20° Congresso Brasileiro de Sociologia 12 a 17 de julho de 2021 UFPA – Belém, PA GT 17 – Sociologia Política

Análise de Correspondência Múltipla: impasses metodológicos no estudo das carreiras dos vice-presidentes da República (1891-2018)

Nilton Sainz* Adriano Codato* Gabryela Gabriel* *Universidade Federal do Paraná

1. Apresentação do estudo Desde o esboço de Max Weber (1994) em 1918 sobre os tipos de carreirismo político, são inúmeras as mudanças na compreensão da profissão política e dos seus agentes (ALLEN et al., 2020; VERCESI, 2018). No século XX, houve sucessivas conversões de paradigmas de referência, perspectivas teóricas e modos de tratamento empírico do problema das elites políticas (BEST; HIGLEY, 2018). E também houve transformações significativas nos próprios perfis sociais, étnicos e de gênero da classe política e nos “viveiros” de recrutamento para o mundo político (DOGAN, 1999). São múltiplas as formas de ambição e de carreirismo em função de diferentes contextos institucionais (tais como sistemas de partido ou fórmulas eleitorais). Nesse contexto, sempre é preciso encontrar expedientes metodológicos capazes de reenquadrar as formas da representação política. De modo muito genérico, há duas escolas na pesquisa sobre carreiras políticas: uma orientada para os agentes políticos, outra orientada para os contextos institucionais (VERCESI, 2018). No grupo das análises centradas nos atores, há desde as abordagens resultantes da teoria da ambição política (BLACK, 1972; NICHOLLS, 1991; SCHLESINGER, 1966) até explicações que enfatizam

Impasses metodológicos no estudo das carreiras dos vice-presidentes da República social backgrounds, recursos profissionais e processos de socialização (GAXIE, 2018; PUTNAM, 1976). Em termos mais amplos, há ao menos três modos de entender os perfis da elite política que derivam de três disciplinas concorrentes: Sociologia da Política, Sociologia Política e Ciência Política. Segundo essa diferenciação, enquanto a Sociologia da Política enfatizaria prioritariamente variáveis sociais na explicação, a Ciência Política priorizaria apenas variáveis institucionais. A Sociologia Política se proporia a ser, idealmente, uma composição das duas perspectivas, conjugando, nas explanações, tanto variáveis institucionais como societais (COSTA et al., 2021). O objetivo desse estudo é discutir as possibilidades de interação entre variáveis institucionais e societais em um modelo de Análise de Correspondência Múltipla (ACM). Trata-se de uma discussão de caráter metodológico, que busca explorar as possibilidades e limitações dessa ferramenta nos estudos de elites. Logo, buscamos: i) apresentar a ACM como ferramenta estatística capaz de proporcionar resultados para análise de padrões em elites políticas; ii) demonstrar as limitações do método perante as interações entre variáveis institucionais e societais; iii) abordar a homogeneidade da elite política brasileira e o significado disso para pesquisas empíricas em sociologia política. Nosso foco neste estudo são as carreiras de todos os vice-presidentes do Brasil de Floriano (1891) a Temer (2018). Análise de Correspondência Múltipla é uma técnica de análise exploratória que possibilita trabalhar com dados categóricos e investigar a associação entre duas ou mais variáveis (FÁVERO; BELFIORE, 2017; LE ROUX; ROUANET, 2010). Na ACM, o objetivo é exibir geometricamente as linhas e colunas por meio de coordenadas, de modo que a proximidade no mapa perceptual indique similaridade entre esses indivíduos estatísticos (GREENACRE, 1984; HAIR JR. et al., 2009) ACM foi o método empregado nas Ciências Sociais a partir da obra A distinção, de Pierre Bourdieu (1979). A ACM preocupa-se em reproduzir, através da quantificação de seu material empírico, a realidade dos espaços e campos sociais (BLASIUS et al., 2019; LEBARON, 2010). Conforme Lebaron (2010), o uso da análise de correspondência em Ciências Sociais está associado à

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Impasses metodológicos no estudo das carreiras dos vice-presidentes da República caracterização de recursos, principalmente sociais e econômicos, de que dispõem os agentes1. Este texto tem quatro seções. A seguir, apresentamos o delineamento metodológico da pesquisa. Na terceira seção, os resultados são apresentados em função de dois modelos analíticos. Na quarta seção, comparamos os dois modelos. Por fim, nas considerações finais retomamos a discussão inicial e damos uma direção para a continuidade dessas investigações.

