John Krizanc

acto i

não resistir nem a uma ideia nova nem a um vinho velho t de LempicKa (acto i) John Krizanc

tradução carLos carvaLheiro revisão de regina redinha e de cláudia Gomes tradução das personagens de expressão francesa de Jean pierre taillade revisão de Fernando rodrigues e de raquel Baião edição 2010

Fatias de cá apartado 140 • 2304-909 tomar • tlm 960 303 991 • [email protected] • www.fatiasdeca.net t de LempicKa (acto i) • Fdc 3

the accuracies i deal in are the accuracies of my impressions. if you want factual accuracies you must go to… but no, don’t go to anyone, stay with me o rigor com que eu lido é o rigor das minhas impressões. se queres rigor factual tens de ir… não, não vás, fica comigo

Ford madox Ford 4 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dramatis personæ

por ordem de entrada

dante Fenzo, mordomo de d'annunzio, ex-gondoleiro

aldo Finzi, polícia fascista

Gian Francesco de spiGa, compositor boémio, diletante

emiLia pavese, criada, cleptómana

Gabriele d'annunzio, grande poeta italiano, patriota e herói da 1ª Guerra mundial

aéLis mazoyer, governanta e confidente de d'annunzio

carLotta Barra, bailarina à espera da recomendação de d'annunzio para diaghilev

mario pagnutti, misterioso novo chauffer de d'annunzio

Luisa Baccara, pianista e ex-amante de d'annunzio

tamara de Lempicka, aristocrata, pintora polaca de expressão francesa t de LempicKa (acto i) • Fdc 5

t de LempicKa John Krizanc a estreia de t de LempicKa (tamara no original) realizou-se na strachan house em trinity-Bellwoods, toronto, ontario, canadá em 8 de maio de 1981. a produção ori - ginal foi feita pela necessary angel theatre company de toronto com encenação de richard rose. Foi depois estreada em Los angeles, usa e depois em novembro de 1987, em nova iorque, sempre encenada por richard rose e produzida por moses znaimer e Barrie Wexler (e ainda Larry dykun em nova iorque).

tradução carlos carvalheiro revisão de regina redinha e de cláudia Gomes tradução das personagens de expressão francesa de Jean pierre taillade revisão de Fernando rodrigues e de raquel Baião estreada em portugal pelo Fatias de cá no convento de cristo, em tomar, parceria com mc-ippar-convento de cristo, em 12 de setembro de 1998 (carreira 1998-1999) reposição no mosteiro de s. Jorge de milréus, em , parceria com universidade vasco da Gama (carreira 2000-2001) reposição no convento de cristo, em tomar, parceria com mc-igespar-convento de cristo (carreira 2003-2007) reposição no palácio sotto-mayor, Figueira da Foz, parceria com casino da Figueira (carreira a partir de 2009) 6 t de LempicKa (acto i) • Fdc

índice

9 prólogo aLBerto manGeL

17 introdução

19 Ficha dos espectáculos

23 acto i

secção a 24 arrivo • salão • dante, de spiGa, Finzi o público é introduzido no il vitorialle . 26 a 1 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, dante, de spiGa emiLia, Finzi, mario dante e Finzi apresentam as personagens e explicam as regras ao público.

secção B 33 B 2 • salão • de spiGa de spiga monologa ao piano sobre música. 34 B 3 • Quarto de Luisa • Luisa Luisa monologa sobre as amantes de d'annunzio. 35 B 4 • corredor • carLotta, Finzi Finzi encontra carlotta e conversam sobre a ligação deste com Luisa. 38 B 5 • corredor • Finzi Finzi monologa sobre Luisa. 39 B 6 • Quarto de d'annunzio • d’annunzio d'annunzio monologa sobre tamara e recebe um telefonema de mussolini. 41 B 7 • suite • emiLia emilia monologa sobre si. 43 B 8 • suite • carLotta, emiLia carlotta e emilia falam de vestidos, criados e histórias horríveis. 46 B 9 • sala de Jantar • aéLis aélis monologa sobre tamara e d'annunzio. 48 B 10 • salão • dante, de spiGa dante e de spiga conversam sobre ópera. 51 B 11 • Quarto de d'annunzio • d’annunzio, Luisa Luisa vai ao quarto de d'annunzio e conversam sobre a sua ligação.

secção c 53 c 12 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa t de LempicKa (acto i) • Fdc 7

todos esperam tamara. 61 c 13 • corredor • aéLis, carLotta, emiLia, Finzi, Luisa emilia, aélis, carlotta e Luisa transportam os presentes para tamara. 63 c 14 • suite • carLotta, dante, emiLia, Luisa carlotta, dante, Luisa e emilia preparam a suite para tamara. secção d 65 d 15 • átrio • d’annunzio, dante, emiLia, Finzi, mario, tamara d'annunzio recebe tamara. 69 d 16 • sala de Jantar • emiLia, Finzi Finzi solicita emilia. 70 d 17 • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, Luisa, tamara apresentações. 78 d 18 • cozinha • emiLia, Finzi emilia e Finzi falam sobre mario. 82 d 19 • suite • dante, mario mario e dante conversam sobre ser-se criado. secção e 85 e 20 • Quarto de carlotta • aéLis, carLotta aélis dá um vestido a carlotta. 92 e 21 • salão • de spiGa, Luisa Luisa e de spiga conversam sobre si, d'annunzio e Finzi. 97 e 22 • suite • d’annunzio, tamara d'annunzio assedia tamara. 101 e 23 • suite • tamara tamara monologa sobre o assédio de d'annunzio. 103 e 24 • Quarto de d’annunzio, escritório de Finzi e Quarto de mario • mario mario rouba a pistola de d'annunzio e revista o escritório de Finzi. 105 e 25 • cozinha • dante, emiLia, Finzi, mario Finzi e dante discutem. Finzi interroga mario. secção F 114 F 26 • sala de Jantar • dante, emiLia emilia e dante resmungam com a falta de criados. 116 F 27• sala de Jantar •aéLis, carLotta, dante, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, tamara sobremesa. 127 F 28 • Quarto de d'annunzio • aéLis, d’annunzio aélis escolhe um poema de d'annunzio para tamara. 131 F 29 • suite • mario, tamara tamara apanha mario a revistar-lhe a bagagem. 138 F 30 • corredor • emiLia, mario mario encontra emilia aflita. secção G 140 G 31 • cozinha • aéLis, d’annunzio, mario d'annunzio encontra mario na cozinha. e faz uma omelete para aélis. 148 G 32 • sala de Jantar • emiLia 8 t de LempicKa (acto i) • Fdc

emilia faz um pequeno monologo a lamentar-se. 149 G 33 • corredor • emiLia emilia continua a lamentar-se. 150 G 34 • salão • carLotta, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, tamara de spiga, tamara, carlotta, Finzi e Luisa dançam. 158 G 35 • átrio • Luisa, tamara Luisa e tamara retocam a maquilhagem.

secção h 160 h 36• salão •aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, emiLia, Finzi, Luisa, tamara d'annunzio tenta seduzir tamara. 162 h 36a • salão • de spiGa, Luisa conversa sobre tamara. 165 h 36B • salão • aéLis, carLotta, emiLia conversa sobre as pessoas da casa. 168 h 36c • salão • d’annunzio, tamara conversa sobre Luisa. 170 h 36d • salão • aéLis, carLotta, d’annunzio, de spiGa, Luisa, tamara conversa sobre debussy. 173 h 37 • sala de Jantar • Finzi Finzi resmunga contra d'annunzio. 174 h 38 • sala de Jantar • emiLia, Finzi Finzi interroga emilia sobre mario.

secção i 176 i 39 • salão • d’annunzio, de spiGa Luisa d'annunzio quer falar sobre tamara com Luisa. 178 i 40 • corredor • aéLis, carLotta, de spiGa aélis beija carlotta. 183 i 41 • escritório de Finzi • Finzi Finzi telefona para mandar cercar il vittoriale e prender defelice. 184 i 42 • Quarto de emilia • emiLia, Finzi Finzi e emilia falam de ser-se pobre. 187 i 43 • Quarto de emilia • emiLia emilia reza. 188 i 44 • Quarto de mário e cozinha • dante, emiLia, Finzi, mario dante e mario embebedam-se e “passeiam” por venezia. 202 i 45 • corredor • emiLia, Finzi, mario emilia faz jogo duplo. 204 i 46 • cozinha e corredor • dante dante leva o público a jantar. 205 i 47 • salão • d’annunzio, de spiGa d'annunzzio discursa. 207 i 48 • salão • aéLis, d’annunzio aélis vai buscar d'annunzio.

208 intermezzo • refeitório • dante Jantar- Buffet t de LempicKa (acto i) • Fdc 9 próLoGo da edição inGLesa de “tamara” (títuLo oriGinaL de “t de LempicKa”)

o verão de 1980, dois estudantes com um vago inte - nresse teatral discutiam personagens de uma peça de tchekhov. John Krizanc, que pretendia ser autor dramá - tico, argumentava que o que mais lhe interessava eram os criados, as ressentidas criadas russas e os mordomos que diziam uma frase aqui e outra ali e depois desapare - ciam para a cozinha. eles, sentia Krizanc, eram os únicos a conhecer o reverso do tecido social; eles eram os úni - cos que Krizanc queria seguir. richard rose sugeriu então que talvez pudesse ser escrita uma peça que fosse posta em cena de uma tal forma que ao público era per - mitido , de facto, seguir os criados. Krizanc disse que iria tentar.

Krizanc estava menos interessado em seguir um esquema dramático engenhoso do que em explorar um tema que sempre o tinha intrigado. durante a sua vida, o assunto aparecera de diversas maneiras: ou como um conflito entre cidadãos e a coisa pública (a política era um assun - to habitual à mesa de jantar dos Krizanc, sendo o pai um ardente nacionalista jugoslavo), ou como uma luta entre o artista e a sociedade (a qual Krizanc via ilustrada na sua tentativa diária de sobreviver, vendendo livros na baixa de toronto), ou como o choque de responsabili - dades cívicas e oficiais (sempre presente em temas que apareciam diariamente pedindo a adesão a todo o tipo 10 t de LempicKa (acto i) • Fdc

de causas, canadianas e internacionais). em resumo, o assunto de Krizanc tinha sido sempre o do indivíduo perante o estado.

a peça que resultou da conversa sobre tchekov foi mol - dada por várias circunstâncias. uma delas era uma histó - ria de família: o pai de Krizanc, um liberal convicto, quan - do era estudante em itália, andou a colar cartazes do partido fascista para ganhar algum dinheiro. pode a fome justificar o lapso moral do pai? outra foi um livro: o editor italiano Franco maria ricci deu à estampa a sua luxuosa série segni dell’uomo e num dos volumes era reproduzida a obra de tamara de Lempicka, uma pinto - ra retratista polaca que, nos anos 20 e 30 se tornou a menina bonita da aristocracia europeia. pode uma artis - ta valer pelos retratos que faz dos poderosos ou terá ela responsabilidades cívicas que deveria ter assumido? uma terceira foi um filme: o conformista de Bertolucci, com a sua implacável descrição da vida burguesa sob o fascis - mo. como conseguiam as pessoas normais viver debaixo de uma tão extrema falta de liberdade?

o livro de ricci sobre tamara de Lempicka incluia, para além das reproduções dos quadros de tamara, extrac - tos do diário de aélis mazoyer, uma mulher que foi aman - te e governanta do grande poeta italiano Gabriele d’annunzio. Krizanc leu o diário, em seguida leu a obra de d’annunzio e, depois, d’annunzio tornou-se, ele pró - prio, no cerne da peça de Krizanc. d’annunzio era a per - sonagem ideal para os objectivos de Krizanc. Foi consi - derado um herói de guerra pelo povo italiano depois da sua tentativa de preservar para o seu país o porto de t de LempicKa (acto i) • Fdc 11

Fiume em 1919 e foi o autor italiano mais vendido do seu tempo. a sua voz teria feito a diferença no establishment do estado fascista, mas talvez pela sua sede de confor - to e de cocaína que lhe era fornecida, permitiu que mussolini o encerrasse até ao fim da vida no il vittoriale, o palacete de d’annunzio no lago de Garda. d’annunzio, que tinha tanto a força de um grande poeta, como o registo de um grande guerreiro e que optou pelo silêncio perante a desgraça social, foi para Krizanc o exemplo extremo do artista que, primeiro cria uma compreensão do mundo e, depois, se submete às suas convenções. onde quer que estejamos, actor ou espectador, move - mo-nos para lá e para cá das convenções. primeiro cons - truímo-las, quais laboriosos Babéis, para chegar a uma forma superior de compreensão. depois, minamo-las, dividimos os trabalhadores por inúmeras linguagens dife - rentes, o que acaba por banir qualquer ilusão de conhe - cimento. mascaramos as nossas invenções dizendo “era uma vez, aconteceu realmente que” mas revolvemos tudo ao dizer “esta história que começa com ‘era uma vez’”. andamos de um lado para o outro, entre acreditar e não acreditar. o teatro, a representação de acontecimentos “como se eles acontecessem diante dos nossos olhos”, começa por uma convenção comum a todos os espectáculos: a divisão da realidade. há um espaço destinado ao públi - co, o passivo espectador, que observa sentado; e um outro onde decorre a peça e onde os actores represen - tam. algumas vezes na história do teatro o objectivo do dramaturgo é conseguir manter tanto quanto possível a 12 t de LempicKa (acto i) • Fdc

barreira entre estes dois espaços; noutros casos, o talento do dramaturgo é medido pela sua capacidade de derrubar esta barreira e quão completamente permite a mistura dos dois espaços. racine pertence aos primei - ros, Brecht aos segundos. d’annunzio (enquanto per - sonagem, não enquanto dramaturgo), começa com Brecht e acaba com racine.

desde sempre, o teatro proclama a tirania do dramatur - go. mesmo quando o texto sofre as adaptações do encenador ou do colectivo ou de uma prima donna , quem manda no palco manda nas regras do evento. seja o que for que tenha sido retirado ou incluído no texto original, o público tem de seguir o enredo que foi pré-determina - do pelo autor, aquilo que o autor determinou que deve - ria ser visto por todos.

o estado fascista funcionava com base no mesmo prin - cípio. o cognome de mussolini, il duce , significa “chefe” mas também “condutor”, “o que conduz”, “o que é res - ponsável”. como qualquer dramaturgo (no âmbito de um grande palco), il duce determinava o que se iria passar e o que seria visto, porque só aquilo que ele escolhesse é que podia ser visto pelo seu público. o popolo , o povo, não tinha possibilidade de escolher e deveria contentar- se em obedecer e desistir da auto-determinação. de eurípides a pinter, é esta a única exigência que um dra - maturgo faz,

a pergunta feita por Krizanc foi esta: pode o público, submetido ao capricho de um autoritário dramaturgo ser suficientemente livre para estabelecer contra a sua pró - t de LempicKa (acto i) • Fdc 13 pria liberdade uma estupidificação trazida pelo fascis - mo? pode o público, agarrado ao seu assento como d’annunzio no il vittoriale, começar a perceber que tem, de facto, a possibilidade de escolher? Krizanc encontrou a sua resposta no desafio sugerido por rose. ele tinha de “libertar o público”, permitir-lhe que acompanhasse a personagem ou a história que quisesse, a dos criados ou a dos patrões. o dramaturgo —o próprio Krizanc— limi - tar-se-ia a ser o fornecedor de material. o construtor das situações, aquele que escolhe o ponto de vista, seria o público. como acabou por acontecer, a cada especta - dor, seria permitido escolher a sua personagem e segui- la efectivamente através da casa onde se representa tamara . nunca antes um público de teatro tinha tido este tipo de liberdade. neste sentido, tamara tornou-se a primeira peça democrática.

Borges refere que cada escritor cria o seu próprio per - curso. com tamara , Krizanc constroi vários caminhos de liberdade. o romance infinito de Kafka, o castelo , per - mite ao leitor adicionar mais obstáculos para dificultar a busca sem fim do herói; na composição 1960 número 5 do compositor americano Lamonte Young, o bater das asas de uma borboleta libertada num auditório, determina o espaço de tempo de uma secção de silêncio; a sombria peça de ayn rand, a noite de 16 de Janeiro , onde o público decide se o acusado é culpado ou inocente; e o mais óbvio de todos, hopscotch de Julio cortazar, onde os capítulos são comutáveis, permite ao leitor construir a sua própria sequência de acontecimentos. À excepção do romance de Kafka, os outros apenas exemplificam o artifício —não a necessidade do artíficio— como uma 14 t de LempicKa (acto i) • Fdc

parte intrínseca do significado da própria obra. o castelo tem de ficar inacabado porque K. nunca poderá chegar ao seu destino; tamara tem de permitir ao públi - co a escolha da sua história porque o mundo retratado por Krizanc é um mundo onde a escolha é recusada.

infelizmente, porque o esquema é tão eficiente, ele é quase superior às nossas forças, e quem assistir a uma representação de tamara tende a tomar as árvores pela floresta. tamara não é uma peça engenhosa na qual deambulamos por onde queremos; é quase uma infinita série de peças —uma por cada possível sequência de cenas— nas quais observamos personagens cuidadosa - mente definidas quer pelas suas acções, quer pela sua linguagem. especialmente pela sua linguagem. porque em tamara a liberdade das personagens, coarctada pelo estado omnipresente, é expressa exclusivamente através das palavras.

Quem quer que sigamos, vimos a descobrir que todos são vítimas do mesmo conjunto de circunstâncias. patrões e criados, poderosos e fracos, a determinada governanta aélis ou o alcoólico de spiga, a louca Luisa Baccara ou o irritante aldo Finzi, cada um deles é o que as palavras lhes permitem ser. mesmo tamara, cuja expressão repousa em formas e cores e cujo francês (ou a convenção de “inglês como se fosse francês” quando fala com d’annunzio) é impessoal, a língua franca da europa, encontra nas palavras a resolução dos seus conflitos: “a paixão do artista tem de ser tão grande como a paixão do modelo” refere. e depois, divagando acerca da responsabilidade do artista, diz: “para um t de LempicKa (acto i) • Fdc 15 artista, o mundo inteiro é o seu país e o seu país é a sua arte. é um país chamado liberdade.” e a seguir, diz ainda: “monsieur d’annunzio julga que é livre. ele está encurra - lado, não pelos seus guardas, mas pelas suas próprias palavras”. as personagens de Krizanc tecem uma teia de palavras que, paradoxalmente, tanto os prendem às suas ideias como lhes oferecem uma liberdade de escolha. dificilmente algum deles aproveitará essa liberdade. d’annunzio, prisioneiro e guarda da sua cela, mantém-se no centro do labirinto; tamara, que quer pintá-lo e subir de estatuto social, fica à porta; e, pelo meio, aí está emilia, a criada, que joga com o maior número de escapa - delas ou de decisões possíveis. Krizanc retratou-a como uma terrivelmente real cinderela, condenada às cinzas do coração, não apenas pelo seu estatuto social como tam - bém pelo seu sexo, emergindo triunfalmente sobre a con - denação de ambos. ela é, de facto, a criada tchekoviana que Krizanc queria ter seguido; ela é uma melhor, uma mais sensata heroína, que todos aqueles que ela serve. devido à multiplicidade de peças, tamara precisa de ser vista várias vezes. nada substitui a experiência de ter estado em palco no meio de uma representação ou nos diversos palcos que a peça exige. certamente não lendo o livro. uma peça no papel é simplesmente um elemento da criatura complexa e polimórfica que é sempre outra em cada noite e para os olhos de cada espectador. mas ler tamara permite-nos um luxo que o palco nos nega: a concentração do leitor no texto e na escrita do texto. aqui, neste livro, o leitor pode fazer uma de duas esco - lhas: tanto pode ser omnipresente e ler um conjunto de 16 t de LempicKa (acto i) • Fdc

cenas simultâneas, podendo assim aperceber-se dos diversos enquadramentos, das várias perspectivas; como pode escolher uma personagem e segui-la do princípio ao fim, respeitando um desenrolar linear que imita a vida real. em qualquer dos casos, o leitor é responsabilizado pela realidade resultante. em último caso, tamara , quer no papel, quer no palco, assume-se como a exacta antí - tese do fascismo, uma vez que condena o público à insus - tentável liberdade de ser uma testemunha comprometida e activa.

aLBerto manGeL toronto março de 1988 t de LempicKa (acto i) • Fdc 17

introdução

de LempicKa passa-se em 10 e 11 de Janeiro de 1927, tno norte da itália, na cidade de Gardone, no il vittoriale degli italiani (o memorial das vitórias italianas), a casa de campo de Gabriele d’annunzio. as cenas são representadas pelas salas de uma casa grande. numa situação ideal haverá uma sala de música, uma sala de jantar e uma cozinha suficientemente gran - des para permitirem a acomodação dos espectadores. três personagens tem o seu quarto, para além do estú - dio de d’annunzio e de um escritório de Finzi. o público observa a acção da peça seguindo os actores que entram e saem das diversas salas. as cenas aconte - cem simultaneamente, com os diferentes actores nas diferentes salas, chegando a haver 8 cenas simultâneas. cada espectador acompanha a personagem ou a trama que quiser. as escolhas que cada um fizer determinam a peça que cada um verá. para facilitar a leitura da peça e a compreensão dos seus vários níveis de representação, a versão foi dividida em 20 secções diferentes —de a a u—, sendo cada secção aproximadamente uma unidade de tempo na qual um dado número de cenas ocorre simultaneamente. a peça é composta por dois actos e cada um deles passa-se em 18 t de LempicKa (acto i) • Fdc

cada um dos dias. as cenas são numeradas consecutiva - mente desde o início do acto i, mas a numeração das cenas não reflecte a ordem pela qual elas ocorrem. essas cenas com o seu número de ordem, a sua localização e as personagens intervenientes são listadas de forma a per - mitir que o leitor possa seguir a acção ou as personagens que escolheu.

a duração da peça, cerca de 2 horas, metade para cada acto, pode ser afectada pela quantidade de espectado - res que se movimentam pelo il vitoriale. por isso, o tempo de duração de cada representação também será variável. t de LempicKa (acto i) • Fdc 19

t de LempicKa John Krizanc

estreia em 12 de setemBro de 1998 no convento de cristo em tomar (carreira 1998-1999, epectácuLos #1 a #62)

produção: Fatias de cá — tomar

protocoLo: mc/ippar/convento de cristo

versão, direcção de produção e encenação: carlos carvalheiro

música: carlos dâmaso, chopin, debussy, strauss, verdi

coreoGraFia e FiGurinos: ana paula eusébio

personæ dante — José salvado Finzi — paulo moura de spiGa — marques arede, > Luis martins, > eusébio paulino, > carlos dâmaso emiLia — Gabriela de azevedo ou mané ribeiro d’annunzio — humberto machado aéLis — ana de carvalho ou isabel passarito carLota — Joana Jacob ou margarida moleiro mario — carlos carvalheiro Luisa — ana paula eusébio tamara — Filomena oliveira ou preciosa amaral

decoração do espaço cénico: margarida oliveira, costa e silva, Fátima mota, Galvão Lucas, José menezes, miguel pereira, paula almeida reprodução dos Quadros de tamara de LempicKa: paula almeida decoração do BuFFet: maria João Franco, maria Leonor Franco adereços: Joana Jacob, margarida moleiro montaGem: ana paula eusébio, isabel alarcão, Joana Jacob, paulo moura ana de carvalho, ana raquel eusébio, antónio calhau, catarina Borges, célia costa, Filipe Lopes, Filomena oliveira, Guadalupe Gomes, idália aparício, isabel passarito, João veríssimo, José nunes, Laura Lopes, Luis martins, maria antónia coelho, maria augusta Lopes, nely, nuno nazário, pedro soares, telmo vital, tiago costa pinto costureiros: abílio pereira, maria helena moleiro, maria Justino, silvina Luis Bastidores: ana casaca, antónio calhau, célia costa, Filipe lopes, inês oliveira, isabel alarcão, isabel castelão, João martins, João mendes, João paulo morais, Laura Lopes, Liliana Fontes, Luis martins, mafalda milhões, manuel João Laurentino, maria José Jacob, marta soares, nuno ribeiro, octávio Janeiro, pedro 20 t de LempicKa (acto i) • Fdc

soares, pedro Laurentino, pedro soares, ricardo santos, vera alberto ementa: augusto Gemelli (massima culpa) cozinha: José nunes, nely Garçons: ana catarina Borges ou maria João Franco amélia Laurentino, ana Lopes, ana marques, arlindo cardoso, armindo Bento, catarina Borges, claudia Lopes, emanuel silva, Filipe seixas, helena marques, Luis pereira, manuela vieira, marina Branco, sara cunha

apoios: aviários de santa cita, câmara municipal de tomar, cp-caminhos de Ferro portugueses, crisal Glass, cutipol, escola profissional de tomar, estalagem de santa iria, hotel dos templários, instituto politécnico de tomar, instituto português da Juventude de santarém, ippar-instituto português do património arquitectónico, massima culpa, mBv-design, ministério da cultura, spaL, teatro nacional de d. maria ii, teatro nacional de s. carlos, velpor apoio promocionaL: antena 1, rádio Lisboa, rtc aGradecimentos a pessoas coLectivas: câmara municipal de constância, câmara municipal de torres novas, encadernador Júlio Godinho (entroncamento), escola c+s manuel de Figueiredo (torres novas), escola secundária nun’alvares (tomar), Governo civil de santarém, Gráfica de tomar, Lopes estofador (tomar), plácido & patrício, Lda (tomar), poltrona usada (Barquinha), regimento de infantaria de tomar, vinhos diamantino (tomar), vinhos pateo das Freiras (tomar) aGradecimentos a pessoas individuais: amilcar Graça, antónio sérgio santos, antónio valente, carlos antunes, cristina martins, Francesco marconi, iria caetano, isabel silva dias, Luis mourão, manuel carvalheiro, maria do carmo arede, maria José Jacob, miguel arede, patrícia Borges, pedro arede, preciosa amaral, sebastião maurício, teresa Borges

reposição no mosteiro de s. JorGe de miLréus (universidade vasco da Gama), coimBra (carreira 2000-2001, espectácuLos #63 a #82)

co-produção: Fatias de cá • associação cognitária de s. Jorge de milréus

decoração do espaço cénico: ana paula eusébio adereços: Bruno Guerra, Filipe seixas

personæ dante — José salvado ou mouzinho Finzi — paulo moura de spiGa — carlos medeiros emiLia — alexandra santos ou Gabriela de azevedo ou mané ribeiro d’annunzio — humberto machado aéLis — ana de carvalho ou isabel passarito carLota — Joana Jacob ou maria João Bastos mario — carlos carvalheiro Luisa — ana paula eusébio ou preciosa amaral tamara — mané ribeiro ou patrícia almeida ou preciosa amaral t de LempicKa (acto i) • Fdc 21

Bastidores catarina Ferreira, Filipe seixas, José nunes alice Brandão, ana maria cortesão, Bruno Guerra, dora martinho, enrique martin, Fernanda seixas, inês cúrdia, isabel alarcão, Joaquim margarido, Kauita, Laura Lopes, manuela cabrita, maria remédio, nely, nuno seixas, ricardo zeferino, sabrina martinho, sónia homem, teresa Graça,

reposição no convento de cristo em tomar (carreira até 2003-2007, espectácuLos # 83 a # 187)

protocoLo: mc / ippar / convento de cristo

direcção de produção: ana paula eusébio, > Filipe seixas montaGem: ana de carvalho, Bruno Guerra, Filipe seixas, Gabriela de azevedo, inês cúrdia, João mourão rosa

personæ dante — José salvado ou menino Jesus Finzi — paulo moura de spiGa — carlos carvalheiro ou carlos medeiros ou Fernando rodrigues emiLia — alexandra santos ou Gabriela de azevedo d’annunzio — carlos medeiros ou humberto machado aéLis — ana de carvalho ou isabel passarito carLota — célia matias ou Joana Jacob ou sabrina martinho mario — Bruno Guerra ou carlos carvalheiro ou Fernando rodrigues Luisa — ana paula eusébio ou maria João rodrigues tamara — dora martinho ou manuela teixeira ou patrícia almeida

