Universidades Lusíada

Fontes, Ana Cristina Freitas, 1987- O bairro como estrutura urbana : o caso do Bairro Alto em Lisboa http://hdl.handle.net/11067/2452

Metadados Data de Publicação 2016-06-06 Resumo Escolhemos como objecto de estudo desta dissertação, o bairro. O bairro enquanto realidade transversal à cidade, enquanto meio social com vida própria - representando os seus habitantes - e enquanto conjunto de edifícios e ruas organizados num espaço físico com diferentes características facilmente identificáveis. O presente trabalho contribui para a reflexão sobre um bairro da cidade de Lisboa – o Bairro Alto enquanto estrutura urbana da cidade – com o objetivo de perceber o bairro como espaço... Palavras Chave Planeamento urbano - - Lisboa, Bairro Alto (Lisboa, Portugal) - Edifícios, estruturas, etc., Bairro Alto (Lisboa, Portugal) - História Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA

Faculdade de Arquitec tura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Realizado por: Ana Cristina Freitas Fontes Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel Arguente: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Dissertação aprovada em: 1 de Junho de 2016

Lisboa

2015

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Ana Cristina Freitas Fontes

Lisboa

Dezembro 2015

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Ana Cristina Freitas Fontes

Lisboa

Dezembro 2015

Ana Cristina Freitas Fontes

O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Lisboa

Dezembro 2015

Ficha Técnica

Autora Ana Cristina Freitas Fontes

Orientador Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Título O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Local Lisboa

Ano 2015

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

FONTES, Ana Cristina Freitas, 1987-

O bairro como estrutura urbana : o caso do Bairro Alto em Lisboa / Ana Cristina Freitas Fontes ; orientado por Bernardo d'Orey Manoel. - Lisboa : [s.n.], 2015. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - MANOEL, Bernardo de Orey, 1969-

LCSH 1. Planeamento urbano - Portugal - Lisboa 2. Bairro Alto (Lisboa, Portugal) - Edifícios, estruturas, etc. 3. Bairro Alto (Lisboa, Portugal) - História 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses - Portugal - Lisboa

1. City planning - Portugal - 2. Bairro Alto (Lisbon, Portugal) - Buildings, structures, etc. 3. Bairro Alto (Lisbon, Portugal) - History 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 5. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA1330.F66 2015

A ti, Pai, por nunca me deixares desistir.

Obrigada.

AGRADECIMENTOS

Um agradecimento especial ao Prof. Doutor Arqt. º Bernardo d´Orey Manoel, meu orientador por me acompanhar na elaboração desta dissertação. Agradeço a disponibilidade, e paciência que demonstrou na orientação e construção deste escrito.

Agradeço a todos os professores do curso por tornarem este percurso possível e realizado. Aos meus colegas, com quem tanto aprendi, que me ajudaram a tornar uma profissional dedicada, interessada e empenhada.

Ao meu pai, mãe, Susana, Carlos e Carla, meus irmãos, Samy e Luís, meu companheiro e à restante família obrigada pela preocupação, persistência, tolerância e confiança. Sem o Vosso apoio e acompanhamento não teria criado condições para o meu crescimento e valorização pessoal. Aos amigos por terem sempre acreditado que era capaz. Muito Obrigada!

A todos aqueles que me acompanharam, os meus sinceros agradecimentos

APRESENTAÇÃO

O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Ana Cristina Freitas Fontes

Escolhemos como objecto de estudo desta dissertação, o bairro. O bairro enquanto realidade transversal à cidade, enquanto meio social com vida própria - representando os seus habitantes - e enquanto conjunto de edifícios e ruas organizados num espaço físico com diferentes características facilmente identificáveis.

O presente trabalho contribui para a reflexão sobre um bairro da cidade de Lisboa – o Bairro Alto enquanto estrutura urbana da cidade – com o objetivo de perceber o bairro como espaço físico nas componentes históricas e urbanística e também como espaço de práticas sociais. Experienciar a cidade e compreender a vários níveis como o bairro se integra na cidade e de que maneira a intervenção arquitetónica poderá contribuir para a melhoria das condições de vida dos seus habitantes.

Os três casos de estudo abordam três exemplos referência de um espaço de bairro vivido que conferem a identidade e pertença a este bairro popular lisboeta; o lugar e a relação com o bairro enquanto microcosmos de vida comum; a escala e a imagem em relação a três grandes estruturas urbanas – a cidade, a rua e a casa/habitação.

Palavras-chave: Lisboa, Bairro, Bairro Alto, escala urbana, lugar, identidade, estrutura.

PRESENTATION

The neighborhood as an urban structure: the case of Bairro Alto in Lisbon

Ana Cristina Freitas Fontes

The neighborhood is the topic chosen as the subject of our thesis. The neighborhood as a transversal reality to the city as a social medium with life itself - representing its inhabitants - and as a set of buildings and streets organized in a different physical space with easily identifiable characteristics.

This essay might be a contribution to a deep reflection about the urban structure of a Lisbon neighborhood - Bairro Alto - in the city with the aims to understand the neighborhood as a physical, historical and urban space but also as a place of social interaction and practices. To experience a neighborhood/city way of living means to understand how the local architecture contributes or will improve the quality of life of its inhabitants or even the role it plays in order to bring some changing/transformation to the society itself.

The three case studies addresses three examples that identify the identity and belonging to this popular neighborhood, the place and the relationship with the area as a microcosm scale and image we react to three large urban structures - the city, the street and the house/habitation.

Key words: Lisbon, Neighborhood, Bairro Alto, urban scale, place, identity, structure

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Vista de Lisboa no final do Séc. XVI (Associação Arquitectos Portugueses, 1987). Limitada a Oriente pelo Campo de ; a Ocidente, pela zona da Esperança; a Norte pelos montes da Graça, Penha de França e Sant´Ana. Rua, ruelas e becos irregulares. Praça do Pelourinho Velho, Terreiro do Paço e ………….24

Ilustração 2 – Traçado das Muralhas de Lisboa (Enrique Casanova, 1892). Lisboa em 1147 sob o domínio de Afonso Henriques era muralhada por um circuito correspondente à denominada Cerca Velha ………………………………………………………………… 26

Ilustração 3 – Lisboa numa iluminura do frontispício da Crónica de D. Afonso Henriques de Duarte Galvão, atribuível a António de Holanda, c.1520, CMC (História De Lisboa Tempos Fortes, GEO) ………………………………………………………………………..27

Ilustração 4 – Planta de João Nunes Tinoco, 1650 (José-Augusto França,2005). Esta planta ilustra com clareza o tecido medieval e a regularidade da nova malha exterior à Cerca Fernandina …………………………………………………………………………….28

Ilustração 5 – Panorâmica de Lisboa ocidental na segunda metade do séc. XVI (Hélder Carita, 1994) …………………………………………………………………………………..31

Ilustração 6 – Lisboa – Terramoto de 1755 e consequente incêndio Gravura alemã do séc. XVIII da colecção Augsburgische Sammlung exposta no Museu da Cidade…….33

Ilustração 7 – Panorâmica do Bairro Alto, 2ª metade do Séc. XVI (Hélder Carita,1994) ………………………………………………………………………………………………….36

Ilustração 8 – Arrabalde anterior à construção da urbanização Vila Nova D´Andrade, séc. XV - Estrada de Santos ou Estrada da Horta-Navia que divide o arrabalde a norte e sul – Zona poente da muralha Fernandina (Hélder Carita, 1994) ……………………38

Ilustração 9 – Cata-Que-Farás na 2ª metade do séc. XVI e primeira fase de urbanização do Bairro Alto (Hélder Carita, 1994) ………………………………………………………..40

Ilustração 10 – Primeira fase de Urbanização do Bairro Alto – Zona poente da muralha Fernandina, com principais vias de circulação, finais do séc. (Hélder Carita, 1994) ………………………………………………………………………………………………….41

Ilustração 11 – Segunda fase de Urbanização do Bairro Alto – Ermida de São Roque onde se instalou a Companhia de Jesus em 1553 (Hélder Carita, 1994) ……………. 44

Ilustração 12 – Vista geral Bairro Alto – Limites a norte pela Rua D. Pedro V, a sul pela Praça Luís de Camões, a este pela Rua da Misericórdia e a oeste pela Rua do Século………………………………………………………………………………………….48

Ilustração 13 – Bairro Alto – Traçado da Estrada dos Moinhos de Vento ou da Cotovia e da Estrada de Santos e seus principais palácios 1- Palácio Ludovice séc. XVIII; 2- Palácio Cunha e Meneses (Lumiares) séc. XVII; 3 – Palácio do Calhariz Séc. XVIII (Hélder Carita,1994) ………………………………………………………………………….50

Ilustração 14 – Destruição de Lisboa Coleção Castilho, Torre do Tombo ……………..51

Ilustração 15 – A Baixa Pombalina (José-Augusto França, 2005) Planta Final para o plano-piloto da Baixo- , 1758 onde se verifica um traçado de ruas ortogonais preservando as duas principais praças com um desenho regularizado. É possível perceber até os novos limites do Bairro Alto ………………………………………………52

Ilustração 16 – Planta nº 1 (Gualter da Fonseca e Pinheiro da Cunha); Planta nº 2 (E. S. Poppe e V.D. Poppe); Planta nº 3 (Eugénio dos Santos e A.C. Andreas); Planta nº 4 (Gualter da Fonseca) (Da esquerda para direita, de cima para baixo – José Augusto França, 1989) …………………………………………………………………………………53

Ilustração 17 – Jardim de S. Pedro de Alcântara nos meados do séc. XIX (Hélder Carita, 1994) …………………………………………………………………………………………..54

Ilustração 18 – Planta do pavimento-térreo do palácio dos Marqueses de Marialva que ocupava a área do atual Largo de Camões – Palácio dos Marialva (Hélder Carita, 1994) ………………………………………………………………………………………………….55

Ilustração 19 – Projecto, de 1883, de alargamento da Rua D. Pedro V (Hélder Carita,1994) …………………………………………………………………………………..56

Ilustração 20 – Palácio dos Salemas – Palácio de grandes proporções e complexa organização espacial, único no bairro pelos seus diferentes pátios e grandes cavalariças, por ter capela própria. Quando do alargamento da R. D. Pedro V, cerca de 1883, foi demolido dando lugar aos prédios de rendimento atualmente existentes. (Hélder Carita, 1994) …………………………………………………………………………57

Ilustração 21 – Fachada e mural do edifício Galeria Zé dos Bois na rua da Barroca, Sketches (Eduardo Salavisa, 2012) ………………………………………………………...60

Ilustração 22 – Bairro antigo e pitoresco da cidade de Lisboa – Bairro Alto, Rua das Salgadeiras Eduardo Salavisa, desenhador do quotidiano(Eduardo Salavisa, 2011)…63

Ilustração 23 – Calçada do Tijolo Nº 23, Bairro Alto Urban Sketches (Eduardo Salavisa, 2012) …………………………………………………………………………………………..64

Ilustração 24 - Malha orgânica da Lisboa medieval (à esq.) e Malha ortogonal do Bairro Alto em 1650 (Hélder Carita, 1994) …………………………………………………………72

Ilustração 25 - Parcelamento do “quarteirão-tipo” no Bairro Alto, (hipótese dos autores) Da esquerda para direita de cima para baixo, hipótese a. Divisão do lote em parcelas iguais – módulo base; hipótese b. Divisão do lote em parcelas iguais em que o lado de menores dimensões volta-se para as travessas e o lado de maiores dimensões acompanha as ruas perpendiculares ao rio; hipótese c. Interior do lote ocupado por um logradouro “público”; hipótese d. Divisão do lote em parcelas múltiplas ou submúltiplas do módulo base (José Reis Cabrita, 1992) …………………………………………………74

Ilustração 26 - Rua da Atalaia, 203 e Travessa dos Fiéis de Deus,50-52 – Tipologias residenciais do período do século XV – origem do Bairro Alto (José Reis Cabrita, 1992) ………………………………………………………………………………………………….75

Ilustração 27 - Rua da Atalaia, 195-197 e Rua da Rosa, 69-71 – Tipologias residenciais do período do século XV – origem do Bairro Alto (José Reis Cabrita, 1992) ………….77

Ilustração 28 - As novas tipologias pombalinas – Fachadas com o mesmo traçado formando unidade de conjunto. (José Reis Cabrita, 1992) ……………………………….79

Ilustração 29 - Rua da Rosa, 142-144; Rua do Norte, 17-21 (José Reis Cabrita, 1992).80

Ilustração 30 - Elementos constituintes e estrutura de gaiola. A construção iniciava-se a partir do momento em que os alicerces das paredes atingiam o nível do terreno exterior – estrutura de cantaria do rés-do-chão. A’ – Vigas ou frechais com secção aproximada de 0.10x0.14m; B’ – Prumos pregados na face externa dos frechais definindo os vãos das paredes; C’- Travessanhos, pequena viga que se fixa no canto ou face mais estreita dos prumos para o exterior (LNEC, -) ……………………………………………………….81

Ilustração 31 - Páteo do Tijolo, 51-59 Rua da Rosa, 35-39 As novas tipologias pombalinas (José Reis Cabrita, 1992) ……………………………………………………..82

Ilustração 32 – Restaurante “A Cabaça”. Bairro Alto. Lisboa. Janeiro 2006 (Eduardo Salavisa, 2006) ……………………………………………………………………………….85

Ilustração 33 – Bairro Alto à noite (Carruco,2013 Artista Plástico) ……………………..90 Ilustração 34 – Silva Graça diretor e proprietário do jornal O Século Ilustração Portuguesa, Lisboa, nº491 (19jul2015) e Número programa do Diário de Notícias, onde são apresentados os objetivos do novo jornal Diário de Notícias, Lisboa (29Dez.1864) (Hélder Carita, 2013) …………………………………………………………………………92

Ilustração 35 – Rua da Rosa, Bairro Alto Urban Sketch (Eduardo Salavisa, 2011)……93

Ilustração 36 – As esquinas, as nesgas de céu (Fernanda Lamelas, 2012) …………..95

Ilustração 37 – Palácio do Cunhal das Bolas – Rua da Rosa, Bairro Alto (Cristina Fontes,2015) ………………………………………………………………………………….97

Ilustração 38 – Rua da Rosa, Bairro Alto (Cristina Fontes,2015) ………………………98

Ilustração 39 – Igreja Do Convento dos Inglesinhos, 1954 (Arquivo Municipal de Lisboa) ………………………………………………………………………………………………...100

Ilustração 40 – Travessa dos Inglesinhos, fachada principal da Igreja do Convento dos Inglesinhos (Cristina Fontes, 2015) ……………………………………………………….102

Ilustração 41 – Rua dos Caetanos, acesso principal ao corpo do Colégio (Cristina Fontes, 2015) ………………………………………………………………………………..103

Ilustração 42 - Rua Nova do Loureiro, alçado inferior do Convento dos Inglesinhos (Cristina Fontes, 2015) ……………………………………………………………………..105

Ilustração 43 - Rua do Século outrora Rua Formosa. Designação inicial que parece justificar-se nesta bela imagem, conseguida a partir do antigo Alto do Longo (desenho de Roque Gameiro, s/d) (Câmara Municipal Lisboa, 1993) …………………………….107

Ilustração 44 – Vestígios do jornal O Século na rua do mesmo nome. Sobre a porta das antigas instalações, o título persiste, assim como um candeeiro antigo, hoje apagado. (Câmara Municipal Lisboa, 1993) …………………………………………………………109

Ilustração 45 – Palácio Pombal – Antigo Palácio dos Carvalhos da Rua Formosa (Cristina Fontes, 2015) ……………………………………………………………………. 111

Ilustração 46 – Chafariz da rua do Século atribuído a Carlos Mardel (Alexandra Flores, 1999) …………………………………………………………………………………………113

Ilustração 47 – Planta e prospecto da rotunda e casas do Marquês de Pombal na R. Formosa (R. do Século) e Calçada dos Caetanos (R. João Pereira da Rosa) (Hélder Carita, 1994) …………………………………………………………………………………114

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 19 2. Bairro Alto : Da história aos limites de um lugar 2.1. Tempo e Inserção ...... 23 2.2. Génese e Evolução ...... 33 2.3. Limites e Fronteiras ...... 46 3. Bairro Alto : Lugar de singularidade espacial 3.1. Contextualiação e ideologia ...... 58 3.2. Estrutura e Quarteirão ...... 69 3.3. Função e Vivências ...... 83 4. Bairro Alto : Espaço vivido 4.1. Identidade e Pertença – A Rua da Rosa ...... 91 4.2. Lugar e Relação – O Colégio de S. Pedro e S. Paulo (dos Inglesinhos) ...... 99 4.3. Escala e Imagem – O Chafariz da Rua do Século ...... 106 5. Considerações Finais ...... 117 Referências ...... 119 Bibliografia ...... 121

O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

1. INTRODUÇÃO

A presente dissertação apresenta uma reflexão sobre as características espaciais de uma estrutura urbana com origem no final do século XV na cidade de Lisboa, o Bairro Alto.

Lisboa, cidade “manta de retalhos” (AAP, 1987), protegida pelas águas tranquilas do Tejo e desenhada pelas suas colinas e vales férteis abertos ao rio, é ocupada pelos Fenícios que se supõe, fundaram a cidade e se fixaram no centro portuário do Tejo. Passando pelos Gregos, Cartagineses, e por fim os Romanos que instalados mais de seis séculos, deram à cidade o nome de Olisipo.

Antes da conquista de Lisboa aos Mouros, em 1147, a cidade era um aglomerado denso que se desenvolvia entre e a Baixa. A Baixa, coração da cidade ativa, cortado por canais atravessados por pontes, ligava-se a nascente com Alfama que contrastava o seu desenho entre um padrão de “malha densa recortada por pequenas ruelas” e um traçado medieval que se desenvolvia dentro da muralha de “malha menos dispersa formando um tecido aberto e penetrável” (AAP, 1987).

A cidade, desordenada de malha urbana labiríntica, gerada em torno de igrejas paroquiais e de aglomerados populacionais, desenvolvia-se para poente de um modo não planificado. Consequência da expansão do comércio marítimo e consequente implantação de núcleos importantes, a cidade vira-se para o Tejo, iniciando os aterros com ocupações na zona ribeirinha.

No princípio do séc. XVI a cidade organizava a sua estrutura urbana com a instalação da Corte no Paço Real, junto ao Tejo dando inicio à construção de uma malha com uma textura e forma inovadora “resultante da primeira grande operação de loteamento em áreas rurais, com vias em quadrícula definindo quarteirões retangulares” - o Bairro Alto.

O objetivo desta investigação aponta para o entendimento do Bairro Alto como espaço físico nas componentes histórica e urbanística mas também como espaço de práticas sociais.

A motivação para este estudo vem da consciência de que o bairro é uma unidade básica no desenvolvimento da cidade. Falar de bairro implica compreendê-lo na sua relação com três dimensões urbanas – a cidade, a rua e a casa.

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Das leituras efetuadas para o estudo do Bairro Alto salientam-se, como principais, os seguintes livros: “Bairro Alto Tipologias e Modos Arquitetónicos” de Hélder Carita (CML 1994); “Manual de Apoio a reabilitação dos edifícios do Bairro Alto” de António Reis Cabrita, José Aguiar e João Appleton (LNEC,1992) e por fim “Lisboa Antiga O Bairro Alto por Júlio de Castilho” (Vols. I, II, III e IV, Lisboa, 1954).

A pesquisa assenta em três capítulos e cada um divide-se em três subcapítulos. No primeiro capítulo estudamos o contexto do Bairro Alto na cidade de Lisboa e aprofundamos o estudo da evolução da cidade de Lisboa e de que modo surge o Bairro Alto como estrutura urbana. Para tal falaremos do tempo e inserção, da génese e evolução do bairro e quais os limites e fronteiras que o circundam.

No segundo capítulo analisamos o lugar do Bairro Alto e no terceiro e último capítulo apresentam-se três exemplos referência que identificam o bairro como estrutura identitária e singular da cidade. Apresentamos as qualidades espaciais do lugar que pelas suas características se torna um lugar singular na cidade. Tentamos assim, descrever o contexto atual em que o Bairro Alto vive e em que ideologias se baseiam; a sua estrutura urbana formada numa base reticulada de quarteirões, a sua função e as suas vivências diárias.

No terceiro e último capítulo lemos criticamente três referências – a Rua da Rosa; o Colégio de São Pedro e São Paulo (dos Inglesinhos) e o Chafariz da Rua de O Século – exemplos que traduzem o espaço do Bairro Alto mediante no que diz respeito à identidade e pertença; ao lugar e relação; à escala e à imagem.

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«Bairro Alto aos seus amores tão dedicado / Quis um dia dar nas vistas…»

Carlos do Carmo, Fado Maestro 2008

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2. O BAIRRO ALTO: DA HISTÓRIA AOS LIMITES DE UM LUGAR

2.1. TEMPO E INSERÇÃO

“LISBOA NASCEU DO RIO, DO LARGO ESTUÁRIO DO TEJO QUE NOS PRINCIPIOS DO Quaternário se sabe estar unido ao Sado na grande “depressão hispano-lusitânia” na qual emergia como ilha a serra da Arrábida”1.

Ilustração 1- Vista de Lisboa no final do Séc. XVI (Associação dos Arquitetos Portugueses, 1987). Limitada a Oriente pelo Campo de Santa Clara; a Ocidente, pela Esperança; a Norte pelos montes da Graça, Penha de França e Sant´Ana. Rua, ruelas e becos irregulares. Praça do Pelourinho Velho, Terreiro do Paço e Rossio.

Virada sobre a frente atlântica da Península Ibérica, Lisboa protegida pelas águas tranquilas do Tejo, desenhada pelas suas colinas e vales férteis abertos ao rio, naturalmente atraía várias populações que foram invadindo e ocupando o território. Com a conquista do Império Romano, Olisipo sofre significativas alterações. Os romanos “ ali desenvolveram uma colonização que passava pela edificação do equipamento cívico necessário à sua civilização” (França, 2005, p. 7).

1 FRANÇA, José Augusto-Lisboa: urbanismo e arquitetura, 5ª edição Lisboa: Livros Horizonte 2005, p. 7

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Olisipo2 “cidade rica, integrada na província da Lusitânia”, beneficiadora do rio Tejo – “ancoradouro comercial importante” (França, 2005, p. 8), fica abalada com a invasão dos Bárbaros. Após três séculos, a conquista aos Mouros e o terramoto em 472 fez reerguer a cidade. A cidade volta a organizar-se e restrutura-se segundo os modelos de tradição mediterrânica. As fortificações do passado que protegiam a população de surpresas inimigas e rodeavam toda a urbe foram consolidadas e nasce a “Cerca Velha” ou Moura.

Construída entre o final do século III e do século IV – a Cerca Velha,“ primeira fortificação do alto do monte onde hoje campeia o castelo de S. Jorge” (Vieira da Silva,1987, p. 7), “estendia-se pela encosta meridional do monte do castelo de S. Jorge, cheia de sol, abrigada dos ventos do quadrante norte, e abundante em águas” (Vieira da Silva,1987, p. 8). Inicialmente erigida com um carácter simbólico associado ao poder imperial limitando o perímetro do aglomerado foi desativada parcialmente com a construção da Cerca Fernandina (1373-1375) que integrava novas áreas a oriente e a ocidente do núcleo inicial da cidade.

A Cerca Velha - elemento estruturante e essencial na defesa da cidade – servindo de alavanca para o alastramento urbano, que se verificou no sentido do rio Tejo, destacava duas áreas no seu interior. A Alcáçova ou cidadela, zona de cota mais elevada, palaciana e defensiva do castelo – área privilegiada da cidade com muralha própria que incluía o castelo, zonas residenciais das elites e edifícios religiosos - e a Almedina, um tipo de núcleo urbano muralhado, vasta zona residencial e comercial implantada ao longo da encosta até à frente ribeirinha.

