Espaços na Mídia: História, Cultura e Esporte

Seminário de Comunicação Banco do Brasil

1 Copyright @ 2001: Banco do Brasil

Coordenação: Diretoria de Marketing e Comunicação

Renato Luiz Belineti Naegele Diretor

Carlos Alberto Barretto de Carvalho Gerente Executivo de Comunicação

Edição: Armando Medeiros de Faria José Anchieta de Vasconcelos Queiroz Omar Barreto Lopes Raquel Ramos Silveira da Rosa Rênio Assis Araújo

Apoio: Centro Cultural Banco do Brasil

Produção: Banco do Brasil Diretoria de Marketing e Comunicação Gerência de Comunicação SBS Edifício Sede III – 19°andar – Brasília (DF) e-mail: imprensa@bb

Espaços na mídia: história, cultura e esporte (Organização Alberto Dines) – Brasília: Banco do Brasil, 2001% 224 p

Edição de palestras do V e VI Seminários de Comunicação Banco do Brasil%

1%Comunicação 2%Cultura e Esporte I% Banco do Brasil II% Universidade Estadual de Campinas, Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo% III% Seminário de Atualização em Jornalismo e Comunicação (1999: Brasília; 2000: )% IV% Dines, Alberto% V% Título%

As opiniões aqui contidas são de inteira responsabilidade dos autores

Venda proibida

Nenhuma parte desta obra pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou quaisquer outros meios, sem autorização prévia dos editores e dos autores% 2 ÍNDICE

1 Mídia, história, cultura e esporte A história na empresa: identidades e oportunidades  11 Karen Worcman

O papel não é passado  17 Alberto Dines

O significado do esporte na sociedade moderna e do futebol no Brasil  24 Roberto DaMatta

Paradigmas do jornalismo cultural no Brasil  36 Affonso Romano de Sant’Anna 2 O discurso interessado A objetividade jornalística e o viés negativo  53 Renato Naegele

A construção da imagem empresarial – quem fala, quem ouve?  58 Tereza Halliday

Cultura brasileira e ambiente empresarial  68 Everardo Rocha

Comunicação interna: além das mídias  80 Jacques Vigneron

Marketing cultural: os patrocinadores e a mídia  90 Luiz Felipe d’Avila 3 Espaços da mídia Crise econômica ou crise no jornalismo econômico? 97 Luís Nassif 3 Desenvolvimento e jornalismo econômico  109 Márcio Moreira Alves

O Brasil visto de fora  116 Bill Hinchberger

Tendências contemporâneas do jornalismo cultural  122 Sérgio Rodrigues

Jornalismo especializado em cultura 128 Evaldo Mocarzel

Jornalismo esportivo: uma visão crítica  132 Juca Kfouri 4 A economia simbólica Entretenimento, cultura e a comunicação do negócio  145 Yacoff Sarkovas

Referências e símbolos da mídia no novo milênio  157 Rafael Sampaio 5 Retratos da mídia Revista: a intimidade com o leitor  173 Leonel Kaz

Mídia impressa: ética e competitividade  180 Alberto Dines

O futuro da TV  187 Nelson Hoineff

Os mitos da Internet  198 Leão Serva

Desafios e oportunidades da rede pública de TV  209 Renato Bulcão

A força da mídia no interior  218 Sérgio do Rego Monteiro 4 PREÂMBULO

A História está sempre em pauta, mas nesta terceira empreitada documental para registrar o V e o VI seminário de comunicação do Banco do Brasil a pauta foi a História Ou um dos seus capítulos, os 500 anos da chegada da frota de Cabral

Realizados em 1999 e 2000 em Brasília e Rio de Janeiro (dentro de um projeto iniciado em 1994) estes seminários foram idealizados como um intervalo para a reflexão Flagram mudanças e, através dos respectivos anais, registram suas implicações e dimensões

A mídia lida com o efêmero O processo de mediação, como um todo, consiste exatamente em consolidar e dar sentido ao que é fugaz e transitório E o jornalismo, sendo parceiro da historiografia, precisa ser continuamente avaliado para ser perenizado

Este volume tem por objetivo chamar a atenção para a História como ferramenta essencial para o conhecimento E, no largo horizonte desvendado a partir da História, situar alguns espaços específicos como a cultura – ou as culturas – e o esporte São elementos de comunicação, pontes para promover aproximações e estabelecer diálogos

Alberto Dines Labjor – Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo/Unicamp

5 6 PREFÁCIO

De uma forma ou de outra, o efêmero está sempre no horizonte da comunicação A publicidade tenta superar o que existe de volúvel nos hábitos de consumo de cada um Cria marcas e slogans com o fim de moldar atos de compra, de impregnar nosso imaginário a partir de alguns padrões de exigência consumista

O jornalismo faz o inverso: tende a condensar o que resulta de longos processos históricos, econômicos e políticos, em informações de natureza efêmera As notícias vibram na tensão máxima entre o contingente e o permanente Hoje são o essencial, vendem toneladas de papel nas bancas Amanhã, podem embrulhar peixe ou se oxidar em arquivos de imagens

Na comunicação organizacional, o efêmero é estratégico Capturá-lo e interpretá-lo são etapas imprescindíveis para municiar a chamada inteligência empresarial Tanto no sentido da reação certeira aos fatos imprevisíveis, que tornam a empresa vulnerável diante de concorrentes e cenários adversos, como na necessidade de fazer do inusitado o subsídio para ações vitoriosas de marketing e comunicação empresarial

Mas o efêmero se confunde com velocidade, no círculo digital das novas mídias O on-line congelou o instante Graças também às agências de notícias e à internet, sabemos, do ponto de vista prático, o que significa essa porção ínfima e veloz de tempo Ela pode ser detectada no nosso microcomputador, naquelas chamadas noticiosas que ficam girando na tela, brincando com o lusco-fusco dos recursos visuais da tecnologia

Nesta terceira empreitada documental, que visa registrar as palestras do V e do VI Seminários de Comunicação do Banco do Brasil, realizados em 1999 (Comunicação além dos 500 anos) e 2000 (Mídia, Comunicação e Cul- tura Brasileira), o objetivo é transformar a lida com o efêmero, característica 7 inexorável dos processos comunicativos, em memória, reflexão e conhecimento vivo Trata-se de constituir um acervo de preciosas avaliações do cenário jornalístico e midiático brasileiro A essência deste livro, portanto, é o buscar, aqui registrado nas reflexões de professores, intelectuais e homens práticos de notório saber, sob as premissas do pluralismo e de uma perspectiva multidisciplinar São artigos que abordam o amplo espectro - do efêmero e do permanente - nos processos de comunicação das empresas, do marketing, do jornalismo e das mutantes novas mídias

Esse conjunto de textos não celebra paradigmas da moda A única certeza é continuar a busca, com a sensibilidade suficiente para detectar novas questões, conteúdos e personagens que fazem a história da comunicação

Boa leitura

Banco do Brasil Diretoria de Marketing e Comunicação

8 1 Mídia, história, cultura e esporte

9 10 A HISTÓRIA NA EMPRESA: IDENTIDADE E OPORTUNIDADES Karen Worcman

“Nossa memória é nossa coerência, nossa razão, nossa Karen Worcman é brasileira, formada ação, nosso sentimento< Sem ela, somos nada<” em História pela Universidade Luís Buñuel, cineasta Federal Fluminense, com Mestrado em Lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Minha proposta é discutir por que, como e para quê fazer memória empresarial Mas vou utilizar o conceito de memória no que ela representa É fundadora e Diretora do Museu de mais essencial em nossas vidas: a memória sem a qual cada um de nós da Pessoa, um museu virtual que deixa de perceber a própria existência Nossa memória é um elemento básico tem como missão preservar e transformar em informação histórias para o estabelecimento de nossa identidade É nossa história de vida que de vida de toda e qualquer pessoa nos dá a possibilidade de nos reconhecer como indivíduos a cada dia da sociedade, promovendo a mudança social por meio do reforço Nada melhor do que uma história para discutirmos a importância da memória da identidade e do incremento da auto-estima de indivíduos e E a história mais pungente que conheço é o relato que o neurologista e comunidades escritor americano Oliver Sacks (1) faz de seu encontro com Greg, a quem o autor chama de “o último hippie” Greg, que nasceu em Queens nos anos Esta palestra foi proferida em 50, era um adolescente americano típico e rebelde ao final dos anos 60, até 18/11/1999 que entrou para uma ordem Krishna Após alguns anos na ordem, seus pais descobriram que o estado total de placidez que Greg havia atingido e – que era entendido por seus companheiros como sendo um estado iluminado – significava, na verdade, a existência de um tumor cerebral Quando retiraram o tumor, Greg havia perdido, além de sua visão, sua memória de curta e de média duração Apenas retinha, intacto, o que tinha vivido nos anos 60 Greg vivia o puro presente, ou como melhor dito por Sacks (pp66), Greg “parecia emparedado, sem saber, num momento sem movimento, fora do tempo E enquanto para nós o presente ganha sentido e profundidade pelo passado () assim como recebe seu potencial e tensão do futuro, para Greg ele era achatado e (à sua maneira escassa) completo”

As experiências presentes, mesmo a notícia da morte de seu pai, não eram registradas E, como os eventos não se acumulavam, era como se Greg 11 começasse tudo de novo a cada instante As únicas coisas que o estimulavam e o levavam a dar algum sentido a vida eram as músicas dos anos 60, retidas em sua memória Sacks segue narrando suas experiências com o rapaz E o que fica demarcado, o que salta aos olhos, é a total incapacidade de Greg dar qualquer sentido a vida É este o sentido de memória que quero utilizar

Como, para cada um de nós, é a partir de nossa memória que organizamos e desenvolvemos nossa existência, é também pela memória compartilhada As pessoas de um grupo se que um grupo se unifica e forma uma identidade identificam porque possuem uma trajetória comum< As pessoas de um grupo se identificam porque possuem uma trajetória comum Mas em um grupo humano o fator coesivo da memória é ainda mais fundamental: pois diferentemente de Greg, que, mesmo sem sua memória, mantém junto ao corpo seus braços e pernas biologicamente organizados, um grupo precisa garantir de maneira ainda mais precisa sua coesão Isso porque se cada uma das pessoas que o integram simplesmente “descobrisse” uma nova história a cada dia, evidentemente não haveria o grupo

E para que tudo isto? O que isto tem haver com a idéia de como as empresas hoje podem e devem aproveitar as oportunidades que possuem para construir e transmitir suas histórias?

Uma empresa é obviamente um grupo E, como todos os grupos, possui uma memória que garante sua coesão e identidade Resta-nos saber em que medida as empresas hoje utilizam sua história como fator de união entre seus integrantes e, ainda, como fator de criação de identidade perante o resto da sociedade Resta-nos analisar também de que maneira a concepção que a empresa possui da própria história permite que esta se transforme ou não em um elemento potencial de integração e comunicação

Existem muitas maneiras de percebermos e registrarmos nossa história A primeira delas é em nosso próprio corpo, nosso cérebro, nossa linguagem Em seguida vamos juntando outros elementos Objetos, fotos, álbuns Elementos que, juntos, constituem nossas lembranças Nossa história é formada então por aquilo que selecionamos como importante ao longo de nossa vida Não é um puro reflexo do que vivemos, mas sim uma construção do que consideramos significativo para nossa vida É, com certeza, uma narrativa construída 12 Quando pensamos em um grupo humano, é fundamental que a memória seja socializada – ainda que oralmente, por meio de uma única pessoa E, de fato, esta é talvez a forma mais básica que os grupos – sobretudo aqueles de tradição oral, sem escrita – têm de preservar sua história Os griot (portadores de tradição oral das aldeias da África Ocidental) exerciam um papel de grande prestígio em suas comunidades “A história oral é tão antiga quanto a própria história”, diz Paul Thompson (2) Em nossa cultura, os historiadores orais tiveram seu prestígio roubado pelos documentos No entanto, a troca de suporte não anulou a importância da função da história Não é à toa que em nossa sociedade, de cultura judaico-cristã, a Bíblia seja o maior best seller de todos os tempos

Mas, como já disse, as histórias não são narrativas que acumulam, sem sentido, tudo o que vivemos É no que elege como sendo importante e como transmite que o grupo caracteriza-se a si próprio É no tipo de narrativa construída que os grupos se definem e se forjam É a partir de como constróem e contam sua própria história que os grupos criam sua identidade

Dependendo da forma de perceber e de encarar esta questão é que as Resta saber em que medida empresas, em muitas circunstâncias oferecidas por sua própria história, as empresas utilizam sua perdem ou aproveitam a oportunidade de utilizar esta ferramenta fundamental história como fator de união para o ser humano Como, então, essas empresas registram e transmitem entre seus integrantes e, suas histórias? Que as historias existem, existem, pois sem elas não haveria ainda, como fator de empresa alguma Mas de que maneira estão sendo elas percebidas, criação de identidade registradas e transmitidas? Estarão elas aproveitando da melhor maneira perante a sociedade< sua própria história? Quais são os novos desafios? Como hoje essa função vem sendo desenvolvida e aproveitada?

Qualquer empresa terá sempre um instrumento por meio do qual sua história corporativa é registrada e contada – para o público interno e externo Por muitas e muitas vezes vamos encontrar, tal qual nas aldeias africanas, um verdadeiro griot: “Olha fala com seu João, ele sabe tudo da nossa história Ele guarda qualquer papelzinho e conhece todo mundo”

Outras vezes recebemos um discurso institucionalizado em algum folheto, vemos uma foto da primeira sede na parede, um vestígio da primeira campanha de rádio salvo por alguém da fúria da reengenharia Algumas vezes recebemos um vídeo institucional com a história da empresa Fiz recentemente uma breve busca e análise em sites corporativos – brasileiros e de multinacionais – procurando sempre onde se encontrava a parte da 13 história daquela empresa Em todos, ou quase todos, vamos encontrar uma pequena entrada para consulta denominada “memória” ou “história” Lá, de forma mais ou menos sofisticada, veremos uma linha do tempo dos feitos e das datas marcantes da empresa; ou, ainda, como é mais comum nos sites de grandes marcas americanas (ver Disney, McDonald’s por exemplo) vamos conhecer a história do homem/fundador de todo aquele empreendimento: como ele se aventurou numa idéia genial, como vendeu tudo o que tinha para enfrentar seu desafio e vencer

Mas acredito que estas seções devem ser, com certeza, uma das partes menos visitadas dentro do site de cada uma dessas empresas E, apesar dos breves folhetos institucionais e das poucas fotos históricas nas paredes, são ainda poucas as empresas que de fato utilizam sua história como uma ferramenta importante Já ouvi muitas e muitas vezes frases como “A quem vai interessar nossa história?” “Meu problema não é o passado e sim o futuro” “Como isso alavanca meu negócio?” “Esse negócio de história é bonito mas não é prioridade”

Mas como?, eu me pergunto, uma função tão essencial para a existência de cada um dos indivíduos, e tão importante nos grupos humanos; uma função que, de fato, já foi tão nobre em outras momentos de nossa história, como pode ser que em tantas empresas esteja relegada a um papel tão secundário? A própria história empresarial, dependendo do A meu ver, a grande questão está no conceito O que vemos é que, apesar modo como é concebida, da transformação dos suportes utilizados – do griot ao suporte virtual – pode se transformar em parece-me que o conceito do que é e para que serve a própria história ficou elemento potencial de preso nos conceitos presentes nos antigos livros didáticos: história é integração e comunicação< documento História é uma série de fatos que respondem – de maneira muito impessoal – pela trajetória “objetiva” daquela empresa Nas linhas de tempo (impressas em livros, colocadas em sites, apresentadas em vídeo) vamos ler ou ver “a fundação, a troca de estatutos, a diversificação, a evolução de faturamentos”

Quanto a forma de transmissão, parece que também está presente a noção de que história é bonita mas em nada tem a ver com o dia-a-dia e o futuro da corporação É apenas um adereço Um adereço sem muitos atrativos – morno, institucional, pouco atrativo para os próprios membros daquele grupo, quanto mais para o resto das pessoas (parceiros, clientes, fornecedores e a sociedade de maneira geral) É como se numa aldeia, o griot¸ sempre tão respeitado e dinâmico na sua forma de narrar a história, ficasse em um 14 lugar isolado do dia-a-dia da aldeia e, quando entrasse em ação, contasse uma história sem muito sentido e interesse para seus ouvintes

Como deveria então deveria ser produzida esta narrativa? Não basta apenas colocar esta história num livro ou num site ou num documentário O que poderíamos dizer sobre as mudanças advindas com o surgimento das novas mídias? Se não mudarmos os conceitos, nada além do próprio suporte É necessário perceber melhor quem de fato compõe a empresa para situar sua identidade e, então, definir sua história E aí sim, sua transmissão pode passar a ter um novo sentido e uma nova função É a partir de como constróem e contam sua No que perceber, como registrar e para quem transmiti-la: aí estão os três própria história que os elementos básicos que devem ser repensados de forma a que a história grupos criam sua volte a exercer seu papel essencial para o fortalecimento (ou mesmo criação) identidade< da coesão e da identidade de uma empresa

A visão que quero apresentar aqui faz parte da prática do Museu da Pessoa e está presente em uma série de projetos que já desenvolvemos

O Museu da Pessoa acredita que a história não deve ser pensada apenas como resgate do passado, mas sim utilizada como marco referencial a partir do qual as pessoas redescobrem valores e experiências, reforçam vínculos presentes, criam empatia com a trajetória da empresa e podem refletir sobre as expectativas dos planos futuros Por meio de técnicas de memória oral, a pesquisa histórica passa a ser integrada como ação estratégica de comunicação da empresa, resgatando valores, identificando expectativas e tendo como resultado uma história humana, inédita e – como pautada por experiências – voltada para o presente e futuro Esta visão implica a compreensão de que a história de uma empresa transcende a preservação física de documentos e de monumentos O projeto com memória oral tem como objetivo a preservação do conhecimento intangível, isto é, o conhecimento que está na cabeça e na experiência das pessoas As informações coletadas podem resultar em produtos culturais, campanhas de comunicação, elementos de apoio a negócios e, sobretudo, instrumentos de comunicação com a sociedade

Uma empresa é uma reunião de pessoas que, por sua vez, fazem parte de outros grupos também Uma empresa nem é feita pela ação de uma única pessoa nem tampouco por uma série de fatos econômicos políticos que se sucedem de forma neutra Uma empresa está essencialmente composta por pessoas e, por conseqüência, sua história é resultado da história e da 15 contribuição de cada uma dessas pessoas Neste sentido, a história da empresa deve e pode ser transformada como instrumento de preservação de saber acumulado e como forma de reconhecimento da importância de todos aqueles que a construíram A empresa é, foi e sempre será resultado do conjunto Por outro lado, uma empresa não é uma ilha isolada do resto da sociedade das ações de seres Ela com certeza faz parte de uma teia social A História do Banco do Brasil, humanos< O que importa por exemplo, é também a história de seus clientes, de seus funcionários e são os seres humanos, das comunidades em que atuou e atua E, no caso deste exemplo, constitui cheios de expectativas e uma parte significativa da história do próprio país Ao perceber e demonstrar paixões< que sua história faz parte integrante desse grupo maior, a empresa passa a ter potencialmente a possibilidade de compartilhar sua trajetória com o resto da sociedade

Se entendermos a empresa como resultado que é – foi e sempre será – do conjunto das ações de seres humanos, aí sim poderemos deixar de produzir um discurso morno sobre seu passado, pois são seres humanos cheios de expectativas e de paixões E é do conjunto desses seres e de suas interações com a sociedade que surge a história – uma história viva e única Uma história que passa a ser um veículo de comunicação e de identificação da empresa com seu público e consigo mesma

Isto porque é na possibilidade de criação de um passado comum que os integrantes de um grupo estabelecem sua identidade E, na medida que o passado de uma empresa passa a resultar da história de cada um de seus integrantes – assim como da história da comunidade com a qual ela interage – é que a história volta a poder cumprir sua missão maior: a de preservar, integrar e dar identidade a um grupo social E aí, sim, reside a verdadeira oportunidade

Referências bibliográficas

(1) SACKS, Oliver W Um antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais São Paulo, Companhia das Letras, 1995, pp66

(2) THOMPSON, Paul A Voz do Passado: História oral Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992 pp47

16 O PAPEL NÃO É PASSADO Alberto Dines

A esta altura correm diversas versões de uma fábula tecnológica ou futurista Uma das versões, seguramente a primeira, é de Isaac Asimov, o filósofo da Jornalista desde 1952, dirigiu jornais science-fiction A outra recebi há dias pela Internet atribuída a Millôr e revistas no Rio, S Paulo e Lisboa Leciona jornalismo desde 1963 e foi Fernandes, nosso pensador de plantão, sutil e pertinente Tratam ambas de Professor Visitante da Escola de um fabuloso invento capaz de guardar e transmitir informações, silencioso, Jornalismo da Universidade de portátil, cômodo, barato, quase indelével, facílimo de utilizar, eternamente Columbia, Nova York (1974-1975) reaproveitável Chama-se livro Criador do Jornal dos Jornais (Folha de SPaulo, 1975-77, primeira experiência regular de Livro não é aparelho, é objeto, produto, mas também pode ser visto como crítica da imprensa) Co-Fundador matéria prima Na forma em que o conhecemos o livro existe há mais de e Pesquisador Senior do LABJOR dois mil anos É o códex — folhas de papiro, pergaminho, pano ou de pele (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp) de animal, costuradas de um lado Antes do codex tivemos os rolos de pele usados ao longo de, pelo menos, outro milênio Com rolos e códices, ao Um dos fundadores do Observatório longo de três milênios, ficou registrado aquilo que designamos vagamente da Imprensa (Portugal), criou o de civilização Acervo da humanidade Observatório da Imprensa (Brasil) primeiro site periódico de acompanhamento da mídia, O que nos leva à uma primeira pergunta: estará o homem disposto a correr hoje com versões impressa e riscos e trocar esta invenção por outra, imprevisível? televisiva (em rede nacional) Autor de livros de ficção, reportagens, teoria e pratica Mas o que nos interessa agora não são livros Mas o papel Diante do jornalística, biografia e história fabuloso potencial da Internet (que os modismos magnificam e até distorcem) Articulista do Jornal do Brasil% ouço pela segunda vez em minha vida as vozes do apocalipse anunciando o fim da informação impressa Esta palestra foi proferida em 18/11/1999

Primeiro veio a TV nos anos 50 com os prognósticos do fim do rádio, do cinema, do livro, jornal e revista Nada disto aconteceu Ao contrário, todos floresceram, prosperaram e multiplicaram-se

Agora é a vez da Internet ajudando a produzir as mesmas ameaças com o agravante de que esta transformação tecnológica ocorre na virada do século 17 e do milênio, sob o impacto emocional de uma mudança drástica no calendário Também não me assusto

Então vamos à segunda questão: o jornalismo on-line vai matar o jornal de papel?

Começo com uma premissa que pode chocar os religiosos: o apocalipse não existe O apocalipse visto como um grand finale ou um imenso trauma é apenas uma alegoria teológica e moral

Na história da ciência e da tecnologia não se registram cataclismos e vítimas fatais Os avanços, na realidade, são um conjunto de acomodações Pela simples razão de que a tecnologia não é extraterrestre, fruto do engenho e das necessidades de seres inteligentes que não querem desperdiçar os sucessos anteriores

Há uma linearidade na história do pensamento e das manifestações humanas que convém não esquecer A arte rupestre, os afrescos renascentistas e os murais contemporâneos são processos idênticos de comunicação ambiental As diferenças de técnicas, materiais e assuntos não comprometem esta premissa Os respectivos discursos são idênticos: reprodução da realidade (objetiva ou subjetiva)

A própria engenharia biológica natural não tem vocação para extinguir espécies, a não ser em casos de ações exógenas A natureza — e este é o seu principal atributo — aposta na evolução e nas simbioses sem abrir mão dos elementos que as compõem Simultaneidade e convivência parecem constituir a palavra de ordem de um gigantesco sistema que busca permanentemente o equilíbrio O homem descende do macaco mas os dois ai estão vivos e os esforços recentes dos primeiros em preservar os últimos No inconsciente coletivo demonstra que apesar do impulso predador funciona também um instinto funciona permanentemente conservador um kit de sobrevivência que sugere o armazenamento No inconsciente coletivo funciona permanentemente um kit de sobrevivência das experiências anteriores< que sugere o armazenamento das experiências anteriores Ai está a energia eólica, a pólvora, o trem e o papel

As tecnologias não se aniquilam, elas superpõem-se Em primeiro lugar porque o processo tecnológico é um encadeamento contínuo Soma de avanços As válvulas dos primeiros computadores vieram do rádio e o rádio não morreu A física nuclear não aconteceu por acaso Em segundo lugar, 18 porque o ser humano, apesar dos desvarios tecnicistas e materialistas, conserva uma grande porção de humanidade O ser humano é humanista, isso o diferencia dos robôs e das demais espécies A proposta humanista é essencialmente abrangente, integradora, complementar, somadora, cósmica, universal Nela cabem a tecnologia e a filosofia, a palavra e a imagem, o papel e o chip

O homem sempre utilizou ferramentas, porém jamais fez delas bandeiras filosóficas ou mesmo conceituais São instrumentos, não substituem a cogitação A pólvora deu-lhe poder mas não produziu uma ideologia

No caso das tecnologias da informação a vocação para a conservação ainda é mais evidente: a comunicação resulta da utilização dos cinco sentidos E o ser humano jamais admitirá a perda da sua capacidade fisiológica plena A flauta de metal não eliminou a flauta-doce, de madeira, o cravo não acabou com a harpa e o pianoforte manteve a ambos A ópera não suprimiu o teatro A fotografia deu força ao movimento pictórico impressionista como o cinema reanimou o teatro O rádio não matou o jornal nem o gramofone A TV, apresentada como o gênio do mal e irmã de Satanás, aí está fragilizada Sem ritmo e sem seleção, pela TV dirigida e pela Internet sem o lapso para a decantação, rearrumação e A distribuição de informações on-line não matará o jornalismo tradicional A reinício, não teríamos Internet e as Infovias são ferramentas, coadjuvantes jornalismo, mas um jorro contínuo e desarranjado, Para ilustrar estas afirmações volto ao livro Como já vimos, o livro existiu massa amorfa de antes de Gutenberg E depois que o proto-tipógrafo alemão inventou os informações, sem sentido, tipos móveis o livro não se alterou substancialmente Mudou apenas e, sem hierarquia e drasticamente, o modo de produção desordenadas<

Na realidade o grande transformador do livro foi o veneziano Aldus Manucius, ele sim o proto-editor porque algumas décadas depois de Gutenberg inventou a portabilidade do livro com o formato in-oitavo, organizou a tradução dos clássicos gregos, montou uma academia para produzir conhecimentos Gutenberg foi um provedor de acessos Manucius foi um provedor de conteúdo Aldus trouxe para o livro impresso o conteúdo universalista – as obras dos autores gregos e romanos traduzidas para o vernáculo A democratização do livro e da cultura não começou com Gutenberg mas como Aldus Ele não inventou uma maquina ou peças de um processo industrial mas identificou uma função A efetiva democratização do livro e da cultura não começou com Gutenberg mas como Aldus 19 Reparem que um grande fabricante americano de softwares ao lançar no mercado um programa de editoração denominou-o de Aldus Recurso de marketing mas também o reconhecimento de que o computador não acaba com o livro mas facilita a sua produção

Voltamos ao jornal Não é um produto mas um processo que evolui continuamente ao longo de três séculos É fruto de um movimento de ajustes, aperfeiçoamento e cruzamento entre duas formas de comunicação, os diários A internet é imbatível como e as cartas base de dados, como arquivo renovável, correio, O jornal institucionalizou-se como veículo por força de necessidades transportador de dados, sociais e políticas e, como sabemos, tudo o que resulta e atende a uma sons e imagens< Mas é necessidade tem futuro garantido Gazetas de notícias existem desde o vulnerável como veículo século XV, as atas do senado romano desde o início da nossa era regular ou quando delega, Governantes precisam emitir informações e governados precisam ter acesso ao leitor, a função de editor, a essas informações tamanha a quantidade de informações< A sobrevida da mídia impressa não foi garantida pelas inovações tecnológicas, como a rotativa, o linotipo e o computador mas por duas características orgânicas: a) sua pulsação regular, a periodicidade e b) a existência de uma figura confiável capaz de selecionar e resumir as informações mais relevantes A mídia impressa repousa no seu sistema rítmico e na presença de um agente capaz de fazer a mediação entre a realidade mutante e as audiências desejosas de acompanhar essas mutações É uma transação que vem dando certo desde a primeira metade do século XIX quando surgiram os jornais tais como os conhecemos hoje

A durabilidade do processo jornalístico deve-se portanto a um binômio composto pelo ritmo da emissão (que se conjuga ao biorritmo do leitor) e o jato controlado das informações De outra forma, sem ritmo e sem seleção, sem o lapso para a decantação, rearrumação e reinício, não teríamos jornalismo mas um jorro contínuo e desarranjado, massa amorfa de informações desprovidas de começo e fim, sem sentido e hierarquia, desordenadas e ineficazes

Exatamente isso é o que falta aos veículos de informação pela Internet A informação está lá, permanentemente armazenada, renovada e atualizada Quem comanda a periodização é o usuário quando liga o computador Ele condiciona o ritmo das emissões Mas porque a notícia já está ali, armazenada há horas, perde a palpitação 20 Já o jornal, telejornal ou radiojornal pulsam graças ao timing das suas edições que convertem a informação num acontecimento Este ritmo acaba por subjugar e fidelizar o receptor e constitui o que poderíamos chamar de “transação jornalística”

Disponibilidade é uma coisa, convocação é outra O jornal ou revista chega à nossa porta, eles nos chamam para lembrar que precisamos saber das novidades A informação da Internet está lá igualmente, talvez até mais atualizada, mas nós é que precisamos ir a ela Agora não posso, estou ocupado, vejo depois e nesse exato momento a Internet acaba de perder um de seus trunfos Perde outro — e esse é definitivo — quando o acessador se assusta com a massa de informações disponíveis e tecla o comando da impressora Neste momento o papel lavra outro tento

A Internet é imbatível como base de dados, como arquivo renovável, correio, transportador de dados, sons e imagens Porém ela é vulnerável como veículo O jornalismo impresso não regular ou quando delega ao leitor a função de editor, tamanha é a quantidade é um monstro jurássico de informações A vantagem da Internet dá-se quando funciona como flash avesso às inovações< Sua desvantagem evidencia-se quando mete-se a oferecer material mais denso As novas mídias são formidáveis multiplicadores de informações mas pela quantidade do que disponibilizam são incapazes de processar TODAS as informações Portanto não são produtores de conhecimento

A periodização torna indispensável a figura do mediador Ele é o seu artífice e vocalizador, mesmo quando não aparece No jornal impresso, quando o mediador é apenas um nome sem rosto, há uma voz que emite critérios que contextualizam, referenciam, selecionam e hierarquizam o noticiário O leitor sabe que alguém, supostamente competente e responsável, faz este trabalho para ele A parceria aqui dá-se sob a forma de delegação A presença impalpável do mediador na mídia impressa cria vínculos de credibilidade, confiabilidade e responsabilidade que são os esteios da função jornalística

Já o solitário receptor de informações on-line é o seu próprio editor e como não tem o preparo para isso perde-se diante da escala e do volume do que roda no seu écran

Para compensar esta despersonalização, a Internet está recorrendo aos chats, onde o jornalista é indagado por um monte de usuários, em tempo real Processo interativo por enquanto precário que, quando desenvolver-se plenamente, eqüivalerá a reinventar o talk-show 21 Deixo de lado intencionalmente os grandes trunfos físicos do jornalismo de papel sobre o jornal on-line: a portabilidade do veículo impresso, a conveniência do manuseio e a limitação da nossa acuidade visual diante do monitor Prefiro ater-me às vantagens orgânicas conceituais Excluo desta comparação as versões on-line de veículos impressos, transposições na pequena tela de uma página de papel Ainda inconsistentes porque não houve tempo para que se cristalizasse um formato apropriado

Desde 1984 quando informatizei-me até hoje, novembro de 99, já tive seis equipamentos diferentes Descartei-me deles de uma forma ou de outra Dos livros, não, tenho-os todos Ainda têm muito a dar

Imagino a perplexidade de alguns que sabem da minha atividade como editor de um veículo on-line, o Observatório da Imprensa (que existe desde 1996 Com apenas um ano de existência este quinzenário saltou do écran para as páginas de opinião e os debates televisivos Gerou um filhote, um programa de televisão com o mesmo nome É acompanhado nas redações e academias É uma ferramenta de trabalho para profissionais e estudantes Tal como as bases de dados, as bibliotecas virtuais, os diferentes atendimentos sociais É, além disso, um serviço público, aberto à sociedade para discutir o que lhe concerne e nunca lhe foi oferecido

Uma publicação convencional e impressa de observação da mídia jamais teria o efeito do Observatório on-line Exigiria investimentos mil vezes maiores, compromissos com patrocinadores, processamento demorado, periodicidade A interatividade não deve menos intensa e, obviamente, provocaria maior distancia do leitorado Aqui ser apenas slogan, mas a interatividade não é slogan mas atributo orgânico Dialogamos com os atributo orgânico< Não leitores e cidadãos, jornalistas ou não, porque não sendo assim desperdiça- estabelecer diálogos é se a sua vantagem competitiva desperdiçar a vantagem competitiva da internet< Desta experiência posso concluir que existe um tipo razoavelmente definido de serviço jornalístico on-line Mas seus méritos foram herdados da matriz impressa: periodicidade e mediação

Até agora comparamos veículos diferentes mas não podemos deixar de mencionar os aportes das novas tecnologias aos veículos tradicionais O jornalismo impresso não é um monstro jurássico avesso às inovações A investigação assistida por computador dá aos jornalista minimamente competente um repertório de informações fantástico Uma câmara digital conjugada a um celular e a um laptop economizam horas ou dias O jornal 22 impresso simultaneamente em diversas cidades torna possível o sonho do sem sacrificar preciosas horas nos prazos de fechamento

A miniaturização dos equipamentos de TV e a acessibilidade do preço podem dar ao telejornalismo uma extraordinária dimensão O cidadão-vídeorepórter Dizem que o papel tem os pode estabelecer um novo padrão de participação social aumentando a dias contados< Só vou capilaridade do sistema de comunicação naqueles regimes políticos dispostos acreditar nisso quando me a admiti-los É que esta abertura ao público não pode substituir o mostrarem uma maquineta jornalismo profissional Mas é uma dramática contribuição da tecnologia (e ou um aparelhinho com 257 das leis de mercado) à revitalização da reportagem anos de idade e que não se tornou obsoleto< Dizem que o papel tem os dias contados Apregoa-se que o papel é passado, não tem futuro Só vou acreditar nisso quando me mostrarem uma maquineta ou um aparelhinho com 257 anos de idade e que não se tornou obsoleta Como esse livrinho impresso em 1747 que está cheio de vida até hoje

23 O SIGNIFICADO DO ESPORTE NA SOCIEDADE MODERNA E DO FUTEBOL NO BRASIL Roberto DaMatta

Apesar de tudo o que se diz do esporte — que ele foi comprado, que Roberto DaMatta, nascido em seus ideais agora pertencem à Adidas ou à Nike, que os grandes atletas Niterói, ocupa a catédra Reverendo deram lugar a meros promotores de materiais esportivos, etc — o fato Edmund P Joyce csc, de Antropologia da Universidade de é que ele continua sendo um dos domínios mais intrigantes de nossa Notre Dame, onde ensina desde sociedade e da nossa civilização agosto de 1987 É também professor titular licenciado do Por alguns motivos Dept de Antropologia da Universidade Federal Fluminense Primeiro, porque o esporte, como a arte, são atividades ou campos DaMatta é Bacharel em História, marginais ao utilitarismo e a razão prática e instrumental que sempre tem curso de Especialização em calibra meios e fins e que se apresenta como a lógica dominante na Antropologia Social, e é MA e PhD pela Universidade de Harvard nossa civilização Assim, se a ciência e a técnica estão obcecadas com a pergunta “para que serve?” e “qual a sua utilidade?” o esporte e a arte Escreveu mais de uma centena de escapam dessas indagações porque a sua prática se liga muito mais ao ensaios técnicos, inumeros artigos mundo simbólico do que prático para os principais jornais do país e do exterior (inclusive para o “New York Times”) e publicou É fácil saber porque existem Física, Medicina e Economia É muito mais onze livros, dos quais se destacam complicado descobrir porque, afinal de contas, os seres humanos cantam, como marcos do pensamento contam histórias, realizam rituais e marcam seus artefatos, dos mais antropológico brasileiro Seu livro O que faz o brasil, Brasil?, recebeu humildes aos mais sofisticados, com um arabesco, um floreio, uma torção o prêmio Casa Grande e Senzala do que nada têm a ver com a função do instrumento, mas falam, isso sim Instituto Joaquim Nabuco como a de quem o usa ou do grupo que o inventou É, deveras, curioso que melhor interpretação do Brasil nos mesmo no coração do capitalismo mais desenfreado, no centro da indústria anos 80 automotiva, os símbolos não tenham sido abandonados Pelo contrário, Esta palestra foi proferida em estão ai os “buldogues”, os “puma”, os “corcéis”, os “fox”, os 25/10/2000 “mavericks” e os “jaguar” que não me deixam mentir

Esporte e arte atendem a necessidades humanas que escapam do utilitarismo tão freqüentemente usado como estalão para medir progresso, sucesso e demonstrar eficiência Claro que se pode falar em sucesso na 24 arte e no esporte, mas descobrir qual a “necessidade humana” que atendem parece ser um caso perdido Melhor seria inverter a pergunta e buscar como esporte e arte são, de fato, parte importante da própria condição humana como provedores de espetáculo e de dramas que ajudam a organizar a indiferença, as contradições e os paradoxos que as rotinas humanas necessariamente implicam e engendram

É precisamente porque futebol, carnaval e jogo do bicho não “servem para nada” que os autoritários e os imbecis sempre quiseram banir ou disciplinar essas atividades que, afinal de contas, “desviam a atenção do povo”, “fazem o pobre gastar mais dinheiro”, contribuem para “perda de tempo” e estimulam discussões sobre temas inúteis Esquecidos — como a mídia brasileira em peso esqueceu quando recentemente cobriu os Jogos Olímpicos, que a atividade esportiva é mais expressiva (ou simbólica) do que instrumental (ou prática), que ela atua mais no nível do ideal e do exemplo do que no nível do real — os ditadores e as elites sempre tiveram uma posição ambígua quanto ao esporte e a arte

E não é para menos Basta lembrar os motos enviesados do esporte e da Ditadores e elites sempre arte para atinar porquê O primeiro dizendo que o importante não é vencer, tiveram uma posição mas — coisa absurda! — competir; e o segundo reafirmando a abominável ambígua quanto ao esporte tautologia da “arte pela arte” Dois pontos anti-utilitaristas e anti-práticos e a arte< que reafirmam o aspecto simbólico e dadivoso desses dois domínios, a despeito de todas as transformações a que foram submetidos

Nesse contexto, vale sugerir que se a pós-modernidade se caracteriza pelo fim das grandes narrativas, o esporte (talvez mais do que a arte) traz de volta as grandes histórias e, com elas, os mais singelos heróis e atos de bravura Assim, contra Max Weber que afirmava o desencanto do mundo moderno: individualizado, compartimentalizado e governado por uma implacável e impessoal burocracia, a arte e sobretudo o esporte, “ré-encantam” o mundo, trasendo de volta sua antiga magia

Um segundo ponto igualmente perturbador, é que a arte e, mais ainda, o esporte, são atividades atualizadas através de um desempenho, fazendo com que corpo e alma atuem de modo conjugado Ambos tornam indispensável um fazer que está longe da especulação, da distância, do intelectualismo e do recolhimento da ciência No esporte, a divisa clássica de ter um “corpo e uma mente sãos” se contrapõe ao ideal Cartesiano que irremediavelmente separa corpo e alma Assim, se o moralista e o intelectual separam, o esportista junta 25 Um terceiro ponto paradoxal é que, na atividade esportiva, a previsibilidade vai às garras! Podemos prever o campo em geral, mas — tirando as modalidades esportivas individuais e técnicas — não sabemos quem O esporte, talvez mais do efetivamente vai vencer Essa imponderabilidade foi sem dúvida o ponto que a arte, traz de volta as cego dos comentaristas esportivos na Olimpíada, quando eles lutavam grandes histórias e, com para determinar resultados condizentes com seus desejos e, como elas, os mais singelos heróis eles não surgiam, culpavam os atletas, esquecidos de que no esporte e atos de bravura< há competição e disputa Trata-se de uma atividade agonística e relacional — o desempenho de um time depende muito da atuação do outro, algo distante da linearidade de um quadro estatístico, uma tabela, um texto de jornal ou de um comentário político, onde uma coisa segue a outra

Por tudo isso, não deixa de ser curioso observar a ausência de reflexão sobre o fenômeno do esporte no plano cultural e político Uma ponderação que intenciona inventariar e especular sobre as relações entre esporte e modernidade em pelo menos três níveis básicos:

Tomando o esporte como um mecanismo reiterador de internalização de uma autoridade impessoal — “as regras do jogo” — que, afinal todos devem conhecer, vigiar e obedecer

Vendo a atividade como um instrumento de disciplina para a população como multidão ou povo Essas massas que, pelo esporte, são obrigados a aprender quando uma partida começa e termina e, mais que isso, têm que se conformar com seus resultados negativos ou positivos, legitimando- os e honrando-os a despeito de suas preferências e paixões

Lendo o esporte como uma máquina produtora de personagens cruciais Como um moinho de modelos de conduta na forma dos “ídolos” ou “heróis esportivos” Essas figuras paradigmáticas, capazes de canalizar ideais modernos importantes, como o aperfeiçoamento técnico, a crença em si mesmo, a atualização do mito de ascensão social independentemente de cor, origem e instrução Heróis que, num nível visceral e dramático (no meio de uma nervosa disputa) encarnam a igualdade como valor, pois o que conta no esporte é o desempenho “A bola no pé”, o que engendra uma forma de “cidadania” especial através do time com o qual se está associado ou se tem simpatia O time, conforme falamos significativamente no Brasil, para o qual se “torce” E com o qual se tem uma ligação fundada numa opção individual que em muitos casos vai de encontro a família e ao pai 26 E, finalmente, em quarto e último lugar, compreendendo como a atividade esportiva cria uma imensa riqueza inteiramente baseada nas vissicitudes do talento humano, o que não é pouco numa civilização tematizada pela exploração do trabalho e por ganhos financeiros advindos der um mercado impessoal e naturalizado

Por tudo isso, a ausência de estudos do campo esportivo comprova uma tese bem conhecida dos antropólogos; a saber: quanto mais próximo de nós, menos valor, atenção e estudo recebe o fenômeno Para Lima Barreto, por exemplo, o futebol era Ademais, o esporte moderno, baseado em regras escritas e pactuadas, indesejável porque era um em federações de clubes — por um estilo parlamentar de atuação no evento capaz de despertar qual as normas só valem com o aval de todos — é um elemento crítico paixões e incontida no discernimento de um processo de contato cultural entre sociedades violência< Um processo aculturativo que a comunicação de massa tem acelerado nos últimos anos

Deste modo, quando se toma um esporte como o futebol e um país como o Brasil, pode-se observar com deslumbrante nitidez como as várias sociedades que o adotaram salientaram, destacaram ou valorizaram alguns dos seus aspectos em detrimento de outros, criando uma variedade fascinante de estilos dentro do mesmo jogo Variedade tanto extraordinária, quanto se sabe que tais transformações não mudaram a estrutura do jogo, mas permitiram que cada sociedade nele situa-se os seus problemas e preocupações, sua ética e seu ethos

Com isso surgiram vários futebóis dentro de um futebol Um “futebol- força” na Europa, um “futebol-cerebral” na Rússia e na Europa Oriental, um “futebol-arte” na América do Sul e uma forma que nós (com todo o etnocentrismo que temos direito) julgamos a mais perfeita e definitiva, um “futebol malandro”, cheio de bossa e de jogo de cintura no Brasil

Cada nova sociedade que adotava o esporte, moldava — querendo ou não; sabendo ou não — à sua organização social e valores E em cada uma delas, o futebol percorreu trajetos diferentes Na Inglaterra, como remarcam os ingleses, é um esporte de plebeus praticado pela aristocracia dos colégios de elite; no Brasil foi um “jogo” [entre nós, não há divisão entre jogo e partida (gambling e match) como em Inglês] introduzido pelas elites que logo a plebe roubou e devolveu a sociedade como uma atividade devidamente nativizada, tão generalizada e apaixonante quanto o Carnaval ou o almoço de domingo 27 Entre nós, a rígida distinção inicial entre “ataque” e “defesa”, hoje superada, deu lugar a times — como a seleção brasileira de 1950 — com defensores negros e atacantes mais claros: mulatos ou morenos, porque a dicotomia reproduzia a estrutura hierárquica da sociedade também fundamentada na cor Um sistema no qual os negros faziam o papel de mediadores entre a humanidade e a natureza, ao passo que os “brancos” gozavam do privilégio do desfrute e da visibilidade Tal como os atacantes que “furam gols” e se transformam em “artilheiros” dos campeonatos e os defensores “agüentam o rojão”, sendo freqüentemente responsabilizados pela derrota

Mas isso não é tudo

Neste processo aculturativo no qual instituições são feitas e desfeitas pelos contextos locais no seu pungente diálogo com inovações “universais” e de fora, o futebol tem uma trajetória singular Não se pode esquecer, por exemplo, que sua posição junto a opinião pública nacional foi incerta e oscilante Se hoje existem pessoas que pensam que o futebol Se hoje existem pessoas foi inventado no Brasil, nos primeiros anos de vida republicana o jogo que pensam que o futebol fazia parte de um movimento modernizador que ativava reações díspares foi inventado no Brasil, nos primeiros anos da vida De um Lima Barreto, por exemplo, escritor sem berço, injustiçado e mulato, republicana o jogo fazia provocou uma reação negativa que o transformou num militante contra parte de um movimento o futebol Para ele, o futebol era indesejável porque era um evento capaz modernizador que ativava de despertar paixões e incontida violência, além de igualar homens e reações díspares< mulheres que, como jogadores e torcida, comportavam-se de modo chocante, deixando de lado velhos pudores e a necessária compostura1  Para outros intelectuais, como Coelho Neto e Olavo Billac, escritores de sucesso e líderes desta tão desejada modernização, o futebol representava

1 Nas crônicas de Lima Barreto, reunidas nos livros Marginalia, Coisas do Reino de Jambon e Vida Urbana, exprimem opiniões negativas do futebol% Assim, diz Lima Barreto numa crônica de 1922: “(%%%) mas o tal de futebol pôs tanta grosseiria no ambiente, tanto desdém pelas coisas de gôsto, e reveladoras da cultura, tanta brutalidade de maneiras, de frases e de gestos, que é bem possível não ser êle isento de culpa no recurdescimento geral, no Rio de Janeiro, dessas danças luxuriosas que os hipócritas estadunidenses foram buscar entre os negros e os apaches%” (in Marginalia, pag% 63)% Lima Barreto é sobretudo perturbado pela popularidade do futebol e o fato de que poderia ser praticado justamento por qualquer pessoa, mesmos os doentes (ver Marginalia, pag% 72), bem como pelo fato de que os jogos são motivos de conflitos entre os jogadores% Dai ele repetir que “essa coisa não é divertimento, não é esporte% Pode ser tudo, nunca isto%” (in Marginalia, pag% 116, 147 e 153)% Ver também Coisas do Reino de Jambon, onde Lima Barreto lista numa crônica intitulada “Uma Conferência 28 precisamente o oposto, pois era o exemplo do bom uso do corpo, esse corpo que deveria estar a serviço da pátria e do futuro2 

Esse episódio nos mostra como o velho esporte bretão foi adotado processualmente O debate entre Lima Barreto e Bilac, revela seus conflitos com valores tradicionais

De fato, habituada a jogar, não a competir, a sociedade brasileira, construída de favores, hierarquias, clientes, e ainda repleta de ranço escravocrata, reagia ambiguamente ao futebol Esse estranho jogo que dando ênfase ao desempenho, democraticamente produzia ganhadores e perdedores mas — eis o pasmo! — sem subtrair de nenhum disputante o nome, a honra ou a vergonha Foi preciso, então, que essa sociedade vincada por valores tradicionais aprendesse a separar as regras dos homens e da própria partida, para que o futebol pudesse ser abertamente apreciado entre nós

Embora o futebol seja uma atividade moderna, um espetáculo pago, produzido e realizado por profissionais da indústria cultural, dentro —

Esportiva”, uma série de conflitos, alguns armados, motivados por jogos de futebol% Ver igualmente o irônico ensaio, “Um Ofício da APSA” publicado em 1918 e republicado no livro Bagatelas, no qual ele chega a conclusão que o futebol era uma fonte de coesão nacional, contribuindo para o conhecimento do Brasil no exterior% Mitificando corretamente esse período, e certamente fazendo eco as palavras de Lima Barreto, diz Nelson Rodrigues da torcida feminina numa de suas crônicas: “Naquele tempo tudo era diferente% Por exemplo: — a torcida tinha uma ênfase, uma grandiloqüência de ópera% E acontecia esta coisa sublime: — quando havia um gol, as mulheres rolavam em ataques% Eis o que empobrece — conclui Nelson Rodrigues — o futebol atual: — a inexistência do histerismo feminino%” Numa outra crônica, Nelson fala do suborno dos juizes e de juizes que “se vendiam O futebol prova que se por um maço de cigarros”% Com isso ele estava enfatizando essa ausência de isenção, típica do esporte e, por extensão, da sociedade democrática, onde os jogos (e as eleições) transcorrem pode casar valores culturais normal e honestamente% (Cf% Nelson Rodrigues, À Sombra das Chuteiras Imortais: Crônicas de locais, tradicionais e Futebol% São Paulo: Cia das Letras% 1993%) particularistas, com uma 2 Vale relembrar que Olavo Billac defendeu o serviço militar obrigatório —o universalismo do lógica moderna e Estado — os esportes e a educação física como hábitos a serem nacionalmente difundidos — medidas fundamentais de “higiene social” destinada a “limpar a raça” mestiça do Brasil% universalista< Dentro desta lógica ele apóia o futebol e lê as festas populares como, por exemplo, a festa da Penha no Rio de Janeiro como um objeto fora do lugar% Assim, tal como repetiria o crítico literário Roberto Swartz anos depois, Billac vê essa festa como uma prova de comportamentos fora do lugar% Assim ele diz que tal “espetáculo de desvairada e bruta desordem ainda [seria compreensível] no velho Rio de Janeiro de ruas tortas, de betesgas [= rua estreita], de becos sórdidos% Mas no Rio de Janeiro de hoje, o espetáculo choca e revolta como um disparate%%%” (Cf% Revista Kosmos, nº 3, Out% 1906)% 29 conforme estamos agora rasgando o véu — dos mais extremados objetivos capitalistas ele, não obstante, também orquestra componentes cívicos básicos, identidades sociais importantes, valores culturais profundos e gostos individuais singulares No fundo, o futebol prova que se pode acasalar valores culturais locais, nascidos de uma visão de mundo tradicional e particularista, com uma lógica moderna e universalista

Todos esses pontos, enfim, que os comentaristas esportivos freqüentemente deixam de lado porque, o Brasil é uma sociedade personalista e a atenção da imprensa sempre tende a se voltar para pessoas e intenções individuais e não para assuntos ou problemas Nos Estados Unidos, o herói é o homem comum que se Deste modo, somos levados a “ler” o esporte muito mais como um torna excepcional pelo fazedouro de “personalidades” do que de “heróis” Como um instrumento treinamento e pelo esforço< de ascensão e visibilidade social e não como uma alavanca para a No Brasil, o campeão é logo modelagem ou o reforço de certos tipos de comportamento celebrizado como uma pessoa “destinada” a ficar Realmente, um herói é um altruísta, ao passo que uma personalidade é “acima” do comum e até alguém simplesmente fora do comum Um criminoso pode ser uma mesmo a transgredir “personalidade” (pelo escândalo que o seu comportamento provoca), normas universais< mas o “herói” é um modelo de comportamento Ele se sacrifica pelo seu esporte e pelo seu time Ele é exemplar como figura disposta a exprimir certos valores positivos de sua coletividade, realizando-se com ela e por ela

Penso que nos Estados Unidos, a atividade esportiva é conscientemente pensada pela mídia como sendo produtora de heróis, ao passo que, no Brasil, essa mesma atividade é reinterpretada como um instrumento de ascensão e, sobretudo, de projeção social

Se nos Estados Unidos o herói é o homem comum que se torna excepcional pelo treinamento e pelo esforço; no Brasil o campeão logo é celebrizado e definido como uma pessoa “destinada” (por algo intrínseco ou sobrenatural) a ficar “acima” do comum e, por isso mesmo, pode (e deve) transcender normais universais, como ocorreu com os tetra- campeões mundiais quando não pagaram alfândega quando de sua volta ao Brasil

Na América, parece-me, o herói é o modelo que segue e reforça a igualdade revelando que a excepcionalidade, para ser legítima, tem que estar presa e contida aos valores igualitários sendo sua expressão No Brasil, pelo 30 contrário e a julgar pelos comentaristas dessas últimas olimpíadas, o herói é a celebridade especial que não ganha porque não quer e não porque o adversário não deixa É o sujeito superior que se comporta como aristocrata e assim rompe com as normais igualitárias e triviais de conduta, tornando-se uma entidade excepcional Dai, sem dúvida o caráter semi-marginal dos nossos heróis-celebridades e a sua aversão ao comportamento comum Isso quando não se transformam em criminosos (caso do Romário e do Edmundo, significativamente chamado pela mídia de “Animal”)

Dentro desta visão cultural mais ampla, o esporte é uma ponte que liga modernidade e individualismo com velhos e esquecidos valores morais

Ele é, reitero, uma indústria e um espetáculo, mas é igualmente um rito e uma arte Uma atividade especial que combina com rara felicidade as máximas do capitalismo moderno com as velhas e esquecidas práticas da reciprocidade

Neste nível o fato fundamental é sem dúvida a descoberta de que a esfera do esporte entroniza no mundo moderno formas legítimas de confronto, de comportamento conflitivo e agonístico que, embora tenham O futebol é uma indústria e uma moldura moderna, racional e empresarial, são capazes de, em um espetáculo, mas circunstâncias especiais ou apropriadas, trazer a tona, valores igualmente um rito e uma adormecidos, essenciais à renovação dos laços sociais e da própria arte< sociabilidade Por isso o esporte e, dentro dele, o futebol, pode ser facilmente ligado a religião e a cosmologias locais O melhor exemplo desta elaboração é a parcela da obra de Nelson Rodrigues dedicada ao futebol, quando o esporte foi utilizado para discutir dilemas existenciais profundos que iam da inferioridade nacional [o famoso “narcisismo às avessas” do Brasil] ao profetismo bíblico, sem esquecer a dificuldade de vivenciar as situações de ansiedade antecipatória típicas dos campeonatos

Essas disponibilidades mágicas ou totalizantes, faz com que o esporte transforme-se em ritual e produza dramas que em arenas bem definidas e removidas do mundo diário (os “estádios” ou “campos”), abrem espaço para muitas revelações

Basta pensar no uso do corpo no mundo moderno e do corpo no esporte Realmente, no campo de futebol, na piscina ou na pista olímpica, o que se observa e admira não é mais o corpo maltratado e deselegantemente 31 liquidado pelo trabalho que o controla e consome, mas um corpo que desafia o tempo, o espaço e outros corpos Assim, no esporte, em contraste com o que ocorre no trabalho industrial, sobretudo em países como o Brasil, onde o trabalho tem uma carga cultural negativa, o corpo sintetiza disciplina obrigatória com prazer e beleza num espetáculo capaz de produzir a mais profunda emoção estética

Tudo isso gerando lucro e atraindo aos estádios massas que, diante do evento esportivo, esquecem o seu massacrante dia-a-dia nas fábricas, nas favelas, e nos bairros insalubres

Com o esporte, além disso, é possível criar uma zona intermediária entre a festa popular tradicional (elástica nas suas normas que ninguém a rigor controla ou conhece completamente) — festa que tendia a carnavalescamente confundir atores e espectadores, com o seu oposto: o espetáculo erudito (o concerto e o desempenho teatral ou operístico), no qual atores e espectadores estão rigorosamente separados

Nos estádios e ginásios, as multidões urbanas podem deleitar-se com as emoções de um cenário onde atores e espectadores estão separados mas no qual se estabelece entre eles elos sociais e simbólicos fundamentais

São esses elos que, no Brasil, criam o “torcedor” Ou melhor, que transfiguram o moderno fã (palavra que vem do Inglês, fanatic, ou seja, o aficionado ardente que perde a individualidade e se confunde com o seu clube, celebridade ou time), em “torcedor” Aquele ou aquela que se retorce, contorce e distorce quando seu time disputa uma partida Pois o O torcedor cria, com o “torcedor” é aquele que como dizia Nelson Rodrigues: “parece um pobre espetáculo, uma relação diabo, indefeso e desarmado” [mas] “na verdade () pode salvar ou absolutamente ausente do liquidar um time É o craque que lida com a bola Mas acreditem, conclui evento erudito< Nelson, o torcedor está por trás, dispondo”3 

E, diriamos nós, provocando, desafiando, desconstruido e incentivando o seu time Com isso, o torcedor cria com o espetáculo, uma relação

3 Cf% Nelson Rodrigues, op% cit% pag% 49ss% 4 É preciso novamente observar que Nelson Rodrigues foi o primeiro cronista e notar essa “aristocracia” de celebridades feitas no futebol e pelo futebol% Por levar a sério o esporte e a cultura popular, ele viu como nenhum outro essa inversão carnavalesca (e/ou hierárquica) que 32 absolutamente ausente do evento erudito, onde os reis, principes, duques e nobres, não estão tocando — ou, no caso do futebol brasileiro, jogando — mas permanecem quêdos e seguros na platéia4 

Na sociedade brasileira, o esporte como um domínio associado à competição e ao uso desinibido do corpo teve no futebol um veículo de notável popularidade Talvez porque o futebol seja jogado em equipe, o que permite retomar no nível simbólico o ideal de uma coletividade exclusiva, como a de uma casa ou família Coletividade com a qual se tem relações insubstituíveis de simpatia, “sangue” (ou “raça”), e amor

Nada, a meu ver, fala melhor desta densa relação do que o hino do Flamengo quando afirma:

“Uma vez Flamengo, sempre Flamengo/ Flamengo sempre eu hei de ser/ É meu maior prazer/ Seja no mar, seja na terra, seja no ar/ Vencer! Vencer! Vencer!/ Uma vez Flamengo, Flamengo, até morrer!”