2. Delineamento metodológico A principal fonte de informações biográficas sobre os vice-presidentes da República foram os verbetes do CPDOC-FGV (ABREU et al., 2001). Quando necessário, contamos com informações complementares dos sites da Câmara dos Deputados, Senado Federal e jornais diários disponíveis online. A prosopografia dos indivíduos considerou dados sociopolíticos dos atores. O universo de análise é formado por 24 vice-presidentes em quatro períodos históricos da República, sendo o primeiro escolhido para o cargo (1889) e o último com mandato concluído (2018). A nossa periodização é a seguinte: Primeira República (1891-1930); Quarta República (1945-1964); Ditadura Militar (1964-1985); Nova República (1985 - Atualmente). No Quadro 1 apresentamos as variáveis de teste que foram consideradas para os modelos de ACM. Das variáveis apresentadas no Quadro 1, a variável “Trajetória eletiva” e “Ambição política” merecem descrições mais detalhadas. A primeira classifica, baseado no número de cargos ocupados antes da vice- presidência, aqueles que: i) não possuíam experiência em cargos eletivos (chamados aqui de “Desprovido”); ii) possuíam experiência em um único posto (chamados de “Leal”); iii) possuíam experiência em dois ou mais cargos eletivos (Acumulador). A variável “ambição política” classifica as aspirações políticas dos vice-presidentes de acordo com suas escolhas de carreira após deixarem o posto, ou seja, para onde foram no seguimento da vida político-eleitoral.

1 Alguns exemplos de uso nas ciências sociais brasileiras de ACM são (KLÜGER, 2017), (BORDIGNON, 2017), (CODATO et al., 2019) e (GONÇALVES JÚNIOR et al., 2009). Para uma explicação didática, ver (KLÜGER, 2018).

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Quadro 1: Variáveis que compõem o delineamento da pesquisa

Dimensão Variável Categorias Descrição

Trajetória Acumulador; Leal; Desprovido. Categorização a partir do eletiva número de cargos das

trajetórias políticas eletivas dos vice-presidentes. Institucional

Ambição política Progressiva; Estática; Classificação de acordo Regressiva; Discreta. com as escolhas de carreira dos vice- presidentes após deixarem o cargo.

Primeira República; Quarta Classificação de acordo República; Ditadura Militar; com o período histórico Período Nova República. que cada vice-presidente Contextual histórico assume o cargo.

Formação Ensino superior; Formação Classificação de acordo acadêmica militar; Sem Ensino Superior. com a escolaridade ou o

tipo de formação. Societal

Ocupação Militar; Professor; Advogado; Classificação de acordo Profissional Membro do Judiciário; Outros2. com a profissão de origem dos vice-presidentes antes de alcançarem o cargo.

Fonte: Elaboração própria.

A complexidade do sistema de cargos políticos e os múltiplos valores que as diversas posições podem admitir (BORCHERT, 2009) exige que seja adotado um método um tanto arbitrário e ad hoc de classificação para as escolhas de carreiras. Nesse caso consideramos: i) “Progressiva” para aqueles que chegaram à Presidência da República ou candidataram-se ao cargo de presidente; ii) “Estática” para os que foram reeleitos mediata ou imediatamente ao cargo; iii) “Regressiva” para os vices que optaram por cargos abaixo da Presidência da República; iv) “Discreta” para aqueles que se aposentaram das urnas após o cargo. Antes da Análise de Correspondência Múltipla foi realizado o teste de associação Qui-quadrado de Pearson com pares de variáveis que compõem os modelos presentes na análise multidimensional. Nos casos em que alguma das

2 Na categoria “Outros” foram agregadas as ocupações com baixa frequência no banco de dados, sendo elas: Jornalista; Médico; Engenheiro; Policial; Estancieiro; e Empresário.

