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Alexandre Viana ilustrações anta C S atarina o No ital Cristina Santos leçã ssa Cap Co Florianópolis a capital em uma ilha

Alexandre Viana ilustrações

1a edição 2011 2 Todos os que me conhecem se encantam com a beleza das minhas paisagens. Estou localizada no sul do Brasil, em uma ilha que guarda muitas histórias de um passado cheio de mistérios, conquistas e aventuras. Quanta coisa já aconteceu aqui! É um pouco dessa história que eu quero contar a vocês... Ela começa muito antes da chegada dos europeus, que vieram me colonizar. Naquela época, eu era totalmente coberta pela exuberante mata atlântica e cercada por restingas, dunas e manguezais. Os arqueólogos estimam que meus primeiros habitantes já estavam aqui desde quatro mil e quinhentos anos atrás e, por meio de suas pesquisas, tentam desvendar as pistas deixadas por esses povos. Entre elas, estão as enigmáticas inscrições rupestres presentes nas ilhas do Campeche e do Arvoredo e nas praias do Santinho e da Galheta. Outra pista são os artefatos feitos com pequenos pedaços de pedra. Os habitantes pré-coloniais iam até as grandes rochas localizadas nas praias e friccionavam e poliam pedaços de pedra, dando-lhes o formato que desejavam. Pacientemente esculpiam instrumentos cortantes e pontas de lança, úteis à sobrevivência, e até mesmo bonitos adornos com formas de animais. Nas praias dos Ingleses, Joaquina, Santinho e Matadeiro, há diversas concavidades nas grandes rochas perto do mar. Esses locais são chamados de oficinas líticas e, juntas, guardam um inestimável registro dessa atividade. Posteriormente, por volta do ano 1100, um novo povo começou a se estabelecer aqui, os índios Guarani. Eles me chamavam de Meiembipe, o que significa ‘ montanha ao longo do mar’, porque esse é o meu formato, quando observada do con- tinente. O povo Guarani estava por toda parte.

Oficina lítica no costão sul da Praia dos Ingleses.

3 As aldeias dos Guarani ficavam próximas das restingas e dos manguezais; perto delas, desenvolviam-se plantações de abóbora, milho, algodão, amendoim, inhame e mandioca. Com a mandioca, os índios faziam a farinha, que já existia desde aquela época. Com a argila, confeccionavam tigelas de cerâmica, em que cozinhavam o alimento. Os índios utilizavam o garapuvu, uma árvore de madeira leve e macia, para fabricar canoas, com as quais navegavam até outras partes da ilha. Também atravessavam o estreito canal de mar, que eles chamavam de Jureremirim, e iam até o continente. Se não me engano, foi em um desses passeios que eles avistaram ao longe o primeiro navio europeu. Eram os primeiros anos após o descobrimento do Brasil. Naquela época, de tempos em tempos, navios europeus navegavam pela costa catarinense, em direção sul, para explorar as riquezas na região do Rio da Prata. Até que, em 1514, os comerciantes portugueses d. Nuno Manoel e Cristóvão de Haro entraram em uma das baías e chamaram-me de Ilha dos Patos. Talvez bandos de gaivotas e de biguás, que ainda são facilmente observados nadando nas águas das baías, tenham sido o motivo da escolha do nome.

