UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO TEORIA, HISTÓRIA, PATRIMÔNIO E CRÍTICA DA ARQUITETURA E URBANISMO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Da cidade tradicional à cidade-jardim: modernidade em Pelotas na primeira metade do século XX

Danielle Souza da Silva

Pelotas, 2017. Danielle Souza da Silva

Da cidade tradicional à cidade-jardim: modernidade em Pelotas na primeira metade do século XX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas, como requisito à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora Profª. Drª. Célia Helena Castro Gonsales.

Pelotas, 2017.

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Danielle Souza da Silva

Da cidade tradicional à cidade-jardim: modernidade em Pelotas na primeira metade do século XX

Dissertação aprovada, como requisito parcial, para obtenção do grau de Mestra em Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pelotas.

Data da Defesa: 29 de setembro de 2017.

Banca examinadora:

...... Prof. Drª. Célia Helena Castro Gonsales (Orientadora) Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidad Politecnica de Cataluña, UPC, Espanha.

...... Profª. Drª. Aline Montagna da Silveira Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil.

...... Profª. Drª. Ana Lúcia Costa de Oliveira Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil.

...... Profª. Drª. Nirce Saffer Medvedovski Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil.

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À minha maravilhosa mãe, Reoni. Ao meu noivo, Sergio.

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AGRADECIMENTOS

A decisão da realização de uma dissertação é uma escolha que se faz sozinha. No entanto, talvez eu não tivesse conhecido o ambiente científico se não fosse a maravilhosa experiência que tive de trabalhar com pesquisa durante um período da graduação. Portanto, não posso deixar de agradecer primeiramente a duas colegas, Luiza Baggio e Valentina Machado, que me apresentaram e colaboraram para que eu entrasse no Núcleo de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo – NAURB – da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas. Dito isso, também devo agradecer a coordenadora Profª. Drª. Nirce Saffer Medvedovski pela amizade e todos os ensinamentos que levarei para sempre comigo.

Apesar do processo solitário que envolve uma investigação científica, no andamento da pesquisa e da elaboração do trabalho, o envolvimento de outras pessoas e suas contribuições em diversos âmbitos e momentos tornou a empreitada mais fácil. Assim, agradeço a todos que me auxiliaram neste trabalho. Entretanto, cabe uma menção especial a Deus, pela vida, por me dar força, coragem e sentido a tudo.

Agradeço à minha orientadora Célia Gonsales, por acreditar e confiar no trabalho, por suas orientações, conselhos, sugestões e paciência diante as minhas dificuldades, na busca de sempre melhorar a dissertação.

Agradeço aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação de Arquitetura e Urbanismo – PROGRAU – da Universidade Federal de Pelotas, em especial à Cristiane Miritz, assim como aos integrantes da banca examinadora do Exame de Qualificação, Profª. Drª. Nirce Saffer Medvedovski e Profª. Drª. Aline Montagna da Silveira pelas contribuições na dissertação.

Agradeço a CAPES pela bolsa concedida, que contribuiu, além dos estudos, a me sustentar, e também à Biblioteca Municipal de Pelotas, pela disponibilização de documentos e materiais para o desenvolvimento da pesquisa.

Por fim, sou muito grata à minha mãe Reoni Sebastiana Maciel de Souza e meu noivo Sergio Ferraz Fonseca, por entenderem as minhas ausências e preocupações e pelo incentivo dado desde a graduação e muito antes disso.

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“A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos ‘padrões’ que coexistem a cidade”.

Henri Lefebvre

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RESUMO

As teorias urbanas são importantes e devem ser estudadas e analisadas pelo valor propositivo que tiveram ao longo da história como instrumento de configuração da cidade em prol da melhoria da vida urbana. No início do século XX, os conceitos inovadores da teoria da cidade-jardim, como instrumento de política urbana no controle do desenvolvimento físico-espacial e como organizador do espaço ao tentar unir características do campo e da cidade e melhorar a qualidade de moradia das pessoas, refletiram-se em diversos planos urbanos de vários países. Em Pelotas, como em outras cidades do Brasil, devido ao rápido crescimento urbano foram necessárias transformações no seu tecido. Se as primeiras concepções urbanísticas adotavam o traçado ortogonal como elemento estruturante da cidade, as novas ideias urbanas que surgiram na Europa durante o século XIX e XX, em resposta aos problemas gerados pela Revolução Industrial, chegaram até o sul do Brasil trazendo novos traçados que geraram novas configurações no espaço urbano. Assim, o objetivo desse trabalho é analisar como a teoria da cidade-jardim repercutiu no Plano Geral de Pelotas de 1922, idealizado pelo arquiteto Fernando Rullmann, e no Plano de Expansão de 1927, elaborado pelo engenheiro Saturnino de Brito. No que diz respeito à metodologia de desenvolvimento do trabalho, o estudo das teorias urbanísticas, assim como o da teoria da cidade-jardim, que estava sendo muito disseminada na época, são fundamentais para a análise dos planos de Pelotas, visto que a cidade foi uma das pioneiras na aplicação desses princípios nos seus planos urbanísticos.

Palavras-chave: Teoria cidade-jardim; Plano Geral de Pelotas; Plano de Expansão de Pelotas; Fernando Rullmann; Saturnino de Brito.

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ABSTRACT

The urban theories are important and must be studied and analyzed by the propositional value they had throughout history as an instrument of the city’s configuration for the improvement of the urban life. In the beginning of the twentieth century, the innovative concepts of the garden-city theory, as an instrument of urban policy in the control of physical-spatial development and as a space organizer by trying to bond country areas and city’s characteristics and improve people housing quality, have been reflected in several urban plans in many countries. In Pelotas, as in other Brazilian cities, due to the the urban growth it was necessary to transform its fabric. If the firsts urbanistic conceptions adopted the orthogonal route as structuring element of the city, the new urban ideas that emerged in Europe during the nineteenth and twentieth centuries, in response to the problems generated by the Industrial Revolution, arrived in the south of Brazil bringing new traces that generated new forms of urban space. Therefore, the aim of this work is to analyze how the garden-city theory has influenced Pelotas’ General Plan of 1922, idealized by the architect Fernando Rullmann, and in the Expansion Plan of 1927, made by the Engineer Saturnino de Brito. Regarding the development methodology of this work, the study of the urban theories, as well as the garden-city theory, which was being very widespread at the time, are essential for the analysis of Pelotas’ plans, since the city was one of the pioneers in the application of these principles in its urbanistic plans.

Keywords: Garden-city Theory; Pelotas’ General Plan; Pelotas’ Extension Plan; Fernando Rullmann; Saturnino de Brito.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Esquema ilustrativo da evolução da quadra de Ernst May ...... 17

Figura 2 – Gravuras de Gustave Doré retratando Londres ...... 23

Figura 3 – Interpretação dos diagramas de Howard ...... 27

Figura 4 – Imagens retratando os planos e a cidade de Letchtworth ...... 28

Figura 5 – Imagens retratando o projeto e o bairro-jardim de Hampstead ...... 30

Figura 6 – Imagens retratando o projeto e as residências de Welwyn ...... 31

Figura 7 – Plano do bairro Jardim América ...... 37

Figura 8 – Residência localizada no bairro Jardim América ...... 38

Figura 9 – Anúncios da Companhia City no O Estado de S. Paulo ...... 39

Figura 10 – Mapas do crescimento urbano de Londres ...... 41

Figura 11 – Centro urbano da cidade do Cairo ...... 42

Figura 12 – Exemplos de crescimentos espaciais ...... 44

Figura 13 – Crescimento linear do Rio de Janeiro ...... 44

Figura 14 – Exemplo de um polo de crescimento ...... 45

Figura 15 – Mapa de Porto Alegre em 1840 ...... 52

Figura 16 – Planta de Pelotas em 1835 ...... 56

Figura 17 – Mapas da evolução urbana de Pelotas entre os anos de 1815 a 1926 .... 58

Figura 18 – Projeto de Ampliação de 1922 da cidade de Pelotas ...... 61

Figura 19 – Foto de Saturnino de Brito e do livro Obras completas de 1943 ...... 66

Figura 20 – Mapa com as cidades em que Saturnino desenvolveu projetos ...... 70

Figura 21 – Comparação de Saturnino entre o traçado geométrico previsto para Belo Horizonte por Aarão Reis, desconsiderando a topografia e os cursos d’água e o traçado sanitário proposto por Brito ...... 71

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Figura 22 – Anteprojeto de extensão de Saturnino para Pelotas em 1927 ...... 76

Figura 23 – Redesenho mapa de Pelotas de 1926 ...... 78

Figura 24 – Redesenho mapa de Pelotas de 1926 destacando os limites físicos ...... 79

Figura 25 – Redesenho do Plano de Rullmann, destacando as ampliações ...... 81

Figura 26 – Redesenho do Plano de Saturnino, destacando as ampliações ...... 82

Figura 27 – Redesenho do Plano de Rullmann, destacando o zonemanto ...... 84

Figura 28 – Redesenho do Plano de Rullmann, destacando as vias ...... 86

Figura 29 – Redesenho do Plano de Saturnino, destacando as vias ...... 87

Figura 30 – Redesenho do Plano de Rullmann, destacando as áreas verdes ...... 89

Figura 31 – Redesenho do Plano de Saturnino, destacando o modelo de quadras .... 90

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 12

CAPÍTULO 1 A TEORIA DA CIDADE-JARDIM E SUAS RESSONÂNCIAS 1.1 As ideias urbanísticas europeias na virada do século XIX-XX ...... 22 1.2 Teoria da cidade-jardim e seus desdobramentos projetuais ...... 25 1.3 As ressonâncias da teoria cidade-jardim pelo mundo ...... 32 1.4 Os reflexos da teoria cidade-jardim no Brasil ...... 34

CAPÍTULO 2 SUBSÍDIOS DE ANÁLISE URBANA 2.1 Elementos urbanos e as formas de crescimento ...... 41 2.2 Os princípios urbanísticos da teoria cidade-jardim ...... 46

CAPÍTULO 3 PLANO GERAL DE 1922 3.1 O início do pensamento urbanístico no Rio Grande do Sul ...... 51 3.2 A conformação urbana de Pelotas ...... 55 3.3 O Plano Geral de Fernando Rullmann ...... 60

CAPÍTULO 4 PLANO DE EXPANSÃO DE 1927 4.1 Saturnino de Brito e o urbanismo sanitarista ...... 65 4.2 O Plano de Expansão de Pelotas ...... 73

CAPÍTULO 5 OS PLANOS E A TEORIA DA CIDADE-JARDIM ...... 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 95

FONTES DE PESQUISA ...... 101

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INTRODUÇÃO

Devido à Revolução Industrial e ao domínio do comércio ultramarino, na primeira metade do século XIX, o Império Britânico se constituiu como a economia dominante no planeta. Em contradição à prosperidade crescente, as grandes cidades britânicas encontravam-se em situação de insalubridade. Com a expansão demográfica sem precedentes, tornaram-se evidentes os contrastes entre áreas com qualidade de projeto e equipamentos, exclusiva das classes abastadas, e os bairros das camadas populares, com condições de vida, tanto física quanto moral, degradantes. A maioria da população estava instalada precariamente e, à miséria, somavam-se epidemias que atingiam partes da cidade (OTTONI, 1997). As ideias dos chamados “socialistas utópicos”, de reestruturação da sociedade e do espaço, prosperaram junto com as crescentes reinvindicações populares por direitos civis e sociais. Dentro deste quadro da sociedade em transição, os recentes Estados Nacionais1 foram obrigados a intervir, produzindo alternativas destinadas ao controle urbano. Essas alternativas iam desde normas higienistas até a reorganização profunda das metrópoles, reestruturando seus fluxos e usos para também melhor atender às necessidades produtivas (OTTONI, 1997). Em resposta à situação existente, a passagem do século XIX ao XX trouxe ideias que delinearam propostas inovadoras. Entre as novas alternativas, em 1898, Ebenezer Howard publica a obra Tomorrow: A Peaceful Path to Real Reform, reeditada em 1902 com o título de Garden Cities of Tomorrow, na qual ele conciliava valores políticos e sociais com o apreço à natureza. Em resumo, sua proposta consistia em reunir as vantagens das cidades com as do campo, em novos núcleos com todas as funções urbanas (HOWARD, 1996; OTTONI, 1997).

1 Surgiram principalmente no fim do século XVIII início do século XIX, a partir do processo de industrialização como mecanismo de divisão do espaço geográfico internacional, estabelecendo uma nova configuração política e espacial. Levam em consideração as pessoas que vivem no território e que possuem características singulares segundo a sua identidade (língua, religião, moeda, hino do país etc.) cultural, histórica, étnica, colocadas em prática dentro do estado. FREITAS, Eduardo de. Surgimento dos Estados Nacionais; Revista Brasil Escola.

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Assim, os princípios da teoria cidade-jardim – uma das origens do urbanismo moderno – foram formulados como solução para o impasse civilizatório enfrentado pelas grandes cidades britânicas do século XIX, atribuindo à criação de cidades- satélites a função de controle de crescimento de metrópoles. Através dessa síntese conciliadora, as ideias de Howard atendiam aos anseios por melhoria do ambiente urbano sem conflitar com os que desejavam controlar a expansão populacional das metrópoles (TREVISAN, 2014). No Brasil, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, nas principais cidades do país sucederam-se diversas transformações urbanas, indicando a passagem da situação colonial para capitalista e industrial. Este movimento atingiu a capital federal – na época Rio de Janeiro – as capitais estaduais, as cidades portuárias e as mais importantes cidades do interior. Com a industrialização apareceram problemas urbanos relativos ao crescimento acelerado e desordenado das cidades. Além disso, nas cidades maiores também houve a necessidade de modernização, com a criação de um centro que contemplasse atividades comerciais, financeiras, de serviços e institucionais. Assim, a partir de planos que tinham como objetivos expansão, reforma e melhoramentos, algumas das principais cidades iniciaram reformas urbanas (CAMPOS, 2002). A cidade de Pelotas, situada no interior do estado do Rio Grande do Sul, também passou por um processo de transição. Na segunda metade do século XIX, o município tornou-se o centro de uma economia baseada na produção e comercialização do charque, tendo um intenso crescimento populacional e urbano. Com isso, foram necessárias a construção de novas infraestruturas – redes de saneamento, energia elétrica, gás, bondes, telefones – a constituição de regulamentos urbanísticos, assim como a confecção de planos de melhoramentos, embelezamento e crescimento (SOARES, 2004). No final do século XIX e princípios do século XX foram realizadas as primeiras iniciativas de planejamento urbano em Pelotas. Elas constituíram-se em regulamentos urbanísticos de caráter geral e eram baseados em princípios higienistas, que buscavam garantir principalmente a circulação do ar, a qualidade das águas e a limpeza das ruas, bem como a necessidade de uma localização periférica das atividades insalubres. Na época, as normas do urbanismo, comum em grande parte do país, estavam geralmente em meio às normas de conduta social que deveriam ser cumpridas pelos habitantes dos municípios (SOARES, 2004).

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Entretanto, além das normas de melhoramentos e embelezamento, havia outra preocupação dos planificadores da cidade de Pelotas e estava relacionada com a paisagem urbana: o sistema geométrico do município era considerado um modelo “antiestético” por apresentar muita uniformidade. Entre os inconvenientes da retícula citavam a monotonia, a má distribuição de solar – fato importante dado a umidade da cidade – e a não renovação do ar (PELOTAS, 1924). Com isso, percebe-se que a administração municipal de Pelotas considerava que a cidade necessitava de uma proposta com um plano urbano detalhado. Através dela se deveria promover a salubridade e o desenvolvimento racional da cidade, em harmonia com o progresso e a predileção moderna do momento. Assim, foram realizados o Plano Geral de Pelotas (1922), idealizado pelo Fernando Rullmann e o Plano de Expansão (1927), elaborado por Saturnino de Brito. Notam-se nos dois planos algumas características de ideias urbanísticas inovadoras – como a expansão com novas formas de traçado na malha urbana e setorização de usos – que estavam sendo desenvolvidas em vários países e também em alguns dos grandes centros urbanos brasileiros, e que de alguma forma serviram de modelo nas suas concepções. Nesse contexto, é importante frisar que embora o ideário cidade-jardim estivesse em voga, também havia outras propostas e modelos urbanísticos renovadores, como serão vistos adiante, que construíram o panorama do pensamento urbanístico dessa época (TREVISAN, 2014). Com base nesse panorama, se investiga nesse trabalho como tais teorias inovadoras aparecem nos dois planos urbanísticos realizados para a cidade de Pelotas – o Plano Geral de Pelotas (1922), de Fernando Rullmann e o Plano de Expansão (1927) elaborado pelo engenheiro Saturnino Rodrigues de Brito – e através de quais meios esses preceitos chegaram aos autores dos planos. A relevância dessa investigação dá-se, primeiramente, devido à importância que as teorias urbanas renovadoras, principalmente a da cidade-jardim, tiveram como instrumento de política urbana no controle do desenvolvimento físico-espacial e como organizadora do espaço da cidade na época. Além disso, esses novos conceitos tiveram uma grande difusão mundo afora, e trouxeram para Pelotas, vale-se dizer que precocemente em relação a muitas das cidades brasileiras, o que havia de mais avançado em planejamento urbano no início do século XX.

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Os objetivos específicos dessa investigação constituem-se em estudar as teorias urbanas vigentes no período da produção dos dois planos, compreender a produção e o pensamento dos autores dos planos e compreender o contexto histórico do município de Pelotas no momento em que essas novas ideias chegaram à cidade. No que diz respeito à metodologia de desenvolvimento do trabalho, os procedimentos são constituídos dos seguintes itens: a) estudo das teorias urbanísticas; b) estudos e análise dos planos; c) relações entre os planos e as teorias.

a) Estudo das teorias urbanísticas: Foi realizada uma revisão bibliográfica com o intuito de conhecer as teorias urbanas vigentes no período da produção dos planos da cidade e seus contextos de formação. Pela razão já indicada anteriormente – a detecção do ideário cidade-jardim – houve um maior empenho no estudo da teoria da cidade-jardim e a sua abrangência, através da análise dos princípios estabelecidos por Ebenezer Howard na virada do século XIX e urbanisticamente formalizados por Raymond Unwin e seu sócio Richard Barry Parker no início do século XX, no projeto das duas cidades-jardim inglesas de Letchworth e Welwyn e também do bairro-jardim londrino de Hampstead. Assim, a metodologia dessa etapa consistiu basicamente em uma revisão de literatura. Nesse estágio de pesquisa, alguns trabalhos acadêmicos também foram importantes para o desenvolvimento da investigação. As principais referências bibliográficas foram reunidas em três grupos:

- Teorias urbanísticas europeias;

- Urbanismo brasileiro;

- Urbanística de Pelotas.

- Teorias urbanísticas europeias: Através do estudo dessa bibliografia foi possível a observação e interpretação dos conceitos e planos urbanísticos que serviram de referência à diversas cidades. Destacam-se os estudos de autores e pesquisadores que retratam o modo de pensar e planejar as cidades a partir das transformações da sociedade durante o período da industrialização: Ebenezer Howard, Raymond Unwin, Françoise Choay, Leonardo Benévolo, Philippe Panerai e Carlos Roberto Monteiro de Andrade.

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Ebenezer Howard, com o texto “Cidades-jardins de amanhã” de 1902, tornou-se ícone para o urbanismo moderno ao apresentar um novo modelo urbano – uma cidade diferenciada em seu aspecto físico e em sua organização econômica, política e social – com a união das qualidades existentes no campo com as qualidades existentes na cidade. Com isso, também estabeleceu o controle de crescimento de metrópoles pela criação de cidades-satélites. Essa referência é uma das bases fundamentais para a pesquisa e será detalhada no capítulo 1 deste trabalho.

Raymund Unwin foi um dos maiores adeptos das teorias howardianas, ele defendia a criação de "subúrbios-jardins" nos arredores de cidades já consolidadas para frear a expansão urbana e a especulação imobiliária no centro e proporcionar boas condições de vida nas periferias. Com o livro “Town Planning in Pratice” de 1909, Unwin exerceu forte influência sobre a urbanística da época e se tornou um dos maiores expoentes do urbanismo do início do século XX.

Francoise Choay, no livro “O urbanismo”, de 1965, discorre sobre a formação das ideias que forneceram a base do urbanismo do século XX. A autora denomina de pré-urbanistas os primeiros pensadores sobre as reformulações da cidade industrial, pois eram de diferentes áreas do conhecimento, sendo os urbanistas geralmente arquitetos. A classificação apresentada por ela consiste no urbanismo progressista, o culturalista – que tem como exemplo a teoria cidade-jardim, de Ebenezer Howard, e está por trás da criação da cidade com baixa densidade na periferia – e no naturalista. Embora esta classificação restrita tenha sido superada, apresentando-se os planos e as cidades mais como uma fusão desses modelos, o estudo dessa autora ainda é uma referência importante na abordagem sobre esse tema.