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Impasses metodológicos no estudo das carreiras dos vice-presidentes da República variáveis não possui associação estatística significativa com outra, é recomendado que esta seja excluída do modelo (FÁVERO; BELFIORE, 2015). Para complementar, relatamos os coeficientes de V de Cramer que certificam a força de associação entre as variáveis (REA; PARKER, 2014). O segundo teste estatístico antes da ACM é o coeficiente alfa de Cronbach, que mede a confiabilidade dos modelos estatísticos a partir do comportamento das correlações entre variáveis (FÁVERO; BELFIORE, 2017). O alfa de Cronbach varia de 0 a 1, sendo considerado valores aceitáveis a partir de 0,41 a 0,60, quando a consistência interna do modelo é classificada como moderada (LANDIS; KOCH, 1977). Apesar desta classificação, não há consenso sobre a aceitabilidade desses parâmetros na literatura (FÁVERO; BELFIORE, 2017). Em relação à estatística dos testes de ACM, vale destacar os valores de inércia e autovalor. A inércia é uma medida de dispersão. Quanto maior a inércia, maior a associação entre as linhas e colunas, indicando o quanto a dimensão contribui (medindo a variabilidade dos dados) para a construção de cada eixo (FÁVERO; BELFIORE, 2017; HAIR JR. et al., 2009). Ligado aos valores de inércia, as medidas de autovalor são as somas das cargas fatoriais em uma dimensão e também uma medida de variância e contribuição de cada dimensão na explicação total. Assim como a inércia, valores acima de 0,2 (20%) são considerados aceitáveis para análises (HAIR JR. et al., 2009).

3. Resultados Testamos dois modelos de análise. No Modelo 1, o objetivo foi analisar os padrões de carreiras políticas dos vice-presidentes em diferentes períodos históricos da República. Inserimos na equação três variáveis, sendo “Período histórico” a nossa variável explicativa, e “Trajetória eletiva” e “Ambição política” as variáveis de resposta. Na Tabela 1, trouxemos os resultados do teste de associação qui-quadrado entre as variáveis dependentes e independente. Os resultados dos testes de associação indicam significância estatística (p<0,05) entre o acúmulo de cargos na carreira e ambições políticas futuras em diferentes períodos históricos.

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Tabela 1: Resultados de associação para o Modelo 1

VD Categorias Frequências VI P-Valor V de Cramer Desprovido 2 Trajetória Período Leal 4 ,036 ,53 eletiva histórico Acumulador 18 Progressiva 10

Estática 4 Período Ambição ,024 ,51 Regressiva 6 histórico política Discreta 4

Fonte: Elaboração própria.

Os valores do V de Cramer demonstra que a associação é relativamente forte entre as variáveis (REA; PARKER, 2014). A partir disso, o cenário se mostra favorável para seguirmos com a ACM. Na Tabela 2, expomos os resultados que resumem a estatística da análise de correspondência múltipla.

Tabela 2: Resumo do Modelo 1 na Análise de Correspondência Múltipla

Dimensão Alfa de Cronbach Variância contabilizada para Total (valor Inércia % de variância próprio) 1 ,837 2,261 ,754 75,361 2 ,730 1,949 ,650 64,968 Total 4,210 1,403 Média ,780 2,105 ,702 70,165

Fonte: Elaboração própria.

Segundo Landis e Koch (1977) valores de confiabilidade entre 0,61 e 0,80 são considerados substanciais. Nesse caso, a confiabilidade do Modelo 1 atinge 0,78. Os valores inerciais e a variância do nosso modelo são positivos para a análise, ultrapassando o valor crítico de 20% apresentado por Hair Jr. et al. (2009). Obtivemos uma variância superior a 70% dos casos explicados pelo modelo de análise. Na Tabela 3 e no Gráfico 1, trouxemos os resultados das variáveis no modelo.