Bastidores: Filipe seixas alberto almeida, Bruno Guerra, catarina Graça, célia matias, cristina Lopes, dora martinho, Fernando rodrigues, inês cúrdia, manuel almeida, marta rodrigues, philipe dias, ricardo zeferino, tiago mendes acoLhimento: Gabriela de azevedo Ângelo pintado, cidalina carvalheiro, henrique calvet, isabel alarcão, José manuel martins, Laura Lopes, Ligia silva, Luis Lopes, Luisa margarido, manuel carvalheiro, margarida schiappa, maria José Jacob, mariana salvado, marta rodrigues, paula salvado, sebastião maurício acomodação: catarina Ferreira > manuela teixeira adriano milho cordeiro, alberto almeida, andreas mourão, ana cristina Bernardo, ana Fragoso, ana maria Lebre, carla cotrim, carlos Graça, catarina cogumelo, catarina Graça, catarina soares, cátia oliveira, cristophe Godinho, daniel mourão, dulce antónio, elsa rodrigues, enrique martin, Francisco Graça, Frederico martins, Fernanda seixas, Filipe santos, Filomena cúrdia, Francisco Graça, helena Garcia, helga oliveira, João mourão rosa, José nunes, Julieta Graça, Liliana silva, Luis Lopes, Luisa pereira, mafalda nascimento, manuel João 22 t de LempicKa (acto i) • Fdc

valério, margarida schiappa, maria João rodrigues, menino Jesus, nascimento costa, noémia Brinquete, nuno rodrigues, patrícia Borges, patrícia senra, paula Fonseca, ricardo Ferreira, sabrina martinho, sandro Gavazzi ementa: manuela teixeira • caterinG: assim se Fazem as coisas, catering & bastido - res • cozinheiros: carla cotrim, Filomena cúrdia

reposição no paLácio sotto-maYor, FiGueira da Foz (carreira a partir de 2009, espectácuLos #1 88 a # ?)

parceria de rodução Fatias de cá de tomar • casino da Figueira da Foz

personæ dante — João damasceno Finzi — paulo moura > João oliveira de spiGa — Fernando rodrigues emiLia — alexandra santos (ou Gabriela de azevedo) d’annunzio — carlos medeiros aéLis — manuela teixeira carLota — inês Fouto > Joana Jacob mario — carlos carvalheiro > ricardo zeferino Luisa — patrícia almeida tamara — alexandra carvalho ou paula pires

Bastidores: ana Bárbara Queirós, ana marta Graça, Bruno Queirós, marta rodrigues acoLhimento: adelaide precatado, diana Lucas, Fátima pessoa, Graça oliveira, Judite Lucas, maria João varela, paula Queirós acomodação: nascimento costa > Filomena cúrdia ana Lucas, augusto cúrdia, Beatriz silva, carolina Lucas, eduardo alves, Francisco Graça, Gabriela de azevedo, helena cláudio, inês cúrdia, inês damasceno, João santos oliveira, madalena damasceno, maria oliveira, marta varela rodrigues caterinG: Fatias de cá — mãe t de LempicKa (acto i) • Fdc 23 acto i 24 t de LempicKa (acto i) • Fdc

arrivo • salão dante • de spiGa • Finzi o público é introduzido no il vitorialle.

dante: [À porta de iL vittoriaLe , receBe o púBLico ] Buona sera, signore e signori! il comandante está à vossa espera, mas primeiro tenham a gentileza de ir falar com o capitano Finzi. ele porá o visto nos vossos passa - portes e explicar-vos-á a importância deles. capisce? [ o púBLico é encaminhado para Finzi ]

Finzi: [para cada espectador ] passaporte. [ oBserva o passaporte e devoLve -o ao espectador ] assine aqui. deverá guardar isto sempre consigo. se lhe for pedido o visto, deverá mostrá-lo e está intimado a saber o qie isto contém. Leia-o. Quem quer que seja encontrado sem passaporte, será preso e deportado. tome também atenção à data de hoje: 10 de Janeiro de 1927. [ carimBa o visto de entrada no passaporte e devoLve -o ao espec - tador ] este visto é válido por 48 horas. [ os espectado - res são encaminhados para o saLão onde de spiGa está

a tocar no piano uma misceLÂnea de chopin e deBussY e onde está a ser servido um aperitivo ] t de LempicKa (acto i) • Fdc 25

a 1 • salão aéLis, carLotta, d’annunzio, dante, de spiGa emiLia, Finzi, mario dante e Finzi apresentam as personagens e explicam as regras ao público.

dante: [Quando tudo está pronto para começar , emi - Lia entra para deitar pétaLas de rosa no chão e dante soBe para uma cadeira ] Bravo! Bravo! Grazie, signor de spiga. [ de spiGa pára de tocar ] Buona sera, signore e signori. [repete várias vezes o “Buona sera ” de Forma a encoraJar o púBLico a responder . Quando o conse - Gue , continua ] Bene. sois muito bem vindos a il vittoriale degli italiani, a casa de Gabriele d'annunzio. como podem ver é uma casa maravilhosa. Foi um presente de mussolini, il duce, a Gabriele d'annunzio, il comandante. d’annunzio: [entra vestindo um háBito de monGe ] dante, está tudo pronto para a chegada de madame de Lempicka? dante: si, comandante. d’annunzio: ah, a emilia está a pôr a passadeira de rosas. muito bem. emiLia: si, comandante. d’annunzio: nunca se deve subestimar uma mulher socialmente importante no momento de a receber; para elas, o supérfluo é tão necessário como… respirar. não a desapontemos. [sai para o seu Quarto , B 6 páG. 39. 26 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Quando emiLia acaBar de pôr as pétaLas de rosa sai e estará na suite no FinaL de a 1 páG. 32]

dante: il comandante, nestas últimas semanas, raramen - te tem descido cá abaixo. sabem, é que ele é um homem muito importante e anda sempre muito ocupado. é por isso que a tarefa de vos receber recai sobre mim, dante Fenzo, um vosso humilde criado. espero que tenham feito boa viagem. Bene. é bom ver tantas caras sorriden - tes. [ vendo Finzi ] mas não se esqueçam de que estamos sob um governo fascista. não é, capitano?

Finzi: si, dante. [ pausa ] se querem apreciar a vossa estadia aqui, têm de obedecer às nossas leis.

de spiGa: as leis foram feitas para serem quebradas.

Finzi: no, signore, os homens é que foram feitos para serem quebrados.

[aéLis entra no saLão carreGando várias caixas de pre - sentes por emBruLhar ]

de spiGa: aélis, como é que está a Luisa?

aéLis: dei-lhe mais medicação.

Finzi: era preciso?

aéLis: tem de estar boa quando tamara de Lempicka chegar. t de LempicKa (acto i) • Fdc 27 de spiGa: e se tamara nunca chegar? aéLis: dante, onde é que está a emilia? disse-lhe para me vir ajudar. dante: ainda agora estava aqui a pôr as pétalas de rosa. talvez tenha ido à cozinha tratar da sobremesa. de spiGa: Julgava que a emilia é que era a sobremesa. aéLis: tenho de ser eu a fazer tudo. carLotta: [entrando ] capitano Finzi, não me quer acompanhar num passeio? aéLis: estamos para ir comer a sobremesa, carlotta.

Finzi: Fica para a próxima, signorina Barra. aéLis: ainda há imensos presentes para embrulhar. carLotta: eu tenho de ir ensaiar a minha dança, aélis. [sai e espera até B 4 páG. 35. aéLis sai , reentrando com os presentes emBruLhados na saLa de Jantar , no FinaL de a 1 páG. 31] dante: era a signora aélis mazoyer, a governanta aqui do il vitoriale.

Finzi: uma estrangeira. dante: [para mario , Que entrou ] mario, já te disse para 28 t de LempicKa (acto i) • Fdc

saires pela porta de serviço. não tens nada de sair por aqui.

mario: [vai para sair ] mi scusi, dante.

Finzi: mario, pensei que ias à estação buscar a tal polaca.

mario: estou a ir, capitano, estou a ir. [sai e espera até d 15 páG. 65, Quando da entrada de tamara ]

dante: era o mario, o novo chofer. não tem muito de chofer… na verdade, não tem muito de nada.

Finzi: não, ele tem muito de alguma coisa… tenho a cer - teza.

dante: Bom, então para começar—

Finzi: espera! para vossa própria segurança, sugiro que oiçam cuidadosamente as normas respeitantes às movi - mentações dentro desta casa. primeira: há dez pessoas a viver aqui. devem seguir apenas uma delas.

dante: isso é uma ordem, capitano?

Finzi: não, é uma boa sugestão, se gostarem de ordem. se forem do tipo volúvel, podem andar a saltar de pessoa para pessoa.

dante: é muito amável, capitano.

Finzi: segunda: se deixarem de seguir alguém, infringem a t de LempicKa (acto i) • Fdc 29 lei. dante: por exemplo, se seguirem a emilia até à sala de jantar e, deus queira que não, o capitano Finzi entrar — zás!— foi feita uma ligação. e então, depois, tanto podem passar a seguir a emilia como podem passar a seguir o capitano.

Finzi: todos os que forem encontrados a deambular por conta própria, serão deportados. dante: pode acontecer que estejam na cozinha e que um barulho no corredor vos desperte o interesse. se sairem da cozinha, por vossa iniciativa, e forem para o corre - dor—

Finzi: infringem a lei! dante: e o que acontece é o seguinte: ficam sem saber como é que a conversa na cozinha acaba, e não vão per - ceber a conversa no corredor porque não sabem como começou. e ainda por cima vão incomodar os outros convidados que respeitaram a lei. capisce?

Finzi: terceira: se alguém vos fechar uma porta na cara, não o sigam. dante: podiam aleijar-se, não é, capitano?… mas na verdade, o capitano tem razão. para vossa própria segurança e para segurança das pessoas que aqui vivem, por favor, não abram nenhuma porta fechada. Bom, e mais uma coisa… nós movemo-nos rapidamente e em 30 t de LempicKa (acto i) • Fdc

silêncio através do il vittoriale, pelo que os senhores tam - bém se devem deslocar rapidamente e em silêncio.

Finzi: e só falam quando falarem convosco. capisce? [para o siLencioso púBLico ] capisce? [o púBLico dirá “sim ”]

dante: uma última recomendação: quando entrarem numa sala, os que vão à frente devem aproximar-se da parede do fundo. Fiquem junto das paredes, não se metam no caminho, e não fiquem à frente das portas. [sorrindo ] nunca se sabe se não vem alguém que a abre a pontapé.

Finzi: eu também tenho algumas recomendações, dante. como homem que já supervisionou um serviço de infor - mações, sugiro que, se estão aqui acompanhados por amigos, se separem, uma vez que duas informações são mais valiosas que uma.

dante: aqui não há informadores, capitano.

Finzi: [sorrindo ] claro, dante. eu disse amigos.

dante: [pausa ] Bom, vamos começar. vou dividir-vos em três grupos. a senhora com o vestido verde [ ou o Que eLa vestir ] não se importa de levantar uma mão, per favore? Grazie. toda a gente dali para trás levanta uma mão, per favore. ah, grazie. vocês são o Grupo número um. o senhor de casaco creme [ ou o Que eLe vestir ] não se importa de levantar as duas mãos, por favor? Grazie. todos os que estão até ali, levantam as duas t de LempicKa (acto i) • Fdc 31 mãos. está a ver, capitano, renderam-se a mim sem pre - cisar de lhes apontar uma arma. Grazie. vocês são o Grupo número dois. a senhora de… bom, o resto das pessoas são o Grupo número três. então, o Grupo número um vai com o capitano Finzi. ao Grupo número dois levo-o eu para o andar de cima. Quanto ao Grupo número três— o senhor, desculpe, não se importa de me fazer um favor, si? não deixe que nenhum dos convida - dos do Grupo número três saia daqui até eu voltar, sim? Grazie. Grupo número dois, andiamo. [ dante diriGe -se com o Grupo número dois para o Quarto de Luisa e continua em a 1 páG. 32. o Grupo número três permane - ce no átrio com de spiGa , para B 2 páG. 33]

Finzi: Grupo número um, andiamo. [ o Grupo número um sai com Finzi para o corredor . Finzi manda entrar um terço do Grupo para a saLa de Jantar ] esperem aqui pela signora mazoyer. [ apontando para os Quadros de tamara de LempicKa expostos ] podem ver as decaden - tes pinturas da polaca enquanto esperam. aéLis: [entra na saLa de Jantar vinda de a 1 páG. 27, car - reGada com diversos presentes emBruLhados ] Finzi, não devia ter dado aquela pistola à Baccara.

Finzi: Fomos às compras à cidade e ela pediu-me para lha comprar. Que mal é que tem? [ sai para o corredor Fechando a porta da saLa de Jantar . aéLis continua na saLa de Jantar em B 9 páG. 46. Finzi Leva o resto do Grupo número um para a suite . emiLia surGe À porta da suite ] ah, emilia. mostra a suite a estes convidados. 32 t de LempicKa (acto i) • Fdc

emiLia: [vinda de a 1 páG 26] si, capitano Finzi. [ Finzi entreGa a emiLia metade do Que resta do Grupo núme - ro um . emiLia Fecha a porta da suite e começa o seu monóLoGo , em B 7 páG. 41. Finzi Leva o Que resta do Grupo número um para a porta do saLão , onde encon - tra carLotta e começa a B 4 páG. 35. entretanto …]

dante: [Leva o Grupo número dois para o Quarto de Luisa . Bate .] signora Baccara? [ ninGuém responde . entra com metade do Grupo ] signora Baccara? [ conti - nua sem resposta ] muito bem, deixo-vos aqui. tenho a certeza que ela vai voltar já. [ Fecha a porta do Quarto de Luisa , deixando os espectadores sozinhos À espera do monóLoGo de Luisa , B 3 páG. 34. Leva o Que resta do Grupo número dois para o Quarto de d’annunzio ] vão ter o privilégio de virem comigo ao quarto do patrão. [pára À porta a escutar ] shh! il comandante está a rezar. têm de entrar no quarto do patrão em silêncio. [ o púBLico entra ed’annunzio começa o seu monóLoGo em B 6 páG. 39. dante Fecha a porta do Quarto de d’an - nunzio e reGressa sozinho ao saLão , onde encontra de spiGa em B 10 páG. 48] t de LempicKa (acto i) • Fdc 33

B 2 • salão de spiGa de spiga monologa ao piano sobre música.

de spiGa: [sentado ao piano , toca “canção para Luisa ” de carLos dÂmaso . continua de a 1 páG. 31] m elodias simples. acabo sempre por tocá-las. nos meus concer - tos de piano, nas minhas óperas, tanto faz que tente ser moderno, use acordes atonais, [ toca um acorde de piano ] ritmos excêntricos, politonalidade, a base é sem - pre a mesma: uma canção infantil ou uma popular, esque - cida no tempo. Foi a Luisa Baccara quem me deu cora - gem para fazer as coisas de uma forma simples. Levava- me a passear pela campo e onde quer que houvesse uma taberna, parávamos para falar com os aldeões. em pou - cos minutos punha os velhotes a cantar as antigas can - ções tradicionais. e enquanto eu as transcrevia rapida - mente, ela ficava sentada… a brincar com os miúdos. compus muito nessa altura. e foi bom. depois, tudo mudou. deixámos de ir passear ao campo. [ pausa ] a Luisa encontrou o Gabriele d'annunzio… em casa dos meus pais, o palazzo de spiga, no Grande canal em venezia… tornou-se sua amante… por um tempo… e eu… oh meu deus, em que é que eu me tornei? [ toca e escreve música até À entrada de dante , em B 10 páG. 48] 34 t de LempicKa (acto i) • Fdc

B 3 • Quarto de Luisa Luisa Luisa monologa sobre as amantes de d'annunzio.

Luisa: [aBre a porta do Quarto Lentamente , estica o Braço e deixa cair aLGumas pétaLas de rosa para o chão ] …malmequeres. o lugar das balas é dentro do coração. a Luisa está a tornar-se mórbida, a Luisa está a tornar-se em nada, em ninguém. a Luisa esteve a ves - tir-se para se encontrar com madame tamara de Lempicka. [ oLha para a pistoLa e para as seis BaLas ao Lado ] Balas. [ carreGa a pistoLa com BaLas , uma por cada um dos nomes seGuintes ] sarah Bernhardt, emma visconti, ida rubenstein, isadora duncan, eleanora duse. e Luisa. Luisa Baccara. todas se foram embora. só eu fiquei. porque quis o amor em vez da arte. [ vendo - se ao espeLho ] veste-te, bang. penteia-te, bang. tenho de me mostrar calma e agradável. direi: “muito prazer em conhecê-la, madame de Lempicka”. Balas. uma bala pelos seus pensamentos. [ aponta a arma ] Bang. dentro de cada mulher [ põe a sexta BaLa no carreGador ] encontrarás o corpo do homem que a matou. [ tira uma rosa da Jarra e diriGe -se ao Quarto de d’annunzio . pára À entrada ] shh! ele ainda está a dormir. shh! Basta de choradeira. shh! não bater à porta. shh! pára de falar. [ entra no Quarto de d’annunzio para B 11 páG. 51] t de LempicKa (acto i) • Fdc 35

B 4 • corredor carLotta • Finzi Finzi encontra carlotta e conversam sobre a ligação deste com Luisa.

Finzi: [vindo da suite de a 1 páG. 32, para carLotta Que está a apanhar as contas do terço peLo chão , vinda de a 1 páG. 27] signorina Barra! carLotta: parti o meu terço. cuidado com os pés, capitano.

Finzi: deixe-me ajudá-la. [ aJuda a apanhar as contas ] carLotta: de repente, partiu-se.

Finzi: eu arranjo-o, não se preocupe. carLotta: Foi a nana que mo deu. não sei como é que se partiu.

Finzi: talvez reze demais, signorina Barra; nunca a vemos durante o dia. carLotta: sentiu a minha falta, capitano? mais ninguém sentiu, nem mesmo a aélis.

Finzi: il comandante tem mantido toda a gente muito ocu - pada a preparar a recepção à sua pintora. carLotta: a mim não me pediu nada. 36 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Finzi: pediu sim, carlotta. posso tratá-la por carlotta?

carLotta: [acenando com a caBeça ] até prefiro.

Finzi: em geral, as convidadas ficam instaladas no Grande hotel.

carLotta: a não ser que ele planeie seduzi-las. [ Leva o poLeGar À Boca e Faz o sinaL da cruz ] perdoe… Fizeram-me a reserva para o hotel, mas aélis insistiu que eu ficasse aqui. não me sinto bem por ter cá ficado. desde que cheguei que tenho pensamentos estranhos.

Finzi: é porque aqui não há disciplina; ninguém tem horá - rio, os criados não cumprem ordens… por isso a mente vagueia… Bem, tenho de ir às minhas obrigações. tenho de enviar uns relatórios. [ descoBre a cruz do terço , apanha -aedá -aacarLotta ] aqui tem a sua cruz. Logo à noite arranjo-lhe isto.

carLotta: Grazie. [ Finzi aJuda -aaLevantar -se ] ainda bem que está cá, capitano. tirando-o a si e à aélis, não há mais ninguém com quem falar.

Finzi: e a Luisa?

carLotta: não tenho a certeza se ela gosta de mim… e sei que gosta dela.

Finzi: como é que sabe? t de LempicKa (acto i) • Fdc 37 carLotta: porque me ignora quando ela entra na sala.

Finzi: eu amei Luisa Baccara durante muito tempo. Às vezes penso que ela me ama. ou ama aquilo que fui e ainda posso vir a ser. carLotta: eu continuo a achar que o capitano é um heroi.

Finzi: você o quê? porque é que está a dizer isso? carLotta: Li tudo sobre o seu envolvimento no caso matteotti… il duce não fez bem em o culpar… além do mais esse matteotti era um socialista, não era?

Finzi: si. carLotta: e eles não são inimigos do fascismo?

Finzi: como eu gostava que fosse assim tão simples. carLotta: mas é, capitano. o papá diz que eles lhe deviam ter dado uma medalha por nos ter libertado daquela ameaça socialista.

Finzi: e o que é que ele diz mais? carLotta: Que um dia il duce vai voltar a precisar de si porque o país precisa de homens decididos. eu sei que o senhor vai voltar a ser o secretário de estado do ministério do interior. é só esperar. [ BeiJa -oecorre para a suite , B 8 páG. 43. Finzi continua em B 5 páG. 38] 38 t de LempicKa (acto i) • Fdc

B5 • corredor Finzi Finzi monologa sobre Luisa.

Finzi: [continua no corredor , de B 4 páG. 37] esperar. estou à espera há anos… à espera de voltar para roma, à espera da Luisa… Quando nos encontrámos pela pri - meira vez ela compreendeu-me. ela ainda estava com o d'annunzio e eu era sub-secretário de estado no ministério do interior… nunca tinha ido a nenhuma festa e ela pegou-me no braço e foi dar uma volta comigo no jardim. eu ouvia as pessoas a rirem-se de nós. Quando disse à Luisa que estavam todos a olhar para nós, ela respondeu, “sim, mas os olhos deles não vêem”. ela com - preendia-me. [ diriGe -se ao saLão para c 12 páG. 53] t de LempicKa (acto i) • Fdc 39

B 6 • Quarto de d’annunzio d’annunzio d'annunzio monologa sobre tamara e recebe um tele - fonema de mussolini.

d’annunzio: [está aJoeLhado no centro do Quarto , incLinado para a espada e seGurando numa mão uma carta de tamara . veio do átrio , a 1 páG. 25] onde está ela? onde está a mulher capaz de me salvar desta horrí - vel orgia nocturna de silêncio; aquela que me poderá mostrar ainda, talvez pela última vez, uma faceta desco - nhecida do amor? [ Lê a carta ] “vou no comboio de Firenze, que sai de verona às 12 e 45 e que chega a Gardone às 18 horas. peço-lhe, em nome do seu clarivi - dente amor que não destrua este maravilhoso estado de meio envenenamento, meio abandono em que estou sub - mergida”. meio isto, meio aquilo, vê o que fizeste ao meu fradezinho. está tudo menos a meio. [ voLta a Ler ] “espero, desejo, quero. tamara”. [ põe a carta de Lado ] uma mulher que escreve um final destes, com - preende a essência do desejo. [ o teLeFone toca ] tamara! [ Levanta -se , arruma a espada , diriGe -se ao teLeFone e deita -se na cama ] tamara… [ …] se eu qui - sesse falar com uma autoridade, limitava-me a olhar para o espelho. [rindo ] sim, sim, é um bocadinho… é minha… Benito, não ma roubes. uma graça infeliz revela o carac - ter de um homem. [ …] eu não diria “dirigir” um país e sim arrastá-lo. […] o meu assunto signor “conductore” diz respeito a uma pessoa minha amiga. […] naturalmente que me refiro a uma mulher. […] vem no comboio que saiu de verona às 12h45 e que chega a Gardone às 40 t de LempicKa (acto i) • Fdc

18h00. sabes que horas são? […] para mim é um assun - to de interesse nacional, se fazes favor… […] eu sei, eu sei… […] arranja alguém para tratar disso. […] sim. […] não… […] nada disso. […] eu não fiz… […] eu disse que queria outro editor. […] espera— […] espera— […] tu prometeste-me a edição da minha obra completa— […] esquece as minhas promessas— […] espera, a obra completa— […] trinta e seis volu - mes. […] sim, mas… […] eu quero que os artigos de foro político sejam publicados já. […] eu sei que eles adoram a minha poesia… […] venderam-se sete milhões de exemplares e não seis. mas… […] claro que te estou a ouvir. e depois de morrer, mando cortar as orelhas e bronzeá-las para ti. eu não sou— […] mas o povo quer ouvir a minha voz. eu quero falar para o povo… […] o quê? […] está bem, para a próxima… […] arranja-me é outro editor… […] alguém que ao menos saiba soletrar. […] sim… […] sim… […] olha, a aélis diz para manda - res mais dinheiro… […] ciao. [ pousa o teLeFone , Levanta -se e arranJa -se ao espeLho até Luisa entrar em B 11 páG. 51] t de LempicKa (acto i) • Fdc 41

B 7 • suite emiLia emilia monologa sobre si.

emiLia: [À entrada da suite , vinda de a 1 páG. 32. Fecha a porta ] eu, como e calo. e il comandante ainda precisa de mandar vir a polaca. Às vezes serve-se de mim; mas nunca aqui, na suite. não. este luxo é só para elas. para as senhoras de brincos e de colares de diamantes. esta que está para vir parece que é pintora. da última vez foi uma escultora. il comandante diz que eu sou a melhor. então porquê? porque é que ele precisa de mandar vir outras? [ mete o vestido de tamara À sua Frente e rodopia peLa suite ] com um vestido destes, num quarto destes, eu saberia o que fazer… o mario, o novo chofer, sabe como se faz; a noite passada fui ao quarto dele… não. há coisas que não se devem contar. “emilia, o teu coração é tão grande como a tua boca”, como o dante costuma dizer. e é verdade. [ arruma o vestido ] Às vezes, bem, uma vez, fiz as malas. eu sou boa… merecia melhor. tudo o que tenho, foi à minha custa… não é como essa polaca. Quando ela chegar, o dante que se desenrasque a descarregar-lhe as malas… ele quer casar comigo, “poveri, siamo poveri”. o dante só pensa em venezia, nunca em dinheiro. não se podem comer os sonhos. o mundo precisa de muito mais. temos de rou - bar para recuperar o que é nosso. [ mete a caixa dos Brincos no BoLso ] sou demasiado pobre para casar por amor. não me importava de ir com um homem de carteira recheada e com um título… il comandante prometeu-me 42 t de LempicKa (acto i) • Fdc

que me arranjava um marido. mas nenhum homem aqui vem, tirando o Gian Francesco de spiga, e esse não conta. il comandante diz que todos os seus amigos estão mortos. eu acho que ele tem medo de os enfrentrar… não, não é bem isso que eu quero dizer… ainda tenho tanto que fazer. [ continua na suite em B 8 páG. 43] t de LempicKa (acto i) • Fdc 43

B 8 • suite carLotta • emiLia carlotta e emilia falam de vestidos, criados e histórias horríveis.

carLotta: [vem do corredor de B 4 páG. 37. entra na suite a correr e atira -se para cima da cama ] eu dei-lhe um beijo! eu dei-lhe um beijo! emiLia: [continua na suite de B 7 páG. 42. Fecha a porta ] a quem é que deu um beijo, signorina? carLotta: [aperceBendo -se Que não está sozinha ] o que é que estás aqui a fazer? emiLia: estou a arrumar o quarto, signorina. carLotta: [reparando no vestido de tamara ] é outro presente? emiLia: não é lindo? carLotta: [põe o vestido À sua Frente e oLha -se ao espeLho ] poderia o capitano Finzi sentir-se atraído por quem usasse um vestido como este? emiLia: esse vestido fá-la parecer uma mulher a sério, signorina. ele ia sentir-se muito atraído. carLotta: uma mulher a sério? 44 t de LempicKa (acto i) • Fdc

emiLia: si, signorina, uma mulher adulta.

carLotta: em casa só tenho três vestidos. a mamã diz que não é bom ter-se mais. Faz os criados invejosos. [deixa cair o vestido . emiLia apanha -o] e agora sou eu que estou invejosa. meu deus, perdoa-me pelos meus maus pensamentos. [ vai Junto da teLa em Branco do cavaLete e aGarra num Lápis ] este quarto precisa de um cruxifixo. [ desenha uma cruz e vai para sair ]

emiLia: [tentando Limpar os traços do carvão ] de cada vez que pedem perdão é a emilia que tem mais tra - balho.

carLotta: [voLta -se , Junto da porta ] eu ouvi. não ficavas nem um dia em minha casa, nem um dia, emilia.

emiLia: tenho a certeza que não, signorina.

carLotta: em nossa casa os criados não falam, nem sequer fazem barulho.

emiLia: o velho conde Leoni tinha um criado que era tão calado que as pessoas diziam que ele era invisível. uma noite, o criado estrangulou o conde quando ele estava a dormir, com a condessa ao lado.

carLotta: não me contes essas histórias horríveis.

emiLia: il comandante diz que as histórias horríveis são as únicas que vale a pena contar. t de LempicKa (acto i) • Fdc 45 carLotta: ainda um dia hão-de ser ilegais. [ sai para o saLão para c 12 páG. 55. emiLia sai para a saLa de Jantar , até Que o som de um tiro a Faz correr para o átrio em c 12 páG. 56] 46 t de LempicKa (acto i) • Fdc

B 9 • sala de Jantar aéLis aélis monologa sobre tamara e d'annunzio.

aéLis: [vem de a 1 páG. 31] ahh! excusez moi. estou tão feliz que tenham podido estar connosco esta noite. [recupera o FôLeGo e Fecha a porta ] devo dizer-vos que houve alguns problemas com roma. eles não que - riam que il comandante recebesse convidados, mas feliz - mente reconsideraram. [ vê pratos suJos em cima da mesa ] emilia! estou tão embaraçada. [ Levanta os pra - tos e prepara a mesa ] tento governar esta casa o melhor que posso, mas como é que o Gabri quer que eu faça o meu trabalho se nunca repreende a emilia nem o dante por eles não fazerem o que lhes compete? enquanto ele fica para ali no quarto a olhar para o umbi - go, como um monge numa cela, a planear uma nova gran - de sedução, emilia não lava a loiça e o dante… bem, o dante nunca precisa de desculpas para não fazer nada. talvez a culpa seja minha. [ põe os pratos no aparador e prepara a mesa para a soBremesa ] devo confessar que a carlotta me tem mantido bastante distraída ultima - mente. Lembram-se da carlotta? a jovem bailarina? concerteza que sim. não acham que ela tem a frescura dos morangos? a Baccara diz que ela é ingénua, e talvez tenha razão, mas eu acho que, depois da Grande Guerra, isso é uma característica bastante rara e sedutora. de certa maneira é o que eu penso que o Gabri está à espe - ra de encontrar nessa pintora, madame tamara de Lempicka. mas a verdade é que eu não o via tão obceca - t de LempicKa (acto i) • Fdc 47 do por uma mulher desde que viu a eleonora duse pela primeira vez em palco, há muitos anos atrás. e ele ainda nem sequer conhece tamara. deixem-me explicar. há alguns meses, numa das raras viagens que fez a milão, o Gabri foi a uma exposição dela e viu o seu auto-retrato. e desde então não fazia outra coisa senão falar-me de tamara, da sua beleza, da sua sensualidade. e, uma vez que ele estava tão enamorado por ela e, cada vez mais deprimido com o seu trabalho, eu sugeri-lhe que a convi - dasse a vir aqui ao il vittoriale para que ela lhe pintasse o retrato. e assim começou uma troca de —mon dieu, como é que posso dizer isto sem ofender o pudor— cor - respondência altamente erótica. acreditem-me, quando ele finalmente a conseguir, todos nós teremos por fim motivo para rir. e agora terei muito gosto em que me acompanhem, embora ainda tenha de tratar duns últimos pormenores antes da chegada de tamara. [ sai para o saLão , c 12 páG. 53] 48 t de LempicKa (acto i) • Fdc

B 10 • salão dante • de spiGa dante e de spiga conversam sobre ópera.

dante: [entra no saLão vindo do Quarto de d’annunzio de a 1 páG. 32. de spiGa continua no saLão , de B 2 páG. 33] não conheço essa ópera. [ de spiGa pára de tocar ]

de spiGa: ainda não existe, dante. encomendaram-me uma ópera sobre venezia e quando penso que vivi lá metade da minha vida e não tenho nada para dizer… Já tenho algumas árias baseadas em canções tradicionais, mas quanto a libretto… nada.

dante: precisa de uma história. [ de spiGa acena aFirma - tivamente ] escrever sobre venezia é escrever sobre o amor.

de spiGa: Já foi feito: “othello”.

dante: não, eu tenho outra história, muito triste. posso?

de spiGa: estou a ouvir.

dante: é a história de um homem que espera pela mulher que ama. [ LonGa pausa ]

de spiGa: e?

dante: é tudo. t de LempicKa (acto i) • Fdc 49

de spiGa: para três actos? dante: para dois. no terceiro, ele mata o criado. de spiGa: porquê? dante: porque não há esperança. de spiGa: o patrão mata o criado porque perdeu a espe - rança? então porque é que ele não se suicida? dante: oh no, signore. ele tem-se em demasiado boa conta. de spiGa: então ele perdeu a esperança porque a mulher não o amava? dante: ela não o podia amar e ele não a podia amar, porque ambos tinham perdido a esperança. Já tinha dito que, no final do segundo acto, mesmo quando eles esta - vam quase a ficar juntos, chegaram os fascistas? de spiGa: não. mas as pessoas apaixonam-se sem se ralarem com quem está no poder. dante: no, signore. estes só pensavam era em sobrevi - ver… é por isso que o patrão mata o criado. entrega-o aos fascistas. de spiGa: o que é que o criado fez? era comunista? 50 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: no, signore, o criado era um pobre veneziano; só que ele punha o patrão nervoso porque andava sempre a sorrir.

de spiGa: essa história nunca daria uma ópera italiana. alemã, talvez. tu deprimes-me, dante. não fazia ideia que o teu mundo era tão desolado.

dante: não é. como pode ver, eu sorrio. mas o signore não sorri.

de spiGa: então eu sou o homem da tua história.

dante: para bem do criado, espero que não. permesso.

de spiGa: [rindo ] si, dante. [ dante vai espreitar À Jane - La a cheGada de tamara e de spiGa continua a tocar piano até À entrada de aéLis . continuam em c 12 páG. 53] t de LempicKa (acto i) • Fdc 51

B 11 • Quarto de d’annunzio d’annunzio • Luisa Luisa vai ao quarto de d'annunzio e conversam sobre a sua ligação.