4 Canoas de garapuvu, que ainda são utilizadas na Lagoa da Conceição.

5 6 Poucos anos depois, em 1516, o espanhol João Dias Solis teve seu navio naufragado, ao entrar pela Baía Sul. Esse episódio fez que eu recebesse um novo nome, Baía de los Perdidos, e me tornasse conhecida pelos navegadores. Não demorou muito para que outros viajantes fizessem aqui breves paradas, reabastecendo-se, antes de navegar para novas desco- bertas em direção sul ou para as grandes circum-navegações. Com várias enseadas, eu me tornei um porto mais que seguro! Os índios começaram, então, a conviver com os via- jantes europeus, que passaram a chamar os Guarani de carijós. Estes tratavam o homem branco com amabilidade e tra- ziam diversos víveres para abastecimento dos navios, como cabaças cheias de mel, palmito, milho e farinha de mandioca. Também caçavam animais silvestres que não são mais encon- trados aqui, como o bugio, o porco-queixada e o veado- mateiro. Pescavam peixes em abundância e mostravam onde encontrar água cristalina para beber. Em troca, ganhavam anzóis e outros artefatos que não conheciam. Árvores de madeiras nobres começaram a ser retiradas das florestas para recompor os navios maltratados pelo mar. Então, em 1526, um fato importante aconteceu. Quando tentava entrar com sua frota de navios pela Baía Sul, o italiano Sebastião Caboto perdeu um deles em um naufrágio. Com o auxílio dos carijós, ele e sua tripulação construíram outro barco. Caboto acabou ficando por quatro meses e deu-me um novo nome: Ilha de . Não se sabe ao certo se este nome foi dado em homenagem a Santa Catarina de Alexandria ou a Catarina, esposa de Caboto.

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Continuei a presenciar a chegada e a partida dos mais diferentes navios que navegavam em direção sul ou retornavam de lá. E acabei me tornando um excelente ponto estratégico para abastecimento e recuperação das embarcações de diversas nacio- nalidades. Muitas vezes, náufragos e alguns tripulantes ficavam aqui. Depois iam embora, com a tripulação de outras embarcações, retornando a seus países. No fim do século XVI, eu já não sentia a presença das grandes aldeias do povo Guarani. Os viajantes, com suas necessidades de abastecimento, começaram a alterar os costumes e a ameaçar a tranquilidade dos índios. Além disso, havia a notícia de que bandeirantes vicentistas, vindos da capitania de São Vicente, percorriam longas distâncias em busca de índios para o trabalho escravo nos engenhos na Região Sudeste. Muitos fugiram para o interior do continente; outros foram capturados. Fiquei praticamente desabitada e quem passava pela costa avistava apenas poucas choupanas. Os pouquíssimos habitantes sobreviviam do escambo feito com os viajantes vindos de regiões distantes.

9 10 Décadas haviam se passado e nenhum vilarejo se formara. Estávamos em uma época em que os bandeirantes vicentistas passaram a ter outra forma de participação na história de nosso país: percorrer longas distâncias para a fundação de povoados. Francisco Dias Velho foi um deles. Em 1662, ele veio para cá com a família e um grande número de pessoas, entre as quais estavam padres e índios catequizados. Na parte mais próxima do continente, formava-se finalmente um pequeno povoado, que em 1673 passou a se chamar Nossa Senhora do Desterro. No alto de uma colina desmatada, construíram-se choupanas e, em 1678, foi erguida uma igrejinha de pedra também dedicada a Nossa Senhora do Desterro. Feche os olhos e tente imaginar como era esse lugar... Pois esse local é justamente onde está hoje a Catedral Metropolitana de Florianópolis. Tudo ia caminhando bem, mas, como em um filme, em 1689, um navio com piratas aportou em uma das praias; eles incendiaram casas e causaram pânico nos habitantes. Era uma vingança, pois, poucos anos antes, Dias Velho havia capturado um pequeno grupo de flibusteiros que naufragara perto da costa. No confronto com os piratas, o bandeirante foi morto. Depois do ataque, muitos dos sobre- viventes resolveram ir embora para locais mais seguros. Então, novamente, fiquei praticamente despovoada.

Catedral Metropolitana, em frente à arborizada Praça XV de Novembro.

11 Portugal e Espanha defendiam suas colônias localizadas mais ao sul do País, e o seguro porto, que eu oferecia, deveria ser bem protegido. Portugal agiu rápido e, então, em 23 de março de 1726, o pequeno povoado passou a se chamar Vila Nossa Senhora do Desterro. Perto da igreja, em uma casa já existente, foi instalada a Câmara, e um conselho formado por um pequeno número de homens passou a exercer o Poder Executivo. Próximo dali, ergueu-se o Pelourinho, que simbolizava a Justiça. Com o crescente interesse por minha posição estratégica, Portugal facilitou o crescimento e a ocupação da vila.

A Fortaleza de Santa Cruz do Anhatomirim faz parte do conjunto mais bem conservado da arquitetura militar do período colonial.