Nesses versos temos a expressão cabal dos laços complexos que nos enredam ao nosso time de futebol Elos que juntam o ideal moderno da comunidade construída por escolha individual e, simultaneamente, da coletividade totalizada e englobadora, a qual se pertence por nascimento A irresistível adoção do (e morte) futebol pelo nosso povo pode ser explicada por um Um outro elemento que poderia explicar essa irresistível adoção do futebol outro elemento: é um jogo pelo nosso povo, é o fato desta modalidade de foot-ball ser jogada com com os pés, o que exige a parte mais humilde e mais inevitável do corpo: com os pés e não com uma grande qualidade as mãos, como ocorre na versão americana deste esporte, o que engendra técnica, e não com as imprecisão tática, exige uma grande qualidade técnica e faz com que o mãos< jogo decorra num ritmo de altas improbabilidades, mesmo quando um time muito superior joga com um time notavelmente inferior5 

faz com que a elite tivesse preconceito contra o negro, o pobre e o mulato em casa, na rua e no trabalho, mas de modo inversamente proporcianal e esse descaso, admirasse e amasse esses mesmos pretos e mulatos quando eles se transfiguravam em nobres dentro do campo de futebol% Assim, para Nelson Rodrigues, Didi foi um autêntico princípe Etiope% E foi também ele quem batizou Pelé de rei numa crônica escrita em 1958% Cf% Nelson Rodrigues, op% cit% pag% 42ss%No caso da música ocorre o mesmo, pois quem canta e toca são os Nat “King” Cole, os “Duke” Ellingtons, e os “Count” Basies%%% 5 Não deixa de ser interessante observar que nos Estados Unidos, a versão triunfante do velho foot-ball, é uma variante que se joga com as mãos, o que permite uma altissíma precisão 33 Considerações Finais

É certamente por tudo isso, que o futebol tem servido como um instrumento privilegiado de dramatização de muitos aspectos da sociedade brasileira

Para finalizar, vou mencionar quatro dramas promovidos pelo futebol entre nós

1º O futebol é um formidável código de integração cultural Se uma pessoa não tem assunto o futebol engendra uma boa conversa Ela faculta a comunicação dentro de uma coletividade altamente dividida Ademais, permite que essa coletividade se leia como capaz de ação concertada ou corporada Trata-se de uma forma de sociabilidade rara no Brasil, um um mundo cuja instituições públicas tem sido desmoralizadas pelo clientelismo, pela corrupção galopante, por um legalismo protetor dos poderosos e por incompetência O futebol nos faz ser patriotas sem sermos 2º O futebol proporciona a experiência da vitória e do êxito Essa vitória basbaques e imbecis, que o mundo moderno traduz pela palavra mágica — sucesso permitindo que amemos o (acontecimento, parto, ato extraordinário) E pela palavra êxito (exit = Brasil sem medo da saída) que o sistema social hierarquizado e concentrador de riqueza do zombaria elitista< Brasil faz com que poucos possam experimentar Exceto, é claro, pelo “jogo de futebol”, quando as massas brasileiras podem experimentar vencer com seus times favoritos

3º O futebol proporciona à sociedade brasileira, a experiência da igualdade e da justiça social Pois produzindo um espetáculo complexo, mas governado por regras simples que todos conhecem, o futebol reafirma simbolicamente que o melhor, o mais capaz e o que tem mais mérito pode efetivamente vencer Que a aliança entre talento e desempenho pode conduzir à vitória inconteste E mais importante que tudo: que as regras valem para todos Para os campeões e os comuns, para ricos e pobres, para negros e brancos, para homens e mulheres Ademais e

tática e técnica, mas diminui drasticamente as interferências do acaso quando a qualidade dos times em confronto é muito desigual% Assim, esportes praticados com as maõs exigiriam mais igualdade entre os times, o que — diga-se de passagem — seria coerente com sociedades fascinadas pela racionalidade científica, pela impessoalidade, pela especialização e com um sistema democrático consolidado% 34 diferentemente da experiência política corriqueira, as regras não podem ser mudadas nem por quem está perdendo, nem por quem está ganhando

No futebol, portanto, não há golpes

Tal afirmação das regras do jogo contrasta singularmente com a rotina brasileira muito mais determinada por desigualdades Se o cotidiano está repleto de poderosos que custam a trocar de lugar, o futebol nos apresenta um espetáculo no qual vencedores e perdedores se alternam sistematicamente Aprende-se, pois que a alternância na glória é a glória da alternância — base moderna dos ideais de igualdade e justiça O futebol proporciona vitória e êxito, experiências 4º O futebol facultou a junção dos símbolos do estado-nacional: a bandeira, que poucos podem o hino e as cores nacionais, esses elementos que sempre foram concretizar em um sistema propriedade de uma elite restrita e dos militares, a valores sociais mais social hierarquizado e profundos Com isso, futebol nos faz ser patriotas, sem sermos basbaques concentrador de riqueza< e imbecis, permitindo e que amemos o Brasil sem medo da zombaria elitista que, conforme sabemos, diz que se deve gostar somente da França, da Inglaterra ou dos Estados Unidos e jamais do nosso País

Foi, portanto, só com o futebol que conseguimos somar Estado-nacional e sociedade E assim fazendo, sentir pela avassaladora e formidável experiência de vitória em quatro Copas do Mundo, a confiança na nossa capacidade como sociedade e Estado-nacional Povo que podia vencer como país moderno e que finalmente era capaz de cantar orgulhosamente o seu hino e perder-se emocionado dentro do campo verde da bandeira nacional

35 PARADIGMAS DO JORNALISMO CULTURAL NO BRASIL Affonso Romano de Sant’Anna

Quando tive a temeridade de aceitar o convite para falar neste simpósio, a Affonso Romano de Sant’Anna respeito da parte cultural dos jornais e revistas, o primeiro impulso, natural nasceu em Belo Horizonte, em 1937 Nos anos 60 teve participação ativa e inconsciente, foi me lembrar dos jornais e suplementos da minha primeira nos movimentos que transformaram juventude Lembrar até mesmo do fato de, aos dezoito ou dezenove anos a poesia brasileira ter criado uma seção diária no “Diário Mercantil” de Juiz de Fora, chamada

Foi professor de várias universidades “Resumo das Artes”, que ocupando meia página era um pretensioso, brasileiras (UFMG de Minas Gerais, adolescente e necessário comentário crítico sobre todo e qualquer tipo de PUC Rio e UFRJ) e no exterior arte deu cursos na Universidade de Los Angeles (1965-67), Universidade do Texas (1976), Universidade Lembrei-me também de que editei no “Diário de Minas”, quando este de Köln (1978), Universidade de pertencia ao “Jornal do Brasil”, em torno de 1964, o “DM2”- ou seja o Aix-en-Provence (1980-1982) e conferências na Dinamarca, Espanha, segundo caderno; que em 1968 como redator do Departamento de Pesquisa Portugal, Canadá, México, Argentina do JB exercia um tipo de jornalismo cultural, ao tempo em que Gabeira era e Chile o chefe desse setor e o jornal estava sob a chefia de Alberto Dines; que em Sua obra tem cerca de 30 livros de 1973 `a convite ainda de Dines, editei o “Jornal de Poesia” dentro do “ ensaios, poesia e crônicas e seus ornal do Brasil”, e que durante cerca de dois anos(1975-1977), nos ásperos poemas estão publicados em dezenas de antologias, livros e tempos da ditadura, fui o crítico literário da “Veja”, quando a revista se revistas no Brasil e no exterior preocupava em ter um escritor como crítico

Esta palestra foi proferida em 26/10/2000 Era a única revista semanal e tinha uma força singular no contexto Cuidei, então, de descentralizar a crítica Por isto, ao invés de resenhas de “grandes” autores e de estrangeiros, preferi amealhar no que surgia, os escritores até então praticamente desconhecidos e fora do eixo Rio e São Paulo, abrindo espaço tanto para um autor como Rubem Fonseca, que estava se afirmando, quando propiciando o batismo crítico de um Paulo Leminski, Adélia Prado, Antônio Torres, Roberto Drummond, Luís Vilela, Sérgio Santanna, Raimundo Carrero, Deonísio Silva e dos chamados “poetas marginais” que pela primeira vez foram resgatados pela grande imprensa 36 Um jovem que se forme agora nas faculdades de comunicação, se convidado fosse para falar sobre o mesmo tema, obviamente começaria a pensar sobre o presente, sobre o que está vendo diariamente na imprensa

Tentarei aqui somar as duas coisas Deve haver alguma vantagem ou benefício em ter mais de 30 anos Digo isto, e já estou começando a desdobrar uma questão subjacente ‘as questões com as quais hoje nos confrontamos

Nos anos 80 um jornal paulista em plena reformulação se gabava de ter em sua redação só pessoas com menos de 30 anos Talvez isto fosse uma leitura tardia da canção e do slogan dos anos 60 que dizia: Don’t trust anybody over thirty (Não acredite em ninguém com mais de 30 anos) Naquela época eu estava em torno dos 30 Estava, portanto, no limiar de alguma coisa Era a época do chamado “poder jovem” E as primeiras faculdades de jornalismo estavam surgindo Lembro-me de, nesta época, ter dado algumas aulas no primeiro curso de jornalismo na Universidade de Minas Gerais

É interessante lembrar, no entanto, que nos anos 50 e 60 também os jovens estavam no poder das redações Isto vai de Alberto Dines no Rio de Janeiro, que chefiou vários jornais e revistas(Manchete, A Noite, Jornal do Brasil) antes dos 30 a Fernando Gabeira, lá em Minas, que aos 21 chefiava a redação do Correio de Minas<

Hoje o “poder jovem” parece estar sendo trocado, não digo pelo “poder”, mas pelo menos está sendo compensado por uma certa valorização da Hoje, “o poder jovem”, “terceira idade” O mercado está abrindo espaços maiores para aqueles que pelo menos está sendo acumularam alguma experiência e estão encostados em ociosas e compensado por uma certa improdutivas aposentadorias, exatamente no momento em que têm um valorização da “terceira acumulado acervo de experiências que poderia ser útil em suas profissões e idade”< atividades Quem sabe nossa geração que gozou do privilégio do “ poder jovem”, no final, ainda se beneficiará do “ poder adulto” ou “poder maduro”?

Portanto, falo de duas vivências: da experimentada em torno dos anos 60 e falo de um ponto de vista de hoje, na virada do século Esta ponderação poderia parecer um simples nariz de cera, mas advirto que não o é É uma dissimulada operação epistemológica Colocada aqui tal palavra, esta comunicação pode até ganhar mais gravidade Estou, enfim, esclarecendo epistemologicamente de que lugar estou falando, posto que o princípio básico da teoria do conhecimento é, em qualquer discussão, esclarecer este tópico: quando afirmamos alguma coisa, a partir de quê a estamos afirmando Isto 37 para que não se confunda o lugar de onde fala o orador com o lugar da verdade

Isto posto, calcando-me na experiência e no passado para poder entender o presente, começo lembrando-me do que eram os cadernos culturais e suplementos tanto no nível provinciano quando no nível federal

Em Juiz de Fora, onde comecei a escrever para jornais em torno dos 16 anos, numa cidade que tinha uns 100 mil habitantes, os dois jornais - Diário Mercantil (do grupo dos Associados) e a Gazeta Comercial, ambos, tinham, espantosamente, um suplemento literário, com uma média de seis páginas Quando fui para Belo Horizonte, em 1957, lá encontrei os quatro maiores Em Juiz de Fora, nos anos jornais da capital, cada um com seu suplemento literário, com o mínimo de 60 anos, os dois jornais oito páginas cadaRefiro-me ao Estado de Minas, Diário de Minas, O Diário diários tinham, e Folha de Minas espantosamente, um suplemento literário com Minha geração mineira ocupava aquelas páginas com certa excitação uma média de 6 páginas< narcísica e cultural Dizia-se, naquela época, que Minas era um celeiro de jornalistas Com efeito, foi uma geração que nos anos 60 foi levada para fazer a Veja e o Jornal da Tarde e que atuou também no Jornal do Brasil Eu mesmo teria ido, não tivesse em 1965 já optado pela carreira universitária e ido lecionar na Califórnia

Naquela época alguns de nós, ao mesmo tempo, lográvamos publicar também nos suplementos do Rio e de São Paulo No Rio de Janeiro, que ainda não havia sentido concretamente os efeitos da transferência da capital do país para Brasília, O Jornal, o Diário de Noticias, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil tinham também seus suplementos literários E aqui um traço importante: esses suplementos eram, como em Minas, São Paulo e Porto Alegre, dirigidos por escritores, a exemplo de O Jornal editado por Valdemar Cavalcanti, o Correio de Manhã, por José Condé e o caso excepcional do Jornal do Brasil, que através de Reinaldo Jardim trouxe para o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil um punhado de jovens talentos, todos em torno dos 30 anos, que ao mesmo tempo em que aprofundaram a reforma textual e gráfica do jornalismo brasileiro, causaram um verdadeiro cisma ou terremoto na literatura brasileira, ao provocarem o debate em torno das novas vanguardas Lembre-se Mário Faustino, Ferreira Gullar, Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari entre outros

Em São Paulo, o padrão era dado pelo suplemento que O Estado de S< Paulo publicava aos sábados que tinha uma tríade editorial cujo vértice principal 38 era Décio Almeida Prado, assessorado por Antônio Cândido e Paulo Emílio Salles Comes A exemplo dos suplementos do Rio, esse era um suplemento nacional, que abrigava artigos de prestigiosos escritores Pernambuco, Ceará, A função da resenha é dar Rio Grande do Sul, Minas, etc ao leitor uma noção do conteúdo do livro< Tem um Em Porto Alegre, o Caderno de Sábado dentro do Correio do Povo, entre caráter mais informativo< 1967 e 1981 foi um suplemento consistente, que dialogava com a cultura nacional, reafirmando que aquela cidade era um centro editorial importante, já pela presença ali de uma editora do porte da antiga , célebre por lançar grandes clássicos da literatura e que desde 1929 tinha na Revista Globo um importante veículo de circulação de idéias, que expirou em 1967

Esses suplementos tinham, portanto, algumas características comuns:

• eram dirigidos por escritores e não por jornalistas e comunicólogos

• publicavam poemas e contos

• publicavam críticas e ensaios e não o que hoje se chama vagamente de resenhas

• centravam-se sobretudo na literatura brasileira

• os suplementos apoiavam-se basicamente em textos e não abriam, como hoje, tanto espaço para fotos e ilustrações

Neles, em geral, havia pelo menos um grande crítico responsável pela chamada “ crítica de rodapé” Isto era uma tradição desde o tempo em que nos anos 20 Alceu Amoroso Lima em O Jornal era o arauto do modernismo Por sua vez, Álvaro Lins, que reuniu suas críticas em uma dezena de volumes exercia esse papel no Correio da Manhã E nos anos 60 a seção de crítica aí era um revezamento semanal entre Fausto Cunha e Fábio Lucas Pelo Diário de Notícias passaram nessa função Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e Guilherme Figueiredo

Foi ainda nos anos 60, quando havia classicamente esses suplementos literários que surgiu o Suplemento Literário do Minas Gerais editado por Murilo Rubião, dentro do Diário Oficial do Minas Gerais Uma inovação depois imitada pelo Diário Oficial do Estado de São Paulo(“D O Leitura”) e por publicações semelhantes de outros estados O “SLMG”, contudo, tinha uma característica única: não eram apenas os aposentados e funcionários 39 do estado os seus leitores, senão que era enviado gratuitamente a todos os brasilianistas ou interessados em cultura brasileira no exterior, constituindo um necessário elo de informação

Diria, enfim, que os suplementos até esse período tinham como função o debate, a exposição de idéias e a formação cultural Parte houve uma modificação, os suplementos converteram-se, sobretudo, em veículos de informação sobre o que está saindo no mercado editorial, razão pela qual os divulgadores e as editoras passaram ter mais força nas suas pautas

Fatores vários sobrevieram em torno dos anos 70 (os quais foram estudados originalmente por Alberto Dines em “ O papel da imprensa”), fazendo com que os suplementos passassem por uma transformação Por exemplo, por um lado, a chamada crise do papel, que elevou o preço do produto e, por outro lado, um ímpeto renovador, fez com que o Jornal do Brasil, inaugurasse um outro tipo de suplemento adotando as chamadas resenhas praticadas pela imprensa americana Em breve os demais jornais seguiriam essa trilha, O fascínio pelo que é muitas vezes piorando-a estrangeiro – já caracterizado e caricaturado A função da resenha é dar ao leitor uma noção do conteúdo do livroTem no encontro de algumas de um caráter mais informativo Não precisa ser judicativo, embora isto a torne nossas tribos com os mais interessante A resenha, por outro lado, teria como função tirar a primeiros europeus – são crítica de um certo preciosismo acadêmico e de um certo impressionismo traços de nossa Por último, ela atende a um apelo do mercado, quer expor ao público o personalidade cultural< produto tirando-o do clube fechado dos chamados “amantes da cultura”, “amantes da literatura” e exibindo-o aos demais Mas a resenha muitas vezes acabou caindo num compadrismo, assinada por pessoas praticamente desconhecidas, justificando-se, conforme um certo modismo, que se indicasse no rodapé qual a qualificação do autor daquele texto

Nos dois anos (1975-1977) em que estive como crítico da Veja vivi a modificação, a metamorfose porque passava editorialmente a imprensa na parte cultural Queriam-me enquanto escritor, mas queriam-me escrevendo como um jornalista comum Por sorte, eu tinha uma formação jornalística Mas o texto começou a ser menos meu e mais redacional ocasionando alguns conflitos e mal entendidos Argumentava-se que a revista tinha que ser “ entendida pela dona de casa de Botucatu”, razão pela qual toda vez que se escrevia o nome de um autor, por mais conhecido, tinha-se que explicar o que ele fazia, etc Além do mais o copidesque achava por bem inverter a ordem de expressões e das frases em prol de um estilo da revista Com isto, evidentemente ia-se afastando da crítica tal como era entendida 40 anteriormente, para se chegar num texto inodoro, incolor e insípido Ou seja, caminhava-se para a morte do crítico, o que se verificou quando jornalistas,ainda que talentosos, começaram a assinar as críticas

Se houve essa mudança em relação ao conteúdo, fazendo com que esses cadernos culturais diminuíssem ou parassem, por exemplo, de publicar contos e poemas, por outro lado, houve uma constante alteração de forma Alguns transformaram-se em tablóides, depois tornaram a virar um caderno normal, de novo convertidos em tablóide, como o Folhetim da Folha de S< Paulo, que virou Mais e como o suplemento do Estado de S< Paulo que virou tablóide(“Cultura”) e depois voltou a ser um suplemento de tamanho normal dentro do jornal aos sábados O mesmo se deu com o Jornal do Brasil que já teve o Idéias em tablóide e agora em tamanho normal Por outro lado, , que anteriormente mantinha seção de notícia e crítica, por exemplo, através de Antônio Olinto, acabou por se modernizar e criar o suplemento Prosa e Verso aos sábados, conseguindo levar para o seu quadro Wilson Martins, que havia trabalhado para o Estadão, para o JB e que hoje é o “único” crítico em exercício, com uma folha de serviço de 50 anos contínuo de crítica semanal e uma obra monumental - “Pontos de Vista”, 14 volumes -, além dos sete volumes de “História da Inteligência Brasileira”

Ao tentar coligir material para esta exposição, além de remexer na memória e no passado procurando comparações para melhor entender o ontem e As revistas européias hoje, fui em busca dos suplementos que existem hoje No Brasil e no exterior dedicam um número de páginas à cultura muito Pensei em fazer um estudo rigoroso, objetivo, até mesmo matemático Fui superior ao das revistas de do Zeitung e Der Spiegel ao The Times, ou do Times ao Newsweek, do Le nosso país< Monde ao Figaro, do La Nación de Buenos Aires ao Unomásuno do México, consultando jornais brasileiros, que incluíam até O Povo de Fortaleza ou A Gazeta de Vitória

Curiosamente no suplemento de Unomásuno (21102000) encontro informações sobre um livro recém saído no México com o sugestivo título:”De los suplementos a la información cultural; el periodismo cultural no es difusión cultural” É uma tese de licenciatura em Ciências da Comunicação de Sonia Morales Barrera, UNAM O livro, segundo os dados da notícia, tem um capítulo sobre os anos 80, outro sobre os anos 70, sugerindo que esses períodos têm alguma característica própria Mas a primeira parte trata de alguns temas que creio seriam semelhantes num trabalho que aqui se fizesse:” Que é jornalismo? Que é notícia? Quais são os gêneros jornalísticos?(definições) Que é trabalho de reportagem? Quem é o repórter? 41 Que é um crítico? Cultura Difusão e divulgação Suplemento e seção cultural Meio de comunicação”

Nessa minha primeira pretensão de uma pesquisa objetiva e, digamos, científica, embora começasse a medir o espaço dado à cultura, comparar centimetragens, tamanho de fotos e estabelecer paralelos com espaços Muitos suplementos dados aos textos e tentado tabular a presença de autores e obras estrangeiras culturais do passado eram em oposição aos correlatos brasileiros, fui observando que quantitativamente dirigidos por escritores e estava chegando ‘as mesmas constatações que intuitivamente percebera não por jornalistas e comunicólogos< Assim, desviei-me de cair na tentação de certas teses universitárias e “papers”, que mobilizam um exército para matar moscas ou daqueles estudos que repetem a fábula da montanha que depois de tanto barulho, apenas pariu um rato

Ao contrário, tomando um caminho que pode ser tido como impressionista, passo a algumas observações que sintetizam essa leitura As revistas européias a exemplo da alemã, Der Spiegel, das italianas Panorama e L’ Expresso, as francesas como L’Express, Le Point dedicam um número de páginas à cultura superior ao número de páginas que as revistas de nosso país Em algumas como “ Le Nouvel Observateur”, essas páginas chegam a 20% das páginas da publicação

Por sua vez, as revistas brasileiras como Época, Isto é e Veja, dedicam uma média de 5% a 10% de suas páginas `a cultura Poder-se-ia alegar que como país somos menos cultos que aqueles outros citados e que há uma proporcionalidade entre os dados e a realidade No entanto, há um dado interessante: aquelas publicações estrangeiras dedicam grande parte de seu espaço a livros e eventos de sua própria cultura Deveríamos acusá-los de xenófobas e em contraparte nos auto elogiarmos dizendo que somos mais cosmopolitas? Ou, ao contrário, poderíamos começar a ver aí um jogo mais complexo, onde a síndrome do verniz de modernidade, o fascínio pelo que é estrangeiro –já caracterizada e caricaturada no encontro de algumas de nossas tribos com os primeiros europeus– são traços de nossa personalidade cultural?

Comparativamente, se tomarmos o suplemento Mais da Folha de S< Paulo vamos constatar que na seção “Os 10 mais” em geral há uma predominância de 70 a 80% de indicações estrangeiras, da mesma maneira que em “Novidades nas prateleiras” do Valor Neste, no nº 24, entre 14 livros, só dois indicados são brasileiros 42 Em compensação abro La Nación de Buenos Aires e nas oito páginas encontro resenhados nove livros argentinos e na lista de best-seller, nacionais e estrangeiros, 50% são argentinos ou de autores de língua espanhola Já no Unomásuno mexicano o índice de artigos sobre livros e autores do país e de latino-americanos chega a 80% Por sua vez os jornais brasileiros, não só abrem generoso espaço para autores e livros e estrangeiros, mas, consonantemente, mostram nas listas dos mais vendidos uma média de 70% de livros estrangeiros E aí surge a velha questão: se que a culpa é do ovo ou da galinha, pois em geral o espaço dado `a literatura e `a arte estrangeira é bem maior do que a concedida aos nossos nacionais

Seria interessante comparar isto com o quadro de produção de obras estrangeiras e nacionais nas editoras, gravadoras, salas de exibição e exposições Seria uma maneira de aferir melhor esse complexo, coisa que não tive condições de fazer para essa apresentação Os cadernos culturais Mas devo ressaltar que me parece culturalmente pertinente, que em Portugal, apoiavam-se basicamente o Jornal de Letras, Artes e Idéias, publicação quinzenal, ao invés de indicar em textos e não abriam, os mais vendidos, apresente “Os livros da próxima quinzena”, apontando como hoje, tanto espaço os melhores livros que serão lançados para que assim o leitor se informe e para fotos e ilustrações< faça suas opções(Aqui se poderia abrir um parêntesis para dizer que os suplementos culturais brasileiros deveriam ter um espaço habitual e sistemático dedicado `a Portugal e `a cultura de língua portuguesa na Africa Quando criei e dirigi a revista Poesia Sempre, na Biblioteca Nacional, havia duas seções apresentando sempre autores lusos e africanos e autores de literatura latino-americana Era isto parte de uma política cultural, que foi desfeita quando de lá saí Os jornais portugueses, no entanto, atentos a uma visão mais cosmopolita e devido aos laços antigos abrem espaços para a literatura em língua portuguesa feita na Africa)

A Folha de S< Paulo possui mensalmente um outro suplemento “Resenhas”, patrocinado por algumas editoras universitárias- USP, UFMG, UNESP, procurando com isto diferenciar um produto mais universitário do produto jornalístico É uma iniciativa singular

Dois jornais, um mais antigo Gazeta Mercantil e outro recém lançado Valor, ambos voltados originalmente para a economia e comércio abrem espaço para a cultura É um fato singular, que assinala que a cultura já não é tratada apenas como adorno, conforme a velha acepção de Afrânio Peixoto, de que ela é o “sorriso da sociedade”, mas que inscreve-se na área da produtividade, dos bens de consumo Assim como algumas indústrias estão 43 investindo em produtos de beleza para homens, e algumas revistas dirigem- se especialmente aos executivos para lhes vender o lado erótico e prazeroso da vida(VIP, Playboy, etc), sugerindo-lhes e vendendo-lhes também marcas de roupas, perfumes, charutos, restaurantes, carros e aparelhos eletrônicos, algumas publicações descobrem também que cultura é um produto que seduz e produz dinheiro Daí esses suplementos na Gazeta e no Valor, que deveriam contribuir para retirar a parte cultural do seu exílio

Devo ressaltar ainda, alguns casos fora do eixo Rio-São Paulo O Estado de Minas publica aos sábados um consistente caderno chamado “Pensar”, com ensaios que valorizam os escritores e ensaístas locais Em Salvador, A Tarde - há muito publica aos sábados, em formato de tablóide, o Cultural, dirigido pelo poeta Florisvaldo Mattos, seguindo os padrões clássicos dos suplementos dos anos 50 e 60 e valorizando escritores locais

Em Fortaleza O Popular, em Goiás O Povo em Curitiba a Gazeta do Povo realizam igual esforço de manter aberto esse espaço cultural Na Paraíba o suplemento em tablóide do jornal União - intitulado Letras e Artes talvez Há um número muito seja dos mais antigos do país e é um espaço sobretudo para os autores escasso de revistas locais, tendo abrigado colaborações de importantes nomes do resto do país literárias e culturais no Brasil< Mereceria uma análise mais pormenorizada hoje a presença de sofisticadas revistas paulistas como Bravo e República financiadas pela Lei Rouanet, sobretudo a primeira, dedicada ao panorama do que está acontecendo em todas artes e com caráter reportagens ensaísticas Lembra, inclusive pelas diferenças, a histórica Senhor que cristalizou um tipo de estilo leve e culto de abordar a cultura

Merece destaque, nesta linha, a revista Inteligência, igualmente sofisticada e dirigida pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, que a partir de um suporte empresarial dirige-se a um seleto grupo de leitores nas mais diversas áreas da cultura Além dessas Aplauso e Blau no Rio Grande do Sul, privilegiam autores e temas gaúchos E já havia eu praticamente terminado este texto, quando ontem chegou-me `as mãos o primeiro número de Vox - também gaúcha, editada pelo Instituto Estadual do Livro, que curiosamente tem um ensaio intitulado:” “Ascensão e queda dos suplementos culturais” com observações convergentes com as que estamos fazendo aqui E no terreno das revistas assinale-se ainda Veredas do CCBB a partir da pauta de programações desse centro cultural fornece outras matérias sobre cultura em geral Em São Paulo ressalte-se ainda Cult,`as vezes, no cruzamento entre cultura e política 44 De qualquer modo há um número muito escasso de revistas literárias e culturais Basta entrar numa livraria ou quiosque na Espanha ou Estados Unidos e ver a quantidade de publicações culturais Comparado com o que produz naqueles países ou com a Itália e França, o Brasil fica em constrangedora desvantagem

Recentemente foram feitas diversas pesquisas tanto pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio, quanto pelo próprio Ministério da Cultura tentando demonstrar que a chamada indústria cultural tem um PIB, ou seja, movimenta mais do que se pensa, e que na verdade, incluindo a mídia imprensa e eletrônica, o cinema e o próprio turismo, está na frente de vários outros setores que classicamente são considerados como os que mais movimentam a economia

Segundo Luiz Carlos Prestes Filho, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio, em 1999 a indústria naval nesse estado movimentou 100 milhões de dólares empregando 1200 pessoas, e a indústria gráfica utilizou 30 mil trabalhadores investindo 650 milhões de dólares, enquanto só a indústria audiovisual movimentou três bilhões de dólares Por outro lado, a direção da Câmara Brasileira do Livro tem revelado que as editoras movimentam cerca de 2 a 3 bilhões de dólares anualmente, tanto quanto a indústria de cervejas Não deixa de ser estranho, no entanto, diante desses dados, que não se veja tanta propaganda de livros quanto de cerveja

Ultimamente tem-se desenvolvido estudos sobre a chamada “economia do conhecimento”, ramo de uma Nova Economia que descobre como medir Nas listas dos mais forças de produção É assim que a Organização para a Cooperação e o vendidos uma média de Desenvolvimento Econômico (OCDE), conforme a revista The Economist 70% de livros são chegou à conclusão de que, em 1996, o percentual das vendas gerado estrangeiros< pela economia do conhecimento esteve na maioria dos países desenvolvidos, em torno de 50% Se na Suécia isto atinge 50,7%, na França 50%, Inglaterra 51,5%, Japão 53%, Itália 41,4%, na Alemanha, isto corresponde a 58,6%

Diante deste alto índice de produção proveniente da cultura na Alemanha, lembro-me que por ocasião da realização da Feira do Livro de Frankfurt, quando o Brasil foi escolhido como país tema, um dos seis ministros da cultura, com os quais privei, mandou uma mensagem de que gostaria de, indo ‘a Alemanha, ter um encontro com o ministro da cultura da Alemanha Seria um encontro produtivo para algum tipo de acordo Só que o nosso ministro foi informado, para seu desapontamento, que a Alemanha não tem 45 ministro da cultura E, no entanto, repita-se a Alemanha tem 58,6% de suas vendas como resultado na aplicação na economia do conhecimento

Aliás, os Estados Unidos também não têm ministro da cultura E, no entanto, a cultura americana tem essa presença avassaladora em todo o mundo, porque pragmáticos, eles a atrelaram a uma noção comercial do produto

Diria, então, que a influência norte-americana tornou-se mais agressiva na cultura brasileira a partir da Segunda Guerra Mundial O jornalismo mesmo foi buscar nos Estados Unidos seus modelos de inspiração, abrindo mão do modelo europeu, sobretudo francês, que nos orientava Isto trouxe benefícios e problemas, que tornaram-se mais evidentes quanto mais o mundo foi se tornando globalizado, entendendo-se por globalização não aquilo que alguns ingênuos pensam, ou seja, uma troca democrática e equânime de bens de consumo, mas globalização como uma coisa ambígua: ao mesmo tempo que diversifica a aplicação do capital e facilita a circulação dos produtos, propicia aumento de riqueza para os ricos e concentração de pobreza para os pobres

Exemplo da economia capitalista da seleção das espécies está pontualmente nas listas de best sellers O nome é bem apropriado: “ os mais vendidos”, não necessariamente, os mais lidos, nem os melhores São os mais consumidos, não os que mais interessariam `a cultura, ao indivíduos e `a sociedade Seria aliás, uma pesquisa realmente pedagógica verificar de quanto foi a primeira edição de alguns livros que modificaram a história da humanidade e da culturaTome-se como exemplo, “Livro sobre os sonhos” de Freud, editado em 1902 e que teve uma influência decisiva sobre o século XX Pois bem A primeira edição foi de 700 exemplares e levou sete anos para se esgotar No caso brasileiro é didático lembrar que O jornalismo foi buscar nos “Macunaíma”(1928) de Mário de Andrade teve uma edição de 800 e “Alguma Estados Unidos seus poesia”(1930) de Drummond, 500 exemplares modelos de inspiração, abrindo mão do modelo O que estou, portanto, já dizendo é que a imprensa tem um problema delicado europeu, sobretudo francês, em suas mãos Enquanto indústria e comércio tem que corresponder ao que nos orientava< mercado, mas enquanto produto também cultural tem que satisfazer outras exigências que não apenas as comerciais Diria, então, que toda a questão desta fala se centra nessa pergunta:- Têm nossos veículos conseguido uma atuação satisfatória, digna, conseqüente na produção e divulgação de bens culturais?

Se tomarmos os jornais e revistas nos últimos 30 anos - veremos que 46 abriram espaços para cadernos com programações culturais Criaram, por exemplo, cadernos de turismo e de informática e têm tablóides ou amplas seções destinadas aos divertimentos, moda e gastronomia Estas coisas, evidentemente, estão correlacionadas Quem vai ao cinema ou teatro acaba comendo e bebendo alguma coisa, comprando algum livro, caso haja uma livraria por perto Neste sentido, os jornais aperfeiçoaram o que chamam de “serviço” atendendo o público, ao mesmo tempo em que ampliam seus O nome é bem apropriado: lucros Industria, comércio e cultura, portanto, conjugados “ os mais vendidos”, não necessariamente, os mais Veículos de comunicação foram ainda mais longe Começaram a emprestar lidos, nem os melhores< o chamado “apoio” a uma série de eventos, exposições e conferências ao mesmo tempo em que co-editam dicionários e lançam livros e CDs junto com suas edições Houve, portanto, um alargamento nas ações, nas interferências, na prestação de serviços, tendo isto chegado a um exagero, que acabou sendo denunciado pelos mais críticos, ao indagarem se o jornal estava vendendo por seu conteúdo ou pelos seus penduricalhos culturais

Se em países mais uniformes e culturalmente mais desenvolvidos como a Itália e a Espanha isto ocorre, no Brasil, onde há quase 4 mil municípios sem biblioteca e onde, a exemplo do Rio Janeiro, dos 9780 colégios do Rio de Janeiro, 4880 não dispõem de bibliotecas e apenas 320 têm acesso ‘a informática”, toda cultura que chegar pelas bancas dos jornais e pela televisão é bem-vinda Com efeito, se na França, segundo estatística de 1999, 91% dos franceses têm livros em casa, no Brasil, embora se diga que produzimos mais de 400 milhões de exemplares de livros por ano e que cada brasileiro leria 2 livros anualmente, sabemos que grande parte desses livros são didáticos(só o MEC em 1999 comprou e distribuiu 109 milhões de livros para 33 milhões de alunos no ensino fundamental

Há na parte cultural de nossas publicações um mecanismo perverso, semelhante ‘aquele efeito “tostines” Os produtos mais comentados são comentados porque são os mais procurados ou são procurados e comentados porque são os mais divulgados? A isto se somam duas outras questões: sendo uma cultura de periferia, parte de nosso espaço econômico (e de nosso imaginário) é ocupado por produtos estrangeiros Assim um filme de Hollywood ou um best seller internacional, quando chega aqui, chega já com um espaço “acrítico” garantido Digo “acrítico”, lembrando o que agora está ocorrendo com o esperto produto chamado Harry Potter, que ainda não mereceu uma análise crítica realmente ‘a altura, senão a complacência e acenos de subserviência Assim, na sociedade cada vez mais globalizada o espaço disponível na produção artística é cada vez mais 47 controlado, porque espaço é dinheiro Até então, o slogan era “time is money” Isto foi quando o tempo era uma categoria predominante em nossa vida, incrementada no século XIX, quando se pensava na temporalidade da história Hoje quando, com a globalização, a história se espacializou, “Space is money”

Daí a emergência de um personagem que não existia nos românticos tempos de outrora: o “promoter”, o “agente” e o “divulgador” A feroz luta pelo espaço é tal que os artistas que não têm o seu “promoter”, seu agente e seu divulgador estão condenados ao sufoco, a serem expremidos e expelidos do sistema, até que mortos, caso tenham realmente talento, o remorso público os reabilite

Posso lhes dar muitos exemplos Inclusive um pessoal Quando estudante de letras publiquei meu primeiro livrinho de ensaios”O desemprego do poeta” Chegaram a indagar se o por uma imprensa universitária em Minas, recebi comentários dos principais jornal estava vendendo por críticos do país no Rio e São Paulo(Wilson Martins, Sérgio Milliet, Nelson seu conteúdo ou pelos seus Werneck Sodré) Em contraposição publiquei recentemente, depois de quase penduricalhos culturais< 40 anos de estrada, um outro livro chamado “A sedução da palavra” e sobre ele não saiu sequer uma resenha crítica, exceção costumeira de Wilson Martins Surgiram, sim, reportagem, quando fui à várias cidades fazer conferências sobre esse tema Lembra-me também o grande ficcionista JJ Veiga, quando através da Biblioteca Nacional que eu dirigia, o premiamos por conjunto de obra No discurso de agradecimento, ironicamente disse que aquele prêmio fazia-o reviver, pois lendo os suplementos literários do país estava certo que há muito estava morto e não sabia

Isto que estou dizendo cruza com uma outra questão relevante Não há mais crítica literária no país, com exceção de Wilson Martins, que há quase 50 anos dedica-se a isto semanalmente Há articulistas, há resenhadores, mas falta a referência crítica sistêmica dentro dos suplementos, como ocorria até os anos 70 É necessário a manutenção de críticos especializados não apenas porque isto retira a atividade do amadorismo, do compadrismo, do ocasionalismo, mas porque o crítico é mais que uma pessoa, é uma instância, uma memória viva e atuante em sua área Ele pode estabelecer melhor que os comentadores eventuais, nexos entre obras anteriores dos artistas, porque tem obrigação de informar-se sobre a trajetória e a formação de cada autor dentro de uma visão de conjunto da própria cultura nacional Além do mais, o, critico constrói também uma obra que é um sistema de idéias E a leitura da cultura tem tanto na obra dos artistas quanto na obra dos críticos dois pilares referenciadores para mútuo entendimento 48 Hoje os críticos foram substituídos por repórteres e entrevistadores É como se houvesse mais interesse no indivíduo que na obra, mais interesse na biografia que no texto, mais interesse na visualidade da paginação que na textualidade “Se você pensa que Enfim, gostaria de terminar, falando uma banalidade, que por ser banal é educação é cara, também um suspiro de esperança, estimando, torcendo para que a imprensa experimente a ignorância<” falada, televisada e escrita aumente seu espaço para cultura, quando não fosse por gosto e sensibilidade até mesmo por razões econômicas e sociais, pois como diz cruelmente uma frase americana: If you think that education is expensive, try ignorance<

No O Globo de 451999, vi essa manchete:”Operário brasileiro está entre os menos escolarizados do mundo Na indústria, em média, anos de estudo não chegam a dois, segundo dados apresentados pelo Sesi em congresso da Unesco” E no mesmo jornal (9102000) pesquisa da Cepal revela que “para todas as profissões pesquisadas pela Cepal, os trabalhadores brasileiros estão entre os que têm menos estudo”, acrescentando (pateticamente) que “os diretores e gerentes do Brasil são os que menos anos têm de estudo”

49 50 2 O discurso interessado

51 52 A OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA E O VIÉS NEGATIVO Renato Naegele

Nenhuma grande empresa escapa, hoje, da necessidade de monitorar os movimentos da opinião pública É preciso estar no dia-a-dia das pessoas Renato Luiz Belineti Naegele, e, através da comunicação compartilhar ações que sejam do interesse 39 anos, é diretor de Marketing e geral E isso exige ações coordenadas de assessoria de imprensa, propa- Comunicação do Banco do Brasil Antes de assumir a diretoria, ganda ou promoções – os pilares tradicionais do que se chama comuni- exerceu o cargo de Consultor cação empresarial dirigida ao público externo Técnico da Presidência do BB, responsável pelas áreas de O desafio de promover comunicação eficaz com os públicos estratégicos Estratégia, Marketing e Comunicação Foi Diretor de é tarefa das mais complexas em um mundo de informações dispersas, Acompanhamento e Avaliação velozes e produzidas por um avançado sistema midiático A mídia inter- do Ministério do Planejamento liga interesses, particulariza o universal e universaliza o particular Graduado em Engenharia A interatividade da internet pede a habilidade, otimizada pela Agronômica, pela UnB, concluiu o curso The Modern Economy, tecnologia disponível, de um contato mais próximo com o usuário Ao na George Washington University mesmo tempo, a internet e as agências de notícias em tempo real dispa- (EUA) ram, minuto a minuto, informações que podem afetar o relacionamento com investidores O alcance massificado da grande rede de TV ou de Esta palestra foi proferida em 25/10/2000 rádio, por sua vez, pode também afetar o comportamento de consumido- res O editorial de um jornal de prestígio ou o destaque em uma revista semanal de informações impactam segmentos estratégicos para as em- presas

Por outro lado, as ações que ganham visibilidade pública despertam o olhar externo sobre as corporações O lançamento de um novo produto, pode sinalizar para a mídia — e para o público, também formado por clientes potenciais — que a Empresa vislumbra um ou outro cenário econômico Isso pode ser interpretado de maneiras diferentes, afastan- do ou aproximando os públicos de interesse da organização

Por meio da mídia o Banco é, simultaneamente, fonte, anunciante e prestador de serviços de interesse geral Como receptores dessas men- 53 sagens os clientes são consumidores, cidadãos e espectadores, expos- tos à cacofonia informativa

Não é possível imaginar que uma única mídia - ou uma única mensagem - consigam ser eficazes na comunicação com interesses tão difusos Fácil é verificar que o discurso etéreo, impregnado de mensagens exclu- sivamente institucionais, ou propagandísticas, é insuficiente em uma so- ciedade que se democratizou e exige franqueza, ética e transparência

A sociedade se Tampouco esse discurso conquista aderência em uma realidade democratizou e exige mercadológica que pede sintonia fina com necessidades, expectativas e franqueza, ética e demandas muito particulares A estratégia comunicativa de uma empre- transparência< sa, portanto, deve ser multiforme: por um lado, voltada para o espectro mais amplo do público Por outro, tecida com minúcias, detalhes que precisam captar a atenção específica de cada segmento de público, sempre disputada por tantos apelos

Aí está o fascínio e, ao mesmo tempo, a dificuldade da comunicação empresarial: manusear a textura da linha fina que separa o genérico do particular e descobrir o caminho das mensagens personalizadas, em vez da comunicação sem rosto A tarefa se torna ainda mais desafiadora, quando se tem em conta a ambigüidade e a lógica contingencial do prin- cipal interlocutor e intermediário das organizações com a sociedade, ou seja, a mídia

Permitam-me, aqui, falar de casos concretos do comportamento da mídia, alguns com participação pessoal, mas que podem servir para um debate mais amplo sobre a visibilidade legítima das empresas como personagem do noticiário

Particularmente, tenho percebido incoerências graves no tratamento que as marcas das empresas recebem da imprensa No caso de um assalto a uma agência do Banco do Brasil, por exemplo, não há qualquer preocu- pação da mídia em expor a marca do BB Pelo contrário, as reportagens, em geral extensas, colhem imagens das fachadas das agências, mos- tram o interior do local com todos os seus totens e ícones institucionais

Por outro lado, quando a empresa gera fatos positivos, como o apoio ao agronegócio, à exportação, às ações de cidadania, ao esporte e à cultu- ra, é grande a resistência da mídia em identificar os agentes daquelas empreitadas - inclusive as que carregam forte responsabilidade social - 54 como o “quem” do lead, o personagem que encarna a ação que vira notícia

No lançamento do projeto TênisBrasil, em janeiro de 2000, por exemplo, Gustavo Kuerten concedeu uma entrevista no auditório do Centro Cultu- ral Banco do Brasil, no Rio de Janeiro Um dos veículos anunciou a cole- tiva com a seguinte chamada: “Guga dá entrevista no centro do Rio” Preferiram não ser precisos, a dar o crédito do local exato Com base nos mesmos parâmetros, poderíamos supor o seguinte relato jornalístico de um acidente de trânsito: ônibus colide com táxi em uma esquina, no centro do Rio Nenhuma menção a nomes de ruas Nenhum serviço pres- tado ao motorista que se dirige ao trabalho Na prática, portanto, o trata- mento das notícias negativas parece ser mais objetivo, motivado, quem sabe, por interesses estranhos de quem edita ou de quem lê

Isso acontece também, e com freqüência, nos demais torneios de tênis, em que as imagens são editadas com cortes que mutilam o atleta: cor- tam-lhe o braço, por exemplo, exatamente onde está a marca do patro- cinador, na camisa Vira e mexe um atleta perde partes do corpo, ora o Em meio a tantos apelos e ombro, ora a cabeça informações, o desafio da comunicação empresarial é Uma vez fui convidado para dar entrevista em uma das 16 etapas do captar a atenção específica Circuito Banco do Brasil de Vôlei de Praia Mas o repórter encarregado de cada segmento de tinha três recomendações expressas: não gravar dentro da arena, escon- público< der marcas e modificar o nome do Circuito, de forma a não divulgar o nome do Banco A etapa era na Esplanada dos Ministérios, em Brasília O Banco montou uma grande estrutura no local: áreas para shows, stands, áreas de fitness, quadras de aquecimento Mas o cinegrafista conseguiu enquadrar somente os fundos de uma arquibancada vazia e metade de um caminhão ali estacionado

O Circuito Banco do Brasil de Vôlei de Praia, na emissora de TV, se transformou em Campeonato Brasileiro de Vôlei de Praia, simplesmente um torneio que não existe Mesmo nos créditos da minha função, o repórter extirpou a menção ao BB e se referiu a minha pessoa como “organizador da Praça VôleiBrasil” Ou seja, são casos onde houve desinformação

Isso é ruim para a empresa do ponto de vista da comunicação com o grande público e com os clientes, em particular Essa é a linha fina a que me referi Para dar conta dessas lacunas, muitas vezes engendradas 55 pelo preconceito da mídia, a empresa tem de se valer de veículos própri- os, um largo espectro deles, para dirigir suas mensagens de maneira eficiente Mostrar à clientela que seus recursos também estão sendo bem geridos, aplicados em prol da sociedade e que não estão somente girando no mercado financeiro Essas mensagens, a exemplo do marketing social, esportivo e cultural, também seriam do interesse público mais amplo Incentivar esporte, cultura e ações de cidadania, ainda mais com investimentos relevantes, como faz o BB, é bom ou não é, para a socie- dade?

Claro, o escopo primordial da mídia, especialmente no jornalismo, é o A mídia é resistente ao conflito, a polêmica O jornalismo tem um caráter asseverador e uma identificar os autores de necessidade de ser crível que não podem prescindir desse exercício coti- ações com forte diano de atribuir valor aos acontecimentos, de balizar conflitos E um responsabilidade social< fato positivo já sai perdendo, na definição da pauta, porque denota con- senso, unanimidade

Além disso, sabemos, as fontes empresariais, institucionais, são inúme- ras, e cada dia mais eficazes em gerar fatos — inclusive, factóides Há que se empreender um esforço, por parte da imprensa, de triagem e de independência frente a interesses poderosos, que investem pesado na sua capacidade de intervir nos processos de produção da notícia

Mas, penso, por outro lado, que buscar visibilidade é um esforço legíti- mo, por parte das empresas e de suas marcas As parcerias financeiras e apoios empresariais ajudam a materializar fatos de interesse público e de entretenimento Agitam o circuito diário de emoções que o público bus- ca através da mídia Nutrem a pauta e contribuem para aumentar o con- sumo da informação Fazem parte, portanto, da cadeia produtiva e co- mercial da notícia O leitor, ou espectador não ignora o funcionamento desse ciclo Não se trata, portanto, de ludibriá-los Quando os veículos de comunicação, no Brasil, se empenham em suprimir nomes e créditos de patrocinadores — a não ser, como vimos, no caso de ocorrências negativas — estão atirando no próprio pé, quebrando um elo da cadeia produtiva tão necessária para as etapas desse processo

A experiência internacional, se considerarmos alguns países europeus, revela que mesmo pautas originadas a partir de iniciativas de patrocínio, são possíveis de tratamento editorial equilibrado Penso que há um cami- nho a percorrer para encontrarmos um modelo adequado para essas co- berturas jornalísticas Um modelo no qual a mídia possa se pautar dentro 56 de sua autonomia e dar crédito às iniciativas culturais, esportivas e co- munitárias das empresas É possível noticiar eventos ou registrar ima- gens respeitando-se a informação correta e completa, sem exageros ou contornos mercadológicos ou propagandísticos

Democracia avançada e mídia amadurecida corrrespondem a um cenário no qual a regra é deixar bem claro quais são os interesses em jogo Afinal, como já mencionei, a produção da notícia é também um processo comercial Ás economias desenvolvidas corrrespondem, certamente, maior respeito às regras do marketing legítimo, às ações de visibilidade das empresas Quando risca o nome de patrocinadores dos aconteci- mentos, a mídia está despersonalizando ações Diluindo, no caldeirão da notícia, os interesses em conflito, a batalha pela visibilidade que vai além do espetáculo esportivo Será que isso é bom para a democracia e para a economia? Será que despersonalizar conflitos, mesmo que sejam os conflitos indiretos, ancorados em marcas e imagens institucionais, contribui para o amadurecimento crítico da sociedade?