[Luisa , vinda do seu Quarto de B 3 páG. 34, entra no Quarto de d’annunzio e aponta uma pistoLa ad’annun - zio , Que continua de B 6 páG. 40] d’annunzio: Luisa, tu aborreces-me. não tinhamos con - cordado que a nossa ligação—

Luisa: relação. d’annunzio: era para esquecer?

Luisa: não posso— d’annunzio: acabou-se. ponto final, parágrafo. nem agora, nem nunca, nunca mais, nunca. Quando madame de Lempicka chegar, tocas piano, e é tudo. Quero uma música suave aí pelas onze horas. pode ser “La cathédrale engloutie” do debussy.

Luisa: ela não vai ser como as outras. eu vi o trabalho dela: é inovador. d’annunzio: a juventude vem ter comigo! cada dia que passa fico mais velho, torno-me lenda. [ virando -se para Luisa ] mas tu, Luisa, tu ficaste esquecida. ninguém se lembra de ti, nem se rala contigo e eu depressa me esque - 52 t de LempicKa (acto i) • Fdc

cerei de ti se não esqueceres o passado. [ diriGe -se ao saLão para c 12 páG. 55]

Luisa: [Fica para trás , com a arma mão ] dentro do corpo do homem que me matou encontrarão um coração e dentro do coração encontrarão uma bala e a minha arte. [ diriGe -se ao corredor para c 12 páG. 55] t de LempicKa (acto i) • Fdc 53

c 12 • salão aéLis • carLotta • d’annunzio • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa todos esperam tamara.

[de spiGa toca piano e dante espreita peLa JaneLa , con - tinuando de B 10 páG. 50. entra aéLis trazendo aLGuns presentes , vinda da saLa de Jantar de B 9 páG. 47. Finzi entra vindo do corredor de B 5 páG. 38] aéLis: Quando é que teremos sossego? de spiGa: se houvesse sossego os fascistas não eram precisos.

Finzi: aélis, uma mulher precisa de uma arma. vivendo nesta casa, a Luisa corre perigo. pode ser raptada pelo comunistas, para pedirem um resgate. de spiGa: mas nós já somos reféns.

Finzi: signor de spiga, eu fui convidado para esta casa a pedido de il comandante o que exclui claramente as suas insinuações de que foi o oposto. [ encaminha -se para a JaneLa ] aéLis: Francesco, venha-me ajudar. e não quero ouvir falar mais de armas, já tenho trabalho que chegue. de spiGa: mas eu sou um convidado. 54 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: ao fim de dois meses, não é um convidado, é um parasita. e agora, ajude-me.

de spiGa: se tu o mantivesses afastado da Luisa, eu ia- me embora em menos de uma semana. é difícil defender o nosso amor com aquele anjo da guarda negro sempre atrás dela .

Finzi: não acham que o mario já devia ter voltado?

aéLis: [para de spiGa ] sempre que o mario sai, lá per - gunta ele, “onde foi o mario? Quando é que ele volta?”… sempre a mesma coisa, sempre a mesma coisa.

dante: [da JaneLa ] não há sinal dele.

de spiGa: e há sinal de sobremesa?

aéLis: estamos à espera de “La polonaise”.

de spiGa: aélis, por favor, deixa-me comer bolo.

aéLis: pare com isso, Francesco.

de spiGa: privado de amor, privado de sobremesa. Queres que eu me torne num Finzi?

aéLis: [rindo ] ele não é privado, ele é depravado.

Finzi: você pode mandar nesta casa, aélis, e eu posso ser aqui um convidado, mas não se esqueça que é francesa, e por isso é uma hóspede do governo italiano, do meu t de LempicKa (acto i) • Fdc 55 governo. [ carLotta entra aos saLtos , vinda da suite de B 8 páG. 45] aéLis: carlotta, já lhe pedi para não andar a saltar por aí. ainda parte alguma coisa. carLotta: desculpe, aélis. estou tão excitada, sinto- me… sempre que estou feliz tenho de dançar.

Finzi: [rápido , para de spiGa ] Francesco, posso dar-lhe uma palavra? de spiGa: no. d’annunzio: [entra vindo do seu Quarto de B 11 páG. 52] aélis! aéLis: oui, comandante. d’annunzio: a suite está pronta? aéLis: oui, comandante. d’annunzio: dante, eu fico à espera; vai ajudar aélis. tu também Luisa. e a emilia. carLotta: também posso ajudar, comandante? d’annunzio: com certeza. carLotta: Grazie, comandante. [ som de disparo no corredor produzido peLa pistoLa de Luisa , Que veio 56 t de LempicKa (acto i) • Fdc

do Quarto de d’annunzio de B 11 páG. 52. Finzi corre de pistoLa em punho para o corredor .]

emiLia: [vem a correr da saLa de Jantar de B 8 páG. 45] o que é que aconteceu?

Luisa: [dispara outro tiro ] está vivo.

Finzi: [aGarra Luisa ] Luisa, eu tinha-lhe dito para nunca fazer isso… Quer matar-se?

carLotta: ela está… ela está doente, aélis?

de spiGa: estás a ver? há pessoas que são capazes de matar por uma sobremesa! aélis, não me tortures mais… eu sou guloso.

d’annunzio: Luisa, leva a tua arma e esse pistoleiro [aponta Finzi ] para longe da minha vista. [ aéLis , carLot - ta , emiLia , Finzi e Luisa continuam no corredor em c 13 páG. 61]

de spiGa: tanta coisa por causa de uma polaca.

d’annunzio: sabes como é que são as polacas? [ Faz sinaL a de spiGa Que Quer cocaína ]

de spiGa: no. [ puxa da caixa de cocaína e mete um pouco na mão esQuerda de d’annunzio ]

d’annunzio: nem eu, mas tenciono descobri-lo. uma mulher como tamara é rara. ela é uma senhora, e no t de LempicKa (acto i) • Fdc 57 entanto não fala com a boca, mas com o sexo. poderá desapontar… de spiGa: é o Gabriele d'annunzio que eu estou a ouvir? a falar de fracasso? d’annunzio: não, mas tenho imaginado tantas coisas acerca dela, que posso ficar decepcionado; os sonhos matam a realidade. [ inaLa a cocaína ] de spiGa: as senhoras de sociedade, são todas iguais: falinhas mansas e perfume caro. d’annunzio: aélis! emilia! aéLis: [entra vinda do corredor de c 13 páG. 62, entre - Ga um presente a dante ] Leva isto. dante: ainda há mais? não era melhor se voltássemos para venezia? d’annunzio: não nos vamos mexer daqui! esta é a minha casa, a minha criação, por isso pára de falar de venezia, nós não vamos voltar. e calça umas meias, já deixaste de ser gondoleiro. dante: si, comandante. [ sai para a suite para c 14 páG. 63] d’annunzio: [para aéLis ] arranjaste as flores?… o incenso? 58 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: oui, comandante.

d’annunzio: eu não devia dar-lhe um colar?

aéLis: vai dar-lhe um lindo; está junto dos brincos, na suite.

d’annunzio: então o quê? …uma coisa elegante— para quando ela entrar.

aéLis: talvez este anel… [ tira o aneL de marFim Que tem no dedo ]

d’annunzio: [oBserva o aneL ] aélis, tu és uma maravilha.

aéLis: está a ver, Gabri, arranja toda esta confusão por causa dessa senhora de sociedade, mas são mulheres como aélis e emilia que lhe facilitam a vida.

d’annunzio: emilia! não me fales nela. continua a fazer- me aquela cara de pau. sim senhor, sim senhor, mas não deixa que eu lhe toque.

aéLis: ela está ciumenta.

d’annunzio: eu não lhe pago para ela ser ciumenta.

de spiGa: tu não pagas a ninguém.

d’annunzio: de qualquer maneira, há uma diferença. a emilia é puta. t de LempicKa (acto i) • Fdc 59 aéLis: é uma criada, Gabri. de spiGa: é uma especialista. Faz a cama e deita-se nela. d’annunzio: tamara é uma artista. aéLis: puta, artista… que diferença faz? e eu, o que é que eu sou? d’annunzio: dá-me os teus lábios. não consigo resistir a uma boca como a tua. de spiGa: [oLhando peLa JaneLa ] acabou de chegar. está ali com o Finzi. d’annunzio: Filho da puta! a primeira pessoa que ela viu tinha de ser aquele fascista! Francesco, não fiques aí parado, leva as senhoras para o salão. [ despe o háBito de monGe e apresenta -se em uniForme miLitar Branco ]

Luisa: [entra vinda da suite de c 14 páG. 64] onde está a minha pistola? [ entram carLotta , emiLia e dante , vin - dos da suite de c 14 páG. 64] d’annunzio: [para Luisa ] pum. [ para emiLia ] emilia, se não tiras essa cara de pau, fecho-te no teu quarto. e fazes favor de ser simpática com madame de Lempicka. [atira -Lhe o háBito de monGe ]

Luisa: [para de spiGa , recusando -Lhe o Braço ] onde está a minha pistola? 60 t de LempicKa (acto i) • Fdc

de spiGa: [aGarra no Braço de carLotta ] vamos, aélis, vamos Luisa. vamos para o salão. a Luisa vai tocar piano para nós, não vais Luisa? [ diriGe -se para o saLão com carLotta , seGuido por aéLis e Luisa ]

d’annunzio: [estaLa os dedos para dante ] dante, abre a porta. [ dante aBre a porta da rua . d’annunzio , dante e emiLia continuam no átrio para d 15 páG. 65]

Luisa: [no corredor , para aéLis ] onde está a minha pis - tola?

aéLis: não consigo dirigir esta casa contigo a cirandar com uma pistola!

de spiGa: [À porta do saLão , para Luisa ] pensa só naquelas teclas como oitenta e oito gatilhozinhos à espe - ra de serem premidos. [ aéLis , carLotta , de spiGa e Luisa entram no saLão para a d 17 páG. 70] t de LempicKa (acto i) • Fdc 61

c 13 • corredor aéLis • carLotta • emiLia • Finzi • Luisa emilia, aélis, carlotta e Luisa transportam os presentes para tamara.

[aéLis , carLotta , emiLia , Finzi e Luisa estão no corre - dor , vindos de c 12 páG. 56]

Finzi: Luisa, dê-me a pistola. pode aleijar-se. [ tira -Lhe a pistoLa e esconde -a na sua secretária . sai para a rua , Fechando a porta atrás de si , À espera da cheGada de tamara em d 15 páG. 65] aéLis: [dando uma caixinha com uma puLseira a carLot - ta ] La petite pour la petite! carLotta: Grazie… oh, nunca me deram coisas destas. emiLia: está a ganhar mais do que a última. aéLis: emilia, fecha essa boca! emiLia: a signorina Barra não tem de andar a carregar nada. porque é que não deixa isso para mim? carLotta: si, eu também sou uma convidada. [ põe a caixa da puLseira em cima da piLha de presentes Que emiLia Leva . emiLia vai para Guardar a caixa no BoLso ] não tenho de andar a carregar nada. aéLis: eu estou a ver, emilia. 62 t de LempicKa (acto i) • Fdc

emiLia: signora mazoyer, eu não roubo.

carLotta: tem razão, aélis, não devemos confiar nos criados. [ tira a emiLia a caixa da puLseira . carLotta , emiLia e Luisa vão para a suite para c 14 páG. 63. aéLis voLta ao saLão para c 12 páG 57] t de LempicKa (acto i) • Fdc 63

c 14 • suite carLotta • dante • emiLia • Luisa carlotta, dante, Luisa e emilia preparam a suite para tamara.

[carLotta , emiLia e Luisa entram na suite vindas do cor - redor de c 13 páG. 62 e dante do átrio de c 12 páG. 57] dante: sente-se bem, signora Baccara?

Luisa: [Baixo ] este era o meu quarto… ele ainda me vai mandar para o sotão. dante: não, signora, il comandante não faz isso.

Luisa: e vou acabar no telhado como os pombos. porque é que eu não sei voar…? [ para os presentes ] para cada uma a sua caixa… o papel de embrulho… o laço… a dedicatória… sempre a mesma coisa. [ empurra os pre - sentes . dante Levanta -os .] tudo o que era nosso… porque é que ele não me deixa ficar com as minhas recor - dações?… para poderem murchar… emiLia: [tomando conta dos presentes ] não mexas nisso, dante. estive toda a tarde a arranjar esses pre - sentes. carLotta: porque é que disparou aquela pistola, Luisa? dante: a signora Baccara não se está a sentir bem. 64 t de LempicKa (acto i) • Fdc

carLotta: eu falei contigo?

dante: no, signorina.

Luisa: eu estou bem. [ sai para o atrio para c 12 páG. 59]

carLotta: [seGue Luisa ] é deste quarto. está cheio de maus pensamentos. [ voLta a teLa no cavaLete de Forma a reveLar a cruz e sai para o atrio para c 12 páG. 59]

dante: [para emiLia , Que vai para rouBar uma puLseira ] eu estou a ver, emilia. [ emiLia deixa a puLseira , vai voL - tar de novo a teLa ao contrário e sai para o atrio para c 12 páG. 59] t de LempicKa (acto i) • Fdc 65

d 15 • átrio e entrada d’annunzio • dante • emiLia • Finzi • mario • tamara d'annunzio recebe tamara.

[d’annunzio , vindo de c 12 páG. 60 Fica visiveLmente irri - tado ao avistar Finzi Que veio de c 13 páG. 61. emiLia espera , vinda de c 12 páG. 60. dante espera À porta da rua , vindo de c 12 páG. 60. mario entra seGuindo Finzi , depois de ter saído em a 1 páG. 28, trazendo as maLas de tamara ]

Finzi: [para mario ] mario, porque é que se demoraram tanto? mario: as malas dela perderam-se na estação.

Finzi: [para tamara , BLoQueando -Lhe a entrada ] os seus documentos, por favor. tamara: Je ne comprends pas l'italien, monsieur. (eu não falo italiano, monsieur.) d’annunzio: ela não percebe uma palavra do que tu estás a dizer… não é necessário, Finzi.

Finzi: eu é que decido— d’annunzio: nada! percebes? nada. e agora vai-te embora. 66 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Finzi: [ao passar por d’annunzio , Faz -Lhe a saudação Fascista . Quando passa por emiLia , ordena ] vamos! [emiLia seGue À Frente de Finzi para a saLa de Jantar , d 16 páG. 69. dante Fecha a porta da rua ]

tamara: monsieur d'annunzio.

d’annunzio: tamara.

tamara: pardonnez-moi, mon frère, nous avons été rete - nus à la gare. (perdoe-me, meu irmão, ficamos retidos na estação.)

d’annunzio: Je ne suis pas votre frère. Les liens qui nous attachent sont plus forts que le sang. (eu não sou seu irmão. os laços que nos prendem são mais fortes que os do sangue.) dante, mario, levem as malas de madame. [dante e mario vão para a suite , d 19 páG. 82, carreGan - do as maLas ] vous êtes chez vous. (espero que se sinta em sua casa.) [ coLoca a tamara um aneL de marFim ]

tamara: superbe! (soberbo!)

d’annunzio: il y a si peu de couleurs dont la pureté n’ait pas encore été sali. (há tão poucas cores cuja pureza não tenha ainda sido conspurcada.) [ oLhando tamara de muito perto ] Le graveur est excellent. travailler l’ivoire doit être une art difficile. (o gravador é excelen - te. trabalhar em marfim deve ser uma arte difícil.)

tamara: porquoi cet homme est-il ici? (porque é que aquele homem está cá?) t de LempicKa (acto i) • Fdc 67

d’annunzio: Lequel? (Quem?) tamara: celui qui est en noir. (o de preto.) d’annunzio: ahhh! Finzi. c’est un cadeau de il duce. (ahhh! Finzi. Foi um presente de il duce.) [ ri ] il y a ceux qui offrent des livres, vous offrez peut-être des tableaux. signore mussolini offre des personnes. capitano Finzi est là pour nous protéger des invités indé - sirables. (algumas pessoas dão livros, talvez você dê quadros. o signore mussolini dá pessoas. o capitano Finzi está cá para nos proteger de convidados indesejá - veis.) tamara: Je pensai que la police surveillait les prisonniers. (pensava que os polícias guardavam presos.) d’annunzio: non. non. un écrivain a besoin de deux cho - ses: la solitude et la beauté. et avec vous c’est deux en une. et maintenant voici le moment désagréable: les pré - sentations. ensuite je vous montrerai votre suite. (não. não. um escritor precisa de duas coisas: solidão e bele - za. e elas, consigo, são uma só. vamos então à parte desagradável: as apresentações. depois vou mostrar- lhe a sua suite.) tamara: mais je ne peux pas me montrer dans cet état. il faut que je me change. (mas eu não posso aparecer a ninguém nesta figura. tenho de me ir mudar.) d’annunzio: [tira -Lhe o casaco e pendura -o num caBi - 68 t de LempicKa (acto i) • Fdc

de ] c’est déjà fait: vous m’avez rencontré. tout le reste n’a aucune importance. seront-ils jamais capables de vous voir? des yeux communs pourront-ils percevoir votre lumière angélique? [ tamara ri ] venez. [ tamara veriFica a sua aparência no espeLho ] venez. (mas já mudou: encontrou-me. o resto não é importante. conseguirão vê-la alguma vez? poderão olhos comuns perceber tanta incandescência angélica? [ tamara ri ] venha. [ tamara veriFica a sua aparência no espeLho ] venha.)

tamara: Quand on a perdu mes valises à la gare j’ai pensé un instant que c’était un signe et que je ne devais pas venir. (Quando as minhas malas se perderam na estação, por um momento pensei que era um sinal e que não deveria vir.)

d’annunzio: mais porquoi? (mas porquê?)

tamara: ce fut un moment d’hésitation, vous compre - nez? (Foi um momento de hesitação, percebe?)

d’annunzio: mais vous êtes venue quand même… c’est à cause de l’argent? (mas veio na mesma… foi por causa do dinheiro?)

tamara: pourquoi m’avez vous invité? pourquoi est-ce que quelque chose —bizarre— me dit que au delà de cette porte il n’y a plus de avenir? (porque é que me con - vidou? porque é que algo —curioso— nos diz que o futuro acaba para cá desta porta?) [ d’annunzio Leva tamara para o saLão para d 17 páG. 72] t de LempicKa (acto i) • Fdc 69

d 16 • sala de Jantar emiLia • Finzi Finzi solicita emilia.

[emiLia e Finzi vieram do átrio de d 15 páG. 66]

Finzi: anda… emiLia: agora? tem dinheiro?

Finzi: tenho. emiLia: no escritório?

Finzi: no teu quarto. emiLia: deixe-me ir servir a sobremesa. depois logo lha sirvo a si. [ retira a Louça suJa da saLa de Jantar e diri - Ge -se À cozinha , seGuida por Finzi , d 18 páG. 78] 70 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d 17 • salão aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • Luisa • tamara apresentações.

[aéLis , carLotta , de spiGa e Luisa entram no saLão vin - dos do átrio de c 12 páG. 60. Luisa senta -se ao piano e toca a “vaLsa op . 70 #2” de chopin .]

de spiGa: Já vos falei do piano-caixão do meu amigo agideo?

carLotta: oh, signor de spiga, está a querer arreliar- nos.

aéLis: [para Luisa ] estás bem? [ Luisa acena Que sim . aéLis massaJa -Lhe os omBros e concentra a atenção em carLotta ]

de spiGa: vivi numa cidade chamada asolo, que era mais um ajuntamento de doidos que uma cidade. nada de comentários, aélis. vivi lá porque as pessoas me diver - tiam. é verdade. por exemplo, o agideo. vivia num caixo - te de lixo. até os restos que deitavam fora no mercado ele aproveitava.

carLotta: mas, signor de spiga, agora as coisas estão a ficar muito melhores. monsignore disse-me a semana passada que a minha geração vai fazer em vinte anos o que demoraria cem. a vida é excitante. e deus abençoa a nova italia. t de LempicKa (acto i) • Fdc 71

Luisa: aparentemente em asolo, não. aéLis: sempre tão negativa, Luisa. de spiGa: Querem ouvir a minha história ou não? aéLis: temos escolha? de spiGa: não. agideo era um melómano. muitos italianos amam a ópera, mas o agideo tinha uma paixão secreta pelo piano. naturalmente que ele não podia aspirar a comprar um, e então decidiu construir um [ pausa ] a par - tir dum caixão. Juro que é verdade! eu tinha-lhe dito que um piano tem oitenta e oito teclas— carLotta: [rindo ] e ele pô-las dentro do caixão? de spiGa: sim! dizia que só tinha espaço para três oita - vas, mas que o pagnucco, o vendedor de spagetti, lhe ia vender o caixão da sogra, que tinha a largura de cinco oitavas. carLotta: e dava para tocar? de spiGa: tinha uma acústica surpreendente. havias de gostar, Baccara.

Luisa: vivo há três anos num caixão. aélis, não deixes que ele me enterre. Quero ser cremada. Fogo. de spiGa: oh, esta tão italiana obsessão pelo melodrama. 72 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: [para Luisa ] ela vai cá estar só alguns dias, não mais.

Luisa: e depois vem a próxima… e tudo recomeça.

carLotta: a igreja não aprova a cremação, Luisa, excepto no caso dos heréticos.

de spiGa: podes ir embora quando quiseres, Luisa. o automóvel está à porta. o mario leva-nos onde quiseres.

aéLis: estou a avisá-lo, Francesco. se aborrecer o Gabri, acabaram-se as suas vindas cá a casa. e agora vamos falar de outras coisas. [ pausa ] Já repararam como a carlotta tem uns olhos lindos?

de spiGa: Quanto a isso, minha cara aélis, estamos de acordo embora notando que há outros… aspectos dela que parecem exercer sobre ti um fascínio maior. [ Luisa toca a “vaLsa op . 70#2” de chopin . pára aBruptamente Quando entram d’annunzio e tamara , vindos do átrio de d 15 páG. 68]

d’annunzio: minhas senhoras e meus senhores, tenho a honra de vos apresentar madame tamara de Lempicka: artista e obra de arte.

de spiGa: magnífica!

d’annunzio: en français, Francesco. (em francês, Francesco.) t de LempicKa (acto i) • Fdc 73

de spiGa: a beleza é a sua própria linguagem. d’annunzio: puis-je vous présenter Gian Francesco de spiga, compositeur? (posso apresentar-lhe Gian Francesco de spiga, compositor?) de spiGa: enchanté. (encantado.) tamara: Bon soir. J'aimerais vous entendre jouer votre musique. (Boa noite. Gostava de o ouvir tocar a sua música.) de spiGa: Gabriele ne me permet pas de jouer ma musi - que; plutôt ce sont ces chiens qui ne le permettent pas, mais aprés le dessert, je vous jouerai du chopin. (Gabriele não me permite que eu toque a minha música; na verdade são os cães dele que não permitem, mas depois da sobremesa tocar-lhe-ei chopin.) tamara: Je préfère debussy. (prefiro debussy.) d’annunzio: non, tamara. cet honneur reviendra à notre chère Luisa Baccara. (não, tamara. essa honra caberá à nossa querida Luis Baccara.) tamara: Luisa Baccara— de spiGa: primeiro a sobremesa! [ ninGuém responde ]

Luisa: [para d’annunzio ] ela é mais bonita do que eu imaginava. [ d’annunzio acena a sua concordÂncia ] 74 t de LempicKa (acto i) • Fdc

tamara: J'ai tellement entendu parler de vous, madame Baccara. Je vous admire beaucoup. Je vous ai vue jouer une fois à zurich. (ouvi falar tanto de si, madame Baccara. admiro-a muito. vi-a tocar uma vez em zurique.)

Luisa: o que é que… ela disse?

aéLis: Que te viu tocar em zurique.

Luisa: diz-lhe que acabei com as digressões. Finito, fini - to.

aéLis: elle dit qu'elle ne fait plus de tournées, et cela la choque qu'il y ait quelqu'un qui s'en souvienne. (ela diz que já não faz tournées e não gosta que lhe recordem isso.) [ d’annunzio mostra -se aBorrecido com a tradu - ção ]

d’annunzio: et voici carlotta… (e eis carlotta…)

aéLis: Barra.

d’annunzio: elle espère aller à paris et danser pour diaghilev. (ela ambiciona ir para paris para dançar para o diaghilev.)

tamara: [Faz uma Festa a carLotta ] Bonsoir, ma petite. (Boa noite, minha menina.)

carLotta: Quando o diabo te faz festas, é porque quer t de LempicKa (acto i) • Fdc 75 a tua alma. tamara: êtes-vous une jeune pavlova? [ carLotta oLha para aéLis , À espera de tradução ] aéLis: é uma jovem pavlova? carLotta: [aBruptamente ] no, maria taglione. eu sou italiana. [ sai a chorar para o seu Quarto para e 20 páG. 85] aéLis: carlotta! tamara: ah! vous, les italiens, vous avez une telle pas - sion. (ah! vocês, os italianos, têm cá uma paixão.) d’annunzio: aélis, salva-me. há demasiados artistas nesta sala. aéLis: tous les artistes ont une telle passion! (todos os artistas têm cá uma paixão!) d’annunzio: Faz-me lembrar tu quando eras nova, Luisa. sempre a sair tempestuosamente das salas.