Leonardo Benévolo, no livro “As origens da urbanística moderna”, de 1981, afirma que surgiram novas ideologias no tratamento do espaço urbano. Segundo ele, a Revolução Industrial proporcionou uma alteração na sociedade europeia em poucas décadas, modificando a estrutura do processo de organização do território europeu e dos espaços das cidades. Assim, inicia-se, juntamente à sociedade industrial, uma nova disposição do espaço urbano: a substituição das morfologias que eram empregadas desde a Idade Média, rompendo bruscamente com seus antecedentes e preparando a constituição de várias cidades modernas.

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Philippe Panerai, em sua obra “Formas urbanas – A dissolução da quadra”, de 1986, mostra a formação, crescimento e evolução das cidades, e sob que lógica ocorre tal processo. Além das reflexões em um percurso histórico contemporâneo sobre cidades-símbolo, realiza uma análise do desenvolvimento do espaço urbano a partir do estudo do quarteirão e seu processo de dissolução ao longo do século XX. Dentro do tecido urbano, Panerai considera a quadra um elemento determinante do espaço. A partir do estudo das diversas configurações é possível observar a relação da arquitetura com a cidade e sua evolução. No século XIX, as quadras apresentavam características de altas densidades e grande compacidade. Com o tempo, essa quadra vai se transformando (Figura 1), a periferia vai sendo mais organizada e a parte central subtraída, originando pátios de usos coletivos. Outra fase dessa evolução é marcada pela abertura das extremidades, os pátios tornam-se caminhos públicos e a densidade é menor. Logo, as quadras formaram duas fileiras autônomas de moradias e sua localização se deu em função da trajetória solar. A continuidade da quadra em relação à rua e sua submissão ao traçado urbano foram desaparecendo aos poucos.

Figura 1 – Esquema ilustrativo da evolução da quadra de Ernst May. Fonte: (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

- Urbanismo brasileiro: Maria Cristina da Silva Leme, uma das autoras brasileiras dedicadas ao estudo do espaço urbano, no livro “Urbanismo no Brasil: 1895-1965” de 1999 relaciona vários textos sobre a história das ideias urbanísticas em oito cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Niterói e Vitória. Obra de importância para o trabalho, pois estabelece uma conexão entre as ideias presentes na evolução urbana de outras cidades brasileiras nessa época.

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O livro de Silvia Wolff, “Jardim América: o primeiro bairro-jardim de São Paulo e sua arquitetura”, de 2001, traz uma importante contribuição no campo da história da arquitetura e do urbanismo ao relatar a história social e cultural de São Paulo. É relevante para a pesquisa ao apresentar vários documentos, mapas, fotos e reproduções de peças publicitárias, pertencentes ao acervo do arquivo da Companhia City, especialmente na parte dedicada ao levantamento e análise da arquitetura e urbanismo do bairro Jardim América desde a sua fundação.

Carlos Roberto Monteiro de Andrade é professor e pesquisador com ênfase em História do Urbanismo e possui diversos trabalhos publicados sobre o tema do urbanismo moderno, cidades novas planejadas, cidade-jardim e bairro-jardim, historiografia da cidade e do urbanismo, urbanismo sanitarista, e também sobre as trajetórias profissionais de engenheiros, arquitetos e urbanistas. Seus trabalhos, assim como sua tese de doutorado intitulada “Barry Parker: um arquiteto inglês na cidade de São Paulo” de 1998 foram muito relevantes para esse estudo.

- Urbanística de Pelotas: A obra do engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, tanto o “Memorial de Saneamento de Pelotas”, de 1927, como seus demais textos e projetos, é de grande importância como fonte primária para a pesquisa. Associando racionalidade técnica a um estilo inovador, Saturnino foi um dos pioneiros na aplicação de princípios do planejamento urbano moderno no Brasil. Seus planos de saneamento, expansão ou melhoramentos criaram um novo cenário urbano, com bulevares, canais de drenagem a céu aberto e equipamentos sanitários que, por meio de novas concepções e soluções técnicas, redefiniram a fisionomia de várias cidades.

A tese de Paulo Roberto Rodrigues Soares, “Del proyecto urbano a la producción del espacio: morfologia urbana de la ciudad de Pelotas, Brasil (1812-2000)”, de 2002, é uma boa referência de pesquisa, pois traz uma análise da morfologia urbana da cidade de Pelotas com um recorte temporal compatível com o trabalho. Além disso, o autor considera os agentes de produção espacial do município, estudando o desenvolvimento urbano e os ciclos de crescimento e expansão da cidade. Soares também possui outros estudos de relevância para a pesquisa por abordarem temas relacionados à história do urbanismo de Pelotas.

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A dissertação de Roberta Taborda Santa Catharina, “Ordenanças urbanas e ideia de cidade: o primeiro e o segundo plano diretor de Pelotas e os temas de urbanismo do século XX”, de 2012, também é de importância para essa investigação porque faz uma reflexão sobre as ideias urbanísticas identificadas nos planos e legislações desenvolvidas para Pelotas até 1980.

b) Estudo e análise dos planos: Nessa etapa realizou-se o levantamento histórico-documental dos planos, feito através de pesquisa de dados e informações sobre suas concepções e seus autores. Entretanto, antes do estudo dos planos foi realizada uma revisão bibliográfica com a intenção elencar os subsídios de análise urbana. As obras selecionadas são referências do papel da legislação urbana e dos elementos que compõe a forma urbana e estruturam o crescimento da cidade, itens necessários para analisar a morfologia dos planos e plantas do trabalho. Pertencem a este conjunto os escritos de José M. Ressabi Garcia Lamas, a obra de Joaquín Sabaté, Philippe Panerai e Manuel Solà-Morales i Rubió. Embora não se tenha utilizado todas as categorias de classificação e de análise dos respectivos autores citados – devido ao fato dos dois planos não terem sido executados e por isso não serem mais detalhados – as leituras dessas referências foram importantes e auxiliaram na composição dos subsídios de análise urbana de ambos os planos.

Lamas, no livro “Morfologia urbana e desenho da cidade”, de 1992, relaciona dados retirados de disciplinas diversas – economia, geografia, história, sociologia – com a intenção de explicar a cidade como um fenômeno físico e construído. Explicação que determina a compreensão da forma urbana e seu processo de formação. Assim, ele aborda os aspectos exteriores do meio urbano e os elementos estruturantes do espaço urbano: o quarteirão, o logradouro, a rua, a praça, o monumento, entre outros. Considera o edifício como o elemento mínimo do espaço urbano, pois através dele se organizam os diferentes espaços da cidade – a rua, a praça, o beco, a avenida etc. – havendo uma mútua influencia entre a morfologia urbana e a edificação. Segundo Lamas, o quarteirão pode basear-se na sua forma construída como no processo de traçado e divisão fundiária. Além disso, o quarteirão agrega e organiza também outros elementos da estrutura urbana: o lote e o edifício, o traçado e a rua e as relações que estabelecem com os espaços públicos e privados.

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Sabaté, na obra “El proyecto de la calle sin nombre. Los regulamentos urbanos de la edificación París – Barcelona”, de 1999, argumenta que a importância das leis urbanas reside no fato de que elas resultam uma condição que está muito vinculada à forma das edificações. Outro indicativo do valor das ordenanças é a importância que tiveram ao longo da história como instrumento de configuração da cidade e consenso em prol da melhoria da construção urbana. Nesse caminho, Sabaté indica diferentes tipos de regramentos que refletiram a maneira de observar a cidade em diferentes momentos na história. Esses diferentes olhares podem indicar as mudanças fundamentais no conteúdo das ordenanças: o controle indireto na forma urbana (ordenança da atividade construtiva; da boa construção e da boa vizinhança) e controle direto do espaço da cidade (ordenanças de ornamento público; ordenanças de higiene; ordenanças de zoneamento). O autor sistematiza as ordenanças urbanas em seis categorias diferentes e assim as define:

• Ordenança da atividade construtiva: relaciona a forma da cidade e suas construções;

• Ordenança de boa construção: preocupada com as regras de estabilidade e segurança das construções arquitetônicas;

• Ordenança de boa vizinhança: regulariza o direito da construção, mais especificamente com a separação de aberturas, paredes, altura das edificações, abertura nas fachadas etc.;

• Ordenança de ornamento público: relacionado essencialmente com as fachadas públicas;

• Ordenança de higiene: retrata a preocupação com a higiene na circulação de luz e ar na cidade;

• Ordenança de zonificação: separação dos diferentes usos da cidade.

Os estudos produzidos por Solà-Morales, em “Las formas de crecimiento urbano”, de 1997, analisam as teorias de crescimento, com o argumento que para um projeto urbanístico dar forma a um processo físico e arquitetônico que combine solo, edificação e infraestrutura, necessita de três operações: parcelamento (P), urbanização (U) e edificação (E). Nem sempre são processos simultâneos e encadeados de mesma maneira, mas é através dessas três combinações que surgem as diferentes morfologias das cidades.

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c) Relações entre planos e teorias: Nessa etapa, através dos subsídios de análise – elencados a partir da bibliografia indicada e das características dos exemplos de projetos de cidade-jardim – foi possível analisar e detalhar os elementos presentes nos dois planos.

O presente trabalho está estruturado em introdução, cinco capítulos, considerações finais, referências bibliográficas e fontes de pesquisa. Na introdução são apresentadas a caracterização do projeto, a justificativa do tema de investigação, as perguntas, os objetivos gerais e específicos, os procedimentos metodológicos e o estado da arte pertinente à pesquisa e desenvolvimento do trabalho. No Capítulo 1 – A teoria da cidade-jardim e suas ressonâncias – através da revisão de literatura, são abordados dados e informações sobre a origem da teoria da cidade-jardim, seu autor, sua concepção, sua difusão pelo mundo e sua ressonância no Brasil. Este capítulo pretende contribuir para um melhor entendimento desse modelo urbanístico, tão importante na história do urbanismo. No Capítulo 2 – Subsídios de análise urbana – são apresentados, listados e comentados, conforme o embasamento conceitual, os elementos que servirão de análise na morfologia urbana dos dois planos desenvolvidos para a cidade de Pelotas. Foram divididos em dois tópicos: a) Elementos urbanos e as formas de crescimento b) os princípios urbanísticos da teoria cidade-jardim. No Capítulo 3 – Plano Geral de 1922 – são apresentadas informações antecedentes até a concretização do plano de Fernando Rullmann – como a conformação urbanística da cidade de Pelotas e as legislações que regeram o município – assim como dados relativos à sua concepção. No Capítulo 4 – Plano de Expansão de 1927 – são apresentadas informações antecedentes à concretização do plano de Saturnino de Brito – questões a respeito do urbanismo sanitarista, relevantes para compreender melhor o trabalho desenvolvido pelo engenheiro – assim como dados relativos à sua concepção. No Capítulo 5 – Os Planos e a teoria cidade-jardim – é apresentada a análise dos dois planos através de subsídios elencados a partir da categorização dos elementos urbanos, das formas de crescimento da cidade e dos princípios urbanísticos da cidade-jardim, que assim se constituem: meio natural, malha urbana, eixos estruturadores, espaços públicos e quadras e lotes. Através da análise foi possível apontar quais características da teoria cidade-jardim estão presentes nos planos.

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CAPÍTULO 1 A TEORIA DA CIDADE-JARDIM E SUAS RESSONÂNCIAS

1.1 As ideias urbanísticas europeias na virada do século XIX-XX

Com a Revolução Industrial, as cidades europeias cresceram exponencialmente, romperam os limites de suas muralhas medievais e se espalharam, exercendo uma pressão sem precedentes sobre o território. Em 1800, as cidades europeias haviam se tornado no mínimo duas vezes mais densas que suas predecessoras medievais. Com isso, os centros urbanos foram se degradando e os bairros agradáveis cada vez mais pareciam ilhas isoladas entre um mar de cortiços industriais cinzentos, densos e esteticamente desagradáveis. Assim, cidades com superpopulação, repletas de poluição, fome, epidemias e mortes, eram os traços característicos da vida urbana para a grande maioria da população (KOTKIN, 2012). Entre os anos de 1840 e 1901, a população da cidade de Londres triplicou. Esse crescimento ocorreu, especialmente, devido ao desenvolvimento da indústria do couro e vestuário, assim como ao crescimento do tráfego portuário. Isso atraiu a população rural, de modo que o crescimento de Londres até 1870 foi essencialmente o resultado da imigração de uma população sem trabalho no campo, ou de estrangeiros que abandonavam seu país devido às dificuldades. A partir de 1870, a imigração continuou, e, somado a isso, o número de nascimentos se tornou superior ao número de falecimentos (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). No mesmo período, as atividades financeiras e comerciais aumentaram e fizeram com que a população do centro se transferisse para a periferia. A partir da metade do século XIX, o estabelecimento de redes de transporte suburbano facilitou a expansão desses subúrbios. Entre 1820 e 1914, o raio do espaço urbanizado londrino passou de cinco para quinze quilômetros. Esse crescimento foi consolidado pela construção de conjuntos habitacionais, com tipologia de casas em fita e construção sistematizada. Os bairros (Figura 2) cresceram em um ritmo acelerado e também desastroso (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

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Figura 2 – Gravuras de Gustave Doré, ambas retratam Londres no período da Revolução Industrial. Fonte: (BENÉVOLO, 1999).

Em resposta a essas condições urbanas e de habitação, alguns filantropos e planejadores urbanos propuseram novas maneiras de pensar a cidade. Para isso começaram a explorar novos modelos, principalmente para as cidades industriais. Com isso, novas formas urbanas surgiram, como o centro comercial linear – composto por lojas que se desenvolvem ao longo de corredores viários – e as cidades-satélites – povoamentos independentes que muitas vezes também incluíam comércio e serviços privados (KOTKIN, 2012; WALL & WATERMAN, 2012). Por se tratar de uma época de grande crescimento urbano, com novos modelos urbanísticos pensados para novos estilos de vida, o período industrial se caracterizou também por muitos avanços em vários aspectos das cidades. Os planejadores compartilharam a crença de que novas cidades poderiam ser planejadas de modo a melhorar a situação do cidadão. Embora apenas algumas dessas cidades tenham sido executadas, as influências desses ideais utópicos nas sucessivas gerações de urbanistas foram grandes (WALL & WATERMAN, 2012). Entre os planejadores e teóricos mais influentes do período Industrial destaca-se Ebenezer Howard (1850-1928). A concepção howardiana apresentou-se adequada ao plano de construção do espaço utópico. Longe da grande cidade e de seus problemas, como poluição, presença de cortiços e especulação imobiliária, Howard propunha cidades de pequena e controlada dimensão no interior da Inglaterra, com solo urbano pertencente a uma cooperativa – negando a propriedade privada – , habitadas por pessoas vindas da capital ou de outras cidades que apresentavam os mesmos problemas e dificuldades (HOWARD, 1996; HALL, 2013).

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Em meio a tantas mudanças, motivadas pela efervescência intelectual da época, começaram a surgir de todos os lados, publicações em formato de livros e revistas. Expoentes como Sitte e Howard, os quais publicaram seus princípios em livros que passaram a ser marcos na história da construção das cidades, provocaram reações e alavancaram movimentos (SOUZA, 2010). Em 1889, Camillo Sitte publica “Der Städtebau nach seinen kunstlerischen Gründsätzen” (A construção das cidades segundo seus princípios artísticos), criticando a cidade moderna e o urbanismo francês. Seu livro se deu principalmente em reação às obras de Haussmann em Paris, na readequação da cidade do passado às necessidades da cidade moderna, assim como à abertura da Ringstrasse de Viena, na Áustria, modelos que ligavam a cidade antiga com as novas áreas em expansão através de grandes e importantes bulevares. Sitte (1992) acreditava que a simetria de traçado, com casas regularmente alinhadas, provocava um mau efeito e também contribuía para o isolamento de monumentos. No campo da higiene, ele reconhecia o progresso alcançado nesse modo de planejamento, mas não acreditava que, para se obter tal benefício, fosse também necessário suprimir a beleza das cidades. No urbanismo da virada do século XX, o livro de Sitte teve significativa importância, influenciando arquitetos e urbanistas europeus como Raymond Unwin, Berlage e Ernst May. Os princípios de sua teoria desencadearam uma linha de pensamento que influenciou uma geração de profissionais tanto das áreas de engenharia como de arquitetura e urbanismo. É importante destacar que, concomitantemente ao desenvolvimento da teoria da cidade-jardim na Inglaterra, na Alemanha se desenvolviam estudos de modernização urbana que iriam dialogar com a teoria de Howard. Por volta de 1880, Inglaterra e Alemanha iniciaram diálogos que passaram a favorecer a prática e busca de soluções para os problemas urbanos comuns entre ambos os países, no que dizia respeito, principalmente, aos bairros operários. Como será visto posteriormente, a Alemanha passou a adotar princípios semelhantes aos da cidade-jardim em áreas próximas aos grandes centros de Berlim (SOUZA, 2010).

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1.2 Teoria da cidade-jardim e seus desdobramentos projetuais

Impressionado com a desordem, as doenças e a crescente criminalidade da metrópole, Howard defendeu a criação de cidades-jardim na periferia londrina, tornando-se um dos defensores mais influentes da dispersão urbana do século XIX. Como comentado anteriormente, em 1898, Howard publica a obra Tomorrow: A Peaceful Path to Real Reform, reeditada em 1902 com o título Garden Cities of Tomorrow, onde apresenta os caminhos para a solução do inexorável crescimento de Londres e suas periferias (OTTONI, 1997). Para entender melhor a contribuição de Howard, é importante conhecer as experiências que contribuíram para a formação de suas ideias, desenvolvidas entre os anos de 1880 e 1890. Nascido em Londres em 1850, Howard cresceu em cidades interioranas do sul e leste do país. Aos 21 anos emigrou para Nebraska, Estados Unidos. Sua experiência como agricultor foi um desastre e no ano de 1872 foi morar em Chicago, onde começou a trabalhar como taquígrafo, profissão que exerceu pelo resto da vida (HALL, 2013; CALABI, 2015). Como fazendeiro, Howard vivenciou a Lei de Distribuição de Terras de 1862, que cedeu porções de terras gratuitamente para os pioneiros, estabelecendo, com isso, uma economia e sociedade de fazendas prósperas e um sistema educacional voltado para a agricultura. Já em Chicago, presenciou a reconstrução da cidade após o grande incêndio de 1871. É importante frisar que, anteriormente à era dos arranha-céus, Chicago era conhecida universalmente como cidade-jardim, provavelmente a origem do título do trabalho de Howard (HALL, 2013). De volta à Inglaterra, Howard dedicou-se a estudar. Declarou que as ideias centrais da teoria foram pensadas por ele, embora houvesse escritores precursores, como Edward Wakerfield, que lhe forneceram embasamento. Cinquenta anos antes, Wakerfield desenvolveu na Austrália a ideia de uma cidade planejada para pessoas pobres. Seu esquema definia que quando uma cidade atingisse determinado tamanho, dever-se-ia começar outra, separada por um cinturão verde, origem do seu conceito de cidade social, admitiu Howard (HALL, 2013). Um artigo de 1884, do economista Alfred Marshall, provavelmente também tenha influenciado Howard. Marshall sugeria que a remoção para o campo de parte da população londrina seria, a longo prazo, economicamente vantajosa, beneficiando tanto os que se mudavam como os que ficavam na cidade. Para ele, as novas tecnologias iriam viabilizar essa dispersão (HALL, 2013).

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Segundo Howard, tanto a cidade, quanto o campo, podiam ser considerados como imãs que atraiam a população para si. O propósito do seu livro consistia em mostrar a direção para a construção do imã cidade-campo, o imã que uniria essas duas possibilidades em uma única. Portanto, a ideia de cidade-jardim nasceu da intenção de agregar as vantagens da vida ativa da cidade com a beleza e outras qualidades da vida do campo. A nova cidade seria construída com baixas densidades e com casas isoladas no meio do espaço verde. Com isso, era esperado que o nível da saúde e bem-estar dos trabalhadores fosse elevado (CHOAY, 1992). Assim, a proposta de Howard pretendia reaproximar o homem da natureza por meio de reformas – sociais e territoriais. Isso fica evidente no trecho que o autor expõe em sua obra:

“A questão é universalmente considerada como se agora fosse (e assim devesse permanecer para sempre) completamente impossível para os trabalhadores viver no campo e apesar disto dedicar-se a atividades outras que não a agricultura (...). Essa falácia é aquela muito comum de ignorar por completo a possibilidade de alternativas além daquelas apresentadas à mente. Na verdade, não há somente duas alternativas, como se crê – vida urbana ou vida rural. Existe também uma terceira, que assegura a combinação perfeita de todas as vantagens da mais intensa e ativa vida urbana com toda a beleza e os prazeres do campo, na mais perfeita harmonia” (HOWARD, 1996 – p. 107-108).