Dentro da cerca e fora dela, em vasta extensão, uma população já computada (decerto exageradamente) em 150 mil pessoas dedicava-se ao comércio e à agricultura, em hortas ou “almoinhas” limítrofes, com casas que se multiplicavam em ruelas estreitas e becos, ou se dispersavam pelos férteis vales vizinhos (França, 2005, p. 9).

2 O nome da cidade, que os autores antigos escreviam de maneiras mui variadas, mas que soava Olisipo, foi com esta forma adoptado pelos romanos; mas depois de Júlio Cesar (100 a 44 a.C.), era cumulativamente acompanhado da honrosa designação de Felicitas Julia, conforme se vê em inscrições encontradas ou conhecidas, das quais a mais antiga e do ano 73 d.C., e a mais recente, dos meados do século III (244 a 248 d.C.) VIEIRA DA SILVA, A (1987) - A Cerca Moura de Lisboa Estudo histórico descritivo 3ª edição Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, p. 8.

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Ilustração 2 - Traçado das Muralhas de Lisboa (Enrique Casanova, 1892) Lisboa em 1147 sob o domínio de Afonso Henriques era muralhada por um circuito correspondente à denominada Cerca Velha.

Em 1179, Lisboa conquistada por D. Afonso Henriques delimitava-se entre o castelo, o rio e pelas suas antigas muralhas. Formava dois pequenos arrabaldes, a nascente - Alfama – área residencial de senhores muçulmanos “cuja malha densa e recortada por pequenas ruelas, contrastava com a medieval, que se desenvolvia dentro da cerca, que sendo igualmente espontâneo tem malha menos dispersa, formando um tecido mais aberto e penetrável “ e a poente o vale da Baixa – área relacionada com atividades comerciais e mercantis “cortado por canais atravessados por pontes, desenvolvendo edifícios de diversos pisos polarizados por conventos e casas Nobres” (AAP, 1987, p.16)3. O desenvolvimento do tecido urbano era espontâneo “construindo-se de forma lenta e orgânica, com malha densa e recortada, com exceção da zona comercial com arruamentos mais largos” (AAP,1987, p. 14-15). De maneira desordenada e modo natural, os bairros desenvolviam-se “em torno de igrejas paroquiais e de palácios da nobreza, em aglomerados populacionais se iam encadeando, a cidade jamais contara com projetos ou reformas de urbanismo […] ” (França, 1981, p. 10).

3 Associação Arquitetos Portuguesa – AAP (1987) - Guia Urbanístico e Arquitetónico de Lisboa com apoio da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa p.16

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Na verdade, as suas, «ruas estreitas, sujas e incómodas» a incomodidade das suas casas e o vazio dos seus palações definiam estruturas e hábitos que uma arquitetura pobre simbolizava, com algumas exceções, num ou noutro palácio mais cuidado a partir do domínio espanhol seiscentista – cujo arquiteto titular, o italiano Filippo Terzi, fornecera à cidade o modelo de uma igreja, S. Vicente-de-Fora, e um palácio real que, sucessivamente embelezado, seria, na primeira metade do século XVIII, sob D. João V, a expressão dum gosto faustoso que o novo ouro do Brasil e os seus diamantes pagavam (França, 1981, p. 10).

A cidade asfixiada dentro de muralhas, consequência da explosão demográfica, construía-se fora das mesmas dignificando o seu aspeto. Porém desenvolvia-se sem plano, apenas de acordo com as necessidades do momento, moldando-se à topografia do terreno. “Constrói-se uma nova Cerca por questões de ordem administrativa e militar envolvendo o aglomerado numa extensão de 10 hectares” (CML,1987, p. 16). A nova muralha – a Cerca Fernandina – definia uma cidade diferente embora não tenha tido a mesma solidez da Cerca Velha. Construída em tempo recorde, de desenho coerente e ordenada por D. Fernando, nos finais do séc. XIV, porque se tornou necessário a criação de uma nova linha defensiva, a muralha cercava toda a população da época e terrenos sucessivamente urbanizados a partir do séc. XII, entre Alfama e os Mártires, o Rossio e o Tejo com a função urgente de assegurar a proteção da cidade.

Ilustração 3 - Lisboa numa iluminura do frontispício da Crónica de D. Afonso Henriques de Duarte Galvão, atribuível a António de Holanda, c.1520, CMC (História De Lisboa Tempos Fortes, GEO).

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Lisboa, “não que fosse uma cidade monumental: crescera, desde os tempos medievais, dentro e fora de duas sucessivas muralhas, a dos Mouros e a de Fernando, concentrara- se na planura, perto do Tejo, a poente do castelo que a defendera, e espalhara-se pelas colinas, num constante contacto rústico” (França, 1981, p. 9).

Desenvolvida ao longo da margem do rio Tejo para nascente - poente e mais tardiamente para norte, verificava na entrada do séc. XVI um desenvolvimento urbano significativo. Física, simbólica e urbanisticamente, Lisboa sofreu profundas alterações.

Em meados do século, considerada uma “grande metrópole à escala europeia” (França, 2005, p. 7) apresentava “um tecido urbano denso e bem delimitado onde surgem malhas geradas por processos empíricos e baseadas em modelos característicos da cidade medieval”4.

Ilustração 4 - Planta de João Nunes Tinoco, 1650 (José-Augusto França, 2005). Esta planta ilustra com clareza o tecido medieval e a regularidade da nova malha exterior à Cerca Fernandina

4 CARDOSO, Francisco PEREIRA, Ana Filipa – Avaliação das condicionantes naturais na ocupação urbana – Cidade de Lisboa – Parte I Formato PDF. IST, Lisboa. Universidade Técnica de Lisboa. Trabalho realizado na disciplina de Planeamento Regional e Urbano.

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O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

A cidade ligada à dinâmica dos Descobrimentos descobre um mundo novo e desenha um papel fundamental na expansão do comércio externo europeu “transformando-se em empório do Mundo, adquirindo uma expressão verdadeiramente cosmopolita”5. A expressão, a imagem e a vida da cidade alteram-se na sequência de novos ideais.

A partir do séc. XV, Vasco da Gama chega à Índia em 1498, inicia-se um acentuado crescimento em extensão territorial e um aumento populacional provocado pela afluência à cidade de pessoas ligadas aos negócios. Populações das mais variadas origens atraídas pelo crescente comércio do ouro, dos escravos, do marfim da costa de África, do açúcar e madeiras da ilha da Madeira, instalavam-se nas vias irregulares e becos estreitos “de forte tradição islâmica”, ocupados em grande parte por balcões de madeira - as balcoadas, “que chegavam a impedir a passagem de um homem a cavalo” (Carita, 1994, p. 16).

Com a instalação da Corte no Paço Real junto ao Tejo, “construído para fora da cerca, sobre os armazéns das mercadorias da Mina e da Índia” (França, 2005, p. 15), a estrutura urbana da cidade altera-se. Criou-se uma nova centralidade entre o Rossio e o Terreiro do Paço, consequência das novas instalações da Corte e das obras de aterro do leito do rio no tempo de D. Manuel I, que se ligou à atual zona do Cais do Sodré, (AAP, 1987, p. 18).

O rei D. Manuel I herdeiro do impulso dos descobrimentos principia o seu mandato através de um “conjunto de cartas que embora não podendo ser consideradas como um corpo de teorias urbanas são, no seu fundamento, a expressão duma nova atitude perante a cidade” (Carita, 1994, p. 16). Consciente da crise de Lisboa do séc. XV6 e da necessidade de encontrar novas soluções na procura duma nova atitude é especificada com “regras e parâmetros que se constituem, embora duma forma empírica, como novas normas arquitetónicas e urbanas”.

5 Publicação LISBOA e os Descobrimentos – roteiro de um turismo para todos 6 Um dos tempos mais dramáticos da história de Lisboa situa-se na conjuntura marcada pela crise revolucionária de 1383- 138, quando a posição da cidade foi decisiva na afirmação da soberania portuguesa, que então esteve em perigo. Em 6 de Dezembro de 1383, o Mestre de Avis foi escolhido pelo povo de Lisboa para “regedor e defensor” do reino, sendo esse “Messias de Lisboa” quem, a partir de 28 de Maio de 1384, dirigiu a resistência ao duro cerco que então os castelhanos põem à cidade. Após quase quatro meses de resistência, em que os lisboetas tiveram de passar por uma desesperante situação de fome, os invasores foram obrigados a abandonar o cerco face aos efeitos da peste. GEO - Gabinete de Estudos Olisiponenses (2008) - História de Lisboa Tempos Fortes, Jornal da Exposição- Comemoração dos quatrocentos anos do nascimento do padre António Vieira - p. 8

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Urbanisticamente assiste-se à construção de um bairro. Um fenómeno de desenvolvimento urbano de maior interesse: o primeiro anúncio de uma cidade moderna – O Bairro Alto. Iniciado no ano de 1498, século XV a edificação do bairro, inicialmente conhecido por Vila Nova de Andrade - nome da família que permitiu a sua urbanização - constituiu um dos maiores fenómenos na vida urbana da cidade que marcou a passagem do século XVI para o XVII.

Definido primeiramente como arrabalde e pequeno núcleo urbano de ruas com área habitacional ligada às gentes ligadas a atividades marítimas, torna-se numa zona residencial de nobres. Estendida ao longo das muralhas, a malha urbana ortogonal adaptava-se aos vários declives da encosta visando assim o ordenamento e a uniformidade.

Ruas largas e principais, ortogonais ao rio e as travessas de menos largura, paralelas. O traçado regular distinguia o bairro da restante cidade medieval. De textura francamente inovadora, o Bairro Alto marca a aquisição de uma nova consciência urbanística e arquitetónica na cidade. Como conjunto urbanístico, pela sua extensão e homogeneidade, revela o testemunho da vontade de querer ordenar o espaço da cidade. Todavia, no último quartel do séc. XIX, o Bairro Alto altera a sua estrutura inicial devido à chegada de novas gentes à cidade de Lisboa, expondo a sua malha apertada de ruas estreitas e declivosas num verdadeiro labirinto.

Vila Nova de Andrade, uma das mais vastas operações imobiliárias da história da cidade, adjacente à muralha Fernandina, foi construída em meados do século XV em propriedades que pertenciam ao médico e astrólogo, judeu, Guedelha Palaçano. Situada entre o aglomerado urbano de Cata-Que-Farás7 - bairro de quarteirões construído diretamente sobre os areais formados pelo assoreamento do Tejo- e as portas de – uma das entradas mais importantes da cidade tornou-se rapidamente um lugar privilegiado de gentes ligadas às fainas do mar e ao comércio marítimo.

7 Praia de Cata-Que-Farás numa extensa faixa junto ao Tejo. A partir do Cais da Pedra para poente, as areias do Tejo destinaram-se à construção naval e a armazéns de apoio a esta indústria, muitos de estrutura precária. Os chãos da ribeira eram propriedade do município. A liberdade com que eram aforadas a particulares estas áreas, dir-se-ia, de interesse público, justificou uma provisão de 1515, determinando que não se aforasse nenhum chão na praia de Cata-Que-Farás “assim como vais a Santos e que esteja sempre desocupada a dita praia”, “havendo respeito a necessidade que há nesta cidade de Lisboa de lugar onde se possam espalmar e corrigir as naus.” COSTA, Leonor Freire (1997) – Naus e Galeões na Ribeira de Lisboa. A construção naval no século XVI para a Rota do Cabo, Lisboa, Património.

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Ilustração 5 - Panorâmica de Lisboa ocidental na segunda metade do séc. XVI (Hélder Carita, 1994)

A nova urbanização estendia-se ao longo de toda encosta, até ao rio, pelas escarpas das Chagas e de Santa Catarina. Destacada do tecido medieval da cidade, o bairro colhia gentes ligadas ao comércio e faina marítima e estrangeiros que se estabeleceram em Lisboa, como cosmógrafos e comerciantes que elegeram a zona de Santa Catarina para construir os seus palacetes.

Vila Nova de Andrade é expressão duma nova ordem urbana como antítese da cidade medieval que nasce do enriquecimento da coroa, que possibilita um investimento na estrutura urbana da cidade na tentativa de dar respostas ao crescimento da população e exigências de uma nova capital.

Ergue-se um bairro de plano urbano moderno, alternativo à velha urbe de cariz medieval; um bairro com princípios racionalistas do renascimento: planta ortogonal, de ruas direitas, paralelas e perpendiculares, organizadas na lógica de quarteirão; uma nova ideia de espaço urbano e uma nova forma de urbanidade.

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Em 1754, Lisboa envolvida pelos bairros de Alfama, do Castelo, Mouraria, Rua Nova, Rossio, Mocambo (atual Madragoa), Andaluz, Anjos e Remulares, à exceção do Bairro Alto, caracterizava-se urbanisticamente por malha irregular. O bairro do Mocambo, atual Madragoa, no séc. XVI definiu porém vias em quadrícula e quarteirões retangulares ou trapezoidais (AAP,1987, p. 18).

Distinguiam-se pela malha apertada em que as parcelas de reduzidas dimensões são inteiramente ocupadas com edificações ou logradouros, ruas sinuosas, becos e escadas muito estreitos e condicionada pela topografia desnivelada, destacando o comércio junto ao rio. Lisboa crescia desenvolvendo-se à beira rio e as suas demais construções embelezavam a cidade.

Na altura do terramoto, um memorialista digno de fé, Ratton, descreve-a num «recinto que abrangia o bairro de Alfama, bairro do Castelo, Mouraria, rua nova, Rocio, bairro alto, Mocambo, Andaluz, Anjos e Remulares», contando no resto, que logo depois conheceu principio de urbanização, Santa Clara e Sant´Ana, o Salitre, Cotovia de baixo e de cima, Boa Morte e Alcântara, «apenas algumas casas aqui e acolá, à borda de caminhos que atravessam por terras cultivadas (França, 1981, p. 10).

D. João V ascende ao trono na 1ª metade do século XVIII e desde cedo se dedica à cidade promovendo um novo desenvolvimento urbanístico que se resumia na divisão de Lisboa em “cidade antiga” ou cidade Oriental e “cidade nova” ou cidade Ocidental. A cidade antiga pertencia à zona da Sé e à cidade nova cabia a zona do Terreiro do Paço. D. João V reorganizou a cidade tornando-a cenário de equipamentos que interagiam com o meio urbano a fim de proporcionar melhor vida social à população.

Todavia, em 1 de novembro de 1755, um violentíssimo terramoto destruiu grande parte da cidade. O Bairro Alto não sofre grandes transformações com a catástrofe de 1755. O incêndio, que se seguiu após o terramoto, foi o que maior destruição causou. O Bairro Alto fica protegido, em grande parte, pela “ boa construção dos edifícios do bairro em grossas paredes de alvenaria e a sua baixa altura terão sido fatores importantes para o relativo bom estado em que o bairro ficou após o terramoto” (Carita, 1994, p. 31). Lisboa chega a esta data, como uma cidade em que se encavalitavam diferentes épocas históricas, se misturavam funções e dominavam comportamentos sociais que se opunham ao progresso. Até então, a cidade havia crescido ao longo dos tempos de modo orgânica, condicionada pelo estuário do Tejo e por uma acidentada base topográfica.

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Ilustração 6 - Lisboa – Terramoto de 1755 e consequente incêndio Gravura alemã do séc. XVIII da coleção AugsburgischeSammlung exposta no Museu da Cidade (Disponível em https://marialynce.wordpress.com/2008/11/01/o-terramoto/)

O terramoto leva à densificação e à construção de grandes imóveis na periferia do bairro. Impôs-se uma regularização programada à nova cidade em gestação, impedindo que os trabalhos anunciados fossem de antemão prejudicados por soluções de urgência, que tenderiam naturalmente a criar uma habituação, numa desordem urbana semelhante à da cidade antiga (França, 1981, p. 15).

O Bairro Alto isola-se e todas as transformações sociopolíticas alteram o seu modus vi vendi. A regeneração da cidade era um tema delicado e é a partir dessa data que se instruiu um dos momentos mais importantes do processo do seu desenvolvimento. O terramoto surge como a oportunidade de renovar a cidade de Lisboa. Era tempo de reorganizar a cidade tornando-a nova e ordenada, metrópole de grandes praças e avenidas largas e retilíneas.

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2.2. GÉNESE E EVOLUÇÃO

O Bairro Alto – caso exemplar da nossa urbanística da época moderna - foi um bairro resultante da expansão urbana quinhentista da cidade de Lisboa. Inserido num cenário de riqueza e expansão desenvolve-se nos limites exteriores da muralha Fernandina (1373-1375). Da impossibilidade da cidade medieval dar resposta às grandes transformações sociais e económicas da segunda metade do séc. XV houve necessidade de criar e impor novas regras para os interesses da cidade. Lisboa apresentava-se como uma cidade desordenada, sem planeamento e sem quaisquer propostas de saneamento.

Caracterizada pelas suas ruas muito estreitas e becos sujos e ziguezagueados era tempo de mudar a cidade com novos princípios dando resposta ao progressivo aumento populacional proveniente do crescimento do comércio marítimo que originou a euforia nacional e a atração de pessoas das mais variadas origens. No ano de 1500, D. Manuel I toma medidas que se deribem os de muros adentro8. Datava o séc. XII, Lisboa já apresentava arrabaldes que se prolongavam a oriente e ocidente dos vales adjacentes à colina do castelo. Os arrabaldes definiam um núcleo suburbano integrado na área de crescimento da cidade.

A eclosão destes núcleos tem a sua origem no padrão hierárquico previamente definido das relações entre centro e periferia. Estas conformidades partem tanto da necessidade de crescimento do centro, como da ambição da periferia para se integrar neste, dando origem a movimentos de expansão, estagnação ou retrocesso, habitualmente condicionados por ritmos económicos e demográficos próprios. Por esta razão, crescem sobretudo nas proximidades dos principais eixos viários que conduzem às portas da cidade, integrando algumas das suas funções básicas, como a defesa, as comunicações, residência e comércio, mas também diversas funções residuais, como indústrias poluentes, currais e matadouros, pedreiras, e cemitérios, leprosarias e gafarias, e outras9.

8 Tentando atenuar os efeitos do crescimento demográfico, D. Manuel começa por ordenar, em 16 de Dezembro, de 1500 que se deribem os olivais de muros adentro, fossem de quem fossem, Igreja, Mosteiro, morgados ou grandes senhores e se processasse o seu loteamento para construção de casas. CARITA, Hélder (1994) – Bairro Alto Tipologias e Modos Arquitetónicos 2ª edição CML, p. 17. 9 GONÇALVES, Luís Ribeiro (2011) – Sistemas de povoamento e organização territorial: Dois vales na periferia de Lisboa (Séculos IX – XIV) – Dissertação de Mestrado em História Medieval, Lisboa, Universidade de Lisboa Faculdade de Letras – Departamento de História

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Ilustração 7 - Panorâmica do Bairro Alto, 2ª metade do Séc. XVI (Hélder Carita, 1994)

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Extramuros, os arrabaldes, segundo Castilho (1954), anteriormente à construção da muralha fernandina, a poente eram formados de campos de cultivo – olival, terras de semeadura, hortas e ferragiais – semeados por um ou outro casal e por uma ou outra residência de cultivadores 10.

As terras agrícolas a ocidente da muralha eram propriedade do médico e astrólogo judeu – Guedelha Palançano – “um dos homens mais ricos do Reino, na segunda metade do séc. XV” (Carita, 1994, p. 19), casado com Dona Judia. Após a sua morte, a viúva preserva as herdades da Boa Vista, a sul da estrada de Santos ou da Horta-Navia e a de Santa Catarina a norte da “via contornada por cima pela Estrada dos Moinhos de Vento que seguia para , aforando-as, juntamente com as do seu domínio direto, ao estribeiro de el-rei Filipe Gonçalves, “posteriormente, pelo ano de 1498, coincidindo com as convulsões entre católicos e judeus” (Carita, 1994, p. 21), vendidas ao fidalgo Luiz de Athouguia.

Já em tempo de «Rei da Boa Memória», todo o térreo vizinho do muro fernandino, ao Poente das Portas de Santa Catarina, cortado a meio pela estrada «de Santos» ou «da Horta Navia», que torcicolava seguindo o catual enfiamento do Loreto, Calhariz, Combro, Poço Novo, etc., formava-se de duas Herdades. A que ficava para o Sul, descaindo até Cata-Que-Farás e praias que se enfiavam para a banda de Santos, chamava-se «da Boa Vista»; a que subia para o Norte e Poente, curvando-se em montículos até a Cotovia e os Moinhos de Vento, nomeava-se «de Santa Catarina (Castilho, 1954, p. 26).

Bartolomeu de Andrade, casado com a filha de el-rei apresentava-se como senhor do domínio direto porque era ele o verdadeiro urbanizador do arrabalde poente de Lisboa, tal como Castilho (1954) o denomina - «Vila Nova de Andrade». Lopo de Athouguia, filho de Luiz de Athouguia, considerado o senhor do domínio útil das herdades que tinham pertencido a Guedelha Palançano, acorda com Bartolomeu de Andrade o sub- aforamento das herdades, “ dividindo-a em chãos para construção de casas”11.

Consciente das potencialidades destes terrenos a partir de 1500, D. Manuel I, sentindo que a cidade estava a desenvolver-se, ordena o corte dos olivais, intramuros.

10 CASTILHO, Júlio de (1954) – Lisboa Antiga O Bairro Alto 3ª edição Dirigida, Revista e anotada por Gustavo de Matos Sequeira – Volume I – Lisboa, p. 23 11 CASTILHO, Júlio de (1954) – Lisboa Antiga O Bairro Alto 3ª edição Dirigida, Revista e anotada por Gustavo de Matos Sequeira – Volume I – Lisboa, p. 22

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Ilustração 8 – Arrabalde anterior à construção da urbanização Vila Nova D´Andrade, séc. XV (Hélder Carita, 1994) Estrada de Santos ou Estrada da Horta-Navia que divide o arrabalde a norte e sul – Zona poente da muralha Fernandina

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Na área que se espraiava do Tejo até além de São Roque e das Portas de Santa Catarina em terrenos das antigas herdades da Boa Vista e da Vila Nova de Andrade, define-se um território favorável a uma operação ordenada de expansão de Lisboa justamente quando esta necessita de ultrapassar os seus limites, cerceados por uma autêntica barreira física – as muralhas – e quando as possibilidades de gradual densificação dos tecidos interiores se aproximavam da saturação (Cabrita, 1992, p. 33- 34).

Vila Nova de Andrade (1513), embrião do que viria a ser o Bairro Alto, surge como o primeiro plano urbanístico da cidade de Lisboa. Anteriormente, já se havia ensaiado um plano sob ordens do rei D. Manuel I, em Vila Nova de Olival - dentro das muralhas - edificada contiguamente a Cerca do Convento da Trindade, no interior da cidade medieval, onde foram introduzidas medidas que expressavam uma “nova ordem urbana” (Carita, 1994, p. 16). Foram ordenados um conjunto de procedimentos que vão ser continuados e aplicados em Vila Nova de Andrade entre os quais o sub-aforamento das herdades. Trata-se do ensaio da aplicação de um traçado ortogonal sob a divisão de todas as propriedades em talhão como Luiz de Atouguia e Bartolomeu de Andrade haviam acordado. A aplicação de um traçado ortogonal como procedimento de um novo plano urbanístico resulta de um processo de loteamento que ocorre em duas fases distintas – Vila Nova de Andrade e Bairro Alto de São Roque.