Luisa: Foste tu que me ensinaste que a má criação era um sinal de talento. d’annunzio: [para tamara ] Je vous présente aélis. c'est ma femme de charge. si vous avez besoin de quelque chose, vous pouvez le demander à elle. (deixe-me apre - sentar-lhe aélis. é a minha governanta. se tiver necessi - 76 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dade de alguma coisa, pode pedir-lha a ela.)

aéLis: a votre service, madame. (ao seu serviço, madame.)

tamara: Quel nom étrange, aélis. (Que nome estranho, aélis.)

aéLis: en vérité je m'apelle amélie, mais le comandant préfère aélis, alors, c'est aélis. (na realidade eu chamo- me amélie, mas o comandante prefere aélis, portanto, é aélis.)

tamara: Je l'aime bien. (eu gosto.)

aéLis: merci, madame. (obrigado, madame.) desculpe, comandante, gostava de ir ver o que é que se passa com a carlotta. [ antes de sair , para tamara ] nous prenons le dessert en quelques minutes. voulez-vous nous joindre? (tomamos a sobremesa daqui a uns minutos. Quer jun - tar-se a nós?)

tamara: avec plaisir. (com todo o prazer.) [ aéLis sai para o Quarto de carLotta para e 20 páG. 85]

de spiGa: outra gulosa.

d’annunzio: vou mostrar a madame de Lempicka o quar - to dela, e depois viremos ter convosco para a sobreme - sa. [ antes de sair ] talvez.

de spiGa: Luisa, vamos até ao piano para falarmos sobre t de LempicKa (acto i) • Fdc 77 as virtudes da sétima menor. d’annunzio: [saindo com tamara peLo Braço ] não devias falar do que não tens, meu amigo. de spiGa: a sétima menor? d’annunzio: virtude. [ sai a sorrir , com tamara , para a suite , e 22 páG. 97] de spiGa: [para si próprio ] as coisas que não temos são as únicas de que vale a pena falar.

Luisa: [senta -se ao piano ] pobre rapariga. [ toca “La pLus Que Lente ” de deBussY . continua com de spiGa no saLão em e 21 páG. 92] 78 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d 18 • cozinha emiLia • Finzi emilia e Finzi falam sobre mario.

Finzi: [seGue emiLia Que entra na cozinha de d 16 páG. 69] então… ela é bonita. [ emiLia não diz nada e Lava os pratos ] a pele dela é macia e branca como a farinha.

emiLia: Quero lá saber…

Finzi: é muito mais atraente que tu. cuida-se.

emiLia: se eu não tivesse mais que fazer, podia parecer muito melhor do que ela. só que eu trabalho.

Finzi: o mario também ficou apanhadinho por ela. parece que vieram a conversar, no carro.

emiLia: o mario gosta de mulheres a sério. ele não é—

Finzi: não é o quê? o que é que o mario não é?

emiLia: só as crianças brincam com bonecas. a carlotta disse-me que lhe deu um beijo.

Finzi: um beijo inocente, nada mais. eu não sou como o teu mario que se atira a tudo o que tenha saias.

emiLia: não atira nada. t de LempicKa (acto i) • Fdc 79

Finzi: é engraçado, emilia, que eu esteja nesta casa há quase dois anos e que nunca te tenha ouvido falar do teu primo mario —uma vez que o conheces tão bem que até sabes as suas preferências no que diz respeito a mulhe - res. emiLia: os homens da minha familia são todos iguais. o meu pai escolheu a minha mãe e a mulher do irmão dele é como a minha mãe. é fácil perceber que tipo de mulheres eles gostam.

Finzi: e tu? Gostas de homens como o mario? emiLia: eu não tenho tempo para homens.

Finzi: a não ser que paguem. emiLia: e a polaca, acha que ela é diferente? não viu os vestidos, as jóias —todas aquelas coisas que levámos para a suite? ela é paga. Bem demais…

Finzi: não levaste dinheiro ao dante. emiLia: há nove anos, o que se arranjava de graça, custa agora um dinheirão. [ Baixo ] e além disso, eu tenho des - pesas.

Finzi: ah, sim. a tua filha caterina. emiLia: o senhor faz perguntas, é o seu trabalho, eu res - pondo. o senhor dá-me dinheiro, eu meto-o na minha cama. não somos amigos, capisce? não fale da caterina. 80 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Finzi: Fui ao teu quarto na noite passada.

emiLia: ah sim? vi-o ir para o quarto da Baccara. precisava das duas?

Finzi: estiveste no quarto do mario.

emiLia: Às vezes conversamos. nunca mais o tinha visto desde a Guerra. temos muitas coisas para falar.

Finzi: ele fez perguntas acerca de il comandante?

emiLia: e quem não faz?

Finzi: perguntas políticas?… “o que é que il comandante pensa de il duce?”… coisas assim?

emiLia: ele é novo, ele pensa é em raparigas.

Finzi: sabes o que é que eu acho estranho, emilia? é que o Josko, o antigo motorista, foi de férias no natal e nunca mais disse nada.

emiLia: tinha saudades de Fiume.

Finzi: não, eu confirmei com a polícia de lá; nunca lá che - gou. na realidade mandei telegramas para toda a italia e ninguém sabe dele.

emiLia: a mãe dele vive em Fiume. t de LempicKa (acto i) • Fdc 81

Finzi: eu sei onde é que a mãe dele vive. o que me intriga é como é que o teu primo há tanto tempo desaparecido, aparece aqui à porta como um motorista qualificado, sem mais nem menos. emiLia: é a “zimbracca”.

Finzi: [aceitando a mentira ] ah… sim. aquilo a que il comandante chama a quem lê os pensamentos, a “zim - bracca”. emiLia: sim. o mario esteve no Grande hotel com a principessa d'avignon e quis vir ver-me. ela queria ir para capri e o mario detesta o calor; e então ficou com o emprego. e agora já chega. Basta.

Finzi: da próxima vez que voltarem a ter uma conversa nocturna, quero que lhe digas que eu ando a vigiá-lo. emiLia: diga-lhe o senhor.

Finzi: eu sei que não preciso de repetir as coisas, pois não? emiLia: no.

Finzi: Bene. [ continuam em e 25 páG. 105] 82 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d 19 • suite dante • mario mario e dante conversam sobre ser-se criado.

[mario e dante , vindos do átrio de d 15 páG. 66 Levam as duas maLas de tamara para a suite . mario aBre uma das maLas e espreita Lá para dentro ]

dante: não sei porque é que estas senhoras da alta tra - zem tanta roupa. tu vê, mario. il comandante vai trazê-la para aqui em cinco minutos, despe-a em dez, e é assim que ela vai ficar até tu a levares de volta à estação. il comandante costuma dizer, “uma mulher como aquela usa a sua nudez como um uniforme”. e é verdade. eu também uso um uniforme e ele assenta-me bem. Bom, tal - vez não tão bem como o meu fato de gondoliere, mas eu gosto dele. sinto-me bem com ele. mas mario, tu… não pareces bem.

mario: [apontando ] para onde é que dá esta porta?

dante: para os aposentos de il comandante. Josko, o antigo motorista, costumava usar o… [ aJeita o Boné de mario ] não. é melhor não. Ficavas bem demais.

mario: Grazie.

dante: os patrões não gostam de quem parece bem demais. [ Fecha a maLa Que mario aBriu ] mario! os cho - feres não desfazem as malas das senhoras. deixa isso t de LempicKa (acto i) • Fdc 83 para a emilia. mario: mi scusi. dante: hás-de aprender… com o tempo. mario: todas as mulheres de il comandante ficam aqui? dante: só as da alta. as putas ficam no Grande hotel e, evidentemente, ainda há a aélis e a emilia. é um homem ocupado. mario: a emilia? dante: não fiques chocado, mario. ela pode muito bem ser tua prima, mas antes de mais é a mulher que eu amo. habitua-te à dor. mario: mas como é que ela pode? dante: comida, um telhado, onde é que tens andado, mario? os criados não fazem só o serviço, os criados são o serviço. capisce? mario: mas se tu a amas porque é que não a levas daqui para fora? dante: e pensas que eu não quero? ouve, mario, vocês são primos, talvez pudesses dar-lhe uma palavrinha… mario: si, dante. 84 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: ela não me ouve. é como quando estamos num tunel, há luz lá ao fundo mas a emilia não segue para lá; está convencida que há aqui um tesouro, que se conti - nuar a procurar acaba por encontrá-lo. vestidos, péro - las; como nos contos de fadas. o que me entristece em vocês, católicos, é que são capazes de cometer não importa que pecado para encontrar a salvação.

mario: eu não sou praticante.

dante: [BeBe de uma GarraFa de vodKa escondida . mario não vê , está entretido a inspeccionar o Quarto ] não? Quando eu perguntei à emilia porque é que ias tanto a Gardone, ela disse-me que ias à missa.

mario: [rindo ] Às putas. dante, aquela puta… a que o d'annunzio usa, a defelice?… onde é que eu a posso encontrar?

dante: ouve, mario, três coisas: primeiro, tu não podes dar-te a esse luxo; segundo, ela não gosta de homens que fazem perguntas, e terceiro—

mario: dante, o que eu queria—

dante: e terceiro, ha molto lavoro a fare. Bene, depois de eu servir a sobremesa bebemos um copo?

mario: combinado. [ dante vai para a cozinha , e 25 páG. 105. mario vai para o Quarto de d’annunzio , e 24 páG. 103] t de LempicKa (acto i) • Fdc 85

e 20 • Quarto de carlotta aéLis • carLotta aélis dá um vestido a carlotta.

[carLotta está a chorar na cama vinda do saLão , d 17 páG. 75. aéLis entra . vinda do saLão , d 17 páG. 76] aéLis: carlotta, como é que me pôde envergonhar assim… [ vendo carLotta a chorar , vai Junto deLa ] oh… carlotta, eu não percebo o que é que lhe deu. carLotta: estou aqui há seis dias e ele ainda nem me viu dançar. aéLis: vai ver em breve. prometo. carLotta: toda a gente diz “em breve”. eu tenho pres - sa. estou a ficar velha, aélis. il duce diz que temos de construir as coisas, já. tenho de iniciar a minha carreira. aéLis: carlotta, tem dezassete anos! carLotta: a minha irmã é freira desde os dezasseis. aéLis: é tão querida. deixe-me fechar a porta. [ Fecha a porta ] tão querida. carLotta: porque é que ele lhe dá tanta atenção? aéLis: ela acabou de chegar. ele só está a ser bem edu - 86 t de LempicKa (acto i) • Fdc

cado.

carLotta: todos aqueles presentes. ele foi esperá-la à porta, aélis. a mim não me fez isso.

aéLis: viu o seu presente?

carLotta: onde?

aéLis: [mostra -Lhe um vestido ] comprei-o esta manhã em Gardone.

carLotta: é para mim? oh… aélis! obrigado. [ aBraça - a. aéLis proLonGa o aBraço ] é tão boa para mim, aélis. todos os outros…

aéLis: eles gostam de si.

carLotta: não como a aélis. posso vesti-lo? vou ficar melhor que aquela polaca! estou tão contente. [ começa a despir -se ]

aéLis: deixe-me ajudá-la. as suas pernas são tão boni - tas. [ toca nas coxas de carLotta ] como é que conse - gue ter umas coxas tão fortes?

carLotta: exercício.

aéLis: il comandante gosta de firmeza.

carLotta: acha que ele me vai passar a recomendação? t de LempicKa (acto i) • Fdc 87 aéLis: depende. [ senta -se ] mostre-me alguns exercí - cios, carlotta. eu fico aqui sentada. carLotta: [Fazendo pLiés em roupa interior ] Faço oitenta todas as manhãs. aéLis: oitenta? carLotta: Às vezes penso que quando parar de fazer exercícios e de dançar, deixo de ser bonita. se parar, sinto-me tão feia como uma vassoura. aéLis: tem namorado? carLotta: não. a minha mãe diz que eu ainda não tenho idade para ter pensamentos românticos. aéLis: e com que idade os poderá ter? carLotta: Quando casar. aéLis: pode ser demasiado tarde. carLotta: não são coisas que me preocupem. aéLis: mas se tivesse alguém que a amasse, que tomasse conta de si, [ vai Buscar -Lhe o vestido ] que lhe compras - se presentes, que a levasse a sítios bonitos, talvez não se sentisse… como é que disse?… “feia como uma vassou - ra” quando parar de dançar. carLotta: alguma vez o sentiu, aélis? sentiu o amor? 88 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: só uma vez…

carLotta: Às vezes penso que eu… bem, na verdade aqui no il vittoriale eu pensei que o sentia… quer dizer, senti da mesma maneira que aquela mulher que eu li num livro chamado “a madrugada do amor” quando ela o viu pela primeira vez. o papá disse que eu não devia ter lido o livro… sabe, deixaram-no no banco do comboio e eu não sabia de que era o livro… mas quando saí na estação em padua tinha uma data de perguntas e… [ pausa ] a vida tornou-se mais complicada depois de o ter lido. [veste -se ]

aéLis: eu tinha exactamente a sua idade quando me apaixonei pela primeira vez. pelo menos era o que eu pensava; até que um dia o comte de la Bretonne me per - guntou se eu queria ser dama de companhia da sobrinha, a isabelle.

carLotta: [voLta -se de costas para aéLis Lhe apertar o Fecho do vestido ] e abandonou o homem que amava?

aéLis: oui. mas desde que cheguei à Bretanha, nunca mais pensei nele.

carLotta: não lhe escrevia?

aéLis: a isabelle ocupava-me o tempo todo. dia e noite.

carLotta: era doente? t de LempicKa (acto i) • Fdc 89 aéLis: não. na verdade ela era tão nova e tão saudável como a carlotta… carLotta: dançava? aéLis: nem sequer a valsa. a vida dela eram os cavalos. as coxas dela eram tão firmes como as suas por causa das horas que passava a montar… a sua linda égua malhada. sabe o que é que ela queria ser, carlotta? um cowboy. Queria vender o castelo e ir para a américa. talvez se tem ido, ainda hoje fosse viva. carLotta: morreu? aéLis: Quando fez vinte anos, o tio deu-lhe um enorme garanhão. eu pedi-lhe para ela não o montar… ele dei - tou-a abaixo… e ela partiu o pescoço. carLotta: e a aélis? aéLis: Fui para inglaterra por uns tempos —fiquei des - troçada—, e depois voltei para França, onde conheci il comandante. carLotta: então deixou o homem que amava para se tornar uma criada, para servir outros. aéLis: o quê? carLotta: o padre Lotti diz que os que servem os outros servem primeiro deus. 90 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: não era exactamente isso o que eu queria dizer.

carLotta: então o que é que queria dizer?

aéLis: oh, carlotta. Já chega de lembranças. vamos comer a sobremesa.

carLotta: a polaca também lá vai estar?

aéLis: sim.

carLotta: então não quero ir.

aéLis: carlotta, por favor. Faça isso por mim.

carLotta: não disse se o vestido me fica bem.

aéLis: é… incrível.

carLotta: isso é bom?

aéLis: o melhor que há.

carLotta: estou bem?

aéLis: [arranJando o caBeLo de carLotta ] voilá. vous êtes parfaite. [ vão para sair do Quarto ] não consigo perceber porque é que não gostou, logo assim de repen - te, de madame de Lempicka.

carLotta: não gosto de estrangeiros. não percebo o que ela diz, e toda a gente anda à volta dela e eu fico t de LempicKa (acto i) • Fdc 91 esquecida. até o capitano Finzi foi lá fora recebê-la. aéLis: eu sou estrangeira, carlotta. carLotta: mas fala italiano e preocupa-se comigo. sabe ouvir. somos amigas. aéLis: sim… somos amigas. [ saem do Quarto ] tenho de ir dizer a il comandante que a sobremesa está a ser ser - vida. carLotta: aélis, não me deixe sozinha. aéLis: os anjos acompanham-na, carlotta. vá. eu volto já. [ carLotta vai para a saLa de Jantar , F 27 páG. 119 e aéLis vai para o Quarto de d’annunzio , F 28 páG. 127] 92 t de LempicKa (acto i) • Fdc

e 21 • salão de spiGa • Luisa Luisa e de spiga conversam sobre si, d'annunzio e Finzi.

Luisa: [toca “La pLus Que Lente ” de deBussY e spiGa começa a acariciá -La , de d 17 páG. 77] Francesco, nós estamos aqui para tocar piano.

de spiGa: se a música fosse o alimento do amor…

Luisa: Francesco!

de spiGa: …toca.

Luisa: Francesco, pára!

de spiGa: pensa só no que eles estão a fazer agora! [Luisa pára de tocar ] esqueceste-te do refrão.

Luisa: não há refrão.

de spiGa: porque é que não deixas o d'annunzio? a minha casa é grande. posso dar-te tudo o que tu quise - res. e asolo é um sítio tão bonito. como é que o podes amar? ele não te ama. pára de esperar, Luisa. aqueles dias já passaram. ele não quer uma relação de compro - misso.

Luisa: Quer.

de spiGa: sim, com a morte. porque é que não lhe dás a t de LempicKa (acto i) • Fdc 93 tua pistola? pelo menos dava-lhe uso.

Luisa: Que mórbido. de spiGa: esta casa tornou-se um mausoléu.

Luisa: il vittoriale é um museu para o povo italiano. de spiGa: [Faz saudação Fascista ] d'annunzio! d'annunzio!

Luisa: [aGarra num punhaL ] mas tu não és amigo dele? de spiGa: do homem, sim. do artista, sim. do coleciona - dor, não. Gabriele leva o seu papel de faraó egípcio um bocadinho longe demais para o meu gosto. e quando morrer vai querer levar-nos a todos com ele. nesse dia, tenciono estar longe, em asolo. Luisa, olha para mim. desde a altura em que ele foi governador de Fiume, há sete anos, envelheceu uns trinta. o que é que queres fazer? o que é que vais fazer quando ele morrer?

Luisa: o nome d'annunzio morrerá algum dia? de spiGa: e quem é que se vai lembrar de Luisa Baccara? começaste com toscanini, nem mais nem menos, e pres - tas-te a isto. com um velho!

Luisa: pensas que não sei o preço? Francesco, tu és muito meigo mas não percebes as mulheres. algumas de nós pensam. [ pausa ] algumas sonham. algumas têm esperança e esperam. mas todas nós queremos, e con - 94 t de LempicKa (acto i) • Fdc

seguiremos, vingarmo-nos. [ pousa o punhaL ]

de spiGa: são assim as venezianas. Quem podia imaginar que por debaixo desse peito de alabastro pode haver um tão negro coração? a vingança é tão burgeois, Luisa. agora, o assassínio —”le crime passionelle”— para esse, eu poderia escrever uma ópera.

Luisa: [no piano , carreGa uma tecLa ] está desafinada.

de spiGa: és tu que estás desafinada. distante, dispersa, sem visão, sem alma. Luisa, vem para asolo. há nove semanas que me rojo a teus pés; tenho de dar um concer - to no mês que vem e ainda nem sequer o compus. tu estás viva, Luisa. viva. podias ir embora!

Luisa: não posso… tenho medo.

de spiGa: porquê? concerteza que não é o Gabri. ele está demasiado velho para te assustar. de quem?

Luisa: de mim, só de mim.

de spiGa: não. do Finzi. na noite passada ele foi ao teu quarto. [ Luisa tapa os ouvidos ] eu vi-o. eu ouvi. [ aGar - ra -Lhe as mãos ] não tapes os ouvidos. eu não tapei os meus. é dessa maneira que tu gostas? À bruta? também queres que eu seja assim?

Luisa: [pausa ] esta casa tem qualquer coisa minha e eu quero… quero… reavê-la. t de LempicKa (acto i) • Fdc 95 de spiGa: não há nada aqui! tudo o que esta casa apa - nha, suga. eu compreendo-te.

Luisa: não, não compreendes. de spiGa: pelo menos tento. mas não consigo compreen - der como é que podes fornicar com o Finzi.

Luisa: não quero ser insultada. de spiGa: o viveres debaixo deste teto e respirares este ar putrefacto já é insulto que chegue, para ti e para mim. por favor, vem comigo, para longe do Gabri e desse filho da puta do camisa negra Finzi…

Luisa: não digas isso tão alto. de spiGa: Luisa, só há duas coisas na vida que me interes - sam: a música e tu.

Luisa: numa prisão não há música. de spiGa: prisão? por dizer que ele é—

Luisa: sim. todos os dias desaparecem pessoas por menos do que isso. não estiveste em veneza? ou em milão? eles estão por toda a parte. talvez ainda não nas lindas montanhas de asolo, mas lá chegarão. Brevemente Francesco. de spiGa: tu não levas o Finzi a sério, pois não? parolos de uniforme— 96 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Luisa: há cinco anos. mandam em italia há cinco anos.

de spiGa: é como se tivessem cinco anos de idade.

Luisa: não digas isso. algumas pessoas ainda podem dizer graças. o Gabriele d'annunzio—

de spiGa: amen. [ Benze -se ]

Luisa: sim, ele pode dizê-las. desde que o faça em priva - do. e ele sabe quando deve parar. mas tu, Francesco, tu nem devias começar.

de spiGa: um indício de preocupação. afinal ela preocu - pa-se comigo! porque é que dizes o nome dele sempre dessa maneira —”Gabriele d'annunzio”, “il comandante”— não percebo porque é que o veneras. isso é veneração. este sítio é como um santuário. [ pausa ] porque é que, se amas o Gabri, fornicas com o Finzi?

Luisa: [conFessando ] porque o Gabri quer! ele quer saber como é que ele é nisso.

de spiGa: a mim não me interessa o que é que o d'annunzio quer. o que me interessa é o que é que tu queres, Luisa. o que é que tu queres? o que é que eu te posso dar, o que é que eu te posso oferecer?

Luisa: vamos comer a sobremesa.

de spiGa: [pausa ] vamos. [ saem para a saLa de Jantar , F 27 páG. 116] t de LempicKa (acto i) • Fdc 97

e 22 • suite d’annunzio • tamara d'annunzio assedia tamara.

[tamara ed’annunzio vieram do saLão , de d 17 páG. 77 e diriGem -se para a suite ] d’annunzio: il faut que je vous dise qu’on a déjà essayé de faire mon portrait, mais il semble que c’est impossible de le réduire a deux dimensions. Je serai surpris de savoir ce qu’un artiste voit en moi. (tenho de a avisar que já muitos tentaram fazer o meu retrato; mas parece que ele não pode ser limitado a duas dimensões. intriga-me ten - tar perceber o que é que um artista vê em mim.) tamara: comment vais-je vous peindre, c’est ce que vous me demandez? (como é que eu o vou pintar? é isso que está a perguntar?) [ d’annunzio acena aFirmativamente ] est ce que je vais vous peindre en poète, en homme bril - lant qui a enflammé la conscience d’une nation, en guer - rier qui a permi la fin de la guerre, en créateur de la republique de Fiume, celui qui a gagné le territoire pro - mis à l’italie si elle declarait la guerre? non, ces aspects- là ne m’intéressent pas. (irei eu pintá-lo como o poeta, como o homem brilhante que inflamou a consciência de uma nação, ou o guerreiro cujas acções ajudaram a aca - bar a guerra, ou o criador do estado Livre de Fiume, o homem que ganhou para a italia o território que lhe tinha sido prometido se entrasse na guerra? não, esses aspec - tos não me interessam.) 98 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d’annunzio: alors qu’est-ce que— (então o que—)

tamara: Je veux le grand seducteur. oui, je sais tout sur vous. et je pense que tous les portraits que j’ai vu de vous n’arrivent pas à vous saisir. (eu quero o grande sedutor. sim, sei tudo acerca de si. e acho que todos os retratos seus que vi, não conseguem captar a sua essência.)

d’annunzio: et cela parce que… quelle est la phrase que vous avez l’habitude d’écrire dans vos lettres? (isso é porque… qual era a frase que costumava usar nas suas cartas?)

tamara: La passion de l’artiste doit être aussi grande que celle du modèle. Qu’est-ce que vous diriez si je vous peignais nu? Je veux vous peindre détendu— il vous arri - ve… d’être détendu? (a paixão do artista tem de ser tão grande como a paixão do modelo. como é que se sente a posar nú? Quero pintá-lo num momento descuidado— costuma ter… momentos descuidados?)

d’annunzio: Laissez-moi vous montrer votre suite. (deixe-me mostrar-lhe a suite.) [ BeiJa -a num movimento repentino . aBre a porta da suite e incLina -se para tamara passar ] s’il vous plait. Faites moi ce plaisir. (se faz favor. tenha a bondade.) [ aduLando -a] Je sais que vous avez eu une grande journée, mais pas aussi grande que mon désir. (eu sei que teve um dia comprido, mas não tão comprido como o meu desejo.) [ aBraça -aetenta BeiJá -La ] t de LempicKa (acto i) • Fdc 99 tamara: attendez, je… (espere, eu…) [ rindo ] monsieur d'annunzio, vous m’avez fait venir dans ce bordel mais je vous rapelle que je suis payée pour faire votre portrait. ce qui nous arrivera en plus, au cas où quelque chose arrive, ne se fera pas sans un certain rituel. Je suis une artiste, pas une prostituée. (monsieur d'annunzio, con - seguiu trazer-me a este bordel, mas devo lembrar-lhe que me está a pagar para pintar o seu retrato. o que acontecer para além disso, mesmo que nada, não é coisa a que eu dispense alguma cerimónia. sou uma artista, não uma prostituta.) d’annunzio: Je sais trés bien faire la différence entre une artiste et une prostituée. Les prostituées sont mieux éle - vées. (sei muito bem distinguir uma artista de uma pros - tituta. as prostitutas são mais bem educadas.) tamara: Je sais que je suis toujours trop sur la défensi - ve. mais ce n’est pas ce que j’avais imaginé… une femme souhaite un amant qui l’emmène en promenade, qui lui écrive des poèmes pour qu’elle soit heureuse… elle ne veux pas un autre mari. excusez-moi. (eu sei que me ponho demasiado à defesa. mas não é o que eu tinha imaginado… uma mulher quer um amante que a leve a passear, lhe escreva poemas para a fazer sentir-se espe - cial… não para ser como um marido. desculpe.) d’annunzio: Bien sûr. Je vous ai fait des presents. (claro. comprei-lhe presentes.) [ vai Junto dos presen - tes ] est-ce que vous pourriez me pardonner en portant ce collier pendant que nous prendrons le dessert? cela ira bien avec… où sont-ils? il y avait une boite avec des 100 t de LempicKa (acto i) • Fdc

boucles d’oreille. (será capaz de me perdoar usando este colar para a sobremesa? Ficava bem com… onde é que eles estão? havia uma caixa com uns brincos.) [pausa ] du parfum, un bracelet, il y a des chapeaux… vous aimez les chapeaux? (perfume, uma pulseira, há aí chapéus… gosta de chapéus?)

tamara: non, non. Je ne peux pas. c’est trés gentil, mais… (não. não. não posso. é muito simpático mas…)

d’annunzio: [Leva -Lhe o coLar ] Laisse-moi vous regar - der avec ceci— (deixe-me vê-la com isto—) [ começa a acariciar -Lhe o peito ]

tamara: monsieur d'annunzio, qu’est-ce que vous fai - tes? (monsieur d'annunzio, o que é que está a fazer?) [dá -Lhe uma BoFetada . o coLar cai . d’annunzio sai para o seu Quarto para F 28 páG. 127. tamara continua na suite em e 23 páG. 101] t de LempicKa (acto i) • Fdc 101

e 23 • suite tamara tamara monologa sobre o assédio de d'annunzio.