As Cidades Jardins deveriam comportar uma população em torno de 32.000 habitantes, sendo 30.000 na área urbana e 2.000 no setor agrícola. A parte urbana era composta por seis setores, cada um deles servido por escola pública, cozinha coletiva, igreja, campos esportivos, áreas de lazer, clubes e lojas. Esse modelo de projeto seria um embrião do futuro conceito de “Unidade de Vizinhança” (OTTONI, 1997). No núcleo central da cidade havia um anel de jardins rodeados por edifícios públicos como prefeitura, salas de concertos e conferências, teatro, biblioteca, museu, galerias de arte e hospital. O restante desse núcleo era circundado por uma arcada envidraçada – o “Palácio de Cristal” – jardim de inverno onde eram expostas manufaturas para a venda, abrindo-se diretamente ao parque público de recreação. Entre a parte central da cidade e o setor industrial externo, circundado pela ferrovia, localizavam-se as habitações, permeadas de vegetação (OTTONI, 1997).

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Através de suas ideias, Howard pretendia criar atrativos maiores do que as grandes cidades poderiam oferecer em termos de oportunidades de emprego, diversão e progresso pessoal. Em sua obra, composta também por cálculos e diagramas geométricos (Figura 3), através dos quais demonstrou suas principais ideias, Howard estabelece uma proporção de 32.000 habitantes para 1.000 acres de terra, onde a cada área de 5.000 acres haveria um cinturão verde (HOWARD, 1996).

Figura 3 – Interpretação dos diagramas de Howard – Esquema dos três imãs (esquerda) e esquema de distribuição de usos e espaços da cidade (direita). Fonte: Renato Saboya (2008) – Site Urbanidades.

Tendo o cuidado de que suas ideias incluíssem os desejos dos industriais, comerciantes, cooperados, artistas e eclesiásticos, oito meses após a publicação de seu livro, Howard criou a Garden City Organization para discutir ideias e possíveis alterações além de também formular um esquema prático de projeto. O projeto executado por arquitetos e urbanistas, para um terreno ideal e com um programa de necessidades detalhado, definiria a cidade a ser construída (HALL, 2013). Em 1903, Howard criou a cidade de Letchworth e contratou os jovens arquitetos Raymond Unwin (1963-1940) e Richard Barry Parker (1867-1947) para a realização de seu projeto urbano. Antes desse projeto eles haviam trabalhado na urbanização de uma aldeia-jardim para um grupo empresarial, com isso já haviam experimentado aspectos que iriam desenvolver nas propostas de Howard (HALL, 2013).

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Unwin e Parker estipularam que suas atividades, antes de tudo, deveriam promover a beleza ou deleite: “Acima de tudo, precisaremos infundir o espírito do artista em nosso trabalho”. Entretanto, não deixaram de ter em mente os usuários e os respectivos espaços que eles iriam usufruir (UNWIN, 1984). Em 1904, financiadas por uma sociedade anônima, iniciaram as obras da cidade de Letchworth (Figura 4). O conjunto era composto por usos residenciais, industriais e comerciais. Os arquitetos projetaram casas isoladas, recuados dos limites do terreno, com jardins fronteiriços. A vegetação permeava toda a cidade e se ligava ao cinturão verde rural que a contornava, sempre tomando a escala humana como referencial. No final, se obteve uma grande qualidade técnico-construtiva, propiciando maior área de habitação e preço acessível (OTTONI, 1997; TREVISAN, 2014).

Figura 4 – Plano de Parker e Unwin para a cidade de Letchtworth (esquerda), foto mostrando rua e residência de Letchworth (direita em cima) e detalhe da área central do plano (esquerda embaixo). Fonte: (OTTONI, 1997; PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

A cidade de Letchworth tornou-se referência, atraindo estudiosos de todo o mundo e influenciando diversos subúrbios nas formas de ocupação. Além disso, também estimulou pesquisas de habitação social na Europa, resultando na busca por habitações dignas, com baixo custo para o operariado. Ligados a cidades existentes, os bairros-jardim se proliferaram mundialmente (WOLFF, 2001).

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Em 1906, foi promulgada a Lei de Planejamento Urbano, em Londres, que tornou obrigatório o controle dos projetos de parcelamento urbano, reunindo o cuidado da densidade dos loteamentos com a construção das habitações. Com isso, criou-se uma atmosfera propícia para novas pesquisas e experimentações urbanísticas. Além disso, a ideia de cidade-jardim e cidades-satélites tornou-se o centro dos debates dos urbanistas. A partir de então, o urbanismo passa a ter instrumentos legais e teóricos no controle do crescimento da cidade (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). No ano de 1909, baseando-se em suas experiências de trabalhos, Unwin publicou o livro Town Planning in Practice. Em seu livro, sobre o planejamento das cidades e as relações entre edifícios e espaços, apresenta cidades e aldeias inglesas, francesas e alemãs (UNWIN, 1984; PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). Depois de analisar várias cidades europeias, Unwin estabeleceu algumas regras precisas para projetos urbanísticos: uma estrutura global clara, formada por centros densos e facilmente identificáveis, alguns bairros morfologicamente diferenciados, um limite e uma barreira ao crescimento da cidade, um eixo, um marco – uma construção excepcional, podendo ser até uma estrada – e baseando-se nas ideias de Camillo Sitte, um traçado urbano pitoresco (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). Em 1910, houve uma exposição internacional sobre planejamento urbano em Londres, Berlim e Düsseldorf. A exposição mostrava a pertinência das teorias de Unwin e a atualidade dos problemas por ele abordados. Através disso percebe-se a rapidez da difusão das suas ideias (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). As ideias propostas por Unwin foram postas em prática parcialmente, pois o “espírito da época” não estava pronto para adotá-las totalmente. Ainda assim, algumas das experiências foram referências para as políticas de novas cidades e os cinturões verdes presentes na Inglaterra (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). O conceito cidade-jardim não ficou restrito somente ao campo do planejamento de cidades novas. Em 1907, Unwin e Parker apresentam o projeto do subúrbio-jardim Hampstead, localizado a 8 km do centro de Londres. No esboço de 1905, Unwin concentrou os principais equipamentos comunitários em um denso centro e criou alguns centros menores com equipamentos para vários outros bairros. Este projeto preliminar não foi adiante em virtude de algumas contraposições entre as propostas de Unwin e os desejos de sua cliente: esta havia posto várias condições para o projeto, entre elas que todas as classes da sociedade pudessem conviver e que as divisas dos terrenos não fossem de muros (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

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O projeto de 1909 (Figura 5) foi totalmente executado. Nele estavam evidentes alguns princípios de Unwin: desenho de uma estrutura viária geral, centro denso, locais de moradia diversificados, hierarquia espacial e o estabelecimento de limites urbanos. O tratamento dado às vias fez mais concessões ao pitoresco. Entretanto, a fama já alcançada por Unwin e Parker, o caráter experimental do empreendimento e a sua implantação o transformaram em um bairro com altos custos financeiros, dificultando o financiamento e facilitando para que a classe dominante se apropriasse de quase todas as moradias (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

Figura 5 – Projeto de Unwyn e Parker para o bairro-jardim de Hampstead (acima), detalhe projeto (embaixo à esquerda) e tipologia das residências do bairro (embaixo à direita). Fonte: (OTTONI, 1997; UNWIN, 1984).

Em 1919, para provar a viabilidade econômica e social de sua proposta, Howard decidiu construir a segunda cidade-jardim. Assim, ele dedicou-se à realização de Welwyn Garden City. Ela fazia parte de um grupo de cidades que deveria circundar a cidade de Londres e sustentar o seu crescimento (OTTONI, 1997).

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Apesar de estar localizada a 22 km de Londres, e ser bem conectada com a capital por ferrovias, a cidade foi pensada para ter certa autonomia econômica. O interesse em Welwyn consistiu no fato dela juntar a ideia de cidade-satélite aos princípios da cidade-jardim de Howard – como administração autônoma e uma relação com o campo – e a materialização das ideias de Unwin sobre planejamento urbano (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). Howard nomeou como arquiteto Louis de Soissons, considerado, na época, como um talentoso jovem arquiteto. O projeto de Soissons utilizou a topografia do terreno e aproveitou a curva da ferrovia para estabelecer uma composição axial, mantendo a vegetação e as construções existentes e ligando todo o conjunto por meio da vegetação, com normas definidas e uma arquitetura de grande homogeneidade (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009). Soissons utilizou as mesmas ferramentas de composição urbana de Unwin. Embora tenha evitado os efeitos pitorescos, ele sobrepôs duas ideias de cidade: a cidade medieval, com sua heterogeneidade, e a cidade clássica, com seu rigor e unidade. Welwyn (Figura 6) teve a rede viária construída com base nos caminhos já existentes. Um distrito industrial foi previsto e dotado de equipamentos urbanos (PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

Figura 6 – Projeto de Welwyn (esquerda) e imagens das residências, ruas e vegetações (direita). Fonte: (OTTONI, 1997; PANERAI, CASTEX & DEPAULE, 2009).

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Embora Howard não tenha utilizado conceitos originais em suas propostas, a combinação feita por ele foi única. Através dos diagramas e também de alguns dos esquemas com os quais ilustrou sua proposta, ele esquematizou todos os elementos que deveriam compor uma cidade ideal, criando assim uma base com alguns conceitos que compuseram a teoria de cidade-jardim (HALL, 2013). Assim, destacando o caráter pragmático da sua proposta, Howard apresentou um modo de manutenção do equilíbrio social, ameaçado pelas condições de urbanização das camadas populares inglesas durante o século XIX. No que se refere à morfologia urbana, o aspecto original se constituiu na grande importância simbólica dada aos espaços verdes. Sua teoria serviu de referência e repercutiu em várias experiências do urbanismo do século XX (ANDRADE, 1998).

1.3 As ressonâncias da teoria cidade-jardim pelo mundo

O ideário cidade-jardim teve repercussão não apenas na Inglaterra, mas também em diversos outros países. Sua difusão se fez a partir de variados mecanismos: através de viagens e contatos profissionais, livros, exemplares, exposições, periódicos e também palestras. A circulação dos conceitos desse ideário em diversos países acarretou em cidades novas, cidades-satélites, subúrbios-jardins, ou simplesmente bairros-jardins, porém com variações que vão desde a reprodução física ou plástica simplesmente até a adequação dos conceitos originais às necessidades locais (ANDRADE, 1998; BEEVERS, 1988; TREVISAN, 2014). A ressonância da cidade-jardim chegou a vários urbanistas por todo o mundo que projetaram diversos exemplares, como mostra o livro The Garden City, past, presente and future de 1992, organizado por Stephen Ward. No Japão, o ideário foi introduzido por Tomoichi Inouye em 1905 e por Yoshikasu Uchida para Tamagawadai em 1918. Houve também o exemplo de Milanino na Itália em 1910, na Austrália, onde os ingleses iniciaram um processo de urbanização, e nos EUA, com uma atenção maior para as Unidades de Vizinhança (TREVISAN, 2014). Na França, o ideário foi concretizado no bairro de Suresnes na periferia de Paris a partir de 1925. Prefeito de Suresnes por 22 anos, Henri Sellier construiu as moradias de baixo preço, primeiramente nomeadas HBM, as primeiras habitações de aluguel barato, o Lycée Paul Langevin aberto em 1927 e ampliado em 1937 e a École de plein air de Suresnes, construída de 1934 (TREVISAN, 2014).

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Na Alemanha, o modelo de cidade-jardim foi proposto inicialmente em 1910 por Bruno Taut para a vila de Hellerau de Dresden, e para a cidade-jardim de Falkenberg no ano de 1913. Durante a República de Weimar (1918-1933), a Alemanha começou a financiar cooperativas de sindicatos para a resolução de carências habitacionais que foram acentuadas pela Primeira Guerra Mundial. A ideia de cidades-jardins estava presente nos trabalhos dos arquitetos que procuravam qualidade na habitação e seu entorno. Isso ocorreu na medida em que o programa de construções ia absorvendo a necessidade de edifícios de vários andares, tecnologia de construção pré-fabricada e adotando alguns cuidados a respeito da insolação e da ventilação (OTTONI, 1997). Em 1912, Bruno Taut era o arquiteto consultor da Sociedade Alemã de Cidades Jardins e também responsável por vários projetos na capital do país, e Ernst May era o arquiteto chefe do programa habitacional de Frankfurt. May produziu em torno de 15.000 habitações e afirmava que os arquitetos da nova arquitetura acreditavam, assim como Raymond Unwin, que o significado de uma cidade não se dava a partir da quantidade de habitantes, mas da qualidade de vida. Isso demonstra a intenção que se tinha de evitar nesse país prédios executados com extrema economia de maneira a se obter maior rentabilidade, produzindo baixa qualidade (UNWIN, 1984; OTTONI, 1997). May acreditava que não se deveria criar uma “chaga urbana dissimulada”, mas em contraposição, construir elementos urbanos de qualidade. Isso mostra a influência que absorveu em Londres (1906-1907) e na sua estadia no escritório de Unwin em Hampstead (1910-1912). Significativamente, o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1929 foi realizado em Frankfurt sob o tema “A Habitação Mínima” confrontando resultados obtidos em vários países, mas, em especial, na Alemanha. No congresso foi debatida tanto a consolidação da arquitetura racionalista, como a construção da habitação social de qualidade assim como o seu relacionamento com a configuração da cidade contida nas propostas de Howard (OTTONI, 1997). No período anterior ao ano de 1920, algumas discussões foram fundamentais na urbanística germânica. Entre elas estava a escolha do traçado com ruas retas ou curvas, assim como da racionalidade versus a espontaneidade do desenho urbano, além do detalhamento das fachadas e os efeitos visuais decorrentes deste procedimento. Outra característica predominante do urbanismo germânico era a utilização do zoneamento, que era dividido em três categorias: a zona industrial, as zonas de comércio e as zonas exclusivas para residências (SOUZA, 2010).

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Devido à riqueza e importância de seu conteúdo, a urbanística germânica inspirou muitos planejadores, de modo que ainda hoje se discute sua importância na origem do urbanismo moderno no final do século XIX e início do século XX (1870- 1914). Vários autores dão à Alemanha o reconhecimento de ser o país líder mundial do urbanismo, assim como também a consideram como a precursora na fundamentação do urbanismo enquanto campo disciplinar e científico (SOUZA, 2010). Nos Estados Unidos, a Planning Association of New York, em 1909, indica o início do fim de um período de planejamento marcado pelo movimento City Beautiful, destinado basicamente ao embelezamento das cidades, em especial nas partes centrais. A partir de então, preocupações com a política, justiça social e economia começaram a promover estudos e trabalhos dando ênfase ao planejamento regional no desenvolvimento de cidades pequenas como modelo (OTTONI, 1997). Neste movimento atuaram pensadores, planejadores e profissionais como Clarence Stein, Catherine Bauer, Frederick Akermann e Lewis Munford que mantiveram sintonia com o ideário cidade-jardim. Várias visitas a Letchworth e Welwyn foram realizadas e, por sua vez, Howard, Parker e Unwin também estiveram nos Estados Unidos. Três exemplos mostram aspectos dessa importante contribuição: Sunnyside Gardens (1924), Radburn (1928) e Greenbelt (1935). A grande facilidade de transporte por automóvel, ferrovia e metrô, facilitou a expansão dos subúrbios-jardins que se tornaram umas das marcas registradas em todo o país. Entretanto, em nenhum outro lugar dos Estados Unidos o ideal suburbano se manifestou com tanta intensidade e magnitude quanto na cidade de Los Angeles (OTTONI, 1997). Dado o exposto, nota-se que a proposta de Howard apresentou grande ressonância no urbanismo que vigorou na primeira metade do século XX, difundindo-se por inúmeros países em vários continentes, chegando ao Brasil.

1.4 Os reflexos da teoria cidade-jardim no Brasil

A busca por áreas verdes no espaço urbano, ocorrida na Europa e nos Estados Unidos, tornou-se um hábito também no Brasil após o período colonial. Reflexo da cultura iluminista que adentrava o país e da expansão dos centros urbanos, o hábito começou a ser praticado principalmente nos jardins públicos que estavam sendo recém-inaugurados em vários estados (TREVISAN, 2014).

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Através das novas normas sanitárias, o uso de recuos possibilitou que áreas verdes fossem inseridas em maior quantidade no espaço residencial. Até então, o único recuo existente eram nos quintais de fundo. O processo de isolamento da habitação no lote iniciou-se nas classes abastadas, cujas residências eram implantadas inicialmente com recuos laterais e, depois, frontais. Com o tempo, também houve variação nos espaçamentos entre a construção e os limites do lote. Entretanto, foi com a chegada dos conceitos de cidade-jardim no Brasil que esta aproximação entre cidade e natureza se deu de forma mais acentuada (TREVISAN, 2014). Dois fatos possibilitaram os profissionais brasileiros tomarem conhecimento dos conceitos howardianos. O primeiro se deu em 1915, quando a Companhia City contratou os arquitetos ingleses Raymond Unwin e Richard Barry Parker para elaborarem o projeto do bairro Jardim América na capital paulista. O segundo está relacionado à vinda do urbanista francês Donalt Alfred Agache ao Rio de Janeiro, em 1927. Através de suas palestras e de alguns meios de comunicação impresso, foram expostos os conceitos elaborados por Howard para diversos profissionais, acarretando a proliferação deste ideal em vários estados do país (WOLF, 2001). A ideia de cidade-jardim no Brasil ocorreu com maior clareza, embora de maneira fragmentada, no estado de São Paulo. A expansão do complexo empresarial cafeeiro na capital paulista compreendeu grandes investimentos em terras, no sistema ferroviário, na formação de bancos, nas firmas de comércio de importação e exportação, na indústria, nos transportes e também nos demais serviços urbanos. Todo esse progresso econômico se fez articulado ao mercado internacional de consumo e de capitais e produziu uma intensa urbanização nas grandes cidades. A partir de 1872, a capital elevou-se rapidamente, de cerca de 30 mil para 240 mil habitantes, ampliando em quase oito vezes o mercado imobiliário da cidade (OTTONI, 1997). Assim, a capital paulista, no início do século XX, crescia moldada pelo processo de industrialização. Entretanto, enquanto nos Estados Unidos e países europeus estavam sendo implantadas novas propostas urbanísticas, em São Paulo, a legislação proibia a aprovação de projetos com características pertencentes a novos movimentos urbanos. Portanto, a implantação do sistema viário estava sujeita ao uso do sistema ortogonal, com arruamentos em forma de tabuleiro de xadrez, mesmo em locais onde a topografia era desfavorável para esse tipo de ocupação. No início do século XX, pressões no sentido de readequar a legislação urbanística, de arruamento e parcelamento em São Paulo entraram em curso (COSTA, 2014).

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As criações de leis ao longo dos anos propiciaram a implantação de projetos de urbanização e trouxeram contribuições do urbanismo que estava em alta no exterior. Alguns dos protagonistas participantes desse processo foram os prefeitos Antônio Silva Prado (1899-1909), Raimundo Duprat (1910-1913) e Washington Luis (1914-1918), o professor da Escola Politécnica e futuro Prefeito Luiz Ignácio Mello, o Diretor de Obras Municipais Vítor da Silva Freire, o engenheiro-arquiteto Alexandre de Albuquerque e o consultor francês Joseph-Antoine Bouvard (COSTA, 2014). O pensamento urbanístico germânico também se tornou tema de interesse no Brasil, uma vez que ressonâncias desse pensamento chegaram ao país através de publicações e também por meio de arquitetos, engenheiros e construtores que, ou tiveram sua formação naquele país, ou tiveram a oportunidade de contato com os seus expoentes. A influência de Sitte também é evidenciada em dois dos principais urbanistas brasileiros do início do século XX, os engenheiros sanitaristas Victor da Silva Freire e Saturnino Rodrigues de Brito (SOUZA, 2010). No Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, capital com grande presença de imigração alemã, era natural a influência cultural da Alemanha. Isso ocorria principalmente na Escola de Engenharia, criada dentro do modelo alemão, onde eram difundidos os ensinamentos de arquitetura e urbanismo, já que não havia uma escola de arquitetura. Além disso, a vinda de especialistas da Alemanha e a ida de para lá, reforçavam essa relação no Estado. Isso fica evidente no memorial do plano urbanístico de 1924 de Pelotas – objeto de estudo deste trabalho – que destaca “que o uso do método irregular é muito adotado na Alemanha por especialistas contemporâneos” (DIÁRIO POPULAR, 1924, p.5; SOUZA, 2010). Em 1911, notícias sobre a expansão crescente do Brasil foram divulgadas no exterior e acabaram atraindo grandes investidores internacionais para a área imobiliária da cidade de São Paulo, que, com a colaboração de intermediários locais como Cincinato Braga e Horácio Sabino, criaram a City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, mais conhecida como Companhia City, empresa loteadora que adquiriu enormes áreas em São Paulo e que contratou importantes profissionais para desenvolver seus projetos. Por não contar com um planejamento municipal e uma política de desenvolvimento urbano estruturado pelo poder público, a organização espacial de São Paulo tem muito a creditar à iniciativa privada. A constituição da Companhia City foi o marco para as transformações urbanas que se sucederam na capital paulista nos anos seguintes (COSTA, 2014).