12 Vindo do , o engenheiro português José da Silva Paes foi nomeado governador. Ele mandou erguer uma construção simples, onde passou a funcionar a Casa do Governo; para garantir a defesa, projetou diversas fortalezas. Juntas, a Fortaleza de Santa Cruz, na Ilha de Anhatomirim, construída em 1739, a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, erguida na Praia do Forte, e a Fortaleza de Santo Antônio, na Ilha de Ratones Grande, ambas construídas em 1740, fariam a defesa contra navios inimigos que entrassem pela Baía Norte. Na estreita entrada da Baía Sul, na Ilha de Araçatuba, foi erguida, em 1742, a Fortaleza Nossa Senhora da Conceição da Barra do Sul. Nos governos seguintes, foram construídos outros fortes, como o de Sant’Anna e o de Santa Bárbara da Vila. Também ocorreu a formação de um regimento militar, com soldados vindos de outras capitanias.

13 Rua do Imperador

Rua do Ouvidor

Rua do Príncipe

Fonte do Forte do Rio da Campo do Bulha Manejo memória urbana , de Eliane Veiga. – Baseado em mapa publicado em: Florianópolis

14 Finalmente uma paisagem urbana começava a se formar. Eu possuía 150 casas e minha população era em torno de 900 habitantes. Então, para efetivamente aumentar a população, em 1742, Silva Paes enviou uma carta a d. João V, rei de Portugal, solicitando a vinda de famílias do arquipélago de Açores. Com o pedido aceito, em 1748, aportou o primeiro navio com 60 famílias açorianas. Os navios continuaram a chegar até 1756, trazendo ao longo desse período cerca de seis mil imigrantes. A metade esta- beleceu-se aqui, e a outra metade fixou-se na parte continental, o que propiciou a fundação de diversas freguesias açorianas no litoral catarinense. As primeiras ruas começaram a ser planejadas ao redor da colina, onde o povoado teve início, e hoje fazem parte do Centro Histórico da cidade. Elas possuíam outros nomes naquela época. A Rua Tenente Silveira chamava-se Rua do Imperador, a Rua Deodoro era a Rua do Ouvidor e a Rua Conselheiro Mafra era a Rua do Príncipe. Como havia vários rios que nasciam nos morros e desaguavam no mar, os habitantes iam até as fontes aquíferas para lavar as roupas e buscar água, para atender a suas necessidades básicas. Uma das mais famosas foi a Fonte do Rio da Bulha, até a qual a Rua Fernando Machado fazia o caminho; por isso, naquela época, essa rua se chamava “Caminho que vai para a Fonte”. As fontes de água foram fundamentais para o surgimento de novas ruas.

Esquina da Rua Fernando Machado, próximo ao Centro Histórico da cidade.

15 Mas o plano era povoar outras partes da ilha e, assim, foram fundadas as duas primeiras freguesias: a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Lagoa, em 1750, e a Freguesia de Nossa Senhora das Necessidades e Santo Antônio, em 1751, dando origem aos primeiros bairros. Nelas e em seus arredores, foram concedidas sesmarias, terras que se destinavam à moradia e ao desenvolvimento agrícola. Porém, os açorianos logo perceberam que o solo arenoso não era próprio para a plantação do trigo, a cultura com a qual estavam acostumados. Assim, eles aprenderam a cultivar a mandioca, uma tradição Guarani que não havia se perdido, e aprimoraram a fabricação da farinha em centenas de engenhos por eles construídos. Outros engenhos erguidos, também por eles, se destinavam à produção de açúcar e aguardente. Algumas dessas construções resistiram à passagem do tempo e hoje constituem um importante registro da minha história cultural e econômica.

Típico engenho de farinha, localizado na Costa da Lagoa, ainda em funcionamento nos meses de julho.