tamara: [continua de e 22 páG. 100] Je l’ai insulté… aprés toutes ces lettres… je ne suis pas lá depuis cinq minutes et je l’ai déjà insulté. mais aussi… “mon nom c’est Gabriele d'annunzio, allons faire l’amour?” a paris tout semblait diffêrent. Je lui écrivait en lui racontent mes pensées les plus intimes et c’était aussi naturel qu’écrire mon journal. ses lettres arrivaient par courrier-exprès, aux heures les plus incroyables, et c’était comme s’il savait exactement à quoi je pensais à ce moment là. pour la première fois depuis des années je n’etait pas seule avec mes pensées. Finalement quelqu’un m’aidait à lutter contre le vide de l’abstraction. et puis j’arrive et lui m’améne dans cette chambre, dans ce bordel. où est la sensibilité de Gabriele d’annunzio? m’aurait-il mal com - pris? peut être est-ce ma faute. il voulait que je vienne la semaine dernière et je lui ai écrit en disant “je ne peux pas venir à cause des lois de la nature”. ce que j’aurais voulu qu’il pense? parler de ces choses avec… oui, c’est un inconnu. Qu’est-ce qu’il pense de moi? La maison est pleine de véritables artistes. Luisa Baccara —probable - ment elle pense que je suis un passetemps. ah, ma tête! analyser, analyser, toujours en speculant… content-toi de peindre son portrait. tu ne reussiras pas a commen - cer si tu est toujours en train de revivre le passé et rêver l’avenir. tu est la et c’est ce que tu voulais, une opportu - nité de travail. peint cette connerie de tableau. va-t-il se 102 t de LempicKa (acto i) • Fdc

passer quelque chose entre nous? on vera bien. cette maison est remplie d’images e de possibilitées. (insultei- o… depois daquelas cartas… ainda não cheguei há cinco minutos e já o insultei. mas também— o meu nome é Gabriele d'annunzio, vamos para a cama? em paris tudo parecia diferente. escrevia-lhe a revelar-lhe os meus mais íntimos pensamentos e foi tão natural como escrever o meu diário. as cartas dele chegavam por cor - reio especial, às horas mais estranhas, e era como se ele soubesse exactamente qual era o meu estado de espíri - to. pela primeira vez desde há anos, não me sentia sózi - nha com os meus pensamentos; finalmente aparecia alguém para me ajudar a lutar contra o vazio da abstrac - ção. e depois eu chego e ele, abruptamente, traz-me para este quarto— para este prostíbulo. onde é que está a sensibilidade de Gabriele d’annunzio? será que ele me interpretou mal? talvez a culpa seja minha. ele queria que eu viesse a semana passada e eu escrevi-lhe a dizer: “estou impedida pelas leis da natureza”. o que é que eu queria que ele pensasse? Falar destas coisas com um… sim, ele é um estranho. o que é que ele pensará de mim? a casa está cheia de artistas a sério, Luisa Bacarra —ela provavelmente pensa que eu sou uma diversão nocturna. ah, este cérebro! analisar, analisar, sempre a especular… Limita-te a pintar-lhe o retrato. não vais conseguir começá-lo se estás sempre a reviver o passsa - do e a sonhar com o futuro. estás aqui e isso era o que tu querias; uma oportunidade para trabalhar. pinta o raio do quadro. se vai acontecer alguma coisa entre nós, logo se verá… esta casa está cheia de imagens e de possibili - dades. [ muda de vestido e continua em F 29 páG. 131] t de LempicKa (acto i) • Fdc 103

e 24 • Quarto de d’annunzio, escritório de Finzi e Quarto de mario mario mario rouba a pistola de d'annunzio e revista o escritó - rio de Finzi. mario: [vem da suite de d 19 páG. 84. Bate À porta do Quarto de d’annunzio ] il comandante? [ não há respos - ta . entra .] provavelmente está lá em baixo com tamara… [ encontra uma pistoLa na secretária de d’annunzio , esconde -a e sai para o seu Quarto . na pas - saGem peLa secretária de Finzi , vascuLha os papéis e descoBre o rascunho de um teLeGrama . Lê .] “Janeiro 9, 1927. General Foscarinni, ministro do interior: solicito informação paradeiro natural sérvio Josko petranelli, motorista serviço Gabriele d'annunzio. stop. desaparecido dezembro 30. stop. investigações locais feitas. stop. mãe vive supostamente Fiume. stop. também toda ou alguma informação sobre mario pagnutti, primo emilia pavese, criada aqui no il vittoriale, ver ficheiro po 07371. stop.” [ vai ao seu Quarto , escon - de a pistoLa deBaixo do coLchão , tira o Boné e as Luvas Que deixa em cima da cama ] se eles descobrem o corpo de Josko… se… se… é sempre se! recebes uma ordem, executa-la e esperas, e esperas. estou aqui há uma semana e ainda não aconteceu nada. eles disseram dois dias: fica, vai, sim ou não. estava tudo planeado. o Finzi ou sabe ou vai saber. e agora, tamara de Lempicka, a mulher que pintou o retrato da minha mãe chega de repente. porquê? será só uma coincidência? ou… e se ela encontra as instruções da defelice… se… se… [pausa ] Quartos velhos e corredores escuros. Quando 104 t de LempicKa (acto i) • Fdc

eu era miúdo, costumava explorar todos os velhos quar - tos. o meu pai não conseguia imaginar que se pudesse viver numa casa onde se conhecessem todos os quartos. estes eram deixados para as crianças e para os criados. por onde quer que fosse, todos os corredores davam para a cozinha. se tivesse fome —ou medo, havia sempre uma criada para me mimar. a noite passada a emilia veio ter comigo ao meu quarto. não houve palavras; o silêncio aproximou-nos. tentei resistir. mas rendi-me. por um momento não houve medos. nem mentiras. nem política. Foi como se tivesse sido libertado. [ vai para a cozinha para e 25 páG. 109] t de LempicKa (acto i) • Fdc 105

e 25 • cozinha dante • emiLia • Finzi • mario Finzi e dante discutem. Finzi interroga mario.

[Finzi e emiLia , Que Lava a Loiça , estão na cozinha de d 18 páG. 81. dante entra vindo da suite de d 19 páG. 84] dante: estou a tentar perceber que género de homem daria uma pistola a uma mulher.

Finzi: um homem sensato. dante: não, os homens sensatos dão ouro, incenso… e que mais, emilia? emiLia: dante, eu não— dante: mirra. é isso, mirra. emiLia: se os dois vão começar, vão lá para fora. eu tenho mais que fazer. dante: você dá armas a todas as mulheres da sua vida? À sua mãe, por exemplo? [ Finzi vai para aGarrar dante mas este escapa -se ] pé de gondolieri. rápido. ágil. temos de ter pé ligeiro no nevoeiro, um barco a motor pode abalroar-nos. também te deram uma arma, emilia? emiLia: estiveste a beber. é sempre assim. começas por falar de caim e de abel e— 106 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: não digas o que eu digo. eu vi-te… [ vai Junto de emiLia , aBraça -a e enFia -Lhe a mão no BoLso do aventaL enQuanto canta ] emilia, emilia, flor do meu coração, emilia, emilia, nunca nos separaremos.

emiLia: Larga-me.

dante: ahhh! o que é isto? [ tira a caixa dos Brincos do BoLso do aventaL ]

emiLia: dante, dá cá isso!

dante: estou rodeado de gangsters e de ladrões. emilia, prometeste-me que paravas com isto.

emiLia: dante, dá cá isso! ela não precisa deles. eu tra - balhei para eles. dá cá isso.

Finzi: dante, entrega-mos.

dante: pertencem a madame de Lempicka. il comandante tem bom gosto. nem sempre o teve, mas depois de viver cinco anos em venezia, teve o bom senso de dar diamantes a uma mulher em vez de armas.

Finzi: tens de perceber, emilia, que há dois tipos de judeus: os práticos e os românticos.

dante: e agora os fascistas! não, aldo, não diga que é judeu. eu sou judeu. sou pobre e estou a ficar velho. vi t de LempicKa (acto i) • Fdc 107 muitas mudanças e talvez tenha mudado mas ainda há algumas coisas a que eu continuo apegado. você não precisa de se preocupar porque, sim, eu tenho medo de si. tenho medo da maneira como se pavoneia na cozinha quando ninguém está por perto, porque eu sei que tam - bém está assustado. Juntou-se aos fortes. eu costuma - va deitar fora as lapas do meu barco. são pequenas mas podem atrasar-nos. como você atrasou il duce. aldo Finzi, secretário de estado do ministério do interior e judeu. e eles deitaram-no fora. nós nunca seremos como eles.

Finzi: a minha demissão foi uma medida temporária, bre - vemente me verás voltar a roma. Lapas. ainda um dia quererás estar agarrado a mim! dante: o preço é demasiado alto. emiLia: tanta conversa. dante, dá-me uma ajuda no bolo.

Finzi: porque é que o mario se demora tanto? dante: [para emiLia ] vais deixar de roubar? emiLia: tiro o que preciso. dante: se casasses comigo nunca mais precisavas de roubar. emiLia: casar contigo? tinha de roubar para três bocas. 108 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: podia tomar conta de ti e da caterina.

emiLia: não, não podias. tira isso da ideia. eu tomo conta dela. sózinha.

dante: há um emprego em venezia para uma criada e um mordomo, marido e mulher. a mamma recortou o anúncio do jornal. é uma oportunidade única. pagam bem e dão- nos um apartamento por cima da casa do barco.

emiLia: eu disse não.

Finzi: Já repararam como o mario fala? o sotaque dele é de milão e no entanto ele diz que é de roma.

dante: vou voltar a pôr isto no sítio. é a última vez que eu te encubro, emilia. se a aélis te apanha, estás feita.

Finzi: não se o teu comandante falhar com a polaca aquela. se falhar, vai querer aélis; aélis dirá que está com dor de cabeça e vai ser a tua querida emilia que será chamada ao serviço de il comandante.

dante: cabrão! [ tenta Bater -Lhe mas Finzi estava atento e dá -Lhe um murro . dante cai ]

emiLia: [correndo para dante ] é todos os dias a mesma coisa. [ para dante ] estás bem? [ dante acena Que sim ] deixa-me ver. não deitou sangue.

dante: eu nunca sangrarei. não como quando eles puseram o meu pai a sangrar. eu não vou sangrar. t de LempicKa (acto i) • Fdc 109

mario: [entra vindo do seu Quarto de e 24 páG. 104] dante?…

Finzi: ah, mario, ainda agora estava a perguntar por ti. mario: a correia da ventoinha estava solta. tive de a apertar. dante, o que é que aconteceu? emiLia: caiu. não te rales mario: não, levou um murro.

Finzi: os sinais da violência são-te familiares. dante: não é nada, mario. Já estou bom.

Finzi: Fui eu que o esmurrei. é importante que nos enten - damos, mario. não sou um homem mau, mas não recusa - rei a violência quando é a única solução. mario: eu estive na guerra. conheço os homens do seu género. [ aGarra numa Faca como se Fosse para atacar Finzi mas diz dispLicente ] dante, queres uma fatia de bolo? emiLia: mario, não é para nós.

Finzi: [virando -se para mario ] ainda bem que nos enten - demos. Quando duas pessoas sabem onde é o seu lugar, uma delas pode vencer mais facilmente. 110 t de LempicKa (acto i) • Fdc

mario: só um bocadinho.

emiLia: não lhe toques. é o preferido de il comandante.

Finzi: com a polaca lá em cima, ele não vai querer bolo.

emiLia: estou farta de ouvir falar dela.

dante: é muito bela. tem uma pele—

emiLia: acaba com isso. pele macia, mãos macias, se eu—

mario: [seGurando as mãos de emiLia ] emilia, mãos calosas vêm do trabalho honesto.

emiLia: as tuas mãos são macias.

mario: [emBaraçado ] Grazie.

emiLia: ela não faz nada. porque é que ele a quer?

mario: porque ela não o quer.

dante: sabes porque é que as senhoras de sociedade andam sempre de nariz empinado?

emiLia: não.

dante: para que os miolos não lhes caiam em cima das mamas. [ até Finzi ri ]

emiLia: Já chega de graças. ajudas-me a servir, dante? t de LempicKa (acto i) • Fdc 111 mario, trazes o vinho? [ Leva o BoLo , dante os pratos e mario a BandeJa do vinho ]

Finzi: [comentando sarcasticamente Quando emiLia e dante passam por eLe ] ele gosta de ti, emilia. emiLia: somos primos [ emiLia e dante saem para a saLa de Jantar para F 26 páG. 114]

Finzi: [Fazendo mario parar ] mario, um momento. mario: sim?

Finzi: estou com um problema. mario: il capitano fez alguma coisa errada?

Finzi: eu não. a Luisa está encarregue dos empregados. eu sou muito amigo da Luisa; não gostava de ver o lugar dela em risco. estás a ver, mario, a Luisa esqueceu-se de pedir o teu registo criminal antes de assinar o teu certifi - cado de emprego. mario: o que é que o capitano quer dizer com isso?

Finzi: Quero as tuas referências confirmadas e já. mario: como eu sou primo da emilia—

Finzi: católico? mario: sim. 112 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Finzi: Julgava que os católicos desaprovavam o incesto. vamos ser claros. esta noite estive à escuta à porta do teu quarto. vocês os dois não estiveram a rezar.

mario: capitano, nós somos amantes.

Finzi: tantas chatices só para “chiavare”.

mario: um homem precisa de uma mulher.

Finzi: parece que as tuas precisões são maiores que o normal.

mario: é que… eu estou apaixonado.

Finzi: como homem, posso perceber o teu pequeno tru - que. mas roma não vai perceber.

mario: roma?

Finzi: a coisa é séria, mario. eles podem pensar que tu tens outros motivos para estar aqui. não seria a primeira vez que um comunista se tenta infiltrar aqui para falar com il comandante.

mario: eu só quero saber do automóvel.

Finzi: o motorista que cá estava, o Josko, era um bom profissional. curioso ter desaparecido. tiveste muita sorte em teres estado no sítio certo à hora certa. t de LempicKa (acto i) • Fdc 113 mario: eu tenho sorte com as mulheres.

Finzi: também conseguiste o teu último emprego por dormir com uma criada? mario: não. o meu capitano na guerra era um visconti e era amigo da principessa de avignon.

Finzi: esse visconti era de… mario: milano. tenho de ir, capitano.

Finzi: espera. [ mario estaca ] eu levo isso. [ tira a Ban - deJa do vinho a mario ] il comandante não gosta de ver os criados novos na sala de jantar. sugiro que fiques por aqui… para continuarmos a nossa conversa depois. [ sai para a saLa de Jantar para F 27 páG. 119. mario espera um pouco e sai para a suite para F 29 páG. 131] 114 t de LempicKa (acto i) • Fdc

F 26 • sala de Jantar dante • emiLia emilia e dante resmungam com a falta de criados.

[emiLia e dante vieram da cozinha , e 25 páG. 111]

dante: porque é que o Finzi disse aquilo?

emiLia: o quê?

dante: Que o mario gosta de ti? vinha a propósito de quê?

emiLia: dante, ele é meu primo. o Finzi só quer chatear- te.

dante: porque é que ele faz tantas perguntas ao mario?

emiLia: [impaciente ] é o trabalho dele.

dante: emilia, se há alguma coisa que tu não me estejas a contar… ele mentiu nas referências que deu?

emiLia: não.

dante: eles confirmam os pormenores todos.

emiLia: ele é da família. é tudo o que sei e é tudo o que me interessa. t de LempicKa (acto i) • Fdc 115 dante: só estou a tentar proteger-te. emiLia: preocupas-te demais. [ dá -Lhe um BeiJo ] dante: eu vou manter o Finzi afastado do mario mas tu dizes ao teu primo que ele não tem nada de andar por aí, a não ser que o chamem. cá em casa só há um mordo - mo… ele é só o chofer… e se ele pensa que me tira o lugar… emiLia: dante, ele adora o automóvel, ele não quer tra - balhar dentro de casa. dante: o lugar dele é lá fora na garagem. emiLia: Fui eu que lhe pedi para ele me ajudar esta noite. desculpa. precisamos de outra criada. dante: era capaz de jurar que il comandante continua a construir mais quartos só para ver até quanto é que os fascistas pagam pelo seu silêncio. o terceiro andar está vazio e o quarto… quem irá para lá quando eles acaba - rem? não sou eu que vou subir aquelas escadas. nos últi - mos cinco anos il comandante duplicou o tamanho da casa mas continua a recusar-se a contratar mais empre - gados. [ a cena continua Quando de spiGa e Luisa entram na saLa de Jantar em F 27 páG. 116] 116 t de LempicKa (acto i) • Fdc

F 27 • sala de Jantar aéLis • carLotta • dante • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • tamara sobremesa.

[emiLia e dante estão na saLa de Jantar de F 26 páG. 115]

Luisa: [entra vinda do saLão com de spiGa de e 21 páG. 96] com o que é que estás a refilar, dante?

dante: signora Baccara, só estava a dizer que a casa está a ficar muito grande.

de spiGa: talvez sejamos nós que estamos a ficar mais pequenos.

emiLia: il comandante continua a acrescentar quartos…

de spiGa: é a forma de algumas pessoas ganharem importância, emilia.

emiLia: Quando para cá viemos havia só dez quartos. agora há trinta.

de spiGa: Luisa, lembras-te desse primeiro fim-de-sema - na?

Luisa: Foi… estavamos só nós os quatro.

de spiGa: pois foi. t de LempicKa (acto i) • Fdc 117 emiLia: il comandante ficou à espera em venezia e o sig - nore de spiga trouxe-nos para prepararmos a casa. dante: não houve patrão nesse fim-de-semana.

Luisa: Lembro-me que toquei piano e que dancei. de spiGa: dançámos pela primeira vez em muitos anos. e o dante embebedou-se tanto— emiLia: não embebedou nada, signore. de spiGa: Bem, eu embebedei-me. dante: uma viagem pelo campo e sem bombas! claro que me embebedei. emiLia: [para Luisa ] deixou-me vestir aquele vestido, com… todo ele luzia.

Luisa: o vermelho, com lantejoulas? emiLia: si, signora.

Luisa: e descemos à cidade e eles pensaram que eras a principessa de monte neveso. emiLia: si! de spiGa: Foi nesse fim-de-semna que viste o fantasma, Luisa? 118 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Luisa: eu disse-te que vi Frans Lizst e vi. o piano era o dele e ele apareceu naquele fim-de-semana.

de spiGa: Bem, seguramente que nunca ouvi uma “pelerinage” tão bem tocada.

dante: durante um ano, em 1921… fui feliz. a guerra tinha acabado, Fiume tinha ficado para trás, pensámos que íamos finalmente ter paz… e então em 1922, o meu papá foi morto. il comandante—

de spiGa: [notando uma mudança em Luisa ] Já chega, dante. ainda podíamos voltar a ser felizes…

Luisa: 1922. odiei esse ano.

de spiGa: podíamos escapar os quatro para minha casa. [ninGuém responde ]

emiLia: tudo mudou depois de il comandante ter caído da varanda.

dante: alguém o empurrou!

Luisa: eu estava a tocar piano!

de spiGa: nós sabemos. ninguém te está a acusar.

Luisa: o meu ano preferido foi o ano antes de eu ter nascido.

de spiGa: emilia, a tua sobremesa tem de ser particular - t de LempicKa (acto i) • Fdc 119 mente doce para arrancar a Luisa da sua depressão pré- natal. emiLia: da quê, signore? de spiGa: nada. dá-me vinho, dante. dante: está a chegar, signore. [ carLotta entra , vinda do seu Quarto de e 20 páG. 91]

Luisa: carlotta, foi falta de educação ter virado as cos - tas a madame de Lempicka. carLotta: o meu papá ensinou-me que se nós achamos que alguém ou alguma coisa está errada devemos fazê-lo saber. [ senta -se ]

Luisa: o meu pai dizia a mesma coisa. pensava que só ele é que tinha razão. morreu antes de eu lhe poder dizer que estava errado. de spiGa: muito bem, fico satisfeito por ver que alguém se preocupa com a formação moral das nossas ballerinas. [vê Finzi entrar vindo da cozinha de e 25 páG. 113] há uma nuvem negra no horizonte.

Luisa: aldo, não devia estar aqui.

Finzi: como o mario é novo cá, achei que era melhor ser eu a trazer o vinho. não a vi praticamente durante todo o dia, Luisa. [ dá a BandeJa a emiLia . dante serve de spiGa ] 120 t de LempicKa (acto i) • Fdc

de spiGa: Já se pode ir embora, Finzi.

carLotta: não vá, capitano, por favor.

de spiGa: tenho a certeza que o capitano tem coisas mais importantes para fazer do que comer bolo.

Finzi: melhor bolo que migalhas, não é Luisa? [ não há resposta ]

carLotta: aqui, capitano. sente-se ao pé de mim.

Finzi: com todo o gosto, signorina Barra. [senta -se ]

de spiGa: Luisa, perdi o apetite. [ não há resposta ]

Finzi: dante, dá-me vinho. [ dante enche -Lhe o copo depois de um sinaL de Luisa ]

dante: começo a servir, signora Baccara?

Luisa: espera. il comandante deve estar a chegar.

emiLia: [indo para sair ] vou chamá-lo?

Luisa: não.

de spiGa: o mais certo é o Gabri estar a comer a sobre - mesa na suite.

carLotta: a aélis foi falar com ele. t de LempicKa (acto i) • Fdc 121 de spiGa: então tem duas razões para não se juntar a nós. [ oLhando para Finzi ] e eu tenho uma para me juntar a ele.

Finzi: não quer um pouco de vinho, signorina Barra? carLotta: eu não costumo… porque não?

Finzi: dante. [ dante deita vinho no copo de carLotta ] de spiGa: ele vai corrompê-la, carlotta.

Luisa: Francesco. carLotta: se acha que ser amável para outra pessoa é corrupção, signore, então eu também o vou corromper. de spiGa: vai deixar uma data de mulheres sem trabalho se começar a confundir sexo com amabilidade, carlotta.

Finzi: [Levantando -se Bruscamente ] peça desculpa! carLotta: [aGarrando na mão de Finzi ] por favor, capitano. eu não fui ofendida pelo signor de spiga. Fico triste quando as pessoas não conseguem ver a virtude nos outros porque elas próprias não a têem; mas não fico ofendida. de spiGa: aceito a censura, carlotta: ela ajudar-me-á a ser uma pessoa mais humilde e melhor. sente-se, Finzi, ainda acaba a ser aplaudido. [ Finzi senta -se Lentamen - te ] 122 t de LempicKa (acto i) • Fdc

carLotta: o papá diz que as piadas são o último refúgio dos fracos.

de spiGa: é só porque somos os únicos que compreen - demos as piadas, carlotta.

carLotta: homens como aldo fazem-lhe ciúmes; por isso é que diz essas coisas.

de spiGa: o que é que achas, Luisa? tenho ciúmes do Finzi? devia ter?

Luisa: podes servir, dante. [ dante começa a servir a soBremesa , as senhoras primeiro .]

Finzi: está encantadora, carlotta.

carLotta: Grazie, aldo.

Finzi: é um vestido novo?

carLotta: Gosta?

Finzi: Fica-lhe muito bem.

carLotta: Foi a aélis que mo deu.

de spiGa: Foi muito corrupto da parte dela… desculpe, queria dizer amável.

tamara: [entra vinda da suite de F 29 páG. 137. emiLia sai t de LempicKa (acto i) • Fdc 123 para o corredor para encontrar mario em F 30 páG. 138] Bonsoir. (Boa noite) de spiGa: [Levanta -se Quando eLa entra ] Bonsoir, madame. voulez-vous… (Boa noite, madame. tenha a bondade…) [ indica -Lhe o LuGar para se sentar . dante apressa -se a aFastar -Lhe a cadeira ]

Luisa: ela é muito bonita. de spiGa: elle dit que vous êtes trés belle. (ela disse que é muito bonita.) tamara: [indicando o vestido ] un cadeau de monsieur d'annunzio. (um presente de monsieur d'annunzio.) de spiGa: ela disse—

Luisa: eu percebi. podes servi-la, dante. tamara: est-ce que monsieur d'annunzio est toujours si impacient de faire l'amour? (o monsieur d'annunzio está sempre impanciente para fazer amor?) de spiGa: oui. toujours. (sim. sempre.) tamara: une femme a besoin de connaître un homme avant de penser à ces choses-là. (uma mulher precisa de conhecer um homem antes de pensar nessas coisas.)

Luisa: o que é que ela disse? 124 t de LempicKa (acto i) • Fdc

tamara: [comendo o BoLo com as mãos ] même alors, je ne sais pas si je le ferais. il se peut. (por enquanto não sei se o farei. talvez sim, talvez não.)

carLotta: dante, ela precisa de um garfo. [ dante Leva , mas Já havia um GarFo na mesa ]

de spiGa: vous devez suivre votre coeur dans ces affai - res-là, madame. (deverá seguir o seu coração nesses assuntos, madame.)

carLotta: ela não sabe nada de italiano?

de spiGa: nada.

Luisa: o que é que ela esteve a dizer acerca do Gabri?

de spiGa: ela disse que não sabe se deve ou não… — como poderei dizê-lo duma forma delicada?— se deve ou não aceder às investidas do Gabri. [ Luisa chora em siLêncio .]

carLotta: as estrangeiras não têm moral. [ Benze -se ]

de spiGa: o tempo se encarregará de lhe ensinar, carlotta, que em assuntos amorosos nada é branco ou preto.

aéLis: [entra vinda do Quarto de d’annunzio de F 28 páG. 130] estão todos a gostar da sobremesa? [ entreGa a tamara um poema numa BandeJa ] c'est pour vous, madame de Lempicka. monsieur d'annunzio descendra t de LempicKa (acto i) • Fdc 125 dans un instant. (é para si, madame de Lempicka. monsieur d'annunzio descerá em breve.) volto já, carlotta. Finzi, saia desta sala. [ sai para a cozinha para G 31 páG. 141. tamara Lê o poema ]

Luisa: não tenho fome. [ empurra o prato ] de spiGa: alguém quer a segunda? não? Bem, é uma pena se isto se estraga. [ Fica com a soBremesa de Luisa ]

Finzi: Já reparou que o signor de spiga fica sempre com as segundas? Foi na segunda posição que ficou no Festival de música de Genova, no mês passado, não foi? de spiGa: é difícil ficar na primeira posição quando a orquestra só sabe tocar o hino nacional.

Luisa: eu vou para o salão. de spiGa: sentes-te bem, Luisa? [ Luisa não responde ]

Finzi: [para Luisa ] toca para mim? [ Luisa sai para o saLão para G 34 páG. 150. Finzi para de spiGa ] não preci - sava de traduzir aquilo… é mesmo filho da puta. [ sai para o saLão , seGuido por carLotta e tamara , G 34 páG. 150] dante: café, signore? de spiGa: não, cognac. no salão. [ sai para o saLão , G 34 páG. 150] 126 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: [para emiLia , Que entretanto tinha reGressado do corredor de F 30 páG. 139] onde está o cognac?

emiLia: o mario disse que o trazia. homens. tenho de ser eu a fazer tudo?

dante: eu vou buscar… aliás, esse é o meu trabalho, não é o dele. [ sai para a cozinha para i 44 páG. 188. emi - Lia continua em G 32 páG. 148] t de LempicKa (acto i) • Fdc 127

F 28 • Quarto de d’annunzio aéLis • d’annunzio aélis escolhe um poema de d'annunzio para tamara.

d’annunzio: [entra no seu Quarto vindo da suite de e 22 páG. 100 e senta -se À secretária a tentar escrever com uma pena ] …como é que ela quer que eu lhe escre - va um poema se ela me rejeita? Julgará que eu sou um ale - mão masoquista?… eu sou latino!… o sucesso é a minha inspiração. nunca falhei com nenhuma mulher. se é ver - dade que aprendemos com os nossos falhanços… então eu não sei nada de nada. [ pausa . Levanta -se e vai ver -se ao espeLho ] estes dentes apodreceram com o doce do sucesso. dentes que morderam e hipnotizaram e inspira - ram multidões nem sequer conseguem… nem sequer con - seguem… silêncio! Já não há nada que me inspire? nem mulher, nem olhos, nem lábios, nem seios? Já não há nenhuma causa que ainda queira palavras e não canhões para ser exaltada? ou já não haverá… simplesmente… palavras?… as minhas amantes, os meus companheiros, foram-se, todos. aéLis: [entra vinda da saLa de Jantar de e 20 páG. 91] a sobremesa está a ser servida, comandante. d’annunzio: odeio doces. aéLis: mas é a sua sobremesa favorita. [ pausa ] Bem, o que é que eu vou dizer a “La polonaise”? é uma situação embaraçante. 128 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d’annunzio: estás a pressionar-me, aélis. diz-lhe o que quiseres. não, não, espera. diz-lhe que il comandante não deseja vê-la. nada mais.

aéLis: eu podia talvez dizer que—

d’annunzio: não! diz apenas isto. ela só compreende grosserias.

aéLis: as coisas não correram bem?

d’annunzio: é como o vento frio que sopra do norte.

aéLis: então vai passar todo o serão a escrever? a carlotta queria dançar para si.

d’annunzio: todas querem dançar. a questão é quem é que guia. nos anos noventa, as mulheres usavam três corpetes. agora, usam uma combinação de renda. porque é que é mais difícil tirar a renda?

aéLis: ela é muito frágil.

d’annunzio: não deixes que aquela fragilidade te enga - ne; aquilo é folha de ouro a envolver uma pedra. ela é da nova raça. mulheres que parecem mulheres mas que têm uma alma de homem. não, já vêm de Gomorra, com a mulher do Lot. Foi transformada em pedra.

aéLis: pensava que tinha sido em sal. t de LempicKa (acto i) • Fdc 129 d’annunzio: Que seja sal. sim, sal, para esfregar nas costas de um homem. aéLis: comandante, faça o seu poema. entretanto, se precisar de alguém, eu mando chamar a sua preferida, a defelice. d’annunzio: tamara… este poema… nunca conseguirei acabar nada? aélis, não me ocorre uma simples estrofe… uma simples palavra. aéLis: naturalmente que não… não comeu nada durante todo o dia… Gabri, não se atormente dessa maneira. venha, vamos comer. d’annunzio: as mulheres esperam dos poetas que eles escrevam poemas. elas esperam… e eu não tenho nada para dar. aéLis: este quarto está cheio de poemas. [ procura nas pastas ] há poemas dedicados a heróis, a edifícios, não muitos, vejamos… água… ah, mulheres: actrizes, bailari - nas… hei-de mostrar estes à carlotta. d’annunzio: eu sei o que escrevi. aéLis: ah! este é bom. este é muito bom. Fê-lo para romaine Brooks, outra pintora. d’annunzio: [suBitamente interessado ] está datado? aéLis: não. e está em francês. 130 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d’annunzio: [hesitando ] eu não posso fazer isso.

aéLis: ela não saberá. não foi publicado. e quando tiver sucesso com tamara, poderá escrever sobre ela.

d’annunzio: [BeiJa aéLis ] Leva-lho… depois vai ter comi - go à cozinha.

aéLis: mas Gabri, e a sobremesa?

d’annunzio: aélis, não me fales em doces. vou fazer-te a melhor fritatta da tua vida. sinto a inspiração a voltar. [sai do Quarto seGuido por aéLis ]

aéLis: mas, Gabri…

d’annunzio: shh! eles podem ouvir. onde é que eles estão? na sala de jantar?

aéLis: sim, mas Gabri, sabe bem como a emilia odeia que lhe remexam a cozinha. vou chamá-la—

d’annunzio: Quem é que manda nesta casa?

aéLis: o senhor, comandante.

d’annunzio: então eu digo que por certo estou autoriza - do a partir alguns ovos. e agora vais à sala de jantar dar a tamara o poema. vai. allons, marchez, mon petit sol - dat. [ vai para a cozinha cantando ópera para G 31 páG. 140. aéLis vai para a saLa de Jantar para F 27 páG. 124] t de LempicKa (acto i) • Fdc 131

F 29 • suite mario • tamara tamara apanha mario a revistar-lhe a bagagem.

