, jocosamente, de filmes prêt-a-porter, os quais constituem em filmes feitos nas horas ociosas com temas voltados às datas comerciais como carnaval, natal, dia das mães, dos pais, etc, mas sem a chamada final com o nome do assinante. Então, o departamento de vendas da produtora saía a campo para vender estes filmes já prontos para casas comerciais. Algumas dessas lojas compravam a idéia e só tínhamos o trabalho de colocar a “assinatura” final do cliente. Esse comportamento arranhou a imagem que a Lynx tinha conquistado todos esses anos de boa casa produtora e os trabalhos criativos começaram a rarear. Desgostoso com essa situação, desliguei-me da empresa em janeiro de 67 para trabalhar como animador free-lance.” 68

A disparidade de datas também faz parte da história da Lynxfilm. Talvez porque sua presença na vida dos profissionais que a ela se ligaram fosse intensa, nesta pesquisa foi possível constatar o quanto o registro do tempo acaba sendo variável, dependendo de quem se manifesta. No caso de Daniel Messias, a quem interessava muito o departamento de animação, o declínio da produtora de César Mêmolo Jr. acontece antes mesmo da chegada dos anos 1970. Para Antônio César

67 Moreira, Jeremias. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 181. 88

Marra, que entra na Lynxfilm em 1967 e se torna sócio da produtora somente em 1981, o período de glória e declínio é um tanto diferente. Assim, talvez caiba apenas a seu sócio majoritário, a palavra final:

“Eu transferi as cotas dos filmes para a Diana, uma empresa do grupo Casablanca, que desde agosto de 2005 são os detentores dos direitos patrimoniais dos longas da Lynxfilm e também dos estúdios. O equipamento foi vendido e o acervo de comerciais, 60 horas de filmes de publicidade foi vendido para a Globo.com.” 69

O resumo do seu sócio majoritário não pode, entretanto, esconder o trabalho desta produtora que não deixou de investir no seu projeto de fazer cinema, como ele mesmo explica:

“...quando a Lynx atingiu na área da publicidade um status e dimensões - na época tinha quase 100 pessoas trabalhando comigo, tinha 4 equipes completas e eu fazia em torno de 80 a 100 filmes de publicidade por mês, eu tinha filial em Porto Alegre e tinha representantes em Recife, Fortaleza e Salvador, então era uma produção volumosa em filmes de publicidade - eu achei que deveria fazer longa-metragem.” 70

César Mêmolo Jr. além de ter dirigido a maior produtora de filmes publicitários do Brasil entre 1960 e 1980, também possui o mérito de ter conseguido atrair cineastas e profissionais como Roberto Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Galileu Garcia, Roberto Palmari, Francisco Dreux, Paulo Dantas, Jorge Monclair, Ugo Giorgetti, Paulo Parente, Célia Botelho, Wilson Botelho, Peter Gasper, Edney Silvestre, Ramiro Salles, Hector Sápia, Miguel Parente, João Ramiro Mello, Juan Carlos Landini, Kimihiko Kato, Mamoru Myiao. Com eles, a empresa produziu, além dos longas-metragens, cerca de 60 filmes documentários de curta-metragem. Alguns, encomendados por empresas e indústrias e, outros, iniciativas da própria produtora. Quando Sady Scalante deixou a produtora, reivindicou os direitos patrimoniais destes filmes, pois o departamento de curta-metragem estava sob sua responsabilidade. Até 1987 compunham a sociedade da Lynxfilm S. A., o próprio César Mêmolo Jr., ainda majoritário, tendo como companhia Sady Carnot Scalante, Chick

68 Messias, Daniel. Entrevista [out. 2007]. Apêndice, p. 163-164. 69 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 154. 70 Id., 2006, p. 151. 89

Fowle (Henry Edward Fowle), Ruy Perotti Barbosa, Antônio César Marra e Ítalo César Mêmolo. A partir de 1987, a empresa transforma-se na Lynxfilm Produções e Locação Cinematográficas Ltda., apenas uma locadora de equipamentos para cinema, com a sociedade de César Mêmolo Jr., Sady Scalante e Antonio César Marra. Em 1997, finalmente, só restam o sócio majoritário e sua esposa à frente da Lynxfilm Produções Áudio-Visuais Ltda., que, em realidade, não executava mais a função de produtora e locadora, até o momento em que é vendida ao conglomerado de empresas comandado pela Casablanca, permanecendo, porém o nome Lynxfilm71.

“Assim eu vim até 2005, quando a Casablanca se interessou em alugar os estúdios para fazer o seriado com o Roberto Justus e depois disso, eles manifestaram interesse em adquirir os estúdios e então, ao invés disso, eu propus a eles que eu transferiria a Lynxfilm e ela está ativa hoje, eles estão produzindo para a TV Cultura e agora eles estão querendo aumentar inclusive esses estúdios da Lynxfilm, querendo comprar mais um imóvel para ampliá-lo. (...) Essa foi a forma que eu encontrei para a Lynxfilm continuar existindo e porque me preocupava, com a idade que eu tenho, 78 anos72, com esses 10 longa-metragens que a Lynx fez.” 73

Dessa maneira César Mêmolo Jr. resume o destino de sua produtora e a sua preocupação em perpetuar a história através da manutenção de sua marca. No entanto, para concluir o capítulo, é justo aqui acrescentar uma das melhores definições e um importante reconhecimento do seu significado e de seu idealizador, dada por Roberto Duailibi:

“A Lynxfilm era parte da história de São Paulo. A figura pública da Lynxfilm era o Mêmolo, que era uma pessoa muito agradável, que negociava na base da humildade e da ausência de arrogância, segundo o meu contato pessoal. Ele teve uma participação muito intensa na definição dos direitos dos publicitários, que começaram na década de 50, do publicitário criador, do diretor de arte, chamado layoutman. (...) Foi um trabalho grande dos publicitários de origem humanista em oposição aos anunciantes e empresas multinacionais, que não queriam saber de direitos autorais, de pagamentos de honorários fixos, de luta concorrencial, baseado muito mais na qualidade que nas vantagens financeiras e nesse movimento todo

71 Segundo documentos apresentados por César Mêmolo. 72 Sua idade à epoca da realização da entrevista, em 2006. 73 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 154. 90

das décadas de 50, 60 e 70 que se expressava na lei de 1972, o Mêmolo teve uma participação muito intensa. Ele era um homem de lutas sociais (...).” 74

74 Duailibi, Roberto. Entrevista [set. 2006]. Apêndice, p. 210-211. 91

PARTE III. Desdobramentos

1. Cinema brasileiro no contexto dos anos 1960 e 1970

O que eu considero relevante é que o cinema brasileiro subsistiu graças à propaganda, porque se não fosse a propaganda não existiria laboratório, equipamento, estúdio de som, estúdios. (Antonio César Marra)1

Uma das marcas do cinema brasileiro sempre foi a sua dependência em relação ao Estado que, através de leis e de medidas de incentivo, norteou boa parte dos ciclos desta cinematografia, no sentido de viabilizar uma ampla produção. Por outro lado, houve a construção de alternativas a esta participação do governo que, muitas vezes, retirou-se sem dar grandes explicações ou, simplesmente, forçou um caminho sem sintonia com os considerados grandes realizadores brasileiros. Um dos entraves ao desenvolvimento do cinema nacional foi a agressividade da presença das empresas estrangeiras, que sempre se impuseram sobre a nossa cinematografia, levando-a a buscar abrigo nas leis de proteção ao mercado interno. Das alternativas a tais políticas, houve as propostas que visavam à configuração de uma cinematografia nacional, pautando-se em um modelo que buscava ir além dos apoios e medidas de proteção do governo e, neste sentido, procuravam estar sintonizadas à realidade sócio-econômica e cultural do Brasil, formando uma produção que conseguia ter identidade própria. Neste grupo, destacaram-se o Cinema Novo e o Cinema Marginal que podem, grosso modo, ser localizados nos anos 1960 até meados de 19702. No final da década de 1960 o panorama cinematográfico no Brasil encontrava-se dividido: o Cinema Novo, baseado nos ideais dos Centros Populares

1 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 146. 2 Tanto o Cinema Marginal, quanto a Boca do Lixo são exemplos de que “nem todo cinema brasileiro se aglutinava em torno de preocupações com indústria, resoluções legisladoras, penetração de capitais estrangeiros na produção e luta pelo poder no órgão estatal cinematográfico (INC).” (Ramos, 1983 p. 68) 92

de Cultura3, da UNE e da revolução cubana, entrava em crise, cada vez mais desvinculado do público, que já não conseguia acompanhar o desenvolvimento de suas propostas. Também, os seus ideais revolucionários no plano social não cabiam mais dentro do novo regime imposto, (principalmente a partir do ano de 1968), que procurava a manutenção das estruturas sócio-econômicas vigentes: exatamente o oposto daquilo que pregava o grupo cinema-novista4. Um dos grandes debates da época girava em torno do alcance que um filme poderia provocar, no sentido de intervir social e politicamente por um lado e, por outro, a possibilidade de um autor expressar-se livremente, sem preocupações com as etapas de distribuição e exibição ou com os processos de comunicação com o público, o que resultava em contradições internas. Os cineastas que ainda seguiam a cartilha ideológica do Cinema Novo afastavam-se da discussão e das lutas travadas em torno do INC e se colocavam cada vez mais a favor da distância dos circuitos industriais, desprezando a industrialização, privilegiando um cinema barato, feito com câmera na mão, e a não intervenção na realidade, com o objetivo de transformá-la, originando aquilo que se convencionou chamar Cinema Marginal, que poderia ser delimitado aproximadamente, em um período entre os anos de 1968 a 1973. Esse cinema, que era gestado em torno da região da Boca do Lixo, buscava assumir o subdesenvolvimento, o lixo e a pobreza e negava os discursos a respeito do aparato estatal de produção cinematográfica. Vale destacar que além do núcleo principal de cineastas de São Paulo, o Cinema Marginal também se desdobrou, de algum modo, no Rio de Janeiro e na Bahia. No início de 1970, a criação da produtora Belair, por Rogério Sganzerla e Julio Bressane, seguia o caminho do Cinema Marginal, com uma produção significativa em quantidade, em relação ao seu curto período de existência, que culmina com o exílio dos dois cineastas, na Inglaterra, no mesmo ano de 1970. Aliás, o exílio foi uma marca para quase todos os participantes da geração do Cinema Marginal, devido a perseguições políticas. (Julio Bressane, Rogério Sganzerla,

3 O longa-metragem Cinco Vezes Favela, de 1962, composto de cinco episódios sobre a realidade sócio-econômica do Brasil, é um projeto do Centro Popular de Cultura da UNE do Rio de Janeiro, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias, Miguel Borges, e Leon Hirszman. 4 Para Ramos (1987, p. 356), “O discurso cinema-novista, na primeira metade da década de 1960, possui três estruturas centrais, em torno das quais se articulam diversos conceitos e formulações. São elas: a forma de produção, a linguagem e a ética (compromisso com a “verdade” e a “realidade”).” 93

Geraldo Veloso, Neville D´Almeida, Andréa Tonacci, Sylvio Lanna, Eliseu Visconti). Por outro lado, era gestado um movimento de jovens cineastas em São Paulo, que propunha romper os laços com o cinema e as propostas de , em busca de algo novo. Dessa vertente faziam parte João Callegaro, Carlos Reichenbach, Antonio Lima5, Júlio Calasso, Jairo Ferreira, João Silvério Trevisan, que se utilizaram do esquema e estrutura de produção cinematográfica da Boca do Lixo, produzindo um cinema sem pretensões estetizantes, mas underground, inicialmente produzindo filmes de gêneros como os “faroestes”, os filmes “sertanejos”, de lutas orientais ou os filmes de ação, e que depois acabou por identificar-se principalmente com a produção da pornochanchada, que marcou os anos 19706. Essa produção era caracterizada pela “pobreza de argumentos, poucos cuidados com a produção – como fotografia, acabamento técnico e direção de atores e pela manipulação grotesca e caricata, de temas ligados ao sexo” (Borges, 1983, p.51). Segundo Abreu (2006, p. 35), O Bandido da Luz Vermelha (1968) de Rogério Sganzerla, “marca uma transição, ou rompimento, com os procedimentos éticos e estéticos propostos pelo Cinema Novo, tornando-se uma interface para o Cinema Novo, para o cinema brasileiro e para a própria Boca do Lixo”. O cinema da Boca do Lixo era um cinema feito para responder às necessidades de mercado, independente de financiamentos e apoio do governo7, que produziu grande quantidade de filmes - de temáticas, linguagens e qualidade

5 As Libertinas (1969), dirigido por Antonio Lima, Carlos Reichenbach e João Callegaro, foi o primeiro trabalho em longa-metragem realizado pelo grupo dos jovens intelectuais que frequentava a Boca do Lixo. (Abreu, 2006, p. 35) 6 “Ao final de 72 o jornal O Estado de SP publica um artigo ‘Cinema brasileiro procura afirmar-se no erótico’, com uma relação dos 25 filmes nacionais de maior bilheteria no período entre novembro de 69 e junho de 72. (...) o interesse do público pelo erotismo cinematográfico prevalece sobre os gêneros tradicionais e os filmes vão buscar nas velhas anedotas picantes a inspiração pra os roteiros. (...) O ciclo erótico não surge por geração espontânea, ao contrário, acompanha uma onda internacional e se beneficia do fechamento do regime político que desestimula o tratamento de temas “sérios”. Não deve ser minimizada a importância do Instituto Nacional do Cinema - INC, criado para introduzir no mercado cinematográfico brasileiro relações capitalistas modernas, um dos instrumentos que possibilitam a transição da prática cinemanovista, (...) para outro estágio em que o slogan será “cinema é indústria” ou “filme é cultura”. Esses slogans são acompanhados de medidas efetivas para garantir os interesses de produção, tais como a ampliação de reserva de mercado. Contando com garantias para participar da programação do circuito cinematográfico, a produção tende a reagir, o que de fato acontece. Nesse período de transição, o produtor ascende ao primeiro plano e ganha relevo, inversamente proporcional ao habitual na década de 60, em que a figura dominante foi o diretor-autor. É ele, o produtor, quem assegura a continuidade e o sucesso de um filme a outro.” (Simões, 1999, pág. 165) 7 “A produção da Boca do Lixo é, talvez, o traço mais significativo da existência de um cinema que se fez fora do âmbito do Estado/Embrafilme.” (Ramos, 1995, p. 16)

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técnica diversas - que se desenvolveu em São Paulo, em torno dos anos 1970-1982, em uma região que era um centro produtor de intenções exclusivamente comerciais. A partir da Escola Superior de Cinema São Luís, localizada na Avenida Paulista, sob a orientação do Padre Lopes e que tinha entre os professores nomes como Roberto Santos, Paulo Emílio Salles Gomes e Luis Sérgio Person, inicia-se um ponto de contato entre o pessoal da Boca do Lixo e os alunos e professores da Escola, a partir do momento em que são convidados José Mojica Marins e Ozualdo Candeias, por exemplo, iniciando assim um intercâmbio entre esses dois mundos. Mas, em que se pese a relevância destas alternativas construídas em meio a um dos períodos mais conturbados da realidade brasileira, sob a ditadura militar a partir de 1964, o fato é que este é um momento em que se pode observar esta realidade separando-a em dois macro-prismas, sem que isto implique em uma verificação minuciosa de cada participante e sim, como uma estratégia “didática” que permita localizar estes dois amplos lugares da produção audiovisual no Brasil: de um lado, uma gama de artistas, intelectuais e realizadores que se posicionam nitidamente na trincheira contra a ditadura – e esta postura inclui nortear suas produções para este foco; e, de outro, um bloco de realizadores que apesar disso vêem outro Brasil, articulado sob uma lógica iniciada com Juscelino Kubitschek e que teve a sua continuidade sob, e, apesar da ditadura. Esse grupo de profissionais ocupava o território daqueles que observam a política de governo como projeto que investiu na modernização do país. Esta dupla realidade do país não convivia, evidentemente, de forma harmônica. Ao contrário, assumidos em sua jornada contra a ditadura e movimentando-se em um caldo cultural cujo tom predominante era o de se debruçar sobre a realidade brasileira, compreendê-la e modificá-la, os cineastas identificados com a proposta do Cinema Novo não deixaram de tentar manter o Estado em seu papel de viabilizador do cinema nacional, enquanto o meio publicitário, de certa forma (e até paradoxalmente), ignorava esta relação, já que o Brasil do final dos anos 1960 e 1970 era, relativamente, favorável. Esse aspecto positivo para a produção de filmes permitiu que a Lynxfilm, por exemplo, acumulasse em sua existência, como já dito, bem mais de 20 mil filmes publicitários, independentemente da ação do governo ou aportes financeiros deste. Por outro lado, como o trânsito dos profissionais era uma realidade do período, o fato é que a atualização tecnológica – um imperativo na área da publicidade – acabou beneficiando também 95

a incipiente indústria cinematográfica no país. E não se pode esquecer que as origens de muitos profissionais da publicidade estavam no cinema, uma paixão quase nunca rejeitada. O que importa, aqui, é não se deixar de apontar que é importante reconhecer a mão dupla que existiu – e existe até hoje, entre a produção cinematográfica brasileira e a publicidade, com diversas conseqüências para ambas. Basta lembrar o caso de Ugo Giorgetti e Julio Xavier, Roberto Santos, Roberto Palmari ou Carlos Reichenbach8 ou da produtora O2, Conspiração Filmes ou Moviart, por exemplo9. Primeiro, porque a publicidade permitiu a muitos cineastas manterem uma atividade contínua, intensificando a relação com a linguagem audiovisual e também colocando, cotidianamente, o desafio de estabelecer, objetivamente, um diálogo com a sociedade brasileira – mesmo que um diálogo pautado pelo estímulo ao consumo e à defesa de produtos, características da área. E permitiu que estas produções servissem, também, como vitrine a diversos atores e atrizes iniciantes, que, em breve, fariam parte do star system brasileiro, via Rede Globo. Esta configuração, que mobilizava reações conflitantes em boa safra de artistas e intelectuais durante a ditadura militar, começa a acumular algumas fissuras a partir das macro mudanças políticas, em nível mundial. O maior exemplo pode ser a queda do muro de Berlim que, indo ao chão, leva junto de si muitas das expectativas que ainda existiam em relação à viabilidade de um modelo socialista em diversos países, inclusive no Brasil. Além disso, o neo-liberalismo, a

8 Ugo Giorgetti e Júlio Xavier são exemplos de profissionais do filme publicitário que realizaram longas-metragens. Roberto Santos, Roberto Palmari e Carlos Reichenbach são exemplos de cineastas que, apesar de passagens, inclusive longas, pela produção e direção de filmes publicitários, ali não se fixaram jamais, retomando sua vocação para o cinema. 9 A O2 é, atualmente, uma das maiores produtoras publicitárias do país e mantém, em sua estrutura, a O2 Filmes, que já produziu sete longas-metragens, entre eles, Cidade de Deus (2002), Domésticas (2001), Contra Todos (2003) e Ensaio sobre a Cegueira (2008). Sua produção de filmes publicitários gira em torno de 8.300 filmes. À frente da produtora estão , Paulo Morelli e Andréa Barata Ribeiro. Já a Conspiração Filmes, que hoje atua como um Grupo, iniciou suas atividades junto à televisão – produziu diversos videoclipes – mas logo também passou a realizar para o cinema, sendo responsável por um dos maiores sucessos do cinema brasileiro pós-Retomada, Dois filhos de Francisco (2005), recorde de público no Brasil, com 5,3 milhões de espectadores. Do seu quadro de diretores constam nomes que também dirigem longas-metragens, além dos filmes publicitários, como (Eu Tu Eles, Casa de Areia), Breno Silveira (Dois filhos de Francisco, Era uma vez), Cláudio Torres (Redentor). A Moviart, de Paulo Dantas, ele também um profissional que iniciou sua carreira junto ao Cinema Novo, hoje é uma importantíssima produtora que já produziu ou co- produziu mais de oito longas-metragens, como por exemplo, Noel, o poeta da vila (2007) e Última parada 174 (2008).

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globalização, a sociedade informatizada, enfim, todas as mudanças ocorridas no fim do século XX e que continuam no século XXI, não deixaram de repercutir quando o Brasil se despedia oficialmente dos militares com a eleição indireta de Tancredo Neves e, mais euforicamente, com a eleição direta do primeiro presidente civil,

Fernando Collor de Mello. Tais mudanças, portanto, refletem e alimentam alterações drásticas na história do cinema brasileiro. Primeiro, acompanha-se o definhamento da Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S.A. - principal órgão criado pelo regime militar para fomentar o descontínuo cinema do país. Empresa de economia mista, vinculada ao INC, tendo como acionista majoritário a União, era representada pelo Ministério da Educação e Cultura, que possuía 70% das ações, sendo os restantes 30%, divididos entre entidades públicas e privadas, tendo como sócios minoritários alguns produtores. Criada em 1969, passa por diferentes fases, sendo fechada em 1991, no governo do Presidente Collor. Uma morte anunciada, mas que, apesar de tão conhecida, não conseguiu suscitar qualquer alternativa para uma necessária substituição ao seu papel como principal caminho de viabilização dos filmes brasileiros, pelo menos em termos de participação do Estado. E aqui merece ser novamente lembrado que, o fato de a publicidade ter encontrado um espaço de produção sem vínculo direto com o Estado, não excluiu a participação da Embrafilme nas iniciativas cinematográficas que contavam com a participação em maior ou menor grau de produtoras publicitárias, como ocorreu tantas vezes com a própria Lynxfilm, ao decidir apoiar a produção de longas-metragens, arcando, inclusive, com uma parte dos riscos comerciais dos filmes10. A criação da Embrafilme representou um ponto de inflexão na relação do cinema brasileiro com o Estado, a partir do momento em que alguns segmentos do governo militar, mais sensíveis ou simpáticos às questões culturais no país, passam a “apadrinhar” projetos que viabilizassem a cultura, influenciando inclusive no planejamento e repasse de verbas dos recursos da União, caso do coronel Jarbas Passarinho e depois, do coronel Ney Braga, ambos do Ministério da Educação e Cultura. O reconhecimento de tal empenho por parte destes representantes militares

10 Entre os dez longas-metragens produzidos pela Lynxfilm, cinco foram co-produzidos pela Embrafilme: O Seminarista, O Sol dos Amantes, Ato de Violência, O Homem do Pau-Brasil e Alguém. E, com exceção de O Predileto, todos os outros nove foram distribuídos por ela, segundo dados da Cinemateca Brasileira em São Paulo. 97

leva, inclusive, à sugestão da mudança do nome do Prêmio Embrafilme, para Prêmio Ministro Jarbas Passarinho em 1974. (Amancio, 2000) Esse “pacto” entre os cineastas e o governo militar pode ser parcialmente confirmado com o depoimento de dois cineastas. Por exemplo, Paulo César Saraceni, em 1975, defendia o governo, por ser “o único possível de carregar uma bandeira de luta contra a espoliação dos exibidores”. Ou Carlos Diegues, que em 1977 defendia a Embrafilme, pois “é a única empresa com poder econômico e político, porque ela é o Estado, para enfrentar a avassaladora voracidade das multinacionais no Brasil. É o único poder constituído no cinema para fazer face a isto.” (Bernardet, 1991, p. 35) A partir de 1974, com o cineasta na direção do órgão - que coincide com a transição para o governo do general Ernesto Geisel - começa a ser introduzido o sistema de co-produção dos filmes, com o conseqüente risco dos investimentos assumidos pela empresa e de uma maior intervenção estatal na produção, através da gerência administrativa dos filmes por parte do Estado, enquanto, a partir de 1975, a Embrafilme passa a dedicar-se mais incisivamente à tarefa de distribuidora11. É nesse período, a partir de 1975, segundo Abreu (2006, p. 78), que “O cinema brasileiro, como um todo, por conta de uma atuação empresarial da Embrafilme, viveu (...) uma fase de expansão e afirmação, de construção de uma identidade”. Ainda segundo Abreu (2006), o período 1972-1982 é considerado uma “época de ouro”, em termos de mercado, para o cinema brasileiro12. Não por acaso, é aproximadamente neste mesmo período que ocorre a produção dos longas- metragens pela Lynxfilm: a partir de 1970 até 1981.

11 “Enquanto a Embrafilme apenas financiava, a produção que dependia desse financiamento dependia do Estado. Nessa nova etapa, a própria Embrafilme passa a acumular capital com os lucros resultantes do investimento nos filmes. É nesse momento que a Embrafilme ingressa também num outro nível: passa a produzir filmes brasileiros.” (Bernardet, 1991, p. 41) 12 “(...) as políticas de proteção e fomento implementadas pela Embrafilme e pelo Concine revelaram- se eficazes. O setor cinematográfico como um todo viveria, ao longo dos anos 1970, um animado processo de acumulação de capital financeiro, artístico e cultural.” (Abreu, 2006, p. 21) 98

2. Ensino de cinema: a ECA

A estreita relação que viria a existir, entre o cinema paulista e o meio publicitário teve seu ponto de inflexão no final da década de 1960, com a criação do curso de Cinema na Universidade de São Paulo – USP, dentro da recém-criada Escola de Comunicações Culturais13, que inicia suas atividades em março de 1967 e que, em 1969, em consequência da reforma universitária, é denominada definitivamente, Escola de Comunicações e Artes, a ECA. O curso de cinema nasce de uma insistência sobre a idéia de que é possível fazer cinema dentro da universidade, por parte de um grupo de intelectuais paulistas ligados ao cinema, contrariando os acadêmicos partidários da produção científica universitária clássica. Desse grupo destaca-se Rudá de Andrade, personagem significativo para uma geração de cineastas, lutador pelas causas do cinema brasileiro, organizador e principal responsável pela existência da Cinemateca Brasileira, pelo atual prédio que ocupa e pela preservação de seu acervo. Rudá de Andrade foi um dos principais nomes por trás da criação do curso, através do bom trânsito que possuía junto à Reitoria da USP e que mais tarde, ajudaria a faculdade a obter uma infra-estrutura moderna, como filmadoras e um equipamento de efeitos especiais. Aliás, sem o seu esforço e perseverança, talvez nada disso existisse, porque, nos primeiros dias de funcionamento, Rudá de Andrade, como único docente, liderava as atividades praticamente sozinho, o que obrigou os alunos a iniciarem uma espécie de “auto-gestão” do curso, juntamente com o professor, na tentativa de buscar condições para a realização prática do cinema. No departamento de cinema, Rudá de Andrade lecionou por dez anos. Plácido Campos Jr., aluno da primeira turma do curso, acrescenta informações sobre a novidade do projeto de inserção do Cinema na universidade:

“... e surge esse grupo em São Paulo que tem a possibilidade de pôr o pé numa estrutura como a USP, até hoje um pouco fechada. Esse projeto, uma coisa bem brasileira, de que na área da cultura gregos e troianos convivem, isso vem um pouco da figura do Paulo Emílio Sales Gomes, do Francisco Luis de Almeida Salles, da Cinemateca Brasileira, do Rudá de Andrade, que é muito um

13 A criação do novo instituto, denominado Escola de Comunicações Culturais, deu-se em de 15 de junho de 1966, sob o governo de Laudo Natel e com o Prof. Dr. Luis Antonio da Gama e Silva na reitoria. 99

produtor, um executivo. E esse grupo formula a idéia de uma Escola de Comunicações, que vem muito agregada a uma concepção acadêmica intelectual francesa - é a época do estruturalismo.” 14

A Escola de Comunicações surge num momento de grande impulso do setor de comunicações e de desenvolvimentos tecnológicos, como, por exemplo, a criação da Embratel15 – Empresa Brasileira de Telecomunicações – em 1965; do Ministério das Comunicações em 1967; da Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes – criada em 1969 e da Telebrás – Telecomunicações Brasileiras S. A., em 1972. A ênfase dada pelo governo militar a esse setor tinha objetivos estratégicos e de repercussão social. Ainda dentro dessa conjuntura histórica, vivia-se um momento político de contestações, de movimento estudantil e da rigidez do Ato Institucional n. 5 em (13 de dezembro) 1968, no segundo ano de funcionamento do curso de cinema. Enquanto o governo do General Médici realizava campanhas nacionalistas e divulgava os dados da performance econômica, em franco crescimento, na tentativa de neutralizar as ações violentas do aparelho repressivo e de censura, ele também acrescentava às suas estratégias a reforma universitária, que vinha sendo reivindicada há tempos pelos estudantes. Essa reforma estrutural na universidade tinha como objetivo eliminar o sistema de cátedras, já ultrapassado. (Motoyama, 2006) A inovação do curso de cinema se deu através da presença de Roberto Santos em seu corpo docente - um artista de inclinações comunistas em pleno regime militar, considerado um subversivo, como atesta um dossiê da Polícia Política, que informava sobre suas condutas: “frequenta ambientes jovens onde é muito admirado, divulgando suas idéias de esquerda” (Simões, 1997, p.14). A ele, que não tinha formação universitária, foi outorgado o título de Notório Saber,

14 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 204-205. 15 A criação de uma identidade nacional é presença constante tanto nas intenções quanto nos discursos oficiais do governo brasileiro. Visto por este prisma, a criação de um cinejornal com estrutura de distribuição durante o Estado Novo pode ser comparado com o que fez o regime militar brasileiro em 1969 quando, através da concessão dos serviços da Embratel à TV Globo, possibilitou que esta realizasse a primeira transmissão em rede nacional do Jornal Nacional. Mais que isso, a temática apresentada nos telejornais da época são semelhantes às apresentadas pelos cinejornais: esportes, acontecimentos dramáticos, catástrofes, trivialidades, curiosidades e, sobretudo, notícias sobre figuras importantes do poder. (Luporini e Carrasco, 2007, p. 12)

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possibilitando uma participação que reforçaria na instituição a vontade de se fazer cinema do ponto de vista prático. Além das participações já citadas de Roberto Santos e Rudá de Andrade, o corpo docente é formado pelo cineasta Maurice Capovilla, pelo crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, e pelo professor, crítico e cineasta Jean-Claude Bernardet, estes dois últimos vindos da Universidade de Brasília, em razão do fechamento do curso de cinema daquela universidade pelo regime militar. Em uma segunda fase, o curso agrega outras personalidades ligadas ao cinema como Jorge Bodansky, Marcello Tassara, Francisco Luís de Almeida Salles, bem como de alguns técnicos que chegam a convite de Rudá de Andrade, como Charles Fernandes de Almeida, montador de filmes de publicidade e Sidney de Paiva Lopes, técnico de som direto. Marcello Tassara chega a convite do Professor Mário Guimarães Ferri e também através de seu contato com Roberto Santos na Lynxfilm, levando para o curso de cinema toda sua experiência no campo das técnicas de animação e de publicidade, bem como novas possibilidades experimentais. Plácido Campos Jr. em seu depoimento relembra as dificuldades da estrutura do curso que começava:

“Nós tínhamos uma ansiedade com relação à experiência prática do cinema. Então descobrimos na USP umas câmeras de cinema abandonadas, descobrimos que na Faculdade de Educação tinha um estúdio de som. O curso de cinema abriu sem nenhuma estrutura, o curso de cinema era o Rudá. Aos poucos as coisas foram andando. Conseguimos um pouco de filme positivo do Jóquei Clube que filmava as corridas, e eles nos davam um pouco desse filme. Tinha gente que nos emprestava equipamento.” 16

A ligação de Roberto Santos com os seus novos alunos é intensa. Segundo Plácido, o novo espaço profissional significou para o diretor Roberto Santos uma redescoberta do seu próprio potencial e um salto na sua auto-estima, o que significava apresentar uma série de projetos que motivavam ainda mais o corpo discente - naquela altura já começando a conviver com uma divisão interna classificada por ele como “divisão entre os pragmáticos e os teóricos”, sendo que pertenciam ao primeiro grupo os alunos que eram ou aspiravam a diretores, fotógrafos ou montadores (Djalma Limongi, Roman Stulbach, Aloysio Raulino,

16 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 205. 101

Plácido Campos Jr.) e, ao outro, alunos como Ismail Xavier, Eduardo Leone, Marília Franco, Valéria Andrade, que, nas palavras de Plácido Campos Jr., era “gente que tinha lido muito mais o Bazin”. Enquanto isso, Roberto Santos, muito mais alinhado ao grupo dos “pragmáticos” era um caleidoscópio de idéias – com muita vontade e energia de iniciar novos projetos, contaminando os alunos e criando um ambiente extremamente estimulante nos dois primeiros anos do curso. A incorporação de Roberto Santos à ECA significou ainda, para boa parte dos alunos e professores, manter uma ponte com o mundo da publicidade e das produtoras, já que o diretor chega ali trazendo em sua bagagem a vivência daquele mundo, com o qual se manteve vinculado, sintetizado por Plácido Campos Jr.:

“(...) o Roberto continuava frequentando o universo fashion na publicidade, que atinge um momento muito pirotécnico, explosivo, que eram os desfiles da Rhodia - era o momento do Lívio Rangan, o produtor dos eventos de moda, inclusive dos filmes da Rhodia. Então o Roberto está vivendo entre vários mundos: uma experiência espiritual acadêmica pedagógica, vem de dois longas-metragens excepcionais e está vivendo esse momento top da sofisticação, da informação nova, Tropicalismo, Rhodia.” 17

E apesar destes contatos, que possibilitavam aos alunos do curso de cinema a experiência em diversos mundos profissionais, as expectativas de realização de projetos significativos permaneciam ainda muito mais vinculadas à produção cinematográfica, como se pôde posteriormente constatar, analisando as suas trajetórias.

2.1. A iniciativa de Roberto Santos

De todos os cineastas que se relacionaram com a Lynxfilm, muito provavelmente Roberto Santos seja um dos maiores motivadores para que a produtora começasse a investir no cinema de longa-metragem, considerando que o primeiro projeto por ela abraçado tenha sido Vozes do Medo, justamente uma proposta sua. De personalidade inquieta, o roteirista, produtor e diretor realiza

17 Id., 2006, p. 205-206. 102

durante grande parte da sua vida um “vai e vem” entre a publicidade e o cinema, buscando na primeira as condições de sobrevivência que os filmes não garantiam. Esta “gangorra” profissional levou-o à Universidade de São Paulo e motivou-o a elaborar projetos de realização de longas, algo que a academia não permitia, por uma questão de custo. Persistente, disposto a colocar em prática suas idéias, ele volta a procurar a Lynxfilm e ainda circula pela cidade carregando um projeto acalentado há anos: uma versão atualizada de O Homem da cabeça de papelão, um conto de João do Rio, publicado em 1925, no livro Rosário das Ilusões, rebatizado pelo cineasta de Ascensão e Queda de um Populista. O projeto, que era uma encomenda de uma nova produtora da Bahia, ficou restrito ao roteiro e por uma série de razões, acabou não vingando, o que não impediu Roberto Santos de continuar fazendo cinema dentro da então Escola de Comunicações Culturais da USP (Simões, 1997). Um destes trabalhos realizados na USP foi o curta-metragem A João Guimarães Rosa que, em vista dos poucos recursos, foi realizado em table-top e em preto e branco, em 16 mm, a partir de fotografias de e texto de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. O filme, finalizado e exibido com sucesso em 1968, recebeu o prêmio de melhor curta-metragem no Festival de Cinema de Brasília. Marcello Tassara, que fez a direção juntamente com Roberto Santos, além de realizar as animações, recorda com detalhes o processo de criação e produção do filme:

“E o Roberto pensou: com esse dinheiro que tipo de filme nós poderíamos fazer? Eu na época já tinha desenvolvido vários filmes publicitários com uma técnica de animação com fotografias que era extremamente barata e muito rica em termos de narrativas, que é o chamado table-top. Então o Roberto me convidou pra dirigir o filme com ele, um filme feito com fotografias. Ele veio a conhecer o trabalho da Maureen Bisilliat, e nós ficamos muito amigos. Pegamos todo o acervo de fotografias que ela tinha colhido com a ajuda do próprio Guimarães Rosa, que foi quem indicou todo o roteiro de viagem para o ensaio fotográfico dela e alguns dos personagens são os próprios do universo do Guimarães Rosa, do Grande Sertão Veredas. Então eu vi aquele material e pensei “isso dá um filme fantástico” e nós fizemos o filme com os recursos. O montador do filme era o Charles Fernandes Mendes de Almeida. O filme deu certo. O filme é A João Guimarães Rosa. O locutor era o Humberto Marçal. O grande mérito do Roberto foi juntar uma equipe que 103

funcionou. Eu filmei na Documental, que era uma produtora do Galileu Garcia. O filme ganhou prêmio no Festival de Brasília (...).” 18

Além do prêmio no Festival de Brasília, o filme também ganha o prêmio de melhor curta-metragem no Festival de Leipzig, 1970 e, de certo modo, garante a relação de Roberto Santos com o ensino: é o início de uma relação sistemática entre o diretor e as novas gerações, como professor de cinema da ECA e também como professor de roteiro cinematográfico na Escola Superior de Cinema do Colégio São Luiz - onde começou a lecionar em 1969. A boa perspectiva aberta com o sucesso do curta-metragem leva Roberto Santos a tentar um projeto muito mais ambicioso e, para realizá-lo, ele procura a Lynxfilm. O novo projeto é Vozes do Medo, uma emblemática produção do ano de 197019, que Roberto Santos idealiza junto com seu amigo e jornalista, Hamilton de Almeida Filho e que foi o primeiro filme a inaugurar o ciclo de dez longas-metragens que a Lynxfilm produziu. Vozes do Medo, após vários anos censurado, é premiado na categoria melhor filme no Prêmio Governador do Estado, em 1975, e no mesmo ano recebe também o prêmio de melhor filme pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Roberto Santos era um profissional que convivia intensamente com os mais diversos setores da vida cultural de São Paulo, indo da Boca do Lixo ao cinema publicitário, do cinema experimental ao cinema documentário, passando pela televisão, onde produzia documentários e adaptações ficcionais. Estava sempre em contato com empresários de produção, alunos, técnicos, tendo com todos o mesmo nível de relação, chegando a se tornar assessor da Secretaria Municipal de Cultura da capital paulista em 1984 e, no ano seguinte, fazer parte do conselho fiscal da Embrafilme. E era nestas travessias que Roberto Santos via a história do audiovisual brasileiro acontecendo. Através de sua estreita convivência com os alunos do curso de cinema, dentre os cineastas da época, era um dos mais atentos às agitações dos jovens, envolvendo-se e prestando ajuda nos seus projetos de realização de exercícios cinematográficos.

18 Tassara, Marcello. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 190-191. 19 Aqui, optou-se como referência, o ano de produção do filme citado, e não a data de seu lançamento. 104

A experiência com o projeto de Vozes do Medo, apesar de todos os problemas de exibição, permitiu, felizmente, que a Lynxfilm continuasse a investir na produção de filmes longos.

3. Lynxfilm, produtora de longa-metragem

O trânsito entre cinema e publicidade que a Lynxfilm ajudou a ampliar e consolidar resultou de algumas estratégias de produção que merecem ser resgatadas e que permitem, agora, compreender parte de uma lenta, mas contínua tessitura, entre a publicidade e o cinema paulista, aqui apresentada sob a trilha particular do percurso da citada produtora. O recorte estabelecido escolheu observar os longas-metragens realizados pela Lynxfilm, nos aspectos que destacam não exatamente a estética dos filmes mas, as memórias de suas produções, a partir de quem as realizou. Assim, o foco no filme Vozes do Medo foi determinado pela força do projeto e pelo paradoxo que ele encerra: uma empresa engajada na proposta publicitária, com fins estritamente comerciais, abraça um projeto de um filme de temáticas ligadas à crítica ao capitalismo, com metáforas (óbvias) contra o sistema. Esta iniciativa só ocorreu porque em 1970, aos 42 anos, César Mêmolo Jr., avaliando que já havia ganho bastante com o cinema publicitário, resolve que era hora de contribuir com o longa-metragem nacional. Assim, entre 1970 e 1981, dez filmes de longa-metragem foram produzidos pela Lynxfilm - dos quais alguns premiados - e realizados por diretores com uma grande e importante produção anterior, como Walter Hugo Khoury, Roberto Santos, Geraldo Santos Pereira e Joaquim Pedro de Andrade, além de outros diretores iniciantes. De produção bastante heterogênea, derivada da origem de cada um dos cineastas e de suas propostas, esses filmes contêm temáticas e gêneros muito diversos entre si, o que significou também uma grande variação de público e de premiações. Há que se considerar que esses dez longas-metragens atravessaram, durante uma década, um período de transição técnica e estética no cinema brasileiro. Passou-se da “aceitação da precariedade, da crença excessiva no ‘talento’ como contrapeso das deficiências técnicas, e às vezes até mesmo a valorização das condições incipientes de produção” (Ramos, 1995, p. 44) - conforme 105

pregavam os cinemanovistas, com a máxima “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, ou os cineastas do Cinema Marginal e da produção da Boca do Lixo – à maior valorização de um padrão modernizado, com planejamento cuidadoso da fotografia e com o aspecto visual das produções, preocupação com o som e equipamentos tecnologicamente atualizados. Além disso, havia também a preocupação com o retorno dos filmes e seu sucesso junto ao público, representando um padrão que passaria a ser exigido e buscado cada vez mais nos anos 1980, com o objetivo de ocupar um lugar no concorrido espaço audiovisual nacional e internacional que se desenhava. Pode-se olhar esse ciclo de dez longas-metragens realizados pela Lynxfilm como mais ligados à vertente de um cinema “culto”, porque apresenta em vários momentos uma visão politizada da cultura; pouca, ou quase nenhuma vocação para o divertimento e apelo popular; um passado mais “erudito” de seus diretores e um apego a práticas mais artesanais de se fazer cinema, o que os tornava inadequados à indústria televisiva. Além de suas temáticas, que estavam fortemente apoiadas na literatura ou na história. (Ramos, 1995) Mas, quais motivos levaram a Lynxfilm a investir na produção de longas- metragens na década de 1970 - uma empreitada de aventura - se já tinha o seu nome estabelecido como uma das maiores e mais premiadas produtoras de comerciais do Brasil e tendo já sido reconhecida internacionalmente? Arriscava-se ao apoiar e dar credibilidade a diretores novatos em longa-metragem e ao apostar em filmes que, viu-se, não geraram retorno financeiro. Apesar de bem sucedidos artisticamente, numa análise ampla, os longas-metragens produzidos pela Lynxfilm foram bastante prejudicados: alguns pela atuação da censura e outros pelo insucesso junto ao público, problemas que não a levaram à falência devido ao seu sucesso como empresa consolidada. A começar pela idéia do primeiro filme - Vozes do Medo, que continha uma proposta totalmente experimental - parecia uma iniciativa estranha tal investimento, para uma produtora que prezava os lucros do mundo comercial. César Mêmolo Jr., ao ser questionado, responde:

“(Produzir longa-metragem) foi uma decisão minha, porque no campo do filme publicitário eu já tinha atingido o apogeu, como produtora, e ela estava com uma rentabilidade muito grande. Achei, então, que eu devia me inserir na produção de filmes de longa- 106

metragem. Tanto que a produção dos longas fez com que ela ficasse muito em evidência e fosse observada pela Embrafilme.” 20

Essa visibilidade apontada por César Mêmolo Jr. lhe rendeu a participação como membro do Concine, segundo sua própria avaliação. Nomeado pelo então presidente Ernesto Geisel, ele ocupa a cadeira por quatro anos e assim participa diretamente dos processos regulatórios do cinema brasileiro. O Concine – Conselho Nacional do Cinema, criado em 1976 para substituir o Conselho Deliberativo e o Conselho Consultivo do antigo Instituto Nacional do Cinema – INC, tinha como objetivos assessorar o Ministério da Educação e Cultura na política de desenvolvimento do cinema nacional, através de normas e leis de fiscalização que buscavam organizar e disciplinar as atividades cinematográficas com relação à produção, reprodução, comercialização, venda, locação, permuta, exibição, importação e exportação de obras cinematográficas, incluindo filmes publicitários. O órgão foi também extinto pelo presidente Fernando Collor (Ramos e Miranda, 2000). E apesar de sua formação de cineasta, os longas realizados pela Lynxfilm, nunca tiveram a direção de César Mêmolo Jr., segundo sua justificativa:

“A década de 70 foi um período de uma grande produção de longa-metragem, o cinema brasileiro estava a todo vapor. Mas foi uma decisão minha, eu estudei para ser diretor, mas como a Lynxfilm cresceu muito, a minha responsabilidade como sócio majoritário da Lynx era muito grande. Então, eu não podia largar a Lynx pra ir dirigir um filme de longa, mas em quase todos os filmes, com algumas exceções, eu fui o produtor executivo. A produção executiva era minha. A Lynx era a produtora, juntamente com a Embrafilme e eventualmente com co-produtores como Joaquim Pedro de Andrade, , eles foram co-produtores. Eles entravam com o roteiro, direção, a Embrafilme entrava com um valor em dinheiro e a Lynxfilm entrava com equipe, equipamento, estúdios, e assumia a produção. Alguns desses filmes foram rentáveis, outros não se pagaram, mas eu diria que o saldo dos 10 filmes foi favorável.” 21

Este esquema de co-produção envolvia uma razoável quantidade de contas e acertos. Mas, antes de se chegar à etapa de aporte financeiro do governo, era preciso participar de um concurso promovido pela Embrafilme, que nunca financiava o filme integralmente. Neste sentido, a experiência da Lynxfilm em

20 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 151. 21 Id., 2006, p. 152. 107

produção de longas-metragens e o fato de seus donos possuírem um vínculo anterior com o cinema brasileiro, levava vários premiados pelo órgão do governo a procurar a produtora paulistana, principalmente porque ela também era sinônimo de equipamentos de qualidade. Antonio César Marra nos dá detalhes do processo de financiamento de um filme à época:

“A Lynx tinha uma super estrutura, moviolas, câmeras de última geração, excelentes profissionais. A Embrafilme fazia concursos em que você entrava com um projeto e ela te fazia um financiamento para um filme. Ela te dava 30%. Um filme de 10 milhões daria 3 milhões de financiamento. Aí eles te davam mais 35%, ou seja, mais 3 milhões e meio como adiantamento por conta da bilheteria, porque a Embrafilme era distribuidora. Então a Embrafilme te dava 65% do valor do filme. Os outros 35% era o aporte do diretor e da produtora. O diretor, quando ganhava o concurso, tinha que apresentar uma produtora idônea e com estrutura operacional e financeira e eles procuravam a Lynx porque era uma produtora sólida, já tinha feito longa e a origem dos sócios era do longa-metragem. O pessoal pegava o financiamento e ia pra Lynx produzir e assim aconteceu com todos os diretores que fizeram os longas lá.” 22

Dos dez longas-metragens vinculados à Lynxfilm, somente Diário da Província não teve a produtora paulista como majoritária e depois de realizado, teve os direitos patrimoniais transferidos pelo diretor à Lynxfilm23.