Tirando a ermida e uma ou outra casa, Vila Nova de Andrade - quinta pertencente a uma família de origem galega, conhecida pelos Andrades, gente de dinheiro e vistas largas - dava a imagem de um lugar rural, praticamente despovoado. Com a chegada dos jesuítas a São Roque12, a fama dos seus sermões estendeu-se à cidade inteira, e o lugar estava quase sempre a abarrotar de gente, fidalgos e plebeus, até mesmo a família real, de vez em quando, subia até lá. […] Sabedores do corrupio que ia por São Roque, os Andrades perceberam que, se a fé alimentava os corações daquela maneira, também a sua fortuna se podia alimentar bem melhor, e decidem lotear o terreno e vendê-lo em talhões a quem o pudesse pagar. Chamou-se então ao lugar Vila Nova de Andrade e em breve se transformou no lugar da moda, onde nobres e fidalgos faziam construir os seus palácios (Vieira, 1993, p. 92).

12 O Largo de São Roque nasce posteriormente ao traçado inicial pela “compra de chãos pela Companhia de Jesus CARITA, Hélder (1994) – Bairro Alto Tipologias e Modos Arquitetónicos 2ª edição CML, p. 22

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A primeira fase de urbanização resulta da Vila Nova de Andrade em meados do séc. XV entre o aglomerado urbano Cata-Que-Farás e as Portas de Santa Catarina. Vila Nova de Andrade desenvolve-se polarizada por estes aglomerados e começam a decorrer as primeiras operações de loteamento para o aforamento dos chãos que origina a formação de ruas, situadas na sua grande maioria para Sul das Portas de Santa Catarina.

Ilustração 9 – Cata-Que-Farás na 2ª metade do séc. XVI e primeira fase de urbanização do Bairro Alto (Hélder Carita, 1994)

O traçado ortogonal consequente da “divisão das propriedades em talhões e hortas” permanece agarrado ao terreno estabelecendo apenas hierarquizações das ruas principais viradas para o Tejo e travessas na sua perpendicularidade. O “sub- aforamento em fateotas” a partir de 1513 originou a formação da Rua das Flores, do Cabo e do Castelo, as Ruas Primeira, Segunda e Terceira e a Rua da Barroca do Mar. O crescimento da Vila Nova de Andrade desenvolve-se naturalmente para sul “mais chegada às margens do Tejo de forma muito rápida tomando novas exigências. A cidade na lógica da sua evolução verifica o seu crescimento a ocidente onde se colocariam as tercenas13, o porto, a Ribeira das Naus que empregava centenas de pessoas ligadas às atividades do mar e daí que os primeiros aforamentos tenham sido ocupados em direção ao aglomerado Cata-Que-Farás.

13 Na Idade Média as tercenas (ou taracenas) eram edifícios, cobertos, onde se guardavam as gales. (…) Sendo as gales os principais navios de Guerra dessa época, as tercenas eram as bases navais. (…) A partir de meados do séc. XV, quando, em Portugal, as gales foram perdendo importância militar e taracenas ficavam vazias, a palavra taracena mudou de significado passando a designer todo e qualquer armazém: de trigo, carvão, material de artilharia, etc. PEDROSA, Fernando Gomes As Tercenas medievais e a terça nabal do Infante D. Henrique Lisboa -2013, p. 1

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Ilustração 10 – Primeira fase de Urbanização do Bairro Alto (Hélder Carita, 1994). Zona poente da muralha Fernandina, com principais vias de circulação, finais do séc.

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Do desenvolvimento da Vila Nova de Andrade e do alastramento dos seus limites para poente e norte em terrenos ainda por urbanizar são definidas novas ruas e as principais direcionadas para o Rio Tejo. As ruas da Rosa, da Atalaia, dos Calafates (atual Diário de Notícias), das Gáveas, do Norte e São Roque, correspondente à Rua da Misericórdia, permitem-nos definir a zona primitiva do Bairro Alto, a norte Estrada de Santos, atual Calçada do Combro.

São os primeiros arruamentos geométricos que se traçam em Lisboa, ruas cruzadas por outras ruas, sem largo nem praça de convívio, numa organização de espaço que a cidade nunca tinha visto e só iria ver muito mais tarde, na reconstrução pombalina, depois do terramoto. À primeira rua delineada chamou-se Rua do Norte, e pagava-se por talhão «800 reais anuais e quatro galinhas das melhores». Quem comprava o talhão obrigava-se a construir casa de pedra e cal, sobrada, «com madeira e pregadura» no prazo de três anos, pagando uma multa de 20 cruzados de oiro no caso de esse prazo não ser respeitado (Vieira, 1993, p. 92).

Estavam assim definidos os limites da primeira fase de urbanização do Bairro Alto, correspondente a Vila Nova de Andrade, que não se afastavam dos caminhos de circulação, nem ultrapassavam o Alto de São Roque. Em 1553, a Companhia de Jesus – reconhecida pelo seu trabalho missionário e educacional - instala-se na pequena Ermida dedicada a São Roque situada no limite a norte da Vila Nova de Andrade.

Nasce cosi un complesso architettonico di carattere monumentale e un polo di cultura che attrae molti membri della nobiltá del tempo, che iniziano a costruire i loro palazzi al nord del convento, nella zona che si chiamerá Bairro Alto di São Roque14.

A extensão dos limites para norte da Vila surge com a instalação dos jesuítas no Alto de São Roque e a sua presença vai ser fundamental para o crescimento do bairro. Do termo transparece claramente a importância que assumiu a chegada dos Jesuítas, ao Alto de São Roque, criando um centro irradiador de cultura e de novos comportamentos (Carita, 1994, p. 25).

14 Dispasquale, Letizia (2004) - Bairro Alto Luogo e identitá – Universidade Lusíada Sede do Forum Unesco Portugal, Lisboa, p. 14

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O Bairro Alto de São Roque surge em harmonia com o bairro mais a sul – Vila Nova de Andrade. Os jesuítas, instalados em São Roque15 – junto a cerca no limite das terras dos Andrades - não participaram directamente na nova fase de urbanização da cidade, mas sim na nobilitação da Vila Nova de Andrade transformada em bairro através do renome e influência, trazendo os nobres da cidade que escolheram esta zona em detrimento de outras zonas (França, 2005, p. 18)16. Os jesuítas fortaleceram a posição da Igreja dentro dos países europeus que permaneceram católicos. Criaram escolas onde eram criados os filhos das familias nobres. Instituem-se como um forte centro de gravidade que dará origem a uma nova identidade no bairro - o Bairro Alto de São Roque. Surge uma nova e terceira fase de urbanização com a intenção de estabelecer uma certa continuidade com o que se já havia feito em Vila Nova de Andrade, que delinea e distribui ruas paralelas e perpendiculares à Igreja criando um traçado ortogonal construído a partir do eixo viário ao lado da Igreja e da sua praça.

Na encosta mais a Norte, onde o novo bairro se afastava do rio, instalavam-se outras populações não tão diretamente ligadas a actividades produtivas. Uma nova classe de burgueses ricos, de mercadores e de prestigiadas famílias fidalgas, ocupa progressivamente uma área considerada privilegiada e , em breve, tornada ainda mais prestigiante pela presença da Companhia de Jesus que possuía um saber inato quanto às qualidades requeridas para os lugares dos seus assentamentos (Cabrita, 1992, p. 34).

O traçado ortogonal do Bairro Alto de São Roque surge numa lógica de rua principal e travessa com métricas proporcionais que funcionou como o primeiro exercicio racionalizado - reflexo das ciências emergentes da época. Embora organizados no sentido transversal, os quarteirões que se desenvolvem a norte da Travessa da Queimada mantêm a mesma malha rectangular, com uma métrica de loteamento idêntica e igual estrutura hierárquica entre ruas e travessas. A descontinuidade entre as duas zonas deve ter resultado, em parte, tanto pela adaptação da malha a terrenos já aforados pelos Andrades na primeira metade do séc. XVI, como as preexistências do

15 (…) Em 1506, D. Manuel manda erguer no local despovoado conhecido então por Rossio da Trindade (pois ali perto se encontrava, desde 1325, o Convento da Trindade) uma ermida em louvor de São Roque, protetor eficaz contra a peste. A ermida irá albergar as relíquias deste santo que a cidade de Veneza ofereceu à cidade de Lisboa nesse ano em que a peste parecia não ter fim Vieira, Alice (1993) - Esta Lisboa Editorial Caminho, SA, Lisboa, p. 92 16 Registe-se que, em 1553, os jesuítas vieram instalar-se junto à cerca no limite das terras dos Andrades, e o seu renome e influência contribuíram sem dúvida para a nobilitação da Vila Nova transformada em Bairro. FRANÇA, José Augusto (2005) – Lisboa: urbanismo e arquitetura 5ª edição Lisboa: Livros Horizonte, p.18

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local, como o era a casa de Filipe Gonçalves, que na estrada da Cotovia se recortava desde o final do séc. XV (Carita, 1994, p. 27).

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Ilustração 11 – Segunda fase de Urbanização do Bairro Alto (Hélder Carita, 1994). Ermida de São Roque onde se instalou a Companhia de Jesus em 1553

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Nasce um novo ambiente urbano vivo e qualificado em contraponto com o emaranhado de ruas de cultura islâmica da cidade medieval. Esta terceira e última fase de urbanização tentou não só estabelecer a continuidade do que já se havia feito como também adaptou-se aos terrenos já aforados, permitindo uma maior abertura do Bairro Alto (antiga Vila Nova de Andrade) a São Roque. O Bairro Alto de São Roque torna-se a atracção da cidade. «os cerrados desabitados se mudaram em edifícios grandiosos, cheios de gente nobre e de fidalgos ilustres; os valados toscos se trocaram em fermosas ruas; o campo se fez cidade; o monte se converteu em corte; e o sítio deserto se viu mudado em uma copiosa povoação», tornando-se este bairro “se não o mais frequentado, ao menos o mais gabado; as casarias mui nobres; a obra de arquitetura romana e de traça moderna; o sítio mais alto da cidade, o mais descoberto ao norte, o mais lavado de ventos, o mais purificado dos ares”17. As ruas de orientação norte/sul permanecem com a mesma direcção em relação ao rio e o bairro continua o seu crescimento com regularidade sem semelhante na cidade até ao período pombalino.

Consequência deste novo traçado ortogonal, as ruas que outrora eram invadidas de balcoadas de raíz islâmica, eram agora consideradas à época como largas, amplas e regulares permitindo a circulação do coche nos finais do séc. XVI. Associado a toda esta nova estrutura surge uma articulação com a arquitectura que na época poderemos determinar como uma arquitectura regulada, dada pela continuidade das fachadas planas e pela substituição da estrutura medieval em madeira – típico da habitação urbana lisboeta do século XV – por alvenaria de pedra e cal, proeminente em molduras e cunhais dando uma tonalidade geral à arquitectura.

O terramoto de 1755 afetou drasticamente a cidade dando origem a profundas transformações na malha urbana. Porém o Bairro Alto, foi pouco afectado pelo tremor de terra e subsequente incêndio. Apenas os limites sul e nascente foram atingidos. Toda a reconstrução dos edifiícios afetados pelo terramoto, nos limites do bairro contribuiram para o “amuralhar” da zona, isolando-a do resto da cidade. A alteração dos edifícios destruídos e o início do processo de reconstrução pombalina transforma e define novas artérias envolventes ao bairro, criadas na 2ª metade do séc. XVIII e XIX, contribuindo para reforçar as suas fronteiras.

17 Vieira Alice (1993) - Esta Lisboa, Editorial Caminho, SA, Lisboa, p. 92

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O padre Baltazar Teles, no ínicio do séc. XVII, dizia o Bairro Alto ser “(…) senão o mais frequentado, ao menos o mais gabado;as casarias mui nobres, a obra de arquitetura romana, e de traça moderna: o sítio o mais alto da cidade mais descoberto a Norte, mais lavado dos ventos, e mais purificado dos ares: e como as chuvas têm tanta corrente para o mar fica tudo mui limpo, e sadio e fora dos incómodos, que nas mais partes da cidade se padecem: as ruas são mui largas, e mui bem lançadas”(Cabrita, 1992, p. 34).

(…) a acção de Pombal chamou o Bairro a participar na construção de uma nova cidade, prevendo-se no plano de 12 de Junho de 1758 que se “regularizassem” largos, praças públicas e ruas “(…) para que fique tudo reduzido a termos decorosos (…)” melhorando- se significativamente a estrutura urbana existente e em comunicação ampla, e decorosa entre o Bairro Alto, e a Cidade baixa (Cabrita, 1992, p. 37).

Após o terramoto, o «Bairro» como é conhecido, sofreu alterações que permanecem até aos dias de hoje. «As grandes ruas à volta do Bairro Alto, da Misericórdia e do Século e a calçada do Combro – as fronteiras do bairro – foram alargadas e viram erguer-se aí edifícios em estilo pombalino, que criaram uma verdadeira barreira física».

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2.3. LIMITES E FRONTEIRAS

O Bairro Alto, como qualquer bairro na generalidade “é uma construção simbólica da sociedade que o habita, envolvido por um processo que mistura a cultura, as relações sociais e políticas e processos de interação mental para com a imagem da cidade.”

Numa cidade plural e heterogénea como a de Lisboa, o Bairro Alto – bairro de cariz popular - adquiriu uma entidade urbana que o individualiza e diferencia dos outros tornando-o facilmente identificável. Localmente tem as suas características reconhecidas, os seus limites definidos e existência sócio-política-administrativa que contribuem para um nome característico do lugar. Cada bairro18 tem a sua extensão, a sua configuração em relação ao modo de habitar e dispõe da sua autonomia própria. Na perspetiva de Aldo Rossi “Para a morfologia social, o bairro é uma unidade morfológica e estrutural; é caracterizado por uma certa paisagem urbana, por um certo conteúdo social e por uma função própria; logo, a transformação de um destes elementos é suficiente para fixar o limite do bairro (...) ” (Rossi, 2001, p. 88).

O Bairro Alto define-se como um bairro de limites e fronteiras claras com grandes vias de circulação em toda a sua envolvente, protegendo sempre o seu interior. A sua malha ortogonal apertada de ruas e travessas estreitas tornam o bairro um recinto privado dentro da cidade. São os limites e as fronteiras que determinam e reforçam com rigor a identidade particular do bairro tendo a função secundária de poder estabelecer as regiões limítrofes. Para a maioria da comunidade que habita o Bairro Alto não é importante o seu limite formal e também não influencia até onde se estendem as suas fronteiras. Identificado pelos seus habitantes como um limite físico-cognitivamente19, existem limites administrativos, necessários, porque é a partir destes que uma área é identificada, gerida e planificada oficialmente e limites subjetivos, porque é a partir da sua definição coletiva que a base social se implementa e o suporte físico o faz único (Bezerra, 2011, p. 27).

18 (…) A noção de bairro vinculada a um entendimento teórico da cidade e do urbano, ressaltando o conceito de espacialidade, que exprime uma organização geral de um determinado espaço num determinado tempo. RAMOS, Aluísio Wellichan (2002) – Espaço-Tempo na Cidade de São Paulo: Historicidade e Espacialidade do “bairro” da Água Branca- Revista do Departamento de Geografia, 15 p. 65 19 CRESPO, José Luís (2012) - Algumas complexidades do bairro no contexto da cidade: o caso do bairro da Bela Vista – A cidade entre bairros CIAUD

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Ilustração 12 – Vista geral Bairro Alto – Limites a norte pela Rua D. Pedro V, a sul pela Praça Luís de Camões, a este pela Rua da Misericórdia e a oeste pela Rua do Século

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Bem lhe podem alargar as fronteiras, incluir nele o Príncipe Real e Santa Catarina, para o habitante do Bairro Alto nada disso conta: o bairro é aquele bloco de casas, ruas e gente que se move no que era o primitivo sítio de São Roque, enquadrado entre a Rua do Século (anteriormente chamada Rua Formosa) e a Rua da Misericórdia (que já foi Rua Larga de São Roque e Rua do Mundo). Dentro desses limites se reconhecem desde sempre. Fora disso é estrangeiro (Vieira, 1993, p. 93).

Vila Nova de Andrade e o Bairro Alto de São Roque foram fases urbanísticas determinantes para a organização de limites e fronteiras no bairro. A chegada dos Jesuítas a Portugal em 1540 e a sua instalação em 1553 gerou o entusiasmo que se fazia sentir à volta de São Roque – padroeiro contra a peste -, onde se manda construir uma igreja de linhas sólidas, depuradas e maneirista, está na base do desenvolvimento de Vila Nova de Andrade em Bairro Alto de São Roque. Tendo a igreja como referência, D. Sebastião na leitura da cidade, em 1569, encaminha “uma carta régia dirigida ao Senado da Câmara manda abrir a nova serventia, em substituição do incerto caminho que, desde as Portas de Santa Catarina, subia aos moinhos de São Roque” (CML, 1993, p. 47).

A nova serventia tinha o nome de Rua Larga de São Roque, hoje Rua da Misericórdia20“que substitui a velha via medieval que ligava o alto da colina às Portas de Santa Catarina e se constitui como eixo a partir do qual se organiza o Bairro Alto de São Roque” (O Corvo, 2013, p. 3), e durante os séculos XVII e XVIII, com a “aristocratização da zona” (Carita, 1994. p. 59), são construídos alguns dos principais palácios – Cunha e Meneses (Lumiares) – edifício notável do séc. XVII, e o Palácio Ludovice, fundado em 1747 junto a São Roque – na antiga Estrada da Cotovia. Na Estrada de Santos, os palácios dos Marqueses de Valada e dos Sousas, Morgados e do Calhariz (1703).

As ruas Camões, a sul e D. Pedro V, a norte que outrora funcionavam como estradas sinuosas de acesso à cidade medieval formavam agora os principais eixos de desenvolvimento da cidade (Carita, 1994, p. 51), fundamentais para a definição dos limites do bairro. Segundo o mesmo autor, o plano pombalino vai dar particular importância a estas duas vias como continuação da Rua Garrett e ligação entre a cidade baixa e a alta.

20 De traçado anterior ao terramoto, a catual Rua da Misericórdia conheceu, ao longo do último século, três designações diferentes. Veio de Oitocentos com o tradicional topónimo Rua Larga de São Roque. Em homenagem a um jornal extinto foi rebaptizada Rua do Mundo (deliberação camarária de 29 de Outubro de 1910) e, de há décadas a esta parte (edital de 19 de Agosto de 1937), conhece-se pela designação catual – a menos plausível das três. CML (1993) - Reabilitação Urbana, Núcleos históricos – Lisboa

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Ilustração 13 - Bairro Alto (Hélder Carita, 1994). Traçado da Estrada dos Moinhos de Vento ou da Cotovia e da Estrada de Santos e seus principais palácios De cima para baixo 1- Palácio Ludovice séc. XVIII; 2- Palácio Cunha e Meneses (Lumiares) séc. XVII; 3 – Palácio do Calhariz Séc. XVIII

A norte, os limites definem-se urbanisticamente durante o séc. XIX desenvolvendo-se progressivamente de São Roque para a Cotovia. É estabelecido um conjunto de edifícios apalaçados que se alinham entre o Palácio Ludovice e o Convento de São Pedro de Alcântara21 em que o gosto e a decoração de fachadas estão ligados às obras de ajardinamento da então chamada “muralha” (Carita, 1994, p. 52).

21 O convento e Igreja de São Pedro de Alcântara tiveram o início da sua construção em 1680, tendo sido ampliado no reinado de D. João V, durante a primeira metade do séc. XVIII. No alto da colina, dominando a cidade antiga apresenta a fachada com portal triplo e escadaria de acesso emoldurada com painéis de azulejos e interior de uma só nave com capelas e sacristia ricamente decorada com mobiliário, pintura e azulejaria da época. GONÇALVES, António Ferreira (2011) – Reabilitação de um edifício situado na zona histórica do Bairro Alto, Rua da Rosa nº 15. Lisboa. Anexo F Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Área do departamento de Engenharia Civil. Dissertação de mestrado.

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Os limites, definidos a este pela Rua da Misericórdia e a Igreja de São Roque; a sul pela Praça Luís de Camões – núcleo urbano de trocas – e pela Calçado do Combro; a norte pela Rua D. Pedro V. e a oeste pela Rua do Século, atingem uma escala de monumentalidade que funciona como uma muralha de envolvimento da malha urbana, encerrando o bairro (Carita, 1994, p. 51). O Bairro Alto, dotado de uma nova ordem e com a sua identidade particular reforçada, torna-se pois uma espécie de ilha no meio da cidade.

Ilustração 14 – Destruição de Lisboa (Coleção Castilho, Torre do Tombo)

O terramoto de 1755 que atingiu apenas os limites a sul e nascente do Bairro Alto foi um acontecimento determinante para a definição das suas fronteiras. Segundo o Tombo de 1755 só arderam edifícios nas ruas Larga de São Roque (Misericórdia), Gáveas, Norte, Calafates (Diário de Notícias), do lado nascente, Loreto e Salgadeiras, bem como em pequenos troços das Travessas da Espera, Fiéis de Deus, Poço da Cidade e Queimada (Carita, 1994, p. 31). O facto de as construções serem em paredes grossas de alvenaria de pedra e cal e a baixa altura dos edifícios – dois andares, rés-do-chão e primeiro andar – explica o relativo bom estado do bairro após o terramoto.

O incêndio que se prolongou nos dias seguintes afetou a urbanização contudo a maioria dos edifícios ficou em pé, apenas com pequenas fissuras, rachas e partes destruídas o que considerou ter de se fazer obras de reconstrução. A regeneração da cidade instruiu um dos momentos mais importantes do processo de desenvolvimento da cidade de Lisboa.

Era tempo de reorganizar a cidade tornando-a nova e ordenada, metrópole de grandes praças e avenidas largas e retilíneas. No entanto era evidente o pânico sentido pela população devido aos drásticos acontecimentos.

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Pela cidade, o povo refugiava-se nos lugares menos atingidos e começam a surgir barracas, algumas delas de dois andares com acabamentos de pedra e cal. Foram providenciadas medidas urgentes e indispensáveis, pelo ministro D. José I, Sebastião José Melo de Carvalho, conhecido pelo título de Marquês de Pombal, face à tragédia abatida sobre a cidade como o desentulhamento das ruas, a drenagem das águas estagnadas, delimitação das parcelas destruídas, a acomodação dos escombros para nivelamento dos sítios, a medição e tombo das praças, ruas, casas e edifícios públicos, pensando no futuro da cidade que se encontrava flagelada.

Ilustração 15 – A Baixa Pombalina (José-Augusto França, 2005) Planta Final para o plano-piloto da Baixo- Chiado, 1758 onde se verifica um traçado de ruas ortogonais preservando as duas principais praças com um desenho regularizado. É possível perceber até os novos limites do Bairro Alto.

Foi então que se tentou impor uma regularização programada à nova cidade em elaboração impedindo que os trabalhos anunciados fossem de antemão prejudicados por soluções de urgência, que tenderiam naturalmente a criar uma habitação, numa desordem urbana semelhante à da cidade antiga. Desencadeou-se pois o processo de reconstrução da cidade de Lisboa. Cinco hipóteses foram apresentadas para a recuperação e regeneração da cidade22.