[mario entra na suite vindo da cozinha , e 25 páG. 113 e revista a BaGaGem de tamara ] tamara: [estava na suite de e 23 páG. 102] vous n’auriez pas vu mon collier par hasard? (por acaso não viu o meu colar?) mario: [recuperando do espanto ] permesso, signora. [Faz uma vénia e vai para sair ] tamara: n’y allez pas, marchese visconti. et arretez s’il vous plaît de faire semblant de ne pas comprendre. (não vá, marchese visconti. e por favor pare de fingir que não me percebe.) mario: vous vous trompez madame. (a madame está enganada.) tamara: J’ai êté à zurique— (estive em zurique—) mario: moi je n’y ai jamais êté. (nunca lá estive.) tamara: il y a quatre ans. (há quatro anos.) mario: nous ne nous sommes jamais rencontrés. (nós nunca nos encontrámos.) 132 t de LempicKa (acto i) • Fdc

tamara: non. mais votre mère a votre photo sur sa table de nuit. (não. mas a sua mãe tem a sua fotografia na mesinha de cabeceira.)

mario: Les mères font toujours ça. (todas as mães fazem isso.)

tamara: J’ai peint, de mémoire, beaucoup de visages. vous êtes le fils d’emma visconti. (pintei muitas caras de memória. você é filho da emma visconti.)

mario: c’est un visage que je vous demande d’oublier. (esta é uma cara que eu sugiro que esqueça.)

tamara: un beau visage, avec de la personalité, c’est dif - ficile de l’oublier. (uma cara bonita, com personalidade, é difícil de esquecer.)

mario: alors vous avez fait le portrait ma mère? (então pintou o retrato da mãe?)

tamara: oui, et elle est partie de marienbad sans me payer. (sim, e ela foi-se embora de marienbad sem me pagar.)

mario: elle vous a parlé de moi? (ela falou-lhe de mim?)

tamara: elle m’a parlé de son fils… (Falou-me do filho…) [ suBitamente apreensiva , corre para a BaGaGem e começa a procurar ] c’est pour cela qu’on a perdu mes valises à la gare. vous les avait aussi mise dans mes t de LempicKa (acto i) • Fdc 133 valises? (Foi por isso que as minhas malas se perderam na estação. pôs-mos nas malas, também?) mario: Quoi? (o quê?) tamara: Les bombes! elle m’a raconté que vos amis cachaient des bombes dans ses valises. (explosivos! ela contou-me que os seus amigos escondiam explosivos na bagagem dela.) [ encontra uma mensaGem ] Qu’est que c’est ça? (o que é isto?) mario: [aGarra na mensaGem e Lê ] “Barco helena deixa Genova Janeiro doze, dezoito horas, destino marselha. se ele não vier, elimina-o.” [ Queima o papeL ] il est doma - ge que ma mère vous ait raconté cette histoire. et je dois aussi vous demander pardon de m’avoir servi de vous comme facteur. (é pena que a mãe lhe tenha contado essa história. e também tenho de lhe pedir desculpa por me ter servido de si como correio.) tamara: Qu’est-ce qu’il y avait sur ce papier? (o que é que o papel dizia?) mario: voici votre collier. (aqui está o seu colar.) [ Levan - ta -o do chão ] un autre cadeau de d'annunzio? (outro presente de d'annunzio?) tamara: oui. (sim.) mario: vous permetez? (dá-me licença?) [ vai para Lhe coLocar o coLar ] tournez vous. (volte-se.) [ tamara voLta -se e mario aperta -Lhe o pescoço com o coLar ] 134 t de LempicKa (acto i) • Fdc

tamara: vous essayez de m’intimider? (está a tentar inti - midar-me?)

mario: porquoi le ferais-je? (porque o faria?)

tamara: vous avez utilisé votre mère et maintenant vous m’utilisez, moi, une étrangère innocente— (usou a sua própria mãe e agora usa-me a mim, uma estrangeira ino - cente—)

mario: en italie personne n’est innocent. La fermeture est usée. (em italia ninguém é inocente. o fecho está moído.)

tamara: aprés la revolution russe il n’y a plus d’inno - cents. (depois da revolução russa deixou de haver ino - centes.)

mario: ça y est. (aí está.) [ prende o coLar ]

tamara: il n’y a plus que des assassins. (só assassinos.)

mario: vous avez survécu. (você sobreviveu.)

tamara: et je n’ai plus rien par la faute de vos camara - des. plus de maison, plus d’argent. et la moitié de ma famille est morte. (e fiquei sem nada por causa dos seus camaradas. sem casa. sem dinheiro. com metade da família morta.) [ esBoFeteia -o]

mario: [seGurando -Lhe a mão ] vous êtes vivante. (você t de LempicKa (acto i) • Fdc 135 está viva.) tamara: Je me suis êchappée! (escapei-me!) mario: pour fuir? (para fugir?) tamara: oui. (sim.) mario: et vous avez cherché la liberté en ? (e foi procurar a liberdade em França?) tamara: oui. (sim.) mario: comprenons nous bien: je lutte pour la liberté ici, ici où je suis né, dans mon pays, l’italie. et je ferai ce qu’il faut pour conquérir cette liberté pour nous tous. même si je dois faire des choses désagréables. nous nous som - mes bien compris? (entendamo-nos: eu luto pela liber - dade aqui, na minha terra, no meu país, italia. e farei o que tiver de ser feito para conquistar essa liberdade, para todos nós. por muito desagradável que seja a tare - fa. estamos entendidos?) tamara: oui… ( sim…) mario: nous nous sommes bien compris? (estamos entendidos?) tamara: oui. (sim.) mario: toute allusion à mon nom ou au messaje serait compromettante pour vous et pour quelqu’un encore 136 t de LempicKa (acto i) • Fdc

plus innocent que vous. (Qualquer menção ao meu nome ou àquela mensagem vai implicá-la a si e a outra pessoa ainda mais… inocente.)

tamara: La politique, je m’en fous! Laissez-moi faire ce portrait et je m‘en vais. s’il vous plait. J’ai besoin de cet argent. (eu não quero saber da política para nada! deixe-me só pintar o retrato dele e ir-me embora. por favor. eu preciso deste dinheiro.)

mario: combien ma mère devrait-elle vous payer pour le portrait? (Quanto é que a mãe lhe ficou a dever pelo retrato?)

tamara: vous êtes en train d’essayer d’acheter mon silence? (está a tentar comprar o meu silêncio?)

mario: non. même moi je crois que la discrétion est une des rares vertus que les aristocrates possèdent. Je veux tout simplement payer une dette. combien? (não. até eu acredito que a discrição é uma das poucas virtudes que os aristocratas possuem. estou simplesmente a ofere - cer-me para lhe pagar uma dívida. Quanto?)

tamara: en lires… peut-être cinquante mille. (em liras… talvez cinquenta mil.)

mario: il y en aura cent mille dans votre valise. (haverá cem mil na sua mala.)

tamara: et quand? (e quando será isso?) t de LempicKa (acto i) • Fdc 137 mario: Quand vous voudriez. ne devriez-vous pas être en ce moment dans la salle a manger pour le dessert, quand même? (Quando quiser. não devia estar neste momento na sala de jantar a comer a sobremesa, quand même?) tamara: personne ne va pas se blesser? vous n’êtes qu’un serviteur et je ne suis q’une invité, c’est bien cela? (ninguém se vai aleijar? você é simplesmente um criado e eu sou uma convidada, correcto?) mario: si, signora. tamara: [diriGe -se para a porta , voLta -se e sorri ] eh bien, faites ma chambre. (então, arrume o meu quarto.) [sai para a saLa de Jantar para F 27 páG. 122. mario sai para a cozinha e encontra emiLia no corredor em F 30 páG. 138] 138 t de LempicKa (acto i) • Fdc

F 30 • corredor emiLia • mario mario encontra emilia aflita.

emiLia: [vindo da saLa de Jantar de F 27 páG.123 encon - tra mario Que veio da suite de F 29 páG. 137] mario, abraça-me. não aguento mais.

mario: [aBraçando -a] calma…

emiLia: o Finzi continua a fazer perguntas…

mario: shh! calma. ele não pode fazer nada.

emiLia: e se ele descobre porque é que aqui estás?

mario: e porque é que eu aqui estou?

emiLia: eu… não sei.

mario: para te abraçar. para beijar os teus lábios, os teus olhos. diz-lhe apenas a verdade— encontrámo-nos em Gardone, eu dei-te uma boleia no automóvel da principessa, falaste-me do emprego e tornámo-nos amantes. a verdade.

emiLia: mas não é, tu—

mario: [o aBraço transForma -se num aperto ] é sim! só isso… acredita que sim emilia e vamos safar-nos t de LempicKa (acto i) • Fdc 139 todos. um beijo? [ BeiJo ] devias voltar lá para dentro. o dante ficou sozinho no meio dos índios. emiLia: [ri ] posso ir ter contigo depois? mario: com certeza. emiLia: tenho de ir buscar cognac para de spiga. mario: deixa, eu levo-to já. emiLia: [indo para a saLa de Jantar para F 27 páG. 126] espero que tenha sobrado algum. [ mario vai para a cozinha para G 31 páG. 140] 140 t de LempicKa (acto i) • Fdc

G 31 • cozinha aéLis • d’annunzio • mario d'annunzio encontra mario na cozinha. e faz uma ome - lete para aélis.

mario: [entra na cozinha vindo de F 30 páG. 139. serve - se de um coGnac .] 1891… Foi um ano tão mau que a única coisa que os Franceses podiam fazer era vendê-lo aos italianos. [ ouve -se cantar no exterior .]

d’annunzio: [entrando na cozinha vindo do seu Quar - to , F 28 páG. 130. mario não dá conta ] eu julgava que os meus criados me faziam uma vénia quando eu entro numa sala.

mario: mi scusi, comandante! [ Faz uma vénia ]

d’annunzio: [rispidamente ] mãos para baixo. [ mario oBedece ] deixa cair o copo. [ o copo despedaça -se ] óptimo. [ apertando -Lhe a Bochecha de uma Forma amiGáveL ] és tu o novo chauffer?

mario: si, comandante.

d’annunzio: mario, não é?

mario: si, comandante.

d’annunzio: então… diz-me: como é que um chauffer sabe tanto de cognac? t de LempicKa (acto i) • Fdc 141 mario: eu… na Guerra havia um tal capitano visconti… eu era ordenança dele. a mãe dele costumava mandar- lhe cognac para o ajudar a esquecer o barulho dos canhões. d’annunzio: a mãe desse visconti chamava-se emma? mario: si. comandante, estava à espera de uma oportu - nidade para lhe falar de um assunto de extrema impor - tância. d’annunzio: Limpa essa porcaria. aéLis: [entra vinda da saLa de Jantar de F 27 páG. 126] mario, o que é que estás aqui a fazer? mario: [varrendo os cacos do copo ] vim buscar o cog - nac. aéLis: e… aí o tens. mario: permesso. d’annunzio: arranja-me zucchini, aélis. estou prestes a fazer uma das maiores obras da minha carreira: uma frit - tata com zucchini. sabias, aélis, que aqui o mario conhe - ce o filho da emma visconti? Lembras-te da emma, os dedos mais rápidos da europa? aéLis: Lembro-me de quanto a emma lhe custou: um mês em Baden-Baden. ainda andamos a pagar as dívidas de jogo dela. 142 t de LempicKa (acto i) • Fdc

d’annunzio: a mulher gostava de casinos.

aéLis: podes ir embora, mario. [ mario vai para sair ]

d’annunzio: espera. Que assunto importante era esse de que me querias falar?

mario: era… por causa do automóvel, comandante. pode esperar. permesso. [ Faz uma vénia e sai para o corredor , Levando a GarraFa de coGnac para i 44 páG. 188. d’annunzio Faz a Frittata e aéLis põe a mesa .]

d’annunzio: um encanto de rapaz.

aéLis: porque é que toda a gente está tão interessada no mario? a emilia bajula-o; o Finzi anda completamente obsecado por ele.

d’annunzio: [corta o zucchini e Bate os ovos ] eles dormem juntos?

aéLis: Quem?

d’annunzio: o mario e a emilia!

aéLis: não seja ridículo.

d’annunzio: vigia o quarto dele.

aéLis: o quê? t de LempicKa (acto i) • Fdc 143 d’annunzio: desde que ele chegou, a emilia tem tido dores de cabeça. reparaste? todas as noites tem uma dor de cabeça. se eles dormem juntos, despede-o. sal. há sal? aéLis: Gabri, até eu poderia apreciar a virilidade do mario; mas eles são primos. d’annunzio: ele quer alguma coisa. o quê, não tenho a certeza. repara como ele olha para ti. os olhos. sempre com olhos de amor ou de morte. espera e vais ver. aéLis: se ele é um ladrão, eu devia— d’annunzio: não, aélis. espera só. aéLis: espero. diz-me sempre para esperar. como é que eu posso fazer o meu trabalho? tento pagar as contas e diz-me para esperar. não posso agendar nada porque está sempre a alterar tudo. Já passou quase uma sema - na e ainda não viu a carlotta dançar. d’annunzio: tamara tem-me mantido à espera… há quantos meses, há quantas cartas? a um homem só resta esperar. a sedução é uma arte precisa. aéLis: como cozinhar. talvez devesse cozinhar para ela. d’annunzio: para mostrar o meu lado suave, é isso? não, uma mulher daquelas gosta de ser conquistada. ela tem um marido para lhe suavizar a vida. 144 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: pensa ir ter com ela esta noite? [ pausa ] acho que ela gostou do poema.

d’annunzio: vamos ter com eles ao salão. ponho a Luisa a tocar um debussy suave, e depois, enquanto todos a ouvem, fala com a tamara de música e do paris dos velhos tempos; e do trabalho com o debussy antes da Guerra; é o tipo de histórias com que os jovens gostam de sonhar.

aéLis: não. tudo isso soa a velho, como se já estivesse acabado. ela é moderna. Fale com ela de igual para igual. não, faça assim: fale-lhe das cartas dela, como elas mexeram consigo.

d’annunzio: Ler as cartas dela é como ver uma mulher a despir-se.

aéLis: muito bem. diga-lhe isso.

d’annunzio: Ler as suas cartas é como ver uma mulher a despir-se.

aéLis: oh, não Gabri, assim é horrível. tem de ser mais directo, forte, masculino, másculo.

d’annunzio: Ler as suas cartas é como ver uma mulher a despir-se.

aéLis: Foi muito. relaxe. deve ser erótico e misterioso.

d’annunzio: Ler as suas cartas é como ver uma mulher a t de LempicKa (acto i) • Fdc 145 despir-se. aéLis: sim, Gabri, assim está bem. um pouco de vinho, Gabri? água mineral? d’annunzio: água. Quero ter a cabeça clara quando for ter com tamara. aéLis: [Fazem um Brinde ] Bonne chance, mon ami! (Boa sorte, meu amigo!) d’annunzio: a toi aussi. (igualmente.) [ Queima -se a comer ] aéLis: cuidado, Gabri. não se queime. d’annunzio: Bom, estive inspirado? aéLis: mmm… encore un petit soupçon de sel. (falta uma pedrinha de sal.) d’annunzio: disparate; está perfeita. só porque tens tido mais sorte do que eu, ultimamente, a seduzir mulhe - res, aélis, isso não te torna uma perita em gastronomia. hah! nunca perceberás o que um homem sofre à espera de uma mulher. aéLis: pensa que para uma mulher é mais fácil? d’annunzio: tenho a horrível sensação de que, qualquer que seja a forma como eu responda às tuas perguntas, acabas sempre por voltar à carlotta. nem mesmo tu acre - 146 t de LempicKa (acto i) • Fdc

ditas que ela se renda.

aéLis: ela gostou do vestido que eu lhe comprei; deu-me uma abraço muito meigo.

d’annunzio: Já foste mais longe do que eu.

aéLis: Gabri, ambos vamos conseguir. a tamara só pre - cisa de um pequeno empurrão. ela deseja-o. é verdade ou não? [ não há resposta ] Bien donc, Gabri. ela não veio cá só para lhe pintar o retrato. ela sabia o que pre - tendia.

d’annunzio: é o que ela pretende que é a questão. a carlotta não veio cá só para conseguir arranjar uma cunha?

aéLis: se a visse dançar, eu talvez conseguisse o que quero. por favor.

d’annunzio: em breve.

aéLis: diz sempre em breve. Quando é em breve?

d’annunzio: amanhã. com uma condição.

aéLis: Qual?

d’annunzio: se a conseguires, eu quero ver. [ aéLis Levanta -se zanGada ] o que foi? o que é que eu disse de mal? t de LempicKa (acto i) • Fdc 147 aéLis: sabe muito bem. d’annunzio: elucida-me. aéLis: o seu coração é tão escuro como— d’annunzio: digamos… mas tu não te importaste quando eu te estive a ver com a defelice. aéLis: isso foi espectáculo. reles e feio. Fizémos isso para si e a puta foi paga. [ vira as costas ad’annunzio .] d’annunzio: [conseGue pará -La ] aélis, desculpa… eu não te queria ofender. tu és a única mulher com quem eu posso ser directo. eu— aéLis: Gabri, eu… talvez eu tenha exagerado mas tem de me deixar ter alguma privacidade. d’annunzio: mas claro. se é privacidade o que tu queres, porque é que não vais passear com a carlotta? eu pago… onde quiseres. aéLis: e não se esconde no armário? d’annunzio: prometo. mas não tapes o buraco da fecha - dura. [ riem ] pareço bem? aéLis: [compondo a Gravata de d’annunzio ] assim. [saem para o saLão , h 36 páG. 160] 148 t de LempicKa (acto i) • Fdc

G 32 • sala de Jantar emiLia emilia faz um pequeno monologo a lamentar-se.

emiLia: [continua na saLa de Jantar de F 27 páG. 126] como é que o mario pode estar tão calmo? olha para isto, estou toda a tremer. não era suposto ser assim. a defelice disse que ele só cá ficava em casa três dias e já lá vai uma semana, e agora meti-o na minha cama. isto tem de acabar. vou-lhe dizer que ele tem de se despedir, e se ele não quiser, ameaço-o que conto tudo ao Finzi e depois peço ao Finzi para me perdoar. se eu lhe devol - vesse o dinheiro de volta, talvez ele se fosse embora… mas eu gastei-o todo no colégio da caterina… emilia, desta vez arranjas-te-la bonita. desta vez não vai acabar em bem. [ vai À procura de dante ao corredor em i 44 páG. 189] t de LempicKa (acto i) • Fdc 149

G 33 • corredor emiLia emilia continua a lamentar-se.

emiLia: [traz o coGnac , vinda do corredor de i 44 páG. 189] porque é que eu não lhe disse para ele se ir embora? vai-te embora. era só dizer assim… eu queria, mas… o dante estava lá. desculpas. coitado do dante, a culpa é sempre dele… eu estive quase a dizer, mas depois o mario olhou para mim com aquele olhar magoado, com aqueles olhos terríveis, lindos… e pronto, caldo entorna - do… o que é que eu podia fazer?… oh emilia, o teu coração ainda vai dar cabo de ti. [ BeBe um GoLo de coG - nac e vai para o saLão para G 34 páG. 153] 150 t de LempicKa (acto i) • Fdc

G 34 • salão carLotta • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • tamara de spiga, tamara, carlotta, Finzi e Luisa dançam.

[Luisa diriGe -se para o saLão , vinda da saLa de Jantar de F 27 páG. 126]

Finzi: [para carLotta , enQuanto caminham para o saLão , vindos da saLa de Jantar de F 27 páG. 126] signorina Barra, deixe-me felicitá-la pela forma como respondeu aos crueis comentários do signor de spiga.

carLotta: as pessoas pensam que eu ainda sou uma adolescente, aldo, mas na verdade tenho mais maturida - de do que pode parecer.

Finzi: é uma jovem única.

carLotta: Grazie. [ Finzi e carLotta entram no saLão ]

de spiGa: [para tamara , enQuanto se encaminham para o saLão , vindos da saLa de Jantar de F 27 páG. 126] veuillez nous suivre, madame? peut-être nous pouvons persuader Luisa à jouer le piano. (Quer acampanhar- nos, madame? talvez consigamos persuadir a Luisa a tocar piano.)

tamara: cela me desole énormement de ne pas réussir à comuniquer avec Luisa. il y a toute une histoire dans ses mains. ça me ferai tellement plaisir de les peintre. (é tão t de LempicKa (acto i) • Fdc 151 frustante não conseguir comunicar com a Luisa. há toda uma história nas suas mãos. dar-me-ia tanto prazer pintá-las.) [ de spiGa e tamara entram no saLão ] de spiGa: [para Luisa ] tamara esteve a dizer que adora - va pintar as tuas mãos.

Luisa: diz-lhe que estão amarradas às de Gabri.

Finzi: [para carLotta ] com licença. [ vai Junto de de spiGa ] de spiGa: Luisa, por favor, vamos passar uma noite tran - quila.

Finzi: Francesco, preciso de falar consigo. de spiGa: [para Luisa ] o Finzi não devia estar aqui.

Luisa: il comandante não vai descer. deixa-o estar. carLotta: a Luisa tem que tocar. eu quero dançar! [começa a dançar ]

Luisa: não, eu não quero.

Finzi: si. Luisa, toque para mim. de spiGa: tenho a certeza que madame de Lempicka quer ouvir-te tocar novamente. [ Luisa toca um acorde de “suBmerGed cathedraL ” de deBussY e depois “a vaLsa do imperador ” de Johann strauss ] 152 t de LempicKa (acto i) • Fdc

carLotta: [aproximando -se de Finzi ] capitano Finzi, dança comigo?

Finzi: não, eu—

carLotta: por favor!

Finzi: muito bem, vou tentar. [ Finzi e carLotta dançam ]

de spiGa: aldo, isto não é para marchar.

carLotta: ele dança muito bem.

de spiGa: o aldo tem bom ritmo mas mau tempo.

Luisa: shhhh.

de spiGa: [tamara coLoca -se em Frente de de spiGa e dá -Lhe a mão para dançarem ] muito bem, vou dançar. não por obrigação, mas pela beleza. [ começam a dan - çar . de spiGa pára .] est-ce que je vous serre un peu trop? tout est serré en italie, n'est-ce pas? (estou a apertá-la? em itália é tudo apertado, não é?) [ tamara acena Que sim ] ici nous sommes “tutto in famiglia”. (aqui estamos “tutto in famiglia”.)

Finzi: não sabe dançar, Francesco?

de spiGa: [recomeça a dançar ] a família nem sempre está feliz. alguns dos filhos passaram das marcas. vestem-se de preto. estão de luto pela morte da razão t de LempicKa (acto i) • Fdc 153 deles.

Luisa: [pára de tocar ] Francesco, toca-nos aquela música americana. de spiGa: se é jazz que queres, preciso de um gin.

Luisa: esta noite só há cognac. de spiGa: Bom, farei de conta que é gin, se fizeres de conta que isto é jazz. [ senta -se ao piano e toca . tamara dança viGorosamente com a música . ri enQuanto dança .] carLotta: ela está bem, Luisa?

Luisa: é o “ridicolo”. toda a paris dança assim.

Finzi: é muito invulgar. carLotta: não é natural. [ Luisa começa a dançar com tamara ] emiLia: [entra com o coGnac vinda do corredor de G 33 páG. 149] o que é que elas estão a fazer?

Finzi: tudo e nada. [ para carLotta ] está a ver os res - quícios do último governo, carlotta. em breve o fascismo nos trará uma nova ordem. emiLia: está-me a assustar, capitano. 154 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Finzi: só os culpados têm medo, emilia; vem nas escritu - ras.

de spiGa: [vendo emiLia , pára de tocar ] ah, abasteci - mento. [ Luisa e tamara param de dançar . Luisa parece exausta .]

Luisa: há anos que não vou a paris. venha, madame de Lempicka, vamos-nos retocar.

tamara: [para de spiGa ] monsieur?

de spiGa: elle a dit que nous ne sommes pas tous “pasta”. (ela diz que nem todos são “pasta”.) [ tamara ri ] veuillez la suivre au boudoir. (Queira segui-la ao boudoir.)

tamara: d'accord. (muito bem.)

Luisa: Francesco, a carlotta fica ao teu cuidado. [ Luisa e tamara saem para o átrio para G 35 páG. 158]

de spiGa: [aGarrando carLotta ] nenhum mal lhe vai acontecer!

carLotta: é mesmo tolo, signore de spiga.

de spiGa: em italia confunde-se sempre os homens sen - satos com os tolos e os tolos com os homens sensatos.

carLotta: [para Finzi ] tem um trabalho difícil, capitano Finzi. t de LempicKa (acto i) • Fdc 155

Finzi: ele não diz o que pensa. os aristocratas odeiam simplesmente obedecer. um deles só bebe cognac com vários anos de casco. o nosso governo— de spiGa: regime.

Finzi: o nosso governo é jovem, mas vai crescer e amadu - recer. com o tempo, o signor de spiga vai achar o gosto a Fascismo muito saboroso. de spiGa: para o caso de as senhoras não terem percebi - do o que o vosso amigo disse, eu explico. o que é isto? ah! cognac… [ BeBe ] o cognac leva anos a envelhecer, e o Fascismo também. é por isso que o Fascismo é presen - temente difícil de engolir. mais ou menos como o óleo de figado de bacalhau. Beba um cognac, carlotta. carLotta: um copo de vinho é mais do que suficiente para mim. de spiGa: Que disparate, você é uma bailarina. uma des - cendente das bacantes, adoradoras do vinho! carLotta: não sei nada dessas “bacanas” mas acho que o que disse é mau. pode-me insultar, signore, mas não admito que insulte o nome da minha família. o meu pai é banqueiro. e o pai dele também foi. de spiGa: não quis— carLotta: como o meu bisavô e o meu trisavô. na minha terra, todos sabem que a família Barra adora nosso 156 t de LempicKa (acto i) • Fdc

senhor Jesus cristo. o meu pai foi o presidente da comissão que comprou os bancos para a igreja de santa catarina.

de spiGa: Foi só uma graça, doce carlotta, nada mais. vamos dizer amen a isto, está bem?

carLotta: eu perdoo-lhe, signor de spiga.