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Tabela 3: Medidas de discriminação do Modelo 1

Dimensão Média 1 2 Período Histórico ,719 ,748 ,733 Tipo de Ambição Política ,810 ,645 ,728 Cargos acumulados ,732 ,557 ,644 Total ativo 2,261 1,949 2,105

% de variância 75,361 64,968 70,165

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 1: Medidas de discriminação do Modelo 1

Fonte: Elaboração própria.

Na Tabela 3, podemos observar que a variável “Ambição Política” possui a carga fatorial mais elevada na dimensão 1, enquanto na dimensão 2 a variável mais explicativa foi “Período Histórico”. Em resumo, esses resultados fornecem respaldo estatístico para discriminar essas variáveis na análise espacial (Gráfico 2).

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Gráfico 2: Mapa perceptual do Modelo 1

Fonte: Elaboração própria.

Observamos que a disposição das categorias indica a formação de três clusters. O primeiro, no quadrante superior direito, agrupa aqueles vice-presidentes da Primeira República com passagem por diversos cargos em suas trajetórias e com ambições progressivas e regressivas na carreira política. Nota-se que os vices da Quarta República estão no meio do caminho entre o quadrante superior e inferior direito, o que pode ser explicado pelo baixo N de casos e com diferentes carreiras anteriores e posteriores. O segundo grupo, referente aos vice-presidentes da Ditadura Militar, apresenta inexperiência em cargos eletivos e ambição política discreta. Em outras palavras, não retornam a cargos eletivos em suas carreiras posteriores. Já o perfil da Nova República reúne vices com passagem em um único cargo e opções pela reeleição à vice-presidência na sequência de suas carreiras. A partir dos resultados do Modelo 1, exploramos o banco de dados incluindo na equação outras variáveis ligadas à dimensão societal.

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No Modelo 2, mensuramos os efeitos da variável “Formação acadêmica” e “Origem ocupacional” na interação com as variáveis do Modelo 1 a fim de compreender os padrões de carreira política em uma dimensão mais ampla. A pergunta central aqui é: variáveis sociais são capazes de discriminar os padrões de carreiras dos vice-presidentes da República (1891-2018)? Retornando ao passo inicial da ACM, na Tabela 4 relatamos os resultados dos testes de associação. A partir disso, observamos se as variáveis de resposta encontram explicações em termos de associação estatística para o modelo de análise 2.

Tabela 4: Resultados de associação para o Modelo 2

Frequências P-Valor V de VD Categorias VI Cramer Desprovido 2 Trajetória Formação Leal 4 ,000 ,65 eletiva acadêmica Acumulador 18 Progressiva 10

Estática 4 Formação Ambição ,071 ,49 Regressiva 6 acadêmica política Discreta 4 Desprovido 2 Trajetória Ocupação Leal 4 ,019 ,65 eletiva profissional Acumulador 18 Progressiva 10

Estática 4 Ocupação Ambição ,172 ,47 Regressiva 6 profissional política Discreta 4

Fonte: Elaboração própria.

Nos resultados da Tabela 5, observamos que nem todos os cruzamentos entre variáveis dependentes e independentes resultaram em significância. As associações encontradas estão atreladas à variável “Trajetória eletiva” com forte força associativa. No entanto, os testes Qui-quadrado com a variável “Ambição política” não retornam com significância, o que nos levaria a retirá-la do modelo ou buscar outras variáveis independentes para explicar a ambição. Entretanto, como a finalidade é a experimentação metodológica, seguiremos com essa variável.

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Na Tabela 5, expomos os resultados que resumem a estatística da análise de correspondência múltipla para o Modelo 2.

Tabela 5: Resumo do Modelo 2 na Análise de Correspondência Múltipla

Variância contabilizada para Dimensão Alfa de Cronbach Total (valor próprio) Inércia % de variância 1 ,905 3,625 ,725 72,497 2 ,789 2,714 ,543 54,276 Total 6,339 1,268 Média ,856 3,169 ,634 63,387

Fonte: Elaboração própria.