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Articulando, em sua diretoria e em seus contatos, nomes de grande peso político e financeiro, a Companhia City passou a interferir decisivamente no processo de adequação da legislação urbanística, de arruamento e parcelamento, e posteriormente da legislação de uso e ocupação do solo em São Paulo, visando à implantação e a preservação de seus empreendimentos denominados como bairros-jardim que tiveram papel crucial nesse processo (COSTA, 2014). Assessorada pelo arquiteto francês Joseph-Antoine Bouvard, e por Victor da Silva Freire – diretor de obras públicas de São Paulo – a Companhia City através de investidores franceses, ingleses e brasileiros adquiriu mais de 15 milhões de metros quadrados, nas zonas oeste e sul da capital. Como uma companhia imobiliária e com uma concepção urbanística inovadora, a empresa teve participação ativa no desenvolvimento da cidade (TREVISAN, 2014). A convite da Cia City, Freire visitou Letchworth e Hampstead. Conectado aos ideais de Howard e atento à adaptação de cidade para bairro, realizada por Unwin, Freire estabeleceu parâmetros para as questões de custos e métodos de arrendamento em São Paulo. Em 1915, a Cia City contratou Unwin e Parker para elaborarem o primeiro loteamento residencial em São Paulo: o Jardim América (Figura 7), o primeiro bairro planejado da capital paulista (WOLF, 2001).

Figura 7 – Plano do bairro Jardim América. Fonte: (WOLF, 2001).

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O projeto foi assumido por Parker que se instalou na cidade entre os anos de 1917 e 1919. A área consistia em uma parcela de um milhão de metros quadrados junto à várzea do rio Pinheiros, deslocada, mas não muito distante da área central. Com regras de zoneamento, direcionamento do trânsito e de construção com limites de ocupação do solo, tornou-se padrão de qualidade para os futuros loteamentos. A partir disso, toda legislação urbana adotada na cidade paulista teve seu ponto de partida nos regulamentos da Companhia City (OTTONI, 1997; TREVISAN, 2014). Desenvolvendo um plano de atração para moradores, Parker trabalhou no loteamento os conceitos de cidade-jardim. Ele tomou como partido a divisão da gleba em duas partes iguais, sendo espelhadas a partir de uma ampla e larga avenida (Avenida Brasil) que cortaria o centro da localidade e ligaria esta área com o restante da cidade. No interior das duas glebas, a racionalidade do traçado externo cedeu lugar a formas mais orgânicas. A harmonia entre os espaços públicos e privados foi dada pela ambientação pitoresca das vias sinuosas e pela composição arbórea, implantada tanto nas vias como nos recuos dos lotes (ANDRADE, 1998; WOLF, 2001). Nos lotes, extremamente amplos para a época, eram construídas habitações – algumas projetadas pelo próprio Parker – isoladas em meio a um amplo jardim e separadas da via e dos lotes vizinhos por cercas vivas (Figura 8). Os espaços resultantes no interior das quadras seriam transformados em pequenos parques coletivos para o uso comum dos moradores, confirmando, assim, o caráter social que Howard defendia para seu modelo urbano (ANDRADE, 1998; WOLF, 2001).

Figura 8 – Residência localizada no bairro Jardim América. Fonte: (WOLF, 2001).

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Este projeto tornou-se referência para os demais loteamentos (Figura 9) adotados pela Companhia City na capital paulista. Sendo direcionados para a classe de alta renda, como o Jardim América (1915), Pacaembu (1925) e Anhangabaú (data ignota); para a classe média, como o Alto da Lapa (1921), Alto de Pinheiros (1925) e Bela Aliança (data ignota); ou para a classe operária, como Vila Romana (data ignota), Butantã (1935), Jardim Londrina (data ignota) e Vila Inah (data ignota), os preceitos howardianos foram inseridos em seus planos gerais de forma a constituir na capital paulista uma rede de loteamentos e bairros verdes (TREVISAN, 2014).

Figura 9 – Anúncios publicados pela Companhia City no O Estado de S. Paulo. Autor: O Estado de S. Paulo, 09/06/1935 – Fonte: Estadão.

A produção urbanística de Parker não se limitou ao universo da Companhia City, influenciando, fora dela, um grupo de urbanistas paulistas deste período. Após ter observado o crescimento da cidade de São Paulo, Parker idealizou em 1918 um limite de expansão urbana por meio de um cinturão verde. Este, assim como o idealizado por Howard em sua obra, visava circundar todo o perímetro urbano da capital paulista com a implantação de novos parques e interligar os já existentes. Esta intenção, somada aos bairros-jardins, transformaria a cidade numa verdadeira “metrópole-jardim”. Entretanto, esse plano não foi executado (TREVISAN, 2014).

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Além das benfeitorias públicas, das amplas áreas verdes e do traçado das ruas que respeitava a topografia da área, os projetos de Parker estabeleceram terrenos amplos, de tamanho suficiente para abrigar grandes casas e seus jardins espaçosos. As residências seguiam um modelo de ocupação do terreno e sua construção era supervisionada por arquitetos e engenheiros (WOLF, 2001). Através de suas ideias e soluções formais a partir do conceito cidade-jardim, desenvolvidos nos loteamentos da empresa, nos dois anos em que trabalhou na Companhia City, Parker foi referência para muitos urbanistas. Como um dos exemplos tem-se os projetos de Jorge de Macedo Vieira que iniciou a sua vida profissional na Companhia City na mesma época de Parker. Vieira foi autor dos planos urbanísticos para a cidade de Águas de São Pedro (1943), em São Paulo, e de duas cidades do Paraná, Maringá (1947) e Cianorte (1955) (OTTONI, 1997). A aplicação dos conceitos de cidade-jardim na capital paulista ocorreu de forma mais intensa entre as décadas de 1910 e 1930, fomentadas por ações de agentes de capital privado que buscavam, com base nesse tipo urbanístico, garantir lucratividade. Mesmo tendo adentrando por um viés capitalista, este ideário conquistou adeptos e se proliferou pelas cidades paulistas e de outros estados, introduzindo um novo conceito de habitar a cidade brasileira do século XX (TREVISAN, 2014). Nos outros estados brasileiros a produção urbanística com a incorporação dos conceitos howardianos se fez presente de forma mais intensa a partir do fim da década de 1920. O modelo cidade-jardim assumiu diversos papéis no urbanismo brasileiro. Houve casos semelhantes ao da cidade de São Paulo, em que a adoção da teoria criou vários loteamentos voltados para as classes elitistas. Entretanto, houve arquitetos e urbanistas que também se basearam neste mesmo ideal para confeccionar planos para vilas operárias e pequenos loteamentos (TREVISAN, 2014). Algumas novas propostas apareceram contendo adaptações nas características formais do modelo howardiano, por ser uma opção economicamente viável. Entretanto, na grande maioria dos casos buscou-se proporcionar a condição de habitar plenamente a cidade, construindo uma infraestrutura regional e obtendo os prazeres do contato com a natureza. Assim, as ideias da cidade-jardim estão presentes tanto no planejamento metropolitano e regional, quanto nos projetos que substituíam as moradias insalubres por habitações de melhor qualidade nos bairros de trabalhadores. No geral, as experiências demonstraram-se muito importantes por construírem um descanso dentro do caos urbano ao seu redor (WOLF, 2001).

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CAPÍTULO 2 SUBSÍDIOS DE ANÁLISE URBANA

2.1 Elementos urbanos e as formas de crescimento

No século XIX, as grandes cidades se consolidam simultaneamente com o surgimento da indústria e da ferrovia. O rápido crescimento das cidades fez alterar a paisagem urbana. Além disso, as novas edificações, assim como seu modo de implantação e as técnicas utilizadas, mostram uma ruptura com o que era proposto anteriormente. A partir daí houve uma inversão da relação entre o centro antigo e a sua periferia, esta última passando a abrigar a maior parcela da população. Tal inversão não ocorreu apenas nas grandes metrópoles (Figura 10) e nas capitais, mas também em cidades menores (PANERAI, 2014).

Figura 10 – Crescimento urbano de Londres. Fonte: (PANERAI, 2014).

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A partir do século XX, os urbanistas concentraram-se em debates sobre teorias urbanísticas que auxiliassem no crescimento, habitação e transportes urbanos. As normas de determinada época são importantes, pois refletem maneiras de como eram observadas as cidades em diferentes momentos na história e mostram as mudanças ocasionadas pelas teorias urbanísticas. Estas normas podem referir-se tanto ao controle indireto da forma urbana, com leis sobre a construção da edificação e boa vizinhança, como ao controle direto do espaço da cidade, através de leis de ornamento público, de higiene e de zoneamento (SABATÉ, 1999). O estudo do tecido urbano se faz importante porque explica, além da expansão, a constituição das cidades e auxilia na resposta às questões levantadas pelos novos tipos de urbanizações. De um modo simples, diversos autores (LAMAS, 1992; PANERAI, 2014) apontam que o tecido urbano apresenta-se constituído pela superposição de três elementos urbanos, sendo estes a rede de vias, os parcelamentos fundiários e as edificações (Figura 11). Como antes mencionado, a conformação do tecido urbano sofreu profundas transformações nas propostas do final do século XIX e início do século XX – cidade-jardim e outras – por isso, o estudo desses elementos é fundamental nesta investigação.

Figura 11 – Análise do centro urbano da cidade do Cairo, exemplificando os três elementos de análise urbana: a) vias b) parcelamentos c) edificações. Fonte: (PANERAI, 2014).

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A rede de vias corresponde ao mapa da cidade. O conjunto do sistema viário constitui o espaço público e organiza-se em redes a fim de permitir a distribuição e a circulação, enquanto que os terrenos disponíveis para edificação são quase sempre privados. A rede é continua e hierarquizada; uma via principal organiza uma porção maior do território urbano dor que uma rua local. A análise pode então começar pela identificação das grandes vias que interligam bairros vizinhos, das estradas antigas, estreitas e ligeiramente sinuosas, moldadas pelo uso ou dos traçados mais intencionais dos setores e dos loteamentos recentes (PANERAI, 2014). O parcelamento fundiário dá um embasamento para a existência do tecido urbano. À rua estão associados lotes, geralmente de ambos os lados. Nota-se que, em geral, tais lotes são perpendiculares à via. Essa relação lote/rua também estrutura a massa edificada. A parcela não é um terreno a ser ocupado de qualquer maneira, mas uma unidade organizada a partir da rua (PANERAI, 2014). As edificações podem estar no alinhamento do lote ou recuadas, podem ser geminadas ou isoladas, altas ou baixas, mas têm sempre a rua como referência. Não são constituídas por unidades homogêneas, por quarteirões preestabelecidos, mas por uma soma de propriedades fundiárias sequenciais, cujos limites, materializados por muros ou cercas, estão registrados nas plantas cadastrais, e garantem um bom entendimento do tecido urbano municipal (PANERAI, 2014). Ao analisar as transformações de uma cidade, o estudo de seu crescimento também se faz importante, pois permite determinar as lógicas dessa transformação e esclarecer as razões de ser da cidade atual. Além disso, analisar a cidade pelo estudo do seu crescimento é um dos meios de compreendê-la em sua globalidade. Assim, tomando como referência Panerai (2014), também serão analisadas as categorias indicadas por esse autor: crescimento contínuo e descontínuo; os elementos reguladores: linha e polo de crescimento; limite e barreira. Considerando o modo de crescimento espacial (Figura 12), o modelo de crescimento contínuo caracteriza-se pelo fato de que as extensões se fazem pelo prolongamento direto de porções urbanas já construídas e o centro antigo constitui o polo principal. Por outro lado, o crescimento descontínuo apresenta-se como uma ocupação mais aberta do território. Ele preserva as rupturas naturais ou agrícolas entre as partes antigas das cidades com as novas extensões.

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Figura 12 – Crescimentos espaciais: a) contínuo (Amsterdã) e b) descontínuo (Veneza). Fonte: (PANERAI, 2014).

A análise do processo de crescimento ordenado, isto é, aquele no qual a cidade apresenta a cada estágio de sua evolução uma estrutura clara, passa pelos que são denominados de elementos reguladores. Assim, fisicamente, o crescimento das cidades parece ser regulado pela relação entre dois tipos de elementos, os que organizam a expansão, como as linhas e os polos, e aqueles que a contêm, como as barreiras e os limites. A linha de crescimento trata do suporte da expansão que se efetua segundo uma direção. A linha de crescimento pode ser uma estrada ao longo da qual a aglomeração cresce e posteriormente se transforma em rua ou avenida, ou pode um córrego, canal, ferrovia. Ela pode ser natural, ou seja, estar presente no território ainda antes do processo de urbanização, ou artificial, isto é, ser construída no início de uma fase de expansão.

Figura 13 – Crescimento linear do Rio de Janeiro. Fonte: (PANERAI, 2014).

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O papel das linhas de crescimento não é apenas fornecer um traçado sobre o qual irão se alinhar os elementos edificados, mas, principalmente, de ordenar o tecido urbano em suas laterais, de regular os crescimentos secundários e os adensamentos, em resumo, de prover uma estrutura à cidade. O polo de crescimento (Figura 14) é a origem – a aglomeração a partir da qual vai se dar a expansão – e a referência desse crescimento, organizando a constituição do tecido e os crescimentos secundários. Na evolução de uma cidade, tal papel é muitas vezes desempenhado pelo centro inicial, ainda que, com o processo de crescimento, outros polos possam vir a se organizar em contraponto. Além disso, o polo de crescimento está marcado no tecido como um lugar singular, um local de concentração que indica a acumulação histórica, o valor comercial e a carga simbólica. O traçado das vias, sua convergência (em pé-de-pato, estrela, sistema radial), o fracionamento da malha, e também a concentração de monumentos fornecem indícios de como será o tipo de crescimento da cidade.

Figura 14 – Exemplo de um polo de crescimento. Fonte: (PANERAI, 2014).

O limite é um obstáculo que impede a expansão. Um obstáculo pode desempenhar o papel de limite durante um dado período, e depois ele pode ser ultrapassado e mesmo se transformar em um polo. Podem-se distinguir obstáculos naturais – topográficos – e também construídos. O limite, quando for ultrapassado, permanece sendo o local de uma mudança, pois fica marcado a diferença entre o tecido urbano anterior e o novo tecido urbano.

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A palavra barreira já evoca a ideia de um obstáculo, ela impede o crescimento do tecido urbano sob a forma de uma soma de crescimentos lineares. Ela pode ser constituída por um obstáculo geográfico (relevo, curso d'água, lago, floresta, mudança de tipo de solo) ou um obstáculo construído (muralha, fosso, canal, estrada, ferrovia, linha de alta tensão, grande propriedade). Além disso, muitas vezes, a essa barreira física entre dois territórios se sobrepõe uma diferença administrativa (limite de propriedade, cidade, município, estado ou zona protegida). Nos dois planos de Pelotas, de 1922 e 1927, objetos de estudo desta investigação, se apresentam as formas de crescimento do núcleo inicial da cidade, por isso a necessidade de estudo dessas categorias (elementos urbanos e formas de crescimentos). Além disso, essas categorias também são levadas em conta na conformação dos princípios urbanísticos da teoria cidade-jardim.

2.2 Os princípios urbanísticos da teoria cidade-jardim

Após contextualizar o desenvolvimento da teoria da cidade-jardim, aqui será apresentada uma síntese de seus princípios urbanísticos com objetivo de sistematizar os subsídios de análise dos planos objetos de estudo. Como o objetivo do trabalho é desvendar como a teoria da cidade-jardim repercutiu nos planos desenvolvidos para a cidade de Pelotas, é importante que seja analisado e elencado, nos dois planos, quais características da teoria estão presentes. Assim, uma análise dos princípios urbanísticos da cidade-jardim estabelecidos por Ebenezer Howard e das soluções formais utilizadas nas novas cidades inglesas, que foram compiladas por Raymond Unwin em seu tratado de desenho urbano, permitirá compreender as aproximações, influências e distanciamentos dos princípios da teoria nos dois planos em questão, assim como os ajustes necessários para a sua produção. Primeiramente, é relevante frisar que a teoria cidade-jardim publicada por Howard sob o título Garden Cities of Tomorrow não se referia a um modelo espacial e sim a um esquema teórico de uma cidade, de gestão comunitária, de dimensão limitada por uma faixa agrícola que a circundava e que era caracterizada por altas taxas de áreas verdes. Assim, Howard não estava interessado em questões de desenho urbano, estava mais empenhado numa solução que proporcionasse moradia digna para as classes trabalhadoras e auxiliasse a superar o caos e a decadência urbana da Inglaterra do final do século XIX (HOWARD, 1996).

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O esquema que Howard propôs não tratava de plantas definitivas, mas de um conceito que consistia em uma estrutura circular dividida em seis setores, em que a realidade, com suas peculiaridades geográficas, daria a configuração definitiva. Estes setores seriam delimitados por seis bulevares arborizados, que se irradiariam desde o parque central e se estenderiam até o perímetro externo, circundado pela ferrovia que, após envolver a cidade, se transformaria em estrada de penetração no ambiente rural. Completariam a estrutura viária da cidade-jardim cinco avenidas, também arborizadas. Lançada essa proposta inicial caberia a planejadores e urbanistas a construção formal desta ideia de cidade moderna (HOWARD, 1996). Assim, Unwin e Parker se tornaram os responsáveis pela materialização das ideias de Howard. Juntos imprimiram à Letchworth (1904-06), Hampstead (1905) e demais cidades um desenho informal de ruas, distanciando-se de configurações geométricas rigorosas, acentuando a ideia de convívio com a natureza e propiciando um ambiente acolhedor e pitoresco (PANERAI, 2013). Em 1909, Unwin publica o livro Town planning in practice: an introduction of the art of designing cities and suburbs, no qual ele reflete sobre a forma urbana ao longo da história para em seguida definir as práticas do desenho urbano orientado pelo caráter artístico da construção da cidade, face ao empobrecimento estético e qualitativo e à uniformização observada na produção recente de cidades e bairros. Sendo o livro um tratado de desenho urbano, nele encontram-se também algumas soluções formais e sugestões no desenho da cidade de procedimentos que já tinham sido experimentados na composição de outras cidades-jardins, uma configuração urbana cujo modelo passou a ser empregada pelo mundo todo. Na introdução do livro, Unwin esclarece que as diretrizes que orientam sua proposta urbana estão empenhadas em encontrar uma bela forma de expressão. Unwin trata a singularidade da forma urbana como uma qualidade positiva, ficando clara a influência de Camillo Sitte que recusa a tradição haussmaniana de alinhamento retilíneo, propondo em contrapartida sequências organizadas de modo orgânico, assimétrico e variadas, explorando as particularidades do terreno. Em seguida, Unwin comenta sobre os efeitos negativos da adoção indiscriminada do traçado regular e do traçado irregular, defendendo a beleza de ambos, apontando suas características e potencialidades, sem excluir a possibilidade de unir os dois.

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Em 1917, enquanto Parker veio para São Paulo encarregado de desenvolver projetos de loteamentos para a Companhia City, Unwin estava ligado à comissão de estudos que culminaram no Tudor Walter’s Report, o ato normativo britânico que passou a regular desde a escolha de locais para construções, até recomendações de materiais, largura e orientação de ruas, ajardinamento, tipos habitacionais, dimensão e orientação dos cômodos, regras de economia, enfim, todas as etapas referentes à edificação de boas unidades habitacionais. No entanto, verifica-se nessa época que havia sintonia entre Parker e Unwin. Nos bairros paulistanos projetados por Parker para a Companhia City é evidente – na argumentação apresentada para a escolha dos terrenos, no respeito à natureza, nas relações propostas entre as casas, as ruas e os jardins – o mesmo tipo de solução urbana utilizada anteriormente em suas obras em colaboração com Unwin e, além disso, era a mesma estratégia presente no ato normativo inglês, em cuja elaboração, paralelamente, Unwin estava tendo participação ao replicar os princípios de desenho divulgados em seu livro (WOLFF, 1998). Assim, com base nos textos de Howard (1996) e de Unwin (1984) e na análise dos seus projetos, foram elencados princípios urbanísticos que nortearam projetos cidade-jardim, assim como seus elementos formativos e sua estrutura. Juntamente com os elementos e formas de crescimento urbano de Panerai (2014) foi possível uma melhor observação e análise dos planos elaborados para a cidade de Pelotas, através dos seguintes elementos urbanos: - o território e suas preexistências; - malha urbana; - eixos estruturadores; - espaços públicos; - quadras e lotes.

a) O território e suas preexistências Unwin defende em seu tratado de desenho urbano a singularidade de cada cidade como uma das características mais positivas da sua forma urbana: a própria personalidade da cidade, relacionada àquelas características enraizadas na natureza do cenário, das cores dos materiais de construção locais, da vida de seus habitantes e de muitas outras circunstâncias, que consideradas em conjunto, dão a característica peculiar a cada forma urbana (UNWIN, 1984).