A mídia tem sido extremamente eficiente quando cobra seriedade dos empresários, ética na política e na gestão das empresas públicas Mas peca, por outro lado, ao não reconhecer os resultados positivos de em- preitadas audaciosas de responsabilidade social e sucessos de marketing cultural e esportivo É um exemplo do que acontece com a cobertura O jornalismo tem gosto pelo jornalística do Banco do Brasil e de muitas outras empresas por aí conflito e pela polêmica< O fato positivo já sai Essa é a mensagem que gostaria de deixar para a reflexão de todos nós, perdendo, na definição da em mais este Seminário de Comunicação, onde o Banco do Brasil abre pauta, porque denota espaço para as idéias e para o debate franco sobre questões da comuni- consenso, unanimidade< cação corporativa

57 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM EMPRESARIAL – QUEM FALA, QUEM OUVE? Tereza Halliday

Para o leitor atento, o título desta palestra contém pelo menos três Tereza Halliday é jornalista formada informações: a imagem é uma coisa que se constrói Na construção da pela Universidade Católica de imagem estão envolvidos: alguém que fala ou escreve, alguém que ouve Pernambuco, em 1965 Tem Mestrado em Jornalismo Agrícola Se existe fala e escuta na construção da imagem, esta construção depende pela University of Wisconsin, de um processo de comunicação Madison (1972) e PhD em Comunicação Pública pela University O título desta palestra também esconde informações: Quem são os of Maryland-EUA (1985) construtores? Quem fala? Quem ouve? Para que serve a imagem empresarial? Atualmente é Docente-pesquisadora de comunicação (UFRPe e Vamos fazer uma excursão pelo tema, com três paradas Em cada parada Universidade Católica de Pe), haverá um mirante de onde examinaremos o canteiro de obras da imagem assessora de comunicação intercultural (Consulado dos empresarial sob diferentes ângulos Primeiro, vamos olhar a imagem como EUA-USIS) e Jornalista (Diário de um produto da imaginação; segundo, pararemos para vê-la enquanto Pernambuco) Tem vários livros construção auxiliada pelo discurso; finalmente, observaremos a relação entre publicados imagem e legitimidade

Esta palestra foi proferida em 19/11/1999 Ao escolher a metáfora da construção para pensar a imagem empresarial, certas implicações aparecem: se uma imagem se constrói, ela é como um edifício, uma casa Uma vez construída, está sujeita a reformas, melhorias, desgaste, demolição Pode até mesmo tornar-se uma ruína E precisa de constante manutenção

As metáforas que usamos limitam o nosso pensamento ao território semântico das analogias escolhidas E dão certo tom e certa cor à realidade Por exemplo: os gestores de empresas são apegados à metáfora bélica: falam em público-alvo, público estratégico, conquistar os públicos, estratégia de comunicação Assim, concebemos a comunicação empresarial como uma guerra - ou pelo menos uma batalha, onde o vencedor deve ser a empresa Mesmo que amenizemos as implicações desta visão e expliquemos que “conquistar os públicos” é uma metáfora da linguagem amorosa, a 58 linguagem amorosa é também eivada de metáforas bélicas: na chamada conquista amorosa, o conquistado rende-se (outro vocábulo bélico) aos A imagem de uma encantos do conquistador No fundo mesmo, toda empresa quer e precisa organização não pertence a que seus públicos se rendam aos seus encantos Daí, a preocupação com ela, mas é produto da a imagem - com a aparência Mas, como na conquista amorosa, não basta imaginação de quem pensa parecer encantador, é preciso ser encantador Não basta criar boa impressão sobre ela< O grande desafio na construção da imagem empresarial é que a aparência precisa ser um espelho da essência e vice-versa Não basta a empresa ser boa, é preciso parecer boa Não basta parecer aceitável, é preciso aceitável Assim, chegamos à primeira parada de nossa excursão

Etimologicamente, “imaginar”, significa criar imagens, ou seja, reproduções da realidade, de forma gráfica, plástica, fotográfica ou mental Imaginação é a faculdade de construir uma visão de um objeto, pessoa ou situação - conhecidos ou não conhecidos Auxiliada por filtros sensoriais e experiências anteriores, a imaginação é especialista na construção de imagens

Vejamos um exemplo bem perto de nós: quando fui convidada a dar esta palestra, perguntei quem seria o meu público A resposta de foi: “em sua maioria, funcionários do Banco do Brasil e de empresas estatais” Com este fragmento de informação, uma imagem se formou na tela da mente Do outro lado, quando vocês se informaram sobre a palestrante deste horário, talvez alguns me imaginaram loura, devido ao sobrenome inglês

O que é que nós temos aqui? Construção de imagens No caso do grupo “funcionários do Banco do Brasil e estatais”, a imagem de vocês não lhes pertence, ela está dentro da minha cabeça No meu caso, a representação mental que fizeram de mim, antes de nos conhecermos (e a que farão depois), não é a minha imagem, é a imagem possuída por vocês a meu respeito Esta diferença é importantíssima para o entendimento da imagem empresarial

Vamos voltar ao Banco do Brasil Fui criança numa cidade do interior pernambucano As pessoas gradas naquela sociedade provinciana eram o bispo, o juiz de direito e o gerente do Banco do Brasil Havia uma diferença marcante de status o Banco do Brasil e de outros bancos Estes eram apelidados de “tamboretes” pelos funcionários do BB, que se achavam melhores do que os outros Pudera! Salário decentíssimo, aposentadoria gordinha e segura, respeitabilidade no presente e despreocupação no futuro Uma boa imagem Uma ótima realidade 59 Na minha adolescência, freqüentei a AABB, graças à minha maior amiga na época, filha de bancário Dancei quadrilha, freqüentei muitos encontros dançantes Nessa época, a cotação do funcionário do Banco do Brasil no mercado de casamentos era tão alta quanto a dos estudantes de medicina e engenharia Trinta anos depois, o “Ibope” de todos eles caiu O que se vê agora é estudante de medicina e bancário do BB procurando namorar moças que sejam capazes de trazer um segundo salário pra casa

Por estes exemplos se vê que a imagem de uma pessoa ou organização não é dela, é um produto da imaginação de quem pensa sobre ela Mas atenção! Produto da imaginação não significa necessariamente algo falso, sem Imaginação é aquela corresponder à realidade Um produto da imaginação é um composto de faculdade mental capaz de fatos e interpretações Ainda quando distorce a realidade, é em si mesmo construir uma realidade em uma realidade O produto da imaginação é real em suas conseqüências cima do que é real ou imaginado< IMAGINAÇÃO é aquela faculdade mental capaz de construir uma realidade em cima do que é real ou imaginado Assim, a imagem da empresa é uma produto da imaginação Na construção da imagem entram vários materiais, que podem ser resumidos nesta fórmula:

Imagem = (fatos + versões de fatos) x (experiências + percepções + valores) / interesses do construtor

Quem é o construtor desta imagem? O indivíduo, como pessoa, como parte de um grupo, como parte de um público específico da organização Examinemos os componentes desse produto da imaginação A imagem completa é uma conjunção de imagens indissociáveis e entremeadas Para fins didáticos apenas, podemos decompô-las nas seguintes dimensões:

A Imagem espacial - onde a empresa se situa (instalações físicas, sucursais, como ocupa o espaço - físico, econômico, político, social) A presença de uma agência do BB ou um escritório da EMBRAPA em localidades remotas do Brasil Atributos de ordem, segurança, limpeza, pujança, desperdício são ligados à imagem espacial

A Imagem temporal - refere-se à história da empresa, sua inserção no andamento da história que a circunda Está ligada às questões: O que a empresa já fez, faz e é capaz de fazer? Tenho um amigo que boicota produtos de uma marca alemã porque esta empresa alemã foi a que vendeu o gás utilizado nos campos de concentração nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial Às vezes, o comportamento de uma empresa não tem perdão 60 A imagem relacional - resulta da questão: onde é que a empresa entra no meu universo e no macro-sistema social? Como vejo a empresa em relação à minha vida e à vida da cidade, estado, país?

A Imagem personificada - advém dos papéis desempenhados por membros da organização com os quais interagimos Os caixas de um supermercado que eu freqüento não esquentam a cabeça, engolem sapos de clientes abusivos, têm muita paciência no meio daquele inferno de consumidores tresloucados, com carrinhos carregados A minha imagem desse supermercado é, notadamente, uma imagem personificada por esses funcionários

A Imagem valorativa - reúne todos os componentes racionais e emocionais das imagens 1 a 4, os quais determinam a maneira pela qual eu julgo a empresa Que imagem final eu construo sobre QUEM é aquela empresa? Esta é a imagem valorativa

A IMAGEM, sem adjetivos e com todos os adjetivos É o resultado das Apesar de ter várias cinco imagens acima É maior do que a soma de suas partes facetas, a imagem tem uma única face< Ela é indivisível No fornecimento de material para a construção da imagem empresarial, é preciso levar em conta este inventário completo Apesar de ter várias facetas - as cinco dimensões listadas acima - a imagem tem uma única face Ela é indivisível

O economista norte-americano Kenneth Boulding dedicou-se a analisar a construção do conhecimento pelos processos de imaginação e de legitimação Constatou que “a imagem é sempre propriedade dos indivíduos, nunca das organizações” E comentou que a imagem é feita daquilo que é e daquilo que é capaz de ser (Kenneth Boulding - The Image - Knowledge in Life and Society) Com este pensamento, desembarcamos na segunda parada de nossa excursão:

Felizmente, as imagens são passíveis tanto de solidificação como de modificação As ações da empresa são os elementos contributórios para solidificar ou modificar a imagem que os outros possuem a seu respeito Podemos classificar estas ações em três modalidades:

Ação Imanente - é o conjunto de todos os atos necessários à produção do produto ou serviço do qual a empresa vive A sua contribuição para o mercado de bens e serviços, o preenchimento de necessidades 61 de consumo, segurança, bem-estar, através daquilo que a empresa produz ou oferece

Por falar nisto, existe um mau hábito no discurso empresarial moderno, uma redução vocabular deletéria: chamar serviços de produtos Banco é useiro e vezeiro disto As organizações cujo produto não é palpavelmente material, desperdiçam um valioso material de construção da imagem, ao dar-lhe o nome de produto Deixam de aproveitar a carga semântica da palavra “serviços” - bons serviços Produto é refrigerador, sapato, cimento Dinheiro, embora o mais palpável dos bens, quando matéria prima da produção de um banco, é SERVIÇO Empréstimo não é venda de dinheiro, é um serviço prestado mediante pagamento de uma taxa (os juros) Assim também o são todas as outras formas de atendimento bancário

Ação Transcendente - Todos os atos que vão além da atividade de subsistência da empresa, evidenciando seu envolvimento com algo maior do que ela própria Por exemplo, o compromisso com uma causa meritória, os atos de responsabilidade social, como a adesão a estritas medidas de limpeza ambiental; o apoio às artes, à educação, a grupos minoritários e em desvantagem, como crianças carentes, deficientes e idosos

Ação Discursiva (o discurso empresarial) - modalidade de ação que permeia as demais A ação discursiva envolve todas as mensagens e práticas comunicativas da empresa, em todas as circunstâncias e para todos os fins, inclusive para viabilizar a ação imanente e a ação transcendente O discurso é uma forma de Textos de convênios, memorandos e lista de princípios filosóficos ou de ação, na vida privada, na metas, pertencem à categoria da ação discursiva do mesmo modo que um vida empresarial e na vida anúncio institucional, tabela de preços ou entrevista com o presidente da pública< empresa

A ação discursiva tanto alimenta quanto se nutre das ações imanentes e transcendentes Um exemplo feliz é esta declaração da Pfizer em anúncio institucional: “Para muitos, trabalhamos com medicamentos Para nós, nosso trabalho é a vida” Lembro também de um slogan antigo: “Química a serviço da vida”, uma transcendentalização da ação imanente da empresa

O discurso é uma forma de ação, na vida privada, na vida empresarial, na vida pública Hannah Arendt é taxativa: “o ato de encontrar as palavras adequadas no momento certo, independentemente da informação ou comunicação que transmitem, constitui uma ação (A Condição Humana, 62 1983, p35) Toda pessoa física ou jurídica é responsável pelos seus atos de discurso e deve ser responsabilizada quando causam dano

Uma das razões pelas quais a reputação de muitos políticos é mais suja do que poleiro de galinha, é que seus atos de discurso não têm congruência com as outras ações de sua carreira Esta noção de discurso como forma de ação não é invenção idealista minha É parte do quadro de referência de filósofos, lingüistas, analistas da comunicação: Hannah Arendt, TA Van Dijk, Jurgen Habermas, Kenneth Burke Trabalhamos com as expressões atos de fala, ação comunicativa Dizer é um fazer Meus colegas jornalistas, Muitos acham que discurso infelizmente, reforçam a noção equivocada de que discurso é uma coisa e é uma coisa e ação é outra< ação é outra quando persistem em comentar: “É apenas retórica”, como se É um equívoco< Usar usar palavras não fosse também ação palavras é também agir<

Estamos acostumados a associar ação com movimento físico Mas a nossa influência sobre o mundo se dá pela movimentação e pela argumentação Vejam que situação de impotência vivenciamos na cadeira do dentista: não podemos agir: nem com movimentos nem com a palavra E o dentista ainda comete a covardia de falar conosco sem podermos responder!

Alguns de vocês conhecem casos de pessoas pentaplégicas, em cima de uma cama, ou em cadeira de rodas Se conservaram as faculdade mentais e de linguagem intactas, agem pela palavra: pedem isto, mandam fazer aquilo, agradecem, reclamam Pensem em Stephen Hawking - o famoso físico, autor de Uma História do Tempo Com deficiência física e neurológica severíssima, sua única forma de ação é o discurso - o que ele produz com palavras, fruto de sua mente privilegiada Somente quando outras formas de ação se eclipsam é que conseguimos ver o discurso como ação Mas, na empresas, é preciso ver o discurso como ação, todos os dias Falou, está agindo! É uma enorme responsabilidade agir pelo discurso Tão pesada quanto produzir o produto ou serviço e realizar atos de transcendência

Se o discurso é tão importante assim, por que eu o coloco apenas como mero AUXILIAR na construção da imagem empresarial? Por três motivos:

Primeiro, para diminuir um pouco a arrogância dos comunicadores empresariais que precisam garantir o leite dos meninos convencendo os patrões de que a comunicação é tudo Segundo: porque o construtor da imagem empresarial é uma pessoa, não uma assessoria ou diretoria; e, na maioria das vezes, não pertence à empresa - é público externo A empresa é apenas ajudante de pedreiro! Ou, mais precisamente: a empresa é o 63 fornecedor dos materiais da construção da imagem Terceiro, o discurso é apenas um auxiliar na construção da imagem empresarial porque as palavras só têm o potencial construtivo quando secundadas por outras ações

Assim sendo, é preciso integrar ação discursiva com ação imanente e ação transcendente para ser capaz de solidificar ou modificar uma imagem Não esqueçamos de que a imagem é um veredicto sobre a empresa O público é o corpo de jurados

Ao dizer que a construção da imagem empresarial não é obra da empresa mas dos públicos, não quero deixar os gestores empresariais com uma sensação de impotência Se não têm o poder de construir a imagem da empresa, têm a capacidade de fornecer subsídios para transformá-la ou mantê-la Mais ainda: os gestores empresariais são os construtores de uma outra obra importantíssima: O EDIFÍCIO DA LEGITIMAÇÃO Esta será a terceira e última parada em nossa excursão

Aqui, o mirante está apontado para um aspecto nebuloso da paisagem, uma coisa cara e difícil de medir Só se percebe seu altíssimo valor quando ela é perdida Refiro-me à legitimidade da empresa É um recurso, tanto quanto os recursos naturais e humanos É um capital, que pode crescer ou diminuir

A legitimidade é a base de sustentação da empresa - é o que lhe permite viver bem e ter vantagens - que é o que toda pessoa física e toda pessoa jurídica deseja na vida A fim de manter a legitimidade, a empresa precisa viver em processo de legitimação Este processo é ação discursiva por excelência (Tereza Lúcia Halliday - A Retórica das Multinacionais- A Legitimação das Organizações pela palavra - Ed Summus)

O discurso é auxiliar na Legitimidade, legitimação - conceitos que todo mundo sabe o que é, mas construção da imagem ninguém define precisamente Gosto muito de pesquisar a história das empresarial porque as palavras Como toda História (com H maiúsculo), ela ilumina aspectos palavras só têm o potencial importantes dos valores da sociedade através do tempo A acepção mais construtivo quando antiga de legitimidade vem do adjetivo latino legitimus que queria dizer “de secundadas por outras acordo com a lei” Mas já na Idade média, legítimo era tudo aquilo que fosse ações< “de acordo com os costumes antigos e procedimentos costumeiros” Devemos ao sociólogo Max Weber a aplicação do conceito de legitimidade também às organizações Ele diz que “todo sistema social busca cultivar a crença na sua legitimidade” (Max Weber, Economia e Sociedade- 64 Ed UNB) Ora, o cultivo da crença em alguma coisa se faz pela comunicação

O cultivo da crença na legitimidade de uma empresa é a semeadura da sua imagem através da comunicação

Passemos então a uma definição contemporânea: legitimidade empresarial é a compatibilidade entre as ações da empresa e os valores e interesses de seus públicos” Ela é fomentada por um processo de comunicação chamado Legitimação empresarial Legitimar é explicar e justificar a realidade da empresa em termos aceitáveis pelos seus públicos Este processo não garante resultados: a definição fala de termos “aceitáveis”, não necessariamente aceitos O discurso é uma prática eminentemente democrática O interlocutor pode dizer sim ou não ao argumentador A imagem é um veredicto Aqui entra a questão de QUEM FALA e QUEM OUVE estas explicações e sobre a empresa< O público justificativas A empresa, como construtora do edifício da legitimação é é o corpo de jurados< quem fala Mas, antes de ser capazes de falar, nós nascemos com a Compete à empresa capacidade de ouvir Assim, toda descrição do processo comunicativo deveria credenciar-se junto aos obedecer a esta ordem de comportamentos requeridos: OUVIR, CONSTRUIR seus legitimadores para A MENSAGEM, FALAR (ou escrever), OUVIR, RECONSTRUIR A continuar exercendo seu MENSAGEM, OUVIR, FALAR, OUVIR Na pressa e na ânsia por agir, poder de empresa< esquecemos de que OUVIR faz parte da ação discursiva O ouvir é um elemento muito esquecido no planejamento e nas avaliações da comunicação No entanto, ouvir é uma das mais importantes ferramentas de trabalho para os construtores do edifício da legitimação Porque, em última instância, QUEM FALA é o público - fala de bem ou fala de mal, de acordo com a imagem que formou em sua mente a respeito da empresa

A empresa não pode permitir-se o luxo de deixar a construção da imagem inteiramente nas mãos de seus públicos Ela precisa fornecer bons alicerces para esta construção, construindo ela mesma as bases de sua legitimação Quais são estas bases?

Em Direito Empresarial e Sociologia das Organizações existe uma máxima: toda pessoa jurídica precisa justificar sua razão de ser em termos mais amplos do que sua própria necessidade de sobreviver e ter lucros ou resultados Por isto, a empresa precisa justificar sua razão de ser por uma argumentação convincente Eis três argumentos básicos que servem para isto Tecnicamente, um argumento é uma conclusão em cima da 65 apresentação de provas para a idéia defendida nessa conclusão A empresa deve argumentar o seguinte:

Somos capazes de ajudar você É necessário apresentar continuamente credenciais de competência para preencher uma necessidade ou desejo da sociedade ou de públicos específicos (a necessidade de um produto ou serviço, o desejo de consumo, segurança, prosperidade etc)

Somos do mesmo time É mandatório identificar-se com valores, interesses e anseios prevalecentes entre seus públicos Mas, enquanto valores são ligados a uma ética, interesses às vezes ferem a ética Uma empresa então pode vir a legitimar-se face ao público X e deslegitimar-se junto ao público Z pelos mesmos motivos que a credenciaram junto ao público X Ser do mesmo time significa ter empatia, ser parecido um com o outro nalgum tipo de “torcida”

Somos altruístas É preciso apresentar evidências de que o lucro não é a única preocupação da empresa Não se deve negar nem esconder a preocupação com lucros e vantagens Mas é necessário legitimar a sobrevivência da empresa através de ações que não beneficiem apenas ela própria Fazer coisas que não sejam vantajosas apenas para seus clientes e É preciso apresentar acionistas Trata-se de beneficiar segmentos da sociedade ou a sociedade evidências de que o lucro como um todo através de programas e comportamentos bem conhecidos não é a única preocupação de vocês: parcerias para restaurar praças públicas e monumentos, as bolsas da empresa< de estudo, concursos literários, projetos de limpeza ambiental, etc Nunca são demais

Um bom exemplo de argumentação legitimizante é esta mensagem do Banco do Brasil: Ser um banco cada vez melhor para você e comprometido com o desenvolvimento do Brasil O seu futuro é nosso maior investimento” Aí estão entrelaçados os argumentos de competência, de afinidade e de altruísmo Mas a argumentação não está completa Falta responder à pergunta: por que devo acreditar nisto?

Portanto, os alicerces da legitimação precisam de uma argamassa composta de ação imanente, ação transcendente e ação discursiva Com a ação discursiva se constrói os argumentos em prol da legitimidade da empresa Com ações imanentes e ações transcendentes se dá respaldo a estes argumentos Sem este respaldo, a imagem empresarial na mente dos legitimadores da empresa será negativamente influenciada 66 Assim chegamos à resposta para aquela pergunta levantada no início desta palestra: para que serve a imagem empresarial? Para assegurar à empresa um status de persona grata junto aos seus públicos relevantes Convém não esquecer: a legitimidade é conferida pelos construtores da imagem - A imagem empresarial isto é, pelos interlocutores da empresa - os legisladores, os fornecedores, serve para assegurar à os aprovadores de verbas, os jornalistas, os clientes, os empregados, as empresa um status de famílias dos empregados Da mesma maneira como a legitimidade de um persona grata junto aos governante é conferida pelos eleitores, num regime democrático Compete seus públicos à empresa credenciar-se junto a seus legitimadores para continuar exercendo seu poder de empresa

Boulding acha que “a glória da nossa espécie é a capacidade de organizar informações em grandes imagens complexas” - Para mim, a glória da nossa espécie é a capacidade humana de transformar as imagens (a respeito de qualquer pessoa, entidade ou situação), através da argumentação

Gostaria de concluir parafraseando um conselho bíblico: Cuidai do reino da legitimação empresarial e a boa imagem da empresa vos será dada por acréscimo

67 CULTURA BRASILEIRA E AMBIENTE EMPRESARIAL Everardo Rocha

Nesta minha intervenção, que trata da comunicação e do ambiente Professor do Departamento de empresarial na cultura brasileira, quero abordar uma questão que tenho Comunicação Social da PUC-Rio observado crescer muito, nos últimos anos, nas empresas, nos negócios e Doutor em Antropologia Social pelo na área de administração como um todo Trata-se de tentar explorar um Museu Nacional da UFRJ, mestre em Antropologia Social pelo pouco o crescimento e a forma que tem tomado neste mundo do business Museu Nacional da UFRJ e a chamada questão da cultura O que eu tenho visto é que esta questão da Mestre em Comunicação pela cultura, este tema, idéia ou mesmo esta variável cultura, como alguns gostam Escola de Comunicação da mesma de chamar, tem começado a incomodar e as pessoas, cada vez mais, se universidade Graduado em preocupam com ela e com sua presença na vida das empresas Creio que Comunicação Social pela PUC-Rio Professor Colaborador do por trás disso está o fato de que, finalmente, depois da administração ter Coppead/UFRJ Tem várias obras sido, durante anos, um campo muito marcado pelo viés tecnicista, os agentes publicadas: A sociedade do sonho: e as instituições começaram a perceber que o ser humano - consumidor ou comunicação, cultura e consumo; funcionário - está profundamente envolvido com o destino de tudo isto e é O que é etnocentrismo; Magia e capitalismo: um estudo antropológico o verdadeiro ator importante em toda esta história da publicidade; Jogo de espelhos: ensaios de cultura brasileira; Esta preocupação das empresas com o mundo simbólico, com a cultura e O que é mito% É pesquisador do com o significado social no qual estão envolvidas é muito recente Há uns CNPq e desenvolve, ainda, projetos dez anos atrás, quando comecei a pensar o consumo, sob uma perspectiva de consultoria, integrando conceitos de antropologia ao marketing, à cultural, tentando entender as dimensões simbólicas envolvidas no chamado cultura organizacional e à comportamento do consumidor, era muito difícil o empresário, um aluno de comunicação empresarial MBA ou de mestrado em Administração, entender as razões da presença de um antropólogo neste debate As pessoas ainda eram um tanto refratárias Esta palestra foi proferida em 26/10/2000 e a sensação geral era de que isto não tinha muita importância, não se aplicava na prática, era como se elas se perguntassem - o que esse louco está fazendo aqui? E, nesses últimos anos, tenho percebido uma demanda, cada vez maior, pelo conhecimento mais sistemático da cultura e do que ela é capaz de ajudar a entender, em vários aspectos na administração, e, especialmente no caso do meu trabalho e da minha reflexão acadêmica, na área de Marketing e na compreensão do fenômeno do consumo É uma coisa interessante ver que, nas escolas de negócios, existem hoje cadeiras de antropologia o que era impensável algum tempo atrás 68 Aliás, é interessante assinalar que, neste nosso Seminário por exemplo, são 14 Conferências que teremos Cinco têm a palavra cultura explicitada no próprio título A palestra de abertura do Seminário foi proferida por um antropólogo - meu querido mestre e amigo Roberto DaMatta - um dos mais importantes pensadores que temos sobre a cultura brasileira Tudo isto, sem contar o nome do Seminário - Mídia e Cultura Brasileira Estas coisas sinalizam um fenômeno interessante - o debate da cultura e suas implicações na comunicação e no marketing começa a marcar presença na cena intelectual

De fato quando empresários e executivos estão olhando imagem de marca, quando estão olhando o significado de seus produtos e serviços ou mesmo a vida cotidiana de sua empresa, começam a pensar que estão diante de coisas que não se explicam simplesmente por questões técnicas Eles começam a ficar mais atentos e sensíveis para um outro tipo de complexidade Uma complexidade ligada a um fenômeno que pertence a todos nós sem ser de cada um em particular; essa é a importância da questão da cultura na vida da empresa e no mundo do consumo Penso que aqui existe um paradoxo interessante, um bom ponto para a reflexão É o seguinte: ao mesmo tempo que essa preocupação se torna uma coisa crescente - seja quando a empresa pensa para dentro de si mesma, de seus valores, seja quando pensa para fora, no sentido do consumidor - ela acontece de forma concomitante com o fenômeno que, usualmente, administradores, políticos e economistas chamam de globalização<

Digo o que chamam globalização porque, em antropologia, a idéia de Depois da administração ter globalização é um pouco mais complicada A idéia de uma ampla hegemonia sido, durante anos, um de valores, de um único estilo para a humanidade inteira é mais complexa, campo muito marcado pelo é mais difícil Em certo sentido, podemos dizer que não é apenas nos últimos viés tecnicista, os agentes 10 ou 15 anos que o mundo está globalizando Isto é bem anterior, envolve e as instituições um complexo processo de etnocídio, colonização e imposição da cultura começaram a perceber o burguesa, de valores da revolução industrial e é parte da própria constituição ser humano - consumidor da modernidade Enfim, a questão é mais antiga e, com certeza, mais ou funcionário, o complexa verdadeiro ator importante da história< O fato é que isto que em geral a mídia chama globalização é para definir uma ruptura que acontece quando cai o muro de Berlim, os mercados se integram e passa a existir a Internet É engraçado que, quando se pensa a globalização, as pessoas tendem a imaginar que é como se fosse uma espécie de varredura de valores, equalizando todo mundo E, exatamente nesse mesmo momento, antropólogos passam a trabalhar com empresas 69 em um processo que parece indicar um foco local nos fenômenos organizacionais e de consumo Grandes empresas, por exemplo, estão hoje abandonando uma visão tipo “agir local e pensar global” (act local, think global) e adotando uma perspectiva de mercado centrada no agir local e pensar local - act local, think local A regra do jogo de grandes empresas multinacionais assume um foco no “local” em meio a um discurso dominado pelo senso comum do que é globalização Ora, que coisa curiosa: pensar na minha diferença, na minha singularidade, no mercado local, exatamente quando estamos falando que somos mais ou menos parecidos em toda parte ou que estamos submetidos aos mesmos fenômenos globais

Isto traz uma questão interessante porque retoma uma observação sobre a dinâmica cultural, detectada pelo antropólogo Lévi-Strauss, que é a seguinte: quando existe um encontro entre duas culturas, pode acontecer que elas se amalgamem, formando uma terceira cultura Por exemplo: uma cultura, digamos, A encontra uma cultura B e elas podem acabar formando uma nova cultura AB Neste processo, pode haver uma certa hegemonia de A ou de B, ou mesmo um equilíbrio entre ambas O ponto interessante é que o Nas escolas de negócios, movimento seguinte poderá se dar no sentido inverso ao amálgama e, esta existem hoje cadeira de nova cultura AB, poderá gerar o desejo de A ser outra vez A e de B ser outra antropologia, o que era vez B É claro que estes novos A e B não seriam, exatamente, iguais aos A impensável algum tempo e B de antes do encontro, mas existiria um movimento na direção de buscar atrás< recuperar a identidade e a singularidade que as caracterizavam no primeiro momento

Neste processo, as culturas parecem apresentar uma mecânica que opera tanto no sentido de juntar as diferenças quanto no sentido de marcar a dimensão de singularidade Quando falamos de globalização estamos falando deste duplo movimento e deste paradoxo também Este é o caso da Internet por exemplo, talvez, o maior símbolo da globalização Podemos conversar, estar junto, com alguém na Indonésia, em Nova Iorque, no Xingu, no Rio de Janeiro ou Himalaia, pouco importa Estamos todos conectados, plugados, globalizados Ao mesmo tempo, quando olhamos a Internet um pouco mais de perto, descobrimos que lá existem milhões de grupos de discussão, chats, listas de e-mails que formam uma verdadeira comunidade de grupos A Internet, na realidade, é pontilhada de patotas, grupos, tribos, criando lugares onde as pessoas se encontram em um ciberespaço que vira a esquina de uma rua, onde só se conversa com quem é daquele grupo Quer dizer, o lugar mais globalizado, o signo maior de globalização é, ao mesmo tempo, um dos espaços que mais permitem viver uma experiência local O global parece ser um bom pretexto para pensar localmente E é em torno desta 70 idéia de local que a Internet funciona Você tem, assim, milhares de grupos onde pessoas de lugares físicos os mais diversos do planeta se reúnem num devido lugar virtual para repartir experiências locais, retratando interesses constituídos localmente em torno da questão ou do tema que os reúne Pessoas que, no espaço virtual e global, tratam do local e do específico Na verdade, a diferença talvez seja o fato de que antes os vários grupos estavam reunidos fisicamente Hoje, eles estão dispersos fisicamente Mas eles estão reunidos, formam um outro tipo de grupo, o que não quer dizer que não seja um grupo A Internet é um lugar extremamente tribalizado, se assim se pode dizer A Internet é um lugar de patota, é bom estar enturmado na Internet É bom navegar com sua turma: entra num chat, depois um grupo de discussão, entra num site, manda um e-mailzinho, tem aquele programa que avisa que seus amigos estão on-line e aí todo mundo se fala É o lugar da patota É uma coisa engraçada isso Em um certo momento, acho que em 99 ou 2000 saíram várias matérias em jornal sobre grupos de pessoas que fundavam países na Internet Fundar um país: o país não sei o quê Aí, nesse país, um internauta vira presidente, outro é ministro, e a gente brinca de ter seu próprio mini país Um país virtual, mas onde só nós vamos

O ponto é que quanto mais globaliza mais particulariza Não acredito muito na idéia de que: globalizou, fica tudo meio igual Não As singularidades são fortemente retomadas durante os processos de equalização, os processos de hegemonização A diferença é algo essencial para a constituição da identidade cultural e ela busca sua própria preservação Esse tema da diferença é muito importante

Um caso interessante destas diferenças foi relatado por um antropólogo sobre uma negociação entre orientais e norte-americanos A negociação estava dificílima e, num certo momento, os negociadores americanos Podemos dizer que não é chegaram à conclusão que dava para fazer o negócio E comentaram assim apenas nos últimos 10 ou entre si: “As coisas estão paralelas, estão andando corretamente em 15 anos que o mundo está caminhos paralelos” Então, explicitaram isso para os negociadores orientais: globalizando< Isto é bem “chegamos à conclusão de que estamos em paralelo”, disseram O problema anterior< é que a idéia de paralelo, depende de uma definição cultural Se paralelo pode significar andar junto, ombrear, chegar a um bom termo e fazer negócio, também pode supor algo que nunca se encontra, que não vai ser possível fazer negócio por que a distância entre os interesses vai sempre permanecer Estamos em paralelo, pode querer dizer que estamos muito próximos, uma linha aqui e outra ali ao lado A idéia pode supor a proximidade Mas a mesma idéia dá possibilidade de supor que uma posição nunca vai se encontrar com a outra Então, os orientais pensaram, o que estamos fazendo 71 aqui sentados? Foram embora e os norte-americanos não entenderam nada Em razão de histórias como essa é que existem hoje, muitos antropólogos, nos Estados Unidos, trabalhando em tempo integral nas empresas Para tentar entender a diferença e ouvir o outro; seja este outro funcionário da empresa, consumidor do produto ou serviço ou alguém com quem se vai negociar

Uma outra história conhecida é a de um antropólogo que foi encarregado de descobrir porque determinada máquina recebia tantas reclamações de defeito, embora fosse um excelente produto, um dos melhores produzidos pela empresa O pessoal técnico e o suporte não conseguiam saber o que havia de errado com a máquina O antropólogo pediu para receber um treinamento para poder atender as reclamações dos clientes, quase todos pessoas jurídicas Ele descobriu, depois de muita conversa, que muitos usuários não sabiam fazer a máquina funcionar direito devido à sofisticação tecnológica e as várias possibilidades que ela oferecia para a realização de inúmeros serviços O ponto é que os funcionários das empresas que compraram o produto se sentiam ameaçados com as possibilidades da máquina, achavam que poderiam perder certas funções antes realizadas por métodos mais demorados e onerosos O pior é que não queriam confessar sua ignorância quanto ao modo de operação da máquina e também não sabiam utilizar nem mesmo parte do potencial que ela disponibilizava Em suma, a máquina era uma ameaça em vários sentidos É claro que ninguém dizia nada disso ao chefe Para o empregado da empresa que comprou a máquina era uma situação difícil reconhecer que não sabia usá-la e que ela poderia retirar parte de suas atribuições anteriores A pessoa tinha até medo de perder o emprego Então, a saída, a melhor solução, era dizer que a máquina estava quebrada Com esta descoberta, a máquina passou a ser vendida junto com um programa gratuito de treinamento e adaptação Com isto, as reclamações O ponto é que quanto mais de defeito caíram a quase zero e os funcionários das empresas globaliza, mais particulariza< que compravam a máquina passaram a ver nela uma aliada e não uma Não acredito muito na idéia ameaça O que o antropólogo pode descobrir pelo simples fato de saber de que globalizou, fica tudo ouvir o outro é que ela não tinha nenhum problema técnico, a máquina meio igual< estava era criando um outro tipo de problema - até talvez mais grave - um problema simbólico

Então, são coisas assim, que indicam a necessidade de pensar as questões ligadas aos valores culturais no âmbito das empresas e no mundo dos negócios No caso brasileiro, essa tendência ainda é incipiente, mas já existem empresas que procuram a antropologia para áreas como comportamento do consumidor, cultura organizacional, comunicação da marca, entre outros 72 Existem hoje alguns colegas antropólogos que procuram realizar um trabalho de antropologia aplicada aos problemas das empresas

Penso que existem duas áreas importantes, fundamentais mesmo na vida das empresas e para as quais o estudo da antropologia pode contribuir de forma muito significativa Uma destas áreas é relacionada ao treinamento de empresários e executivos, é o chamado business education Neste plano, a antropologia pode dar ao gestor condições bastante interessantes de crescer A diferença é algo essencial na sua capacidade de liderança, pode dar condições de entender uma coisa para a constituição da essencial em um processo de liderança positiva: ouvir o outro A antropologia identidade cultural< é uma disciplina que, de forma diferente das ciências sociais, teve como objeto, desde o seu nascimento, aqueles fenômenos que eram diferentes da sociedade do antropólogo Em outras palavras, quando se inventa a economia, a sociologia ou a psicologia, quando essas ciências acontecem, elas têm por objeto um ser humano que é igual ao ser humano que construía a própria ciência Por trás da representação de ser humano da psicologia está a imagem de uma subjetividade ocidental Por trás da visão da economia, está a sociedade ocidental A única disciplina na contramão disso é a antropologia, que nasce estudando sociedades diferentes da sociedade do próprio antropólogo

É importante observar que a antropologia assume um viés positivo para entender a diferença, ela tem um respeito e mesmo um fascínio pela diferença A antropologia pode ser definida como uma ciência da diferença E, para entender a diferença, é fundamental ouvir o outro, relativizando nossas próprios valores, nossas próprias verdades É fundamental não ser etnocêntrico, ouvir o outro e entender a diferença como troca positiva e não como ameaça Isso é, de certa forma, essencial para a convivência dentro de uma organização Um líder ou chefe deve saber ouvir e não ser dono da verdade para exercer uma liderança positiva, ser respeitado e crescer, por que ao respeitar a diferença é capaz de fomentar uma boa convivência entre todos Então, um conhecimento das formas de interpretação da vida social e da cultura produzidas pela antropologia podem ser muito úteis às pessoas envolvidas no mundo dos negócios Ao tomar contato com a perspectiva, o estilo de olhar a realidade que o estudo da antropologia social proporciona, este saber pode contribuir, como diferencial importante, no sentido de uma formação profissional, intelectual e humanística mais ampla e consistente do administrador Na área de business education, nas escolas de negócios, no processo educacional do executivo ou empresário contemporâneo, a antropologia tem muito o que contribuir Particularmente enfatizando a formação de uma mentalidade onde 73 o ser humano tem lugar de destaque e o seu potencial pode ser elaborado de maneira significativa

Mas, existe um outro plano onde também aparecem amplas possibilidades para uma parceria produtiva entre a antropologia aplicada e a empresa De fato; existem áreas muito concretas para a atuação do antropólogo na empresa Talvez a mais evidente delas seja a área de negócios internacionais que tem se tornado cada vez mais central em virtude da globalização Mas, os negócios internacionais são, antes de tudo, negócios interculturais e, por É uma vantagem isso os antropólogos estão sendo chamados, em muitas empresas, para dar competitiva para os nossos treinamento sobre questões relacionadas à distância e à diferença cultural empresários e executivos E isto tanto como parte do esforço visando um processo de internacionaliza- entender o mundo simbólico ção da empresa brasileira quanto, no caso da empresa estrangeira, auxiliando da cultura com a qual vão em sua adaptação cultural ao Brasil De fato; nação é uma categoria posterior negociar< - lógica e historicamente - à categoria cultura, porque estas e as suas singularidades são algo muito básico na história humana

Um bom exemplo pode vir mesmo deste Seminário Na palestra anterior estava sendo debatido marketing esportivo Estávamos falando de futebol, vôlei, basquete, de esporte em geral, não é? Pois fiquei lembrando do quanto sofríamos sempre que o Brasil ia jogar com um país do Leste Europeu chamado Iugoslávia Era uma disputa dura, difícil No basquete, geralmente cortava os nossos sonhos mais queridos de chegar às finais de uma Olimpíada ou de um Mundial No futebol até que dava, mas era sempre muito enjoado ganhar da Iugoslávia Portanto, na minha infância e adolescência - minha e de tantas outras pessoas - existia uma imagem muito forte de um país que era um adversário de respeito no esporte Quando acabou o regime político que mantinha a unidade da Iugoslávia, quantas nações existiam dentro daquele território? Eram culturas reunidas sob um regime político que, em um certo momento histórico, teve força suficiente para não permitir a fragmentação Quando esta força se deteriora aparecem diversas culturas reivindicando uma territorialidade própria e hoje as pessoas lutam, dão a vida, por um pedaço de terra a partir da qual possam articular sua singularidade cultural com um espaço físico onde exercê-la

Isso é um processo impressionante Para continuar na área do esporte, por acaso, ontem, estava conversando com um aluno da seleção brasileira de pólo aquático Ele me contou uma história engraçada e significativa também: dizia ele que nossa seleção perdia muito para países do Leste Europeu que são ótimos neste esporte Acontece que ali existiam alguns países, não muitos na visão dele Agora com as mudanças políticas multiplicaram os 74 países da região e, de uma hora para outra, a nossa seleção passou a perder para muitos mais países Quer dizer, se antes perdia para uma única Iugoslávia, de repente, passou a perder para várias Complicou ainda mais nosso lugar no ranking Quando pensamos, por exemplo, na União Soviética, aquele bloco enorme, quantos países surgiram ali? Quantas diferenças? Então, a idéia política de nação está submetida a um simbolismo local da cultura Você não segura diferenças pela força além de um período de tempo É o que a História recente nos mostra

Assim, se o executivo ou empresário vai fazer negócio com determinado país, saber a singularidade da cultura com a qual está negociando é fundamental para o sucesso Tenho um projeto, que é preparar uma espécie de kit, um conjunto, enfim, de instrumentos intelectuais para o executivo brasileiro negociar, em certos mercados Algo como um briefing para o empresário conhecer, ao menos uma parte, do universo cultural de um mercado de interesse para o Brasil Fazer com que assista os filmes mais importantes, leia os textos literários mais significativos, assista ou leia certas peças de teatro, visite lugares, conheça idéias e tome contato com os pensadores daquela cultura Isto não seria muito complexo, pois existem intelectuais pensando as suas próprias culturas em muitos países Então, é Entender a cultura brasileira uma vantagem competitiva para os nossos empresários e executivos entender é fundamental para você o mundo simbólico da cultura com a qual vão negociar, saber o estilo e o fazer negócio< imaginário deste outro que será seu parceiro ou seu interlocutor no processo de desenvolvimento de um trabalho Seria uma vantagem significativa se nossos empresários pudessem ter acesso - pelo menos construir um saber ou ampliar a sensibilidade - aos principais valores da cultura com a qual vão negociar Tudo isto simplesmente estudando a visão que os nativos - pensadores e artistas - daquela cultura possuem sobre seu próprio mundo simbólico

Em outro plano, esta mesma questão também se traduz em mais um campo importante de contribuição e parceria entre antropologia e business Trata- se de conhecer a própria cultura brasileira Tive o privilégio de escrever um estudo sobre a cultura do Banco do Brasil Uma coisa que apareceu com muita nitidez foi a semelhança entre a lógica dos valores internos ao Banco do Brasil e a lógica dos valores da cultura brasileira, tal como decifrados por vários pensadores, sobretudo por Roberto DaMatta Existem aspectos da cultura e da experiência do Banco do Brasil que reproduzem uma estrutura simbólica da cultura brasileira, com suas ambigüidades, dilemas, impasses e potencialidades Assim, acredito que entender a cultura brasileira é fundamental para você fazer negócio Este saber é uma chave importante 75 para uma empresa brasileira e muito mais ainda para uma empresa estrangeira que se instala aqui Penso que, cada vez mais, é interessante fazer um planejamento estratégico, levando em consideração os cenários culturais que se desenham que podem ser identificados

Com isso, vamos para um outro plano, mais particular ainda, que seria o plano da própria cultura das organizações Falar de cultura organizacional não é uma coisa simples Cultura não é para principiantes, podemos dizer, parafraseando a famosa frase de Tom Jobim sobre o Brasil Não se pode simplesmente acreditar que toda e cada empresa tem ou deveria ter uma cultura Isto significa pulverizar a idéia de cultura, achando que cada empresa em cada esquina possui uma cultura Não é bem assim, para pensar em cultura organizacional é necessário pensar em primeiro lugar na cultura abrangente, naquela cultura da sociedade onde está a empresa A cultura envolvente Por outro lado, é necessário pensar na empresa da qual estamos falando Existem empresas que constróem com o tempo um estilo, um ethos, que reparte um conjunto de valores Um exemplo clássico sobre isso, que é aquele da empresa Panair, que acaba em 1965 e até hoje, décadas depois, os antigos funcionários se reúnem para falar da Panair, compartilhar a lembrança, os valores, o imaginário da empresa Isto traduz a idéia de que a memória de uma experiência vivida na empresa sobrevive à própria empresa A empresa não existe mais, porém a experiência que aquelas Um líder ou chefe para pessoas compartilharam continua, como que vivendo a vida de um lugar exercer uma liderança que não existe mais Quando se fala de cultura organizacional estamos positiva, ser respeitado e falando de algo, no mínimo, questionável Não sei se é possível pensar que crescer, deve saber ouvir e qualquer empresa tenha um conjunto de valores compartilhados que possam não ser dono da verdade< ser capazes de definir propriamente uma cultura Por isso talvez seja apenas com a análise etnográfica - método antropológico para a interpretação da cultura - que se possa saber a forma pela qual os funcionários identificam determinados valores, atribuem significados comuns às suas experiências na empresa, compartilham ou não certos aspectos de um modo de vida que é influenciado pela empresa Isto não quer dizer, necessariamente, que exista uma cultura da empresa A ou B, podemos identificar valores que não são da empresa e sim da profissão dos funcionários ou da sociedade abrangente Isto não implica que um conhecimento desta ordem não seja de extrema utilidade empresarial Muito ao contrário, saber como as pessoas pensam seu trabalho e como acreditam que seja a sua empresa é fundamental para que se possa transformar idéias de motivação impostas de cima para baixo ou o simples desejo de que a empresa seja de uma certa forma, em projeto coletivo O conhecimento de como profissionais de uma empresa experimentam a vida dentro desta esfera do trabalho e a imagem que a 76 empresa possui para eles é, na verdade, um patrimônio importante Ter este saber mapeado, conscientizado e, até talvez, gerenciado pode ser um diferencial muito grande para o sucesso desta empresa Para pensar em cultura organizacional é necessário Uma última área onde vejo uma efetiva contribuição da antropologia e do pensar em primeiro lugar na conhecimento da cultura para o mundo dos negócios é algo que abrange cultura da sociedade onde mais especificamente o marketing A idéia central é tentar entender os está a empresa< valores culturais do consumidor E isto a partir da idéia de que o consumo é como uma linguagem, uma espécie de código cultural Uma simples observação dos objetos - produtos e serviços - nos mostra que eles possuem uma gramaticalidade, uma forma própria de dialogar uns com os outros, os objetos são como coisas que conversam entre si O consumo é governado por representações coletivas, sentimentos obrigatórios, emoções codificadas, sistemas de pensamento e pela ordem cultural que o inventa, permite e sustenta

Se não vejamos: quem não conhece os famosos bonecos Power Ranger - um dos brinquedos favoritos das crianças nos últimos tempos? São bonecos que possuem uma linguagem impressionante, eles possuem uma lógica na qual cada um precisa dialogar com vários outros, formando um complexo sistema Se você comprar um único Power Ranger, acaba gerando uma crise de solidão na pobre criança, porque não se pode fazer nada com um único boneco Ele precisa de vários outros para construir sua identidade, permitindo a brincadeira Um Power Ranger não pode nada sozinho Ele precisa de seus outros companheiros - e eles são cinco ou seis - para que possam simplesmente acontecer na forma de um sistema que lhes dá sentido E eles ainda fazem questão de existir em vários modelos, conjuntos e versões

A lógica implicada no sistema dos Power Rangers é a seguinte: para a criança dar sentido àquele mundo, ela precisa ter dúzias de bonecos Cada Power Ranger tem uma função, um destino específico, uma característica própria Cada um traz também um conjunto particular de inimigos Sem o inimigo, como é que vai fazer? Vai brigar com quem? Sem os inimigos, a criança vai ter que colocar os Power Rangers sentados, tomando chopp Não dá, eles precisam de ação, têm que fazer alguma coisa A criança vai precisar dos inimigos para que aquele mundo possa existir Mas os Power Rangers e seus inimigos ainda não são o suficiente, pois podem desequilibrar perigosamente o mundo Os inimigos são muitos e cheios de poderes mágicos O que acontece, então? Os Power Rangers, sozinhos, contra os vários inimigos são capazes de apanhar É necessário, então, que eles 77 recebam uma força suplementar que o energize nestas situações de sufoco, situações sérias onde se corre o risco do mau vencer o bem Aí entra o Zord, que é uma energia - caríssima, evidentemente, como é próprio das energias - que renova as forças dos Power Rangers Então, cada um tem o seu Zord e o mundo assim construído nunca acaba, porque existem as armas e os veículos e tudo o mais que se possa inventar para complexificar estas relações Estes bonecos possuem a forma de um sistema onde cada um evoca todos os demais e sua singularidade implica em uma falta, pois um Power Ranger sozinho não faz mais do que uma fala eloqüente sobre a ausência de todos os demais

Estas idéias são válidas para todos os demais brinquedos que povoam o imaginário infantil São mundos que não acabam Os Pókemon, são centenas, os Digimon são outros tantos Estes objetos conversam entre si Eles puxam uns aos outros Já imaginou uma garotinha ganhando só uma pobre Barbiezinha, que não tem o namorado, não tem o Ken, para namorar? E são centenas de Barbies e seus objetos e suas situações Elas podem ser, virtualmente, infinitas: Barbie preta, amarela, azul, Barbie politicamente correta, Barbie gay, Barbie de meia idade, Barbie terceira idade, Barbie no tênis, Barbie executiva, Barbie no motel Nesta lógica de sistema, uma única Barbie denuncia a necessidade de um sem fim de Barbies possíveis O O global parece um bom Harry Potter vai ser uma seqüência de livros e filmes e jogos e, evidentemente, pretexto para pensar serão logo múltiplos bonecos localmente< Mas isto não vale só para crianças Se pensarmos neste momento nas salas de nossas casas e trocarmos o sofá principal, o que acontece? Um sofá novo - maravilhoso, importado, pena de ganso, que só falta falar, design italiano, última forma - vai denunciar que a cortina está velha, que a mesa de centro é porcaria, etc Enfim, ele começa a denunciar tudo Ele fala Assim como alguém, por exemplo, que vai a um encontro importante no fim de semana e compra uma blusa ou uma calça ou um sapato Quando esta nova peça do vestuário se encontra com as velhas roupas do armário, não vai existir uma delas que resista à sensação de impotência que o sapato novo pode produzir Esta é a lógica dos objetos de consumo: eles formam um sistema

Isso é evidentemente cultural O consumo é uma linguagem É preciso, portanto, entender as diferentes tribos de consumo, as formas como esses consumidores reagem, como decodificam estes símbolos, entendem essa cultura, absorvem esses valores, e se relacionam com este sistema de produtos e serviços Este, me parece, é um ponto de fundamental para uma 78 reflexão mais consistente em marketing, comunicação e comportamento do consumidor

Em resumo, não podemos ignorar os planos de proximidade, parceria e contribuição de uma teoria da cultura e de uma antropologia aplicada que eu gostaria de trazer para debate aqui hoje Cada um destes planos poderia O consumo é uma gerar toda uma linha de pesquisa e estudos Nesta conferência procurei linguagem< É preciso passar apenas uma visão geral do potencial que se inscreve em cada uma entender as diferentes destas formas específicas de participação da cultura no mundo empresarial tribos de consumo, as São questões fundamentais para se ter em mente quando refletimos sobre formas como esses as formas através das quais vai acontecer a comunicação de uma empresa, consumidores reagem< tanto na direção de seu público interno quando na direção de seu consumidor Acredito que o estudo consistente das dimensões culturais envolvidas com a empresa e com o consumo podem representar um ganho muito grande para o desenvolvimento dos negócios, do marketing e da comunicação empresarial

79 COMUNICAÇÃO INTERNA: ALÉM DAS MÍDIAS Jacques Vigneron

Recebemos dos organizadores deste seminário uma pergunta importante Jacques Vigneron é francês, tem para a comunicação organizacional interna: “nos processos de comunicação 68 anos, leciona e mora no Brasil nas empresas se dá muito ênfase as mídias sem considerar outros elementos Doutor em Cultura, Ideologia e Sociedade nos séculos XIX e XX essenciais destes processos: a percepção das pessoas, as diferentes funções, pela Universidade de Paris VIII as hierarquias A proliferação das mídias internas, do jornal mural a intranet, (Vincennes) e pela Universidade garantem o fluxo e a eficácia da comunicação?” Federal do Rio de Janeiro, é Professor Titular no curso de Mestrado e Doutoramento e no curso A mídia e particularmente as novas tecnologias da informação facilitam a de relações públicas da Faculdade de comunicação interna e interpessoal nas organizações Porém, sem uma Comunicação e Arte do Instituto Metodista de Ensino Superior, onde política da comunicação decidida, planejada, administrada e avaliada no pesquisa a Comunicação interpessoal top-nivel, as mídias só servem de enfeites Ao longo deste trabalho, nas organizações precisaremos responder a várias perguntas:

Escreveu vários livros sobre comunicação e educação Também é A comunicação organizacional interna é um enfeite ou uma alavanca para o o representante eleito dos franceses desenvolvimento das organizações? residentes no Brasil, na Guiana e no Suriname no CSFE (Conseil Supérieur des Français de l’Etranger) As escolas preparam os alunos para comunicar com o campo profissional?

Esta palestra foi proferida em Os fenômenos de poder favorecem ou impedem a comunicação? 26/10/2000

Qual é a função das NTICs e particularmente da Intranet na comunicação organizacional interna?

Qual é o papel da formação continuada numa política empresarial de comunicação?