Para Landis e Koch (1977), valores de confiabilidade acima de 0,81 são quase perfeitos. A confiabilidade do Modelo 2 (valor do Alfa de Cronbach) foi de 0,85. Os valores de inércia e variância do nosso modelo são positivos para a análise, ultrapassando o valor crítico (HAIR JR. et al., 2009). Porém, o poder explicativo demonstrado através da variância dos dados é de 63%, representando um decréscimo em relação ao Modelo 1. Na Tabela 6 e no Gráfico 3, trazemos os resultados das interações entre o conjunto de variáveis. Ao observar a Tabela 6, é possível perceber valores elevados de carga fatorial na dimensão 1 (72%). Porém, examinando a dimensão 2, nota-se que os valores decrescem e atingem uma variância de 54% de capacidade explicativa dos dados. O Gráfico 3 torna perceptível a redução do poder explicativo na dimensão 2, onde os valores de cargas fatoriais não alcançam patamares mais altos como no Gráfico 1. No Gráfico 4, projetamos o mapa perceptual do Modelo 2.

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Tabela 6: Medidas de discriminação do Modelo 2

Dimensão Média 1 2 Período Histórico ,519 ,646 ,582 Ambição Política ,626 ,634 ,630 Trajetória Eletiva ,823 ,470 ,646 Formação Acadêmica Agregada ,817 ,434 ,626 Ocupação profissional ,840 ,529 ,684 Total ativo 3,625 2,714 3,169 % de variância 72,497 54,276 63,387

Fonte: Elaboração própria.

Gráfico 3: Medidas de discriminação do Modelo 2

Fonte: Elaboração própria.

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O mapa perceptual do Modelo 2 repete a formação dos três clusters observados pelo Modelo 1, mas agora com a influência das variáveis societais. No quadrante superior direito, onde ficam os vices da Primeira República, observamos as presenças das categorias de ocupação “Membros do Judiciário” e “Advogado”, além de “Ensino superior”. Os vices da Quarta República aparecem em uma espécie de limbo, o que não permite definirmos com precisão as suas características.

Gráfico 4: Mapa perceptual do Modelo 2

Fonte: Elaboração própria.

No caso dos vice-presidentes da Nova República, nota-se uma aproximação com a categoria “Outros”, que reduz as demais ocupações socioprofissionais. Além disso, percebe-se a categoria “Sem E.S” (sem ensino superior) como um outlier afastado do cluster. Isso acontece porque existe um único caso com essa característica no universo de análise. O quadrante inferior esquerdo, com os vice-presidentes da Ditadura Militar é o que possui mais definição e discriminação dos demais. Isso se explica pela similaridade do perfil dos escolhidos para ocupar os cargos. Em parte, eles eram militares de carreira e com formação militar.

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4. Análises e discussão Iniciando com a análise do Modelo 1, foi possível observar um maior poder discriminatório na estatística resultante da ACM. Em termos de mapa perceptual, conseguimos a definição de três clusters com padrões de carreiras distintas, ficando somente os vices da Quarta República com menor discriminação em termos de carreira anterior e ambição política. A estatística do Modelo 1 apresentou um Alfa de Cronbach de 0,78 e uma variância de 70%. Além disso, os resultados do teste Qui-quadrado apresentaram retornos positivos em termos de associação, o que podemos traduzir em melhores condições para realização da ACM. Na dimensão 1 de análise, a variável “Ambição Política” demonstrou maior carga fatorial, já na dimensão 2, “Período Histórico” apresenta o resultado mais elevado. Em comparação com o primeiro modelo, o Modelo 2, onde foram incluídas ao processo de interação as variáveis societais, demonstrou um menor poder de discriminação dos grupos, com exceção dos vices do período militar. No geral, observamos a reprodução dos quadrantes do Modelo 1, porém com menor capacidade de diferenciar as características dos vice-presidentes dos períodos democráticos. Apesar do teste de confiabilidade se mostrar superior (0,85), a média de variância ficou em 63%, com valores inerciais reduzidos em relação ao primeiro modelo. Além disso, o teste de associação não ser significativo em uma das variáveis independentes também resulta em menor poder discriminatório para ACM. Esses resultados indicam uma menor capacidade explicativa com a inserção das variáveis societais no Modelo 2. Diante disso, podemos citar duas possíveis explicações para desfecho: i) o universo de vice-presidentes (1891-2018) é baixo e possui números desiguais de casos em variáveis independentes; ii) com exceção dos vices da ditadura, há uma homogeneidade estabelecida na elite analisada, com um perfil social padrão e que não possui capacidade discriminatória quando mobilizada em conjunto com variáveis institucionais. Para demonstrar as diferenças entre os modelos 1 e 2, nos Gráficos 5 e 6, apresentamos a disposição dos atores analisados em cada ACM