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b) Malha urbana: entre o regular e o irregular A aproximação do desenho urbano às condições naturais do lugar transformava- se em irregularidades artisticamente organizadas. Unwin retomou este ponto, não defendendo o formalismo irregular, mas insistindo na consideração das características do sítio e das irregularidades decorrentes delas, ponderando sempre a beleza extraída das duas categorias: o regular e o irregular. Entretanto, advertia que o desenho deve estar subordinado à implantação, à ondulação do terreno e à presença de elementos naturais a serem preservados por sua beleza, o que demandará frequentemente certo distanciamento da absoluta regularidade (UNWIN, 1984).

c) Eixos estruturadores: a organização das vias principais e a circulação Conforme as indicações de Unwin, na percepção do espaço urbano é importante a hierarquia entre as vias principais e secundárias, diferenciadas pela largura, pela eventual presença do canteiro central e pela variedade de espécies na arborização. Por outro lado, no espaço circular, onde convergem as vias principais ao redor do qual se move o tráfego, seria bom ser implantado diferentes interseções viárias para facilitar a circulação e conferir efeitos arquitetônicos. (UNWIN, 1984).

d) O tratamento dos espaços públicos: hierarquização e qualificação As sugestões de Unwin para a conformação das praças decorrem do estudo de Sitte (1992), que dedica grande parte da sua obra, Construção de cidades segundo princípios artísticos, ao exame das praças e a distinguir os princípios que regulamentam seu desenho, recorrendo aos exemplos deixados pela Idade Média. A recomendação de Unwin é de que as praças não sejam retangulares, mas alongadas, mantendo entre largura e comprimento uma proporção, assim como que estejam delimitadas por edifícios públicos ou comércios justapostos, construindo uma sensação de fechamento, característica medieval (UNWIN, 1984). Unwin também propõe uma hierarquização das partes do desenho da cidade, enfatizando algumas delas e subordinando outras, o que para ele se consegue quando se têm centros bem definidos na forma urbana e quando estas áreas centrais agrupam os edifícios públicos, que deixam então de aparecer indiscriminadamente pela cidade contrastando violentamente sua escala com os outros edifícios circundantes. Para ele, quando esses edifícios são agrupados em lugares centrais ou praças o resultado final obtido pode ter identidade para impressionar a imaginação e para formar um motivo central genuíno no desenho da cidade (UNWIN, 1984).

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e) Quadras e lotes: a ocupação urbana As quadras residenciais e comerciais deveriam ser subdivididas em parcelas de 500 metros quadrados em média, estabelecendo a relação de 25 a 30 lotes por hectare, dando lugar a jardins privados que ampliam para dentro do lote a massa verde e que também cobre as calçadas públicas (UNWIN, 1984).

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CAPÍTULO 3 PLANO GERAL DE 1922

3.1 O início do pensamento urbanístico no Rio Grande do Sul

Até o início do século XIX, o desenvolvimento urbano brasileiro foi bastante lento. Essa situação só começou a mudar com a vinda da família real para o Brasil, surgindo então a necessidade de uma melhor organização administrativa no país. Com a primeira divisão territorial da então província do Rio Grande do Sul em municípios, realizada em 1809, foram criados quatro municípios – Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha – cada um com seus respectivos povoados. Em 1860, o Rio Grande do Sul apresentava vinte e oito sedes, sendo que nove já haviam sido elevadas à categoria de cidade – Porto Alegre, Alegrete, Bagé, Cachoeira, Jaguarão, Pelotas, Rio Grande, Rio Pardo e São Gabriel (WEIMER, 2004). Devido à escassez de fontes documentais, torna-se difícil conhecer exatamente a origem e evolução das novas cidades do Rio Grande do Sul. Entretanto, embora não se conheça as plantas iniciais desses municípios, nota-se que a maioria seguia a planos reguladores, com alguns desvios impostos pelo relevo. Os planos urbanísticos das novas cidades e a ampliação das já existentes eram realizados e monitorados pelos engenheiros-arquitetos militares da Secretaria de Obras Públicas e os projetos seguiam o padrão dos planos com o traçado em forma de retícula, na mesma forma como vinham sendo praticados no Primeiro Império (WEIMER, 2004). O desenho urbano mais antigo conhecido no estado é de Porto Alegre no período da Guerra dos Farrapos (1835-1845), quando a cidade estava completando 65 anos (Figura 15). Através dele, nota-se que o traçado das ruas seguiu a linha de maior declividade do relevo, em conformidade com a tradição medieval de depositar os dejetos na rua e esperar que a água da chuva os levasse para locais mais baixos. Assim, o traçado das ruas não era aleatório, mas feito dentro do pragmatismo que definia alguns dos procedimentos lusitanos na época (WEIMER, 2004).

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Figura 15 – Mapa de Porto Alegre em 1840. Fonte: (SERQUEIRA, 2005)

O estabelecimento dos Códigos de Posturas Municipais no Rio Grande do Sul dava prioridade principalmente às regras sobre os alinhamentos das edificações e atuavam, sobretudo, nos aspectos externos das construções, sendo rígidos no que se referia às normas sobre as fachadas que davam para a rua. Neles não havia nada que normatizasse o desenho interno das construções a não ser o pé-direito, que refletia suas dimensões na fachada. No mais, dentro das casas e quintais, cada proprietário tinha total liberdade na construção. Além disso, a falta de normas também sobre as condições higiênicas decorria em inúmeros problemas urbanos, muitos deles causados pelo hábito de se jogar resíduos na rua (WEIMER, 2004). A partir da instauração da República, a estruturação dos códigos de posturas possibilitou uma melhoria na qualidade das construções. Ao impor a ventilação de todos os compartimentos e o incentivo à insolação, as “casas de porta e janela” foram impossibilitadas de serem construídas. O pensamento positivista também influenciou muito na ideia de higiene das habitações com a criação de redes de abastecimento de água tratada e, principalmente, com construção de rede de esgoto, assim como com a instalação de sanitários domiciliares (WEIMER, 2004).

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Na abordagem sobre a formação do pensamento urbanístico em Porto Alegre e nas demais cidades do estado do Rio Grande do Sul, deve-se considerar não somente os planos urbanos, mas também a formação dos profissionais e técnicos, assim como as instituições envolvidas. Também são importantes os estudos, as palestras, os artigos e as exposições produzidas tendo a cidade como tema nesse período. Em 1896 deu-se a fundação da Escola de Engenharia em Porto Alegre que, como instituição, teve papel fundamental na formação do pessoal técnico e profissional, principalmente na Secretaria de Negócios de Obras Públicas (SOP) – secretaria mais importante do Estado do Rio Grande do Sul durante a Primeira República. A Escola foi estruturada, por iniciativa de engenheiros militares e de um engenheiro civil, a partir da ideia de construção de uma universidade técnica, que valorizasse mais a prática do que propriamente o diploma. O modelo escolhido não foi o da escola politécnica francesa, mas sim o da Technische Hochschule (escola técnica) alemã e o modelo norte-americano dos Land-Grant College, universidades focadas no ensino técnico e prático das ciências, da agricultura e da engenharia (MIRANDA, 2013). No Rio Grande do Sul havia muito por realizar na época: estradas, pontes, saneamento, comunicações etc., sendo que o desenvolvimento do Estado dependia especialmente da construção de infraestrutura para atender os seus principais setores econômicos, como a agricultura e a indústria. Assim, dentre os primeiros cursos da Escola de Engenharia estavam os que pretendiam formar profissionais qualificados para suprir estas necessidades. No curso de Hidráulica, que incluía disciplinas relacionadas ao saneamento e à navegabilidade dos rios, destacava-se a disciplina teórica Saneamento de cidades: distribuição de água, esgoto e drenagem e a disciplina prática de Aprendizagem, onde se estudavam os projetos de melhoramentos de rios, portos e também o saneamento de cidades (WEIMER, 1993; MIRANDA, 2013). A disseminação do conhecimento pela Escola foi em parte viabilizada para a comunidade através da publicação da revista EGATEA, primeira revista técnica de engenharia produzida no Rio Grande do Sul, que circulou entre 1914 e 1934. Dentre os autores de artigos figuravam Saturnino de Brito e Benno Hofmann, que abordavam temas como higienismo, abastecimento das cidades, arruamentos e traçados urbanos. A difusão da ideia de que o desenvolvimento das cidades envolvia a solução das questões de saneamento e salubridade era um dos assuntos tratados na revista, e um dos principais focos do pensamento urbanístico da época (MIRANDA, 2013).

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Vale destacar que Hofmann, no seu artigo Notas sobre o arruamento das cidades, escrito para a revista em 1925, critica os arruamentos de Porto Alegre por não obedecerem à topografia e às questões de higiene devido aos interesses econômicos dos loteadores. Conforme Hofmann, estes optavam pelo traçado ortogonal, pois proporcionavam maior rentabilidade, resultando em uma uniformidade monótona e insípida. Ele também argumentava que o traçado em retícula estabelecia um deslocamento mais demorado, pois, andava-se pelos catetos de um retângulo pitagórico e não pela hipotenusa, que corresponderia à menor distância. A influência de Camillo Sitte neste aspecto é evidente. O traçado diagonal surgia com o objetivo de acesso rápido, ligando pontos de grande tráfego. Os espaços residuais deste traçado, segundo Hofmann, poderiam ser ocupados com praças (MIRANDA, 2013). Hofmann era filho de imigrantes alemães e se formou em 1916 na Technische Hochschule de Berlim. Sobre seus estudos em urbanismo na Alemanha, ele comentou:

“Como discipulo de Brix e Genzmer, reputados engenheiros sanitários allemaes, tive occasião de dedicar-me aos estudos destas questões, ouvindo das suas boccas a sciencia apregoada por Sitte, Hénard, Stübben, Brown, Saturnino de Brito e muitos outros mestres de renome universal”. (HOFMANN, 1925, p. 79-83, apud MIRANDA, 2013).

As referências citadas por Hofmann correspondem aos principais personagens do urbanismo na época, sendo ele, assim, um dos difusores do pensamento urbanístico europeu em Porto Alegre. Nas primeiras décadas do século XX a cidade se estruturava com novos equipamentos, e a vinda de técnicos alemães foi muito relevante na construção civil. Assim como Hofmann, havia um número significativo de profissionais habilitados em Porto Alegre, com formação no país ou no exterior que traziam técnicas e linguagens europeias (WEIMER, 1993; MIRANDA, 2013). Os Planos de Melhoramentos Urbanos, que estavam sendo implementados nas principais cidades brasileiras, desde o final do século XIX, eram compostos por comissões técnicas com uma ação planejada, responsáveis por qualquer intervenção em obras de saneamento, abertura de praças, alargamento e extensão de vias. Assim, em 1912, o Intendente José Montaury instala a Comissão de Melhoramentos e Embelezamento, que iria realizar melhorias principalmente com relação à higiene, à modernização dos serviços públicos, à adequação do sistema viário e ao embelezamento. Isso orientou a estrutura urbana de Porto Alegre, principalmente na área central e no chamado Primeiro Distrito (SOUZA, 2008; MIRANDA, 2013).

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Assim, assoladas por epidemias, como cólera, febre amarela, febre tifoide e peste bubônica, muitas cidades brasileiras, no início no século XX, sofreram reformas que privilegiaram o sanitarismo, a circulação viária e o embelezamento. Entretanto, como será visto adiante, foi a partir da publicação da obra de Saturnino – Notes sur le Tracé Sanitaire des Villes – em 1916, que houve uma maior difusão desses princípios entre os profissionais que realizavam planos de saneamento ou de melhoramentos urbanos (ANDRADE, 2004). Sanear e embelezar, tornando a cidade sadia e formosa, eram os objetivos principais das intervenções urbanísticas realizadas por Saturnino. Sendo assim, além de sanear as cidades ameaçadas pelas epidemias, o urbanismo desse engenheiro deu a elas uma nova estética, com formas urbanas próprias, consequência, em parte, das novas tecnologias de saneamento. Esse tipo de intervenção se tornou referência em todo o país (LERSCH, 2014). Nesse contexto, cujas transformações urbanas foram marcadas principalmente pela elaboração de projetos de saneamento, embelezamento e melhoramentos, os princípios urbanísticos do Saturnino foram muito significativos, o que pode ser deduzido pela grande ressonância dos seus projetos em inúmeras cidades brasileiras, chegando inclusive na cidade de Pelotas.

3.2 A conformação urbana de Pelotas

A elevação da Freguesia para a então cidade de Pelotas deu-se em 1835. Anteriormente, em 1832, a Vila já possuía o mesmo contorno urbano, embora a malha viária não se apresentasse totalmente ocupada por edificações. No século XIX, o núcleo urbano de Pelotas se destacou pelo ativo comércio, a riqueza de suas casas, as bem construídas ruas e pela intensa vida cultural enriquecida pelos charqueadores que lá habitavam durante o período da entressafra (MAGALHÃES, 1993). O Código de Posturas Policiais de 1834 demarcou os limites urbanos e estabeleceu construções que seriam proibidas no recinto da vila, como curtumes e fábricas. Também introduziu normativas referentes à limpeza, ao alinhamento e a largura das ruas e à forma das praças, assim como, apresentou uma série de regras para a construção de novas casas que, em nenhuma hipótese poderiam utilizar materiais de baixa qualidade (OSÓRIO, 1922, apud AGUIAR, 2009).

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O projeto e a execução de novas ruas demonstravam o crescente desenvolvimento urbano. Entretanto, a ampliação da cidade manteve o traçado xadrez, racional, reticulado, com predomínio da quadrícula sobre os retângulos. As novas ruas eram mais largas e o lugar designado para a nova praça era um ponto destacado do projeto urbano, demarcando simbolicamente o novo centro da cidade. A planta de Pelotas de 1835 (Figura 16) foi desenhada em uma escala que permitia apresentar detalhes como as áreas construídas no interior dos quarteirões (SOARES, 2002).

Figura 16 – Planta de Pelotas em 1835. Fonte: (SOARES, 2002).

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A planta de 1835 apresenta o elemento central constituído pela Praça Coronel Pedro Osório e o entorno imediato constituído de chácaras ou áreas sem construções. Os limites leste e oeste estenderam-se em direção às margens dos arroios: a oeste a o Arroio Santa Bárbara e a leste o Arroio Pepino. O sul tinha a Rua da Palma (atual Rua Conde de Porto Alegre) como limite. Assim, a cidade apresentava sua direção de expansão para o sentido norte por não apresentar uma barreira. As ruas longitudinais no sentido norte/sul passaram a ser as principais, já as do sentido leste/oeste, transversais, foram consideradas ruas secundárias (AGUIAR, 2009). Cabe destacar que já nos primeiros planos, a cidade de Pelotas apresentava um traçado reticular, regular, herança hipodâmica de engenharia militar. Esses planos iniciais correspondem aos projetos de urbanização do 1º loteamento de 1812 a 1815, com a localização da Igreja, hoje Catedral São Francisco de Paula, do 2º loteamento em 1830, com a expansão das ruas longitudinais em direção ao canal São Gonçalo e do 3º loteamento em 1858, quando a cidade cresce em direção norte. Na década de 1860, a malha urbana estava constituída de 52 quarteirões que se estendiam em direção ao Norte. Em 1870, no 4º loteamento, surgem mais quatro ruas, agora no Bairro da Várzea, época em que a cidade se encontrava no início do apogeu do desenvolvimento econômico, social e cultural. No entanto, nas primeiras décadas do século XX, outros planos de loteamentos foram se configurando, de maneira bastante fragmentada, formando algumas das atuais periferias (SOARES, 2002). Entre 1860 e 1890 a cidade estava em boas condições econômico-urbanas e socioculturais. Devido a esse apogeu, a cidade recebeu impulso no processo de modernização. Melhoramentos de infraestrutura (iluminação, transporte, água e esgoto), embelezamento de ruas, e novos padrões de linguagem em arquitetura e comportamento se confirmaram. Entretanto, foi só no final de 1893, quando foi aprovada a expansão do espaço urbano, é que os bairros periféricos já existentes foram englobados e a área total atingiu 350 hectares (MAGALHÃES, 1993). As estradas que ligavam a cidade de Pelotas à campanha, às colônias e à beira do Arroio Pelotas (onde estavam as charqueadas), formaram uma grande rede suburbana de rodovias. Ao longo do tempo, essa rede de vias, que abastecia a cidade de alimentos e matérias-primas, auxiliou a definir os vetores de expansão do espaço urbano. No início do século XX, esses eixos de crescimento (Figura 17) já estavam formados e cabia aos proprietários o parcelamento de suas terras para melhorar aproveitar a demanda gerada pelo crescimento populacional (SOARES, 2002).

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Figura 17 – Mapas da evolução urbana de Pelotas entre os anos de 1815 a 1926. Fonte: (PELOTAS, 1978, apud SANTA CATHARINA, 2012).

No início do século XX, a crise econômica começou a atingir a cidade e levou os charqueadores de Pelotas a pensarem em outras formas de investimentos e a implantarem o capitalismo industrial. A mudança da atividade charqueadora para a industrial privilegiou o espaço urbano e trouxe, além de mudanças de funções, transformações morfológicas e estruturais. O centro, que antes era de moradia, passou a assumir também práticas comerciais, como complementação das fazendas. Assim, o centro tornou-se também lugar de trabalho, recreação, comércio, circulação e convívio. Em consequência disso, houve um crescimento populacional, a cidade começou a se desenvolver rapidamente e a ocupar uma área maior, tudo isso em um curto período de três ou quatro décadas (AGUIAR, 2009). As transformações na cidade começaram com o incremento da iluminação a partir de 1875. Assim, os hábitos alteraram-se e o espaço público foi sendo descoberto. Assim, iniciou-se o embelezamento de ruas e praças, a implementação da iluminação pública a gás, a rede de esgoto, o sistema de transporte público, o fornecimento de água aos domicílios e chafarizes, a circulação de jornais e a fundação da Biblioteca Pública Pelotense (ANJOS, 2000).

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Outra transformação relevante é que, a partir da segunda metade do século XIX, Pelotas, que originalmente era constituída de uma cultura tipicamente luso- brasileira, tornou-se cosmopolita. Isso se deu, principalmente, através do intenso intercâmbio entre diversas etnias que se fixaram na cidade nessa época. Presente no processo de modernização da cidade, o estrangeiro, em especial o europeu, atuou como um referencial de urbanidade em uma sociedade ávida por uma “europeização” (AGUIAR, 2009). No final do século XIX, portanto, Pelotas obteve a acumulação de capitais das charqueadas e as transformações econômicas e sociais ocorridas no Brasil (abolição da escravatura, proclamação da República) propiciaram um desdobramento da atividade econômica e a transformação da cidade em um centro industrial. Com isso, o próprio centro histórico se modificou, houve a construção de prédios institucionais e a implantação de redes de infraestrutura, ampliando a sua diferença em relação à periferia (SOARES, 2002). O surgimento das fábricas trouxe consigo uma população operária. Nas duas primeiras décadas do século XX, a população de Pelotas quase duplicou (passando de 26 mil para 45 mil habitantes urbanos). A cidade crescia e o perímetro urbano se reajustava. As ruas da periferia não respeitavam as regras das ordenanças municipais e eram traçadas em desconexão com as pré-existentes. Não tinham pavimentação nem usufruíam da rede de esgotos e, portanto, tinham condições de higiene e salubridade pouco satisfatórias. Em geral, o sistema utilizado era o de autoconstrução da habitação pelos compradores do terreno. Assim, nota-se que havia uma evidente segregação socioespacial entre um centro planejado e moderno e da periferia sem infra-estruturas (AGUAIR, 2009). O crescimento populacional gerou medidas de controle e planejamento, como o Código de Construções e Reconstruções, aprovado pelo município em 1915, que buscava melhorar na cidade as questões relativas à higiene e moradia. Essa normativa apresentou inovações em relação aos planos anteriores, pois incentivava recuos das construções em relação ao alinhamento da calçada e obrigava a construção de platibandas. Apartir disso, houve muitas obras para adaptar as casas existentes às normas de higiene e também conectá-las à rede sanitária da cidade (PELOTAS, 1915).

