O Corpo Sedutor Na Arte E Na Mídia

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O Corpo Sedutor Na Arte E Na Mídia ANNA MARIA BALOGH O obscuro objeto ANNA MARIA BALOGH é professora da Unip e da ECA-USP e autora de O Discurso Ficcional na TV (Edusp) e Conjunções, Disjunções, Transmutações. da Literatura ao Cinema e do desejo: à TV (Annablume). o corpo sedutor na arte e na mídia guram para uma trama que abarca o sentido positivo resultando no conhecido happy end hollywoodiano ou em narrativas de virtua- lização mais freqüentes em filmes de arte e minisséries, nos quais o sujeito do desejo não atinge o objeto desse desejo. A bissemia ou polissemia é comum nos termos que fazem parte do campo se- mântico do erotismo, tais como sedução, atração, amor, paixão, etc., e é o que se verifica também com a palavra desejo. No instigante ensaio de Marilena Chauí sobre o tema, ela nos lembra que desiderare tem sua origem em sidus, estrela, termo usado mais freqüentemente no plural sidera. A autora menciona a crença de que o alto ou os astros influenciam o destino humano, de onde viria sideratus, siderado, atingido edução, amor e erotismo sempre estiveram ou fulminado por um astro. De sidera nas- presentes na arte e na mídia como cem considerare, examinar com respeito e temas preferenciais reiterada- veneração, e desiderare, cessar de olhar os mente visitados ao longo da astros (Chauí, 1990, pp. 22-3). Ao deixar diacronia. Em seu rico vo- de olhar os astros, tomamos o destino em lume sobre O Erotismo, nossas próprias mãos, temos que decidir, Alberoni (1986, p. 183) obser- mas isso pode também significar por vezes va que “A poesia amorosa e estar fora de si, sentir um vazio; assim à erótica está destinada a provocar amor decisão se acrescenta uma carência. e prazer erótico no exterior e no mundo. Isso A maioria dos autores que estudaram vale para qualquer forma artística”. Se tal o tema, tais como Octavio Paz, Jean Bau- Safirmação é válida para as artes prévias, o drillard e Francesco Alberoni, situa o erotis- é em dobro, sem dúvida, para as artes do mo no âmbito da cultura. Para Paz, trata-se movimento, tais como o cinema, a TV e o da sexualidade socializada, submetida às vídeo, posto que o movimento constitui um necessidades do grupo, força vital expro- elemento vital na expressão do erotismo priada pela sociedade. A sexualidade seria através do corpo. indiferenciada e da ordem da natureza, en- quanto o erotismo seria da ordem da cultura e, portanto, do signo e do ritual. O corpo pertence primordialmente à EROS: SEDUÇÃO E DESEJO natureza, mas o corpo sedutor é decifrado, com toda certeza, no âmbito da cultura. O termo seduzir admite tanto a timia Como se manifesta a sexualidade do corpo eufórica, quando significa atrair, encantar, no interior da ação civilizadora da cultura? fascinar, deslumbrar, quanto a timia disfó- Como se percebe o corpo dentro da cele- rica, quando significa levar ao pecado, ao ridade de nosso quotidiano em ritmo de erro ou, ainda, inclinar de forma artificiosa “rock pauleira”? Qual percepção do corpo para o mal, conforme consta no dicionário. A permanece em nosso imaginário em meio acepção negativa do termo parece ter maior à voracidade e à obsolescência programada proximidade com sua origem lembrada dos produtos midiáticos que o representam? por Baudrillard: se-ducere, ou seja, levar Até mesmo os sex symbols criados pela aparte, desviar de sua via ou caminho. As mídia parecem destinados a uma vida útil narrativas sobre o tema em geral se confi- cada vez mais efêmera… 150 REVISTA USP, São Paulo, n.69, p. 149-158, março/maio 2006 O CORPO SEDUTOR: A SOBREVIVÊNCIA DO MAIS BELO Em recente programa transmitido pela GNT, A Sobrevivência do Mais Belo, título emprestado da obra homônima de Nancy Etcoff, à qual se faz referência constante, os diferentes segmentos apresentados pro- curavam demonstrar que, de fato, estamos geneticamente programados para sermos atraídos pelo mais belo, para poder perpe- tuá-lo através da procriação, para a salva- guarda da espécie. As reflexões de Flahaut sobre o tema reafirmam o que se propôs no mencionado programa: “Les visages humains considerées comme na fotografia estática, no cinema e na TV beaux pourraient avoir certains traits, o trabalho de uma equipe de profissionais certaines formes fondamentales… les cher- concorre para acentuar as características cheurs estiment que la perception de ces mais belas mediante recursos de luz, cor, traits a dû être favourable à la survie de maquilagem, angulação, enquadramento, l’espèce…et ces traits pourraient être les entre outros, levando o fascínio ao paro- indices extérieurs de santé et de fertilité”. xismo, como bem analisou Barthes ao falar de Greta Garbo. Cenas do programa da GNT mostram que até mesmo os bebês, quando expostos às imagens de vários rostos, fixam seu olhar sempre de forma mais demorada no rosto O CORPO SEDUTOR E SEUS mais