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Gráfico 5: Pontos dos objetos do Modelo 1 rotulados Gráfico 6: Pontos dos objetos do Modelo 2 rotulados pelos casos analisados pelos casos analisados

Fonte: Elaboração própria. Fonte: Elaboração própria.

É perceptível, através da comparação entre os gráficos, que o Modelo 1 consegue uma discriminação maior em relação ao Modelo 2, aproximando os casos em maior grau de acordo com suas correlações. Examinando o Modelo 2, podemos perceber uma maior “aglomeração” de casos (Gráfico 6). Isso demonstra a menor discriminação resultante da variância e das cargas fatoriais nas dimensões3.

5. Considerações finais Retomando os objetivos da análise metodológica, contemplamos as possibilidades de interação entre variáveis institucionais e societais em Análise de Correspondência Múltipla. Exploramos as possibilidades dessa ferramenta nos estudos de elites políticas e buscamos responder se variáveis sociais são capazes de discriminar os padrões de carreiras dos vice-presidentes da República (1891- 2018) utilizando ACM.

3 Para uma discriminação dos valores de cada caso nos Modelos 1 e 2, ver o Anexo 1 e o Anexo 2. No Anexo 3 há os nomes dos vice-presidentes e o número do caso correspondente.

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O Modelo 1 trouxe um maior detalhamento dos padrões de carreira dos vice- presidentes de acordo com o período histórico em que ocuparam o cargo. A estatística resultante dessa análise corroborou resultados mais diferenciadores dos casos. Eles permitem apontar padrões referentes às experiências anteriores de carreiras (medidas em número de cargos) e ambição futura (medida em escolhas eletivas pós vice-presidência). Ao incluirmos as variáveis societais no Modelo 2, notamos que esses aspectos dispõem de menor poder discriminatório, ou seja, não colaboram tanto em variância para a distinção dos grupos analisados e formatados pelo Modelo 1. Além disso, as estatísticas dos testes realizados para este modelo não robustecem a ACM, visto que suas porcentagens de variância decaem conforme essa agregação. A partir dessa simulação inicial com os dados, trouxemos duas suposições explicativas. A primeira é referente ao baixo N analisado e que possui assimetrias em relação à variável “período histórico”. Prova disso seria a categoria “Quarta República” com uma baixa definição em relação as demais categorias. A segunda diz respeito à própria homogeneidade da elite política analisada, que segue os padrões clássicos das elites parlamentares brasileiras. Apesar de haver algumas diferenças de acordo com o período histórico analisado, em geral essa elite converge para um perfil de classe social alta, com atributos tradicionais. Nesse sentido, os próximos passos são aumentar o número de atores políticos analisados (mudando também o universo de pesquisa), além de ajustes nos pressupostos teóricos dos nossos modelos.

