Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Instituto De Letras Programa De Pós-Graduação Em Letras
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS IMAGENS , ESQUINAS E CONFLUÊNCIAS: um roteiro cinematográfico baseado no romance O Quieto Animal da Esquina, de João Gilberto Noll, seguido de anotações JÚLIO CÉSAR DE BITTENCOURT GOMES Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Literatura Brasileira ORIENTADORA: PROF. DRª MARIA DO CARMO CAMPOS PORTO ALEGRE, MARÇO DE 2003. AGRADECIMENTOS 2 Num luminoso insight que não canso de citar, o escritor argentino Ricardo Piglia diz que toda a forma de crítica é uma forma pós-freudiana de autobiografia: quando o crítico pensa estar falando sobre a obra está, na verdade, falando de si mesmo. Este ensaio, que levei dentro de mim por quatro anos, é, de algum modo, um relato confessional. As questões da literatura e do cinema contemporâneos que identifico e que me seduzem são as minhas questões; o esboço de retrato que vejo as poéticas atuais delinearem é o meu auto-retrato. Ao longo do processo de concepção e escrita deste ensaio, várias pessoas com quem convivi contribuíram para que ele fosse mais rico e assim também se transformasse um pouco no retrato delas. Não poderia, então, deixar de mencioná-las. Pela generosidade e confiança que demonstraram ao me dar a oportunidade de escrever o roteiro, o meu profundo agradecimento a João Gilberto Noll e Marta Biavaschi; a orientadora, Profª. Drª. Maria do Carmo Campos, por ter acreditado que este projeto era possível; a Valdomiro de Bittencourt, o primeiro leitor de sempre, pela interlocução ao longo da vida e pelas observações que tornaram este texto melhor; aos companheiros Fabiano de Souza, Fatimarlei Lunardelli, Ivonete Pinto e Fernando Mascarello, do Núcleo de Estudos de Cinema de Porto Alegre, pelas discussões densas e prazerosas; a Marcus Mello, que sempre me contagiou com sua paixão pelo cinema, pelas conversas e pelas sugestões de filmes e livros; aos meus “irmãos íntimos” Messias Gonzalez e Richard Serraria, pela parceria de sempre; a Vera Medeiros e Viviane “Gawazee” da Silva, pelo convívio durante e depois do curso; a Renata Requião, pelas longas conversas sobre vida e literatura (termos que, nessas conversas, tantas vezes se confundiram); a Gustavo Ventura Gomes e Edegar Luiz Rissi da Silva, pelas conversas na livraria e pela retaguarda bibliográfica; a Maria Clara Corsini Silva, pela ajuda na versão da sinopse; a Paula Terra Nassr, pela versão da fala radiofônica (cena 128); a Marta Braun, pela inestimável ajuda: a escuta atenta e a companhia no meu percurso de volta a minha própria história; muito especialmente a Ita Pinheiro, por ela mesma e por ter me mostrado, com sua presença terna e amorosa, que a alegria pode ser revolucionária; e a Vó Hilda, Vô Aldo, Tio Valdomiro (de novo!) e Tia Liane, Mãe Therezinha, Irmã Sandra e os afilhados Juliano e Thiago, pelo que vivemos juntos. Gostaria, também, de agradecer ao CNPq, que concedeu a bolsa de pesquisa que possibilitou a realização deste projeto e ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS que o acolheu. Este ensaio trata, de algum modo, de pais e filhos. Dedico-o, então, à memória de meu pai, Clóvis, que está em mim. Março, 2003. 3 Sinopse Este ensaio pretende, de um lado, identificar e descrever os traços dominantes da literatura e das demais poéticas contemporâneas, e, de outro, relatar o processo de transposição de um texto literário – o romance O Quieto Animal da Esquina, de João Gilberto Noll – para um texto de cinema, o roteiro cinematográfico homônimo, de minha autoria. Menos uma tese acadêmica do que uma tentativa de se constituir como um objeto artístico em si mesmo – tanto em sua condição de roteiro, quanto na de uma aproximação eminentemente subjetiva, não “científica”, de um modo de expressão – este ensaio é uma proposta de discussão sobre a rarefação de limites, sobre o diálogo e a interdependência das artes. 4 Abstract This essay has as its purpose to, on the one hand, identify and describe the main literature’s features and the other contemporary poetics and, on the other hand, to report the transposition process from a literary text – the novel O Quieto Animal da Esquina, by João Gilberto Noll – to a movie text, the homonymic screenplay written by myself. Less an academic thesis than an attempt for building itself up as an artistic object in itself – as much so in its condition of screenplay, as in its approach basically subjective, not a “scientific one”, so to speak – this essay is a proposal for further discussion about the rarefaction of boundaries, about the dialogue and the interdependence of Arts. SUMÁRIO I – Fade in…………………………………………………………………………….…6 II – MODO DE USAR...................................................................................................12 III – NÃO PODE SER LIDO (OU VISTO) SEPARADAMENTE...........................45 IV – O QUIETO ANIMAL DA ESQUINA: UM ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO BASEADO NO ROMANCE HOMÔNIMO DE JOÃO GILBERTO NOLL.........78 V – ANOTAÇÕES…………………………………………………………………...151 VI – Fade out……………………………………………………………………...