22 Havia então que escolher: ou reconstruir Lisboa tal como existia na véspera do terramoto, ou corrigir os planos antigos com alargamento das mesmas ruas, ou, insistindo neste caso, também com a diminuição da altura dos prédios, ou reedificar com planos inteiramente novos a parte central da cidade – ou, finalmente

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Ilustração 16 – Planta nº 1 (Gualter da Fonseca e Pinheiro da Cunha); Planta nº 2 (E. S. Poppe e V.D. Poppe); Planta nº 3 (Eugénio dos Santos e A.C. Andreas); Planta nº 4 (Gualter da Fonseca) (Da esquerda para direita, de cima para baixo – José Augusto França, 1989)

(e de preferência) abandonar as ruínas ao seu destino e construir uma nova cidade a poente da antiga, ao longo do rio, cerca de Belém, em zona menos sacrificada pelo terramoto. FRANÇA, José Augusto (2005) – Lisboa: urbanismo e arquitetura 5ª edição Lisboa: Livros Horizonte, p. 3

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Bernard Tschumi, arquiteto suíço considera que os limites são áreas estratégicas da arquitetura concluindo que são a base a partir da qual se pode compreender uma crítica das condições existentes. Na verdade, o terramoto de 1755 e a consequente reconstrução pombalina transformaram e definiram as artérias do Bairro na ideia de reforçar e delinear com clareza as suas fronteiras.

Processa-se sem estabelecer ruturas e sem desarticular a unidade da estrutura primitiva do Bairro Alto. Inspira-se e adapta-se ao traçado edificado manuelino com manutenção da continuidade das fachadas, largura das varandas e a ideia de simplicidade na arquitetura.

Toda a envolvente foi substancialmente alterada. O alargamento das ruas principais e a recuperação modernizada dos edifícios ao estilo pombalino deu-se principalmente nas ruas da Misericórdia, Camões e Formosa - atual Rua do Século23 – que criam novas relações do bairro com a cidade com a construção de grandes conjuntos pombalinos que se voltam de costas para o bairro enaltecendo as vias com as suas fachadas monumentais. Estas fronteiras definem uma linha de contorno imaginária que distingue o bairro da restante cidade com o objetivo claro de proteger a malha ortogonal antiga e assegurar a coesão interna do bairro. As artérias do bairro foram criadas ao longo dos séculos XVIII e XIX como forma de ligar os importantes espaços públicos que surgiam à volta do Bairro Alto como a Praça Luís de Camões a sul, o Jardim do Príncipe Real, a norte e o jardim-miradouro de S. Pedro de Alcântara, a nascente.

Ilustração 17 – Jardim de S. Pedro de Alcântara nos meados do séc. XIX (Hélder Carita, 1994)

23 A Rua do Século – via rural que ligava o Alto da Cotovia à Calçada do Combro – no período pombalino afirma-se como fronteira entre o bairro e a zona do Convento de Jesus. Marquês de Pombal de modo a dinamizar e nobilitar a rua constrói o palácio da família - Palácio Pombal.

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A praça urbana Luís de Camões – plataforma sustentada por um muro a sul, iniciado em 1859 - “composta por uma figura em bronze no centro de um largo empedrada com calçada portuguesa” e o jardim-miradouro de São Pedro de Alcântara, “numa espécie de terreiro lateral arborizado, integrado de forma magistral com suavidade no espaço urbano que restava, face ao declive formado pela encosta para o vale da ”, e o jardim do Príncipe Real foram determinantes “para dotar o bairro de características singulares que decorriam do cosmopolitismo da sua envolvente em contraponto com a forte privacidade do seu interior” (Carita, 2013).

A praça iniciada em 1859, sob uma “plataforma sustentada por um muro a sul” ocorre quando se decide dar início à demolição dos casebres do Loreto, célebres construções também chamadas de “ruínas do Palácio dos Marialva”. “ A nova praça fronteira ao Chiado favorecia a descompressão da área, tornando aina mais apetecível a sua centralidade, e parte dos edifícios que a envolviam são alterados ou acrescentados” (Carita, 2013, p. 102).

Ilustração 18 – Planta do pavimento-térreo do palácio dos Marqueses de Marialva que ocupava a área do atual Largo de Camões – Palácio dos Marialva (Hélder Carita, 1994)

A norte, o Jardim do Príncipe Real, projetado em 1853, inicialmente desenhado como praça viria a ser ajardinado e iluminado em 1869. É de ressalvar que a iluminação das ruas da cidade de Lisboa, como forma de “assegurar a segurança e tranquilidade públicas, ao inibir o crime, a mendicidade e a prostituição” (2013, p. 95) data de fins de 1780 e início de 1792. Em 1802, a Rua da Rosa no Bairro Alto, era das únicas ruas iluminadas estabelecendo a ligação dos eixos Chiado- Rato, a nascente e Chiado- Esperança, a sul. O espaço público do Jardim na sua envolvente embeleza-se de edifícios – palácios burgueses - “testemunhos de uma nova elite saída do liberalismo vencedor” (2013, p. 102) e a partir de 1883 é “responsável” pelo alargamento da Rua D. Pedro V, antiga Rua do Moinho de Vento, determinado pela Câmara em 1880.

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Na finalidade de homenagear França Borges, ilustre jornalista republicano fundador do jornal “ O Mundo”, o jardim como espaço público convidativo da cidade de Lisboa apresenta o seu “ex-libris” – o Cedro – magnifica árvore na entrada do jardim com aproximadamente 20 metros de diâmetro.

O projeto de alargamento da Rua D. Pedro V implicou a demolição das ruínas do Palácio dos Marqueses de Praia e de Monforte – situado no gaveto da Rua de São Pedro de Alcântara e Moinhos de Vento – do incêndio que sofreu em 1880; e do Palácio dos Salemas24, que ocupava um quarteirão da Rua da Rosa demolido para dar lugar à nova artéria.

Ilustração 19 – Projeto, de 1883, de alargamento da Rua D. Pedro V (Hélder Carita,1994)

24 Pouco a cima, já na Rua do Moinho de Vento (hoje de D. Pedro V, não se sabe bem porque) esquina da Rua da Rosa, encontrava-se o palacete abarracado, e de singelíssima aparência, da família Salema, com uma ermida sobre a dita Rua da Rosa. Ignoro a fundação de ambas. Tudo desapareceu por 1883, se não me engano, alargando-se a rua. E rolando-se de casas novas. CASTILHO, Júlio de (1954) - Lisboa Antiga O Bairro Alto Vol. III págs. 354-355

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De planta orgânica, o seu carácter excepcional quanto à sua estrutura espacial explica- se pela sua localização no limite norte do bairro como uma quinta semi-rural na transição entre a cidade e chamadas hortas (Carita, 1994, p. 64-65). É curioso entender que a independência do Palácio dos Salemas em relação à estrutura urbana teria um carácter mais rural devido ao desenvolvimento do tecido urbano do bairro no sentido sul-norte, chegando pelo século XVIII.

Ilustração 20 – Palácio dos Salemas – Palácio de grandes proporções e complexa organização espacial, único no bairro pelos seus diferentes pátios e grandes cavalariças, por ter capela própria. Quando do alargamento da R. D. Pedro V, cerca de 1883, foi demolido dando lugar aos prédios de rendimento atualmente existentes. (Hélder Carita, 1994)

O lugar da nova artéria – Rua D. Pedro V – estabelecia a ligação urbana entre a praça Luís de Camões e o jardim-miradouro de São Pedro de Alcântara e para determinar o alinhamento da Rua D. Pedro V abrangia “o pátio do tijolo, anteriormente em U, nunca totalmente redefinida, articulada em torno de um edifício, e favorecendo uma dupla passagem para o pátio fronteiro do Palácio Braamcamp, em 1879” (2013, p. 102) e mais tardiamente o contíguo Alto do Longo.

Finalizado após três séculos “ o bairro, como ser vivo, vai definindo as suas fronteiras”. O Bairro Alto, através das inter-relações internas como na relação com o exterior e a cidade, lentamente constrói a sua identidade (Carita,1994, p. 53), assumindo características muito próprias pelo conjunto marcado pela racionalidade e uniformidade da malha.

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No interior do bairro assiste-se à alteração do clima popular aristocrático que se vivia no bairro, reconsiderando atrativa para o habitar da classe média e alta burguesia; à densificação gradual com aproveitamento absoluto dos lotes quinhentistas substituídos por edifícios pombalinos ou tardo-pombalinos de maiores dimensões na primeira metade do século XIX; os edifícios ocupam os espaços traseiros e crescem em altura com o incremento sucessivo de andares e as águas furtadas convertem-se em espaços de habitação.

O jardim-miradouro construído em 1830, conhecido por “ Horta do Corpo da Polícia” aproveitava-se de uma obra setecentista de um muro elevado que suportaria um grande depósito projectado para as Águas Livres. É construída uma plataforma na parte inferior suportado por um muro existente criando uma base de jardim, redesenhada com canteiros geométricos em 1860. A frente do jardim é circundada de palacetes burgueses de estrutura arquitectónica pós pombalina.

O ambiente de privacidade da consequente reconstrução pombalina, que se fazia sentir no Bairro resultou em “ um dos elementos fundamentais do clima artístico e de marginalidade que se anunciava no século XVIII e toma todo o seu aparato nos séculos XIX e XX” (Braga, 2013, p. 4).

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3. O BAIRRO ALTO: LUGAR DE SINGULARIDADE ESPACIAL

3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO E IDEOLOGIA

Lisboa é uma cidade de bairros e tal afirmação remete para a ideia de um espaço fragmentado com características históricas, arquitetónicas, sociais e vivenciais próprias; para a ideia de uma construção pictórica e “romantizada” de modos de vida urbana típicas e ainda para uma estrutura em unidades de gestão e intervenção sociopolítica. Lisboa é vista à imagem de uma cidade concentrada em torno de pequenos núcleos de convivência – os bairros - considerados como um microcosmos de vida comum.

Percepcionados como aldeias na cidade, esta ideia que se faz dos bairros de Lisboa (…) é a expressão de uma verdadeira construção social da própria cidade, capital de uma nação. […] A cidade apresenta-se, assim, através dos seus bairros, como um microcosmos da sociedade nacional que representa (Índias Cordeiro, 1997, p. 321)25.

A multiplicidade dos seus bairros é notada através das representações cartográficas da cidade, sugerindo manchas mais ou menos difusas nos seus limites que no seu conjunto testemunham realidades contrastadas, com diferentes inserções históricas, ecológicas, sociais e culturais na cidade-mãe, com tamanhos variáveis, níveis de coesão diversos, ocupando, além disso, um lugar próprio na hierarquia mítica do imaginário lisboeta (Índias Cordeiro,1997, p. 21).

Lisboa integrada num continuum urbanizado cresce sobre si mesmo, adquire consciência e memória de si própria de variados ciclos de história permanece em constante transformação.

25 Percepcionados como aldeias na cidade, esta ideia que se faz dos bairros de Lisboa, mais do que uma mera nostalgia passadista de um mundo em extinção, mais do que a idealização do bairro enquanto comunidade já perdida, é a expressão de uma verdadeira construção social da própria cidade, capital de uma nação. A suposta diversidade de bairros, com uma identidade própria bem vincada, que a cidade integra, é equivalente à diversidade regionalista que faz o país. A cidade apresenta-se, assim, através dos seus bairros, como um microcosmos da sociedade nacional que representa (Gulick,1975). Ambos – aldeia e bairro- sugerem um mesmo modelo de análise, simplificador de uma pequena porção de realidade social com alguns traços de homogeneidade – social e ecológica – fechando-a e isolando-a com o objetivo de fabricar uma unidade coerente, facilmente percepcionável no interior de uma sociedade envolvente incomparavelmente mais complexa do que é possível um par de olhos humanos abarcarem. CORDEIRO, Graça Índias (1997) – Um Lugar na Cidade Quotidiana, Memória e Representação no Bairro da Bica. 1ª Edição. Publicações Dom Quixote. Lisboa, p. 321

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“A cidade, na sua vastidão e na sua beleza, é uma criação nascida de numerosos e diversos momentos de formação; a unidade desses momentos é a unidade urbana em seu conjunto; a possibilidade de ler a cidade com continuidade reside no seu proeminente carácter formal e espacial (Rossi, 2001, p. 86).

Ilustração 21 – Fachada e mural do edifício Galeria Zé dos Bois na Rua da Barroca, Sketches (Eduardo Salavisa, 2012)

Fala da cidade como um conjunto constituído por tantos bocados em si completos e que o carácter distintivo de cada cidade, e portanto da estética urbana, é a tensão que se criou e se cria entre áreas26 e elementos e entre as diferentes partes (Rossi, 2001, p. 17). Essas áreas, essas partes, são definidas essencialmente pela sua localização: são a projeção no terreno dos factos urbanos, a sua comensurabilidade topográfica e a sua presença (2001, p. 86) cultural e geográfica suficientemente circunscrita.

26 As áreas entendem como unidades do conjunto urbano que emergiram, mediante uma operação, de diferentes processos de crescimento e diferenciação, ou então os bairros ou partes da cidade que adquiriram características próprias. ROSSI, Aldo (2001) – A arquitetura da cidade, 2ª edição, Edição Cosmos, Lisboa

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O autor considera que os bairros que adquirem características próprias tornam-se “um momento, um sector da forma da cidade, intimamente ligado à sua evolução e à sua natureza, constituído por partes e à sua imagem. Continua, afirmando que o bairro torna- se uma unidade morfológica e estrutural; caracterizado por uma certa paisagem urbana, por um certo conteúdo social e por uma função própria e a sua transformação sendo que um destes elementos é suficiente para fixar o limite do bairro. (2001, p. 88)

Conclui que o bairro é uma parte relativamente autónoma, as suas relações não são explicáveis com uma simples função de dependência, mas devem ser reportadas à inteira estrutura urbana.

“HOJE, O BAIRRO ALTO ALÉM DE SER O SOMATÓRIO DE INÚMERAS TRADIÇÕES e de todas as interligações sentimentais que foram acumulando ao longo de quatro séculos é, também, uma estrutura urbana e social coesa, pois o traçado inicial, que fez do Bairro

Alto, no séc. XVI cousa nunca vista, não sofreu alterações até hoje […] ” 27 (CML, 1989).

O Bairro Alto, bairro histórico emblemático da cidade de Lisboa, loteamento de terrenos fora-muralhas e construído segundo uma legislação específica que impunha um conjunto de regras régias que determinavam novas formas de urbanidade a nível estrutural e estético (1513), foi para os “novos urbanos” palco das primeiras experiências culturais e boémias.

O Bairro Alto fora de portas torna-se um centro histórico de características urbanas definidas e por se distinguir como um local de vivências de cunho tradicional que lhe confere riqueza histórica e social e permite a descoberta da sensibilidade das gentes28.

Topograficamente desenvolvido sob um planalto, o Bairro Alto limita-se a norte por um terreno acidentado e desenvolve-se a sul sob um terreno de declive regular. A sul é identificada uma característica particular definida pela luz do reflexo do rio, atenuando todavia a densa malha urbana e a volumetria do edificado. Implanta-se numa excelente área de exposição solar que estrutura os seus espaços públicos nas ruas de orientação norte/sul garantindo a evacuação de detritos com a lavagem das chuvas “ quando a drenagem de esgotos era feita pela própria via pública” (Cabrita, 1992, p. 39). A

27 LISBOA, Câmara Municipal (1989) – Gabinete Recuperação do B. Alto do Departamento de conservação de Edifícios da Câmara Municipal de Lisboa Coord. Branca Neves 28 LISBOA, Câmara Municipal (-) – Bairro Alto / Bica Roteiro Turístico do Bairro Alto/Bica p. 4

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permeabilidade da brisa marítima – de manhã desde o rio até a terra e de noite da terra para o rio e os ventos dominantes permitiu o afastar da peste.

Com a entrada e fixação dos jesuítas no Alto de São Roque (1553) e uma nova proposta urbana de ruas perpendiculares ao rio e cortados por outros paralelos à margem na tentativa de uma construção geométrica, moderna e arejada, o ambiente social modifica- se.

A presença dos religiosos no Bairro Alto dinamiza e estrutura todo o desenvolvimento urbano estabelecendo na zona mais baixa da colina a população ligada à vida fluvial e portuária, “população tomada urbana” e na zona mais alta a permanência da aristocracia e da burguesia endinheirada. A configuração urbanística de um plano racional determinou o planeamento de um espaço labiríntico e muito fechado sobre si.

O sítio em que habitamos é muito acomodado e sadio. Antes de nos transferirmos para cá, era deserto; cobriam-no hortas, olivais e esterquilínios: agora constroem-se muitas casas; os olivais transformam-se em povoado; corre-se finalmente o odor da suavidade. Bendito Seja Deus! (Carita, 2013, p. 32).

A nível urbanístico e arquitetónico, a reconstrução do Bairro Alto após o terramoto de 1755 reorganizou os planos quinhentistas de estruturação urbana com a variante da novidade dos edificios pombalinos na encosta.

A homogeneidade da estrutura e da malha urbana capacitaram a construção de grandes casas senhoriais e palácios, que nasciam nos limites do bairro, sujeitaram-se ao traçado do loteamento inicial, protegendo ainda nos dias hoje a imagem da época quinhentista. O bairro cerca-se de palácios, casas e ruas.

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Ilustração 22 - Bairro antigo e pitoresco da cidade de Lisboa – Bairro Alto, Rua das Salgadeiras, Urban Sketches (Eduardo Salavisa, 2012)

Não há praticamente rua nenhuma que não tenha o seu palácio ou casa nobre – embora hoje, perdida a feição aristocrática, eles tenham diferentes usos e se encontrem muito longe dos ecos de festas, recepções, academias de literatos, murmúrios de cetins, brilho de jóias e passamanaria fina29 (Alice, 1993, p. 93).

O Bairro Alto, caracterizado pela sua malha de traçado geométrico que soube tirar partido das condições naturais daquele lugar “ de hortas e vinhedos de uma grande herdade” (Cabrita, 1992, p. 15), apresenta uma nova ideia para a cidade de modo a modernizar e racionalizar o espaço com clareza.

Como conjunto urbanístico homogéneo e extenso em Lisboa, revela o testemunho de uma nova vontade de ordenar, habitar e desfrutar de um novo espaço da cidade. Em 1500, ordenado por D. Manuel I a limpeza de todos os “olivais de muros a dentro”, assiste-se ao aforamento dos terrenos por loteamento. Vila Nova de Andrade, pequeno núcleo urbano de ruas fora das antigas muralhas medievais, inicia a sua expansão em 1513 para norte e poente.

29 VIEIRA, Alice (1993) Esta Lisboa, Editorial Caminho, SA, Lisboa - p. 93

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Ilustração 23 – Calçada do Tijolo Nº 23, Bairro Alto Urban Sketches (Eduardo Salavisa, 2012)

Sob o inicial aforamento dos terrenos em 1503, é acordado um plano de sub-aforamento das herdades em talhões para a construção de casas por Lopo de Athouguia, em 1513 – segunda fase de urbanização do Bairro Alto. A divisão das propriedades assegura a pertença de um talhão a um só proprietário e configura a estrutura do bairro na aplicação de um traçado ortogonal. A obrigação de estabelecer uma regra de subaforamento coincidia, segundo Carita (1994, p. 107), com o abandono da estrutura medieval do edifício em madeira, que constituía a estrutura típica da habitação urbana e da tentativa de atenuar os efeitos do crescimento demográfico que se fazia sentir em Lisboa. (Carita, 2013, p. 36)

Em proveito da perseverança de um traçado claro e geométrico segue-se o sub- aforamento das ruas, situadas na maioria a sul das portas de Santa Catarina, favorecendo às gentes ligadas ao mar, a proximidade com o rio. Concluída a zona de aforamento da parte baixa do Bairro Alto, é notória uma crescente ocupação de novas gentes no bairro fazendo com que a zona se alastre e segue novas direções. A primeira fase de urbanização do Bairro Alto (1408-1503) – da zona ribeirinha, Cata- que-Farás até meio da encosta, Travessa da Queimada - caracterizava-se pelas bases

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estruturais de cariz popular. Mantendo a estrutura urbana quinhentista caracterizada por um traçado de longos quarteirões com certas afinidades ao urbanismo medieval(Carita, 2013, p. 23), o bairro “mostra” o seu cariz aristocrático e burguês, com um desenho proporcional, racional e homogéneo na segunda fase de urbanização. Este novo modo de estar no bairro é notável nos loteamentos de «um chão» para os primeiros e a «tomada» de «um chão e meio» para os segundos.

Da obrigatoriedade das casas serem …de parede de pedra e cal e madeira e pregadura e telhas sobradadas o tecido edificado desenha-se num edifício baixo de rés-do-chão e primeiro andar com vãos assimétricos e uma planta com tendência para uma base quadrada. A pouca fenestração, com janelas de peitoril ao nível do 1.º andar, dá a este edifício um carácter maciço, e de afinidades com as construções rurais dos arredores de Lisboa (Carita, 1994, p.107). Em oposição à tendência para a planta quadrada o lote desenha-se estreito e comprido aproximando-se duma tradição de tipologia gótica “ com uma fisionomia urbana de fachada, de 3 a 4 pisos, mais fenestrada, com janelas de sacada ao nível dos diferentes andares e mantendo o alinhamento de vãos” (Carita, 1994, p.108).

A estrutura edificada do bairro cresce desenvolve-se sob um conjunto de normas impostas pela disposição do rei, estabelecendo a renovação dos materiais e modelos estruturais aos alinhamentos das fachadas e ruas (Carita,1994, p. 17). Ordena que o edificado do bairro seja construído em alvenaria e demolidas as balcoadas existentes. As balcoadas, de raiz islâmica, na tradição do muxarabi30, eram estruturas de madeira que segundo Carita, preenchiam os vãos por uma espécie de rótula ou gelosia (grade de fasquias de madeira para proteger da luz e calor) – alvará de 16 Junho de 175931 podendo ocupar legalmente 1/3 da largura da rua.

30 Elemento arquitetónico árabe que consiste num fechamento em forma de treliça, normalmente de madeira. As suas principais funções são a ventilação e iluminação bloqueando o calor e isolando os ambientes internos da visão dos transeuntes permitindo que quem está dentro tenha uma visão do lado exterior. Disponível em http://pilararquitetura.com.br/muxarabi/ 31 “Proibindo a colocação de gelosias, dadas as implicações no alastramento de incêndios, como se assistira depois do terramoto, que mais teria contribuído para alterar a fisionomia do bairro durante a segunda metade do século XVIII. Não só porque tais elementos de madeira, que recatadamente, tão ao gosto da herança mediterrânica, protegiam do calor e escondiam interiores, que recatadamente, mas porque similarmente eram gradem desse tipo que preenchiam os espaços entre os poucos elementos de ferro forjado, genericamente em forma de balaústres, que consubstanciavam a maioria das grades das varandas pré-terramoto” CARITA, Hélder (2013) – Bairro Alto Mutações e Convivências Pacíficas. Arquivo Municipal de Lisboa, p. 94

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Acrescenta dizendo que estas estruturas não podiam funcionar em consola, os balcões ligados à própria estrutura da fachada, apoiavam-se muitas vezes diretamente sobre a rua, em fortes prumos formando galerias que impediam a circulação dos coches. A principal função destes balcões era a ventilação e iluminação bloqueando o calor, isolando os ambientes internos da visão dos que por ali passavam. O rei D. Manuel I manda demolir as balcoadas existentes e ou substituí-las por balcões que não ultrapassem os dois palmos de largura na antiga medida camarária de chão - aproximadamente 40cms – que mais tarde terá a sua continuidade em varandas de sacada. As cartas determinam que os “frontais das casas que estiverem feitos de madeira passem a ser realizados em tijolo como os que agora sam feitos e a fachada se façam parede direita” (Carita,1994, p. 17).

Sob o ponto de vista arquitetónico, o Bairro Alto, é ainda hoje, uma área de coerência morfológica onde sobressai a grande unidade existente entre uma estrutura física coesa e uma imagem urbana rica e heterogénea que torna mais valiosa, […] (Cabrita, 1992, p. 15).