Para responder a essas perguntas, que são um desdobramento da pergunta inicial, é necessário definir corretamente certos conceitos referentes à comunicação organizacional 80 Organização: por organização entendemos um conjunto de ordem estrutural que mantém as empresas e as instituições em funcionamento Para isso, elas precisam desenvolver uma política de comunicação

Comunicação interna organizacional: por comunicação interna organizacional entendemos todos os tipos de fenômenos de comunicação que facilitam ou complicam as relações horizontais e verticais nas organizações

Processos comunicacionais: são processos de informação, compreensão e reflexão capazes de realizar mudanças no sistema continuo de relacionamento entre os colaboradores (atores sociais) de uma organização Utilizam-se meios adequados para dialogar ou interagir com a totalidade da organização As NTICs podem se tornar meios facilitadores eficientes se utilizadas de maneira pertinente

Nas estratégias organizacionais, a comunicação é necessária O homem criou e desenvolveu a tecnologia moderna e transformou profundamente o trabalho humano Porém, mesmo em empresas robotizadas, a presença humana continua necessária Esta presença do homem, só se tornará eficiente, nas grandes como nas pequenas organizações, se os responsáveis desenvolverem uma política de comunicação eficaz

A comunicação não é tarefas só dos especialistas, ela é assunto de todos desde o staff de direção que determina a política de comunicação até o chão de fábrica Dentro desta política, o papel do profissional da comunicação é analisar os fenômenos de comunicação, orientar e formar as pessoas com a finalidade de melhorar o desempenho de cada um e o dos grupos

A comunicação permite resolver os problemas com muito mais facilidade e assim evitar os conflitos ou resolvê-los quando eles aparecem Para a relacionamento e a cooperação funcionar corretamente, é necessário ter Sem uma política da organogramas claros que deixem transparentes os circuitos oficiais e paralelos comunicação decidida, de comunicação, facilitando assim a interação horizontal e vertical na planejada, administrada e organização avaliada no nível mais alto, as mídias só servem de Como professor, pensamos que as escolas e particularmente as universidades enfeites< deveriam ser fantásticos laboratórios de comunicação Elas prefiguram a comunicação que os estudantes num futuro próximo vivenciarão nas organizações Eles reproduzirão mais tarde nas empresas e nas instituições o modelo de comunicação encontrado na escola Por isto, a formação acadêmica deve desenvolver uma política de comunicação, chamando o 81 estudante a construir seu próprio saber, dando-lhe a possibilidade de escolher certos elementos do seu currículo, e tornando as aulas encontros abertos sobre os outros, sobre a vida e sobre o mundo

O primeiro objetivo da comunicação interna organizacional é facilitar as relações e as colaborações dentro da organização É só a partir dos anos 30 que as grandes organizações industriais começaram a se preocupar com as relações humanas na empresa Até esta data, a mão-de-obra era considerada quase exclusivamente do ponte de vista técnico Segundo, o sociólogo do trabalho humano Georges Friedmann varias causas contribuíram para originar O papel do profissional da comunicação é analisar os e reforçar o movimento das Human Relations: “Reações baseadas na fenômenos de experiência quotidiana das oficinas contra o tecnicismo dos Tayloristas e comunicação, orientar e dos Fordistas, e a sua impotência manifesta para obter a cooperação dos formar as pessoas com a produtores e assegurar um clima favorável na empresa; o desenvolvimento finalidade de melhorar o das ciências humanas aplicadas ao trabalho industrial, a psicotécnica e, desempenho de cada um< rapidamente, a sociologia industrial; por fim, mas não menos importante, os progressos do movimento sindical [] e a sua pressão ativa contra o grande poderio para obterem a favor dos operários, melhores condições de trabalho” (Friemann 1968 P 86)

Muitos pensam que o problema da comunicação fica resolvido se a direção cria uma assessoria de comunicação e dota ela de alguns enfeites tecnológicos Um dos grandes perigos é que a comunicação e as relações humanas se tornam exclusivamente assunto de especialistas Insistimos: “Convém estar convencido de que as relações humanas são da responsabilidade cotidiana de cada um O especialista é um simples catalisador desta comunicação” (Lehnisch 1985 P12)

Tem que haver muito cuidado com as relações humanas Elas podem se transformar em meio de manipulação A injeção simbólica de relações humanas sob a forma de símbolos e serviços pode se tornar alienante As boas relações dependem muito do líder Segundo Carl Rogers “Tem sido demonstrado que os líderes que confiam nos membros da organização, que compartilham e defendem o controle e que mantém comunicação livre e pessoal, conseguem melhor moral e organizações mais produtivas e facilitam o desenvolvimento de novos líderes” (Rogers, 1978, P165) A chave das relações eficientes se encontra antes de tudo na capacidade do líder em confiar nas pessoas, particularmente nos colabores da sua equipe Formando os lideres, as organizações terão outro tipo de comunicação e de relacionamento interno 82 Para Jean Louis Servan Schreiber, empresário e patrão do grupo francês L’Expansion, a comunicação é a base a partir da qual funcionam as organizações: “Uma vez que a leva de bons funcionários esteja ocupando seu lugar é importante para o empresário que eles saibam, a cada instante o que eles devem fazer É sobre este fundamento que se apóia o funcionamento de qualquer sistema” (Servan Schreiber 1993 P 165)

A política de comunicação deve partir de cima É o próprio staff de direção que determina esta política, porque sempre segundo Servan Schreiber “O estilo de comunicação define a cultura da empresa” Outro empresário, Bernard Tapie, tem uma visão análoga na qual destaca a imagem do patrão e, através dela, a imagem que os funcionários tem da empresa: “Não existe somente a comunicação externa As ações devem abranger os consumidores potenciais e a mídia e os empregador As empresas precisam, sobretudo, se preocuparem com o que vão pensar milhares de pessoas que trabalham no grupo A imagem tornou-se fundamental” (Tapie 1995 P131)

Jean Pierre Lehnisch na conclusão do seu livro “La communication dans l’entreprise” insiste sobre a relação empresa-imagem-funcionários, como Os líderes que confiam nos sendo essencial ao dinamismo das organizações: “A comunicação interna membros da equipe e que das empresas torna-se um parâmetro cada vez mais importante da sua mantêm comunicação livre imagem externa Hoje, quando o meio ambiente econômico torna-se e pessoal, conseguem complicado, numerosas empresas só pensam na sobrevivência, a melhor moral e comunicação interna torna-se um trunfo estratégico que utilizado com organizações mais eficiência, gera uma motivação extraordinária capaz de atingir objetivos produtivas que a razão pura não podia prever Na realidade, a motivação profunda apoia-se não somente sobre elementos racionais, mas também, e talvez mais ainda, sobre o dinamismo psicológico que busca sua energia na emoção A empresa deve ser o espaço predileto no qual o coração e a razão caminham juntos, para chegar até a motivação essencial de cada membro do pessoal: o amor a seu trabalho” Lehnisch 1985 P 124)

O depoimento de um executivo administrativo de uma universidade particular do interior de São Paulo, revela as mudanças provocadas pelas NTICs: “O processo de comunicação se da em diversas formas, dependendo dos tipos de relacionamento, tanto oficial como oficial No primeiro caso, uma vez que a universidade funciona num processo eminentemente colegiado, as próprias reuniões se tornam momentos para a troca de informação e esclarecimento Até se chegar a elaboração de documentos, multiplicam-se tais reuniões de modo bastante intenso A criação de uma sistemática 83 padronizada para a redação de memorandos e cartas internas permite que as pessoas recém chegadas percebem rapidamente mais as informações que devem ser compartilhadas e de que modo isto deve ser feito A existência A comunicação interna em de um jornal interno, de circulação quinzenal, atinge a comunidade de empresas torna-se um aproximadamente dez mil alunos, professores e funcionários Um sistema parâmetro cada vez mais de correio interno, com pessoal, malotes e veículos próprios, centraliza e importante para a imagem retribui toda a correspondência e circulação de documentos entre os três externa< campi da universidade (um dos quais localizado em outra cidade) Está em instalação um sistema de comunicação computadorizado que interconectará todos os microcomputadores das diversas unidades, permitindo comunicação de informações de uma as outras, entre si, bem como dos órgãos administrativos superiores (Reitoria) para as unidades O sistema telefônico, com extensa rede de ramais, está articulado por uma central computadorizada de última geração que interliga também os campi” (Vigneron, 1997 p 85) Este texto data de 1996 e foi publicado em 1997, no momento da explosão da Internet no Brasil Lembramos que o conceito de “Intranet” apareceu em março de 1996 num relatório de Forrester Research (Germain, 1998 P 80) De lá para cá, vai ter uma evolução fantástica na implantação e no uso das NTICs

As NTICs designam um conjunto de meios de armazenamento, de tratamento e de difusão da informação gerado pelo casamento entre a informática, as telecomunicações e o audiovisual

Telefone, fax, multimídia, informática, Internet, Intranet, auto-estradas da informação, teleformação, teletrabalho, hipertexto, videogames, as NTICs estão evoluindo a alta velocidade e recrutam cada dia mais adeptos Portanto a generalização do seu uso levanta muitas perguntas de ordem econômica, social, antropológica e até ética As NTICs provocam um impacto real e concreto sobre as praticas: trabalho, aprendizagem, relacionamento humano Basta lembrar por exemplo a importância do “Estar junto virtual” Segundo Lévy, elas favorecem a emergência de uma “inteligência coletiva”: “ A inteligência coletiva consiste a mobilizar e a colocar em sinergia as competências dos pessoas, partindo do principio que cada um sabe alguma coisa e é dotado de competências e habilidades1 Uma boa organização e uma capacidade de escuta reciproca bastam para desenvolver este tipo de inteligência coletiva dentro de grupos humanos restritos: bairro, escola ou associação Porém com as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação a inteligência coletiva pode se desenvolver a um nível muito mais amplo” (Lévy, In Cabin, 1998, P381) 84 A função de comutação, graças a informatização e a criação de redes de todas as naturezas, incita as empresas, as escolas e as organizações de todo tipo a repensar completamente a estruturação do sistema de informação, de comunicação e até da própria estrutura administrativa Por comutação entendemos qualquer operação (em geral programada, porque enraiada numa estrutura hierárquica prévia) de pesquisa e de conexão dos elementos de um conjunto qualquer Logo, ela reuni todas as operações que precedem ou acompanham os processos mediatizadas de informação, de comunicação, de permuta ou de troca

Hoje a quase totalidade das pequenas e medias empresas estão equipadas com microcomputadores O microcomputador em casa é cada vez mais comum no universo dos executivos que levam trabalho no lar, abrindo assim O microcomputador em portas para o teletrabalho que em vários pontos do mundo está se casa é cada vez mais desenvolvendo com rapidez Já nos USA, ele atinge o marco de 11 milhões comum no universo dos de teletrabalhadores, de 500 000 na Grão Bretanha, de 400 000 no Canada executivos que trabalham e de 200 000 na França Os executivos nômades usam cada vez mais o no lar< notebook acoplado com o celular As NTICs encorajam e estimulam a mobilidade física Os fenômenos de mobilidade até criaram um novo tipo de personagem, road-warrior (O guerreiro da estrada) Este conjunto de fatos anuncia a chegada do “micro comunicante”

Segundo Hélène Gerard: “ O microcomputador é o lugar das aplicações buróticas clássicas (tratamento de texto, tabulação, gestão de fichário, correio eletrônico) Completado pelos equipamentos periféricos (impressora, fax), ele permite de reconstituir verdadeiros posto de trabalho Se adiciona o modem, pode ser conectado com a empresa, via a rede telefônica O teletrabalhador troca dados com seus colaboradores Entra assim totalmente no circuito interno da empresa Enfim, dotado de programas adequados um microcomputador conectado por modem abre o caminho das redes informáticas externas por exemplo para aceder aos bancos de dados ou à redes de redes como Internet Um microcomputador dotado de um modem não é uma simples ferramenta de burótica Torna-se um verdadeiro meio de comunicação Ele foi batizado de “micro comunicante” (Gerard 1995 P 78-79

Os hotéis já colocam equipamento de “micro comunicante” a disposição dos hospedes executivos Assim há uns 3 ou 4 ano, chegando no hotel Deville de Maringá o serviço Business Center chamou nossa atenção Fomos verificar o que era O folder de apresentação descreve corretamente a função deste serviço oferecido pelo hotel Business Center: equipado com 85 computador, fax, xerox e infra-estrutura de apoio para o executivo que busca conforto e atendimento ágil e profissional em suas viagens”

Em encontro de executivos, em congressos encontramos igualmente estes “Micro comunicantes” Assim nas Assembléia plenárias do Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro, da qual participamos, o Ministério das Relações exterior da França coloca vários micros à disposição dos conselheiros para permitir a eles de comunicar-se com as diversas regiões do mundo que representam,

A Internet e a Intranet são as tecnologias que provocam o maior impacto nas relações humanas, na comunicação interpessoal, na comunicação organizacional interna e externa, no ensino, no trabalho Internet e intranet liberam da relação presencial e permite ao homem e às organizações de vencerem a distância, o espaço e o tempo Cairncross destaca três aspectos que mostram a importância da Internet: seu alcance Global, sua capacidade em fundir as capacidades da televisão e do telefone e seu estimulo a inovação “O mais importante de tudo é que a Internet tornou-se o mais poderoso motor de inovações jamais visto no mundo Devido ao seu protocolo aberto e flexível, milhares de pequenas empresas, fundadas pelos mais qualificados empreenderes, estão ganhando (ou de vez em quando perdendo) grandes quantias de dinheiro desenvolvendo novas formas de usar a Internet” (Cairncross, 1999 P51)

Intranet segundo Michel Germain permite a troca em rede da informação e da comunicação “Ainda mais favorece o desdobramento das aplicações do Internet e intranet liberam a trabalho cooperativo, do management de projeto, da modelização dos relação presencial e conhecimentos, de ajuda a tomada de decisão Torna a inteligência mais permitem ao homem e às atuante, mais reativa, e com probalidade mais inteligente” (Germain 1998 organizações vencerem a P 9) Sempre segundo Germain, Intranet responde a cinco tipos de distância, o espaço e o necessidades, consideradas essenciais para o bom funcionamento da tempo< empresa:

• a troca de informações

• o management dos conhecimentos

• a comunicação nos dois aspectos de transmissão e de troca a distância

• a busca da informação

• realização de projeto comum pela criação de Groupware 86 Um estudo de caso: Parthenay (França), cidade medieval e cidade virtual

Parthenay è uma pequena cidade rural francesa de mais ou menos 14 mil habitantes, situada a 350 quilômetros no sul oeste de Paris É um importante centro agro-pecuarista Suas fortificações, suas casas, suas ruas estreitas e suas igrejas de estilo romano lhe dá um cunho medieval muito bonito No mesmo tempo, o visitante descobre uma cidade do século XXI o Parthenay virtual O coração e o cérebro desta nova cidade se encontra numa casa do século XIII colocando ainda mais o Parthenay virtual fora da territorialidade e da temporalidade

Na revista Le Monde de l’Education, Michel Hervé, prefeito de Parthenay analisa o papel das NTICs Primeiro, elas permitem abrir a escola para a cidade assim de criar rede de troca entre a escolas e a comunidade, incentivando o dialogo entre as gerações Porem as redes humanas devem preceder as redes eletrônicas Segundo Hervé a tecnologia não cria a relação social, mas atua como disparador e acelerador de comunicação interativa A intranet leva a instituição Uma das grandes preocupação da prefeitura é desenvolver para todos o a analisar seus modelos de uso das redes eletrônicas afim de evitar a clivagem “Informática rica/ funcionamento e a informática pobre Por isso se criaram vários espaços informáticos, o acesso interrogar-se sobre sua a Internet gratuito para todos os cidadãs, a operação 1000 computadores e cultura e sobre sua a criação de um provedor municipal identidade Mas não basta criar as condições de acesso à rede; precisa também favorecer a criatividade e suscitar a emergência de uma forte comunidade eletrônica É lá que intervém o conceito de uma “Intranet” da cidade: In-Town-Net Esta noção de um intranet urbano deve ser desenvolvido a qualquer custo Graças a ela os cidadãs de Parthenay criaram já mais de 10 mil páginas no In-Town-Net

Michel Hervé conclui afirmando: “No In-Town-Net reencontra-se usos relacionados com as diversas dimensões da vida quotidianas: uso pela própria prefeitura no campo das relações com os cidadãs e a administração, no urbanismo da cidade, na economia e no comercio, na educação (para transformar a abordagem pedagógica do conhecimento), no campo de emprego e da cidadania (para transformar nossa prática democrática)” (Hervé, 1998 P 51)

O desenvolvimento rápido das tecnologias de ponta e, particularmente das NTICs mudou radicalmente os serviços e os meios de produção e exige 87 uma constante reconversão dos recursos humanos, desde a alta gerência até o chão da empresa As pessoas e as organizações que se recusam a ingressar no processo de formação continuada estão condenadas a desaparecer a curto prazo

Definimos a formação continuada como: “Um conjunto planejado de meios institucionais capazes de levar e manter os recursos humanos em grau de competência necessitado pela organização e desejado pelo interessado” A formação continuada (Vigneron 1997 P 139) Nas organizações, a formação continuada permite permite o desenvolvimento uma melhor comunicação e por conseqüência um melhor relacionamento de uma comunicação interno, assim como uma melhor qualidade não somente da produção e dos melhor nas organizações< serviços, mas também uma melhor qualidade de vida

Portanto, a formação continuada não pode ser confundida com o treinamento, que é condicionamento e que ensina sem variantes possíveis, uma única maneira de realizar uma boa operação Ela deve ser também um desenvolvimento que torne a pessoa autônoma e capaz de tomar as decisões adequadas

A formação continuada permite o desenvolvimento da comunicação nas organizações É um instrumento privilegiado, para desenvolver uma política e uma estratégia de comunicação nas organizações De 1974 a 1981, trabalhamos na França num IRAP (Instituto de pesquisa e aplicação pedagógico A missão desta instituição era a pesquisa e sua aplicação em projetos de formação continuada nas empresas Rapidamente, começamos de receber muitas demandas de formação na área da comunicação: formação dos executivos e das chefias intermediárias As vezes as demandas tinham um alvo bem determinado: a comunicação com trabalhador imigrantes de origem islâmica; a comunicação com os funcionários de uma nova fabrica de automóveis na qual a linha de montagem é robotizada Da mesma maneira a implantação de Intranet numa organização implica uma formação adequada a estas novas formas de comunicação

Nas conclusões do livro L’Intranet Michel Germain explicita de maneira clara o papel das novas tecnologias na empresa e a necessidade de uma política séria de comunicação: “Por sua contribuição a eficiência da empresa, graças as suas funcionalidades de trabalho individual e coletivo, de comunicação, de troca e de modelização dos conhecimentos, de ajuda nas decisões, a Intranet constitui um fenômeno de maior importância e sua amplitude começa a ser levada a sério Seu desdobramento necessita de provocar um esforço de reflexão profunda sobre a organização, sobre os 88 princípios do management e sobre as práticas da comunicação A intranet leva a instituição a analisar seus modelos de funcionamento e a interrogar- se sobre sua cultura e sobre sua identidade Assim cria-se um processo de introspeção salutária que se revela como a melhor chave de compreensão da identidade partilhada” (Germain, 1998, p99)

Bibliografia

CABIN, Philippe (org) – La communication Etat des savoir Paris Editions Sciences Humaines1998 462 p

CAIRNCROSS, Frances O fim das distâncias Como a revolução nas comunicações transformará nossas vidas São Paulo Nobel/Exame 2000 341 p

FRIEDMANN, Georges –O futuro do trabalho humano Lisboa Morais 1968 272 p

GERMAIN, Michel – L’Intranet Paris Ed Economica 1998 112 p

GIRARD, Hélène – Comprendre le télétravail Paris Les Editions du Téléphone, 1995 A implantação da Intranet 238 p numa organização implica

HERVE, Michel – “L’école Ouverte sur la cité” In SERRES, Michel & AUTHIER, Michel formação adequada a estas (Orgs) Apprendre à distance Paris Le monde de l’Education Septembre 199890 p novas formas de comunicação< LEHNISH, Jean Pierre – La comunication dans l’entreprise Paris PUF 1985 127 p

ROGERS, Carl – Sobre o poder pessoal São Paulo Martins Fontes 1978 274 p

SERVAN-SCHREIBER, Jean Louis – Profissão patrão São Paulo Cultura Editores Associados 1993 328 p

TAPIE, Bernard – Ganhar São Paulo Livraria Cultura editora 1995 218 p

VIGNERON, Jacques – Comunicação interpessoal e formação permanente São Paulo Angellara Editora 1997 218 p

VIGNERON, Jacques – “Mobilidade e comunicação nômade” In Libero Fundação Casper Libero Ano II- N} 3-4 1999P42-45

89 MARKETING CULTURAL: OS PATROCINADORES E A MÍDIA Luiz Felipe d’Avila

A história do nascimento de Bravo! é muito ilustrativa para debatermos Luiz Felipe d’Avila formou-se em a relação entre patrocinadores e mídia Quando nós resolvemos fazer a Ciências Políticas pela Universidade Bravo!, há 3 anos, as pessoas diziam que éramos loucos, que faríamos uma Americana em Paris em 1987 e vem atuando na área de mídia revista de um único número, porque não havia mercado, leitores e anunciantes desde 1990 para uma revista mensal de cultura O índice de mortalidade dos projetos editorias no Brasil é altíssimo: 80% das revistas lançadas no mercado editorial Como escritor, publicou vários livros não completam um ano de vida Esta média deve saltar para 99% quando sobre temas políticos Trabalhou como editorialista do Estado de se trata de uma revista cultural S Paulo e da Gazeta Mercantil, como comentarista político na Em vez de nos desanimar, o desafio nos estimulava a buscar as alternativas Radio Trianon, na TV Manchete e na Rede Record Também foi financeiras para realizar o nosso projeto editorial Para lançar a revista, apresentador do Programa de precisávamos descobrir um meio de diminuir o risco do negócio Foi então Negócios na TV Record que descobrimos a Lei Rouanet Apresentamos o projeto editorial da Bravo! ao Ministério da Cultura (MinC) e, em alguns meses, obtivemos a Em junho de 1996 fundou a Editora D’Avila, da qual é diretor aprovação do Minc Mesmo com a Lei Rouanet, tive de peregrinar durante e presidente A Editora D’Avila 6 meses por várias empresas para conseguir fechar as cinco cotas de publica as revistas República, patrocínio que havíamos estabelecido como meta As cotas não seriam Bravo! e Sabor Pão de Açúcar suficientes para cobrir todas as despesas da revista, mas eram fundamentais Esta palestra foi proferida em para diminuir o risco de um projeto tão arriscado, do ponto de vista financeiro 26/10/2000 A compra antecipada de cotas numa revista de cultura que iria ser lançada era, para mim, uma prova importante para testar a viabilidade comercial do projeto Bravo! Quando empresas dos mais diferentes setores fecharam as cotas de patrocínio da revista, cheguei a conclusão de que uma publicação cultural bem feita e original, atrelada à Lei Rouanet, era comercialmente viável Os cinco cotistas da revista – Banco BBA, Banco Real, Volkswagen, Shopping Iguatemi e Pão de Açúcar – eram tradicionais patrocinadores de projetos culturais, por isso, quando resolveram apoiar a Bravo!, nós sabíamos que tínhamos as condições financeiras para fazer a melhor e mais importante revista de cultura do país 90 A Bravo! teve de enfrentar 3 grandes desafios O primeiro foi limitar o enfoque editorial nos temas genuinamente culturais A revista foi dividida em cinco editorias: artes plásticas; cinema; música; teatro; literatura; teatro O desafio de uma revista e dança que formavam uma única editoria É verdade que alguns jornais e cultural é separar o joio do revistas tratam de outros temas, como novelas, nos seus cadernos de cultura trigo< Para a Bravo!, novela é entretenimento, mas não é cultura Este é, de fato, um dos diferenciais da Bravo!:

O desafio de uma revista cultural é separar o joio do trigo, a cultura do entretenimento e formar uma redação que fosse capaz de fazer uma revista mensal de cultura sem a fobia dos “furos” e a enxurrada de notícias pausterizadas preparadas pelas assessorias de imprensa que inundam redações com seus “press-releases” As pautas da Bravo! precisavam durar pelo menos 40 dias numa revista mensal Esta periodicidade ajuda os jornalistas e colaboradores da Bravo! a se distanciarem da pressão dos lançamentos e estréias que atormentam os editores dos cadernos culturais nos jornais e revistas e os fazem pensar em pautas que discutam a cultura de forma mais profunda e analítica Nós já tínhamos adquirido este know-how de discussões profundas e análises com a República, o primeiro produto editorial da Editora D’Avila, revista que se propunha discutir os temas políticos com a qualidade reflexiva que o assunto merece, longe do sensacionalismo e superficialidade do debate político na imprensa brasileira

O terceiro desafio era viabilizá-la comercialmente A lei Rouanet foi um incentivo importante, mas a revista precisava de outras fontes de receita e se preparar para enfrentar a concorrência A primeira providência foi criar uma revista sofisticada – projeto gráfico ousado, impressão impecável, fotos e textos de grande qualidade – para inibir a transformação das diversas “Vejinhas” em revistas culturais e para determinar um padrão editorial de altíssima nível para os concorrentes que quisessem disputar este mercado com a Bravo! Mas a beleza gráfica, a qualidade editorial e a reputação da revista não ajudaram a Bravo! conquistar muitos anunciantes Descobrimos que o mercado publicitário não foi educado para comprar mídia segmentada e de qualidade É muito mais fácil comprar quantidade do que qualidade para as agências de publicidade A equipe comercial da revista teve de trabalhar muito para conquistas novos anunciantes e, mesmo assim, nós ainda somos as primeiras vítimas dos cortes de verba das campanhas publicitárias

E como a história da Bravo! se encaixa na discussão do marketing cultural? As leis de incentivo a cultura abriram um imenso mercado cultural Se não 91 fosse a Lei Rouanet, a Bravo! não teria sido criada e sem a Bravo!, o mercado de revistas culturais não teria surgido Depois da Bravo! surgiram outros títulos neste segmento, como a Cult, Caros Amigos e Palavra Além de ajudar a criar o mercado cultural, as empresas descobriram que o marketing cultural é uma poderosa arma de imagem institucional Investir em cultura, assim como em atividades sociais, ajuda a melhorar a imagem da empresa junto ao público O consumidor tem mais simpatia e confiança pelas empresas que investem em cultura e cidadania Mas os fundamentos das leis de incentivo precisam ser revistos

Em primeiro lugar, sou contra a idéia de uma lei que permite uma empresa deduzir 100% do valor incentivado do seu imposto de renda O teto de desconto deveria ser de 50%; os outros 50% a empresa teria de pagar com a sua verba de marketing Esta é uma maneira criteriosa de uma companhia pagar por atividades culturais que darão grande visibilidade ao seu nome Patrocinar a Orquestra Sinfônica de Chicago ou a exposição das esculturas de Rodin não dependem apenas das leis de incentivo As empresas pagariam por estes eventos mesmo se não existisse a Lei Rouanet A companhias investem em marketing cultural para que seu nome esteja atrelado a eventos de prestígio e de importância para o país Onde houver eventos culturais que reúna público qualificado e mídia (portanto, dê visibilidade), haverá dinheiro para patrociná-lo

A dedução de 100% do imposto de renda deturpa o espírito da lei Há algumas instituições (uma minoria, é verdade) que se aproveitam da lei para usá-la como um instrumento de operação financeira e não como um incentivo Além de ajudar a criar o a cultura Nós recusamos este tipo de patrocinador, pois a aceitação de mercado cultural, as verba de empresas que pensam exclusivamente no desconto não estão empresas descobriram que incentivando a cultura, mas aproveitando uma lei para pagar menos imposto o marketing cultural é uma de renda poderosa arma de imagem institucional< Em segundo lugar, o dinheiro arrecadado com o resultado das leis de incentivo deveria fazer parte de um “Fundo da Cultura” que fosse capaz de patrocinar projetos culturais de relevância regional ou local que não conseguissem patrocinadores na iniciativa privada É importante dizer que o teto de desconto determinado pela Lei Rouanet – 4% do Imposto de Renda devido – serve de grande estímulo para os 40 maiores grupos empresarias do país que pagam uma fortuna de imposto de renda Mas uma empresa de pequeno ou médio porte que gostaria de patrocinar a cultura descobre que 4% do imposto de renda não representam mais de alguns mil reais Minha sugestão é que o teto de desconto do imposto de renda seja determinado de acordo com o 92 faturamento da empresa Uma companhia que fatura bilhões de reais por ano, poderia continuar descontando 4% do imposto de renda devido, mas uma empresa que fatura dez milhões de reais por ano deveria ter uma taxa de desconto muito maior Esta seria uma fórmula para estimular empresas de pequeno e médio porte incentivarem a produção cultural Uma companhia que pudesse descontar 10% do imposto de renda para patrocinar um conservatório musical de uma pequena cidade do interior ou uma companhia teatral do bairro estará contribuindo para a cultura da mesma forma que uma empresa que patrocina a Orquestra de Chicago

As leis de incentivo a cultura foram responsáveis pela explosão da produção cultural brasileira Ajudaram a construir um mercado cultural porque criou- se um estímulo para as empresas investirem na cultura Todos saíram As leis de incentivo a ganhando com esta parceria Os artistas conseguiram os recursos que cultura foram responsáveis precisavam para fazer filmes, montar peças teatrais, publicar livros e realizar pela explosão da produção suas exposições Mas é preciso rever os critérios da lei para evitar o mau cultural brasileira e uso dos incentivos e estimular as empresas de menor porte de modo que ajudaram a construir um possam participar do patrocínio cultural Desta forma, estaríamos mercado cultural< aumentando o tamanho do mercado cultural, aumento os recursos para a cultura e democratizando o acesso a patrocinadores Quanto maior e mais democrático for o mercado cultural, melhor será o relacionamento entre patrocinadores e mídia

93 94 3 Espaços da mídia

95 96 CRISE ECONÔMICA OU CRISE NO JORNALISMO ECONÔMICO? Luís Nassif

Eu diria que a imprensa econômica está vivendo duas crises simultâneas São grandes processos de mudança É crise no sentido chinês, de Jornalista formado pela Escola transformação Nosso modelo de País está mudando completamente; outro de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Brasil está surgindo e a imprensa ainda não sabe como abordar essa nova Luís Nassif tem 50 anos realidade: Outra crise é a do pensamento econômico da qual a imprensa É Diretor Superintendente da econômica vem a reboque Agência Dinheiro Vivo, primeira empresa de informações eletrônicas do País Desde os tempos do Delfim, nos anos 70, criou-se uma supervalorização da análise macroeconômica Não é mistificação recente, porque já tem história Colunista, membro do Conselho Mas se trata de uma tendência recorrente na vida do País Editorial da Folha de S Paulo e comentarista Econômico da Rádio e Televisão Bandeirantes, Nassif Meu ídolo na interpretação de Brasil se chama Manoel Bonfim, historiador ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo sergipano que foi morar no Rio de Janeiro No começo do século, ele fez um ano 1986, Categoria Nacional, livro clássico chamado “América Latina, Males de Origem”, onde analisava com a matéria “O Plano Cruzado” o início da República Quando você compara a República Velha com a Nova Esta palestra foi proferida em República é extraordinária a similitude dos dois períodos E ele desenhava 18/11/1999 muito claramente o papel do economista, do financista, como ele chamava na época, que, quando se transpõe para agora, é o papel do nosso Cruzado

O que Manoel Bonfim dizia? Você tinha um modelo fechado, em que poucos se beneficiavam do Estado Aí, acaba o pacto conservador e todos os grupos que, de alguma forma, ajudaram a abrir o modelo se sentem com o direito de tirar sua casquinha Trata-se de apropriação do Estado de forma desorganizada Como a receita estatal é finita, esse pessoal começa a gastar mais do que pode e o Estado quebra Mas como o Estado tem o monopólio da emissão do dinheiro, o que era uma crise do Estado vira uma crise da Nação, uma crise do País

Começa então um processo de avaliação, uma crítica que surge no seio da sociedade para saber o que aconteceu Entende-se que a crise do País é 97 uma crise do Estado, daquela maneira como o Estado foi privatizado e sendo apropriado por forças diversas E quando se instala essa consciência sobre o papel do Estado, entra em cena o que Manoel Bonfim chamava o financista, estereótipo do nosso Cruzado, do nosso economista milagroso dos anos 70, 80 e 90, o qual diz: “Olha, eu estudei lá fora, conheço teoria econômica Por isso, tenho a solução, resolvo tudo” E como ele procedia? Por não ter de lidar com os malabarismos da inflação inercial, bastava conseguir o equilíbrio orçamentário Com equilíbrio orçamentário, o resto está salvo

Outro modelo de País está Então, por onde começar? Cortes nos soldos das Forças Armadas? Se isso surgindo e a imprensa ainda acontecer, perde-se poder Cortar benesses dos políticos? De jeito nenhum! não sabe como abordar Corroeria as bases de apoio do governo esse nova realidade< Dessa maneira é que se começa a cortar onde houver menor resistência: na educação, saúde, infra-estrutura básica Quando o processo se completar, a inflação acaba Daí, o financista afirma: “e o País foi salvo” Não foi O Estado, aquele modelo político, foi salvo e o País ficou mais pobre

Esse papel mistificador do economista - papel político, no mau sentido -, existia no início do século, na proclamação da República Depois foi revitalizado a partir do Plano Cruzado, quando se promoveu a mesma privatização do Estado, a mesma desorganização Quando os cidadãos começam a se conscientizar, um grupo de economistas anuncia: “eu tenho a força!” E monta um plano econômico que dura pouco tempo

Esses fatos revelam um aspecto mágico muito profundo em nossa cultura portuguesa: o Dom Sebastião, vindo do céu, resolvendo tudo, aquele parente afastado que morre e deixa uma herança para a gente É só ver o caso do Barão de Cocais Quando disseram que havia uma herança, apareceram 4 milhões, 502 mil descendentes dele

O Plano Cruzado tinha esse componente político-cultural muito forte E falhou porque não era um plano correto, não tinha base correta Não é isso que resolve o País Garantiu a eleição de 23, entre 24 candidatos a governador do PMDB, esgotou-se logo em seguida, mas resgatou e preservou –e a imprensa econômica ajudou a preservar– essa ideologia dos pacotes, que transformava a construção de um País num processo mágico Havia suposições no ar: “ah, a reunião de CarajásSe o Sarney tivesse ouvido os economistas Cruzados naquela ocasião” Digo que não teria acontecido 98 nada Talvez o Cruzado ganhasse mais dois meses de sobrevida, porém as condições ainda eram amplamente desfavoráveis

Ao longo dos anos, desde então, a ideologia desses grupos de economistas acadêmicos acabou se impondo na imprensa O caso deles se parece com o da Revolução de 9 de Julho, em São Paulo, que é a única derrota comemorada, em todo o País Passamos a comemorar a derrota do Cruzado Era comum ouvir frases do tipo: “tinha tudo para dar certo Os políticos é que não ajudaram”; “se o Sarney tivesse ouvido aqueles tais economistas” Ou seja, esse aspecto místico ficou enraizado

O interessante é que havia dois grupos de acadêmicos, com linhas de pensamento distintas, que se uniram para fazer o Cruzado A corrente que desenvolveu a base teórica da nova moeda era ligada à PUC do Rio de Janeiro O outro grupo veio da Unicamp Ambos assumiram uma função política das mais relevantes Passaram a garantir a eleição de partidos políticos O grupo da PUC se aliou ao PSDB; o da Unicamp, ao PMDB, até a hora em que o PMDB naufraga, com a imprensa dando a retaguarda A crise do jornalismo A falta de conhecimento que a imprensa especializada tem sobre teoria econômico é, antes de mais econômica fez com que esses acadêmicos gerassem idéias alienadas, nada, uma crise da análise algumas delas extraordinárias, distantes do mundo real Outro dia, um filósofo macroeconômica< carioca escreveu um artigo, que até citei em minha coluna Ele não se referia a economistas, mas a filósofos Falava sobre ciência e demência Dizia que o intelectual é, basicamente, um autista O poder do intelectual é sua própria teoria

Ele passa a acreditar tanto naquela teoria, que descura a própria realidade E não existe nenhuma teoria que seja dissociada do real A teoria é uma forma de explicar a realidade Então, no meio do caminho, o intelectual começa a perceber sinais de realidade que não estavam previstos na teoria original Sua primeira sensação é de que está ficando louco Pensa que está vendo coisas Daí, como é inteligente, cria uma teoria para justificar para si mesmo que não está vendo o que está diante dos seus olhos

Então, eu diria que a crise do jornalismo econômico é, antes de mais nada, uma crise da análise macroeconômica Tivemos um período em que consagramos os gurus Eu passei por isso, como jornalista econômico voltado para finanças As pessoas me paravam na rua: “Qual é aquela dica que vai enriquecer?”, e outras histórias Eu me recusei a entrar nesse jogo de mistificação Porque bastava dominar duas ou três expressões do economês 99 para se tornar poderoso E foi essa mistificação que pautou toda a década de 90

Falamos muito sobre o provincianismo do brasileiro O Presidente fala que o brasileiro é um caipira (não no sentido depreciativo), mas qualificando uma visão auto-centrada, sem perspectivas internacionais O Presidente tem experiência internacional, mas não visão internacional No fundo, o que ele trouxe foi uma reflexão sobre a realidade muito semelhante à crítica que o Barão de Mauá fazia ao Dom Pedro II

São intelectuais que vêem a modernidade como algo genérico Mas é preciso ter instrumentos específicos que nos levem a ela Muitos têm fascínio por quem tem habilidades intelectuais Mas a gestão não depende de habilidades intelectuais Depende da capacidade gerencial

Isso explica por que ficamos quatro anos com essa política de câmbio arrebentando o País Também ajuda a explicar porque alguns intelectuais brilhantes forma um fiasco em cargos importantíssimos Não tem nada a ver a função do intelectual, com a função do gerente Nós tivemos alguns dos melhores economistas na presidência do BNDES, boa parte deles fracassados Por quê? Porque é a idéia de que uma determinada visão/ explicação resolve o problema

Nesses anos 90, outros valores começaram a se impor na economia, no mundo real Valores da gerência, dos programas de gestão da qualidade, da A macroeconomia brasileira, busca da eficiência, do planejamento estratégico, da inovação tecnológica manipulada pelos Valores que constróem a riqueza, efetivamente O Brasil está um pouco economistas ligados ao atrapalhado pelos erros cometidos com políticas de juros e de câmbio, setor financeiro, está longe especialmente Mas, por aqui, essas transformações também são das mais de perceber o que está relevantes acontecendo< Dia desses eu estava mediando um debate entre um economista do governo e outro da oposição O consenso entre eles era o seguinte: enquanto o Brasil não recuperar os níveis de investimento dos anos 80, o País não sai da crise Isso significa 20% do PIB, em investimentos Daí, eu perguntei: os anos 80 foram anos dinâmicos? Não Foram anos de estagnação O que essa relação investimento/PIB tem a ver com a história? E ainda perguntei o seguinte: aonde entra a usina de Porto Primavera? Ela começou em 1980, era para custar um bilhão de dólares, entrou o Quércia, e tudo acabou saindo por US$ 10 bilhões Não gerou um quilowatt/hora Como isso entra na conta dos economistas? Entra como investimento 100 Todas aquelas obras paradas, por conta de descontinuidade administrativa, toda aquela corrupção que a inflação permitia, superfaturamento, prejuízo, desperdício, o macroeconomista interpretava de que forma? Como investimento Então, não entendiam nada do que estava acontecendo Daí, apresentei uma história que conheci Em 95, com aquela política maluca de juros, o País quebrou Eu fui a duas regiões de indústrias de calçados Ambas quebradas, Franca e Birigüi Um ano e meio depois, voltei às cidades A economia da região de Birigüi voando; a de Franca, por outro lado, ainda quebrada E qual foi a diferença?

Em Birigüi, um presidente do sindicato local convocou o pessoal das indústrias de calçados e falou: “Olha, gente, a única maneira de sobreviver é a união de todos nós” Montaram programas de qualidade, conseguiram que os fornecedores financiassem viagens e realizaram pesquisas de opinião, em outros países, para saber o que os consumidores de lá queriam Acionaram o Sebrae e montaram feiras na Argentina e na Venezuela Criaram uma No jornalismo há o comercialização conjunta, saíram da crise Franca continuou na mesma fenômeno Maria-vai-com- Qual foi a diferença dos dois pontos? Investimentos? Nenhum tostão de as-outras: nada mais é que investimento O que fez a diferença foram novos valores gerenciais e culturais, o medo de correr riscos< que mudaram aquela realidade Periodicamente, escolhe-se um bode expiatório que é A macroeconomia brasileira, manipulada pelos economistas ligados ao setor malhado por todos< financeiro, está longe de perceber o que está acontecendo Outro dia, saiu um relatório da McKinsey, uma grande empresa de consultoria, tentando avaliar a competitividade da economia brasileira Eles pegaram um espectro que foi do carrinho de hot-dog à empresa de telecomunicações Compararam com os Estados Unidos E concluíram: “se os Estados Unidos têm cem de competitividade, o Brasil tem 55, 45 pontos atrás” E, pelo relatório, é possível alcançar mais 35 pontos simplesmente com melhor gerenciamento das empresas e acordos cooperativos, ao longo da cadeia produtiva Esses são valores que passam ao largo das análises macroeconômicas

Há um livro de uma professora da UnB - não me lembro o nome dela agora - sobre a Itália: Itália: um Besouro que Voa A Itália transformou-se na economia mais dinâmica da Europa Mas ela observou que por todos os indicadores macroeconômicos –investimento em tecnologia, investimento de uma maneira geral, ativo fixo, etc– a Itália continuava tão atrasada quanto há 20 anos e, no entanto, era um outro país O que havia mudado?

Aí entram os aspectos da Nova Economia A crise de hoje é de natureza criativa Há uma reformulação de todo o processo de pensar, e de atuar no 101 âmbito econômico É a descentralização Surgem novos setores Empresas começam a trabalhar de uma forma conjunta E essa realidade não se reflete ainda na cobertura da nossa imprensa econômica

São mudanças no País, na economia Um vetor de mudança, que também é fundamental, diz respeito às mentalidades O que aprendemos nas escolas, nas universidades, eram formas estanques de pensar O médico queria A questão de buscar os aprender sua função e não se dar conta do que estava à sua volta O diversos ângulos foi por empresário, o executivo, cada vez mais concentrados na parte financeira água abaixo< A imprensa se Também descuraram do entorno tornou unanimidade< Em qualquer escândalo, E o novo modelo que vem pela frente, que exigirá mudanças principalmente normalmente, a cobertura no âmbito das empresas – o foco mais dinâmico da sociedade -, deve gerar segue numa única direção< análises sistêmicas, de conjunto Acaba a história de investigar o problema A, o B ou C, isoladamente É preciso superar a mera análise dos números

Na cobertura diária isso é difícil, porque o repórter normalmente não é especialista na matéria Ele está começando, e não conhece economia o bastante Os editores, por seu turno, são especialistas em fechar matérias, mas não em economia

Tomemos o exemplo do câmbio Em 1998, estava lá, em todos os jornais: “o câmbio vai se sustentar, coisa e tal” De cada 10 opiniões que a imprensa divulgava sobre o câmbio, nove eram do mesmo grupo de pessoas – o pessoal que trabalha com o Maílson da Nóbrega, à época quase isolados em sua opinião de que o câmbio não mudaria Eram consultados todos os dias

Eu estava assistindo à Globo News, uma semana antes da mudança do câmbio O tom das matérias era: “os economistas brasileiros dizem que o câmbio não muda” Ouviram o economista A, o economista B, todos da mesma consultoria, a Tendência O Maílson tem inúmeras virtudes em outros aspectos de conhecimento da economia Porém, na análise macroeconômica, ele errou todas até hoje Errou na crise mexicana, errou tudo

Por que, então, a imprensa repete as mesmas fontes? Havia economistas com visões mais críticas, técnicas Eles demonstravam, por A + B, que seria impossível o câmbio continuar do jeito que estava Por que não eram ouvidos? Aí, entra um ponto, que ocorre em muitos setores - ocorre no setor de bancos, por exemplo - que é o medo do risco 102 Nos bancos, os gerentes foram acostumados, no período de inflação alta, a não correr risco algum Análise de risco, definição de crédito, tudo era Nenhuma economia, hoje, centralizado O gerente cumpria funções burocráticas Quando muda tudo, pode ser analisada o gerente passa a ter de correr riscos É preciso fazer um baita programa de isoladamente< treinamento

Na imprensa ocorre a mesma coisa O jornalista é obrigado a exercer um julgamento diário Surge um tema e você tem que exercer um julgamento E como fazer, se não tenho uma noção do conjunto? Não é possível analisá- los, isoladamente Você tem um modelo de País que acabou, um novo modelo que está surgindo Esse novo modelo tem defeitos, tem qualidades, tem tudo E você tem que entender o papel de cada agente, para fazer a crítica

No jornalismo há o fenômeno Maria-vai-com-as-outras nada mais é que o medo de correr riscos Periodicamente, escolhe-se um bode expiatório que é malhado por todos Não há a preocupação de saber se é inocente, ou culpado

Qual é o procedimento padrão dos jornalistas? Primeiro, ouvir quem já se pronunciou ontem, porque se essas fontes são recorrentes, significa que dizem o que é bem aceito Também por esse motivo se consolidam mediocridades extraordinárias Para agravar a situação, existe o fenômeno das fontes em permanente disponibilidade O jornalista indaga a si próprio: “para quem eu vou ligar? Ah, para fulano Ele está sempre ao telefone e tem uma opinião interessante, para mim”

O Editor, quando recebe a matéria, pensa: “bom, aí está o Maílson, falando a mesma coisa de sempre Então, não há risco, e eu publico” Se aparece um outro economista, dizendo que o câmbio não vai se sustentar por causas diversas, o editor tem dificuldades de avaliar e crê que a publicação pode ser arriscada Então, desvirtua-se a verdadeira função do jornalismo, que é a novidade, a busca do ângulo novo Nisso, é claro, há riscos O jornalista pode ouvir um maluco por aí, que fala um monte de bobagens Se o repórter tiver discernimento, também embarca na maluquice

A questão de buscar os diversos ângulos foi por água abaixo A imprensa se tornou unanimidade Em qualquer escândalo, normalmente a cobertura segue numa única direção No jornalismo econômico, existe ainda a ditadura dos analistas ligados ao mercado financeiro Mas suas análises quase sempre são malucas Por que? 103 Porque nenhuma economia, hoje, pode ser analisada isoladamente Mesmo os físicos descobriram que é errado analisar cada partícula, isoladamente É preciso abranger o conjunto, porque uma partícula influencia a outra Então, se não houver a compreensão de como cada partícula funciona dentro de um sistema, ninguém conseguirá ir muito longe em suas análises

Eu não posso falar só do Brasil, porque uma crise na Rússia afeta diretamente a nossa realidade E o papel do jornalista é procurar entender todas essas relações

Porém, muitas vezes essas interações entre realidades distintas são analisadas de forma equivocada Um exemplo recente: as fontes do mercado financeiro afirmavam: “se o Brasil fizer a desvalorização cambial, vai explodir a inflação” Cansamos de ouvir coisas do gênero Eu pensava: “mas o País não tem consumidor, está numa crise danada, tem uma rede atacadista de supermercados com poder de barganha Por que a inflação explodiria? Porque explodiu na Indonésia, Tailândia Mudaram o câmbio lá e explodiu a inflação Logo, vai explodir no Brasil Criaram-se confrarias entre jornalistas e determinados Outro dia, participei de um encontro no Chile, no World Economic Forum economistas, que passam a Estava o Winston Fritsch, que era um dos que diziam que a inflação ia ditar a moda intelectual< explodir Ele dizia, para aconselhar a Argentina:

- Pode mudar o câmbio que a inflação não vai explodir - Mas por que não vai explodir?, perguntavam - Porque no Brasil não explodiu - Mas, então, por que você dizia que no Brasil ia explodir? - Porque a Tailândia explodiu

Era uma coisa maluca Eu também dividi mesas de debates com analistas de bancos O padrão de análise deles é paupérrimo Diziam: “se não fizer o ajuste fiscal, se não tiver superávit fiscal, explode a inflação Enquanto não fizer o ajuste fiscal, não posso baixar os juros” Só que, se os juros permanecerem altos por muito tempo, nunca teremos ajuste fiscal Como é que se resolve essa equação? “Não interessa”, dizem a maioria deles “Se fizer um ajuste fiscal, automaticamente, estará tudo resolvido” 104 Essa teoria econômica maluca desprezou relações básicas de causa e efeito E o jornalista passou a considerar tais analistas do mercado financeiro como gurus Pensavam: “as análises podem até estar erradas Mas se o investidor acreditar, ele vai manter o dinheiro aqui Logo, não tem crise” O errado, então, se torna certo

Volto à questão das escolas acadêmicas O que ocorreu com o Departamento de Economia da PUC-RJ e com o Departamento de Economia da Unicamp foram processos muito parecidos São grupos acadêmicos que chegam até o poder e ganham um prestígio político muito forte, com o qual influenciam a imprensa Eles passam a ser os ditadores da moda Antes de falar com qualquer pessoa que pense de maneira diferente, o jornalista liga para um economista de um desses grupos Perguntam: “o que você acha do fulano?” O que era um pensamento Se a avaliação não for boa, o fulano está fora da cobertura da imprensa, é econômico, às vezes um um dinossauro pensamento até criativo, vira slogan< Criam-se, então, confrarias entre jornalistas e determinados economistas São esses grupos que passam a ditar a moda intelectual Só que a imprensa é um processo superficial, de manchetes, e essas pessoas conseguem prestígio político em cima de slogans O que era um pensamento, às vezes um pensamento até criativo, vira slogan

Alguém caçoou, certa feita, que o Presidente não lê mais o que escreveu Mas quem sustenta o que escreveu durante 20 ou 30 anos é um imbecil Não faz uma análise de acordo com a realidade A não ser em casos específicos, a análise econômica geralmente muda com a circunstância Tem de ter dinamismo

Em alguns períodos, a ênfase tem de ser o combate à inflação Daí, se a inflação for mantida sob controle, é necessário criar outras ênfases: reduzir juros, por exemplo, para produzir desenvolvimento O que não é possível é ficar preso a um slogan Quando isso acontece, as circunstâncias mudam e não podemos acompanhá-las

O pessoal vai levando esse tipo de pensamento hermético, fundamentalista, até o fim e explode Daí, desaparecem como escola acadêmica Aquela primeira geração criativa é substituída por uma segunda geração xiita, presa a dogmas, que perde a capacidade de pensar criativamente e também desaparece Só que, daí, o preço que o País pagou é altíssimo 105 Diminuiu a preponderância da análise financeira, na imprensa econômica de Quando se está numa hoje Antes, havia um ditame: bastaria o Brasil fazer o ajuste fiscal, para economia aberta, o papel da tudo estar resolvido Isso é um sofisma sem tamanho Obviamente, é mídia passa a ser necessário ter equilíbrio fiscal Mas, dependendo do nível do ajuste, corre- fundamental como se o risco de paralisar todo o País, de deixar de investir em infra-estrutura, sinalizador das novas educação, saúde e outros itens fundamentais tendências< O que vejo hoje é uma imprensa econômica atarantada Aquele poder, aquela auto-suficiência que marcava o analista de banco e o jornalista financeiro acabou Hoje, pelo menos, tem-se o benefício da dúvida Mas ainda há padrões de análise que não se comunicam com a realidade

Eu estava, hoje, conversando com o Presidente do Banco Central, Armínio Fraga Ele estava falando de um professor de Harvard, mostrando que apenas a organização da informação nas empresas está sendo responsável por um aumento de produtividade da economia americana de cerca de 3% ao ano, o que é muita coisa, em vista do poder da economia norte americana

Há temas fundamentais, como ciência e tecnologia, ainda não incorporados ao dia-a-dia do jornalismo econômico brasileiro A organização das pequenas empresas em consórcios de exportação –alternativa vislumbrada por 10 entre 10 analistas como a saída para as exportações– não se incorporou ao dia-a-dia da cobertura jornalística A descentralização, a regionalização do desenvolvimento e muitos outros temas, também não

O jornalismo continua preso às mesas de câmbio e de open do Banco Central Também não consegue escapar da cobertura massacrante de fontes da Fiesp, da Cut, da Febraban, de Brasília

Vamos pegar o caso do Banco do Brasil O Banco passou por um programa de qualidade, com impacto em toda a estrutura organizacional Gera um conjunto de informações sobre o que acontece em vários lugares do Brasil, hoje, que pode estar organizada e disponível numa Intranet, por exemplo É uma espécie de termômetro do País No entanto, quando o Banco é procurado? Quando se tem algum problema na Encol

Agora, o que se percebe é o seguinte: essa fase do escândalo cansou A fase do escândalo na imprensa tende a refluir Uma vez escrevi um artigo sobre o custo da mídia A gente fala muito em custo da Justiça, o Custo Brasil Nós temos um ponto dos mais relevantes para o País, que é o custo da mídia 106 Quando se está numa economia aberta, numa economia de mercado, o papel da mídia passa a ser fundamental como um sinalizador das novas tendências que vêm por aí Para a identificação de oportunidades de negócio, disseminação de novos conceitos e novos valores Esse papel ainda não foi conduzido adequadamente

A imprensa, hoje, está num impasse – e isso é bom Antes, não havia margens para dúvidas Havia uma certeza cega, num tipo de cobertura sem qualquer relevância para o País, como um todo Isso acabou, mas não a renovação ainda não encontrou seu caminho Muito poucas pessoas escrevem sobre o que ocorre fora dos centros de poder Você tem o Márcio Moreira Alves e o Gilberto Dimenstein, que se empenham Mas não adiantam manifestações isoladas assim Esse tipo de cobertura tem de ser diário

É um trabalho duro a interação com o jornalista, porque em algumas áreas Os anos 90 foram os anos de comando da imprensa já se percebeu que o modelo esgotou Mas não se do “vale tudo”, em que a sabe ainda como caminhar para o novo modelo A discussão de ontem na imprensa adquiriu o maior Folha era essa: como a gente faz uma cobertura descentralizada, bem poder da História, antes de distribuída? Esse é o desafio E não se trata de tarefa impossível É que nós estar suficientemente não aprendemos a fazer esse trabalho Tudo passa por uma visão da pauta madura<

Algumas pessoas tentarão jogar esses novos valores para a frente Mas ainda vai ser difícil a imprensa sair da influência nefasta da televisão, do jornalismo fast food

Mas é muito difícil, porque antes você tinha os alvos claramente definidos, tanto para a oposição quanto para a situação Havia a figura do governo, do Banco Central, da Fiesp, da Cut A coisa mais simples do mundo Era uma delícia fazer cobertura econômica, para quem era a favor ou contra Estava tudo lá Agora, eu diria que o desafio da década é localizar a figura do responsável numa realidade pulverizada, em que não há mais a figura do mocinho e do bandido

Com todo perdão pela palavra forte, para mim os anos 90 foram os anos do acanalhamento da mídia O jornalista saía da escola com a seguinte visão: “eu vou atropelar quem atravessar meu caminho, vou manipular e inventar informação O que vale é a manchete” Foram os anos do “vale tudo”, em que a imprensa adquiriu o maior poder da História, antes de estar suficientemente madura 107 E tivemos alguns modelos jornalísticos que se consolidaram nesse período Foram, a meu ver, o supra-sumo da leviandade, da irresponsabilidade, da falta de compromisso com a qualidade Se não houver notícia quente, inventa- se uma

Agora estamos entrando na era da maturidade, onde o próprio leitor passa Estamos entrando na era da a exigir qualidade de informação Ele também quer informação útil, novidade maturidade, onde o próprio Minha esperança é de que os próximos dez anos sejam de amadurecimento leitor passa a exigir A imprensa, em que pesem alguns exageros, vai conseguir cumprir sua qualidade de informação< função social e pública

108 DESENVOLVIMENTO E JORNALISMO ECONÔMICO Márcio Moreira Alves

Em primeiro lugar, quero observar que os jornalistas brasileiros são os que, no mundo, têm maior intimidade com os termos e os conceitos da economia Márcio Moreira Alves, 65, escritor e É o fruto de décadas de crise e de inflação descontrolada A mídia brasileira jornalista nascido no Rio de Janeiro, em 1936, mantém uma coluna também é a que maior espaço dedica às notícias econômicas de análise política diária no jornal O Globo, republicada em outros Os grandes jornais têm cadernos diários de economia, todos têm colunistas jornais do país especializados, noticias econômicas são divulgadas pelas rádios e pelos Começou no jornalismo como noticiários de TV com grande ênfase As TVs a cabo têm programas diários repórter do jornal Correio da Manhã, de entrevistas econômicas e os responsáveis pela economia no Governo do Rio de Janeiro, em 1956 e em Federal acabam sendo caras conhecidas, se bem que raramente queridas, 1958 ganhou o Prêmio Esso de de vez que não têm dado motivos para serem amados Reportagem, pela cobertura que fez do impeachment do governador de Alagoas, quando, apesar do fêmur Todos os dias, somos informados do movimento de subida ou descida das partido por uma bala de cotações nas bolsas de valores do mundo, inclusive de lugares remotos, metralhadora, mandou a sua que temos dificuldades em localizar nos mapas, como Kuala Lumpur ou reportagem

Cingapura Essa pletora de informações não acontece em nenhum outro Ex-deputado federal, foi cassado lugar que eu conheça no mundo pela ditadura militar em dezembro de 1968 Pessoalmente, não vejo grande utilidade em saber, logo de manhãzinha, Bacharel em Direito pela antiga como se comportaram durante o dia as bolsas de Tóquio ou de Hong Kong Universidade do Estado da Devo ser uma exceção, pois de outra forma as TVs não manteriam esse Guanabara, é doutor em Ciências serviço, que ocupa espaço e custa dinheiro Aliás, acho que é dinheiro Políticas pelo Institut des Sciences jogado fora, de vez que os raros interessados nessas informações, os Politiques da Universidade de Paris I, Sorbonne Tem 12 livros publicados, operadores do mercado financeiro, são todos assinantes de serviços on-line alguns traduzidos em várias línguas de agências noticiosas especializadas e fez conferências nas principais universidades dos Estados Unidos e As décadas de inflação obrigaram os jornalistas econômicos a se da França familiarizarem com o jargão americano dos economistas Duvido que um Esta palestra foi proferida em jornalista europeu não especializado saiba o que é overnight, hedge, swap, 18/11/1999 inflation targeting, sistema cambial de crawling peg, compra de petróleo no 109 spot market de Roterdam, waiver do FMI e outras esquisitices, que são o pão nosso dos nossos repórteres, expressões que são ditas com a maior naturalidade na TV, como se estivessem falando o inglês que o povo entende, que é foul, penalty e corner

Os jornalistas políticos também são contaminados pelo imperialismo da economia Somos obrigados a lidar com os sábios da equipe econômica por que no Brasil, ao contrário dos países do G-7, onde são meros assessores dos governantes, os economistas decidem com grande independência e distanciamento das instâncias políticas

A manutenção, por quatro anos e apesar das advertências vindas de dentro do próprio Governo, de ministros, como José Serra e Luís Carlos Bresser Pereira, e de altos funcionários, como José Roberto Mendonça de Barros, secretário de política econômica do ministério da Fazenda, de uma insensata política de endividamento interno e externo, produziu a maior crise econômica da história da República, crise cujas conseqüências os netos dos nossos netos ainda pagarão

É a primeira vez, desde a constituição da dívida brasileira inicial, por ocasião do tratado de reconhecimento por Portugal da independência do Brasil, que assumimos encargos sem uma correspondente melhoria nas condições de vida do pais Não produziu essa política de endividamento um emprego, um quilômetro de estrada, um quilowatt de energia, um hospital Ao contrário: Os jornalistas políticos são fecharam-se postos de trabalho, cortaram-se as verbas da educação e da contaminados pelo saúde, permitiu-se o sucateamento de boa parte da malha rodoviária e a imperialismo da economia< obsolescência dos laboratórios e centros de pesquisa universitária Também somos obrigados a lidar com os sábios da Portanto, dou aqui a minha resposta à primeira indagação do tema que nos equipe econômica< foi proposto: crise econômica, sem dúvida, e de gigantescas proporções, sem que se possa ver com segurança a sua superação A crise econômica é, também, uma crise do jornalismo econômico?