Finzi: por não saber o que faz.

de spiGa: se as senhoras não estivessem presentes—

carLotta: eu acho que o senhor é uma pessoa que não acredita; é por isso que bebe.

emiLia: o meu pai dizia que se queres ver o buraco deita água no saco.

de spiGa: Que significa…?

emiLia: não sei bem, signore.

de spiGa: a única razão para beber é não haver razão. parafraseando santo anselmo, “bebo porque é absur - do”.

carLotta: acho que tem medo. é por isso que bebe.

de spiGa: não tenho medo de nada.

emiLia: então, ou é uma mulher ou é um segredo. t de LempicKa (acto i) • Fdc 157

de spiGa: uma vez que me dás à escolha, fico com a mulher. [ carLotta e emiLia riem ] Bebe um copo, emilia. emiLia: estou de serviço, signore. de spiGa: também o Finzi. emiLia: nunca provei… [ BeBe ] é forte. [ continuam no saLão para h 36 páG 160] 158 t de LempicKa (acto i) • Fdc

G 35 • átrio Luisa • tamara Luisa e tamara retocam a maquilhagem.

[Luisa e tamara saem do saLão de G 34 páG. 154 e vão Junto do espeLho do átrio ]

tamara: Le voyage m'a tellement fatiguée. demain, j'es - père avoir assez d'énergie pour commencer le portrait de monsieur d'annunzio. (a viagem fatigou-me tanto. espero ter energia para começar o retrato do senhor d’annunzio amanhã.)

Luisa: não compreendo.

tamara: Le portrait, vous comprenez? portrait. Je déteste cette barrière entre nous. Je parle quatre lan - gues mais pas l'italien. (o retrato, compreende? o retra - to. detesto esta barreira entre nós. Falo quatro línguas mas não o italiano.) [ com o Baton , desenha uma carica - tura de d’annunzio no espeLho ] portrait. (retrato.)

Luisa: si, si. [ repara no coLar Que tamara tem ao pes - coço e tira -Lhe o medaLhão para Fora do vestido ]

tamara: ça vous plaît? monsieur d'annunzio vient de me l’offrir. il veut que je le porte avec cette robe. Je l'aime bien. il choisit des cadeaux très originaux! (Gosta? o senhor d’annunzio ofereceu-mo. Quis que eu o usasse com este vestido. Gosto muito. ele oferece presentes t de LempicKa (acto i) • Fdc 159 muito originais!) [ Luisa mostra o medaLhão do seu coLar , idêntico ao de tamara . depois de uma pausa , tamara sai para o saLão . enQuanto sai , repara Que Luisa BeiJa a caricatura Que eLa Fez no espeLho . Luisa e tamara reGressam ao saLão para h 36 páG. 160] 160 t de LempicKa (acto i) • Fdc

h 36 • salão aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • emiLia • Finzi • Luisa • tamara d'annunzio tenta seduzir tamara.

[emiLia , de spiGa , carLotta e Finzi continuam no saLão de G 34 páG. 157. emiLia é apanhada a BeBer coGnac por d’annunzio e aéLis Que vieram da cozinha de G 31 páG. 147 e por Luisa e tamara Que vieram do átrio de G 35 páG. 159]

Luisa e aéLis: [ao mesmo tempo ] emilia!

Luisa: uma senhora não bebe bebidas alcoólicas.

emiLia: [para Luisa ] era só para provar… eu…

d’annunzio: [rindo ] Bebe… vais ter uma noite difícil pela frente…

emiLia: Grazie, comandante.

Finzi: [pondo -se em sentido ] se me dão licença…

carLotta: não vá, capitano, por favor.

Finzi: até amanhã.

d’annunzio: sai, sai!

carLotta: Buona notte, capitano. [ Finzi sai para a saLa t de LempicKa (acto i) • Fdc 161 de Jantar para h 37 páG. 173] d’annunzio: [diriGe -se a emiLia e dá -Lhe uma paLmada no raBo ] talvez precise de ti esta noite, meu cabozinho. [diriGe -se a tamara para h 36c páG. 168. Luisa e de spiGa conversam Junto ao piano em h 36a páG. 162. carLotta , aéLis e emiLia conversam em h 36B páG. 165. a cena passa outra vez a cena de conJunto em h 36d páG. 170] 162 t de LempicKa (acto i) • Fdc

h 36a • salão de spiGa • Luisa conversa sobre tamara

de spiGa: [diriGe -se a Luisa , na continuação de h 36 páG. 161] o que eu não consigo perceber é como é que uma freira bailarina como a carlotta pode ficar apanhadinha pelo Finzi.

Luisa: ela não está.

de spiGa: não a ouviste à sobremesa?… defende-o com o zelo de uma mártir… não que eu me rale… eles estão muito bem um para o outro.

Luisa: Quando eu tinha a idade dela tembém gostava de homens fardados.

de spiGa: e agora?

Luisa: agora… fazem-me pesadelos.

de spiGa: suponho que todos nós temos os nossos demónios contra quem lutar. [ Luisa ri . de spiGa oBserva d’annunzio a FaLar com tamara ] como é que o Gabri está com a tamara? o processo de sedução está avan - çado?

Luisa: talvez ela só o queira pintar. t de LempicKa (acto i) • Fdc 163

de spiGa: como é que podes dizer isso depois do que ela disse à sobremesa?

Luisa: eu só ouvi o que tu disseste que ela disse. [ pausa ] viste o trabalho dela? de spiGa: não.

Luisa: mulheres nuas em frente de edifícios. de spiGa: aélis deve gostar.

Luisa: tamara é muito boa. muito boa. de spiGa: ciumenta?

Luisa: não dela. de spiGa: depois destes anos todos, como é que podes ter algum sentimento por ele?

Luisa: ele vai conseguir? de spiGa: com aquela expressão de cara e aquela língua arrogante, é o mais certo. mas deixemos de falar deles. [pausa ] preciso de uma bebida.

Luisa: também eu. de spiGa: mas tu não bebes nunca… 164 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Luisa: todos temos alguma coisa que foi fechada por alguém. presa. [ pausa ] Francesco, quando bebes conti - nuas a sentir? consegues ver, ou fica tudo turvo?

de spiGa: ele nunca se irá embora, Luisa. tens de ser tu a ir embora.

Luisa: como é que se diz “diga não” em francês?

de spiGa: dites non.

Luisa: dites non.

de spiGa: não se pronuncia o “s”.

Luisa: [correctamente ] dites non.

de spiGa: isso. [ a conversa é interrompida por d’annun - zio , h 36d páG. 170] t de LempicKa (acto i) • Fdc 165

h 36B • salão aéLis • carLotta • emiLia conversa sobre as pessoas da casa.

aéLis: [diriGe -se a carLotta , na continuação de h 36 páG. 161] sentiu a minha falta, carlotta? carLotta: sim, mas o capitano Finzi foi uma boa compa - nhia. aélis, agora que il comandante está aqui, não podia dançar? eu tenho de dançar se quero ter a minha reco - mendação. aéLis: ele tem muito para falar com madame de Lempicka. [ emiLia dá uma risada ] mas prometeu que a via dançar amanhã. emiLia: além doutras coisas… aéLis: engordaste, emilia. estás grávida? carLotta: [rindo ] aélis, como é que podia ser? ela não é casada. aéLis: a carlotta sabe um exercício muito bom para as coxas. carLotta: Quer que eu lhe mostre? emiLia: eu não preciso de exercício, eu trabalho para viver. permesso? 166 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: va t'en. (vai.) [ emiLia sai para a saLa de Jantar para h 38 páG. 174]

carLotta: nós ofendemo-la?

aéLis: é só um jogo que ela gosta de jogar.

carLotta: eu acho que esta casa está cheia de jogos.

aéLis: porquê?

carLotta: o signor de spiga insultou-me.

aéLis: o que é que ele disse?

carLotta: chamou-me bacana. disse que era uma graça. [ até aéLis ri ] não lhe achei graça nenhuma, aélis.

aéLis: é pela forma como o diz. desculpe, carlotta, é tão querida… mas não leve a mal… de spiga insulta toda a gente.

carLotta: especialmente o capitano Finzi.

aéLis: eles odeiam-se um ao outro.

carLotta: eu acho que o signore de spiga finge odiar aldo. é outro jogo, aélis.

aéLis: Já chega de jogos. vamos falar de coisas sérias. [senta -se no Braço da cadeira de carLotta ] vamos t de LempicKa (acto i) • Fdc 167 falar de nós. Quer que eu vá fazer exercícios consigo amanhã? carLotta: eu começo muito cedo. aéLis: o seu corpo inspira-me. haverá alguma esperan - ça para o meu? carLotta: a minha mãe tem dois segredos para se man - ter jovem: exercício e oração. aéLis: outra vez a sua mãe. deve ser uma pessoa muito sensata. carLotta: sim, e linda. amanhã vou-me levantar cedo. se quiser vir, venha, mas olhe que amanhã os meus exer - cícios vão ser particularmente duros. Quero estar prepa - rada para a minha dança. [ a conversa é interrompida por d’annunzio , h 36d páG. 170] 168 t de LempicKa (acto i) • Fdc

h 36c • salão d’annunzio • tamara conversa sobre Luisa.

d’annunzio: [diriGe -se a tamara , de h 36 páG. 161] Lire vos lettres c’est comme regarder une femme a denuder. (Ler as suas cartas é como ver uma mulher a despir-se.) [tamara voLta -se ] vous m’en voulez encore? (continua zangada comigo?) [ tamara Fixa Luisa ] puis que “qui ne dit mot consent”, j’en déduis que vous êtes d’accord. Quand je vous ai laissé tout à l’heure, pendant un moment, j’ai souhaité que vous ne soyiez pas venue. Les graines du désir sont profondement enfoncés chez l’homme. Les racines entourent le corps, de la tête aux hanches, interceptant les veines de la raison et arrétant le flux de ce que nous appellons la vie. elles creant un corps parallèle, un corps dont nous partageons la respi - ration, un corp qui ne se libère que par l’union à un autre. mais pourquoi est-ce que je parle? Je sais trés bien que ce sont vos propres mots. (uma vez que “quem cala, con - sente”, deduzo que concorda. Quando a deixei à boca - do, desejei por um momento que não tivesse vindo. as sementes do desejo são plantadas fundo num homem. as raízes enredam o corpo, da cabeça aos quadris, inter - septando as veias da razão e parando o fluxo daquilo a que se chama vida. criam um corpo paralelo, um corpo cuja respiração neste anseio partilhamos, um corpo que só se liberta pela união com outro corpo. mas porque é que eu estou a falar? sei muito bem que estas palavras são suas.) t de LempicKa (acto i) • Fdc 169

tamara: [voLtando -se para d’annunzio ] J’étais en train de penser à Luisa. vous êtes amants, n’est-ce pas? (estava a pensar na Luisa. vocês são amantes, não são?) d’annunzio: nous l’avons été il y a trés longtemps. (Fomos já há muito tempo.) tamara: elle vous aime encore. (ela ainda o ama.) d’annunzio: et qu’est-ce que vous voulez que j’y fasse? Que je la chasse? croyez-vous que son malheur ne me fais pas souffrir? notre amour est mort et je ne peux pas le ressusciter. mais je n’abandonne pas non plus une amie. au moins, ici, elle a une maison, un piano. et moi, j’ai sa musique qui m’accompagne dans ma solitude. (e o que é que quer que eu faça? ponho-a na rua? acha que a tristeza dela não me doi na alma? o nosso amor morreu e eu não posso ressuscitá-lo. mas também não abandono uma amiga. pelo menos aqui ela tem uma casa, um piano. e eu tenho a música dela para me acompanhar na minha solidão.) [ pausa . continua em h 36d páG. 170] 170 t de LempicKa (acto i) • Fdc

h 36d • salão aéLis • carLotta • d’annunzio • de spiGa • Luisa • tamara conversa sobre debussy.

d’annunzio: [diriGe -se a Luisa , o Que interrompe a con - versa entre esta e de spiGa , h 36a páG. 164 e entre aéLis e carLotta , h 36B páG. 167] esquecemo-nos do debussy.

de spiGa: o que é que queres ouvir?

d’annunzio: não, a Luisa toca. o Francesco tem tendên - cia para o tocar como se ele fosse um chulo italiano. [Luisa toca cerca de seis compassos da tocata de deBussY “pour Le piano ” duma Forma rápida e espaLha - Fatosa ] Luisa! [ Luisa pára , interroGativa ] é muito tarde para isso.

Luisa: e para nós? [ começa a tocar “suBmerGed cat - hedraL ” de deBussY muito Lentamente . todos estão atentos . de spiGa Fica Junto do piano a BeBerricar o seu coGnac eaoBservar Luisa . carLotta e aéLis Ficam sentadas a ouvir .]

d’annunzio: [senta -se em cima do seu Futuro túmuLo e começa a FaLar para si próprio . tamara vai -se aproxi - mando de d’annunzio ] a música dele persegue-me sem - pre… como uma voz que se ouve do outro lado dum lago. tornámo-nos íntimos em paris… Lembro-me de quando eles me deram a notícia da morte dele… o meu esquadrão t de LempicKa (acto i) • Fdc 171 tinha acabado de sair para ir fazer um raid aéreo sobre pola… e pela primeira vez na minha vida não me interes - sava se vivia ou morria. pus o avião a pique, mil pés em queda livre, as bombas das antiaéreas explodiam à minha volta e eu pensava que era um boa altura para morrer. morrer em combate, é essa a única morte honrosa, e eu estava preparado para ela; para que servia um mundo sem o debussy?… devia ter deixado cair o meu avião… a morte não veio… esperei e esperei mas mesmo assim… ela não veio… só ouvia… as vozes dos meu companhei - ros… ao longe… ao cima da água… [ tamara aJoeLha -se Junto de d’annunzio . este Levanta -Lhe GentiLmente o Queixo e começa a BeiJá -La ] de spiGa: [vendo o Que se passa , seGreda ao ouvido de Luisa ] a sedução está a avançar. [ de spiGa senta -se ao piano e continua a tocar a peça , permitindo Que Luisa se Levanta eapeça não seJa interrompida . Luisa vai Junto de d’annunzio Que começou a Brincar com o coLar de tamara . carLotta tamBém esteve atenta a d’annunzio e tamara , reaGe siLenciosamente mas hor - rorizada e sai para o corredor , no Que é seGuida por aéLis para i 40 páG. 178] tamara: [oLha para cima e vê Luisa . FaLa para d’annun - zio ] une autre fois. Bonne nuit. Bonne nuit, Luisa. (Fica para a próxima. Boa noite. Boa noite, Luisa) [ sai para intervaLo . reaparece no acto ii, K54] d’annunzio: [Levanta -se ] Fiasco! Fiasco! Fiasco! [senta -se ] é a última vez que eu sigo os conselhos de aélis. 172 t de LempicKa (acto i) • Fdc

Luisa: tamara não é como as outras.

d’annunzio: não, é estúpida! Faz-me falar até só me sai - rem parvoíces pela boca fora.

Luisa: como numa caricatura, poeta?

d’annunzio: como o barulho dum cano de esgoto. aquela mulher põe-me doido. [ Luisa contorna Lenta - mente o túmuLo e vai Buscar um punhaL Que está pou - sado num pedestaL . peGa neLe e voLta para Junto de d’annunzio . de spiGa continua com “suBmerGed cathe - draL ” e passa para “La pLus Que Lente ”. os três conti - nuam no saLão em i 39 páG. 176] t de LempicKa (acto i) • Fdc 173

h 37 • sala de Jantar Finzi Finzi resmunga contra d'annunzio.

Finzi: [vindo do saLão , h 36 páG. 161] sai, sai! sai, sai, diz ele como se eu fosse um miúdo da escola ou o cão que mijou o tapete. eu hei-de pô-lo a lamber o tapete, e muito em breve. [ pausa ] mario! é ele a chave. se ele não for quem diz que é… se o d'annunzio sabe… se… [ aGar - ra na Faca do BoLo e sorri enQuanto pensa nas conse - Quências da sua LóGica . continua em h 38 páG. 174] 174 t de LempicKa (acto i) • Fdc

h 38 • sala de Jantar emiLia • Finzi Finzi interroga emilia sobre mario.

Finzi: [continua na saLa de Jantar , h 37 páG. 173. emiLia entra vinda do saLão , h 36B páG. 166. não dá peLa pre - sença de Finzi e começa a Levantar os pratos suJos ] esta noite vais ter de o gramar. [ diriGe -se a emiLia , escondendo a Faca ]

emiLia: ah sim? e o dinheiro?

Finzi: não há mais dinheiro, emilia.

emiLia: não há mais emilia. [ continua a Limpar a mesa . Finzi aGarra -a peLo caBeLo .] está-me a aleijar.

Finzi: tu mentiste. o mario não é teu primo! [ mete -Lhe a Faca no pescoço ] Quem é ele?

emiLia: [em pÂnico ] não sei.

Finzi: porque é que me estás a mentir? Quanto é que ele te pagou?

emiLia: dez mil liras.

Finzi: dez mil liras! nome? ele tem um nome?

emiLia: não sei! t de LempicKa (acto i) • Fdc 175

Finzi: como é que ele te contactou? emiLia: defelice.

Finzi: a puta do d'annunzio. para quem é que ela traba - lha? emiLia: não sei.

Finzi: o que é que eles querem do d'annunzio? emiLia: aldo, por favor, eles não me disseram nada. Juro!

Finzi: [satisFeito peLa resposta , soLta -aeatira a Faca para cima da mesa ] vai-te preparando. [ sai para o seu escritório , i 41 páG. 183. emiLia mete a Loiça suJa num taBuLeiro e sai vaGarosamente para o seu Quarto , i 42 páG. 184] 176 t de LempicKa (acto i) • Fdc

i 39 • salão d’annunzio • de spiGa • Luisa d'annunzio quer falar sobre tamara com Luisa.

[Luisa , d’annunzio e de spiGa continuam no saLão de h 36d páG. 172. de spiGa toca “La pLus Que Lente ” de deBussY enQuanto Luisa ed’annunzio conversam .]

d’annunzio: Falaste com ela?

Luisa: [empunhando o punhaL , diriGe -se Lentamente para d’annunzio ] estivémos a retocar a maquilhagem.

d’annunzio: ela disse-te alguma coisa?

Luisa: não sei o que é que ela esteve a dizer, era francês.

d’annunzio: nada acerca de nós? tentaste—

Luisa: nada.

d’annunzio: o que é que tu pensas dela?

Luisa: isso é de muito mau gosto. Fala sobre ela com a aélis mas não tenhas a indelicadeza de falar dela comigo!

d’annunzio: a Barracuda zangada? Faz-me lembrar velhos tempos. tivémos as nossas melhores noites depois de um dia de zanga. [ tenta BeiJá -La ] t de LempicKa (acto i) • Fdc 177

Luisa: [usa o punhaL para o aFastar ] Lembra-te que eu estou aqui para tocar piano. d’annunzio: Luisa, vem cá ao Gabri, vem cá.

Luisa: dantes gatinhava mas agora aprendi a andar, e um dia, quando me equilíbrar, hei-de ser capaz de correr. d’annunzio: Luisa, não me deixes neste estado.

Luisa: porque não? deixaste-me nele durante três anos. d’annunzio: um homem precisa—

Luisa: eu sei o que tu precisas. mas também sei o que a Luisa quer. vai ter com a emilia. ela faz-te o serviço. d’annunzio: há mulheres que dizem não ao amor, mas nunca conheci nenhuma que dissesse não ao dinheiro.

Luisa: ainda me lembro do tempo em que elas é que te pagavam a ti… quando eras tu quem recebia presentes. [coLoca o punhaL no peito de d’annunzio ] Boa noite… poeta. [ vai para sair ] d’annunzio: Lembras-te de quando me deste este punhal?

Luisa: Foi no dia de s. sebastião em 1920. nessa altura eu ainda acreditava em santos. [ sai para intervaLo . rea - parece no acto ii, K 54. d’annunzio e de spiGa continuam para i 47 páG. 205] 178 t de LempicKa (acto i) • Fdc

i 40 • corredor aéLis • carLotta • de spiGa aélis beija carlotta.

aéLis: [seGuindo carLotta , vindas do saLão , h 36d páG. 171] carlotta, não se vá—

carLotta: eles estavam a beijar-se, aélis.

aéLis: mas isso não devia ofendê-la. Quando duas pes - soas se sentem atraídas uma pela outra—

carLotta: aquilo assustou-me, aélis.

aéLis: um beijo não deve assustar; se dissesse que aqui - lo a tinha feito corar, que a tinha feito arrepiar…

carLotta: é isso que é horrível… é que fez, aélis… tentei manter-me firme e… é esta casa… sabe que depois de jantar eu, bem… passou-me um pensamento pela cabeça… um que não era saudável, e para lutar con - tra ele, tive de começar a rezar o terço. o padre Lotti diz que não há nada que consiga resistir a um terço… mas aqui… antes de ter conseguido acabar a primeira avé- maria o terço partiu-se… tenho estes pensamentos todos os dias, sinto sensações estranhas e… eu se calhar devia-me ir embora.

aéLis: carlotta, não se vá já deitar. não quero que tenha um sono atormentado. vamos sentar-nos e falar disto a t de LempicKa (acto i) • Fdc 179 sério. sente-se. [ carLotta senta -se num soFá Junto de aéLis ] carlotta, parece uma corda toda emaranhada. deixe-me fazer-lhe uma massagem. vai ajudá-la a ador - mecer. amanhã é um dia importante. carLotta: rezar é tudo o que eu preciso. aéLis: disparate. o seu corpo está completamente tenso. carLotta: aélis, eu tento relaxar, mas esta é a primeira vez que ando sem dama de companhia, tudo aqui é dife - rente… isto é o oposto daquilo a que eu estou habitua - da. aéLis: deite-se de barriga para baixo. [ carLotta oBe - dece ] isso mesmo. [ aéLis começa a massaJá -La ] não precisa de se preocupar por as coisas serem diferentes aqui. devia pensar nesta estadia como se fosse uma aventura. carLotta: estou cheia de medo. aéLis: mas porquê? porque as coisas são diferentes? porque comemos quando nos apetece? ou porque dize - mos o que pensamos? carLotta: não é bem isso… sou eu… quando vi il comandante a beijá-la tive vontade de abraçar uma pes - soa e— aéLis: dar-lhe um beijo? 180 t de LempicKa (acto i) • Fdc

carLotta: eu devia ir dormir.

aéLis: Quem é que queria beijar, carlotta?

carLotta: porque é que não se pode ser cristã e dizer sim aos nossos sentimentos? deus não quer que a gente seja feliz?

aéLis: se tivesse beijado essa pessoa, como é que se sentia? não depois, mas enquanto o estava a fazer?…

carLotta: as pessoas são sempre felizes enquanto estão a pecar, aélis, é depois…

aéLis: não tem de haver um depois; pode continuar a sentir-se feliz.

carLotta: não podia—

aéLis: Beije-me.

carLotta: o quê?

aéLis: eu disse para me beijar.

carLotta: eu—

aéLis: [BeiJa carLotta proFundamente ] aí está.

carLotta: Que beijo engraçado. t de LempicKa (acto i) • Fdc 181 aéLis: então, foi pecado? carLotta: [emBaraçada ] nós somos amigas. aéLis: então não se sente culpada? carLotta: e porquê? Foi só um sinal de amizade. aéLis: não tem mal nas amigas? carLotta: aélis, eu sei que me quer ajudar mas eu acho que não percebe certas coisas. aéLis: eu acho que sim. carLotta: há uma diferença entre a amizade e aquilo que eu sinto. aéLis: paixão? é essa a palavra? carLotta: nunca pensei que eu… todos estes anos no colégio das freiras… toda a gente dizia que eu era uma santa… e era… eu acho que deus me deve estar a cas - tigar por ter sido… eu era arrogante, aélis. arrogante por pensar que não tinha pensamentos impuros. aéLis: a carlotta é simplesmente humana. não há nada de errado no que está a sentir. de spiGa: [sai do saLão , i 47 páG. 205. está a retirar -se para ir dormir ] Fantástico. absolutamente fantástico. e eu que pensava que as virgens estavam fora de moda. 182 t de LempicKa (acto i) • Fdc

aéLis: [para carLotta ] não ligue, ele está bêbado! [para de spiGa ] Boa noite, Francesco.

carLotta: rezarei por si esta noite, signore.

de spiGa: e eu vou beber à sua saúde, santa carlotta. [ ri e sai para intervaLo . o púBLico não deve seGui -Lo . rea - parece no acto ii, K 52]

carLotta: tenho de ir para a cama. sempre vem fazer os exercícios comigo?

aéLis: claro. o que é que eu levo vestido?

carLotta: nada. Às vezes o corpo também precisa de respirar.

aéLis: Às oito?

carLotta: Às seis. não há ninguém levantado. Buona notte, aélis. e… e… oh, estou-lhe tão agradecida. [ BeiJa aéLis e sai para intervaLo . o púBLico não deve seGui -La . reaparece no acto ii para K 54]

aéLis: [FaLando para si própria ] Foi isto um beijo amigá - vel ou um beijo apaixonado? [ para o púBLico ] com esta conversa sobre exercício fiquei cheia de fome. vamos. vamos comer. [ Leva o púBLico para o reFeitório , onde está a ser servido um BuFFet . de seGuida vai ao saLão para i 48 páG. 207] t de LempicKa (acto i) • Fdc 183

i 41 • escritório de Finzi Finzi Finzi telefona para mandar cercar il vittoriale e prender defelice.

Finzi: [vindo da saLa de Jantar , h 38 páG. 175. peGa no teLeFone ] Quartel de Garda, por favor… cabo tittoni. [pausa ] tittoni, capitano Finzi… preciso de três pelo - tões no il vittoriale imediatamente. três… o quê? não. não posso dizer. diz-lhes que é um exercício. arranja maneira de os pôr cá pela meia-noite. si, si, do lado de fora do portão e escondidos. ninguém entra. ninguém, sem a minha autorização. e tittoni, vai ter com aquele polícia, o capitano mutti e manda-o prender a defelice, a puta. ela pode estar envolvida numa conspiração… Que coisa é essa de ela ter desaparecido?… encontra- a, preciso dela… não tenho tempo para as tuas graças, cabo tittoni. encontra-a. Buona notte. [ desLiGa . sai para o Quarto de emiLia , i 42 páG. 184] 184 t de LempicKa (acto i) • Fdc

i 42 • Quarto de emilia emiLia • Finzi Finzi e emilia falam de ser-se pobre.

[emiLia , vindo da saLa de Jantar , h 38 páG. 175, entra no seu Quarto e LiGa o rádio . ouve -se o preLúdio de “La traviata ” de verdi , Que continuará até o púBLico ir Jan - tar . despe -se e espera por Finzi ]

Finzi: [entra vindo do seu escritório , i 41 páG. 183 e diri - Ge -se a emiLia ] traíste-me.

emiLia: não, aldo. não.

Finzi: navalhas. pistolas. murros. pensas que me agra - dam? olha para as minhas botas. nunca tive nenhumas até ir para a tropa.

emiLia: eu também sou pobre, aldo!

Finzi: não, tu não percebes. tinha dezoito anos quando finalmente decidi que ninguém mais me chamaria “kike” e ficava a rir-se. se eles me dessem um pontapé com sapa - tos calçados, o meu pontapé com o pé descalço seria mais forte. costumava andar aos pontapés às portas até os dedos sangrarem, depois embrulhava os pés com tra - pos e continuava aos pontapés, outra vez e outra vez até partir a porta. Quando entrei para o partido e me disse - ram para bater, para bater com força, bati. eu. aldo Finzi. Foi a única maneira, emilia. é sempre dessa manei - t de LempicKa (acto i) • Fdc 185 ra para quem é pobre. emiLia: você usa o seu corpo, eu uso o meu. pobres de nós.

Finzi: Quando levámos o socialista matteotti a dar um passeio, disseram-me para lhe dar um abanão. eu aba - nei-o e o patife morreu. disseram que eu era demasiado bruto para roma; ensinam-te a agir e depois mudam as regras. agora faço relatórios. e faço-os bem, nada me escapa. o Generale Foscarinni diz que a minha promo - ção está iminente mas tu não queres que isso aconteça… emiLia: aldo, quero!

Finzi: …porque trouxeste o mario para aqui! Quiseste criar-me problemas! depois de tudo o que eu— emiLia: aldo, eu precisava do dinheiro para pagar o colé - gio das freiras para a caterina.

Finzi: para que ela seja uma senhora, não é? tu não que - res que ela saiba que é filha de um gondoleiro e de uma puta. o que é que eu sou, emilia? emiLia: o que quer dizer com isso?

Finzi: um fascista? um judeu? não, sou pobre. eu sei o que sou e tenho orgulho em dizê-lo. sou pobre… Quando fui secretário de estado no ministério do interior, continuava pobre —da mesma forma que mussolini continua pobre. sempre esperei que me fosses 186 t de LempicKa (acto i) • Fdc

leal.

emiLia: e sou, aldo.

Finzi: não, tu queres ser rica, ter criadas, ter—

emiLia: si, quero ser uma senhora como madame Lempicka. é uma coisa assim tão má? Quer que eu acabe como a mãe do dante que morria de fome enquanto o marido era cabecilha de uma greve de gondoleiros?