Identificado pelo seu traçado racionalizado e ortogonal no bairro, verifica a continuidade das fachadas, sem recuos ou avanços no alinhamento, evidenciando a preocupação de ordenar os “conjuntos das frontarias das casas sem uma sair mais que a outra nem ser mais alta que outra” (Carita,1994, p. 18), de forma a reforçar a sua contextura. A estrutura de alvenaria de pedra e cal conferia ao aspeto final uma edificação de paredes grossas e os elementos arquitetónicos, que apareciam na origem do bairro como é o caso dos cunhais – suporte da estrutura dos edifícios de gaveto mas sobretudo elemento de amarração dos quarteirões, reforçando estruturalmente os conjuntos (Carita, 1994, p. 140) – e das molduras em pedra – retas, sem ornamento, apresentavam-se pontualmente em edifícios de dois pisos.

Em paralelo verificamos que são efetuadas demolições de casas, de forma a facilitar a circulação que se deribem de casas para que fique mais larga…Intimamente ligado à realidade quotidiana e à problemática levantada pela explosão demográfica e comercial, surge uma nova ideia de espaço urbano e uma nova forma de urbanidade (Carita, 1994, p.18).

O urbanismo aplicado no Bairro Alto em muito se assemelha com o praticado nas cidades coloniais, no que diz respeito à adaptação do traçado das ruas ao relevo do terreno. A variedade do terreno, no bairro, permite vistas distantes e uma clara perceção do carácter unitário da sua forma urbana; na sua origem perto do rio sobre a elevação

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do terreno, dividindo sempre a cidade em parte alta e parte baixa, onde respetivamente abrigava a parte habitacional e as áreas de comércio e movimentações portuárias.

O Bairro Alto sobrevive ao terramoto de 1755 e a nova construção «pombalina» do século XIX preocupa-se com a integração do novo traçado, dando especial atenção às ligações que eram feitas da parte baixa da cidade para a parte alta, enobrecida pelos Jesuítas. Mantendo-se fiel ao traçado primitivo, inspira-se e adapta-se ao traçado edificado manuelino sem desarticular a unidade da estrutura urbana primitiva.

As intervenções, contribuindo para reforçar as artérias do bairro, verificam-se principalmente na Rua da Misericórdia também conhecida como Rua do Mundo32 e que traça o eixo oriental do Bairro Alto; Rua do Século - artéria nobre do bairro e Largo de Camões. Apesar de respeitarem a malha existente, sofreram transformações em extensão e o seu tecido edificado foi reconstruído à imagem do pombalino.

O Bairro Alto, por consequência do terramoto, perde o seu carácter aristocrático e torna- se “ um local de aventuras de espada e de amor, local de encontro de artistas, intelectuais, desgostos de paixões, num canto-lamento de incompreensão e destino fatal acompanhado em trinados de guitarra – o Fado, tomava forma e impunha-se noites a dentro” (CML,-) Torna-se um lugar popular, eleito pelos homens da cultura pelas características urbanas e sociais que apresentava. O ambiente do bairro era propício ao desenvolvimento das artes. Centrado sobre si e discreto torna-se um território apetecível. A entrada no século XVIII potencia a diversidade cultural, intelectual e política que marcam o lugar do Bairro Alto. Os anos 80 afirmaram o Bairro Alto como o centro da cultura citadina da moda devido à frequência de novas gentes propícias às vivências da mesma.

A imagem do Bairro que surge com uma nova ideia de cidade, que mistura diferenças sociais conferindo lhe uma cultura de lugar e urbana com características muito próprias, segundo Carita, se traduziram numa convivência de expressão e de manifestações culturais. A colina do Bairro Alto reparte-se em vivências espaciais de acordo com a estrutura das ruas e dos núcleos populacionais conferindo-lhe uma riqueza cultural e espacial popular. “ Não faz desaparecer a conversa de rua, o banco esquecido no canto

32LISBOA, Câmara Municipal (1993) - Reabilitação Urbana, Núcleos históricos – Lisboa

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da mercearia ou da tasquinha onde, entre uma compra e outra ou um copo e outro, se vai passando o dia”33.

Resultado da configuração ortogonal, racional e de planeamento labiríntico muito fechado sobre si, reforça a mistura da cultura, do comércio e da boémia resultado do 25 de Abril – uma geração que procura novos espaços de convívio convenientes à liberdade de expressão, tornando-se capital da imprensa.

Hoje é lugar referência da diversão noturna que se diversifica pela continuidade de bares que enchem as ruas. É um elemento chave na identidade da cidade lisboeta. É um lugar de Lisboa, é pertença da cidade. A fama lúdica e acolhedora que se fazia sentir no Bairro Alto foi vivida pela existência de um grande número de botequins e famosos restaurantes como por exemplo Alfaia (1880), o Tavares Pobre (1852) e o Tavares Rico (1789) – Ex-libris de Lisboa que fez parte do imaginário da Rua da Misericórdia - que determinaram um novo apogeu no bairro.

O Bairro Alto é boémio. E se há coisa que não muda, através das gerações, é a boémia. Damos hoje com ele nessa sua essência redescoberto, repovoado de noctívagos mais novos, redecorado a gosto mais fino e mais datado. Mas é o mesmo de sempre, misturando classes e destinos, entre tabernas e nobres moradas. (…) Foi novidade em Quinhentos, lugar recatado de palácios setecentistas e origem da Imprensa do século XIX. Hoje, desdenhando tudo isso, e por esse mesmo desprezo, mantém viva a essência de cada dia. CML (1993) - Reabilitação Urbana, Núcleos históricos – Lisboa

A vida moderna alterou os padrões de vivência na cidade criando novas estruturas que vieram substituir ou revolucionar as antigas. A vida quotidiana dos habitantes das grandes cidades desenvolve-se somente em torno de uma certa esfera de espaço social (Ledrut, 1971, p. 110)34. Habituados às suas rotinas diárias acabam por não se envolver com outros modelos de vida e de estar. As histórias de rua, a memória das gentes, a tradição, a vivência espacial no encontro do passeio, a convivência amistosa por um lado, a riqueza do património cultural e edificado destas zonas, por outro, tornam o bairro local de eleição para o olhar atento do viajante na cidade (CML, p. 25).

Estes fragmentos de cidade a que chamamos bairros tornam-se assim desprezados acabando por se tornar apenas pontos de referência em tempo de festividades. A festa

33LISBOA, Câmara Municipal (-) – Bairro Alto/Bica Roteiro Turístico do Bairro Alto/Bica 34 Um número considerável de habitantes de uma cidade ignora completamente os demais bairros. Sua vida cotidiana se desenvolve nitidamente no interior de certa esfera de espaço social.

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anual dos Santos Populares – Santo António - contribui para fortalecer a memória coletiva de um conjunto limitado de bairros populares. Desempenham o papel fundamental da expressão “bairrismo” que se expressa numa rivalidade produzida pelo orgulho e sentimento de pertença. É a expressão da cultura bairrista que simbolicamente “contamina” o centro da cidade.

Ledrut, que muito contribuiu para o enriquecimento do estudo sobre a cidade, entende o bairro, como parte do espaço social urbano35. Refere que a unidade deste espaço social tem semelhanças com aquilo que é o papel da vizinhança, embora com outro carácter. “O bairro, como a vizinhança, é agrupamento que se define à base da proximidade […] ” (Ledrut,1971, p. 102). O bairro, tal como a vizinhança, entendendo-a como um aglomerado de pessoas que ocupam o mesmo espaço e mantêm entre si relações de auxílio mútuo e visita, revelam a realidade sociológica justificando que, a vida das pessoas que habitam o bairro não se limita somente às relações sociais no bairro mas também à sua coletividade.

O bairro forma-se através de um tecido de relações sociais. É habitual que todos se conheçam no bairro e que entre eles se considerem como família. A intensidade da vida social depende, de um lado, das relações sociais que se estreitam no bairro, e do outro, do grau de participação dos habitantes nas atividades coletivas do bairro e da vida das organizações próprias do bairro (Ledrut,1971, p. 113).

O Bairro Alto é exemplo de fortes relações de vizinhança, uma grande vivência do espaço exterior público e uma franca vontade de comunicação e um intenso sentido de coletividade expresso pela união das várias gerações de residentes do bairro que se mantiveram sempre participativos e uma solidariedade bairrista. Os laços de vivência e entreajuda criam o encanto e a tranquilidade deste lugar.

35 O bairro é parte do espaço social urbano, próprio a certos tipos de cidade. Representa um papel bem diferente da unidade de vizinhança.

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3.2. ESTRUTURA E QUARTEIRÃO

Atendendo à novidade da implantação de um novo conceito, de um novo modo de estar e de um contínuo crescimento populacional na cidade de Lisboa, o Bairro Alto configura- se na base de um traçado ortogonal homogéneo de ruas paralelas e perpendiculares, sem praças ou largos, formando quarteirões, conferindo uma estrutura física coesa na cidade.

Regulado por um conjunto de regras impostas pelos desejos e interesses do rei, o Bairro Alto além de enobrecer a cidade de Lisboa, opõe-se a uma cidade medieval de ruas estreitas e labirínticas de influências islâmicas.

Mais do que um sistema de ruas, o Bairro Alto define-se como um sistema organizado de pequenos quarteirões de configuração retangular. A rua e o beco que definiam na Lisboa medieval a estrutura urbana da cidade cedem, primeiramente na Vila Nova de Santa Catarina e na Vila Nova da Oliveira bem como posteriormente no Bairro Alto a uma estrutura de outro e diferente valor morfológico: o quarteirão (Carita, 1994, p. 47).

Numa atitude de transformar a cidade consequência da explosão demográfica que se fez sentir em finais do séc. XVI, a imagem da cidade é obra de ruas largas, simplificação e regularização das fachadas. O Bairro Alto nasce e expande-se numa regularidade até então não experienciada, sobre uma estrutura original de quarteirões e mantém a continuidade de uma malha urbana racionalizada,- proveniente do desenvolvimento das ciências matemáticas - com a inclusão de edifícios nobres como palácios e casas senhoriais resultado da procura do bairro por mercadores, burgueses e aristocratas. Estes novos edifícios introduzidos no bairro respeitaram os lotes onde se inseriam e as cérceas dominantes.

Em Lisboa nos finais do séc. XVI assiste-se à transição da estrutura medieval de carácter rural, para uma estrutura que se insere na lógica urbana do Bairro Alto, que consistia numa mesma métrica de quarteirão que naturalmente organizava o espaço urbano de modo racional. A estrutura urbana medieval caracterizada na cidade de Lisboa abrangia uma área reduzida e limitada pela Cerca Velha. As suas ruas estreitas (aproximadamente com menos de 2,60m) pavimentadas e sinuosas de caminhos labirínticos e edifícios predominantemente térreos, construíam a imagem da cidade.

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Ilustração 24 - Malha orgânica da Lisboa medieval (à esq.) e Malha ortogonal do Bairro Alto em 1650 (Hélder Carita, 1994)

Esta imagem é trocada por um processo de loteamento para a construção de casas - aforamento - cato de concessão de privilégios e deveres sobre uma propriedade cedida em enfiteuse para exploração ou usufruto do seu ocupante, pelo proprietário -. A divisão do terreno em parcelas insere-se na implementação de novas regras de construção e alinhamento das ruas do Bairro Alto. É a substituição de um método de construção medieval em estrutura de madeira que se iniciava ao nível do pavimento do primeiro andar com interligação do barroteamento com os prumos verticais nas paredes; facilidade de acréscimo do número de andares e consequente elasticidade da estrutura e da organização espacial de um interior articulado com um pátio destinado a apoio agrícola, para a construção em pedra e alvenaria de tijolo permitindo espessura e conferindo durabilidade que no seu conjunto permitiu a imagem de um bairro de edifícios de configuração retangular, estreitos e profundos com fachadas principais estreitas

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havendo edifícios entre os três e quatro metros e outros com larguras entre os seis e oito metros. A altura dos edifícios variava entre um e três pisos. Após o terramoto, que impulsionou a transformação e restruturação da cidade de Lisboa, o Bairro Alto não sofreu grandes alterações devido ao método de construção adaptado, mantendo-se sempre fiel ao desenho inicial. No entanto, como resposta à catástrofe de 1755 para a reconstrução dos edifícios surgiu um novo sistema construtivo – modelo pombalino – onde foram introduzidas variações morfológicas nos quarteirões que sofreram alterações no seu perímetro e surgiram novas tipologias edificatórias.

Preservou-se o “miolo” do Bairro Alto onde o processo de crescimento, se resolvia pelo tradicional processo de multiplicação ou divisão de unidades parcelárias (Cabrita, 1994), e a norte do bairro, as alterações fizeram sentir-se no limite perimetral – Ruas de São Pedro de Alcântara, da Misericórdia, do Calhariz e no Largo de Camões – ocupando parcelas de terreno maiores às que se haviam formado anteriormente devido à grande necessidade dimensional da nova tipologia edificatória pombalina.

Segundo Cabrita (1994), no Bairro Alto, existia um módulo base que controlou o aforamento dos terrenos e consequente parcelamento do Bairro Alto. Neste sentido, a maior parte dos lotes tem uma forma retilínea alongada com dimensões de 6 a 8 metros de frente por 12 a 15 metros de profundidade. Estas medidas vem justificar a prática de traçar talhões - medidas em “varas” ou em “palmos” - em que o lote padrão tinha 30 palmos de frente e 60 palmos de profundidade (Cabrita,1992, p. 46).

A estrutura urbana do Bairro Alto (1513) formava um quarteirão-tipo que se molda numa estrutura dividida em parcelas de forma retilínea em que o lado de maior dimensão, correspondente a 60 palmos acompanha as ruas que são perpendiculares ao rio e o de menor dimensão (30 palmos) auxiliam as travessas. Supõe-se (Cabrita, 1992, p. 41), que o interior do quarteirão se ocupava de logradouros semipúblicos ou privados que permitiam usos de apoio à habitação e também asseguravam iluminação e ventilação necessárias aos fogos.

Os quarteirões construídos numa lógica heterogénea explica o facto de se considerar que o “comprador” podia obter mais que um chão, sendo que chão designado por Carita, era uma medida agrária utilizada na Idade Média que entendia um retângulo de 60 palmos de comprimento por 30 de largura, e consoante o número de chãos crescia ou diminuía o volume e área de implantação dos edifícios.

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Isto só mostrava a capacidade económica de cada comprador e a necessidade da sua representação no bairro. Assim, justifica-se a existência de lotes com diferentes dimensões, geralmente com valores múltiplos ou submúltiplos do módulo base.

Ilustração 25 - Parcelamento do “quarteirão-tipo” no Bairro Alto, (hipótese dos autores) (José Reis Cabrita, 1992, p. 41) Da esquerda para direita de cima para baixo, hipótese a. Divisão do lote em parcelas iguais – módulo base; hipótese b. Divisão do lote em parcelas iguais em que o lado de menores dimensões volta-se para as travessas e o lado de maiores dimensões acompanha as ruas perpendiculares ao rio; hipótese c. Interior do lote ocupado por um logradouro “público”; hipótese d. Divisão do lote em parcelas múltiplas ou submúltiplas do módulo base

No século XVI, grande parte dos edifícios pré-existentes do bairro, construídos segundo um modelo medieval semirrural haviam já desaparecido. No entanto, as tipologias dos edifícios residenciais podem de uma forma genérica destacar quatro grandes períodos compreendidos entre finais do século XV – origem do Bairro – até as primeiras décadas do séc. XVII – terramoto de 1755 e consequente institucionalização do período pombalino – séc. XIX – adulteração da estrutura pombalina para a construção de edifícios gaioleiros e séc. XX como tempo de consolidação do “modernismo” assistindo- se à reformulação das técnicas tradicionais aplicadas nos edifícios e na cidade.

Do período da fundação do Bairro Alto, os edifícios primitivos sugerem duas tipologias de habitação que revelam atitudes e tradições opostas. Marcados pela influência da construção em estrutura de madeira dos edifícios na cidade medieval e pela continuidade de um certo ruralismo, os edifícios compostos por um piso térreo e primeiro

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andar ocupavam a área de um chão (30x60 palmos) em que fachada principal – correspondente a 6,75m ou 30 palmos - orientava-se para as “travessas” – ruas de menor importância. Da primeira tipologia, a planta desenhava-se geralmente quadrada, de morfologia baixa e pouca abertura de vãos assimétricos. A organização do espaço interior baseava-se no esquema simples de distribuição dos espaços em cruz, cuja origem está na adaptação do modelo rural mais simples – lote estreito e profundo e a construção em pisos com um alojamento por piso –.

Ilustração 26 – Rua da Atalaia, 203 e Travessa dos Fiéis de Deus,50-52 – Tipologias residenciais do período do século XV – origem do Bairro Alto (José Reis Cabrita, 1992)

Por vezes, estes edifícios eram compostos de um andar, ou até dois em que o acesso ao interior era feito a partir de portas independentes. Ao piso superior acedia-se por uma escada de um só lanço – “escada de tiro” – geralmente encostada à “parede meã” (Cabrita, 1992, p. 46).

Por cada piso, existia um só fogo em que o espaço interior organizava-se por um compartimento – a “sala de fora” – espaço privilegiado com iluminação natural colocada na fachada que dava acesso à rua em intercomunicação com os restantes espaços interiores, quarto (s) e cozinha – zona funcional - relacionada com o logradouro e que daria acesso direto. Os logradouros (quando há) serviam de apoio à habitação e asseguravam a ventilação e iluminação dos edifícios.

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A segunda tipologia afirma uma atitude urbana diferente destacando-se pelas semelhanças que apresenta com as tipologias góticas. A nova atitude sentida no Bairro Alto é marcada por lotes que se configuram como estreitos e compridos, conferindo um maior índice de ocupação. Pelo carácter rural e distribuição do espaço interior comprova-se um apego à tradição medieval, determinadas pela população ligada aos artífices, carpinteiros, calafates, gentes com menores recursos.

O lote estreito e comprido modifica a estrutura fundiária inicial do Bairro opondo-se ao desenho inicial de planta quadrada. A procura de uma maior rentabilidade dos solos em virtude de um crescente empobrecimento do bairro entre os séculos XVII e XIX modifica o módulo base no quarteirão – lote estreito que obrigava a uma tipologia comprida - provocando a diminuição ou desaparecimento do logradouro na maioria dos quarteirões do Bairro Alto. A fisionomia urbana da fachada orientava-se para a rua principal e cresce em altura até aos 3 a 4 pisos, mais fenestrada, com janelas de sacada ao nível dos diferentes andares e mantendo o alinhamento dos vãos (Carita, 1994, p. 108).

A organização do espaço interior é bastante clara, dividindo o espaço em dois compartimentos diferentes na profundidade e um ou dois na largura, conforme a dimensão da frente urbana do lote. O primeiro espaço privilegiado – a sala de fora – com varandas e janelas de sacada orienta-se e organiza-se consoante a vida pública das ruas. O segundo espaço é orientado para o interior do quarteirão. O logradouro que funcionava como um espaço com qualidade utilitárias e de apoio à vida familiar mais íntima, era o lugar de preparação de refeições que posteriormente acrescenta a chaminé e a pia dos despejos, era o lugar do banho. Mais tarde evolui para um espaço singular de pequenas “marquises”, com as correspondentes “latrinas”. “Entre estes dois espaços existem os quartos de dormir e um estreito corredor que dá acesso a um reduzidíssimo patamar onde desemboca a apertada “escada de tiro”” (Cabrita, 1992, p. 48).

A coerência da estrutura existente no Bairro Alto dada através das fachadas principais muito estreitas - divididas segundo tramos de vãos pequenos, alternados com tramos cegos de espessas paredes de alvenaria – entre cinco ou sete tramos sucessivos e alternados (Cabrita, 1992, p. 46), e a composição dos quarteirões que esboça uma morfologia baixa, estreita e profunda apresenta originalmente um relacionamento forte e íntimo no bairro entre o edifício e o coletivo da estrutura urbana conferindo homogeneidade e harmonia ao sistema de quarteirão aplicado.

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A primeira tipologia – de planta quadrada, organização do espaço interior em cruz com vão escada de um só lance e configuração urbana baixa dando a sensação de horizontalidade, evoluiu natural e consequentemente, devido à procura por parte da população de melhores condições de habitação, para uma tipologia mais estreita e profunda com incremento do número de andares conferindo verticalidade ao bairro. A organização do interior dividia-se em duas áreas distintas – sala de fora e logradouro - e os vãos de escada de tiro em conjunto de dois a três lanços retos interrompidos por pequenos patamares-. Estas transformações fizeram–se sentir pela constante necessidade da procura de melhores condições por parte da população. Os compartimentos interiores sofrem alterações, principalmente no logradouro. A cozinha/ quarto de dormir passa a quarto e a cozinha é construída no local do logradouro que assim se reduz ou desaparece (Cabrita, 1992, p. 99).

Ilustração 27 – Rua da Atalaia, 195-197 e Rua da Rosa, 69-71 – Tipologias residenciais do período do século XV – origem do Bairro Alto (José Reis Cabrita, 1992)

Após o terramoto de 1755, que pouco afetou o Bairro Alto, surgem novas soluções arquitectónicas que preenchiam e se adaptavam a uma estrutura urbana coerente.

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É nos limites externos do bairro – Rua da Misericórdia e Rua do Loreto – onde se processam as intervenções de reconstrução urbanística, na medida em que os edifícios pombalinos exigiam uma dimensão de quarteirão que o Bairro Alto não comportava devido ao desenho da malha urbana quinhentista ser de menor escala. A tipologia construtiva da época pombalina,século XIX, que se baseia num edifício de grande escala, é comparada com a escala que se faz sentir no Bairro Alto e instala-se nos seus limites erguendo-se como uma muralha protectora, reforçando a entidade urbana e a contenção interior do bairro. A escala dos edifícios pombalinos que exigiam uma dimensão de quarteirão que o Bairro Alto não suportava exibem as suas fachadas de tendência maneirista nas grandes vias de desenvolvimento urbano, voltando se de costas para o bairro (Carita, 1994, p. 121).

O Pombalino surge na medida em que é necessário reconstruir os edifícios afectados pela catástofre adaptando-os à escala e configuração dos lotes do Bairro Alto. Trata-se de um ajuste da tipologia primitiva do bairro com novas soluções de influência pombalina.

O modelo dos arquitetos Eugénio dos Santos e Carlos Mardel que se baseava numa simplicidade repetitiva da composição das fachadas dada sucintamente pela alternância das janelas de peitoril para janelas de sacada, pelos telhados de quatro águas entre os edifícios e apontamento de portais encimados de janelas – introduziram uma nova estética na cidade revelando-se mais inovadora na introdução de novos conceitos urbanísticos e técnicos construtivos do que na criação de modelos estilisticos (Carita, 1994, p. 121).

O desenho da fachada efeito da estrutura em gaiola, resultava da relação entre o pano de parede e o desenho das janelas e portais, introduzindo um sistema ritmico harmonioso e elaborado que se estabelecia entre os diferentes andares.

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O bairro como estrutura urbana: o caso do Bairro Alto em Lisboa

Ilustração 28 – As novas tipologias pombalinas – Fachadas com o mesmo traçado formando unidade de conjunto. (José Reis Cabrita, 1992)

As influências do período pombalino no Bairro Alto expressaram-se na composição das fachadas – aumento do número, dimensão e hierarquização dos vãos – conferindo a este lugar uma arquitetura regulada e homogénea pela proporção, modulação e ritmo. A linguagem pombalina expressava-se pelo aumento do número de pisos de dois para quatro de maneira a poder rentabilizar os solos, na configuração dos lotes – aumento do volume e área de ocupação. Eram ocupados lotes maiores que os primitivos alterando a área de logradouro ainda existente, por saguões e na organização do espaço interior dos fogos de maneira a adaptá-los a novas e racionais soluções do “prédio de rendimento pombalino” – em meados do século XIX caracterizados pela sua densidade de ocupação, depurado nível técnico e construtivo e qualidades espaciais e de pormenor funcionais.