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Cabe destacar que, desde a fundação de Pelotas, o caso mais grave de perigo à saúde pública foi a epidemia de cólera em 1855 – iniciada nas charqueadas – que rapidamente alcançou a cidade através dos cursos d’água. A partir desse fato passou a haver inúmeras penalizações pela má execução dos serviços de instalações sanitárias, ligações clandestinas e pela derivação de águas pluviais para o esgoto sanitário. As habitações eram obrigadas a dispor de aparelhos sanitários para cada família. Assim, a partir da existência de uma legislação específica e detalhada percebe-se a intenção de se implantar um processo de modernidade na cidade (SOARES, 2002). A partir do início da industrialização buscou-se uma organização do espaço urbano mais racionalizado. As indústrias tenderam a se localizar nos limites do tecido urbano, na zona portuária, junto aos cursos navegáveis ou ao longo das vias férreas. Além disso, as transformações sociais e espaciais, provocadas pela industrialização, aceleraram a discussão sobre melhorias e deixaram o terreno fértil para mudanças. Essas ações foram maiores nas obras de saneamento básico e no desenvolvimento de planos de ampliação patrocinados pelo poder público (AGUIAR, 2009).

3.3 O Plano Geral de Fernando Rullmann

A complexidade da sociedade industrial do momento e a necessidade de organização do espaço urbano exigiu o estabelecimento de regras por parte dos principais agentes na produção da cidade. Assim, na tentativa de organizar o espaço urbano da cidade, a administração municipal se viu obrigada a tomar uma medida mais racional de planejamento e controle urbano, estabelecendo mudanças que foram além das ações higienistas. Como os planos de saneamento realizados eram insuficientes para garantir a racionalidade do crescimento urbano foi necessário um plano de ordenação para toda a cidade, um plano que conversasse com a cidade existente, criando uma cidade moderna sobre a cidade tradicional (SOARES, 2002). À frente da prefeitura, o Coronel Pedro Osório foi o responsável por várias alterações na gestão da cidade. Segundo ele, as formas de crescimento, até então praticadas deveriam ser evitadas, pois se constituíam em um “método natural de crescimento”, onde se construíam os edifícios “de forma aleatória, dispersando a população e encarecendo, pelas distâncias, os serviços públicos”. Acreditava que a cidade deveria ter um plano geral para "promover o desenvolvimento saudável e racional, em harmonia com o progresso e gosto moderno" (PELOTAS, 1922).

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Assim, no dia 20 de abril de 1924 foi publicado, no jornal Diário Popular de Pelotas, o primeiro plano geral de ordenação da cidade de Pelotas, juntamente com o memorial do projeto de ampliação da cidade, estudos de urbanismo e suas regras gerais, desenvolvido por técnicos municipais, pelos engenheiros Ildefonso Simões Lopes e Manuel Luis Osório e pelo arquiteto Fernando Rullmann, que coordenava o projeto, e aprovado pelo Coronel Pedro Osório (DIÁRIO POPULAR, 1924). O Plano Geral (Figura 18) havia sido publicado anteriormente no Relatório da Intendência em 1922 e apresentado ao Conselho Municipal em 20 de setembro de 1924. Foi o primeiro plano de desenvolvimento urbano para Pelotas em que o município foi pensado no seu conjunto e não de forma pontual. A publicação esclarecia que o plano, além de ter um desenvolvimento racional em harmonia com o progresso e o gosto moderno, evitava reformas grandiosas e a destruição do caráter peculiar da cidade existente, mantendo assim o seu passado histórico e a sua fisionomia, respeitando, na área central, os antigos alinhamentos (PELOTAS, 1922).

Figura 18 – Projeto de Ampliação de 1922 da cidade de Pelotas. Em destaque as áreas já existentes. Fonte: (PELOTAS, 1922).

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Segundo Rullmann a cidade deveria ser ao mesmo tempo “científica e artística”. Embora reconhecesse a monotonia das ruas retas, nota-se no projeto de 1922 que o passado histórico e a fisionomia urbana foram respeitados e o traçado urbano existente foi mantido. Assim, embora não tenham feito grandes alterações na área central, houve preocupação de criar diferentes zonas funcionais com diferentes traçados, grandes avenidas e vários espaços abertos para inserir vegetação na cidade (PELOTAS, 1922). Fernando Rullmann nasceu na Alemanha em 22 de maio de 1893 e em 25 de abril de 1938 tornou-se cidadão brasileiro. As razões de sua vinda para Pelotas assim como a natureza da sua formação profissional são informações que não foram obtidas. No ano de 1934, sabe-se que Fernando Rullmann ingressou com processo junto ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA solicitando seu registro profissional. Apesar de não aparecer no processo o título que o profissional estava requerendo, à época ele era funcionário da Prefeitura Municipal de Pelotas. Entre os trabalhos anexados ao processo constava “cópia do Projeto de Ampliação da Cidade de Pelotas”. Sabe-se também que projetou a residência de Augusto Simões Lopes no Bairro Simões Lopes (MOURA, 1998). Em 1922, Pelotas contava com 8.228 edifícios (6.970 urbanos e 1.258 suburbanos). A rede de esgotos estava conectada em 4.738 edifícios. A divisão espacial da cidade definia a área central (área de edificação consolidada) e os bairros, ao norte (Bairro da Luz), oeste (Estação de Trens e Avenida 20 de Setembro), leste (Bairro da Várzea) e sul (Porto e margem do Canal de São Gonçalo). Os subúrbios constituíam os bairros distantes do centro e carentes de infraestruturas urbanas, como era o caso dos bairros Fragata, Areal, Dunas e Três Vendas. Estes bairros, onde vivia a maioria da população operária, ainda não eram considerados nas plantas urbanas da cidade na época (PELOTAS, 1922). Para a elaboração do plano, foram discutidos os inconvenientes do traçado e o modo de melhorar as condições de higiene, saneamento, circulação e o embelezamento da cidade em geral. Entretanto, outros elementos também foram considerados, como a densidade e o sentido do trânsito; a localização das zonas suburbanas; as potencialidades de expansão e a arquitetura característica do local. Para os planejadores, a cidade adotou o traçado geométrico em função da atividade comercial. Com o seu desenvolvimento houve o aumento nos serviços e comércio gerando uma deficiência em relação aos monumentos arquitetônicos, que não tinham qualquer visibilidade ou relevância na paisagem urbana existente (AGUIAR, 2009).

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Por se ter maior liberdade nas áreas não ocupadas, na parte de ampliação da cidade, foi proposto no plano um novo sistema de ruas, dando preferência às sinuosidades e às ruas cortadas, considerado uma das formas mais modernas de traçado das cidades na época. Para Rullmann foi um método conveniente de delineação da cidade, mantendo o sistema retangular já existente, combinando-o com o novo, composto por artérias curvas de raios amplos (AGUIAR, 2009). Segundo Rullmann, “o prazer de contemplar uma cidade com praças, pavimentação, ruas arborizadas e edifícios modernos não se deveria experimentar somente depois de penetrar em seu coração". Assim, entre as melhorias do plano estavam algumas correções necessárias na forma urbana, principalmente nas áreas onde ainda predominavam terrenos vazios, considerando que a cidade deveria ser homogênea no que diz respeito à qualidade do ambiente construído (PELOTAS, 1922). As obras maiores seriam nas zonas sul e leste da cidade. Uma delas foi proposta no porto, com a construção de um novo cais e a sua consequente expansão. Este projeto tinha o objetivo de transformar uma área pantanosa em terreno edificável. O porto deveria cobrir todo o comprimento do Canal São Gonçalo, terminando em um parque de proteção na desembocadura do Arroio Santa Bárbara. Outra grande obra seria a canalização do Arroio Santa Bárbara e a transformação de seu ponto final em um atracadouro para pequenas embarcações (PELOTAS, 1922). Deve-se levar em conta que a economia da cidade era fortemente ancorada no setor de exportação, o que justificava essas intervenções. Além disso, elas ganhavam o apoio das elites locais, que apostavam na continuidade e expansão dessa economia. Assim, houve a criação de uma “zona industrial de carne” (distinta do centro industrial), que se localizaria entre o Canal São Gonçalo e o Arroio Pelotas, onde já existia o Frigorífico Pelotense e algumas charqueadas. O plano também previa a conversão do antigo “Corredor das Tropas” – o caminho do gado entre as charqueadas e a feira da Tablada – em uma estrada (PELOTAS, 1922; AGUIAR, 2009). A insuficiência de drenagem das áreas pantanosas era considerada de fácil solução para Rullmann. A construção de canais secundários que transportassem as águas afluentes do Arroio Santa Bárbara até o canal central faria a cidade ganhar terrenos edificáveis até o bairro Fragata. Assim, a Avenida 20 de Setembro, ainda não totalmente urbanizada seria ampliada, ganhando o aspecto de avenida, com um alinhamento definido e vasta arborização (PELOTAS, 1922).

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A proposta de Rullmann foi submetida à aprovação dos poderes administrativos da cidade e, especialmente, do prefeito Coronel Pedro Osório. As áreas já construídas foram avaliadas e as necessidades – classificadas em atuais, imediatas e distantes – foram estipuladas. As regras para a execução – que eram as que mais afetavam os interesses dos proprietários e das imobiliárias – foram deixadas em segundo plano, pois necessitavam de estudos prévios das ruas que seriam construídas posteriormente. Assim, mesmo que o trabalho técnico fosse realizado, havia uma distância entre as propostas urbanísticas e a sua execução efetiva (PELOTAS, 1922). O discurso oficial concentrava-se sobre a regulamentação do espaço urbano. O prefeito justificava que a administração tinha o dever “de traçar as grandes linhas a fim de evitar soluções justapostas”. Alegava também que a ausência de um plano geral para a cidade e a realização de construções não regulamentadas permitia que a especulação imobiliária aumentasse e que os novos edifícios fossem construídos de forma aleatória sem obedecer a propostas racionais (PELOTAS, 1922). Entretanto, apesar de estar relativamente de acordo com as necessidades de crescimento da cidade, o plano de Rullmann, para a extensão da cidade de Pelotas, foi um projeto ambicioso, uma vez que propôs profundas mudanças que demandavam operações de longo alcance. Assim, o Plano de Ampliação de 1922 pode ser considerado uma espécie de projeto derivado de certa reflexão “filosófica” sobre a cidade, que, segundo Soares (2002), demonstra ser excessivamente formalista e esteticista e, portanto, desligado da realidade política e social existente. Por essa e outras razões, com a necessidade de um grande número de obras e o consecutivo alto custo para serem realizadas, o Projeto de Ampliação não foi implantado, sendo que somente algumas das orientações sugeridas no plano foram consideradas. Na administração seguinte, de Augusto Simões Lopes, o Conselho solicitou um novo plano para o município, desta vez ao engenheiro Saturnino de Brito, um dos maiores urbanistas brasileiros da época (PELOTAS, 1922).

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CAPÍTULO 4

PLANO DE EXPANSÃO DE 1927

4.1 Saturnino de Brito e o urbanismo sanitarista

As cidades que passaram por grandes processos de industrialização sofreram significativas mudanças em seu espaço urbano. Todas estas mudanças repercutiram no pensamento e na produção de ideias, sobretudo na organização da sociedade. Com relação ao planejamento urbano, este processo foi muito influenciado tanto pelos movimentos utópicos, como pelo pensamento higienista (CHOAY, 1992). As teorias urbanísticas de inspiração higienistas foram desenvolvidas em resposta aos efeitos da Revolução Industrial nas cidades europeias. O saneamento incitou melhoramentos urbanos e com isso houve uma expansão das funções urbanas e uma valorização do solo nas áreas centrais onde as principais funções estavam assentadas. Assim, a implantação de infraestrutura foi um dos fatores que colaborou na inversão de valores na relação centro versus periferia (AGUIAR, 2009). No Brasil, a Proclamação da República deu abertura às ideias higienistas. Para Villaça (1999), a repercussão foi maior em cidades de maior complexidade das funções urbanas, como nos centros industriais, nas cidades portuárias e nas capitais. No país, os primeiros planos que discutiam o saneamento, as vias, a beleza e a expansão da cidade foram os Planos de Melhoramentos – de cunho higienista e de embelezamento urbano. O urbanismo higienista era estruturado basicamente na ciência – eixo dominante e orientador da civilização e da modernização da sociedade europeia – na engenharia e na medicina. Em resumo, tratava-se de um urbanismo baseado no conhecimento científico e com resultados obtidos através de rigorosas análises. A expressão “embelezamento urbano” sintetizou o planejamento de origem renascentista que enfatizava, acima de tudo, a beleza monumental. Os planos de melhoramentos e embelezamento tiveram ascensão de 1875 a 1906, e a partir de 1906 até 1930, houve um grande declínio (VILLAÇA, 1999; MENDONÇA et al, 2009).

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Visando corrigir problemas e adequar as formas urbanas à modernidade, vários projetos foram propostos. Os modelos adotados no Brasil concentravam-se mais sobre questões estéticas e de eficiência do traçado urbano – circulação de veículos, da água, do ar – assim, não incorporavam propósitos e reformas sociais presentes em muitas concepções urbanísticas europeias (NASCIMENTO, 2013). As intervenções feitas visavam a drenagem dos terrenos, a canalização de cursos d’água, as melhorias em abastecimento de água e esgoto sanitário, a regulamentação de novas construções segundo regras sanitárias, a regularização e limpeza de lotes, a arborização de praças e espaços públicos, a pavimentação de ruas, e a limpeza pública. Nesse contexto, tanto as técnicas de urbanização e de gestão urbana quanto o conhecimento especializado de base sanitarista dos engenheiros e médicos interessados pela saúde pública e pela salubridade das cidades brasileiras adquiriram progressiva importância (NASCIMENTO, 2013). O urbanismo sanitarista brasileiro resume-se quase totalmente na obra do engenheiro Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (Figura 19). Nascido em Campos dos Goitacazes, no Rio de Janeiro, Saturnino (1864-1929) desenvolveu sua formação técnica como engenheiro civil a partir de 1887, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, adquirindo embasamento teórico e capacitação para atuar em diversos campos de sua área. Entre 1887 e 1895 obteve aperfeiçoamento em medição topográfica e na familiarização de questões urbanas (MENDONÇA et al., 2009).

Figura 19 – Foto de Saturnino de Brito e o Volume IV do livro Obras completas de 1943. Fonte: (NASCIMENTO, 2013).

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Engenheiro de formação erudita, permanentemente atualizado sobre trabalhos desenvolvidos no exterior em saneamento e urbanismo, Saturnino publicou muitos artigos científicos sobre sua especialidade, assim como também sobre economia, sociologia e gestão pública. Estabeleceu intenso diálogo com a comunidade científica e técnica de sua época, participando de inúmeros congressos de higienismo, urbanismo e medicina. Saturnino também acompanhava as teorias sobre modelos urbanísticos e regulamentação urbana de saneamento em diferentes países. Esse conhecimento repercutiu em seus escritos, onde citava autores renomados da França, Itália, Inglaterra, Bélgica, Alemanha e EUA (BRITO, 1943; NASCIMENTO, 2013). Com elevada capacidade em associar reflexões sobre urbanismo com uma notável competência técnica em saneamento, Saturnino também tinha grande senso prático, consolidado a partir de sua experiência de campo. Isso contribuiu para o desenvolvimento de novas técnicas de saneamento que eram reconhecidas internacionalmente, como a proposta da fórmula para o cálculo de vazões máximas para o dimensionamento de redes pluviais e o desenvolvimento de reservatórios de descarga destinados à limpeza de redes de esgoto (NASCIMENTO, 2013). Saturnino defendia a necessidade da elaboração de um plano urbano, antes mesmo de projetar as redes de infraestrutura e saneamento, já que para ele estas deveriam ser implantadas junto com o planejamento da cidade como um todo. Para ele, o plano era um meio de assegurar um desenvolvimento harmônico da cidade e de redefinir o conjunto de sua estrutura. Assim, o crescimento urbano só poderia ocorrer com algum regramento, podendo este estar mesclado de questões técnicas – saneamento da cidade, o escoamento das águas, a ocupação do solo de modo a garantir iluminação e ventilação das edificações – e artísticas – uma vez que para o escoamento natural das águas era necessário seguir a topografia, o traçado da cidade seria dotado de qualidades pitorescas (OLIVEIRA e SOUZA, 2015). Essa metodologia levou Saturnino a estudar profundamente a cidade, conhecer diversos autores dessa área, escrever sobre o assunto, participar de congressos para então elaborar os planos, o que fez para muitas cidades brasileiras. Diversos autores europeus e americanos, assim como publicações e congressos que ocorriam na Europa sobre o saneamento são citados por ele ao defender a necessidade de planejar as cidades. Com isso, é possível perceber a proximidade que Saturnino tinha com os acontecimentos do urbanismo no exterior. Através de seus trabalhos, ele trouxe e implantou no Brasil ideias de diversos locais do mundo (OLIVEIRA e SOUZA, 2015).

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Para uma maior compreensão conceitual sobre os trabalhos de Saturnino é importante conhecer algumas referências de projetos urbanísticos da época. Uma das referências urbanísticas muito utilizada foi o modelo haussmaniano e seu foco na melhoria da circulação viária e de saneamento das cidades, assim como em seu embelezamento tendo por fundamentos princípios estéticos. O urbanismo visto como meio de redefinir a estrutura da cidade, em seu conjunto, conceito básico do Barão Haussman em Paris, apareceu em algumas cidades brasileiras, como o plano urbano de Belo Horizonte (1894-1897), nos projetos de expansão das cidades de Santos (1896-1910), de Vitória (1896), de João Pessoa (1913), de Recife (1910-1914) e de Porto Alegre (1913). No caso do Rio de Janeiro, a reforma urbana conhecida como “Pereira Passos” (1903-1906), apesar de contar com princípios urbanísticos haussmaniano, como o alargamento de ruas, o saneamento de bairros insalubres e iniciativas de embelezamento inspiradas na tradição neoclássica, não previa um projeto de desenvolvimento da cidade com um todo (ANDRADE, 1992). O propósito de reformar as cidades com a adoção de princípios urbanísticos de inspiração haussmaniana explica-se por diferentes motivações. Por um lado, há razões ideológicas, apoiadas por uma parte da elite brasileira, de equipar o país com cidades modernas, saneadas, funcionais, capazes de facilitar e promover as atividades comerciais e industriais. Por outro lado, o processo de urbanização mostrava-se cada vez mais intenso e as cidades onde habitava maior contingente de população urbana sofriam com frequentes epidemias (febre amarela, varíola, cólera, malária, entre outras), causando inquietações e revoltas de seus habitantes e prejuízos às atividades comerciais, principalmente as de exportação (ANDRADE, 1992). Apesar do projeto de Haussmann ter sido modelo de diversas intervenções urbanísticas no país devido a sua notoriedade mundial, nota-se que do modelo haussmaniano Saturnino aderiu somente à noção de conjunto urbano ao prever a área de expansão para a cidade, assim como de conferir ao setor público papel fundamental na execução do plano e na indicação de normas urbanísticas que iriam limitar e enquadrar o direito de construir. Tendo como referência principalmente os urbanistas franceses, com os quais compartilhava ideias através dos congressos que participava, Saturnino foi reconhecido na França por vários trabalhos relacionados com questões paliativas contra inundações, com questões de seca e de serviços urbanísticos, além de inventos e aperfeiçoamentos sanitários e soluções técnicas originais implantadas em cidades brasileiras (ANDRADE, 1992; MENDONÇA et al., 2009).