Finzi: o pai do dante era o cabecilha da greve?

emiLia: e ele tinha escolha? os barcos a motor punham todos os gondoleiros na miséria se eles não fizessem nada.

Finzi: dante? onde é que está o dante?

emiLia: ele… acho que ele está com o mario.

Finzi: o dante está com o mario!

emiLia: [aGarra Finzi peLas costas e seGura -o] não, não! shhh! descanse. mistura tudo com política… vocês homens e os vossos jogos.

Finzi: [LiBertando -se de emiLia ] é o dante. o dante também. são todos vocês! [ sai para a cozinha , i 44 páG. 200. emiLia seGue Finzi mas este empurra -a de voLta para o seu Quarto ] não saias daqui! [ emiLia continua no seu Quarto , i 43 páG. 187] t de LempicKa (acto i) • Fdc 187

i 43 • Quarto de emilia emiLia emilia reza.

emiLia: [continua no seu Quarto de i 42 páG. 186. veste - se ] ó meu deus, protege o dante e o mario do Finzi — eu sei que não vou à igreja tantas vezes como devia e… mas porque é que eu estou a dizer estas coisas? —tu conheces o meu coração. meu deus, perdoa-me o peca - do que eu vou fazer. por favor percebe que eu só o faço por amor e por favor perdoa-me todas as minhas menti - ras e dá-me forças para que eu sobreviva. eu só quero sobreviver. [ Fica À porta de acesso ao corredor onde encontra mario para i 45 páG. 202] 188 t de LempicKa (acto i) • Fdc

i 44 • corredor, Quarto de mário e cozinha dante • emiLia • Finzi • mario dante e mario embebedam-se e “passeiam” por venezia.

mario: [vindo da cozinha com o coGnac de G 31 páG. 142] perguntas. toda a gente faz perguntas. a emilia acaba por falar se o Finzi continuar a fazer perguntas. e eu… porque é que eu insisto? o que é que vamos ganhar com o d'annunzio? aprender a fazer melhor as omeletes? é por essa revolução que eu ando a lutar? [ BeBe ] o pai ficava furioso quando eu dizia que para cada pergunta tinha de haver uma resposta… e afinal, onde é que elas estão?

dante: [vindo da saLa de Jantar de F 27 páG. 126] Já estás a beber um copinho, mario? tu foste à guerra, não foste?

mario: porquê?

dante: dentro de momentos, a emilia vai perceber que falta cognac na garrafa. se ela for ter com a Luisa ou com aélis, elas vão rebentar contigo como um canhão de 70mm. Boom! acabou-se o mario. se, e devias rezar para que seja isso que aconteça, se a emilia vier para aqui directamente, não será tão mau para ti, a emilia é uma granadazita comparada com as outras. mas as mulheres são todas umas cabras.

mario: salute! [ BeBe ] t de LempicKa (acto i) • Fdc 189

dante: [cheira o coGnac ] tu bebes disso? mario: não é lá grande coisa. dante: Queres uma coisa a sério? vais beber da minha reserva estritamente pessoal. emiLia: [vinda da saLa de Jantar de G 32 páG. 148] cá estão vocês. estão a arranjar maneira de me despedi - rem? dante: emilia, ele só estava a tirar o pó à garrafa. mario: desculpa. a última coisa que eu quero é arranjar- te problemas, prima emilia. emiLia: [depois de uma pausa ] tenho de ir. [ aGarra no coGnac e vai para o saLão , parando no corredor para G 33 páG. 149] dante: estás a ver? uma porradinha e aí vai ela. vamos ao teu quarto. [ entram no Quarto de mario ] e agora volta-te que eu arranjo-te uma bebida a sério. [ vai Bus - car uma GarraFa escondida no Quarto de mario ] presto. eu já te tinha avisado, misterioso mario. não confies em ninguém que esteja acima ou abaixo de ti. mario: porquê? dante: não te assustes, meu amigo. é apenas um conse - lho. estás a ver, tu és chauffeur e eu sou gondoliere. 190 t de LempicKa (acto i) • Fdc

somos iguais, não?

mario: si.

dante: não o bastante. mas falamos disso depois. Queres um copo?

mario: também os tens por aí escondidos?

dante: não é preciso. vamos brindar ao meu patrono.

mario: il comandante.

dante: esse nem o ordenado me paga.

mario: então quem é?

dante: ao ministro dos negócios estrangeiros soviétivo.

mario: o chicherin?

dante: ah, conhece-lo? [ aBre a GarraFa ]

mario: Li no jornal que veio cá.

dante: eu também leio jornais. um brinde ao ministro chicherin? [ dá a GarraFa a mario ]

mario: [BeBe e não contando Que Fosse tão Forte , enGasGa -se ] vodka! Bene! Quem és tu?

dante: és tu é que és o mistério. eu não sou comunista, t de LempicKa (acto i) • Fdc 191 se é isso que queres dizer. este vodka foi-me dado por lhe ter salvo a vida. mario: onde? na rússia? dante: cá. Bebe. há três ou quatro anos, ele veio cá jan - tar. depois de jantar, il comandante levou o russo para o salão, onde há uma enorme espada que os italianos de nova iorque lhe deram por ele ter libertado Fiume. Já a viste? mario: eu conheço-a. dante: olha que isto é tudo verdade. il comandante agarra na espada. espada enorme, hãn? o ministro não sabia o que havia de fazer. il comandante não diz nada durante… talvez… cinco minutos. e depois diz: “meu caro amigo”, tu sabes como ele fala, “por razões que não quero revelar antecipadamente, resolvi cortar-lhe a cabeça.” é verdade. a sério. o ministro ficou à rasca. Foi nessa altura que eu entrei. il comandante ficou furioso. olhou para mim, louco, muito zangado, e então volta-se para o russo e diz, “é uma pena que eu não esteja em forma esta noite. receio que tenha de adiar este assun - to para outro dia.” e foi assim que eu salvei a vida ao chicherin. Bebe. claro que foi tudo uma brincadeira, mas o ministro não lhe achou graça nenhuma. há cinco meses recebi o vodka. os comunistas são demorados a agrade - cer, não achas? mario: os fascistas nunca agradecem. 192 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: [conFirma Que não estão a ser viGiados ] isso é verdade, mas há coisas que não devemos dizer.

mario: eu não sei nada de políticas. a minha política é o automóvel.

dante: automóveis? isso é para velhinhos e velhinhas. são cadeiras de rodas. um bambino deste tamanho [indica a aLtura ] conseguia guiar a tua maquina .

mario: os pés não lhe chegavam aos pedais.

dante: não é preciso nenhuma habilidade especial para guiar. Graças a deus, venezia não os tem. venezia tem a gondola!

mario: nunca lá estive.

dante: ir lá uma vez é nunca mais sair. vamos comparar automóveis e gondolas. estou a guiar a tua maquina . não é preciso habilidade nenhuma para guiar esta coisa estú - pida. e enquanto estou a guiar consigo ouvir os pássaros a cantar nas árvores?

mario: si.

dante: [respondendo simuLtaneamente ] no. consigo sentir o maravilhoso cheiro do campo?

mario: si.

dante: [idem ] no. posso falar com alguém que venha em t de LempicKa (acto i) • Fdc 193 sentido contrário? mario: si. dante: [idem ] no. mario, não estamos a concordar. olha, estamos a ir para venezia. a estrada é apertada e outra maquina vem para cá. eu grito “primeiros”, “segun - dos”, ou quê? mario: primeiros. dante: eu não digo nada, ele não diz nada, e o mundo é um lugar ainda pior. vamos. [ saem para a cozinha . mario Leva o vodKa ] ora cá estamos. estaciono a maquina e apanhamos um comboio para venezia. [ põe um chapeu de GondoLeiro ] mario: o que é que estás a fazer? dante: vou-te mostrar venezia de gondola. [ no corre - dor ] ah! a ponte. trezentos metros de comprido, qua - renta e oito câmaras secretas de explosivos para demoli - ção rápida. contei os arcos uma vez, são duzentos e vinte e dois. estás a ver, mario? Foi feita em 1846 pelos austríacos. nós os venezianos nunca pensámos nisso. o meu pai, esse odiava-a, mas o progresso é uma coisa boa. assim os turistas podem cá vir. [ À porta da cozi - nha ] ora cá estamos. stazione venezia - santa Lucia. como tudo o resto em venezia, a estação foi contruída em cima das ruínas de uma igreja. esta casa é o que resta da de santa Lucia. Foi condenada à morte por se ter recusado a casar. 194 t de LempicKa (acto i) • Fdc

mario: como a emilia.

dante: sant'emilia.

mario: da cama de solteiro.

dante: [esvazia a mesa da cozinha enQuanto mario come o resto da omeLete deixada na mesa ] há uns anos tivemos uma cama de casal. a sério. está tudo no guia turístico. para se ser um gondoliere é preciso conhe - cer o guia turístico.

mario: dante, este jogo é engraçado, mas eu não consi - go ver venezia.

dante: Bebe. Quando eles esvaziam os canais, não os vês, cheira-los. mas continua a ser maravilhosa. venezia. La mia venezia.

mario: il comandante põe demasiado perfume.

dante: não é demasiado para venezia. o Grande canal. três quilómetros de comprido, profundidade média de dois metros e meio, três no rialto. não olhes para esse lado. é a doca dos barcos a motor. Quase nos arruina - ram quando apareceram. società vaporetti omnibus de venezia; era duns franceses. Foi duro. o meu pai chefiou a greve, os católicos rezaram à nossa senhora. ela foi simpática. não fomos completamente exterminados. a minha gondola! não é como a tua maquina . olha para ela! nove metros de comprido, metro e meio de bojo. olha t de LempicKa (acto i) • Fdc 195 como ela se inclina, está bêbada como nós. são feitas assim para poderem levar o remador com o seu remo. [aGarra na vassoura ] mario: dante, já chega. como é que eu posso falar com il comandante? dante: não podes. daqui a um ano talvez ele te diga olá. daqui a três anos és um primo afastado. daqui a dez, famiglia. mario: Quando é que ele está sozinho? dante: Quando anda no teu automóvel. mario: estou cá há uma semana e ele ainda não saiu. dante: mario, tens algum problema? vai falar com aélis ou com a signora Baccara. mario: tenho de falar com il comandante. dante: anda, eu levo-te a ele. embarca na minha gondo - la. [ mete um Banco em cima da mesa e soBe para cima deLa Ganhando a posição de um GondoLiere ] mario: [soBe para cima da mesa e senta -se no Banco ] e se eu fosse ao escritório dele…? dante: ele dava-te porrada. mario: ele já— 196 t de LempicKa (acto i) • Fdc

dante: me bateu? como um pai bate num filho, mais nada. ora aqui vamos nós. estás ver os meus pés? é como quem dança. o remo tem de estar pela cintura, e depois roda-se o corpo na direcção oposta. olha. estamos no canal. ali à direita é a igreja dos sclazi. Barroca, acho eu.

mario: há quanto tempo estás com il comandante?

dante: Quando é que foi caporetto?

mario: outubro de 1917.

dante: caporetto!

mario: então conheceste-lo em caporetto?

dante: não. o meu regimento foi mandado para venezia. Ficámos aquartelados no palazzo de spiga. o signor de spiga, sendo o italiano dos italianos, foi esconder o rabi - nho para roma.

mario: ninguém se poderia esconder lá agora.

dante: é verdade. tem piada. talvez não tenha tanta piada como isso, mas é verdade. o de spiga tinha um gondoleiro. tinha um nome inglese. chamava-se andrew e…

mario: si … t de LempicKa (acto i) • Fdc 197 dante: é chato de dizer, porque eu também sou gondo - leiro. ele era… como é que se diz… omosessuale. mario: um “frocio”? [ mario está BêBado ] dante: si. e ele tinha um amigo. costumavam fazer aqui - lo um com o outro. o pai do amigo era dos “amici”. mario: mafioso? dante: si. eles não gostam daquelas coisas. Foi encon - trado empalado num “bricole” na lagoa. completamente nudo. eu era o único gondoliere no regimento e assim fiquei eu com o emprego. Grazie, andrew. mario: “não quero ver a areia da clepsidra a cair Quero pensar em planícies e em pântanos e ver o meu saudoso andrew enterrado na areia.” dante: [rindo ] shakespeare. mario: conheces? dante: destesto “o mercador de veneza”. vês o cam - panário? san Fosca. a minha família vive na porta a seguir. isto não, não olhes, é feio, o palazzo Barbarigo. os austriacos bombardearam-no, mas ele continua em pé. é muito feio. “o mercador de veneza”, é uma peça feia. antes da guerra, em 1907, 1908, conheci um america - no, um poeta, não tão bom como il comandante, mas eu achava graça à forma como ele falava italiano, e por isso falávamos às vezes. chamava-se ezra pound. estava 198 t de LempicKa (acto i) • Fdc

farto, dizia que queria ser gondoliere. ensinei-lhe alguns truques. estás a sentir o cheiro a peixe?

mario: é da lota.

dante: e aqui é a erberia, o melhor mercado de hortali - ças da italia.

mario: não é nada. Genova tem um muito melhor. até o de milano…

dante: está bem, não é. mas neste é mais fácil roubar.

mario: e isso tem alguma coisa a ver?

dante: Quando se tem fome, sim. e eu tenho sempre fome. a igreja mais antiga de venezia, san Giacomo di rialto. século quinto.

mario: ezra pound?

dante: ele dizia que gostava do “mercador de veneza” porque o judeu tinha o que merecia. ora cá está, o sítio mais fundo do canal, três metros. esta é a ponte rialto. as lojas são horríveis e os miúdos cospem-te em cima. é feia. Foi construída em 1588.

mario: o que é que tu disseste?

dante: Foi construída em 1588.

mario: ao pound. t de LempicKa (acto i) • Fdc 199

dante: disse: eu sou judeu e exijo desculpas. mario: ou uma “pound” de carne. e ele pediu? dante: atirei-o à água antes dele conseguir abrir a boca. [mario ri -se ] palazzo papadopoli, construído por Gian Giacomo dei Grigi. renascença. século xvi. mario: tu sabes muitas coisas. dante: eu não sou chauffeur. palazzo Grimani, actual - mente o tribunal de apelação. mario: como é que se apela a um fascista? dante: de joelhos. mario: e implorando. dante: [dando a mario a vassoura e aGarrando a Gar - raFa ] vamos, rema. olha, o palazzo ducale. o meu bisa - vô trabalhou lá, na cozinha. a contessa recebeu Byron, shelley, Keats e muitos outros. homens brilhantes com ideias puras. mario: o Fascismo é para as pessoas que têm medo de se suicidar. é uma doença para liberais que não conse - guem apontar a arma. tira as liberdades, uma de cada vez. uma espécie de morte. morte com moderação. dante: mario, estás a balançar a gondola. palazzo Balbi, 200 t de LempicKa (acto i) • Fdc

o mais bonito de venezia. contruído por vittoria em 1582. napoleão viu a regata da varanda. o actual governo quer fazer um atalho para a estação, com o ca Foscari, aqui, e fazendo um novo canal. não gosto de atalhos.

mario: tudo é—

dante: mantém-no em baixo, mario. este é o palazzo Giustiniani, onde Wagner escreveu o terceiro acto do “tristão”. sabes, o lamento da flauta do pastor? Foi ins - pirado no pregão dos gondoliere. [ cantaroLa ] “premi”. “stali”. e aqui está o palazzo de spiga. a hora da violên - cia chegou.

mario: a hora da violência?

dante: il comandante tinha tantas mulheres a procurá- lo que teve de declarar as nove da noite “a hora da vio - lência”! se uma mulher chegava depois das nove, tinha vindo para “chiavare”. [ Faz um Gesto sexuaL ] era lindo. mulheres a sério. uma vez, uma única vez, fiquei com uma. il comandante fez uma marcação dupla e então mandou uma para o meu quarto e…

Finzi: [vindo do Quarto de emiLia , i 42 páG. 186] o que é que estão a fazer?

dante: a passear na minha gondola.

Finzi: de que é que estavam a falar?

dante: não estávamos a falar, estávamos a ouvir. t de LempicKa (acto i) • Fdc 201

Finzi: estavam a falar, dante. dante: olha, mario! como é que ele faz aquilo? o capitano está a caminhar sobre as águas.

Finzi: [para mario ] desce! [ mario desce cuidadosamen - te ] dante: [para mario ] ainda não te falei dos crocodilos do canal.

Finzi: sai, mario. Falo contigo depois. [ mario sai para o seu Quarto e encontra emiLia em i 45 páG. 202] o que é que queres dizer com isso? isto não é… a tua gondola. desce daí, dante. dante: eu não nado lá muito bem. [ desce ] Quer um copinho, capitano? [ BeBe um GoLo de vodKa e cospe -o nas Botas de Finzi . este dá -Lhe uma JoeLhada nas viri - Lhas . dante cai e continua na cozinha para i 46 páG. 204. Finzi sai para o Quarto de mario e encontra emiLia em i 45 páG. 202] 202 t de LempicKa (acto i) • Fdc

i 45 • corredor emiLia • Finzi • mario emilia faz jogo duplo.

[mario vem da cozinha de i 44 páG. 201 e encontra emi - Lia , vinda do seu Quarto de i 43 páG. 187]

emiLia: tinhas razão! eu… eu contei ao Finzi… aquilo—

mario: o quê?

emiLia: aquilo, aquilo de sermos amantes. [ mario BeiJa - a] posso ir ter contigo?

mario: dá-me uma hora… acho que bebi demais.

emiLia: tenho de arranjar uma desculpa para il comandante.

mario: escolhe: ele ou eu!

emiLia: espera por mim. [ mario sai para o seu Quarto e só voLtará a aparecer no acto ii K 51]

Finzi: [aparece vindo da cozinha de i 44 páG. 201 e encontra emiLia ] emilia, vai-me buscar o óleo de fígado de bacalhau. chegou a altura do mario aprender uma lição.

emiLia: não, aldo. t de LempicKa (acto i) • Fdc 203

Finzi: vai buscá-lo. emiLia: e eu? a minha lição? hoje já é a segunda vez que me deixa pendurada. vamos. esta noite é de borla. venha.

Finzi: [sorri e entra no Quarto de emiLia ] vais ter de o gramar, olá se vais. [ emiLia Fecha a porta e impede o púBLico de os seGuir . Finzi reaparece no acto ii no reFeitório em J 49 e emiLia no Quarto de mario em K 51. o púBLico Fica sozinho até À cheGada de dante ] 204 t de LempicKa (acto i) • Fdc

i 46 • cozinha e corredor dante dante leva o público a jantar.

dante: [está esticado no chão da cozinha de i 44 páG. 201. Levanta -se vaGarosamente e aGarra na GarraFa de vodKa ] signore, signori. Gostava de vos propor um brin - de… está vazia… [ atira a GarraFa ao chão o Que a Faz partir . encaminha -se Lentamente para o reFeitório ] andiamo. tenho lá em cima um reforço secreto. shhh. não digam a ninguém. se o senhor de spiga nos ouvisse, não sobrava nada para nós. [ Quando se Junta ao púBLi - co deixado sozinho por emiLia , Finzi e mario , diz ] vamos comer? [ Leva o púBLico para o reFeitório . reaparece no acto ii, J 49] t de LempicKa (acto i) • Fdc 205

i 47 • salão d’annunzio • de spiGa d'annunzzio discursa.

[d’annunzio continua de i 39 páG. 177. de spiGa pára de tocar piano . d’annunzio Faz sinaL a de spiGa para Lhe trazer cocaína . de spiGa oBedece e Faz um carreiro de cocaína ] de spiGa: mulheres, amor —ninguém é verdadeiro e nada é puro; excepto isto… nisto pode-se confiar. [ enQuanto d’annunzio cheira a cocaína , de spiGa sai para o corre - dor , i 40 páG. 181] d’annunzio: [oLha para o punhaL ] sim… a Luisa disse, “para ti, que foste escolhido por deus para irradiar a luz da nova liberdade pelo mundo inteiro, nós, as mulheres de Fiume e de italia, humildemente te oferecemos esta arma sagrada, esta adaga abençoada, para que com ela possas marcar a palavra vitória na carne dos nossos ini - migos.” [ parece chorar ] e eu pensei em são sebastião… e falei à multidão das mulheres que ampara - ram o seu corpo, o lavaram, lhe tiraram as setas dos seus inimigos, uma a uma, e disse, “Quero acreditar, meus irmãos, minhas irmãs, que esta lâmina foi feita das pontas de metal das setas que atingiram são sebastião. porque ele gritou o que sentia, 'morro para não morrer'. Gritou enquanto sangrava, 'não basta! outra!' oh! a imortali - dade do amor, a eternidade do sacrifício, o sangue do herói é inesgotável. é este o significado deste presente! 206 t de LempicKa (acto i) • Fdc

estão preparados para se juntarem a mim, para sacrificar as vossas vidas nesta grande empresa? então, não é tempo de falar, mas sim de fazer, não é tempo de pensar mas sim de agir, e de agir à romana. [ cheira mais cocaí - na ] se é crime incitar cidadãos à violência então eu… aqui… agora… orgulho-me desse crime. se em vez de palavras eu pudesse distribuir armas a todos vós, não hesitaria! e fá-lo-ia sem remorso! porque o uso da vio - lência é permitido se com ele impedirmos a nossa pátria de cair. vocês podem e devem impedir que um punhado de rufias e de zés-ninguém ponham em perigo e façam cair a italia! Qualquer que seja a acção necessária, ela é absolvida pelas verdadeiras leis de roma. oiçam-me! escutem-me! a traição está entre nós. não só o seu chei - ro nauseabundo mas também o seu infamante peso. a traição vive em roma. na cidade da alma, na cidade da luz!” [ é interrompido por aéLis , Que entra , vinda do reFeitório de i 40 páG. 182. continuam em i 48 páG. 207] t de LempicKa (acto i) • Fdc 207

i 48 • salão aéLis • d’annunzio aélis vai buscar d'annunzio.

aéLis: [vem do reFeitório , i 40 páG. 182 e interrompe o discurso de d’annunzio , Que tem estado no saLão , i 47 páG. 206] prometeu que não haveria mais discursos. d’annunzio: [Baixo ] não era um novo. aéLis: isso é irrelevante— d’annunzio: é mais relevante do que nunca. aéLis: a nossa casa depende do seu silêncio! d’annunzio: shhh! Fiz um voto de silêncio… pelo menos por esta noite. [ sai para intervaLo . reaparece no acto ii, K 53] aéLis: [para o púBLico ] minhas senhoras e meus senho - res, depois do que testemunharam, estou certa de que perceberão que il comandante precisa de alguma priva - cidade. se tiverem a gentileza de me seguirem, poderão partilhar do que pedi ao dante para preparar para todos vós. [ conduz o púBLico para o reFeitório e sai para intervaLo . reaparece no acto ii, K 53] 208 t de LempicKa (acto i) • Fdc

intermezzo • refeitório dante Jantar-Buffet

[enQuanto os espectadores saBoreiam a reFeição , têm oportunidade de trocar inFormações entre si . dante , Que veio de i 46 páG. 204, estará À disposição do púBLico para escLaecimentos adicionais . no FinaL do Jantar , continua em J 49 páG. 210]

il vittoriale degli italiani 10 Gen 1927 em honra da visita de tamara de Lempicka vinda de paris (França) e varsóvia (polónia)

antipasto

primi piatti

dolci

Bibide t de LempicKa (acto i) • Fdc 209

repertório

 1. Fatias de cá com nini Ferreira • autores vários, 1979  2. Fatias de cá no aniversário da naBantina • autores vários, 1979  3. o con(s)certo • Karl valentim, versão carlos carvalheiro, 1981  4. Gente séria • autores vários, 1981  5. hãn? • a partir dos monólogos “ a h unGara ” de mario Frati, “ eu, u LriKe , Grito !” de dario Fo e Franca rame e do conto “ passam os saLtimBancos ” de pitigrilli, 1982  6. a Festa da memória Que é curta • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1983  7. o Farmacêutico a cavaLo • a partir de conto de pitigrilli, versão carlos carvalheiro, 1983  8. Fatias de cá Bar é… • autores vários, 1984; autores vários, 2009;  9. a menina inês pereira • a partir de Gil vicente, versão carlos carvalheiro, 1984, 1992, 1996  10. por trás daQueLa JaneLa • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1985  11. a FuGa de WanG-Fô • a partir do conto de marguerite Yourcenar, versão carlos carvalheiro, 1987  12. hamLet • a partir da peça de William shakespeare e da peça “ a m áQuina - hamLet ” de heiner müller, versão carlos carvalheiro e Graça afonso, 1987; versão carlos carvalheiro, 2006, 2009  13. homLet • a partir da banda desenhada de Gotlib e alexis, versão carlos carvalheiro, 1988  14. Queremos aprender teatro (sonho de uma noite de verão • William shakespeare, 1988 e oFicina de teatro, Fatias de nataL, Fatias de carnavaL)  15. crónica dos Bons maLandros • a partir do romance de mário zambujal, versão carlos carvalheiro, 1986  16. a sapateira prodiGiosa • Frederico Garcia Lorca, 1990  17. carmen • a partir da ópera de mérimée e Bizet, versão ana paula eusébio, 1990  18. a Fera amansada • William shakespeare, 1990  19. a comédia da marmita • a partir da peça de plauto, versão carlos carvalheiro, 1991  20. a FLauta máGica • a partir da ópera de mozart e shikaneder e do romance “F iLha da noite ” de marion z. Bradley, versão carlos carvalheiro, 1991  21. timor • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1991  22. a menina Feia • a partir da peça de manuel Frederico pressler, versão carlos carvalheiro, 1992  23. conFusões • alan ayckbourn, 1994  24. a comissão de Festas • alan ayckbourn, 1995  25. as LiGações periGosas • a partir do romance de choderlos de Laclos e da peça “Quarteto ” de heiner müller e com os contributos da peça “ the danGerous Liaisons ” de cristopher hampton e do filme “ vaLmont ”de milos Forman com argu - mento de Jean carrière, versão carlos carvalheiro, 1996  26. taneGashima • a partir das narrativas “ pereGrinação ”de Fernão mendes pinto e “ teppo -K i” de nampo Bunshi, versão carlos carvalheiro e isabel passarito, 1997; taneGashima-hoi! • autores vários, 1998; taneGashima • carlos carvalheiro, 2004  27. xanana Gusmão - LiBerdade, LiBerdade! • autores vários, versão carlos carvalheiro, 1997 210 t de LempicKa (acto i) • Fdc

 28. t de LempicKa • John Krizanc, 1998  29. as árvores morrem de pé • a partir da peça de alejandro casona, versão carlos carvalheiro, 1999  30. tannhäuser • carlos carvalheiro a partir da ópera de richard Wagner e dos romances “o s FiLhos do GraaL ” de peter Berling e “ o G uardião do tempLo ” de Gabriela morais e dos contributos de isabel passarito, 1999; tannhäuser - o tesouro dos tempLários • carlos carvalheiro, 2003; o tesouro dos tempLários • carlos carvalheiro, 2007  31. viriato • a partir do romance “ a v oz dos deuses ” de João aguiar, versão carlos carvalheiro e Filomena oliveira, 1999  32. sonho de uma noite de verão • a partir da peça de William shakespeare, ver - são carlos carvalheiro, 2000  33. corto maLtese - concerto em o’menor para harpa e nitroGLicerina • a par - tir da banda desenhada de hugo pratt, versão carlos carvalheiro, 2001  34. a tempestade • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2001  35. astérix no criptopórtico • a partir da banda desenhada de Goscinny e uderso, versão carlos carvalheiro, 2002  36. aLcacer KiBir • carlos carvalheiro, 2002  37. inês • a partir do romance “ inês de portuGaL ” de João aguiar, versão carlos carvalheiro, 2003  38. diáLoGo das compensadas • a partir do romance de João aguiar, versão carlos carvalheiro, 2003  39. a morte do Lidador • a partir da narrativa de alexandre herculano, versão carlos carvalheiro, 2004  40. rapariGa com Brinco de péroLa • a partir do romance de tracy chevalier, ver - são carlos carvalheiro, 2004  41. o nome da rosa • a partir do romance de umberto eco, versão carlos carvalheiro, 2004  42. a Festa de BaBette • a partir do conto de Karen Blixen, versão carlos carvalheiro, 2005  43. o eQuador passa em s. tomé e príncipe • carlos carvalheiro e ana de carvalho, 2005  44. tomar em revista • carlos carvalheiro, 2006  45. as peGadas dos draGões (contos do Fascínio 3) • a partir do universo de ursula le Guin, versão carlos carvalheiro, 2006  46. o perFume • a partir do romance de patrick süskind, versão carlos carvalheiro, 2007  47. arthur • carlos carvalheiro, 2008  48. auto da Barca do inFerno • Gil vicente, 1999  49. o aneL QueBrado (contos do Fascínio 2) • a partir do universo de ursula le Guin, versão carlos carvalheiro, 2009  50. richard iii • a partir da peça de William shakespeare, versão carlos carvalheiro, 2010