O prédio pombalino constituído por quatro andares diferencia-se pelas diversas ordens de janelas implementadas. O primeiro andar é valorizado como um conjunto uniforme de janelas de sacada na tradição maneirista, o segundo e terceiro andar desenham-se em janelas de peitoril de dimensões mais reduzidas. No terceiro andar a janela “aparece com a verga curva com fecho central fazendo contraponto com as vergas dos portais do rés-do-chão (Carita, 1994, p. 123). O ritmo da estrutura é dado pelos portais do rés-do- chão sendo cada andar e cada vão mais pequeno à medida que cresce.

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Este efeito é reforçado pela janela mais pequena das águas-furtadas, que reforçam o efeito de progressão rítmica. Será contudo com a adoção do telhado de duas inclinações que os conjuntos pombalinos adquirem maior graça e dinamismo (Carita, 1994, p. 123).

Ilustração 29 – Rua da Rosa, 142-144 Rua do Norte, 17-21 (José Reis Cabrita, 1992)

A nova solução encontrada para a caixa de escadas relaciona-se com a “nova” composição das fachadas e com a introdução da “estrutura de madeira, algo elástica, a “gaiola”. Interiormente, funciona como elemento de suporte da estrutura e exteriormente no desenho da fachada é marcado pelo portal de entrada principal ao nível do rés-do- chão. A estrutura da gaiola, “inventado para assegurar a resistência dos prédios aos abalos sísmicos sempre receados” (França, 2005, p. 45), permitia boas condições de segurança a nível estrutural - possibilitando um aumento do número de pisos até cinco – ao nível da caixa de escadas – desenvolvendo uma maior comodidade dos espaços interiores e respetivos pé-direito – e segurança do fogo – pela subida das paredes meãs tornando-as paredes corta-fogo (Cabrita, 1992, p. 52).

A evolução das tipologias de origem medieval fazem surgir novas soluções de “casa dupla” i.e. uma tipologia de dois fogos por piso, resultado da agregação de dois ou mais “chãos” permitindo assim a distribuição do espaço interior em esquerdo/direito. O interior que se compunha com a caixa de escadas encostada à empena do edifício com um conjunto de lances rectos muito inclinados, altera-se para uma caixa de escadas central com dois lances opostos (Carita, 1994, p. 125) “por vezes com iluminação zenital, pela abertura da clarabóia no telhado, quando a largura do lote permitia”.

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Ilustração 30 – Elementos constituintes e estrutura da gaiola. A construção iniciava-se a partir do momento em que os alicerces das paredes atingiam o nível do terreno exterior – estrutura de cantaria do rés-do-chão. A’ – Vigas ou frechais com secção aproximada de 0.10x0.14m; B’ – Prumos pregados na face externa dos frechais definindo os vãos das paredes; C’- Travessanhos, pequena viga que se fixa no canto ou face mais estreita dos prumos para o exterior. (Disponível em http://www.ext.lnec.pt/LNEC/DE/NESDE/divulgacao/gaiol_const_sism.html)

Posteriormente a caixa de escadas no edifício pombalino deixa de revelar-se importante no desenho da fachada, com a marcação de um portal central de entrada ao nível do rés-do-chão, considerando que no interior funcione como elemento de suporte da estrutura facilitando a solução tipológica de dois fogos por piso. O prédio pombalino reune no mesmo edifício uma só fachada onde a linguagem formal, o rítmo, a proporção e o desenho dos vãos respeitam o mesmo traçado formando uma unidade de conjunto. A nova imagem do bairro, que dura mais de um século, devido à precária situação económica e política que país atravessava, com as Invasões Francesas e consequente partida da Corte para o Brasil, passa a ser hábito construtivo popular repetindo-se sucessivamente como conhecimento empírico transmitido de mestres a aprendizes (Carita,1994, p. 127).

A evolução do tempo faz resurgir novas ideias e soluções de organização dos espaços interiores do fogo. A solução da estrutura de gaiola (que se torna um hábito construtivo popular) é substituída para Gaioleiro – 2ª metade do séc. XIX - que se justifica pela simplificação e adulteração grosseira dos sistemas estruturais/construtivos no pós terramoto de 1755.

No Bairro Alto, o período Gaioleiro é identificado no desenho da fachada pela perda do rigor, do sentido rítmico e da métrica dos modelos eruditos pombalinos. São adotadas soluções-tipo económicas (séc.XVII) e construídos “prédios de rendimento”. Os palacetes na estrutura urbana são colocados em gosto romântico junto a “vilas operárias” muitas vezes agrupadas numa solução morfológica tipica de Lisboa – o pátio.

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A fachada, ao nível do primeiro andar é marcada pela particularidade das janelas de sacada em relação aos segundo e terceiro andares com janelas de peitoril, notando-se ao nível do segundo andar uma progressiva diminuição da altura de cada andar. “ A diminuição da espessura da parede da fachada ao nível do último andar permitia um andar ligeiramente recuado, onde podia correr uma varanda.”

Ilustração 31 – Páteo do Tijolo, 51-59 Rua da Rosa, 35-39 As novas tipologias pombalinas - (José Reis Cabrita, 1992)

É claro, no desenho da fachada, a diminuição da altura de cada andar até as mansardas – aproveitamento regular das águas furtadas -. Esta solução permitiu a valoriação da construção nos andares mais altos. As janelas de sacada evidenciam a atenção dada aos fogos. O aumento das cérceas dos edifícios aumenta o número de andares no edificado do pós-terramoto para cinco, seis pisos. Os lotes estreitos e compridos ocupados por edifícios de elevada densidade de ocupação obrigou o uso do espaço do saguão no interior do edifcio. O interior do fogo revela uma complexa organização dos espaços interiores. De uma forma funcionalmente hierarquizada surge num espaço próprio a instalação sanitária, adossada à fachada posterior. Os espaços interiores são diferenciados pelo seu uso diurno e/ou nocturno organizados e relacionados sob um elemento de circulação interna – o corredor - como espaço de organização das circulações internas das relações entre compartimentos e como elemento priveligeado de ligação ou separação.

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O Gaioleiro como simplicação da estrutura de gaiola que perdurou até ao séc. XX (anos 30-40, estrutura de betão armado), introduz uma mistura de estilos e novos materiais como o pinho e a casquinha, que substituem as madeiras de carvalho ou azinho, o ferro e o vidro. A sua estrutura é simplificada na medida em que “os vãos passam a ser mais espassados deixando a estrutura de funcionar como um todo” (Carita, 1994, p. 131) passando a ser um reforço da resistência do edificio.

O desenho do gradeamento das varandas com urnas sofre variações no seu conjunto transparecendo um neoclassicismo que nas artes decorativas portuguesas corresponde ao chamado período D. Maria – finais do séc XVIII, princípios do séc. XIX (Carita, 1994, p. 129). Em meados do mesmo século são introduzidos nas fachadas dos edificios “placas quadrangulares de faiança para o revestimento das paredes”(Ribeiro, 1990, p. 12)

Os nossos avós, que nunca sonharam com a existência dos micróbios, desde há que séculos vinham adoptando nos grandes edificios públicos e privados, para sua ornamentação e asseio, a artística indústria decorativa do azulejo, um dos ramos da cerâmica, como é sabido. (Ribeiro, 1990, p. 11)36.

A nova ornamentação de azulejos nas fachadas(1850), disperso um pouco por todo o Bairro, incute, segundo Carita, uma nova vibração tanto cromática como rítmica ao conjunto urbano. É uma nova ideia de contribuição para uniformizar a leitura das fachadas e a camuflagem das mesmas. Afirma-se como “ uma grande versatilidade de inequívoca qualidade estética no entendimento dos valores arquitetónicos reforçando os ritmos de fenestração com barras em emolduramento, utilizando padrões de facil leitura à distância.”

36 Ribeiro, Christino (1990) – Estética Citadina Anotações sobre Aspetos Artísticos e Pitorescos de Lisboa, José Ribeiro, editor, Março 90, 1ªedição

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Os antigos portugueses usavam também em larga escala idênticas placas de faiança, vidrada, - de certo uma tradição mourista - , em que figurações ou ornamentos, como meio decorativo as alindavam, conservando a par um aspecto limpo e brilhante nas escadarias, nos átrios, nas salas de palácios, de conventos, e exteriormente no alinhamento das fachadas dos edifícios, ou nos muros dos jardins.(Ribeiro, 1990, p. 12).

Os edifícios românticos, durante metade do século XIX, surgem nos limites do bairro – S. Pedro de Alcântara eD. Pedro V. A imagem de uma fachada de varandas salientes com gradeamentos e molduras trabalhadas confere valorização e engrandecimento que se relaciona directamente com a alta burguesia que se instalava no bairro.

No interior do bairro assiste-se a uma alteração da gramática da estética na ordem decorativa do deseno das molduras das janelas. As vergas passam a ser curvas eliminando a forma reta, tal como nas varandas onde a curva e contracurva surgem na laje de pedra, nos gradeamentos, consolas e cunhais de pedra que no período pombalino decorativamente passaram a ser curvos.

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3.3. FUNÇÃO E VIVÊNCIAS

(...) fora de portas na cidade do séc. XVI torna-se um centro histórico de características urbanas definidas e por se distinguir como um local de vivências de cunho tradicional que lhe confere a riqueza histórica e social e permite a descoberta da sensibilidade das gentes. (CML).

O Bairro Alto em Lisboa é parte constituinte da cidade onde os moradores se identificam, se sociabilizam, criam laços afetivos e sentimentos de pertença. Não deve ser apenas entendido como uma demarcação territorial que divide a cidade, servindo para delimitar os espaços urbanos e o controle administrativo dos serviços públicos e municipais mas como um momento, um sector da forma da cidade, intimamente ligado à sua evolução e à sua natureza. O Bairro Alto representa a cidade, a história, a memória e o povo reunindo um conjunto de temas e comportamentos culturais específicos. É uma unidade morfológica e estrutural caracterizado por uma certa paisagem urbana, por um conteúdo social e por uma função37.

Ilustração 32 – Restaurante “A Cabaça”. Bairro Alto. Lisboa. Janeiro 2006 (Eduardo Salavisa, 2006)

37 A cidade, na sua vastidão e na sua beleza é uma criação nascida de numerosos e diversos momentos de formação; a unidade desses momentos é a unidade urbana em seu conjunto, a possibilidade de ler a cidade com continuidade reside em seu preeminente carácter formal e espacial. A unidade dessas partes é dada fundamentalmente pela história, pela memória que a cidade tem de si mesma. Essas áreas, essas partes, são definidas essencialmente pela sua localização: são a projeção no terreno dos fatos urbanos, a sua comensurabilidade topográfica e a sua presença, cultural e geográfica suficientemente circunscrita. O bairro torna-se, por conseguinte, um momento, um sector da forma da cidade, intimamente ligado à sua evolução e à sua natureza, constituído por partes e à sua imagem. Destas partes temos uma experiência concreta. Para a morfologia social, o bairro é uma unidade morfológica e estrutural; é caracterizado por uma certa paisagem urbana, por um certo conteúdo social e por uma função própria; logo, a transformação de um destes elementos é suficiente para fixar o limite do bairro.

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Claramente definido como forma de organização do espaço e do tempo da cidade de Lisboa, na ideia de uma “cidade ideal”, é um lugar pela sua essência guardando ainda hoje muita da imagem da origem quinhentista. Após o terramoto de 1755 e na sequência da reconstrução da cidade, redefine os seus limites criando uma fronteira com a cidade, mantendo sempre a sua essência. Em meados do século XIX assiste-se no Bairro Alto, após a imigração da nobreza e consequente transformação do tecido social – a uma recomposição social da população e instala-se no bairro um período de mudança nos seus edifícios - aumento do número de andares - e na vida social - a instalação de jornais.

Alice Vieira (1993) faz um retrato autêntico do Bairro Alto afirmando que o Bairro viveu e vive de muitas modas que lhe têm determinado rosto e estilo de vida. Desde os palácios que se transformaram em casa de serviços aos conventos que nos dias de hoje são escolas e hospitais, dos jornais que transformaram as ruas em verdadeiros palcos de sociabilidade, as tascas que se transformaram em casas finas, as prostitutas que passaram a ter lugar certo no bairro à invasão dos “betinhos” nos anos 80 que motivaram a pancadaria e intervenções por parte da polícia - conclui que o bairro tem duas caras – é um lugar por excelência de novos estilistas, das pequenas galerias de arte e dos ateliers de design e por outro lado é o lugar da passa trocada, do pó que se compra e vende, do speed e das tripes e demais merda (Vieira,1993, p. 94).

Diariamente o Bairro vive três ciclos que se caracterizam pela sucessiva mudança de gentes e de tipos de vida (Cabrita, 1992). O bairro acorda com a rotineira saída das pessoas que se dirigem às compras. A rua vive a agitação das cargas e descargas do pequeno e escasso comércio local e tradicional. As gentes do bairro trocam palavras da vida em comunidade.

De dia (especialmente ao domingo) o Bairro continua a apresentar uma vida ligada à sua identidade de bairro tradicional, uma vida “de sardinhas a assar na brasa, para o que é preciso pedir licença 'à vizinha do primeiro andar' que tem a roupa a secar, de operariado indiscriminado, de negócios escuros (…) ” (AMORIM, em CACHULO e COCEIRO, 1993, p. 26).

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Ao início da tarde, ao bairro chega uma população exterior - os turistas - que observam e experienciam o lugar – e pessoas que procuram um espaço de refeições. A noite transforma o bairro. Há significativamente uma substituição de gentes e do modo como se vive o bairro. O registo boémio, noturno e marginal caracterizam a outra face do Bairro Alto.

O Bairro retrata a diferença social, pois é um bairro formado de pessoas dissemelhantes no que diz respeito à nacionalidade, profissão, instrução, estilos e prática de vida. Tem vindo a marcar a sua diferença na cidade pelas suas vivências e pelo imaginário coletivo que se transmite às gerações.

Desde os fadistas e as facadas, a prostituição e o clima de marginalidade, passando pelas tertúlias e a vida ligada aos jornais, pelas noites dos anos oitenta e noventa até chegar à atual vivência, o Bairro Alto - lugar onde as relações sociais acontecem de forma natural - tem sido marcado por um clima heterogéneo, resultante da coabitação de diferentes escalas sociais, pela cumplicidade entre as vidas diurnas e noturnas e pela existência de diferentes valores.

A vida do Bairro Alto carregada de memória coletiva e ritmada por festas38 – a festa anual dos Santos Populares - é lida geralmente por não residentes numa dimensão folclórica. No entanto são para os habitantes do Bairro, elementos intrínsecos da vida quotidiana, para os quais se preparam durante o ano e que são o seu orgulho (Rémy e Voyé, 1997). A festa de Santo António que contribui para fortalecer a memória coletiva do bairro de cultura popular - i.e. uma cultura que, de algum modo, é um vestígio de um modo de vida anterior, não marcado pelos efeitos da urbanização e pouco sensível a ela (Rémy e Voyé, 1997, p. 99), desempenha o papel fundamental da expressão “bairrismo” que se expressa numa rivalidade produzida pelo orgulho e sentimento de pertença. As pessoas do bairro orgulhosos do espaço onde vivem insistem na continuidade das suas tradições.

38 A festa é um elemento fundamental em qualquer sociedade, uma importante manifestação da sua cultura onde estão presentes os valores, as figuras, os símbolos e os instrumentos significantes dessa mesma cultura e necessários para essa catividade específica que, note-se é uma catividade não produtiva (embora muitos agentes venham a ter lucro), não obrigatória a que o Homem se dedica voluntariamente e apenas pela fruição. CHAVES, Mário (2010) – Cidades flexistencialistas Coleção Ensaios Universidade Lusíada de Lisboa - Carcajeiro, Helena – Espaço Urbano de festa p.20

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Eu nasci aqui, brinquei aqui, casei aqui, tenho os meus filhos e moro aqui, são palavras de moradores que resistiram a evolução da urbanização das cidades deixando-se ficar no bairro por sentirem que aquele lugar lhes pertencia.

Como unidade de vida urbana o Bairro Alto expressa-se pela construção das primeiras tipologias na origem do bairro – séc. XV. As primeiras construções de carácter maciço e rural articulavam o espaço interior com uma divisão - a sala de fora – que se orientava para a vida pública das ruas através das janelas de peitoril ao nível do 1º andar e janelas de sacada ao nível dos restantes pisos. Esta forma de organização do espaço interior é curiosa quando se afirma que a rua era a sala-de-estar dos dias de hoje.

As ruas do bairro caracterizadas lado a lado a modesta casa do artesão e o palácio faustoso, paredes meias com a taberna carvoeira em convivência pacífica com a austeridade dos conventos (CML, p. 15) definem uma imagem construída por uma grande variedade de pormenores que pertencem a soluções linguísticas e compositivas diferentes, resultantes das sedimentações da história e da evolução tipológica e estilística da arquitetura doméstica (Cabrita, 1992).

A configuração das ruas estreitas e empedradas do bairro confinantes à zona do Carmo e do Chiado são sinónimo de um lugar de sociabilidade que se desdobra em vários níveis e dimensões de ação, interação, diferenciação e sociabilização; circulação, interconhecimento, e confronto, território de memórias, cenário de quotidianos diferenciados e palco de cruzamentos sociais entendido como uma unidade de vida urbana (Baptista, 2007).

A rua, entendida como unidade mínima de vida urbana e elemento estruturante da cidade torna-se um conceito complexo na medida em que pode ser lida como um microcosmos onde se cruzam diferentes esferas sociais e diferentes tipos de pessoas estranhas que reparam umas nas outras. O Bairro é o microcosmos do peão, que percorre um certo espaço num certo tempo, sem ter a necessidade de utilizar o veículo. A vida moderna criou novas estruturas de vivências que vieram substituir ou revolucionar as antigas. As histórias de rua, a memória das gentes, a tradição, a vivência especial no encontro do passeio, a convivência amistosa por um lado a riqueza do património cultural e edificado destas zonas, por outro, tornam o Bairro local de eleição para o olhar atento do viajante na cidade. (CML, p. 25)

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As ruas como espaço público no Bairro Alto - lugares vividos frequentados a todas as horas do dia, de dia por um público heterogéneo e de noite por um público essencialmente jovem que se distribui pelos numerosos bares e restaurantes - distinguem-se perante a cidade fazendo deste espaço um lugar com características intrínsecas de ambiente e de privacidade.

A noite Lisboeta acontece pelas ruas do Bairro que a certa hora abrem os seus estabelecimentos noturnos para dar início à tradição e cultura boémia. É nas ruas e travessas do Bairro, que se enchem de pessoas anónimas, onde se fabricam interações. A diversidade de bares e restaurantes gera um movimento de vaivém constante, o entusiasmo da noite, a notícia de boca em boca e a paragem obrigatória nas exposições que os próprios bares e restaurantes levam a cabo, na tentativa pacífica de casar a gastronomia com a arte, fazendo coincidir a diversão com a cultura (CML, p. 47).

O Bairro Alto é boémio. E se há coisa que não muda, através das gerações, é a boémia. Damos hoje com ele nessa sua essência redescoberto, repovoado de noctívagos mais novos, redecorado a gosto mais fino e mais datado. Mas é o mesmo de sempre, misturando classes e destinos, entre tabernas e nobres moradas (Câmara Municipal Lisboa, 1993).

Na reconstrução da cidade, após o terramoto, o bairro além de redefinir os seus limites cria uma fronteira com a cidade originando novas centralidades e ideais. Torna-se um lugar de interesses proporcionando a relação entre as artes e a comunicação sendo preferido no séc. XVIII como lugar de numerosos espaços culturais.

O Bairro - lugar urbano de malha ortogonal organizada num conjunto de ruas e travessas, paralelas e perpendiculares ao rio Tejo - organiza nesta altura uma estrutura densa com o restauro de alguns edifícios do séc. XVI e XVII e o aumento do número de andares na ideia de enobrecer e salvaguardar o seu carácter popular. O consequente aumento da população no bairro desenvolve uma maior coesão e espírito comunitário, entre moradores, criando um ambiente interior peculiar de privacidade.

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Ilustração 33 – Bairro Alto à noite (Carruco,2013 Artista Plástico)

De acordo com a estrutura das ruas e das características urbanas e sociais a colina do Bairro Alto reparte-se em diferentes vivências espaciais onde a riqueza popular combina com a vertente intelectual, muito ligada às artes, à moda e ao design.

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O aparecimento em 1765 do Teatro - Ópera instala no bairro um clima artístico e marginal pelo consequente surgir de novas gentes no bairro. Artistas, músicos e poetas validam as vivências do Bairro Alto. A diversificação do ambiente do bairro é dada pela procura de uma oferta cultural da capital (Carita, 2013, p. 111) com a instalação de equipamentos como o Conservatório Nacional de Música, Teatro de S. Carlos, A Brasileira, salões de arte entre outros.

Os anos 80 fizeram do Bairro Alto o centro da cultura citadina da moda mantendo a frequência de novas gentes propícias ao meio ideal para a vivência da moda. Era um bairro mais residencial que turístico.

Noctívaga por excelência, atribulada e desordenada de horas, toda esta população precisava de lugares para comer, descontrair, trocar ideias e conviver, quer de dia quer de noite após longos serões de trabalho. Uma vez mais foram os palácios que, nas antigas cocheiras, lojas e entradas, forneceram os lugares, entre outros, para a disseminação de tascas, casas de pasto, botequins e casa de fado. (Carita, 1994, p. 43).

“Não era preciso combinar, as pessoas sabiam onde se encontrar” (Time Out, 2011, p. 18) O Bairro Alto vivia a década de novos costumes e da criatividade. Era o lugar onde se desfrutava da liberdade até então condicionada. A mistura social do bairro, entre punks, jornalistas, estilistas, escritores, e a sua configuração urbana que permitia o isolamento do resto de toda a cidade transformaram o bairro num lugar de criação; num lugar de começo de uma nova Lisboa.

Politicamente vive-se um clima de instabilidade no séc. XIX e no Bairro assiste-se à instalação e expansão da imprensa que aproveitou os palácios da nobreza decadentes e devolutos do bairro para dar lugar às redações de jornais e de tipografias. A comunicação social marca as vivências do Bairro Alto transformando-se nas suas infraestruturas e acentua um ambiente de grande efervescência intelectual e política.

Segundo Carita (2013), o desenvolvimento da imprensa periódica portuguesa e consequente concentração no Bairro Alto deve-se a uma série de razões que estão relacionadas com o nível de cultura das populações na procura constante da luta contra o analfabetismo; o alargamento da politização da opinião pública criando um entendimento político entre os diversos partidos atuantes; melhoria das vias de comunicação e das relações postais estimulando a importação de tecnologia e contribuindo para tornar a imprensa em processo de organização industrial e do seu

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estilo, como imprensa popular sem filiação partidária, mais noticioso e informativo, em oposição à imprensa de opinião. (2013, p. 113-120)

Ilustração 34 – Silva Graça diretor e proprietário do jornal O Século Ilustração Portuguesa, Lisboa, nº491 (19jul2015) e Número programa do Diário de Notícias, onde são apresentados os objetivos do novo jornal Diário de Notícias, Lisboa (29Dez.1864) (Hélder Carita, 2013)

O Bairro Alto vive a segunda metade do século XIX sob uma nova dinâmica que se explica pela sua condição aristocrática e popular e pela adaptação dos edifícios do bairro a novos usos que motivaram o aparecimento de novos estabelecimentos como tascas, tabernas, prostíbulos, entre outros.

