UNIVERSIDADE FEDERAL DO

DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI

Alexandre Batista da Silva

Rio de Janeiro - RJ Fevereiro 2018

DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI

Alexandre Batista da Silva

Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora e ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

Orientadora: Prof.ª Dr. ª Maria Lúcia Leitão de Almeida Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro

Rio de Janeiro - RJ Fevereiro 2018 i

Silva, Alexandre Batista da. Dêixis e esquema imagético: as coordenadas espaciais dos locativos lá e ali /Alexandre Batista da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2017. Orientadora: Maria Lúcia Leitão de Almeida. Coorientador: Diogo Oliveira Ramires Pinheiro. Tese de Doutorado – UFRJ / FL / Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2017. 109f. 1. Dêixis. 2. Esquema imagético. 3. Cognição. Almeida, Maria Lucia Leitão de; Pinheiro, Diogo Oliveira Ramires. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. III. Dêixis e esquema imagético: as coordenadas espaciais dos locativos lá e ali.

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DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI

Alexandre Batista da Silva

Orientador: Profª. Maria Lúcia Leitão de Almeida Coorientador: Prof. Doutor Diogo Oliveira Ramires Pinheiro

Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora e ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

BANCA EXAMINADORA:

______Profª. Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida- UFRJ. Orientadora. ______Profª. Doutora Sandra Pereira Bernardo – UERJ. ______Prof. Doutor Janderson Luiz Lemos de Souza - UNIFESP ______Prof. Doutor Anderson Salvaterra Magalhães – UNIFESP

______Prof. Doutor André Luiz Faria – UESB ______Prof. Doutor Mauro José Rocha do Nascimento – UFRJ – 1º suplente ______Profª. Doutora Rosangela Nogueira – UERJ. 2º suplente

Rio de Janeiro Fevereiro 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço todas as dificuldades que enfrentei; não fosse por elas, eu não teria saído do lugar. As facilidades nos impedem de caminhar. Mesmo as críticas nos auxiliam muito. Chico Xavier

As dificuldades inerentes à investigação científica são conhecidas por todos que já passaram pelo processo de construção de uma tese. São elas, entretanto, que tornam a realização da empreitada mais significativa. Isso ocorre por vários motivos. Um deles é o reconhecimento de que nunca estamos sozinhos. A escolha do fenômeno a ser investigado, a escrita do anteprojeto e a preparação para a seleção do programa de doutorado são permeadas por diálogos intensos que projetam ações, respostas e resultados. Essas conversas acalentam a alma e dão sustentação para a continuidade do processo. Depois de efetivada a aprovação no programa, novos diálogos são estabelecidos com outra intencionalidade e fortalecem os estudos, construindo parâmetros que possibilitam a conclusão dos trabalhos de investigação e publicação da tese.

No primeiro grupo, estão pessoas preciosas que sempre viram em mim mais do que eu sou: Alíria Duque, Ana Malfacine, Joanice Vigorito, Jorgete Nonata, Mara Souza,

Olímpia Santos, Roberta Campos, Rosa Carneiro foram pessoas cruciais durante todo o processo, quando, mesmo sem o saber, incentivaram-me a enfrentar os desafios que esses quatros anos empunhariam. Incluo também à professora Alcimare Silva Dalbone, colega de trabalho e amiga, que gentilmente leu e corrigiu meu abstract. Agradeço sinceramente a todas essas pessoas amigas que alimentaram minha alma antes, durante e agora, depois de escrita a tese.

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No segundo grupo, estão os professores e colegas de curso ou de trabalho que contribuíram imensamente para a realização deste trabalho. Agradeço sinceramente à professora, amiga e ex-colega de trabalho Ana Poltroniere, hoje merecidamente professora federal, agradeço imensamente pela doação de importantes materiais em espanhol e francês sobre Dêixis. São obras estrangeiras raras que me deram um panorama preciso do tratamento científico desse fenômeno linguístico, sem as quais eu não poderia avançar no meu intento.

Agradeço sinceramente à professora doutora Hanna Jacubowicz Batereó, da

Universidade Aberta de Lisboa. A doutora portuguesa me prestigiou com uma leitura atenta das ideais iniciais de meu trabalho, dando-me importantes contribuições.

Agradeço sinceramente à professora Marcia Machado, professora de um dos cursos que fiz durante o doutorado. Sua precisão no tratamento dos dados e orientação na metodologia de pesquisa foram fundamentais para a construção de minha argumentação nesta tese.

Agradeço sinceramente à professora Maria Eugênia Lamoglia Duarte, cujo rigor metodológico não exclui a generosidade e doçura nas aulas maravilhosas que tive oportunidade de participar. Aprendi a ser zeloso com o material de pesquisa e coordenar leitura teórica com meditação analítica.

Agradeço aos professores Janderson Luiz Lemos de Souza, Departamento de Letras da UNIFESP e Juliana Scamparini, professora da Faculdade de Letras da UERJ, membros da banca de qualificação. As contribuições dadas naquela ocasião foram muito importantes para continuidade de meu trabalho. Agradeço aos professores doutores Anderson Salvaterra

Magalhães, Sandra Bernardo, Rosangela Gomes e Ana Paula Quadros pela prontidão em aceitar constituir a banca de avaliação desta tese.

Agradeço sinceramente ao professor Paulo Henrique Duque, professor doutor da faculdade de Letras da UFRN. Muitas de minhas inspirações nasceram da leitura de suas publicações e livro.

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Agradeço ao professor Diogo Pinheiro, professor do programa de Linguística da UFRJ e meu coorientador. Sua simplicidade comovente permitiu meu acesso nas dúvidas mais simples com o mesmo deferimento e paciência que me dirigiu nas questões mais complexas.

Agradeço à minha orientadora Maria Lucia Leitão de Almeida. Desde o momento de minha entrada no programa até o final do doutorado, recebi a atenção adulta e oportuna que construiu a autonomia necessária e inteligente para a formação de um pesquisador.

Por fim, agradeço e homenageio minha mãe. Muito tempo antes de eu pensar em ser gente, ela já lutava para criar as condições para que eu um dia fosse. Eis que hoje, depois de muito trabalho árduo diário, ela pode contemplar seu filho conquistando o título que sempre desejou.

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O espaço absoluto, por sua própria natureza, sem relação com algo exterior, é sempre semelhante e imóvel. O espaço relativo é a dimensão móvel ou a medida do espaço absoluto; nossos sentidos o determinam por sua posição em relação aos corpos, sendo muitas vezes confundido com o espaço imóvel.

Isaac Newton

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RESUMO

DÊIXIS E ESQUEMA IMAGÉTICO AS COORDENADAS ESPACIAIS DOS LOCATIVOS LÁ E ALI

Alexandre Batista da Silva

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Leitão de Almeida Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro

Resumo de Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

Esta tese visa à explicação de alternância do uso dos locativos lá e ali em contextos de uso em que as condições pragmáticas implicam o uso prototípico de tais dêiticos. Mas especificamente, o intento foi identificar qual a motivação semântico-pragmática que subjaz à opção do falante por ou outro locativo e descrever o aspecto cognitivo que participa dessa alternância. A partir do aporte teórico da Linguística Cognitiva e, dentro dela, mais especificamente a Teoria dos Esquemas Imagéticos (Johnson e Lakoff, 1987) e da Metáfora Conceptual (Lakoff & Johnson,1980), este trabalho defende que os dêiticos lá e ali ativam domínios alternativos ao domínio em que estão os indivíduos da situação de comunicação imediata a partir do grau de envolvimento psicológico do falante com o evento de comunicação. Para comprovar minha tese, empreendi uma análise dos contextos de uso reais dêiticos em tela. Os dados de fala espontânea foram retirados do programa televisivo Brasil, que conta com participação de homens e mulheres de diferentes níveis de formação escolar. A hipótese norteadora do trabalho é que, embora seja semanticamente mantida a ideia de mais distante e menos distante, os dêiticos lá e ali instruem os ouvintes a como conceptualizar a distância entre o ground onde estão postos os objetos do evento de comunicação e o ground onde estão os interlocutores. Dentro dessa perspectiva, a alternância de uso desses dêiticos indica que o ouvinte deve realizar o que denominarei aqui como zoom espacial em que a distância é estabelecida não pelos parâmetros de como as coisas estão postas no mundo, mas pelos parâmetros subjetivos estabelecidos pelo falante. Para evidenciar esse fenômeno, o procedimento metodológico constou da identificação das situações prototípicas de uso dos dêiticos lá e ali e identificação de qual esquema imagético está principalmente na base desse uso. A análise demonstrou que o esquema imagético centro-periferia descreve bem a semântica dos dêiticos em tela e faz emergir a distância, a acessibilidade e a visibilidade como parâmetros pragmáticos que determinam o uso de um ou outro locativo. Em contrapartida, os usos não prototípicos ignoram tais parâmetros e estabelecem critérios subjetivos para o emprego dos dois itens linguísticos. O resultado foi a constatação de que o dêitico locativo lá expressa um espaço indeterminado, distante do ground discursivo, ao passo que o dêitico locativo ali expressa um lugar determinado, dentro do ground discursivo. O estudo também demonstrou que alternância desses locativos é resultado do processo de conceptualização da distância expressa por eles.

Palavras-chave: Dêixis. Esquema Imagético. Cognição

Rio de Janeiro Fevereiro 2018

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ABSTRACT

DEIXIS AND IMAGE SCHEME THE SPACE COORDINATES OF LOCATIVES THERE AND THERE

Alexandre Batista da Silva

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Leitão de Almeida Coorientador: Prof. Dr. Diogo Oliveira Ramires Pinheiro

Abstract de Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa.

This thesis aims at the explanation of alternation of the use of locative there and there in contexts of use in which the pragmatic conditions imply the prototypical use of such deictics. Specifically, the intent was to identify which semantic-pragmatic motivation underlies the speaker's choice for another locative and to describe the cognitive aspect that participates in that alternation. From the theoretical contribution of Cognitive Linguistics and, more specifically, the Theory of Imaging Schemas (Johnson and Lakoff, 1987) and Conceptual Metaphor (Lakoff & Johnson, 1980), this work argues that deictics there and there activate domains alternative to the domain in which the individuals are from the situation of immediate communication from the degree of the speaker's psychological involvement with the communication event. To prove my thesis, I undertook an analysis of the actual deic contexts of use on screen. The spontaneous speech data were taken from the Big Brother Brazil television program, which counts on the participation of men and women from different levels of school education. The guiding hypothesis of the work is that although the idea of semantics is semantically maintained, the deictics there and there instruct the listeners how to conceptualize the distance between the ground where the objects of the communication event are placed and the ground where the interlocutors are. In this perspective, the alternation of use of these deictics indicates that the listener must realize what I will call here as a spatial zoom in which distance is established not by the parameters of how things are put in the world but by the subjective parameters established by the speaker. To demonstrate this phenomenon, the methodological procedure consisted of the identification of the prototypical situations of use of the deictic ones there and there and identification of which imaging scheme is mainly in the base of this use. The analysis showed that the center-periphery imagery scheme describes well the semantics of the deictics on the screen and brings distance, accessibility and visibility as the pragmatic parameters that determine the use of one or another locative. In contrast, non-prototypical uses ignore such parameters and establish subjective criteria for the use of the two linguistic items. The result was the realization that the locative deity there expresses an indeterminate space, far from the discursive ground, whereas the locative deictic expresses a given place within the discursive ground. The study also showed that alternation of these locative is a result of the process of conceptualizing the distance expressed by them.

Keywords: Deixis. Image Schemas. Cognition

Rio de Janeiro Fevereiro 2018 ix

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Associação do lá e do ali às pessoas gramaticais. 58

Quadro 2: Grupos de especificações semânticas dos advérbios de lugar. 61

Quadro 3: Locativos argumentais e não argumentais. 62

Quadro 4: Distribuição dos locativos. 69

Quadro 5: Regras de notação utilizadas na pesquisa. 73

Quadro 6: Contextos de uso e determinação de uso dos locativos. 74

Quadro 7: Características das situações que evidenciam o uso do lá e do ali. 93

Quadro 8: Situações hipotéticas para o lá. 101

Quadro 9: Situações hipotéticas para o ali. 101

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Quadro semântica da dêixis proposto por Marmaridou. 18

Figura 2: Quadro de semântica prototípica dos locativos lá e ali. 19

Figura 3: Imagem correspondente ao Exemplo 1a. 19

Figura 4: Imagem correspondente ao Exemplo 1b. 20

Figura 5: Imagem correspondente ao Exemplo 2a. 20

Figura 6: Imagem correspondente ao Exemplo 2b. 20

Figura 7: Representação do esquema imagético CONTÊINER. 27

Figura 8: Representação do esquema imagético CONTÊINER inserido em um todo. 28

Figura 9: Representação do ground default estabelecido por Rubba (1996). 38

Figura 10: Peça publicitária da campanha “There’s prese room for more. Adopt”. 43

Figura 11: Diagrama representativo das diferentes situações de subjetividade. 49

Figura 12: Diagrama representativo do uso do aqui, do lá e do ali, de acordo com a proxi. 57

Figura 13: Distância presumida para os locativos lá e ali. 70

Figura 14: Demonstração da possibilidade de alternância para os locativos lá e ali. 70

Figura 15: Esquema dos valores nucleares dos grupos de dêiticos. 71

Figura 16: As três noções de membros principais para a categoria grau de extensão. 77

Figura 17: Representação do ground default dêitico. 79

Figura 18: Diagrama demonstrativo do papel dos locativos lá e ali. 82

Figura 19: Representação da organização perceptual. 83

Figura 20: Representação esquemática da projeção do posicionamento do locutor no campo espacial. 84

Figura 21: Representação esquemática da projeção do posicionamento do locutor no campo espacial. 85

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Figura 22: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 6. 88

Figura 23: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 7. 89

Figura 24: Representação do uso do lá. 90

Figura 25: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 9. 91

Figura 26: Representação do uso do ali. 92

Figura 27: Gestos de um dos participantes relacionados ao Exemplo 11. 93

Figura 28: Imagem correspondente ao Exemplo 12. 94

Figura 29: Imagem referente ao Exemplo 13. 96

Figura 30: Imagem relacionada ao Exemplo 14. 97

Figura 31: Imagem relacionada ao Exemplo 15. 98

Figura 32: Imagem relacionada ao Exemplo 17. 100

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO 15

1.1 Delimitação do objeto 17

1.2 Objetivos 21

1.3 Estrutura da tese 21

CAPÍTULO 2

QUADRO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICO 23

2.1 Os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva 23

2.2 A expressão de espaço na linguagem 33

2.2.1 A conceptualização da distância: as categorias de Leonard Talmy 36

2.3 A teoria do dos esquemas imagéticos 38

2.4. A dêixis

2.4.1 O que é a dêixis 45

2.4.2 A abordagem clássica da dêixis 53

2.4.3 A abordagem cognitivista da Dêixis 36

CAPÍTULO 3

REVISÃO DA LITERATURA 68

3.1 Entrando na conversa sobre a representação linguística do espaço 69

3.2 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens gramaticais 70

3.3 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens de cunho linguístico 74

3.4 Os dêiticos locativos lá e ali na abordagem Semântico-Cognitiva 8

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CAPÍTULO 4

METODOLOGIA 92

4.1 O corpus 92

4.2 Situações comunicativas selecionadas 96

CAPÍTULO 5

A ALTERNÂNCIA DOS DÊITICOS LÁ E ALI NO PORTUGUÊS BRASILEIRO 98

5.1 Os dêiticos lá e ali na representação da distância 75

5.2 Os dêiticos lá e ali e o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA 104

5.3 A situação prototípica do locativo lá 111

5.4 A situação prototípica do locativo ali 115

5.5 A situações de alternância do uso do lá 119

5.6 A situações de alternância do uso do ali 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS 128

REFERÊNCIAS 130

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CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

Os itens linguísticos lá e ali indicam coordenadas espaciais que expressam a distância indeterminada entre o lugar onde está o sujeito cognoscente e o lugar onde está o objeto de atenção da situação de comunicação. Os diferentes compêndios gramaticais de linhagem tradicional enquadram essas palavras entre os advérbios espaciais e estabelecem para elas, respectivamente, o traço semântico de mais distante e menos distante. Ocorre que esta distinção não descreve adequadamente as diferentes possibilidades de uso desses locativos. O emprego do lá e do ali, na comunicação diária, evidencia que seu uso não está relacionado apenas à mera indicação de distância, como mostra a cena abaixo.

Cena 01: Um casal está discutindo num restaurante. O rapaz se levanta para deixar a mesa. A moça: Aonde você vai? O rapaz: Vou ali no banheiro. A moça: Agora você vai lá no banheiro para fugir da discussão.

Obviamente, pode-se imaginar que o banheiro está dentro do restaurante e as condições pragmáticas para seu alcance (distância, visibilidade e acessibilidade) também são as mesmas para os interlocutores. É também possível supor que ambos os interlocutores não tenham a mínima ideia de onde está o banheiro no restaurante, mas apenas sabem, pela sua experiência social, que todo restaurante deve ter um banheiro. A cena1 sugere que o emprego das formas linguísticas lá e ali é muito mais complexo do que apontam os compêndios gramaticais.

O uso apresentado do lá e do ali se insere, de maneira mais ampla, nas discussões sobre a relação entre linguagem e contexto, em que a dêixis é a evidência maior dessa dependência.

1 O episódio descrito acima se refere a uma discussão que um casal travou em um restaurante onde eu também estava.

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Mais especificamente, o problema que se coloca no concernente ao uso dos locativos em tela é a motivação para a escolha de um e de outro em situações em que as condições contextuais objetivas sugeririam o emprego prototípico de um em detrimento do outro, mas ocorre alternância do tipo apresentado na Cena 1.

Os locativos lá e ali codificam um tipo de experiência espacial humana no espaço. A possibilidade de alternância de emprego entre eles evidencia que fatores como distância, visibilidade e acessibilidade não são determinantes na escolha de uma ou outra dessas formas linguísticas. A alternância mostra que seu uso está mais ligado a como o falante conceptualiza a distância dos objetos de atenção da interação e à tentativa de negociação dessa conceptualização com seu interlocutor.

Diferentes são os estudos linguísticos que tomam especificamente os locativos lá e ali no português como objeto de investigação. De maneira geral, há pesquisas no campo da descrição linguística, como os trabalhos de Pontes (1992), Moura Neves (2000, 2002, 2014) e

Raposo e colegas (2013), e com tendências funcionalistas como de Oliveira (2011) e Oliveira e Bateréo (2012), que se preocupam com construções gramaticais em que esses locativos estão envolvidos. Há, ainda, pesquisas que se orientam pelos achados dos estudos da Semântica e da

Pragmática, como Teixeira (2005) e Pereira (2009), que se preocupam com a alternância do uso e fixam como fator determinante a acessibilidade como condição para a escolha de um ou outro item linguístico.

Minha pesquisa investirá na tentativa de ampliar a compreensão da alternância do lá e do ali não-fóricos em contextos de interação face a face com base nos pressupostos teóricos da

Linguística Cognitiva. Para tal empreendimento, serão empregados os modelos teóricos da

Gramática Cognitiva de Langacker (1987, 1991, 1999, 2008) e da Semântica Cognitiva de

Talmy (2000), sobretudo no que concerne ao conceito de perspectivação conceptual. Esses

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linguistas evidenciam a capacidade de perspectivação como a função central da gramática de uma língua.

Naturalmente, o objetivo central desta pesquisa está atrelado ao que estes dois modelos teóricos podem responder: qual a motivação semântico-pragmática que está na base da alternância do uso do lá e do ali não-fóricos em interação face a face.

1.1 Delimitação do objeto

Um dos princípios mais caros da Linguística Cognitiva é que o significado é resultado de conceptualização, que consiste na perspectivação de uma entidade ou situação (SILVA e

BATERÉO, 2012). Meu objeto de pesquisa está diretamente ligado a este princípio, uma vez que investigamos a possibilidade de alternância de emprego dos locativos lá e ali em contextos de interação face a face. Trata-se de um fenômeno dêitico não prototípico, pois a situação de uso que interessa a esta tese é aquela em que essas formas linguísticas não fazem referência a como os objetos estão dispostos no mundo. A abordagem de cunho experiencialista e cognitivista de Rubba (1996) e Marmaridou (2000) deram à dêixis o tratamento da Linguística

Cognitiva.

Rubba (1996), empenhada na compreensão dos usos não prototípicos dos termos dêiticos no processo de referência de objetos no espaço, postula a existência de um ground default, onde estão os interactantes e em relação ao qual são criados grounds alternativos. A postulação desses últimos explicaria a possibilidade de compreensão dos usos não prototípicos dos dêiticos. A pesquisadora ilustra seu problema com a seguinte ocorrência do locativo aqui:

[...] ou mesmo quando eu vou para, tipo, uma parte espanhola da cidade, você sabe, ver tudo em espanhol, e eu digo, bem, você sabe, aqui não é onde eu pertenço. (RUBBA, 1996).

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O exemplo mostra o falante se referindo a um lugar onde não está, mas faz referência a ele como aqui, cujo escopo é o ground alternativo. Para ela, o abandono do ground default e a criação de outro alternativo torna o emprego coerente para quem partilha da interação.

Entretanto, a autora não explica a alternância do lá e ali nos contextos de uso, pois os casos de troca não apontam para a criação em de ground alternativo uma vez que não há extrapolação da situação comunicativa imediata. Para minha tese, interessa a postulação de um ground default que estabelece as condições pragmáticas para as coordenadas de conceptualização e uso dos locativos em tela.

A partir da Teoria dos Protótipos de Rosch (1975) e das postulações de Lakoff (1987) sobre os Modelos Cognitivos Idealizados, Marmaridou (200) buscou superar o tratamento tradicional da dêixis. A linguista propõe o MCI dêitico, que abarca o ato linguístico de apontar uma entidade no espaço. Esse ato envolve um falante que direciona a atenção do seu interlocutor para um objeto presente em num espaço de tempo. Para esse apontamento, é necessário o estabelecimento de um centro dêitico em torno do qual as coordenadas espaciais são possíveis.

Segundo Fontes e Ferrari (2010) trata-se da noção de egocentricidade. As linguistas brasileiras apresentam o seguinte quadro semântico da dêixis (Figura 1).

Figura 1: Quadro semântico da dêixis proposto por Marmaridou. Fonte: Fontes e Ferrari (2010).

Para as autoras, na base da conceptulização da dêixis, está o esquema imagético

CENTRO versus PERIFERIA em que o centro dêitico fixado a partir do falando. Desse esquema, é possível a percepção de que os locativos lá e ali estão associados às relações de

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distância x e y. Desse modo, teríamos o seguinte esquema adaptado das autoras (Figura 2):

Figura 2: Quadro de semântica prototípica dos locativos lá e ali. Fonte: Fontes e Ferrari (2010).

A ilustração mostra o uso prototípico dos locativos em tela. O evento discursivo, constituído das entidades inerentes estabelecem fronteiras físicas ou simbólicas que estabelecem a situação imediata de interlocução. Nesse quadro, o lá está fora de tais limites e o ali, dentro dele. Todavia, há situações em que o emprego dessas formas linguísticas não corresponde à expectativa gerada pelas condições do evento de comunicação. Os pares abaixo mostram exemplos em que a) é a uma situação de uso prototípico e b) é uma situação de uso não prototípico.

Exemplo 1: Lá

a) Bial: Beleza...deu para entender...então. Alguém corre lá na dispensa e pega os coletes, por favor. (Os Brothers estão na sala recebendo a instrução).

Figura 3: Imagem correspondente ao Exemplo 1a.

b) Adrielles: O negão está tomando banho pelado mesmo, rapaz. Olha lá! (os três Brothers estão no banheiro).

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Figura 4: Imagem correspondente ao Exemplo 1b.

Exemplo 2: Ali

a) Julia: Gente, mas é o Pálio que vai ganhar... é aquele ali...ele falou ...independente do carro que...

Figura 5: Imagem correspondente ao Exemplo 2a.

b) Mariza: As pessoas se esforçam né. Eu vim de lá com a toalha do líder que é uma toalha diferente bonita, verde. Vim deixei dobradinha ali bem separada de todo mundo, menino...quando eu olho tá...quem? Douglas...com a cara...

Figura 6: Imagem correspondente ao Exemplo 2b.

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Tanto em 1a e 2a encontramos casos de emprego prototípicos do uso do lá e do ali. Em

1a, os interlocutores estão na sala conversamos com o apresentador que virtualmente ocupa o ambiente com os demais. O lá que aparece no texto se refere a um espaço distante, não visível e não imediatamente acessível aos interlocutores. O mesmo ocorre em 2a. O locativo ali corresponde a um espaço próximo, visível e imediatamente acessível aos interlocutores.