16 Os açorianos também aprenderam a fazer as canoas com o tronco do garapuvu. E, apesar de terem vivido em ilhas, foi aqui que conheceram as técnicas da pesca artesanal feita com a rede de arrasto e a tarrafa. Muitos foram trabalhar nas armações, locais onde havia a extração do óleo das baleias, que eram capturadas próximo da costa. O óleo era usado nos lampiões para a iluminação pública e doméstica. Também era adicionado na argamassa, deixando as paredes das construções mais resistentes. O nome dado à Praia da Armação faz referência a essa atividade. No local, centenas de baleias foram abatidas até o fim do século XVIII. Eles também plantavam algodão e em muitas casas havia teares para a produção de tecido. Não posso me esquecer de mencionar a renda de bilros, que chama a atenção pela beleza e pela agilidade das mãos das rendeiras e pelo agitar dos bilros, que são pequenas peças de madeira. Ah! São muitas as tradições açorianas!

17 Enquanto isso, novas construções e casas comerciais foram surgindo na região central da vila. No mesmo local onde estava a igrejinha erguida por Dias Velho, começou a ser construída, em 1753, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro. Perto dela, foi concluída a nova Casa do Governo, que havia sido projetada por José da Silva Paes. Em 1780 ficou pronta a Casa da Câmara e Cadeia, projeto do açoriano Tomás Francisco da Costa. No pavimento superior, funcionava a Câmara Municipal e, no térreo, a cadeia. O Largo da Matriz localizava-se bem no centro desses prédios, onde hoje é a Praça XV de Novembro. O largo era um espaço de circulação do povo e onde ocorriam os festejos. Mas esse início de organização social, política e urbana foi drasticamente interrompido. Portugal e Espanha disputavam as colônias que haviam con- quistado ao sul do continente e meu estratégico território insular era de grande interesse para ambos os países. Então, em fevereiro de 1777, sob o comando de d. Pedro Cevallos, uma esquadra espanhola composta por uma centena de embarcações de guerra, com uma tripulação de 16 mil militares, entrou pela Baía Norte e lançou âncoras perto da Praia de Canasvieiras. Amedrontados, os habitantes fugiram para o continente, pois, mesmo com as fortificações, contávamos apenas com mil e quinhentos soldados para defesa e combate. Era impossível resistir a tão grande invasão. Os governantes e os soldados foram presos, mas felizmente a população foi poupada de agressões. Em outubro de 1777, por meio do Tratado de Santo Ildefonso, Portugal recuperou-me e os espanhóis retiraram-se para nunca mais voltar.

Antiga sede do governo do Estado, que a partir de 1979 ganhou o nome de Palácio Cruz e Sousa. Em 1986, passou a ser também a sede do Museu Histórico de Santa Catarina.

18 19 Em 1821 d. João VI ordenou que todas as capitanias se tornassem províncias. A sede do governo da Província de Santa Catarina ficava aqui. Então meu nome foi reduzido e passei a ser chamada de Vila do Desterro. Em 1823, um ano após a Proclamação da Independência do Brasil, tornei-me cidade e meu nome continuou a ser Desterro. Nessa época, diversas ruas já possuíam calçamento e havia lindos casarões com dois andares. Ao longo da Praia de Fora, estavam as ruas Almirante Lamego e Bocaiuva, onde havia belas e bem cuidadas chácaras. Esta praia não existe mais; ela foi aterrada e em seu lugar está a Avenida Beira-Mar Norte. A população havia aumentado para quase quatro mil e quinhentos habitantes. A produção de farinha de mandioca era a principal atividade econômica. Grande parte era comprada pelo governo, e o pagamento por esse produto, tão fartamente produzido nos engenhos, sempre demorava, o que gerava pobreza na população. A opressão social e política serviu de estopim para que Jerônimo Coelho fundasse, em 1831, o primeiro jornal local. Por intermédio do O Catharinense, as primeiras ideias abolicionistas também foram lançadas. Enquanto isso, outras igrejas eram construídas: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, em 1830, e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, concluída em 1851. A forte religiosidade açoriana propiciou a construção de outras belas igrejas nas freguesias, como a Igreja Nossa Senhora das Necessidades, em Santo Antônio de Lisboa, a Igreja Nossa Senhora da Conceição, na Lagoa da Conceição, a Igreja Nossa Senhora da Lapa, no Ribeirão da Ilha, e a Igreja de Sant’Anna, na Armação. Os escravos africanos, em sua triste condição social, estavam presentes em todos os setores da economia: vendendo os produtos de seus senhores, trabalhando nos engenhos, construindo casas e igrejas.