Naturalmente, o lugar do Bairro Alto cria um clima de vida noturna intensa surgindo como uma nova centralidade e tornando-se um pedaço de cidade na invenção de uma população artística e intelectual proporcionando um ambiente e quotidiano muito singular.

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4. O BAIRRO ALTO: ESPAÇO VIVIDO

4.1. IDENTIDADE E PERTENÇA – A RUA DA ROSA

A rua entendida como unidade mínima de vida urbana39 pode ser lida como palco de sucessivos acontecimentos como o microcosmos onde se entrecruzam diferentes esferas sociais40 – o lócus das diversas representações da sociedade.

O Bairro Alto, boémio, noturno, turístico e popular – organismo vivo com caracteristicas homogéneas e de qualidade urbana e arquitetónica torna-se por meio da sua própria entidade urbana um lugar de interações. No séc. XVI admirava-se uma grelha quasi simétrica de formosas ruas cruzadas em ângulos rectos (Castilho, 1954, p. 85).

Ilustração 35 – Rua da Rosa – Bairro Alto Urban Sketches (Eduardo Salavisa,2012)

39 A rua pode ser entendida como uma unidade mínima de vida urbana, lugar de sociabilidade que se desdobra em vários níveis e dimensões de Acão, interação, diferenciação e sociabilização; transgressão e controlo social, circulação e interconhecimento, encontro e confronto; espaço de integração de funções (residenciais, laborais, de lazer), território impregnado de memórias, cenário e palco de cruzamentos sociais, de quotidianos diferenciados, de trajetórias e destinos individuais que interagem. 40 CORDEIRO, Graça Índias (2008) - A Rua Espaço,Tempo,Sociabilidade. Livros Horizonte. Lisboa.

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A Rua da Rosa, no Bairro Alto, juntamente com a Rua das Gáveas, dos Calafates41, da Atalaia e da Salgadeira foram em 1589, os primeiros chãos a serem aforados em desmembramento de proveito público.

Localizada primitivamente na freguesia da Encarnação, a Rua da Rosa deve-se à expansão da área de Vila Nova de Andrade de carácter rural e agrário. Inicialmente designada por Rua da Rosa das Partilhas que intermináveis tanta bulha fizeram na Lisboa do século XVI42, em 1597 funcionara como fronteira da zona mais afastada de São Roque e como divisão de propriedade nas partilhas da família Andrade (Carita, 1994, p. 29). Sendo hoje uma das ruas mais frequentadas do bairro por turistas define o ponto de charneira entre as freguesias de Santa Catarina e Encarnação – freguesia extinta na sequência de uma reorganização admnistrativa em 2012. A distinção das freguesias na Rua da Rosa é dada pela atribuição dos números polícia ímpares à freguesia de Santa Catarina e os restantes números pares, à freguesia da Misericórdia43.

Até 1630, a zona entre a Rua da Rosa e a Rua de O Século (antiga Rua Formosa) – limite ocidental do Bairro Alto - pertença do proprietário Miguel Leitão de Andrade - marcando o fim das propriedades desta família no bairro. A Rua da Rosa como cenário urbano domina uma série de pormenores que configuram o seu próprio espaço.

A uma escala menor, a Rua da Rosa é o lugar do comércio e da comunicação. Inicialmente foi palco do pequeno comércio e indústria artesanal que se desenvolvia no interior do bairro.

41 Acerca da Rua dos Calafates, não posso dizer se era arruamento dos mestres desse ofício; o que me consta é que no tempo de Frei Nicolau de Oliveira eram eles na Ribeira das naus mais de seiscentos, prova evidente do nosso tráfego naval. CASTILHO, Júlio de (1954) - Lisboa Antiga O Bairro Alto 3ª edição Volume I Lisboa 1954 p.127 42 Saltando para a Rua da Rosa, direi que ainda ignora o apelido da célebre demandista, cujas mandas, ou demandas, de partilhas intermináveis tanta bulha fizeram na Lisboa do século XVI, que puseram o título popular da litigante a um rua. Devia saber isto tudo muito bem Miguel Leitão, porque essa rua era propriedade dele; mas calou-se; chama-se só da Rosa em 1629. Carvalho da Costa em 1712 chama-lhe uma parte da Rosa do Carvalho, e noutra Rua das partilhas. CASTILHO, Júlio de (1954) - Lisboa Antiga O Bairro Alto 3ª edição Volume I Lisboa, p.125 43 Isto do nome dos sítios variava imenso, e ao sabor do povo. Não sei quando se conseguiu começar a fixar tabuletas com o letreiro oficial. Em Paris foi em 1728;até esse ano reinava a tradição. Portanto cá em Lisboa deve ser muito depois; provavelmente na reforma pombalina. Um dos passos grandiosos que então se deram, sob a presidência do incansável Manique, foi a numeração das casas. Já o Almanak de Lisboa de 1803 apresenta algumas indicações de números, mas não em toda a parte, o que prova ser uso incipiente. […] O 1 de Setembro de 1859, que ordenou os números ímpares à esquerda, e os pares à direita, foi a verdadeira calamidade, por sumir o rasto a milhões de sítios e não compensou em utilidade prática a desorientação que veio causar. CASTILHO, Júlio de (1954) - Lisboa Antiga O Bairro Alto 3ª edição Volume I Lisboa, p. 56-57

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Na tradição medieval portuguesa de Rua Direita44 – a Rua da Rosa – entendida como o elemento urbano de sentido direto e único define o eixo que atravessa o Bairro nos extremos norte e sul, dividindo-o a meio. A Rua da Rosa na importância da construção da vida social e cultural urbana é a rua do bairro que confluência duas realidades - é o eixo que atravessa os limites a norte - o Largo do Calhariz e a sul - a Rua D. Pedro V que juntamente com a Rua do Século estabelecem o limite ocidental e articulam as franjas de tradição rural do bairro – casas, quintas e pequenas hortas.

Ilustração 36 – As esquinas, as nesgas de céu (Fernanda Lamelas, 2012)

Impercetivelmente a meio a Rua da Rosa articula-se com o eixo – Rua João Pereira Rosa; Travessa dos Inglesinhos e Travessa da Queimada – delimitando subtilmente o Bairro Alto em quatro zonas sensivelmente iguais e com dois eixos que se cruzam

44 O topónimo “Direita” refere-se ao conceito abstracto de direção, especificando a funcionalidade que lhe é inerente, podendo extrair-se do topónimo “Direita” a sua natureza conceptual, ou seja as suas qualidades de direção, articulação e atravessamento. A “Rua Direita” será sempre entendida como uma rua direta, isto é com o significado de direção rectal. Os três conceitos subjacentes ao próprio processo de conceção do elemento urbano expressam o objetivo claro de determinar uma direção específica, de articular outros elementos urbanos e de hierarquizar o tecido onde se insere. Assim, apresenta-se como qualidade do elemento urbano: Direção – ao estabelecer um sentido direto e único com a finalidade de alcançar determinado lugar espacial tido como referencial dentro do seu contexto urbano; Articulação – ao estabelecer relações entre os restantes elementos constituintes do tecido, seja esta através de elementos urbanos ordinários, como ruas e travessas, ou excecionais, como largos e praças, constituindo uma rede hierarquizada ao articular os distintos elementos do tecido e as suas próprias funções urbanas. Atravessamento – ao estabelecer-se como eixo estruturador de uma área a si afeta, conferindo-lhe uma ordem capaz de ser legível, constituindo assim uma área homogénea. AMADO, Ana (-) – A “Rua Direita” na formação do tecido na cidade portuguesa. Ensaio Tipológico. Forma Urbis. Lab, Faculdade de Arquitetura U.T.L.

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formando uma área central polarizada a volta do Largo dos Inglesinhos (Carita, 1994, p. 56).

O Largo do Calhariz, antigo troço seiscentista denominado de Estrada de Santos ou Estrada da Horta-Navia define o encerramento a sul da Rua da Rosa. O Palácio do Calhariz – edifício neoclássico de planta retangular fundado em 1703 – foi anexado ao vizinho, a poente, o Palácio Sobral (séc. XVII) no início da 2ª metade do séc. XVIII, hoje irreconhecível. Estes dois edifícios apresentam um carácter uniforme de conjunto ligados por um arco que define a porta de acesso ao eixo central do Bairro Alto – a Rua de Rosa. Este eixo viário com as várias artérias de comunicação com o bairro termina na Rua D. Pedro V, antiga Estrada dos Moinhos de Vento ou da Cotovia que define o limite norte do Bairro Alto.

Já o Bairro Alto estava, na sua maior parte, construído, e ainda tudo isto aparentava aspeto provinciano, com hortas e moinhos. (...) Algumas construções, que subsistem, evocam a origem humilde deste local. São prédios baixos, ou mesmo térreos – em pleno centro da cidade! – Destinados a estabelecimentos comerciais.

Após o terramoto de 1755 o urbanismo edificado da cidade e todo o seu tecido social sofreram transformações devastadoras. A Corte, juntamente com a nobreza, afastou-se da centralidade da cidade na procura de “paragens mais seguras” (Carita, 2013, p. 99). É nos séculos XIX e XX que o bairro se recompõe socialmente e o tecido edificado transforma-se, acrescentando a instalação dos jornais e adaptação do interior dos grandes edifícios a outros fins que não o que esteve na sua origem. Destaca-se o Palácio do Calhariz e em meados do século XX, o Palácio Sobral.

Os nossos palácios não têm, por via de regra o porte garboso de muitos lá de fora, os dos nobres da Itália, por exemplo, onde a tradição das vilas de Mecenas, Lúculos e Plínios, se perpetua. Falta-lhes a linha, a ousadia, o imprevisto, a harmoniosa consonância da dissimetria, o cálculo das massas equilibradas com o pormenor, todo aquele conjunto sábio, que faz de muitos palácios de Roma, de Florença e de Milão, obras de verdadeiro cunho (Castilho, Vol. I, 1954, p. 338-339).

O Palácio do Cunhal das Bolas45 nas ruas do Carvalho e da Rosa - atual Hospital São Luís dos Franceses - do núcleo primitivo do séc. XVI ocupa-se de todo o quarteirão

45 É um prédio enigmático, e, há poucos anos ainda, de quasi lúgubre especto, hoje porem, desde 1866, convertido num alegre pombal da beneficência francesa, e portanto, perfumado de benquerença pelas bondosas irmãs. É hospital, e escola; o corpo e a alma aí encontraram o seu remédio. CASTILHO, Júlio de (1954) - Lisboa Antiga O Bairro Alto 3ª edição Volume I Lisboa, p. 345

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exibindo a sua monumentalidade e as suas características arcaicas mantendo o acesso principal por pátio e a formação de corpos independentes das vias limites. “Segundo José Ribeiro Guimarães no seu Sumário (…) é tradição que o Palácio do Cunhal das Bolas de planta orgânica desenvolvia-se à volta dos seus pátios sem ligação direta com a rua, “Fora fabricado por um judeu muito rico, que pretendera figurar poimos de oiro” (Castilho, Vol. I, p. 345).

O Cunhal das Bolas, que desenha o gaveto da Rua da Rosa com a artéria Rua Luz Soriano, torna-se uma particularidade da rua e do bairro. Constituído por bolas largas de cantaria esculpida diz-se que era revestido de ouro verdadeiro. Os cunhais aparecem na origem do bairro como elementos da estrutura urbana ligados ao desenho dos quarteirões. Tinham a função de suportar a estrutura dos edifícios de gaveto e de reforço estrutural dos conjuntos na ligação dos quarteirões.

Ilustração 37 – Palácio do Cunhal das Bolas – Rua da Rosa, Bairro Alto (Cristina Fontes,2015)

A Rua da Rosa mais do que um eixo que percorre o Bairro de um extremo ao outro é um lugar identitário ao qual Augé acrescenta de relacional e histórico. Na imagem de um espaço pitoresco, de pequena escala, de ruas estreitas, cheiros, sons que não se produzem no caos da cidade é na interacção entre o individual e o colectivo entre o público e o privado que se desenvolve o espaço pessoal como sendo um espaço que é nosso e que não pode ser violado; a terrirorialidade como sendo um espaço onde está

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implementado um padrão de comportamentos codificados e a privacidade que explica o controlo do contacto com os outros.

Ilustração 38 – Rua da Rosa, Bairro Alto (Cristina Fontes,2015)

A identidade da Rua da Rosa é definida pela qualidade espacial do declive da rua, pelo alinhamento vertical dada através das cérceas dos edifícios por norma constantes (entre três a quatro pisos, predominantemente), pela ambiência criada através das texturas e tipologias edificadas, expressa nas fachadas dos edifícios, pelo forçado alinhamento das fachadas – unidade de fachadas estreitas e idênticas – apenas limitado pelas pequenas saliências das varandas e sacadas e pela sua escala, proporção e visão serial – sucessão de surpresas ou revelações súbitas proposta por Cullen. 46

A Rua da Rosa integra a fronteira de uma urbanização de palácios e edifícios populares em coexistência a leste da via de palácios e/ou edifícios com jardins e/ou pátios voltados para oeste. Têm claro na sua estrutura de forma organizada uma ideia de uniformidade e homogeneidade. Os nossos palácios formam parte integrante de toda a estrutura urbana e social do Bairro Alto constituindo-se como elementos de coesão de todo o conjunto (Carita, 1994, p. 63). Na leitura dos alçados oeste/este da Rua da Rosa os palácios existentes compreendem os séculos XVII e XVIII.

46 CULLEN, Gordon (1996) - Paisagem Urbana. Edições 70. Lisboa. Arquitetura e Urbanismo.

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O Bairro na sua identidade associa-se à linguagem dos seus edifícios. A Rua da Rosa, traduz a riqueza do Bairro através da soma de pequenos pormenores dados por imagens de tradição urbanas. Na Rua da Rosa identificam-se elementos de composição arquitectónica tal como: os cunhais de pedra aparelhada simples e regular “funcionavam como emolduramento e remate da composição dos panos de fachada, resolvendo ao mesmo tempo a transição de planos” (Cabrita, 1993,p.64);os vãos exteriores da fachada composto por pequenas janelas de peito ou peitoril ao nível da rua, janelas de sacada, óculos e portas. A maioria dos vãos de janela são de pedra de lancil e verga na parte superior, no entanto há exemplos de janelas onde se utiliza a madeira ou um reboco a imitar a pedra. As janelas de peitoril com estrutura de madeira e envidraçadas na maioria são do tipo guilhotina, com folha exterior superior fixa e folha inferior móvel trabalhando interiormente. (1993,p.74). As janelas de sacada também em estrutura de madeira e envidraçadas em duas folhas giratórias de batente central, estendiam-se ao exterior numa “pequena consola feita com pedra encastrada na parede da fachada e de balanço muito reduzido.” Protegidas por um pano em ferro furjado, laminado ou em ferro fundido, a sua expressão formal variava consoante o tipo de ferro utilizado.

Na Rua da Rosa verificamos em grande parte a utilização do ferro forjado devido às suas formas geométricas e formais simples e lineares, marcando a sobriedade e elegância do lugar. Estes vãos não tinham qualquer “sistema ou elemento opaco de cerramento” como solução tradiconal recorreu-se à proteção das mesmas por “portadas com réguas de madeira esteira projectável para o exterior”, mais recorrente em janelas de peitoril. As portas dos edificado da Rua da Rosa e na generealidade do Bairro Alto desenham- se numa base retangular simples “subtraído à alvenaria das fachadas, marcado e protegido por uma cantaria espessa e simples sem efeites”(Cabrita,1993, p.74). Estruturadas em madeira espessa com aproximadamente 50 mm, tinham uma pequena abertura que permitia a iluminação e ventilação do pequeno espaço de recepção interior – a sala.

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Após o terramoto de 1755, sob uma nova reconstrução do Bairro, as portas compõem- se de duas folhas mais recortadas e com aberturas maiores permitindo iluminiar e no caso das lojas, expor os produtos. As portas que tradicionalmente eram ragadas até ao pavimento, as ombreiras eram apoiadas sobre os socos. 47 A partir do século XIX , as portas fixam-se aum aro de madeira que recobre o interior da verga e ombreiras. Os telhados em geral, são de duas águas e com cumeeira paralela á rua principal ou à fachada de maior dimensão. De desenho simples, estrutura em madeira lê-se “com madres encastradas nas paredes estruturais, onde assentam vigas ou barrotes apoiados, também, nas paredes de fachad. Sobre um varedo, cruzado, prega-se o ripado onde assentam as telhas.”(1993,p.70). Na cobertura, a maioria dos edificios no Bairro Alto do século XVIII, é ocupado por trapeiras, águas-furtadas, mansardas e raramente clarabóias.

A Rua da Rosa ilustra-se pela variedade de pormenores e revestimentos decorativos das fachadas. O reboco, muito utilizado por todo o Bairro Alto, contrasta com o revestimento parcial ou total com azulejo. A cromaticidade e brilho da rua é dado pelo revestimento a azulejo que oferecia a proteção, impermeabilização e isolamento dos edificios. Inicialmente revestido apenas na fachada do piso térreo (entre a linha de soco e varandas) afim de proteger o embasamento sujeito a degradação , alguns edificios são revestidos na totalidade. Pequenas lápides e pequenos painéis decorativos relembram “antigos direitos de posse, da coroa ou da igreja, ou das antigas famílias fidalgas”, pertencentes á origem, transformação e desenvolvimento do Bairro Alto.

47 Chama-se soco a uma porção do pano de parede, nas fachadas dos edifícios, que contacta directamente com o solo. Por seu intermédio estabelece-se a relação/transição entre os edifícios e o terreno onde estes directamente se firmam. CABRITA, José (1993) – Manual de Apoio á Reabilitação dos Edifícios do Bairro Alto. LNEC. Lisboa: Câmara Municipal, p.63

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4.2. LUGAR E RELAÇÃO – O COLÉGIO DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO (DOS INGLESINHOS)

Mandado construir entre 1632 sob a Carta Régia de 20 de Novembro de 162148, o Colégio pontifício49 de São Pedro e São Paulo conhecido também por Colégio dos Inglesinhos erguido em pleno domínio filipino – reinado de Filipe IV de Espanha - é considerado património singular e religioso no coração do Bairro Alto, em Lisboa.

Concluído em 1644, o Convento tinha a função de apoiar os jovens católicos ingleses e irlandeses que vinham para Lisboa (1628) vindos de Flandres para se formarem em futuros missionários apostólicos no seu país de origem. Lisboa, muito frequentada por mercadores britânicos e tendo um porto de fácil acesso às ilhas britânicas tornou-se o lugar propício para a criação de uma instituição deste tipo de ensino. Justificando a relação de amizade luso-britânica, desde 1386 com o tratado de Windsor, o Colégio de São Pedro e São Paulo é o mais antigo estabelecimento britânico em Portugal.

Em Douai, o colégio inglês – fundação onde os jovens ingleses pudessem viver juntos e terminar o curso de Teologia – foi o primeiro a ser concebido em 1567 por William Newman, cardeal inglês da igreja Católica, tendo sido criadas outras instituições semelhantes em vários países europeus para missionar a Inglaterra. Chegado a Lisboa em 1620, Newman encontra o fidalgo português – D.Pedro Coutinho50 – para patrocinar o projecto. Como fundador e patrono do vulnerável Colégio pontifício de São Pedro e São Paulo, doou casas e terrenos com boas áreas que tinha no Bairro Alto e elevadas quantias de dinheiro para a fundação e manutenção da instituição. “ as 5000 coroas que o nosso fundador prometeu são quase todas em casas e jardins (…) neste momento trabalhadores estão a tornar essas casas capazes de acolher um

48 A Carta Régia de 20 de Novembro de 1621 autoriza em Lisboa a fundação de um Seminário de Sacerdotes católicos ingleses autorizado sob a inspeção do Inquisidor geral; e foi D. Pedro Coutinho, senhor e possuidor de umas casas ao Bairro alto, quem as doou para nelas se estabelecer o Seminário. Começou- se a obra em 1632, muito diferente do que lá vemos hoje. CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigo O Bairro Alto, Vol. III págs. 320-321 49 Instituição pontificada sob jurisdição direta e autorizada por Breve Apostólico do Papa Gregório XV, que lhe concedeu privilégios normalmente dados aos seminários. 50 D. Pedro Coutinho, bem feitor não identificado devido à grande quantidade de pessoas com este nome. Sabe-se que em documentos relativos ao Colégio dos Inglesinhos de 1626 era designado de homem ilustre e que o seu patrono foi em 1628 chamado para a Corte em Madrid. D. Pedro Coutinho como homem abastado, relacionado com a corte e que colabora com a elevada quantia de 800 mil reis para a constituição da poderosa armada luso-espanhola de 60 navios que no Brasil retomou a Baía, aos Holandeses, em 1625. FRANCO, Matilde Sousa (1992) - O Colégio de São Pedro e São Paulo (dos Inglesinhos) em Lisboa – renascer de um espaço, p. 8

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presidente para dirigir, dois mestres para ensinar, um procurador para negociar e oito estudantes; e a fazer também uma pequena capela para o momento com três altares e uma sacristia, e para acomodar como for possível todos os outros quartos e escritórios necessários para uma comunidade de doze pessoas, para além dos criados.”

Ilustração 39 - Igreja do Convento dos Inglesinhos, 1954 (Disponível em http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/ )

O colégio indissociavelmente ligado à história da Igreja Católica no contexto da Contra- Reforma, à história político-social luso-britanica e das vivências sócio religiosas e urbanisticas do Bairro Alto, encerrou em 1971.

Pertencente à freguesia de Santa Catarina, o Convento dos Inglesinhos – diminutivo que prova a afeição que lhes era consagrada - situa-se no topo da colina ocupando a parcela maior do quarteirão. Incluindo a igreja, casas anexas e jardins, confina o Largo dos Inglesinhos a sul tornejando a este pela Rua Luz Soreano acompanhada, em parte, pela Rua de São Boaventura, pela Calçada do Cabra a norte e a oeste pela Rua Nova do Loureiro.

Ao lado, na Rua dos Caetanos ergue-se um outro edifício de grande escala – o Conservatório Nacional. Situado no sítio da Igreja e Convento dos Clérigos Teatinos (ou

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Caetanos) o alfobre de ilustres humanistas, implanta-se junto aos inglesinhos desde o século XVII.

Na designação popular de Inglesinhos foram atribuídos nomes a zonas como o Largo dos Inglesinhos – onde se debruça a fachada principal do colégio e a – Travessa dos Inglesinhos – que constitui um pequeno largo que se une à Rua da Atalaia e à Travessa da Queimada, a nascente. A pouco minutos se alcança o Largo Trindade Coelho, designação recente do quinhentista Largo de São Roque onde é curiosa a ligação do Colégio dos Inglesinhos com a Santa Casa da Misericórdia. D. Pedro Coutinho no seu testamento estipulou, que no caso de a Inglaterra se convertesse ao catolicismo (note-se que a prática da religião católica estava proibida em Inglaterra considerando-os como “mártires da fé”) “ deyxa a renda deste colégio à Santa Casa da Misericórdia desta cidade”. Não se concretizou e o imóvel, que à sua fundação era propriedade britânica, em 1984 é adquirido pela Santa Casa de Lisboa.