Ao contrário, os exemplos 1b e 2b apresentam usos não prototípicos dos locativos em tela. Em 1b, temos o uso do lá se referindo a um lugar próximo, visível e imediatamente acessível ao falante. Em 2b, o emprego do ali se refere a um lugar distante, não visível e não imediatamente acessível pelos interlocutores.

Meu interesse é a compreensão da motivação da alternância.

1.2 Objetivos

Este trabalho se propõe a investigar as coordenadas espaciais instruídas pelos dêiticos lá e ali no português brasileiro. O objetivo principal é a descrição dos usos não fóricos desses locativos, em textos orais, para determinar as operações cognitivas na conceptualização do espaço a eles associada.

Os objetivos específicos são:

▪ Identificar qual a motivação semântico-pragmática que subjaz à opção do falante por um ou outro locativo lá e ali.

▪ Descrever o aspecto cognitivo que participa de alternância de uso dos locativos lá e ali.

1.3 Estrutura da tese

Esta tese apresenta um capítulo destinado à revisão da literatura. O objetivo é apresentar os estudos mais recentes da dêixis. Em seguida, procede-se à apresentação do aporte teórico ao

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qual se filia este trabalho. Essa etapa é importante porque a Linguística Cognitiva é um campo teórico que abriga diferentes modelos e teorias. Em capítulo seguinte, apresentam-se as opções metodológicas. No capítulo 4, apresento sucintamente os modelos teóricos escolhidos para análise dos dados. No capítulo 5, apresento a descrição dos dados para, em seguida, apresentar as considerações finais.

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CAPÍTULO 2

QUADRO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICO

A construção de significado na linguagem acontece na interação. De fato, diferentes fatores presentes nas situações de comunicação contribuem na maneira como os participantes compreendem o que é dito. Sem dúvida, as experiências sociais e linguísticas dos interactantes são fatores determinantes na compreensão da intencionalidade dos sujeitos envolvidos na situação comunicativa, o que torna o processo de construção de significado dinâmico e, sobretudo, singular.

A Linguística Cognitiva, perspectiva sobre a linguagem e a mente diametralmente oposta à Gramática Gerativa e Semântica Formal, oferece o aparato teórico-metodológico que possibilidade a descrição do fenômeno da construção do significado linguístico, considerando todos os aspectos internos e externos do evento de fala. Este capítulo apresentará os conceitos que balizaram a análise da alternância dos locativos lá e ali, uma vez que ele se insere na comunicação verbal on line, que exige uma concepção de linguagem e sujeito cognoscente presentes na Linguística Cognitiva. Na primeira parte, apresentarei, brevemente, os pressupostos da Linguística Cognitiva. Na segunda parte, apresento os estudos sobre a expressão de espaço na língua. Na terceira, será apresentada a teoria dos esquemas imagéticos.

2.1 Os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva

A linguística Cognitiva surge no final dos anos setenta e início dos anos oitenta do século passado. A pesquisa acadêmica desenvolvida por um pequeno número de pesquisadores, entre eles Charles Fillmore, George Lakoff, Ronald Langacker e Leonard Talmy, surgiu da insatisfação com as abordagens formais, especialmente Gramática Generativa e Gramática de

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Montague, dominantes nas disciplinas de linguística e filosofia daquela década. A debandada consciente desses importantes linguistas estabeleceu uma agenda que abordasse as questões da construção de sentido.

De natureza filosófica, como é evidente em Lakoff e Johnson (1987), a Linguística

Cognitiva foi influenciada por teorias e achados das outras ciências cognitivas, particularmente psicologia cognitiva, e mais recentemente pelas ciências do cérebro, especialmente a perspectiva interdisciplinar conhecida como neurociência cognitiva. Desse modo, o cisma desencadeou investigações que colocaram o sujeito que fala como elemento fundamental do processo de construção de significado. Fortemente atrelada aos estudos da psicologia cognitiva, a Linguística Cognitiva está em consonância com abordagens funcionais da linguagem e não é campo teórico único. Pelo contrário, segundo Evans (2006),

é um amplo empreendimento teórico e metodológico, onde reside sua força. O que fornece a empresa com coerência é o seu conjunto de primários compromissos e teses centrais. Teorias influentes dentro da Linguista Cognitiva têm empregado a análise e ferramentas metodológica com as quais investigam os fenômenos nos quais se concentram.

Por isso, Geeraerts (2006) afirma que a Linguística Cognitiva tem uma estrutura flexível. Diferentemente das teorias linguísticas que tendem a ser bastante insulares em que cada estrutura teórica tende a constituir uma entidade conceitual e sociológica completa em si mesma, com um número limitado de frentes de estudos compartilhados com outras abordagens, a Linguística Cognitiva toma a forma de um arquipélago em vez de uma ilha. Para o autor, não se trata de uma teoria com delimitações claras e objetivas, mas de conjunto de pesquisa linguística ligado por uma perspectiva compartilhada de linguagem e de sujeito cognoscente, mas que, ao mesmo tempo, não podem ser reunidos sob a égide de uma teoria bem definida.

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A Linguística Cognitiva se distingue das ciências da linguagem contemporânea por sua preocupação central com a investigação da relação entre a linguagem humana, a mente, e experiência socio-física. Ao fazê-lo, afirma, Evans (2012)

a Linguística Cognitiva tem uma definição clara e determinada. E a esse respeito, os linguistas cognitivos desenvolveram uma série de teorias influentes dentro do projeto interdisciplinar da ciência cognitiva que conscientemente se esforçam para (e se medem contra) a exigência de ser psicologicamente plausível, dado o que é agora conhecido sobre a mente / cérebro. (EVANS, 2012)

O princípio básico dessa abordagem é que a linguagem humana constitui os outros aspectos da cognição. Ferrari (2011) afirma que a Linguística Cognitiva defende a não modularidade da linguagem. Tal hipótese estabelece uma perspectiva integradora em relação aos módulos já conhecidos tradicionalmente, da qual emerge duas premissas de que os mesmos princípios gerais atuam em todos os níveis de análise linguística e que tais princípios devem ser compatíveis com os conhecimentos disponíveis sobre a mente e o cérebro em disciplinas afins

(cf. Ferrari, 2011).

Essas premissas subscrevem os dois compromissos teóricos da Linguística Cognitiva.

O primeiro é o da busca de generalização. Ligado à primeira premissa, esse compromisso assume que os mesmos princípios fundamentais organizam os diferentes módulos da linguagem. O segundo compromisso, ligado à segunda premissa, diz respeito ao caráter indisciplinar da pesquisa linguística, que busca compatibilizar suas hipóteses com os resultados das pesquisas de outras Ciências Cognitivas (cf. Ferrari, 2011: 22).

Além dos compromissos, Silva (2010) afirma que a Linguística Cognitiva rejeita o postulado da autonomia da linguagem presente na teoria linguística moderna. Desse modo, são abandonados postulados que sustentam as abordagens da linguagem nesse último século, entre eles, segundo o autor, pode-se citar:

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a) a dicotomia entre conhecimento semântico ou linguístico e conhecimento enciclopédico

ou extralinguístico;

b) A arbitrariedade do signo linguístico de Saussure;

c) A afirmação da discrição e homogeneidade das categorias linguísticas;

d) A ideia de que a linguagem é gerada por regras lógicas e por traços semânticos

objetivos;

e) A tese chomskyana da autonomia e da não-motivação semântica e conceptual da

sintaxe.

Desse novo tratamento da linguagem, emerge a constatação de que as diferentes línguas se caracterizam a partir de como a comunidade falante categorizam o mundo. Por outro lado, as representações que esses mesmos falantes têm do mundo são moldadas pela língua. Assim, diferente das vertentes linguísticas formais que procuram explicar os padrões linguísticos por meio das propriedades estruturais internas, a sistematicidade e as funções específicas da linguagem, a Linguística Cognitiva passou a investigar a relação da estrutura da linguagem com as diferentes habilidades cognitivas gerais do ser humana.

A língua passar a ser, então, uma espécie de janela que permite o acesso à mente, pois ela reflete o momo como os seres humanos pensam. Essa abordagem inovadora no estudo da linguagem e do pensamento emergiu no campo moderno do estudo interdisciplinar conhecido como Ciência Cognitiva. Segundo Evans (2006)

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uma importante razão por que os linguistas cognitivos estudam a linguagem advém da suposição de que a linguagem reflete padrões de pensamento. Portanto, estudar a linguagem a partir dessa perspectiva é estudar padrões de conceptualização. A linguagem oferece uma janela para a função cognitiva, fornecendo insights sobre a natureza, estrutura e organização de pensamentos e ideias. A maneira mais importante pela qual a linguística cognitiva difere de outras abordagens ao estudo da linguagem é que a linguagem é presumida como refletindo certas propriedades fundamentais e características do design da mente humana. (EVANS, 2006: 08)

O resultado da suposição de que a linguagem reflete o pensamento tem implicações na metodologia e modelos desenvolvidos dentro do empreendimento Linguístico Cognitivo. Ainda segundo Evans (2006), um critério importante é a plausibilidade psicológica do modelo. Como as atividades cotidianas não dispensam o uso da linguagem, ela é uma rica fonte de como se organiza o pensamento. Nesse sentido, a centralidade do sentido na agenda de estudos da

Linguística demandou a construção de uma teoria que explicasse como o ser humano organiza o conhecimento e a criação de soluções formais que explicasse os usos linguísticos – sobretudo os idiomáticos.

Nesse ponto, é importante compreender como a Linguística Cognitiva é uma abordagem cognitiva dos fenômenos linguísticos, o seja, do que se trata o aspecto cognitivo da Linguística

Cognitiva. A linguagem é tomada como um instrumento para organizar, processar e transmitir informações, o que revela seu papel basicamente semântico. Diferentemente da abordagem da linguística chomskiana, que considera a linguagem apenas em termos formais, isto é, como um conjunto de estruturas e regras formais e sintáticas ou restrições a tais estruturas e regras.

Mesmo assim, a gramática gerativa é também uma concepção cognitiva, que atribui um status mental à linguagem. Em linguística cognitiva, o termo cognitivo não só sinaliza que a linguagem é um fenômeno psicologicamente real – e, como resultado disso, é parte das Ciências

Cognitivas –, mas também que o processamento e armazenamento de informações é uma característica crucial da arquitetura da linguagem. A linguística não considera apenas o

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conhecimento da linguagem, mas a considera uma forma de conhecimento o que faz com que seja analisada com foco no significado (cf. Geeraerts, 2006:04)

A linguística cognitiva tem o significado no centro de sua investigação. Ele não é tomado como reflexo objetivo do mundo exterior ao sujeito, mas é tomado como uma maneira de moldar esse mundo. Os sujeitos cognoscentes constroem o mundo de uma maneira particular, ou seja, incorporam uma perspectiva sobre o mundo. Geeraerts (2006) exemplifica esse processo de construção do significado mostrando como perspectivas espaciais são expressas linguisticamente como se pode ver na figura abaixo. Para o autor, uma mesma situação objetiva pode ser interpretada linguisticamente de maneiras diferentes.

A cena representada na figura acima pode ser expressa de duas maneiras, pelo menos, a saber:

(1) A bicicleta está atrás da casa.

(2) A bicicleta está na frente da casa.

O autor nos convida a pensar, a partir da cena representada acima, em uma situação em que uma pessoa esteja em pé no jardim atrás de uma casa e queira expressar onde deixou sua bicicleta. Ela poderia dizer que está atrás da casa e está na frente da casa, como se pode ver no

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exemplo 1 e 2, respectivamente. Seguindo Geeraerts (2006), a aparente contradição pode ser explicada se incorporada à análise a possibilidade de que a língua pode expressar diferentes perspectivas.

Dessa maneira, o exemplo 01 expressa o posicionamento da pessoa que, direciona seu olhar para o objeto bicicleta, mas que, ao encontrar um obstáculo, o percebe como estando atrás desse obstáculo, externando essa percepção da realidade na frase do exemplo 01. A percepção expressa no exemplo 02 assume e a da casa. Segundo o autor, a estrutura de uma casa configura o que se denomina frente e o que é chamado de fundos. Assim, o conteúdo proposto no exemplo

(2) se constrói a partir da consideração dessa configuração da casa e não levando em conta o posicionamento do falante. Essa operação de perspectivas múltiplas nem sempre espaciais estão em toda parte na linguagem. Sobre essa possibilidade, assim se posiciona o linguista

os significados mudam, e há uma boa razão para isso: o significado tem a ver com moldar o nosso mundo, mas temos que lidar com um mundo em mudança. Novas experiências e mudanças em nosso ambiente exigem que adaptemos nossas categorias semânticas às transformações das circunstâncias, e que deixemos espaço para nuances e casos ligeiramente desviantes. (GEERAERTS, 2006:)

Fica evidente, portanto, que a estrutura de uma língua pode ser alterada por pressões extralinguísticas como as experiências que as comunidades linguísticas têm no mundo. Na medida que o sentido é construído nessa interação com o mundo, plausível imaginar que o significado não é um módulo independente na mente, mas reflete toda a complexidade humana nas suas infinitas possibilidades de conexão com o mundo.

Nesse sentido, o significado linguístico não deve ser encaro como um conhecimento apartado de outras formas de conhecimento. É, na verdade, como encaram os linguistas cognitivo, enciclopédico e não autônomo dos demais conhecimentos, ou seja, “envolve o conhecimento do mundo que está integrado com nossas outras capacidades cognitivas”

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Esse tratamento experiencial do significado apresenta dois aspectos principais que ajudam a compreender melhor o processo da construção do sentido: o primeiro está ligado ao fato de o ser humano não ser mente pura, mas encarnada, e o segundo está ligado fato de não serem apenas entidades biológicas. Sermos mentes encarnadas, ou seja, termos um corpo com uma determinada constituição física interfere diretamente na forma como a utilizamos a linguagem. Por exemplo, o fato de termos os olhos na frente da face e com limitação do raio de visão, interfere na forma como perspectivamos o mundo. Além disso, não sermos apenas entidades biológicas, mas também entidades com identidade cultural e social faz com que diferentes línguas incorporarem a experiência histórica e cultural da comunidade de falantes.

Como uma nova abordagem para o estudo da linguagem, a Linguística Cognitiva concebe a linguagem como uma faceta da cognição e não como um módulo autônomo entre os sistemas cognitivos, concebido como um conjunto de módulos autônomos. Assim compreendido, o comportamento linguístico não está apartado de outras habilidades cognitivas gerais que permitem processos mentais de raciocínio, memória, atenção ou aprendizagem, mas

é parte integrante dela. O corolário dessas premissas é que as estruturas mentais medeiam a relação do ser humano com o mundo e a linguagem opera na organização das experiências humanas no mundo.

Além disso, uma semântica formal baseada em condições de verdade é considerada inadequada para descrever o significado de expressões linguísticas. Uma razão é que as estruturas semânticas são caracterizadas em relação aos sistemas de conhecimento cujo escopo é essencialmente aberto. A segunda é que seu valor reflete não apenas o conteúdo de uma situação concebida, mas também como esse conteúdo é estruturado e interpretado. (LANGACKER, 2006, p. 27).

Ao considerar a semântica formal baseada em condições de verdade como inadequada para descrição do significado das expressões linguísticas, Langacker (2006) apresenta uma das

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principais premissas que contribui para o desenvolvimento da Linguística Cognitiva: a que o significado está diretamente atrelado às experiências que o ser humano tem no mundo psicossocial. Como ele afirma as estruturas semânticas são caracterizadas em relação aos sistemas de conhecimento, cujo escopo é aberto, pois estão a uma grande possibilidade de interpretação, uma vez que seu valor reflete não apenas o conteúdo de um projeto situação, mas também como este conteúdo é estruturado e interpretado.

Assim, o processo de construção de significado está ligado ao processamento cognitivo.

Passar por uma certa experiência mental reside na ocorrência de um certo tipo de atividade neurológica. A chamada conceptualização pode ser abordada a partir de dois pontos de vista: ou o fenomenológico ou processual, que é a experiência mental em si mesma ou diz respeito à atividade de processamento que constitui a construção de significado (cf. Talmy, 2006).

A Semântica Cognitiva concentrou-se no ponto de vista fenomenológico, que é obviamente mais acessível e passível de investigação por meio de evidências linguísticas.

Quanto ao processamento, ele pode ser estudado em diferentes níveis (tanto funcionais quanto neurológicos) e por meios tão variados quanto experimento psicolinguístico, pesquisa clínica

(principalmente afasia), imagiologia neurológica e agora mesmo modelagem computacional

(Holmqvist 1993; Regier 1996; Lakoff e Johnson 1999: apêndice). Segundo Talmy (2006), essas abordagens baseiam-se, entretanto, em caracterizações fenomenológicas para orientação e como base para interpretar resultados. E apesar do rápido progresso sendo feito, uma compreensão segura e detalhada de como estruturas linguísticas específicas são implementadas neurologicamente permanece uma meta de longo prazo.

As conexões especulativas advinda nessa abordagem da construção de significado são plausíveis. Para Geeraerts (2006), elas podem ser postuladas entre os níveis fenomenológico e de processamento. Desse modo, a proeminência de entidades concebidas é razoavelmente atribuída a um alto nível de ativação neural e disseminação da ativação é a base evidente para

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associação. Assim, há a implicação de fenômenos linguísticos. Além disso, Geeraerts (2006) sugere que qualquer ordenação conceptual ou acesso mental sequenciado implica uma serialidade correspondente no processamento que a constitui.

Um grande número de áreas distintas, embora complementares, tem sido foco dos estudos da linguagem por diferentes linguistas. Considerado por Evans como um sub-bosque da Linguística Cognitiva, a chamadas abordagens cognitivas da gramática apresentam importantes resultados. Nesse caminho, pode-se citar a Gramática da Construção, que em fato representa uma família de teorias relacionadas, incluindo Gramática de Construção Radical e

Gramática Cognitiva desenvolvida por Goldberg e Lakoff, bem como Gramática Cognitiva, desenvolvido por Langacker e o trabalho de Talmy em a distinção entre sistemas de classe aberta e fechada da linguagem. (cf. Evans, 2014).

Outra linha de pesquisa importante dentro da Linguística cognitiva são os estudos dos linguistas que trabalham com a linguagem como meio de estudar aspectos da organização conceptual e estrutural do conhecimento humana. A chamada Semântica Cognitiva estuda aspectos da mente, como representação e significado da construção conhecimento. São exemplos dessa linha de abordagem, a a Teoria dos Espaços Mentais, Teoria da Metáfora

Conceitual, e Conceitual Teoria da Metáfora. Outro ramo refere-se a o estudo dos significados das palavras, por vezes referido como semântica lexical cognitiva. Exemplos notáveis incluem o modelo da Polissemia de Princípios, e o trabalho de Geeraerts na semântica do protótipo diacrônico. estudiosos tentaram integrar o estudo de todas três áreas. Um exemplo recente é a

Teoria do Lexical Conceitos e Modelos Cognitivos. (cf. Evans, 2014)

Uma investigação que pretende descrever a construção do significado linguístico considerando os sujeitos cognoscentes no processo mesmo em que se desenrola a interação exige um quadro teórico que ofereça não só construtos teóricos adequados ao que se quer

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descrever, mas também ofereça uma nova epistemologia que permita uma nova reflexão da natureza do próprio processo de aquisição do conhecimento humano. Nesse sentido, a

Linguística Cognitiva oferece o instrumental teórico e a epistemologia para a descrição do fenômeno de alternância dos dêiticos lá e ali no português brasileiro. Nas seções seguintes, apresentarei em linhas gerais os pressupostos teóricos da Linguística Cognitiva e as teorias dela emergentes, que servirão para a análise da alternância dos locativos em tema nesta tese, a saber, as categorias de noções semânticas de Talmy (2006) e a teoria dos esquemas imagéticos

(Johnson, 1987; Lakoff, 1987).

2.2 A expressão de espaço na linguagem

A investigação sobre a expressão linguística do espaço está atrelada às pesquisas mais gerais da Linguística Cognitiva. Segundo Zlatev (2007), Lakoff, Langacker e Talmy iniciam esse tipo de pesquisa motivados pela centralidade e universalidade do espaço na organização da experiência humana e pela manifestação de padrões semânticos específicos existentes na linguagem.

Ainda segundo o autor, razão para este estudo é a suposta natureza básica do espaço, uma vez que há “fortes paralelos entre o espaço e outros domínios semânticos, refletidos no fato de que as mesmas expressões frequentemente tomam significados espaciais, temporais e outros mais abstratos, como expressões como daqui até lá, de agora a amanhã, e de mim para você” (cf. Zlatev,2007).

A língua e a cultura explicitam as representações espaciais na literatura sobre a referência espacial, a qual se distingue das representações espaciais produzidas por na experiência perceptiva do espaço. Essa propriedade fundamental permite que os falantes se dissociem e escolham entre diferentes componentes de referência espacial e expressem outros

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significados, como, por exemplo, sentidos temporais, causais, argumentativos (cf. Hickmann e Robert, 2006)

Ainda segundo Hickmann e Robert (2006) outros valores semânticos típicos da língua aponta que os valores espaciais são básicos ou até puramente espaciais, e os termos espaciais expressam intrinsecamente muitos outros valores relativos a propriedades funcionais de entidades. Segundo as autoras

de acordo com essa concepção, o espaço na linguagem não é primitivo, mas já é o resultado de uma construção baseada em nossa interação com o mundo. Surgem várias questões. Até que ponto o espaço, como está linguisticamente codificado, reflete a experiência perceptual e quais aspectos dessa experiência codificam diferentes linguagens? O espaço constitui uma categoria pura e primitiva a partir da qual derivam outros significados linguísticos e quais são os mecanismos que permitem esse processo? (HICKMANN E ROBERT, 2006)

Hickmann e Robert (2006) afirma que nos últimos vinte anos de pesquisa foi possível verificar grandes variações nos sistemas espaciais entre os idiomas, que dizem respeito, entre outras, à natureza dos dispositivos linguísticos que expressam informações espaciais, às distinções particulares que eles codificam e destacam mais e aos sistemas de referência usados pelos falantes.

Além disso, vários estudos mostram que sistemas linguísticos e culturais determinam - pelo menos parcialmente - a natureza e acessibilidade cognitiva da informação que é selecionada pelos falantes. Esta evidência lançou algumas dúvidas sobre o direito supostamente universal de categorias espaciais, levantando questões sobre o impacto da categorização linguística na cognição espacial.

Na Linguística Cognitiva, o estudo do espaço se fundamento na perspectiva que o ponto de partida da construção locativa é a admissão da hipótese de que a localização de um objeto

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está relacionada à cena experiencial de continência de uma entidade em um espaço (cf. Pinheiro,

2007). Para Langacker (2004), a noção de localização (e de existência) é sempre relativa a algum domínio. sendo o espaço default, em particular, o espaço físico no mundo real, que sempre um domínio mais especificado e delimitado numa região.

A construção locativa prevê duas entidades semânticas correspondentes a papéis sintáticos. Assim, o padrão locativo apresenta um objeto referencial, um alvo de busca, um domínio de busca e o trajeto da busca. A identificação desses elementos, além de permitir a distinção da construção existencial, estabelece como locativa apenas a construção com domínio de busca com limites definidos em termos de contêiner. O diagrama abaixo, retirada de

Langacker (2004), mostra a construção locativa.

Figura 10

Langacker (2004) afirma que a expressão locativa identifica a região delimitada quando a entidade pode ser encontrada em relação a um objeto referente, o que servirá de marco espacial que especifica um domínio de pesquisa (cf, Langacker, 2004:107). O espaço é uma categoria esquemática do domínio. O tipo de quantidade que existe no espaço é pode ser chamada

"matéria" e, na forma contínua ou discreta, é "massa" ou "objetos" (cf. Talmy, 2006). Essa

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compreensão da expressão da noção de espaço se mostra importante para esta tese, uma vez que possibilita a descrição dos locativos lá e ali dentro do esquema apresentado na figura __.

Resta saber como conceptualizamos a noção de distância.

2.2.1 A conceptualização da distância: as categorias de Leonard Talmy

Para Talmy (2006), a estrutura cognitiva compreende a estruturação esquemática ou delineamentos geométricos no espaço ou no tempo ou outro domínio qualitativo que as formas de classe fechada podem especificar. Para o autor, essas estruturas podem ser expressão por determinadas classes fechadas de palavras.

formas de classe fechada podem atribuir tal estrutura à totalidade de uma cena de referência, particionando essa cena em entidades em relacionamentos particulares, ou em qualquer uma dessas entidades, ou nos caminhos descritos por tais entidades quando suas inter-relações mudam ao longo do tempo. No que diz respeito às formas de classe fechada, o sistema configuracional abrange, assim, a maioria dos aspectos dos esquemas especificados por adições espaciais ou temporais, conjunções subordinantes, dêiticos, marcadores de aspecto / tempo, marcadores numéricos e similares. (TALMY, 2006:47)

O Grau de Extensão é uma categoria esquemática que está implícito na dimensão vertical do arranjo. Segundo Talmy (2006), esta categoria tem três noções de membros principais, cujos termos são dados na figura abaixo juntamente com representações esquemáticas das noções para o caso linear. Os itens lexicais referentes aos objetos expressam especificações quanto ao grau básico de extensão do seu referente, e três exemplos destes para o caso espacial linear também são mostrados na figura abaixo.