Acho que a resposta também é afirmativa Não considero ter sido bem informado do estado real da economia ao longo dos últimos anos pelos colegas especializados A débâcle de janeiro de 1999 não foi surpresa para mim, mas não fui prevenido pelos colegas, pelo menos os dos grandes jornais Já não falo dos que militam em outros tipos de mídia, rádios e TVs, por serem necessariamente mais superficiais e efêmeros Os anúncios que recebi vieram sobretudo, de políticos com experiência na matéria, como Maria da Conceição Tavares, Delfim Neto e Ciro Gomes, e de jornalistas de 110 órgãos menos difundidos da imprensa escrita ou mesmo através de e-mails, que difundem textos críticos de colegas jornalistas como Marcos Dantas, especialista em telecomunicações, e Aloísio Biondi, feroz adversário das privatizações e da forma como foram feitas

Atribuo essa lacuna de informação a algumas razões A primeira e, talvez, a mais importante, é a ausência de um método de observação participante, como o empregado pelos antropólogos Os antropólogos desenvolveram a A crise econômica é, observação participante para estudarem pequenos grupos fechados, também, uma crise no geralmente tribos ou sociedades primitivas jornalismo econômico<

Trata-se de se inserir na vida do grupo objeto de estudo, notar tudo o que fazem, sem se deixar envolver emocionalmente Ou seja: o cientista participa de todas as atividades do grupo –maneiras de obter os alimentos, pescando, caçando, plantando, rituais propiciatórios ou de iniciação, as formas de guerrear e de fazer as pazes– além de destrinchar as relações de parentesco e as relações sexuais, tudo isso mantendo um distanciamento essencial à interpretação do que vêem Só que, para fazer isso, o observador tem de ser aceito no grupo, como se a ele pertencesse

Reconheço que é muito difícil, mesmo para os antropólogos, manter o distanciamento essencial à observação participante, estabelecendo uma fronteira entre a participação e o envolvimento Mais difícil ainda é ser aceito pelo grupo e não ter a tentação de a ele integrar-se verdadeiramente Margareth Mead, que escreveu o clássico Coming of Age in Samoa, ou Malinowski, autor de Argonauts of Western Pacific, que aplicaram o método, foram criticados pelos colegas

Quem estabelece a linha que separa o envolvimento emocional da observação participante? E quem garante que o observador é, realmente, aceito pelo grupo? Esse problemas se colocam nas relações entre os jornalistas e seu objeto de estudo, que é a fechada comunidade dos economistas e, mais fechada ainda, a dos economistas que estão em postos-chave do Governo

Os economistas dificilmente aceitam integralmente os jornalistas como membros do seu grupo Consideram que são detentores de um saber específico e dificilmente alcançável, como acreditavam os sacerdotes egípcios serem interlocutores e intérpretes dos deuses Logo, não reconhecem nos jornalistas igualdade de conhecimentos, de vez que esse reconhecimento seria a dessacralização de seu saber e a sua vulgarização 111 No entanto, precisam difundir as suas teses e a justificativa das suas políticas para o grande público e, para isso, dependem dos jornalistas Em conseqüência, procuram com eles estabelecer relações privilegiadas e de confiança Uma das maneiras de se estabelecer essa confiança é admití-los nos seus ritos propiciatórios, que geralmente tomam a forma de seminários Os economistas gostam de ou de conversas reservadas ter as suas idéias difundidas e usufruem a notoriedade Os jornalistas, por sua vez, têm necessidade de penetrar nesses círculos quando isso acontece< estratificados, para colher a matéria de seus artigos Logo, aceitam a participação e, por vezes, aceitam até fazer segredo das suas fontes, o que é uma violência contra as regras da profissão, que costumam exigir, na redação das notícias, que se diga quem fez ou disse o quê, onde, quando e em que contexto Há, nesse relacionamento, uma certa interferência da vaidade humana Os economistas gostam de ter as suas idéias difundidas e usufruem a notoriedade que ganham quando isso acontece Os jornalistas, pelo seu lado, gostam de ser considerados veículos valorizados dessa divulgação O perigo mora em assumir como suas as idéias dos outros

Coloca-se, nesse ponto, outro problema: o de separar o joio do trigo e de manter o senso crítico É um problema que envolve outro: o domínio, por parte dos jornalistas, dos conceitos da economia e o conhecimento das fontes acadêmicas que os inspiraram

Durante alguns anos, prevaleceu, na imprensa especializada dos países centrais, o que se chamou de “pensamento único”, ou seja, as teorias neoliberais postas em prática nos Estados Unidos pelo presidente Ronald Reagan e, na Inglaterra, pela primeiro-ministro Margareth Thatcher Tratava- se, em essência, de criar renúncias fiscais para os ricos e as grandes empresas, ao mesmo tempo em que se reduziam os déficits públicos cortando os gastos sociais e privatizando as empresas estatais

Os americanos tiveram um aumento da desigualdade social, com uma maior concentração da renda; os ingleses sacudiram sem demolir integralmente as bases do seu estado de bem estar social e pulverizaram a propriedade das suas estatais, notadamente a British Petroleum e a British Telecom, vendendo para centenas de milhares de novos acionistas as ações das suas empresas Hoje, esse pensamento único não existe mais Politicamente foi contestado pelas vitórias eleitorais do democrata Bill Clinton e do trabalhista Tony Blair No continente europeu, especialmente na França e na Alemanha, nunca ninguém levou muito a sério o tal pensamento único 112 As vitórias eleitorais dos partidos socialistas em ambos os países foram motivadas, sobretudo, pelo aumento do desemprego causado pela rigidez da política monetária comum, decorrente do Tratado de Maastricht e da implantação do euro

A grande imprensa brasileira não deu ênfase aos pontos básicos das novas políticas econômicas vitoriosas e, muito menos, explicou as diferenças entre as privatizações européias e as brasileiras A falta de informações me obrigou a estudar teoria econômica por vários meses, para poder explicar aos meus leitores, numa série de artigos, as idéias dos principais economistas desde 1930, as suas polêmicas e propostas

Essas colunas, necessariamente superficiais e incompletas, tiveram boa acolhida dos leitores e muitos estudantes de economia me pediram permissão para reproduzi-as em apostilas, o que me convenceu de não ser o único a sentir a carência de conhecimentos Fiz isso, numa coluna sobre política, A grande imprensa por não haver encontrado as informações relevantes nas colunas brasileira não deu ênfase especializadas em economia O que nos leva a outras lacunas que percebo aos pontos básicos das no jornalismo econômico: a lacuna das informações novas políticas econômicas vitoriosas na Europa e, É muito difícil, mesmo para um especialista, acompanhar a evolução do muito menos, explicou as pensamento econômico nos países centrais, sobretudo nos Estados Unidos diferenças entre as e na Inglaterra, onde, em grande parte, ele nasce e é divulgado Milhares de privatizações européias e artigos são publicados todos os anos nas revistas acadêmicas e na imprensa brasileiras< de divulgação econômica A exagerada formalização matemática desses artigos torna difícil a sua compreensão e árdua a sua leitura

Nem os economistas profissionais brasileiros podem garantir que acompanham o estado da arte Ao contrário: como a pesquisa acadêmica é reduzida no país, o que acontece é que quando voltam de seus doutorados nas grandes universidades americanas, estão mais ou menos a par do estado da arte Com o passar do tempo, vão se desatualizando É o que parcialmente explica a continuada vigência no Brasil e nos demais países periféricos, de teorias que se tornaram obsoletas e foram substituídas no centro

Infelizmente, essas teorias são as que mais convêm aos mercados financeiros que sejam tomadas por axiomáticas, ou seja, tão imutavelmente verdadeiras que sequer precisam ser provadas Note-se que em muitos campos, as universidades e centros de pesquisa brasileiros, como na Medicina, na Física Teórica, na Agronomia, nos métodos de exploração do petróleo em águas profundas, na transmissão de grandes blocos de energia a longa distância, etc, já fizeram descobertas e produziram pensamento original 113 Em Economia, nada Só temos papagaios repetidores Os jornalistas, que são caudatários das suas fontes, ficam menos atualizados ainda É como se os engenheiros da Embraer não tomassem conhecimento dos motores a jato e acreditassem que os motores a turbo-hélice fossem os mais modernos do mundo

Outra questão crucial é a da linguagem Além de matemática, os economistas e seus amigos jornalistas precisam saber bem inglês, o que nem sempre acontece e dedicar um imenso tempo para acompanhar ao menos a literatura pontual da matéria: o Wall Street Journal, o Economist, o Financial Times, para não falar dos boletins de análise conjuntural, publicados pelos principais bancos de investimentos, ou de publicações mais sérias, como o Journal of Economic Literature, o Journal of Monetary Economy, o Economic Journal ou mesmo a parisiense Révue Économique

Logo: como as fontes são ruins e obsoletas, o que nelas se colhe também é ruim e obsoleto Há, em virtude dessas carências, uma tendência basbaque: basta aparecer um economista estrangeiro, professor de uma universidade americana de preferência, para darmos enorme destaque às suas observações, como se o visitante conhecesse o Brasil e tivesse credenciais para analisar a complexa economia do único país subdesenvolvido que é plenamente industrializado

Em relação às previsões do mercado financeiro então, a basbaquice é patética Os bancos de investimentos de Nova York têm, todos, um Brazilian desk, geralmente pilotado por um jovem brasileiro saído da pós-graduação de uma grande universidade Esses rapazes, que muito pouco sabem do Brasil, são ouvidos como oráculos infalíveis Pessoalmente, deles nunca Só temos papagaios ouvi uma análise original ou uma idéia que indicassem conhecerem sequer repetidores< Os jornalistas, como funcionam as instituições nacionais que são caudatários das suas fontes, ficaram menos Finalmente, um último problema: o oficialismo Um número considerável, atualizados ainda< talvez majoritário dos jornalistas econômicos, bem como dos demais formadores de opinião, votaram para presidente em Fernando Henrique Cardoso, ao menos na primeira eleição Era ele quem tinha maior identidade conosco e, portanto, era o candidato que recebia maior confiança

Projetávamos nossas esperanças na possibilidade de termos, finalmente, um governo honrado, voltado para a diminuição das injustiças sociais do Brasil, dirigido por um grupo de homens públicos recrutados no nosso meio Não podíamos imaginar o que aconteceria, não só em matéria de agravamento 114 da situação social, como de complacência com as antigas práticas de privatização dos dinheiros públicos Como as fontes são ruins e obsoletas, logo, o que nelas O viés pró-Fernando Henrique parece-me que se estendeu aos seus auxiliares se colhe também é ruim e da equipe econômica, fazendo com que os jornalistas econômicos obsoleto< mantivessem por exagerado tempo as viseiras que os impediam de constatar o desastre Resultado: a crise econômica tornou-se também uma crise do jornalismo econômico

115 O BRASIL VISTO DE FORA Bill Hinchberger

A imagem vem de várias formas: de livros, filmes, etc Mas, de certa forma, Bill Hinchberger, jornalista e escritor quem faz a pauta para a imagem de uma região, um país, uma empresa, é Americano, mora desde 1986 no realmente a imprensa Brasil Na década de ’90, serviu de correspondente em São Paulo para o jornal inglês The Financial Times e a Quero registrar três historinhas sobre imagem no Brasil Monterey é uma revista americana Business Week cidade na costa da Califórnia Eu sou casado com uma brasileira e a gente De 1995-99 foi presidente da estava viajando na costa da Califórnia e fomos para Monterey, que é uma Associação dos Correspondentes Estrangeiros Atualmente atua cidade bonita, lá, da costa E fomos num restaurante Chegou uma senhora como editor de BrazilMax para nos servir e a gente estava falando, eu e minha esposa, em português (http://wwwBrazilMaxcom), Aí, veio aquela conversa: “Vocês são de onde”? “Brasil” “Ah, Brasil? Mas um website para estrangeiros estou muito preocupada com o Brasil, porque vi que a bolsa de valores está sobre o país ruim e eu tenho ações não-sei-das-quantas e acho que isso pode afetar o Formado pela Universidade de índice de Wall Street e tal” Essa é a fala de uma senhora que estava Califórnia, Berkeley, tem mestrado servindo a gente num restaurante, numa cidade pequena, na Califórnia na área de estudos latino-americanos e graduação em ciência política Você está vendo que essa imagem E essa idéia do Brasil, mesmo para a Esta palestra foi proferida em pessoa comum, está mudando Pelé, praia, biquíni, futebol e coisas do 19/11/1999 gênero, estão sendo substituídas por um outro enfoque diferente

Outra imagem muito difundida pode ser encontra no trecho de um livro, um romance de um autor francês, que fala um pouco do Brasil Não li o romance inteiro, mas é de um autor que se chama Michel Houellebecq O romance se chama “Partículas Elementares” Foi traduzido já para o português e tem uma parte que fala do Brasil O personagem principal está com a namorada dele numa boate, em uma danceteria e parece que a namorada dele está sempre interessada nas coisas do Brasil Começa a tocar música brasileira, a namorada quer dançar e convida: “Vamos dançar?”

E o narrador fala assim: “começava a encher o saco essa estúpida mania pelo Brasil Por que o Brasil? Conforme tudo o que sabia, o Brasil era um 116 país de merda, povoado de brutos fanáticos por futebol e por corridas de automóvel A violência, a corrupção e a miséria estavam no apogeu Se havia um país detestável, era justamente e especificamente Brasil Sofie – exclamou Bruno com força – eu poderia ir para o Brasil em férias Passaria nas favelas num microônibus blindado, observaria os pequenos assassinos de 8 anos que sonham se tornar chefes de bandos com 13 anos Não sentiria medo, protegido pela blindagem À tarde, iria à praia, entre riquíssimos traficantes de drogas e proxenetas No meio dessa vida desenfreada, desta urgência, esqueceria a melancolia do homem ocidental Tens razão, Sofie Ao voltar, pegarei informações na agência”

Essa é uma outra imagem que não é aquela imagem da economia, da bolsa de valores Aliás, esse trecho dá dois enfoques, de certa forma Dá a parte da namorada que está muito interessada na música, na cultura, essas coisas E você tem o outro, do personagem principal do romance, que tem, obviamente, uma outra visão

A terceira historinha que vou contar é uma espécie de entrevista que um amigo meu, alemão, fez com um empresário alemão que tem interesses econômicos no mundo inteiro, mas não conhecia o Brasil e veio para o Brasil E, na entrevista, em março de 99, a pergunta era: o que você acha do Brasil ou da América Latina? “Bem, eu pensei que tinha democracias fracas, com os militares esperando para tomar posse sempre Economias totalmente estatizadas e inflação muito alta” Aí disse que, depois de visitar e conhecer melhor o País, tinha uma outra imagem, uma imagem até bem positiva

Mas você vê que existe um leque muito grande de imagens e de realidades Não dá para divorciar a imagem social e cultural da imagem econômica Eu fiquei meio surpreso com isso e até meio espantado, mas estava falando com alguns empresários justamente sobre informações que queriam sobre Essa idéia do Brasil, o Brasil Eu perguntava assim: que informação você precisa quando vem mesmo para a pessoa para o Brasil? Todos falaram em segurança Eles falaram que os executivos comum, está mudando< que vêm do exterior têm reunião durante o dia todo Às vezes, eles têm Pelé, praia, biquíni, futebol uma noite livre Mas estão com medo de sair do hotel Toda essa imagem e coisas do gênero, estão de que vão ser assaltados Todas essas coisas que você pode imaginar, o sendo substituídas por um pior que você pode imaginar, isso é o que eles acham que vai acontecer outro enfoque diferente< com eles

Então, essa questão de segurança, logicamente, vai refletir na parte econômica, porque esses são os representantes das empresas que estão 117 vindo aqui, pensando ou fazendo investimentos no Brasil Em resumo, são duas mensagens que eu gostaria de registrar Uma é que a imagem, às vezes, é feita por motivos que não têm nada a ver com o próprio país Outro é que, realmente a imagem é sempre uma mistura, uma soma de fatores Não adianta só a bolsa de valores estar bem Não adianta só ter uma privatização interessante, que atrai investidores As outras questões sociais também vão formando a imagem e afetam a economia

Uma vez dito isso, eu diria que o jornalismo tem evoluído, em termos de cobertura do Brasil, da seguinte forma: nas décadas de 60 e 70, você tinha muita preocupação com assuntos relacionadas à Guerra Fria, toda a questão política em cima do comunismo e da democracia Havia muita cobertura do chamado Milagre Econômico e do crescimento daquela época e também, com o governo militar Existia no exterior muita preocupação com questões de direitos humanos Acho que, nas décadas de 60 e 70, eram os assuntos predominantes na imprensa no exterior

Já chegando na década de 80, a questão política continuava A transição para a democracia era um assunto muito importante E começou uma preocupação muito grande com a Amazônia, com os índios No final da década de 80 estava em pauta a questão do Chico Mendes Por que esse interesse? Porque no mundo inteiro as questões ecológicas e a preocupação com o meio ambiente já chamavam a atenção Não foi um tema do Brasil para fora Veio de fora esse interesse “Estamos interessados na ecologia Então, vamos ver o que está acontecendo na Amazônia”, dizia-se Existe um leque muito grande de imagens e de A partir de 86 havia também essa questão da loucura da inflação E essa realidades sobre o Brasil< era uma coisa muito difícil de explicar para os leitores estrangeiros Mas, Não dá para divorciar a uma vez que se conseguia explicar de alguma forma, era uma notícia que imagem social e cultural da interessava muito imagem econômica<

No início dos anos 90, especialmente com a abertura para estrangeiros investirem diretamente na bolsa, a partir, se não me engano, surgiu uma série de interesses maiores em assuntos de negócios e finanças Isso foi cada vez mais enfatizado com privatização, com abertura da economia de várias formas, abertura das importações Isso tudo em cima do interesse de investidores ou de empresas que queriam vender alguma coisa aqui A agência Reuters, que tinha duas pessoas em 89, começou a ampliar e, agora, tem dezenas de pessoas aqui no Brasil Logicamente, o impeachment, a parte política, a estabilidade política, também tiveram muito destaque 118 No final da década de 90, a cobertura ficou cada vez mais sofisticada, especialmente na área econômica As agências internacionais de notícias aumentaram o número de pessoas e ampliaram as coberturas As agências tendem a ser baseadas em São Paulo, com muita gente em São Paulo, mas também uma ou duas pessoas no Rio, algumas pessoas em Brasília Hoje, você tem toda uma sofisticação em forma de resultados de empresas, dos números que o governo solta e muita pressão dos correspondentes, inclusive em cima dos órgãos do governo, para divulgarem as informações e os índices uma forma regular A imagem, às vezes, é feita por motivos que não têm Ao mesmo tempo em que há o interesse pela questão econômica, com nada a ver com o próprio maior sofisticação, especialmente sobre empresas e setores, o interesse país< está aumentando em duas direções Uma é a estabilidade social Não só essa coisa de violência, de assalto, mas também toda a questão de meninos de rua, educação, sem-terra, violência da polícia, essas coisas todas Há, cada vez mais, interesse nesse assuntos

Vou tentar resumir um pouco, o dia-a-dia dos correspondentes, mas quero falar um pouco de como a gente trabalha, quem são os correspondentes, o que a gente faz São duzentos e tantos correspondentes, a maioria no Rio e em São Paulo Tem alguns em Brasília São muito poucos fora dessas três cidades Mas você tem agências diárias, revistas semanais, revistas mensais Isso só na área de mídia

Você tem os newsletters especializados, que abrem uma série de leques e cada coisa com um interesse diferente, cada coisa com uma sofisticação diferente Você tem uma newsletter sobre petróleo que é produzida há dez anos, por um mesmo profissional Ele sabe tanto de petróleo como os caras da Petrobrás Então, existe desde esse jornalista, que sabe muito daquele assunto, ao correspondente que nem fala português, que está aprendendo, está descobrindo o Brasil ainda

Há também os meios eletrônicos, inclusive Internet Eu diria que a televisão, como no mundo inteiro e isso não é diferente na cobertura internacional, a televisão corre atrás da mídia impressa e faz a sua pauta em cima E os únicos meios eletrônicos que fazem uma cobertura mais regular do Brasil são a CNN e a BBC de Londres Não é diferente da forma trabalham no mundo inteiro 119 Em termos de rádio, eu só tive um pedido para fazer trabalho de rádio Foi quando caiu o avião da TAM, lá em São Paulo Então, rádio faz muito pouca cobertura sobre o Brasil Exceto a BBC, não se tem quase nada

Por outro lado, todo mundo acessa a Internet Você tem de tudo Circulam muitas informações específicas e gerais É preciso verificar de onde vem a informação e qual é a fonte

Existem jornalistas correspondentes que fazem furo Chegam a publicar informações importantes antes da imprensa brasileira Mas eu diria que existe muito uso, dependência –eu acho até um vício, às vezes– da parte de alguns correspondentes de ficar em cima do que está sendo publicado nos jornais brasileiros, ou na Internet Outra coisa são os estilos e a forma No final da década de 90, a como o corresponde e a sede tratam a pauta cobertura ficou cada vez mais sofisticada, Na Business Week as pautas são feitas em Nova Iorque, pelos editores “o especialmente na área que está acontecendo em tal lugar?” E no Financial Times era assim: “Bom, econômica< As agências o que você tem para a gente hoje?” E, às vezes, davam umas sugestões, às internacionais de notícias vezes, questionavam o que eu falava, mas, basicamente, era minha ampliaram as coberturas< responsabilidade determinar a pauta Na Business Week era outra coisa Esses estilos afetam um pouco a forma como o trabalho é feito

Outra coisa que está acontecendo é a migração do Rio de Janeiro, onde tradicionalmente todos os correspondentes ficavam, para São Paulo Aconteceu com o Wall Street Journal, o Financial Times, The Economist e agora o New York Times ficou com um pessoal no Rio, mas abriu, agora, em São Paulo também

Como todo mundo quer morar no Rio, acontece o seguinte: lá na sede alguém decide: “Não A gente tem que estar em São Paulo” A pessoa que está no Rio atualmente, fica até o fim da sua estadia e a próxima pessoa é enviada para São Paulo Estamos numa fase em que está acontecendo isso agora Acho que a tendência, nos próximos 5 a 10 anos, se continuar do jeito que está, é que São Paulo vai superar o Rio em número de correspondentes

Para encerrar, vou comentar rapidamente sobre algo que as assessorias de imprensa podem lidar no trato com a mídia internacional Muitas publicações fazem o que se chama de advertorial O que é advertorial? Advertorial é um conjunto das palavras advertising, que é propaganda e editorial, que seria 120 da redação Várias publicações fazem, em termos de publicidade, reportagens especiais que parecem matérias Existem muitos jornalistas correspondentes que fazem Mas a idéia é parecer uma coisa jornalística E contratam jornalistas que, às furo< Mas eu diria que vezes, não dizerem o que estão fazendo Estão fazendo uma matéria paga: existe muita dependência “Eu fui contratado para escrever uma matéria” E isso é uma coisa que está do que está sendo crescendo em muitas revistas internacionais Para vocês, que trabalham publicado nos jornais em comunicação, gostaria de alertá-los sobre revistas e publicações que brasileiros e na Internet< fazem isso e, eventualmente, vocês vão ter contatos com profissionais assim

121 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DO JORNALISMO CULTURAL Sérgio Rodrigues

O que caracteriza o suplemento cultural dos grandes jornais hoje, como se Sérgio Rodrigues tem 38 anos, diferencia dos seus antepassados, principalmente dos anos 60 e 70, que se é mineiro de Muriaé e atualmente tornaram um paradigma de qualidade? Como funciona, como escolhe os é o editor do Segundo Caderno de O Globo Já foi chefe de redação seus assuntos e que valores o regem? da TV Globo Rio, editor da revista Veja Rio e chefe de reportagem de Existe uma clara insatisfação, em certos meios intelectualizados, O Globo, com passagem pelos principalmente acadêmicos, com o jornalismo cultural que é feito hoje no principais órgãos da imprensa brasileira Brasil Isso está muito claro nos artigos da revista Bravo! do mês de outubro

É autor de um livro de contos, A revista Bravo! encomendou a seus articulistas, naquela seção que eles O homem que matou o escritor, publicado pela Editora Objetiva chamam de “Ensaio” e que na verdade são artigos, textos sobre o jornalismo Formou-se em Jornalismo pela cultural atual O saldo é muito crítico Há muita espuma, muita besteira, na Escola de Comunicação da UFRJ minha opinião, mas há também críticas irrespondíveis aos suplementos culturais como eles são feitos hoje E também, acredito eu, muito saudosismo, Esta palestra foi proferida em 26/10/2000 muita comparação com um passado até certo ponto inventado, mítico, que seria essa supremacia cultural dos anos 60 e 70, quando a imprensa cultural ganhou uma certa qualidade de resistência à ditadura, de local onde você podia alimentar uma resistência simbólica, muitas vezes cifrada, o que lhe deu uma importância talvez maior do que o jornalismo cultural pode vir a ter numa escala normal de valores

Mas eu queria começar tentando lançar um olhar mais objetivo sobre a questão, sem apressar muito as conclusões Eu queria buscar um olhar jornalístico, até certo ponto clínico, sobre o jornalismo

Pensando sobre o que caracterizaria o Segundo Caderno ou o suplemento cultural de um grande jornal, hoje, em comparação com esse antepassado, que serve como referência para a maioria dos críticos, a gente nota que ele é, com certeza, mais pragmático, com muita ênfase na prestação de serviços E que, por conta disso, para muitos críticos, teria se tornado um mero 122 instrumento da indústria cultural Algo feito para se vender um espetáculo ou para se vender um produto cultural, menos do que para refletir sobre ele

Um efeito negativo disso seria que a agenda dos produtores culturais acabaria pautando todos os suplementos de cultura, indiscriminadamente Um outro aspecto desse pragmatismo é que o jornalismo cultural teria passado a aspirar a uma transparência de linguagem que seria característica mais do primeiro caderno Quer dizer, o repórter, começando a se especializar, recuou um passo, deixou de ser um autor, alguém encarregado não só de transmitir informações para o seu público como, também, de refletir sobre elas

Ele se tornou um repórter mais clássico, mais transparente, que aspira uma objetividade Uma característica que seria mais de hard news está contaminando a área cultural, por conta dessa ênfase no pragmático, em fazer do jornalismo cultural um guia de consumo para o leitor O suplemento cultural, com certeza, está dando uma atenção preferencial ao que tem mais público Tratando, portanto, o seu objeto como entretenimento, como Uma característica que um espetáculo, como um produto seria mais de hard news está contaminando a área As críticas se tornaram mais curtas, mais breves e mais leves Uma certa cultural< veia ensaística, que permitia mergulhos mais profundos, ficou restrita a espaços autorais assinados por colunistas Isso passou a contaminar menos, passou a se espalhar em menor intensidade pelo corpo das matérias

Houve também um deslocamento de uma série de assuntos, de pautas, que faziam parte desse suplemento cultural do qual estamos falando, para outros cadernos, para cadernos próprios Por exemplo: comportamento, estilo de vida, idéias, educação Uma série de assuntos que também estão no âmbito da cultura, uma cultura no sentido mais amplo de civilização, de como nós vivemos

Todos eles acabaram encontrando, em razão de uma segmentação maior, de uma especialização maior, espaços próprios dentro do jornal Saíram da esfera do segundo caderno e ganharam uma dinâmica própria, que os afasta dessa discussão aqui O segundo caderno acabou se restringindo muito, como já dissemos, ao produto cultural, ao mercado de artes e espetáculos Por enquanto, não estou afirmando que isso seja bom ou ruim

Tudo isso obedece a uma série de fatores que a gente pode chamar de socioeconômicos Aconteceu uma expansão da base de público dos jornais 123 por uma série de razões, crescimento vegetativo da população, morte de jornais, redução da concorrência E também pela inclusão social: um monte de gente, uma fatia maior da população, que não lia o jornal diário, passou a ler O fato é que as tiragens cresceram muito, essa base de público ampliou- se Isso é um dado

O mercado cultural, pelo seu lado, expandiu-se muito também Há uma

observação muito interessante do Otávio Frias, da Folha de S< Paulo, também aqui na Bravo!, sobre isso: existem muito mais peças, muito mais discos, muito mais filmes, muito mais livros sendo lançados por semana E eu acho que, se alguém for fazer essa conta, vai descobrir que tem mais centro cultural do que centro espírita no Brasil

Ao mesmo tempo, junto com essa expansão, ocorre uma fragmentação Subculturas passam a ter muito mais peso Manifestações locais, manifestações idiossincráticas, subdivididas por gênero, credo, raça, tudo isso passa a ser mais valorizado E várias dessas manifestações saem do guarda-chuva, do âmbito do suplemento de cultura, talvez inevitavelmente, porque seria quase impossível dar conta dessa pluralidade Elas encontram Houve um crescimento os seus próprios canais de comunicação e de transmissão de mensagens desproporcional do número por conta da evolução tecnológica, da facilidade de acesso à publicação, à de profissionais muito Internet etc jovens nas redações< Isso não só na área de cultura, E o que acontece dentro das empresas, enquanto isso ocorre? Tudo que mas em todas as áreas< pode ser englobado pela palavra “globalização”, sem trocadilho As equipes todas foram enxugadas A ênfase deslocou-se para o aumento de produtividade Passou a se ter muita pressa

Como um subproduto disso, houve um crescimento desproporcional do número de profissionais muito jovens nas redações Isso não só na área de cultura, em todas as áreas Talvez na área de cultura o impacto disso seja um pouco maior, como veremos depois

Essa nova redação passou a lidar com um mercado produtor de cultura que assistiu a um fortalecimento e a uma profissionalização brutal dos esquemas de assessoria e divulgação Também aqui, nessa Bravo! – a gente fica voltando a ela o tempo todo porque acho que é um ótimo ponto de partida – o Sérgio Augusto, que é um dos nossos grandes repórteres de cultura, reclama de uma certa submissão das redações à agenda dos divulgadores, que ele chama de promoters 124 Ele tem razão, até certo ponto Eu acho que se exagera um pouco em atender as sugestões que vêm das assessorias Mas é preciso ir com calma nessa crítica, porque esse processo de assessorização de imprensa é um dado de realidade Na classe artística, é algo muito forte com que você tem que lidar Quer dizer, hoje em dia é realmente impossível você falar com o Chico Buarque sem passar pelo Mário Canivello Não fala mesmo, não tem conversa Assim como não fala com o Caetano sem passar pela Gilda Matoso

E aí você fica diante de uma situação difícil: em nome de uma certa independência da imprensa você vai abrir mão de falar com o Chico Buarque? Você vai privar o seu leitor do discurso do Chico Buarque, que só vai falar quando ele quiser, quando estiver, certamente, com um produto a lançar, seja um disco, seja um livro? É complicado

O que eu acho que pode ser feito para melhorar esse quadro? Onde eu acho que a gente, profissional de imprensa trabalhando nessa área, onde a gente talvez esteja “moscando”, contribuindo para tornar o quadro ainda mais difícil para o nosso lado, contribuindo para essa insatisfação que ocorre hoje?

Primeiro, eu acho que é muito viável equilibrar o jogo com as assessorias de imprensa É preciso recusar mais Talvez a gente cometa esse pecado, sim, de embarcar, com uma certa facilidade, no que é proposto de fora da redação O divulgador que chega a uma redação tentando vender alguém, vender o seu cliente, é como um sujeito que vai ao mercado de ações para saber o valor que a sua empresa tem Se ele pedir muito alto, ninguém compra e o Essa nova redação passou preço vai baixando a lidar com um mercado produtor de cultura que É muito comum as pessoas chegarem pedindo uma capa em troca de uma assistiu a um entrevista E o que a gente mais faz, lá no segundo caderno do O Globo, é fortalecimento e a uma dizer não “Não, isso que você oferece não vale uma capa” O resultado, profissionalização brutal quase sempre, é que a pessoa dá a entrevista de qualquer jeito, para sair no dos esquemas de espaço que for assessoria e divulgação<

Então, quando o Sérgio Augusto fala de submissão, eu acho que talvez haja ainda uma avaliação errada da nossa própria força Não no sentido arrogante, mas no sentido de que você tem uma responsabilidade com seu público e tem que manter uma independência, uma total independência, para avaliar o que você vai oferecer a ele 125 Eu acho que, com certeza, podia-se investir em qualificação de equipe O tom autoral de que eu falei, e do qual os suplementos de cultura estão abrindo mão, é, na minha opinião, fundamental até para se atacar esse Nenhum dos jornais problema das matérias que tendem a soar iguais Quando se investe num encontrou ainda o jeito jornalismo declaratório e o artista dá a mesma entrevista para todo mundo, certo de cobrir a Internet< as matérias são mais ou menos as mesmas, em todos os jornais

Se você tem um sujeito que vai chegar, conversar as mesmas coisas com aquele artista, mas trazer para a redação uma visão mais informada, mais filtrada pela sua própria bagagem, que vai observar, que vai contar não só o que ele ouviu mas o que ele viu, o que ele percebeu, o que ele intuiu, aí você começa a ter uma diferenciação real entre os produtos

Eu acho que está na hora, também, de reestudar o alcance, o que cabe dentro desse guarda-chuva, quer dizer, aquilo que a gente não cobre Por exemplo, a TV a cabo é uma área ainda pouco explorada Já começa a ser coberta, mas acho que ainda há um enorme campo de atuação Com a coincidência de público entre os leitores de grandes jornais e os assinantes de TV paga, seria perfeitamente possível e desejável que isso acontecesse

Quanto à Internet, essa é bastante abandonada mesmo E é uma área onde muita coisa está acontecendo, uma área efervescente Eu acho que nenhum dos jornais encontrou ainda o jeito certo de cobrir a Internet Hoje se cobre a Internet muito pelo aspecto tecnológico ou pelo aspecto de mercado, pelo aspecto econômico De conteúdo, mesmo, quase nada, só eventualmente Eu não estou dizendo que seja fácil, mas eu acho que é um desafio que a gente vai ter que encarar

Uma coisa mais difícil ainda, porque de certa forma vai contra aquela corrente do enxugamento de equipe, da maximização de produtividade, mas que eu acho que valeria a pena fazer, é criar uma sobra de capacidade produtiva nas redações Hoje está tudo no osso, como se diz Essa sobra seria usada para matérias mais refletidas ou mais investigativas, mais sacadas, que estabeleçam relações entre coisas que ainda não foram relacionadas Tudo isso é o antônimo da pressa, da ansiedade com que hoje se trabalha Depende de uma mudança de foco empresarial e, por isso, é mais complicado Não é só uma questão do jornalista, de repente, decidir fazer e fazer

Uma outra sugestão, que eu acho mais imponderável ainda, é uma certa coragem de ir contra o público Isso, hoje, parece uma tremenda heresia, 126 numa época em que as pesquisas de opinião e o Ibope acabam determinando em grande parte a linha editorial Principalmente na televisão, mas também na imprensa escrita, o público virou o nosso grande senhor E eu acho que o público não pode ser o nosso senhor Ele tem que ser o nosso cliente, o nosso foco

Ele não pode ser o senhor porque quem é pago por ele para pensar sobre o produto cultural, o suplemento que ele vai ler, somos nós Não podemos delegar essa tarefa Eu acho que a gente barateia um pouco as coisas e deixa de dar para as pessoas aquilo que elas talvez queiram mas ainda não Os suplementos culturais sabem que querem Isso acontece Eu já disse que é imponderável Mas estão gerando pouca acho que falta um pouco mais de coragem de, às vezes, contrariar esse discussão, as coisas não público para, mais adiante, agradá-lo em cheio repercutem como deveriam<

Eu acho que boa parte das culpas que se atribuem aqui, nesses artigos, à imprensa cultural como ela é feita hoje, uma boa parte delas a gente aceita Mas creio que uma outra parte delas tem que ser dividida com a própria cena cultural brasileira Eu não sei se a gente está bem de cultura ou não, nesse momento Essa é uma outra discussão A julgar pela música popular brasileira, por exemplo, que é uma das jóias da nossa coroa cultural, eu diria que a gente não está num bom momento Mas isso é mais uma opinião

O que eu acho inegável é que, quando se diz que a gente não está gerando o debate e a discussão, não está fazendo avançar a cultura através do suplemento de cultura, é verdade, está se gerando muito pouco debate, os suplementos culturais estão gerando pouca discussão, as coisas não repercutem como deveriam Mas eu me pergunto até que ponto isso não vem dos próprios agentes culturais Será que eles têm muita coisa a dizer uns aos outros, a essa altura do campeonato? Ou será que a gente está vivendo um momento cultural em que é cada um por si? Será que não existe um certo excesso de “jogo de comadres” entre os artistas brasileiros? O sujeito não fala mal do outro para que o outro não fale mal dele Afinal de contas, o público é tão pequeno no Brasil que você não pode sair dividindo assim esse público, pode acabar sem nada Eu acho que se debate pouco Acho que se critica pouco O jogo não é muito aberto E, com certeza, o suplemento cultural tem responsabilidade nisso, mas não é o único

127 JORNALISMO ESPECIALIZADO EM CULTURA Evaldo Mocarzel

Nas últimas décadas, o jornalismo cultural passou por um processo de Evaldo Sérgio Vinagre Mocarzel tem empobrecimento e banalização que acabou contaminando a maior parte 41 anos Formou-se em Cinema e dos cadernos de cultura do País Jornalismo na Universidade Federal Fluminense, no Rio, em 1982 Trabalha há dez anos no jornal O primeiro motivo foi a intensificação na produção da indústria cultural A O Estado de S Paulo e, há seis, indústria fonográfica, editorial, cinematográfica, enfim, a produção cultural é editor do Caderno 2 foi intensificada de tal maneira que apenas o leque de opções da agenda Fez curso de cinema na New York cultural já é mais que suficiente para preencher as cada vez mais escassas Film Academy, em 99 Também páginas dos cadernos de cultura em 99 realizou o seu primeiro curta-metragem, “Retratos no Parque”, que conquistou o prêmio Nos anos 50, só para citar um exemplo, nos tempos do Suplemento de Melhor Trilha Sonora no Literário do jornal O Estado de S< Paulo, que marcou época no Brasil, 4º Festival de Cinema do Recife cerca de 30 espetáculos teatrais estreavam por ano numa cidade como São Paulo Hoje, na mesma cidade, são mais de 400 montagens Além de jornalista e realizador de curta-metragem, Evaldo Mocarzel faz Em seus textos, críticos como Sábato Magaldi podiam focalizar os parte, há quase dois anos, do Círculo espetáculos teatrais sob os mais diferentes ângulos: pela cenografia, de Dramaturgia criado pelo diretor iluminação, direção, trabalho de ator, dramaturgia, etc A peça estreava e teatral Antunes Filho no Centro de Produção Teatral (CPT) do Sesc, voltava-se a ela incontáveis vezes, logicamente a partir do momento em em São Paulo, já tendo escrito três que se chegava à conclusão de que aquela montagem tinha qualidade e peças para o projeto “Prêt-à-porter” consistência para diversos reviews Por outro lado, o preço do papel e da tinta subiu muito com a variação do dólar, e hoje representa cerca de 40% Atualmente finaliza o documentário sobre moradores do custo operacional de um jornal Isso fez com que os cadernos de cultura de rua de São Paulo ficassem cada vez mais finos

Esta palestra foi proferida em 26/10/2000 Acho que o review, a volta a uma determinada obra, é o caminho para se imprimir consistência e profundidade num caderno de cultura Volta-se a um assunto muitas vezes, com o intuito de ampliá-lo mais e mais Desta maneira, estamos vacinados contra o estresse do “furo jornalístico”, que sempre empobrece as coberturas e resenhas Não basta simplesmente dar o furo, anunciar antes de todo mundo, e depois não publicar nada na estréia, e também depois da estréia 128 É um absurdo obrigar um repórter ou um crítico a ler um livro grosso em um fim de semana, sem lhe dar um tempo satisfatório de reflexão sobre o assunto, apenas para publicar com todos os outros jornais O review é sempre uma solução O New York Times, por exemplo, tem consistência porque não tem o menor pudor em voltar aos mais diferentes assuntos É importante, então vamos focalizar uma obra sob os mais diferentes ângulos

No meio de toda essa absurda produção de best sellers, a mídia impressa tem a obrigação de andar na contracorrente de todo esse processo de empobrecimento e banalização da linguagem artística na indústria cultural Os cadernos de cultura têm a obrigação de ajudar o leitor a separar o joio do trigo no meio de toda essa overdose de livros mais vendidos, vídeos mais retirados, recordes de bilheteria de filmes, etc

A avalanche de obras que são semanalmente atiradas no mercado não irradiam, de um modo geral, a exuberância genuína da prática artística, que não tem nada a ver com esse comércio hedonista que vemos por aí Esse processo é banalizador em todos os sentidos O artista não é mais que um tijolinho numa seção de entretenimento de um grande jornal Tudo sempre tão descartável Às vezes, um escritor leva 10 anos para terminar um romance, com o maior cuidado e carinho, e então chega um crítico e destrói É um absurdo obrigar um todo aquele trabalho com algumas poucas horas de leitura apressada, repórter ou um crítico a ler estressada por um deadline apertado sempre presente um livro grosso em um fim de semana, sem lhe dar um Godard costuma dizer que a cultura é a regra, e a arte a exceção Ele afirma tempo satisfatório de que a regra está sempre tentando exterminar a exceção No epicentro dessa reflexão sobre o assunto< intensa produção cultural, arte virou sinônimo de entretenimento Muita gente parece ter esquecido que a linguagem artística é um espaço de busca, digamos, existencial, muito antigo Um espaço de imensidão ancestral, que nos religa aos mitos, às fábulas, às sagas de tantas civilizações

A arte é, antes de qualquer coisa, um espaço de conhecimento Uma maneira de repensar a origem, o universo; passado, presente e futuro fluindo nessa linguagem de atemporalidade que acompanha a Humanidade muito antes dos gregos, da metafísica, enfim, que está na face deste planeta há milhares de milhares de anos Não podemos esquecer que primatas pintaram seus assombros nas paredes das cavernas e que os primeiros homens dançaram e cantaram antes mesmo de falar O que quero dizer é que a amplitude dessa linguagem tão ancestral e ao mesmo tempo tão exuberante não é necessariamente esse estreito funil de entretenimento da indústria cultural, com todas as suas previsíveis receitas de sucesso fácil 129 Outro efeito colateral da intensificação na produção da indústria cultural é o surgimento, nas redações de jornal, de gerações de repórteres preguiçosos e viciados em releases de assessores de imprensa Há uma quantidade muito grande de profissionais no mercado que é totalmente dependente de assessores de imprensa, que, em muitos momentos, vendem gato por lebre, e acabamos publicando o trash sempre tão bem embalado da indústria cultural

O jornalismo cultural precisa sair desse marasmo É preciso resgatar artistas veteranos fundamentais que acabam sendo esquecidos pela crônica amnésia nacional É preciso instigar os críticos de arte a sair da passividade e ir para as ruas em busca de novos talentos, novos valores, novas tendências, artistas-faróis, nas palavras de Cacá Diegues, aqueles que estão iluminando a efervescência de toda uma geração É preciso, como já disse, voltar a Outro efeito colateral da assuntos importantes, a obras seminais que estão espalhadas por aí e não intensificação na produção podem ser ofuscadas pela mesquinharia e pelas idiossincrasias do furo da indústria cultural é o jornalístico É preciso sobretudo amar a arte de uma maneira ampla, geral e surgimento, nas redações, irrestrita de gerações de repórteres preguiçosos e viciados em No meio dessa explosão da indústria cultural, outro efeito colateral, talvez o releases de assessores de mais deplorável: uma espécie de culto da razão cínica que ainda insiste em imprensa< tomar conta de nossas redações Pertenço a uma geração fortemente influenciada por esse culto do cinismo, do deboche de obras de tantos artistas que estão tendo a coragem de mostrar a cara no cenário artístico brasileiro e mundial Muitos críticos e jornalistas adoram fazer gracinhas, ironias, enaltecem o próprio ego em detrimento das informações que deveriam ser transmitidas de uma determinada obra para o leitor Ironizar, em muitos casos, parece ser o caminho mais fácil para ocultar a própria covardia artística

Há muitos críticos que atuam nos cadernos de cultura e são, no fundo, artistas frustrados, com medo de expor ao mundo o próprio potencial artístico, se é que eles têm Orson Welles costumava dizer que não gostava de críticos porque tinha raiva de todo tipo de parasita Nem todos os críticos são assim Muitos são intelectuais generosos que emprestam a erudição para iluminar as obras, vislumbrar caminhos que às vezes nem mesmo o artista consegue ver É preciso que se dê espaço a esse tipo de generosidade, respeito, cumplicidade com a dificuldade e até mesmo a indigência que é fazer arte neste País 130 Infelizmente, falta uma política cultural clara, nítida e objetiva ao Governo Federal elaborada por uma visão mais sintonizada com a necessidade de experimentação e com as múltiplas possibilidades da linguagem artística Não se pode esquecer, no entanto, que a atuação do atual governo foi imprescindível para reativar a produção cultural no País, principalmente o cinema brasileiro, tão sucateado pelos equívocos e rancores de administrações passadas Não é prudente delegar os caminhos artísticos de um O governo Fernando Henrique Cardoso foi fundamental no que diz respeito país apenas à iniciativa à criação de soluções emergenciais Mas isso não basta A produção artística privada< não pode viver apenas à mercê dos diretores de marketing das grandes empresas Não é prudente delegar os caminhos artísticos de um país apenas à iniciativa privada É importante não esquecer que toda essa verba é dinheiro do governo e do contribuinte, repassada para os artistas e criadores em geral por meio de incentivos fiscais

No contexto atual, é muito difícil fazer arte com liberdade, em seu sentido mais amplo É preciso entrar na fila de patrocínios, tentando adequar os projetos às fachadas culturais das empresas Desta maneira, o jornalismo cultural precisa ser cada vez mais parceiro da produção artística, esclarecendo leis de incentivo, questionando o uso de verbas públicas, cobrando uma política cultural mais definida do governo O jornalismo cultural precisa semear algo de positivo, fugindo das ironias destrutivas da razão cínica Dando espaço às mais variadas tendências Contextualizando as obras para os leitores

Acho que a centelha primeira de um jornalismo cultural de qualidade é esse amor à exuberância da linguagem artística, com seu halo de possibilidades em revelar infinitas maneiras de ver e sentir o mundo, a origem, o futuro, o universo, nosso País, o próprio tempo e a existência humana

131 JORNALISMO ESPORTIVO: UMA VISÃO CRÍTICA Juca Kfouri

Paulo Mendes Campos, há anos, escreveu que a imprensa esportiva brasileira

Juca Kfouri tem 50 anos, 30 como ainda estava à espera da sua “Semana de Arte Moderna” Que a imprensa profissional de jornalismo esportiva brasileira era uma coisa ultrapassada, gongórica, enfim, mal Formou-se em Ciências Sociais pela resolvida USP Tem colunas no diário Lance!, no sítio Lancenet! e na revista CartaCapital Apresenta o programa Mal sabia ele que as coisas, em vez de caminharem na direção da Semana CBN EC diariamente, na Rede CBN de Arte Moderna, caminharam na direção inversa, exatamente por começar e o Bola na Rede, na RedeTV!, aos domingos a se resolver bem, do ponto de vista dela, imprensa esportiva, não do leitor, não do ouvinte, não do telespectador Esta palestra foi proferida em 26/10/2000 A imprensa esportiva, hoje, está brilhantemente bem resolvida Boa parte da imprensa esportiva você não sabe se são jornalistas, se são empresários de atletas, se são vendedores de placa, se são promotores de evento, se são assessores de imprensa

Na mídia eletrônica, então, isso é um câncer Porque a mídia eletrônica, até hoje, não se deu conta de que quando ela compra um evento, ela não se torna sócia de quem vendeu o evento Ela deveria apenas se ver na posição em que, de fato, deveria estar, de transmissora de um evento que comprou Mas não Há uma relação de cumplicidade, o que leva a uma promiscuidade entre o jornalista esportivo e o Poder, que é alarmante

Exemplifico Então, se eu compro o futebol, o campeonato brasileiro de futebol da CBF, tacitamente oriento os meus jornalistas assim: “Olha, vamos cuidar do que acontece dentro de campo Vamos falar do gol do Romário, do frango do Maurício, da falta violenta do Gamarra, mas nada de bastidores Não vamos nem sequer dar força para uma CPI, que está instalada, porque isso aí não é de interesse do torcedor O torcedor quer bola na rede Quer uma grande mentira e um grande sofisma 132 Eu pago um pouco esse preço, e pago conscientemente Com muita freqüência me perguntam: “Mas escuta, Juca, amanhã vai ter uma decisão de campeonato e você se dedicou a falar do contrato espúrio que o Flamengo fez com a ISL? Fala de futebol” E as pessoas têm razão A expectativa é essa mesmo