….215 5 VII – BIBLIOGRAFIA…...........................................................................................219 VIII – DISCOGRAFIA……………………………………………………………...235 IX – FILMOGRAFIA……………………………………………………………….236 X – ANEXOS…………………………………………………………………….…..252 I – Fade in 6 Fade in /fejd’in/ [ing.] sm. (sXX) 1 CINE TV. efeito de aparecimento gradual de imagem; abertura (…) aparecimento gradual de uma imagem no início de um filme ou seqüência televisiva. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa I Começo com um tema, o olhar, que se desdobrará em pequenas variações que tentarão, de modo breve, dar conta dos meus propósitos ao escrever este ensaio. Um dos artistas ícones do final do século XX, o cineasta alemão Wim Wenders, escreveu certa vez uma frase ao meu ver iluminadora e fundamental para a compreensão de todo um roteiro ético e estético da criação artística contemporânea: “É o olhar que decide se algo foi visto”. Interpreto essa frase à minha maneira dizendo que é a presença do sujeito que confere existência ao objeto, ou que, ao menos, lhe dá os contornos a partir dos quais uma história lhe será agregada, e essa história, menos um relato de acontecimentos do que um testemunho único e irrepetível de um sujeito específico sobre as coisas do mundo, é, por sua vez, não uma totalidade, mas um fragmento, um olhar parcial em meio a tantos outros possíveis. Com essa idéia em mente, gostaria de refazer, neste momento inicial, o percurso, a gênese deste ensaio, iluminando o cenário e os passos que, mais do que atrair um olhar, 7 conduziram a um modo de olhar e, conseqüentemente, às reflexões que o mesmo propiciou. Para remontar essa trajetória, refazer esse itinerário, quero começar contando uma singela e breve história: no inverno de 1984, um adolescente adentra a escura sala do extinto Cinema I, Sala Vogue, em Porto Alegre, para assistir a algo até então raro em sua incipiente experiência de expectador: um filme brasileiro. Na tela, um outro adolescente, num outro contexto, vivendo, de uma outra forma, as questões comuns a todo adolescente: a sensação de ser único, a incomunicabilidade, a solidão, um não saber como prosseguir. Menos o discurso do que suas elipses, menos a história do que sua ausência, o tênue fio que separava a melancolia do desespero é o que perturbava e desconfortava a quem assistia aquelas imagens dolorosamente belas que se sucediam na tela. O nome do filme era Nunca Fomos Tão Felizes; seu diretor, então estreante em longa-metragem, Murilo Salles, e o roteiro era baseado num conto intitulado Alguma coisa urgentemente, de um ainda desconhecido escritor chamado João Gilberto Noll. Treze anos depois daquela já longínqua tarde, durante o seminário “Tempo de Violência: a Representação da Violência no Cinema e na Literatura dos Anos 90”1, no qual Murilo Salles era um dos palestrantes, o adolescente de 1984, agora já adulto, interpela o cineasta para agradecer pela revelação – através de seu poderoso filme – de uma literatura não menos poderosa e instigante que motivava, naquele momento, a dissertação de mestrado que o ex-adolescente defenderia em 1998 junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS: Interlúdio da utopia: o ser em fragmentos (leitura de uma trilogia de João Gilberto Noll). II Conto essa história, como talvez se possa intuir, para, de um lado, mostrar uma já longa e ininterrupta convivência com a obra de João Gilberto Noll e para, de outro, assumir, mais do que justificar, o caráter subjetivo, pessoal e, por assim dizer, comovido dessa convivência. Contra os riscos da perda de rigor ou do necessário distanciamento, 1 Seminário promovido pela Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia, da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre em outubro de 1997. 8 ouso dizer aqui que justamente a consciência do que há de subjetivo e idiossincrático numa leitura assim próxima, é o que a torna válida e operante. Penso que é por causa da e não apesar da proximidade com meu objeto que o meu ensaio (só por conveniências acadêmicas apresentado como uma “dissertação”) pôde se revestir de alguma originalidade e pretender vir a se tornar interessante ao leitor. Penso ainda mais: é este tipo de abordagem, por assim dizer de dentro, envolvida, que justifica qualquer avaliação de uma obra. Tanto quanto a própria literatura, a crítica que dela se faz se constrói sempre a partir de um olhar específico, de escolhas individuais, de opções por determinados enfoques que desconsideram ou se opõem a outros. Mesmo quando a subjetividade do crítico parece domada pelo “rigor do método”, ela ainda presta um tributo a sua natureza emocional, marcando o lugar preciso e o ponto de vista concreto de onde o crítico fala. E penso que assim mesmo é que deve ser. É no momento em que a crítica se assume como território do sujeito, como um olhar autoral e particular sobre esse estranho e multifacetado objeto chamado arte, que ela se torna mais produtiva e necessária.