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Talmy (2006) afirma que um referente lexical é mais basicamente concebido a partir de um grau particular de extensão. E, por várias especificações gramaticais, induzem uma mudança e pode ser reconceptualizado em algum outro grau de extensão. O autor exemplifica essa possibilidade o evento de escalar uma escada, que parece ser basicamente de extensão linear limitada na dimensão temporal, como pode ser visto no exemplo 01

(1)

a) Ela subiu a escada do navio em dez minutos.

b) Seguindo em frente no curso de treinamento, ela subiu a escada do prédio

exatamente ao meio-dia.

c) Ela continuou subindo cada vez mais alto pela escada enquanto observávamos.

O exemplo 01 mostra como uma mesma situação pode ser expressa com grau de extensão tempo diferente. Com a preposição em e outras diferentes especificações contextuais, o evento o deslocamento pode ser esquematizado conceitualmente como um ponto de tempo - isto é, como sendo ponto de duração. A mudança de extensão cognoscível expressa em 1b envolve, segundo Talmy (2006), uma operação cognitiva de redução ou, alternativamente, adoção de uma perspectiva distal. Essa mudança também pode ser conceptualmente esquematizada como uma extensão ilimitada como resultado do uso de formas verbais com o sufixo de gerúndio como se pode ver no exemplo 1c.

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A operação cognitiva de ampliação ou adoção de uma perspectiva proximal pode ocorrer, portanto. Para Talmy (2006), com essa operação, estabelece-se um ponto de perspectiva a partir do qual a existência de quaisquer limites exteriores fica fora da vista e atenção. O referente do evento anterior era contínuo, mas um caso discreto pode exibir as mesmas mudanças na extensão. Assim, para o autor, tanto as formas gramaticais como as formas lexicais especificam a localização que um ponto de perspectiva deve ocupar dentro de uma cena de referência ou sua configuração específica. A literatura linguística inclui muito trabalho sobre esta questão, especialmente no que diz respeito à dêixis. Sobre isso, Talmy diz

Em sua forma básica, dêixis define a posição do ponto de perspectiva na localização atual do locutor. Por exemplo, o caminho de um objeto em relação a algum objeto pode ser adicionalmente caracterizado como se estivesse em direção ou não ao ponto de vista do falante por formas de classe fechada como o alemão her e hin, bem como por formas de classe aberta como o inglês ir e vir.

A dêixis é, como se viu no capítulo referente ao assunto, um fenômeno que está diretamente ligado à percepção do espaço.

2.3 A teoria dos esquemas imagéticos

Nesta seção discutirei a teoria dos esquemas imagéticos. O objetivo é compreender como esses esquemas atuam na construção do sentido. Para atingir tal objetivo, focalizarei em como os esquemas imagéticos interagem ao nível de cenas inteiras, nas quais eles formam gestalts compostos. Essa maneira de analisar os esquemas imagéticos foi proposta por Kimmel

(2005), a que nos filiamos por compreender que o processo cognitivo de zoon que cunhamos

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só será melhor descrito se houver a compreensão de que cada evento discursivo tem estruturas flexíveis e dinâmicas, apesar de conterem elementos estáveis.

Os esquemas de imagem resultam da experiência sensorial e perceptual que o ser humano constrói na sua interação com mundo. Essa experiência corporificada, segundo

Johnson (1987), dá origem a esquemas de imagem que fundamentam o sistema conceptual humano. A tese central dessa teoria é que o significado consiste em padrões de conexão neural integrada com a experiência corporal enquanto interagimos com os objetos ao nosso redor.

Desse modo, os esquemas de imagem são pré-conceituais, porque são padrões recorrentes de informação sensorial extraídos da experiência sensorial do corpo no mundo e armazenados na memória como um esquema imagético e originam uma representação conceitual. Desse modo, os esquemas imagéticos não são conceitos como os outros. São os fundamentos do sistema conceitual, porque são os primeiros conceitos a surgir na mente humana e, precisamente por se relacionarem com a experiência sensório-perceptual, são particularmente esquemáticos, por isso, pré-conceituais. Nas palavras de Gibbs (2005, p. 113), “Os esquemas imagéticos representam a cola essencial que liga a experiência, o pensamento e a linguagem incorporados”. Eles são uma explicação elegante para a multiplicidade de significados linguísticos que a Semântica tradicional não consegue explicar. Como são o resultado de nossa experiência biológica no mundo, Lakoff e Johnson (1980) sugerem que esses esquemas de imagem são universais pré-linguísticos de estruturas cognitivas e, por isso, define-os como representações pré-conceptuais da experiência corporificada humana.

A palavra esquema significa que os esquemas de imagem não são conceitos detalhados.

São abstratos, pois consistem em padrões emergentes de experiências incorporadas repetidas.

Isto significa também que este tipo de experiência surge em conjunto com o nosso desenvolvimento físico e psicológico durante a primeira infância. Em outras palavras, esquemas de imagem não são reivindicados como estruturas de conhecimento inatas.

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O termo "imagem" também merece atenção, pois não deve se restringir à percepção visual. Imagem tem aplicação mais ampla tanto na Psicologia como na Linguística Cognitiva, nas quais englobam todos os tipos de experiência sensório-perceptual. Desse modo, os esquemas imagéticos (LAKOFF, 1987; JOHNSON 1987; LAKOFF e TURNER, 1989;

JOHNSON 1987) são versões esquemáticas de imagens. Segundo Iagallo,

eles podem estruturar algo de nossa experiência concreta ou de nossa experiência emocional via metáfora. Esquemas de imagem são abstratos porque são esquemáticos (diagramas), mas, do ponto de vista de sua origem, são concretos porque são produzidos pela interação física de nossos corpos com o meio ambiente. (IAGALLO, 2015).

A teoria do Esquemas Imagéticos nasce da percepção de que conhecimento humano não

é estático, proposicional e sentencial, mas está, na verdade, fundamentado e estruturado por padrões construídos a partir de interações perceptivas, ações corporais e manipulações de objetos (Johnson 1987, 1993; Lakoff 1987, 1990; Talmy 1988). Esses padrões são gestalts experienciais, que surgem dessas atividade sensório-motora à medida que manipulamos objetos, nos orientamos espacial e temporalmente e direcionamos nosso foco perceptivo para vários propósitos (Johnson, 1991).

Os autores da linguística cognitiva apontam a existência de mais duas dezenas de diferentes esquemas imagético, que podem sofrer várias transformações que aparecem regularmente no pensamento cotidiano, no raciocínio e na imaginação das pessoas (Johnson,

1987; Lakoff, 1987). Pode-se citar eles as estruturas esquemáticas do organizadas por grupos

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Espaço cima-baixo, frente-trás, esquerda-direita, longe-perto, centro periferia, contato

Escala trajetória

Contêiner contenção, dentro-fora, superfície, cehio-vazio, conteúdo

força equilíbrio, força contrária, compulsão, restrição, habilidade, bloqueio, atração

Unidade fusão, coleção, divisão, iteração

Multiplicidade parte-todo, ligação, contável- não contável

Identidade combinação, superimposição

existência remoção, espaço delimitado, clico, objeto, processo

Gibbs e Colston (2006) afirmam que os esquemas imagéticos abrangem uma ampla gama de estruturas experienciais que são difundidas na experiência, têm estrutura interna e podem ser elaboradas metaforicamente para prover nossa compreensão de domínios mais abstratos. Nessa busca, diferentes autores empreenderam investigações na Linguística

Cognitiva na tentativa de compreender como esses esquemas imagéticos participam da criação das formas gramaticais, como o fez Langacker (1987e 1991 ou para na representação do significado subjacente que relaciona os sentidos aparentemente díspares de preposições como

é o caso de Brugman e Lakoff (1988) e Vandeloise (1993). Pesquisas nessa mesma linha associaram tais esquemas à motivação de verbo ou das chamadas construções de partículas, tais como aquelas focadas nas noções “em cima” e fora (Lindner 1983.

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Assim, esses estudos, entre outros, revelaram que os esquemas imagéticos motivam aspectos importantes de como pensamos, raciocinamos e imaginamos. Um mesmo esquema de imagem pode ser instanciado em muitos tipos diferentes de domínios, porque sua estrutura interna pode ser entendida metaforicamente.

Nosso esquema imagético BALANÇO, por exemplo, é elaborado metaforicamente em um grande número de domínios abstratos da experiência, como estados psicológicos, relações jurídicas, sistemas formais (cf. Johnson, 1991). Nos casos de equilíbrio corporal e visual, parece haver um esquema básico que consiste em um ponto ou eixo em torno do qual as forças e os pesos devem ser distribuídos de modo a contrabalançar ou equilibrar um ao outro.

A experiência humana de equilíbrio corporal e a percepção de equilíbrio estão ligadas à compreensão de personalidades equilibradas, visões equilibradas, sistemas equilibrados, equilíbrio equilibrado, equilíbrio de poder, equilíbrio da justiça e assim por diante. Em cada um desses exemplos, o conceito mental ou abstrato de equilíbrio é entendido e experimentado em termos da compreensão física do equilíbrio. Talvez, por isso, pode-se usar a mesma palavra para todos esses domínios, porque eles são estruturalmente relacionados pelo mesmo tipo de esquemas imagéticos subjacentes e são elaborados metaforicamente a partir deles.

O esquema imagético denominado CONTÊINER nasce de nossas constantes experiências ubíquas com recipientes. Como são padrões que emergem de experiências corporais repetidas e de nossa interação, esses padrões geram estruturas significativas para nós principalmente no nível de nosso corpo como um todo, não só pela percepção visual, como a palavra imagem pode sugerir. Pelo contrário, os movimentos através do espaço, a manipulação de objetos e as interações perceptivas também são fontes de um esquema imagético, o que evidencia a ligação entre os seres humanos e o mundo que habitam, numa influência mútua.

A representação desse esquema imagético, como se pode notar na figura a seguir (Figura

7), não se parece como nenhuma ideia comum de recipiente. Isso se acontece justamente pelo

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seu significado esquemático, ou seja, a representação quer indicar sua característica primitiva apresentando apenas as propriedades que são compartilhadas por toda a categoria conceptual de CONTÊINER. Como outros esquemas, o esquema imagético CONTÊINER apresenta uma estrutura interior.

Figura 7: Representação do esquema imagético CONTÊINER.

Se considerarmos que o esquema pode ser colocado em um todo que o contextualiza, teremos uma representação mais ampla (Figura 8).

Se no diagrama do esquema imagético CONTÊINER apresenta uma fronteira

(boundary, Laloff (1987), ou limite Duque e Costa (2012), pode-se supor que esse esquema está inserido ou faz contado com outro. Daí a representação do diagrama 8. Resta-me explicar

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a natureza do esquema. Johnson (1987) apresenta um exemplo já clássico por ser a descrição do início de um dia comum para grande parte da sociedade.

Você acorda de um sono profundo e sai das cobertas para o seu quarto. Você sai gradualmente do seu estado de estupor, deixa as cobertas, veste seu robe, estica os membros e segue para o banheiro. Olha-se no espelho e vê seu rosto olhando para você. Depois, abre o armário, tira o creme dental, espreme um pouco de pasta de dente, coloca a escova de na boca, escova os dentes com pressa e enxagua a boca. (JOHNSON, 1987, p. 30-31).2

O exemplo apresentado pelo linguístico mostra que a experiência de dentro e fora, linguisticamente apontada pelas proposições in e out. Para esta tese, interessa a percepção de que o CONTÊINER não é um esquema apenas relacionado a situação de recipiente físico, como armário, banheiro ou roupas. Note-se que o pesquisador relaciona como CONTÊINER o sono, o estupor e o atordoamento. Nossa tarefa nesta tese será explicar como podemos descrever os limites do esquema imagético quando ele estiver na base de uma ideia de recipiente como os três últimos citados logo acima.

Na descrição de Johnson (1987), armário é um recipiente com delimitações nítidas que correspondem ao diagrama tradicional de contêiner: há uma parte interior e outra parte exterior, delimitadas pelas partes de madeira ou metal que o desenham. Esse armário está dentro do quarto que, por sua vez, compõe a casa, que está num bairro, numa cidade, etc. Entretanto, o autor não esclarece como seria a fronteira nos exemplos como sono, por exemplo. Sono, estupor e atordoamento são estados com graus de letargia diferentes que podem ser delimitados pelo estado contrário.

Diálogo entre os participantes Thamires, Angélica e Rafael:

2 You wake out of a deep sleep and peer out from beneath covers into your room. You gradually emerge out of your stupor, pull yourself out from under covers, climb into your robe, stretch out your limbs, and walk in a daze out of the bedroom and into the bathroom. You look in the mirror and see your face staring out at you. You reach into the medicine cabinet, take out the toothpaste, squeeze out some toothpaste, put the toothbrush into your mouth, brush your teeth in a hurry, and rinse out your mouth. (JOHNSON, 1987, p. 30-31).

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Thamires: Vocês preferem que Douglas sai. Angélica: Pelo jogo é melhor Adriles sair, porque eles estão se unindo. A questão é desmembrar o grupinho. Rafael: É melhor Adriles sair.

No diálogo acima, o verbo sair tem como escopo o jogo que apresenta os limites simbólicos que o delimitam como contêiner. Essa delimitação é dada por uma série de comportamentos competitivos que caracterizam um jogador. Assim, o emprego do verbo sair faz sentido.

2.4 A dêixis

Nesta seção, descrevo o fenômeno da dêixis, sobretudo a espacial. Começo apresentando as várias definições subscritas por linguistas diferentes. Faço isso porque essas definições fornecem, se não uma revisão detalhada do conceito em termos de suas propriedades semânticas e pragmática, evidencias de que se trata de um fenômeno que ainda merece muito atenção dos estudiosos da língua. De partida, na primeira subseção, apresento o que é a dêixis numa breve captura do que é consensual sobre ela. Na segunda, apresento a abordagem clássica do fenômeno a partir dos estudos de Bühler, 1950; Benveniste, 1995; Levinson, 2007. Na terceira, apresento os estudos de linhagem cognitivista da dêixis, considerando os trabalhos de

Rubba, 1996 e Marmaridou, 2000. Termino o capítulo com uma síntese das ideias apresentadas.

2.4.1 O que é a dêixis

A dêixis pode ser considerada um dos principais fenômenos da atividade linguística, uma vez que acontece exatamente no momento em que o significado se constrói (MACIAS,

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2004). As investigações sobre a dêixis foram ampliadas com o desenvolvimento da Pragmática e da Linguística Cognitiva, áreas científicas de estudos da linguagem que tomaram a dêixis como tema importante da relação língua e contexto.

A palavra dêixis tem, etimologicamente, origem grega e significa o ato de ‘demonstrar’,

‘apontar’, ‘indicar’. Linguisticamente, é expresso pelas categorias gramaticais dos pronomes pessoais e demonstrativos, tempos verbais, advérbios de tempo e de lugar. Associada ao momento de fala, a dêixis compreende, de maneira ampla, tudo o que só pode ser compreendido se levado em conta o contexto do evento de fala. O exemplo 1 mostra o fenômeno

(1) Estou aqui agora, esperando que você vá para lá rapidamente.

Quem é esse “eu”? Onde é esse “aqui”? Quando é esse “agora”? De quem se trata esse

“você? Para onde se deve ir? As respostas a essas perguntas só podem ser encontradas no contexto onde a frase acontece e faz sentido. O fenômeno da dêixis é a codificação linguística da categoria de pessoa, tempo, espaço, modalidade e indícios da assimetria social entre os interlocutores dentro dos limites da interação. Peirce (1955) afirma que a indexicalidade envolve “a coexistência dinâmica” de um sinal indicial com o seu objeto de referência. Está normalmente associada a expressões linguísticas que são semanticamente insuficientes para obter referência sem suporte contextual. Estas expressões têm, portanto, um uso dêitico básico

(apud HORNOIU, 2015).

Fillmore (1971) distingue dois usos das expressões dêiticas: uso gestual e uso simbólico.

Afirma que itens lexicais são empregados de maneira dêitica gestual quando se faz referência ao monitoramento áudio-visual-tátil físico do evento discursivo, ou seja, trata-se de um rastreamento permite a devida interpretação. Para o autor, os pronomes demonstrativos e os pronomes de segunda e de terceira pessoa, quando usados com indicação física do referente

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(acompanhados da direção do olhar ou levantamento do queixo, por exemplo) são bons exemplo desse uso, como ilustrado abaixo:

(2) Este é genuíno(a), mas este é uma falsificação.

(3) Ele não é o duque; ele é o mordomo.

O uso simbólico dos termos dêiticos requer, segundo Fillmore (1671), o conhecimento específico dos parâmetros espácio-temporal básico do evento discursivo, o que compreende os parâmetros do papel dos participantes, de discurso e sociais. Em (4), (5) e (6) basta o conhecimento da localização geral dos participantes do evento discursivo e quando o evento está acontecendo

(4) Esta cidade é realmente bonita.

(5) Vocês todos podem vir comigo se quiserem.

(6) Nós não podemos arcar com férias este ano.

Levinson (2007) afirma que a distinção entre a dêixis gestual e simbólica considerando que o primeiro tipo exige um monitoramento físico do evento discursivo momento a momento, enquanto que o uso simbólico referenciam as coordenadas contextuais disponíveis para os interlocutores participantes antes da enunciação. Voltarei a essa questão na análise dos dados.

Essas tipologias se revelam útil para a análise da alternância dos dêiticos lá e ali e voltarei a elas no capítulo 4 desta tese. Por ora, vale ressaltar que essas duas tipologias não organizam a distribuições dos itens lexicais no sistema dêitico.

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Nas línguas naturais, a dêixis não apresenta sistemas organizados arbitrariamente, mas está organizada, quase sempre, de numa maneira egocêntrica, as coordenadas para a contração do sentido das expressões consideradas dêiticas ancoram-se em pontos específicos do ato comunicativo. Assim, da observação mais direta do fenômeno, esses pontos são, segundo

Macias (2004):

1) A figura central é o orador;

2) O tempo central é aquele em que o orador produz a oralidade;

3) O lugar central é a situação do orador no tempo da oralidade;

4) O centro do discurso é o ponto em que o orador de encontra na produção da sua oralidade e

5) O centro social é o status do orador par ao qual o status dos destinatários é relativo.

A configuração da dêixis, tal como apresentei acima, coincide com a descrição do momento de fala nas suas várias relações interacionais. Entretanto, a determinação do que a noção de dêixis subsume evidencia a problemática de sua conceituação. Como qualquer conceito, a noção de dêixis envolve diferentes pontos de vista estabelecidos pelos diferentes termos que nomeiam o fenômeno. É necessário, pois, para a abordagem filosófica do fenômeno dêitica, descrever exatamente quais e como são os elementos que o conceito cobre.

Segundo Lahud (1979), a designação dêixis foi elevada a termo metalinguístico da teoria gramatical para designar uma categoria com tantas expressões referenciais de diferentes naturezas para codificar os diferentes aspectos do evento de fala. Em sua obra A propósito da noção Dêixis, Michel Lahud apresenta um pequeno inventário terminológico para a noção:

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1) Indexical symbols, termo associado a Peirce. Traduz-se habitualmente por signos (ou símbolos) indicadores, símbolos-índices, ou simplesmente indicadores.

2) Shifters: termo inglês formado a partir dos verbos To shift – mudar, variar, trocar – introduzido no domínio gramatical por Jespersen.

3) Para Benveniste, o grupo constitutivo da chamada “Linguística da enunciação”, comum é o uso de expressões tais como indicadores de subjetividade, índices (ou signos) do discurso, índice (ou signo) da enunciação, etc.

4) Finamente, Bertrand Russel trata das palavras “cuja denotação é relativa àquele que fala”, num capítulo sobre “egocentric particulars”. (Cf. LAHUD, 1979, p. 41).

O inventário terminológico apresentado acima mostra que o termo dêixis (ou o adjetivo decorrente dele) recobre diferentes aspectos do fenômeno. Ainda segundo Lahud:

Considerando-se que cada um desses termos coloca em evidência um aspecto particular de um número de signos – justamente aquele que, segundo o ponto de vista do autor, permite agrupá-lo numa única e mesma classe -, esse breve inventário terminológico indica bem a situação problemática na qual nos encontramos: pois a conjunção dos diferentes aspectos assim indicados é, no mínimo, bastante embaraçosa. (LAHUD, 1979, p. 41).

De fato, essa quantidade de terminologia é muito significativa. A discussão sobre a dêixis não reside na capacidade referencial dos termos dêiticos, mas na sua função e da inclusão dos diferentes elementos linguísticos numa única categoria. Não me interessa a discussão sobre os critérios que permitem a inclusão ou não de determinadas expressões linguísticas na categoria. Para minha tese, interessa apenas que tais expressões, particularmente as espaciais, são itens lexicais cuja significação se encontra na sua referencialidade contextual. Resta ainda, mostrar as subcategorias dêiticas.

Na investigação linguística, há uma espécie de acordo que circunscreve o campo de atuação dos elementos gramaticais a que fazem referência aos participantes, ao tempo e ao espaço da interação. Desse modo, tradicionalmente, os itens lexicais com função dêitica são

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subdivididos, considerando os interlocutores e os eixos de tempo e espaço que conformam o evento de fala. As subcategorias da dêixis correspondem, portanto, aos pontos do discurso a que fazem referência: a dêixis de pessoa, de tempo, de lugar, de discurso e a social (ver

Levinson, 2007). Abaixo, apresento, sucintamente, um quatro dos tipos de dêixis baseado nas definições do Levinson.

É a codificação dos participantes do evento discursivo. Os Dêixis de pessoa sistemas pronominais são as manifestações mais evidentes da pessoa, normalmente, tríplice: primeira, segunda e terceira pessoa.

É a codificação do tempo em que ocorre o evento de fala ou a Dêixis de tempo que a ele faz referência. Os advérbios de tempo e os tempos verbais são as manifestações mais evidentes dessa marcação.

É a codificação do lugar ou espaço que especifica a localização Dêixis de lugar dos objetos relativamente ao centro dêitico da comunicação. Os advérbios de lugar são as manifestações mais evidentes desse tipo de dêixis.

É a codificação de uma alguma parte do discurso que contém Dêixis de discurso esse enunciado ou ao próprio discurso. Diferentes recursos linguísticos podem evidenciar esse tipo de dêixis.

É a codificação dos aspectos das sentenças que refletem, Dêixis social estabelecem ou são determinados por certas realidades da situação social em que o ato de fala ocorre e marcam a relação social estabelecida entre os participantes do discurso.

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Nesta tese, trataremos da dêixis de lugar ou de espaço que, segundo Lyons (1977), é a especificação linguística da localização relativamente aos pontos de ancoragem do evento discursivo. Para o autor, há duas maneiras fazer referência aos objetos no evento comunicativo: por um lado, pode-se descrevê-los ou nomeá-los e, por outro lado, e localizá-los. A especificação da localização de um objeto é feita relativamente a outro objeto ou pontos de referência fixos. Fillmore (1982) descreve a dêixis espacial como aspecto que envolve os locais onde estão os participantes do ato de comunicação. Para o pesquisar, essa parte da semântica espacial leva em conta os corpos dos participantes do ato de comunicação como objetos de referência significativos para especificação espacial.

Para Levinson (2007), a especificação de lugar poder ser feita relativamente aos objetos ou em relação aos participantes do evento discursivo. Para o autor “Em qualquer um dos casos,

é provável que unidades de medida ou descrições de direção e localização tenham de ser usadas, e, nesse caso, a dêixis de lugar acaba por interagir de maneira complexas com a organização não dêitica do espaço” Levinson (2007: 97). Apesar dessa relação da indicação dêitica de lugar e com a codificação linguística não dêitica de lugar, existem dêiticos de lugar que podem ser considerados puros, porque sempre indicam lugar, como é o caso dos advérbios de lugar aí, cá, aqui, ali e lá.

Macias (2002), estudou os dêiticos de lugar, estabelecendo uma distinção entre o sentido descritivo-referencial e o sentido pragmático. Para a autora, este último sentido não está ligado

à realidade a que remetem, mas ao uso que se faz deles no discurso, de modo que a compreensão desses locativos depende do reconhecimento da função pragmático-comunicativa no contexto da enunciação. A autora afirma, ainda, que a pluridimensionalidade funcional da linguagem também deve ser levada em conta, pois esse dêiticos só adquirem sentido no ato da enunciação.

Assim, esses itens linguísticos formam, segundo Macias (2002), um esquema, conforme suas

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características semânticas em referência a um sistema distal e proximal a partir de um centro dêitico, conforme mostra a figura___.