A Igreja Nossa Senhora das Necessidades, em Santo Antônio de Lisboa, é um exemplar representativo da arquitetura sacra lusitana.

20 Rua João Pinto, baseado em pintura de Victor Meirelles, 1851.

21 O Mercado Municipal foi inaugurado em 1851 e ficava perto da praia. Lá eram comercializados produtos artesanais, agrícolas e o pescado. Na travessia até o continente, feita por balsas e pequenas embarcações, transportavam- -se, além de pessoas, animais e mercadorias. O embarque e o desembarque ocorriam no Trapiche Municipal, localizado quase em frente ao Largo da Matriz, além de outro trapiche próximo ao Forte de Sant’Anna. Completando esse cenário, foi inaugurado em 1876 o imponente Prédio da Alfândega, que servia para o desembarque de produtos trazidos dos navios que navegavam pela costa do País. As manifestações artísticas e culturais também marcaram esse período. Victor Meirelles foi um dos pintores mais importantes da história brasileira. Ainda jovem, ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde desenvolveu seu talento natural. Uma de suas pinturas mais conhecidas é A primeira missa no Brasil, concebida em 1861 e hoje exposta no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Por volta de 1880, outros desterrenses despontaram na literatura, como Virgílio Várzea, Manoel dos Santos Lostada e João da Cruz e Sousa. Eles receberam apoio do governador, Francisco Luís da Gama Rosa, que foi um grande incentivador da cultura literária.

Casa onde nasceu o pintor Victor Meirelles, em 1832. Desde 1952, o local abriga o museu de mesmo nome, com parte das obras do artista.

22 Mercado Municipal, baseado em foto de Gustav Pfaff, 1880. 23 O centro da cidade conserva casarios de diferentes épocas, como na Rua Conselheiro Mafra. No fim do século XIX, o regime monárquico entrou em decadência. Com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o marechal assumiu a Presidência do Brasil. Mas um momento de tensão e conflito teve início. Em 1893, muitos desterrenses apoiavam a Revolução Federalista, que se expandia pela Região Sul e tinha por objetivo formar um governo inde- pendente do restante do País. Paralelamente, os descontentes com o governo do marechal Floriano Peixoto, sucessor de Deodoro, iniciavam outra revolução no Rio de Janeiro, que terminou por dominar Desterro. Esses fatos fizeram que Floriano Peixoto enviasse para cá, em 1894, o coronel Moreira César para assumir o governo. Após sua chegada, tivemos um período de muito medo. Sob o comando de Moreira César, políticos e cidadãos que apoiavam as revoluções foram capturados e levados para a Fortaleza de Santa Cruz do Anhatomirim, onde foram fuzilados. Logo depois, Hercílio Luz foi eleito governador. Naquele mesmo ano, meu nome foi modificado de Desterro para Florianópolis, em homenagem a Floriano Peixoto. E a Praça Barão de Laguna, antigo Largo da Matriz, passou a se chamar Praça XV de Novembro. O regime republicano incentivou a vinda de imigrantes de diversas partes da Europa, promovendo aqui nova expansão urbana e econômica. Alemães, italianos, sírio-libaneses e gregos contribuíram para o desenvolvimento do comércio, da indústria e da construção civil. As ruas Conselheiro Mafra e Felipe Schmidt passaram a concentrar um diversificado comércio, que se mantém até hoje. 26 No início do século XX, minha população era de 32 mil habi- tantes e os primeiros trinta anos foram de muita modernização e progresso. O transporte público, feito por bondes puxados por burros, foi substituído pelo transporte coletivo urbano; ocorreram a construção e a reforma de prédios públicos; implantou-se o serviço de abastecimento e distribuição de água potável; o sistema de ilu- minação a gás foi substituído pela energia elétrica e novas ruas foram abertas e pavimentadas. O Mercado Público, que substituiu o Mercado Municipal e teve sua primeira ala construída em 1899, também foi concluído. Até o esporte despontou. O futebol recebeu dois clubes: o Avaí, fundado em 1923, e o Figueirense, em 1921. Mas, sem dúvida, o acontecimento mais importante dessa época foi a construção da Ponte Hercílio Luz, inaugurada em 1926, tornando- -se meu principal cartão-postal. A travessia em embarcações entre a ilha e o continente praticamente desapareceu, dando lugar ao transporte público e a um significativo aumento do número de automóveis, que tornava a ligação entre as duas partes mais rápida e confortável. Essa ligação foi um importante marco para meu crescimento urbano e populacional.