E as pessoas não imaginam que tudo que eu gostaria, na minha vida, era poder falar do gol do Romário Porque eu só estou nessa vida de jornalista esportivo por uma paixão infantil que eu tenho pelo futebol, por uma emoção maluca que o futebol é capaz de despertar em mim, até hoje, apesar de hoje eu saber como é feito E olha que tem que ser muito apaixonado para continuar gostando, sabendo como é feito É como aquele negócio da fábrica de salsicha O dono da fábrica não come, porque ele sabe como é que fabrica a salsicha O jornal é um pouco assim, porque a gente sabe como é que faz

Então, por exemplo, no Brasil, o profissional se torna sócio do empresário Parte da imprensa esportiva que comprou o evento e preserva o vendedor Como é que isso funciona, você não sabe se são por exemplo, num país como os Estados Unidos? Você tem, na televisão, jornalistas, se são um Departamento de Eventos Esportivos, que compra o evento, transmite empresários de atletas, se o evento com a sua equipe Invariavelmente, aliás, composta por não- são vendedores de placa, jornalistas Compostas por ex-atletas daquela especialidade se são promotores de evento, se são assessores Nenhum problema Não defendo, em hipótese alguma, a postura de imprensa< corporativista de que para comentar futebol ou narrar futebol precisa ter formação de jornalista Não há ninguém que comente futebol tão bem no Brasil, hoje, quanto o Tostão, e ele não é jornalista

Mas esse Departamento de Eventos bota o evento no ar e enche a bola do evento Nada mais natural Mas o Departamento de Jornalismo desta mesma rede cobre esse evento sem nenhuma preocupação com o fato da sua TV ter comprado aquele evento Ou seja, você vê o jogo às 9 horas da noite, em horário nobre, e às 11, quando entra o último jornal é muito possível que entre um repórter e denuncie as mazelas do evento daquele dia: “Foi mal organizado, porque 3 mil pessoas ficaram para fora A venda de ingresso não correu direito O árbitro errou Fulano de tal teve um comportamento anti-esportivo e não foi punido por isso” Faz jornalismo Aqui, não Nem pensar É proibido

Essa promiscuidade levou ao aprofundamento, de um lado, de uma velha imagem que o jornalista esportivo tem, não é? Do garoto que chega na 133 redação e o chefe da redação pergunta: “O que que você sabe fazer?” “Eu não sei fazer nada” “Então, vai lá para o esporte ou para a polícia” É essa a imagem que sempre se teve, do jornalismo esportivo Uma imagem que aliás, paulatinamente, a bem da verdade, em função das escolas de jornalismo, começou a mudar a partir de meados dos anos 70

O jornalista mais poderoso do Brasil, senhor Armando Nogueira, ex-diretor de jornalismo da Rede Globo de Televisão, começou no esporte O senhor

Miguel Jorge, ex-diretor de redação do jornal O Estado de S< Paulo, começou no esporte O senhor Edildo Vale Júnior, editor-chefe do Jornal do Brasil, começou no esporte E assim por diante Joelmir Betting, o principal ou um dos principais colunistas econômicos do país, começou no esporte

Infelizmente, o passo seguinte foi esse que eu disse: perdeu-se aquela imagem de que, necessariamente, quem faz esporte é uma besta de viseira, mas passou-se a ter a imagem correta do “não sei bem com quem estou falando Afinal, quem é você? Você é jornalista, garoto-propaganda, vendedor de placa, empresário de atleta?” E os escândalos começaram a se suceder, nessa área

Boa parte do resultado dessas pesquisas que freqüentemente a gente vê, sobre credibilidade de instituições do Brasil, revelam a imprensa lá embaixo A Igreja, os bombeiros, a OAB, Correios, e, lá embaixo, a imprensa Boa parte disso se deve à imagem que a imprensa esportiva tem, por uma singela razão: num país apaixonado pelo futebol, num país que pouco lê, em regra, os jornalistas mais notórios são os que tratam de futebol Ou então, o âncora do Jornal Nacional, seja ele quem for O Cid Moreira, que não era jornalista, ou o William Bonner, que é Em seguida, começa a galera Não defendo a postura esportiva: é o narrador, é o comentarista, é o repórter, é quem tem programa corporativista< Para esportivo E a imagem dessa gente, em termos de credibilidade, infelizmente comentar futebol ou narrar não é boa Porque? E eu sei que tem uma garotada me vendo pelo telão futebol não precisa ter formação de jornalista< Vou explicar contando uma história

Com muita freqüência, quando eu faço palestras para estudantes de jornalismo, eu os submeto ao seguinte teste: imagine que você está cobrindo a Copa do Mundo O Brasil está na final contra a Alemanha O jogo vai ser domingo, hoje é sexta-feira E você descobre que o juiz está comprado pelo Brasil O que você faz? Eu ofereço três hipóteses: primeiro, (a) imediatamente denuncia, com o que a Alemanha terá tempo de evitar que o juiz comprado 134 atue Em tese, você está prejudicando o Brasil, e eu vou explicar porque Segunda hipótese, (b): você fica quieto, espera o juiz roubar e, na segunda- feira, você diz: “O juiz estava comprado, eu já sabia, constatei, e pá, pá, pá” Terceira hipótese (c): você cala

Na minha santa ingenuidade, quando eu fiz pela primeira vez esse teste, eu apostava, interiormente, que fosse dar a B O que dá até uma discussão O cara fala: “Não, eu esperei porque eu precisava comprovar, na prática” Mas dá C, gente Dá a C, 65%, 70%; 25% dá B e a minoria publicaria

Como é que isso funciona, na cabeça das pessoas? E a nossa imprensa é prodigiosa em fazer isso Você vai cobrir uma Copa do Mundo não como quem vai cobrir um evento esportivo Você vai cobrir uma Copa do Mundo como se tivesse indo cobrir o Brasil na guerra E, aí, informação que seja contra o Brasil, nem pensar, porque a gente perde a guerra E ai de você Porque todas as vezes que você publica uma informação que é taxada como prejudicial ao nosso desempenho, você é anti-patriota As pessoas te viram o rosto

Conto para vocês, rapidamente, o seguinte exemplo: estou fazendo a Copa Você vai cobrir a Copa do do Mundo da França, ao lado de um repórter, bom, ótimo repórter, da Folha Mundo como se tivesse de S< Paulo, João Carlos Assunção Jogo Brasil e Noruega E eu vejo o indo cobrir o Brasil na Júnior Baiano puxar a camisa do norueguês dentro da área Penso: “Pênalti” guerra< Passam-se 5 segundos, não acontece nada Aí, pim, o juiz marca pênalti O João Carlos olha para mim e diz: “O que houve?” Eu falei: “Pênalti” “Como pênalti, Juca?” Eu falei: “É, o Júnior puxou a camisa do norueguês” Ele falou: “Não vi” Eu falei: “Ah, veja no replay”

Tribuna de Imprensa de Copa do Mundo é muito sofisticada, tem um aparelhinho de televisão para cada jornalista credenciado Olhamos, os dois, para a tela, e aparece já o lance, segundos depois do que eu havia visto Não tem pênalti nenhum O Joãozinho olha para mim e falou: “Você está louco, você está vendo coisa” “Não, olhe!” Passa quatro, cinco vezes, para ficar muito claro que o juiz tinha errado Ok? Muito bem

Pergunto para um, pergunto para outro, ninguém tinha visto o pênalti Vou escrever minha coluna Escrevo a minha coluna e penso, penso: “Ah, não foi pênalti mesmo, estou louco” Trinta anos de profissão Ali tinha 28 Olha que coisa maluca que é essa história, até porque também tem um outro elemento, de como você se deixa levar pelo olhar eletrônico e passa a acreditar mais no olhar eletrônico do que no teu próprio olhar E escrevo: 135 “O Brasil perdeu na Noruega e tal, verdade que em função de um pênalti mal marcado pela arbitragem”

Meu filho André também estava lá cobrindo a Copa A ESPN Brasil não tinha credenciamento para entrar em campo E, então, ele estava muito jururu, era a primeira Copa dele Eu fiz uma loucura, um gesto de pai para No jornalismo esportivo filho e comprei, para ele, sete ingressos para ele ver os jogos do Brasil, existe uma tensão entre o enquanto o Brasil permanecesse na Copa, e achava que ia até a final mesmo, que é notícia, informação e como foi emoção< E ele me liga e diz: “Pai, o que que você falou do lance do pênalti?” Eu falei: “Eu falei que não foi pênalti, filho” “Pois falou errado, porque foi” Eu falei: “Como?” Ele falou: “Pai, eu estava atrás do gol O Júnior Baiano puxou a camisa do número 9 da Noruega” Eu falei: “Meu Deus! Pronto Obrigado, André, tchau” Desliguei o telefone e, imediatamente, liguei para São Paulo: “Mexe na minha coluna” “O que é?” Eu falei: “Bota que foi pênalti”

Aí, o Editor da Folha disse: “Juca, você está maluco Todos os relatos são que não foi pênalti O Jornal Nacional acabou de mostrar que não foi pênalti Você está doido?” Eu falei: “Foi pênalti, que eu vi, Melchíades Foi pênalti Escreva que foi pênalti” Em seguida, entrei na rádio CBN, eu fazia um comentário na CBN, dizendo que tinha sido pênalti

Soube, depois, que houve uma enxurrada de telefonemas para a CBN me xingando de tudo quanto era nome E o ouvinte dizendo: “Esse Juca Kfouri, só porque é brigado com a CBF, só porque quiseram cassar a credencial, fica inventando pênalti e não sei o quê, espera um pouco É um pouco demais”

Muito bem No Jornal da Globo, horas depois, tinha aparecido a tal imagem da TV sueca, de um maluco de um cinegrafista sueco, que estava trabalhando fora do eixo, e pegou o Júnior Baiano puxando a camisa do norueguês E tinha, então, a cena do jogo e a entrevista com o Júnior Baiano, diante da constatação: “Não, de fato eu fiz o pênalti”

O que aconteceu? Aconteceu que não houve uma enxurrada de telefonemas para a CBN pedindo desculpas Nem sequer houve cumprimentos, no dia seguinte, por parte daqueles que tinham me olhado muito feio, ao saber que eu tinha cometido tamanho crime contra a pátria É este o comportamento Não importa o que aconteceu Nós viemos aqui cobrir a vitória do Brasil 136 No jornalismo esportivo não é exatamente muito fácil porque, permanentemente, existe uma tensão, que é a tensão entre o que é notícia, informação e emoção É evidente que é impossível você fazer um jornalismo esportivo bem feito, se você não passar emoção Uma tensão que te está dada desde criancinha, quando você escolhe um time e, depois, vira profissional E você, amanhã, é obrigado a cobrir o teu time Agravado nos momentos de seleção brasileira, quando, é claro, todos vamos cobrir a Copa do Mundo torcendo para que o Brasil seja campeão Isso é indiscutível, é inegável Mas torcendo, não distorcendo, para usar o chavão

A tensão é: “eu vi o pênalti contra o meu time” “Mas foi pênalti mesmo?” “O lance é duvidoso” “É duvidoso porque é contra o meu time?” “Se fosse a favor, eu acharia duvidoso?” Isso leva ao jornalismo preocupado em ser imparcial, com muita freqüência, a cometer o erro oposto de, quando é com teu time, você é contra, até prova em contrário, para que não acusem de estar cobrindo parcialmente É impossível você fazer um jornalismo esportivo bem Esse é um problema E, de certa maneira, está posto na imprensa política: feito, se você não passar “Olha, eu tenho um candidato, tem eleição domingo Como é que eu cubro emoção< o meu candidato ou o adversário do meu candidato? Com a mesma boa vontade ou com a mesma má vontade?” Bom, essa é a discussão da vida do jornalismo A questão da objetividade

O que é grave é ver o jornalismo transformado em negócio Porque, aí, essa discussão deixa de ter importância O que tem importância é o seguinte: “Olha, nós vamos lá para cobrir, de maneira tal que o nosso patrocinador se dê bem”

Isso se revela de que maneira? No contrato da Nike com a CBF, o famoso contrato Um contrato que se eu fosse a Nike teria feito exatamente como a Nike fez Exatamente Até por saber quem é o sócio Com a CBF, qualquer segurança é pouca Qualquer Porque não se honra o que assina

E a razão é muito simples: ninguém quer brigar com a seleção brasileira Imagine você: o Banco do Brasil faz um contrato com a CBF E amanhã vem alguém aqui e diz: “Olha, não quero mais cumprir esse contrato” Aí, o Banco do Brasil tem condição de denunciar esse contrato na Justiça e cobrar uma multa de 50 milhões, como está estipulado Vai brigar? Ou vai chegar a um acordo? Até porque a coisa mais antipática será para o Banco do Brasil brigar com a seleção do Brasil, ou para a Petrobrás brigar com o Flamengo Já imaginou, brigar com o Flamengo? É tudo o que não interessa para uma empresa 137 Contrato com essa gente requer tomar todos os cuidados Os cuidados que a Nike tomou Mas, aí, põe lá uma cláusula em sigilo, que é uma contradição em si mesma, porque o contrato para valer tem que ser registrado num cartório O contrato num cartório é público Como é que tem uma cláusula em sigilo? Bom, é claro, quem fez o contrato pensa: “Ninguém vai descobrir onde é que está esse contrato Óbvio, eu posso registrar esse contrato em qualquer cartório do país” E vocês sabem quantos cartórios nós temos neste país cartorial

Então, é clandestino mesmo Aí descobre-se o contrato, sempre se descobre O Dr Ulysses dizia e o político mineiro ensina: “no Brasil, segredo, se tiver mais de duas pessoas sabendo, acabou o segredo” Não me venha pedir para guardar um segredo porque, se você não guardou, porque eu vou guardar teu segredo? Não é? Então, não tem jeito Mais cedo ou mais tarde, essas coisas aparecem

É óbvio que, quando apareceu, foi de maneira um tanto maliciosa Você descobre um contrato que tem uma cláusula em sigilo Você pensa: “Opa, o que que estão escondendo aqui?” E, aí, você vai lá ver: “A Nike obriga a Seleção a fazer 5 jogos dela por ano A Nike obriga que a Seleção escale, pelo menos, 8 jogadores titulares A Nike tem fórum especial em Zurique, mas pode processar a CBF em qualquer lugar” Você fala: “Opa, isso aqui é tudo o que eu quero” Atentado à soberania nacional Estão mexendo com O que é grave é ver o a Seleção, em cima de todos nós Nada emociona mais o brasileiro do que jornalismo transformado isso O brasileiro aprende a cantar o Hino Nacional em jogo da Seleção E o em negócio< Brasil, a CBF, só pode processar a Nike em Zurique Está feito o escândalo

Se esse contrato, ao ser assinado, tivesse sido divulgado, a Nike diria: “Olha, nós estamos exigindo 8 jogadores, no mínimo, titulares, por uma precaução, porque nós queremos que seja o time titular do Brasil que vá fazer os nossos jogos, para não correr o risco de ser um time reserva Vocês hão de entender que é uma precaução natural Nós estamos estabelecendo 5 jogos porque nós estamos fazendo, com a CBF, o maior contrato jamais feito na História do esporte mundial São 400 milhões de dólares em 10 anos Então, é justo ter os nossos 5 jogos por ano para, de alguma maneira, se ressarcir Estabelecemos que a Nike só pode ser processada em Zurique, porque todos os contratos da Nike, desde que Nike é Nike, são assim Olha, vou mostrar o contrato com a Federação Americana, com a Federação Italiana”

Eu, da minha parte, crítico como sou, calava Poderia até considerar que não foi o melhor contrato, mas ponderaria que 400 milhões de dólares você 138 não acha em qualquer lugar Nenhum problema Mas a comunicação é sempre tão “caixa preta” que as informações acabam assumindo esse caráter

Então, isso vale para a Nike-CBF e vale para um contrato do Banco do Brasil com a Confederação Brasileira de Voleibol É absolutamente natural que alguém, dos meios de comunicação nesse país, no mínimo, discuta a validade desse tipo de contrato, de um banco que é nosso, que tem uma óbvia O repórter de campo, de função social, apesar de ter, ao mesmo tempo – e eu sei – a preocupação rádio, não é repórter de em brigar com o Bradesco, com o Itaú, com o Citibank e com o Bank of campo faz tempo é um Boston out-door ambulante<

Mas, eu acho muito mais razoável ver o Banco do Brasil apostando nos paraolímpicos, por menor que seja o retorno dos paraolímpicos E eu sei o quão formidável é o resultado mercadológico da união CBV-BB Mas me parece muito mais adequado ao perfil de um Banco com a função social que tem o Banco do Brasil, a prioridade ser estabelecida junto aos paraolímpicos, ou ao esporte de massa no Brasil

É natural que a imprensa discuta, pelo menos discuta E queira saber, tintim por tintim, como é que esses contratos se dão E não tem sido essa a prática estabelecida nos contratos, no País Uma parte menor da imprensa fica preocupada com isso, e outra parte da imprensa, de alguma maneira, se alimentando disso

Há uma fronteira, que é delicadíssima, e que o jornalista independente não pode atravessar E há, dentro da promiscuidade, na minha maneira de ver, um erro tático dos patrocinadores, no trato com a imprensa, no sentido de querer ganhá-la, muito mais pela simpatia das suas atitudes do que propriamente pelo negócio em si O que significa dizer: “Vamos distribuir agasalhos, canetas, relógios Vamos presenteá-los e todos eles ficarão felizes” E é verdade que a esmagadora maioria fica feliz Com o que você dirá: “Bom, cumprimos o nosso objetivo Tem lá os chatos, que vão chatear, mas a maioria esmagadora está feliz com o kit que recebeu E está até vestindo o nosso kit!”

Essa é a outra transformação vivida pelo jornalista esportivo, um fenômeno que todos conhecem: repórter de campo, de rádio, não é mais repórter de campo faz tempo É um outdoor ambulante e vira até de costas, às vezes, na hora do escanteio, para mostrar no peito a marca da “Caninha 51” E, 139 depois, narra o escanteio Como ele viu, eu não sei, porque estava de costas, procurando a câmara da Globo, para ver se seria focalizado

Como distinguir o negócio da informação? Não é muito diferente da questão do entretenimento e a informação, que é, hoje, o grande embate dentro da imprensa, não só da brasileira

Como é que você resolve isso? Eu sou crítico de cinema da Time, a Warner enfiou 150 milhões de dólares num filme, eu fui ver e achei uma porcaria E aí? Eu sento e escrevo? Na Time Warner, que, aliás, já não é mais Time Warner?

Eu trabalho na Folha de S< Paulo, que sempre foi um jornal crítico por excelência, inclusive em relação à Rede Globo de Televisão, e a Folha hoje é sócia das Organizações Globo, num jornal econômico A minha margem de liberdade diminuiu ou se manteve?

Há mensagens que são explicitadas e há outras que ficam implícitas Quem for inteligente que as capte Eu trabalho na Rede Bandeirante de Televisão, que vendeu o seu espaço esportivo para uma agência de marketing esportivo chamada Trafic Eu critico o Ricardo Teixeira, que é o grande parceiro da Traffic? Ou eu faço de conta que o Ricardo Teixeira não existe?

Essa é a encruzilhada, hoje, para quem faz imprensa esportiva independente, no Brasil Dificílima solução Infelizmente não acredito mais na história de que só Eu tenho acostumado a ver, nesses 30 anos de carreira, inúmeros filmes as pessoas de consciência nos quais o mocinho perde no fim E sempre renovo a minha esperança, tranqüila dormem bem< porque sou militante do otimismo Aí fico pensando: “Bom, tem uma CPI aí Que não dê em nada, mas, pelo menos, essa gente não está dormindo” Isso já me dá uma satisfação: afinal “tem nego que não está dormindo”

Infelizmente não acredito mais na história de que só as pessoas de consciência tranqüila dormem bem – já aprendi isso, também, na vida A gente diz isso: “Não, pelo menos encosto a cabeça no travesseiro e durmo” Mas eles também dormem E dormem melhor do que a gente, em lençol de seda Bobagem achar que eles não dormem Porque a consciência deles não é a nossa O senso ético deles não é o nosso O senso ético deles leva ao Presidente da CBF defender veementemente, e faz disso um estandarte, que não há problema nenhum em vender os laticínios da fábrica dele para a CBF Ele diz isso, e diz que é uma prova comprovada que os laticínios dele 140 são de boa qualidade Ponto Os da Nestlé talvez não sejam, os da Parmalat talvez não sejam Mas os dele certamente são Por isso ele vende E acredita que não tem nenhum problema Estamos falando, portanto, de éticas inteiramente distintas

Acredito que essa CPI pode, no mínimo, desvendar, abrir a “caixa preta” Qual é o comportamento quase generalizado da nossa imprensa, em relação à CPI? “Vai acabar em pizza” A quem serve esse raciocínio? A quem não quer investigar Porque, cabe a mim, jornalista, impedir que acabe em pizza Cabe a mim aprofundar as investigações que eu possa fazer Cabe a mim estimular os parlamentares a não permitir que termine em pizza, dado o rol de coisas que eu mostro para investigar

Quando eu, comodamente, já antecipo que vai acabar em pizza, é tudo o que eles querem É abrir mão da minha função principal, que é de contar para o leitor, para o ouvinte, para o telespectador, aquilo que ele não conhece, O jornalismo esportivo aquilo que ele não vê Ou, então, vamos todos ser publicitários, o que dá deve tratar o torcedor muito mais dinheiro, diga-se de passagem É uma profissão que remunera como cidadão< com muito mais generosidade Mas você opte, e seja claro: “Eu não estou fazendo imprensa”

Se alguém me pede, hoje, para definir, fundamentalmente, porque raios eu enveredei por esse caminho, que é um caminho que me custa tensão, que me custa processos sem fim, ameaças, um caminho que me custa gastrite, e não um caminho mais soft, eu diria - levando em conta o fato de que fui, nos anos 70, aos 20 anos de idade, um militante contra a ditadura militar, ao escolher uma profissão, sem transferir a esta profissão o peso do sacerdócio de um menino de 20 anos, 21 anos, na luta pela democracia do Brasil, - eu diria o seguinte: eu faço jornalismo por um torcedor que, antes de ser torcedor, é cidadão Eu faço jornalismo num país que precisa recuperar o seu conceito de cidadania, de direitos e deveres

Eu foquei a minha atividade nesse sentido: o jornalismo esportivo deve tratar o torcedor como cidadão, a tratar o torcedor como consumidor As pessoas, aliás, estão confundindo um pouco demais isso: tratar como consumidor como se fosse tratar como cidadão Não, tratar como cidadão é um pouco acima do tratar como consumidor

O consumidor do futebol, tem o direito que o jogo seja num horário adequado; tem o direito de que o jogo seja disputado num gramado de boa qualidade, porque se der um piano desafinado para o Artur Moreira Lima, não há condição 141 de fazer um bom concerto O consumidor tem o direito de exigir que o O grande desafio da árbitro não seja comprado, porque, senão, é fraudado no ingresso que compra imprensa é saber distinguir negócios das informações< Em resumo, é pensar em fazer jornalismo levando em conta que na outra ponta está o cidadão Seja ele torcedor de futebol, seja ele o eleitor, seja ele o consumidor de arte, seja ele o investidor na Bolsa de Valores

142 4 A economia simbólica

143 144 ENTRETENIMENTO, CULTURA E COMUNICAÇÃO DO NEGÓCIO Yacoff Sarkovas

Abordaremos a questão da relação das empresas com a cultura, com o esporte e com o entretenimento e estenderemos essa visão, de uma maneira Yacoff Sarkovas é fundador e presidente da Articultura mais ampla, para a área social e ambiental, relacionando tudo isso numa Comunicação, primeira agência de idéia central, que conceituamos e sintetizamos de “Comunicação por Meio planejamento e gestão de patrocínios de Atitude” do País Reconhecido internacionalmente como um dos melhores especialistas da relação Há diversos fatores que levam as empresas a colocar dinheiro de marketing cultura/empresa da América Latina, e comunicação em arte, cultura, eventos, esporte e em ações sociais e acumula 30 anos de experiência ambientais Existem três variáveis principais empresarial, 15 no campo da produção cultural associada à comunicação de marcas, e O primeiro fator é a grande importância que as marcas adquiriram no mercado implementou mais de uma centena Hoje, vivemos o império das marcas Uma razão fundamental que nos levou de projetos para empresas e instituições, no Brasil e no exterior a isso é a “commoditização” dos serviços e produtos Não há carro que não tenha similares competindo com o mesmo preço, os mesmos dispositivos Concebeu e publicou diversos tecnológicos e as mesmas condições de pagamento manuais sobre Marketing Cultural, além de artigos especializados para os jornais O Estado de S% Paulo, Não há serviço, caderneta de poupança, conta remunerada, lata de sardinha, Folha de S% Paulo, Jornal do Brasil e passagem aérea, que não esteja inserida na mesma situação As últimas para as revistas Criação, Marketing Industrial e Inovação Empresarial muralhas, num país até então fechado como o Brasil, estão caindo

Até a telefonia, agora, tem concorrência Os diferenciais técnicos, de Esta palestra foi proferida em preço e de condição não existem Quando existem, é por um período 19/11/1999 de tempo muito curto, porque a concorrência reage muito rapidamente e tudo se iguala

Isso aumentou a taxa de subjetividade no mercado As decisões são fortemente pautadas por aspectos emocionais e comportamentais As compras acabam expressando o grau de fidelização e de identificação que as pessoas têm com estas entidades simbólicas criadas pelo mercado: as marcas 145 Hoje, parte substancial das verbas de marketing é usada para construir essas marcas Mesmo quando há uma estratégia definida por uma necessidade mais específica, esse aspecto tem que ser considerado Pensemos numa situação bastante comum: uma empresa que quer desovar rapidamente o estoque de um produto, fazendo uma promoção de preço Para isso, tem que colocar na ponta do lápis quanto o resultado da operação vai debitar da imagem da marca, quanto a ação pode depreciar a marca Não é mais tão simples vender

As marcas vêm se constituindo no principal ativo das companhias, passando As compras acabam a ter seu valor definido, o brand equity Uma técnica que não foi desenvolvida expressando o grau de por “marketeiros”, mas por profissionais do mercado financeiro, que fidelização e de começaram a perceber um desequilíbrio entre os valores reais das ações e identificação que as os valores calculados pelas formas convencionais, por critérios contábeis: pessoas têm com estas fundos de negócios, ativos físicos e mensuráveis Descobriram que havia entidades simbólicas criadas uma variável até então não contabilizada: o valor da marca pelo mercado: as marcas< Quem tiver interesse específico nesta questão, que envolve fórmulas razoavelmente complexas e a avaliação de uma série de variáveis pode procurar na bibliografia sobre brand equity

Vamos citar a Coca-Cola como exemplo Se quiséssemos comprar a Coca-Cola por seus ativos convencionais não pagaríamos mais do que dois bilhões de dólares, mas a marca Coca-Cola, sozinha, vale 48 bilhões de dólares

Para não mencionar somente os casos do exterior, citemos um exemplo tupiniquim Quando a Gessy comprou a Kibon, as auditorias apontavam que não valeria mais do que 250 milhões, mas a Gessy pagou 930 milhões Essa diferença é a marca Kibon A marca pesou mais da metade do negócio

As marcas são hoje o grande patrimônio das empresas São patrimônios que não podemos cheirar, tocar, guardar, estocar; um ativo muito volátil que exige cuidados delicados para ser mantido Portanto, não há como dissociar os processos e as estratégias de comunicação da construção desse grande ativo das companhias

Este é o primeiro fator de estímulo para as empresas investirem na comunicação por atitude: o império das marcas elevou a taxa de subjetividade e de emoção na comunicação 146 O segundo aspecto é que as ferramentas convencionais de comunicação – e, particularmente, a publicidade e as fórmulas clássicas de promoção – estão vivendo uma crise Não se pode mais sobreviver com as mesmas formuletas Não é mais possível despender toda a verba de comunicação exclusivamente em publicidade, porque não dá mais para sustentar uma estratégia de comunicação com o mercado baseada exclusivamente na persuasão da publicidade Comunicação de marca e comunicação de empresas não são mais sinônimos de publicidade

Há uma saturação desse meio, por mais criativos que sejam os publicitários, porque quanto maior o volume de publicidade, menor a taxa de sua assimilação

Estudos indicam que um ser urbano é bombardeado em média por duas mil mensagens comerciais por dia Acorda, vai tomar banho e vê a marca do xampu e do sabonete Depois, vai tropeçando pelas mídias, pelos outdoors no ônibus, pelo rádio, pela TV, pelos anúncios nos jornais e nas revistas É um massacre de inputs É natural que esse ser tenha desenvolvido uma resistência a essas formas de persuasão Para muitas pessoas, publicidade chega a ser sinônimo de mentira: “Ah, isso é só publicidade Não é para ser levado a sério” As marcas são hoje o grande patrimônio das Isso tem afetado os investimentos Há uma grande preocupação das empresas< empresas em relação à dispersão dos recursos em publicidade Há uma piada que ilustra bem esta percepção Diz o cliente: “Eu sei que só a metade de todo esse dinheiro que gasto em publicidade funciona A outra metade eu jogo pela janela” “Bom, então, por que você não gasta só a metade?” “Porque eu não sei qual é a metade que funciona”

Todos nós, indivíduos, somos movidos por crenças As empresas não são diferentes Investiam todos os seus recursos de comunicação em publicidade por acreditarem na sua eficácia Agora, essa crença está abalada, levando as empresas a buscarem uma comunicação não só mais segmentada, como também mais diversificada

Estamos na era da comunicação integrada, fundada sobre a idéia de que devemos utilizar um mix de ferramentas para desenvolver uma estratégia mais eficiente de comunicação Um amigo meu, publicitário, costuma dizer que nunca viu uma empresa entrar numa agência com uma necessidade de comunicação sem que ela prescreva a mesma solução: publicidade É como alguém que entra no consultório médico e diz “Ah, doutor, estou com dor 147 no pé” Este prescreve: “Publicidade” Se falar: “Ah, estou com dor de cabeça”, ele responde igualmente: “Publicidade” A publicidade continua sendo uma ferramenta de enorme valia, mas não é remédio para todos os males Não consegue sustentar exclusivamente a comunicação de uma marca

O terceiro grande vetor que tem estimulado o investimento em patrocínio é a própria comunidade As empresas, hoje, estão inseridas num mercado constituído de consumidores-cidadãos Precisam assumir e demonstrar responsabilidade social para atender a uma sociedade mais crítica, mais atenta, que cobra maior integração da empresa com o seu meio

O conceito do marketing social não é novo: encontra-se há muito nos livros de Kotler, mas agora está se tornando predominante O princípio básico do marketing era equilibrar o desejo do consumidor alvo com a lucratividade da O império das marcas empresa Agora, é necessário atender também ao interesse coletivo Um elevou a taxa de ménage à trois formado pelo interesse do nicho de mercado, pelo interesse subjetividade e de emoção da coletividade e pela lucratividade da empresa na comunicação<

Isso se expressa das mais variadas formas Vemos na embalagem de um produto um simbolozinho, indicando que é feito com material reciclável É uma mensagem para a sociedade O produto em si foi criado num laboratório de marketing para atender simultaneamente ao seu segmento específico de mercado e ao interesse coletivo

As empresas passaram a publicar balanços sociais, junto com o balanço patrimonial Isso indica que até o conceito de acionista se transformou O balanço clássico é a prestação de contas da empresa para os seus sócios diretos O balanço social significa que as empresas passaram a considerar a coletividade também como acionista, reconhecendo que estão inseridas num ecossistema econômico-social

O conceito de responsabilidade social não se restringe à comunicação Abarca a postura ética da empresa em relação a colaboradores, consumidores, governo, meio ambiente, etc Uma parte da questão está diretamente ligada à forma e aos instrumentos que a empresa utiliza para se comunicar com o mercado

Patrocínio cultural, patrocínio esportivo, marketing cultural, marketing esportivo, marketing ecológico, marketing social, filantropia estratégica, mecenato estratégico, empresa-cidadã, responsabilidade social Tudo isso, 148 na verdade, expressa a idéia de comunicar por meio de ações da vida real Estas ações, por sua vez, expressam concretamente atributos que atingem, envolvem, emocionam e, portanto, possibilitam a identificação e a fidelização de públicos

Nós passamos a denominar essas diversas formas de patrocínio empresarial de “comunicação por meio de atitude”, em decorrência da percepção de que o patrocínio guarda uma relação muito próxima com o que é a atitude para um indivíduo: uma forma concreta de expressão É a diferença entre A publicidade continua dizer o que se acha da vida e agir de acordo com o que se acha da vida A sendo uma ferramenta de comunicação por atitude é a forma de a empresa expressar concretamente enorme valia, mas não é seus valores e seu estilo, o que garante credibilidade à mensagem remédio para todos os males< A estratégia da comunicação por atitude consiste em se criar um campo de sinergia entre os atributos da marca e os atributos de uma ação cultural, social, ambiental ou esportiva de interesse do seu segmento de público

Na comunicação por atitude, a ação deve atender duas premissas: expressar os valores desejados pela marca e falar ao coração e à mente das pessoas que a marca quer atingir A marca se associa a uma ação nos campos social, cultural, ambiental ou desportivo, tornando-se uma antena transmissora de seus atributos, um ponto de referência para a identificação pelo seu público-alvo

Não basta a marca agir de acordo com seus valores A empresa tem que dar conhecimento da sua atuação Por isso, a comunicação por atitude não prescinde da utilização das ferramentas convencionais Publicidade, promoção, assessoria de imprensa e marketing direto são utilizados em carga adequada e de forma integrada para divulgar a atitude da marca

Um plano de reciprocidade de patrocínio bem elaborado pode apontar quase uma centena de formas distintas de aproveitamento para marca Estrategicamente, podemos destacar as três grandes aplicações dessa ferramenta: 1) Estimular a identificação com a marca; 2) Ampliar a credibilidade na comunicação da marca e 3) Demonstrar a responsabilidade social da marca

De um lado, a comunicação por atitude atende às necessidades de comunicação da marca De outro, gera benefícios sociais, pois viabiliza economicamente a realização de projetos culturais, comunitários, ambientais e esportivos 149 Não temos aferição dos investimentos em patrocínio, no Brasil Nos Estados Unidos, existe uma organização denominada IEG que fornece estatísticas e informações para esse mercado Calcula que, no ano de 1999, os investimentos em patrocínio no mercado americano somaram sete bilhões As empresas, hoje, estão de dólares Observe-se que isso não é dinheiro de filantropia ou de mecenato inseridas num mercado empresarial Nessa soma, não se inclui, por exemplo, o dinheiro da Fundação constituído de Rockfeller Esses sete bilhões são recursos provenientes dos orçamentos consumidores-cidadãos< de marketing e de comunicação das empresas, investidos nas artes, no esporte, no meio ambiente, na educação, etc

No Brasil, não temos essa medição, mas percebe-se, pela mídia, o quanto esses investimentos têm crescido, em todos os campos Como exemplo, temos a ação ambiental da Sadia, ou o projeto educacional do Bradesco, que deve ter quase a idade da empresa Idealizado por Amador Aguiar, fundador do banco, o programa é hoje descomunal e beneficia dezenas de milhares de alunos Até há pouco, o Bradesco não fazia publicidade da sua ação, para reforçar a idéia de que seu investimento era exclusivamente no social e não na sua imagem

É cada vez mais difícil adivinhar, hoje, se uma empresa faz algo por filantropia ou por estratégia O Bradesco se rendeu à evidência de que o Itaú e o Unibanco, por exemplo, usam seu investimento cultural e social agressivamente a favor da sua marca Acatou a orientação de seus marketeiros que, há anos, insistiam em que a empresa não podia mais continuar desenvolvendo seu programa educacional “secretamente” Agora, o Bradesco reserva um quinhão da sua verba de comunicação para divulgar sua atitude educacional Por isso é significativa a campanha que começaram a veicular no ano de 1999 É a evidência da impossibilidade de se separar a filantropia empresarial da estratégia negocial

Como exemplo do investimento no esporte, temos a ação da Petrobrás na F1, certamente pautada pelo conceito da comunicação por atitude A empresa passou a disputar mercado no exterior, com a quebra do monopólio Prestes a sofrer a concorrência direta das grandes marcas, no Brasil, encontrou na categoria de ponta do automobilismo uma forma de expressar concretamente o padrão de excelência mundial de seus produtos e serviços

Nem toda ação no marketing esportivo é uma ação de comunicação por atitude Na verdade, a maioria dos investimentos no marketing esportivo são ainda orientados pela cultura de mídia, com mero objetivo de expor a 150 marca Na comunicação por atitude, o objetivo prioritário é qualificar a marca para depois quantificar sua exposição

Boa parte dos patrocínios esportivos são realizados porque uma câmara vai passar pela ação e captar a marca No calção de um surfista, na camiseta de um jogador, no quepe de um corredor, na beirada de um campo Entre dezenas de outras, a marca será vista, não importam os valores que estão associados àquela ação Isso não é comunicação por atitude É pura mídia, mera exposição massificada da marca Mas há muitas empresas que já desenvolvem, no esporte, estratégias de comunicação por atitude, objetivando a qualificação, os valores que a ação expressa e o posicionamento que proporciona

No Brasil temos uma grande qualidade e diversidade de manifestações culturais Aqui, em se plantando, tudo dá, mas a área carece historicamente O conceito de de recursos Infelizmente, no Brasil, os governos têm sido irresponsáveis responsabilidade social não com a questão cultural e a nossa sociedade não desenvolveu a cultura do se restringe à comunicação< mecenato privado, que sustenta a atividade cultural como, por exemplo, Abarca a postura ética da nos Estados Unidos empresa em relação a colaboradores, Nesse cenário, quando se aventou a possibilidade de a cultura receber consumidores, governo e recursos de comunicação das marcas, houve uma febre, um assédio maciço meio ambiente< da área empresarial pela área cultural E pedra mole em água dura, tanto bate que acaba surgindo algum patrocínio, mas, obviamente, uma parcela muito maior acaba não conseguindo, porque a capacidade de financiamento empresarial à cultura é limitada, face à enorme demanda cultural do País

Na relação empresarial com a cultura, temos como primeiro exemplo o Free Jazz Festival Postas de lado as questões éticas relacionadas à natureza do produto, que mata, é, sem dúvida o case mais exemplar de marketing cultural do País Se houvesse uma espécie de Oscar do marketing cultural do mundo, o Free Jazz estaria na cabeça, disputaria a primeira posição com os melhores cases mundiais de marketing cultural

O evento nasceu, dentro da estratégia de lançamento do produto, a partir de uma bobeada que a Souza Cruz deu, há quinze anos, ao deixar que outra empresa lançasse o conceito de baixos teores no mercado antes dela Nessa estratégia, incluiu-se uma ação de marketing cultural Essa ação se mostrou tão eficaz – e isso é medido por pesquisa – que se tornou o eixo da comunicação do produto Quando nasceu, o evento ocupava 0,5% da verba de comunicação da marca Hoje, merece quase 20% da verba 151 Se compararmos com o xadrez, o Free Jazz Festival é a rainha do tabuleiro As demais ações de comunicação ficam como peões, cavalos e bispos, dando-lhe proteção É uma ação muito bem planejada, que se renova a cada ano É uma estratégia exemplar de como estabelecer o posicionamento de um produto no imaginário dos seus segmentos de mercado, por meio de uma ação de mérito cultural É pela porta do Free Jazz que o Brasil, por mais de uma década, faz contato com o que há de mais sofisticado na música internacional e projeta muitos artistas brasileiros Enfim, é um evento que consegue conciliar eqüitativamente benefícios culturais e mercadológicos

Acender vela para ambos os santos Esse objetivo deve balizar qualquer planejamento de marketing cultural É “marketing” e é “cultural” Não pode ser mais marketing, nem mais cultural Deve haver equilíbrio de benefícios e de reciprocidades Também não pode haver promiscuidade entre esses dois mundos Cria-se um campo de sinergia entre ambos, sem que um interfira na singularidade do outro Não cabe à marca pautar a cultura: “Põe esse quadro ali Muda a letra aqui Muda o roteiro ali”, da mesma forma que se supõe que um patrocinado não pode dar palpite nos negócios da empresa patrocinadora É uma associação que deve ser baseada no respeito recíproco

Vamos agora montar um mosaico de ações de patrocínio cultural para Não basta a marca agir de demonstrar a diversidade de aplicações da ferramenta acordo com seus valores< A empresa tem que dar Os cases da Philips são interessantes porque a empresa utiliza estratégias conhecimento de suas distintas – até disparatadas – para atingir seus diversos segmentos de ações< público A Philips não tem nenhuma preocupação em manter coerência entre suas ações, porque elas visam segmentos distintos Para falar com públicos sofisticados, que compram aparelhos eletrônicos top de linha, realizou o Philips Innovation Show, um evento de música instrumental internacional de ponta Para vender os poderosos aparelhos de som compactos, desenvolveu o relacionamento da marca com o público adolescente por meio de um festival heavy metal, o Philips Monsters of Rock Para se posicionar como uma corporação multinacional parceira do nosso País, criou o projeto Philips Brasilis, que patrocina artistas como Antônio Nóbrega

Temos também alguns exemplos de como marcas coabitam no mesmo evento No Festival de Cinema do Rio de Janeiro, por exemplo, um dos principais do Brasil, há o compartilhamento das marcas Petrobrás e Telemar 152 Esses co-patrocínios são complicados de administrar, porque nem sempre se obtém um recall apropriado da marca Para que várias marcas não se sobreponham no patrocínio do evento, a Bienal de São Paulo é fatiada em módulos e cada marca torna-se dona exclusiva de um segmento As cotas de patrocínio são representadas pelos grandes artistas da exposição Uma marca é patrocinadora exclusiva de Picasso, outra de Paul Klee, e assim sucessivamente

A Articultura desenvolveu para o jornal O Estado de S< Paulo uma estratégia, muito bem-sucedida, de relacionamento com o meio cultural O Prêmio Multicultural Estadão envolve os profissionais da cultura de todo o País, que participam diretamente da escolha dos vencedores por meio de voto direto É uma ação muito eficaz, que atinge os objetivos do jornal de resgatar seu compromisso histórico com a cultura, para fazer frente ao prestígio adquirido pela Folha de S< Paulo, seu concorrente direto

Com criatividade, é possível obter retorno de qualquer forma de patrocínio cultural Em 1989, estava em Paris e li no Le Figaro que um enorme painel A estratégia da do Veronese, no Louvre, estava sendo restaurado com recursos de uma comunicação por atitude multinacional da área química - a ICI A restauração era feita na presença do consiste em se criar um público De um lado, a empresa possibilitava a recuperação de uma obra de campo de sinergia entre os grande valor artístico De outro, obtinha ampla divulgação da sua atitude atributos da marca e os tornando o processo de restauração um evento contínuo Anos depois, ao atributos de ações de entrar na sala de embarque da Ponte Aérea, no Aeroporto de Congonhas, interesse do público< uma mocinha me deu um folheto que informava que o Banco Real estava patrocinando a restauração do painel sobre a aviação de Cadmo Fausto, que fica no saguão do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro A mesma estratégia sutil e inteligente

Quando a exposição de Auguste Rodin fez enorme sucesso, no Brasil, um shopping de São Paulo adquiriu algumas obras, doando-as à Pinacoteca Antes, porém, expôs as peças no próprio shopping e encomendou à sua agência de propaganda uma campanha para tornar pública sua atitude em benefício do acervo de um dos principais museus da cidade

O canal Futura demostra que o conceito de comunicação por atitude também se aplica aos meios eletrônicos É financiado por um sistema de cotas, em que cada empresa participante recebe um pacote de reciprocidades e se posiciona como fomentadora de um importante projeto educacional na televisão 153 Uma nova modalidade de patrocínio permite à marca nominar estádios, ginásios, teatros, etc O primeiro grande projeto desse tipo, no Brasil, é o Credicard Hall, que acabou tendo repercussão nacional ampliada graças a João Gilberto, o que só otimizou ainda mais o investimento do Credicard É uma ação distinta, por exemplo, do Centro Cultural Banco do Brasil, que foi planejado, implementado e é gerido pelo Banco do Brasil O Credicard só dá nome ao Credicard Hall A casa foi montada e é programada e gerida por empresários do show business Por um contrato de 10 milhões de dólares, o cartão de crédito adquiriu, por 10 anos, a exposição diária de sua marca na mídia associada às grandes atrações, além de outros benefícios, como camarotes exclusivos para ações de relacionamento

Há marcas que preferem concentrar suas ações sob o guarda-chuva corporativo, como é o caso das ações culturais e sociais da Shell e da Volkswagen Quem patrocina não é o Gol, nem a Kombi< É a marca Às vezes quem patrocina corporativa da Volkswagen Outras empresas adotam estratégia inversa não é a marca corporativa e Quem patrocina não é marca corporativa e sim a marca de seus produtos sim a marca de seus Uma marca de batata frita patrocina um festival de reggae, o Ruffles Reggae produtos< E há o fantástico caso brasileiro de um sabonete que patrocina música sinfônica ao ar livre: os Concertos Vinólia

Normalmente, as empresas passam por três estágios de patrocínio O primeiro é o beneficente, onde prevalecem as decisões por gosto pessoal O que define o patrocínio é a predileção do presidente, da mulher do presidente, de um diretor Como o investimento não está conectado ao negócio da companhia, ganha o rótulo de caridade, mecenato, filantropia Depois, a empresa adquire certa visibilidade como mecenas e começa receber muitos projetos Então, compara e percebe que um projeto tem mais a cara da empresa do que outro, que um projeto apresenta maior reciprocidade do que outro

A segunda fase é a fase reativa Conforme a oferta, seleciona projetos por sua adequação e sua reciprocidade Os patrocínios passam a ter objetivos táticos: reforço na imagem da marca, oportunidades de ações de relacionamento, etc A maior parte das empresas patrocinadoras, no Brasil, estão no estágio reativo

Algumas empresas acabam ingressando na terceira No estágio avançado, quando a pró-ativa, quando o patrocínio segue uma diretriz pré-formulada A empresa define sua linha de atuação por planejamento, estabelecendo objetivos estratégicos para seus patrocínios e vai a campo buscar as ações 154 que melhor atendem a seu foco, ou as produz especialmente Nessas empresas, a comunicação por atitude já integra o planejamento estratégico da marca e seus resultados passam a ser medidos por pesquisa, pois seus objetivos estão pré-definidos

Por que muitos patrocínios não funcionam?

Primeiro: os patrocínios da marca são definidos por critérios pessoais, políticos ou fiscais A publicidade, a promoção ou qualquer outra forma de comunicação também não funcionaria se fosse definida dessa maneira

Segundo: o patrocínio não é integrado à estratégia de comunicação da marca É uma espécie anexo, deslocado do planejamento

Terceiro: a associação da marca com a ação não é convincente São exemplos disso as empresas poluidoras que patrocinam projetos ambientais

Quarto: a marca não é percebida como a “possibilitadora” da ação A empresa tem que ser percebida como a responsável pela efetiva realização Um anúncio institucional americano ilustra bem essa idéia Mostra um desses shows monumentais, com uma enorme platéia, um grande aparato de som e luz e, ao fundo, neons com as marcas patrocinadoras Uma a uma, as marcas vão se apagando e partes do show desaparecem junto Quando se apaga a última marca, sobra um artista com um violão tocando para poucas pessoas

Quinto: o plano de comunicação do patrocínio não atende às necessidades da marca A empresa compra um patrocínio e o plano de comunicação que A publicidade, a promoção já está pronto atende somente às necessidades da própria ação ou qualquer outra forma de comunicação não Sexto: a associação da marca com a ação é efêmera Uma empresa, quando funcionam se são definidos patrocina, está construindo uma reputação É necessário um mínimo de por critérios pessoais ou continuidade para ter sua atitude reconhecida e, assim, obter resultados políticos<

Sétimo: a empresa pulveriza os patrocínios da marca por diversas ações Sabe que patrocínio funciona, mas não sabe que patrocínio fazer Sem dispor de uma diretriz, um foco, uma estratégia, faz um pouquinho de cada coisa e acaba não fazendo coisa alguma

Oitavo: a empresa não dispõe de pessoal para administrar os patrocínios da marca A empresa assina o cheque, entrega para o produtor cultural e fica 155 esperando o resultado É necessário mobilizar recursos humanos especializados para gerir esses investimentos Isso está criando um novo campo de trabalho

Nono e último: a empresa não incorpora seus colaboradores nos patrocínios da marca É importante que a atitude ocorra de dentro para fora da empresa Um bom planejamento de Não pode ser, nem parecer, uma ação da porta para fora É muito importante comunicação prevê ações que as pessoas entendam por que sua empresa está envolvida naquela de endomarketing< ação cultural, social, ambiental Um bom planejamento de comunicação por atitude prevê, necessariamente, ações de endomarketing É desejável e recomendável o envolvimento e a integração dos colaboradores da empresa nos processos de patrocínio

156 REFERÊNCIAS E SÍMBOLOS DA MÍDIA NO NOVO MILÊNIO Rafael Sampaio

O que é uma mídia? Ela é sempre um conjunto que é, ao mesmo tempo, um reflexo do que acontece na organização humana, social e econômica; mas Rafael Sampaio, 48 anos, é, ao mesmo tempo, agente e paciente disso Não tem nenhuma possibilidade é vice-presidente executivo da Associação Brasileira de Anunciantes de a mídia estar deslocada da sociedade na qual ela existe Ela nunca é e editor da “About”, revista que apenas agente ou paciente Jamais a mídia consegue ser só uma força que fundou e é uma das principais transforma a sociedade Ela sempre é transformada pela sociedade e sempre publicações sobre comunicação e marketing do Brasil transforma a sociedade Ela não consegue se descolar da sociedade A mídia, a sociedade, a organização política, econômica e social e o processo E colunista da revista “Carta Capital” de consumo são indivisíveis sobre comunicação e marketing

Iniciou suas atividades aos 18 anos, Vivemos a mídia A mídia trabalha sobre nós A mídia transforma a sociedade como desenhista arquitetônico, em E a mídia é transformada pela sociedade E não tem jeito Não é uma coisa São Paulo, e passou pela Rede que se possa isolar num laboratório, no sentido de estudar os fenômenos da Globo No jornalismo publicitário, foi sub-editor da revista Briefing, editor mídia como se acontecessem num vácuo Por isso é que existem fenômenos do caderno Asterisco (atual caderno da mídia fantásticos, como, por exemplo – isso todos nós sabemos – se Propaganda e Marketing, da Folha da usarmos um caso de cinema, pode-se pegar grandes roteiristas, uma história Tarde) e colunista de O Globo já consagrada no teatro ou um livro famoso, grandes atores, uma verba de Participa também, regularmente, dos produção monumental, fazer um grande filme e fracassar no segundo ou principais eventos de comunicação terceiro dia Do mesmo modo, há aqueles roteiros que, à primeira vista, se realizados no Brasil e exterior jogaria fora, porque não têm graça nenhuma, de gente de quem nunca se Esta palestra foi proferida em ouviu falar e de repente aquilo pode render milhões 19/11/1999

Por exemplo, o filme “Encurralado”, trabalho de fim de universidade do Spielberg, que é apenas um sujeito dirigindo um carro e o motorista de um caminhão enorme que o persegue Esse roteiro, a chance de alguém, lendo o roteiro, falar “Isso vai dar certo” é absolutamente nula Não tinha chance de conseguir nenhum tipo de patrocínio para colocar um roteiro desses em pé No entanto, ele o fez como exercício de fim de curso e se lançou como diretor a partir disso 157 E o mesmo Spielberg, alguns anos depois, fez um filme que ninguém aqui vai lembrar nem do nome, sobre a Segunda Guerra Mundial, uma comédia, com uma produção caríssima Inclusive, um dos atores era o John Belushi no auge da fama, ou seja, gente de primeira linha Custou uma fortuna e foi, provavelmente, o único fracasso na carreira dele Alguém lembra o nome desse filme?

“1941”, o filme, foi um desastre monumental Ruim demais Por quê? Porque há um processo de interação absoluta entre a mídia e a sociedade Ela é agente Ela é paciente Ela é reflexo e, ao mesmo tempo, um certo tipo de dogma Ela define o que a sociedade é Então, não dá para dividir Quando se reclama, por exemplo, que a televisão, principalmente nos Estados Unidos, é extremamente violenta, esquecemos que ela é um espelho Ela induz à violência Ela mostra consumo de drogas o tempo todo, crimes, assassinatos, crime organizado, esse pessoal que sai dando tiro que nem louco, etc Você A mídia, a sociedade, pode dizer: “A televisão está conspirando contra a sociedade americana a organização Está mostrando alguma coisa que é perversa, etc A TV leva as pessoas a político-econômica e cometer atos violentos” Isso não é verdade A sociedade americana tem o processo de consumo aquelas doenças patológicas, que são registradas pela mídia A mídia está são indivisíveis< amplificando esse reflexo

Nós que temos a função de gerenciar o processo de mídia, em benefício de uma empresa, seja esse processo de mídia através do jornalismo, seja através de assessoria de comunicação, programas de patrocínio, todo tipo de ferramenta que se pode ter, nós temos que ter uma consciência muito clara dos fenômenos fundamentais da mídia, sem o que iremos nos perder na floresta Nós vamos ser capazes de descrever a árvore pela qual somos responsáveis Vamos ser capazes de trabalhar e de fazer uma árvore muito boa, mas que talvez não seja a árvore adequada para a floresta na qual estamos inseridos Talvez estejamos pensando numa floresta tropical e querendo criar na floresta tropical um pinus, que só dá em climas temperados Ou vice-versa Então, é preciso tomar muito cuidado

E quais seriam as três grandes revoluções fundamentais da mídia na história recente da humanidade? E por que isso muda radicalmente a maneira das empresas, pessoas, comunidades e até as civilizações, em última análise, se relacionarem? Por que isso aconteceu? Quais são essas diferenças? Quais foram as vantagens, os benefícios que essas revoluções da mídia agregaram? E por que a diferença é tão grande entre elas?