Figura __ in Macias (2002)

O esquema mostra que, a partir do centro dêiticos, referido pelos locativos cá e aqui, e onde está o falante, são estabelecidas as coordenadas de proximal e distal de localização dos objetos postos na interação de um evento de fala. Essa organização corresponde à situação canônica de Lyons e será importante para a análise da alternância do lá e do ali, como veremos mais tarde nesta tese. Nas subseções seguintes, apresento como esse fenômeno vem sendo tratado ao logo do das últimas décadas. Alerto, entretanto, não se trata de uma apresentação exaustiva. Meu objetivo é apenas situar meu trabalho na discussão geral da dêixis.

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2.4.2 A abordagem clássica da dêixis

A intenção desta seção é apresentar um breve resumo da abordagem tradicional da dêixis. Isso implica o reconhecimento da importância das contribuições desse enquadramento tanto na descrição mais precisa do que é o fenômeno da dêixis bem como a categorização dos itens linguísticos relacionados a ele. Desse modo, apresentarei as propriedades de dêixis que servem de ponto de partida para se aproximar desta operação linguística de modo geral e as propriedades específicas da dêixis espacial, apontando como sua organização e funcionamento.

Como se viu na seção anterior, a dêixis é um fenômeno que evidencia a relação da língua com o contexto. Essa natureza tem levado diferentes linguistas a atribuir a dêixis ao campo da

Pragmática. Obviamente, há questionamento quanto a essa exclusividade e há aqueles que apontam entrelaçamentos do fenômeno com o campo da Semântica. Lahud (1979) afirma que

“Graças ao exame de algumas teorias pronominais clássicas, pudemos apreender com clareza um primeiro aspecto fundamental da atual noção de dêixis: a saber, e segundo todos os autores que aqui serão estudados, sua natureza semântica (LAUHUD, 1979:65). Essa perspectiva trouxe, entretanto, diferentes dificuldades para o tratamento dos itens dêiticos, uma vez que a multiplicidade da noção de significação é em si mesma um problema a ser tratado.

Acrescida da abordagem semântica, que evidencia as questões existentes entre a significação e a referência, na segunda metade do século passado, houve um aumento dos estudos da dêixis e dos usos dos itens linguísticos que os falantes fazem dela. Coube, talvez, à gramatica histórica e aos estudos no campo da Etimologia o rastreamento do termo dêixis chegando à noção de apontar, tal como diz raiz grega. A partir dessa descoberta, o termo vem sendo tido e assumido como correspondente ao gesto de apontar, quando o falante deseja mostrar um objeto posto na comunicação face a face ao seu interlocutor.

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2.4.2.1 Karl Bühler

O conceito de dêixis tal como se conhece hoje se deve aos estudos sobre linguagem de

Bühler (1950). O pesquisador alemão desenvolveu uma teoria sobre a linguagem em que o universo significativo é dividido em dois campos: o simbólico e o mostrativo. O campo simbólico subsume as expressões ligadas ao ato de nomear, correspondendo a um sem números de itens lexicais que são, segundo o autor, referências estáveis. Os nomes, por exemplo, dentro dessa teoria, teriam a capacidade de caracterização de um objeto de modo a apreendê-lo no próprio fato de nomear. Por outro lado, o campo mostrativo acampa os itens linguísticos que apontam sem nomear. É o caso dos pronomes demonstrativos, cuja função é limitada ao ato de apontar objetos, pessoas, eventos, o que é a manifestação da dêixis. Tal estudo foi, portanto, fundamental para que a compreensão desse fenômeno.

A teoria de Bühler baseia-se no trabalho anterior de Karl Brugmann e outros pesquisadores neogramáticos que realizaram pesquisas comparativas sobre demonstrativos e outros dêiticos na família da língua indoeuropea. A pesquisa apontou que os pronomes demonstrativos apresentam uma fonte histórica que é comum para muitos marcadores gramaticais, incluindo pronomes pessoais, artigos definidos e vários tipos de sentença conectivos, entre eles, os pronomes relativos, complementadores, conjunções subordinadas, conjuntivas advérbios, correlativos, aos quais foi atribuído função de dêiticos espaciais.

Mais especificamente, o autor argumentou que os demonstrativos são como "ponteiros acústicos" ("lautliche fingerzeige") usados pelos falantes para chamar a atenção do destinatário para objetos e locais que circunscrevem a situação comunicativa, mas que também podem ser utilizada para funções internas de linguagem, a base para o seu desenvolvimento em pronomes, artigos e conjunções.

A partir dessa visão de dêixis e ação verbal, Bühler desenvolveu sua teoria dos dois campos de apontar e nomear, na qual os demonstrativos e outras expressões dêiticas são

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analisadas como um dos dois tipos básicos de signos linguísticos. O outro tipo inclui uma classe muito maior de itens, incluindo substantivos e verbos e todas as outras expressões lexicais, às quais a Bühler se referia como palavras de nomeação. Palavras dêiticas e palavras de nomeação são duas estritamente distintas classes de palavras pertencentes a "campos" separados, isto é, o campo dêitico, que é o contexto físico ou verbal de um evento de fala concreto, e o simbólico campo, que Bühler definiu como o ambiente semântico, cujas expressões linguísticas representam o conhecimento lexical.

Os dois campos determinam o significado de expressões linguísticas: o das expressões dêiticas é determinado por uma referência para apontar e o das expressões simbólicas é determinado por sua relação com outros itens no conhecimento linguístico do usuário da língua ou no próprio uso da linguagem, como, por exemplo, lexemas entre outros. Nesse sentido, dêixis (ou o ato de apontar) e nomear são dois atos separados para os quais a linguagem fornece dois tipos de signos que são estritamente distintos tanto funcional quanto historicamente. É interessante dizer que o autor apresenta o que ele chama de o mito da origem dos dêiticos em que os demonstrativos são acompanhados de gestos dêiticos e que, esse comportamento pode ser evidência de que a linguagem verbal evolui da comunicação gestual, o que explicaria a origem dos dêiticos.3 Mito ou não, os dados coletados para essa tese parecem indicar que uma diferença entre o uso do lá e do ali é que este último pode vir acompanhado do gesto, como veremos no capítulo de análise dos dados.

Bühler (1934) não postulou a existência de uma classe de marcadores gramatical, porque, para o linguista, as funções comunicativas dessas palavras estão relacionadas aos campos dêiticos e simbólicos, de modo que os pronomes, artigos, e outros marcadores

3 Essa afirmação vem dos estudos de Wegener e Brumann, citados pelo autor ao longo do capítulo El campo mostrativo del linguaje y los demonstrativos. Esse capítulo pode ser encontrado no livro Teoria del linguaje, página 95.

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gramaticais podem ser incluídos em qualquer um dos campos. Na teoria do pesquisador, as classes de palavras gramaticais têm importância secundária, porque são relativamente recentes na língua e apresentam variações entre os diferentes idiomas. A classificação das palavras de acordo com a suas funções comunicativas, ou seja, a divisão entre dêiticos e símbolos, é mais importante para a organização global da linguagem (cf. Bühler 1934: 83-6). Assim, Bühler defendia que marcadores gramaticais são funcionalmente (e diacronicamente) relacionados a dêiticos e símbolos, ele os incluiu na classe de expressões dêiticas e simbólicas.

Na linguística moderna, as palavras são primeiramente analisadas em termos de sua e propriedades sintáticas, levando à sua classificação como substantivos, pronomes, e preposições, que a maioria dos linguistas considera básicas para a análise de o sistema linguístico. No quadro de Bühler, por outro lado, as classes de palavras gramaticais são apenas de importância secundária; eles são devido ao histórico relativamente recente desenvolvimentos e variam entre os idiomas. Primária e mais importante para a organização global da linguagem

é a classificação das palavras de acordo com a suas funções comunicativas, ou seja, a divisão entre dêiticos e símbolos, que, segundo Bühler, é provável que seja universal e mais antiga do que a distinção entre categorias gramaticais (cf. Bühler 1934: 83-6). Agora, desde que Bühler acreditava que marcadores gramaticais são funcionalmente (e diacronicamente) relacionados a dêiticos e símbolos, ele os incluiu na classe de expressões dêiticas e simbólicas.

De acordo com essa visão, Bühler enfatizou que a noção de dêixis não deve ser confundida com o do pronome. Embora os demonstrativos sejam frequentemente usados como pronomes (ou artigos), eles não são pronomes por definição. De fato, Bühler afirmou que "sinais dêiticos puros" são partículas, ou seja, palavras não flexionadas sem função sintática específica.

Naturalmente, a maioria das expressões dêiticas pertencem a uma classe, são pronomes, artigos ou conjunções.

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Bühler argumentou que "dêiticos puros" são partículas e que os pronomes e artigos demonstrativos são "formas mistas", exibindo características de ambos os campos dêiticos e simbólicos: de um lado, pronomes demonstrativos / artigos servem para apontar funções como partículas dêiticas. Argumentou, ainda, que dêiticos puros são partículas e que os pronomes e artigos demonstrativos são "formas mistas", exibindo características de ambos os campos dêiticos e simbólicos: de um lado, pronomes demonstrativos e artigos servem para apontar funções como partículas dêiticas; mas, por outro lado, tais palavras apresentam características semânticas e morfossintáticas que caracterizá-los como termos simbólicos. Entretanto, os pronomes, os artigos, e as conjunções perderam o status de dêiticos puros e adotaram novas funções simbólicas, indicando, por exemplo, gênero e contrastes numéricos ou semântico relações entre cláusulas. Mesmo assim, de acordo com Bühler todas essas palavras preservaram sua função de apontar original, que agora está confundida com funções do campo simbólico.

O que é essencial para o desenvolvimento diacrônico dos demonstrativos em morfemas gramaticais é o surgimento de novos usos dêiticos ou modos de apontar. Em seu uso básico, expressões dêiticas referem-se a coisas ou eventos na situação em torno do orador e destinatário.

Karl Bühler descreve três tipos de dêixis. Elas são, na verdade, delineadas a partir das modalidades recorrentemente da literatura sobre o tema:

1. Dêixis indicial. Chamado de dêixis ad oculos ou dêixis exofórica, essa modalidade

acontece quando o contexto comunicativo é partilhado pelos interlocutores de modo

que a referência dêitica pode ser facilmente recuperada. Exemplo: Mas ah, olhe, aqui

está outra também.

2. Dêixis textual, também chamada de dêixis anafórica ou endofórica ou, ainda dêixis

discursiva, acontece quando a expressão dêitica faz referência a um segmento

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discurso já citado anteriormente, no caso da anáfora, ou posteriormente, no caso da

catáfora. Exemplo: Ora, mas isto, pouca gente lá vai, a Marvão.

3. Dêixis transposta, nomeada por alguns autores como dêixis fantasma ou dêixis

projetada. Esse tipo de dêixis acontece quando a memória dos interlocutores é

invocada para recuperação do dêitico. Exemplo: Morava ali na rua ao pé do outeiro

do lagar, naquela rua como rompe a casa de uma parede (…).

Este último uso está intimamente relacionado com a demonstratio ad oculos. A principal diferença é que o uso de expressões dêiticas fantasma não envolve a situação de fala física

(como a manifestação ad oculus), mas uma situação imaginária criada pelo discurso em curso.

Em ambos os usos, expressões dêiticas estão ancoradas no centro, que Bühler caracterizou como o centro de um sistema de coordenadas envolvendo três dimensões: espaço, tempo e pessoa. Para cada dimensão, há termos dêiticos específicos: aqui e ali, e dêiticos de pessoa, como os pronomes eu e você s (cf. Bühler 1934: 102). No demonstratio ad óculos, o centro dêiticos é geralmente associado à localização do locutor no momento da emissão e no uso de expressões dêiticas fantasmas, o centro é transferido para um imaginário observador no discurso.

O autor, entretanto, unifica esses três tipos de dêixis de acordo com Bühler (apud

CARVALHO, 1979), que, por seu turno, englobou aquelas três tipologias de dêixis em uma denominada topomnéstica. Para o autor, o corpo do falante é o centro do que ele chama de espaço enunciativo. Este ponto de referência para interpretação dêitica. O autor assume também que esse ponto de referência pode ser outro elemento do evento de fala. Percebe-se, então, que aí está o embrião para o que se discutirá mais tarde como centro dêitico e as possibilidades de

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mudança. A partir dessas postulações, o autor estuda os pronomes demonstrativos e pessoais a fim de compreender seu comportamento no campo mostrativo da linguagem.

2.4.2.2. Émile Benveniste

Émille Benveniste, o linguista de linhagem estruturalista, postulou uma linguística da enunciação em que aborda a presença do homem na linguagem. Fez estudos bastante detalhados dos pronomes e tomou a subjetividade como ponto de partida para o estudo da língua. Segundo a proposta benvenistiana, num evento comunicativo, o falante se apropria da língua ao definir- se por sujeito do seu discurso. O autor elege o discurso como a realidade em que esses pronomes fazem referência como marca da presença do sujeito na linguagem.

O linguista afirma que os objetos postos no evento comunicativo giram em torno do enunciador, a partir do qual é possível a referência discursiva a possibilidade de interpretação dos elementos dêiticos empregados pelos interlocutores num terminado lugar e tempo. Para

Benveniste, a utilização das formas dêiticas pelo falante que toma a si mesmo como o centro representam a subjetividade no enunciado. A relação entre pronome e subjetividade reside no fato de o pronome evidenciar da subjetividade na linguagem, como se pode ler

poremos em evidência a sua relação com o eu definindo-os: aqui e agora delimitam a instância espacial e temporal coextensiva e contemporânea da presente instância de discurso que contém eu. Essa série não se limita a aqui e agora: é acrescida de grande número de temos simples ou complexos que procedem da mesma relação: hoje, ontem, amanhã, em três dias, etc. (BENVENISTE, 1995: 279).

Assim, Benveniste encampou um estudo detalhado dos pronomes e, como ponto fundamental de suas proposições, estabeleceu que os pronomes eu e tu são marcas de

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subjetividade na linguagem. Tais pronomes apresentam noções distintas relativas aos efeitos da marca de subjetividade, por um lado, e, por outro lado, mas apresentam traços comuns que os afastam semanticamente pronome de terceira pessoa ele.

As semelhanças estão ligadas à participação desses pronomes no evento discursivo, fazendo referência aos interlocutores e à sua reversibilidade, ou seja, os interlocutores podem trocar entre si os papeis de falante e ouvinte. Essas duas características não são compartilhadas pelo pronome ele, que é referência a uma pessoa ou objeto não participante imediato no evento discursivo.

O corolário dessa relação é que os pronomes, na abordagem de Benveniste (1966), são concebidos como elementos do discurso e não apenas como elementos da língua. Para o linguista, os itens dêiticos são signos que constituem a enunciação, pois codificam o eu, o tu, o lugar e o tempo do evento de fala. Embora ele não trate das tipologias da dêixis, Benveniste contribui com a ampliação dos estudos do fenômeno dêitico. O linguista afirma que os dêiticos são signo linguísticos que só admitem descrição com referência ao seu emprego pelo falante, ou seja, não são palavras que podem se descritas a despeito do uso do momento de fala. Desse modo, o autor reafirma a que os dêiticos revelam a relação entre o enunciado e enunciação.

2.4.2.3 Stephen C. Levinson

Levinson (2007) discute a natureza das expressões dêiticas e sua relação com o contexto.

O autor reconhece que a dêixis, por suas diferentes facetas presentes nas línguas naturais, é parte essencial da semântica, embora reconheça que há aspectos da dêixis que só podem ser percebidos no domínio da Pragmática (LEVINSON, 2007, p. 66). O autor apresenta os diferentes tipos de dêixis a partir dos elementos centrais falante – tempo da fala – e lugar da fala. Em relação à dêixis de lugar o autor diz que

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A dêixis de lugar diz respeito à codificação das localizações relativamente à localização dos participantes do acontecimento discursivo. Provavelmente, a maioria das línguas gramaticaliza pelo menos uma distinção entre proximal (ou perto do falante) e distal (ou não proximal, às vezes perto do destinatário), mas muitas fazem distinção muito mais elaboradas. (LEVINSON, 2007, p. 75, grifo do autor).

A distinção proximal-distal, que interessa bastante à minha tese, é codificada, segundo o autor, nos demonstrativos, como este versus aquele ou nos advérbios de lugar, como aqui em oposição ao lá. Como a Dêixis é organizada de maneira egocêntrica, seus pontos de ancoragem constituem o centro dêitico configurado pelos elementos do evento comunicativos. A respeito das diferentes possibilidades de ancoragem encontradas nas línguas naturais, o autor reconhece também a possibilidade deslocamento desse centro do falante para outros elementos do evento discursivo.

Levinson (2007) afirma que as expressões dêiticas se referem a unidades linguísticas ou morfemas para quais o uso dêitico é básico ou central em contraposição às demais expressões que não podem exercer essa função. Para Lyons, o aspecto central do conceito de dêixis é o que o linguista chama de situação canônica de enunciação que é basicamente egocêntrica.

Para o autor, "O orador está no ponto zero das coordenadas espaço-temporais do dêitico contexto ". Tal cena pode ser organizada a partir de dois eixos: um para o tempo e um para espaço, com o falante no ponto de intersecção. As localizações dos objetos nos enunciados são relativas ao falante, mas esse centro dêitico muda constantemente, porque os participantes de um evento comunicativo se alternam no papel de falante e ouvinte. Como o evento de fala é dinâmico, é possível que o falante relacione locais para alguém ou algo diferente de si mesmo, considerando o posicionamento do outro, todavia esta mudança de centro dêitico deve ser especificada discurso.

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Diante do que se leu nesta seção, a grande contribuição dos estudos clássicos da dêixis pode ser aferida pela maior precisão da descrição do fenômeno e do reconhecimento como uma operação linguística que codifica ou gramaticaliza aspectos do entorno dos aspectos físicos e sociais dos interactantes do evento discursivo, tornando-os assim acessíveis para a interpretação no memento mesmo da interação. Na próxima seção, apresentarei a abordagem cognitivista da dêixis.

2.4.3 A abordagem cognitivista da Dêixis

Um aspecto não considerado na abordagem clássica da dêixis é heterogeneidade de ocorrências do fenômeno dêitico. Essa multiplicidade de manifestação está diretamente ligada

à criatividade humana no uso da linguagem para o atendimento de suas necessidades comunicativas. Obviamente, o tratamento clássico da dêixis cumpriu o importante papel da sua descrição e da sua elevação ao status de objeto relevante das investigações linguísticas.

Entretanto, não por deficiência, mas por questão de aparato teórico, essa abordagem não pôde dar conta das ocorrências não prototípicas da dêixis. Nesta seção, apresentarei o tratamento da dêixis por duas autoras cognitivistas, a saber, Rubba (1996) e Marmaridou (2000), que partindo dos pressupostos teóricos e epistemológicos da Linguística Cognitiva, puderam explicar mais detalhadamente casos não prototípicos da dêixis.

Desenvolvida na efervescência dos anos setenta do século passado pelo linguista Gilles

Fouconnier, a Teoria dos Espaços Mentais, cujo modelo foi apresentado de forma completa no

Mental Spaces: aspectos of meaning construction in natural language, publicado em 1985, ofereceu explicações consistentes – e elegantes – para problemas linguísticos de referência, mas notadamente a ambiguidade, que as semânticas formais não conseguiam resolver. A teoria abriu

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a possibilidade de tratamento para muitos problemas de ordem semântica e pragmática, entre eles os problemas de interpretação da dêixis.

Jo Rubba (1996) explica a interpretação da referência dêitica que não pode ser compreendida considerando o evento de fala imediato onde estão os interactantes. Com base na

Teoria dos Espaços Mentais de Fauconnier, associada à noção de Modelo Cognitivo Idealizado, de Lakoff (1987), a autora desenvolveu a teoria de ground alternativo para explicar ocorrências como a do exemplo:

Exemplo 2:

─ Eu disse: o que estou fazendo aqui?4

A única possibilidade de compreensão do dêitico aqui é considerar que ele faz referência a um domínio diferente do ground imediato onde estão os interlocutores. Para a explicação desse tipo de ocorrência, Rubba lança mão do conceito langackeano de ground, conceito que diz respeito ao evento discursivo em toda a sua configuração de tempo, espaço e interlocutores.

A partir daí a autora estabelece a existência de um ground alternativo ao ground imediato, tornando possível a explicação da compreensão do aqui do Exemplo 2. A autora assume que a noção de Ground Alternativo não é nova. Segundo ela, Fillmore e Talmy já havia intuitivamente dado o conceito em 1941 e 1986, respectivamente. Para a autora, o

resultado dessas análises por diferentes estudiosos é que o ponto de vista - o ponto de referência - é deslocado do ground default, que é a situação atual da fala, e um ground alternativo é adotado e dentro do qual o ponto de referência de um dêitico dado é localizado. A teoria dos espaços mentais fornece um conjunto de construções e princípios teóricos que podem ser usados para descrever esse fenômeno. (RUBBA, 1996, p. 230, tradução minha5).

4 Esse exemplo retirei oportunamente de um relato oral de um aluno de curso preparatório para bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. 5 The upshot of these analyses by differente scholars is that the viewpont - the reference point - is displaced or shifted away fron the default ground, which is the actual speech situation, and an alternate ground is adopte within which the reference point for a given deictic is located. Mental space theory provides a set of teroretical constructs and principles which can be used to describe this phenomenon.

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A figura abaixo é uma representação do ground default estabelecido por Rubba. A figura apresenta todos os elementos do evento discursivo em que F é o falante, O é o ouvinte, x e y indicam a relação de distância, LOC é um espaço específico, t é a informação de tempo e a esfera é a própria situação de fala que subsume todos esses outros elementos.

Figura 9: Representação do ground default estabelecido por Rubba (1996).

Para a autora, o ground alternativo assume todo ou parte do ground default como ponto de partida do processo de compreensão de uma expressão dêitica em uso não prototípico. É interessante notar que as propriedades semânticas da dêixis são mantidas no ground alternativo.

Por exemplo, as relações de proximidade e distância são preservadas em consideração a algum ponto de referência nesse mundo alternativo.

Contudo, Rubba (1996), alerta que os dêiticos têm uma alta flexibilidade de significado, pois são termos cuja esquematicidade de sentido permitem que se referiram a referentes diferentes em mesmo evento comunicativo, o que pode dificultar a compreensão do ouvinte caso este não está muito envolvido no contexto interativo.

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Ao apresentar os fatores para a interpretação dos dêiticos, Rubba (1996, p. 228, tradução minha) apresenta o seguinte exemplo: “Estou cansada deste lugar”6. A frase dita inesperadamente por um estudante de pós-graduação que caminha pelo campus da universidade pode complicar a compreensão do ouvinte que pode interpretar a expressão dêitica deste lugar que pode, entre outras interpretações, considerar o lugar imediato onde estão passeando ou a universidade como espaço não desejado e abstrato ou, numa interpretação mais amplo, a cidade ou país onde estão.

Caberá ao ouvinte buscar a interpretação mais adequada. Rubba (1996), então, descreve três fatores que estão envolvidos na interpretação das expressões dêiticos, que dada sua importância, vale a pena a longa citação:

Em muitos casos, se não na maioria, o tema ou domínio do discurso serve para restringir o campo de candidatos o suficiente para que o ouvinte possa escolher um deles. Assim, um segundo fator na interpretação de dêiticos é a limitação de referências de candidatos pelo tópico ou domínio de discussão. Por exemplo, se o enunciado “Eu estou cansado deste lugar” for proferido no final de uma discussão longa sobre o departamento dos estudantes, os rigores do programa de pós-graduação, as indignidades do trabalho de graduação, etc., o ouvinte ficaria satisfeito em concluir que a universidade como um local abstrato é o referente que o falante tinha em mente. Se, no entanto, a conversa anterior está tematiza o clima quente, engarrafamentos, falta geral de eventos de interesse cultural, e assim por diante, da cidade universitária, o lugar onde estão os interlocutores é o candidato mais provável como referente adequado. Com um contexto suficiente, o ouvinte é poupado um bom trabalho ao encontrar um referente, porque um dos candidatos foi preparado pela conversa anterior. Um terceiro recurso disponível para a determinação de referentes adequados é o uso convencional de um dêitico que são conversacionais para o idioma em questão7. (RUBBA, 1996, p. 229, tradução minha).

6 O exemplo original é I'm tired of thes place, (RUBA, 1996, p. 228). 7 In many, if not most, cases, the discurses topic or domain serves to narrow the field of candidates enough so that the hearer can assume one of the candidates. Thus a second factor in the interpretation of deictics is the limitation of candidate refentes by the discouse topic or domain. So, for example, if the utterance in (2) is uttered toward the end of a long diatribe against the students' departament, the rigors of graduate program, the indignities of graduate studant labor, etc., the hearer would feel satisfied in concluding that the university as an abstract location is the referent that the speaker had in mind. If, however, the preceding conversation concerned the hot weather, traffic jams, general lack of events of cultural interest, and so on, of the university town, the hearer may feel town is the most suitable referent. With sufficient context, the hearer is spared a good deal of work in finding a referente, because one of the candidates has been primed by the foregoing conversation. A third resource

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Desse modo, o contexto do evento de fala fornece informações suficientes para limitar a interpretação do dêitico por parte do ouvinte, que passa a ter condições de, apesar das possibilidades de interpretação, reduzir a lista e escolher o referente mais adequado para a situação.