4. Os longas-metragens

Em 1975, O Predileto, segundo longa-metragem produzido pela Lynxfilm, é a estréia de Roberto Palmari nesse formato. Diretor com experiência em televisão, cinema, filme publicitário e teatro, trabalhou na agência Alcântara Machado, foi responsável pelo departamento de Rádio e TV da agência Thompson, participou da TV Excelsior, TV Tupi e da TV Bandeirantes (nos anos 1980). Roberto Palmari

22 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 146. 23 Segundo César Mêmolo Jr. a Lynxfilm teve participação de 65%, Cecília Galvão Vicente de Azevedo 24% e Alcântara Machado Participações, os outros 11%. Segundo a Cinemateca de São Paulo, participaram da produção do filme a Companhia Produtora R.F.P.Produções Artísticas – de Roberto Palmari, as empresas produtoras associadas Topázio Cinematográfica e Lynxfilm S. A., e como produtor associado, Cecília Galvão Vicente de Azevedo.

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conheceu Cyro del Nero na TV Excelsior e a partir de então, tornaram-se amigos. Mais tarde, responsável direto pelos cenários e realização dos desfiles e eventos para a Rhodia, Cyro del Nero convida Roberto Palmari para dirigir os comerciais, período em que também torna-se amigo de César Mêmolo Jr. e passa a dirigir comerciais na Lynxfilm. Roberto Palmari procura César Mêmolo Jr. com o projeto de realizar um longa-metragem: O Predileto, uma adaptação do romance Totônio Pacheco, de João Alphonsus, contista do modernismo mineiro, que teve a participação de Roberto Santos no trabalho de adaptação, roteiro e diálogos. Com o aceite de Mêmolo, esse viria a ser o segundo projeto de longa-metragem da Lynxfilm e obteve críticas muito favoráveis da imprensa. Essa parceria durou anos, já que Roberto Palmari ainda filmaria com a Lynxfilm um dos episódios de Contos Eróticos e também o seu segundo longa-metragem, Diário da Província. O Predileto ganha o Prêmio Governador do Estado de São Paulo, na categoria melhor roteiro, em 1975 e em 1976, o 4º Festival do Cinema Brasileiro de Gramado concedeu-lhe o Kikito de melhor filme, além dos prêmios de melhor ator para Jofre Soares, de melhor fotografia para Geraldo Gabriel e de melhor roteiro para Roberto Palmari e Roberto Santos. O próximo filme com a marca da Lynxfilm, O Seminarista, foi dirigido por Geraldo Santos Pereira em 1976 (lançado em 1976 em Atibaia e em 1977 em São Paulo) e colocou César Mêmolo Jr. mais próximo ao cinema, já que é ele, também, o responsável pela adaptação cinematográfica da obra literária homônima de Bernardo Guimarães. Geraldo Santos Pereira, diretor veterano, também egresso do IDHEC e da Vera Cruz, onde começou como assistente de direção, marcou presença nos órgãos institucionais do cinema, realizando documentários para o INCE e exercendo a função de direção do INC. Com seu irmão, José Renato Santos Pereira, cria a produtora Vila Rica Produções Cinematográficas e lança-se à aventura grandiosa de realizar um filme adaptado da obra de Guimarães Rosa – Grande Sertão Veredas – que obteve, contudo, um resultado decepcionante. Porém, com o seu O Seminarista, obtém grande êxito, culminando com a premiação no 5º. Festival do Cinema Brasileiro de Gramado, em 1977, para a melhor fotografia, de José Medeiros e o prêmio de melhor filme em 1977, pela APCA, Associação Paulista de Críticos de Arte. Essa parceria entre César Mêmolo Jr. na adaptação literária e o diretor Geraldo 109

Santos Pereira, ao se mostrar frutífera, prosseguiria repetindo-se no segundo projeto do diretor junto à produtora, na realização de O Sol dos Amantes (1979), segundo as lembranças de Antonio César Marra, “então o César se animou com o Geraldo e o Geraldo se animou com o César...”. A quarta produção da Lynxfilm é Contos Eróticos, de 1977, composto de quatro episódios e cada episódio dirigido por um cineasta: Roberto Santos, Roberto Palmari, Eduardo Escorel e Joaquim Pedro de Andrade. Com a produção de Contos Eróticos a Lynxfilm voltou a apoiar um projeto de produção coletiva, mas desta vez, realizado em proporções bem mais modestas do que o ambicioso Vozes do Medo. Porém, esse filme possuía um grande diferencial: a origem de seu projeto e o apelo comercial de sua proposta. Em 1976, a Editora Três lançou o seu primeiro concurso de contos eróticos, patrocinado pela revista masculina Status, de grande tiragem na época. Os quatro melhores contos, além de publicados na revista, seriam adaptados em Contos Eróticos, quatro olhares diversos sobre o tema erotismo: ótimas perspectivas comerciais para o lançamento de um filme, já de início com grandes atrativos – o título sugestivo e o apoio da conhecida revista masculina. Mais de mil candidatos enviaram seus contos para o concurso. Destes, trinta foram selecionados e premiados e César Mêmolo Jr., o produtor do filme, selecionou os nomes dos melhores diretores, a quem seria confiada a direção de um episódio, permitindo que cada um desses realizadores escolhesse o conto a ser adaptado e filmado, dentre os vinte e nove contos restantes na seleção, já que o conto vencedor do primeiro prêmio tinha sido censurado. Dessa maneira, Roberto Santos escolheu o conto Arroz e Feijão para dirigir; Eduardo Escorel escolheu filmar O Arremate; Joaquim Pedro de Andrade dirigiu Vereda Tropical; e Roberto Palmari ficou com As Três Virgens. “Nosso objetivo foi realizar uma peça cinematográfica de alto nível, provando ser possível abordar o tema do erotismo sem cair nas grossuras da pornochanchada (...)”, conta César Mêmolo Jr.24. Ilustrando mais um dos paradoxos do sistema de controle cultural do regime militar, o filme, apesar de finalizado, sofreu cortes ao ser apresentado à

24 Site oficial sobre a vida e obra de Joaquim Pedro de Andrade. [Acesso em 12 Maio 2007] Disponível em:

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Censura em 1977, porém, os contos foram liberados para publicação na revista, como peças literárias. Em alguns meses de espera veio a notícia de que o episódio O Arremate deveria sofrer cortes e que o episódio Vereda Tropical tinha sido totalmente vetado, restando somente a seqüência final, com o cantor Carlos Galhardo interpretando uma canção. Como as tentativas de liberação não deram resultado, Roberto Santos, Eduardo Escorel, Roberto Palmari e o próprio produtor, César Mêmolo Jr., foram solidários com Joaquim Pedro de Andrade e, embora liberados os três episódios, decidiram só lançar Contos Eróticos no caso de uma reconsideração em relação a Vereda Tropical. O lançamento só viria a ocorrer em 1980, ou seja, três anos depois de sua finalização. O episódio Vereda Tropical, em 1979, foi selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, exibido no Festival de Veneza e ganhou o Prêmio Especial do Júri na primeira Mostra de Cinema de São Paulo. Segundo Ivana Bentes, o episódio censurado – cujo argumento é o desejo de um homem por uma melancia - poderia ser resumido como “erótico sem ser pornográfico, político sem ser panfletário, psicanalítico sem ser chato, cômico, mas de um humor carioca e fino”. (Bentes, 1996, p. 125) Joaquim Pedro de Andrade se questionava sobre os reais motivos da censura ao seu episódio, já que, segundo ele, “não tem palavrão, nem mulher nua”. Simões tenta encontrar uma explicação para as arbitrariedades da censura quanto ao filme:

Os filmes eróticos, em sua maioria, seguem padrões rígidos, inovam quando muito na intensidade do tempero. Quando surge algo realmente fora do esquadro, que o censor nunca viu antes – imagens que fogem ao seu repertório básico – aí a coisa pega. Nessa categoria está o filme Contos Eróticos ... (Simões, 1999, p. 205).

Essa mesma avaliação do autor serve para o caso do filme Vozes do Medo: com imagens, códigos e representações que fugiam ao entendimento dos censores, conforme o depoimento de Aloysio Raulino, que veremos mais adiante, o filme sofreu duramente com a censura. Quanto à questão das perdas financeiras sofridas por um filme censurado, Simões faz outra análise pertinente:

... quando o filme estrangeiro é proibido, o distribuidor vai arcar apenas com o prejuízo causado pela ausência de renda no circuito 111

brasileiro (...) enquanto o filme segue explorando outros mercados. Em contrapartida, quando o filme é brasileiro, ele já enfrenta obstáculos em nível de produção, depois na fase de distribuição e finalmente no momento de entrar em contato com o espectador. (Simões, 1999, p. 219)

Apesar do episódio de Contos Eróticos, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade continuar censurado, a Lynxfilm, como se vê, não interrompe suas atividades de produtora cinematográfica, mas, ao contrário, toma fôlego e se dedica a duas novas produções em 1978: As Filhas do Fogo, longa dirigido por Walter Hugo Khoury e Diário da Província, segundo longa-metragem de Roberto Palmari. Walter Hugo Khoury25, que iniciou no cinema dentro dos estúdios da Vera Cruz como assistente de O Cangaceiro (1953), recebeu como herança daquela Companhia o rigor técnico que marcaria os seus filmes. Bem realizados e alcançando sucesso junto ao público devido à identificação com suas temáticas intimistas, que abordavam as grandes cidades e os medos, angústias e inquietações sexuais da classe média e burguesa, seus filmes estavam ligados à onda de modernização do país. Essa postura, que fazia o contraponto ao projeto ideológico e político do Cinema Novo, era considerada alienada pelos militantes do cinema engajado no referencial popular. (Ramos, 1983) O filme As Filhas do Fogo, uma ficção que carrega em seu argumento elementos sobrenaturais e paranormais, foi também o resultado de um concurso promovido pela Editora Três, que editava a revista Planeta. Aproveitando a oportunidade da coincidência de temáticas, uma vez que a revista Planeta dedicava- se a um público com interesses nessas áreas, o concurso propunha premiar os melhores textos a respeito do filme, destacando aspectos técnicos, artísticos ou científicos. Segundo informações da Cinemateca Brasileira, essa produção foi exibida na Mostra Melhores Filmes da Década de 70. Diário da Província, filme de Roberto Palmari, realizado em 1978, recebe o Kikito (o último recebido pela produtora) em 1979, no 7º. Festival de Cinema Brasileiro de Gramado. A conquista coube a , que arrebatou o Kikito de melhor ator coadjuvante, pela sua atuação. Além de segunda experiência

25 “É outra a tendência artística de Walter Hugo Khoury: preocupa-se pouco com a sociologia que o envolve, procurando exprimir sentimentos universais em filmes enraizados nos padrões estrangeiros. Dentre o grupo paulista – no qual estreou – foi o único a atingir uma obra contínua e pessoal. Sua filmografia relativamente extensa revela uma pertinácia exemplar e rara coerência estilística.” (Gomes, 1980) 112

de Roberto Palmari na direção de um longa-metragem, ainda leva prêmios no Festival de Cinema de Nantes, França, onde, novamente, tem boa recepção da crítica. Para realizar o filme, Roberto Palmari foi apoiado por uma equipe de pesquisa histórica, em vista de sua temática, tratando da política no panorama da revolução de 1932. O filme tem, como o primeiro, locações na cidade de Rio Claro e na região, mas acrescenta um fator novo: grande parte do elenco era composta por não atores, ou seja, amigos rioclarenses do diretor que, sempre que possível, incluía a região ou pessoas conhecidas também em suas produções publicitárias, buscando envolver a comunidade, já que ele nunca esquecia totalmente suas raízes. Um ano depois, em 1979, é a vez de Eduardo Escorel ter o seu filme produzido. Ato de Violência, com um argumento baseado em fatos reais, foi consagrado como a melhor direção, recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante para Renato Consorte, melhor roteiro e melhor cenografia no Festival de Cinema de Brasília em 1980 e, em 1981, foi considerado o melhor roteiro e a melhor música na Associação Paulista de Críticos de Arte, além de também ter sido selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, no mesmo ano de 1981. Apesar das premiações, não atingiu a bilheteria desejada, mas pode ser avaliado, segundo Antonio César Marra, como um dos melhores trabalhos nesse ciclo de dez longas produzidos pela Lynxfilm. A partir da história real de um esquartejador de mulheres em São Paulo (Chico Picadinho), Ato de Violência gira em torno da ineficiência dos métodos empregados no mundo penitenciário e das instituições psiquiátricas26. Eduardo Escorel iniciou sua bem-sucedida carreira na montagem com O Padre e a Moça (1966) de Joaquim Pedro de Andrade, de quem foi o montador de grande parte dos filmes e a quem deve muito do seu conhecimento. Com mais de trinta filmes em sua trajetória como montador, foi requisitado por Glauber Rocha, Julio Bressane, Gustavo Dahl, Carlos Diegues, Leon Hirszman, . Em 1976 dirige o seu primeiro longa-metragem, Lição de Amor, uma produção premiada e aclamada, que vem seguido da direção do episódio em Contos Eróticos. Ainda em 1979, embalado pela boa repercussão do seu primeiro trabalho em parceria com a Lynxfilm, Geraldo Santos Pereira – que com César Mêmolo tinha tido uma ótima relação em O Seminarista, resultando em uma amizade – realiza O

26 Baseado no mesmo caso de Chico Picadinho, Tony Vieira realizou na Boca do Lixo, também em 1979, O Matador Sexual, filme com nítida intenção de entretenimento e de forte apelo popular, em contraste com a proposta mais refinada, tanto técnica como intelectualmente, de Eduardo Escorel. (Abreu, 2006, p. 105) 113

Sol dos Amantes, agora com a produção executiva de Antonio César Marra. Esse filme, porém, não viu repetido o mesmo sucesso do anterior, devido a um fraco argumento e a sérios problemas em seu roteiro, o que resultou em uma péssima recepção do público. Mas o fracasso de público de O Sol dos Amantes não intimida a produtora de César Mêmolo Jr., que continua investindo e acreditando no cinema brasileiro. Em 1980, a produtora paulista viabiliza a estréia do diretor de filmes publicitários, Júlio Xavier, na direção do seu primeiro filme de longa duração, intitulado Alguém, baseado no conto de ficção científica de André Carneiro, O Mudo. A trajetória do filme tem origem em um projeto não realizado de um seriado produzido para a televisão, uma parceria da Lynxfilm com a Rede Globo, a partir de medida do Ministro da Educação, Ney Braga, que obrigava os canais a produzir uma porcentagem determinada de séries brasileiras, que até aquele momento, vinham do exterior, sendo posteriormente dubladas no Brasil. O objetivo da medida era, mais uma vez, incentivar a indústria de produção de filmes brasileiros. Na entrevista com Júlio Xavier, encontramos maiores detalhes sobre a idéia inicial para o filme:

“Nós pensamos numa série para televisão, uma série de contos com capítulos de 45 minutos, na linha do realismo fantástico, de ficção científica, porque era uma época de Gabriel Garcia Márquez, de Cem Anos de Solidão e essa era uma idéia minha. O Tércio Gabriel da Mota me trouxe o conto do André Carneiro, que sempre se dedicou a esse tipo de literatura, que se pode chamar de ficção científica ou realismo fantástico. Ficção científica num país que não tem ciência é meio absurdo, o realismo fantástico é uma coisa mais pra terceiro mundo, América Latina, é uma coisa de crendice popular, causos, do sobrenatural, é mais saci-pererê.” 27

Com o piloto da série escolhido, a equipe passou às filmagens que aconteceram durante um mês em uma fazenda em Vinhedo, interior de São Paulo, de propriedade da família Mesquita, dona do jornal O Estado de São Paulo. Mas, já em meio à edição, a Globo decide fazer, ela mesma, suas próprias séries e lança Malu Mulher, Carga Pesada, entre outras. A justificativa para as mudanças de plano da emissora, segundo Julio Xavier, foi que esta não queria perder o controle da sua produção:

27 Xavier, Julio. Entrevista [nov. 2006]. Apêndice, p. 185-186. 114

“Então o nosso projeto foi por água abaixo e não pudemos dar continuidade à série. Nesse momento nós já tínhamos todas as sinopses escritas, dez ou doze, que seria uma coletânea de contos, cada um de um autor e a série toda já estava aprovada pelo Ministério da Educação. Isso foi abandonado porque deixou de existir mercado para esse projeto e a Globo começou a produzir os seus próprios trabalhos. Aí resolvemos estender o capítulo que teria 45 minutos e ele foi reeditado pelo Tércio, com uma hora e quinze minutos, porque nós tínhamos muito material e isso foi lançado em cinema. A Lynx seria a produtora de toda a série. Quando surgiu essa lei do Ministério da Educação, a Lynx se inscreveu no projeto e pediu aos diretores da casa que apresentassem projetos. Naquela época a Lynx produziu muita coisa pra cinema. Esse filme foi exibido durante uma semana em São Paulo, no cine Vitrine, foi lançado em vídeo e passou em televisão aberta.” 28

O interesse do cineasta estreante pelo conto de André Carneiro estava pautado, principalmente no enredo que envolve sentimentos paranormais: o personagem principal, que é mudo, tem a capacidade de fazer crescer as plantas de forma exagerada, apenas com a energia das suas mãos. Esta capacidade de transformação acaba provocando um crescimento muito rápido em uma menina pela qual o rapaz se apaixona: sua paranormalidade faz com que a garota vire, muito rapidamente, uma linda moça. Segundo Júlio Xavier, o que mais o encantava nesta capacidade do jovem mudo, é que a força da sua paranormalidade vem da intensidade com que ama e é justamente esta força do amor que provoca as transformações à sua volta. A respeito da parcela de participação da Lynxfilm no filme, Júlio Xavier relata:

“A Lynxfilm produziu o filme, bancou os negativos, equipamentos, técnicos, e todo mundo trabalhou de graça, mas alguma coisa eu tive que tirar do meu bolso e foi feito tudo com muita dificuldade. A finalização, montagem, tudo isso foi bancado pela Lynx, inclusive um cachê muito simbólico para os atores.” 29

A partir dos resultados desta experiência, Julio Xavier não voltaria a dirigir mais nenhum longa-metragem, decepcionado com as dificuldades financeiras para se fazer cinema no Brasil.

28 Id., 2006, p. 186. 29 Ibid., 206, p. 187. 115

O ano de 1981 encerra o ciclo de produção de longas-metragens pela Lynxfilm com a realização de O Homem do Pau Brasil, de Joaquim Pedro de Andrade, que levou o prêmio de melhor filme, melhor atriz coadjuvante – Dina Sfat - e melhor cenografia do Festival de Cinema de Brasília, em 1981.30 Todavia, o longa- metragem não mobiliza o público e torna-se um desastre total de bilheteria. A última aposta de César Mêmolo Jr. no longa-metragem significou também o último filme da trajetória cinematográfica do cineasta Joaquim Pedro de Andrade, que faleceria em 1988. O diretor do polêmico Vereda Tropical - sua experiência anterior com a Lynfilm e César Memolo - já havia realizado Couro de Gato (1960), Macunaíma (1969), O Padre e a Moça (1966), Guerra Conjugal (1974) e Os Inconfidentes (1972), entre outros, tendo feito parte do grupo do Cinema Novo, juntamente com Glauber Rocha, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, Carlos Diegues, Miguel Borges, Marcos Farias, Julio Bressane, Rui Guerra, Nelson Pereira dos Santos, Arnaldo Jabor. Fruto de uma extensa pesquisa ao longo de um ano, realizada por Alexandre Eulálio e pelo diretor, O Homem do Pau-Brasil é o seu filme síntese, retomando “temas e questões que marcam todo o seu cinema. Do nacionalismo erudito de Mário de Andrade, chega à intuição filosófica da antropofagia Oswaldiana. O modernismo bufão, piadista, demolidor, intuitivo de Oswald contrasta com o lado sábio, pesquisador, “universitário” de Mário”. (Bentes, 1996, p. 135). Com seu título ambíguo, remete a uma das pornochanchadas dos anos 70, além de ser também o título irônico de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, de 1925, criticando Oswald de Andrade. A idéia de criar um Oswald de Andrade dividido em dois, protagonizado por uma atriz, que interpretava Oswald-fêmea e um ator que fazia Oswald-macho, chocou o produtor César Mêmolo Jr., a família de Oswald de Andrade e até mesmo atores escalados para o filme. César Mêmolo Jr. decide retirar-se da sua parcela na produção do filme, em vista dos desentendimentos com o diretor, o que forçou uma interrupção de um ano nas filmagens. Na primeira parte do filme, enquanto a Lynxfilm ainda participa da produção, o filme foi rodado em São Paulo e após a retirada da produtora e da interrupção das filmagens, o restante do filme é rodado em Angra dos Reis. Diante das ferozes críticas ao filme, Joaquim Pedro de Andrade publicou um manifesto em que defendia suas idéias e acusava os críticos e intelectuais. Um filme de clichês, de

30 Dados da Cinemateca Brasileira. 116

excessos, mas principalmente de pastiches, que o tornou incompreensível para o grande público e que, segundo Antonio César Marra, “era uma reação que não incomodava o cineasta”, dada a sua ligação com os ideais do “cinema de autor”:

“Era um filme incompreensível para o grande público, mas como o dinheiro vinha da Embrafilme, os “caras” não queriam nem saber se o filme ia dar retorno, o Joaquim estava numa fase delirante. (...) uma grande produção, que custou 5 milhões de dólares, um dos filmes mais caros do cinema brasileiro. (...) Mas depois do último longa, produzido em 1980, que foi o longa do Joaquim Pedro de Andrade, ele (César Mêmolo Jr.) não quis produzir mais, porque houve muita briga com o Joaquim, foi uma relação péssima.” 31

A distância do tempo não garante ser esta a única razão e, muito provavelmente, a luta com a censura e o fracasso de público também contribuíram fortemente para a interrupção desta parceria da Lynxfilm com os cineastas, combinados ao panorama que começava a se desenhar a partir dos anos 1980, mais especificamente entre os anos de 1979 e 1985: a crise inflacionária que se instalava no Brasil dificultava a produção cinematográfica, devido aos altos custos de realização, ao mesmo tempo em que inibia o acesso do público às salas de cinema. Nesse cenário se incluía o início do enfraquecimento da Embrafilme e do aparato estatal de apoio ao cinema nacional, por questões políticas, econômicas e administrativas, somado à pressão avassaladora das grandes distribuidoras americanas. Por outro lado, iniciava-se, a nível mundial, a era do vídeo-cassete, levando os filmes à comodidade dos lares, o que levou ao fechamento em série de muitos cinemas de todo o país. De qualquer modo, a proximidade da Lynxfilm com o cinema ainda se manteve por mais alguns anos e mesmo não atuando como produtora de longas- metragens, o fato é que vários de seus diretores continuavam realizando a “mão- dupla”, como vem atestar Marcello Tassara:

“Ela (Lynxfilm) não só foi produtora, mas também incentivou muito na época, inclusive a mim mesmo porque eu fiz um longa e eu tive um apoio bastante grande da Lynx. Esse longa-metragem é um documentário sobre a história da USP, que se chama O Brasil, os índios e finalmente a USP, que eu fiz logo depois que o Roberto

31 Marra, Antonio César. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 146-147. 117

Santos fez o último filme dele. (...) Esse filme foi feito em 1984. A Lynx me cedeu moviola gratuitamente, sem nenhum ônus. Durante seis meses eu usei a moviola da Lynx, foi uma grande contribuição que eu devo ao Sady Scalante, que foi quem me fez essa gentileza.” 32

5. Vozes do Medo : contexto de produção

Aqueles dias não morreram, encantaram.33 (Cyro del Nero)

“Em 1969, dentro do curso de cinema, o Roberto Santos teve a idéia de fazer um filme em colaboração com a ECA - no sentido da participação dos alunos - não era um filme da ECA, era um filme produzido pela Lynxfilm. O subsídio que o Roberto procurou na ECA era a participação dos alunos da primeira turma, que naquela época estavam no terceiro ano do curso e os alunos que se interessassem, participariam. (...) Aí apareceu Vozes do Medo que era uma idéia original, um projeto do Roberto Santos e do Hamilton Almeida Filho, um jornalista importante, amigo do Roberto, que sempre foi interessado em cinema e acabou dirigindo um longa-metragem.” 34

Com esta proposta experimental, que incluiu mesclar trabalhos de diretores experientes com os novos talentos que Roberto Santos encontrara como professor, Vozes do Medo, até hoje, provoca lembranças que sempre destacam o pioneirismo da proposta e a personalidade do seu idealizador e coordenador. César Mêmolo Jr., o produtor que teve a coragem de abraçar o projeto, indica os primeiros movimentos em direção à realização do filme:

“(...) em meio à ditadura e censura muito rigorosa, a idéia do filme era a de uma revista cinematográfica, um filme sob a forma de revista, com um artigo de fundo, como uma revista, onde tem moda, depois tem jornalismo, história em quadrinhos e nós fizemos. (...) Nós convidamos diretores como Maurice Capovilla, os alunos da ECA. O Perotti Barbosa, que era sócio da Lynx e que se dedicava a desenhos animados fez um dos episódios (...).” 35

32 Tassara, Marcello. Entrevista [mai. 2006]. Apêndice, p. 189. 33 Del Nero, Cyro. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 159. 34 Raulino, Aloysio. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 138. 35 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 152-153. 118

A diversidade de diretores tinha como base a pretensão de articular várias linguagens no filme, aproveitando, deste modo, o percurso profissional de Roberto Santos e sua vivência na publicidade, além dos contatos que sempre manteve com o teatro. Originalmente com 16 episódios, dos quais cinco (A Feira do Medo, Piá Não Sofre? Sofre?, Caminhos, Retrato de Um Jovem Brigador e Pantomima das 3 Forças) são dirigidos por Roberto Santos que também acumula a coordenação geral, Vozes do Medo traduz, principalmente, a inquietude do cineasta36, conforme nos atesta o depoimento de Plácido Campos Jr.:

“Então a cabeça dele estava um caleidoscópio e ele estava vindo com uma proposta de um filme que seria uma revista. Não sei se essa idéia dele de um filme como uma revista, teria alguma inspiração nos filmes feitos nas revistas de fim de ano no Rio de Janeiro, em que se fazia um balanço político das fofocas, dos acertos, em forma de teatro de revistas. O Paulo Emílio falava muito disso (...). Não sei se o Roberto tinha essa informação ou se essa idéia veio de outro lugar. A Editora Abril era um templo, tinha muito intelectual trabalhando lá na época, havia a revista Realidade; a Editora Abril era uma referência, todo mundo era redator de publicidade. A idéia do Roberto era um filme que fosse uma revista, com várias seções, que tivesse um editorial, o horóscopo, um ensaio aprofundado, a reportagem de impacto, o correio sentimental. E ele iria viabilizar o filme na Lynx, com a infra-estrutura da Lynx, usando os fotógrafos e os montadores deles e o Mêmolo já tinha topado. (...) nós éramos os “peixinhos” do Roberto. Nós fomos escolhidos porque éramos os alunos mais próximos dele, com quem ele tinha mais empatia e mais intimidade.” 37

36 Convém neste momento abrirmos um parágrafo para expor um trecho importante do depoimento de Cyro del Nero a respeito da inquietude Roberto Santos e suas implicações: “Ele era o retrato do mau destino do cineasta brasileiro. Roberto fez a cada 7 anos um filme. Ele passava 7 anos de jejum cinematográfico. Eu fiz direção de arte em alguns filmes dele. Eu fiz os levantamentos com ele de A hora e a vez de Augusto Matraga , fiz o Vozes do Medo e fiz o Machado de Assis. E fomos pra Gramado pra apresentar o filme do Machado de Assis, Quincas Borba. Machado de Assis foi a desgraça final da vida do Roberto. Roberto queria fazer o Miguilim, ele era louco por Guimarães, e aí veio a notícia da família, que queria distribuir o vídeo antes do lançamento cinematográfico, que foi um escândalo. E aí estava lá o dinheiro pra fazer o Miguilim e disseram ao Roberto: “não vamos fazer Miguilim, escolha outro roteiro, porque o dinheiro está aí, faça por favor Machado de Assis”. Passar de Guimarães para Machado de Assis, foi um pulo fatal. Não sei nem se estava informado sobre Machado de Assis. Seria um cinema como se fosse de um outro país. E tivemos que fazer. Fomos a Tiradentes e começamos a fazer o filme, eu desenhava, fazia os storyboards. O fracasso com vaia em Gramado foi terrível. Houve uma reunião com críticos e público, Roberto sozinho sentado numa mesa, respondendo às críticas. Aí acabou, pegamos o avião, descemos e fomos esperar as bagagens. Ele caiu e morreu.” (Del Nero, Cyro. Entrevista [jun. 2006]. Apêndice, p. 157-158). 37 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 206. 119

A partir das conversas com seu amigo Hamilton Almeida Filho sobre a idéia de desenvolver um filme no formato de uma revista, Roberto Santos foi fazer um estágio na Editora Abril, circulando por um tempo na redação da revista Claudia, que àquela época era dirigida por Ignácio de Loyola Brandão, para conhecer o processo de realização, da pauta até a edição final. (Simões, 1997). Hamilton Almeida Filho era um jornalista e editor, com passagens pelo Jornal do Brasil e Jornal da Tarde e nos jornais alternativos Movimento, Ex e Bondinho, e que também fez parte do memorável corpo editorial da revista Realidade, além de outras revistas como Veja, Cruzeiro, Senhor, tendo falecido precocemente em 1993. A revista Realidade, considerada uma ousada publicação semanal da Editora Abril, lançada em 1966 e vista, até hoje, como um marco na história da imprensa brasileira, foi uma grande inspiração para a idéia do filme. E, apesar de pertencer a uma editora que mantinha relações com o poder autoritário e com o capital estrangeiro, possuía um corpo de redação – em grande parte, militantes da esquerda - que trabalhava com grande autonomia, inaugurando um estilo jornalístico de resistência à ditadura militar, que prosseguiria no Brasil durante a década de 1970. Em meio à novidade da pílula anticoncepcional e da revolução sexual, produzia em suas páginas a reportagem social colocando em pauta a discussão de costumes e moral, o que alcançava um público diferenciado até então em relação ao mercado das outras grandes revistas, como O Cruzeiro e Manchete, que produziam revistas de caráter jornalístico mais superficial. Esse novo público era a classe média urbana, sobretudo, jovens com formação universitária ou ensino médio. Com alta qualidade editorial e de textos, as reportagens da Realidade exibiam com profundidade grande diversidade temática, conectadas com o caldo cultural daqueles anos, principalmente com o novo Brasil que emergia e da cultura jovem inspirada nos movimentos culturais internacionais. Mas o AI-5 foi o fator que desencadeou o seu fim, em 1968, com o início da censura das pautas, causando a demissão voluntária de toda a sua equipe, exatamente em seu apogeu. Ainda assim a revista caminhou até 1976, mas com a nova equipe editorial e outra conjuntura política, não conseguiu voltar aos patamares anteriormente atingidos. (Faro, 1999) Projeto ambicioso, espaço para experimentações, Vozes do Medo convoca, ainda hoje, a memória de uma iniciativa que buscou extrair de cada um dos realizadores, sua expressão particular, proporcionando um nível de liberdade pouco comum naquele período, além de proporcionar uma experiência inédita para os 120

alunos da ECA, ainda novatos no campo da direção e no mundo de uma grande produtora como a Lynxfilm. Os envolvidos no projeto de Vozes do Medo destacam não só a participação decisiva da produtora paulista, como reconhecem o papel do seu sócio majoritário, que investiu em uma proposta ousada em um momento em que poderia, simplesmente, aproveitar as benesses da sua notoriedade no meio publicitário. Aloysio Raulino, extremamente envolvido com o projeto do filme, nos conta:

“... era um filme enorme, tinha quase três horas de duração, com muitos episódios, uma produção bastante ambiciosa. (...) o César Mêmolo foi a pessoa que comprou a idéia de uma maneira muito corajosa para a época, muito rara para a época, por ser a Lynxfilm uma produtora grande de publicidade, sem o perfil de produção independente. (...) O Roberto já tinha uma trajetória importante no cinema e ele conseguiu articular a idéia desse filme com o César Mêmolo que foi muito corajoso, inclusive por apostar em diretores novos e em alguns que nunca tinham dirigido um filme: por exemplo, tinha um jornalista, o Adilson Bonini, o Gianfrancesco Guarnieri que era do teatro. Enfim, as pessoas foram se agrupando em torno desse projeto.” 38

A possibilidade de realizar suas idéias de forma integralmente autônoma, permitiu, inclusive, que outros diretores, que trabalhavam muitas vezes em parceria, como Aloysio Raulino e Roman Stulbach, também fossem, cada um, responsável pelo seu próprio projeto. Assim, enquanto o episódio de Roman Stulbach era uma fotonovela, toda feita em still, Aloysio Raulino aceitou a sugestão de Roberto Santos que propôs a ele fazer um drama familiar e acaba dirigindo um episódio realizado em uma única locação:

“E o tema (do filme) era o medo, porque a censura aqui já estava muito pesada, estávamos sob o AI-5. Então começamos a conversar, a propor coisas e o Roberto sugeriu a idéia de um psicodrama familiar. Então eu pensei a idéia de um jantar em família: pai, mãe, filho e filha, que resulta num drama, o filho fica embriagado e começa a falar um monte de coisas, tumultua o jantar e o clima vai se deteriorando. Um plot clássico, filmado num único lugar, em torno de uma mesa. Eu dirigi e roteirizei. Quem fotografou o meu filme foi o Marcelo Primavera, um fotógrafo muito experiente. Na época eu tinha 22 anos e a locação do filme foi na casa dos meus pais, tudo se passa em duas salas em torno de uma mesa e foi rodado em quatro

38 Raulino, Aloysio. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 138-139. 121

dias. Eu também colaborei com a produção desse episódio. A gente tinha liberdade total, o Roberto foi lá uma vez só para me dar um abraço, ele não interferia.” 39

Apesar de não interferir na realização, Roberto Santos, porém, não deixou de lado seu papel de coordenador do projeto, estimulando, principalmente, a liberdade de criação e o aproveitamento dos potenciais individuais, mas, por outro lado, mesmo reconhecendo e estimulando os jovens talentos que encontrara na sua jornada como professor, não deixou de colocar alguns episódios nas mãos daqueles que, de certo modo, configuravam sua “turma”, como Cyro del Nero, Maurice Capovilla e Gianfrancesco Guarnieri (a amizade com Guarnieri já vinha desde o período em que foi o protagonista de O Grande Momento, 1958), três grandes e antigos amigos, conforme depoimento de Plácido Campos Jr.:

“Aí ele (Roberto Santos) também chamou o Gianfrancesco Guarnieri que era da turma dele e o Maurice Capovilla pra fazer dois episódios e ele, Roberto, se encarregou de três episódios. Outros episódios foram feitos pelos amigos de peso do Roberto e por alguns profissionais que trabalhavam na Lynx. O Cyro del Nero veio como o cenógrafo da Rhodia. (...) Outros episódios foram feitos por alguns profissionais que o Roberto respeitava de alguma forma. (...) O episódio do Roman era um pouco mais complicado, tinha um casal de atores, uma crônica de um amor adolescente, em que a menina fica grávida. O Aloysio fez um dos melhores episódios do filme, A Santa Ceia, em que ele vira do avesso a estrutura da família burguesa. O Capovilla faz uma metáfora com uma personagem aprisionada numa jaula de circo, sendo chicoteada. O Guarnieri faz uma coisa muito simples de caráter social, sobre o dia 10 de cada mês, operários da construção civil e a prioridade do uso do salário. O Cyro fez essa grande e barroca adaptação, uma leitura do Curzio Malaparte, é o episódio mais bombástico. Todos eles dentro de uma característica comum no cinema brasileiro, quanto a se expressar metaforicamente, dentro do contexto político do país. O Guarnieri é o que menos utiliza essa linguagem metafórica, é o mais direto.” 40

Realizado em 1970, em meio ao maior rigor da ditadura militar – o que significava uma forte censura – o filme sofreu, depois de concluído, várias interferências. César Mêmolo Jr. relata o drama e a perplexidade da situação vivida junto à Polícia Federal na tentativa de liberar o filme:

39 Id., 2007, p. 138. 40 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 206-207. 122

“(...) saiu um filme muito estranho, a censura não entendeu onde nós queríamos chegar, achou que ali havia alguma coisa de contestação ao regime e interditou o filme. Então foram muitas idas à Brasília, eu e meu advogado. Sendo que o diretor da Polícia Federal da época chegou a nos confessar, ao advogado e a mim, que ele tinha assistido ao filme e que ele realmente não tinha entendido bem, também porque era um filme experimental que tentava fazer uma coisa diferente. Ele disse que não tinha entendido bem, mas como o filme tinha sido interditado pelos três censores que viram, ele também tinha que manter a decisão.” 41

O fato de um produtor permitir aos diretores dos episódios total liberdade de expressão em um período de censura rígida no país foi um dos fatores de estranhamento para os censores. Por outro lado, a falta de uniformidade e ligação entre os episódios, que continham propostas estilísticas próprias, foi outro elemento que dificultou o entendimento, inclusive do público. Depois de muitas idas e vindas, a Censura sugeriu cortes em vários trechos do filme, além da eliminação dos episódios Piá não sofre?Sofre, dirigido por Roberto Santos e A Santa Ceia, de Aloysio Raulino. Mas, não só a censura causou problemas para Vozes do Medo. Antes de chegar a esta etapa, o filme se ressentiu, segundo Plácido Campos Jr., da situação da Lynxfilm enquanto produtora publicitária, ou seja, ela investia nas filmagens mas estas não poderiam significar prejuízo para seu papel de produtora de comerciais. Além disso, havia, na visão de Plácido Campos Jr., um tratamento diferenciado para com as produções dos alunos e dos diretores já experientes:

“Aí começou a haver algumas contradições porque a Lynx tinha como prioridade fazer os seus comerciais e o filme era uma coisa secundária, uma coisa paralela, então os episódios dos alunos foram realizados com uma produção muito simples e barata. (...) Surgiram conflitos. Houve dois pesos e dois tratamentos entre os filmes dos alunos e os dos outros. O filme era um projeto experimental que desde o início era já sabido que não teria retorno financeiro. Mas o Mêmolo foi bastante generoso em entender e bancar o projeto. Essa briga interrompeu um pouco o processo por alguns meses, cada um editou na Lynx o seu episódio. E o Roberto foi quem deu a conformação final do filme, foi ele quem escolheu a seriação dos episódios e finalizou com os montadores da Lynx e nesse momento nós já estávamos distantes. Ele assumiu a paternidade do filme.” 42

41 Mêmolo Jr., César. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 153. 42 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 207. 123

Apesar da censura e do pouco público, o filme, realizado sob a coordenação de Roberto Santos, acabou premiado pela APCA e pelo Prêmio Governador do Estado. Antes deste feito, também tinha sensibilizado a crítica especializada por sua tumultuada trajetória. O texto a seguir foi publicado no jornal O Estado de São Paulo em 8 de junho de 1974:

“Poucos filmes nacionais tiveram uma história tão estranha quanto Vozes do Medo. Em 1970, foi escolhido por uma comissão especial do INC, encarregada de indicar o representante do Brasil no Festival de Berlim. Não chegou, porém, a viajar porque não recebeu certificado da Censura. Somente depois de um ano e meio, o filme foi liberado, com vários cortes. Depois disso, as empresas exibidoras rejeitaram o filme, por julgarem-no sem interesse comercial. Além de algumas poucas sessões especiais, só foi exibido comercialmente durante uma inexpressiva semana no Cinema-1 do Rio, em 1972, agora, talvez pressionado pela necessidade de cumprir o decreto de exibição obrigatória de filmes nacionais. Talvez motivado pelo interesse por filmes malditos, Álvaro Moya colocou Vozes do Medo na programação do Marachá. E aí deu-se o inesperado: sem promoção alguma, sem anúncio em jornal, sem press-release, sem fotos promocionais e mesmo sem trailler, o filme manteve-se três semanas em cartaz e está programado para permanecer no mínimo cinco semanas.”43

Outra matéria, publicada em 14 de julho de 1974, desta vez no jornal O Estado do Paraná, intitulada “O Medo das Vozes” destaca as qualidades do filme e a censura que este sofreu:

“Vozes do Medo guardou alguma coisa da concepção original e teria conservado mais não fosse a liberdade total que Roberto Santos concedeu aos diretores convidados: gente de publicidade, da TV e do Teatro, estudantes de cinema da USP ao lado de um cineasta consagrado e até um professor de filosofia. O liberalismo fez mais bem do que mal, pelo menos nessa primeira experiência. Permitiu que uma fórmula se transmudasse em forma nova com possibilidade equivalente de aprofundamento e brilho. Esse primeiro resultado me impressionou muito. É disparatado e sinfônico, é colado, articulado e fundido. Possui a grandiloqüência da ópera e a humildade da crônica, a disciplina da coreografia e o movimento improvisado da existência, o conhecimento e a impressão, a epiderme e o mergulho, a sátira e a poesia. As epigrafes são versos de Carlos Drumonnd de Andrade, daqueles que assustam um pouco. Os censores são assustadiços por natureza e por isso tiveram medo. Pareceu-lhes ouvir vozes e não sabendo bem donde vinham e

43 Site oficial de Roberto Santos. O Estado de São Paulo, 8 jun. 1974. [Acesso 04 jun. 2014] Não consta nome do autor. 124

o que diziam resolveram proibir a fita inteira. Passados uns dois anos a censura tornou-se mais atilada, mas permaneceu cismada: liberou a fita menos dois episódios. Ai entrou o INC que passava por uma de suas crises de cegueira: hesitou em dar a Vozes do Medo o certificado de boa qualidade. Agora é a vez da surdez e cegueira voluntárias do nosso comércio cinematográfico. Mas Roberto Santos e Vozes do Medo possuem tenacidade e persuasão.”44

O fato é que a situação de censura vivida pelo filme é observada sob outros ângulos por quem o realizou. Tais observações colocam em destaque a situação vivida pela Lynxfilm, pois, enquanto produtora de comerciais, mantinha com o governo intensa relação, sendo este, muitas vezes, seu cliente45. Novamente, é Aloysio Raulino quem nos dá mais detalhes do processo:

“Bem, o Vozes do Medo, ficou pronto, foi exibido, teve a pré- estréia em São Paulo, algumas pessoas viram e causou um impacto muito grande: as primeiras exibições foram barra pesada. Mas, quando chegou o momento de tirar o certificado de censura para ser lançado ele causou um problema, abalou o governo numa situação muito complexa, com discussões entre ministros. O filme teve tal impacto na época e causou medo mesmo, muita preocupação. A Lynxfilm era uma produtora institucional que tinha ligações com o governo, fazia filmes governamentais e eles tinham contatos com Brasília. Houve uma reunião em Brasília e ele foi interditado na íntegra. O Roberto era uma personalidade no Brasil, o César Mêmolo ficou indignado e começaram as pressões para que ele fosse liberado. A Lynxfilm estava num prejuízo gigantesco.” 46

Os detalhamentos da liberação do filme merecem ser aqui destacados, pois revelam nuances e conflitos que a ditadura militar, imposta em 1964 ao país, também experimentou. Segundo Aloysio Raulino, o histórico de censura de Vozes do Medo incorpora um momento de conflito envolvendo os ministros Alfredo Buzaid, da Justiça; Jarbas Passarinho, da Educação e Delfim Netto, do Planejamento. Ainda

44 Site oficial de Roberto Santos. O Medo das Vozes. Estado do Paraná, 14 jul. 1974. [Acesso 04 jun. 2014]. < http://www.cineastarobertosantos.com.br/criticas_vozesmedo_eparana.html>. Não consta nome do autor. Segundo Simões (1997, p. 148), o artigo tem autoria de Paulo Emílio Sales Gomes e foi publicado no Jornal da Tarde, de São Paulo, sem precisão de data. 45 A Lynxfilm realizou filmes para o Governo Federal, para o Governo de vários estados brasileiros e prefeituras, para Ministérios, órgãos e instituições públicas como Petrobrás, Telebrás, Embratur, Rede Ferroviária Federal, Light (são alguns exemplos). Além disso, também realizou filmes para campanhas políticas de partidos, como MDB, Arena, PSP. Ainda, teve como clientes meios de comunicação: TV Excelsior, TV Tupi, TV Record, TV Globo, TV Bandeirantes, Editora Três, Editora Abril, Editora Bloch, Rio Gráfica Editora, Diários Associados, Empresa Folha da Manhã, O Globo – aqui, citamos somente os clientes maiores. (Informações obtidas a partir de catálogo de filmes, disponibilizado pela Lynxfilm). 46 Raulino, Aloysio. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 139. 125

de acordo com Aloysio Raulino, houve divergência entre os três, já que tinham históricos ideológicos razoavelmente distintos, pois, enquanto Alfredo Buzaid era alinhado com a face mais dura do governo e um dos mentores da censura e da repressão, Jarbas Passarinho pode ser colocado como mais brando e Delfim Netto, comparado aos dois, era mais articulador, um intelectual do regime. Estas diferenças expressaram-se na amplitude dos cortes propostos ao filme: Alfredo Buzaid queria a interdição total, Passarinho sugeriu cortes drásticos enquanto Delfim Netto propunha cortes mais brandos:

“Mas a história teve o seguinte desfecho: o Buzaid, além da posição geral com relação ao filme, achou que havia espionagem na casa dele, que havia escuta, porque vários jantares que havia na família Buzaid tinham frases inteiras idênticas ao filme, porque os bate-bocas familiares não diferem tanto entre si e ele se viu ali no filme, porque a formação da sua família era a mesma daquela do filme. Ele entrou numa paranóia. Enlouquecido, veio pra cima de mim, “encanou” com o filme. Ele mandou a polícia federal com metralhadoras invadir a Lynxfilm, porque sabia que os negativos do Vozes do Medo estavam lá dentro, porque havia temor que no laboratório sumisse. Foi apreendido o negativo de imagem, as pistas sonoras magnéticas, o copião montado, o negativo ótico do episódio A Santa Ceia e foi tudo destruído. Eu não sei se o Piá Não Sofre do Roberto Santos teve o mesmo fim porque A Santa Ceia e o Piá Não Sofre foram os dois episódios interditados na íntegra, além dos outros cortes ao longo dos outros episódios. Mas o Roberto sempre dizia, sobre esses dois episódios que foram interditados, que cortaram os pés e a cabeça do filme. Porque eram os dois extremos, a miséria total e a loucura burguesa total.” 47

Estes embates com a censura levaram, na verdade, dois anos, e incluíram uma série de telefonemas e ameaças, em especial para Aloysio Raulino que, diante das pressões e por já ter um histórico de oposição ao governo, decide ir embora do país e exila-se na Europa. E, já no resgate deste episódio de cortes ao Vozes do Medo, ele aponta o quanto a censura deste período da história do país, observada anos depois, apresenta-se em seus trajes absurdos, o que não significa encobrir a violência com que agia:

“Os laudos da censura mostram como os censores extrapolaram o censo do ridículo. Houve inclusive uma argumentação de que o episódio A Santa Ceia não existia e que tudo

47 Id., 2007, p. 140. 126

era uma ação para tumultuar o ambiente, era uma provocação. Entre esses laudos absurdos havia outros sobre o Roberto Santos. Tem um laudo que dizia que o Roberto começou a se infiltrar no curso de cinema para tentar doutrinar os jovens, instrumentalizando a juventude com idéias subversivas e comunistas. O texto dizia, por exemplo, ilustrando essa doutrinação: “... depois das aulas se dirigem aos bares da vizinhança do campus da universidade, onde, depois de ingerir todo o tipo de bebidas alcoólicas, os alunos passam a aclamá-lo (Roberto Santos), achando-o genial, enquanto são doutrinados”. Quer dizer que para eles essa era uma ação subversiva. Porque o Roberto Santos já era visado. O Vozes do Medo já estava visado antes mesmo de ter sido feito, porque o Roberto era visado e os alunos do curso de cinema também. Depois eu fui de novo visado pela censura. Foi censurado um documentário meu chamado Tarumã, um filme de 1975. Por exemplo, o Frei Tito, que eu fotografei, de 1983, foi proibido apesar de não haver mais a censura prévia naquela época.” 48

A ação violenta da censura que acabou provocando a destruição do filme com a invasão da Lynxfilm, no entanto, não foi um impedimento à sobrevivência de Vozes do Medo. Graças, em especial, ao acaso ou sorte, como se queira creditar, o filme está hoje na Cinemateca, recuperado quase integralmente. Marília Santos foi uma das pessoas mais interessadas na recuperação do filme, já que ele faz parte do acervo de seu falecido marido:

“Na realidade foram dois anos de censura. O César se comprometeu a tirar esses episódios e ficou sumido o positivo e o negativo e depois alguém na Lynx, arrumando as coisas lá, achou esses dois episódios e entregou pra gente. Então colocamos na Cinemateca, fizeram contratipo e está quase completo. Do Piá eu nem lembro se consegui recuperar tudo. Uma vez surgiu uma pessoa que trouxe uma cópia em 16 mm todo em preto e branco, da França, sem os episódios, de alguém que conseguiu e levou embaixo do braço. Até eu tive que confiscar algumas coisas pra mim. As cópias ficavam todas na Cinemateca. Eu segurei uma cópia em VHS do Vozes do Medo.” 49

Aloysio Raulino, por outro lado, narra a sua versão sobre o percurso de preservação do filme:

“Na minha volta ao Brasil, quase um ano depois, demos uma sorte extraordinária, porque tinha sido feita uma cópia muito boa

48 Ibid., 2007, p. 141. 49 Santos, Marília. Entrevista [abr. 2006]. Apêndice, p. 194-195. 127

como qualidade, em branco e preto, mas, porque continha um erro de sincronismo, ela foi deixada de lado, nunca tinha sido projetada e ficou esquecida. A qualidade era melhor do que a da cópia que tinha sido destruída. Quando se descobriu essa lata de filme, ela foi contratipada e foi feita uma cópia. Por isso hoje ela está na Cinemateca, sobreviveu. Foi muita sorte.” 50

Observado hoje como uma obra que mescla cinema, atualidade, ficção, desenho animado e outras tantas tendências que marcaram as buscas estéticas dos anos 1970, Vozes do Medo traduz muito da imensa vontade de resistência aos problemas impostos pela ditadura militar, desde a escolha do título mas, também, por sua proposta de agregar, reunir, colocar lado a lado gerações distintas, algo a que o governo se opunha frontalmente já que, naquele momento, qualquer agrupamento de pessoas era visto como uma possibilidade de conspiração contra o regime. Seu lançamento, em 1972, segundo Aloysio Raulino, apenas foi realizado para cumprir uma etapa formal, dado que o filme, quando chegou às salas de cinema, estava fora de época, ultrapassado e foi um desastre de público. O projeto de Vozes do Medo, apesar de sua história conturbada, ainda motiva Roberto Santos a mais uma iniciativa junto à Escola de Comunicações e Artes da USP, segundo Plácido Campos Jr.:

“Aí, com o Roberto a gente continuou bastante próximo por algum tempo. Esse contágio do Roberto com a Escola de Comunicações progride ainda para um projeto totalmente concebido na Escola, um longa-metragem chamado As Três Mortes de Solano, dirigido pelo Roberto e feito com alunos, um longa em três episódios. Nesse momento eu já estava fora da Escola. Esse parece ter sido, na cabeça do Roberto, uma conseqüência daquele projeto democrático que era o Vozes do Medo.” 51

Para alguns dos envolvidos no projeto de Vozes do Medo essa experiência abriu novas oportunidades de trabalho e idéias. Uns foram para a publicidade, outros, permaneceram junto ao longa-metragem, outros voltaram às suas profissões iniciais. Após a conclusão do curso de cinema na USP, Plácido Campos Jr. criou a NAU - Nacional Artistas Unidos – com Rudá de Andrade e Guilherme Lisboa, uma produtora de publicidade que teve, porém, curta trajetória devido à constatação da inviabilidade dos ideais de seus criadores:

50 Raulino, Aloysio. Entrevista [mai. 2007]. Apêndice, p. 140-141. 51 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 208. 128

“O Roberto Santos dirigiu durante um ano os nossos comerciais. (...) a gente começou fazendo comerciais para a Rede Globo através dos nossos contatos e nossa idéia era uma ilusão de que você montaria uma estrutura que pudesse se manter de pé para produção de filmes comerciais para poder fazer longas e isso foi sempre uma experiência que nunca deu certo. E não dá, ou você faz uma coisa ou faz outra.” 52

Hoje, temos exemplos de um novo modelo de pensamento, estratégia comercial e configuração econômica mundial no campo das produtoras que, ao contrário da opinião de Plácido Campos Jr., demonstram o quanto é factível produzir filmes publicitários e, paralelamente, produzir longas-metragens. Debruçar- se sobre como essas produtoras, nas últimas duas décadas, obtiveram sucesso e reconhecimento através dessas estratégias, pode ser a sugestão para um novo estudo, a partir do que este trabalho se propôs.

52 Id., 2006, p. 208. 129

Considerações finais

Quando se procura compreender o universo do audiovisual brasileiro, há uma situação que merece ser observada - se a Lynxfilm e a Jota Filmes foram formadas por profissionais oriundos do cinema - que levaram à publicidade produzida para a televisão, a experiência desta origem - tem-se hoje, no horizonte do cinema brasileiro, diversos profissionais oriundos da publicidade e da Televisão, que não deixam de contaminar seus filmes com estas vivências profissionais. Este cenário reflete uma situação de simbiose ou proximidade entre a publicidade, o cinema e a televisão, quando se pensa a produção atual de filmes no Brasil. As inovações tecnológicas das mídias digitais romperam definitivamente a linha divisória entre cinema e televisão: filmes podem ser vistos em aparelhos de TV ou em tablets e telas de computadores, por exemplo, através de serviços pagos como Netflix. Hoje, a televisão e o cinema se encontram e se complementam nestas novas mídias, ao mesmo tempo em que assistimos à uma re-valorização do cinema brasileiro que se manifesta inclusive na estética das novelas e dos filmes publicitários. Mas, no recorte do percurso do audiovisual paulista desenvolvido por este trabalho, buscou-se, através da Lynxfilm e sua participação na história, não deixar de lado personagens e situações. Tal caminho implicou em algumas imprecisões que tentaram ser superadas à luz do confronto com outros documentos. Nem sempre, no entanto, este procedimento foi suficiente para se chegar à certeza do dado ofertado por um ou outro entrevistado. Por isso, a opção foi manter a oralidade de modo que estas vozes, às vezes sujeitas às fissuras da memória, ficassem aqui registradas. As entrevistas relacionadas à Lynxfilm trouxeram à tona variadas e pessoais motivações, revelando que a existência da produtora provocou cortes diferenciados e demandas específicas na vida de cada um. Por isso, mesmo que seja possível reconhecer sínteses amplas a respeito da importância da produtora paulista, o que se pode depreender é que, recuperar os tons e modulações 130

específicos de cada voz, abriu múltiplas trilhas nesta história. Neste sentido, aqui temos um painel com suficiente amplitude para uma redefinição das conseqüências que a existência da Lynxfilm provocou no meio audiovisual paulista, com contribuições inclusive para o audiovisual brasileiro. Observar este território pouco conhecido, que é a produção publicitária realizada para a televisão no Brasil, foi uma das motivações para se estudar a Lynxfilm, na específica publicidade de São Paulo. Ao se debruçar sobre tal objeto, acabou-se recuperando outros fatos e situações, que tantas vezes resultaram em zonas de intersecção sem que a memória, no entanto, ficasse presa a estas. A conquista de novas soluções estéticas e de narrativas repercutiu na forma de se conceber a publicidade. Cada inovação com repercussão positiva gestava novas ousadias e, também, a necessidade de se construir novas regras para que as relações profissionais, tecidas entre estas distintas histórias individuais, ficassem claras e, principalmente, configurassem um espaço pautado pela ética e pelo equilíbrio entre as partes envolvidas. Esta conquista da linguagem própria incluiu o investimento na animação, na trucagem e também no diálogo com a estética cinematográfica, com repercussões que afetaram a própria idéia de como formar um profissional do cinema ou da publicidade. Tanto que estes profissionais que circularam pela Lynxfilm, foram partícipes da criação da Escola de Comunicações e Artes, da USP e também da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, ambas fundamentais para o desenvolvimento do audiovisual brasileiro, em que pese o preconceito, de certo modo ingênuo, dos alunos da primeira turma, como relata Plácido Campos Jr.:

“Eu nunca trabalhei para a Lynxfilm. Diziam que nós, os alunos da primeira turma da USP, éramos muito intolerantes, onipotentes, muito chatos, que tínhamos o nariz empinado, que valorizávamos muito o modelo do cinema de autor e a gente desvalorizava o cinema publicitário. E nós só viemos a rever essa posição em relação ao filme publicitário quando nós começamos a fazer na nossa produtora. Tinha duas coisas que a gente desprezava, talvez por imaturidade: o cinema publicitário e o cinema da Boca. No caso do cinema da Boca o erro foi maior e isso foi corrigido pelos nossos sucessores. Os alunos das outras turmas foram influenciados pelo Paulo Emílio que dizia que “por pior que fosse o filme nacional ele era mais importante que o filme estrangeiro”. Já perceberam que a Boca tinha algo de importante. André Klotzel, por exemplo, foi trabalhar na Boca. Por 131

ironia, eu fui trabalhar na FAAP, que é a grande formadora de mão- de-obra do mercado publicitário. 1

O destino de vários dos entrevistados, posterior à Lynxfilm, também confirma o quanto a fase de trabalho, direto ou indireto com a produtora paulista repercutiu na vida de cada um e, como digressão ou desdobramento, demarcou as linhas que desenham o terreno do audiovisual paulista. Procurou-se aqui, portanto, destacar estes encontros como parcerias produtivas, no sentido de que buscaram romper situações de crise do cinema brasileiro em termos de realização, além de contribuírem para o apuro técnico dos profissionais da área audiovisual. Significativa parte desta trajetória tem sido tratada marginalmente, ao não se incluir a relação que as produtoras de filmes publicitários representam nesta história. Em outras palavras, mesmo reconhecendo a necessidade de se compreender a história do cinema brasileiro como depreendida da filmografia produzida para este fim, procurou-se contemplar alguns momentos em que realizar um filme no Brasil significava, muitas vezes, estar vinculado a uma produtora publicitária. Esta situação não foi motivada pela negação dos cineastas à criação cinematográfica como se compreende normalmente, isto é, produzir longas e curtas- metragens para o circuito das salas de cinema. Ao contrário. O paralelo traçado por este trabalho ressalta exatamente o oposto: estar abrigado em uma produtora publicitária era decorrência de uma política que estrangulara o processo produtivo do cinema no Brasil, reconhecidamente explicitado por ciclos que se alternam entre sucesso e profunda inatividade. Mas, em que se reconheça este estado quase compulsório, não se pode, por outro lado, ignorar o papel desempenhado por tais produtoras para que o país, de certa forma, continuasse a contar com seus cineastas e técnicos. Assim, a Lynxfilm pode ser vista como uma resposta histórica que preencheu uma, ou, algumas lacunas de produção que marcaram estes momentos do cinema brasileiro. O tempo e fatos que formaram o objeto desta pesquisa permitem mais e diversas pesquisas, buscas e entrevistas – algo que os limites deste trabalho não comportaram, incluindo a perspectiva de que ele é uma introdução ao tema, um estudo de caso, uma contribuição para essa história.

1 Campos Jr., Plácido. Entrevista [dez. 2006]. Apêndice, p. 208. 132

Enfim, entre as conquistas do processo de realização deste projeto está a expectativa de que possa ser somado aos diversos trabalhos que têm contribuído para que se reconheça o papel das produtoras publicitárias paulistas no contexto da produção audiovisual e do cinema brasileiros.

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APÊNDICE

ENTREVISTAS

Sumário

Aloysio Raulino 137 Antonio César Marra 143 César Mêmolo Junior 148 Cyro del Nero 155 Daniel Messias 160 Galileu Garcia 166 Gini Deheinzelin 171 Jacques Deheinzelin 173 Jeremias Moreira 179 Júlio Xavier 183 Marcello Tassara 189 Marília Santos 194 Paulo Dantas 196 Paulo Schettino 199 Plácido Campos Junior 204 Roberto Duailibi 210 Roman Stulbach 218

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ALOYSIO RAULINO (Aloysio Albuquerque Raulino de Oliveira) (Rio de Janeiro, 1947 – São Paulo, 2013)

Entrevista concedida em São Paulo, Maio/2007.

Eu comecei minha carreira no cinema através do curso de cinema da USP, mas eu já me interessava por cinema muito antes. Antes de tudo eu fiz um ano do curso de Administração na Fundação Getúlio Vargas, por um engano meu. Desisti e fui pro Rio de Janeiro pra tentar prestar o Itamaraty. Fiz o cursinho do Instituto Rio Branco, em 1966, mas aí eu fui preso e fichado e isso me impediu de prestar o Itamaraty. Então tive a notícia de que no final de 1966 ia abrir na USP o curso de comunicações, que se chamava Escola de Comunicações Culturais da USP. Eu vim para São Paulo, prestei vestibular e entrei. Enquanto eu fiz o curso de cinema, fiz também o curso de ciências sociais da USP, mas não terminei. Naquela época eu já me interessava por cinema no Rio de Janeiro, eu tinha sido ator de um curta amador, do tempo da Geração Paissandu, dos curtas em 16 milímetros do Festival JB de cinema amador, era um movimento grande e eu era cinéfilo. Meu primeiro interesse era literatura e depois passei para o cinema, que era correlato. Era um momento forte do cinema autoral e ali, naquele meio do Rio de Janeiro eu passei pelo Cinema Novo, pela Nouvelle Vague, tudo aquilo que se via por aquele pessoal, não tinha ainda uma censura tão forte no Brasil, as coisas eram exibidas aqui. Então passei a ser um estudante de cinema. Antes disso eu tinha comprado uma câmera de 16 milímetros, branco e preto, que permitia muita mobilidade, que tinha um custo que não era muito alto. Eu saía com aquele estojinho e fazia vários exercícios, minhas experimentações. Em 67, no primeiro ano do curso de cinema eu fiz meu primeiro filme, um curta-metragem. Eu fui da primeira turma do curso de cinema, fui colega do Ismail Xavier, do Djalma Batista, do Roman Stulbach, do Plácido Campos Jr. Em 1968 eu estava no segundo ano e continuei fazendo filmes meus. O curso de cinema não tinha muita infra-estrutura mas era bastante interessante, tinha o Paulo Emílio dando aula. Em 1968 entrou o Roberto Santos e foi uma mudança muito forte de perspectiva, de aprendizado do que era o cinema na vida das pessoas. O Roberto 138

foi um grande mestre, o ensinamento dele transcendia a técnica. Eu já comecei no cinema dirigindo e fotografando, eu dirigi mais de 27 filmes entre curtas, médias e longas. Em geral eu fiz mais filme do que vídeo. Todos os meus filmes eu mesmo fotografei e sempre acumulei as duas funções, o que me ajudou a compreender a questão da fotografia e da direção. A única exceção foi o meu episódio no Vozes do Medo, que não fui eu quem fotografou. Em 1969, dentro do curso de cinema, o Roberto Santos teve a idéia de fazer um filme em colaboração com a ECA - no sentido da participação dos alunos - não era um filme da ECA, era um filme produzido pela Lynxfilm. O subsídio que o Roberto procurou na ECA era a participação dos alunos da primeira turma - que naquela época estavam no terceiro ano do curso - e os alunos que se interessassem, participariam. Por volta de 69, 70, eu já estava trabalhando profissionalmente. Participei de alguns longas, primeiro como estagiário, depois como assistente e estava fotografando profissionalmente mais curtas em 35 milímetros. Aí apareceu Vozes do Medo que era uma idéia original, um projeto do Roberto Santos e do Hamilton Almeida Filho, um jornalista importante, amigo do Roberto, que sempre foi interessado em cinema e acabou dirigindo um longa- metragem. Ele morreu jovem. O Hamilton participou nesse filme somente na idealização do filme. Ele e o Roberto pensaram num filme com o formato de uma revista, com o tema do medo. Naquela época estava em moda revistas com formatação nova, como a revista Realidade, a revista Senhor. E o tema era o medo porque a censura aqui já estava muito pesada, estávamos sob o AI-5. Então começamos a conversar, a propor coisas e o Roberto sugeriu a idéia de um psicodrama familiar. Então eu pensei a idéia de um jantar em família: pai, mãe, filho e filha, que resulta num drama, o filho fica embriagado e começa a falar um monte de coisas, tumultua o jantar e o clima vai se deteriorando. Um plot clássico, filmado num único lugar, em torno de uma mesa. Eu dirigi e roteirizei. Quem fotografou o meu filme foi o Marcelo Primavera, um fotógrafo muito experiente. Na época eu tinha 22 anos e a locação do filme foi na casa dos meus pais, tudo se passa em duas salas em torno de uma mesa e foi rodado em quatro dias. Eu também colaborei com a produção desse episódio. A gente tinha liberdade total, o Roberto foi lá uma vez só para me dar um abraço, ele não interferia. O Vozes do Medo era um filme enorme, tinha quase três horas de duração, com muitos episódios, uma produção bastante ambiciosa. Nesse momento 139

o Roberto Santos estava viabilizando a idéia do filme com a Lynxfilm, com o César Mêmolo e com o Sady Scalante, mas principalmente o César Mêmolo foi a pessoa que comprou a idéia de uma maneira muito corajosa para a época, muito rara para a época, por ser a Lynxfilm uma produtora grande de publicidade, sem o perfil de produção independente. O Roberto trabalhava muito na Lynx porque ele dirigia publicidade para sobreviver, era muito difícil para o Roberto se apoiar só no cinema, que no caso dele era muito autoral. O Roberto já tinha uma trajetória importante no cinema e ele conseguiu articular a idéia desse filme com o César Mêmolo, que foi muito corajoso, inclusive, por apostar em diretores novos e em alguns que nunca tinham dirigido um filme: por exemplo, tinha um jornalista, o Adilson Bonini, o Gianfrancesco Guarnieri que era do teatro. Enfim, as pessoas foram se agrupando em torno desse projeto. O meu contato com a Lynx se deu através do Vozes do Medo e foi muito interessante para mim porque era um universo bastante novo, eu nunca tinha visto a estrutura de uma produtora por dentro, com todos os equipamentos, estúdios e infra- estrutura. Alguns episódios do filme, inclusive, foram dirigidos nos estúdios da Lynx. Eu já tinha tido experiência com longas independentes, mas sem uma produtora por trás, então tudo aquilo era novo, porque a Lynx era a maior produtora do país. Eu era muito próximo do Roman e do Plácido, fazíamos muitas coisas juntos, inclusive com o Roman nós até chegamos a ter uma pequena produtora de curtas, mas no Vozes do Medo cada um fez o seu filme, sem que um participasse do episódio do outro, até porque eram equipes de filmagem diferentes. Por exemplo, o episódio do Roman era uma fotonovela, todo feito em still. O Plácido fez um episódio sobre a questão feminina. Bem, o Vozes do Medo ficou pronto, foi exibido, teve a pré-estréia em São Paulo, algumas pessoas viram e causou um impacto muito grande, as primeiras exibições foram barra pesada. Mas quando chegou o momento de tirar o certificado de censura para ser lançado ele causou um problema, abalou o governo numa situação muito complexa, com discussões entre ministros. O filme teve tal impacto na época e causou medo mesmo, muita preocupação. A Lynxfilm era uma produtora institucional que tinha ligações com o governo, fazia filmes governamentais e eles tinham contatos com Brasília. Houve uma reunião em Brasília e ele foi interditado na íntegra. O Roberto era uma personalidade no Brasil, o César Mêmolo ficou indignado e começaram as pressões para que ele fosse liberado. A Lynxfilm estava 140

num prejuízo gigantesco. Esse filme causou uma situação inédita. Houve uma exibição para avaliação do filme com o ministro da justiça, Alfredo Buzaid, o ministro da educação Jarbas Passarinho e Delfim Neto, ministro da fazenda, um cara articulador de uma série de raciocínios no governo, um intelectual e houve divergências entre os três. O Buzaid era linha dura, era fascista, um dos grandes mentores da censura no país, da repressão e ele exigia que se mantivesse a interdição total do filme. O Jarbas Passarinho exigiu cortes drásticos e o Delfim Neto ficou contra a interdição total e não concordava com a extensão dos cortes, ele foi mais brando. Mas a história teve o seguinte desfecho: o Buzaid, além da posição geral com relação ao filme, achou que havia espionagem na casa dele, que havia escuta, porque vários jantares que havia na família Buzaid tinham frases inteiras idênticas ao filme, porque os bate-bocas familiares não diferem tanto entre si e ele se viu ali no filme, porque a formação da sua família era a mesma daquela do filme. Ele entrou numa paranóia. Enlouquecido, veio pra cima de mim, “encanou” com o filme. Ele mandou a polícia federal com metralhadoras invadir a Lynxfilm, porque sabia que os negativos do Vozes do Medo estavam lá dentro, porque havia temor que no laboratório sumisse. Foi apreendido o negativo de imagem, as pistas sonoras magnéticas, o copião montado, o negativo ótico do episódio A Santa Ceia e foi tudo destruído. Eu não sei se o Piá não sofre do Roberto Santos teve o mesmo fim. Porque A Santa Ceia e o Piá não sofre foram os dois episódios interditados na íntegra, além dos outros cortes ao longo dos outros episódios. Mas o Roberto sempre dizia sobre esses dois episódios que foram interditados, que cortaram os pés e a cabeça do filme. Porque eram os dois extremos, a miséria total e a loucura burguesa total. Nesse momento era 1972, já tinha passado dois anos que o filme estava parado. Me fizeram telefonemas, me fizeram fortes ameaças e a situação estava tão insustentável - eu já tinha antecedentes - que eu tive que sair do país. Fui para a Europa. Era insuportável. Essas foram as decorrências desse filme. Na minha volta ao Brasil, quase um ano depois, demos uma sorte extraordinária, porque tinha sido feita uma cópia muito boa como qualidade, em branco e preto, mas porque continha um erro de sincronismo, ela foi deixada de lado, nunca tinha sido projetada e ficou esquecida. A qualidade era melhor do que a da cópia que tinha sido destruída. Quando se descobriu essa lata de filme, ela foi 141

contratipada e foi feita uma cópia. Por isso hoje ela está na Cinemateca, sobreviveu. Foi muita sorte. Os laudos da censura mostram como os censores extrapolaram o censo do ridículo. Houve inclusive uma argumentação de que o episódio A Santa Ceia não existia e que tudo era uma ação para tumultuar o ambiente, era uma provocação. Entre esses laudos absurdos havia outros sobre o Roberto Santos. Tem um laudo que dizia que o Roberto começou a se infiltrar no curso de cinema para tentar doutrinar os jovens, instrumentalizando a juventude com idéias subversivas e comunistas. O texto dizia, por exemplo, ilustrando essa doutrinação: “... depois das aulas se dirigem aos bares da vizinhança do campus da universidade, onde, depois de ingerir todo o tipo de bebidas alcoólicas, os alunos passam a aclamá-lo (Roberto Santos), achando-o genial, enquanto são doutrinados”. Quer dizer que para eles essa era uma ação subversiva. Porque o Roberto Santos já era visado. O Vozes do Medo já estava visado antes mesmo de ter sido feito, porque o Roberto era visado e os alunos do curso de cinema também. Depois eu fui de novo visado pela censura. Foi censurado um documentário meu chamado Tarumã, um filme de 1975. Por exemplo, o Frei Tito, que eu fotografei, de 1983, foi proibido apesar de não haver mais a censura prévia naquela época. Pra você ter uma idéia do que era o movimento estudantil, eu era presidente do centrinho acadêmico e o Ismail Xavier era o vice-presidente e nós fizemos a ocupação da ECA, no momento em que a Unesco fez um encontro articulado pelo Paulo Emílio e pelo Rudá de Andrade que tinha Edgar Morin, tinha Roberto Rossellini, o Alfredo Guevara. Isso foi em 1968 e nós estávamos ocupando o curso fisicamente, eu era a liderança da ocupação e nós administrávamos o espaço físico no Encontro Internacional de Cinema e Televisão da América Latina. Isso era o movimento estudantil fortemente configurado. A minha primeira prisão foi no Rio de Janeiro por estar liderando uma passeata, depois fui preso por estar filmando na rua. Quando o Vozes do Medo foi liberado, em 1972, foi um desastre de público, foi muito mal lançado, estava já fora de época e totalmente mutilado. O lançamento do filme foi só para cumprir uma etapa, mas já estava obscuro, ultrapassado. Eu nunca trabalhei com filme publicitário e o meu contato com a Lynxfilm, depois do Vozes do Medo, era em função da minha amizade com o Roberto Santos. 142

Eu cheguei a trabalhar com equipamento alugado da Lynx, e tive contato com o César Mêmolo porque ele apoiava os nossos trabalhos, eu fiz a fotografia de um longa do Marcello Tassara chamado O descobrimento, os índios e finalmente a USP que a gente filmou dentro dos estúdios da Lynx, com luz, equipamentos e câmera da Lynx. Essa foi a minha convivência com a Lynx.

143

ANTONIO CÉSAR MARRA (Local e ano de nascimento não obtidos)

Entrevista concedida em São Paulo, Maio/2007.

Eu entrei na Lynx em 67 e em 81 eu me tornei sócio. Em 1967 eu entrei como funcionário e estava começando a cursar administração na PUC e o César Mêmolo, que era meu tio, estava precisando de alguém para a área de administração, me chamou e eu fiquei três meses na parte burocrática e em seguida fui para a área de produção: fui produtor, fui assistente de direção, dirigi, fiz um pouco de coordenação de produção e depois fui contato, que é o representante comercial da produtora. Mas naquela época os contatos tinham um conhecimento muito bom de todo o processo e como a produtora era muito grande, tinha cento e poucos funcionários, a gente quase que tinha uma delegação para negociar preço, condições, aí eu fiquei atendendo os clientes durante muito tempo. Quando eu me formei fui fazer um estágio na Inglaterra, em cinema, em produtoras de comerciais, porque naquela época a Inglaterra era a “Meca” da produção de comerciais de primeira qualidade e apesar de trabalhar com orçamentos menores que nos Estados Unidos, os comerciais ingleses eram muito melhores, muito mais criativos, o humor inglês era muito melhor que o humor americano. Quando eu voltei em 1972 para o Brasil, me convidaram pra ser gerente da Lynx do Rio, eu tinha 23 anos e fui abrir a filial do Rio de Janeiro. Contratei 25 profissionais, fiquei 3 anos no Rio. A Lynx já tinha um escritório no Rio, que fazia muito comercial, mas os clientes tinham que ir a São Paulo para produzir, por isso o César resolveu abrir a produtora também no Rio, onde eu fui ser o gerente. No Rio, a Lynx era uma produtora totalmente autônoma, com todos os equipamentos necessários. E o Paulo Dantas foi trabalhar comigo. Depois voltei para São Paulo e o Paulo Dantas ficou no meu lugar no Rio como gerente. Em seguida, o Paulo Dantas e o Paulo Parente compraram a Lynxfilm no Rio e montaram a produtora deles, a 2P. Todas as pessoas contratadas para trabalhar na Lynx Rio eram do Rio de Janeiro. Quando voltei para São Paulo foi para cuidar da área técnica - eu era chefe da montagem. A gente ainda produzia uns 40 comerciais por mês. 144

Na época do preto e branco a gente fazia em torno de 80 comerciais por mês, depois essa média caiu pra 40 na fase do filme colorido e aí a produtora foi envelhecendo, por culpa dos sócios, que não tiveram a mentalidade de acompanhar a evolução tecnológica e aí eu fiquei um tempo tomando conta da montagem, voltei pra área comercial e me tornei sócio em 81. O patrimônio da produtora era muito grande, então eles relutaram muito em me dar a sociedade, mas eu tinha clientes muito importantes que justificavam a minha entrada como sócio. Em 1987 o César já estava muito velho, não atuava mais na área de produção, o Chick Fowle já tinha saído, e quando ele (o César) não quis mais produzir, eu continuei ainda dois anos produzindo e usando o nome da Lynx, mas com a minha produtora. Eu era uma produtora, o Sady Scalante era outra produtora e a Lynx era uma locadora, que locava equipamentos para a gente, então nós passamos a ser 3 empresas. Isso durou dois anos. O Sady parou de produzir e saiu do mercado. Em 89 eu não quis mais ficar porque como a Lynx era uma locadora, ela perdeu as características principais e aí eu resolvi partir para outros projetos, eu tive outras produtoras e por último essa, a Vídeo Express, que tem 10 anos. A Lynx começou como inquilina do laboratório cinematográfico do Adhemar de Barros Filho, que o César conhecia. O Adhemar tinha um laboratório de cinema preto e branco que se chamava Divulgação Cinematográfica Bandeirante. O César inicialmente transferiu a Lynx para o prédio do laboratório e pouco tempo depois ele comprou o laboratório e o imóvel, que foi o que deu pra Lynx uma mobilidade e uma rapidez operacional impressionante, porque ela era a única produtora em São Paulo que tinha um laboratório próprio. Quando eu entrei na Lynx em 67, o César já tinha comprado a Divulgação Cinematográfica Bandeirante. Então ele ficou no mercado com laboratório próprio até 1973, quando acabou a festa do preto e branco. Entrou a televisão colorida, os clientes não queriam mais nada em preto e branco e o laboratório virou sucata. Nem o copião os clientes queriam mais em preto e branco. Aí a Lynx desativou o laboratório e continuou com o prédio, que agora é da Casablanca e que continua produzindo coisas. A produtora Diana sempre foi uma grande concorrente da Lynxfilm, mas a Lynx sempre foi muito maior e mais competente que a Diana e seria interessante perguntar para a Arlete (Siaretta) porque ela comprou a marca da Lynx. Acho que a história da Arlete é tão fascinante quanto a história da Lynx e acho que agora que ela comprou a Lynx essas duas histórias não são mais indissociáveis. 145

O José Scatena foi um cara importantíssimo, foi um grande produtor musical, lançou nomes como Maísa, Agostinho dos Santos, muita gente importante. Ele tinha um selo e uma gravadora e o César se associou com o Scatena. O Scatena ficou com a parte de áudio, a RGE, que fundiu com a Lynx, que tornou-se então RGE Lynxfilm. Eu sei que o César e o Scatena brigaram feio e o Scatena abriu uma produtora, abriu a Prova Cinematográfica e o César abriu um estúdio de som chamado Sonotec, em que ele era sócio do Humberto Marçal. Por lá passaram grandes maestros e grandes nomes como Téo de Barros, Sá, Rodrix e Guarabyra. A Sonotec era uma outra empresa separada da Lynx, foi o berço do pessoal todo do som. A Sonotec durou uns dez anos, mas ela não se atualizou, não renovou, não investiu e morreu de decadência tecnológica. Quem era o representante do Scatena na Lynx era o Boni - o Boni foi publicitário, trabalhou em agência, foi diretor de criação. Ele criava os roteiros, numa época em que as agências não sabiam fazer roteiros. As agências tinham uma origem no rádio e na mídia impressa, então quando surgiu a televisão brasileira nos anos 50, as agências já existiam desde a década de 40. A McCann e a Thompson eram agências americanas que trouxeram o know how publicitário ao Brasil. Mas a publicidade era ainda incipiente porque só tinha rádio e jornal como veículo, o que significava um alcance publicitário muito pequeno. Quando o Chateaubriand criou a televisão brasileira em 1950, a publicidade brasileira deu um salto porque a televisão se expandiu como pólvora e aí a Lynx pegou justamente esse rastro. Em 1972, no festival de Veneza (hoje é o festival de filme publicitário de Cannes – era realizado um ano em Veneza e outro ano em Cannes – depois passou a ser realizado somente em Cannes) a Lynx foi a 4ª. melhor produtora do mundo em pontuação. Foi o ano em que a Lynx teve o melhor desempenho. E para representá-la estava lá o Chick Fowle e eu. Foi com a Almap que a Lynx ganhou a maior parte dos prêmios, ela era a principal cliente da Lynx. Ela hoje é do Marcelo Serpa, é hoje uma agência multinacional. O Alex Periscinotto era o presidente da Almap, que era a grande cliente da Lynx, na fase em que o Julio Xavier era o diretor: ele era o Rádio e TV, dirigia os filmes. A Lynx ganhou prêmios também com a Salles. Com o advento dos diretores a Lynx ficou mais uma produtora de 146

estrutura porque não investiu suficientemente em grandes diretores. Se ela tivesse dado a participação a alguns diretores como, por exemplo, a Flávia Moraes ou ao Julio Xavier, se ela tivesse tido a visão de marketing correta na época, teria sido diferente. Seria a forma de perenizar a Lynx, mas ela não investia suficientemente nos seus talentos. As produtoras deixaram de ser dos produtores e passaram a ser dos diretores. Isso foi uma virada muito grande no conceito de produção. O importante hoje é: quem vai dirigir? Em 1972 alguns comerciais eram feitos em cores para ser exibidos em cinema. Depois da TV colorida, em 1973, o mercado começou a pulverizar-se, surgiram outras produtoras, a Lynx começou a perder espaço por causa da mudança de visão do mercado. O negócio publicitário foi gradativamente passando de uma atividade de produtor para uma atividade de diretor. Hoje, o critério preponderante para uma agência, na hora da escolha de uma produtora é o diretor, o diretor é a estrela. A agência hoje “compra” um diretor, o diretor da “moda”. O que eu considero relevante é que o cinema brasileiro subsistiu graças à propaganda porque se não fosse a propaganda não existira laboratório, equipamento, estúdio de som, estúdios. A Quanta, por exemplo, é uma super estrutura, construída com financiamento do BNDES. Jamais se faria esse investimento se não fosse o cinema publicitário. O Brasil quando faz um longa- metragem de três milhões de dólares, já é bastante, mas o edital da Petrobrás é de 600 mil reais. O cinema brasileiro é um milagre. A Lynx tinha uma super estrutura, moviolas, câmeras de última geração, excelentes profissionais. A Embrafilme fazia concursos em que você entrava com um projeto e ela te fazia um financiamento para um filme. Ela te dava 30%. Um filme de 10 milhões daria três milhões de financiamento. Aí eles te davam mais 35%, ou seja, mais três milhões e meio como adiantamento por conta da bilheteria, porque a Embrafilme era distribuidora. Então a Embrafilme te dava 65% do valor do filme. Os outros 35% era o aporte do diretor e da produtora. O diretor quando ganhava o concurso, tinha que apresentar uma produtora idônea e com estrutura operacional e financeira e eles procuravam a Lynx porque era uma produtora sólida, e já tinha feito longa e a origem dos sócios era do longa-metragem. O pessoal pegava o financiamento e ia pra Lynx produzir e assim aconteceu com todos os diretores que fizeram os longas lá. O César produzia e negociava com a Rede Globo espaço em televisão. Mas depois do último longa, produzido em 1980, que foi o longa do 147

Joaquim Pedro de Andrade, ele não quis produzir mais, porque houve muita briga com o Joaquim, foi uma relação péssima. Eu acho que o melhor filme da Lynx como realização cinematográfica foi o Ato de Violência, do Eduardo Escorel. Depois teve o Contos Eróticos, que ficou na censura anos e foi um filme importante. Depois teve As Filhas do Fogo, do Walter Hugo Khouri, que é um filme bonito. E uma grande produção que custou cinco milhões de dólares, um dos filmes mais caros do cinema brasileiro, do Joaquim Pedro de Andrade, O Homem do Pau-Brasil, o último dirigido por ele, foi um desastre de público. Era um filme incompreensível para o grande público, mas como o dinheiro vinha da Embrafilme, os “caras” não queriam nem saber se o filme ia dar retorno, o Joaquim estava numa fase delirante. O Geraldo Santos Pereira já tinha filmado O Seminarista e ele só fez a montagem e a finalização do filme na Lynx. Não foi uma produção da Lynx. A Lynx fez o lançamento, o César viajou o Brasil inteiro comprando espaço na Globo e foi uma belíssima bilheteria. Então o César se animou com o Geraldo e o Geraldo se animou com o César e ele resolveu produzir O Sol dos Amantes, do qual eu fui o produtor executivo. Foi um desastre, teve problemas de roteiro, foi um filme fraco. Dos longas da Lynx nenhum foi um grande sucesso, nada significativo, nada comparado com Dona Flor e seus dois maridos. Quem produzia documentários para o Globo Repórter era a Blimp Filmes, do Walter Carvalho e do Guga, que era o irmão do Boni e o Walter que hoje é sócio da Bossa Nova. O Walter Carvalho entrou na Lynx como assistente e foi o primeiro discípulo do Chick Fowle.