A Ponte Hercílio Luz está interditada para o tráfego e passa por longo processo de restauração.

27 28 Em 1944, a parte continental mais próxima da ilha, o Bairro do Estreito, foi incorporada ao município de Florianópolis. Com isso, expandi meu território! Essa inte- gração propiciou um rápido crescimento urbano dessa parte continental, fazendo que se tornasse um grande centro comercial. Novo impulso foi dado ao crescimento populacional e urbano com a fundação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 1960, no grande terreno da Fazenda Assis Brasil, em uma época em que o Bairro Trindade ainda apresentava uma paisagem rural. Cinco anos depois, foi fundada a Universidade para o Desenvolvimento do Estado (Udesc). Na década de 1970, após a implantação da Eletrosul, empresa responsável pela distribuição elétrica para o sul do Brasil, começaram a chegar a Florianópolis centenas de engenheiros acom- panhados de suas famílias. A construção de mais duas pontes, a Ponte Colombo Salles, inaugurada em 1975, e a Ponte Pedro Ivo Campos, concluída em 1991, ofereceram nova oportunidade para o crescimento urbano. Por volta de 1980, passei a ser conhecida como uma das mais belas paisagens do País. O turismo floresceu e, desde então, milhares de brasileiros e estrangeiros vêm me conhecer. Muitos me escolheram como sua nova morada. Aliás, esse encantamento pela paisagem existe desde que os navegadores europeus me chamavam cari- nhosamente de o “Jardim do Brasil”.

29 Agora, em pleno século XXI, minha população ultrapassou 420 mil habitantes! O desenvolvimento urbano é crescente, o que me alegra e também me preocupa. Então, eu me despeço dizendo minhas últimas palavras: “O inestimável patrimônio histórico, com seus belos edifícios e casarões, as florestas, que ficam pintadas de amarelo com o florescer dos garapuvus, as coloridas restingas, as lindas dunas e os manguezais, que são verdadeiros berçários para a vida marinha, completam a beleza e a riqueza de minha paisagem. Um crescimento urbano que preserve e conserve esses tesouros fará que eu seja admirada por muitas gerações!”

Hoje, Florianópolis é um grande centro urbano, que, anualmente, recebe centenas de milhares de turistas.

30 31 Cristina Santos

Sou bióloga, cresci em Niterói e moro em © 2011 texto Cristina Santos Florianópolis desde 1997. Sou coautora do livro ilustrações Alexandre Viana A mata atlântica na Ilha de Santa Catarina, uma © Direitos de publicação CORTEZ EDITORA experiência que me fez descobrir e conhecer a pai- Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes sagem natural de uma cidade que ainda apresenta 05014-000 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 grande diversidade de fauna e flora. Pela Cortez [email protected] Editora, publiquei os livros infantis Cada macaco www.cortezeditora.com.br com seu filhote, selecionado pelo MEC para o PNLD Direção 2010, O que dizem os animais e A vida secreta das formigas. José Xavier Cortez Editor Escrever sobre a história desta bela capital foi um grande e agradável Amir Piedade desafio, em que muitas leituras foram necessárias. Vale ressaltar que as publicações Preparação destes autores foram fundamentais para que eu pudesse entender e descrever essa Alessandra Biral emocionante viagem histórica: Alexandre Gonçalves, Carlos Humberto Corrêa Revisão (in memoriam), Eliane Veras da Veiga, Evaldo Pauli, Maria Madalena Velho do Alessandra Biral Amaral, Mariléa M. Leal Caruso, Osvaldo Paulino da Silva, Oswaldo R. Cabral, Rodrigo da Silva Lima Raimundo Caruso, Sara Regina Poyares dos Reis, Teresa Domitila Fossari, Edição de Arte Victor Emmanuel Carlson e Walter F. Piazza. Mauricio Rindeika Seolin Fotos Agradeço ao historiador e jornalista Sr. Jali Meirinho, pela leitura do manuscrito. Victor Emmanuel Carlson Impressão EGB – Editora Gráfica Bernardi Alexandre Viana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) “Manezinho da ilha”, cresci junto às praias e o Santos, Cristina mar de Floripa. Sou arquiteto de formação, mer- Florianópolis, a capital em uma ilha / Cristina Santos; gulhador por profissão. Embarquei nesta primeira ilustrações Alexandre Viana. – 1. ed – São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção nossa capital: Florianópolis)