Evidentemente, nenhum de nós desconhece que a primeira grande revolução foi a da imprensa Se alguém teve a oportunidade de ir a algum museu onde 158 existem aquelas bíblias que eram copiadas na Idade Média, descobriu que o que está contido naqueles livros ocupava muito espaço Quatro ou cinco volumes para cada um dos dez ou doze pedaços em que essa bíblia é dividida, se pensarmos no Velho Testamento, na Torah, nos Livros dos Profetas, no Novo Testamento, nas Cartas dos Apóstolos Se pegarmos essas divisões e formos empilhando a bíblia que era copiada pelos monges, vamos encher esta sala aqui E não tinha como manipular, não tinha como levar, não tinha como distribuir isso Um convento que tivesse uma Bíblia, uma coleção de Bíblias, era considerado um convento rico Porque imaginem o custo que era copiar milhares de páginas à mão, em pergaminhos, conservar isso e transportar Ter uma Bíblia, ter uma cópia da Bíblia, durante toda a Idade Média, era sinal de extrema riqueza da cidade, da comunidade, do convento que a atendia, daquela abadia, do que fosse Eram feitas coletas para construir a catedral e conseguir um exemplar da Bíblia

Essa foi uma das razões pelas quais a Idade Média durou tanto tempo e porque houve, sob um certo sentido, uma tremenda regressão na civilização humana Foi porque a comunicação entre as pessoas, entre as instituições, ficou muito tênue Não existia um mecanismo prático de troca de informação, não existia uma mídia eficiente E foi a invenção do senhor Gutemberg a grande mídia que revolucionou o mundo, que permitiu a Renascença, que permitiu a sociedade industrial, que permitiu quase tudo que tivemos até o começo do século XX, ou seja, abrange a história do final da Idade Média até entrarmos em 1910 Quando reclamamos que a TV é violenta, esquecemos E o que essa mídia, que tem como grande poder a capacidade da multiplicação que ela é um espelho< da informação, fez? Ela, simplesmente, reproduziu coisas de 2000 anos atrás De mil e poucos anos, eram os Evangelhos, as Cartas dos Apóstolos Então, estamos falando de uma mídia que, simplesmente, pegou algo que já fazia parte da sociedade, mas que era de difusão muito restrita, do conhecimento de muito pouca gente, e multiplicou Essa foi a transformação, mudou o mundo a partir de conhecimentos, de coisas que já existiam

É claro que o primeiro objetivo foi fazer com que a Bíblia estivesse em cada igreja, em cada escola Mas, a partir daí, alguém começou a pensar: “Mas por que não usar isso aqui para fazer um mapa de viagens? Por que não colocar a fórmula de forjar metal? Por que não?” E nós tivemos uma tremenda mudança na história da humanidade

Então, qual foi o grande efeito que este poder da multiplicação criou no mundo? A democratização A democracia começou a ter alguma chance de 159 existir somente a partir da criação da imprensa Os gregos não eram democratas, eles inventaram o conceito, mas eram oligárquicos, porque, na verdade, meia dúzia mandavam e o resto não tinha nem possibilidade de se manifestar O conceito possível da democracia liberal, que conhecemos hoje, nasce do poder de multiplicação que o livro proporciona, que essa mídia proporciona, porque gera a possibilidade da democratização

Qual é a grande referência do livro? É a oficina na qual era feito, em forma industrial Aí, a partir da idéia de reproduzir um livro, muita gente começou a pensar na possibilidade de reproduzir outros objetos Quer dizer, o cerne da indústria nasce de onde? O conceito de indústria nasce do livro É a primeira indústria organizada que existiu A Revolução Industrial só foi possível porque se ensaiou o processo dentro da oficina tipográfica E a cidade era a grande referência, tanto que, se você pegar qualquer livro, até hoje, o que está escrito na primeira página? A cidade onde ele foi publicado O livro era – e é – alguma coisa feita numa oficina, em regime de artesanato, uma coisa feita num determinado local Tanto que as primeiras Bíblias eram conhecidas, depois da Bíblia de Gutemberg, pelo nome ou do seu artesão ou da cidade na qual ela foi publicada Então, essa é a grande referência e esse é o grande símbolo essencial: o livro

E tudo tem a ver com a sociedade da época O que a Renascença permitiu e, depois, o começo da Era Moderna possibilitou, foi a recuperação do Existe um clima favorável a conceito de cidade As cidades começaram a crescer, houve os primeiros desintermediação que a movimentos de urbanismo, proporcionados por essa concentração de pessoas Internet, sendo a mídia que trabalhavam em volta do mesmo lugar Começava a ser possível adequada para facilitar esse sobreviver sem que todos, ou praticamente todos, como acontecia até muito processo, vai desencadear< pouco tempo atrás, tivessem que ir ao campo, plantar, semear e cuidar dos rebanhos Começou a haver um certo excesso de produção no campo E passou a ser possível, se não o tempo todo, por uma parte do tempo, morar na cidade As atividades terciárias começaram a se desenvolver O comércio começou a florescer e a indústria começou a florescer

E durante 400 anos, basicamente, o mundo foi dominado pelo livro, até que, no começo do século XX, a indústria, que já tinha uns 100 aninhos e estava imaginando em como se transformar, começa a pensar na possibilidade de pegar uma coisa que ela fabricava para meia dúzia e oferecer para todo mundo É o conceito do Henry Ford, de produzir, para a massa, um carro que o seu operário pudesse comprar Isso era inimaginável na indústria européia Ela fazia coisas para pessoas que já podiam comprar Não passava pela cabeça deles produzir coisas para as pessoas que ainda não podiam comprar 160 Essa foi a revolução fundamental dos Estados Unidos, essa é a história do século XX, a história da indústria de massas E baseada nisso, sempre como reflexo, agente e paciente, desenvolveu-se a comunicação de massas, que é a segunda grande revolução Começa pelo rádio, pelo cinema e termina na televisão, que é o grande veículo de comunicação de massas que tivemos durante a segunda metade do século, que mudou a cara do século XX e que nos trouxe até hoje, onde estamos

Qual foi o poder que a comunicação de massas trouxe, em adição ao poder da multiplicação que o livro já tinha trazido? Foi esse poder da multimídia, da capacidade de integrar as mídias, de ser muito mais envolvente, de ser muito mais explícita em alguns casos, de ser muito mais emotiva, em outros casos, do que o livro; de ser muito mais compreensível para as massas, Chegamos a um ponto em porque não se precisa do domínio do código da leitura para fruir a multimídia que, o tempo todo, sabemos tudo de todos, se quisermos saber< O processo de produção, de escrever um livro, de reproduzir um livro, de distribuir um livro, é lento; evidentemente estamos falando de meses, anos, décadas às vezes, para um livro trafegar pelo mundo e as idéias que estavam nele ganharem grande repercussão Isso mudou na era da comunicação de massa O tratamento da informação evoluiu muito A instantaniedade que o rádio e, depois, a televisão, trouxeram permite que todos possam ficar sabendo ao mesmo tempo de tudo

À medida que evolui a sociedade de massas, essa instantaniedade começa a ser cada vez maior E chegamos hoje a um ponto em que, o tempo todo, sabemos tudo de todos, se quisermos saber

O efeito que isso causou foi o de transformação da mídia numa mercadoria, porque, como foi desenvolvida como um reflexo, como um agente e um paciente da indústria de massas, era óbvio que a mídia se transformasse em mercadoria Não tem sentido existir comunicação de massas se não for para ser uma mercadoria a comprada e vendida pelo maior número possível de pessoas

Então, mesmo considerando uma série de benefícios inegáveis da comunicação de massas, o fato de que toda mercadoria precisa ter um mercado consumidor leva a uma degradação de profundidade É impossível a mesma profundidade na multimídia – que é uma mercadoria que vai procurar mercados cada vez mais amplos – como proporciona o livro 161 E porque a comunicação de massas não acabou com o livro? Porque não atende a todas as necessidades Há muitas necessidades que ainda, até este momento, são mais bem atendidas pelo livro Então, a multimídia não A comunicação de massa descartou o livro do panorama Apenas substituiu o livro como a mídia mais não acabou com o livro, importante, a mídia de maior utilização, a mídia que mais forma as pessoas, porque há necessidades a mídia que mais reflete a sociedade e mais influi na transformação da que são mais bem-atendidas sociedade pelo livro< A referência da comunicação de massas é a fábrica, a evolução da oficina A fábrica no sentido americano, da criação do produto de massas, da mercadoria de ampla distribuição E como as cidades tinham evoluído, tinham se agrupado e, gradativamente, se uniram em nações, a referência da comunicação de massas é a referência nacional As televisões, o canal de televisão, foram criadas não para serem um instrumento mundial Todo o mecanismo, como podemos constatar, de criação do rádio e, depois, da televisão se dá em nível nacional Quer dizer, os governos se preocuparam em ter barreiras, que, mais tarde, acabaram se perdendo e que hoje estão indo, realmente, para o espaço, mas foi esse o conceito Porque o mundo era dominado pela nação

A comunicação de massas, portanto, não teria existido no século XIX Não teria sentido ela existir no século XIX Ela não teria espaço para se desenvolver Ela só teve sentido no século XX, porque todas as peças se juntaram – política, economia, tecnologia e cultura

E qual é o símbolo, para mim, essencial dessa fase? O filme na televisão Não é nem o filme no cinema O filme no cinema é um estágio para se chegar ao filme na televisão E para mim, o grande exemplo é “Os Dez Mandamentos”, do Cecil B De Mille Todo mundo já viu esse filme E o que esse filme é? É a mesma história, aquela que era oral, foi conservada por uma tradição, que, muito tempo depois, foi impressa na Bíblia do Gutemberg, e que, na era da comunicação de massas, ganhou uma nova versão: a versão do filme

Esse é o grande símbolo É óbvio que, para fazer isso, o De Mille precisou simplificar O filme não pode ter a profundidade que tem na Bíblia Seria impossível Quantas horas de filme seria preciso? Isso seria absurdamente chato Não tem jeito, para eu possa falar com mais gente, tenho que simplificar 162 E assim acontece com tudo O carro que o Ford produzia não era o melhor carro possível de ser feito na época, porque, se fosse, ele custaria o preço que os carros de luxo custavam, o preço dos Bugatti e de outros carros que eram feitos na Europa e que só dava para serem comprados por reis e gente muito rica Ao fazer um carro acessível para todo mundo, o Ford teve que abrir mão de uma série de requisitos que infelizmente, na vida real, não podemos ter a máxima profundidade com a máxima horizontalidade Não tem jeito Então, temos que buscar as compensações – ou tínhamos até hoje, porque está surgindo a terceira revolução E, talvez, essa terceira revolução vá, de algum modo, fazer a simbiose das outras duas e acrescentar alguma coisa a mais

A essa altura, todo mundo já matou que a terceira revolução é a da Internet, dos networks A Internet é apenas o network mais conhecido A revolução são os networks É o conceito de network< O conceito de imprensa nos dominou por 400 anos e mudou muita coisa O conceito de comunicação de massas mudou várias vezes o mundo, num único período de menos de 100 anos Se pararmos para pensar, o século XX é um século curto, que é a tese do Eric Hobsbawm: o breve século XX porque no fundo, foi menor do que 100 anos Nunca houve tantas informações sobre as mais E que poder esses networks estão proporcionando? A interatividade Qualquer diversas etnias e culturas um de nós pode responder Mas, depois de responder, não queremos ficar da história da humanidade só na resposta Queremos ter o poder da emissão Todos nós queremos ter, como hoje, na Internet< de algum modo Um garoto de 15, 16 anos, razoavelmente esperto, põe um programa multimídia no ar, na Internet Ele pode não fazer uma coisa igual ao que fez o Cecil B De Mille, que contou com milhares de pessoas trabalhando, mas ele vai somando coisas, vai fazendo uma coisa tão rica, tão interessante talvez quanto “Os Dez Mandamentos”, que foi o filme mais caro produzido na época Coisas que nem sonhávamos em fazer há dez anos, hoje, fazemos na Internet E nós nem temos idéia, ainda, do que este poder da interatividade e da emissão vai produzir

Qual poderá ser o efeito disso? Atomização O poder vai ser atomizado As fontes de referência serão atomizadas Se o conceito de democracia, depois de já existir por quase 2000 anos, só pôde começar a ser praticado quando aconteceu a multiplicação pelo livro, se através da comunicação de massas, tivemos realmente a capacidade de levar a idéia da democracia a todos, ou seja, de “vender” a democracia para todo mundo, acredito que só vamos chegar à plenitude na hora em que realmente conseguirmos usar os networks como eles poderão ser usados, porque, aí, vamos realmente atomizar Vão 163 acabar os deputados? Vão Óbvio que vão Vamos ter uma desintermediação E não é só do político É do comerciante, do especulador, do atravessador Teremos um processo de profunda desintermediação do mundo

E, mais uma vez: a mídia vai ser o agente? Vai ser o agente Mas ela também será o paciente, porque isso só está acontecendo porque cada um de nós está um pouco cansado desses intermediários que falam em nosso nome, dessas pessoas que vão lá e dizem que estão lutando por nós, que estão se sacrificando por nós, nos representando Não queremos Esse um sentimento existe e não pertence ao Brasil, com todos problemas conhecidos que temos Estamos falando de um sentimento presente nos Estados Unidos A referência geográfica da e na Europa Internet é a globalização< As pessoas do primeiro mundo e do mundo em desenvolvimento, a caminho do primeiro mundo, estão um pouco cansadas de um monte de gente se aproveitando delas, como intermediários de alguma maneira Então, existe um clima favorável a desintermediação que a Internet, sendo a mídia adequada para facilitar esse processo, vai desencadear Ou seja, é agente e é paciente

A Internet não daria certo nos anos 50 Não havia estrutura tecnológica, nem a rede de telecomunicações Além disso, não existia o quê? As condições sociais para que a Internet se desenvolvesse Naquele famoso relatório do Herman Kahn, que foi feito nos anos 50 e 60, sobre o que seria o futuro do mundo, a Internet não tem esse nome, mas está descrita lá Herman Kahn colocou em 70º, 71º, 72º lugar, por aí Ele já dizia que o mundo seria conectado por redes de computadores, que os computadores descarregariam uns para os outros a sua necessidade de operação e que haveria processamento em rede e que as pessoas teriam capacidade de, através dos computadores, interagirem com um centro Mas, veja bem, ele ainda tinha o conceito do centro Não passava na cabeça dele que poderíamos ter uma rede sem centro; até porque o centro, para ele, era muito claro: eram os Estados Unidos e a vida acadêmica

Na verdade, a Internet já estava acontecendo naquele momento como um instrumento científico Não passava pela cabeça dele, com os 190 de QI que tinha, que o cidadão comum, que a dona de casa comum iriam usar a Internet para trocar receitas Aquilo era uma coisa muito requintada, muito sofisticada para ser gasta de uma maneira tão rudimentar e tão prosaica Aquilo era para trocar dados sobre pesquisa espacial Aí, tinha sentido existir a Internet Era uma visão que decorria de uma visão elitista, decorria de um 164 conceito de produção de massas, porque um tenta controlar o mercado todo Ele não podia pensar na Internet como pensamos hoje Por quê? Porque não existia clima social, porque a estrutura da sociedade não permitia No entanto, está lá definido o que vem a ser a Internet hoje A Internet, na prática, foi criada, nos anos 50/60, pela comunidade científica e militar dos Estados Unidos, para enfrentar, como sabemos, a possibilidade de uma guerra nuclear que acabaria com o mundo

Qual será o símbolo essencial dessa nova grande revolução? Provavelmente, o site Mas não temos certeza Nós só sabemos que o filme na televisão é o grande símbolo da comunicação de massas porque vivemos nesta época; mas se estivéssemos na era do rádio, iríamos dizer que era o programa de rádio e, um pouco depois, iríamos falar que era o programa de televisão de auditório Chegamos a essa conclusão fazendo uma análise histórica O site pode vir a ser o grande símbolo essencial dessa revolução Mas ainda não sabemos com toda a clareza

Qual é a referência fundamental? A referência antes era a oficina, depois passou a ser a indústria de massas e hoje a referência é o conhecimento globalizado O conhecimento é a mercadoria, é o ativo mais importante que qualquer um de nós, pessoa física ou jurídica, pode ter A internet, portanto, só pode decolar como está decolando agora Por quê? Porque o conhecimento se transformou numa moeda muito requisitada Se não fosse assim, a Internet não aconteceria também, porque não se precisava de uma troca tão grande assim de informação, de conhecimento entre a sociedade, nem na época do livro e nem na sociedade de comunicação de massas, na qual ainda vivemos A internet não daria certo nos anos 60, quando não É óbvio que a referência geográfica da Internet é a globalização A Internet havia um conceito de uma vai ser o principal agente de desintermediação, como vimos, e do fim das rede sem centro< fronteiras nacionais Levou 25 anos para a Europa acabar com algumas barreiras Foi preciso mais 10 anos para ter uma moeda única Mas a Internet vai acelerar esse processo, vai derrubar barreiras, vai tornar sem sentido muitas coisas que temos hoje Uma série de profissões vai acabar por conta da Internet Claro que um grande número de outras serão criadas Muitas empresas irão desaparecer, porque não vão conseguir competir no famoso tempo real que a Internet está trazendo

A maioria dos Estados-Nações vai começar o seu período de declínio, a partir do impacto da Internet na sociedade Porque ela é um reflexo do que, no fundo, nós queremos A partir do momento que começamos a viajar sem 165 barreiras, a partir do momento em que usamos um cartão de crédito, que sacamos dinheiro em qualquer lugar do mundo, não queremos ter mais barreiras Não temos mais paciência nenhuma de mostrar passaporte Não queremos mais pedir visto para ninguém Nós nos consideramos, com muita razão, cidadãos do mundo A Terra é o nosso planeta

Na medida em que tudo vai se aproximando, não haverá nenhuma possibilidade de manter essas barreiras artificiais, o que não quer dizer, cá entre nós, que a cultura vai acabar Acho que o sentimento de etnia, de história, vai continuar, talvez até de uma maneira mais forte do que até hoje Inclusive porque nunca houve tantas informações sobre as mais diversas etnias e culturas da história da humanidade como hoje, na Internet É uma coisa paradoxal, mas é o que está acontecendo E acredito que vai continuar

Vamos comparar, rapidamente, agora, alguns dos principais aspectos para entender a diferença entre esses três grandes momentos da história das mídias, nos últimos 500 anos

Qual era a cultura que estava por trás da imprensa? A enciclopédica Havia um processo de acumulação de conhecimento A criação do conhecimento não era tão importante, porque se achava que já se sabia muita coisa no mundo E o primeiro passo foi o quê? Recuperar e tornar acessível o conhecimento já existente Isso já era um tremendo desafio para a Na sociedade de humanidade, porque havia muita coisa que se sabia, mas estava dispersa comunicação de massa a grande cultura foi a pop< Isso teve uma tremenda importância O século XIX foi dominado pelo conceito dos enciclopedistas Toda a cultura, a universidade, como a conhecemos hoje, ainda é extremamente dependente dessa cultura enciclopédica: “Sim, eu tenho toda a informação e vou conceder o favor de passar isso adiante” Isso foi uma tremenda evolução na história da humanidade O grande problema é que ela tende a um certo assexuamento, ou seja, ela não produz informação, não gera conhecimento pela quantidade de informações que se recolhe, porque a conectividade entre as informações que estão na enciclopédia é baixa E só há produção de conhecimento quando há conectividade, quando existe até mesmo conflito entre idéias diferentes, entre conceitos diferentes, aplicáveis a ramos diferentes

No caso da sociedade de comunicação de massas, qual foi a grande cultura? A cultura pop Num certo sentido, houve um empobrecimento da cultura, porque a cultura fica mais esquemática Pega-se uma ópera para transformá- la num musical Pega-se uma ária que precisa de artistas com 20 anos de 166 formação, às vezes, para poder cantá-la bem, que demanda um ambiente todo sofisticado como cenário, e transforma-se isso numa música popular, numa música country, numa música caipira daqui Então, o quê se faz? Na comunicação de massas, em benefício de se falar com mais pessoas, em Só há produção de benefício de se ter uma mercadoria, em benefício da democratização, da conhecimento quando há amplificação, abre-se mão de qualidades artísticas, abre-se mão da conectividade, quando profundidade, porque não tem outro jeito Inclusive porque não dá mais existe até mesmo conflito para qualquer um de nós saber tudo que acontece no mundo Não entre idéias diferentes, conseguiremos jamais, nenhum ser humano poderá, apreender tudo que entre conceitos diferentes, existe sobre todas as áreas, porque o volume de conhecimento é tão grande aplicáveis a ramos que é impossível adquiri-lo e trabalhar sobre ele diferentes<

Estamos entrando numa outra cultura, que é a cultura da cibernética E nem sabemos ainda o que é essa cultura, quais são exatamente as características dessa cultura É uma cultura de síntese, porque junta o pop e o enciclopédico Podemos ter acesso a uma quantidade enorme de informações Podemos tratar essas informações de forma que elas fiquem deglutíveis para a maioria de nós e temos o benefício da conectividade, da capacidade de fazer link entre as idéias, entre os conceitos

O que a Internet permite? Mais uma vez, é uma síntese Ela permite tudo Você compra, você vende, você troca, você faz coopta E na palavra “troca” talvez esteja a chave para o que vamos ter que fazer nos próximos anos Ninguém mais tem chance de construir marcas como Coca-Cola ou Marlboro As marcas mais valiosas quase todas são marcas muito antigas ou, como é o caso da Intel, uma marca que foi pioneira num campo novo Entrar num mercado que já existe com uma marca nova de refrigerante, de banco, o que quer que seja, é tarefa com poucas chances de sucesso hoje em dia

Provavelmente, o que teremos de fazer serão trocas Ou seja, pegar a marca Banco do Brasil, que tem uma série de benefícios, e trocar, de algum modo, com a marca Coca-Cola, com a marca General Motors e com a marca não-sei-o-quê Acho que a Internet vai nos ensinar esse conceito de troca

Vejamos, agora, a questão do domínio do processo Na internet, provavelmente os grandes intermediários do futuro serão nesse sentido: quem tiver conteúdo, quem tiver entretenimento e quem tiver alguma coisa para vender ou trocar Deveremos ter portais específicos e portais universais E até combinações do portal universal com portais específicos Provavelmente esse é o caminho Vamos ter dezenas, centenas, milhares de portais Vamos 167 ver o mesmo fenômeno que acontece com as revistas, com os jornais especializados Provavelmente, vai acontecer na Internet

E qual vai ser a economia da Internet? Ainda não sabemos qual vai ser O que sabemos, até hoje, é que esse negócio ainda não dá muito dinheiro Mas todo mundo quer estar dentro dele e ninguém quer estar fora Ele já está mudando a sociedade e tem muito pouca gente ganhando dinheiro com isso Mas vão descobrir, senão a Internet não vai ter como existir A comunicação de massas descobriu que sua economia estava nos anúncios Na comunicação de e na distribuição, na venda para um número muito maior de gente de uma massas, em benefício de se mercadoria com um preço bem mais baixo E, aí, fez a revoluçãoOu seja, falar com mais pessoas, provavelmente, vamos caminhar para um tipo de economia virtual que não abre-se mão de qualidades sei ainda como descrever Mas vai acontecer porque, do contrário, a Internet artísticas, abre-se mão da não ficará de pé profundidade< Sobre a velocidade, o tempo, a duração, todos nós sabemos A imprensa era lenta, pensava-se em anos e era permanente Você não imaginava uma troca muito grande de ícones, uma troca muito grande de referências Por isso, durou séculos Era um outro ritmo Já na sociedade de massas, é muito rápido A mídia se transforma rapidamente Qualquer coisa acontece em meses e é modal Tem época de moda disso, de moda daquilo, cada filme segue um tipo, a programação atende outro tipo, modas, ondas, que vão e, às vezes

Na Internet, é tudo isso e muito mais rápido É questão de dias, mesmo de horas Em dias, alguma acontece na Internet É assustador E não depende da moda: depende do momento, que é uma coisa diferente Porque a moda é uma coisa que se pode programar Todos sabem que no final de outubro, começo de novembro, Paris está lançando a moda do ano que vem É programável A sociedade industrial de massas tem como se programar e, então, ela pode criar as ondas, aproveitar as ondas No caso da Internet, é momento E como é o momento? É muito fluido, não pode ser programado, depende de condições que acontecem e que deixam de acontecer muito rapidamente Será mais difícil fazer planejamento e ser uma estratégia de comunicação, era da Internet Por quê? Porque é rápido demais, quase instantâneo e são momentos A permanência, no caso da Internet, conceitualmente não existe

Finalizando, duas observações Primeiro, na maioria das vezes, não há uma substituição total, mas agregação ou transformação O livro continua existindo Aliás, nunca se vendeu tanto livro quanto hoje Só que o livro não 168 tem mais o papel de principal elemento formador da cultura Não é ele Hoje é a televisão Aliás, é o cinema na televisão, porque é a base da programação da TV que, aliás, lá no fundo, é um filme com outro formato

Quanto ao livro, se no passado o comprávamos pelo preço do papel e da impressão, hoje, o direito autoral e o custo do comércio e da distribuição já valem mais do que o preço do papel Por quê? Porque o próprio livro recebeu uma influência do mercado de massas A capa dos livros populares, muitas vezes, é muito requintada, mas dentro é um papel vagabundo Exatamente porque virou uma mercadoria

Da mesma maneira, a Internet não vai acabar com o conceito de coisa alguma Não vai acabar com a televisão, amanhã, não vai acabar com os jornais, depois de amanhã Haverá convivência e transformações muito profundas Sabemos que no caso dos anúncios classificados, a Internet vai Vivemos um processo representar um drama para os jornais Os jornais que não conseguirem virar de lusco-fusco, de portais para anúncios classificados, irão desaparecer ou minguar Mas não transformação, que vai acho que mídia nenhuma vá acabar O jornal não vai ter a mesma importância nos deixar sem saber bem que tem hoje, a revista não vai ter, a televisão também não, mas vão o que fazer nesses continuar existindo próximos anos<

Provavelmente, de algum modo haverá uma simbiose das mídias com os networks A história é um mecanismo sempre acumulativo O novo absorve e transforma o velho Não construímos a nossa sociedade, seja a economia, a cultura, o social a partir do nada Temos um processo de evolução, de mudança, de transformação, às vezes violento, às vezes revolucionário Mas não sai do nada O novo vai redefinindo o velho, vai se re- experimentando

Isso é ruim em certo sentido, pelo seguinte: quando o novo entra na moda, muitas vezes simplesmente joga-se o velho fora e se fala que “como peguei o novo, não preciso mais do velho” Só que hoje ainda não dá E talvez não dê por um bom tempo E, aí, é mais difícil, porque a dúvida essencial, em nosso trabalho, é saber: quando usar o velho e quando usar o novo? Quando devemos fazer aquele comercial de 30 segundos, normal, clássico e pôr na televisão? Quando devemos fazer um anúncio de jornal? Quando deveremos ir para a Internet? Quando vamos fazer duas coisas ou tudo isso junto? Não temos certezas ainda Vivemos um processo de lusco-fusco, de transformação, que deve durar uma década e que vai nos deixar sem saber bem o que fazer nesses próximos anos 169 Não vejo outra saída Vamos ter que aprender no dia-a-dia E existem poucas Cada mercado, cada respostas que alguém possa dar, tipo receita de bolo: “faz isso, faz aquilo” empresa, cada momento Não dá Temos que aprender Até porque cada empresa, cada mercado e vão pedir uma receita cada momento – lembrem-se que o tempo da Internet é o momento – vai diferente< pedir uma receita diferente

170 5 Retratos da mídia

171 172 REVISTA: A INTIMIDADE COM O LEITOR Leonel Kaz

Íntimo é aquilo que está lá dentro, no âmago Qual o seu grau de intimidade com revistas? O que ela incita, o que ela desata? Imaginemos que você Leonel Kaz, jornalista, é toma às mãos este estranho objeto do desejo e o coloca a dois palmos de comentarista da GloboNews (programa Starte) Carioca, foi seus olhos Você o desfolha e abre na página que lhe apetece Você a co-editor de Edições Alumbramento; segura com firmeza, perpassa cada linha, cada letra, cada imagem Depois, repórter de Manchete e diretor firma com o polegar e o indicador da mão direita (no caso dos destros) o de Sétimo Céu, Pais & Filhos e alto desta página e, ato contínuo, passa a seu verso E assim sucessivamente Fatos & Fotos (Bloch Editores); editor em O Globo e coordenador da capa à contracapa Trata-se de um ato de posse (seu) e de doce submissão do Projeto Portinari (dela, a revista) Na Editora Abril, foi diretor editorial Digamos que você, num arroubo de ódio, rasgasse páginas (para acender a adjunto e editor de Pop, Elle, Cláudia Argentina e do livro chama no fundo do forno, inalcançável aos malditos e curtos palitos de A Revista no Brasil Dirigiu a fósforo) ou as reunisse todas num feixe que massacrasse o mosquito Fundação de Artes do Rio de Janeiro tonitruante e sanguinário que o perseguia Além destas louváveis funções, e foi Secretário de Cultura e Esporte revistas nos fazem companhia por uma série de outras razões do Estado do Rio

Esta palestra foi proferida em Revistas são pioneiras e permanentes Elas estão na vanguarda das idéias 27/10/2000 (seus editores têm mais tempo para refletir sobre elas e discuti-las) Sua permanência advém da durabilidade; talvez menos que a de um bom livro, certamente mais que a de um jornal Elas têm alta rotatividade: cada revista é lida, em média, por quatro leitores Cada qual com seu gosto e aptidão Apesar de ter seus conteúdos unificados por uma lombada colada ou grampeada, delas podem ser extraídas partes que permitam transplantes de sugestões culinárias e moda, decoração e viagens, política e comportamento, ou “vastas emoções e pensamentos imperfeitos” para nos fazer refletir e sonhar

Sonhos são fundamentais para os que se dedicam à leitura de revistas! Mas vale lembrar que elas também são carnais, físicas, flexíveis como ginastas romenas Portanto, podem ser dobradas (suportam, altivas, a convivência 173 com os estranhos objetos abrigados em bolsas femininas), ou ainda recortadas e emolduradas (o folder de Playboy foi inventado para isso)

Revistas possuem – ainda no campo das intimidades - fascinantes possibilidades gráficas, permitindo amostras, folhetos, aromas, encartes com sons, pop-ups que explodem ao olhar Elas são verdadeiramente interativas, muito mais que o mundo virtual, que só alcança, dos sentidos, o nosso olhar Revista é bom de cheirar (o papel ou os aromas que nela são encartados) e boa de sentir com a ponta dos dedos, com a palma das mãos Revistas são pioneiras e E, como la donna é mobile, revista também o é; aceitando freqüentar de permanentes< Elas estão na banheiros a cabines de metrôs ou bancos de jardins – todo passeio romântico vanguarda das idéias< -, desde que nós a convidemos a levá-la, de braços dados

Revistas têm seletividade Você sabe com quem está falando Você sabe quem está comprando aquele produto: o seu público por faixa etária, segmentação social ou econômica, cultural, área regional Enfim, com interesses comuns à sua mensagem A leitura é um ato de vontade, que o leitor faz em determinado momento de sua disponibilidade pessoal Ele lê para se informar, se aculturar, se divertir, ter prazer Neste momento, a mensagem jornalística ou publicitária é percebida de uma forma muito mais envolvente Veja durante certo período, lançou campanha publicitária com o mote: “- O que você vai conversar amanhã se não tiver lido Veja?”

Revistas são uma opção consciente do leitor Ele coloca a mão no bolso, pede ao jornaleiro, paga, antes de tê-las nas mãos É como no jingle dos anos 50, da Revista do Rádio “que toda semana eu espero/ Revista do Rádio: - Êi, jornaleiro!/ É esta que eu quero” O querer, o possuir aquele objeto tridimensional cria uma relação de fidelidade (“infinita, enquanto dure”) com quem lê E sendo uma via de mão dupla com o leitor, entre o anunciante e o leitor e entre os próprios leitores cria um universo de possibilidades Entre os que surgiram como novidade editorial nos últimos anos, vale registrar a regionalização (encartes por região geográfica) e a personalização (mensagens ou anúncios individualizados com o nome do assinante, dirigidos a segmentos pré-selecionados em mailing)

Revistas abrem um campo ilimitado de opções para a família, os amigos, o ambiente de trabalho Você pode recorrer a elas, mesmo que no limite, para conseguir um colo, um aconchego, uma massagem no ego, dada a variedade de temas que abordam É esta multiplicidade de interesses que têm levado à crescente segmentação no mercado de revistas, com o multiplicar de títulos 174 Portanto, revista é um objeto útil, ainda que não sejam necessariamente nocivos os outros veículos de comunicação (a eles poderíamos aplicar muitos dos itens até aqui arrolados) Mas o que atrai e fascina em revista – e, ademais, em qualquer leitura da palavra impressa – é a credibilidade (da qual andamos tão faltos e sequiosos) Como no jogo do bicho, “vale o que está escrito”, aquilo que não pode ser mais alterado, que é uma prova de permanência, como uma escritura, um contrato Na verdade, editores e leitores da palavra impressa assinam um contrato de mútua credibilidade

Agora que falamos delas, as revistas, vamos falar de nós, leitores, estes estranhos seres que - sabe-se Deus lá por quê? - resolvem a intervalos regulares, abrir e desfolhar um amontoado de páginas de papel Uma revista não existe sem o seu leitor Por isso, o leitor deve vir sempre em primeiro lugar Você tem que acreditar nele Na capacidade ilimitada de interesses que você possa despertar nele Antes de definir uma idéia, é importante definir o leitor que você busca E saber, com humildade, que tão importante quanto escrever é perceber o que ele vai ler e capturar daquilo que você escreveu Quem não acredita no seu leitor, no seu espectador, Seu texto só será genial se for lido Sua reportagem só será significativa se no seu cliente, no seu consumidor, não deve ela ecoar na alma do leitor Isto parece muito simples Mas não é Profissionais produzir nenhum da comunicação têm a tendência a perceber o mundo circundante apenas espetáculo, não deve editar com seus próprios valores Temos uma natural arrogância (e isto vale não nenhuma revista< apenas para quem trabalha nos trópicos) Quem não acredita no seu leitor, no seu espectador, no seu cliente, no seu consumidor não deve produzir nenhum espetáculo, não deve editar nenhuma revista Nem Veja Nem Sétimo Céu

Hoje sabemos que os editores de revistas não trazem mais em si a anacrônica divisão entre redação e arte, redação e fotografia Hoje falamos de jornalistas totais, capazes de pensar a matéria como um todo Eles sabem que, por mais preciosa que seja a apuração, se não for bem escrita, não será lida Se bem escrita e mal editada, sem complementos visuais ou infográficos, não será lida Bons editores são gente como nós, com cabeça, tronco, membros e algo mais: apuram bem, depuram bem, lêem muito e, portanto, escrevem bem Conseguem ser profissionais que se interessam pelo bom título, pelo bom olho da matéria, pela foto adequada, pela diagramação eficiente e bela (o belo não é superficial!), o que faz com que a matéria cresça, apareça, seja comentada Premiada 175 Exatamente o investimento neste profissional – o fazedor de revistas – tornou-se um dos principais fatores das boas novas que lhes trago Nunca se vendeu tanta revista neste país Nunca se consumiu tanto papel, tanta tinta de impressão, com rotativas de língua de fora para dar conta do recado

Nunca se anunciou tanto em revistas Vejamos alguns dados gerais:

• no primeiro semestre de 2000, em relação a igual período de 1999, as vendas de revistas passaram de 320 milhões para 410 milhões de exemplares, com um crescimento de 29%;

• deste total, femininas cresceram 53% (passando para cerca de 69 milhões de exemplares) e femininas populares cresceram 514% (alcançando cerca de 27 milhões de exemplares);

• de bancas e assinantes para os anunciantes, o resultado ficou visível: o valor investido com anúncios em revistas aumentou 44% no mesmo período;

•o share de revistas – sua participação no bolo geral da mídia publicitária – aumentou 8%, passando para quase 10% dos investimentos totais

O segundo semestre, tanto em vendas de exemplares como em investimentos publicitários é mais promissor Mesmo porque, apesar de tudo, o país é Hoje falamos de jornalistas promissor Temos um dos mais baixos índices de leitura de revistas: cerca totais< Eles sabem que, por de 3 exemplares per capita por ano; menos que a Argentina com 4, Portugal mais preciosa que seja a com 10, Estados Unidos com 30 e a Escandinávia com 60 apuração, se não for bem escrita, não será lida< O que daí resulta? A constatação de que nenhum processo substitui o outro Antes, até o amplia Há pouco, importante portal de internet se fez conhecido ao mercado por meio do lançamento de um livro Isto mostra as imensas conexões que se abrem para o mercado de revistas Conexões, desdobramentos, maior capacidade de aglutinar leitores e consumidores Há cerca de doze anos, quando os computadores pessoais começaram a invadir lares e escritórios, influentes economistas sugeriram o fechamento das grandes fábricas de celulose do Canadá Iniciou-se o processo industrial para reduzir a produção E o que se viu, a partir daí, foi o fenômeno oposto: o papel sendo consumido progressivamente em livros, revistas, jornais e nas impressoras que surgiam acopladas a computadores 176 No futuro próximo, poderemos imprimir nossas revistas em casa Quem já ouviu falar do e-book, pode imaginar que dele virá o e-magazine, um aparelho do tamanho de uma semanal, apto a receber todas as palavras e imagens, atualizadas momento a momento, em qualquer hora, em qualquer lugar Também a médio prazo existirá um sistema no qual você montará a sua própria revista, com as matérias de seu interesse, selecionadas de tudo aquilo que se publicou em determinado período Bastará você acionar o computador e imprimir, possivelmente com uma qualidade tão fabulosa quanto a das melhores revistas de hoje É preciso enfatizar a Lembro-me que, há míseros dez anos, levava-se visitantes ao parque gráfico importância que todas as da Abril para visitar a Scitex A máquina era a “oitava maravilha do mundo” revistas, políticas ou de e permitia retoques, correções em imagens Seios podiam avolumar-se sem comportamento, têm na silicone ou serem reduzidos sem bisturi O objeto tinha um visor – tal qual formação do tecido social< os monitores como os conhecemos -, mas seu aparato ocupava uma sala de uns dez metros quadrados Outro dia, vi um sujeito que portava um desses mini-i-macs alaranjados, do tamanho de uma bolsinha Dentro dele, todo aquele universo de há dez anos e muito mais Daí a importância de os seres da comunicação terem miolos plantados no futuro, mas fertilizados de passado

O conhecimento da evolução dos meios de comunicação é essencial ao desdobramento de qualquer idéia Uma leitura significativa é A Revista no Brasil, editado pela Abril O livro, fruto de profunda pesquisa, revela a rica trajetória do jornalismo brasileiro, desde quando começou a engatinhar Nessa época, não se percebia claramente a distinção entre revistas e jornais Ainda pairam dúvidas se nosso primeiro jornal, O Correio Braziliense, de 1808, seria mesmo jornal ou revista, como As Variedades, de 1812 O que os definia? Formato, periodicidade, conteúdo? Ou todos estes ingredientes reunidos?

Importa é que revistas foram tomando corpo, sempre participando da vida brasileira Passaram pela adolescência no Império, com críticas à escravatura, como na Revista Illustrada< Depois, adentraram a República mais maduras: Careta e O Malho mostravam as artimanhas de Vargas, O Cruzeiro revelava um Brasil então desconhecido, Manchete mostrava a epopéia de Brasília, Realidade denunciava a destruição da Amazônia Veja e IstoÉ puseram a nu a “era Collor” e Época percebeu os grampos telefônicos

É preciso enfatizar a importância que todas as revistas, políticas ou de comportamento, têm na formação do tecido social Veja ou Capricho cada 177 qual destinada a seu público, cada qual à sua maneira, alimentam idéias ou esperanças Tomemos um exemplo: o da evolução em conteúdo e forma das femininas, nas últimas décadas À medida que a sociedade urbana passou a adotar novos hábitos e atitudes, formas de ser, agir e pensar, as femininas ajudaram a desatar e aprofundar estas tendências No fazer jornalístico foram as lições de femininas que ampliaram a integração texto- arte, a qualidade da produção fotográfica e a atenção voltada às opiniões do leitor (ou leitora), ajudando-o a tornar-se um consumidor consciente

Todo homem é fruto de sua palavra É essencial que ele conheça a língua que fala e seus elementos de cultura Como pode um repórter chegar à casa do entrevistado e, sem lastro cultural, perceber o entorno? Como pode ele Machado de Assis e sair à rua sem uma pesquisa básica? Como pode escrever sem reescrever, Di Cavalcanti eram leitores podando aqui e acolá o desnecessário? No mais das vezes, a percepção da fiéis de revistas música que o entrevistado ouve pode dizer mais para o bom texto do que o meramente declarado As impressões gerais devem calar fundo no repórter ao redigir a matéria Portanto, cabe ao comunicador ser capaz de ver e ouvir, plenamente, aquele de quem vai falar e aquele a quem vai falar Assim, ele se inquieta, pensa, propõe, instiga – funções essenciais do jornalismo de revistas

Há dez anos, quando editava Elle, recebi carta de um inquieto Alberto Dines, que recomendava “ não deixar cair a peteca da qualidade Acreditar na inteligência do leitor em todas as instâncias, fazer um jornalismo que force os jornalistas a serem melhores (), fato comezinho em qualquer sociedade, mas que entre nós já não acontecia há uns pares de anos”

A essa transcrição, acrescento as percepções de Thomaz Souto Correa sobre a discussão entre mídias eletrônicas e impressas: “ A humanidade vai ter que continuar lendo o melhor na literatura de todos os tempos; as análises e opiniões de nossos autores prediletos continuarão a nos ajudar na vida; poetas e escritores continuarão surgindo em quantidade suficiente para despertar nossas emoções; o humor escrito e desenhado não vai sumir E os jornalistas e editores vão continuar investigando, apurando, noticiando, editando, analisando, opinando, pondo os acontecimentos em contexto, reportando, seja em que mídia for No fundo, não interessa em que meio as pessoas leiam o importante é que leiam! () Por isso, nunca podemos subestimar o leitor”

Machado de Assis eram um fiel leitor de revistas Foi em A Marmota que o futuro autor de Dom Casmurro trabalhava como revisor de provas No 178 Periódico dos Pobres, em 1854, fez sua estréia com um soneto Em revistas publicou os folhetins que deram origem a seus livros

Di Cavalcanti, antes da Semana de Arte Moderna de 1922, já era fiel leitor de revistas Tanto que iniciou sua vida profissional, em 1915, com uma capa para Fon-Fon!, entre as centenas de capas que faria, inclusive para O No fundo, não interessa em Cruzeiro O poeta Drummond apareceu às letras em 1925 em A Revista, que meio as pessoas leiam< que ajudou a lançar em Belo Horizonte (a empreitada só durou três números) O importante é que leiam! Eles fizeram revista e ajudaram a fazer o Brasil Você, que consegue ser ao mesmo tempo profissional de comunicação e, certamente, fiel leitor, quando pensar num projeto, pense no Brasil: pense em revistas!

179 MÍDIA IMPRESSA: ÉTICA E COMPETITIVIDADE Alberto Dines

Cada vez que recebo um convite para falar num seminário, colóquio ou Jornalista desde 1952, dirigiu jornais conferência, vem junto uma sugestão de título para a intervenção Por e revistas no Rio, S Paulo e Lisboa experiência própria sei que fatalmente acabarei mudando o título, a linha do Leciona jornalismo desde 1963 e foi Professor Visitante da Escola de texto ou os dois Não é rebeldia mas a constatação de que é impossível Jornalismo da Universidade de começar pelo fim Columbia, Nova York (1974-1975) Criador do Jornal dos Jornais Explico: o título apesar de estar no cabeçalho do texto é a última coisa que (Folha de SPaulo, 1975-77, primeira experiência regular de se escreve O título subordina-se ao texto, conseqüência lógica do crítica da imprensa) Co-Fundador desdobramento das idéias Culminação e síntese do raciocínio Acontece e Pesquisador Senior do LABJOR com o título o mesmo que dá-se com os prefácios que, pela ordem de (Laboratório de Estudos Avançados aparição no livro, antecede o texto de um livro mas que, no entanto, só em Jornalismo da Unicamp) pode ser escrito quando o livro foi completamente escrito Um dos fundadores do Observatório da Imprensa (Portugal), criou o Pois bem: se hoje tivesse que falar sobre ética da imprensa diante de uma Observatório da Imprensa (Brasil) platéia de altos executivos de um banco – e como sinal dos tempos só sou primeiro site periódico de acompanhamento da mídia, hoje convidado a falar sobre ética da imprensa – teria escolhido exatamente a com versões impressa e televisiva equação “Ética e Competitividade” Simplesmente porque a chave do (em rede nacional) Autor de livros problema ético numa atividade comercial ou de prestação de serviços de ficção, reportagens, depende direta e exclusivamente da forma com que é conduzida a competição teoria e prática jornalística, biografia e história Articulista ou concorrência do Jornal do Brasil% Aos autores do convite e também aos autores da pauta meus parabéns pela Esta palestra foi proferida em forma extremamente feliz e suscinta com que foram ao âmago da questão 27/10/2000 Identificar um problema com clareza é meio caminho para resolvê-lo Confesso que não sei quem o disse mas se quiserem podem atribuir a mim

Estabelecida a premissa do interelacionamento entre concorrência e ética, vamos partir em direção oposta Não apenas como exercício dialético e especulativo Como compromisso com a busca da verdade temos também que buscar o corolário e colocar a questão oposta: 180 É a concorrência a única culpada por infrações éticas no sistema mediático?

Numa cidade onde não existe concorrência está garantida liminarmente a lisura e a isenção? A cidade de Santos, por exemplo, só tem um jornal diário, significa que este veículo único é obrigatoriamente um padrão de eqüidistância e lisura? O monopólio representa o nosso ideal ético? É legítimo o oligopólio cuja finalidade é impedir e neutralizar a livre concorrência? Deveria ser porque, sem os venenos da concorrência os diversos grupos que participam de um oligopólio estariam livre para praticar um jornalismo independente

Outro exemplo: na antiga União Soviética havia dois grandes diários, o Pravda e o Izvestia e ambos estavam estreitamente vinculados ao aparelho político e governamental Eram teoricamente concorrentes porque editados por instituições diferentes e atendiam ao mesmo público Mas não concorriam de fato E apesar de não concorrerem entre si porque eram subvencionados pelas mesmas fontes, representavam o que de pior pode existir em matéria de informação: manipulavam, omitiam, deformavam, mentiam e nenhum deles preocupava-se em desmascarar o outro Maculavam a ética jornalística sem competir

Não precisamos ter carteirinha de socialista, comunista ou mesmo social- democrata para acreditar que a concorrência desenfreada e desregulada A chave do problema ético corrompe a qualidade do produto ou serviço As chamadas Leis do Mercado numa atividade comercial porque não foram promulgadas ou mesmo escritas estão profundamente ou de prestação de arraigadas e embutidas no sistema comercial vigente Não adianta escrever serviços depende direta e um manifesto anti-capitalista e achar que o assunto está resolvido exclusivamente da forma como é conduzida a O capitalismo não foi inventado nem foi imposto, ele é conseqüência de um competição ou a velhíssimo processo que originou-se quando o ser humano começou a concorrência< conviver com os seus semelhantes Naquele momento, havia duas opções: apoderar-se pela força dos alimentos e agasalhos ou, em vez disso, trocar agasalhos por alimentos Criado o processo de permutas estabeleceram-se ao mesmo tempo os fundamentos do sistema de trocas Estava criado o comércio Ao longo dos séculos desenvolveu-se a concorrência, a necessidade de fazer reservas, acumular, etcetc até chegarmos à globalização

O produto jornalístico não foge às regras comerciais que envolvem qualquer produto ou serviço Deve oferecer vantagens de acessibilidade, preço ou 181 qualidade A questão do acesso não existe, todos os veículos hoje em dia podem dispor dos mesmos canais de distribuição Preço em geral não é problema embora ultimamente tenham surgido na Europa uma tendência de oferecer tablóides vespertinos gratuitamente O problema concreto é a definição do que seja um produto jornalístico de boa qualidade e de como a competição pode afetá-la

A atividade jornalística convive com um prêmio e um castigo Dar o furo ou ser furado O esmero em dar ao leitor uma informação satisfatória, prazerosa e bem acabada foi sendo reduzido ao longo dos anos a uma disputa que muitas vezes sequer é percebida pelo público A questão da qualidade jornalística nada tem a ver com a qualidade propriamente dita Foi sendo gradualmente desviada, minimizada e confinada à busca do furo Quantos furos um jornal deu ou quantos levou coloca-o para cima ou para baixo no ranking da qualidade O quadro agrava-se na medida em que o produto jornalístico é mutante, jamais igual ao anterior e, principalmente, é um produto feito às pressas

Temos portanto muito bem delineadas as duas condicionantes da operação jornalística: a corrida pela diferença e a pressa Nestes 25 anos de crítica da mídia percebi uma constante de certa formas assustadora: sempre que jornalistas, editores, diretores ou mesmo donos de veículos afinal reconhecem falhas e excessos, procuram justificá-las recorrendo às mesmas desculpas: “ não podíamos ser furados pelo outro ou outros concorrentes e, não havia tempo para uma apuração mais cuidada”

A certeza de que o concorrente pode sair antes com a informação ou o destaque que o seu veículo não pode oferecer tem sido usado como disfarce e pretexto para justificar todas as disfunções, infrações e A atividade jornalística abusos da mídia convive com um prêmio e um castigo: dar o furo ou É uma espécie de varinha de condão, passe de mágica que os jornalistas ser furado< brandem quando são flagrados em erro “Se eu não publicasse, outro o faria e eu ficaria em desvantagem” O raciocínio incorporou-se de tal forma aos procedimentos jornalísticos que confunde-se com a sua própria razão de ser É uma espécie de fantasma que atormenta cada elemento da equipe, todas as horas do dia e esconde-se atrás de cada gesto ou ação dentro de uma redação

Como Sigmund Freud felizmente voltou a ser lembrado e utilizado neste centenário da sua obra seminal posso dizer que este duplo fantasma de dar 182 e levar furo converteu-se em autêntica neurose Neurose ou psicose? Não importa, a diferença é de grau: ambos provocam sofrimento nos pacientes Portanto são desvios, doenças e, como tal, precisam tratadas

No entanto, é preciso considerar que o furo é uma exigência, uma cobrança, que a sociedade não faz aos seus jornalistas O público não aplaude aqueles que dão furos nem vaia aqueles que levam furos Então por que esta angústia?

A terapia recomendada para tratar estas enfermidades é extremamente simples Basta apenas formular uma pergunta: alguma vez algum leitor já escreveu a um jornal, revista, rádio ou TV perguntando porque este foi furado pelo concorrente? Em outras palavras: quem é que disse que o leitor quer o furo? A certeza de que o O leitor quer, sim, informação bem escrita e bem apresentada, capaz de ser concorrente pode sair antes assimilada pela memória e converter-se em fator de discernimento para a com a informação ou o formação de juízos Este padrão de qualidade pressupõe uma ideologia anti- destaque tem sido usado furo, um apego a outros valores Pressupõe compromissos com outros como disfarce e pretexto aspectos da qualidade jornalística para justificar todas as disfunções, infrações e Até agora temos examinado o produto jornalístico como um produto igual a abusos da mídia< outro qualquer e produzido por empresas como outras quaisquer Mas existe uma diferença fundamental que distingue o nosso produto dos demais É uma diferença de caráter socio-político: embora a atividade jornalística seja habitualmente regida pelos paradigmas comerciais vigentes em todas as economias – a atividade jornalística, na sua essência, é um serviço social ou público protegido por garantias constitucionais para preservá-lo de ameaças ou pressões que possam desviá-la da sua função É o único produto ou serviço que goza deste privilégio E se goza deste privilégio deve oferecer contrapartidas, deve assumir seus deveres para com a sociedade que lhe ofereceu tanta segurança

E quais são esses deveres? Oferecer uma informação veraz, isenta e objetiva Sobretudo devidamente investigada No acordo tácito lavrado entre a mídia e a sociedade e do qual a Constituição é fiadora, não está dito em nenhum artigo, parágrafo ou alínea que a imprensa pode dar-se ao luxo de ser apressada ou submeter-se à pressão de uma concorrência desenfreada Ao contrário: está subentendido que em troca das garantias e proteções constitucionais, a imprensa deve cuidar do interesse público, aferrada aos postulados éticos, sem deles desviar-se por conta da disputa concorrencial 183 Estas reflexões são feitas dentro de um plano teórico, sem levar em contar certas realidades concretas desta Era da Informação E nas atuais Quem é que disse que o circunstâncias de um mundo em estado de ebulição informativa, hiper- leitor quer o furo? O leitor comunicado, nenhum veículo pode ser furado com relação a acontecimentos quer, sim, informação bem Tudo o que é relevante é sabido, tudo o que é significativo está na internet, escrita e bem apresentada, nas rádios ou nas TVs a cabo E o irrelevante quando é destacado acaba capaz de ser assimilada pela gerando o problema do sensacionalismo Um jornal diário publica cerca de memória e converter-se em 200 noticias por edição É óbvio que parte destas notícias são exclusivas, fator de discernimento para não compartilhadas pelos demais Nem todos têm acesso às mesmas fontes a formação de juízos< E isso é extremamente positivo e democrático Na medida em que os jornais se furam mutuamente, aumenta a diversidade da imprensa como um todo e a sociedade no seu conjunto é melhor servida

A questão do furo é, portanto, anacrônica e artificial O leitor hoje não tem tempo para ler mais de um jornal e não tem condições de aferir se o seu veículo foi furado ou se furou Mas hoje ele tem condições de julgar a qualidade da informação que lhe oferecem E mesmo desconhecendo um jornal por dentro, pode julgá-lo por fora — pela lisura de seu comportamento, pela entonação, pela variedade de enfoques e pelo respeito que parece demonstrar por sua inteligência

Se a esta altura estamos comprovando que a busca frenética do furo é, de fato, a responsável pelas falhas éticas, a questão da competição jornalística pode ser avaliada dentro de outros parâmetros, sobretudo no que tange à regulamentação

E aqui há uma pauta muito grande Antes mencionamos que o capitalismo era inevitável por que é a culminação de um antiquíssimo sistema de trocas e acumulação Mas somos obrigados a completar o raciocínio: o capitalismo é inevitável mas o capitalismo precisa ser domesticado Regulado Nas economias desenvolvidas criaram-se sistemas de controle da concorrência de modo a torná-la menos selvagem e de modo a impedir que a canibalização inerente ao processo destrua os pequenos e médios Nos Estados Unidos há uma agência governamental, a FTC, exclusivamente voltada para a questão do controle da concorrência Não só isso: o aparelho judicial como um todo é extremamente sensível aos perigos da exacerbação da concorrência como o demonstrou o caso da Microsoft No Brasil temos o CADE que tende a converter-se numa agência reguladora como o são a ANP, a Anatel, a Anaee e a futura substituta do DAC

Pergunto: o CADE teria condições de discutir algum caso de exacerbação 184 da concorrência ou mesmo ameaças à livre concorrência no campo da comunicação e do jornalismo? Duvido E fundamento o meu ceticismo num fato concreto: estamos no Brasil diante de um processo de cartelização informal em que grupos jornalísticos até então adversários e seus respectivos parceiros vão se juntando até formar uma corporação informal porém efetiva Imbatível, ela divide o mercado entre si como se fosse Tordesilhas A parceria Folha- para formar Valor arrastou a Abril (sócia da Folha no UOL e no BOL) deixando completamente isolado o grupo Estado Alguém reclamou na mídia ou no Congresso ou eventualmente no Ministério Público contra este atentado à livre concorrência?