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CÉSAR MÊMOLO JUNIOR (Local de nascimento não obtido - 1928)

Entrevista concedida em São Paulo, Abril/2006.

Eu vim da experiência de longa-metragem, trabalhando como assistente de direção. Em 52, na Vera Cruz, fui assistente de um filme dirigido pelo Abílio Pereira de Almeida, o Candinho, do Mazzaropi e logo depois que terminei o filme, fui assistente do Adolfo Celi. Nessa época, o Consulado Italiano abriu inscrições para duas bolsas de estudo no Centro Sperimentale de Cinematografia em Roma, para direção de cinema e eu me inscrevi nesse concurso. Fui um dos aprovados junto com o Trigueirinho Neto, que era um dos assistentes de direção que trabalhava na Vera Cruz e era muito amigo do Alberto Cavalcanti. Lá eu fiquei dois anos, fiz o curso completo, tirei o diploma e quando eu estava para trabalhar como assistente de direção num filme que seria dirigido por Dino Risi, o primeiro filme que ele ia fazer de longa metragem, o Abílio Pereira de Almeida, de quem eu tinha sido assistente de direção, mandou uma carta dizendo que se eu quisesse dirigir um filme de longa metragem, ou melhor, co-dirigir, que eu deveria voltar para o Brasil. Esse filme seria co-dirigido com o Carlos Alberto de Souza Barros, que era uma pessoa também ligada ao Abílio e eu pensei, entre ficar na Itália como assistente de direção e voltar pro Brasil pra ser diretor, eu falei: estou indo. Vim embora e dirigi o filme de longa metragem, Osso, amor e papagaios, que ganhou dois prêmios “Saci”, o prêmio Governador do Estado e o Prêmio da Prefeitura e foi um terrível fracasso de público. O filme era baseado num conto do escritor Lima Barreto, A Nova Califórnia. O filme era uma comédia, e abordava, de maneira cômica, um tema que era a história de um vilarejo em que de repente as pessoas começavam a morrer misteriosamente e um cientista meio maluco, que chega à cidade, começa a fazer umas experiências com ossos humanos e descobre uma fórmula de transformar ossos humanos em ouro. Isso provoca na cidade um escândalo, porque as pessoas passam a se interessar por ossos humanos e então há uma corrida ao cemitério para abrir as sepulturas e recolher os ossos. E todos vão para a prefeitura vender os ossos para o prefeito, que queria comprar esses ossos. Porque só o prefeito é que tinha conseguido, do cientista, a fórmula para transformar os ossos em ouro. Esse fato de tratar de ossos humanos e tratar com 149

total desrespeito o cemitério, as pessoas abrindo as sepulturas para retirar os ossos, chocou o público espectador. Na época, o cemitério era considerado um campo santo, havia um respeito muito grande. Era 1957 e as regras morais eram diferentes. O filme foi um fracasso, mas ganhou esses prêmios todos, principalmente uma crítica na revista Anhembi, do Benedito J. Duarte, que achou o filme genial. Mas a crise da Vera Cruz tinha se estendido e havia uma crise no cinema paulista, que estava paralisado e eu não via nenhuma perspectiva de fazer cinema a não ser que eu enveredasse pelo campo da publicidade, porque não havia nenhuma produtora estruturada, eram só pessoas que filmavam comerciais. Ainda era uma época em que a maioria, ou 80% dos comerciais de televisão eram ao vivo, com aquelas garotas propaganda que faziam demonstração do produto, ou então cartazes fixos, letreiros fixos e eu enveredei por aí. O Jacques Deheizelin entrou na Vera Cruz e o John Waterhouse era assistente de direção da Vera Cruz. Em 54, quando a Vera Cruz acabou, eles não tinham oportunidade de trabalhar em cinema, não havia filme nem nada, então eles abriram uma produtora de filmes de publicidade, a Jota Filmes. Eles eram meus amigos e um dia, estávamos juntos e eles disseram que estavam pensando em montar uma produtora de comerciais e eu sugeri o nome Jota Filmes devido ao nome do Jacques e do John. Eu também estava desempregado e pensei: porque eu também não abro a minha produtora? Vou fazer uma produtora. Esse nome Lince é um nome de família porque meu pai, na década de 30, 40, teve uma empresa chamada Lince Ltda. que fazia banquetes, casamentos, festas, meu pai era hoteleiro e então eu pensei em fazer uma produtora e pensei no nome Lince Filmes, com um capital que hoje seria de 2 mil reais: eu com 90% e um tio meu com 10%. E comecei do zero. Em 1957 eu casei e não tinha fonte de renda nenhuma. Embora meu pai fosse um homem de muitas posses em Atibaia, ele torcia pra que eu desse com os “burros n´água”, pra que eu voltasse pra trabalhar com ele. Por 10 anos eu fui gerente de um hotel dele. Em 1957 eu parti do zero, não tinha capital, não tinha estrutura e comecei alugando uma sala na Avenida Ipiranga e comecei a produzir os comerciais. Eu fui chamando pessoas que quisessem se associar. Nenhuma delas entrava com capital. Eu oferecia os 10 % da empresa e dizia pra que fosse pago com os lucros da produtora. E assim foram vindo os sócios. 150

Até que surgiu a oportunidade de ter um sócio capitalista com dinheiro, que foi o José Scatena, da RGE, que era um estúdio de gravação de jingles e a RGE discos. Então foi um impulso muito grande na Lynxfilm a participação do Boni. Ele era chefe do departamento de rádio e televisão da Lintas, da Norton, da Multi Propaganda e se encantou com o projeto da Lynx e carreava uma quantidade grande de comerciais, foi uma colaboração fundamental pra que a Lynxfilm pudesse continuar a crescer. Então houve uma época - de 57 a 60 - por aí, que a produção de filmes em São Paulo, além do que era feito por free-lances, sem um esquema industrial, se dividia em duas produtoras: a Lynxfilm e a Jota Filmes. Tanto que eu tinha uma diversão na hora de ver os comerciais, quando eu assistia a TV: se entrava um filme da Lynx eu punha um palito de fósforo de um lado e quando entrava um comercial de outras produtoras, eu colocava um palito do outro lado, de maneira que em geral, a Lynx ganhava de 10 a 8, 12 a 7. Nós produzimos mais que a Jota Filmes, mas eles encerraram a produtora antes de 70. Éramos concorrentes. Ela tinha uma grande estrutura na Av. Matarazzo, tinha um estúdio, mas as agências sempre escolhiam entre a Lynx e a Jota. E a Lynxfilm desde 1957 até 1970 teve um crescimento incrível, foi a produtora que mais cresceu e eu fiz muitos investimentos em equipamentos. De 1957 a 1970 a Lynxfilm teve um crescimento muito grande a ponto de se transformar na maior produtora de filmes de publicidade da América Latina. No festival de cinema publicitário em Veneza de 1972, ela foi considerada a 4ª. melhor produtora de filmes de publicidade do mundo, pelo número de filmes classificados para concorrer à premiação. Na Lynxfilm eu cuidava da administração e também fazia atendimento nas agências, porque algumas agências queriam tratar com o dono da produtora e não com o contato. E lá ia eu. Eu tinha vários diretores para dirigir, porque eu tinha uma produção de 60 a 80 filmes por mês. Alguns diretores que ficaram comigo durante muitos anos foram o Mamoru Miyao, o Adilson Bonini que depois saiu e abriu uma produtora. O Ugo Giorgetti trabalhava em agência e dirigia os filmes. A agência encomendava um filme, mas ela fornecia o diretor. O Roberto Palmari filmava muito conosco como diretor free-lance. A agência, além de dar o roteiro do filme dava também o diretor, como era o caso do Júlio Xavier, que trabalhava na Alcântara Machado. O Roberto Santos dirigia comerciais. Foram também produzidos 60 filmes documentários de curta metragem, 151

alguns encomendados por empresas e indústrias e outros, uma iniciativa da Lynx juntamente com diretores como José de Anchieta, por exemplo. Alguns desses documentários foram exibidos em cinema. Quando um dos sócios da Lynx saiu, o Sady Scalante, reivindicou os direitos patrimoniais dos filmes de curta metragem, porque quando estava na Lynx, o departamento de curta metragem estava mais afeito a ele. Esses filmes não têm valor comercial. A Lynx, de 1970 até meados de 1980, era composta por mim, sócio majoritário, Sady Scalante, Chick Fowle, Ruy Perotti Barbosa e Antonio César Marra, sobrinho meu que fazia atendimento. Aí em 87 ficamos só eu, o Sady e o Antonio César Marra. E em 97 fiquei só eu e minha mulher. Então, quando a Lynx atingiu, na área da publicidade, um status e dimensões - na época tinha quase 100 pessoas trabalhando comigo, tinha quatro equipes completas e eu fazia em torno de 80 a 100 filmes de publicidade por mês, eu tinha filial em Porto Alegre e tinha representantes em Recife, Fortaleza e Salvador, então era uma produção volumosa em filmes de publicidade - eu achei que deveria fazer longa-metragem. Foi uma decisão minha, porque no campo do filme publicitário eu já tinha atingido o apogeu, como produtora e ela estava com uma rentabilidade muito grande. Achei que eu devia me inserir na produção de filmes de longa-metragem, tanto que a produção dos longas fez com que ela ficasse muito em evidência e fosse observada pela Embrafilme. Durante dois períodos de dois anos eu fui indicado como membro do Concine e nomeado pelo Geisel. E eu fiz parte do Concine por quatro anos, participando de toda a batalha do cinema brasileiro. Havia a Embrafilme e havia o Concine. Em 1970 eu estava com 42 anos e achei que tinha chegado o momento - do muito que eu já tinha ganho com o cinema publicitário - de contribuir para o longa-metragem nacional, investindo, e aí nasceu o primeiro filme, que foi o Vozes do Medo; o segundo O Predileto; o terceiro O Seminarista e aí vieram os 10 filmes. Depois do 3º. ou 4º. filme que a Lynx produziu por conta própria, surgiram os convites para que a Lynx fosse a produtora de outros longas. O primeiro deles foi O Seminarista, que co-produzimos com a Embrafilme e com o Geraldo Santos Pereira. Depois veio o Ato de Violência, do Eduardo Escorel. O último, já no começo dos anos 80 foi O Homem do Pau Brasil, do Joaquim Pedro de Andrade. E então nós paramos a produção dos longas. A partir de 1980, eu não quis entrar na era do 152

vídeo - estava acontecendo uma transformação com a chegada do vídeo - porque fui toda a vida um homem de cinema e eu não entrei nessa. A década de 70 foi um período de uma grande produção de longa- metragem, o cinema brasileiro estava a todo vapor. Mas foi uma decisão minha, eu estudei pra ser diretor e como a Lynxfilm cresceu muito, a minha responsabilidade como sócio majoritário da Lynx era muito grande, então eu não podia largar a Lynx pra ir dirigir um filme de longa, mas em quase todos os filmes, com algumas exceções, eu fui o produtor executivo. A produção executiva era minha. A Lynx era a produtora, juntamente com a Embrafilme e eventualmente com co-produtores como Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Escorel, eles foram co-produtores. Eles entravam com o roteiro, direção e a Embrafilme entrava com um valor em dinheiro e a Lynxfilm entrava com equipe, equipamento, estúdios e assumia a produção. Alguns desses filmes foram rentáveis, outros não se pagaram, mas eu diria que o saldo dos10 filmes foi favorável. Nove filmes foram produzidos 100% pela Lynx ou tiveram a Lynx como produtora majoritária - e somente um filme, O Diário da Província do Roberto Palmari, é que não foi produzido pela Lynx. Após a produção - ele era o diretor e produtor - ele me transferiu os direitos patrimoniais. Nós conhecemos o Palmari desde a década de 60 quando ele trabalhava em publicidade. Ele era de uma produtora do Cyro Del Nero, que produzia todos os filmes da Rhodia e ele dirigia os comerciais da Rhodia. Posteriormente ele foi pra Thompson e lá ele fazia parte do Departamento de Rádio e TV. No início de 70 ele nos propôs produzir um longa metragem, O Predileto, que foi o segundo filme que a Lynx produziu. Depois fizemos o Contos Eróticos com o Roberto Santos, o Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Escorel e um quarto episódio que foi o Palmari quem dirigiu. Eu e o Palmari éramos amigos, fomos juntos para o Festival de San Sebastian na Espanha. O primeiro longa da Lynxfilm foi o Vozes do Medo, uma idéia do Roberto Santos, que propôs fazermos um filme - em meio à ditadura e censura muito rigorosa, a idéia do filme era a de uma revista cinematográfica, um filme sob a forma de revista, com um artigo de fundo, como uma revista, onde tem moda, depois tem jornalismo, história em quadrinhos e nós fizemos. Fizemos o Vozes do Medo e ao invés de escolher um único diretor, a Lynx fez convites para alguns diretores para dirigir. Foram desde diretores como Roberto Santos, até o Cyro Del Nero, que nunca tinha tido experiência em cinema e era um cenógrafo muito conceituado. Nós 153

convidamos diretores como Maurice Capovilla, os alunos da ECA. O Perotti Barbosa, que era um sócio da Lynx e que se dedicava a desenhos animados fez um dos episódios e saiu um filme muito estranho, a censura não entendeu onde nós queríamos chegar, achou que ali havia alguma coisa de contestação ao regime e interditou o filme. Então foram muitas idas à Brasília, eu e meu advogado. Sendo que o diretor da Polícia Federal da época chegou a nos confessar, ao advogado e a mim, que ele tinha assistido ao filme e que ele realmente não tinha entendido bem, também porque era um filme experimental que tentava fazer uma coisa diferente. Ele disse que não tinha entendido bem, mas como o filme tinha sido interditado pelos três censores que viram, ele também tinha que manter a decisão. No fim, depois de muitas conversas, o diretor da Polícia Federal sugeriu que nós cortássemos uns trechos dos filmes e que um dos episódios dirigido pelo Roberto Santos, baseado num conto do Mário de Andrade, Piá não sofre, que ele fosse eliminado. Então, ou o filme ficava todo interditado, ou era liberado sem o episódio. Eu falei com o Roberto Santos, ele concordou e o filme foi exibido, mas como já tinha decorrido quase dois anos da interdição, o filme já tinha perdido um pouco da sua oportunidade, da sua época, então ele foi muito pouco visto. A mulher do Roberto Santos, a Marília Santos, que trabalha no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica, conseguiu manter aquele episódio em uma cópia e até hoje está na Cinemateca o filme inteiro, incluído o episódio. É um filme polêmico. Nós convidamos um ou dois alunos da ECA para dirigir um episódio, sendo que cada diretor tinha total liberdade de fazer uma proposta. Naquela época, com uma censura rígida, o simples fato de um produtor de filmes dar ao diretor a liberdade dele se expressar como bem entendesse assustou a censura e foi um dos motivos pelos quais o filme saiu muito estranho, porque cada diretor que estava dirigindo um episódio de 10, 15 ou 20 minutos, veio com uma proposta polêmica e isso assustou a censura. O filme era para ser uma colcha de retalhos, era como uma revista, com várias reportagens. Mas a partir de 1980 houve uma campanha muito grande contra a Lynxfilm, todas as pequenas produtoras que vendiam seu trabalho para as agências alegavam que o trabalho que elas ofereciam era artesanal e que a Lynx era uma fábrica, então essa campanha fez com que o nome da Lynx desse uma balançada e muitas das agências não queriam trabalhar com a Lynx porque as agências 154

consideravam que a Lynx era uma fábrica e não um negócio artesanal, um negócio criativo e isso era mais ou menos nos anos 80. A partir de 80 começaram a surgir muitas pequenas produtoras, cada diretor de cinema de sucesso abria a sua própria produtora e a Lynx começou a ter um declínio na sua produção. De 80 a 100 filmes por mês, em 1987 estávamos produzindo 20 a 25 filmes por mês, com uma estrutura muito grande e eu achei que era o momento de parar e eu sou muito cabalístico nessas coisas: 30 anos de Lynxfilm produzindo comercias, em 1987 eu parei. Mas aí eu não sabia o que fazer com todo o equipamento que eu tinha: câmeras, refletores, quatro mesas para filmar desenho animado, cabos e os dois estúdios que eu tinha. Eu não vi outra alternativa, senão a de transformar a Lynx em uma locadora de equipamentos. Então eu parei a produção, desmontei a estrutura da equipe, fiquei somente com 15 funcionários e me transformei em uma locadora de equipamentos. Isso durou 10 anos, porque no início a locadora de equipamentos era rentável, mas a cada ano que passava o meu equipamento ia ficando mais obsoleto, as pessoas queriam equipamentos mais modernos. Fui levando isso até achar que em 1997 era o momento de parar com a locadora. Parei como locadora. Vendi os equipamentos e a partir daí comecei somente a alugar os estúdios e dispensei todos os funcionários. Assim eu vim até 2005, quando a Casablanca se interessou em alugar os estúdios para fazer o seriado com o Roberto Justus e depois disso, eles manifestaram interesse em adquirir os estúdios e então, ao invés disso, eu propus a eles que eu transferiria a Lynxfilm e ela está ativa hoje, eles estão produzindo para a TV Cultura e agora eles estão querendo aumentar inclusive esses estúdios da Lynxfilm, querendo comprar mais um imóvel para ampliá-lo. Eu transferi as cotas dos filmes para a Diana, uma empresa do grupo Casablanca, que desde agosto de 2005 são os detentores dos direitos patrimoniais dos longas da Lynxfilm e também dos estúdios. O equipamento foi vendido e o acervo de comerciais, 60 horas de filmes de publicidade, foram vendidos para a Globo.com. Essa foi a forma que eu encontrei para a Lynxfilm continuar existindo e porque me preocupava, com a idade que eu tenho, 78 anos, em preservar esses 10 longas-metragens que a Lynx fez.

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CYRO DEL NERO (São Paulo, 1931- São Paulo, 2010)

Entrevista concedida em São Paulo, Junho/2006.

Eu passo três anos na Europa fazendo cenografia na Grécia, Alemanha e na França. Volto para o Brasil e encontro toda a minha geração colocada. Sou fundador da TV Excelsior, está lá um velho amigo meu que é Manoel Carlos, que vai fazer um programa e pede que eu faça o espelho - a apresentação do programa - e eu faço. Em virtude de eu ter qualidades gráficas, que excedem as qualidades gráficas daquele momento, Álvaro Moya, que dirigia a TV Excelsior, me contrata imediatamente como diretor de cenografia e diretor de arte. A TV Excelsior é um foco de gente que terá sucesso na década seguinte como Manoel Carlos, Roberto Palmari, que depois vai fazer um longa-metragem e ganha Gramado. Todos os artistas, Boni passa por lá, está todo mundo lá por alguns anos, até que Simonsen, o proprietário da TV Excelsior, é perseguido pelo governo e pelas forças do petróleo internacional. Daí eu tenho um outro amigo, o Flávio Rangel, que vai ser diretor artístico do TBC e eu vou como diretor de cenografia e passamos uma década lá com Franco Zampari. Fazemos lançamentos de Dias Gomes, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, muito trabalho nos anos 60. Em virtude da necessidade da Excelsior ter uma imagem nova, e tem, eu fiz o primeiro programa de comunicação visual de uma televisão, que é a fase reconhecível no ar, todo intervalo que faz você reconhecer que aquela é a TV Excelsior, o que não havia até então, era uma pequena bagunça. Então a Excelsior tem uma cara e pra ter uma cara up-to-date, foi contratada a Lynxfilm e vai lá o Perotti pra fazer os bonequinhos da Excelsior. E nós inventamos o número 9 que tem um foguete ao redor dele que é uma imagem absolutamente da época, então é o Rui Perotti quem cria essas coisas comigo. Álvaro Moya dirigia o Canal 9. Era ele quem tinha o contato comercial com a Lynx. Aí eu conheço a Lynxfilm, gozo de algum prestígio lá através de Sady Scalante e César Mêmolo. Acabo comprando um terreno de César Mêmolo em Atibaia e faço uma casa de campo lá, nos tornamos amigos íntimos e familiares e começo a fazer coisas pra Lynxfilm em filmes publicitários e tenho a oportunidade de 156

trabalhar com Chick Fowle. Chick Fowle é o fotógrafo do Lima Barreto, no filme O Cangaceiro. Chick Fowle é um homem que durante a Segunda Guerra Mundial trabalhou no cinema inglês. O cinema inglês é o inventor do efeito de maquetes. O cinema inglês inventou, em virtude da sua miséria, da falta de dinheiro, o sistema de colocar uma figura num cenário em que ele não está, através de maquetes, não por corte digital, colocava-se essa figurinha do tamanho que se queria, num grande estúdio, de tal maneira que lá longe ele entre numa maquete que está aqui junto da câmera. Então a maquete é muito grande em frente da câmera, você grava a maquete e bota ele lá embaixo pra ficar pequenininho dentro da maquete. Naquele momento isso era um “ovo de Colombo”, que nós não conhecíamos e foi aí que eu aprendi, do ponto de vista cenográfico, muito a respeito de cinema com o Chick Fowle. Ele não era só o meu professor, ele era o professor de todo mundo, qualquer problema técnico na Lynxfilm que existia, tinha que chamar o Chick Fowle, não só na iluminação, mas no desenho animado, edição, ele tinha uma grande experiência de cinema da Segunda Guerra Mundial, eu aprendi muito nesse sentido. E a personalidade do Chick. Ele tinha a segurança do insulano, o homem que nasce numa ilha, aquela independência que os ingleses têm. Entre o homem da Inglaterra e o homem do continente europeu tem uma diferença enorme. Assim como entre os continentais na Grécia, é Creta. O Cretense não tem nada a ver com o grego do continente. O Chick tinha isso, e era inglês. A última coisa a se perder na vida para o inglês é o humor. Perder o humor é um pecado capital. E ele tinha essa virtude quase viril de ver as coisas de uma posição absolutamente firme, de cima da ilhazinha que ele era. Essa era a personalidade do Chick. E ele dominou a Lynxfilm. Ninguém dava um palpite na Lynx se o palpite não fosse do Chick. Sady Scalante tem uma personalidade do gaúcho. Ele não é só gaúcho, mas de um grupo de gaúchos de São Paulo, como Madruga Duarte e Barbosa Lessa. Um trio. E os gaúchos não se miscigenavam, eles montavam a sua colônia, eles não desfazem a sua comunidade. Ele se conservava o tempo todo gaúcho, reticente, extremamente generoso, discreto, firme. Todos iam à Lynx não pra falar com o César, mas pra falar primeiro com Sady. César era o homem de negócios. Um faro e uma segurança pra vender como ninguém. Cenografia. A cenografia para longa metragem naquele momento praticamente não existia. Quando se falava em fazer cenário era: dar um jeito em locações. Não havia isso tudo pra fazer cenários, não havia. Cenários para 157

comerciais eram coisas pequenas, em virtude dessa técnica do Chick de fazer coisas pequenas parecer coisas grandes. Então cenografia, tinha pouquíssima coisa. Porque a direção de arte e a sugestão de cenografia vinham junto com o storyboard da agência. E quando ele chegava e a gente examinava, Chick, eu e o contato da agência e não fazia sentido, a gente sugeria. Então tinha sempre um trabalho de criação. Nunca houve um cenógrafo na Lynx a não ser eu. Estive na Lynx de 1960 a 1969. Antes de 1960 a Lynx ficou conhecida e era sinônimo de animação para comerciais. Depois ela passou a fazer os comerciais filmados, porque mudou a estética e a animação ficou uma coisa velha. Apesar de que, ainda em 1989, eu chamei o Ruy Perotti e nós fizemos os bonequinhos pra TV Bandeirantes. O clima de criação na Lynx era maravilhoso. Havia uma segurança que todos respiravam. Os funcionários eram extremamente dedicados e humildes. E os amigos... o local de encontro dos amigos era o bar da esquina e nós tivemos na Lynx grandes alcoólatras, que nós tínhamos que ir buscar no bar. Roberto Santos era filho de fotógrafos do Brás e tinha arte e sensibilidade na veia por herança. E durante muito tempo de sua vida foi um dos habitantes do bar da esquina. Mas saído daquele problema, tinha uma visão do que tinha que ser feito em cinema, extraordinária. Ele foi uma das personalidades mais pessoais e mais doces do cinema brasileiro. Ele era Lynxfilm também. E ali, esperando pra fazer o longa-metragem através da Lynx, esperou pra fazer cada um a cada 7 anos. Ele era o retrato do mau destino do cineasta brasileiro. Roberto fez a cada 7 anos um filme. Ele passava 7 anos de jejum cinematográfico. Eu fiz direção de arte em alguns filmes dele. Eu fiz os levantamentos com ele de A hora e a vez de Augusto Matraga, fiz o Vozes do Medo e fiz o Machado de Assis. E fomos pra Gramado pra apresentar o Machado de Assis, Quincas Borba. Machado de Assis foi a desgraça final da vida do Roberto. Roberto queria fazer o Miguilim, ele era louco por Guimarães e aí veio a notícia da família, que queria distribuir o vídeo antes do lançamento cinematográfico, que foi um escândalo. E estava lá o dinheiro pra fazer o Miguilim e disseram ao Roberto; “não vamos fazer Miguilim, escolha outro roteiro, porque o dinheiro está aí, faça, por favor, Machado de Assis”. Passar de Guimarães para Machado de Assis, foi um pulo fatal. Não sei nem se estava informado sobre Machado de Assis. Seria um cinema como se fosse de um outro país. E tivemos que fazer. Fomos a Tiradentes e começamos a fazer o filme, eu desenhava, fazia os 158

storyboards. O fracasso com vaia em Gramado foi terrível. Houve uma reunião com críticos e público, Roberto sozinho sentado numa mesa, respondendo às críticas. Aí acabou, pegamos o avião, descemos e fomos esperar as bagagens. Ele caiu e morreu. Roberto passou a fazer comerciais, porque logo no início dos anos 60 eu fiz um cenário na TV Excelsior para uma série semanal. A TV Excelsior ficava no Cultura Artística, na rua Nestor Pestana e na praça Roosevelt também estavam a Rhodia e a Standard Propaganda e Lívio Rangan era o gerente de publicidade e ele veio ver o cenário que eu tinha feito na Excelsior. Ele gostou do meu trabalho e pediu para eu abrir uma firma. Durante 10 anos eu fiz auditórios, cenários para fotografia e para desfiles de moda. Eu era um dos tripés da ação da moda nos anos 60, nós levamos a moda ao profissionalismo e levamos a moda aos espetáculos públicos que tinha um brilho, uma riqueza, idéias, maior do que qualquer espetáculo feito no Brasil na época. Isso nos anos 60. Acabou em 70. Chegou da Europa uma palavra chamada marketing. E disse que estávamos totalmente errados. Nós acreditamos e a Rhodia acreditou que era mais fácil pegar lingerie amassada e colocar nas gôndolas em supermercado que venderia mais do que aquele fausto todo. As nossas verbas não tinham limite, sobrava dinheiro e nós viajávamos pela Europa e pelo mundo todo. A Rita Lee fez o seu primeiro espetáculo solo na Rhodia, em 1969. A Rhodia foi uma grande financiadora. No IV Centenário de São Paulo, um italiano de Trieste, Lívio Rangan, casado com uma bailarina, vendeu um balé para esse evento do IV Centenário. E depois ele ofereceu um balé para filmes publicitários, para a Rhodia. Ele foi falar com a gerente de publicidade da Rhodia, que tinha uma das maiores verbas de publicidade do país, pertencente a um plano francês de divulgação da França no mundo, através de empresas e uma delas era a Rhodia, que vinha de Lyon, pra vender aqui o fio. Ele se viu com uma verba fantástica pra fazer a publicidade e ele resolveu fazer com a cultura brasileira: artistas plásticos, artistas de teatro, cantores, Júlio Medaglia, Diogo Pacheco, todo mundo estava lá. Lívio Rangan, Alceu Penna e eu, éramos quem comandava essa história. Alceu desenhava moda e eu sou herdeiro dos desenhos do Alceu Penna pra shows, eu tenho um show chamado Stravaganza, feito pra Rhodia, todo desenhado por ele, com um elenco enorme e nós convidamos Piolin. O tema era o circo. Você tem idéia do dinheiro que a gente tinha? Nós convertemos gente ao teatro, à ópera, à vida noturna. 159

E aí precisávamos fazer os comerciais da Rhodia. Lívio, para desenhar os estampados, chamou todos os renomes das artes plásticas no Brasil para desenhar: Aldemir Martins, Di Cavalcanti e outros. Estampava-se 3 metros de tecido, porque a Rhodia vendia fio, não tecido e se desfilava, e as mulheres queriam comprar aqueles tecidos, mas tinham sido feitos só 3 metros, não tinha o tecido, não se vendia tecido. E aí tinha que convidar alguém pra dirigir os comerciais, tínhamos dinheiro, e convidamos o melhor, convidamos o Roberto Santos. E ele é convidado a fazer filme publicitário. Nessa carreira de fazer um longa-metragem a cada 7 anos, ganhar um dinheirinho bom fazendo filme publicitário era uma tentação aceitável. E ele começou a fazer. Depois precisava mais alguém pra dirigir os shows e procurou-se Ademar Guerra, gente de teatro e apresentei Roberto Palmari pra Rhodia, meu colega de TV Excelsior. E ele começou a dirigir para a Rhodia e a fazer comerciais pra Lynxfilm. Ele fez um programa na Excelsior que foi um marco na televisão, ele reuniu mendigos de São Paulo e gente de diferentes profissões, vestiu de gala todo mundo e fez um banquete sem que ninguém soubesse quem era quem. Então tinha um mendigo aqui, uma professora ali, um padre, um médico, um coveiro e fez uma ceia e isso foi pro ar. Foi maravilhoso. Eu me divertia muito com o Roberto Palmari. Em 1969 foi o último show da Rhodia. O Lívio Rangan foi mandado embora e eu fiquei com estúdios com seis prédios e dívidas tão grandes que eu fui expulso de São Paulo, fui pro Rio de Janeiro e fui convidado pra ser diretor de arte da Globo. No caso de Vozes do Medo, a idéia era fazer um filme sobre a juventude, problemas da juventude. Os produtores eram Roberto Santos, César Mêmolo e eu. Cada um teve uma idéia sobre um tema. E eu fiquei com o tema das “bichas”. Então nós vamos fazer Vozes do Medo. Eu peguei dez “bichas”, as mais loucas de São Paulo e levei pra um sítio em Atibaia e eles passaram comigo três semanas. E a história do meu filme era a gravidez de uma delas e nasce uma boneca, porque uma “boneca” só pode fazer uma boneca. Quando terminou foi uma choradeira, aquilo tudo era a vida que eles tinham sonhado, aqueles personagens que eles tinham sonhado. Eu dirigi, produzi e criei tudo. Só o Peter Overbeck que fazia a câmera e dois assistentes. O resto era comigo. Usei só luz natural. Eu construí um caleidoscópio para colocar diante da câmera. E em um determinado momento a câmera passava em uma pan, girando o caleidoscópio. Aqueles dias não morreram, encantaram. 160

DANIEL MESSIAS (Local e ano de nascimento não obtidos)

Depoimento concedido por e-mail, São Paulo, Outubro/2007.

Comecei a me interessar por animação dois anos antes de me empregar na Lynxfilm. Eu já desenhava relativamente bem, pois aprendera muito com meu pai, Messias de Mello, chargista e desenhista de quadrinhos e um apaixonado por cinema. Um dia, meu pai apareceu em casa com uma câmera 16mm Paillard Bolex, que filmava quadro a quadro. Fixei a câmera a um titulador e comecei a brincar com desenhos que se alternavam. Filmei alguns desses desenhos em filme positivo que guardo até hoje. No ano seguinte, junto com Ely Barbosa, outro interessado em animação que eu conhecera no Colégio Salete, onde estudávamos, produzimos o primeiro comercial animado de minha carreira, um spot de 30 segundos que mostrava três leõezinhos muito populares na época, logotipo de uma loja de departamentos, a Três Leões. Fizemos todo o trabalho em duas pessoas, o que se mostrou impraticável no nível de exigência de qualidade do mercado. Ely se empregou na Lynx no início de 1960 e logo depois, sem meios de produzir animação sozinho, foi a minha vez. No início de 1960 a Lynxfilm (então, RGE Lynce Filmes) era uma pequena casa produtora de filmes publicitários para a televisão, à procura de técnicos em animação e pessoal de produção ao vivo. Eram tempos de pioneirismo e os animadores no Brasil podiam ser contados nos dedos. A Lynx tinha contratado dois deles, o Marcello Tassara, que viria a se especializar em filmes abstratos, animação gráfica e stop motion, e o Ruy Perotti, carioca de Valença, grande desenhista cartunista e que viria a ser diretor do recém fundado departamento de animação da produtora. Ruy era um entusiasta da animação, desenhava com extrema rapidez e muita qualidade. Esperançoso em se juntar ao grupo que então se formava, mostrei meus desenhos a ele, que me convidou a participar da equipe. Entrei na Lynx em abril de 1960 e saí em janeiro de 67. Todo o pequeno departamento de animação da Lynxfilm cabia em uma 161

pequena sala de um prédio de quatro andares na rua Major Sertório. Nos dois ou três primeiros anos, Ruy Perotti, Marcello Tassara, Ely Barbosa e eu, fazíamos animação, cenários, story boards e colaborávamos com a filmagem . A equipe era bem versátil e lembro-me de ter até criado o texto rimado para um licor. Dois ou três rapazes (ainda não havia moças no departamento) eram responsáveis pela arte final em acetato. Um deles, Roberto Shimose, viria a se tornar um competente animador especializado em técnicas de trucagem cinematográfica e trabalhando para a TV Globo. Ruy chefiava o departamento com muita habilidade. Logo, outros profissionais se juntaram a nós, como o argentino Mario Ontiveiros (animação), Alcy Linares (cenários) e Walbercy Camargo (arte final), que viria a se tornar animador dono de estúdio. Mais tarde, fariam parte da equipe animadores talentosos como Francisco Osório, Alcídio da Quinta, José Alves Maria, Kiko, Bronia Altman e Marjorie Sonnenshein (assistente de animação). Ruy Perotti foi um profissional dedicado e entusiasmado com a animação. Ele desenhava bem e rapidamente e adorava os quadrinhos. Antes da animação, ele fizera quadrinhos para a Editora Rio Gráfica. Ruy era capaz de animar um filme inteiro em apenas um fim de semana, se o prazo assim o exigisse. Era autodidata e adorava ler. Lia de tudo, psicologia, filosofia, sociologia, magia negra e o que mais lhe viesse às mãos. Um dia, passou a se interessar por hipnose e chegou a fazer algumas sessões lá na Lynx, para espanto da rapaziada. Ruy sempre dirigiu o departamento com muita habilidade, respeitando as individualidades e tratando a todos com generosidade. Com o tempo, ele passou a ter uma participação societária na Lynx, mas a despeito disso, era comum tomar o partido dos seus colegas de trabalho nos conflitos com a direção da empresa. Criou muitos personagens, mas o que mais o notabilizou foi o Sujismundo, símbolo de uma campanha contra o lixo. Criou também inúmeras vinhetas para a extinta televisão Excelsior, canal 9 e animou alguns filmes da Varig, inclusive o célebre Umashimataro, o japonezinho que viaja para o Japão. É inquestionável a importância de Ruy Perotti como um pioneiro da animação publicitária brasileira. A seção de animação daquela produtora nasceu de um sonho do Ruy. Não fosse a sua insistência, provavelmente não existiria aquele departamento. Os sócios majoritários daquela empresa eram homens de cinema ao vivo, com formação cinematográfica européia. César Mêmolo, fundador da Lynxfilm, 162

acabara de chegar da Itália, onde havia feito um curso de cinema na Cinecittá. Sua paixão era o cinema ao vivo e até hoje suspeito que ele jamais gostou de animação. Ruy convenceu-o que valia a pena fazer animação. Lá fora, a UPA explodia com Mister Magoo, Gerald Mc Boing Boing e outras coisas maravilhosas. Na então Iugoslávia, Zagreb criava uma escola de animação que revolucionaria a sua estética. César cedeu aos argumentos de Ruy e se convenceu que essa era a hora de criar um departamento exclusivo voltado à produção de animação. O mercado de animação publicitária começou a crescer rapidamente devido a substituição do comercial importado e a pequena sala da Major Sertório ficou pequena. Em 62, mudávamos para uma casa ampla na Rua Fortaleza 168, que seria a sede da produtora até o fim. Os departamentos de animação e filmagem ao vivo foram acomodados na mesma casa. Uma grande sala fora transformada em estúdio, onde eram filmados os comerciais ao vivo. A essa altura, César Mêmolo e seu novo sócio, o inglês Chick Fowle já consideravam a animação um sucesso e passaram a investir na ampliação do pessoal e em equipamentos importados. A produtora foi a pioneira em trazer equipamentos usados nos EUA, como câmeras de filmagem, discos de animação, furadoras e tintas especiais. Já contávamos, então, com dois letristas, dois camera man, um grupo de moças responsável pela arte final em acetatos, dois cenaristas e mais a equipe de seis animadores, que crescera também com o grupo. A maioria dos roteiros eram criados pelas agências de publicidade. Embora algumas dessas agências tivessem diretores de criação e fizessem seus próprios storyboards, a maioria confiava a nós essa tarefa, a qual o Ruy dividia comigo. Esse trabalho incluía criar os personagens para o filme, muitos dos quais acabavam sendo usados nas campanhas impressas. O passo seguinte consistia no processo de animação propriamente, ou seja, criar os movimentos dos personagens. Não havia assistentes de animação no departamento; assim, o animador fazia todo o trabalho sozinho, uma coisa totalmente impensável no sistema de animação de estúdio moderno. Curiosamente, e por insistência minha, fui o primeiro animador a trabalhar com uma assistente na Lynx, a Marjorie, que tornava meu trabalho bem mais ameno. O estágio seguinte era passar esses desenhos em folhas de acetato, que era feito pelas moças da arte final. Ao mesmo tempo, um cenarista pintava os cenários. Tudo pronto, os acetatos com os cenários eram filmados na câmera especial importada pelo César. 163

O processamento do negativo, copiões e cópias em 16mm eram feitas no próprio laboratório da produtora, instalado no andar térreo do prédio. A Lynx não terceirizava nenhuma etapa da produção visual. Fosse qual fosse a natureza do projeto, só animação, ao vivo, animação e filme ao vivo misturados, o projeto entrava como uma idéia e saia como filme pronto. Só a parte sonora era entregue aos cuidados de um estúdio de som, em geral, a RGE que também havia sido associada à Lynx. Todas as etapas desse exaustivo trabalho eram acompanhadas pelo animador. Costumávamos nos queixar de uma certa incompreensão do reconhecimento desse esforço todo e aqui não só me refiro à questão da remuneração pecuniária. Na verdade, o setor de animação empregava um número maior de funcionários que a seção ao vivo. No entanto, pela natureza do processo, lento e artesanal, a produção era quantitativamente menor. Portanto, menos lucrativa também. Muitos dos filmes com atores não demandavam mais que uma semana (e muitas vezes até menos que isso!) para serem produzidos, enquanto a feitura de um simples comercial animado de 30 segundos se arrastava por quase um mês. Isso refletia no status e salário dos técnicos do setor ao vivo, que recebiam melhores salários e tratavam o nosso grupo com um certo desdém. Na realidade, essa atitude preconceituosa refletia a idéia geral que se tinha do nosso trabalho. Para o leigo, éramos um bando esquisito cuja ocupação lúdica era ficar rabiscando desenhos o dia todo e ainda ganhávamos para isso! Ironicamente, talvez, essa pouca valorização da animação acabou por garantir-lhe a sobrevivência: seu preço mais barato tornou-se um motivo atraente para o cliente disposto a investir menos dinheiro em um comercial e com isso, para a nossa alegria, passamos a trabalhar muito com o aumento crescente da demanda. No final da década de 60, a Lyxfilm detinha o monopólio absoluto da produção de filmes publicitários no Brasil, muito além das outras poucas que não lhe faziam sombra. Tal era o ritmo frenético que alguém chegou a propor a criação de um grupo noturno, que se revezava com o diurno, este coordenando os trabalhos. Por mais estapafúrdia que essa idéia possa parecer, ela foi aceita e colocada em prática por alguns meses. Felizmente, a idéia não vingou e logo foi abandonada. Mas a Lynx pagou um preço alto a esse aumento desmesurado da produção. Para atender a essa lucrativa demanda, a produtora teve que renunciar à qualidade de suas produções e passou a fazer muitos filmes de varejo, considerados 164

de baixa qualidade. O processo ficou quase maquinal e chegou-se ao absurdo de se fazer o que apelidamos jocosamente de filmes prêt-a-porter, os quais consistiam em filmes feitos nas horas ociosas com temas voltados às datas comerciais como carnaval, Natal, dias das mães, dos pais, etc, mas sem a chamada final com o nome do assinante. Então, o departamento de vendas da produtora saía a campo para vender esses filmes já prontos para casas comerciais. Algumas dessas lojas compravam a idéia e só tínhamos o trabalho de colocar a "assinatura" final do cliente. Esse comportamento arranhou a imagem que a Lynx tinha conquistado todos esses anos de boa casa produtora e os trabalhos criativos começaram a rarear. Desgostoso com essa situação, desliguei-me da empresa em janeiro de 67 para trabalhar como animador free lance. Algumas produtoras tentaram competir com a Lynx na década de 60, mas a maioria não tinha estrutura de produção à altura daquela casa produtora. A que mais se aproximou desse padrão foi a Jota Filmes, fundada pelo francês Jacques Dehenzelin. A Jota Filmes conseguiu ser bem sucedida no mercado publicitário muito mais em virtude da carência de grandes produtoras que da sua própria estrutura de produção. Era uma pequena empresa, administrada nos moldes domésticos pelo próprio Jacques que terceirizava quase toda a produção. Jacques nunca teve um departamento de animação na casa, e entregava todo o trabalho dessa área ao seu conterrâneo, o animador Guy Boris Lebrun, que trabalhava praticamente sozinho em seu estúdio no bairro de Santo Amaro. Extremamente talentoso, Guy foi responsável pela animação de comerciais que fizeram muito sucesso na época, como o marinheiro do arroz Brejeiro e os primeiros filmes da Mônica e Cebolinha para a Cica, os quais acabaram fazendo parte do repertório de produção da Jota filmes. Minha intenção, ao sair da Lynxfilm, era trabalhar como free lance para a maioria das produtoras de comerciais que não tinham um departamento de animação. Durante um bom tempo, sobrevivi fazendo comerciais em um estúdio que construí no terreno onde moravam meus pais, em Santana. Lá, apenas com uma assistente que pintava os acetatos, consegui produzir muitos comerciais trabalhando exclusivamente para as produtoras. Eu fazia quase tudo sozinho: o storyboard, os cenários, a animação, acompanhava as sessões de gravação da trilha, auxiliava na filmagem dos acetatos. A demanda crescera enormemente nos meados da década 165

de setenta e eu fui obrigado a aumentar a equipe. Já éramos quatro e com essa pequena equipe cheguei a fazer as animações da Cica, do Frango Sadia (uma versão de Natal do bichinho cantando "Jingle Bells" se tornaria muito popular na década de setenta), Menininha Claybom, a Polva da Gillete Trinity, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e Estadão, o primeiro curta- metragem dos estúdios Maurício de Souza, um filme de cinco minutos chamado "Natal da turma da Mônica" e outros. Embora nosso pequeno grupo realizasse toda a produção, tínhamos ainda status de autônomos, trabalhando como fornecedores para as produtoras da época, Magisom, Documental, Diana, Tellstar, Sonima e Prova Filmes. Além disso, fiz também muita animação para a Varig, Sadia (anterior à criação do Frango), vinhetas da TV Excelsior, salto Amazonas, Chevrolet, Volkswagen e uma infinidade de outras animações das quais, naturalmente, poucas pessoas se lembrarão, principalmente porque esses filmes eram publicidade de lojas de departamentos que não existem mais. Mas dois desses filmes me marcaram muito: um comercial de 30 segundos para a Kellogg's onde um macaquinho, o Chico do Samba, canta, dança e toca pandeiro. Outro, um curta metragem sobre as tentativas do homem até inventar o avião, O Homem Voa. Dividi a animação com o Ruy e fiquei tão entusiasmado pela idéia (o filme foi produzido para o cinema) que cheguei a levar material para trabalhar em casa no meu período de férias. Tenho a impressão que este foi o primeiro curta de animação a cores produzido em nosso país. Exatamente no ano de 1975, não havia mais produtoras ao vivo interessadas em produzir animação. Embora a contragosto (nunca tive vocação para empresário), criei nesse ano a minha própria produtora, a Daniel Messias Cinema de Animação Ltda. e passei a trabalhar diretamente com as agências de publicidade. Esse período me traz boas recordações: ainda me lembro do primeiro comercial que produzi como empresa para uma agência de propaganda, Standard, e que trazia o cachorrinho Snoopy e sua turma, um comercial de 30 segundos para os sorvetes Kibon. Um coro de vozes infantis finalizava o vídeo; "Um beijinho geladinho pra você". Este seria o primeiro filme com personagens internacionais e que inauguraria uma série grande de trabalhos com esses heróis internacionais do cartoon, como Pernalonga, Frajola, Taz, Dexter, Dee Dee, Meninas Superpoderosas, A Vaca e o Frango e, mais recentemente, o Homem Aranha, em computação gráfica. 166

GALILEU GARCIA (São Paulo, 1930)

Entrevista concedida em São Paulo, Junho/2006.