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Apesar de Saturnino apresentar um trabalho original e específico para a realidade brasileira, em alguns aspectos é possível identificar semelhanças entre as suas propostas e as concepções do arquiteto Camillo Sitte. A referência à Sitte é mencionada por Saturnino em algumas de suas obras e aparece na inserção da forma pitoresca, assim como na adequação dos novos elementos urbanos às características locais das cidades. Fazia parte da formação e do interesse profissional de ambos a preocupação com a arte, com a beleza e com os princípios estéticos das cidades. Além disso, é dito que eles entendiam a cidade como um corpo, um organismo em crescimento (ANDRADE, 1992; MENDONÇA et al., 2009). A ideia de que os traçados geométricos das cidades, admirados por seu valor estético, deveriam adaptar-se às características naturais, históricas e culturais de cada lugar aparece em vários textos de Saturnino. Na obra Le tracé sanitaire des villes, publicada em francês em 1916 e sem tradução para o português, bem como em seus textos sobre o projeto para a cidade de Santos, ele enfatiza o interesse estético, a diversidade e a capacidade de surpreender das cidades antigas, com suas ruas curvas de largura variável, suas pequenas praças e largos recônditos, assim como seus grandes monumentos (BRITO, 1943; NASCIMENTO, 2013). Em Sitte, Saturnino encontrou os argumentos urbanísticos em apoio à ideia de que o traçado das cidades deve respeitar a topografia, procedimento que ele utilizou já no seu primeiro projeto de expansão, denominado Novo Arrebalde, na cidade de Vitória em 1896. Ele defendia que, para desenvolver novos projetos urbanísticos, o engenheiro deveria associar-se ao artista com o propósito de conquistar uma boa circulação dos veículos, do ar e das águas quanto de valores estéticos, respeito ao patrimônio cultural das áreas urbanas mais antigas, às singularidades da topografia, da hidrografia e da cobertura vegetal (MENDONÇA et al., 2009). É válido lembrar que Sitte, como já comentado anteriormente, foi um marco nas teorias urbanísticas do final do século XIX. Muito prestigiado por urbanistas como Parker, Unwin e também por Saturnino, ele foi um dos primeiros a se preocupar com a preservação das cidades históricas, assim como questionar o traçado ortogonal e as destruições promovidas pelas grandes obras urbanas. Adotando também essa postura, Saturnino buscava intervir o mínimo possível no traçado urbano existente. Suas intervenções se constituíam basicamente em aberturas de vielas sanitárias, utilização de avenida canal ao longo dos cursos d’água, implantação de espaços públicos e a valorização de visuais pitorescas (OLIVEIRA e SOUZA, 2015).

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“Um suposto defeito de plano, um acidente topográfico, se transformam em belezas quando o profissional competente as sabe criar ou expor à vista dos transeuntes. Os ilustres Snrs. Camillo Sitte, Vierendeel, e recentemente o Snr. Bouvar (arquiteto de Paris que passou pelo Rio de Janeiro para ir reformar Buenos Aires) dão aproveitáveis lições sobre os traçados dos novos arrabaldes e melhoramentos e embelezamentos [...]”. (BRITO, 1943, p. 51 apud OLIVEIRA e SOUZA, 2015).

Saturnino trabalhou inicialmente como engenheiro ferroviário, até 1892, nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. Em seguida, passou a dedicar-se ao saneamento e ao urbanismo, entre 1893 e 1929 atuou em 53 cidades, em vários estados brasileiros (Figura 20). Somente no Estado do Rio Grande do Sul, ele trabalhou nas cidades de Rio Grande, Santa Maria, Cachoeira, Cruz Alta, Passo Fundo, Rosário, Santana do Livramento, São Leopoldo, Uruguaiana, São Gabriel, Iraí, Alegrete e Pelotas. No total propôs em torno de vinte e oito planos pelo Brasil (NASCIMENTO, 2013; LOPES, 2013).

Figura 20 – Principais cidades que Saturnino desenvolveu projetos ou conduziu trabalhos de urbanização e saneamento. Fonte: (NASCIMENTO, 2013).

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O plano de L’Enfant de 1791 para Washington, capital dos EUA, é mencionado como referência nos escritos de Brito (1943), destacando o traçado das quadras interceptadas por diagonais, e a hierarquização nos espaços da cidade. Segundo Oliveira e Souza (2015), embora timidamente, essas características estão presentes nos projetos de Saturnino, que indicava o traçado de Washington para os terrenos planos, principal característica, por exemplo, da cidade de Santos. Para demonstrar que o traçado xadrez não deveria ser aplicado em todo tipo de topografia, Saturnino utilizou o plano apresentado por Aarão Reis para a Cidade de Belo Horizonte (Figura 21). Nesse plano Saturnino criticou o traçado das vias, salientando que o traçado xadrez com avenidas diagonais não estava aplicado adequadamente, pois o terreno era acidentado. Conforme o engenheiro, a melhor solução seria uma planta onde o traçado deveria se dar de acordo com as curvas topográficas construindo avenidas ao longo dos cursos d’água, constituindo-se assim em um traçado sanitário, por ele propagado e defendido (OLIVEIRA e SOUZA, 2015).

Figura 21 – Comparação de Saturnino entre o traçado geométrico previsto para Belo Horizonte por Aarão Reis, desconsiderando a topografia e os cursos d’água, apresentado na Planta A, e o traçado sanitário proposto por ele na Planta B. Fonte: (BRITO, 1943, OLIVEIRA e SOUZA, 2015).

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Desse modo, nota-se que Saturnino estava engajado na problemática urbana da época e adaptava as soluções internacionais às especificidades brasileiras e locais. Assim, além de adequar, como Sitte, o traçado à topografia, acompanhando este sempre o caimento natural das águas, Saturnino mostra uma metodologia de trabalho parecida com a que Cerdá aplicou no plano crescimento para Barcelona. Ambos profissionais apresentavam procedimentos metodológicos semelhantes no tratamento do espaço, pois partiam da topografia para obter uma melhor percepção do lugar ao desenvolver um projeto urbano (MENDONÇA et al., 2009). Saturnino diferencia-se de maneira notória de seus contemporâneos higienistas em razão de seu pensamento urbanístico profundo e inovador. Tinha um respeito pela topografia e pelo patrimônio cultural e ambiental preexistente. Além disso, tendo o saneamento como prioridade nos projetos que desenvolveu, Saturnino incorporou novos elementos físicos ao meio, como canais a céu aberto e banheiros públicos, procurando sempre adequar a técnica à estética e proporcionar novos hábitos urbanos (BRITO, 1943; MENDONÇA et al., 2009; NASCIMENTO, 2013). Rigoroso na racionalidade funcional, na técnica e na economia, Saturnino escreveu diversos artigos pregando a consciência sanitária. Através de suas obras, procurou inserir na sociedade uma nova concepção de higiene, esclarecendo dúvidas no que diz respeito às novas práticas sociais e ao uso das novas instalações sanitárias. Nas obras, ele refere-se, sobretudo, aos princípios higienistas de assegurar os escoamentos rápidos dos esgotos e das águas pluviais, sempre que possível utilizando a gravidade como força motriz, de forma a reduzir o consumo de energia e os custos de materiais construtivos (BRITO, 1943; NASCIMENTO, 2013). Dessa forma, Saturnino colaborou de diversos modos para a sistematização e modernização da vida coletiva e para a transformação da paisagem urbana. Na sua concepção, o urbanismo era a arte de projetar e construir as cidades primeiramente do ponto de vista da salubridade, seguido pela circulação, sem se descuidar da estética. Seu traçado sanitário combinava o irregular com o regular e o engenheiro condenava construções em lotes estreitos e profundos, carentes da penetração de luz solar, o que, em sua opinião, contribuía para a criação de quarteirões compactos, sombrios e insalubres. Por isso, denomina-se de urbanismo sanitarista aquele que adapta o desenho urbano à lógica dos fluidos e das circulações, traçando as primeiras linhas do desenho de projeto a partir do esquema de escoamento das águas, circulação do ar e penetração da luz solar (BRITO, 1943; MÜLLER, 2002).

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Nos projetos de saneamento e extensão, Saturnino conciliava, sempre que possível, o traçado existente com o novo traçado sanitário, ligando pontos importantes da cidade com locais de menor trânsito, tirando partido da topografia para o melhor escoamento das águas. Esse posicionamento que teve origem nas ideias de Sitte, preocupado com a preservação da cidade e contra a política de arrasar quarteirões inteiros, resultou na criação da engenharia sanitária brasileira. Assim, de forma teórica e prática, Saturnino mostrou as medidas necessárias para garantir o saneamento das cidades que deveriam estar sob responsabilidades do poder público. Suas ideias ficaram conhecidas, sendo chamado para elaborar projetos de saneamento para diversas cidades (BRITO, 1943; OLIVEIRA e SOUZA, 2015). A atuação de Saturnino no campo do urbanismo impulsionou o planejamento urbano no Brasil. Ao mesmo tempo, o engenheiro também colaborou para uma visão mais abrangente no trato do espaço urbano, o que vai resultar na ideia da necessidade de um plano geral para prever e gerenciar a expansão da cidade, de buscar as formas ideais de traçado urbano de acordo com as necessidades, enfim, de implantar o urbanismo sanitarista. Não havia como pensar isoladamente no saneamento de uma cidade, era preciso realizar um planejamento urbano. Era preciso pensar a cidade como um todo, no saneamento, nas áreas existentes e a serem ocupadas, no traçado e nas legislações (BRITO, 1943; OLIVEIRA e SOUZA, 2015). Através de suas proposições técnicas, Saturnino promoveu a circulação de ideias principalmente entre o Brasil e a Europa. Faleceu em 1929, quando dirigia os trabalhos de saneamento da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Seus escritos foram reunidos em 23 volumes, denominados Obras Completas e publicados pela Imprensa Nacional entre os anos de 1942 e 1943. Sua notoriedade é demonstrada pelo grande número de monumentos, ruas e construções públicas em sua homenagem presentes em várias cidades do Brasil (NASCIMENTO, 2013).

4.2 O Plano de Expansão de Pelotas

Em Pelotas, o pensamento de cunho higienista foi difundido fortemente a partir das discussões sobre o saneamento da cidade, debate iniciado no final do século XIX e início do século XX. Divulgado através dos discursos de técnicos municipais e políticos, e tendo inicialmente como base a problemática sanitária da cidade, que crescia e se industrializava, as discussões também acabaram incentivando tanto regulamentações no centro urbano quanto no espaço periférico (SOARES, 2000).

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Na realidade, as discussões sobre higienismo iniciaram nas charqueadas, cujas condições de higiene eram mínimas. As águas em que os dejetos eram despejados, e da qual a cidade se abastecia, eram as principais condutoras de doenças. O caso mais grave de perigo à sanidade pública, como já comentado anteriormente, foi a epidemia de cólera em 1855, que se iniciou nas charqueadas e se espalhou rapidamente pela cidade através dos cursos d’água. O fato de a água ter sido a principal transmissora da doença incentivou discussões sobre o funcionamento das charqueadas e um maior cuidado com o meio ambiente (SOARES, 2002; AGUIAR, 2009). Embora as medidas de saneamento houvessem começado por volta de 1870, foi no início do século XX que elas ganharam força. Dentre as principais medidas, pode-se citar a aprovação de leis municipais, visitas higiênicas a domicílios, proibição da construção de “corredores de casas” e a adoção de um padrão construtivo. Os prédios públicos como hospitais, asilos e cemitérios passaram a ser instalados na periferia, longe do centro e dos canais. Além disso, entre as discussões também se destacavam questões sobre regularização dos arroios, o traçado da cidade, habitação dos trabalhadores e sobre a necessidade de um monitoramento mais eficaz das condições sanitárias de toda a população (SOARES, 2002; AGUIAR, 2009). As ações sanitárias, que deram início às intervenções sobre o espaço urbano e a novas normativas arquitetônicas, iniciadas no início do século XIX, foram responsáveis por uma série de mudanças nos hábitos e na maneira de morar da população, provocando reformas que marcariam para sempre a cultura da sociedade e a estrutura da cidade. A importação de ideias da Europa foi muito significativa na época, pois expressava prestígio e modernidade. Assim, essas ideias logo tiveram rápida divulgação. Em 1918 foi criado o Instituto Municipal de Higiene – primeiro do Rio Grande do Sul e terceiro no Brasil – principal formador da política de higiene na cidade e divulgador das ideias higienistas (MÜLLER, 2002; AGUIAR, 2009). No entanto, os projetos para dotar a cidade de uma moderna rede de esgotos são bem anteriores. Em 1887, o engenheiro civil da Escola de Pontes e Caminhos de Paris, Gregório Howyan, apresentou o primeiro plano de saneamento da cidade de Pelotas ao Conselho Municipal. Contudo, em 1901, o projeto foi modificado pelo engenheiro municipal Alfredo Lisboa, que realizou alterações de ordem técnica e também econômica. Adotou um sistema distinto do preconizado em 1887, sendo iniciado seu funcionamento em setembro de 1914 (LOPES, 2013).

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Uma década depois, a situação sanitária de Pelotas continuava preocupante. A questão foi avançando até a Câmara Municipal contratar, em 1927, um dos mais importantes higienistas brasileiros, o engenheiro de saneamento Francisco Saturnino de Brito, para realizar estudos de ampliação da rede de esgotos e o abastecimento de água, incluindo obras de expansão urbana e um novo sistema de abastecimento de água potável para a cidade (PELOTAS, 1923; SOARES, 2002). O relatório de Brito (1927), Saneamento de Pelotas, tinha como principal objetivo o desenvolvimento e o complemento dos serviços existentes de água e esgoto. Desenvolvido a partir de observações do crescimento da cidade através da comparação da planta de 1835 com a de 1926, o relatório apresentava uma introdução geral sobre a cidade, uma descrição da topografia e dos recursos hídricos, seguido do relato da geologia, do clima e de aspectos sobre a salubridade. Os temas desenvolvidos no relatório diziam respeito ao abastecimento de água, esgoto pluvial, drenagem, aterro e cais do Porto, esgoto sanitário, organização e custo dos trabalhos. No relatório Saturnino afirmava que os problemas de salubridade ainda persistiam na cidade e sua causa era produzida principalmente “pelas obras de saneamento necessárias que ficaram incompletas ou que não acompanharam o ritmo acelerado de crescimento da cidade” (BRITO, 1927; LOPES, 2013). Segundo Brito (1927), a falta de esgotos sanitários em várias partes do núcleo urbano, a falta de saneamento das águas estagnadas e a ação de várias indústrias, que lançavam seus resíduos diretamente nos cursos de água ou nas sarjetas, eram fatores que auxiliavam para a insalubridade local. Para combater esses problemas urbanos era necessário reforçar a fiscalização sanitária, realizar obras de expansão da rede de esgotos e de água potável, tratar dos materiais fecais e de seu lançamento e fazer a limpeza e drenagem das águas paradas da cidade. A maior preocupação de Saturnino era em relação à situação do Arroio Santa Bárbara, devido ao seu avançado estado de contaminação. Ele argumentava que a cidade crescia de costas ao arroio, transformando o mesmo em uma verdadeira cloaca urbana. Como solução para este problema, propunha a interrupção imediata da contaminação do arroio pelos despejos de dejetos e reserva de uma área de vinte metros de largura entre o leito e as construções, incluindo as avenidas marginais que deveriam ser construídas próximas ao seu leito (BRITO, 1927).

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Além disso, a expansão desordenada da cidade estava ocorrendo ao longo das estradas, formando aglomerações de habitações, com ruas de pouca largura, traçadas sem se constituírem como elementos harmônicos de um plano geral. Devido a isso, no relatório também foi incluído um planejamento da expansão urbana para a cidade de Pelotas, denominado Anteprojeto de Extensão (Figura 22).

Figura 22 – Anteprojeto de extensão de Saturnino de Brito para Pelotas em 1927. Fonte: (BRITO, 1927).

Depois de estudar a topografia da região, Saturnino propôs o aterramento de grandes superfícies pantanosas da cidade: a oeste, nas margens do Arroio Santa Bárbara, ao sul, junto ao Canal São Gonçalo e a leste, no ângulo formado pela margem deste último com o Arroio Pepino. As medidas adotadas no plano indicam regras para melhorar os bairros existentes do ponto de vista da circulação, embelezamento e saneamento básico. Nas áreas ainda não ocupadas, próximas ao centro, foi projetado um traçado diferente ao tradicional desenho das ruas da cidade, tentando facilitar a iluminação solar das casas que ali se construíssem (BRITO, 1927).

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CAPÍTULO 5

OS PLANOS E A TEORIA DA CIDADE-JARDIM

Como visto anteriormente, Ebenezer Howard idealiza, em 1898, o conceito de cidade-jardim ao propor uma alternativa para o caos das grandes cidades e tentar restabelecer a unidade orgânica da cidade perdida no processo de industrialização. Dentre seus vários ideais, Howard distanciava-se de configurações geométricas rigorosas, tradicionais, e acentuava a ideia de convívio com a natureza, propiciando, assim, um ambiente mais acolhedor e saudável de moradia. O livro de Howard, City Garden of Tomorrow, foi considerado um dos mais importantes guias de planificação urbana, uma concepção urbanística que estava em seu auge nas primeiras décadas do século XX. Seu aspecto mais significativo foi “o método racional e novo de tratar a complexidade” na necessidade de crescimento das sociedades industriais. O modelo de Howard foi disseminado em alternativas menos ambiciosas que a original. Entre estas, destacam-se os projetos desenvolvidos por Raymond Unwin, a partir da ideia da cidade-jardim. As principais características de seus projetos eram a localização de núcleos urbanos fora do centro da cidade, a baixa densidade, os amplos terrenos, as distâncias entre as casas, que consolidavam a fórmula "uma casa, um jardim". O modelo proposto por Unwin foi o mais famoso na difusão das ideias de Howard pelo mundo (MUNFORD, 1982). Através da leitura dos textos de Ebenezer Howard e de Raymond Unwin e na análise dos seus principais projetos, foram revistos os princípios da cidade-jardim, seus elementos formativos e também sua estrutura, para então ser feita a observação do espaço urbano projetado nos planos desenvolvidos para a cidade de Pelotas – Plano de Ampliação de 1922 e Plano de Expansão de 1927. Além disso, os conceitos de Lamas e Panerai – os elementos urbanos e as formas de crescimentos da cidade – também foram considerados como subsídios de análise. A partir disso, para a análise morfológica foram considerados os tópicos: o território e suas preexistências, traçado da malha urbana, eixos estruturadores, espaços públicos, quadras e lotes.

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a) O território e suas preexistências: Para analisar os traçados urbanos dos dois projetos de ampliação da cidade é importante levar em conta o meio natural no qual ela estava inserida. Também é relevante avaliar a forma de crescimento que se deu em Pelotas até o período em que os planos foram idealizados, pois esta está diretamente conectada com o meio natural. De acordo com Panerai (2014) e com a investigação feita nos projetos em relação à malha urbana da cidade, pode-se dizer que a cidade apresentou inicialmente um crescimento contínuo (traçado histórico hipodâmico) e posteriormente passou a apresentar um crescimento descontínuo, fragmentado. Esse novo tipo de crescimento é perceptível ao analisar o mapa de evolução urbana de Pelotas de 1926 (Figura 23). Através desse mapa é possível concluir também que o início da expansão da cidade ocorreu através de linhas de crescimento, estas guiadas por estradas preexistentes, ao longo das quais se deu aos poucos uma aglomeração populacional.

Figura 23 – Mapa urbano de Pelotas em 1926. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1978).

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Através da análise da forma de crescimento da cidade, observou-se também que Pelotas apresenta condicionantes físicos no meio natural que auxiliaram no modo em que se deu a expansão inicial da malha urbana do município. Assim, os limites da cidade estenderam-se aproximadamente até as margens dos dois arroios, a oeste o Arroio Santa Bárbara e a leste o Arroio Pepino (Figura 24). Já ao sul, a malha urbana estendia-se até próximo da barreira do Canal São Gonçalo. Portanto, devido a esses elementos de contenção, a cidade teve expansão mais extensa e mais densa no sentido norte/sul, onde as ruas longitudinais norte/sul foram eleitas como principais e as ruas transversais do sentido leste/oeste foram consideradas secundárias.

Figura 24 – Mapa de Pelotas de 1926 mostrando seus limites físicos naturais. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1978)

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É importante ressaltar que embora Rullmann tenha procurado mudanças de ordem mais estética na morfologia urbana da cidade e Saturnino tenha trazido principalmente os problemas higiênicos para o primeiro plano, fica evidente nos dois planos a ausência de diagonais que cortem a malha existente. Inicialmente, no plano de 1922, foi sugerida uma correção no traçado através do projeto de ruas diagonais na planta existente. Além de desafogar o trânsito, os cruzamentos das diagonais com as principais ruas existentes serviriam como um local para os grandes monumentos urbanos. As ruas, quase todas da mesma largura, sem distinção entre as principais artérias de tráfego, foram alvo de análise. Assim, essa ideia inicial previa a transformação de algumas ruas, no entanto, essas obras não se realizaram porque as operações constituiriam verdadeiras “cirurgias urbanas” e afetariam o patrimônio de importantes famílias pelotenses. Além disso, estava em contradição direta com o discurso do prefeito Pedro Osório que era de modernizar a cidade preservando o passado histórico na fisionomia urbana. Então, essa ideia foi repudiada e acabou sendo retirada do plano final (PELOTAS, 1922). Analisando os traçados propostos, nota-se que o conceito de cidade-jardim está presente nos planos ao se observar que assim como nos ideais de planejamento de traçado urbano de Unwin, houve a intenção de distinção entre a cidade antiga e a cidade nova. Nos dois planos analisados, de Rullmann e Saturnino, o meio natural foi levado em conta, visto que as ampliações propostas não teriam muitas alterações na trama urbana existente (Figuras 25 e 26), com isso a preexistência do traçado xadrez seria mantida e a personalidade da cidade também seria preservada. Unwin (1984) também advertia que o desenho deveria estar subordinado à implantação, à ondulação do terreno e à presença de elementos naturais a serem preservados por sua beleza. A regularidade, quando presente na ideia do urbanista, deveria ser considerada como um método de levar à prática intenções precisas, mas não um objetivo em si. A partir disso, percebe-se também que o diálogo com o ambiente natural demandou um traçado irregular na maior parte das propostas de expansão em ambos os planos. Assim, embora os dois projetos tenham mantido a regularidade, a simetria e a rigidez no centro da cidade, importante elemento da composição da malha urbana, onde a finalidade, o caráter e a importância cobravam certo formalismo e monumentalidade, nota-se que há uma diferença entre o desenho urbano da periferia com a zona central da cidade (Figuras 25 e26).