No mesmo trato cognitivo, Sophia S. A Marmaridou (2000) dedica o capítulo três de seu livro Pragmatic Meaning and Cognition à Dêixis. A autora questiona o conceito do fenômeno e sua tipologia tradicional como não sendo capaz de explicar os casos que se afastam do ground default. Assim, Marmaridou, retomando o trabalho de Rubba, propõe que existe um modelo cognitivo idealizado para a dêixis o que explicaria os casos prototípicos.

Apoiada na teoria dos protótipos, inicialmente postulada por Rosch em 1975, e nos achados teóricos de Lakoff (1987) sobre a noção de Modelo Cognitivo Idealizado (MCI),

Marmaridou propõe novas categorias que ampliam o conceito tradicional de modo a abarcar os casos menos evidentes de dêixis. Desse modo, a autor apresenta três problemas da análise tradicional da dêixis:

1) A distinção entre a dêixis de pessoa e a dêixis social. Para Marmaridou, essa separação é equivocada uma vez que as duas situam o sujeito da fala no evento comunicativo.

2) A não consideração da dêixis de lugar como sendo mais básica que a dêixis de tempo, que ocorre, na visão da autora, por conceptualização da Dêixis por meio de mapeamentos entre domínios.

avaliable for the determination of suitable referents is the extended use of deictics that are conversational for the language in question. (RUBBA, 1996, p. 229).

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3) A classificação rígida dos itens lexicais e usos dêiticos teriam como efeito a exclusão de outros itens linguísticos ou usos menos evidentes de dêixis.

A conceptulização da dêixis por meio da noção de um MCI da dêixis explicaria, além dos casos prototípicos, aqueles casos ambíguos, uma vez que esse modelo estrutura uma categoria que apresenta um protótipo a partir do qual outros casos podem ser reconhecidos.

Além disso, a autora defende que o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA estrutura a dêixis. Segundo ela, esse esquema se estrutura fundamentalmente pela egocentricidade, pois todos os tipos de dêixis estão relacionados à tomada do falante como ponto de referência – centro dêitico - do evento de fala. (Cf. MARMARIDOU, 2000, p. 70).

Como se viu nesta seção, as abordagens cognitivistas das duas autoras apresentadas acimas ampliaram a compreensão da dêixis, de modo que o fenômeno pôde ser melhor observado na prática discursiva. É bom notar, entretanto, que a noção de ground alternativo não explica a alternância dos locativos lá e ali, uma vez que, como veremos no capítulo de análise dos dados, mesmo na troca de um pelo outro o lugar onde se encontra o objeto da atenção continua o mesmo. Todavia, oferece a possibilidade de que a alternância é uma faceta da dêixis, como veremos no capítulo de análise.

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CAPÍTULO 3

REVISÃO DA LITERATURA

As formas atuais lá e ali da Língua Portuguesa são resultados de um longo processo de transformações fonéticas, os metaplasmos, das formas latinas ad illac e ad illic, respectivamente (CAMARA JR., 1975). Apesar de as duas serem formas foneticamente distintas, elas guardam o mesmo significado de ‘naquele lugar’, especificando um lugar distante do interlocutor. Entretanto, essa sinonímia aguarda alguma diferenciação no uso linguístico.

Neste capítulo, apresento, em linhas gerais, o tratamento que esses dêiticos receberam em pelo menos duas vertentes: a da gramática normativa e a da descrição linguística.

Na primeira seção, apresento como a tradição gramatical trata esses locativos. Essa abordagem é aqui representada pelas gramáticas normativas da língua portuguesa de Almeida

(2005), Azeredo (2008), Cegalla (2008), Rocha Lima (2010), Bechara (2011), Cunha e Cintra

(2013). Como se sabe, a gramática normativa, como a própria especificação do adjetivo já aponta, não tem como meta principal a descrição do uso linguístico – pelo menos não em todas as variantes da língua – mas, ao normatizar o uso desses dêiticos na chamada modalidade culta da Língua Portuguesa, deixa entrever, na prescrição normativa, características importantes da semântica desses itens linguísticos.

Na segunda seção, é apresentada a abordagem da descrição linguística, aqui representada pelos estudos de Pontes (1992), Moura Neves (2000, 2002 e 2014) e Raposo e colegas (2013). Essa abordagem está voltada para a descrição dos usos linguísticos para além do que se prevê na variante de prestígio da Língua. Dela, poderei extrair, mais especificamente, as diferentes estratégias de emprego dos locativos lá e ali já identificadas por tais estudos.

Por fim, na terceira seção, apresento a abordagem semântico-pragmática desses locativos encontrada nas pesquisas de Macias (2008), Teixeira (2005), Pereira (2009) e de

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Oliveira (2011). Esse tratamento inaugura a percepção de que há processos cognitivos complexos envolvidos nos usos linguísticos. No concernente ao lá e ao ali, essa abordagem pode revelar como esses locativos representam a como a Língua Portuguesa gramaticaliza a noção de espaço.

Assim, além da exposição do tratamento dado aos dêiticos lá e ali na Língua Portuguesa nas diferentes vertentes de estudos gramaticais e linguísticos, o objetivo mais atrelado à investigação desta tese é identificar os parâmetros semânticos e pragmáticos que norteiam o uso desses locativos.

3.1 Entrando na conversa sobre a representação linguística do espaço

A indicação de lugar em língua portuguesa é atualizada em sintagmas preposicionados

[prep. N] ou por itens linguísticos como aqui, acolá, alhures, aí, lá, etc. Tais expressões são classificadas como advérbios, no caso desses últimos, ou como expressões de valor adverbial, no caso dos primeiros. Esta classe é definida principalmente por sua incapacidade de flexão de gênero e número e por tomar como escopo o verbo8 com função de adjunto.

Para fins de delimitação da investigação desta tese, abordarei somente os locativos expressos por meio de uma só palavra, os quais as gramáticas normativas classificam como advérbio de lugar e, mais precisamente, perscrutarei apenas o tratamento que as gramáticas normativas dão aos locativos lá e ali, objetos de minha atenção nesta investigação.

Minha opção se justifica porque os sintagmas preposicionados de caráter locativo circunscrevem especificações de lugar que os locativos de uma palavra só não conseguem

8 Os chamados advérbios de intensidade podem se relacionar também com o adjetivo ou com o próprio advérbio. Essa propriedade de natureza distribucional – e também a de natureza semântica – é o que perturba a delimitação precisa da classe do advérbio como pode imaginar o leitor das gramáticas normativas.

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expressar, como a indicação de nome de lugar em oposição à informação genérica de locativos como lá e ali, como se pode observar no Exemplo 1a e 1b:

Exemplo 1:

(a) A minha prima está em São Paulo. (b) Olha para lá e verá o rapaz sobre o qual te falei.

Como se pode notar, a diferença das duas maneiras de referência é que a indicação de espaço por meio de palavras como cá, aqui, lá, ali, etc. depende do rastreamento de aspectos circunstanciais do evento de fala, o que os caracteriza como elementos dêiticos. Uma abordagem cognitivista dos dêiticos lá e ali no português brasileiro falado demanda a determinação de categorias não consideradas no tratamento tradicional desses itens linguísticos, como a possibilidade de alternância de uso de um no lugar onde o outro prototipicamente deveria ser empregado.

Considerá-los advérbios de lugar que expressam a ideia de mais distante e menos distante, como normalmente estão registrados nos compêndios gramaticais brasileiros, oblitera a complexidade dos processos cognitivos arrolados na conceptualização do espaço em português brasileiro e diz apenas sobre uma parte de sua semântica. Tal abordagem dificulta a percepção dos fatores pragmáticos que estão na motivação da escolha de um ou de outro locativo, fatores especialmente importantes para esta investigação.

3.2 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens gramaticais

Nesta seção, apresentaremos o tratamento que os principais compêndios gramaticais em circulação nas escolas dão aos locativos. Foram analisadas as gramáticas de Almeida (2005),

Azeredo (2008), Cegalla (2008), Bechara (2009), Lima (2010), Celso e Cunha (2013). O inventário de itens que semanticamente realizam linguisticamente a noção espacial em língua

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portuguesa expresso em uma só palavra é relativamente curto. De modo geral, as gramáticas normativas dispensam pouco espaço para os locativos, citando-os apenas em listas finitas no

Exemplo 2.

aqui, antes, dentro, ali, adiante, fora, acolá, atrás, além, lá, detrás, aquém, cá, acima, perto, aí, abaixo, onde, aonde, longe, debaixo, algures, defronte, nenhures.

O efeito dessa apresentação tão sucinta é a ilusão de que todos esses locativos desempenham o mesmo papel no uso linguístico. Se, por um lado, há concordância nos diferentes compêndios gramaticais que a subcategoria semântica de lugar pode abarcar todos os locativos apresentados no Exemplo 2, por outro lado, na gramática descritiva, há ruptura desse tratamento homogeneizado, quando se reconhece que a indicação do lugar se dá de formas diferentes. Veremos como se dá isso na seção seguinte.

Consensualmente, os dêiticos locativos lá e ali são inventariados como pertencentes à subcategoria dos chamados advérbios circunstanciais de lugar. Em Bechara (2009) e Cunha e

Cintra (2013), são indicados numa lista relativamente curta de outros locativos sem apontamento distintivo de nenhuma natureza no concernente ao seu uso. Bechara (2009) explica que os aspectos semânticos e funcionais são determinantes para o estudo dos advérbios. Mesmo assim, só apresenta as subcategorias semânticas e dentre elas a de lugar. É em Bechara que se pode encontrar a subclassificação dos locativos lá e ali em pronominais demonstrativos sem, no entanto, explicar as consequências dessa classificação para a análise gramatical. Para o autor, “O advérbio, pela sua origem e significação, se prende a nomes e ou pronomes, havendo, por isso, advérbios nominais e pronominais. (BECHARA, 2009, p. 293).

Os compêndios gramaticais assinados por Cegalla (2008) e Rocha Lima (2010) apresentam uma subseção denominada emprego dos advérbios de lugar. Nessa subseção, apontam o uso normativo apenas de alguns desses itens da categoria. Esses gramáticos não

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fazem menção ao uso do lá e do ali, não abordando, portanto, a distinção semântica entre eles.

A não consideração deles aponta para a ideia de que esses locativos não apresentam problemas no uso.

Almeida (2005) avança um pouco na tentativa de normatizar o emprego dos locativos em tela.

Aqui, aí e ali são advérbios demonstrativos de lugar, relacionando-se aqui com a 1ª pessoa (neste lugar), aí com a 2ª (nesse lugar) e ali com a 3ª pessoa (naquele lugar). Não devemos esquecer-nos de que aqui corresponde ao demonstrativo este, aí a esse, ali e lá a aquele. Não se deve dizer “Estive em Paris e vi lá muitas coisas”; o certo é “...vi aí”, portanto o advérbio não se relaciona coma distância geográfica da cidade visitada, mas com a palavra já citada... (ALMEIDA, 2005, p. 317, nota 5).

O gramático associa os locativos em tela ao pronome aquele, denotador da 3º pessoa do discurso, associação também partilhada por Azeredo (2008)9. Está associação indica que tanto o lá quanto o ali se referem a um lugar distante do evento de fala onde estão situados o falante e seu ouvinte. Destarte, o gramático modifica o valor semântico genérico de lugar para a especificação semântica de lugar distante do evento de fala.

Em relação a diferença entre o lá e o ali, Almeida (2005, p. 317) apresenta a diferença semântica entre os dois locativos na nota seis de sua gramática, onde ele explica que “o lá e o acolá indicam maior afastamento do que ali”. O gramático dá um passo significativo na descrição dos itens dêiticos em tela ao mostrar que há uma gradualidade na distância do evento de fala.

Uma outra abordagem pode ser encontrada num site português de tira-dúvidas sobre gramática10. No site, há a explicação de que tais locativos são sinônimos e estão associados à

9 Azeredo não apresenta estudo propriamente dito, apenas distribui o lá e ali numa tabela de apresentação dos pronomes demonstrativos, momento em que associa os locativos ao pronome de terceira pessoa aquele. (AZEREDO 2008. p. 178). 10 O site foi idealizado pelo jornalista José Mário Costa. Após sua morte é mantido por João Carreira Bom: http://www.ciberduvidas.com/index.php.

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expressão naquele lugar, especificando um lugar, afastado do evento de fala, o que está em consonância com o que o que diz a gramática brasileira. Todavia, o site acrescenta que o locativo dêitico ali delineia semanticamente uma proximidade maior dos interlocutores ou mesmo um lugar distante que é visível. O lá, em contrapartida, indica um lugar fora do alcance da vista. Aparece, então, o critério visibilidade como fator da semântica dos locativos em tela.

Como se pode notar no resumido passeio realizado até aqui, os compêndios de gramática normativa dedicam pouco espaço para estudo do advérbio. Isso implica a homogeneização do comportamento semântico dos locativos dêiticos em tela. A maior consequência é a não distinção dos diferentes usos que se pode fazer dessas palavras. Entretanto, a abordagem apresentada acima permite a identificação de dois critérios importantes para a análise desses locativos: o critério distância, que está na base da organização do sistema espacial a partir do lugar onde estão os interlocutores, e o critério visibilidade, que compõe a semântica dos locativos lá e ali e pode ser utilizado como fator distintivo na operação cognitiva de escolha de um e outro. Esse critério será melhor explicado mais adiante nesta tese.

O problema da alternância desses locativos persiste, porquanto a ideia de distância associada aos dois itens lexicais não apontar parâmetros suficientes para a descrição do processamento cognitivo de escolha, por parte do falante, de um locativo em detrimento do outro em um contexto linguístico real. Além disso, a questão mais importante a se observar no tratamento dado pela tradição gramatical é a visão objetivista dessa distância que subjaz à análise apresentada. No caso em tela, o lá e o ali correspondem à organização dos objetos no mundo distante do falante. Tal tratamento não oferece, portanto, parâmetros para a compreensão da alternância de uso desses locativos.

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3.3 Os dêiticos locativos lá e ali nas abordagens de cunho linguístico

As abordagens de caráter mais preocupado com descrição da língua portuguesa em uso apresentam, no concernente aos locativos lá e ali, continuidades com tratamento mais tradicional do tema. Assim, a subcategorização em locativos exclusivamente de lugar e o critério distância são mantidos como aspectos relevantes da semântica dos dois itens lexicais.

Contudo, importantes rupturas apontam outras características semânticas que corroboram com a descrição completa dos dêiticos em tela. Essa segunda abordagem será aqui representada pelos estudos de Pontes (1992), Moura Neves (2000, 2002 e 2014) e Raposo e colegas (2013).

Eunice Pontes (PONTES, 1992) fez um estudo bem aprofundado da caracterização de espaço no português brasileiro. De cunhos essencialmente semântico, a autora examina preposições, advérbios de lugar, demonstrativos e locuções adverbiais e prepositivas que estejam ligados à codificação do espaço (e também do tempo) pela Língua Portuguesa. A fim de verificar como são as oposições dos elementos da categoria espaço, a autora diz que deseja investigar como “o espaço é pensado e organizado.” Para iniciar a discussão, a autora apresenta os seguintes exemplos:

Exemplo 3:

a) Nasci lá em Minas Gerais. b) Fui buscar lá no passado minhas lembranças.

Para Pontes, o locativo lá presente na sentença a) é expressão de lugar ao passo que o em b) ele expressa metaforicamente tempo. Interessa-me, o que ela diz sobre o lá de expressão espacial.

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Por exemplo, nas sentenças citadas antes, o advérbio lá indica o espaço relativo ao lugar do falante. Deduz-se que o falante, na primeira, não está me Minas Gerais e o este estado fica longe de onde ele está. (PONTES, 1992, p. 8).

Após deslindar problemas de ordem sintática, a autora aponta que o locativo lá expressa um lugar diferente de onde está o falante, ressaltando novamente o critério distância. A partir dos advérbios de lugar aqui, aí, ali, lá e cá, a autora conclui que a situação de comunicação é o ponto de referência para o emprego desses elementos, em que o aqui e cá significam espaço perto do falante, aí perto do ouvinte, ali um pouco distante do falante e do ouvinte e o lá longe do falante e do ouvinte.

Nesse ponto, a autora apresenta uma importante contribuição para a descrição dos locativos lá e ali. Como se viu na primeira seção deste capítulo, a abordagem gramatical tradicional atribuiu distância aos dois elementos dêiticos sem, contudo, apresentar distinção de uso entre eles. Ao contrário, Pontes (1992) apresenta a importante característica da semântica dos dois itens lexicais: longe para o lá e um pouco distante para o ali. Para discutir esse aspecto, a autora apresenta o Exemplo 4:

a) Lá em Minas gerais o povo é fechado. b) Onde está o ferro de passar? – Lá no quarto. c) Aqui/Ali em casa está tudo bem. d) Aí/Ali em casa está fazendo frio?

O lá presente no exemplo 4a indica uma longa distância em oposição ao lugar onde está o falante e o ouvinte, ideia que se mantém em 4b, mesmo o quarto estando muito mais perto que Minas Gerais. Para a autora, para que o uso do ali faça sentido no exemplo 4c e 4d, é necessário que o falante não esteja em casa, mas perto da casa. O uso do aqui e do aí se opõe pela proximidade do falante e do ouvinte, respectivamente, ao passo que o ali opõe-se ao aqui por referir-se a mais perto, outro a menos perto. Para Pontes, “É uma questão de gradação.

Trata-se de um continuum em que a relação de contiguidade é maior com aqui e menor com

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ali. Está gradação se completa com lá. (Cf. PONTES,1992, p. 13). A representação gráfica abaixo expressa a ideia da autora:

Figura 12: Diagrama representativo do uso do aqui, do lá e do ali, de acordo com a proximidade do falante/ouvinte.

A distribuição da autora faz sentido, pois respeita o princípio universal de que a uma língua não oferece duas formas linguísticas para expressar exatamente o mesmo significado.

Pontes admite, ainda, que

é óbvio que as distâncias referidas são todas relativas, porque lá (como aqui, aí), pode se referir ao quarto distante do falante, mas na mesma casa, ou a outra cidade, outro país, outro planeta. O que importante é o distanciamento. O contexto é que condiciona: uma pessoa que está em Belo Horizonte não pode falar lá (ali, aí) em Belo Horizonte. (PONTES, 1992).

Essa relatividade da distância é uma percepção importante para minha investigação nesta tese, como se verá no próximo capítulo. A autora apresenta, ainda, a associação desses elementos dêiticos com as pessoas do discurso. No que diz respeito ao lá e ao ali, a autora associa à terceira pessoa gramatical, conforme mostra o quadro abaixo.

Quadro 1: Associação do lá e do ali às pessoas gramaticais.

Distância Pessoa 1ª 2ª 3ª 1 aqui 2 aí 3 ali lá

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O quadro acima, construído pela pesquisadora, reflete o que a GT expõe dos locativos lá e ali (ALMEIDA, 2005). A tabela apresenta grau 1, para o ponto onde estão os interlocutores, mantendo a diferença de pessoa. O lá e o ali, segundo a autora, se referem à terceira pessoa e ocupam o grau 3 e 2 de distância dos interlocutores, respectivamente. A autora estabelece, bem

à maneira estruturalista, pares distintivos pelo traço, para usar a palavra dela, de + mais perto de alguém (1ª ou 2ª pessoas), expressos pelo aqui e aí, e – menos perto de alguém (1ª ou 2ª pessoas). Da investigação de Eunice Pontes, pode ser retirada a seguinte contribuição para minha investigação: as características semânticas que especificam a distância. Observo, porém, que a ideia de gradação ou continuum associada ao uso dos locativos será questionada no capítulo de análise dos dados.

Neves (2000), em sua volumosa Gramática de Usos do Português, também apresenta um extenso estudo dos advérbios. A autora afirma que esta classe é heterogênea quanto à função e, por isso, os divide em duas grandes subclasses: advérbios modificadores, que afetam o significado do elemento sobre o qual incidem, e os advérbios não-modificadores, que não afetam o significado do elemento sobre o qual incidem. Tanto um quanto ou outro podem ser subdivididos em grupos segundo sua natureza e função. Dentro dos advérbios não- modificadores encontram-se os chamados advérbios circunstanciais de lugar, categoria que abriga os dêiticos lá e ali.

Neves (2000) diz que lugar é uma categoria dêitica cuja orientação se faz por referência a quem fala. A autora também associa os locativos lá e ali, como o faz as gramáticas normativas,

à terceira pessoa do discurso, confirmando que a circunstância de lugar está diretamente ligada ao eixo falante-ouvinte. Segunda a autora,

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[p]or definição semântica, esses advérbios indicam circunstância, relacionando-se com o eixo falante/ouvinte. Trata-se de um circunstanciação ancorada no circuito de comunicação, referida aos participantes do discurso ou a pontos de referência do texto, numa escala de proximidade espacial. Assim, em princípio, AQUI indica lugar próximo ao falante (primeira pessoa do discurso), AÍ indica lugar próximo ao ouvinte (segunda pessoas do discurso) e Lá indica lugar distante do falante e do ouvinte (terceira pessoa do discurso). (NEVES, 2000, p. 258).

Como se pode entender a partir da citação acima, a ancoragem da orientação de lugar no evento de fala estabelece o ponto de referência para o cálculo dessa orientação. Segundo a pesquisadora, o objeto de atenção da comunicação pode estar dentro do próprio evento de fala ou fora dele. Ou seja, há um dentro e um fora do evento de fala, em que o dentro é representado pelos locativos aqui (circunscrevendo o espaço ocupado pelo falante.) e aí (circunscrevendo o espaço do ouvinte). Como fora do evento de fala é um espaço irrestrito, a distância deve ser indicada. Daí a associação dos locativos lá e ali à terceira pessoa do discurso localizar sua referência fora do evento de fala delineando semanticamente a distância. Essa compreensão faz com que a autora classifique os locativos lá e ali como advérbios pronominais exofóricos.

Neves (2014) afirma que o núcleo central da semântica de um elemento da categoria circunstancial é uma relação. Essa proposição implica considerar que tais elementos não são exatamente circunstâncias, mas nomes de uma relação. Do fato de que todos os circunstanciais operam sobre o espaço e tempo a partir do estabelecimento de relações, emerge o reconhecimento de que esses itens linguísticos não representam circunstâncias em si mesmos, mas antes, são expedientes linguísticos que denotam tais relações. Desse modo, os locativos denotam a relação de um ser ou objeto com o espaço ou tempo.

Nesse sentido, a autora estabelece que a grande variedade de elementos linguísticos que expressam lugar são evidências de que há a necessidade de distinção dessas relações com um grau maior de precisão. Para a autora, a “grande variedade de locuções prepositivas que existem em português se explica pela necessidade de distinguir relações (espaciais) com certo grau de

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precisão.” (2002, p. 331). Embora a autora faça essa afirmação para explicar a grande variedade de locuções propositivas, estenderei a observação para a explicação semântica do lá e do ali.

Se esses elementos lexicais informam semanticamente a distância do falante do lugar onde está o objeto de atenção, há uma relação de distância expressa pelo lá e pelo ali cuja distinção da relação de proximidade é importante. O comentário de Moura Neves aponta, por um lado, que há o estabelecimento de graduação de distância no espaço a partir de um ponto de referência, do qual se pode fazer uso dos locativos lá e ali e, por outro lado, a impossibilidade de precisão da distância a partir desses locativos, justamente por esse traço generalizante indeterminado de distância. Nesse ponto, o aspecto semântico de mais distante e menos distante atribuído aos dêiticos por Pontes (1992) é, de fato, um encaminhamento importante para compreensão do uso desses itens linguísticos.

A outra característica apresentada por Neves (2014) diz respeito a foricidade desses locativos. Com essa característica a autora distingue locativos como aqui e cá, expressões de lugar de uma só palavra que normalmente são chamados de advérbios pela gramatica tradicional. Segundo a autora, essas palavras indicam por si só a relação espacial desejada pela operação da foricidade do advérbio. A hipótese da foricidade dos locativos de relação de proximidade também será significativamente importante para a identificação de qual lugar o objeto está sendo recuperado pelo locativo.

A pesquisadora aponta que os chamados advérbios de lugar se circunscrevem na oração como situacionais, de caráter fórico, cuja natureza relacional define suas especificações semânticas em pelo menos dois grupos, o de relação de interioridade e o de proximidade, aos quais acrescento o de relação posicional.

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Quadro 2: Grupos de especificações semânticas dos advérbios de lugar.