O cinema nasceu em 1895 com Lumière, mas três anos depois Méliès começou a fazer filmes publicitários, ele inventou o roteiro para o filme publicitário, inventou a técnica de usar atores vestidos de personagens, já em 1898. Ele é uma grande revelação para o filme publicitário. Ele teve a mesma intenção que têm hoje as agências de publicidade, em 1898 ele já fazia roteiros com humor. Ele fez filme pra leite, pra whisky, pra maionese, para diversos produtos. Ele já pensava na narrativa, uma historinha, para vender um produto. Os filmes eram exibidos em um teatro que ele tinha. Ele inventou o display publicitário e o slogan. O primeiro filme foi para a maionese Barniby. Esse filme se passa num almoço de domingo, quando as pessoas vão comer fora, essa já é uma idéia muito boa. Uma das pessoas pega o seu vidro de maionese e quando vai colocar na comida, espirra uma gota acidentalmente no terno do seu vizinho. Este coloca a maionese na sua comida e joga de volta. Assim, começa uma guerra em que todos jogam a maionese no outro. No final todos riem e saem abraçados. O Méliès era o ator que fazia o gerente do restaurante quando chega um cachorrinho e começa a lamber a maionese. O filme publicitário começou no Brasil com a Lynxfilm, que no início era a Lynce Filmes. No filme do César Mêmolo, Osso, amor e papagaios, feito pela Vera Cruz, eu fui gerente de produção. Na Vera Cruz eu entrei antes que o Mêmolo, como redator publicitário, no departamento de propaganda, porque eu era jornalista. Eu queria entrar na Vera Cruz e fui apresentado ao Franco Zampari, e ele me colocou no departamento de propaganda. Eu ficava entrevistando os grandes nomes da Vera Cruz e redigia os boletins pra mandar pros jornais, para todas as revistas e todas as rádios. Naquela época no Brasil havia muitos jornais. Eu fui conhecendo o cinema através dos meus entrevistados. Eu entrevistei Abílio Pereira de Almeida, o próprio Franco Zampari, as vedetes que tinham vindo da Europa, o Haffenrichter e fiquei nessa função por um ano, esperando uma chance de entrar no cinema. Eu comecei no cinema na prática. Mas antes eu já tinha feito crítica de cinema na imprensa e também lia muito sobre cinema. Entrar na realização do filme 167

foi fantástico. No meu primeiro trabalho, fiz terceiro Assistente de Direção do Abílio Pereira de Almeida no filme Sai da Frente, primeiro filme do Mazzaropi. Foi o primeiro trabalho do Abílio e como o Tom Payne era assistente de direção em Londres, aqui ele já chegou como diretor, por isso assinava o filme junto com o Abílio e foi também produtor do filme. Mas o filme foi do Abílio. Eu era um assistente muito importante na Vera Cruz, eu fiquei famoso como assistente com o trabalho no O Cangaceiro. Eu fui uma das últimas pessoas a sair da Vera Cruz. Mesmo a Vera Cruz estando já fechada, sem produzir, eu cumpria uma série de coisas, algumas filmagens. Em seguida, após o fim da Vera Cruz, o Abílio Pereira de Almeida formou a Companhia Brasil Filmes, que foi uma subsidiária da Vera Cruz, ela funcionava com gente da Vera Cruz, com o espírito da Vera Cruz, com estúdio, equipamentos e parte sonora da Vera Cruz, que eram muito bons. Mas como eu entrei na publicidade? O César teve a idéia de formar uma produtora, ele foi contaminado pelo micróbio da publicidade, o primeiro que foi alertado, aliás, o segundo, porque o primeiro foi o Jacques Deheinzelin. O César queria montar uma produtora que fosse operante, mas ele não quis montar sozinho. Ele me chamou, chamou pessoas que tinham um bom prestígio público junto às agencias de publicidade, porque o nosso nome era muito divulgado, então ele me convidou pra dirigir filmes de publicidade. Ele estava estreando, não era o forte dele, dirigir filmes de publicidade. Quando entrou na publicidade, ele entrou com o objetivo de ser o produtor, ele não tinha muito entusiasmo para dirigir e ele foi um grande produtor. A Lynxfilm nos seus 30 anos de vida fez exatamente 30 mil filmes publicitários. Eu trabalhei na Lynx desde o seu início. O César me chamou, mas na época eu tinha estreado na direção e estava montando o Cara de Fogo, então o César esperou até que eu acabasse o filme. Então eu já entrei como sócio da Lynx e levei outras pessoas comigo, levei o Chick Fowle para a Lynx, levei o primeiro diretor, Mamoru Miyao, que foi meu assistente de direção em Cara de Fogo, eu levei o Sady Scalante. Eu fiz centenas de comerciais, dezenas de documentários. Boa parte dentro da Lynx. Depois que eu coloquei o Sady, o Mamoru, eu saí. O César Mêmolo era uma pessoa que queria fazer uma grande produtora, a maior. Eu acho que o cinema brasileiro de hoje, o seu grande potencial, foi estimulado pela atuação das produtoras de comerciais, as produtoras que reinvestiram o seu lucro em equipamentos e dando condições de produção. Tudo o que hoje um produtor ou 168

diretor conta, é com esse material das produtoras. Hoje o melhor equipamento que tem no mercado é originário do filme publicitário. A publicidade criou as condições ideais para a produção do longa-metragem. A Documental foi uma produtora que eu fundei, quando saí da Lynx e ela entrou como sócia, ela tinha 50%. Nós ganhamos muito dinheiro. Depois, por um novo atrito, eu saí e comprei outra empresa produtora chamada Magisom, foi uma das primeiras produtoras que tinha uma organização, que tinha equipamentos, tudo, do Gilberto Martins, que foi um dos melhores produtores de jingles do Brasil. Ele começou com jingles e depois esticou a firma para a produção de filmes. Ele era um criador genial de som, ele foi o criador de um dos jingles mais famosos do Brasil, o do Biotônico Fontoura “Be-a-bá be bé, be-Biotônico Fontoura”. Eu comprei tudo dele, fiquei com os estúdios de som e de filmagem. Então eu estava famoso na publicidade. A Magisom fechou porque foi mal administrada, é difícil, dirigir tudo sozinho, administrar uma empresa muito grande, mas fez uma belíssima carreira. E ela fazia filmes melhores do que a da própria Lynx. Era uma concorrente da Lynx. A gente tinha uma diferença, porque a Lynx era dirigida por um produtor, com a visão de produção e a Magisom era uma empresa dirigida por um diretor. O César era um homem de negócios. O diretor de cinema que começa a se desenvolver, a dirigir em publicidade e depois vai para longa, tem o diferencial que o cinema tem hoje no mundo todo. O cinema hoje tem cenas muito curtas, não tem cenas melodramáticas longas, tudo isso vem de publicidade, porque o diretor de publicidade aprende a administrar segundos. É diferente de longa-metragem. Quase todos os diretores de longa- metragem fazem também publicidade. A linguagem tem essa velocidade. O público também evoluiu e ficou muito rápido, você não precisa explicar mais, basta um close. Eu chamo isso de velocidade de percepção, que contaminou o espectador, que fica com uma prática maravilhosa de ver imagens em movimento. Leo Pastre, Nicolau Fowitsky, Moisés Gurowitz foram pessoas contemporâneas da Lynx. Leo Pastre era um office-boy de uma produtora, de uma agilidade mental que teve uma produtora pequena na Barra Funda, a Leo Pastre Produções, mas não fez coisas muito boas. Nicolau Fowitsky era um russo, ele não tinha equipamento bom, comprava coisas velhas, ele não tinha qualificação. Eu uma vez dirigi pra ele porque ele não sabia dirigir um ator, não tinha linguagem e ele me chamou pra dirigir pra ele um filme com a Tônia Carreiro. Moisés Gurowitz se 169

formou na França, no IDHEC, mas ele não tinha uma formação boa. Eles eram muito insuficientes porque eles não tinham a capacidade técnica que nós tínhamos, as produções eram de baixo nível, de baixo custo. Esse era um problema que a gente tinha que enfrentar na publicidade, os atores. O cliente não aceitava ator porque achava que estaria muito ligado a outras idéias, a outras identificações e não ao produto. Aos poucos fomos forçando a barra, introduzindo os atores na publicidade, o que deu grande resultado. O fabuloso Eugênio Kusnet, diretor russo, por exemplo, fez um comercial com o Julio Xavier - o do frade que viajava todo dia de Mercedes, mas era o ônibus. Ele criou um personagem que ficou popularíssimo, muito famoso. Esse filme era parte de uma série de comerciais para a Mercedes Benz. A Lynx no começo fazia coisas muito simples, muito pobre. No início era tudo feito com fundo infinito. O fundo infinito foi uma etapa, um estilo de filme. Colocava-se o ator diante do fundo infinito e dizia-se que o fundo infinito era bom porque não causava nenhuma dispersão, melhorava a concentração. Isso era uma técnica que veio dos Estados Unidos. Quando as produtoras começaram a se organizar, a primeira coisa que construíam era o fundo infinito. A gente trabalhava no Brasil com muitas agências americanas, os rolos vinham da matriz americana. Punha um ator num fundo infinito e tinha que tirar todo o proveito do rosto dele porque a gente tinha o domínio da linguagem, do corte. E a gente introduziu no filme publicitário uma coisa que foi muito importante, a idéia de fazer um filme pra ser montado, já decupado na cabeça antes de filmar, uma coisa do longa-metragem. A Lynxfilm foi a primeira produtora a se expandir, ela montou a primeira filial no Rio de Janeiro e outra em Porto Alegre. A Lynx mandou uma câmera e uma moviola pro Rio Grande do Sul. E isso foi o nascimento do cinema gaúcho. Quando eu fechei a Magisom, eu fui trabalhar na Lynx do Rio como free-lance. Eu fui o primeiro diretor livre, eu trabalhava pra todo mundo. Teve mês em que eu dirigi 20 filmes comerciais. O diretor da Lynx do Rio era o Paulo Dantas. Fui eu que levei o Roberto Santos pra Lynx, ele era meu amigo. O primeiro trabalho do Roberto Santos em cinema fui eu que passei pra ele. Eu era produtor na Vera Cruz e produtor na Brasil Filmes e no filme O Sobrado eu era assistente de direção e eles estavam precisando de um continuísta. E eu chamei o Roberto pra fazer. No segundo filme, Paixão de Gaúcho, eu deixei de ser assistente e fiz a produção e o Roberto foi assistente de direção. 170

Existia muito a abertura para que o diretor fizesse interferências no filme publicitário. Às vezes, a gente via que o filme acabava mal e filmava duas versões pra apresentar ao cliente. Em muitos casos a gente precisava usar a linguagem do longa-metragem no filme comercial. Eu gosto de usar a idéia da anedota, uma história muito curta, que tem que ser desenvolvida dentro da mesma progressão com que você conta uma história. Por que o cinema brasileiro morreu, mais ou menos em 1960? Porque o cinema brasileiro não era dono do seu mercado, os donos do mercado eram as distribuidoras estrangeiras, especialmente as americanas e eles tinham um trunfo pra acabar com a gente. Vinha um filme com o Gary Cooper e nós tínhamos um Anselmo Duarte, nós não tínhamos um Gary Cooper. Os grandes atores americanos puxavam uma bilheteria enorme. E a gente estava lançando os atores brasileiros, que não tinham a popularidade que tinha um Gary Cooper.

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GINI DEHEINZELIN (Anna Eugenia Brentani) (Trieste, Italia, 1929)

Entrevista concedida em São Paulo, Junho / 2007.

Na Jota Filmes éramos três sócios – o John Waterhouse, o Jacques e eu. Quando o Jacques saiu, a Jota Filmes passou a operar com Lucio Braun, montador, Waldemar Lima, fotógrafo e Fabio Perez, como braço direito dele - era como um triunvirato “chefiando” a minha “chefia” e foi complicado porque não havia da parte deles muito interesse. Era como se eles fossem interventores na empresa. E eu era a dona da empresa. Eu tinha interesse na empresa porque eu tinha filhos pra criar. A coisa que aconteceu de mais bonito no meu tempo da Jota Filmes foi refazer uma campanha da Arno, em que cada um dos aparelhos dançava sobre música, o que para a época era totalmente inovador. Não se esperava muito de mim, que era uma obstetra. Eu não tinha a menor idéia de como se fazia um filme e não entendia nada de cinema. Não era a minha praia. A segunda coisa, que foi formidável em 1971, foi quando a Carmem Prudente chegou pra mim e disse “preciso fazer um comercial pro Hospital do Câncer” e eu disse pra Carmem – “vamos fazer um filme assim – ‘se todos os homens do mundo se dessem as mãos’ baseada na idéia do filme Si tous les hommes du monde, cujo tema era a solidariedade”. O que importa na Jota é que ela mudou o conceito do filme publicitário, porque o grande problema do filme publicitário é que a agência de publicidade sempre achava que era ela quem fazia o filme. Mas quem fazia o filme era a produtora. A produtora ganhava uma miséria e a agência ganhava uma fortuna. Se existia uma disputa entre a Lynx e a Jota Filmes, era muito mais porque o Jacques era mais charmoso e a Jota Filmes tinha uma atmosfera mais descontraída, as pessoas iam lá conversar, tomar um drinque. A marca do Jacques dentro do cinema publicitário era a introdução do conceito de cinema. Era um cinema extremamente sofisticado e de vanguarda. Acho que estava uns vinte anos à frente do seu tempo. O Jacques mudou a publicidade fazendo Brastemp, utilizando atores como o Jô Soares, a Hebe Camargo. Ele criava muito sobre as idéias da 172

agência. A mudança da vida da Hebe Camargo começou na Jota Filmes fazendo comercial da Brastemp. O primeiro filme da Brastemp, quando deixou de ser Frigidaire foi feito na Jota Filmes. O Jacques fazia cinema porque estava no sangue e conseguiu agregar gente muito boa à sua volta. Ele tinha uma visão estritamente cinematográfica do negócio e não tinha nenhuma visão empresarial. A Jota Filmes tinha um estúdio muito grande com um fundo infinito muito bom, era um sucesso. Muita gente vinha fotografar naquele fundo infinito. Os filmes da Jota eram muito bons e isso eu acho que é muito importante. Tinha um filme da Ford dos anos 60, feito sobre um desenho de uma carroceria, uma animação, em que as rodas vinham rolando sobre essa carroceria. Só o desenho, a animação e a música. Já o filme “Omo dá brilho à brancura” foi feito todo em contraluz, era muito a linguagem do cinema. O Jacques ganhou muitos prêmios. E então, começou a se ensinar o cinema publicitário, passou a se ter uma cultura de cinema publicitário e se isso existe, sem dúvida, se deve ao Jacques, que era um excelente cineasta. O que se pensa sempre é que o cinema publicitário não é arte ... mas é uma arte. O que acontece é que a agência de publicidade avacalha muito o filme publicitário, naquela época tanto quanto hoje. Realmente houve um esforço muito grande de qualidade, de inovação, de se fazer cinema e através do cinema, fazer publicidade. E não fazer só publicidade. Isso é muito patente nos filmes da Jota. Ela fez escola. O Jacques ensinou muita gente, os grandes montadores de cinema saíram da mão dele. A Jota era muito mal administrada, quando eu a peguei, ela estava falida e totalmente desorganizada. Eu fiz tudo o que pude enquanto estive lá, até o momento de vender para o Carlos Reichenbach que queria muito comprá-la. Eu fiquei à frente da Jota somente por dois anos e enquanto eu estive lá eu a tirei da lama. Eu guardei da Jota só os filmes onde estão as crianças, porque o Jacques filmou muito com os nossos filhos. Eu dei muitos filmes da Jota para a ECA. E tem alguns filmes na ESPM. Acho que os filmes ficaram também com as agências.

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JACQUES DEHEINZELIN (Jacques Denis Marc Deheinzelin) (Hirson, França, 1928)

Entrevista concedida em São Paulo, Maio /2006.

Eu vim para o Brasil porque eu fiz escola de cinema, tive formação em fotografia, no IDHEC e eu era o único aluno francês da área de fotografia - Direção de Fotografia. O restante dos alunos eram todos estrangeiros, bolsistas. E na minha turma tinha o John Waterhouse, um inglês que está na origem da Jota Filmes. A Jota Filmes veio do nome do John e o meu, Jacques. Esse colega me chamou dois anos depois que nós tínhamos saído da escola. Ele tinha sido contratado pelo Cavalcanti, que foi o organizador da Vera Cruz. E a idéia do Cavalcanti era repetir a experiência canadense da Escola de Documentário e começar aqui a Vera Cruz, criando profissionais através do documentário, o que não se realizou porque não era a idéia do Zampari. Ele (Cavalcanti) contratou o John e queria diversificar a equipe com uma pessoa de outra nacionalidade, porque a maioria dos técnicos já contratados eram ingleses. Então pediu ao John que me chamasse. O John me chamou e eu fui contratado para a Vera Cruz. Esse foi o motivo que me trouxe ao Brasil e de certa forma foi o início da história também da Jota Filmes. O John já tinha alguma experiência, ele fazia filmes entre o publicitário e o documentário, aproveitando a escola de humor britânico no estilo Mr. Bean. Depois da minha formação eu quase não tinha experiência profissional nenhuma, eu tinha feito três filmes publicitários na França. Há pouco tempo fiquei sabendo que o Cavalcanti tinha amigos nesta firma publicitária onde eu fiz os meus primeiros filmes e foi assim que ele ficou sabendo de mim, apostando num jovem inexperiente e me chamando para trabalhar com eles. Então desembarquei aqui e logo em seguida o Cavalcanti saiu, o John pediu demissão junto com o Cavalcanti. A Vera Cruz foi criada pelo Zampari e pelo Ciccillo Matarazzo, dentro do complexo do Museu de Arte Moderna e do TBC. O Zampari era principalmente ligado ao teatro, ele tinha com o cinema uma relação não muito boa, ele gostava mesmo era de teatro. E ele fez sociedade com o Laboratório REX, que tinha um pé na publicidade. O Laboratório REX era um dos sócios da Vera Cruz e foi fundada por 174

imigrantes húngaros que já tinham uma prática de cinema, que chegaram aqui e foram pioneiros no cinema em São Paulo. Simultaneamente ao laboratório eles também faziam filmes e o mercado eram os filmes pseudo-publicitários - os jornais - eles viviam praticamente disso, dos jornais, que era uma espécie de publicidade disfarçada. Eles faziam alguns documentários e desenhos animados. Os sócios iniciais da REX eram o Ciccillo e o Zampari. Eu saí da Vera Cruz e fui contratado por várias outras firmas, a Maristela, a Multifilmes, e logo desmontou todo o sistema e eu fiquei desempregado. E passei a me interessar por aquilo que foi o mais importante na minha vida: a partir do meu desemprego eu quis entender o que era esse negócio de cinema e me dediquei a estudar o cinema sob o seu aspecto econômico. Isso fez com que eu me tornasse uma espécie de especialista em economia do cinema. Eu fiz parte de comissões municipais, estaduais, eu me envolvi mais com essa parte. Voltei à publicidade esporadicamente, em uma firma que me contratou pra fazer um filme sobre o campeonato mundial de futebol, a Musa Filmes, quando apareceu a televisão e através dessa firma fizemos alguns filmes publicitários que provavelmente foram um dos primeiros que se fez em São Paulo. Depois disso cada um foi pro seu lado, eu fui pro lado das organizações, dos sindicatos, das associações, pra me envolver no governo no problema do cinema - um pouco mais que politicamente - porque a Vera Cruz foi criada com dinheiro do governo do Estado, do Banco do Brasil e isso criou um problema enorme, que daria um escândalo, porque os financiamentos foram feitos em condições muito duvidosas. O Banco do Estado preparou diversas comissões e eu era a pessoa que conhecia o ramo e fazia as relações com o governo para tentar dar uma solução às questões do endividamento. Aqui na Vera Cruz eu fiz um pouco de tudo, porque eu cheguei antes de todos os outros estrangeiros. Fiz direção de fotografia de uma parte do filme O Caiçara, enquanto o Chick Fowle não chegava. Eu fiz parte de uma coisa que era comum na Inglaterra e que o Cavalcanti trouxe, que era a segunda equipe, para cenas que não utilizava todo o elenco. Durante um certo tempo eu fui montador, fiz trucagem, fiz um pouco de tudo, tarefas em geral até esperar que o técnico estrangeiro responsável chegasse. Então a Jota Filmes nasceu um pouco dentro disso, porque a Vera Cruz tinha uns escritórios desocupados e ali nós começamos a nos organizar. O John na 175

verdade era quem tinha mais experiência e quem deu o ponto de partida porque ele tinha alguns contatos com o sistema publicitário mundial na Shell e foi mais fácil para ele começar os negócios. Na verdade ele ficou pouco tempo, porque voltou pra Inglaterra. Depois disso ele continuou com a sociedade - mas estando na Inglaterra - e eu toquei a Jota Filmes na maior parte do tempo sozinho. A estética de John era a da comédia a serviço de empresas, a comédia a serviço de um certo estilo de publicidade, a minha era mais ligada ao documentário. Havia duas escolas, uma mais profissional, que formava os técnicos e o IDHEC, que era uma coisa mais intelectualizada, que formava críticos e diretores. A minha formação tinha a ver com a cultura de cinemateca. E eu, como era o único diretor de fotografia numa classe de 40 diretores, enquanto cada um fazia um exercício, eu trabalhava em todos, então eu trabalhei muito como diretor de fotografia. O John tinha uma vaga idéia do que era o filme publicitário. O primeiro filme da Colgate tinha uma cenografia e trucagem que criava um certo estilo publicitário e isso de alguma forma repercutiu, porque a gente tinha a nata dos clientes publicitários, parte pelo prestígio de ser estrangeiro, ainda mais ter sido um estrangeiro contratado pela Vera Cruz, tinha um certo status. E também uma certa afinidade, no caso do John que era inglês, com o meio publicitário que era totalmente dominado pelos estrangeiros. E apesar de eu não ter tido uma formação em publicidade, eu aprendia muito com os fotógrafos. As campanhas no Brasil eram feitas, primeiramente pensando a publicidade para a imprensa, o diretor de arte contratava os fotógrafos, que tinham uma qualidade muito superior ao pessoal de cinema. Muitas vezes eu aprendia a fotografar modelos olhando a fotografia da campanha impressa. Primeiro se fazia toda a propaganda impressa e quando sobrava dinheiro se pensava no filme publicitário, o filme era a última coisa que se pensava numa campanha. Eu aprendi fazendo, mas olhando muito o lado da fotografia, que era extremamente mais sofisticada, tinha fotógrafos muito bons para a imprensa, que era muito mais bem remunerada do que o filme publicitário, que era o parente pobre. Não sobrava dinheiro para o filme publicitário. Quando o filme publicitário era para cinema, era muito mais sério e era muito mais bem remunerado, nós fazíamos filmes de três minutos que eram exibidos antes do filme, coloridos. A publicidade para a televisão era o parente pobre, porque tinha que caber a verba dentro da audiência. Os espectadores de cinema eram 176

muito mais do que os de TV, porque pouca gente na época tinha TV. A Jota Filmes começou porque o John tinha um contrato de documentação de uma obra, a Shell tinha uma cinemateca muito grande em nitrato, altamente inflamável e tinha que passar tudo de nitrato para acetato. Fizemos também o acompanhamento das obras da General Motors, que foi um documentário. Do primeiro comercial realizado pela Jota Filmes eu não me lembro, talvez tenha sido o comercial da Colgate. Esses foram os nossos primeiros trabalhos. No começo era uma mistura entre documentário e publicidade. Nos anos 50 começamos mais ou menos juntos, a Lynxfilm e a Jota Filmes - a Lynx logo teve uma estrutura maior, tinha mais clientes, mas a Jota Filmes tinha um status de alguma coisa mais chique, mais sofisticado, que, porém durou pouco. Nós tínhamos também toda a infra-estrutura, mas algumas coisas eu mesmo construía, como uma truca. Quando eu dividi a Jota Filmes em várias empresas, uma delas se tornou uma empresa de trucagem que prestava serviço a muitas produtoras. Eu construí também uma mesa de animação. Tudo isso você tinha que ter porque não tinha locadora desses equipamentos. Mais tarde, com a profissionalização do mercado, surgiram as locadoras. A Lynxfilm certamente produzia um número muito maior de filmes do que nós. Na Jota Filmes eu fazia a direção também, além de dois diretores fixos. Quando começamos, as agências de publicidade principais eram a Thompson, que foi a principal, a Lintas, a McCann-Erickson, que eram estrangeiras e por isso eu tinha certa estabilidade. A nossa clientela era toda a indústria automobilística, a Volkswagen, General Motors, Gessy Lever. Nós fizemos uma média de mil filmes durante o tempo em que eu fiquei na Jota Filmes. Talvez a Jota Filmes fosse maior porque tinha um prédio de três andares com os estúdios ao fundo, tinha oficinas. Mas com relação aos funcionários, a Lynx tinha maior número. Eles tinham muita gente no setor de animação e eu, neste setor, fazia uma co-produção com um outro francês que tinha uma produtora de animação. Com relação ao faturamento, a Lynx também era maior, mas eu cobrava mais caro enquanto a Lynx prezava mais pela quantidade. Quem deu o nome da Jota Filmes foi o Mêmolo, nós éramos colegas e eu nunca gostei da idéia de concorrência, eu facilitava as coisas. A nossa concorrência era extremamente amigável. 177

Ao contrário da Lynx que também fez longas-metragens, nós fizemos só publicidade e documentários institucionais, que era um tipo de publicidade disfarçada. A Lynx teve muito mais atuação, porque tinha muito mais gente e ele tinha muita ligação com o Boni, que era uma estrela ascendente. A Jota Filmes cresceu, se desenvolveu, teve um período bom, eu montei um estúdio, aluguei um prédio, tinha uns 30 funcionários, era relativamente grande, mas eu comecei a entrar em crise e vi que o meu negócio não era esse, então fiz uma espécie de desmembramento propus criar várias firmas, peguei o meu pessoal e propus a eles criar várias firmas, alguns grupos nasceram lá e deram origem a empresas. Em 1970 fui chamado pelo governo para ser diretor do INC, e minha idéia era passar para o cinema educativo. Passei dois anos no Rio e durante essa época já tinha passado a propriedade da Jota Filmes para a minha ex-mulher que tocava o barco lá. Aí quando fui para o governo eu fui colocado numa comissão para regulamentar as profissões de artista e técnico de espetáculos em geral e me deram outra atribuição, que era a de regulamentar a televisão, eu representava o ministério da Educação e aí de repente eu tive que analisar como andava a profissão e como ela iria se encaminhar, revi toda a minha visão fechada sobre o cinema e entrei na televisão. Nessa comissão já dominava a Globo. Tive mais contatos com o pessoal da televisão. O Boni era o grande criador da Globo, que vinha da publicidade e eu comecei a pensar mais seriamente sobre o que era o audiovisual e isso me remetia ao problema da tecnologia. Ficou claro pra mim que gravar em película não tinha mais sentido e todo o meu equipamento era de cinema. Eu pensei: ou sigo o audiovisual ou largo tudo, então larguei tudo, inclusive a família, porque eu não encontrei meios de sustentá-la. Então passei a Jota Filmes para a minha ex-mulher que ficou a titular da empresa e me afastei de tudo e o que eu soube depois é que ela vendeu para o Reichenbach e continuou por um tempo, depois ele vendeu não sei para quem e a última vez que eu tive notícia é que tinha se transformado em uma locadora de filmes pornográficos meio pesados. Com relação ao acervo dos filmes que a Jota produziu, o Primo Carbonari disse que os filmes estavam com ele, mas eu não sei, porque ele ficou com a minha ex-mulher e depois ela o vendeu para o Reichenbach. Essa é a história da Jota Filmes como instituição. Durante dez anos eu trabalhei como projetista de casas no litoral. Voltei para São Paulo no começo dos anos 80 e o meu interesse era a criação da indústria 178

do cinema no Brasil, uma coisa governamental. Em função disso, com meus ex- colegas eu criei uma associação, com várias leis, para criar condições de trabalho para a classe e me chamaram para ser secretário executivo, o que me deu condições de vida. O que foi providencial é que nós implantamos um sistema de cobrança de cópias. Com tudo isso a área de audiovisual se profissionalizou. Eu tinha um desprezo profundo pela televisão e como todo o pessoal de cinema da época, eu quase não olhava a televisão. Isso me abalou profundamente: perceber a minha incompetência em valorizar o potencial da televisão. Hoje eu vejo que isso era uma espécie de cegueira. Até hoje tem gente de cinema que pensa que o cinema é uma coisa totalmente diferente da televisão. No começo a publicidade era um mercado muito pouco promissor. E o meu negócio era o cinema, eu estava fixado em economia do cinema, eu estava interessado na problemática do governo para criar condições para desenvolver uma indústria de produção de filmes destinados às salas de cinema. E eu virei um especialista em legislação e economia. Porque quando eu comecei era tudo muito amador, era difícil encontrar pessoas, mesmo pagando, que quisessem aparecer em um comercial. Quando tinha que filmar um banheiro, era o meu banheiro, quando tinha crianças, eram os meus filhos. A Jota Filmes ficava na Avenida Francisco Matarazzo. Quando a área se profissionalizou tudo complicou muito, porque ao invés de usar o meu banheiro eu tive que construir cenários, com marcenaria, cenógrafos, estúdio. A solução que foi dada é que se dividia a receita da produtora em duas partes, uma era a produção e outra eram as cópias. O número de cópias era muito grande e a demanda foi crescendo muito, nós tínhamos muitos cinemas e era necessário muitas cópias, também para televisão. As cópias que eram exibidas em projetores muito ruins se riscavam e tinham que ser trocadas, então a receita verdadeira vinha das cópias. E para isso precisava criar um preço de cópias que fosse aplicado para todo mundo. Aí foi o meu trabalho de criar uma associação, fazer acordo com todo mundo para criar um preço de cópias. A minha relação com o filme publicitário estava muito ligada a isso, porque precisava criar uma legislação que desse suporte, defender o preço das cópias pelo direito autoral e outra coisa era a defesa do comercial estrangeiro, que era dublado e era uma enorme ameaça. Houve períodos em que a coisa balançava. Foi feita uma legislação tentando proibir e o meu papel nestes últimos anos foi defender tudo isso. 179

JEREMIAS MOREIRA (Jeremias Moreira Filho) (Taquaritinga, 1942)

Entrevista concedida em São Paulo, Abril/2006.

Assim que eu comecei a trabalhar em cinema profissional, em 68, a Lynx já era uma grande produtora em SP. E eu só fui conhecer a Lynx em 73 porque eu passei um período numa agência de publicidade que na época se chamava Salles Interamericana e através da Salles eu fui fazer alguns filmes na Lynx. Eu comecei a fazer cinema com uma pessoa que era do longa-metragem - o Luis Sérgio Person - mas que também trabalhava em publicidade e eu era assistente de direção dele, durante três anos. Eu queria ser diretor e tinha que passar por todas as etapas para isso, mas ganhava-se muito mal como assistente de direção, era considerado quase um estagiário e por isso eu fazia também produção, para ganhar um pouco mais. Nesse período em que eu fiz trabalhos pra Lynx, eu já era montador. Entre o trabalho com o Person e a Lynx, eu trabalhei numa produtora pequena, mas que era da moda, que se chamava Filme Center, e lá eu comecei a montar e também fiz produção. Quando eles foram produzir O Predileto, o Sady Scalante me chamou e me apresentou para o Roberto Palmari e desse papo, o Palmari me chamou pra produzir O Predileto que foi rodado em Rio Claro, pelo menos uns 70% e o restante em São Paulo. Foi interessante porque eu entrei na Lynx já participando de projetos especiais - um pouco antes a Lynx tinha produzido o Vozes do Medo, que o Roberto Santos tinha coordenado, com direção de alguns alunos da ECA e alguns diretores da Lynx. O Predileto foi a primeira aventura mais arrojada da Lynx. E eu tive o privilégio de chegar na Lynx e já trabalhar nesse projeto do filme O Predileto. E quando terminaram as filmagens, eu conversei com o Palmari e me ofereci para montar o filme. E foi muito bom porque eu tive muita liberdade pra trabalhar nesse filme. O meu relacionamento com a Lynx foi através do Sady Scalante, um dos sócios, juntamente com o César Mêmolo e o Chick Fowle. O Chick Fowle era um fotógrafo famosíssimo, um inglês, que veio para trabalhar na Vera Cruz, o Sady também vinha da Vera Cruz, acho que como assistente de produção, e o César, que 180

dirigiu um filme lá. O Sady era o esteio da Lynx, coordenava a produção, tocava as coisas e foi muito gratificante ter feito esse trabalho com a Lynx porque o Sady era incrível, ele se preocupava muito com os detalhes. Aí eu passei a conviver realmente dentro da Lynx porque eu comecei a montar o filme (O Predileto) e a montagem do filme foi muito longa. O que eu tenho pra dizer com muita saudade é que a Lynxfilm era uma verdadeira escola de cinema: tudo era multiplicado por cinco, tinha cinco equipes, cinco moviolas, cinco câmeras, filmava-se todos os dias, era muito grande o volume de trabalho. Vários fotógrafos se formaram na Lynx com o Chick e a forma como o Chick lidava com eles era impressionante; o cuidado com o equipamento... era impressionante como as coisas funcionavam por lá, era uma perfeição. E as pessoas se formavam, começavam como assistentes e depois passavam por todas as outras funções. E era realmente a maior produtora do Brasil, eles faziam em média 60 filmes comerciais por mês. Era realmente uma escola de cinema. Em seguida veio o Diário da Província. Em 1976 eu fiz o meu próprio filme, O Menino da Porteira. Eu escrevi e dirigi. Montei uma produtora com uns amigos e o filme foi um enorme sucesso de público. Aliás, a Lynx quase se associou. E aí eu ia começar a minha carreira de diretor. E foi por isso que eu não fiz a produção do O Diário da Província, que o Palmari tinha acabado de filmar. Naquele momento o Palmari começou a montar o filme na Lynx. Ele estava tendo problemas com o montador e então me chamou pra montar o filme para ele. E eu reeditei o filme, comecei a montar de novo. Entre o filme O Menino da Porteira e Mágoa de Boiadeiro, meu segundo filme, eu fui contratado pela Lynfilm como diretor de comerciais. Eu fiquei uns oito meses na Lynx dirigindo. Mas então eu tive que sair pra dirigir o meu segundo filme que foi o Mágoa de Boiadeiro. Mas minha relação com a Lynx sempre foi muito estreita, eu sempre continuei trabalhando com a Lynx. Depois disso fiz assistência de direção e fiz direção de produção em Contos Eróticos, no episódio do Roberto Santos, porque eu queria trabalhar com ele. Aí eu comprei os direitos do Josué Guimarães, escritor, pra fazer um filme chamado Dona Anja e eu propus ao César Mêmolo para produzir o Dona Anja. Mas o César já tinha conversado com o Eduardo Escorel para produzir o Ato de Violência em que eu fiz a produção também. Eu tive algumas dificuldades porque metade da equipe era carioca e a outra paulista. Foi uma produção bastante tumultuada e por causa disso a minha relação ficou um 181

pouco desgastada com a Lynx e o filme Dona Anja não foi produzido. Nesse momento, era mais ou menos 1979, a Lynx era a maior produtora do Brasil, mas tinha outra produtora que vinha na cola da Lynx, que era a Diana Cinematográfica. Eles foram os primeiros a trabalhar com vídeo e hoje a Diana se tornou a Casablanca. Ela tinha praticamente a conta da Estrela, fazia os filmes do Omo, era uma produtora grande, mas enxuta ao mesmo tempo. Naquela época todos os efeitos especiais eram realizados na Truca, uma empresa de trucagem. A Lynx praticamente sustentava uma empresa que fazia truca, era como se eles terceirizassem o serviço. Outro desses serviços que eles sustentavam era o som. E eu dava dicas “porque vocês não montam um estúdio de som, porque vocês não montam uma truca?”. A Arlete, que era a dona da Diana tinha uma truca e um estúdio de som que funcionava muito bem. Eu acho que faltou visão para o pessoal da Lynx, tinha um desperdício na hora de finalizar, na hora da trucagem e do som. Com relação ao vídeo eu também acho que faltou visão. O César Mêmolo, no auge da Lynx, tinha boas relações com os donos das agências. Mas a publicidade é muito dinâmica, está em constante modificação, as coisas mudaram e a partir de um determinado momento, quem passou a dar as regras dentro da agência era o pessoal de criação, uma outra geração. E esse pessoal foi para outro lado. Naquela época (anos 70) o filme ia para a Lynx, não ia para o diretor, já nos anos 80 o filme ia para o diretor. Na época da Lynx os diretores ganhavam um salário mensal, não importava quantos filmes dirigisse. A partir dos anos 80 passaram a receber cachê por filme. As agências passaram a escolher os diretores, não importava a produtora. Então a situação se inverteu. A figura do diretor ganhou importância, o diretor passou a ter um nome, ter valor. Antes, quem mandava era o departamento de RTV, que tinha muita autonomia. Depois o pessoal de criação começou a opinar e pedir para os seus filmes determinados diretores. Então as produtoras começaram a contratar diretores que tinham prestígio. Nesse período eu fui diretor free-lance. Depois dos anos 80 eu dirigi muitos filmes pra Lynx como free-lance. Eu também dirigi muitos filmes para eles na filial em Porto Alegre, além de São Paulo. O Palmari era assim: ele decupava a cena e de cada plano ele fazia um long-shot. Ele filmava a cena inteira do plano. Se ele fazia um close de uma pessoa, ele fazia a cena inteira no close. Ele gastava muito negativo e eu selecionava as cenas. Eu fui pra edição e meu primeiro trabalho foi selecionar as cenas. A 182

sensação que eu tenho é de que eu extraí o melhor do material. Assim foi com O Predileto. Agora, quando não se tem dinheiro, tem que fazer o filme montando. Na época em que eu estive na Lynx eu não era do primeiro time, não chegavam os bons filmes pra mim. O meu auge foi na época da Companhia de Cinema (produtora), em que vinham bons filmes pra mim. Foram meus contemporâneos na Lynx, como diretor: Mamoru, Adilson Bonini, Birillo, Dudu, Marcos Weinstock. A pessoa da Lynx que dirigia para a Salles era o Adilson Bonini. O Julio (Xavier) nunca foi diretor da Lynx. Naquela época, algumas pessoas de Rádio e TV das agências também dirigiam os filmes. O Julinho era o RTV da Almap – Alcântara Machado. Eles tinham praticamente uma sala na Lynx, porque eles produziam muito lá. Então o Julinho estava sempre na Lynx porque tinha muito trabalho. Hoje é a Criação que dá as regras, o RTV perdeu muita força.