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Figura 25 – Plano de Rullmann com as áreas existentes (cinza escuro) e as ampliações urbanas propostas (cinza claro). Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1924).

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Figura 26 – Plano de Saturnino com as áreas existentes (cinza escuro) e as ampliações urbanas propostas (cinza claro). Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1927).

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A importância dada ao meio natural também é observada em ambos os projetos quando se avalia a intenção deles em inserir a forma pitoresca na malha da cidade, assim como de adequar novos elementos urbanos às características locais. Assim como Unwin, Saturnino também levava em conta o meio natural ao apresentar procedimentos metodológicos em relação a esse tema no tratamento do espaço. Em todos seus projetos urbanos é destacada a adequação do traçado à topografia, pois os traçados dele acompanham o caimento natural das águas. Na proposta elaborada para Pelotas não foi diferente, Saturnino partiu do estudo da topografia para adquirir uma melhor percepção do lugar para então projetar o plano urbano para a cidade. Dessa forma, ele projetou uma rede de esgotos de acordo com as formas naturais do sítio urbano e especial cuidado com as zonas baixas da cidade que, segundo ele, deveriam ser modificadas (BRITO, 1927).

b) Malha Urbana: A partir do século XX era comum em Pelotas discursos sobre os inconvenientes dos traçados da cidade em forma de xadrez, isto é, da cidade com ruas retas, cortada em ângulos retos. As considerações, segundo os críticos, diziam respeito às condições de higiene, à salubridade, à comodidade de trânsito e à ornamentação da cidade. Além disso, na época, estavam em alta as ruas sinuosas, traçadas com intento proposital de uma beleza pitoresca. Assim, se alegava que o sistema geométrico xadrez de Pelotas, muito uniforme e monótono, comprometia a sua estética (DIÁRIO POPULAR, 1924). Ao analisar os regramentos propostos no Projeto de Ampliação de 1922, nota-se que Rullmann propôs um grande plano de expansão que continha características inovadoras com o uso de traçados irregulares. Unwin (1984), assim como Sitte, defendia a irregularidade como uma valiosa individualidade alcançada pela aproximação do desenho urbano às condições naturais do lugar. Entretanto, também insistia na consideração das características do sítio e suas irregularidades, ponderando a beleza extraída das duas categorias: o regular e o irregular. Embora Rullmann tenha sido mais abrangente e procurado mudanças de ordem mais estética na morfologia urbana, o plano de 1927 também propôs mudanças ao abandonar o xadrez e utilizar de curvas. Segundo Brito (1927), nos bairros onde não fosse possível a utilização do novo traçado, ele aconselhava a construção de ruas sanitárias ou de pequenos parques no interior das quadras pouco ocupadas. Essas medidas auxiliariam na circulação do ar e também na higiene.

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O projeto de expansão de 1922 propôs um zoneamento do espaço urbano de Pelotas. Através disso, ele dispôs os serviços administrativos no centro da cidade e os serviços públicos e as atividades consideradas molestas para a população (hospitais, matadouros, cemitérios) isoladas, na periferia. Assim, a cidade foi dividida por grandes avenidas e organizada em zonas industriais, zonas comerciais e zonas residenciais, além de centro de cultura cívica, intelectual e física (Figura 27). É importante notar que para cada tipo de zoneamento proposto foram planejados distintos traçados na malha.

Figura 27 – Mapa do Anteprojeto de Ampliação de 1922, com o zoneamento funcional proposto. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1924).

Ao fazer o zoneamento, Rullmann hierarquizou zonas de acordo com as classes sociais. Para a habitação da elite, foi projetada a “cidade-jardim”, localizada na expansão norte da cidade, com ruas sinuosas e edifícios distanciados e isolados. Um segundo setor de elite seria a zona de “habitação burguesa” que se localizaria nos terrenos obtidos da drenagem do Arroio Santa Bárbara (PELOTAS, 1922).

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O comércio e serviços administrativos aproximavam-se da área central, enquanto os serviços públicos dispuseram-se segundo as suas necessidades, na periferia da cidade. Foi localizado um centro comercial e industrial, para importação e exportação, perto do novo cais às margens do canal São Gonçalo, já que a região contava com linha férrea e marítima (PELOTAS, 1922). Uma nova área destinada à indústria, obtida por drenagem, seria localizada junto à foz do arroio Santa Bárbara e serviria como uma ligação entre as zonas industriais às margens do arroio e do canal São Gonçalo. Além disso, para a área de indústrias da carne, localizada do outro lado do arroio Pepino, foi prevista a instalação de um matadouro e de um frigorífico. A zona de habitação operária foi localizada junto ao centro industrial, ligando o lugar de trabalho com a moradia, de algum modo facilitando a vida do trabalhador e do industrial (PELOTAS, 1922). O centro de cultura cívica e intelectual seria o setor em que se localizariam a administração pública, o teatro municipal, a biblioteca pública, museus, as escolas de ensino superior e a universidade. A intenção de Rullmann era que a sua localização topográfica ficasse no ponto mais elevado do espaço urbano, para torná-lo mais proeminente no conjunto panorâmico. Além disso, o centro cívico também deveria estar em uma via principal de tráfego da cidade, “para a qual flui e reflui o movimento, como no corpo humano, o sangue ao coração” (PELOTAS, 1922). Através do local escolhido para a localização do centro cívico e cultural é possível observar que, assim como Unwin (1984) sugeria “um lugar adequado para o centro principal, sendo desejável que seus edifícios estejam bem situados e se distingam desde o mais distante possível. Isto sugerirá a escolha de algum terreno elevado (...)”, no Plano de Ampliação de 1922, Rullmann estabeleceu o ponto mais alto da cidade, para fazê-los sobressair do conjunto urbano. Assim, através do plano de Rullmann, pela primeira vez fala-se em zoneamentos e setores na cidade de Pelotas. Esta hierarquização das zonas urbanas através do assentamento exclusivo de determinadas classes sociais também era uma tendência de planejamento urbano que estava ocorrendo do início do século XX em países europeus e também remete a ideias da teoria cidade-jardim. Por fim, nota-se uma cidade polinuclear, articulada numa hierarquia entre o centro e a periferia, onde se percebe a força da malha ortogonal central e o caráter diferenciado de cada um dos bairros, distintos pelo traçado das vias, delimitados por elementos definidos, organizados em interesses distintos.

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c) Eixos Estruturadores: As análises dos eixos estruturadores nos planos, assim como a organização das vias principais e a sua circulação são muito importantes, pois segundo Unwin, o desenho viário atribui ao plano uma personalidade própria. Na observação das áreas de expansão de ambos os planos para Pelotas é perceptível a existência de uma hierarquia entre as vias principais e secundárias, pois elas podem ser facilmente diferenciadas pela largura, além disso nota-se que os eixos estruturadores circundam a cidade e conectam as diferentes zonas da malha urbana. O Plano Rullmann não apresenta um desenho viário de fácil compreensão, pois além de certa irregularidade na estrutura viária (Figura 28), nota-se que as vias principais ao mesmo tempo em que passam no meio de zonas funcionais, também servem para conectá-las e delimitá-las. Além disso, observa-se também, que assim como nos projetos de Unwin, em alguns pontos, onde convergem as vias principais, foi implantado um espaço circular com o intuito de facilitar a circulação do tráfego e conferir efeitos arquitetônicos às diferentes interseções viárias.

Figura 28 – Projeto de Ampliação de 1922 com as vias e espaços circulares em destaque. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1924).

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No plano de Saturnino percebe-se que o traçado viário da cidade foi elaborado a partir de eixos estruturadores já existentes, dando continuidade às vias. Nas áreas de expansão, as vias foram projetadas com formas diagonais e curvas (Figura 29). Com o objetivo de sanear as margens dos córregos que atravessam o tecido urbano da cidade, foram planejadas avenidas laterais aos arroios Santa Bárbara e Pepino, elas se configurariam como duas grandes vias de circulação – uma a leste e outra ao oeste da área central – e de conexão entre o porto, o centro e os bairros periféricos. Na área portuária foi planejada uma avenida marginal, próximo a ela seria construído um bairro industrial, com fábricas e armazéns, combinando o serviço de transportes ferroviários com os transportes de navegação.

Figura 29 – Anteprojeto de Extensão de 1927 com destaque das vias principais. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1927).

Ao fazer o uso de hierarquias viárias diferenciadas, conectá-las com as vias existentes e configurar grandes avenidas de circulação, percebe-se que Saturnino tinha como intuito facilitar o trânsito local. Além disso, também queria melhorar esteticamente a paisagem urbana já que as grandes avenidas teriam um traçado original que acompanharia as sinuosidades dos arroios e caracterizariam a malha viária da cidade.

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d) Espaços Públicos: As sugestões de Unwin para a conformação das praças estão respaldadas no estudo de Camillo Sitte, que dedica grande parte da sua obra “Construção de cidades segundo princípios artísticos” ao exame das praças e a distinguir os princípios que regulamentam seu desenho, recorrendo amplamente aos exemplos deixados pela Idade Média, em cujas edificações se pode notar o enfrentamento das irregularidades acidentais com a extração de excelentes resultados, adaptados às circunstâncias, de modo que crescimento espontâneo e desenho consciente parecem ter agido conjuntamente (UNWIN, 1984; SITTE, 1992). Unwin propõe uma hierarquização das partes do desenho da cidade, enfatizando algumas delas e subordinando outras. Para ele, isso é possível quando se têm centros bem definidos e quando as áreas centrais agrupam os edifícios públicos, que deixam então de aparecer aleatoriamente pela cidade e contrastam consideravelmente sua escala e tamanho com os outros edifícios circundantes. Unwin comenta que quando são agrupados em lugares centrais e dispostos corretamente, “o resultado final obtido pode ter entidade para impressionar a imaginação e para formar um motivo central genuíno no desenho da cidade” (UNWIN, 1984). Nota-se que em Pelotas também houve a intenção de circundar a praça central da cidade com edifícios públicos construindo uma sensação de fechamento. Além disso, assim como o idealizado por Howard, os dois planos de ampliação visavam a implantação de novos parques e o melhoramento dos existentes. Na zona da Tablada, Rullmann projetou um grandioso parque, este deveria ser estudado por paisagistas e agrônomos para ser implantado como um museu de árvores do município. Junto ao parque seria o estádio da cidade (PELOTAS, 1922). Além dos parques e praças, percebe-se ainda, assim como nas obras de Unwin (1984), que no plano de Rullmann os bairros são dotados de um centro, produzindo o mesmo efeito da área central da cidade em escala menor, servindo de instrumento de hierarquização dos espaços urbanos e contribuindo na percepção da identidade da área. Assim, muitas das praças, cuja forma é circular, apresentam conformação resultante da articulação do traçado orgânico (Figura 30), ou, ainda, foram inseridas para criar o centro secundário de uma zona ou evidenciar a área como ponto focal, e neste caso ganharam uma forma especificamente para o lugar.

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Figura 30 – Redesenho do Anteprojeto de Extensão de 1927 com as áreas verdes. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1924).

e) Quadras e Lotes: Percebe-se que no traçado existente em Pelotas, malha em retícula, o conceito é de cidade tradicional, que configura o quarteirão e a rua-corredor. Entretanto, assim como nos planos de Unwin, em ambas as propostas de ampliação, as vias apresentam um traçado irregular, configurando quadras com formatos variados. Além disso, apesar de apresentarem elementos urbanos básicos como ruas e lotes, as novas quadras remetem à ideia de cidade-jardim ao proporem o edifício isolado no lote. Assim como Unwin (1984), que indicava jardins privados para ampliar a massa verde dentro dos lotes, no Plano de 1922, as habitações da elite foram planejadas na zona denominada de cidade-jardim, ao norte da área central, sobre um arruamento sinuoso, cujas edificações, deveriam ser recuadas e isoladas do alinhamento das ruas por jardins, apresentando assim, pelo conjunto, o aspecto de uma grande praça edificada, com um grande padrão de beleza e de conforto. Além disso, o plano também garantia que toda a habitação nova tivesse ao seu lado um jardim e salientava a importância do código de construções para a harmonia estética urbana.

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No relatório de 1927, Saturnino propõem quadras retangulares alongadas, fugindo do formato xadrez, os quarteirões quadrados, com lotes estreitos e compridos estavam sendo banidos dos novos projetos, mas podiam ser admitidos com a subdivisão por meio de vielas sanitárias e o estabelecimento de pequenos parques no interior (Figura 31). Os quarteirões alongados, com 150 a 250 metros de comprimento por 60 a 80 metros de largura, embora não estejam presentes nos preceitos da cidade- jardim, representam sua ideologia – moderna – ao romper com o quarteirão fechado e permitir a ventilação cruzada e melhor orientação solar.

Figura 31 – Plano de Extensão de 1927 destacando as tipologias de quadras. Fonte: Redesenho da autora sobre imagem (PELOTAS, 1927).

Assim, segundo Brito (1927), as características da cidade antiga deveriam ser abandonadas. De acordo com os preceitos higiênicos, as novas edificações deveriam ter recuos e priorizar a orientação norte/sul com a função de facilitar a insolação e a renovação do ar. Os lotes até poderiam ter pequena extensão, de 25 a 35 metros, desde que tivessem de 15 a 20 metros de largura no mínimo. Se os edifícios ficassem isolados, seria preferível que os lados fossem isolados e a orientação dos quarteirões deveria ser diferente da meridiana.

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Além disso, Saturnino também estabelecia que as construções feitas ao longo das estradas, tivessem faixa de 10 metros contados do eixo das mesmas para cada lado, e, ao longo das ruas centrais ou comerciais, com faixa de 5 metros a partir do alinhamento da via pública. As faixas, de propriedade particular não edificáveis, deveriam ser ajardinadas pelos proprietários. Através da forma transversal de implantação de edificações na quadra, com o intuito de aumentar a área de ventilação e iluminação e favorecer a higiene e a estética, Saturnino demonstrava, assim como os princípios de Howard, a preocupação com o bem estar e a qualidade de vida e moradia da população. Com maior arborização na área urbana, o contato com a natureza e o cultivo de plantas trazia a mescla de cidade e campo tão idealizado por Howard.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao estudar a história do urbanismo, identifica-se na cidade industrial, a força motriz para a criação de uma série de novas propostas urbanísticas. Tendo sido originadas principalmente nos países da Europa e nos Estados Unidos, as utopias logo se transformaram em possibilidades reais de serem implementadas graças à perspicácia de importantes reformadores, como Ebenezer Howard. Ao capturar elementos dispersos e agrupá-los ele criou um único modelo, a cidade-jardim. A partir disso, coube a outros a responsabilidade da difusão destes ideais. Nota-se que as novas ideias urbanísticas geradas na Europa e Estados Unidos utilizaram conceitos genéricos do urbanismo clássico, bem como do moderno – concepções funcionalistas, a ideia de zoneamento da cidade, assim como o conceito da cidade-jardim. A mistura de ideias costuma ser típica de fases de transição e definição de conceitos, onde vários paradigmas e influências se mesclam. Assim como vários outros países, o Brasil, na passagem do século XIX ao XX e nas décadas posteriores, se encontrava em plena mudança. Devido às transformações que ocorriam no país ou às necessidades que a produção cafeeira impunha, o Brasil iniciou um processo mais intenso de urbanização. Entretanto, a falta de uma escola própria fez do urbanismo brasileiro uma colagem de modelos externos, adequando-os, dependendo dos interesses do profissional, ao contexto local. Os novos modelos transformaram cidades existentes ou foram aplicados na criação de novas cidades, através da iniciativa pública ou privada. Assim, o novo urbanismo brasileiro nasceu a partir das inovações urbanísticas implantadas no exterior, sendo introduzido nas cidades do país por intercâmbio de várias formas de informações. A revisão bibliográfica aqui apresentada mostra que o modelo urbanístico cidade-jardim de Howard, praticado por Unwin e Parker em Letchworth e Hampstead, posteriormente compilado no texto de Unwin e aplicado por Parker nos projetos da Companhia City em São Paulo serviram de referência à prática projetual de vários urbanistas brasileiros. Estes adotaram as soluções formais e os princípios de desenho da cidade-jardim para a composição das cidades que projetaram.

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Dado o exposto no trabalho, sabe-se que na década de 1920, mudanças se produziam na cidade de Pelotas como consequência do processo de industrialização e do crescimento populacional. Os dois planos elaborados nesse período, separados por um pequeno intervalo de tempo, representam uma tentativa de ajuste da cidade às necessidades de sua época. Os mesmos também representam uma continuidade e um complemento dos planos de saneamento executados nas décadas anteriores, todavia sob uma influência de novas ideias urbanísticas. Sendo o objetivo deste trabalho investigar como as novas teorias urbanísticas aparecem nos dois primeiros planos gerais de ordenação realizados em Pelotas e, além disso, verificar através de quais meios esses preceitos chegaram aos autores dos planos, é importante destacar a participação dos urbanistas brasileiros em congressos e exposições, bem como o surgimento das primeiras leis que estabeleceram a obrigatoriedade da realização de planos de expansão para as cidades brasileiras. Além disso, em vários estados já estavam realizando melhorias urbanas, como a Reforma Passos no Rio de Janeiro, em 1903, o Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre, em 1914, e o Plano de Avenidas de São Paulo em 1924. Neste sentido, a implantação das novas ideias urbanísticas, tal como dos postulados higienistas chegaram aos autores dos planos de Pelotas através dessa difusão de inovações e troca de ideias que estavam sendo propagadas entre Europa e América. Ainda que nos Estados Unidos também já se teorizasse sobre um novo planejamento urbano, até os anos 1920, os modelos importados para o Rio Grande do Sul eram principalmente ingleses, franceses e alemães. Assim, encontra-se nos dois planos produzidos para Pelotas – tanto por técnicos locais, como por pesquisadores de renome internacional – as técnicas, as propostas e os procedimentos mais avançados para a época em termos de planificação urbana, como a reforma interior dos quarteirões, o zoneamento funcional, a separação das classes sociais no espaço urbano, a construção do bairro cidade-jardim, entre outros procedimentos que circulavam em distantes cidades. Os dois planos urbanísticos estudados apresentam para a cidade uma proposta de expansão e ordenação da malha urbana. Ambos fazem distinção entre cidade antiga e cidade nova, apresentam a repetição de tipo, com propostas de diagonais e quarteirões alongados. Além disso, sugerem ruas diagonais e curvas nas áreas de expansão, com o intuito de facilitar o trânsito, e também propõem um crescimento bem sistematizado, lembrando características da cidade-jardim.

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Através das análises realizadas nos dois planos, nota-se que a consideração da malha preexistente como base para o projeto – em especial o efeito do traçado regular da área central, o traçado condizente com as características naturais do terreno, a busca pela presença da vegetação como elemento de composição do espaço urbano, o “caráter artístico da malha urbana”, assim como a estrutura de bairros e do centro, as vias e sua caracterização, aproximam a forma urbana dos planos de Pelotas ao tipo cidade-jardim que Unwin e Parker materializaram e difundiram. Apesar de apenas os projetos referentes à melhoria e ampliação das redes de água e esgoto terem sido executados, as demais propostas, como as regras de ocupação e os desenhos de expansão urbana, serviram como um alerta para as necessidades da cidade na época. Além disso, auxiliaram, em parte, nas delimitações de zoneamento para planos seguintes – como a instalação de indústrias em determinadas áreas – e, também serviram de referência no desenho de novos loteamentos construídos em Pelotas nas décadas posteriores. Por fim, os planos também auxiliaram no traçado de novas avenidas para a área de expansão da cidade. Estas se tornaram alguns dos principais eixos estruturadores do crescimento da cidade de Pelotas, demonstrando, enfim, que um plano urbanístico – tanto em seu traçado, seu aspecto físico, quanto em seu conjunto de ordenanças – ao constituir-se a partir de uma ideia de cidade, funciona como guia, aponta para uma direção segundo a qual a produção da cidade deve seguir.

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