Relação Elemento dêitico interioridade Fora, dentro posição acima, algures, antes, atrás,

proximidade aqui,abaixo, ali, adiante,aonde, debaixo, acolá, além,

defronte,lá, aquém, detrás, cá, p nenhures,erto, aí, longe onde, Além dessa distribuição, pode-se, ainda, subcategorizar esses locativos, levando em conta a possibilidade de eles desempenharem papel argumental e ou não argumental em relação a verbos que exigem os chamados complementos circunstanciais.

Observe o Exemplo 5:

a) Os professores estiveram aqui/lá/acolá. b) *Os professores estiveram adiante/antes/debaixo.

Observe-se que os locativos não argumentais são exatamente aqueles transitivos, se comparados lá com debaixo, que exige um de quê ou de onde, por exemplo. A partir dessa consideração, forma-se o seguinte quadro:

Quadro 3: Locativos argumentais e não argumentais.

Papel Argumental Não argumental Relação Interioridade - fora, dentro acima, algures, antes, atrás, aonde, onde, Posição abaixo, debaixo, defronte,

detrás, nenhures, adiante, acolá, além, aquém, Proximidade aqui, ali, acolá, lá, cá, aí, cá, perto, longe

Nesta tese, interessa-nos os locativos de relação de proximidade. Essa relação é especialmente importante para minha análise, uma vez que reafirma o aspecto distância como constituindo a semântica dos dêiticos lá e ali. A possibilidade de compreensão de que a noção

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de proximidade possa ser conceptualizada, no sentido de depender do grau de subjetividade do falante observador, pode ser vista no seguinte exceto retirado de Neves (2008):

Comparando-se às outras expressões de que a língua lança mão para indicar circunstância, verifica-se que eles utilizam uma mesma operação cognitiva, que consiste em selecionar uma relação cronológica ou espacial e fixar para essa relação um segundo termo, que é tomado como ponto de referência para a localização do primeiro. (NEVES, 2008, p. 494).

No excerto, a autora dialoga frontalmente como Gramática Cognitiva de Langacker, como assume a própria autora no mesmo parágrafo. A consideração de um marco de onde podem ser calculadas as coordenadas para o estabelecimento do que é próximo ou distante parece responder adequadamente à operação cognitiva de determinação de lugar. Assim a contribuição dos estudos de Neves está no fato de ela perceber que os circunstanciais, no meu caso, mais especificamente o lá e ali estabelecem relação de proximidade (o que está em consonância com a abordagem tradicional e com Pontes), sem, contudo, atribuir a diferença dos dois dêiticos a uma gradualidade. A inferência possível é que o julgamento dessa proximidade se deve ao falante, quando escolhe um ou outro item lexical em um evento discursivo particular.

Para finalizar essa seção, apresento o resultado do trabalho investigativo dos portugueses Macias (2002), Pereira (2009) e Raposo e colegas (2013a, 2013b), ambos tratando os locativos lá e ali dentro de suas pesquisas sobre os dêiticos espaciais.

Macias (2002) faz um rastreamento dos dêiticos espaciais em situação de uso, a autora parte da função pragmática-comunicativa para explicar o uso desses locativos. A autora parte da associação dos locativos em duas séries cá e lá, por um lado e, por outro, aqui, aí e ali. O resultado de sua investida é a caracterização dos locativos a partir da intencionalidade dos falantes. Desse modo, a autora identificou o uso do lá expressando:

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1) um lugar não determinado, longínquo e vasto, podendo ser vários locais, recobrindo grande extensão. Este lugar é calculado em oposição ao lugar onde estão os interlocutores.

Exemplo: Sempre faz um frio! Quem anda lá por fora é que sabe.

2) Um lugar “a partir de onde”, veiculando simultaneamente que aquele lugar é o interior da casa, um interior vago (cozinha, quarto, sala, corredor?). Exemplo: O Rala, de braço bambo da navalhada que o D. José, em Lovios, lhe mandou à traição, dá sempre uma resposta tora à mãe, quando já no quinteiro ela lhe recomenta não sei que lá de dentro.

Como se pode notar, a autora atribui ao lá a expressão de um lugar indeterminado ou pouco delineado com detalhes. A autora afirma que o locativo ali pode substituir sem qualquer prejuízo de sentido o locativo lá. Entretanto, apresenta situações em que não é possível a troca.

Para a autora

[g]enericamente pensamos poder afirmar que o ali se situa num espaço mais próximo que lá. Por outro lado, ali parece-nos um espaço mais determinado, um espaço que se consegue visualizar a partir do local onde se encontra o locutor. (MACIAS, 2002, p. 25).

A autora apresenta a visibilidade como pertencente à semântica do ali opondo-o também ao lá pelo seu caráter mais determinado e preciso que este. A autora afirma que o ali sugere um espaço determinado que todos interpretam da mesma forma, por possuir um grau de objetividade.

Macias (2002) apresenta uma importante contribuição para minha análise: o lá como expressão de lugar indeterminado e o ali como expressão de lugar determinado. Essa proposição foge da análise que estabelece gradualidade de distância e servirá para analisar a alternância no uso do lá e do ali.

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Teixeira (2009) assume o tratamento dado por Macias. Todavia, ao analisar as séries ancoradas no aqui e no cá entorno dos quais são organizados os outros dêiticos de lugar, compreende que o uso do dêitico aqui

permite, de uma maneira geral, referenciar a situação de objetos mais próximos e mais acessíveis, face à posição ocupada pelo locutor, mas pode também delimitar o espaço pertencente ao locutor e ao alocutário. Por outro lado, designa um espaço demarcável, restrito, que pode coincidir com um ponto e que se pode apontar, sendo por isso perceptível e acessível. A utilização de aí aparece normalmente como forma de situar objetos mais próximos e mais acessíveis relativamente à posição ocupada pelo alocutário; o uso de ali remete tipicamente para situações espaciais não acessíveis nem à primeira, nem à segunda pessoas. Na realidade, a noção de espaço sugerida por estes dêiticos não deve ser interpretada em função da distância, mas sim em termos de acessibilidade. (TEIXEIRA, 2009, p. 67).

O excerto acima deixa ver que a percepção do espaço expressa pelos dêiticos aqui e aí demarcam espaços bem demarcados e restritos, cujo parâmetro pragmático é, além do espaço perceptível ou visível, também acessível. Mas adiante no artigo, o autor conclui que a distância física não é relevante para determinação do uso dos dêiticos.

Por último, apresento os estudos de Raposo e colegas (2013). Para os autores, esses advérbios são pro-formas, ou seja,

[...] palavras com um sentido descritivo reduzido, limitado a uma categoria semântica muito genérica, - nesse caso, ‘lugar’ – o que lhes permite substituir uma expressão descritivamente mais rica, do tipo semântico apropriado, desde que o conteúdo dessa expressão possa ser recuperado, quer deiticamente, a partir do contexto situacional, quer anaforicamente, através de um antecedente na frase ou na mesma unidade textual. (RAPOSO et al, 2013, p.1617).

Raposo e colegas (2013) incluem esses locativos nos advérbios de valor primitivo dêitico. Os autores também relacionam o lá e ali aos dois pontos indicados pelos adverbio cá e aqui. Ao cá ele opõe o lá e ao aqui ele opõe o ali. Esse sistema opositivo, primeiro entre os

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grupos – cá-lá e aqui-ali - e depois internamente dentro dele, se justificaria porque o advérbio aqui se refere ao lugar onde está o falante ou perto dele, ao passo que o advérbio cá tem como centro dêitico apenas o falante.

O grupo encabeçado por cá distingue dois espaços: um em que está o falante ou o que está imediatamente situado perto dele e outro em que está o objeto de atenção da comunicação, referido como terceira pessoa ou onde está o ouvinte, que recebe o mesmo tratamento da terceira pessoa. Esse último espaço, segundo os autores, é referido como lá. O grupo encabeçado por aqui se refere a um lugar perto do falante, o qual inclui potencialmente o ouvinte. O ali se refere a um lugar distante dos dois, potencialmente ocupado pelo objeto da atenção da comunicação.

A distinção parece ser produtiva e precisará ser testada. Mas para o momento, é importante verificar em que medida essa distinção favorece a determinação da semântica do lá e do ali.

Parece que a partir desse quadro ainda não se pode determinar distinção, uma vez que em ambos os casos o lá e o ali se referem a um espaço distante imprecisamente, no primeiro caso do falante e no segundo, do falante e do ouvinte.

Entretanto, Raposo e colegas (2013b) nos oferece uma importante observação sobre a dimensão semântica dimensional denotada por esses locativos. Para os autores, dependendo da subjetividade do falante, essa diferença apontada entre os dois grupos pode ser neutralizada. O traço semântico que os autores estabelece como determinante para essa neutralização é espaço mais restrito e espaço menos restrito, de modo que o a lá estaria associado à ideia de espaço menos restrito, daí a ideia de mais distante, ao passo que o ali está associado traço espaço mais restrito, daí a ideia de menos distante. Esse apontamento dos autores favorece enormemente nossa tentativa de responder a opção necessária para compreender o uso do lá e do ali no exemplo 1. Voltaremos a isso mais tarde nesta tese.

Raposo (2013a) ainda acrescenta que

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[p]recisamente devido à imposição de uma interpretação vaga ou indeterminada de uma expressão dêitica, a sua produção pode ser acompanhada por um gesto auxiliar como, por exemplo, um ato de apontar, que ajuda o ouvinte a determinar com a precisão a sua referência. Um ato gestual deste tipo é muito comum a acompanhar os pronomes pessoais de 3ª pessoa ou a dêixis espacial. (RAPOSO, 2013a, p. 397).

Aqui, o autor oferece uma importante contribuição para a análise de construções que envolvam os locativos lá e ali. O caráter complementar do gesto que acompanha o uso do locativo pode reforça o parâmetro pragmático da visibilidade, uma vez que se aponta o que se vê. O locativo ali é o que mais susceptível ao gesto de apontar, uma vez que expressa um lugar não distante do falante, portanto dentro do campo de visão do falante. O exemplo que dado pelo autor envolve o locativo

Exemplo 6:

a) O livro está ali. b) Ali onde? c) (apontando) Ali.

Todavia, o uso do gesto de apontar não é vetado ao lá. Como se verá no capítulo de análise, no uso alternativo desse locativo, o gesto é frequente, como evidência complementar de seu uso não prototípico. Raposo (2013b, p. 1617) renomeia os chamados ‘advérbios de lugar’, designação tradicional, e chama-os de advérbios de localização espacial, distribuindo os elementos da categoria quatro grandes grupos, a saber:

1. advérbios relacionais + preposição

2. séries de valor dêitico primitivo

3. série de valor indefinido

4. pró-forma relativa interrogativa

O reagrupamento leva em conta a morfologia, a sintaxe e a semântica dos elementos.

As séries de valor dêitico primitivo é a que interessa para esta tese porque subsume os dêiticos

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lá e ali. A respeito deles, o autor os distribui em duas séries distintas ancoradas, cada uma, nos locativos aqui, base da série aqui-aí- ali, e cá, base da série cá-lá.

A primeira série (aqui – aí – ali), Raposo explica que “o ali se refere ao lugar ou o espaço afastado quer do falante quer do ouvinte, potencialmente ocupado por uma terceira entidade, representada por um pronome de terceira pessoa ou por um sintagma nominal”.

(RAPOSO, 2013b, p. 1617). O autor afirma que centro dêitico da série cá-lá é diferente da outra série cuja âncora é o aqui. A série cá-lá tem como centro dêitico apenas o falante e estabelece dois lugares: um onde está o falante e outro afastado do falante, no qual se localiza potencialmente uma terceira entidade – e possivelmente o ouvinte que é perspectivado de modo idêntico a uma terceira pessoa11. Interessa notar que na Língua Portuguesa brasileira o uso do cá é bastante restrito a construções do tipo “vem cá”, “cá entre nós”. Então, essa mudança de centro dêitico deve ser verificada.

A contribuição mais específica da análise de Raposo e colegas dos dêiticos lá e ali está no fato de ele os inserir em séries diferentes, ressaltando que há diferença semântica neles, seja pela noção de relação com a pessoa do discurso seja pela necessidade de apoio complementar dos gestos.

Para sintetizar o que leu nesta seção, posso dizer que as gramáticas descritivas consultadas ampliam a descrição dos locativos dêiticos lá e ali. Essa descrição favorece substancialmente a resposta da pergunta que orienta esta tese. A partir do que se pôde compreender, tais gramáticas apontam que os locativos dêiticos lá e ali:

a) podem ser associados à terceira pessoa gramatical;

b) opõem-se dentro do sistema cá-aqui;

c) expressam espaço menos restrito e indeterminado, no caso do lá e espaço mais restrito e determinado, no caso do ali.

11 O autor apresenta um exemplo: Cá na minha casa, as regras são estas; lá na tua casa/ na casa dela as regras são outras.

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A abordagem apresentada nesta seção não se afasta fundamentalmente da abordagem de linhagem tradicional, pois, como se pode perceber, o fator distância é o que define a semântica dos dois locativos. Todavia, acrescenta o critério visibilidade à semântica dos dois dêiticos. Na próxima seção, apresentarei as contribuições dos estudos de linhagem cognitivista para a análise dos locativos em tela.

3.4 Os dêiticos locativos lá e ali na abordagem Semântico-Cognitiva

Nesta seção, apresentaremos uma abordagem dos locativos dêiticos lá e ali que se afasta substancialmente das abordagens anteriores. Trata-se da abordagem que assenta sua análise na dimensão cognitiva do uso de tais locativos. Será apresentado o trabalho de Teixeira (2005).

As postulações de Teixeira (2005) rompem com a primazia do fator distância e propõem o fator acessibilidade como definidor da semântica dos dois locativos. Segundo o autor, o tratamento de oposição binária cá-lá/aqui-ali não responde satisfatoriamente ao uso desses itens linguísticos na prática discursiva do português europeu. Para o autor, esse arranjo cria a ilusão de que lá se opõe claramente ao ali, o que não corresponde às possibilidades de uso efetivo, uma vez que os dois quadros podem se misturar nos diferentes contextos comunicativo. Nesse mesmo sentido, o autor questiona a correspondência entre os locativos lá e ali e a terceira pessoa

(PONTES, 1992). Para ele, essa associação também não é uma boa estratégia para a descrição do uso desses advérbios porque

não se estruturam em função das três pessoas verbais, mas em função da situacionalidade de LOC e Aloc, o que não é a mesma coisa: as formas ali/lá/acolá não indicam o espaço da terceira pessoa, mas um espaço não pertencente quer ao LOC quer ao ALOC.

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A diferença fundamental da abordagem do autor é que a oposição aí/lá não pode figurar no mesmo quadro, porque o lá aponta distância menor que aí em diversas situações. A partir dessa observação, o autor apresenta o quadro abaixo.

Quadro 4: Distribuição dos locativos.

Essa nova distribuição dos locativos do autor rompe com a relação desses itens linguísticos com as pessoas gramaticais e afirma que não é a distância o fator determinante da semântica desses itens. Para comprovar esse tratamento, o autor apresenta o seguinte exemplo:

Exemplo 7:

a) Pela janela vejo a neve lá fora, mas sei que aí no Rio de Janeiro está muito calor.

No exemplo, o autor pretende deixar evidente que a distância presumida pelo locativo lá é menor que a do locativo aí. Apesar de o fator distância estar envolvido na análise, o pesquisado evidencia que a distribuição de Pontes (1992) não corresponde ao que se prática do uso da língua. Desse ponto, ele evolui para a investigação de que fator é definidor da semântica dos locativos. Para isso, o autor apresenta a seguinte figura seguida de duas frases correspondentes:

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Figura 13: Distância presumida para os locativos lá e ali.

a) A bola ficou lá em cima. b) A bola ficou ali em cima.

Na imagem, o objeto de busca é a bola. Com as duas versões da referência ao lugar onde está a bola, Teixeira mostra que a possibilidade de alternância não se dá pela distância que o objeto está no sujeito. Nessa mesma linha, o autor apresenta outra imagem seguida de frases correspondentes:

Figura 14: Demonstração da possibilidade de alternância para os locativos lá e ali.

d) O João está ali junto à parede. e) ?O João está lá junto à parede. f) A Inês está lá em cima, no quarto. g) ?A Inês está ali em cima, no quarto. h) A Ana está lá fora. i) ?A Ana está ali fora.

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Desse modo, a distância denotada pelo lá/ali não pode ser o único traço para distinguir a diferença semântica dos dois locativos. O autor acrescenta como traço mais fundamental para essa distinção: [acessibilidade]. A distância presumida pelo lá e pelo ali seria igualmente imprecisa e o traço acessibilidade é que determinaria a escolha por um outro item. Nesse ponto, entra o fator cognitivo de como o sujeito cognoscente conceptualiza a distância e determina a acessibilidade ao abjeto de comunicação. Assim, a opção pelo lá ou ali, independente da distância real denotaria como o falante conceptualiza o acesso ao objeto e não sua distância, que continuaria sendo vaga.

Teixeira ainda apresenta uma outra diferença entre os dois grupos. Trata-se do valor da relação posicional LOC-ALOC. Para o autor somente a série aqui/aí/ali se estrutura em função do eixo falante-ouvinte. Em oposição, a série cá/lá não leva em consideração a posição do

ALOC. Em relação ao acolá, pouco usado no português brasileiro, faz referência a uma situação espacial de

[espaço não englobando LOC e ALOC], o que, juntamente com o traço de [+visibilidade] faz com que este marcador seja semanticamente equivalente a ali. Talvez não seja alheio a este facto o processo diacrónico de formação de acolá, tido como vindo de eccu illac, ou seja, "eis ali".

O autor reafirma o aspecto visibilidade como constituinte da semântica do ali. A partir daí, esquematiza os valores nucleares em que assentam os dois grupos de dêiticos espaciais. O tratamento dado por Teixeira (2005) aos locativos tem a vantagem de acrescentar a acessibilidade como mais um fator da semântica do lá e do ali. Entretanto, a abordagem, apesar de se julgar cognitiva, coloca o fator acessibilidade de forma objetivista. Observe-se que nas imagens o que se vê são obstáculos objetivos que, na hipótese do autor, influencia o falante a optar por um outro locativo. Isso fere substancialmente o conceito de conceptualização que norteia o tratamento do problema investigado nesta tese.

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Figura 15: Esquema dos valores nucleares dos grupos de dêiticos.

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CAPÍTULO 4

METODOLOGIA

A investigação dos usos dos dêiticos lá e ali envolveu a transcrição, organização e análise dos dados. A transcrição das ocorrências em que aparecem os locativos em foco se deu pela audição das gravações do programa BBB, A transcrição incluiu uma extensão textual suficiente para percepção do emprego dessas formas e de uma descrição mínima da situação em que estão os interlocutores. Sempre que necessário, foram apresentadas as imagens correspondentes à situação de comunicação descrita. A intenção foi dar maior suporte para análise dos dados.

4.1 O corpus

O corpus da pesquisa é constituído por transcrição das ocorrências do uso dos locativos lá e ali no programa 10 e 15, exibido na Rede Globo de Televisão. Os CD’s foram adquiridos no site do Mercado Livre e correspondem juntos a mais de cem horas de filmagens.

O programa Big Brother Brasil, conhecido pela abreviatura BBB, é a versão brasileira do reality show Big Brother, que teve sua exibição em 29 de janeiro de 2002. Trata-se de um jogo em que há o confinamento de um número variável de participantes em uma casa cenográfica os quais ficam sem nenhuma contato com o mundo externo, incluindo nenhuma comunicação com parentes e amigos ou leitura jornais e ficam excluído também o uso de qualquer meio para obter informações externas. Eles são escolhidos pela produção do programa a partir de vídeos de apresentação produzidos pelo próprio candidato, que podem

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optar por querer ou não entrar na casa e podem também desistir em qualquer momento da competição.

Os jogadores são acompanhados vinte quatro horas ininterruptas por câmeras posicionadas por toda a casa. Semanalmente, dois ou três participantes são indicados pelos companheiros para enfrentar o voto popular no chamado paredão e mais votado é eliminado do programa. O objetivo do jogo é que o participante possa permanecer na casa até o último dia, quando o público determinará, também por votação, quem merece legar o prêmio em dinheiro.

No Brasil, o programa é transmitido diariamente no canal aberto da Rede Globo e no pay-per-view pelo sites Globo Play e Globosat Play, exclusivo para assinantes de televisão a cabo, além de flashes esporádicos no canal Multishow. O programa, de grande cunho popular, atingiu o recorde mundial de votação na décima temporada do programa com mais de cento de cinquenta milhões de votos. Os participantes dos programas estão relacionados no quadro abaixo. As informações referentes a profissão dos participantes estão de acordo com o momento em que ingressaram no programa.

Desse modo, os dados utilizados nesta tese são todos da linguagem falada. Como a interação da casa é essencialmente espontânea, o uso da lá e do ali representam em grande medida o uso que os falantes da Língua Portuguesa fazem deles.

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BBB 10

Data de Participante Ocupação Origem Resultado nascimento

Porto Alegre, Rio Grande do Vencedor

Marcelo Pereira Dourado 29/04/1972 Lutador em 30 de Sul março de2010 São José dos Campos, São 2º lugar Fernanda Helena Cardoso 04/12/1981 Dentista em 30 de Paulo março de2010

Carlos Eduardo de Personal Rio de Janeiro, Rio de 3º lugar 04/04/1985 em 30 de Nascimento Parga (Cadu) trainer Janeiro março de2010 14ª eliminada Eliane Kheireddine (Lia) 15/01/1981 Dançarina São Paulo, São Paulo em 28 de março de2010 Maquiador/Dra 13º eliminado Dicesar Ferreira dos Santos 02/01/1966 São Paulo, São Paulo em 27 de g queen março de2010 Anamara Cristiane de Brito 12ª eliminada 13/07/1984 Policial militar Juazeiro, Bahia em 23 de Barreira março de2010 Sérgio Luis de Ramos Estudante de 11º eliminado 25/02/1989 São Paulo, São Paulo em 21 de Franceschini Moda março de2010 10º eliminado Michel Turtchin 13/03/1979 Publicitário São Paulo, São Paulo em 16 de março de2010 Engenheiro 9º eliminado Eliéser José Ambrósio 12/05/1984 Goioerê, Paraná em 9 de agrônomo março de2010 8ª eliminada Cláudia Livia Colucci 28/12/1981 Empresária Ribeirão Preto, São Paulo em 2 de março de2010 Ana Angélica Martins 7ª eliminada 01/03/1985 Jornalista Uberlândia, Minas Gerais em 23 de Marques fevereiro de2010 Elenita Gonçalves Doutora em 6ª eliminada 01/03/1979 Brasília, Distrito Federal em 16 de Rodrigues Linguística fevereiro de2010 5º eliminado Uilliam Cardoso Carvalho 01/02/1986 Dançarino São Paulo, São Paulo em 9 de fevereiro de2010 4º eliminado Alex Fernandes Vilanova 08/11/1973 Advogado Suzano, São Paulo em 7 de fevereiro de2010 Tessália Serighelli de 3ª eliminada 11/04/1987 Publicitária , Paraná em 2 de Castro fevereiro de2010 Ana Marcela Santos Pereira 2ª eliminada 21/09/1984 Estudante , Pernambuco em 26 de Alves janeiro de2010 Joseane Procasco Guntzell Modelo/Aprese 1ª eliminada 10/04/1981 Canoas, Rio Grande do Sul em 19 de de Oliveira ntadora janeiro de2010

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BBB 15

Data de Participante Ocupação Origem Resultado nascimento Cézar de Lima Estudante Guarapuava, Par Vencedor 07/11/1984 Martins de Direito aná em 7 de abril de 2015 São Paulo, São 2º lugar Amanda Djehdian 14/05/1986 Empresária Paulo em 7 de abril de 2015 Rio de Fernando Carlos Produtor 11º eliminado 17/04/1982 Janeiro, Rio de de Medeiros cultural em 5 de abril de 2015 Janeiro Belo Adrilles Reis 10º eliminado 16/11/1974 Escritor Horizonte, Mina Jorge em 31 de março de 2015 s Gerais Mariza Maria Professora Recife, Pernamb 9ª eliminada 15/01/1964 Moreira de artes uco em 24 de março de 2015 Estudante Rafael Selbach de Canela, Rio 8º eliminado 26/04/1993 Licks administraç Grande do Sul em 17 de março de 2015 ão Gerente de Luan Patricio dos Mesquita, Rio 7º eliminado 30/01/1991 salão de Santos Rosa de Janeiro em 10 de março de 2015 beleza Tamires Peloso São Paulo, São Desistente 31/07/1990 Dentista Peixoto Paulo em 8 de março de 2015 Talita de Araújo 6ª eliminada 25/03/1992 Aeromoça Goiânia, Goiás Carvalho em 3 de março de 2015 5ª eliminada Angélica Cristina Auxiliar de Embu das 18/08/1981 em 24 de Ramos de Castro enfermagem Artes, São Paulo fevereiro de 2015 Belo 4ª eliminada Estudante Aline Gotschalg 09/10/1990 Horizonte, Mina em 17 de de moda s Gerais fevereiro de 2015 3º eliminado Marco Antônio 08/01/1980 Teólogo Curitiba, Paraná em 10 de Marcon fevereiro de 2015 São Paulo, São 2º eliminado Douglas Ferreira 17/11/1985 Motoboy Paulo em 3 de fevereiro de 2015 Bento Francieli Berwang Conciliador 1ª eliminada 12/07/1978 Gonçalves, Rio er Medeiros a criminal em 27 de janeiro de 2015 Grande do Sul

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A escolha do programa se deu devida à necessidade de falas espontâneas em que os falantes usassem o lá e ali em situações reais de comunicação. Assisti a todas as gravações incluídas no CD e foram transcritas apenas as ocorrências dos dêiticos em tela, totalizando 213.