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JULIO XAVIER (Julio Cezar Xavier da Silveira) (Local e ano de nascimento não obtidos)

Entrevista concedida em São Paulo, Novembro/2006.

Eu comecei como estagiário em cinema nos estúdios da Lynx, por um mês e fui estagiário em agência de publicidade, na Denison Propaganda. Eu sou químico industrial de formação e trabalhava em química, mas abandonei a profissão porque meu sonho era fazer cinema. Como era muito difícil, porque não tinha uma indústria cinematográfica de longa-metragem no Brasil, eu fui trabalhar naquilo que existia, que era a indústria de cinema publicitário. Na realidade eu sempre trabalhei em agência de propaganda no departamento de Rádio e TV, o departamento dedicado à criação e produção de filmes para cinema e televisão, que depois foi unificado no departamento de criação. Naquela época os filmes eram criados e produzidos exclusivamente naquele departamento e quem fazia imprensa, outdoor, trabalhava em outro departamento. Eu comecei em 1964 na Denison Propaganda, lá comecei a criar os meus próprios filmes e dirigir. Eu era estagiário do Guga, que é irmão do Boni. Eu sou primo-irmão do Boni e ele foi o primeiro diretor de comerciais no Brasil, ele trabalhou na Lintas Propaganda. Ele fez um filme que foi um dos primeiros comerciais exibidos e que foi muito premiado, para o desodorante Mum, com criação e direção do Boni, embora seja desenho animado. A animação foi feita pelo Ruy Perotti e foi produzida pela Lynx. O roteiro era do Boni. A Lynxfilm era uma produtora e no início os diretores vinham da Vera Cruz, da área de longa-metragem e não tinham muita experiência e afinidade com a sofisticação da linguagem publicitária. Então nós criávamos os filmes dentro da agência e íamos para a produtora e a nossa missão era acompanhar a filmagem. A gente entrava na produtora e ficava quase como um produtor executivo fiscalizando o que o diretor da Lynxfilm fazia. Isso depois de algum tempo começou a gerar conflito, porque antes de rodar o diretor enquadrava, colocava a câmera, nos chamava, nós olhávamos e dizíamos: “não, não está muito bom, baixa a câmera; não, está muito longe; não, troca a lente”, isso começou a desautorizar os diretores 184

da Lynx, porque na realidade você estava dirigindo o diretor que estava dirigindo um filme e criou um conflito de operação dentro da empresa. O mérito da co-direção era nosso também, isso chegou a um ponto que os diretores da empresa começaram a se rebelar. E durante uma época foi proibido aos diretores das agências ficar nas produtoras. Aí, saímos da Lynx e começamos a trabalhar com outras produtoras que permitiam que a gente começasse a dirigir. Chegou a um ponto em que nós, os criadores das agências, começamos a dirigir também, forçados por essa circunstância. Uma série de publicitários da época começaram a dirigir também. O Boni já fazia isso, mas ele supervisionava os diretores da própria empresa, a Lynx, e foi assim que a gente começou. Mas sempre trabalhando dentro da agência, entravamos dentro da produtora, produzíamos e dirigíamos nosso próprio filme. Mas nós éramos sempre empregados da agência de propaganda. Eu era considerado um diretor free-lance. Por outro lado a Lynx tinha também seus clientes diretos. Ela era uma produtora, não era uma agência, mas mesmo assim ela criava, por exemplo, os filmes da Varig, porque a Varig não tinha uma agência de propaganda na época, então nós trabalhávamos como criadores e diretores free-lance para a Lynx, que nos pagava, como free-lance. Tinha uma gíria para isso na época que se chamava “cupincha”. Eu trabalhava para Denison Propaganda e para a Alcântara Machado, mas criava por baixo do pano, de forma secreta para outras agências e para outros clientes que não tinham agência, clientes diretos. E aí tinha um time de diretores e criadores que criavam para que a Lynx pudesse vender para clientes que não tinham agência. No início a publicidade era ainda muito incipiente. Depois disso é que se desenvolveu o código de regulamentação, surgiu o conceito de mídia e tudo foi sendo organizado a respeito disso. Na época, o RTV, além de cuidar do orçamento e produção dos filmes, também criava, mas depois, com o modelo importado pela Alcântara Machado, da DDB, houve uma unificação dos departamentos dentro das agências. Antes você tinha o redator, o diretor de arte e o homem de Rádio e TV que trabalhavam isolados. Isso foi unificado, foi gerado um modelo em que o homem de criação tem que pensar tudo, ele tem pensar tanto o outdoor quanto o filme de televisão e aí eles criaram as duplas de criação, que era um diretor de arte e um redator e eles criavam para todos os meios de comunicação. Deixou de existir o criador em Rádio e TV, então nós recebíamos o roteiro criado pela equipe de criação e a nossa função era 185

só orçar, produzir e dirigir, se fosse o caso. Aí se criou um modelo em que cada agência devia ter o seu diretor. Mas os clientes se questionaram do porquê de se pagar, além de 10% de produção, mais 20% sobre mídia, pagar ainda o diretor, que era um funcionário da empresa. Nesse ponto as agências deixaram de ter seus diretores e os diretores passaram a ser free-lance; ou a abrir a sua própria produtora; ou pertencer a uma produtora. Voltou-se à velha fórmula da Lynxfilm: só dirige o diretor da produtora. Então eu fui trabalhar nas produtoras. Mais tarde abri minha produtora, que era a JX Filmes e há um ano e meio abrimos a Bossa Nova. O Rádio e TV na época não se encarregava só de supervisionar criação e produção de comerciais, mas também programas de televisão. Quando eu trabalhava na Denison, eu supervisionava a produção de novelas de rádio da Colgate e o Boni, por exemplo, na época da Lintas, supervisionava o programa do Arrelia, o Cirquinho do Palhaço Arrelia, o Circo Bombril. Existia na televisão uma novela que se chamava Lever no Espaço, da Unilever, e o Boni supervisionava essa novela. Ele dirigia o diretor. E assim ele foi entrando na televisão. Quando ele abandonou a propaganda, já estava com o nome feito na televisão e foi trabalhar como diretor artístico na TV Excelsior. Na realidade, o Boni começou em rádio, ele trabalhou na PRK30, depois foi para a publicidade, trabalhando na Lintas e enfim, para a televisão. Durante a época áurea da Varig o grande jingle “Estrela das Américas” foi criado pelo Boni e todos os filmes eram criados por ele. Quando ele foi para a televisão, ele deixou a criação da Varig para mim e para o Guga, irmão dele, e da Lynxfilm. Nós criávamos para a Lynxfilm, como free-lance, secretamente. O tema do Fantástico é também criação do Boni. O filme de longa-metragem, o Alguém, surgiu na minha vida através de um projeto da Lynxfilm, na época em que a Globo começou a fazer as séries de televisão e o Ministro da Educação era o Ney Braga. Foi baixada uma lei em que os canais eram obrigados, para incentivar a indústria de produção de filmes no Brasil, a produzir uma porcentagem determinada de séries aqui, porque todas vinham do exterior e eram dubladas. E as produtoras de cinema publicitário no Brasil, que eram as que estavam bem estruturadas, entraram com projetos. Nós pensamos numa série para televisão, uma série de contos com capítulos de quarenta e cinco minutos, na linha do realismo fantástico, de ficção científica, porque era uma época de Gabriel 186

Garcia Márquez, de Cem Anos de Solidão e essa era uma idéia minha. O Tércio Gabriel da Mota, o montador do filme, me trouxe o conto do André Carneiro, que sempre se dedicou a esse tipo de literatura, que se pode chamar de ficção científica ou realismo fantástico. Ficção científica num país que não tem ciência é meio absurdo, o realismo fantástico é uma coisa mais pra terceiro mundo, América Latina, é uma coisa de crendice popular, causos, do sobrenatural, é mais saci-pererê. O piloto seria então O Mudo, um conto fantástico do André Carneiro. No meio da produção, quando estávamos para editar o filme, a Globo lançou as séries de televisão produzidas dentro do próprio canal, entre eles, Malu Mulher, Carga Pesada, porque eles não queriam que a produção saísse do domínio da sua própria produção. Então o nosso projeto foi por água abaixo e não pudemos dar continuidade à série. Nesse momento nós já tínhamos todas as sinopses escritas, dez ou doze, que seria uma coletânea de contos, cada um de um autor e a série toda já estava aprovada pelo Ministério da Educação. Isso foi abandonado porque deixou de existir mercado para esse projeto e a Globo começou a produzir os seus próprios trabalhos. Aí resolvemos estender o capítulo, que teria quarenta e cinco minutos e ele foi reeditado pelo Tércio, com uma hora e quinze minutos, porque nós tínhamos muito material e isso foi lançado em cinema. A Lynx seria a produtora de toda a série. Quando surgiu essa lei do Ministério da Educação, a Lynx se inscreveu no projeto e pediu aos diretores da casa que apresentassem projetos. Naquela época a Lynx produziu muita coisa pra cinema. Esse filme foi exibido durante uma semana em São Paulo, no cine Vitrine, foi lançado em vídeo e passou em televisão aberta. Depois dessa experiência eu acabei ficando no ramo da publicidade mesmo, porque no Brasil não existe condição de fazer longa-metragem, porque não existe a indústria do longa. O diretor passa grande parte do seu tempo tentando levantar o capital do seu filme e o cinema é artesanato. Todos os meus projetos esbarraram sempre nessas questões, conseguir dinheiro. Sobre O Mudo, o que me interessava nesse conto do André Carneiro e me interessa em ficção científica é muito mais a capacidade do ser humano de sentir, é a capacidade paranormal do ser humano, as qualidades que ele pode desenvolver através de amor, de sentimento. Se isso puder gerar algum fato paranormal, pra mim tem valor, agora, se for alguma coisa baseada em robô, cibernética, isso não me interessa. Eu gostava muito do Isaac Asimov, Ray Bradbury. Um conto do Bradbury 187

falava das descobertas do rito de passagem de um garoto da pré-adolescência para a adolescência e ele começava a se sentir estranho na natureza, começava a acontecer uma série de coisas, quando na verdade era tudo simplesmente uma modificação hormonal. Então, porque eu gosto do André Carneiro e do conto O Mudo: é a história de um rapaz mudo que tinha o poder de fazer crescer as plantas de forma exagerada somente com a energia das mãos e que se apaixona por uma menina, que de repente se transforma em uma mulher exuberante. Ele transforma a menina, da mesma maneira como ele faz uma maçã ficar enorme, tudo através do amor. Esse rapaz tem um poder paranormal que é dele mesmo, mas que é despertado pela capacidade que ele tem de amar. O filme foi rodado em quase um mês numa fazenda da família Mesquita, do jornal “O Estado de São Paulo”, que foi cedida pra gente, em Vinhedo. A Lynxfilm produziu o filme, bancou os negativos, equipamentos, técnicos e todo mundo trabalhou de graça, mas alguma coisa eu tive que tirar do meu bolso e foi feito tudo com muita dificuldade. A finalização, montagem, tudo isso foi bancado pela Lynx, inclusive um cachê muito simbólico para os atores. Eu tenho uma idéia sobre a evolução do filme publicitário. Você vai perceber três fases do filme publicitário. Uma fase antes da Alcântara Machado, década de 60, uma fase depois da Alcântara Machado e outra depois da DPZ. A propaganda brasileira no início era muito primária, isso vem de antes da televisão, por influência da propaganda de revista, dos anúncios de revista. O Alex Periscinotto na época tinha feito um trabalho revolucionário no Mappin, anúncios bonitos, diferentes daquilo que se fazia em varejo na época, muito inteligentes e criativos, que possuíam uma estética muito boa. O José de Alcântara Machado chamou o Alex para trabalhar com ele e ofereceu a sociedade, e abriram a Alcântara Machado. O Alex trouxe, dos Estados Unidos, todo o estilo de criação da Volkswagen que era feita pela DDB, que fazia as campanhas da Volkswagen. E isso foi uma revolução de comunicação também nos Estados Unidos e no mundo inteiro. A partir daí, nos anos 60, os filmes da Volkswagen passaram a ter outra característica. Ao invés do filme que dizia: “um carro é isso... com tantos cavalos de potencia...” - você tinha um carrinho num fundo infinito, com o texto: “o Volkswagen anda para frente, sobe, desce, dá marcha à ré...” e só. A locução não era gritada, uma direção de arte minimalista, sintético. Isso foi uma revolução no Brasil também. 188

Esse filme foi uma produção da Lynx, com direção do Guga, o Carlos Augusto de Oliveira, era ele o diretor da Alcântara Machado na época. Nem sei se é uma versão de um filme americano ou se foi criação do Brasil. A partir daí, da década de 60, do surgimento dos filmes da Volkswagen, a palavra de ordem passou a ser criatividade e a Alcântara Machado floresceu como a agência mais criativa do Brasil. Mas era o modelo importado dos Estados Unidos e isso foi até mais ou menos até a criação da DPZ. A DPZ já tinha outra filosofia, que era mais européia, outra linguagem. Os donos são dois artistas plásticos, os catalões Zaragoza e Petit. Então os filmes da DPZ eram diferentes, eram mais sofisticados, possuíam uma linguagem que vinha do cinema francês, do impressionismo, com uma fotografia em tons pastéis, com foco e desfoque, teleobjetiva, dentro da cinematografia européia. A DPZ sofisticou a linguagem no Brasil. É uma opinião minha, mas o que me formou foi isso. Vejo dois marcos importantes na propaganda brasileira – antes da Alcântara Machado e antes da DPZ. Depois vem a WBrasil, do Washington Olivetto, que “abrasileirou” a propaganda brasileira, ele começou a colocar música brasileira, valores brasileiros, a valorizar o jeito brasileiro de contar piada. A gente poderia dizer que esta foi uma quarta fase. Um filme que caracteriza bem esse estilo da DPZ é um filme de mortadela, com o Raul Cortez que fazia um nobre em um castelo, que foi premiado, foi muito bem feito. E o uso da música clássica, eles usavam muita música clássica nos comerciais, numa época em que sempre se fazia um jingle. Fiz o filme da Valisère, O primeiro soutien, com criação da Camila Franco e do Washington Olivetto, fiz A morte do Orelhão, sempre como diretor. O primeiro filme famoso do qual me lembro de ter feito, foi o do garoto francês da Danone, em branco e preto, pela Alcântara Machado, que foi um sucesso. Na Denison, fiz um filme para o Salto Vulcabrás. Depois teve um filme em preto e branco para a Feira do Couro. Teve um filme sobre um garoto que ia comer um lanche com margarina Saúde e o professor roubava o lanche dele. Esse filme foi feito pela Lynx. Mas eu também dirigi filmes na Jota Filmes.

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MARCELLO TASSARA (Marcello Giovanni Tassara) (Local e ano de nascimento não obtidos)

Entrevista concedida em São Paulo, Maio/2006.

Lynxfilm como produtora de longas: ela não só foi produtora, mas também incentivou muito na época, inclusive a mim mesmo, porque eu fiz um longa e eu tive um apoio bastante grande da Lynx. Esse longa é um documentário de longa- metragem sobre a história da USP, que se chama O Brasil, os índios e finalmente a USP, que eu fiz logo depois que o Roberto Santos fez o último filme dele e depois ele faleceu. O montador do filme dele foi o mesmo que montou o meu filme, o “Tranqüilo”. Foi um filme em 16 mm, sem interesse comercial, mais acadêmico, era pra ser um curta-metragem comemorativo sobre o aniversário de 50 anos da USP, o tema era tão grande, tinha tanta coisa para se contar, que deu duas horas de filme. Esse filme foi feito em 1984. A Lynx me cedeu moviola gratuitamente, sem nenhum ônus e durante seis meses eu usei a moviola da Lynx. Foi uma grande contribuição que eu devo ao Sady Scalante, que foi quem me fez essa gentileza. A Lynx teve um papel muito importante em vários aspectos na realização de longa-metragem. Fez todos os filmes do Roberto Palmari, participando também em um filme da ECA, o Vozes do Medo, que é um filme muito interessante, do qual eu não participei, mas acompanhei bastante de perto. Tinha um episódio de animação realizado pelo Ruy Perotti Barbosa. O Ruy foi a pessoa através da qual eu comecei a entrar em contato com o cinema. Ele e o Roberto Santos. Porque o Roberto Santos foi quem me convidou para a Escola de Comunicações e Artes, mas antes eu conheci o Roberto na Lynx, quando ele tinha terminado O Grande Momento e estava se preparando para fazer A hora e a vez de Augusto Matraga, que ele levou muitos anos batalhando para conseguir os recursos. Nessa época a Lynx tinha outro nome, chamava-se RGE Lynce Filmes, o dono principal da Lynce Filmes era o José Scatena, que era sócio do César Mêmolo Jr., cujo cunhado, que foi meu colega de cursinho, Geraldo Puntoni, foi a pessoa que me colocou em contato com o César e através dele eu entrei na Lynx. Depois a RGE Lynce Filmes fechou, porque eles tinham muitos problemas, acharam melhor fechar e depois 190

reabriram com o nome de Lynxfilm. E nesse momento eu disse ao César que não voltaria mais. Eu fiquei na Lynx só no período em que ela era a RGE Lynce Filmes. Quando ela se transformou em Lynx eu saí para ir trabalhar na General Motors, por causa da minha formação de físico. Mas eu nunca trabalhei tanto pra Lynx como depois, porque eu comecei a trabalhar como free-lance em publicidade e tinha muito trabalho - então eu saía direto da General Motors, depois passava na Lynx e levava trabalho pra casa. Tanto trabalho eu tinha que acabei me demitindo da General Motors para me dedicar só à publicidade, não só na Lynx, mas também para outras empresas. E eu fui deixando de fazer filmes de publicidade aos pouquinhos, fui me engajando mais na universidade. Então o Roberto Santos, que eu já conhecia, me convidou a realizar um filme na ECA, porque naquela época a Escola de Comunicações era nova e o curso de cinema tinha sido recém-criado. O Roberto Santos tinha sido contratado para a ECA e era uma novidade o cinema dentro da universidade. Era uma coisa totalmente nova e o curso de cinema da ECA foi o primeiro no Brasil. Não havia um hábito cinematográfico, principalmente, porque ainda hoje é um pouco assim, tese sempre foi uma coisa escrita, é papel. E o Roberto Santos, que sempre foi uma pessoa extremamente voltada para a realização, ele e o Rudá de Andrade, filho do Oswald de Andrade, (Rudá de Andrade também foi um dos fundadores do curso de cinema) eles resolveram insistir em demonstrar que era possível fazer cinema dentro da universidade. E foi uma sorte porque tinha um diretor, o Guimarães Ferri, que estava apoiando essa idéia e eles tinham conseguido uma pequena verba, quase irrisória, do diretor que estava apoiando essa idéia. E o Roberto pensou: com esse dinheiro que tipo de filme nós poderíamos fazer? Eu na época já tinha desenvolvido vários filmes publicitários com uma técnica de animação com fotografias, que era extremamente barata e muito rica em termos de narrativas, que é o chamado table-top. Então o Roberto me convidou pra dirigir o filme com ele, um filme feito com fotografias. Ele veio a conhecer o trabalho da Maureen Bisilliat e nós ficamos muito amigos. Pegamos todo o acervo de fotografias que ela tinha colhido com a ajuda do próprio Guimarães Rosa, que foi quem indicou todo o roteiro de viagem para o ensaio fotográfico dela e alguns dos personagens são os próprios do universo do Guimarães Rosa, do Grande Sertão Veredas. Então eu vi aquele material e pensei: isso dá um filme fantástico e nós 191

fizemos o filme com os recursos. O montador do filme era o Charles Fernandes Mendes de Almeida. O filme deu certo. O filme é A João Guimarães Rosa. O locutor era o Humberto Marçal. O grande mérito do Roberto foi juntar uma equipe que funcionou. Eu filmei na Documental, que era uma produtora do Galileu Garcia. O filme ganhou prêmio no Festival de Brasília e em consequência disso, o diretor Guimarães Ferri me convidou para dar aula no curso de cinema e eu entrei em tempo de dar aula para a primeira turma do curso. Até o momento em que eu parei de dar aula na graduação, todos foram meus alunos: o Sérgio Bianchi, o Francisco Botelho, o Adilson Ruiz. Aos poucos a universidade foi me absorvendo. Eu nem pensava em cinema como uma forma de expressão. Eu pensava no cinema como uma fonte de renda. Aos poucos eu comecei a me envolver no cinema como linguagem, uma forma de arte. A Lynx foi para mim um marco, uma grande escola. Eu até escrevi na minha tese de doutorado uma frase sobre a Lynx: “Uma época em que todos nós éramos professores e alunos ao mesmo tempo”. Porque todos nós ensinávamos um ao outro e aprendíamos com o outro. Foi uma época muito bonita. Como eu comecei com a animação? Eu ainda estava cursando física quando conheci minha esposa, que também fazia física. Nós éramos colegas e nós queríamos nos casar. Para isso eu precisava ganhar dinheiro e como eu tinha uma facilidade com desenho, pensei em procurar uma profissão que me rendesse. Então eu fui fazer o curso da ESPM de publicidade. Depois de formado surgiram algumas propostas de trabalho, mas nenhuma interessante. Um dia, numa festa de amigos, eu encontrei um ex-colega de cursinho, que se chamava Geraldo Vespasiano e que era cunhado do César Mêmolo. Ele me contou que o César estava abrindo uma firma de publicidade e estava querendo formar um departamento de desenho animado e disse para eu ir conversar com ele. Eu fui para a Lynx e foi aí que eu conheci o Ruy Perotti, que estava criando o departamento de animação. Ele já conhecia animação, mas não era um profundo conhecedor, era um aventureiro como todos os outros. Todos nós estávamos começando da estaca zero. Para dar um exemplo, na época, a gente fazia desenhos em folhas de acetato, que depois eram colocados na mesa de animação e filmados. A perfuração convencional de animação era de três furos e como não tínhamos uma furadeira própria, que devia ser importada dos Estados Unidos, furávamos com furadeira comum de papel. Os celulóides eram limpos e reaproveitados, porque era caro. Era uma aventura. 192

Eu não tinha absolutamente nada de animação, do ponto de vista profissional, eu não sabia nada. Mas fiquei sabendo que a velocidade de projeção era de 24 fotogramas por segundo e isso para mim já era suficiente. E o meu curso de física me ajudou muito, porque eu apliquei os meus conhecimentos dos princípios de cinemática na animação, ao princípio da velocidade de 24 quadros por segundo e pronto, o desenho animado para mim deixou de ter segredos. Evidentemente tive que aprender coisas de técnica. O primeiro filme de animação publicitário que realizei foi para a Varig. Eram umas figuras abstratas, figuras geométricas que giravam, era um teaser para o lançamento da Ponte Aérea. Eu trabalhei na Lynx com animação durante todo o tempo. Eu fiz vários outros filmes da Varig também porque o Boni trabalhava com a gente e ele fazia roteiros. E um outro rapaz, desenhista, o Laerte Agnelli, fazia os storyboards. E o Boni tinha um contato com a Varig e conseguiu muitos filmes. Um gênero de filme que nós fazíamos muito era de animação com letrinhas. O Boni pegou uma idéia do Malcolm McLaren, que inventou muitas técnicas e criou uma série de filmes feitos com letrinhas recortadas. Eu ia filmar na Lynx com um pedaço de cartolina branca e uma caixinha cheia de letrinhas recortadas. Essa série de filmes fez muito sucesso e era muito inovador. Mas eu sempre trabalhei mais com animação de figuras geométricas e imagens abstratas, quase nunca com figura humana. E eu também fiz muita animação técnica, para empresas, além de ter feito muito letreiro de abertura de longa-metragem. Fui eu que fiz a animação para o filme do Fiat Lux que foi dirigido pelo Roberto Santos, que era uma animação com palitos de fósforo. Apareceu esse desafio que alguém da Fiat Lux propôs, de fazer os palitos de fósforo andando. Esse filme dos palitos de fósforo foi o segundo de animação que eu fiz. Nessa época eu fiquei muito amigo do Roberto Santos. Eu ainda não tinha muita noção de narrativa cinematográfica e foi o Roberto que comigo desenvolveu todo o roteiro. Fizemos a decupagem do roteiro e eu aprendi com ele o que era uma decupagem de roteiro, mas a técnica de realização fui eu que desenvolvi. Depois o Roberto acompanhou a montagem desse filme e eu aprendi montagem. O Roberto aprendeu comigo um pouco de animação e eu aprendi a fazer direção de montagem com ele, nesse espírito em que todo mundo estava aprendendo tudo junto. E tinha excelentes professores que já tinham experiência também, como o Chick Fowle, com quem eu aprendi a fazer trucagem. 193

Nessa época, a Lynx estava instalada na Rua Teodoro Baima e quando estava tudo pronto pra fazer as filmagens, todas as maquetes prontas, desabou o teto em cima do estúdio, mas o material foi salvo por uma ripa que cobriu todo o material e deixou o material intacto. E aí a Lynx se mudou para a Rua Fortaleza. A Lynx era interessante porque sempre tinha essa relação com o longa- metragem. Tinha um diretor bastante interessante que trabalhava na Lynx, que dirigiu filmes com o Mazzaropi, acho que se chamava Agostinho Martins, que dirigiu Gato de Madame, um filme do Mazzaropi. O César Mêmolo dirigiu um filme, o Osso, Amor e Papagaios, o Galileu Garcia também fez um longa-metragem Cara de Fogo. Porque pouco antes da Lynx ser montada, o fenômeno de fundo era o desmonte da Vera Cruz e muita gente que trabalhou na Vera Cruz veio trabalhar na Lynxfilm. Porque na época só existia uma grande empresa de cinema publicitário além da Lynx. Apesar de todo mundo ser amigo, o grande concorrente da Lynx era a Jota Filmes, do Jacques Deheinzelin. Naquele período, também Gilberto Martins tinha uma produtora de publicidade que durou pouco tempo, porque depois ele faleceu. Ele foi o inventor do jingle, que na época se chamava propaganda musicada. Mas o Gilberto Martins nunca chegou a ser um grande concorrente da Lynx. Os nomes mais importantes que trabalharam na Lynx com publicidade foram Roberto Santos, Roberto Palmari e muitos diretores jovens que depois ficaram só na publicidade. Principais agências com as quais eu trabalhei: Standard Propaganda, Norton Publicidade, Alcântara Machado, Salles, mas praticamente com todas as grandes agências nós trabalhamos.

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MARÍLIA SANTOS (Marília de Almeida Santos Pinhanez) (Local e ano de nascimento não obtidos)

Entrevista concedida em São Paulo, Abril/2006.

O Roberto Santos foi um dos primeiros diretores de comerciais do Brasil, junto com a Lynx, que começou fazendo os primeiros comerciais do Brasil. Em 1957 a Lynx começou na Rua Teodoro Baima, mas aí, depois que desabou um telhado do prédio onde eles estavam, eles foram para a Rua Fortaleza. Nessa época o Roberto já trabalhava na Teodoro Baima. Ele era sócio da Lynx e saiu da sociedade em 1963, para fazer o Augusto Matraga. Mas depois disso ele continuou fazendo comerciais, tanto na Lynx quanto em outras produtoras; ele dirigiu muitos filmes para a Ducal e depois trabalhou na Rhodia, com o Cyro Del Nero, que fazia a parte de cenografia também para a Ducal. O Roberto Santos e o Roberto Palmari fizeram um roteiro juntos. Eles eram amigos, o Palmari era mais ligado com a Rhodia. O Roberto Santos na Lynx fez o primeiro filme de animação, com os palitos de fósforo da Fiat Lux. E ele fez um comercial famoso da Nestlé ou Farinha Láctea, que eles chamavam de filme das “Comadrinhas”, um comercial famoso da época. O Roberto criou uma produtora, a Roberto Santos Produções Cinematográficas, que durou de 1968, 1969, até quando o Roberto morreu, em 1987. Além disso, ele fez muitos programas para a TV Globo e para a TV Cultura, documentários e programas culturais. Quando o Roberto foi fazer o Vozes do Medo, quem ajudou a escrever foi o Hamilton de Almeida - era um filme com vários assuntos e vários diretores foram convidados, era um filme-revista. Neste filme o Roberto Santos foi associado com a Lynx, pegou grande parte da equipe e equipamentos. Era um filme difícil e muito experimental. O Roberto coordenou tudo. O filme Vozes do Medo era feito com episódios e tinha um episódio do Roberto Santos, Piá não sofre, que eles (a Censura) deixaram só com a fotografia inicial e também cortaram o episódio A Santa Ceia, do Aloysio Raulino. Esses episódios sumiram. Na realidade foram dois anos de censura, o César se comprometeu a tirar esses episódios e ficou sumido o positivo e o negativo e depois 195

alguém na Lynx, arrumando as coisas, achou esses dois episódios e entregou para a gente. Então colocamos na Cinemateca, fizeram contratipo e está quase completo. Do Piá eu nem lembro se consegui recuperar tudo. Uma vez surgiu uma pessoa que trouxe uma cópia em 16 mm todo em preto e branco, da França, sem os episódios, de alguém que conseguiu e levou embaixo do braço. Até eu tive que confiscar algumas coisas pra mim. As cópias ficavam todas na Cinemateca. Eu segurei uma cópia em VHS do Vozes do Medo. Neste filme o Roberto Santos tem 33% de participação. Nesse filme o Ruy Perotti fez um filme de animação, o Cyro Del Nero fez um filme sobre travestis, o Capovilla fez um filme mais pesado, meio sádico, o Bonini fez uma alegoria na Ladeira da Memória. O episódio proibido, Santa Ceia, era um jantar em família com uma discussão do filho com o pai, uma coisa violenta. O Guarnieri fez um filme engraçado sobre trabalhadores da construção civil, o Roman fez o Cor-de-Rosa, meio romântico. Eu trabalhei no Vozes do Medo, eu fiz um pouco de tudo. O Carmelio Cruz era o cenógrafo que fez o filme do Roberto, o Piá, e eu ajudei muito nas confecções das roupas. O Roberto dava muita liberdade pra todo mundo e acompanhou o andamento do filme. O episódio do Roberto no Contos Eróticos, chamado Arroz e Feijão, foi rodado numa casa em frente à Lynx. O Roberto fez na Lynxfilm um curta chamado A Primeira Chance, na época o governador era o Carvalho Pinto e fez também para a Lynx o Chick Fowle, faixa preta de cinema, que fez com o César Mêmolo, porque o Chick foi sócio da Lynx, fotógrafo famoso, foi professor de todos esses fotógrafos que você conhece.

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PAULO DANTAS (Local e ano de nascimento não obtidos)

Entrevista concedida em São Paulo, Janeiro/2009.

Eu comecei trabalhando com o Cinema Novo no Rio de Janeiro junto com o Luis Carlos Barreto, junto com o Miguel Borges, fazendo assistência de produção durante uns dois anos. Mas a gente não tinha como sobreviver fazendo cinema, a gente praticamente não ganhava a vida com isso. Aí eu vim para São Paulo e o Marcos Weinstock, que é um cenógrafo que fez um trabalho importante na Lynx, me apresentou para o Sady Scalante e eu comecei a trabalhar na Lynx como estagiário de produção. A Lynx, através do Sady, foi o maior centro de formação de produtores que já existiu. Ela não só se dedicou à publicidade mas também se dedicou ao longa- metragem, porque o César é um grande empreendedor do cinema, que foi até um pouco injustiçado pelo pessoal do longa-metragem, o pessoal desprezava o César como um produtor, ele era usado pelo pessoal. Mas ele, como era um poeta, acabava se deixando levar, mas ele sabia disso. Mas o grande formador de mão de obra mesmo foi o Sady Scalante, ele era o operário. O César era o empresário. A mente de fora era do César, mas a mente de dentro era do Sady. O Sady era o grande cérebro disso. Como estrutura, a Lynx foi a maior produtora que já teve em São Paulo, maior mesmo do que é a O2 hoje: eles tinham 10 equipes de produção, 10 diretores, o volume de filmes produzido era absurdo. E o Julinho Xavier era o maior cliente dela. Depois de um tempo na Lynx de São Paulo, eu fui convidado para trabalhar como produtor na filial da Lynx no Rio de Janeiro, junto com o Antonio César Marra, que estava indo pra lá como gerente. Antes disso, a Lynx mantinha somente um escritório de representação no Rio de Janeiro, com o Paulo Parente fazendo o atendimento e ele era muito bom nisso. Depois de uns dois anos, houve uma inflação de salários na Lynx e ela não estava tendo condições de nos pagar, por isso houve uma proposta de venda para nós. Então o Antonio César voltou para a Lynx de São Paulo e eu tive a oportunidade de comprar a Lynx do Rio, junto com o Paulo Parente e abrimos a produtora 2P, no início dos anos 70, com os 197

equipamentos e estúdios da Lynx. Assim, a Lynx do Rio foi fechada. Na verdade nós não compramos a Lynx, nós compramos o escritório deles. A 2P durou uns oito anos. Depois eu saí e resolvi montar a Moviart sozinho. Naquela época se valorizava muito a produtora, hoje se valoriza o diretor, é ele que importa para o cliente. Minha participação nos longas da Lynx se deu através de uma coordenação de produção, dos dois episódios cariocas de Contos Eróticos, o episódio do Eduardo Escorel e do Joaquim Pedro de Andrade. Foi uma pena a Lynx ter fechado, porque se o Antonio César quisesse, teria continuado com a empresa, ele tinha todas as condições de tocar aquilo. Não tinha sentido a Lynx fechar. Eu acho que não foi o problema do vídeo que fez a Lynx fechar, nem a questão dos equipamentos obsoletos, mas acho que faltou vontade das pessoas de continuar. Na verdade, muitas pessoas foram saindo. Porque equipamento, compra-se outro. Acho que o vídeo estourou e fez a O2 acontecer porque ela levou a qualidade ao vídeo. Acho que faltou a liderança do Antonio César para tocar a Lynx. Eu comprei, em várias fases, equipamentos da Lynx para a Moviart e eu tenho até hoje aqui na minha produtora esses equipamentos, que estão funcionando. Essa é a vantagem do cinema em relação ao vídeo, os equipamentos de cinema duram. O Roberto Carvalho, o Dudu, junto com o Julinho Xavier, foram os grandes diretores da Lynx, que ainda estão dirigindo filmes, que estão no top. Tem o Dorian Taterka, que iniciou uma nova geração, fora da Lynx - ele iniciou a valorização da produção e do talento. Ele é, reconhecidamente, um dos maiores diretores de comerciais de televisão do mundo. Ele teve uma produtora chamada TVC e hoje ele tem uma agência chamada Taterka. O Dodi foi o cara que deu uma volta no mercado, com a sofisticação e aí veio a Espiral e outras produtoras. Mas a Lynx sempre teve o lugar dela. Acho que como produtor, hoje, sou eu e o Enzo Barone que restamos, somos os únicos produtores por excelência, atualmente, porque o Brasil é uma terra de diretores, não de produtores. Nós somos unicamente produtores, os únicos que estamos sobrevivendo. Hoje existe um trânsito muito grande do filme comercial para o filme de longa-metragem. Mas o meu caminho foi ao contrário, eu vim do longa para o comercial, porque eu comecei no Cinema Novo. E hoje fazemos longa-metragem 198

também, a Moviart já produziu mais de oito longas. Hoje a publicidade gerou muita mão de obra para os longas. Quem começou isso foi a Tizuka Yamazaki, que começou a levar muita gente de estrutura do comercial para o longa. Mas havia muito preconceito, hoje não mais, acho que isso é uma coisa mais brasileira.

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PAULO SCHETTINO (Paulo Braz Clemencio Schettino) (Castelo, ES, 1944)

Entrevista concedida em São Paulo, Julho/2008.

Eu fiz o curso de Física na Universidade no Rio de Janeiro, mas, como um estudante de Física se mete com cinema? É só lembrar que em cinema, a matéria prima é a luz, e luz é óptica, logo, Física. E quando eu fui fazer um curso sobre cinema, conheci várias pessoas e então apareceu para dar aula um técnico de laboratório da Líder Cinematográfica, falando sobre cinema a cores e eu não tive dúvida - após a aula fui aos bastidores e falei: “Olha, estou terminando meu curso de Física e para os outros participantes do curso pode parecer muita novidade o que disseste, agora para mim não, eu sei o que é comprimento de onda, sei o que é onda eletromagnética, como é produzida a cor dos corpos, como é que a fotografia registra...”. Então ele disse para ir procurá-lo na empresa. Naquele período eu passei um mês indo à Líder, conversando com o criador da empresa e ele ia me passando os livros de cinema e dizia que aquilo era raro, pois normalmente quem gosta do cinema, gosta da parte artística. Então ele me propôs, a partir do primeiro semestre de 1971, um estágio remunerado em São Paulo, que era o único lugar no Brasil onde se trabalhava com cinema a cores. Eu vim para São Paulo, terminei minha graduação e nunca mais parei. Assim que eu cheguei em São Paulo, fui trabalhar na Líder Cine Laboratórios e eu me liguei muito ao Sr. Rodrigues, o dono. A Líder era muito importante no Rio, por que era ligada à Atlântida, era o laboratório de processamento de imagens dos filmes da Atlântida. Aí a Líder cresceu, fazia os filmes do Oscarito e Grande Otelo, as chanchadas - o forte do Rio sempre foram as Chanchadas de carnaval - e a Atlântida cresceu. A Líder estava ligada à Atlântida com o laboratório de processamento de imagem. Neste crescimento, ela comprou a Policrom aqui de São Paulo, o primeiro laboratório que estava mexendo com cores, na Bela Vista, exatamente na Rua 13 de Maio. Ele comprou e fundou a Líder Cine Laboratórios São Paulo e foi para cá que ele me mandou em 1971 e onde fiquei até 1975, por 200

que depois que ele morre, eu fiquei sem “pai nem mãe”. Eu estava aqui por ele gostar e acreditar em mim e ele tinha planos maravilhosos de me mandar para Houston, eu iria para estágios lá na Kodak, mas aí ele morre de ataque cardíaco, muito jovem. Neste ínterim os herdeiros compraram a REX, de São Paulo. Naquela época, havia dois grandes pólos de cinema no Brasil: o Rio de Janeiro com as chanchadas da Atlântida e São Paulo, com os filmes sérios da Vera Cruz. Joseph Reindl foi o grande iniciador da trucagem no Brasil, desde os tempos áureos da REX Filmes, que era o laboratório que fazia o processamento de imagem dos filmes da Vera Cruz. Em todos aqueles belos filmes Floradas na Serra, Terra é Sempre Terra, foram feitas trucagens pelo Reindl, que usava aqueles sinais de pontuação do cinema comum, fade in, fade out, máscaras, congelamento. Com a falência da Vera Cruz ele abriu um laboratório de trucagem, para pós-produção e finalização. Nesta altura, a televisão já demandava os comerciais, não mais ao vivo, com as garotas propaganda e sim os filmes feitos para a televisão em 16mm, preto e branco e as trucagens. Assim nasce a trucagem para o cinema brasileiro, primeiro na Vera Cruz, para os longas e depois é a aplicação disto para o mercado publicitário. E aí não parou mais. No final da década de 50 são feitos os primeiros filmes com trucagem para o cinema publicitário. Quando a televisão começa a melhorar em termos de equipamentos e definição de imagem, ela começa muito tímida. A televisão começa com imagem borrada, poucos aparelhos receptores, mas existia um investimento muito grande de capital americano. A televisão é um mosaico de vendas, a televisão é algo para vender e com ela veio a profissionalização da publicidade e propaganda. O grande motor da evolução da técnica do cinema brasileiro, na realidade, foi a chegada da televisão. Mais tarde o capital americano também investe na Globo, que se desenvolve, pedindo cada vez mais e melhores comerciais, bem feitos, melhor produzidos, melhor finalizados. Até eclodir na década de 70 a televisão a cores. Nós tivemos que nos aparelhar, não para atender ao cinema de ficção, mas ao cinema publicitário. A importação de equipamentos foi a maior contribuição ao longo destas décadas (de 50, 60 e 70), sempre motivados pela demanda do cinema publicitário. A Truca, empresa que o Reindl montou, trouxe os equipamentos e conseguíamos 201

fazer animação com captação de imagem ao vivo. Não podemos esquecer que o cinema publicitário nunca funcionou no cinema, nós odiávamos, porque éramos público pagante. O modelo americano de televisão aberta é gratuito, então as pessoas não reclamam, elas assistem aos comerciais. As garotas propaganda funcionaram bem durante bastante tempo, mas com o crescimento da televisão e a vinda das televisões regionais, houve uma necessidade de materializar o comercial, então era feito o filme e eram feitas as cópias que iam precariamente por avião. Aí começou o negócio de fazer filmes, gerar cópias em 16 mm e enviar para as capitais. A televisão puxa a criação das produtoras de filmes publicitários, todas elas localizadas no Bexiga. É lá que a Lynxfilm se formou, era lá que estava a REX Filmes que fazia os longas da Vera Cruz, é lá que o Reindl vai criar a sua Truca Filmagens Especiais, foi lá que eu criei a CTEV, tudo era ali, ali tinha as produtoras, depois a 5.6, principalmente a Diana, que era a antiga Indiana, dos tempos heróicos do início dos comerciais, tudo ali. A gente vivia na 13 de maio. A REX funcionava na Rua Abolição. A REX era a grande tradição paulista, o laboratório REX que era a grande tradição paulista ligado ao TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, onde o Franco Zampari desenvolve o Teatro e o Cinema no Brasil a partir de 1949. Quando eu estava aqui em 1974, a REX entra em falência e a Líder compra a REX. Então a Líder me mandou ser diretor técnico da REX, controle de produção e físico-químico dos filmes ali produzidos, porque o grande forte na época, 1975, eram os filmes do Mazzaropi. Estes filmes eram revelados e copiados na REX. Quando a Líder comprou a REX, permaneceu o mesmo nome, a empresa continuou se chamando REX. Aí surgiu o que chamaríamos de monopólio, por que o herdeiro da REX saiu e montou o laboratório também chamado Revela e assim como ele faliu a REX, ele faliu o Revela, e a Líder comprou também o Revela. Então a Líder do Rio passou a ser dona de todos os laboratórios aqui de São Paulo. E eu percebi que na realidade, eles compraram a REX para fechá-la e eu seria o último diretor técnico da REX. Mas eu me recusei, fiquei três meses no cargo, fiz um pacto com os funcionários e falei: “Olha gente, o dono agora é outro e está evidente que o interesse é de fechar o laboratório”. E foi fechado, só que eu saí antes, pois não quis 202

participar do funeral e avisei os funcionários. Os melhores e mais descolados conseguiram ser reaproveitados pela Líder. O intuito de fechar a REX era o de ter o monopólio, por que não tinha trabalho para tantos laboratórios, era para poder concentrar tudo num só. Então eles foram comprando e fechando. A REX foi fechada em 1975. Fiquei um tempo desempregado, pois não quis compactuar com aquilo. Ai o Reindl me chamou. Ele era da REX e montou a Truca ao lado da REX. Então antes que a REX acabasse ele já tinha a Truca. Quando saí da REX o Reindl se profissionaliza mesmo, por que as produtoras antes iam finalizar os filmes na casa dele, por que quando ele saiu, ele levou as máquinas da REX. E depois ele voltou para a Rua Abolição, ao lado da REX, com a Truca e durante duas décadas inteiras ele foi o único. Quando eu trabalhei com ele, de 1975 a 1980, nós recebíamos a clientela de cinema de ficção e cinema publicitário, tudo era finalizado na Truca - era também um monopólio, já que a Líder não fazia trucagem. A única empresa que fazia trucagem em São Paulo era a Truca. O Reindl e o Chick Fowle eram como irmãos, apesar de um ser inglês e o outro tcheco, mas eles eram o rescaldo da REX e da Vera Cruz, então houve uma amizade incrível, existia um acordo em que o laboratório não faria trucagem e depois, quando a Líder compra a REX, este acordo ainda é mantido e nós, na Truca, atendíamos todo o mercado, tanto de ficção quanto publicitário. Tínhamos sete funcionários, mas trabalhávamos o tempo todo. E eu, por incrível que pareça, apesar da idade e de ser graduado em terceiro grau entrei como aprendiz de trucagem e de filmagem. Ali eu aprendi realmente. Quando eu saí, fundei a CTEV - Central de Trucagem e Efeitos Visuais, para concorrer com o Reindl, fazíamos o mesmo serviço, trucagem e pós-produção. Aí eu fiquei fazendo este mesmo tipo de trabalho, pós-produção, finalização e algumas produtoras me chamavam como consultor, sugerir o que deveria ser feito e o que teria que ser feito na filmagem, ou poderia ser feito depois na trucagem. Fiquei de 1980 a 1985 com a CTEV, que foi criação minha, me juntei a alguns outros técnicos e tem um período em que, pode-se dizer, nenhum longa- metragem foi feito sem passar pela minha mão. O Rio de Janeiro em peso foi meu cliente. E neste mesmo período, no Rio de Janeiro, tinha alguém que fazia este 203

serviço, mas muito mal e porcamente. E eu e o Reindl éramos os únicos e os melhores do Brasil, porque o Reindl investiu muito, por que são equipamentos caríssimos e pesadíssimos. E quando eu abri a minha empresa também tive que ter estes equipamentos. Mas eu não era o melhor não. Aqui aportaram Hans Donner e outros na década de 70, trazidos pela Globo e com eles nós aprendemos muito. A busca da perfeição era um slogan no laboratório de trucagem.