…há agora operários a trabalhar, para tornar estas casas capazes de receber um presidente para governar, dois mestres de leitura, um procurador para negociar e oito alunos; e para fazer também uma pequena capela, para já com tres altares e uma sacristia…A localização é numa colina da qual há uma muito excelente perspectiva, tanto para a água como para terra: ve-se o rio, até bastante acima do estuário, ainda com abundancia de navios, e até mesmo já o mar. Está sobranceiro a toda a cidade…51

Da pequena capela com tres altares e uma sacristia consagrada em 1629, pouco resta. Da tipologia primária de um andar com janelas voltadas a norte, a primeira remodelação do colégio começou em 1714. O edifiício nos primeiros anos do colégio sofreu apenas trabalhos de manutenção tendo sido gradualmente substituído. Durante bastante tempo o colégio era chamado de “O Celeiro de Lisboa”, devido à falta de verbas para a reestruturação do edifício.

Em 1758 o Colégio dos Inglesinhos estava já restaurado, porém com o terramoto de 175552 sofre graves danos, reiniciando entre 1777 e 1780 a recuperação das partes arruinadas e coligindo todo o conjunto.

51 Carta do ano de fundação, 1622 que o Padre Newman escreve para Roma

52 Segundo a descrição dos Anais do Colégio, após o terramoto de 1755 “a parte do colégio que fica a Este e era encimada por uma torre com sinos era a única parte que restava do edifício erguido pelo Fundador. Tudo o resto tinha sido deitado abaixo para i Novo Colégio. A casa nova resistiu aos choques e sofreu pouco, a parte antiga com a torre caíram e aqui o presidente Dr. Manley encontrou uma morte prematura…”

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Com frente para a Travessa dos Inglesinhos é apenas perceptível a totalidade da fachada principal do conjunto – colégio e igreja do edifício. Os diferentes corpos que compõem o Colégio formam um aglomerado heterogéneo ainda que com diferentes épocas. Defendido por um extenso muro alto é interrompido na Calçada do Cabra por dois edifícios e a oeste na Rua Nova do Loureiro o muro de forte expressão urbana desempenha a função de suporte das terras do jardim suspenso do Colégio, com vãos cegos num ritmo ternário de janela, porta e portal, atribuídos a Carlos Mardel 53.

Ilustração 40 - Travessa dos Inglesinhos, fachada principal da Igreja do Convento dos Inglesinhos (Cristina Fontes, 2015)

De carácter seiscentista a fachada simples e sóbria que se define na horizontal, apresenta dois panos de muro em reboco pintado separados por pilastras de cantaria que enobrecem a fachada principal. O portal, encimado por um sóbrio frontão triangular com pináculos e cruz nos acrotérios, é ladeado por dois vãos de janela de peito de verga recta destacada com emolduramento simples de cantaria e malheiro de ferro sobreelevado por um óculo

FRANCO, Matilde Sousa (1992) - O Colégio de São Pedro e São Paulo (dos Inglesinhos) em Lisboa – renascer de um espaço, p.13 53 JANEIRO, Helena Pinto (2001) – Um Bairro Alto desconhecido História 40 Novembro| Dezembro Ano XXIV (III Série) – págs.66-67 Gabi. Comunicação Social da CML Fotos: José Barbosa - Revista

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circular localizado ao nível de um friso que define o remate superior do edifício pelo frontão. Contiguamente à fachada, a entrada para a igreja é servida por uma escadaria bifurcante que se sobreeleva em relação à travessa por um embasamento de um piso. Protegido por um austero portal de verga recta que se articula com o remate em frontão triangular armoreado, a eixo da fachada, coroa-se no entablamento uma placa com legenda latina SS APLIS PETRO ET PAULO DC (Sanctis Apostolis Petro et Paulo dedicata et consecrata) – dedicada e consagrada aos Santos Apóstolos Pedro e Paulo.

Ilustração 41 - Rua dos Caetanos, acesso principal ao corpo do Colégio (Cristina Fontes, 2015)

O corpo do colégio compõe-se de uma volumetria escalona, desenvolvendo-se em vários planos. A entrada para o colégio, no enfiamento da Rua dos Caetanos – eixo viário inclinado - é feito por uma escadaria interior azulejada, por um portal no pequeno muro erguido em frente da fachada. A Rua dos Caetanos é um eixo viário interessante na medida em que a sua configuração de forma inclinada surge na necessidade de conferir monumentalidade ao Colégio que inicialmente se adaptou apenas às casas pré- existentes.

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A entrada principal do Colégio era por um portal no alçado da Travessa dos Inglesinhos que posteriormente foi alterado para o muro que se alinha pelo arruamento. A Travessa dos Inglesinhos acaba por se constituir como o único “largo” no coração da malha do Bairro, fugindo à apertada legislação camarária que obrigava todas as construções a alinharem-se pelo traçado ortogonal do Bairro, de maneira a evidenciar este notável edifício.

De planta irregular composta pela articulação de vários edifícios , volumetria escalonada a cobertura de telhados diferenciados e articulados nos angulos a 2, 3, e 4 águas em terraço e em trapeira,proporcionando uma vista panoramica sobre os quatro pontos cardeais de Lisboa.

O interior do conjunto divide-se em três espaços: átrio, igreja e refeitório. O átrio, local neurálgico do monumento, é o ponto de partida para o sítio da igreja. O átrio ilumina-se de grandes espaços envidraçados que convidam a visitar o contíguo jardim e reveste- se de painéis de azulejo portugueses azul e branco com a representação do brasão de D. Pedro Coutinho, cenas relativas a São Pedro e São Paulo e a imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portual que acaba por acentuar a faceta portuguesa do Convento dos Inglesinhos.

O interior da igreja apresenta a nave central, capela-mor e cobertura com duas abóbadas de berço articuladas por um arco triunfal de volta perfeita em cantaria. Define por um lado a capela-mor com cadeiral e galerias laterais (uma delas contendo um orgão ,de fabrico inglês, com elementos decorativos neo-góticos, coroados por um motivo neo- egípcio, a flor-de-lótus)54 e púlpito do lado da epístola.

O interior do conjunto organiza-se segundo um eixo de circulação, o corredor central - eixo do edifício que dá acesso ao refeitório e às salas laterais ritmado por vãos de cantaria e protegido por abóbadas de aresta. O refeitório de planta rectangular apresenta uma cobertura com grande depuração de linhas ao contrário de todo o rés- do-chão que se apresenta abobadado.

54 JANEIRO, Helena Pinto (2001) – Um Bairro Alto desconhecido História 40 Novembro| Dezembro Ano XXIV (III Série) – págs. 66-67 Gabi. Comunicação Social da CML Fotos: José Barbosa - Revista

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Ilustração 42- Rua Nova do Loureiro, alçado inferior do Convento dos Inglesinhos (Cristina Fontes,2015)

O Convento dos Inglesinhos apresenta hoje uma imagem particular no Bairro Alto. O Bairro mantendo a sua identidade própria, dinâmica interna e uma capacidade de regeneração peculiar, tem vindo a perder ao longo dos anos uma desertificação e perda de actividade social e económica que noutros tempos viveu.

Localizado na zona histórica de Lisboa, desempenhou um papel significativo na vida cultural da cidade. Evidenciado pelos seus edifícios e reconhecido como um espaço socialmente diversificado diariamente enfrenta vários desafios no que diz respeito à redinamização e requalificação do tecido edificado sendo alvo de processos de gentrificação.

Observa-se no Bairro um interesse imobiliário que se traduz na substituição dos antigos residentes e do comércio tradicional que gera um processo de gentrificação e consequente perda de identidade. Processo de uma recuperação urbana, assistiu-se no Bairro Alto uma nova dinâmica de substituição da função católica do edifícado do Convento dos Inglesinhos para a construção de um condomínio de luxo, fechado e de grandes dimensões. Como empreendimento privado é alvo de numerosas polémicas por parte dos habitantes do Bairro.

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4.3. ESCALA E IMAGEM – O CHAFARIZ DA RUA DO SÉCULO

A Rua de O Século, antiga Rua Formosa55, considerada a artéria nobre do Bairro Alto é uma das ruas mais importantes que se situa no seu limite poente. Juntamente com a Travessa André Valente e a Calçada do Combro define a área periférica do bairro. Na diversidade das grandes casas senhoriais (primeiras propriedades dos Carvalho) e palácios confinados ao loteamento inicial sem criar qualquer irregularidade, a Rua do Século era uma via rural antiga que ligava o Alto da Cotovia à Calçada do Combro (Carita, 1994).

Ilustração 43 - Rua do Século outrora Rua Formosa. Designação inicial que parece justificar-se nesta bela imagem, conseguida a partir do antigo Alto do Longo (desenho de Roque Gameiro, s/d) (Câmara Municipal Lisboa,1993)

Distribuída pelas, Travessa do Conde de Soure, Calçada do Tijolo, Rua João Pereira da Rosa (antiga Calçada dos Caetanos arruamento traçado de raiz em 1764) e Travessa das Mercês, a sul, a Rua do Século marca por tradição o pequeno largo Alto do Longo

55 Quanto à Rua Formosa é nome antigo. Essa pertencia também a Miguel Leitão de Andrade. Numa escritura que fez em 1622 já tem denominação que hoje conserva. CASTILHO, Júlio de (1954) - Lisboa Antiga O Bairro Alto Vol. I, pág. 126

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– lugar ocupado de quintas e casas de cariz semirrural - sob o domínio do Conde de Soure.

A norte, o Bairro Alto mantinha o ambiente semirrural e semiurbano do séc. XVI e XVII como transição entre a cidade e o campo enquanto a estratégia urbana pombalina crescia por meio de estudos de desenvolvimento urbano e com a construção de edifícios – Colégio dos Nobres, por Carlos Mardel e o palácio Condes de Tarouca (plano não concluído) – entre a Cotovia (atual Príncipe Real) e o Rato.

Quando a reconstrução pombalina, consequência do terramoto de 1755 surge, uma nova relação do bairro com a cidade redefine os seus limites. Na Rua do Século – berço do Marquês de Pombal – são ordenadas um conjunto de intervenções significativas nas “linhas de transição entre as partes da cidade que por ali se “cosem” (Carita, 2013, p. 67). A Rua do Século constituiu “a maior rutura do tecido urbano do Bairro Alto, conhecendo uma solução urbanística diferente. O Marquês de Pombal – mentor de uma profunda remodelação urbanística na sua envolvente – por iniciativa própria começa a obras na casa da família.

Construíram-se duas grandes meias-laranjas servindo de muros de suporte e os vários edifícios da Calçada dos Caetanos (Pereira da Rosa), constituem-se como um conjunto urbano de grande monumentalidade (Carita, 1994, p. 32). O limite oeste do Bairro Alto, com as obras ganha uma nova vivência burguesa, autonomizando o interior com grandes vias de circulação subjugando uma escala de monumentalidade.

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Ilustração 44 – Vestígios do jornal O Século na Rua do mesmo nome. Sobre a porta das antigas instalações, o título persiste, assim como um candeeiro antigo, hoje apagado. (Câmara Municipal Lisboa,1993)

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O Palácio do Pombal, conhecido também por Solar dos Carvalhos da Rua Formosa, foi construído na segunda metade do séc. XVII por Sebastião de Carvalho e Melo, avô de José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, sob propriedades do morgado dos Carvalho. Típico de um solar urbano seiscentista constitui-se de três pisos e águas furtadas.

A fachada principal que acompanha o traçado da rua é rasgada por fiadas retangulares de janelas idênticas que nos faz ter a ideia de que o corpo do edifício juntamente com a disposição dos cunhais e paredes estruturais se constitui de cinco corpos justapostos, ainda que a leitura da fachada seja contínua e unificada. Observa-se no rés-do-chão a abertura de janelas retangulares de peitoril, no andar nobre pontua-se por janelas de sacada e sobrepostas no segundo andar por pequenas janelas quadradas. Junto a estas e sobre o andar nobre, encontra-se a pedra de armas dos Carvalhos – de oito pontas entre quatro crescentes – encimada pela coroa de Marquês que centraliza o corpo.

As obras realizadas no palácio foram no sentido o dotar de elementos condizentes com a nobilitação do proprietário. Embora sem faustos exagerados, revelam uma intenção de requinte que se manifesta sobretudo na escadaria em mármore, nos estuques decorativos atribuídos ao artista italiano João Grossi (1718-1781), nos silhares de azulejo de composição figurativa que revestiam os interiores da casa, assim como no arranjo dos jardins, com fontes e esculturas (Carita, 2013, p. 68).

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Ilustração 45 - Palácio Pombal – Antigo Palácio dos Carvalhos da Rua Formosa (Cristina Fontes,2015)

O jardim nas traseiras apresenta um murete com bancos escavados e revestido por silhares (pedra lavrada em quadrado) de azulejo branco e azul para revestimento das paredes. A norte, o murete é interrompido por uma fonte ornamental constituída por uma sereia cavalgando um golfinho e um repuxo, emoldurado num nicho neoclássico. No centro do jardim há um lago também com um pequeno repuxo e duas árvores celtis australis.

Defronte abre-se o largo hemicircular, ornado com o chafariz delineado pelo eminente arquitecto e engenheiro Carlos Mardel. Este chafariz, assim como o do largo da Esperança, que também é do mesmo autor, acho-os muito graciosos e elegantes. Lembram a mobília do tempo. Há neles o que quer que seja, que se destinava mais para a sala de damasco, do que para o ar livre. Entrevemos espelhos na silharia, e doirados na molduragem. Carlos Mardel sabia da Arte, pensava com acerto, e desenhava com carinho (Júlio de Castilho, 1956, p. 199).

Em 1760, ano em que se realizaram obras no palácio, o Conde de Oeiras “cedeo ao público p(er)a obra das Agoas Livres” (Carita, 2013, p. 69), um conjunto de terrenos que ficavam de frente a porta principal do palácio para ali se instalar um largo comum e chafariz sobre as condições naturais do terreno.

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Traçado pelo engenheiro Carlos Mardel (1760), com a função inicial hidráulica para receber água canalizada de uma derivação da galeria do Loreto, na Pia do Penalva (entre o Príncipe Real e a Rua D. Pedro V), mantém uma ligação subterrânea com o jardim do Palácio. O chafariz, de cariz urbano que proporcionou uma leitura urbana que valorizava a frente do palácio, “dando-lhe espaço perspético” integra-se num largo com forma de meia- laranja de frente para o Palácio Pombal - residência de Marquês de Pombal até ao terramoto de 1755. O largo incluído no plano setecentista de abastecimento de água a Lisboa, de forma semicircular resolveu a manobra das carruagens que entravam para o pátio do palácio.

Em estilo “barroco”, na antiga Rua Formosa, atual do “Século”, em homenagem ao colossal quotidiano (Ribeiro, 1990, p.188), desenha-se de planta quadrada e assenta sobre uma plataforma de cinco degraus dispostos em forma de polígono (cuja forma completa seria um decágono)56. Demarcado em calcário de lioz num estilo neoclássico de tendência rocaille, que se evidencia pela proporção, pelo ritmo e pelos elementos decorativos em forma de concha com uma certa dramaticidade, o chafariz - um dos mais grandiosos da capital, é notável pelas suas nobres linhas arquitetónicas, simulando um pórtico “dórico” coroado superiormente por um tímpano, com a ornamentação aprimorada do estilo; assim duas fiadas de “gotas”, duas carrancas de bronze e três urnas nos anfotéricos ornamentadas inferiormente com folhas de água, dão lhe a necessária alegoria.

Adossado ao muro que serve como suporte de terras definindo monumentalidade a este lugar, implanta-se sobre uma zona plana parcialmente pavimentada a lajeado de calcário e calçada à portuguesa formando uma estrela de oito pontas.57 O muro em cantaria de calcário de lioz aparente, aparelho isódomo58, capeado e encimado por uma grade metálica conforma o largo em que se implanta, com perfil curvo a partir do chafariz tornando-se depois retilíneo. Construído em 1760, no âmbito da renovação urbanística setecentista, Carlos Mardel procura articular o chafariz com o respetivo largo numa arquitetura de suporte (Flores,1999). Hoje tem apenas uma utilização cultural e recreativa – imagem de um marco histórico-cultural.

56 FLORES, Alexandre M., Chafarizes de Lisboa Edições Inapa Lisboa 1999 – Chafariz da Rua Formosa Imagem de Carlos Canhão 57 Http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=25983 [Disponível em 19-09-2015] 58 Do dicionário. Fiada de cantarias regulares e iguais.

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Ilustração 46 – Chafariz da Rua do Século atribuído a Carlos Mardel (Alexandra Flores,1999)

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Na mesma Rua do Século repete-se a uns metros adiante, em frente ao edifício do jornal O Século o rasgo de uma outra bolsa irregular de forma semicircular, muito semelhante ao largo do chafariz.

Desenhado provavelmente já por Reinaldo Manuel dos Santos, também em forma êxedra, o largo conjugava-se à nova rampa, designada calçada dos Caetanos, que dava serventia ao Bairro Alto e que deveria estabelecer um eixo de conexão transversão ao bairro (Carita, 2013, p. 70).

Ilustração 47 – Planta e prospecto da rotunda e casas do Marquês de Pombal na R. Formosa (R. do Século) e Calçada dos Caetanos (R. João Pereira da Rosa) (Hélder Carita, 1994)

Na ideia de uma cidade renovada e beleza do espaço urbano no qual a arquitetura se submetia, Marquês de Pombal engrandece a Rua do Século nas complexas operações urbanas da construção dos palácios e dos dois largos. Desenha e dignifica a rua tornando-a mais larga e por isso valoriza-a como eixo viário.

O edifício mais emblemático, dado como a antiga sede do jornal “O Século” deu a alteração toponímica da rua. Designada desde o séc. XVIII segundo Norberto de

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Araújo59 de Rua Formosa, é-lhe atribuída em 1910 pela vereação republicana, o nome de Rua de O Século com o objetivo de homenagear o jornal fundado em 1881 por Magalhães Lima60. O jornal, como órgão do Partido Republicano fora instalado num antigo palácio - Palácio dos Viscondes de Lançada, pertencente à família Brederode, a partir de 1982 quando finalmente se decidiu fazer obras de fundo. “A casa coube por herança ao visconde de Lançada, neto de Manuel Pina e Brederode” (CML, 1993), está lançado o ponto de partida para um fenómeno de atracão e concentração da imprensa no Bairro Alto. Na 2ª metade do séc. XIX, o Bairro Alto era por excelência, o bairro dos jornais. Era o lugar onde se localizava a maior parte das redações e administrações dos principais jornais que se publicaram no século XX, bem como a quase totalidade das suas oficinas de impressão, estivessem ou não as redações dos jornais no Bairro Alto (Carita, 2013). O Bairro Alto transforma-se na capital da Imprensa em Portugal juntando jornais políticos, generalistas, populares e humoristas.

O jornal O Século, tal como outros jornais como O Mundo, O Diário de Notícias, o República, destacavam-se como sendo jornais republicanos e O Século, título diário, era “de longe o mais importante de todos eles, uma vez que assumia as características de um bom jornal noticioso também, concorrendo com o Diário de Notícias em tiragem e venerado igualmente pela antiguidade, visto remontar a 4 de janeiro de 1881” (Carita, 2013, p. 124). Extinto em 1910 e distinguido por ser um dos jornais mais influentes e duradouros periódicos do panorama português a chave do sucesso da imprensa estava na produção a baixo custo de um diário que interessava à maioria do público.

59 in lisboahojeeontem.blogspot.pt/2012/11/jornal-o-seculo-rua-do-seculo.html 60 Ardente Paladino, republicano e 1º diretor do jornal O Século

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação refletiu sobre as qualidades espaciais da estrutura urbana do Bairro Alto. Com cinco séculos de existência, o Bairro Alto, em Lisboa, é sem dúvida um dos planos urbanísticos mais complexos e inovadores do século XVI marcado pela descoberta, pela mentalidade e consequente conquista de novos saberes.

Através da leitura crítica da cidade, em que nos debruçamos sobre a evolução urbana de Lisboa, compreendida entre os séculos XII e XV, percebemos que após um período agitado de invasões, conquistas e reconquistas a cidade que desenvolvia o tecido urbano de forma lenta e orgânica configura no final do século XII um aglomerado denso que se desenvolvia entre dois arrabaldes – Alfama e Baixa. Posteriormente, inicia a sua expansão para poente, consequência do desenvolvimento e expansão do comércio marítimo. No final do séc. XV, a estrutura urbana da cidade altera-se significativamente. O início de uma nova era é marcado por um processo de divisão fundiária numa lógica de organização racional do espaço urbano que estruturou o Bairro Alto.

O estudo do Bairro Alto revelou-se crucial para compreender de que modo o bairro se insere na cidade, como se pensa enquanto parte de um conjunto e que tipo de relações estabelece. Da leitura crítica que realizei da contextualização, ideologia estrutura e função do Bairro Alto, que compreende os seus limites a sul pelo Largo de Camões e a norte pela Rua D. Pedro V, adquiri uma nova consciência deste “pedaço” de cidade.

O Bairro Alto surge como uma nova proposição de cidade, uma ideia moderna e racional na clareza de um traçado ortogonal de modo a tirar partido das qualidades e condições naturais de um lugar que se revelou topograficamente desenhado como um planalto. Apresenta uma excelente orientação solar e, o maior número de espaços públicos e as suas ruas orientadas no sentido norte/sul. A qualidade urbana e arquitectónica dada pela homogeneidade da malha que permanece inalterada desde há 500 anos, a pouca variação tipológica das habitações e os elementos de composição arquitectónica deste lugar são o suporte da forte identidade do Bairro.

Após esta primeira abordagem centrámo-nos na identidade, no lugar e escala do Bairro. Para isso lemos, criticamente, três paradigmas de referência, que compreendem a

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leitura de uma rua; Rua da Rosa, de um espaço de culto ou edifício religioso; Convento dos Inglesinhos, e por fim de um lugar; Chafariz da Rua do Século.

Este trabalho contribuiu para uma reflexão aprofundada do conceito de bairro – como unidade de base da vida urbana - de modo a abordar o tema do Bairro Alto como a primeira expansão urbana da cidade de Lisboa numa lógica racional e geométrica. O Bairro, caso urbano ímpar organismo vivo que nasce, adapta, transforma, resiste e manifesta com a sua identidade própria e capacidade de regeneração. Com mais de quatro séculos de existência é alvo de ameaça pela degradação acelerada da estrutura e pelas diversas transformações ao qual se tem sujeitado devido às mudanças de uso para um sector terciário num panorama de gentes com poucos recursos.

O Bairro Alto como centro histórico dinâmico da cidade de Lisboa, dado pela sua área predominantemente residencial, equipada de comércio local diário e pela atracão noturna e lugar privilegiado de expressão de novas catividades refletindo a sua identidade própria e social torna-se um lugar de passagem, de estacionamento e de encontro de pessoas. Histórico e emblemático, sofre de profundas transformações culturais, sociológicas e funcionais, devido a um forte crescimento na especulação imobiliária, com reflexos no valor fundiário dos solos e dos imóveis da zona histórica para não falar do fenómeno de gentrificação no bairro. Na procura de uma qualidade de vida que a cidade contemporânea não consegue criar, ocorre um processo de substituição dos residentes tradicionais por uma classe de pessoas com melhores recursos. A este novo género de residentes que tende à dinâmica da reprodução e mudança se associa a substituição do comércio tradicional alterando significativamente a identidade do bairro.

Suporta assim, uma progressiva desertificação e perda de todo o seu sentido cultural. Contudo, tenta manter a sua harmonia equilibrando os excessos vividos da noite e o quotidiano de quem lá vive. A sua capacidade de regeneração e o conceito de bairro com uma educação para habitar um novo espaço faz-nos refletir sobre o futuro da cidade de Lisboa e do bairro.

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