experiência como ilustrador tendo como inspiração ISBN 978-85-249-1695-3

as obras de Aldo Beck, Charles Landseer, Eduardo 1. Florianópolis (SC) – História – Literatura infantojuvenil Dias, Jean-Baptiste Debret, Joseph Brüggemann, 2. Literatura infantojuvenil I. Viana, Alexandre. II. Título. III. Série. Louis Choris, e Victor Meirelles, entre outros artistas 11-01777 CDD-028.5

que tão bem retrataram a antiga Desterro. Índices para catálogo sistemático:

Para tentar reproduzir com maior fidelidade o cotidiano do passado da ilha, 1. Florianópolis : Santa Catarina: História: consultei diversas fontes escritas, entre elas A Casa da Câmara e Cadeia da antiga Literatura infantojuvenil 028.5 Vila de Nossa Senhora do Desterro: sua história, de Sara Regina Poyares dos Reis; Impresso no Brasil – abril de 2011 Desterro: Ilha de Santa Catarina, de Gilberto Gerlach; Florianópolis: memória urbana, de Eliane Veras da Veiga, e Nossa Senhora do Desterro, de Oswaldo R. Cabral. Agradeço ao amigo e mestre, Leandro Lopes de Souza, que me abriu as portas do mundo da ilustração. Dedico os desenhos deste livro à memória de meu tio, Edson Murilo Viana, de quem herdei o gosto pela aventura, e a todos os que lutam para preservar a identidade cultural de Florianópolis. Hino de Florianópolis (Rancho do amor à Ilha)

(Lei Municipal n. 871, de 8 de julho de 1968) Letra e música: Cláudio Alvim Barbosa (Zininho) Brasão da cidade Um pedacinho de terra, perdido no mar!... Num pedacinho de terra, beleza sem-par... Jamais a natureza reuniu tanta beleza jamais algum poeta teve tanto pra cantar!

Num pedacinho de terra belezas sem-par! Ilha da moça faceira, Bandeira da cidade de Florianópolis da velha rendeira tradicional Ilha da velha figueira onde em tarde fagueira vou ler meu jornal.

Tua lagoa formosa ternura de rosa poema ao luar, cristal onde a Lua vaidosa sestrosa, dengosa vem se espelhar...

Florianópolis nta C Sa atarina N ital eção ossa Cap Col

No início, a Ilha de Santa Catarina era um importante ponto de parada e abastecimento dos navios europeus, antes de prosseguirem viagem. O primeiro povoamento surgiu muito tempo depois de sua descoberta, localizando-se onde atualmente está a Praça XV de Novembro. Com um tímido crescimento populacional, Portugal corria sérios riscos de perder para a Espanha esse estratégico território. Então, chegaram centenas de famílias do arquipélago de Açores, para dar início às primeiras freguesias. Mas foi por meio da construção de uma ponte que a cidade adquiriu impulso para seu crescimento. Rodeada por praias e por morros verdejantes, esta cidade repleta de natureza é considerada uma das mais belas capitais do Brasil. Marques Eduardo Foto: Pintura de Victor Meirelles Vista do Desterro ‒ atual Florianópolis, c. 1851 Óleo sobre tela, 78,2 x 120,0 cm