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PLÁCIDO CAMPOS JR. (Anápolis, GO, 1944 - São Paulo, 2008)

Entrevista concedida em São Paulo, Dezembro/2006.

Antes, o que se tinha no Brasil era uma propaganda feita pelo pessoal que fazia cinejornal. É da Vera Cruz que saem as pessoas com uma qualificação técnica e estética suficientemente bem elaborada e diferenciada, pra começar esse ciclo do cinema publicitário brasileiro, como Galileu Garcia, Agostinho Martins Pereira. Enquanto eles estavam aprendendo na prática na Vera Cruz, o César Mêmolo estava estudando com o Rossellini. Quando ele volta da Itália, ele volta muito bem preparado e tinha todos os pré-requisitos para atuar aqui no cinema. E ele monta a Lynxfilm, no início uma estrutura pequena, que não recusa nada, que faz desde trabalhos no estilo “varejão”, filmes simples, baratos, rápidos, até filmes mais sofisticados para a indústria automobilística, por exemplo, que era o top do orçamento. No contexto da Lynx que estava crescendo, as primeiras agências de publicidade, como a McCann, Almap, Salles, de certa maneira promoviam a viabilização do cinema publicitário e encerram a possibilidade de uma estrutura específica de produção tipo Lynx, que será a primeira grande. É no início dos anos 80 que aquele modo de fazer filmes publicitários da Lynx começa a sofrer a concorrência de outras jovens produtoras, de um pessoal mais novo, com uma postura mais agressiva. Esse mercado vende como valor agregado, a novidade. O projeto do Roberto (Santos) era o longa metragem, ele tinha acontecido com O Grande Momento e depois fez a obra extraordinária que é o Augusto Matraga, então ele estava extremamente bem credenciado para tocar um projeto de cinema brasileiro engajado, comprometido com a contradição, no sentido de explicitar uma certa anarquia ideológica dele. Ele era um homem de esquerda preocupado com a questão social, com a questão política, mas não me consta que ele tenha sido um militante disciplinado do partido, ele era anárquico demais, indisciplinado demais. O Roberto sobrevivia fazendo comerciais e ele falava muito mal disso. O Roberto estava sempre em torno do Mêmolo por causa do trabalho. Em 1967 é aberta a Escola de Comunicações Culturais e surge esse 205

grupo em São Paulo que tem a possibilidade de pôr o pé numa estrutura como a USP, até hoje um pouco fechada. Esse projeto, uma coisa bem brasileira, de que na área da cultura gregos e troianos convivem, isso vem um pouco da figura do Paulo Emílio, do Francisco Luis de Almeida Salles, da Cinemateca Brasileira, do Rudá de Andrade, que é muito um produtor, um executivo. E esse grupo formula a idéia de uma Escola de Comunicações, que vem muito agregada a uma concepção acadêmica intelectual francesa, é a época do estruturalismo. No curso de cinema, no início, o Rudá toca as coisas sozinho. Nos primeiros dias do curso só havia ele como professor. Aos poucos foram sendo agregadas pessoas, o Jean-Claude vem de Brasília, o Paulo Emílio começou a dar aula. E começou uma coisa muito interessante, que foi uma auto-gestão do curso junto com ele, de tentar buscar condições pra suprir a nossa necessidade da prática do cinema. Nós tínhamos uma ansiedade com relação à experiência prática do cinema. Então descobrimos na USP umas câmeras de cinema abandonadas, descobrimos que na Faculdade de Educação tinha um estúdio de som. O curso de cinema abriu sem nenhuma estrutura, o curso de cinema era o Rudá. Aos poucos as coisas foram andando. Conseguimos um pouco de filme positivo do Jóquei Clube que filmava as corridas e eles nos davam um pouco desse filme. Tinha gente que nos emprestava equipamento. Aos poucos as coisas iam surgindo. Então chegou uma hora em que era necessário montar o corpo docente, e o Rudá convida alguns técnicos, como o Charles Fernandes de Almeida que era montador de filmes de publicidade, o Sidney de Paiva Lopes, técnico de som direto e o primeiro diretor a ser convidado foi o Roberto Santos. Ele aceita o convite e se redescobre na profissão de professor. A gente ficou muito amigo do Roberto - uma parte dos alunos - nós saíamos juntos para tomar cerveja e a nossa relação se tornou até muito pessoal. Com esse convite para tomar parte do corpo docente na USP, houve um ganho na auto-estima do Roberto e ele vinha sempre com muitas idéias e durante dois anos a gente funcionou como um laboratório de idéias. O problema era que nós éramos muito indisciplinados, muito desorganizados. Uma dessas propostas do Roberto era a de fazer um filme chamado O homem da cabeça de papelão, uma espécie de Cidadão Kane, tendo como protagonista o Sylvio Santos. Por outro lado o Roberto continuava freqüentando o universo fashion na publicidade, que atinge um momento muito pirotécnico, explosivo, que eram os desfiles da Rhodia - era o 206

momento do Lívio Rangan, o produtor dos eventos de moda, inclusive dos filmes da Rhodia. Então o Roberto está vivendo entre vários mundos: uma experiência espiritual acadêmica pedagógica, vem de dois longas-metragens excepcionais e está vivendo esse momento top da sofisticação, da informação nova, Tropicalismo, Rhodia. Então a cabeça dele estava um caleidoscópio e ele estava vindo com uma proposta de um filme que seria uma revista. Não sei se essa idéia dele de um filme como uma revista teria alguma inspiração nos filmes feitos nas revistas de fim de ano no Rio de Janeiro, em que se fazia um balanço político das fofocas, dos acertos, em forma de teatro de revistas. O Paulo Emílio falava muito disso, tinha uma revista de fim de ano chamada “Rei Olin e a imprensa”. Não sei se o Roberto tinha essa informação ou se essa idéia veio de outro lugar. A Editora Abril era um templo, tinha muito intelectual trabalhando lá na época, havia a revista Realidade, a Editora Abril era uma referência, todo mundo era redator de publicidade. A idéia do Roberto era um filme que fosse uma revista, com várias seções, que tivesse um editorial, o horóscopo, um ensaio aprofundado, a reportagem de impacto, o correio sentimental. E ele iria viabilizar o filme na Lynx, com a infra-estrutura da Lynx, usando os fotógrafos e os montadores deles e o Mêmolo já tinha topado. Eu faria um episódio, o Aloysio Raulino, o Roman Stulbach, cada um faria um episódio, o Alex Solnick - nós éramos os “peixinhos” do Roberto. Nós fomos escolhidos porque éramos os alunos mais próximos dele, com quem ele tinha mais empatia e mais intimidade. Na escola houve uma divisão entre os pragmáticos e os teóricos - de um lado tínhamos nós que éramos fotógrafos, montadores e do outro lado tinha o Ismail Xavier, o Eduardo Leone, Valéria Andrade, gente que tinha lido muito mais o Bazin. Pra nós, alunos, foi assim. O Alex Solnick brigou com o Roberto e desistiu. Aí ele também chamou o Gianfrancesco Guarnieri que era da turma dele e o Maurice Capovilla pra fazer dois episódios e ele, Roberto, se encarregou de três episódios. Outros episódios foram feitos pelos amigos de peso do Roberto e por alguns profissionais que trabalhavam na Lynx. O Cyro del Nero veio como o cenógrafo da Rhodia, que vem com uma produção pesada dentro do filme, ele vai fazer uma adaptação do Curzio Malaparte e ele é um representante nesse momento dessa novidade fashion, dessa coisa da Rhodia. Ele fez um filme colorido, com cenografia. Outros episódios foram feitos por alguns profissionais que o Roberto respeitava de 207

alguma forma. Aí começou a haver algumas contradições porque a Lynx tinha como prioridade fazer os seus comerciais e o filme era uma coisa secundária, uma coisa paralela, então os episódios dos alunos foram realizados com uma produção muito simples e barata. Meu filme tinha muito comprometimento com a idéia da revista e queria um pouco discutir a imagem da mulher sendo trabalhada como objeto. Chamava-se Produto Mulher, um episódio muito simples, baseado em algumas filmagens de modelos, alguma coisa feita em estúdio e filmagem de fotos de publicidade, de revista Playboy. O episódio do Roman era um pouco mais complicado, tinha um casal de atores, era uma crônica de um amor adolescente, em que a menina fica grávida. O Aloísio fez um dos melhores episódios do filme, A Santa Ceia, em que ele vira do avesso a estrutura da família burguesa. O Capovilla faz uma metáfora com uma personagem aprisionada numa jaula de circo, sendo chicoteada. O Guarnieri faz uma coisa muito simples de caráter social, sobre o dia 10 de cada mês, operários da construção civil e a prioridade do uso do salário, o Cyro fez essa grande e barroca adaptação, uma leitura, do Curzio Malaparte, é o episódio mais bombástico. Todos eles dentro de uma característica comum no cinema brasileiro, quanto a se expressar metaforicamente, dentro do contexto político do país. O Guarnieri é o que menos utiliza essa linguagem metafórica, é o mais direto. Surgiram conflitos. Houve dois pesos e dois tratamentos entre os filmes dos alunos e os dos outros. O filme era um projeto experimental que desde o início era já sabido que não teria retorno financeiro. Mas o Mêmolo foi bastante generoso em entender e bancar o projeto. Essa briga interrompeu um pouco o processo por alguns meses, cada um editou na Lynx o seu episódio. E o Roberto foi quem deu a conformação final do filme, foi ele quem escolheu a seriação dos episódios e finalizou com os montadores da Lynx e nesse momento nós já estávamos distantes, ele assumiu a paternidade do filme. Ele precisou mexer um pouco no meu episódio porque achou que estava um pouco pesado, ele mexeu na idéia da trilha sonora, o episódio do Aloysio teve algum problema porque o Mêmolo sugeriu algum reparo, observações que visariam censurar o episódio, mas o episódio do Aloysio ficou o mais íntegro, o episódio do Roman ficou aquilo mesmo, o Guarnieri e o Capovilla não tiveram grandes problemas. O Cyro montou aquilo que seria numa revista o grande portfólio. Hoje o filme envelheceu em algumas partes, mas ainda tem outras inquietantes - o nome Vozes do Medo vem muito de uma concepção do Roberto 208

achando que tudo aquilo naquele momento era representativo de uma certa perplexidade, uma certa falta de perspectiva, genérica, representada por aqueles realizadores que tinham sido reunidos, um instante de murmúrios não muito bem configurados. Aí com o Roberto a gente continuou bastante próximo por algum tempo. Esse contágio do Roberto com a Escola de Comunicações progride ainda para um projeto totalmente concebido na Escola, um longa-metragem chamado As Três Mortes de Solano, dirigido pelo Roberto e feito com alunos, um longa em três episódios. Nesse momento eu já estava fora da Escola. Esse parece ter sido, na cabeça do Roberto, uma consequência daquele projeto democrático que era o Vozes do Medo. Eu nunca trabalhei para a Lynxfilm. Diziam que nós, os alunos da primeira turma da USP, éramos muito intolerantes, onipotentes, muito chatos, que tínhamos o nariz empinado, que valorizávamos muito o modelo do cinema de autor e que a gente desvalorizava o cinema publicitário. E nós só viemos a rever essa posição em relação ao filme publicitário quando começamos a fazer esse trabalho na nossa produtora, a NAU – Nacional Artistas Unidos. Tinha duas coisas que a gente desprezava, talvez por imaturidade: o cinema publicitário e o cinema da Boca. No caso do cinema da Boca o erro foi maior e isso foi corrigido pelos nossos sucessores. Os alunos das outras turmas foram mais influenciados pelo Paulo Emílio, que dizia: “por pior que fosse o filme nacional, ele era mais importante que o filme estrangeiro”. Já perceberam que a Boca tinha algo de importante. André Klotzel, por exemplo, foi trabalhar na Boca. Por ironia eu fui trabalhar na FAAP, que é a grande formadora de mão-de-obra do mercado publicitário. Fomos eu, o Rudá de Andrade e o Guilherme Lisboa que criamos a NAU – Nacional Artistas Unidos. O Roberto Santos dirigiu durante um ano os nossos comerciais. Ela durou pouco tempo, mais ou menos uns três anos. Eu ficava como produtor, o nome do Roberto como realizador dos comerciais, porque era mais respeitado pelo mercado e a gente começou fazendo comerciais para a Rede Globo através dos nossos contatos. Mas a nossa idéia era uma ilusão - a de que você montaria uma estrutura que se mantivesse de pé para a produção de filmes comerciais, com o objetivo de fazer longas. Isso foi sempre uma experiência que nunca deu certo. E não dá, ou você faz uma coisa, ou faz outra. A nossa produtora acabou em 1980. Por ela eu fiz uns documentários e fiz um longa chamado Curumim. Foi um grande concurso que a Embrafilme abriu de 209

produção de filmes para a televisão e ela deu para treze pessoas o dinheiro inicial para o filme piloto.

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ROBERTO DUAILIBI (Campo Grande, MS, 1935)

Entrevista concedida em São Paulo, Setembro/2006.

O César Mêmolo originalmente era poeta, ele gostava de poesia. Era um homem que pensava muito com a intuição nas suas poesias, isso, em minha opinião, dava a ele uma capacidade na área de cinema muito grande, porque era uma pessoa que usava muito a intuição. A Lynxfilm foi a maior produtora de comerciais do Brasil e teve uma origem política, porque foi criada (acho isso, mas o Mêmolo tem que te confirmar) pelo João Saad para fazer os documentários em cinema do Adhemar de Barros, o João Saad era o genro do Adhemar. Esses documentários eram exibidos em cinema antes dos filmes, ainda não tinha a televisão. O João Saad montou essa produtora e o César Mêmolo depois comprou essa produtora junto com outros sócios. A indústria e o comércio nos anos 40 e 50 era formada por imigrantes que enriqueceram através do esforço do seu trabalho junto a uma máquina de arrecadação imperfeita, por isso, sobrava mais dinheiro para quem produzia. Nessa época as colônias de imigrantes criaram as grandes instituições beneficentes, por conta própria, sem ajuda do governo, depois com a informatização é que o governo passou a ser uma máquina arrecadatória impressionante. Todos esses ingredientes vão compondo um quadro, que é parte da origem da propaganda política, o cinema era o grande veículo e a sessão iniciava com os documentários sobre o que o governo e o governante estavam fazendo, o que nos remete à origem do Goebbels. A criação do cinema, a disseminação das salas de espetáculos, a criação do celulóide, foi uma coisa revolucionária. A Lynxfilm era parte da história de São Paulo, a figura pública da Lynxfilm era o Mêmolo, que era uma pessoa muito agradável, que negociava na base da humildade e da ausência de arrogância, segundo o meu contato pessoal. Ele teve uma participação muito intensa na definição dos direitos dos publicitários, que começaram na década de 50, do publicitário criador, do diretor de arte, chamado layoutman. Antes, na propaganda, o ilustrador era quem colocava figuras no texto, daí para esse artista colaborar organizando o espaço, não deixando ao acaso o 211

gráfico do jornal e da revista, foi um passo. O Mêmolo participou dessa época e esses artistas vieram com o conceito da luta de classes, do socialismo e foi feita uma legislação no Brasil que foi a responsável pela existência da profissão no país que foi a lei 4.680. Foi um trabalho grande dos publicitários de origem humanista, em oposição aos anunciantes e empresas multinacionais, que não queriam saber de direitos autorais, de pagamentos de honorários fixos, de luta concorrencial, baseado muito mais na qualidade que nas vantagens financeiras e nesse movimento todo das décadas de 50, 60 e 70 que se expressava na lei de 1972, o Mêmolo teve uma participação muito intensa, ele era um homem de lutas sociais e nesse sentido houve um episódio: a televisão estava começando e os comerciais tinham uma característica muito formal, cinema aplicado a mostrar um produto, a mostrar alguém mostrando um produto, não tinha ainda uma linguagem própria. Nessa ocasião começou um movimento de importar comerciais dos Estados Unidos, pra ver o que eles estavam fazendo lá, não pra adaptar no Brasil, mas através de amizades com publicitários norte-americanos nós começamos a receber rolos de comerciais já em cor, a televisão já era colorida lá. Nós começamos a mostrar na Escola de Propaganda (hoje Escola Superior de Propaganda e Marketing), em palestras que nós fazíamos, essa linguagem nova, diferenciada, do excessivo profissionalismo americano aplicado à linguagem do comercial e eu me lembro que em uma dessas palestras, ao final, o Mêmolo se mostrou bastante irritado com a gente e disse que nós ficávamos mostrando esses comerciais americanos e os anunciantes iriam querer esses comerciais sem querer pagar a mais por isso, ninguém estava disposto a pagar mais para ter mais qualidade. À medida que a gente começava a fazer exigências maiores, tinha a contrapartida do custo e isso ele já estava antecipando. A própria Lynxfilm foi pioneira em filmar comerciais em cor para a televisão em preto e branco, porque o resultado visual era melhor e quando ele era exibido em palestras e aulas ele ganhava uma dimensão nova, era um custo extra, mas era uma vantagem competitiva. Não se conseguia ainda a qualidade do casting americano, a qualidade da interpretação, do cenário, da iluminação, da montagem, tudo aquilo que tornava um comercial muito mais rico, porque aqui tudo ainda era filmado em estúdio, com limitações. Os americanos já filmavam nas grandes produtoras de Holywood e Nova York, que tinham recursos muito mais ricos. E todos esses ingredientes: qualidade da proposta mercadológica, 212

qualidade do texto, cenário, casting, iluminação, tudo isso foi um longo aprendizado e eu diria que isso foi graças ao Julio Cozzi, na Standard Propaganda, que teve um impacto muito grande na área de produção, teve que tirar o pessoal da produção daquela zona de conforto para fazer com que eles oferecessem alguma coisa melhor, na contratação de profissionais melhores, mais especializados. Então a divisão do trabalho se deu através exatamente da prática, passo a passo. Era sempre uma alegria, a gente como agência - eu trabalhava tanto na Thompson quanto na CIN (Companhia de Incremento de Negócios), que depois foi comprada pela Leo Burnett e foi onde eu conheci o Mêmolo - ir até a Bela Vista, na Rua Fortaleza e entrar na produtora, que era um mundo muito diferente da agência, era uma coisa muito abstrata. A produtora era a realidade, a realização das idéias através da filmagem, através da montagem e depois ver aquilo passado na TV. A minha relação com a Lynx era como agência, eles eram fornecedores, que já naquela época eram submetidos a uma concorrência, eles tinham a maior confiança porque tinham uma boa estrutura, eram os maiores, era a mais bem equipada. Quando o Mêmolo prometia preço, prazo e qualidade que são os três ingredientes fundamentais na área de fornecedores, ele cumpria. Fui professor da Escola de Propaganda (hoje Escola Superior de Propaganda e Marketing) e depois fui diretor, hoje sou conselheiro vitalício. Eu abri a DPZ em 1968, mas antes eu sempre fui da área de criação, sou redator e na época tinha um cargo que se chamava chefe de redação, que hoje é o diretor de criação. Fui redator na CIN e nós tínhamos vários clientes que usavam os serviços da Lynx, como a Vasp. Depois fui para a Thompson, onde também tínhamos clientes como a Ford, Gessy Lever, que usavam a Lynxfilm. Depois fui para a Standard, a McCann-Erickson e em todos esses lugares eu trabalhei sempre duas vezes, eu nunca fechava as portas. Naquela época, alguns dos filmes que eu fiz foram: DKV-Vemag, Vasp, primeiros filmes da Avon. A partir de certo momento eu passei a ser o maior salário da propaganda brasileira, em condições muito curiosas. Eu trabalhava na CIN e fui convidado para trabalhar na McCann, e elas ficavam todas ali na região da Sete de Abril, Barão de Itapetininga, uma região muito chique na cidade. Havia muita liberdade de criação na CIN e eu já dava aula na Escola de Propaganda, que era ali vizinho. Eu fazia muito free-lance, ganhava muito dinheiro e a McCann, através do Francisco Gracioso, me convidou para trabalhar lá ganhando o dobro do que a CIN me 213

pagava, mas eu continuei a fazer free-lance para a CIN. Logo depois a CIN me ofereceu o dobro do que eu ganhava na McCann, pra que eu voltasse e assim, eu tripliquei o meu salário em um mês. Tinha influência a amizade que tínhamos com o Mêmolo, pelo acesso direto que a gente tinha aos meios de produção, a possibilidade de refazer alguns pedaços do filme, o que era muito difícil naquela época. Hoje com os sistemas digitais, na área de layout, de propaganda impressa, os clientes deitam e rolam, pode fazer as modificações que se quiser. Mas a diferença do que são as produtoras hoje é brutal. As sementes foram lançadas pelos “Mêmolos” e curiosamente, na minha opinião, pela propaganda política. Porque a origem da propaganda em cinema foi o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda no governo do Getúlio e depois os seus filhotes, um dos quais era o Adhemar de Barros. Por isso acho interessante falar com alguém da Bandeirantes, descendentes do João Saad, pra ver como foi esse processo e ir até a origem histórica da fundação. A linguagem dos primeiros filmes de publicidade brasileira veio exatamente das garotas-propaganda, da propaganda ao vivo, que já tinha um conceito fundamental na televisão que era a beleza. O veículo pede beleza, boa fotografia, bom casting. A exibição do feio na televisão provoca uma rejeição muito grande. A televisão pede coisas bonitas. As garotas-propaganda já carregavam esse conceito de beleza, elas eram já uma expressão dessa linguagem, por exemplo, como a Meire Alexandre. O comercial de televisão começou com um papel pregado na parede, com um texto escrito à mão, indicando o nome do produto e o preço, ao vivo. A propaganda começou com o varejo modesto e a isso posteriormente foi acrescentada a garota-propaganda, que ficava de plantão na emissora, ela decorava o texto que era feito dentro da emissora. O anunciante procurava a emissora diretamente ou era procurado pelos corretores da emissora que escreviam o texto, que já era o primórdio da agência. A filmagem foi já uma vitória, a convergência de duas tecnologias, a da televisão e a do cinema e já exigia equipamento especial. Porque os primeiros foram projetados na parede e filmados pela câmera de televisão. Posteriormente você pegava o filme do celulóide e já passava diretamente para uma câmera. Você projetava na parede e filmava com a câmera ao lado. A convergência dos dois foi um passo tecnológico muito importante e a nossa profissão está muito ligada ao desenvolvimento da tecnologia. Para nós o negativo era muito caro, era importado, 214

tínhamos muitas limitações, com relação ao nosso equipamento, ainda tínhamos coisas improvisadas, herdeiras da Vera Cruz. Na minha opinião, as garotas-propaganda e a intuição de que a beleza é parte, de que a forma é também conteúdo em televisão, é a origem da linguagem da publicidade brasileira. Criavam-se lendas sobre estas garotas-propaganda, que se tornaram ídolos e tinha o preconceito da sociedade em relação a elas, porque a nossa origem era muito caipira, apesar de São Paulo ser já um centro urbano importante. O Rio de Janeiro era a capital federal e as grandes verbas publicitárias estavam lá, as grandes empresas anunciantes. A propaganda realmente começou como profissão, com a implantação da indústria automobilística no Brasil. Foi ela que deu esse caráter profissional e competitivo. Começou com a DKV-Vemag, com Romisetta. A DKV-Vemag começou com o investimento de um banqueiro cuja fortuna tinha origem no jogo do bicho. A indústria automobilística, principalmente a Volkswagen, é que exigia cada vez mais o profissionalismo da comunicação. Antes, a propaganda era o varejo e o varejo tradicionalmente anuncia mal, grita, faz ofertas com angústia, tem aquela pressa, que é uma coisa que tem prejudicado muito a televisão brasileira atual, com queda de audiência e rejeição. Os filmes publicitários americanos trazidos para cá no início, como modelo, também foram fundamentais para a construção da linguagem publicitária, foram inspiração para se ver o que estava sendo feito no país que, na ocasião, tinha a melhor propaganda do mundo. Mais tarde começou a se olhar mais para o que se fazia na Inglaterra e na Suécia, sociedades muito mais evoluídas culturalmente. Os filmes ingleses entraram com um conceito muito interessante – a Inglaterra sempre teve um código de auto-regulamentação, para evitar a mentira, os exageros e os ingleses sempre foram muito rigorosos com isso e os criadores tinham que encontrar o caminho dentro disso e fizeram muita coisa de bom gosto, que era o oposto do que se fazia na Itália. A Itália também tinha a regulamentação rigorosa, mas eles por lei exigiam que as propagandas na TV de concessão pública tivessem no seu conteúdo 70% de cultura e 30% de vendas. Então saía muita bobagem. Os ingleses faziam coisas mais refinadas, utilizavam muito o humor. A propaganda brasileira era muito séria, não tinha o humor, o riso. O riso veio com a observação de que os outros usavam o humor pra vender, o que foi uma descoberta importante. 215

Os ingredientes: primeiro a profissionalização, em que você tinha que fazer uma proposta original pra vender o seu produto. E tinha que vencer o seu grande concorrente, que era o preconceito contra o consumo, característica dessa origem rural da sociedade brasileira. Era visto quase como um pecado ter uma camisa nova, ter mais de um par de sapatos, cuidar dos dentes. Uma das funções dos “Mêmolos” era utilizar o filme como um ingrediente educativo para as pessoas melhorarem a sua vida, trazer a sociedade para o século XX. Passou a existir a compreensão da beleza como instrumento de venda e então o humor, o plot, a história com começo, meio e fim surpreendente. Isso gerou uma profissão nova que era o intérprete, criou personagens. Foi longo o caminho dessa transformação do ato de vender, numa disciplina com vários aspectos, multidisciplinar, que incluía o conhecimento da venda, que não era uma mera oferta do produto. O Marshall-Macluhan tem uma frase muito interessante que é: “Quando o arqueólogo do futuro quiser entender a sociedade em que nós vivemos, ele vai procurar nos filmes publicitários”.

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ROMAN STULBACH (Cracóvia, Polônia, 1947 - Rio de Janeiro, 2013)

Depoimento concedido por e-mail, Rio de Janeiro, Julho/2007.

Éramos alunos de Roberto Santos na ECA. O Plácido, o Aloysio e eu (não lembro se tinha mais alguém) éramos os “xodós” do Roberto, então ele nos convidou para cada um criar e dirigir um episódio do filme Vozes do Medo. Nesta primeira turma da ECA, acho que estávamos no grupo de alunos que começavam a se destacar na prática de fazer cinema.

O meu episódio no filme Vozes do Medo era sobre o “tesão” reprimido de dois adolescentes que só se encontram a caminho da escola. Enquanto andam por ruas de São Paulo, tentam exibir-se um ao outro: ele, um pretenso poeta, ela, virgem graciosa, fogosa, mas discreta. A censura "ajudou" a manter o clima de “tesão” reprimido, cortando todo o final do filme e alguns diálogos no meio, deixando o episódio completamente sem pé nem cabeça. Que eu me lembre, quase todos os episódios do filme sofreram cortes. O do Aloysio foi cortado na íntegra. Nós, a ala mais jovem dos diretores, ficamos bastante revoltados, chegando até mesmo a cobrar da Lynx uma postura mais radical. Anos depois, mais ou menos entre 1976-78, cheguei a dirigir alguns comerciais na Lynx. Eu já morava no Rio, mas andei dirigindo comerciais para a agência Salles Interamericana de São Paulo. Alguns dos filmes foram produzidos na Lynx, que era, na época, a maior produtora de comerciais de São Paulo. As condições de trabalho eram ótimas, nada faltou à produção, nem mesmo a mordomia, prática comum, na época, para agradar o cliente.

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ANEXOS

Longas-metragens: fichas técnicas e cartazes (fichas técnicas segundo a Cinemateca Brasileira)

Sumário

1. Vozes do Medo (1970) 218 2. O Predileto (1975) 222 3. O Seminarista (1976) 225 4. Contos Eróticos (1977) 228 5. As Filhas do Fogo (1978) 231 6. Diário da Província (1978) 234 7. O Sol dos Amantes (1979) 237 8. Ato de Violência (1980) 240 9. Alguém (1980) 244 10. O Homem do Pau-Brasil (1981) 247

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1. Vozes do Medo

Título atribuído aos episódios: A FEIRA DO MEDO; CAMINHOS; RETRATO DE UM JOVEM BRIGADOR; PANTOMIMA DAS 3 FORÇAS; PIÁ NÃO SOFRE? SOFRE; A SANTA CEIA; PECÚNIA; ABORTO; O JOGO DE LUDO; OS VENCEDORES; O MUNDO É COR- DE-ROSA; PRODUTO; THE SUPER WOMAN; AQUELE DIA 10; AS BONECAS; LOUCURA.

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Filme em episódios

Material original 35mm, COReBP, 95min, 2.607m, 24q, Eastmancolor

Data e local de produção Ano: 1970 Início: 1969 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP

Certificados Certificado do Filme Brasileiro no. 049; filme: Vozes do Medo; produtor: Lynxfilm S.A. / Roberto Santos Prod. Cinem. Ltda. INC no. 01800/71; Rio 27 de maio de 1971 Data e local de lançamento Data: 1972.12.23 Local: Atibaia – SP

Circuito exibidor Exibido em São Paulo por quatro semanas, a partir de 20.05.1974, no Marachá. No Rio de Janeiro, exibido por uma semana no Cinema 1 em 1972.

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Sinopse "A juventude paulistana de 1970, seus medos, angústias, incertezas, anseios sociais e filosóficos, focalizada em episódios organizados de maneira de uma revista: ensaio, crítica, crônica, inquérito, reportagem, história em quadrinhos, depoimento. Os 12 diretores mesclam cinema-atualidade com ficção, desenho animado, realismo fantástico e uma infinidade de outras tendências e manifestações caracterizadas pela livre expressão do pensamento. Um mural sobre o Brasil da década de 70. Uma experiência de liberdade." (CB/Em Memória)

Gênero Drama Prêmios Melhor filme no Governador do Estado, 1975, São Paulo - SP. Produção

Companhia(s) produtora(s): Roberto Santos Produções Cinematográficas Ltda.; Lynxfilm S.A.; Stúdio 13 Decorações Ltda ; ECA/USP - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Produção: Santos, Roberto; Matos, José Carlos; Algodoal, Cristina; Lira, José Severo; Melo, João

Produção executiva: Mêmolo Jr., César Produtor associado: Nero, Cyro Del

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.

Argumento/roteiro Argumento: Santos, Roberto; Almeida, Hamilton de

Roteiro: Santos, Roberto; Barros, Hélio Leite de; Miyao, Mamoru; Bonini, Adilson; Correa, Augusto; Stulbach, Roman; Barbosa, Ruy Perotti; Campos Jr., Plácido; Guarnieri, Gianfrancesco; Nero, Cyro Del; Raulino, Aloysio; Capovilla, Maurice

Pesquisa: Almeida Filho, Hamilton

Direção Assistência de direção: Mattos, Maria Hermínia; Chaia, Miguel; Bonini, Maria Hermínia; Kujawski, Marcelo de Almeida

Fotografia Direção de fotografia: Landini, Juan Carlos; Primavera, Marcelo; Silva, Hélio; Silva, Wanderley; Gabriel, Geraldo; Overbeck, Peter Assistência de câmera: Sassi, Errol; Gonzaga, Dorival; Alves, Getúlio; Oliveira, Wellington Trindade de; Costa, Mário Bertanello Fotografia de cena: Malzoni, Zetas; Sassi, Errol; Maia, Marcos Cezar

Som Sonografia: Cia. Cinematográfica Vera Cruz; Nanni, Raul; Vitale, Antonio; Sonotec Gravações e Publicidade Ltda.; Coque, Oswaldo; Gomes, Gabriel Carlos

Montagem Montagem: Motta, Tércio Gabriel; Santos, Roberto Assistente de montagem: Pinto, Gilberto W. Correa

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Dados adicionais de montagem Montador de negativo:

Direção de arte Figurinos: Cruz, Carmélio; Nero, Cyro Del Cenografia: Cruz, Carmélio; Nero, Cyro Del

Dados adicionais de direção de arte Maquiagem: Viveiros, Maury; Marcelo

Música Música (Genérico): Ricardo, Sérgio; Duprat, Rogério; Medaglia, Júlio; Toquinho; Lucca, Dalton de; Messina, Arquimedes; Salmanini, Hareton; Christensen, Jonas; Coelho, João Marcos; Os Mutantes

Locação: São Paulo - SP; Atibaia - SP Identidades/elenco: Mamberti, Cláudio Miranda, Júlia Pitanga, Antonio Figueiredo, Afonso Cláudio, Afonso Sassi, Errol de Almeida Piovesan, Clarice Lodispoto, Myrna Borges, Yone Fernandes, Rofran Leirner, Dorothy Gonzales, Serafim Baccarin, Tito Livio Acêdo, Vicente Abreu, Alda Fomm, Joana Christensen, Jonas Gomes, Lenah Gomes, Fábio Luiz França, Josafá Alves Franca, José Luiz Geão, Lucas Galizia, Luiz Roberto Kujawsky, Marcelo de Almeida Pinto, Marcelo Aranha Souza Valadão, Marcelo Viveiros, Maury Malzoni, Roberto Albuquerque, Celeste Burza, Francisca Maria Yuton, Cristina Tanganelli, Gilka Abreu, Inez Souza, Lolita de Oliveira Mila Marina Arantes, Maura Soares Duque, Neide 221

Locução: Figueiredo, Afonso Cláudio de Arantes, Maura Soares Acêdo, Vicente Messina, Arquimedes

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2. O Predileto

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original 35mm, COR, 99min, 2.540m, 24q, Eastmancolor, 1:1'37

Data e local de produção Ano: 1975 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP

Certificados Censura 18 anos. Data e local de lançamento Data: 1975.12.19; 1976.03.17; 1976.03.18 Local: Atibaia - SP; São Paulo; Rio de Janeiro

Sinopse "Totônio Pacheco, velho coronel rural do interior mineiro, vive com a esposa no casarão arruinado da fazenda. Quando esta morre, seu filho Fernando, advogado em Belo Horizonte, convida-o para ir morar em sua casa. Totônio reluta pois o seu relacionamento com a nora é difícil, havendo entre eles evidente conflito de gerações. Mas acaba decidindo ir porque adora o neto e a solidão começa a pesar. Na cidade, o conflito se agrava e o coronel passa a freqüentar uma pensão de mulheres. Apaixona-se pela jovem prostituta Coló, e resolve casar com ela, pois brigou com a nora e instalou-se na pensão. Não resiste, porém, aos excessos que Coló o obriga a praticar e morre no hospital, onde o filho esbofeteia seu cadáver, humilhado pelos desmandos do pai". (Guia de FIlmes)

Gênero Drama

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Termos descritores Literatura Descritores secundários Adaptação para cinema Termos geográficos SP

Prêmios Primeira Colocação e os prêmios de Melhor Filme, Melhor Ator para Soares, Jofre, Melhor Roteiro para Palmari, Roberto e Santos, Roberto e Melhor Fotografia para Gabriel, Geraldo no , 4, 1976, RS. Prêmio Adicional de Qualidade, 1975 do INC - Instituto Nacional de Cinema e Prêmio Coruja de Ouro, 1975, de Melhor ator para Soares, Jofre. Prêmio APCA - Associação Paulista de Críticos de Arte, 1976, de Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante para Batista, Xandó e Melhor Figurino para Teles, Hermínia O.

Produção Companhia(s) produtora(s): Lynxfilm S.A. Produção: Mêmolo Jr., César; Scalante, Sady Produção executiva: Moreira Filho, Jeremias Produtor associado: Scalante, Sady C. Assistência de produção: Cesar, Archangelo; Anunciato, Nelson; Rodrigues, Américo; Santos, Braulio P.

Produção - Dados adicionais Gerente de produção: Silva Filho, Jeremias Moreira da

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Ipanema Filmes

Argumento/roteiro Roteiro: Palmari, Roberto; Santos, Roberto Diálogos: Palmari, Roberto; Santos, Roberto

Estória: Baseada no romance de

Direção Direção: Palmari, Roberto Assistência de direção: Braun, Marjorie; Nesti, Yara Continuidade: Jardini, Martha Salomão

Fotografia Direção de fotografia: Gabriel, Geraldo Assistência de câmera: Camerieri, Helio

Dados adicionais de fotografia Eletricista: Savani, José; Procópio, Altino; Lacava, Cesar; Sagatio, João Maquinista: Jailton, José; R. Filho, Agenor J.

Som Direção de som: Sasso, José Luiz

Montagem Montagem: Silva Filho, Jeremias Moreira da Edição: Silva Filho, Jeremias Moreira da Assistente de montagem: Campos, Antônio 224

Direção de arte Figurinos: Telles, Hermínia Queiroz Cenografia: Palmari, Roberto

Dados adicionais de direção de arte Maquiagem: Viveiros, Maury Vestuário: Weinstock, Maria Hermínia Q. T.

Música Arranjos musicais: Pascoal, Hermeto Música (Genérico): Paschoal, Hermeto; Gregori, Aurélio Produção musical: Leiros, Behring de Campos

Dados adicionais de música Regente Maestro: Pascoal, Hermeto

Canção Título: Lamento Autor da canção: Pixinguinha Intérprete: Jacob do Bandolim

Identidades/elenco: Soares, Jofre (Totônio Pacheco) Bastos, Othon (Dr. Fernando) Gonçalves, Suzana (Coló) Farc, Abraão Jacob (Mestre de obras) Silva, Célia Helena Camargo (Orminda) Batista, Xandó (Onofre) Moraes, Ruthinea de (Mirtes) Kosmo, Wanda (Judith) Camargo, Célia Ferreira, João Carlos (Delsinho) Peixoto, Fernando (Dr. Carmo) Farc, Abrahão Jacob (Mestre de obras) Claudio, Claudia Goi, Wanda Gonzales, Maria Eunice Stein, Aracy Santos, Vera Lúcia dos Rocha, Limira Nepomuceno, Ana Andrade Filho, João Batista Bergamasco, Helio

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3. O Seminarista

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original 35mm, COR, 93min, 2.560m, 24q, Eastmancolor, 1:1'37

Data e local de produção Ano: 1976 País: BR Cidade: Rio de Janeiro; São Paulo Estado: RJ; SP

Data e local de lançamento Data: 1976.12.23 Local: Atibaia

Circuito exibidor Exibido em São Paulo, em 16.05.1977, no Ipiranga, no Metrópole, no Belas Artes e no Majestic; em 15.12.1977, no Metro e no Gemini.