A transcrição obedeceu às seguintes regras de notação (Quadro 5):

Quadro 5: Regras de notação utilizadas na pesquisa.

... pausa ( ) incompreensão de palavra ou segmento / truncamento [ ] Simultaneidade de vozes

4.2 Situações comunicativas selecionadas

O fenômeno da dêixis é complexo e sua manifestação acontece em diferentes contextos.

Abaixo, apresento os contextos de uso dos locativos e determino aqueles que são considerados neste trabalho.

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Quadro 6: Contextos de uso e determinação de uso dos locativos.

Dourado: Boenos Aires é muito bonita...lá é muito bonito 01 Uso fórico Serginho: Eu quero ir lá para fazer compras... Anamara:Vi num prédio lá... conferir. Todo mundo ali...o comandante falando prezepada...e eu vi... (comentando a cena de sexo que ela viu quando andou de Dêixis com mudança de centro 02 Helicóptero) dêitico

Dicesar: Que pega ali a Barra assim... e pela a orla toda. (comentando o passeio de Helicóptero) Serginho: Sim sim...se chegar lá nas proximidades do Dêixis com lá/ali acompanhado centro sim 03 de designação de lugar posterior Dicesar: Bicha eu fui ali no mercado...linda por sua conta. Carlos: Dava para ter ido dez vezes lá...não era velocidade... (esse lá corresponde ao lugar onde havia os Dêixis de lugar inferido pelo quadros para serem pintados) 04 contexto linguístico com

expressão espacial estrita Eliane: Tinha de decorar três cores ali. (esse ali corresponde ao lugar do jogo.) Cadu: quer que eu pegue o antisséptico?

Mara: Vou lá pegar (se referindo ao lugar onde está o Dêixis com lugar inferido pelo 05 remédio) contexto extralinguístico com Cadu: eu tenho de tirar as coisas do quarto expressão espacial estrita

Anamara: A namorada do Dimmy é aquela ali oh de rosa. (apontando para uma estátua de sapo no jardim)

Os contextos 1 e 2 foram excluídos dos dados desta tese. A razão dessa exclusão é o fato de esses usos não envolverem as operações cognitivas que interessam a esta pesquisa. As situações 3, 4 e 5 correspondem a uma situação em que o centro dêitico é o próprio falante, de onde se fixa o aqui e o agora da comunicação e, por conseguinte, as coordenadas espaciais dos locativos, em geral, e, em particular, as referidas pelo lá e ali. São, portanto, os dados requeridos para esta tese.

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CAPÍTULO 5

A ALTERNÂNCIA DOS DÊITICOS LÁ E ALI NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Neste capítulo, procederei à análise dos dados sob a perspectiva da Linguística

Cognitiva. Mais especificamente, utilizarei a Teoria dos Esquemas Imagéticos (JOHNSON,

1987; LAKOFF, 1987), a partir da qual descreverei o uso prototípico dos dêiticos lá e ali. Além disso, utilizarei o aporte teórico da semântica cognitiva de Talmy (2000), que fundamentará a explicação da alternância de uso dos dêiticos em tela. Minha primeira investida será, na seção

5.1, a descrição do uso prototípico do lá e do ali no português brasileiro. Em seguida, na seção

5.2, analisarei os usos não prototípicos desses dêiticos com o objetivo de identificar a motivação da alternância.

5.1 Os dêiticos lá e ali na representação da distância

A emergência dos estudos sobre dêixis trouxe para a pesquisa linguística, pelo menos como possibilidade de objeto de investigação semântica, a contribuição do contexto como parte importante da construção do significado linguístico. A dêixis foi principalmente tratada no

âmbito da Pragmática (LEVINSON, 2007). Entretanto, a partir dos estudos em cognição, o fenômeno da relação entre língua e contexto tomaram outros contornos. Os estudos sobre os

Esquemas imagéticos, empreendidos quase simultaneamente por Jonhson e Lakoff em 1987, sobre Modelo Cognitivo Idealizado (LAKOFF, 1987) e a formulação da Teoria dos Espaços

Mentais de Fauconnier (1994), para ficar só nos dois, foram postulações importantes que permitiram a análise desse fenômeno pragmático. Os trabalhos de Jô Rubba e Sophia

Marmaridou revelaram aspectos da dêixis alijados dos estudos clássicos sobre o fenômeno. As

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autoras abriram caminhos para novas pesquisas neste campo de pesquisa, o que permite a visualização de ocorrências não prototípicas da dêixis, às quais meu trabalho se filia.

Os dêiticos lá e ali, como se viu na revisão bibliográfica, expressem a ideia de distância do centro dêitico do evento de fala e guardam, respectivamente, o sentido de mais e menos distante. O desafio, porém, é compreender como é calculada cognitivamente essa distância do objeto de referência e como é estabelecido quando um ponto está mais ou menos distante do ponto de referência de onde partem essas coordenadas espaciais.

Os Exemplos 1 e 2 abaixo, retirados do corpus, ilustram o problema inicial.

Exemplo 1:

a) Rafeal: Ah! Vou lá na piscina com certeza! [00:30:38 BBB 15 cd 1]

b) Dicesar: E lá na Guatemala [...]. [00:04:15 BBB10 cd 1]

Exemplo 2:

a) Rafael: Vamos andar. Vamos por ali, oh!

(apontando para o fundo da sala) [00:30:38 BBB15 cd1]

b) Rafael: Tem uma mulher loira ali. Que isso, meu Deus! (Rafael está na

cozinha olhando para área externa onde entra a referida loira) [00:07:50

BBB15 cd1]

O exemplo 1 mostra dois usos do locativo lá fazendo referência a extensões de distância muito diferentes entre si. Comparando-se 1a e 1b, pode-se perceber que a extensão de distância do ponto de referência do evento de fala retratado pelo lá nos dois casos é de milhares de quilômetros de diferença. O mesmo ocorre no exemplo 2, que mostra dois usos do ali também como referência a distâncias objetivas diferentes. Embora os objetos de atenção estejam relativamente perto do falante, daí a opção pelo ali, o locativo também expressa extensão de

100

proximidade diferentes em metros nos dois casos. Enquanto em 2a a distância é de menos de três metros12, em 2b, o ali se refere a uma extensão de espaço muito maior, pois a mulher loira está fora casa e perto da porta de entrada da área de entrada da casa de confinamento.

A questão que se coloca de início é que a indicação de distância apontada pelo lá e pelo ali não segue parâmetros objetivos para a determinação do que está distante e qual é essa distância, pois, nos dois casos, os objetos de atenção se localizam em um espaço, referido pelo sintagma preposicionado, que está em extensão de distância muito diferentes dos interlocutores.

Os dois exemplos mostram também que o uso dos dois dêiticos não está relacionado a nenhum tipo de graduação de distância, de modo que o lá pudesse ser empregado a partir de um certo ponto de distância e o ali a partir de outro. Os usos desses dêiticos nos exemplos 1 e 2 demostram, portanto, que a noção de distância indicada por eles não pode ser explicada em termos de escala.

Talmy (2000), ao discutir os domínios conceptuais, diz que o primeiro sistema esquemático que deve ser observado e a conformação de estrutura. Segundo o autor, este sistema compreende a estruturação esquemática ou delineações geométricas no espaço ou no tempo ou outro domínio qualitativo que os itens gramaticais de uma classe fechada podem especificar. Para o autor

As formas de classe fechada podem atribuir essa estrutura a toda uma cena referente, dividindo essa cena em entidades em relacionamentos particulares ou em qualquer uma dessas entidades ou nos caminhos descritos por essas entidades, quando suas inter-relações mudam ao longo do tempo. No que diz respeito às formas de classe fechada, o sistema racional concomitante engloba a maioria dos aspectos dos esquemas especificados por adições espaciais ou temporais, conjunções subordinadas, dêiticas, marcadores de aspecto/tempo, marcadores de números e similares. (TALMY, 2000, p. 47).

12 Está observação só é possível a partir das imagens.

101

Para o autor, está implícito na dimensão vertical da disposição esquemática apresentada uma outra categoria esquemática adicional que ele chama de grau de extensão. Esta categoria possui três noções de membros principais, termos para os quais são dadas na figura abaixo, juntamente com representações esquemáticas das noções para o caso linear.

Figura 16: As três noções de membros principais para a categoria grau de extensão.

Os itens léxicos referentes à matéria ou à ação podem ser considerados para incorporar especificações quanto ao grau básico de extensão do referente. Talmy apresenta os seguintes exemplos para ilustrar o fenômeno:

Exemplo 3: a) Ela subiu a escada de bombeiro em cinco minutos. b) No treinamento, ela escalou a escada de bombeiro exatamente ao meio-dia. c) Ela continuava subindo cada vez mais alto na escada de bombeiro enquanto observávamos.

Embora os exemplos mostram um evento de fala que ressalta a duração do processo de subir, Talmy (2000) monstra como é organizada cognitivamente o evento de escalar uma escada: Em 3a, o evento é tomado como uma extensão linear limitada na dimensão temporal.

Em 3b, o deslocamento no tempo é tomado como um ponto limitado na linha do tempo, ou seja, como sendo um ponto de duração. No entanto, o mesmo processo de subir a escada pode, como mostra o exemplo 3c, ser conceptualizado como um evento conceitualmente esquematizado como uma extensão ilimitada.

Talmy (2000) assevera ainda que as formas de classe fechada podem especificar um ponto de perspectiva. Ele chama essa especificação de distância em perspectiva. As noções

102

principais desta categoria são um ponto de perspectiva considerado é distal, medial ou proximal em sua distância relativa a uma entidade considerada. Essa distância de Perspectiva está correlacionada, segundo o autor, à categoria esquemática de grau de extensão. Na organização da configuração mais típica da associação proposta pelo autor, “uma perspectiva distal se correlaciona com um grau de extensão reduzido, uma perspectiva mediana com um grau médio de extensão e uma perspectiva proximal com um grau de extensão magnificado”.

Talmy (2000) assume que, embora não esteja claro se a distância em perspectiva necessariamente se correlaciona com o grau de extensão, a frequência da relação pode, com base na analogia visual, funcionar como um organograma, designando um aspecto, um tamanho e uma granularidade de um referente. Assim, para o autor, em uma perspectiva distal ocorre uma correlação conceitual de maior alcance de atenção, tamanho aparente de entidades, estruturação mais grosseira e menos detalhes ao passo que, com uma perspectiva proximal, ocorre uma correlação conceitual de menor escopo de atenção, tamanho aparente, estruturação e maior detalhe. (TALMY, 2000).

Além dessa proposta de análise da expressão de distância proposta por Talmy, usarei também a proposta de Rubba (1996), que propõe que a interpretação semântica dos dêiticos deve ser dar pelo acesso do que ela chamou de ground default dêitico, como espaço padrão onde as relações são estabelecidas a partir de um centro dêitico. Para a análise dos locativos lá e ali, adaptei a representação do ground default dêitico apresentado por Jo Rubba, como já adiantei na introdução desta tese.

Figura 17: Representação do ground default dêitico. Fonte: adaptado de Rubba (1996).

103

A ideia principal é demostrar um padrão de uso desses locativos. Desse modo, o lá corresponde a um espaço fora do evento discursivo imediato. Nos termos de Langacker, 1990, o lá está dentro do escopo máximo, expressando um lugar menos determinado, no sentido de pouco detalhamento. O ali está dentro do evento discurso imediato ou, no escopo mínimo, o que lhe confere a expressão de um lugar determinado, pois está dentro dos limites circunstanciais do evento discursivo.

Subsidiado por essa visão, os locativos espaciais especificam o ponto de perspectiva do falante. Essa categoria se estrutura a partir das noções de ponto de perspectiva distal, medial ou proximal de uma entidade em relação ao ponto de referência. Essa perspectiva, segundo o autor, está relacionada à categoria esquemática de grau de extensão, cuja perspectiva distal se correlaciona ao grau ampliado de extensão, uma perspectiva mediana com um grau médio de extensão e uma perspectiva proximal com um grau reduzido de extensão, (TALMY, 2000).

Essa operação cognitiva de grau de extensão de um referente na linha do tempo pode ser associada a como o ser humano organiza sua relação com o espaço e as suas diferentes possibilidades de estabelecer o que é ou não distante do ponto de referência do evento de fala.

Para o autor, “um referente lexical que talvez seja basicamente concebido como de um determinado grau de extensão pode, por várias especificações gramaticais que induzem uma mudança, ser reconceptualizado a partir de algum outro grau de extensão”. (TALMY, 2000, p.

61). Assim, o eu e o aqui coincidem com o centro dêitico, o ali está relacionado a um ponto distante desse eu e desse aqui, mas ainda dentro espaço do evento de fala, enquanto o lá está expressa uma extensão de espaço mais distante que o ali, menos detalhada e menos determinada. Então, a questão de distância indicada pelos dois dêiticos está ligada à perspectiva de distância. O conceito de perspectiva estabelece que o ponto de vista particular, que constrói

104

o valor semântica das expressões, está inerentemente comprometido com a conceptualização da distância (LANGACKER, 1990).

Desse modo, uma primeira proposição que posso fazer sobre o emprego desses dois locativos é que esses indicam uma instrução de como o ouvinte deve construir ou acompanhar a expressão de distância indicada pelo falante ao escolher um outro locativo. Sobre essa possibilidade, Langacker (2001) afirma que o falante e o ouvinte coordenam a atenção numa mesma entidade concebida, o que exige um processo de negociação conjunta.

Analisando os exemplos 1 e 2 desta seção sob luz dos argumentos acima, podem ser apontadas as seguintes características semânticas dos dêiticos lá e ali:

1) Em termos mais objetivos, o lá indica uma distância maior que o ali. Num contexto em que os interlocutores acessam o ground default, como na situação de comunicação de 1b, o falante não usaria o ali no lugar do lá. A alternância seria expressaria um uso marcado, indicando ou ironia, intimidade com o local ou proteção de face.

2) O traço visibilidade pode ser definidor da opção por um ou outro locativo: o que difere 1a de 2b é a visibilidade do objeto de atenção. Em 2b, Rafael está vendo a mulher pela janela, enquanto, em 1ª, a piscina está fora de seu campo de visão, ou seja, ela o falante sabe da existência da piscina e a localiza num espaço vago, indeterminado.

Nesta seção, procurei demostrar que noção de distância expressa pelos locativos lá e ali objetiva, como apresentei nos exemplos 1 e 2.

5.2 Os dêiticos lá e ali e o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA

A localização de um objeto no espaço é a determinação de um ponto ou região em relação a outro ponto ou região de referência (LANGAKER, 1987). O linguista exemplifica a afirmação com o dêitico aqui, que é local cuja “identidade conceitual é dependente de sua

105

posição em relação a um ponto de referência, de modo que outros conceitos de localização espacial são suficientemente distantes do ponto de referência diferentes do aqui”.

Segundo o autor, esses outros pontos só podem ser identificados em relação ao ponto de referência, que coincide com o falante (e o ouvinte). O lá e o ali expressam a distância desse ponto de referência, mas não necessariamente distância objetiva, ou seja, a semântica do lá e do ali constitui uma percepção do que é mais ou menos distante que precisa ser negociada com o ouvinte a partir de alguns parâmetros pragmáticos disponíveis no momento do evento comunicativo (vide exemplos 1 e 2).

Sendo assim, é possível afirmar que as coordenadas partem de um padrão que pode ser muito descrito pelo esquema imagético CENTRO/PERIFERIA, uma vez que tal esquema está na base da orientação espacial humana. O diagrama abaixo, adaptado a partir do diagrama do esquema apresentado por Jonhson (1987), mostra o papel dos dois locativos:

Figura 18: Diagrama demonstrativo do papel dos locativos lá e ali. Fonte: adaptado de Johnsin (1997).

Segundo Johnson, o esquema imagético CENTRO/PERIFERIA apresenta um espaço perceptual que define um domínio de objetos macroscópicos que residem a diferentes distâncias do sujeito cognocente. Ainda segundo o autor, do ponto de vista central, o falante pode se concentrar em diferentes objetos (não necessariamente físicos); assim, a uma certa distância

106

desse campo perceptivo, nosso mundo desaparece em um horizonte perceptível que não apresenta mais objetos discretos.

A partir dessa descrição do esquema imagético CENTRO/PERIFERIA, é possível associar os locativos a um desses domínios correspondentes ao afastamento perceptual do centro, em que o lá corresponde a um ponto perceptualmente mais distante, menos detalhado, ao passo que o ali corresponderia a um ponto perceptualmente mais próximo e detalhado desse centro. Pode-se inferir que, a partir do centro perceptivo, são estabelecidas zonas onde os objetos são postos para observação dos interlocutores.

Essa proposição pode ser justificada com Johnson (1987) que afirma “quase nunca esse esquema é experimentado de forma isolada ou autônoma”. O autor diz que ao esquema

CENTRO/PERIFERIA é superposto o esquema CONTÊINER, em que o centro é experimentado como interno e, a partir disso, é definido o que é externo a ele, segundo os propósitos, capacidades perceptivas, sistema conceitual e valores em jogo no evento de fala.

Langacker (1987) argumenta que localização é o significado espacial de um ponto que especifica uma região em relação a uma outra maior. Ao usar a palavra casa que, ao especificar uma habitação física, o falante evoca também o conceito de quarteirão, bairro, cidade, etc. A propriedade cognitiva que Langacker quer demonstrar é que a percepção de uma região discreta, no sentido de mais detalhada, faz referência também a um espaço de referência maior

(LANGACKER, 1987, p. 153). Assim, o diagrama da Figura 19 apresenta essa organização perceptual:

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Figura 19: Representação da organização perceptual. Fonte: adaptado de Langacker (1987).

Por isso, a percepção de distância não é escalonar, mas é uma questão de onde o ponto de vista está concentrado e como o falante constrói a distância dos objetos de referência. Optei por chamar de Ground máximo e Ground mínimo, inspirado na proposição de Langacker.

Assim, o Ground mínimo no diagrama representa um espaço onde o objeto de referência ainda pode ser visualizado (cognitivamente) com algum detalhe, ao passo que o Ground máximo representa uma zona espacial ocupada pelo objeto de atenção fora do ground imediato do falante, sem detalhamento. O exemplo 4 ilustra o que venho dizendo.

Exemplo 4:

Bial: Talita, então, quando todos forem lá para fora você fica na varanda com

as duas e espera a minha próxima orientação tá, por favor. Olha, por obséquio,

em ordem e em silêncio todos lá para fora. (eles estão na sala) [00:17:40

BBB15 cd1].

Neste exemplo, Pedro Bial, apresentador do programa, dá instrução aos participantes. O evento comunicativo envolve, nesse exemplo, o apresentador, que está no estúdio da central de televisão e os participantes, que estão confinados na casa. No texto de instrução, pode-se perceber que a estrutura da casa é o espaço correspondente ao ground mínimo, constituído pela informação da varanda como parte da casa. Como ground máximo, há o espaço onde a casa

108

inteira está localizada, mas não explicitamente focado. A fronteira entre a casa e o espaço onde está inserida pode ser definida pela varanda onde Talita deve ficar: a varanda faz parte da casa e o lá corresponde o lugar definido apenas como a não casa ou a um espaço não detalhado, não determinado.

Figura 20: Representação esquemática da projeção do posicionamento do locutor no campo espacial.

A representação acima mostra de forma esquemática que o posicionamento do locutor projeta um campo espacial que se estende até onde sua percepção sensorial pode alcançar.

Assim, ao focalizar a casa no ground mínimo, conforme mostra a linha mais escura do diagrama, o falante tem em sua mente também que essa casa está localizada em outro espaço maior que ela. Esse outro espaço é menos detalhado no sentido em que ele é tomado apenas como referência genérico e às vezes nem explicitado no evento de fala. A oposição entre o ground mínimo e o ground máximo é contextual. Mas sempre será organizada entre espaços relacionados diametralmente proporcionais. Por exemplo:

109

Exemplo 5:

Amanda: O Adrielles e Marcos foram dormir lá no quarto da líder.

Francielle: E fê foi dormir no outro.

Amanda: o Fê foi dormir lá no quarto de Nárnia?

(Elas estão em um quarto onde elas dormirão) [00:06: BBB15 cd1].

No exemplo 5, os Brothers estão no quarto, quando Amanda se refere a outro quarto da casa. O objeto de atenção Fê localiza-se num cômodo da casa, espaço do ground máximo implicitamente evocado com pela informação quarto de Nárnia. Se o ground mínimo é, como no exemplo 5 um cômodo de uma casa, o ground máximo será o cômodo ou a própria casa. Se, por outro lado, o evento discursivo toma o ground do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o ground máximo será outro estado ou o Brasil.

Não se trata, portanto, de um tratamento escalonar da distância, pois não é mensurável em metros ou alguma medida objetiva, mas está no campo da percepção do falante. Jonhson

(1987) afirma que, ao estabelecer o ponto de vista central, uma pessoa pode concentrar sua

Figura 21: Representação esquemática da projeção do posicionamento do locutor no campo espacial.

110

atenção em um objeto ou campo perceptual, enquanto examina o mundo. Assim, ainda segundo o autor, o que é figura ou está no primeiro plano da atenção pode, no instante seguinte, se tornar fundo, a medida que o sujeito cognoscente vai se movendo perceptivamente no mundo

(JOHNSON, 1987).

Esse movimento da atenção pode estar na base da alternância do uso dos dêiticos espaciais. O que se pode apreender dessa semântica dos dêiticos lá e ali é que a distância

expressa pelos dêiticos é uma escolha do falante. Essa mudança de extensão do evento é o que

Talmy (2000) descreve a operação cognitiva de redução ou, em alternativa, como a adoção de uma perspectiva distal. Essa mudança também pode corresponder à aproximação que se trata da operação proximal. Esse movimento de ampliação ou redução é o que chamo nesta tese de zoon cognitivo, que é a capacidade de o sujeito aumentar ou diminuir a distância do espaço ocupado pelo objeto de atenção em relação ao ponto de referência. Isso se dá porque se trata de uma opção do falante que, ao escolher um ou outro locativo espacial, instrui o ouvinte a perceber a distância não como ela se dá na realidade das coisas no mundo, mas como o sujeito cognoscente a interpreta.

Essa indicação está em consonância pela opção de uma semântica não objetivista, reivindicada como pressuposto fundamental da Linguística Cognitiva. Essa preocupação não apenas com o conteúdo objetivo de uma unidade lexical que expressa o objeto de conceptualização evidencia a participação do sujeito na construção do conteúdo.

Para descrever os padrões de uso prototípicos dos dêiticos lá e ali utilizarei a situação default da dêixis, proposta por Rubba (1996). Em seguida, aplicamos três critérios pragmáticos encontrados na literatura sobre o uso desses locativos: critérios de distância, apontado por

Pontes (1992), os critérios de acessibilidade e de visibilidade apresentados por Teixeira (2005)

111

e Pereira (2009) para organizar os dados. Como esses pesquisadores não definiram propriamente seus critérios, estabeleci uma definição que usarei para avaliação das situações em que o lá e ali aparecem. São elas:

a) Acessibilidade: pode ser definida pelas condições de alcance do objeto de busca pelos interlocutores. Um objeto de busca será acessível se puder ser alcançado pelas mãos, mais comumente, ou ainda, de forma menos comum, pelos pés. Ao contrário, será não acessível se não puder ser alcançado por um desses membros humanos. Em escala maior, a acessibilidade também pode ser medida pela presença de bloqueio de qualquer natureza.

b) Distância: pode ser definida pelo tempo de deslocamento entre o ground onde estão os interlocutores e o ground onde está o objeto de busca. Assim, o objeto de busca estará distante, se o tempo de deslocamento para alcançá-lo for maior, e não distante, se o tempo de deslocamento for menor.

c) Visibilidade: pode ser definida pelas condições de percepção visual do objeto de busca. Desse modo, um objeto de busca será visível, se não houver algum bloqueio que impeça a percepção visual, e não visível, se houver qualquer bloqueio a esta percepção.