bonito. Em outros segmentos, o pro- grama faz menção aos resultados de extensa VALORES SIMBÓLICOS pesquisa feita junto a usuários da Internet sobre o conceito de beleza em relação ao O corpo é dotado também de fortes qual a maioria deles destacou as seguintes valores simbólicos consagrados no imagi- invariantes: uma pele boa, simetria, har- nário dos espectadores, dos quais a arte e monia e cor saudável. a mídia se servem com prodigalidade e aos O rosto se destaca naturalmente no quais agregam, por vezes, novos valores. Ao conjunto do corpo como elemento de ex- estudar a simbologia do corpo, o pensador pressividade privilegiada na manifestação Jean Yves Leloup (1998) nos lembra que a dos sentimentos humanos, e não por acaso boca se relaciona à fase oral e as maçãs do Gilles Deleuze denominou o plano próximo rosto ao ventre. Nota-se que alguém está de imagem-afeição. Para os usuários de In- em boa saúde quando as bochechas estão ternet consultados na pesquisa mencionada rosadas. Antes das inovações cosméticas, foram eleitas como características distin- com o surgimento dos mais diversos blu- tivas do belo no rosto olhos relativamente shes, inclusive com textura acetinada, a grandes e mais separados do que juntos, situação das moças era mais difícil. Em pômulos salientes, nariz reto e não muito filmes que retratam épocas pretéritas, sem comprido e boca carnuda. tais facilidades, com freqüência vemos Além dos traços próprios da beleza apon- cenas de moçoilas casadoiras correndo ao tados como preferenciais cabe lembrar que espelho para beliscarem as bochechas sem- REVISTA USP, São Paulo, n.69, p. 149-158, março/maio 2006 151 pre que a visita de um possível pretendente é seu timidíssimo advogado vivido por Marco anunciada. Nem mesmo a belíssima Scarlet Nanini. Um marco na trajetória humorísti- O’Hara deixa de recorrer ao estratagema co-erótica da TV brasileira. quando Rett Butler vem visitá-la em E o No filme O Amante, transposto por Vento Levou. Annaud da obra homônima de Marguerite Ainda em sua obra O Corpo e Seus Duras, a jovem francesinha que interpreta Símbolos, Leloup também discorre sobre a autora nessa história autobiográfica se os valores simbólicos dos pés lembrando apresenta de forma plena de simbolismo que eles significam nossas raízes, preservam em seu primeiro encontro com seu futuro as lembranças de nossa chegada à terra e amante chinês. A jovem tem um dos pés de como estamos plantados nela. Os pés apoiados nos canos da balaustrada da balsa nos contam se fomos desejados ou não, se que atravessa o Rio Meckong e o outro no somos amados… O estudioso lembra ainda solo. Seu ar é infantil e ela mal se equilibra que, para Freud, o pé teria um significado num inadequado sapato de salto alto de fálico, enquanto o sapato seria um símbolo cetim preto com lantejoulas. De fato, ela feminino. Para Leloup (1998, pp. 29-30), não está bem plantada na terra. Ela é uma “o pé é um símbolo erótico tanto nos povos estrangeira sem os privilégios próprios primitivos quanto nos civilizados, podendo dos colonizadores: poder e dinheiro. Sua ser considerado como um excitante sexual”. família está arruinada, as relações entre Naturalmente, no processo evolutivo do ser seus membros são deprimentes e destituídas humano, a simbologia fálica do pé vai se de afeto sadio, ela não é amada. A entrada esvanecendo e o desejo se transfere para a do imponente carro do rico rapaz chinês área genital. na balsa é filmada de um ângulo que fica Os mencionados valores simbólicos e entre as pernas da mocinha: sim, ela será suas transições ou permanências fetichistas desejada. O rosto do rapaz chinês, sentado se manifestam em diversas obras artísticas no carro guiado pelo motorista, mal se dis- e midiáticas. Em A Pata da Gazela, de tingue atrás dos vidros. O que se vê bem, José de Alencar, a trama gira em torno de quando ele desce do carro, é o seu elegante um rapaz que fica siderado com a visão de sapato de cromo alemão… A ênfase nos pés relance de um par de mimosos e sensuais prenuncia de modo adequado a prevalência pezinhos num rápido levantar das longas do erotismo nessa difícil relação inter-racial saias para entrar numa carruagem da época. que se inicia. A questão é saber a que dama pertencem os pés fascinantes, dado que em sua trajetó- ria em busca da amada de pés mimosos o pobre rapaz depara também com algumas A LIBERTAÇÃO DOS CENTROS VITAIS “lanchas” amedrontadoras… No cinema e na TV muitos dos percursos Outras zonas importantes do corpo se eróticos se iniciam ou são sugeridos pelos manifestam nas trajetórias eróticas dos pés. Além da história modelar de Cinde- filmes, tais como o ventre e os quadris. O rela, plasmada em desenho animado por crítico francês observa que o ventre constitui Walt Disney, e de outras inúmeras versões um lugar importante do corpo, pois nele se fílmicas, há outros exemplos marcantes.
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