Sinopse "Pelos idos de 1920, no interior de Minas Gerais, uma grande amizade de infância une Eugênio e Margarida. Eugênio tem 13 anos e é filho do Capitão Antunes, dono de uma bela fazenda nos arredores de Ouro Preto; Margarida vive na fazenda e é filha de uma viúva agregada. Mas os pais de Eugênio querem ver o filho padre e enviam-no para o Seminário do Caraça. Ele sofre com a mudança, principalmente por causa de Margarida. Dedica-lhe ardentes versos de amor, que provocam a reprimenda dos padres. Anos depois, Eugênio volta e seu encontro com Margarida é emocionante. Ela é agora uma linda moça e eles se entregam de corpo e alma a uma desvairada paixão, e o Capitão sugere que Margarida se case. Como a moça recusa, tem de abandonar a fazenda em companhia da mãe. Eugênio, depois de ordenado, volta para casa e toma conhecimento de tudo. Celebra sua primeira 226

missa e deixa a batina para sempre. Ele questiona a validade de uma vocação inexistente, da carreira imposta e tenta viver de seu amor". (ALSN/DFB-LM) "Anos anos 20. Os conflitos sociais e existenciais de O Seminarista fazem com que o filme escorra fluentemente: ali estão reunidos velhos temas que a literatura foi recolher no interior, incluindo o quase erradicado coronelismo e a superada ortodoxia religiosa. (...) Regional, mas de análise de comportamento. Com ênfase para os aspectos dualistas da obra literária: mentira/amor, fé/instinto, passividade/rebeldia". (Press-release)

Gênero Drama Termos descritores Literatura; Criança; Religião; Sexo; Fazenda; Morte Descritores secundários Adaptação para cinema; Igreja Católica; Casamento Termos geográficos Ouro Preto - MG; Mariana - MG; Seminário da Caraça – MG

Prêmios Prêmio de Melhor Filme pela APCA, 1977 - Associação Paulista de Críticos de Arte, SP.

Produção Companhia(s) produtora(s): Lynxfilm; Vila Rica Cinematográfica; Embrafilme Produção: Mêmolo Jr., Cesar Direção de produção: Sampaio, Adélia Assistência de produção: Fernandes, Cristina; Câmara, Vicente

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme S.A.

Argumento/roteiro Roteiro: Pereira, Geraldo Santos Diálogos: Guimaraens Filho, Alphonsus de; Henriques Neto, Afonso; Pereira, Geraldo Santos Adaptação: Pereira, Geraldo Santos

Estória: Baseada no romance de

Direção Direção: Pereira, Geraldo Santos Continuidade: Luz, Sergio

Fotografia Direção de fotografia: Medeiros, José Assistência de câmera: Araujo, Eurípides Branco de Fotografia de cena: Caldeira, Fernando

Dados adicionais de fotografia Chefe eletricista: Silva, José Martins da Eletricista: Silva, Guido José da Assistente de eletricista: Reis Filho, Agenor José dos

Som Técnico de som: Tavares, José Efeitos especiais de som: José, Geraldo Direção de dublagem: Civelli, Carla 227

Montagem Montagem: Baldacconi, G.

Direção de arte Figurinos: Sangirard, Silvia Cenografia: Alphonsus, Luiz

Dados adicionais de direção de arte Decoração: Alphonsus, Luiz Maquiagem: Pacheco, Antonio Guarda-roupeira: Silva, Maria J. da

Música Música (Genérico): Krieger, Edino

Dados adicionais de música Regente Maestro: Krieger, Edino

Locação: Ouro Preto - MG; Mariana - MG; Colégio Caraça Identidades/elenco: Machado, Eduardo (Eugênio) Cardoso, Louise (Margarida) Parente, Nildo (Capitão Antunes) Matos, Lidia (Hermínia Antunes) Duval, Liana (Umbelina) Lóes, Urbano Batista, Xandó (Padre confessor) Fisher, Beth (Efigênia) Barroso, Jota (Sacristão) Caldeira, Fernando (Henrique) Costa, Cecil Penna e (Henrique menino) Tropia, Vicente (Lucas) Apresentando: Pereira, Marcelo Santos (Eugênio menino) Leal, Cristina(Margarida menina) Participação especial: Cortez, Raul (Padre diretor) Ferreira, Tony(Luciano Feitosa)

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4. Contos Eróticos

Título atribuído aos episódios: ARROZ E FEIJÃO; AS 3 VIRGENS; O ARREMATE; VEREDA TROPICAL

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção / Filme em episódios

Material original 35mm, COR, 105min, 2.965m, 24q, Eastmancolor

Data e local de produção Ano: 1977 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP

Certificados Número do processo de entrada no Concine 109 de 19.07.1977, 16 anos. Data e local de lançamento Data: 1980.03.15 Local: São Paulo - SP Circuito: Indaiá; Brasília Pré-lançamento: 1979.09.29 Local de pré-lançamento: Brasília – DF

Circuito exibidor Exibido em São Paulo a 17.03.1980, no Paramount 4, no Marrocos, no Regina, no Augustus, no Barão e no Gazeta.

Sinopse A vida cotidiana de um casal alterada com o aparecimento de parente. Três senhoras enclausuradas voluntariamente num casarão rememoram sua juventude por meio de um 229

casal de adolescentes. O desejo de um fazendeiro pela filha de um pequeno agricultor e seu esforço em possuí-la. As aventuras de um misantropo e suas melancias.

Gênero Drama; Erotismo; Comédia Termos descritores Literatura Descritores secundários Adaptação para cinema

Prêmios Melhor Atriz Coadjuvante para Silva, Carmen no Festival de Brasília, 12, 1979, Brasília - DF.

Produção Companhia(s)produtora(s): Lynxfilm S.A. Companhia(s) produtora(s) associada(s): Editora Três Produção: Mêmolo Jr., César; Silva Filho, Jeremias M. da Silva; Nesti, Yara; Cristiano, Antonio; Mesquita, Sérgio Produção executiva: Scalante, Sady; Fowle, Chick; Dantas, Paulo; Parente, Paulo Assistência de produção: Gallo, Carlos A.; Lourenço, Clovis; Oliveira, Percival G. de; Mêmolo, Italo Cesar O.; Albuquerque, Maria H. De

Produção – Dados adicionais: Motorista: Nova, Gilberto F. da; Santana, Custódio M.; Cunha, Paulo F. V. da; Pires, Oswaldo

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A. Argumento/roteiro Estória: Baseada em quatro contos premiados na Direção Assistência de direção: Silveira, Carlos W. da

Continuidade: Claro, Amilcar Monteiro; Jardini, Maria S.; Alvim, Marília

Fotografia Assistência de câmera: Magueta, Roberto; Santos Filho, Roberto; Araújo, Eurípedes B. Efeitos especiais de fotografia: Pace, Roberto

Fotografia de cena: Volpe, Tanya M.; Pascoa Jr., Pedro Della; Rago, Nelson Di; Freitas, Vera

Dados adicionais de fotografia

Eletricista: Silva, Abraão H. da; Silva, Manoel C. da; Martins, José; Vieira, José; Dias, José; Tomé, Oziel; Almeida, Rubens F. de

Maquinista: Silva, Abraão H. da; Silva, Manoel C. da; Reis, João Carlos F.; Minervino; Damasceno; Salles, Ramiro

Som Som direto: Goulart, Walter Efeitos especiais de som: Paula, Geraldo J. de Dados adicionais de som Som guia: Bacelar, Clodomiro; Motta, José Antonio 230

Montagem Assistente de montagem: Cox, Carlos

Direção de arte Figurinos: Mendonça, Lídia Guarda-roupa: Silva, Sérgio G. da

Títulos de apresentação: Cintra, Silvio U.; Shimose, Roberto

Dados adicionais de direção de arte: Cabelereiro: Gigliotti, Cecílio Maquiagem: Lago, Paulo; Pereira, Guilherme; Viveiros, Maury Costureira: Tavares, Alda

Dados adicionais de música Título da música: 3 virgens, As; Título da música: Tema de Albertina Música de: Campos, Marconi - composição musical; Instrumentista: Casper, Décio - arranjos ao piano Música de: Babo, Lamartine

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5. As filhas do fogo

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original 35mm, COR, 93min, 2.540m, 24q, Eastmancolor

Data e local de produção Ano: 1978 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP

Certificados Censura Federal 98317 de 15.09.1978, proibido para menores de 18 anos.Certificado de Produto Brasileiro LM/216/78 (Conselho Nacional de Cinema) de 23.08.1978. Data e local de lançamento Data: 1979.01.27 Local: Gramado - RS Exibição especial: 1980.02.09 Local exibição especial: São Paulo Sala(s): Cinesesc

Circuito exibidor Exibido em São Paulo a partir de 05.03.1979 no Ipiranga 1, Paissandú (Sala Independência), no Cinespacial, no Jóia, no Belas Artes (Centro 1 e Sala Villa-Lobos), no Astor, no Top Cine e circuito, no Splendid, no Vila Rica e no Jóia. Exibido no Rio de Janeiro a partir de 13.08.1979. Exibido a partir de 05.03.1979 em São Caetano, no Vitória e em Mogi das Cruzes, no Avenida.

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Sinopse Ana visita sua amiga Diana em um grande casarão localizado em Gramado. Diana está acompanhada da governanta Mariana e dois empregados. As duas conversam sobre Silvia, mãe de Diana, que faleceu há alguns anos. Um homem estranho aparece na casa e pede um prato de comida. Mariana lhe dá comida e vinho e ele parte. Em um passeio pela região encontram Dagmar, amiga de Silvia, que lhes convida para uma visita a sua casa. Dagmar recebe as garotas e as convida para a tradicional festa à fantasia que vai acontecer em alguns dias, incumbindo tia Gertrudes de ajudá-las com as roupas. Dagmar causa espanto nas garotas ao revelar que realiza o trabalho de gravar vozes de pessoas que já morreram. O estranho volta à casa e Mariana o recebe. As amigas voltam à casa de Dagmar que mostra a Ana uma de suas fitas. A moça se impressiona ao reconhecer nas gravações as mesmas vozes que ela escuta, em especial a que lhe dá a sensação de ser a voz de Silvia. Ana conta para Diana seu dom e também que reconheceu a voz de Silvia em fitas de Dagmar. Diana assusta-se com a presença do estranho que caminha pela casa à procura de vinho. Ela o obriga a deixar a casa. No dia seguinte ele aparece morto junto a um lago próximo. Ana e Diana preparam-se para a festa. Elas chegam ao local e um homem lhes informa que a festa vai começar somente em algumas horas e elas aproveitam para visitar Dagmar. Lá descobrem que a festa em questão deixou de ser realizada há dez anos e que tia Gertrudes estava morta há alguns anos. Ana vê Silvia ao lado de Dagmar e se apavora. Ela morre misteriosamente e Diana, após também sentir a presença de sua falecida mãe, mata Dagmar com um tiro. Ela tenta sair da casa e encontra as portas trancadas e as janelas cobertas por uma estranha vegetação. O dia amanhece e, entre as árvores, Mariana prepara-se para ir embora.

Gênero Drama Termos descritores Morte Descritores secundários Espiritismo Termos geográficos Gramado – RS

Produção Companhia(s) produtora(s): Lynxfilm Companhia(s) co-produtora(s): Editora Três Produção: Mêmolo Jr., César Direção de produção: Nesti, Yara Assistência de produção: Cardoso, Paulo Produção - Dados adicionais Gerente de produção: Bittencourt, Lino

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.

Argumento/roteiro Argumento: Khouri, Walter Hugo Roteiro: Khouri, Walter Hugo Direção Direção: Khouri, Walter Hugo Assistência de direção: Lima, Iracema Nogueira Continuidade: Amaral, Isabel do

Fotografia Direção de fotografia: Gabriel, Geraldo 233

Câmera: Khouri, Rupert Assistência de câmera: Araújo, Eurípedes Branco Fotografia de cena: Amaral, José

Dados adicionais de fotografia Eletricista: Vochikoski, Nelson; Silva, Edgar Ferreira da Maquinista: Reis, João Carlos; Barbosa, Aldovrando

Som Efeitos especiais de som: José, Geraldo Dados adicionais de som Som guia: Castro, Ubirajara de; Noerngen, Ronaldo Montagem Montagem: Mello, João Ramiro Assistente de montagem: Imperiale, Laura

Direção de arte Cenografia: Weinstock, Marcos Dados adicionais de direção de arte Contra-regra/acessórios de cenografia: Lourenço, Clovis

Música Trilha musical: Duprat, Rogério Dados adicionais de música Título da música: Canto da separação Música de: Mozart, Wolfgang Amadeus

Locação: Gramado - RS; Canela – RS Identidades/elenco:Morra, Paola (Diana) Rodrigues, Karin (Dagmar) Malbouisson, Rosina (Ana) Rosa, Maria (Mariana) Gonzales, Serafim (Forasteiro) Egrei, Selma (Sílvia) Hussemann, Maria (Tia Gertrudes) Hosse, Helmut (Mordomo) Haas, Karin (Costureira) Machalowsky, Rudolf (Caseiro)

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6. Diário da Província

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original 35mm, COR, 100min, 2.680m, 24q, Eastmancolor, 1:1'37

Data e local de produção Ano: 1978 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP

Certificados Certificado de Produto Brasileiro 254, janeiro de 1979.Censura 18 anos. Data e local de lançamento Data: 1979.01.24 Local: Gramado

Circuito exibidor Exibido em São Paulo a 30.09.1979, no Ouro, no Bristol e no Del Rey.

Sinopse Acácio Figueira possui grande ambição. Em sua escalada para atingir a prefeitura da cidade, ele vai passando por todos os partidos que dominam a situação da época: Republicano, Libertador, Democrático, Constitucionalista, Integralista, etc. Sua grande oportunidade chega com a Revolução de 30, quando Getúlio Vargas assume o poder. Não existem eleições e os prefeitos são interventores nomeados. Para atingir seus intentos, Figueira manipula os grupos de expressão da comunidade. Paralelamente, uma família aristocrática do café se debate na decadência, enquanto uma família de imigrantes busca sua ascensão econômica. Através de seu pequeno jornal, um jornalista liberal denuncia as falcatruas, desmandos e sujeiras praticadas por Acácio Figueira.

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Gênero Drama Termos descritores História; Política; Revolução de 32 Descritores secundários Aliança Liberal; Revolução de 30; Comunismo; Intentona Comunista; Integralismo; Estado Novo

Prêmios Melhor ator coadjuvante para Guarnieri, Gianfrancesco no Festival de Gramado, 7, 1979, RS.

Produção Companhia(s) produtora(s): R. F. P. Produções Artísticas Companhia(s) produtora(s) associada(s): Topázio Cinematográfica; Lynxfilm S.A. Produção: Palmari, Roberto Produção executiva: Ribeiro, Paula Produtor associado: Azevedo, Cecília Vicente de Assistência de produção: Oliveira, Percy G. de; Baptista, Clark; Téo, Martha; Lopes, Lúcia; Barbosa, Roberto; Martovani, Cerjio; Barros, Wilibaldo de

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.

Argumento/roteiro Argumento: Palmari, Roberto Roteiro: Palmari, Roberto Pesquisa: André Jr., Bruno Afonso de; Carneiro, Henrique; Fitipaldi, Fernando; Ribeiro, Paula; Gardumi, Beatriz; Caldeira, Geomires; Anunciato, Nelson

Direção Direção: Palmari, Roberto Assistência de direção: Grimaldi, Pedro Continuidade: Théo, Martha

Fotografia Direção de fotografia: Gabriel, Geraldo Assistência de câmera: Araujo, Eurypedes de Efeitos especiais de fotografia: Lobo, J. Dados adicionais de fotografia Chefe eletricista: Vochikoski, Nelson Eletricista: Almeida, Rubens de Maquinista: Reis, João Carlos; Barbosa, Aldrovando Som Direção de som: Oliveira, Benedito de Técnico de som: Santos, Carlos dos; Monteiro, Elcio Efeitos especiais de som: José, Geraldo Dados adicionais de som Técnico de mixagem: Oliveira, Benedito de

Montagem Montagem: Moreira Filho, Jeremias; Mello, João Ramiro

Direção de arte Figurinos: Gardumi, Beatriz 236

Cenografia: Azevedo, Cecíla Vicente de

Dados adicionais de direção de arte Assistência de cenografia: Anunciato, Nelson; Santos, José Roberto; Barros, Wilibaldo de; Santana, Custódio Contra-regra/acessórios de cenografia: Lopes, Lucia Maquiagem: Viveiros, Maury Penteados: Avisati, João

Música Música (Genérico): Villa-Lobos, Heitor

Identidades/elenco: Lewgoy, José (Acácio Figueira) Iório, Atila Guarnieri, Gianfrancesco (Jornalista liberal) Ribeiro, Paula Zemel, Berta Campozana, Oswaldo Santiago, Rodrigo Segall, Beatriz Gardumi, Beatriz Leal, Rui Sellig, Maria Destro, Nádia Zuchi, Luiz Palmari, Roberta Goi, Wanda Saraiva, Irineu Ferreira, José Flávio Tofolo, Antonio Ferreira, Belmiro Pereira, Ernestino Almeida, Edney de Trivelato, Irineu Inforzato, Silvio Bingoleto, Giácomo Bingoleto, Vitório Cesar, Arcângelo Gomes, Reinaldo Alvarenga, Antonio Gomes, Maria Carlos Santos, Diaulas Pereira dos Vicentini, Amadeu Barreto, José Arcos, João Santana, Eduardo Barros, Wilibaldo F. de

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7. O Sol dos Amantes

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original 35mm, COR, 90min, 2.470m, 24q, Eastmancolor

Data e local de produção Ano: 1979 País: BR Cidade: Rio de Janeiro; São Paulo Estado: RJ; SP

Certificados Certificado de Produto Brasileiro 319 de 08.1979.Censura 16 anos. Data e local de lançamento Data: 1979.12.10 Local: São Paulo

Circuito exibidor Exibido em São Paulo a 10.12.1979, no Olido, no Metro 1, no Gemini 2, no Central 2, no Ibirapuera 2, no Continental 1, no Sesc, no Jamor, no Goiás, no Vitória, no São José e no Odeon.

Sinopse "Num mesmo dia, um rico fazendeiro torna-se pai de uma menina, Glória, nascida de sua mulher, e de um menino, Pedro, nascido de uma agregada da fazenda. As crianças crescem juntas, sem saber que são irmãs. Quando Glória completa dezoito anos, a fazenda de seu pai está praticamente nas mãos de um fazendeiro vizinho. Despótico e autoritário, o pai quer casá-la com o filho de seu credor. Coagida, Glória aceita o noivado mas, durante a festa, Pedro, sua verdadeira paixão, anuncia sua decisão de partir. Desesperada, Glória entrega- 238

se ao irmão e juntos fogem a cavalo para o sertão. O pai envia três jagunços no encalço dos dois, com ordens de trazer a noiva de volta e matar Pedro. Jovino, o capataz da fazenda e pai postiço de Pedro, vai ao encontro do casal para revelar a verdade. Encontrando o casal antes dos jagunços, Jovino segreda a Pedro que Glória é sua irmã. Envergonhado, Pedro envenena Glória e mata-se em seguida". (Extraído do Guia de Filmes, 79)

Gênero Drama Rural Termos descritores Fazenda

Produção Companhia(s) produtora(s): Lynxfilm; Vila Rica Cinematográfica; Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A. Produção: Mêmolo Jr., César Direção de produção: Araújo, Wilson Marques de Produção executiva: Marra, Antônio César; Pereira, Renato Santos Assistência de produção: Carvalho, Genésio Afonso de; Sampaio, Jorge; Marra, Ozanam

Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.

Argumento/roteiro Argumento: Pereira, Geraldo Santos Roteiro: Pereira, Geraldo Santos Diálogos adicionais: Rubinger, Fernando Santana

Direção Direção: Pereira, Geraldo Santos Assistência de direção: Pacheco, Lucas Continuidade: Amaral, Isabel do

Fotografia Direção de fotografia: Gabriel, Geraldo Câmera: Gabriel, Geraldo Assistência de câmera: Araújo, Eurípedes B. de Fotografia de cena: Amaral, José do Trucagens: Truka Dados adicionais de fotografia Eletricista: Vochikoski, Nelson F.; Almeida, Rubens F. de; Reis, João Carlos dos Barbosa, Oduvaldo

Som Técnico de som: Vianna, Aloysio Direção de dublagem: Lima, Allan; Manoel, Luiz Dados adicionais de som Técnico de gravações: Barbosa, Tonico Sonoplastia: José, Geraldo

Montagem Montagem: Mello, João Ramiro Assistente de montagem: Paris, Dominique

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Direção de arte Cenografia: Nanni, Pedro Dados adicionais de direção de arte Maquiagem: Gigliotti, Cecílio Vestuário: Nanni, Pedro

Música Música (Genérico): Krieger, Edino Dados adicionais de música Regente Maestro: Krieger, Edino Canção Regente: Woltzenlogel, Celso; Reis, Alceu e Fraga, Edmo Instrumentista: Andrade, Renato - viola sertaneja

Locação: Fazenda São Sebastião - MG; Fazenda das Pedras - MG; Serra do Espinhaço - MG; Região de Pirapora – MG

Identidades/elenco: Francinete (Glorinha) Braga, Júlio (Pedro) Loureiro, Osvaldo (Coronel Patrício) Lacerda, Vanda (Dona Arminda) Iório, Átila (Jovino) Fernandes, Rofran (Major Fonseca) Vilar, Milton (João Pereira) Bonfim, Roberto (Firmino) Souza, Jackson de (Zé Pinto) Gonçalves, Milton (Sebastião Raimundo) Muniz, Angelina (Ritinha) Silva, Breno (Eduardo) Naddeo, Antônio (Comandante) Frutuoso, Célia (Vó Sinhana) Moreno, Edelma (Judith) Mello, Antônio Ricardo de (Médico) Irene, Urânia (Margaridinha) Marzullo, Elza (Inhá Floripa) Guimarães, Helvécio (Padre) Pacheco, Lucas (Capataz) Rodrigues, Daniel (Piloto) Braga, Urbano Francisco (Canoeiro) Grupo Folclórico Banzé (Dançarinos e Cantadores) Santos, Sérgio Alves dos (Luquinha) Moradores de Curvelo Moradores de Paraopeba Moradores de Pirapora

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8. Ato de Violência

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção Material original 35mm, COR, 112min, 3.600m, 24q, Eastmancolor, PANORÂMICA

Data e local de produção Ano: 1980 Início: 1979.05.06 Final: 1979.08.21 País: BR Cidade: Rio de Janeiro Estado: RJ

Certificados Certificado de Produto Brasileiro 375, de 15.04.1980. Censura 18 anos. Data e local de lançamento Data: 1981.04.06 Local: São Paulo Circuito: Belas Artes Pré-lançamento: 1980.08.08 Local de pré-lançamento: Timóteo – MG Sala(s): Marabá Exibição especial: 1980.05.23

Local exibição especial: Brasília – DF

Sinopse "Antônio Nunes Correa é um jovem de 24 anos que vai se esconder na casa de sua mãe no Mato Grosso. Porém no caminho encontra um amigo, Mário, para quem conta o crime que havia cometido. Estrangulara uma mulher, Elza, e para esconder o corpo o esquartejara. Interrogado pelo delegado Dr. Rabelo, confessa o crime, dizendo não saber o que aconteceu. Entretanto ele é colocado no pau-de-arara, e o delegado acaba alterando o 241

depoimento para o escrivão. Antônio é levado para a Casa de Detenção de São Paulo, onde fica encarcerado. Os dias passam e sua noiva, Tânia, vai visitá-lo, eles conversam sobre a quantia do advogado e sobre a mãe do detento. Após dois anos de detenção, Antônio vai a julgamento acreditando sair logo, porém seu advogado, Cláudio Goldberg, não consegue diminuir os vinte anos da pena. No presídio, Antônio tem bom comportamento, estudando, trabalhando e freqüentando cultos religiosos. Casa-se com Tânia e completa o curso supletivo, acontecimentos fundamentais para que consiga a redução da pena e a transferência para regime semi-aberto em uma penitenciária rural. Durante este período, Antônio e Tânia passam por sessões de análise, e o psicólogo avalia a situação de maneira positiva. O detento consegue a liberdade condicional e reencontra sua família e amigos em um almoço de boas-vindas. Porém a situação de ex-presidiário o deixa sem emprego. Antônio começa a beber e sua vida perde a estabilidade que adquirira. Deixa a mulher, envolve-se com prostitutas, além de fazer dívidas com o amigo Waldemar. Sozinho, Antônio encontra-se um dia com seu amigo Manoel e pede para morar com ele. Este aceita por dois dias, o que não acontece, Antônio fica durante algum tempo na casa do amigo até discutirem. Um dia leva uma prostituta para casa. Durante o ato sexual, Antônio comete novo assassinato, e foge. Ele é localizado pela polícia em uma praça pública e novamente é preso. A imprensa, lembrando o crime anterior, o pressiona para que dê respostas sobre os assassinatos. Antônio manda recado para mãe, fala que não teve uma infância normal e diz não saber o porquê dos assassinatos, nem qual é o seu lugar." (Resumo da cópia)

Gênero Drama Termos descritores Crime; Morte; Polícia; Presídio; Ensino; Religião; Casamento; Família; Sexo Descritores secundários Homicídio; Prostituição Termos geográficos SP

Prêmios Melhor direção para Escorel, Eduardo; Melhor roteiro para Escorel, Eduardo e Machado, Roberto; Melhor cenografia para Chada, Paulo; Melhor Ator coadjuvante para Consorte, Renato; Melhor técnico de som para Raposeiro, Victor no Festival de Brasília, 13, 1980, Brasília - DF.

Produção Companhia(s) produtora(s): Lynxfilm S.A.; Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A. Produção: Mêmolo Jr., César; Escorel, Eduardo Direção de produção: Moreira Filho, Jeremias Assistência de produção: Gallo, Carlos Augusto; Gonçalves, Jorge Sabino; Padui, Roberto; Batista, Clark; Minelli, Ione

Argumento/roteiro Roteiro: Escorel, Eduardo; Machado, Roberto Co-roteirista: Souza, Percival; Martins, Luiz Viegas; Lins, Ivone Estória: Baseada em fatos reais de

Direção Direção: Escorel, Eduardo Assistência de direção: Pacheco, Lucas Continuidade: Amaral, Isabel do

Fotografia Direção de fotografia: Escorel Filho, Lauro 242

Câmera: Escorel Filho, Lauro Assistência de câmera: Araújo, Eurípedes B. de; Silva, Ademir Fotografia de cena: Amaral, José do Dados adicionais de fotografia Eletricista: Guimarães, Jadeyr; Silva, Edgar Ferreira da Maquinista: Cunha, Moacir Estevão da; Damaceno, Minervino

Som Som direto: Raposeiro, Victor Dados adicionais de som Técnico de mixagem: Melo, Roberto Operador de microfone: Vaz, José Antonio

Montagem Montagem: Santeiro, Gilberto Assistente de montagem: Paris, Dominique; Souza, Paulo Mattos de Direção de arte Cenografia: Chada, Paulo Letreiros: Escorel, Ana Luisa

Dados adicionais de direção de arte Cabelereiro: Avizati, João Maquiagem: Torres, Flávio Costureira: Pinto, Eunice de Oliveira Adereços: Velleca, Donato

Música Direção musical: Gismonti, Egberto Dados adicionais de música Intérprete(s): Neves, Pepê Castro – vocal Instrumentista: Gismonti, Egberto - piano e violão; Silva, Roberto - bateria; Senise, Mauro - sax e flautas e Alves, Luis - contra baixo Canção Título: Povo, O; Autor da canção: Souza, Judith de e Filó; Título: Love is a many splendored thing; Autor da canção: Fain-Webster; Intérprete: Alcione Título: Retalhos Autor da canção: Debetio, Paulo e Rezende, Paulinho

Locação: São Paulo - SP; Rio de Janeiro - RJ; Niterói - RJ; Caxias - RJ; Bauru – SP

Identidades/elenco: Maia, Nuno Leal (Antonio) Egrei, Selma (Tania) Consorte, Renato (Manuel) Abbas, Eduardo (Inácio) Duval, Liana (Nadir) Petrin, Antonio (Ermínio) Felipe, Oscar (Pai de Tania) Serra, Luiz (Waldemar) Correa, Guilherme (Mario) Martins, Chico (Advogado de defesa) Farc, Abrahão (Diretor da PE) 243

Vieira, Lisa (Janina) Mehler, Miriam (Psicóloga) Moraes, Ruthinea de (Mulher de Waldemar) Campos, Sebastião (Juiz) Zilberg, Silvio (Psiquiatra) Coqueiro, Zé (Bêbado) Azzari, Armando (Promotor) Alberto, Carlos (Preso) Seidl, Carlos (Policial) Ferreira, Cecilia (Repórter) Seabra, Clarice (Escrivã) Mostasso, Edelcio ( Repórter) Monteiro, Edith (Repórter) Zá, Eduardo (Repórter) Moraes, Elizabeth (Mulher do diretor IPA) Farah (Repórter) Gatão (Repórter) França, J. (Escrivão) James, Jesse (Policial) Angelo, João (Policial) Kedd, Jorge (Diretor IPA) Marigo, Luiz (Padre PE) Kranholot, Marcilda (Elza Renner) Marquinhos (Repórter) Paixão, Maria da (Angela) Mathias, Marthus (Delegado) Moraes, Nei (Padre IPA) Borges, Paulo (Policial) Gonçalvez, Ricardo (Repórter) Won, Roberto (Guarda PE) Martins, Robson (Repórter) Almeida, Rubens de (Repórter) Rollo, Rubens (Delegado) Carole, Salete (Helena) Mileto, Sergio (Preso) Medeiros, Suzana (Secretaria) Barreto, Tadeu Lemos (Repórter)

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9. Alguém

(Não houve cartaz para este filme)

Outras remetências de título: O MUDO Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção Material original 35mm, COR, 85min, 2.345m, 24q, Eastmancolor

Data e local de produção Ano: 1980 País: BR Cidade: São Paulo Estado: SP Data e local de lançamento Pré-lançamento: 1982.09.23 Local de pré-lançamento: São Paulo Sala(s): Vitrine

Sinopse "Anos 50: adolescente fica fascinada com um estranho empregado da fazenda, que é mudo e tem o dom de fazer as plantas crescerem com um toque de sua mão. Fica amiga dele, que, naturalmente, apaixona-se por ela. A família é contra, mas não há grandes conflitos, remetendo-nos a um final feliz". (ALSN/DFB-LM)

Gênero Drama Termos descritores Literatura; Esoterismo; Vegetação; Medicina Descritores secundários Adaptação para cinema; Deficiente físico

Produção Companhia(s) produtora(s): Lynxfilm; Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A. Produção: Scalante, Sady Direção de produção: Fujii, Rui Assistência de produção: Sato, Paulo; Silva, José Antonio; Gallo, Carlos Augusto; Biscalchini, João Baptista; Midnight, João Carlos Produção - Dados adicionais Coordenação de produção: Cunha, Miron Rodrigues da Motorista: Rodrigues, Américo; Paulino Sobrinho, Francisco; Santana, Custódio Matilde; Shirayama, Massanori; Tião; Raul; Pires Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.

Argumento/roteiro Roteiro: Silveira, Júlio; Barros, Cecília Estória: Baseada no conto de

Direção Direção: Silveira, Júlio 245

Assistência de direção: Barros, Cecília Continuidade: Moreiras, Silvia de Souza

Fotografia Direção de fotografia: Primavera, Marcelo Câmera: Primavera, Marcelo Assistência de câmera: Morais, Roberto Maqueta de; Oliveira, Francisco Edivaldo Dados adicionais de fotografia Chefe eletricista: Sagatio, João Carlos Eletricista: Almeida, Rubens Francisco de; Oliveira, Nilson de Maquinista: Damasceno, Minervino; Fidelis, José Alcides Gomes Auxiliar de maquinista: Silva, José Gomes da; Costa, José Alves; Lelis, Nilo Souza

Som Som direto: Costa, Juarez Dagoberto da Mixagem: Santos, Eduardo dos Dados adicionais de som Assistente de som: Costa, Paulo Gastaldi da; Mota, José Antonio da

Montagem Montagem: Motta, Tércio Gabriel da Assistente de montagem: Mattos, Paulo

Direção de arte Figurinos: Pieracciane, Elizabeth; Klama, Laonte Cenografia: Klawa, Laonte Dados adicionais de direção de arte Assistência de cenografia: Marchesin, José; Pieracciani, Elizabeth Montagem de cenário: Garcia, Roberto Santiago; Barbosa, José Cabelereiro: Catalani, Tereza de Jseus Maquiagem: Viveiros, Maury F. Desenho de figurino: Pieracciani, Elizabeth Costureira: Cavalcanti, Percides Correia de Toledo; Melliande, Meire Guarda-roupeira: Guaraná, Maria do Carmo Tabosa

Música Direção musical: Barros, Théo de Canção Título: Moonlight serenade; Autor da canção: Miller, Glenn; Instrumentista: Longano, Isidoro - clarinete; Barros, Théo de - violão; Romagnoli, Gliceu - bateria e Bahlis, Gabriel - baixo; Título: Valsa; Autor da canção: Barros, Théo de; Instrumentista: Carrera, Emilio – piano Título: Amo-te muito; Autor da canção: Chaves, João; Título: Cururu; Autor da canção: Chiquito, Pedro e Nhô Serra; Título: Little darling; Autor da canção: Biriba Boys; Título: Oh, Diana; Autor da canção: Biriba Boys; Título: Money honey Autor da canção: Presley, Elvis 246

Locação: Fazenda Conceição do Barreiro

Identidades/elenco: Rios, Miriam (Maria Eugenia) Maia, Nuno Leal (Mudo) Cesar, Henrique (coronel) Araújo, Rache del (Raquel) Castro, Ewerton de (Pascal) Derkian, Denis (Júnior) Falcão, Lourival (Falcão) Lisboa, Henrique (Taubaté) Pinto, Luis Carlos (médico) Tagliari, Sérgio Luiz (Waldir) Leão, Telinha (Mulher da procissão) Cantores de Cururu Chiquito, Pedro (Cantador) Nhô Serra (Cantador) Santos Jr., Moacyr dos (Bié) Fernandes, Maria Amélia (Copeira) Neipp, Arno (Mordomo) Zalf, Munir (Dono do bar) Real, Roberto Corte (Locutor da TV) Yamaguchi, Harumi (Juiz da Festa da Uva) Fujii, Ruy (Juiz da Festa da Uva) Sato, Paulo (Juiz da Festa da Uva) Miletto, Sérgio (Repórter) Shirayama, Massanori (Fotógrafo) Zellaui, Antonio (Par de Eugenia) Alcides (Jogador de bocha) Felipe, José (Jogador de bocha) Gonçalo (Jogador de bocha) Elias (Jogador de bocha)

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10. O Homem do Pau-Brasil

Categorias Longa-metragem / Sonoro / Ficção

Material original 35mm, COR, 112min, 2.876m, 24q, Eastmancolor

Data e local de produção Ano: 1981 País: BR Cidade: São Paulo; Rio de Janeiro Estado: SP; RJ

Certificados Certificado de Produto Brasileiro 533 de 20.11.1981.Certificado de Censura Federal de 21.12.1981, censurado para menores de 18 anos.Número de registro da Embrafilme 62/81.Número do processo de entrada no Concine 6805/81. Data e local de lançamento Data: 1982.02.22; 1982.05.03 Local: São Paulo; Rio de Janeiro Circuito: Cinema 1 Sala(s): Copan Pré-lançamento: 1982.02.07 Local de pré-lançamento: Areia – PB

Sinopse "Representado simultaneamente por um ator e uma atriz, Oswald de Andrade lança-se ao percurso de mulheres e idéias, que o assaltam sempre juntas. Intelectual polêmico e impetuoso amante, o revolucionário escritor modernista, ao mesmo tempo em que admira a arte de Isadora Duncan, pede que ela interceda por Dorotéia, uma bailarina principiante por quem ele é apaixonado. Tem um filho com Lalá e com ela partilha também excitações provocadas pela leitura da obra de Freud. Fascinado pela sofisticação da rica herdeira do café e pintora Branca Clara, Oswald parte com ela a bordo do 'Rompenuve' em direção a Paris. Lá eles tomam contato com as vanguardas artísticas e embarcam de volta para o 248

Brasil, trazendo o poeta Blaise Sans Bras. No navio, Oswald, degustando rãs à província do Brasil, elabora a teoria da antropofagia. Em meio à confusão da chegada, apaixona-se pela repórter Rosa Lituana, que entrevistava Blaise Sans Bras. Dá-se, aí, sua migração para o engajamento marxista, que dura pouco, pois Oswald, irreverente e anárquico, suporta mal a disciplina partidária. Amarras rompidas, nosso herói (macho e fêmea), junto com guerrilheiros armados e nus seqüestram o iate do gangster Capone e desembarcam numa praia para a instauração da revolução Caraíba: instituí-se na prática a teoria - Oswald- macho é devorado pelo Oswald-fêmea e instala-se o regime político antropofágico." (Concine/Ficha Técnica)

Gênero Biografia; Aventura Termos descritores Literatura; Artes Plásticas; Política Descritores secundários Pintura; Modernismo; Antropofagia; Marxismo Termos geográficos SP

Prêmios Melhor filme; Melhor cenografia para Eichbauer, Hélio e Pinheiro, Adão e Melhor atriz coadjuvante para Sfat, Dina no Festival de Brasília, 14, 1981, Brasília - DF. Prêmio São Saruê - Federação de Cineclubes do Estado do Rio de Janeiro, 1982. Menção Especial do Júri - Festival de Cinema Ibero-americano, 1982 - Huelva - Espanha.

Produção Companhia(s) produtora(s): Filmes do Serro Ltda.; Lynxfilm S.A.; Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A. Direção de produção: Araujo, Wilson Marques de; Teixeira, Regina Helena; Loureiro, Gilberto Produção executiva: Memolo Jr., César Assistência de produção: Gonçalves, Jorge Sabino; Silva, Rogério Correia da; Costa, Elizabeth G.; Silva, Sebastião L. Monteiro da; Alves, Vera Lúcia; Cardoso, Sheila; Souza, Cida de Distribuição Companhia(s) distribuidora(s): Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes S.A.

Argumento/roteiro Argumento: Andrade, Joaquim Pedro de Roteiro: Andrade, Joaquim Pedro de Co-roteirista: Eulálio, Alexandre Pesquisa: Escorel, Ana Luiza; Ferman, Evelyn; Viegas, Heloisa Estória: Baseada na obra de Direção Direção: Andrade, Joaquim Pedro de Assistência de direção: Moraes, Suzana de; Cury, Marco Antônio Continuidade: Wainer, Bruno; Amaral, Isabel

Fotografia Direção de fotografia: Kato, Kimihiko Câmera: Kato, Kimihiko Assistência de câmera: Lopes, Joel Alves; Santos Filho, Roberto Fotografia de cena: Amaral, José; Franco, Eduardo Mello Trucagens: Ilimitada Ltda. Dados adicionais de fotografia 249

Eletricista: Segatio, João; Almeida, Rubens Francisco Maquinista: Fidelis, José Alcides; Reis, João Carlos Ferreira

Som Técnico de som: Vaz, Jorge Antônio; Pereira, Carlos Alberto; Fogtman, William O'Dwer Dados adicionais de som Operador de microfone: Chagas, Dorival; Mion, Rogério Mathias

Montagem Montagem: Cury, Marco Antonio Assistente de montagem: Branco, Sonia Montagem de som: Fontoura, Denise

Direção de arte Direção de arte: Eichbauer, Helio; Pinheiro, Adão Figurinos: Eichbauer, Diana Cenografia: Eichbauer, Helio; Pinheiro, Adão Dados adicionais de direção de arte Assistência de cenografia: Dorighello, Regina Responsável por construções: Garcia, Roberto Santiago Contra-regra/acessórios de cenografia: Azarias, Antonio Montagem de cenário: Garcia, Roberto Santiago Cabelereiro: Avisati, João Maquiagem: Torres, Flávio Costureira: Nunes, Margarida do Nascimento; Pinto, Eunice Oliveira Guarda-roupeira: Santiago, Carmen Adereços: Ribeiro, Laila; Boren, Hilda

Música Direção musical: Rossini, Rogério Dados adicionais de música Título da música: Tango na vitrola; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Versos para flauta e violão; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Browning e a rosa, A; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Estação da Luz; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Baile a bordo; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Comida a Bordo; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Baile podre; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Jantar das rãs; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Pau Brasil; Música de: Rossini, Rogério; Título da música: Choro n. 1; Música de: Villa-Lobos, Heitor; Título da música: Choro n. 3; Música de: Villa-Lobos, Heitor; Título da música: Dá nela; Música de: Barroso, Ary; 250

Título da música: Terra seca; Música de: Barroso, Ary; Título da música: Opus 4; Música de: Faulhaber, M.; Título da música: Valsa; Música de: Faulhaber, M.; Título da música: Ária (suite antiga); Música de: Nepomuceno, Alberto; Título da música: História do Brasil; Música de: Babo, Lamartine Título da música: É a ti, flor do céu Intérprete(s): Cancioneiro popular da região de Diamantina

Locação: São Paulo - SP; Teatro Municipal de São Paulo, São Paulo – SP

Identidades/elenco: Cunha, Juliana Carneiro da (Diva) Nandi, Ítala (Oswald de Andrade) Galvão, Flávio (Oswald de Andrade) Duarte, Regina (Lalá) Aché, Cristina (Dorotéia) Machiaveli, Lucélia Hesse, Paulo (Mário de Andrade) Rodrigues, Guaracy Gregório, Carlos (Menotti del Picchia) Sodré, Maria do Carmo Abreu (Anita Malfatti) Correia, Luiz Antonio Martinez (Luiz Aranha) Peixoto, Fernando (Coelho Avô) Nimitz, Riva Muniz, Miriam (Juiza) Linhares, Luís (Paulo Prado) Chamie, Mário (Guilherme de Almeida) Moraes, Susana de (Villa-Lobos) Sfat, Dina (Branca Clara) Otelo, Grande (Príncipe Tourvalou de Blesi) Frazer, Etty (Dona Azeitona) Bastos, Othon José, Paulo Bisso, Patrício (Sônia Delaunay) Fayad, Marcos (Blaise Sans Bras) Dantas, Nelson Grey, Wilson Rossini, Rogério (Jean Cotó) Eulálio, Alexandre (Livreiro Chardenar) Pellegrino, Dora (Rosa Lituana) Mamberti, Sérgio (Pedroso) Augusto, Marco Antonio (Bueno) Plonka, Marcos (Governador) José, David Pitanga, Antonio (César) Borghi, Renato Kopelman, Isa Batista, Xandó Sabag, Fábio Pedro, Antonio 251

Dias, Sonia Colassanti, Arduino Pitanga, Márcia Prestes, Analu Davis, Billy Solviatti, Sandro Santos, Ademilson J. dos Ruiz, Adilson Moreira, Alcira Mello, Carlos Rex, Cristiane Leroy, David Gouvea, Deoclides J. Kemps, Diana Souza, Eduardo de Souza, Elecy de Noronha, Elismar Guimarães, Helcio J. P. Barreto, Homero Secchin, Isabela Furtado, João Camilo Coimbra Jr., Jarbas Fernandes, José Gomes Franca, José Luís Souza, José Ordonez S. de Maria, Kelly Casado, Luiz Nunes, Margarida do Nascimento Alves, Maria Angélica Batista, Mery Campozana, Oswaldo Sanchez, Paco Vinicius, Paulo Rafaela Souza, Raimundo de Barreto, Rosely Brito, Rubens J. Oliveira, Sidney de Levingstein, Tati Maya, Thais Zakias, Vandi Elias, Youssef Salim Marcondes, Ursula Grozca Scheider, Aline