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Anexo 1: Modelo 1

Dimensão Número de caso Período Histórico Ambição Política Trajetória Eletiva 1 2 1 ,305 ,896 Primeira República Progressiva Acumulador 2 -,693 ,519 Primeira República Discreta Acumulador 3 ,240 ,966 Primeira República Regressiva Acumulador 4 ,305 ,896 Primeira República Progressiva Acumulador 5 ,305 ,896 Primeira República Progressiva Acumulador 6 ,305 ,896 Primeira República Progressiva Acumulador 7 ,305 ,896 Primeira República Progressiva Acumulador 8 ,305 ,896 Primeira República Progressiva Acumulador 9 ,240 ,966 Primeira República Regressiva Acumulador 10 ,240 ,966 Primeira República Regressiva Acumulador 11 ,240 ,966 Primeira República Regressiva Acumulador 12 ,428 ,277 Quarta República Regressiva Acumulador 13 ,666 -,778 Quarta República Progressiva Leal 14 ,749 -,878 Quarta República Estática Acumulador 15 -,371 -,696 Ditadura Militar Regressiva Leal 16 -1,478 -,159 Ditadura Militar Discreta Acumulador 17 -2,796 -,767 Ditadura Militar Discreta Desprovido 18 -2,796 -,767 Ditadura Militar Discreta Desprovido 19 -,480 ,218 Ditadura Militar Progressiva Acumulador 20 ,573 -,197 Nova República Progressiva Acumulador 21 ,573 -,197 Nova República Progressiva Acumulador 22 ,829 -1,282 Nova República Estática Acumulador 23 1,003 -2,266 Nova República Estática Leal 24 1,003 -2,266 Nova República Estática Leal

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Anexo 2: Modelo 2

Dimensão Formação Número Ambição Trajetória Ocupação Período Histórico Acadêmica de caso Política Eletiva profissional 1 2 Agregada -1,148 ,401 Primeira República Progressiva Acumulador Formação Militar 1 militar 2 -,268 ,280 Primeira República Discreta Acumulador Ensino superior Professor 3 ,463 ,347 Primeira República Regressiva Acumulador Ensino superior Outros 4 ,315 ,945 Primeira República Progressiva Acumulador Ensino superior Advogado 5 ,315 ,945 Primeira República Progressiva Acumulador Ensino superior Advogado 6 ,315 ,945 Primeira República Progressiva Acumulador Ensino superior Advogado 7 ,349 ,982 Primeira República Progressiva Acumulador Ensino superior Membro do Judiciário 8 ,349 ,982 Primeira República Progressiva Acumulador Ensino superior Membro do Judiciário 9 ,388 1,036 Primeira República Regressiva Acumulador Ensino superior Membro do Judiciário 10 ,354 ,999 Primeira República Regressiva Acumulador Ensino superior Advogado 11 ,388 1,036 Primeira República Regressiva Acumulador Ensino superior Membro do Judiciário 12 ,416 ,061 Quarta República Regressiva Acumulador Ensino superior Professor 13 ,642 -,890 Quarta República Progressiva Leal Ensino superior Outros 14 ,679 -1,003 Quarta República Estática Acumulador Ensino superior Outros 15 ,039 -,047 Ditadura Militar Regressiva Leal Ensino superior Advogado 16 -,686 -,106 Ditadura Militar Discreta Acumulador Ensino superior Professor -2,974 -,594 Ditadura Militar Discreta Desprovido Formação Militar 17 militar -2,974 -,594 Ditadura Militar Discreta Desprovido Formação Militar 18 militar 19 -,155 ,144 Ditadura Militar Progressiva Acumulador Ensino superior Professor 20 ,480 ,251 Nova República Progressiva Acumulador Ensino superior Membro do Judiciário 21 ,555 -,438 Nova República Progressiva Acumulador Ensino superior Outros 22 ,534 -,974 Nova República Estática Acumulador Ensino superior Professor 23 ,986 -3,078 Nova República Estática Leal Sem E.S Outros 24 ,637 -1,634 Nova República Estática Leal Ensino superior Professor

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Anexo 3: Identificação dos vice-presidentes conforme o id do caso

Número do caso Nome do caso

1 Floriano Peixoto 2 3 Francisco Rosa e Silva 4 5 Nilo Peçanha 6 Venceslau Brás 7 Urbano Santos 8 9 10 Estácio Coimbra 11 12 13 Café Filho 14 João Goulart 15 José Maria Alkmin 16 17 18 Adalberto Pereira dos Santos 19 20 José Sarney 21 22 23 José Alencar 24 Michel Temer

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Impasses metodológicos no estudo das carreiras dos vice-presidentes da República

Referências bibliográficas

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