Como se pode notar, a presença de bloqueio está presente em dois desses critérios e poderá estar associado aos diferentes tipos de fronteira físicas ou simbólicas. A análise, que apresentarei na próxima seção, manipulará esses parâmetros para descrever a situação prototípica e a não prototípica do uso do lá e do ali.

5.3 A situação prototípica do locativo lá

A semântica do lá, como já vimos na literatura sobre esse locativo, implica distância tomada como longe do centro dêitico. Segundo a situação default da dêixis, esse locativo ocupa uma zona espacial fora do evento discursivo imediato. O espaço caracteriza-se pela sua não

112

determinação, ou seja, falta de detalhe ou apenas como opositiva ao espaço onde estão os interlocutores.

O exemplo 6 mostra três Brothers no quarto conversando, de acordo com a Figura 22:

Figura 22: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 6.

Exemplo 6:

Thamires: Vocês preferem que Douglas sai

Angélica: Pelo jogo é melhor Adriles sair, porque eles estão se unindo. A

questão é desmembrar o grupinho.

Rafael: É melhor Adriles sair

Thamires: Eu posso falar? Tudo o que a gente conversar lá com Marcos.

Marcos está só com a antena ligada.

Thamires: Ele leva tudo para lá.

Angélica: Claro que leva. [00:15: 55 BBB15 CD1].

O uso do lá nesse diálogo expressa o espaço onde Marcos, objeto de atenção está. Pode se notar que esse espaço corresponde a algum lugar da casa sem, no entanto, especificar esse lugar (figura abaixo). Trata-se de um lugar sabido e tido como pertencendo ao ground máximo

113

correspondente à casa onde estão confinados os Brothers. As duas ocorrências de lá expressam uma distância marcada pela não visibilidade e não acessibilidade imediata do lugar onde está

Marcos. Contextualmente, a definição detalhada desse lugar não representa informação significativa para o conteúdo da conversa.

Exemplo 7:

Fernando: Calma...deixa eu falar. Você não veio aqui por causa dessa garota.

Você não veio aqui por causa disso...você veio aqui por causa dessa

garota...você veio aqui por causa de um milhão e meio. Você se isolou porque

você fica grudadinha com essa garota. Isso me chateou muito. Por isso não

falei nada...eu calei a boca na hora olhando no seu olho porque se eu falasse a

a gente ia brigar feio porque você falou merda nisso. Eu posso falar que eu

quiser aqui. Você não pode opinar pela minha decisão. Entendeu? Então você

falou besteira. Quando eu te levei para lá para conversar, você saiu foi na

mesma hora que acabou você entendeu sim... só que você saiu de lá fazendo

uma furacão aqui mas você havia entendido o porquê do meu voto sim...você

fez de desentendida...ai meu Deus do céu.

Figura 23: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 7.

114

O exemplo 7 mais uma vez mostra o emprego do locativo lá, expressando um lugar distante do quarto onde estão os interlocutores. Esse lugar referido não está visível nem acessível aos interlocutores. O lá expressa um lugar sabido na casa, mas indeterminado no evento de fala. Minha defesa desse emprego do lá tem como base o esquema imagético

CENTRO versus PERIFERIA, que exprime a ideia de indeterminação do que de negação como se vem afirmando quando se trata de construções gramaticais como “sei lá”. Tal expressão indica “um saber não determinado, pois sempre depois da expressão, normalmente aparece um desejo ou julgamento do falante. Essa possibilidade de interpretação do lá explicaria também o uso desse locativo em construções linguísticas nominais, tais como “uma mulher lá” ou “um negócio lá” em que o locativo não pode ser substituído pelo advérbio não, mas significa uma mulher e um negócio qualquer, sem nenhum detalhamento.

A figura a seguir é uma representação do uso do lá. Nela, associo o conhecimento sobre o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA, em que o lá ocupa uma região espacial distante do centro dêitico no limite de sua capacidade visual, por isso os objetos difusos e sem contornos específicos.

Figura 24: Representação do uso do lá.

Vale acentuar que a fronteira de que falo nessa análise nem sempre se trata de fronteira física, objetiva, como se verá na descrição dos casos de alternância.

115

5.4 A situação prototípica do locativo ali

A semântica do pronome locativo ali, como também se viu nas seções anteriores, inclui os parâmetros distância próxima, acessibilidade e visibilidade. A determinação desses fatores pode ser verificada pelo uso ordinário desse locativo em situação de comunicação face a face, em que o estabelecimento do centro dêitico permite visualizar, de alguma forma, que o objeto de busca está dentro da região delimitada pelo evento discursivo. Dessa forma, meu objetivo nessa seção é determinar qual é a cena conceptual evocada na mente dos falantes, quando usa o pronome locativo ali.

Exemplo 8: Carlos: Deixa ali...Bota na panela ali oh...depois você esquenta...

(Carlos, Dicesar e Anamara estão almoçando. Cadu olha para panela que

está no fogão) [15:05:58 BBB 10 cd 2].

Em Exemplo 8 os interlocutores estão sentados à mesa dentro da cozinha. Assim, o evento discursivo é delimitado pelas paredes do cômodo. O objeto de busca é uma salada que

Anamara não quer comer. A panela é a microrregião dentro da própria cozinha para onde é dirigida a atenção do grupo. Como a panela está no fogão dentro da cozinha, percebe-se que o tempo de deslocamento é curto. Como não há nenhum bloqueio, pode-se dizer que a região da panela é acessível e visível.

Exemplo 9: Mariza: Ei, não. Essa toalha é minha...de lá do quarto...eu trouxe para a

piscina.

Douglas: Pega outra ali oh...

Mariza: Não. Essa é minha... que eu tomo banho

Douglas: É que tá toda suja. [12:25:38 BBB15 cd 4].

116

A toalha referida por Douglas

Figura 25: Momento em que os Brothers tinham o diálogo do Exemplo 9.

O evento discursivo apresentado no exemplo 9 acontece na área externa da casa. As delimitações físicas desse ambiente são as paredes da casa e o muro que separa casa do resto do estúdio da emissora de televisão. O objeto de busca é a toalha, que está sobre uma cadeira de piscina logo à frente de Douglas. Como se pode perceber, a região onde está a toalha está localizada dentro do ground do evento discursivo. A distância entre o objeto de busca e Mariza, a quem Douglas dirige seu comando, é curta. Mariza também pode ver a toalha mostrada por

Douglas. Assim, os fatores distância, acessibilidade e visibilidade podem ser aplicados à cena inequivocamente.

Exemplo 10

Fernanda: Na hora que o Dourado chegou, eu disse assim “Cadu ganhou”...

Eu tinha certeza que Cadu tinha ganhado na hora que o [Dourado] entrou ali...

(se apontando para porta da sala) mas ai Dourado falou “[Di] ainda está lá

ainda” (se referindo ao local da prova)... como?... como? [41:25:15 BBB10

cd3].

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No Exemplo 10, pode-se ver que o locativo dêitico ali se refere à porta da sala onde está Fernanda. A porta está dentro do ground mínimo do evento discursivo e é o marco por onde passou Dourado. Desse modo, a microrregião delimitada pelo ali está perto dos interlocutores, acessível por eles e dentro de seu campo de visão, por isso com objetos bastante detalhados e distintos. A figura 26 representa a cena conceptual evocada pelo ali.

Figura 26: Representação do uso do ali.

Essa semântica do ali explicaria usos do locativo em construções que expressem precisão como “aquilo ali”. Outro aspecto interessante da semântica desse locativo, notado pelo visualização das cenas da gravação, é que esse locativo, quando usado no sentido dêitico indicial, vem normalmente acompanhado de um gesto com a cabeça, lábios ou com o dedo, como aponta a imagem abaixo num close do exemplo 11.

Exemplo 11:

Mariza: Ei, não. Essa toalha é minha...de lá do quarto...eu trouxe para a piscina. Douglas: Pega outra ali oh... Mariza: Não. Essa é minha... que eu tomo banho Douglas: é que tá toda suja. Mariza: Ai, não acredito Douglas: É que tava ali...eu achei... mas eu pego outra ali no big Brother...ali Mariza: Limpa? Douglas: Dentro da sauna...pode pegar...azul...do Big Brother... [00:04:50 BBB10 cd6].

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Figura 27: Gestos de um dos participantes relacionados ao Exemplo 11.

Além do apontamento o ali pode aparecer, como no exemplo 11, acompanhado por uma interjeição como reforço para precisão que se pretende com o locativo. Nas situações mostradas acima, pode-se perceber que o uso do ali está ligado a situações em que a distância proximal, acessibilidade e visibilidade estão presentes. Pode ser observado também que a ausência de bloqueio pode fazer parte da escolha do locativo.

Aplicando as noções da categoria esquemática de grau de extensão de Talmy (2000), posso confirmar a hipótese de que o lá e o ali são usados preferencialmente em situações com as características:

Quadro 7: Características das situações que evidenciam o uso do lá e do ali.

Uso do lá Uso do ali - distante - não distante - não acessível - não acessível - não visível - visível

A percepção da delimitação espacial do ground onde estão os interlocutores indica que as fronteiras reais ou simbólicas podem funcionar como um subcritério da visibilidade. Por exemplo, em casos em que essa delimitação é mais evidente, a percepção de limites pode interferir na escolha do locativo. A sobreposição do esquema imagético CONTÊINER ao

119

esquema CENTRO/PERIFERIA pode explicar alguns usos desses locativos. A presença de fronteiras nítidas é importante e, apesar de não ter desenvolvido, Pereira (2009) considera-o em sua análise.

5.5 A situações de alternância do uso do lá

As situações em que o uso do locativo lá não corresponde ao uso prototípico apontados nas seções anteriores devem apresentar, por oposição à situação prototípica, a ausência se não de todos, de pelo menos um dos fatores pragmáticos distal, acessibilidade e visibilidade. A análise das situações em que ocorre a alternância observará esses parâmetros. Além disso, me interessa as motivações que levam à alternância.

Exemplo 12:

Dicesar: (rindo) O Serginho saiu do quarto falando “ué tá chovendo?” Daí eu vim correndo para pôr a mão para fora. Dourado: Pegadinha... fez pegadinha contigo...o céu está limpo o céu não tem nenhuma nuvem...olha a lua...a lua nova... crescente que dizer Dicesar: Onde?

Dourado: Tu vai subir lá1 ... Sobe e olha para lá2...sobe e olha pra lá2...que

bonito. (lá1 = escada; lá2 = a região do céu onde está a lua) [25:07:50 BBB10 cd2]

O céu, onde está a Lua lá2 A escada lá1

Figura 28: Imagem correspondente ao Exemplo 12.

120

No exemplo 12, o lá1 corresponde à escada (assinalada na Figura 28). Trata-se de um espaço não distante, acessível e visível. A escada está dentro da região perceptual dos interlocutores e pode ser acessada facilmente por Dourado. Todavia, Dourado está dentro da piscina, região delimitada. Apesar de ser uma região perto da outra onde está a escada, Dourado opta pelo uso do lá, porque ele toma o objeto de busca, a escada, como estando fora da região delimitada onde está. Apesar de não constituir uma fronteira típica, as margens da piscina oferecem condições para separá-la do resto do jardim.

Assim, o lá1 está sendo usando numa situação não prototípica, em que a região do objeto de busca está perto, acessível e visível. Em lá2, o objeto de busca lua está no céu, região fora do alcance dos interlocutores. Entretanto, está visível, o que configura uso que se afasta do uso prototípico. Vale notar que, ao empregar o lá2 Dourado o faz, apontando com o braço para o ponto do céu onde está a lua que Dicesar tem dificuldade para localizar provavelmente por alguma questão estrutural da casa em relação ao lugar que ocupa. Como já disse, o gesto normalmente acompanha mais costumeiramente o locativo ali.

Na situação, o ali não pode ser empregado porque a lua está muito distante e não é acessível. Então, Dourado emprega o lá por ele atender as duas condições pragmáticas da semântica do lá, mas quer a precisão do locativo ali, pois a lua é visível. O gesto pode ser um reforço dessa tentativa de precisar a localização da lua no céu. Esse seria um caso intermédio de afastamento da prototipicidade do locativo.

O exemplo 13 apresenta uma situação de comunicação em que o uso do locativo se afasta substancialmente do seu uso prototípico. Os Brothers estão sendo instruídos sobre as regras da prova da semana em que a equipe vencedora terá direito a certa quantidade de alimentação. Mariza é uma senhora com poucas habilidades físicas e compõe uma equipe cujos membros também não creem em sua capacidade. A brother está muito nervosa, então tenta negociar a sua tarefa no jogo, como mostra o exemplo 13.

121

Exemplo 13:

Narrador: Dada a largada, um pega a bolinha e joga para dentro da gaiola. Lá

dentro em cima de um disco rodando, dois se viram para agarra a bolinha e

jogar para fora...onde outro deve apanhá-la e preencher o alvo de acordo com

as corres. Quem completar primeiro o alvo preenchendo tudo certo aperta o

botão para encerra a prova.

Mariza: Olha...não vou acertar lá não...Não vou acertar lá não...olha só...Para

mim é mais fácil agarra aqui do que jogar lá...

Mariza Lá

Figura 29: Imagem referente ao Exemplo 13.

A prova consta do arremesso de uma bola dentro de uma estrutura retangular. A boa deve passar, entretanto, por um pequeno furo na tela que circunda a estrutura. A ideia é que o um dos membros dentro da estrutura possa agarra a bola, para garantir os pontos para a equipe.

Como se pode ver na imagem, Mariza está bem próxima da estrutura, de modo que ela está vendo nitidamente o lugar onde a bola deve passar. O local está perto e é acessível à participante. No entanto, o medo de não conseguir realizar a prova na posição de arremessadora pode ter feito Mariza optar pelo zoon cognitivo de afastar o objeto de atenção, abandonando a configuração objetiva do mundo, adotando uma construção subjetiva da cena.

Como se viu, o ponto de vista objetivo acontece, quando o falante pretende descrever as

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configurações do ground discursivo da forma como os seus elementos circunstanciais se apresentam na realidade. A subjetividade, ao contrário, envolve um sujeito que opta uma visão pessoal e subjetiva da organização circunstancial do evento de fala, “representando-a no discurso por meio de recursos linguísticos específicos, tais como dêixis espacial e temporal explícitas, marcadores explícitos da atitude do falante/redator em relação à proposição e à estrutura discursiva, entre outros”. (FERRARI, 2015, p. 96).

Figura 30: Imagem relacionada ao Exemplo 14.

Exemplo 14: Adrielles: O negão está tomando banho pelado mesmo, rapaz. Olha lá! [00:04:18 BBB15 CD 1].

O exemplo 14 mostra uma situação em que Adrieles, Mariza, Fernando e Douglas estão no banheiro. Douglas, num comportamento inusitado, está tomando banho completamente nu.

Adriles utiliza o locativo lá para se referir ao espaço onde está o companheiro de confinamento.

Obviamente, o espaço do box é próximo, visível, acessível aos Brothers. Todavia,

Adriles pode ter optado pelo lá para demonstrar não participação no comportamento do amigo.

A construção subjetiva da distância pode, então, implicar proteção de face: um homem não pode olhar diretamente outro homem nu. O grau de afetamento psicológico é grande, de modo

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que os parâmetros objetivos são abandonados em nome de um comportamento de não aceitação da ação do colega.

O exemplo 15, também mostra uma situação em que o locativo lá é empregado fora de seu uso prototípico. Angélica e Thalita estão deitadas na área externa da casa, observando o grupo de outros participantes com os quais a Angélica havia brigado na noite anterior. Os dois grupos estão dentro do campo de visão um do outro.

Exemplo 15:

Thalita: Por que eles têm de ficar ali agora conversando?

Angélica: Porque eles querem ficar lá lambendo o rabo do Marcos. [00:06.45

BBB15 cd 6].

Figura 31: Imagem relacionada ao Exemplo 15.

Talita faz uso do ali construindo a cena de maneira objetiva, pois parece reconhecer os parâmetros que licenciam o uso desse locativo. Angélica, no entanto, emprega o locativo lá

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para denotar a mesma cena. O zoon de distância que Angélica realiza está ligado à sua indisposição com o grupo e sua franca tentativa de dizer que não está próximo deles. O lá é uma instrução, para que a ouvinte encare seu afastamento psicológico do grupo.

Observou-se, na análise dos exemplos que mostram o uso não esperado do pronome locativo lá, que os fatores pragmáticos distância, acessibilidade e visibilidade não foram determinantes para o uso do locativo. De certa forma, o fator distância está presente, pois ele que é ampliado no zoon cognitivo. Notou-se também que em todos os casos observados, apesar de os eventos de fala não apresentarem os três parâmetros juntos, há ainda o subcritério de delimitação física ou psicológica, recortando os exemplos também. No caso da alternância vista acima, fatores psicológicos como medo, vergonha ou proteção de face estão envolvidos no zoon de distância que a alternância do lá.

5.6 A situações de alternância do uso do ali

As situações em que o uso do locativo ali não corresponde à sua semântica prototípica devem apresentar os parâmetros distância, não acessibilidade e não visibilidade. A análise das situações em que ocorre a alternância observará esses parâmetros.

Exemplo 16:

Dicesar: Não morro de amores por ele...mas passa tudo... ninguém aqui está

protegendo [...] nem eu, nem você e muito menos ele...é que ele é repetente.

Ele foi muito julgado no outro BBB [ ] que ele é nojento...estúpido... ele tem

flash de bondade... mas é tudo para fazer linha...mas para mandar calar a

boca...eu achei que ele ia voar na Maroca ali na sala...ia dá na cara dela.

[00:15:54 BBB10 cd3].

Dicesar: Fiquei com vontade de chorar. Fiquei com vontade de cair ali no chão

e gritar. [00:25:14 BBB10 cd3].

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Figura 32: Imagem relacionada ao Exemplo 17.

No exemplo 16, Dicesar está na cozinha conversando com outra integrante do programa.

O ali tem como referente a sala, outra região diferente do ground mínimo onde estão os interlocutores, ou seja, um outro ambiente distante, não acessível imediatamente e não visível.

Há uma fronteira nítida que delimita o ambiente da cozinha. Entretanto, o emprego do ali nestas duas situações realiza o zoon proximal. O licenciamento para o uso do locativo ali no lugar do lá parece se justificar pelo grande conteúdo emocional com a cena narrada. A construção subjetiva da distância fica justificada pelo abandono das relações objetivas e coloca os interlocutores na cena narrada e não no ground imediato do evento.

O exemplo 17 mostra Mariza conversando com Adriles na cozinha da casa. Ela narra, indignada, o episódio em que Douglas usa sua toalha pessoal. A brother utiliza o ali na narração da cena.

Exemplo 17:

Mariza: As pessoas se esforçam né. Eu vim de lá com a toalha do líder que é

uma toalha diferente bonita verde...vim deixei dobradinha ali bem separada

de todo mundo, menino...quando eu olho tá...quem? Douglas...com a cara...

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O uso do lá corresponde ao seu uso prototípico, uma vez que tem como referente um espaço fora do ground imediato do evento de fala. Observe que é um espaço indeterminado sem nenhum detalhamento. O ali se refere ao espaço do jardim onde aconteceu o caso narrado.

Trata-se também de um espaço fora do ground imediato, mas o uso do ali realiza o zoon de distância proximal. Mariza está envolvida psicologicamente com a cena narrada e o ali se refere ao espaço onde as ações de desenrolaram. Vale notar também que o lá usado por ela usa faz referência a este espaço expresso pelo ali, fato que evidencia a relação pragmática entre os dois locativos mesmo em situação de alternância de um deles.

Exemplo 18: Rafael: Tem uma mulher loira ali. Que isso, meu Deus! (Está na cozinha olhando para área de fora perto da piscina).

Em Exemplo 18, Rafael está dentro da cozinha, mas olhando pela janela, visualizando a área externa da casa. O uso do ali nessa situação aponta para relevância do fator visibilidade.

Apesar de uma delimitação física, as paredes, a visão clara da outra região autoriza o emprego do ali. Além disso, no pátio há um objeto de desejo de Rafael. O emprego do ali justifica-se, porque o interesse psicológico de Rafael o aproxima da região onde está o objeto de desejo.

As situações em que o ali não corresponde a sua semântica prototípica envolvem história narrada em que o locativo expressa o ground dos acontecimentos narrados como acontece nos exemplos 15 e 17. Além isso, a construção subjetiva do zoon proximal se deve também ao envolvimento emocional do falante com as ações.

As situações que envolvem afastamento do uso prototípico dos locativos lá e ali não constituem um sistema gradual. Antes, obedecem a uma série de condições pragmáticas que definem a escolha de um ou outro locativo.

O problema pode ser posto em termos da identificação dos critérios ou condições de uso que norteiam a opção por um ou outro locativo e o grau de subjetividade construído pelo falante.

Minha posição é de que a instauração de uma conversa entre dois interlocutores estabelece uma

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região espacial delimitada pela percepção imediata de objetos ligados ao evento comunicativo instaurado. Em outras palavras, um diálogo define contornos de percepção imediata constituindo um esquema de CONTEÇÃO e o falante instrui o ouvinte como ele deve encarar as relações de distância entre os objetos de atenção e o centro dêitico do evento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho me debrucei sobre a alternância dos dêiticos locativos lá e ali no português brasileiro a partir do referencial teórico da Linguística Cognitiva e, em especial a

Teoria dos Esquemas imagéticos (JONHSON, 1987, LAKOFF, 1987). O fenômeno foi observado em ocorrências dos dois locativos em fala espontânea, retirados da gravação do BBB

10 e BBB15, programa de televisão exibido pela Rede Globo de Televisão.

Esta tese procurou cumprir principalmente o objetivo central: descrever os usos não- fóricos em situação de alternância desses locativos. Dele, emergiram dois objetivos específicos: i) identificar qual a motivação semântico-pragmática que subjaz a opção do falante por um dos dois locativos e ii) apontar o processo cognitivo que participa da alternância dos locativos em tela.

Investiguei a literatura sobre os dêiticos. O objetivo foi encontrar os aspectos semânticos e pragmáticos que definem o uso prototípico desses locativos. A literatura consultada permitiu o levantamento de três parâmetros: a distância, a visibilidade e a acessibilidade. Passo seguinte, foi aplicar esses critérios definidores para determinar o padrão de uso. Para analisar os dados, foi necessário também determinação do ground default da dêixis, o qual encontrei em Rubba

(1996). A autora apresenta a possibilidade de criação de ground alternativo para as ocorrências dos usos não prototípicos dos locativos.

Em relação a esse aspecto, constatei que a alternância do lá não pode ser descrita a partir na noção de ground alternativo, pois mesmo no uso não prototípico, ele expressa distância em relação ao ground onde estão os interlocutores. No caso do ali, há possibilidade de alternância pela noção de ground alternativo, pois em dois casos pelo menos o ali é empregado em histórias narradas, expressando o espaço onde se desenrola a ação do evento narrado e não do evento discursivo. Observei também que alternância não está relacionada a uso de elementos não

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obviamente dêiticos, como identificou Marmaridou (2000), pois os dois locativos são primariamente dêiticos locativos.

A partir da categoria de grau de extensão identificada por Talmy (2000), constatei que a expressão de distância numa língua natural é, antes, de uma expressão objetivo, uma questão de perspectiva. Assim, os elementos de uma classe fechada, como as dos dêiticos locativos, são gramaticalizações das experiências de uma comunidade linguística e o uso desses elementos linguísticos pode ser associado não mais às relações objetivas da disposição dos objetos no mundo, mas como o falante quer que o ouvinte construa as relações.

De fato, mesmo em situação em que o falante quer construir um discurso observando as relações objetivas do mundo no concernente à distância dos objetos em relação a si mesmo, centro dêitico do evento de fala, os locativos lá e ali podem expressar distâncias diferentes como se viu nos exemplos 1 e 2 do capítulo de análise dos dados. Depois de analisar os parâmetros semânticos-pragmáticos, constatei que a alternância desses locativos é motivada pelo grau de subjetividade proposto pelo falante afetado por algum estado emocional (medo, constrangimento, adesão emocional ao evento narrado), em que os locativos em tela servem de instrução discursiva de como a distância entre os objetos do mundo deve ser interpretada.

Identifiquei que a operação cognitiva que está atrelado a está alternância é o zoon cognitivo, operação que permite o distanciamento ou aproximação de um objeto em relação ao centro dêitico, a partir da conceptualização que o falante constrói do evento discursivo.

Por fim, como substrato da análise empreendida nesta tese, pude constatar o valor de indeterminação e determinação dos locativos lá e ali respectivamente. Esses valores foram percebidos na relação desses locativos com a o esquema imagético CENTRO-PERIFERIA, o qual define os espaços perceptuais onde estão localizados os objetos de atenção. A admissão desse valor permite uma explicação relevante de construções do tipo “uma mulher lá”, “um negócio lá”, entre outros, de caráter indeterminado e não negativo.

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