Quando o Ministério da Justiça (cumprindo o que determina a Lei) determinou que as emissoras de TV adotassem o sistema de classificação da programação por faixa etária e horário as emissoras reagiram em uníssono acusando o governo de promover a volta da censura Configura-se com toda a clareza um problema ético associado a uma tentativa de eliminar dissonâncias e discordâncias A este fenômeno dá o nome de cartelização A questão do furo é Também aqui não se registraram protestos, a não ser os habituais anacrônica e artificial

Para evitar a cartelização só existe uma saída: estimular o aparecimento de forças alternativas, capitalizando as empresas médias mas, para isso, será preciso que a nova redação do artigo 222 da Constituição seja aprovada rapidamente pelo Congresso

Enquanto não acontece o reordenamento da nossa mídia no plano econômico somos obrigados a voltar ao dia-a-dia da competição jornalística com as inevitáveis distorções no plano ético Mesmo que o frenesi pelo furo esteja sendo esvaziado ou em vias de ser curado

E aqui será preciso dizer com toda a clareza: os desvios éticos provocados ou exacerbados pela competitividade só poderão ser evitados quando criarmos uma consciência reguladora Reparem que não falei um sistema regulador E por consciência reguladora designo uma serie de iniciativas concêntricas capazes de desarticular esta falsa competição com seus inevitáveis desvios éticos Estas iniciativas horizontais e verticais incluem:

• Códigos de ética profissionais estabelecidos nas associações, sindicatos e federações E devidamente supervisionados por comissões de ética

• Códigos de ética empresariais 185 • Comissões de Redação com um mínimo de autonomia para apontar a posteriori abusos, infrações ou desvios seja na apresentação das notícias como nos procedimentos internos

• Entidades auto-reguladoras no nível corporativo

• Comissões ou Conselhos no âmbito legislativo para supervisionar Para evitar a cartelização concessões de rádio e TV só existe uma saída: estimular o aparecimento • Estímulo ao aparecimento de entidades de interesse público que possam de forças alternativas< desenvolver uma consciência crítica junto ao leitorado

Coloquei este ítem no final mas na realidade ele é inicial A sociedade não pode ficar passiva, a reboque dos interesses comerciais menores E numa sociedade atenta para o que lhe oferecem como informação desmonta-se o império do furo E reorienta-se a fúria competitiva para projetos mais edificantes

Quando mencionei no início que concordava inteiramente com o título que me foi proposto eu estava sendo absolutamente sincero e verdadeiro Mas lá no fundo da alma eu tinha um leve pressentimento de quando estivesse próximo do ponto final – como agora – poderia dar-se o estalo Meus amigos, deu-se o estalo, tenho outro título O subtítulo seria o título anterior: “Ética e Competitividade” O que acham de “Furo Furado”?

186 O FUTURO DA TV Nelson Hoineff

Quando falamos da TV do futuro, temos que, de saída, imaginar de que futuro nós estamos falando, porque, em televisão, é uma unidade Jornalista, crítico de cinema, extremamente relativa Quando queremos imaginar a televisão do futuro, diretor de televisão, Nelson Hoineff é reconhecido como um dos mais temos que saber, antes de mais nada, se estamos falando dos próximos 50 influentes estudiosos e realizadores anos, ou 10 anos, ou cinco de TV do país Uma de suas séries para TV, Documento Especial, Temos que pensar, por exemplo, na questão da tecnologia, porque quando tornou-se um dos programas mais premiados, nacional e as pessoas tentam olhar para o futuro da televisão estão, sobretudo, olhando internacionalmente, da televisão para o desenvolvimento tecnológico do veículo brasileira

No entanto, pensa-se muito pouco no que é de fato a matéria-prima da Já dirigiu mais de 400 documentários sobre a realidade televisão: o seu conteúdo Quando nos perguntamos o que nos reserva o brasileira É autor de vários livros futuro da televisão, não devemos nos referir só aos gadgets tecnológicos, sobre televisão, todos amparados mas também – e sobretudo – à qualidade da informação que essa tecnologia no desenvolvimento de suas está distribuindo tecnologias Realizou cursos de especialização em novas tecnologias de TV em Nova York e seminários A definição de tempo tem particularidades muito fortes na televisão de HDTV em Tóquio É Diretor do Antigamente é uma coisa que está circunscrita a cinco anos, não mais do Instituto de Estudos de Televisão que isso Na semana passada, estávamos tentando botar em ordem o arquivo Esta palestra foi proferida em da minha produtora, e nos deparamos com uma constatação muito 27/10/2000 interessante Era uma demo de uma série que eu tinha planejado e oferecido à Globosat, há exatamente cinco anos A série chamava-se TV Ano Zero Coincidentemente, a Globo, agora, cinco anos depois, fez a TV Ano 50 Mas TV ano Zero era a demo de uma série sobre a televisão do futuro

Na época, eu fazia um programa para a Globosat, para a GNT, chamado Primeiro Plano e eu apresentei essa idéia de fazer uma série sobre a televisão do futuro Arrumando o arquivo, eu ocasionalmente peguei essa demo, assisti e observei uma coisa curiosíssima: ela simplesmente se tornou pré- histórica Ou seja, se nós estivéssemos falando, aqui, há cinco anos, sobre 187 como seria a televisão do futuro, provavelmente, abordaríamos o mesmo conteúdo dessa demo

Essa demo, vista agora, é quase uma relíquia do passado Claro que nem tudo nela é pré-histórico Várias das coisas que estão contidas na fita ainda estão por acontecer É muito curioso ouvir falar em plataformas de televisão por satélite na banda Ku, em “pratos” pequenos, como uma coisa do futuro, em compressão digital como coisa do futuro Vemos como, em cinco anos, várias dessas coisas se tornaram passado

Podemos facilmente estabelecer uma pequena cronologia de alguns avanços tecnológicos, a partir do momento em que chegaram no Brasil Em 1950, as primeiras transmissões por broadcast, em 1960 o videotape profissional nas emissoras Por volta de 62, controle remoto Em 72, a cor Nos anos 80, os primeiros videotapes domésticos Em 1991, as primeiras operações de TV por assinatura, em MMDS e em cabo, o que, a essa altura, representava um atraso muito grande, em relação ao que acontecia em outros lugares

Nos anos 90, começa a se generalizar a edição e a captação em sistemas digitais A edição, que antes era uma edição linear, torna-se não-linear Ganha as possibilidades digitais, da mesma forma que a captação de imagem No ano que vem, iniciam-se as transmissões digitais

A palavra digital, em si, é muito emblemática As pessoas costumam atribuir- A palavra digital, em si, lhe um poder mágico O grande avanço do pensamento digital está justamente é muito emblemática< na não-linearidade ali contida, assim como na possibilidade de processamento As pessoas costumam dos sinais atribuir-lhe um poder mágico< Isso quer dizer que, da mesma forma que a tecnologia migra do analógico para o digital, todo o nosso próprio pensamento evolui no mesmo sentido Nota-se isso no cotidiano Uma criança, hoje, não consegue imaginar que até há alguns anos, para ouvir a faixa cinco de um disco era necessário ouvir antes a faixa quatro e que era também preciso colocar a agulha fisicamente sobre a faixa para escutá-la Isso é muito difícil de entrar na cabeça de uma criança, hoje

Da mesma forma, os editores que começam a trabalhar agora em televisão ou começaram recentemente, não conseguem imaginar como, para colocar um plano entre dois outros planos já existentes numa edição, era necessário reiniciar toda a gravação Muitos dos que estão aqui presentes não conseguem imaginar como, ao datilografar um texto e errar uma palavra, 188 você simplesmente não precisa mais começar tudo do zero ou passar aquele corretivo sobre o papel A gente apenas corrige a palavra e o erro desaparece Isso, dez anos atrás, seria feitiçaria

É muito importante levar em conta que a tecnologia não apenas processa, mas contextualiza o conteúdo E há dois momentos muito importantes na evolução das plataformas de distribuição de sinais na televisão que são um exemplo disso Desde o seu início, no final dos anos 40, (no Brasil em 1950), até os anos 80, a transmissão de sinais de televisão era necessariamente por broadcast, ou seja, através do ar Isso era quase da natureza da própria televisão, uma qualidade intrínseca ao veículo

Era, portanto, uma televisão massiva, obrigada a buscar a maior quantidade de público ao mesmo tempo, até pela natureza da sua economia, que se apoiava na venda massiva de produtos anunciados E isso está por trás da formulação do conteúdo da televisão por broadcast É muito importante levar Em decorrência disso, a televisão era necessariamente genérica, ou em conta que a tecnologia generalista, porque é claro que, ao buscar o maior público possível, não não apenas processa, mas podemos estar falando apenas sobre questões de interesse de nichos Então, contextualiza o conteúdo< a televisão aberta busca falar com uma quantidade muito grande de pessoas por intermédio de uma quantidade muito diversificada de programas A sua limitação, a partir da limitação do espaço eletromagnético, estimula isso

Dos anos 80 em diante, acontece a revolução dos mecanismos de distribuição de sinais Isso possibilita que a televisão por assinatura, que nasce ali, possa ser desmassificada, embora não utilize necessariamente esta prerrogativa Agora, estamos no limiar de um debate sobre o qual eu não quero me aprofundar agora: a partir de dezembro iniciam-se as pesquisas de audiência em televisão por assinatura, feitas em moldes muito semelhantes à televisão aberta

Isso é muito negativo, na medida em que traz para o ambiente de televisão por assinatura um modelo ainda mais parecido com o que nós já temos na televisão aberta A verdadeira medida de desempenho de uma rede de televisão segmentada, entretanto, não reside na quantidade de telespectadores que vai buscar, mas no balanço que é capaz de oferecer ao lineup distribuído pelo seu operador

Com a revolução dos mecanismos de distribuição de sinais, as redes evoluem da necessidade de serem generalistas para se tornarem mais temáticas, 189 portanto mais próximas dos segmentos sociais, da diversidade social autêntica do País E a televisão deixa de ser limitada pelo espaço eletromagnético para se tornar multicanal Trinta ou 40 canais em MMDS, 70 ou 80 canais em cabo, 150 a 220 canais de DTH na banda Ku e daí por diante Não há mais uma limitação física da quantidade de redes

Um fato de relevante impacto estrutural, que temos que levar em consideração quando investigamos o comportamento da televisão nas próximas décadas, é que dos anos 40 até os anos 90, a televisão repousava sobre plataformas analógicas A partir de 2001, começa a repousar sobre plataformas digitais

Essa distinção é muitíssimo importante, porque provoca uma revolução na competência da televisão de distribuir e endereçar seu conteúdo, na mesma intensidade da que aconteceu com a televisão multicanal, nos anos 80 A televisão passa a ter em comum com a Internet, ou a A transmissão digital apresenta inúmeras peculiaridades A primeira dessas telefonia, o mesmo tipo de peculiaridades é que a televisão torna-se multicanal mesmo por broadcast, sinal< Como Nicholas ou seja, a televisão transmitida pelo ar, dentro da sua própria faixa de Negroponte diz, um bit é freqüência, não fica mais circunscrita à possibilidade de distribuir apenas um bit< um canal A digitalização traz para ela o milagre da multiplicação

Segunda, a televisão passa a se parecer cada vez mais com Internet Todo mundo repete essa frase o tempo todo, mas é muito importante entender por que isso acontece

A televisão passa a ter em comum com a Internet, ou a telefonia, o mesmo tipo de sinal Como Negroponte diz, um bit é um bit TV, telefone, Internet, tudo é, na sua estrutura de distribuição, a mesma coisa< É como se nós procurássemos distinguir a finalidade da água que chega na nossa casa, por exemplo Você paga a conta d’água, baseado na quantidade que consome, não na forma de utilização que vai dar para ela

O sinal que chega até o usuário é sempre da mesma natureza Não importa se esse sinal está sendo utilizado para a transmissão de dados, ou para a telefonia, ou para a recepção de sinais de vídeo Tal como acontece na Internet, esses sinais são processáveis, o que possibilita a participação do usuário em níveis mais sofisticados

Disso vai resultar, lá na frente, que, sob uma plataforma digital de transmissão, o usuário passa a ter um acesso direto à programação, sem a 190 intermediação de grades, de redes, de operadores Do ponto de vista de relação do usuário com o conteúdo, isso é precisamente o que acontece na Internet

Isso não quer dizer, ao contrário do que muitos pensam, que a Internet é a televisão amanhã, ou vice-versa, mas o modelo de acesso à programação é A televisão digital permite muito semelhante Nos dois casos, o usuário se relaciona diretamente com também mecanismos de a programação e não com quem está empacotando essa programação, o e-commerce< oposto do que acontece na televisão de hoje

Isso cria, evidentemente, novos modelos e sobretudo novas noções da idéia de empacotamento Essa é uma questão crucial, na diferença entre a televisão tal como a conhecemos e a televisão que vamos conhecer de agora em diante Nós nos acostumamos a ver modelos lineares de empacotamento da programação, seja através das emissoras de televisão, seja através das redes de televisão, seja, mais recentemente, através dos operadores de televisão por assinatura

Se o usuário busca um tipo de programação - especificamente, se busca um programa - este, necessariamente, está contido na grade de uma rede de televisão, que por sua vez está contida no lineup de um operador de televisão por assinatura

A inexistência desses intermediários gera, claramente, uma revisão da idéia de redes Dentro de muito pouco tempo, o usuário não terá, necessariamente, que buscar um programa na rede que o empacota Com os mecanismos de gerenciamento de programação que a televisão digital possibilita, vai-se direto naquilo que interessa Por exemplo, se estamos querendo assistir a um documentário sobre a questão do Oriente Médio, então buscamos, através de instrumentos de busca análogos aos que conhecemos hoje na Internet, o menu de documentários sobre o Oriente Médio que estão disponíveis naquele momento

Faz muito pouca diferença, naquele momento, saber quem produziu esse conteúdo, se esse documentário que escolhemos foi produzido pela Globo, pela BBC, ou pela RAI

Esse menu de gerenciamento de programação é o que está disponível através de instrumentos de busca que nada tem a ver com as redes, assim como o Google

Evidentemente, a televisão digital traz em seu bojo instrumentos como o VOD, o Video On Demand, que está na base desse poder de escolha absoluto do espectador e que depende de servidores muito potentes Isso, todos nós sabemos, é uma simples questão de tempo É na esteira do VOD que nasce isso tudo, a programação por encomenda, onde o usuário está pedindo a programação que mais lhe interessa Está programando a televisão, ao invés de estar sendo programado por ela

A televisão digital permite também mecanismos de t-commerce, por exemplo, que são não apenas específicos mas também muito eficientes Antes do final da primeira década do século 21, o usuário que estiver assistindo a uma novela vai poder clicar sobre a roupa que a atriz está usando para que, imediatamente, o preço dessa roupa apareça na tela e ele possa confirmar a compra Seus dados, tamanho, número dos cartões de crédito, etc, já estarão armazenados e o usuário só terá que clicar sobre a roupa, se informar do preço e confirmar a compra A televisão digital permite a introdução Antes do final da primeira desse sistema específico e muito eficiente de vendas década do século 21, o usuário que estiver Há os Personal Video Recorders, que são instrumentos digitais de gravação assistindo a uma novela vai de programas Na verdade, já existem Neles, as gravações são armazenadas poder clicar sobre a roupa de forma não-linear Dessa maneira, o usuário cria, literalmente, a sua que a atriz está usando, o programação, através de um menu de opções, numa forma simples de preço dessa roupa vai gerenciamento Se programações diferentes vão estar disponíveis à mesma aparecer na tela e o hora, informamos ao nosso PVR, de uma maneira muito simples, como e consumidor poderá quando queremos assistir a tudo isso confirmar a compra< A TV em alta definição também se torna possível pelas plataformas digitais Ela distancia-se dos modelos normais de televisão em NTSC por um grande conjunto de capacidades A proporção de tela, por exemplo, é de 16 X 9 em vez da 4 X 3 existente Essa proporção é bem mais próxima do que é natural na vista humana

A definição média é de 1125 linhas contra as 525 linhas da televisão que recebemos hoje em casa O HDTV permite também a projeção em grandes formatos, uma coisa completamente impossível na televisão com níveis de definição menores Pode-se, então, chegar a projeções eletrônicas em 192 formatos bastante grandes, com uma qualidade muito próxima à obtida em cinema, com película de 35mm

Há poucos meses nós montamos, na Mostra do Redescobrimento, em São Paulo, uma sala de projeção temática, para a exibição de um vídeo feito em HDTV, com uma tela de 17 metros de comprimento por 10 metros de altura, que se constituiu na maior projeção digital de televisão do mundo, do mesmo tamanho das projeções que são feitas nos laboratórios da Barco, na Bélgica O resultado foi surpreendente

Essa possibilidade de exibir televisão em telas de 170 metros quadrados, para um auditório de 450 pessoas, é uma coisa nunca imaginada antes da existência do HDTV, que começou analógico, mas só é possibilitado hoje pelas plataformas digitais de produção, edição e projeção Ironicamente, a própria Uma coisa muito discutida em qualquer seminário sobre produção de cinema, Internet demorou muito hoje, é se o HDTV pode trazer para o produto uma textura de película pouco tempo para perceber Poder, pode, mas é uma mídia diferente Continua sendo uma mídia com que não era uma simples suporte eletrônico revista eletrônica<

Uma das primeiras coisas que nos perguntamos, quando vemos essa quantidade de gadgets, é se isso significa que vamos ter mais da mesma coisa, simplesmente com melhor qualidade Esse é um debate que também está por trás de toda a revolução da televisão multicanal dos anos 80 e anos 90 no Brasil: será que essa revolução toda, essa multiplicação tão grande do número de canais, do número de produtos oferecidos, teve um impacto na mesma proporção sobre a qualidade do produto que é oferecido?

Uma coisa que se pode ter certeza é que, pelo menos, a televisão digital possibilita que a produção tenha a hegemonia sobre a forma do seu empacotamento Essa não é uma novidade em muitos outros veículos, mas é algo novo em televisão

É muito possível que a maioria dos leitores não saibam qual é a editora do último livro que leram, embora cada um saiba, certamente, quem é o autor É quase certo que não saibam quem era o distribuidor do último filme que viram, embora todos saibam quem eram os atores Alguns vão saber quem era o diretor e, seguramente, todos saberão do que se tratava no filme 193 Por outro lado, todo mundo sabe em que canal que está o Ratinho, em que canal que está o Jornal Nacional, em que canal que está esse ou aquele programa Isso acontece porque antes de falar com o programa você A multiplicação de canais e está falando com o seu empacotador Relacionar-se diretamente com do número de produtos a programação é uma possibilidade completamente nova A produção oferecidos não tiveram o passa pela primeira vez a ter alguma hegemonia sobre a forma do seu mesmo impacto em termos empacotamento de qualidade< Isso implica, também, a pluralização da produção como elemento de qualidade Essa é uma das coisas a que, por exemplo, Carlo Sartori se refere no seu livro sobre a questão da qualidade televisiva Para ele, uma das formas de avaliação da qualidade do produto televisivo está justamente na pluralização da produção Isso, sem dúvida alguma, é verdadeiro Não podemos pensar em produção de qualidade sem que essa produção seja pluralizada

Isso nos remete à idéia de qualidade em televisão Quais são os critérios que norteiam a idéia de qualidade em televisão? Será que é a veiculação do que já é institucionalmente consagrado? Muita gente acredita nisso Muita gente acredita que, ao colocar no ar uma peça de Shakespeare ou uma sinfonia de Beethoven, está-se promovendo uma televisão de qualidade

Bianculli, Morley e muitos outros autores dizem exatamente o contrário Quer dizer, a simples veiculação do que é institucionalmente aceito como um produto de qualidade não implica, absolutamente, que se esteja promovendo uma televisão de qualidade A pluralidade da produção, sim

Será que a qualidade da televisão pode ser medida, por exemplo, pela educação formal que a televisão é capaz de transmitir? Eu, pessoalmente, acho que a função educacional da televisão, se isso existe, tem que ir exatamente na contramão da educação formal Acho que a televisão tem tanta obrigação de educar a criança quanto um jogo de futebol

Mas a televisão, por ser um veículo massivo – a televisão aberta, pelo menos – tem, sim, a obrigação de informar as crianças sobre o comprometimento, as limitações da educação formal que ela está recebendo Uma televisão que apenas sedimente essa educação formal seguramente não está colaborando para que se faça uma televisão de qualidade, muito pelo contrário 194 Será que a qualidade da televisão pode ser definida através dos elementos puramente formais? Essa é uma questão que pode ser discutida Ou será que os elementos de conteúdo são mais reveladores do que venha a ser uma televisão de qualidade? A maioria das pesquisas, apontadas por vários autores, dentre eles Daniel Dayan, mostra que a interação entre a forma e o conteúdo é um dos atributos mais comumente usados para qualificar a televisão

Seguramente, no entanto, a formação de uma identidade própria é uma das maiores contribuições que a televisão pode dar para testar a sua qualidade A meu ver, quando nós pensamos sobre o futuro da televisão, sobre o futuro do conteúdo da televisão, temos que ter isso como uma questão recorrente

A televisão, até hoje, esforça-se por criar uma identidade que outros veículos criaram em muito menos tempo Ela tem hoje a idade que o cinema tinha em 1953, mais ou menos Em 1953, o cinema já tinha definido, redefinido, rediscutido centenas de vezes a sua linguagem Já tinha criado uma quantidade numerosíssima de teorias consistentes

A televisão, pelo contrário, hesita em buscar essa identidade própria, que pode estar contida em cada uma das partes, em cada um dos seus programas A experiência do consumo ou, quem sabe, pode estar contida no todo, na programação Nesse sentido, de comunicação é cada vez é claro que essa distinta forma de empacotamento e essa distinta forma de mais personalizada< relacionamento do espectador com a televisão, promovido pela televisão sob plataforma digital, tem um impacto muito grande

A televisão tenta buscar a sua identidade como veículo O que é a televisão? Por que nós estamos, aqui, sentados, discutindo televisão? Nós, certamente, não estaríamos discutindo televisão agora se concordássemos que a televisão é, simplesmente, uma caixa para veiculação de produtos acabados de outra natureza, uma caixa para veiculação de filmes, ou de jogos de futebol Então, nós, certamente, não estaríamos discutindo televisão Talvez estivéssemos discutindo cinema ou futebol

Não quero me estender muito, mas para isso, evidentemente, o primeiro passo é o encontro de uma identidade narrativa Nós vamos concordar que a busca dessa identidade tem um turning point absoluto na transição de um modelo de televisão linear (que é um modelo completamente vertical) e um modelo de televisão mais semelhante à Internet, que, por sua vez, pode não configurar um veículo, mas sim um instrumento onde vamos buscar a informação de que necessitamos 195 Ironicamente, a própria Internet demorou muito pouco tempo para perceber que não era uma simples revista eletrônica Quem lembra dos sites existentes há três ou quatro anos, vai ver a diferença que há entre eles e os sites atuais, para não falar nas possibilidades abertas pela banda larga Ou seja, a Internet demorou três ou quatro anos para perceber que não se tratava, absolutamente, de colocar na rede modelos de outras mídias

Mas será que o futuro da televisão é um computador ou o futuro do computador é uma televisão? Essa é uma pergunta que todos fazem com freqüência “Quer dizer que, daqui a pouco, você vai surfar na televisão, acessar sites pela televisão, abrir e-mail na televisão?” Ou, “você vai estar vendo televisão no seu monitor de 14 polegadas?” É evidente que nem uma coisa nem outra

O sinal pode ser da mesma natureza Mas a maneira de assistir à televisão é uma e a maneira de se relacionar com o computador é outra A experiência do consumo de comunicação, como todos sabemos, é cada vez mais personalizado E é bom que seja assim A televisão multicanal, a televisão processável, a televisão plural se parece muito mais com a nossa sociedade

Absurdo é imaginarmos que ontem, às oito e meia da noite, 100 milhões de brasileiros estavam assistindo à mesma novela, consumindo o mesmo produto cultural Isso sim é um processo completamente esquizofrênico, Com a TV de alta definição, mas com o qual nós já nos acostumamos, como nos acostumamos a ver o espectador recupera uma mendigos na rua, crianças passando fome, assaltantes chance que havia perdido, uma oportunidade de Nós nos acostumamos com isso, mas isso não é normal Não é razoável assistir à televisão imaginar que 100 milhões de brasileiros estejam consumindo o mesmo ritualisticamente em casa< produto, não importa onde estejam, com todas os prejuízos às culturas regionais que isso possa acarretar

É muito importante atentar para este desafio: que, se nós estamos pensando sobre a televisão do futuro, não devemos estar pensando apenas nas novidades tecnológicas do futuro

É essencial entender que estamos falando de um veículo e que o grande desafio, neste momento, é encontrar as formas de aprimoramento desse veículo, que nasce com o reconhecimento de suas especificidades e de seu poder É fundamental saber de que maneira podemos ver, nesse veículo, um autêntico meio de expressão e identificar a sua natureza, que pode até estar dissociada da natureza de cada uma de suas partes 196 É muito possível que seja assim, porque, caso contrário, seria o mesmo que procurarmos avaliar um filme através de cada um dos seus fotogramas, por exemplo No momento em que passamos a ver a televisão divorciada dessa possibilidade de programação, dessa possibilidade de criação de uma unidade a partir das diversas partes que compõem o todo, nós passamos a ter um outro tipo de dificuldade

Todas essas novas possibilidades também podem fazer com que a televisão deixe de ser esse meio de expressão que há 50 anos busca sua própria especificidade para se tornar um simples mecanismo de busca, por exemplo

Uma das possibilidades conteudísticas oferecidas pela nova televisão, pela televisão que está lá na frente, pode residir, precisamente, no resgate dessa experiência menos individualizada de consumo cultural, dessa experiência mais ritualística, mais grupal Para avançar, a televisão também se permite A televisão, no seu nascedouro, era um programa para toda a família: a retroceder< mulher, o marido, a filha e o cachorro, todos juntos, vendo o mesmo programa Nós sabemos que isso, hoje, isso é completamente impossível, porque o marido ia ver ESPN, a mulher ia ver o Room and Style, a filha ia ver a MTV e o cachorro ia ver o  Cada um ia estar vendo uma coisa diferente

Essa perda da experiência coletiva da televisão, a perda dessa forma de assistir à televisão linearmente, de certa forma é também resgatada pelas possibilidades da televisão digital Com a TV de alta definição, o espectador recupera uma chance que havia perdido, uma oportunidade de assistir à televisão ritualisticamente em casa, de curtir o espetáculo que a televisão lhe oferecia no início e que perdeu com o tempo Para avançar, a televisão também se permite retroceder

197 OS MITOS DA INTERNET Leão Serva

Eu fiz uma brincadeira com o Nelson Hoineff, que falou antes neste Seminário: Leão Serva é jornalista, diretor de disse que ele estava falando da televisão do futuro e eu falaria da Internet, Jornalismo do iG, editor do site como futuro da televisão Isso é uma piada, como ele mesmo mostrou, Último Segundo (Prêmio iBest de melhor site de notícias da Internet porque, na verdade, a Internet não é o futuro da televisão Mas a Internet e Brasileira em 2001, júri popular) a televisão, juntos, e mais outros meios, devem vir a compor aquilo que É também professor de Ética do consumiremos dentro de alguns anos, provavelmente Jornalismo na faculdade Cásper Líbero (SP) Para entender esse raciocínio, da convergência dos meios, de todos os Antes do iG, foi diretor dos meios, queria lembrar como nasceu a Internet Foi durante a Guerra Fria, jornais Folha de S Paulo, Notícias Populares, Jornal da Tarde um pouco em conseqüência da paranóia de uma guerra nuclear, não e Lance! e da revista mensal Placar totalmente injustificada, que havia naquele tempo (ed Abril) Entre 1992 e 1993, foi correspondente em Londres da Folha de SPaulo, quando cobriu Os órgãos de defesa do Governo americano conceberam um modelo de guerras na Iugoslávia, Angola, comunicações entre seus postos de defesa avançados e os centros de Somália, Moçambique e Kuait comando capaz de sobreviver a uma eventual guerra nuclear

Em agosto, lançou o livro “Jornalismo e Desinformação” Para isso, foi preciso estabelecer uma rede de comunicações que (ed Senac), baseado em sua tese não pudesse ser interrompida Foi necessário estabelecer uma forma de Mestrado Antes, publicou alternativa para circular as informações entre todos os centros de “Batalha de Sarajevo” (ed Scritta, 1994) e “Babel, a Mídia Antes do defesa que os Estados Unidos tivessem no mundo O sistema inventado Dilúvio e nos Últimos Tempos” pretendia, exatamente, montar uma rede de comunicações a partir (Mandarim, 1997) de “pacotes” – essa era a expressão que se usava na época –, divididos

Esta palestra foi proferida em em minúsculas porções mandadas para todos os componentes dessa 27/10/2000 rede

A mesma informação era dividida em pequenos bits (ou o que fosse) e mandada por vários caminhos diferentes Quando a informação chega no destino final ela, digamos, “avisa” àquele que mandou, dizendo: “Oi, cheguei” 198 Portanto, essa rede tinha que ser, necessariamente, uma rede de dupla mão Ou seja, não somente manda a informação como acontece na televisão e no rádio Mas também a recebe

Cada pacotinho que chegava ao destino final avisava: “Cheguei Eu sou o O modelo econômico de pacote número 3 daqueles 10 que você mandou” Depois chega o outro, o exploração da Internet, quatro, e ele fala: “Cheguei” E quando todos, em dada hora, se juntam e baseado na publicidade, formam o pacote final, o computador remetente diz algo assim: “Foi tudo está transformando a rede, enviado” em grande medida, numa Internet Broadcasting< Assim, por definição, estamos falando de uma rede interativa, mas não exatamente como a gente gostaria que fosse, com o destinatário sendo capaz de recriar a informação e mandar uma outra em resposta para o remetente Mas é interativa no sentido de que tem mão dupla

Essa foi a rede montada naquela época Em algum momento, terminada a Guerra Fria – e isso é importante – esse modelo de informação deixou de ser necessariamente fechado, controlado ou monopolizado por uma concepção do Estado ou por um controle estatal Então, abriu-se como veículo de informação

Aqueles diversas conexões que juntavam Miami, Houston, Alasca, todas as bases americanas espalhadas no planeta, utilizaram diversas plataformas possíveis: satélite, fios telefônicos, cabos de fibra ótica, o que fosse Quer dizer, o Importante era mandar e receber informações Ao longo dos anos 90, esse arcabouço de um modelo paranóico foi aberto e entregue, enfim, à sociedade do planeta

Na década de 90, quando isso começou a ser aberto, em diversos países, surgiram outras redes de informação, essas privadas e voltadas para uso civil, mais próximas da Internet de hoje, como a America On Line e a Compuserv, entre outras Já eram redes mundiais, com milhões de usuários

E, por ser mais barata, a Internet deglutiu, incorporou muitas dessas redes A America On Line passou a ser a maior rede, o maior portal, a maior empresa de Internet, mas essas coisas se plasmaram

A tendência que se visualiza é de que, de fato, haja uma convergência de meios Um dos mitos que talvez a gente deva desfazer é o mito da interatividade Ao mesmo tempo, dizer que é apenas em parte mito, porque de fato a Internet permite a interatividade Quando televisão e Internet 199 convergirem para um mesmo aparelho, ou para um mesmo sistema de aparelhos, talvez a gente ainda prefira ficar no escritório usando o computador e depois falar: “Agora vou ver televisão”, e ir para a sala, quem sabe em decorrência do ritual do consumo mencionado pelo Nelson Hoineff

Talvez o usuário venha a dizer isso: “Bom, agora vou consumir televisão como antigamente e usar este aparelho como eu usava a Internet ou o computador antigamente” Hoje, um canal de fibra ótica já possibilita o consumo da Internet em banda larga, que é, em grande medida, o tal “tubo de informação”, permitindo o consumo da televisão e da Internet ao mesmo tempo no mesmo aparelho

Essa Internet de banda larga é um modelo de uma das coisas que eu queria lembrar do passado dos meios de comunicação E porque eu digo que a interatividade é um mito da Internet e de todos os meios? Quando a gente pensa no rádio, pensa em alguém consumindo o rádio e alguém, do outro lado, emitindo o rádio

Na verdade, o rádio nasceu, no começo desse século, como um meio de dupla mão Exatamente como hoje a gente visualiza a Internet ou como a gente pensa o telefone Mas não havia um modelo econômico para viabilizar isso Por que? Porque, para haver um modelo econômico é preciso que muitos consumam aquele mesmo conteúdo radiofônico Isto é, que um anúncio ou uma programação possam ser consumidos por várias pessoas, transformadas em receptores Então, o rádio broadcast se estabeleceu como um veículo de uma mão única: uma emissora transmitindo para vários ouvintes, para muitos ouvintes

Também a televisão transmitida via cabo de fibra ótica que chega na nossa casa, em tese, é algo de dupla mão Desde o início, era algo de dupla mão A idéia de liberdade, Mas, na verdade, foi instalada em praticamente todo o planeta como um de plena interatividade, sistema de mão única é um sonho que vem sendo adiado sempre< E agora, o que fazem, por exemplo, a NET ou outras empresas? Vão a vários pontos e colocam, do outro lado do cabo, o aparelho que permite a dupla mão O que significa isso? Quando foi instalada a TV a cabo no Brasil, há muito pouco tempo, ela serviu-se de cabos de fibra ótica que saem do escritório da TV emissora para levar informações até a nossa casa

No entanto, apenas instalando, do outro lado do cabo um aparelho diferente, uma terminação diferente, ela permite o uso do mesmo cabo de fibra ótica 200 para dupla mão Então, porque eu digo que a interatividade é mito? Porque o modelo econômico de exploração da Internet, até este momento, está transformando a Internet, em grande medida, numa Internet broadcast

Eu não faria, sobre isso, nenhuma reflexão de caráter moral ou em função daquilo que, pessoalmente, eu gostaria que a Internet fosse Pelo contrário, acho que a idéia de liberdade, de afirmação da individualidade de cada um dos indivíduos da sociedade, como possíveis emissores ou emissoras, foi um sonho muito forte nos anos 60 e vem sendo sempre adiado A gente ouviu dizer, por exemplo que, quando chegasse, a TV a cabo permitiria a afirmação da individualidade

Qual era essa individualidade da TV a cabo, afinal? As inúmeras opções que o indivíduo tem para compor a sua própria programação de televisão No entanto, o próprio uso da palavra “espectador”, como todos a utilizamos, A interatividade na internet, mostra que o espectador é ainda um receptor embora embutida na sua essência, tem se revelado Se eu tiver a possibilidade de entrar num supermercado e comprar 18 tipos mais verdadeira no e-mail e de cerveja, deixo de ser apenas um receptor de cerveja Mas não chego a nos chats< ser um produtor de cerveja Na mesma medida, isso se dá com a informação

A possibilidade de optar por mais canais não chega a ser, de fato, uma conquista libertária, mas constitui um degrau a mais de liberdade ou de afirmação da individualidade de cada um como emissor A Internet, em si, permite isso Ela permite imaginar que eu faça a minha home page ou que eu faça o meu portal

Mas o mimeógrafo também me permitia fazer o meu jornal Só que eu sabia previamente que não conseguiria enfrentar jornais como os de Roberto Marinho ou de Otávio Frias

Esse modelo irá se afirmar ou tem se afirmado na Internet, não pela decisão dos donos da Internet, mas porque o modelo econômico de exploração da Internet é um modelo baseado, como a televisão, principalmente ou preliminarmente, na publicidade

E a publicidade precisa compor um grupo, a expressão que se usa é massa crítica, um conjunto de consumidores suficientemente amplo para justificar o investimento numa mensagem que fale com ele através de determinado meio É isso que irá sustentar aquela empresa de Internet, de jornal, ou TV 201 Concluímos, portanto, que a interatividade na Internet, embora esteja embutida na sua essência, tem se revelado mais verdadeira no e-mail, o sistema de correio eletrônico, que é uma forma de comunicação inter-pessoal, em grande medida, como a carta embora dotada de uma velocidade muito mais intensa

Nos bate-papos, no chat, também há um encontro de pessoas, em lugares diferentes Esses dois meios, e-mail e chat, são as duas fórmulas de maior Apesar do crescimento audiência nos grandes portais de Internet Se vocês analisarem toda a vertiginoso da internet no audiência do UOL, Universo On Line, do America On Line, do IG ou do Brasil, há um longo caminho Terra, o primeiro ponto de audiência será sempre a sala de chat e/ou o o para formar uma massa canal por onde circulam os e-mails crítica de usuários e alcançar o mercado da Fizemos no Último Segundo, um editorial assumindo uma posição em relação televisão< à eleição municipal no município de São Paulo O editorial defendia abertamente uma das candidaturas: 45 minutos depois de colocado em nosso site esse editorial já havia provocado 220 e-mails

Isso dá uma idéia da velocidade e da interatividade que talvez o jornal não tenha Acho difícil que o Estadão ou a Folha publicassem um editorial qualquer e recebessem 220 cartas no mesmo dia

A velocidade da manifestação do usuário na Internet é enorme Mas, apesar disso, não se pode dizer que os grandes portais e sites da Internet sejam efetivamente interativos Ouve-se muito a opinião do usuário, numa velocidade ou por um acesso mais rápido do que a televisão Mesmo quando a televisão usa recursos de interatividade, em programas como o Fantástico, por exemplo Mas não se pode dizer, na minha opinião, que a interatividade plena e orgânica, seja a essência da mídia Internet Embora seja um elemento importante na composição do meio Internet, enquanto infra-estrutura de comunicação

Outro mito da Internet que acho importante mencionar é a idéia de que ela possa vir a se transformar, em pouco tempo, num meio de massas no Brasil como a televisão Isso não vai acontecer num prazo tão curto tempo quanto se esperava A própria crise envolvendo as tecnologias da informação, a crise da Nasdaq, tem apontado para isso Ficamos ainda mais longe da TV, que atinge 85% ou mais dos lares brasileiros Difícil imaginar que a Internet atinja um percentual tão grande da população brasileira em curto espaço de tempo 202 Uma das metas mais fascinantes como o uso da Internet pela televisão, está longe de ser alcançada, para não dizer que fracassou No entanto, explodiu na China São peculiaridades que coincidem com aquilo que o Nelson Hoineff dizia a respeito dos rituais de consumo Talvez o ritual de consumir a Internet através do aparelho de televisão não seja uma característica dos brasileiros Mas é uma característica brasileira este crescimento da Internet se o compararmos com outros países do mundo, até mais ricos

Isso sugere a possibilidade de que, com a Internet, possa ser destruí-lo outro mito muito arraigado Nós, brasileiros, costumamos nos ver como cidadãos de um país de Terceiro Mundo E o conceito de Terceiro Mundo é muito dado pelo PIB Na verdade, o Brasil tem, no seu cotidiano, elementos que o distanciam de um país de Terceiro Mundo

Um antropólogo poderia descobrir uma lista de componentes em nossos hábitos acima daqueles que se encontram na média dos países do Terceiro Mundo Na televisão, o Brasil é, certamente, um dos mais avançados Montamos um mercado consumidor, um mercado produtor e um mercado publicitário que tem uma proporção, em relação ao PIB, muito maior do que se pode imaginar Quer dizer: o peso econômico da televisão, no Brasil, está, talvez, nos padrões do Primeiro Mundo ou do Primeiro Mundo da televisão, ao lado dos Estados Unidos e de um conjunto de países da Europa

A Internet, entre nós, parece caminhar nesse sentido, embora vá levar tempo para chegar a uma massa crítica de usuários semelhante à de consumidores de televisão Certamente a velocidade é bem maior do que nos demais O rito do consumo da países da América Latina O que resulta em dados como este: 60% dos informação no papel está usuários de Internet na América Latina estão no Brasil, 80% do e-commerce preservado, mas a da América Latina está no Brasil Mas apenas 16% dos brasileiros que concorrência da internet usam a Internet, declaram estar comprando ou já ter comprado alguma obriga os jornais a coisa na Internet mudarem, caso não queiram ter o sabor de pão Nessa proporção e imaginamos que rapidamente possa subir para 30% amanhecido< haverá uma explosão do e-commerce da América Latina através do Brasil

Por um lado, a Internet não chegará tão rápido ao tamanho da televisão, mas a Internet do Brasil cresce com muita velocidade O Diretor Geral do Serviço Mundial da Britsh Broadcasting Corporation - BBC disse recentemente que a BBC botou o Brasil como terceiro lugar na sua estratégia, na sua prioridade de implantação do site de Internet, atrás de Índia e China Se 203 vocês pensam na população da China e da Índia, dá para ver que, com uma população bem menor, o Brasil tem um crescimento desproporcional Isso porque o crescimento da Internet do Brasil

Outro mito: no começo dos anos 90, Nicholas Negroponte, um dos principais pensadores da Internet, dizia que estava próxima a morte dos jornais Mas já em meados dos anos 90, ele dizia que não, que o jornal em papel como o conhecemos hoje, será consumido ainda pelos filhos dos nossos filhos Há uma informação que reforça isso: uma grande empresa produtora de papel, de propriedade do Rupert Murdoch, o grande milionário da mídia, está sendo implantada neste momento E uma indústria de papel leva cerca de 20 anos para realizar o seu ciclo econômico e começar a dar lucro

O que quer dizer isso? Provavelmente, quer dizer que o rito do consumo da informação pelo jornal, como a gente entende os jornais, será preservado O que nos leva a uma outra pergunta: será que o jornal continuará igual ao de hoje? Provavelmente não No IG, temos feito o seguinte exercício: o Último Segundo não se considera um site, uma lista de notícias mas, sim, Os jornalistas da mídia um jornal, na medida em que hierarquiza a notícia com manchetes, impressa diária ainda não submanchetes, etc e, de vez em quando, como referi anteriormente, emite avaliaram a dimensão e o opiniões em editoriais Esse jornal funciona ao longo do dia, em grande impacto da internet< medida, como um noticiário em tempo real

Ou seja, as notícias entram em grande velocidade, muitas vezes fragmentadas, da forma em que vão acontecendo Algo assim: “Aconteceu não sei o quê”, três linhas Dali a pouco: “Aconteceu não sei o quê mas foi em tal lugar”, portanto um pouco mais de informação Quer dizer, o lead tradicional vem sendo montado em vários takes

Mas, ao final do expediente, entre 21 e 22 horas, faço um exercício que, para mim, é muito divertido, porque é um jogo, uma aposta Eu “antecipo” a primeira página da Folha ou do Globo do dia seguinte

É uma aposta em torno do que o meu leitor gostaria de ver num jornal tradicional do dia seguinte Estou imaginando que meus usuários estão chegando em casa, estão sentando no micro e começam a navegar pela Internet E, nessa hora, eles não estão no escritório, fixados nos assuntos profissionais Nessas horas uerem ter, antes de dormir, um balanço do dia E esse balanço do dia é o mesmo que eles, provavelmente, querem encontrar na primeira página do jornal que assinam – a Folha ou o Estado, em São Paulo ou O Globo, o Jornal do Brasil ou o Dia no Rio 204 Oito horas antes eu me dedico ao sádico exercício de destruir previamente essa página fazendo uma que atenda diretamente ao meu leitor Se acerto, terei mais leitores, como tem acontecido Hoje, nosso volume de usuários corresponde a um jornal pequeno do Brasil Mas logo os números começarão a chegar aos níveis da circulação dos grandes jornais

Se esse cara vai dormir lendo uma primeira página que é um balanço efetivo do que aconteceu no dia, o jornal impresso do dia seguinte, para ele, terá o gosto de pão amanhecido É o que tem acontecido, não tanto por mérito nosso mas, em grande medida, porque nossos colegas da mídia diária, ainda não avaliaram a dimensão e o impacto da Internet E também não entenderam o impacto dos noticiários de emissoras como Globonews que, cada vez aumenta sua audiência Ou da CNN, que chega cada vez mais O rádio continua sendo perto do Brasil e vai se amoldando ao público brasileiro imbatível em matéria de velocidade e acesso à Há uma diferença entre o jornal impresso e o jornal na Internet Se pensarmos informação< que o New York Times, no dia em que abriram o túmulo do Tutankhamon, deu a manchete com o fato, estamos dizendo o seguinte: “Bom, aquele secretário de redação sabia o que era História” Porque, na História do começo do século, aquele fato teve uma importância significativa, uma importância muito maior do que qualquer coisa acontecida em Washington naquele dia O secretário de redação estava certo ao descartar o decreto, a declaração do Presidente da República ou uma questiúncula qualquer sobre impostos e escolher, como a notícia do dia, o túmulo do Tutankhamon

Um site de Internet, provavelmente, naquele mesmo dia, teria dado o túmulo do Tutankhamon, mais o tal decreto em Washington, mais um debate sobre impostos, etc Essa noção do que é importante é mais visível nos jornais, porque ccirculam uma vez ao dia A Internet sai a toda hora, a importância fica menos definida Os jornais trazem os fatos fechados com princípio, meio e fim E também uma opinião abalizada, que não se pode encontrar com a mesma facilidade num site de Internet, dinâmico e progressivo

Há uma série de peculiaridades dos jornais que ainda não foram assimiladas pela Internet Também o rádio em relação à televisão A velocidade com que o rádio chega à informação local ainda é imbatível Quando montamos o modelo de reportagem no IG, eu pensava muito no repórter de rádio, talvez pela minha formação como crítico de rádio Mas o rádio continua sendo imbatível em matéria de velocidade e acessibilidade à informação 205 As características de cada meio não vão desaparecer O que pode acontecer é algum desses meios - ou veículos que compõem esse meio - não perceberem o que está acontecendo embaixo do seu nariz

Se os jornais procurarem dar apenas notícia, notícia no sentido mais cru do que a gente entende por notícia, certamente vão perder o seu espaço Um exemplo: chegou ao Brasil a notícia, vinda da Europa, onde era fim de tarde, de que fora encontrado um bilhete no bolso de um dos marinheiros mortos no submarino Kursk, dizendo o seguinte: “Estamos aqui Somos 23, etc” Tudo isso foi dado, não só no IG, mas em todos os sites de Internet

Quando abri a primeira página dos jornais no dia seguinte e vi apenas aquela descrição, pareceu-me muito pouco Mas, em compensação, quando um jornal publica o artigo de um analista russo ou de um especialista em assuntos militares, está utilizando todas as potencialidades do meio Já a Internet, por enquanto, ainda não soube oferecer esta dimensão análitica

Mais mitos: no começo do ano dizia-se que a Internet gratuita mataria as Internets pagas Nesse momento diz-se que a Internet grátis não tem espaço Os mitos são circunstanciais: se estudarmos um pouco a história e a evolução dos meios de comunicação teremos as chaves para a compreensão de uma série de discussões que estão em curso

Vocês, como eu, não são oriundos de regiões metropolitanas Sou do interior de São Paulo onde, quando eu era pequeno, todas as rádios se chamavam Rádio Clube: Rádio Clube de Itaquaritinga, Rádio Clube de Araraquara, Rádio Clube de Catanduva< Rádio Clube por que? Porque os rádios eram provedores pagos de acesso ao rádio Hoje, a gente não concebe Logo depois da invenção do rádio, não havia massa crítica para o seu a televisão Broadcast, a consumo, para sua sustentação no País Isso acontecia em todo o Brasil televisão de massa, como Então, grupos de pessoas endinheiradas em cada cidade se juntavam, uma coisa paga, mas ela formavam um clube, pagavam uma mensalidade para sustentar aquele nasceu assim< provimento de acesso e conteúdo Para ouvir o quê? Ouvir o que eles, na assembléia de sócios, entendiam que deveria ser ouvido Normalmente, música clássica da melhor qualidade, que não havia na cidade, noticiário trazido dos jornais e dos grandes centros urbanos que, por outros meios, não chegavam ali

Passados alguns anos, aquele modelo não fazia sentido mais Por que? Porque já havia uma massa tão grande de usuários do rádio que a publicidade 206 passou a fazer sentido Pôr um anúncio no rádio já dava retorno E a publicidade passou a sustentar o rádio

Televisão, a mesma coisa Televisão nasceu na Inglaterra, pelas mãos da BBC, como um provimento de acesso pago Os ingleses até hoje pagam uma taxa que sustenta a BBC porque esta não soube ou não quis mudar o modelo de propriedade estatal São cerca de 100 libras ou 200 dólares, para sustentar os canais de rádio e televisão da BBC

Quando a TV chegou no Brasil, anos depois, já chegou com um modelo privado a ser sustentado pela publicidade, o que veio a consumar-se mais tarde, no fim dos anos 50 e começo dos anos 60 Hoje, a gente não concebe a televisão broadcast, a televisão de massa, como uma coisa paga, mas ela nasceu assim

Provavelmente, isso também vai acontecer com a Internet O mainstream da Internet, provavelmente virá a ser gratuito, mas aquele serviço super- sofisticado ou muito específico, para atender, por exemplo, aquele pequeno A mistura de jornalismo, e- grupo de pessoas interessadas em acesso de alta velocidade ou aquelas commerce e publicidade, na pessoas interessadas num conteúdo muito específico - como preço do papel internet, gera questões jornal no Canadá ou dos metais ferrosos em Singapura - esses nichos de delicadas do ponto de vista mercado provavelmente vão sustentar serviços pagos, quer sejam ético< provimentos de acesso ou de conteúdo

Com isso, os dois modelos devem sobreviver, como sobrevive, até hoje, o modelo da BBC, ao lado de modelos como o Canal 4 ou o Canal 3 ingleses, que são privados e pagos, sustentados por publicidade

Para concluir, vale a pena lembrar outra questão muito importante: a credibilidade e a ética dos serviços de informação por Internet Refiro-me, por exemplo, ao recurso de estar vendo um programa e clicar sobre um elemento que está ali e comprar aquele elemento Quando se pensa em jornalismo, isso parece muito delicado do ponto de vista ético, não é? Essa imbricação, essa mistura entre e-commerce, publicidade e o jornalismo leva ao temor de que se confundam e misturem

No começo, os sites de jornalismo eram tributários dos grandes veículos Eram agências de notícias ou grandes jornais que sustentavam seus sites na Internet E, portanto, a credibilidade era dada pela nave-mãe, digamos A Folha de S< Paulo tinha seu site e, se a Folha tem credibilidade, o site a herdava 207 Hoje, começam a surgir sites que só existem na Internet e que procuram estabelecer procedimentos rígidos em matéria de negócios como o fazem o meio jornal ou o meio revista Existem jornais, no Brasil, que não têm a menor credibilidade — vendem matérias, aceitam reportagens pagas, enfim, misturam sem cerimônia publicidade, comércio e jornalismo E existem outros jornais que preservam essa separação O crescimento do mercado consumidor de internet Atualmente, nos Estados Unidos, alguns dos paradigmas essenciais no exige comportamentos comportamento de revistas e jornais estão sendo adotados por sites e portais rígidos em matéria de de Internet Exatamente para preservar a credibilidade do veículo credibilidade<

Se houve, no passado, uma confusão entre as diversas instâncias da empresa jornalística, isso tende a se desfazer Graças a este rigor temos visto que algumas das informações mais importantes originam-se da Internet e, no dia seguinte, são validadas pelos meios tradicionais

Ao mesmo tempo, vemos coisas como tudo o que aconteceu no episódio Clinton e Monica Levinsky, nos Estados Unidos e que, em grande medida, mostrou uma falta de compreensão da ética do jornalismo de alguns sites de fofocas

O crescimento do mercado consumidor de Internet e a necessidade de afirmá-la como meio economicamente viável, exige comportamentos rígidos em matéria de credibilidade, para que as pessoas visitem os sites e acreditem neles compondo um modelo econômico semelhante ao dos jornais tradicionais Assim como os jornais tradicionais precisam da credibilidade para sua preservação e crescimento, também os sites de Internet precisam do mesmo rigor e transparência

208 DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA REDE PÚBLICA DE TV Renato Bulcão

A diferença da rede estatal para a rede pública, do nosso ponto de vista, é a seguinte: a TV estatal está diretamente ligada ao Poder Executivo estadual, Renato Bulcão de Moraes é carioca, municipal ou federal, enquanto a TV pública não está diretamente ligada a formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense, nenhum Poder Executivo A TV Cultura de São Paulo, por exemplo, é Bacharel em Filosofia pela USP, controlada por um conselho de 45 membros, amplo, cuja composição abrange Mestre em cinema pela ECA, em desde um representante da União Estadual dos Estudantes até um São Paulo É produtor de cinema, representante dos funcionários da própria televisão com diversos filmes premiados em festivais nacionais e internacionais

A maior dotação de verba da TV Cultura vem do governo do Estado À Atualmente, exerce o cargo de época da Fundação Padre Anchieta, o Governador Abreu Sodré encaminhou Diretor de Marketing da TV Cultura um projeto de lei que previa que a Fundação receberia do Estado os recursos de São Paulo para o custeio básico da Fundação, mas ficaria impedida de determinar a Esta palestra foi proferida em sua programação Com isso, a Fundação Padre Anchieta, ao longo de 30 18/11/1999 anos, desenvolveu uma série de formas criativas para conseguir as receitas operacionais para a produção de programas especiais

De um ano para cá, a mais nova invenção é permitir a exibição de comerciais de 30 segundos, obedecendo a alguns critérios, até rigorosos demais em relação ao mercado, como mais uma maneira de custear o nosso crescimento

A Fundação Padre Anchieta é uma fundação de direito privado É a primeira possibilidade de TV pública, uma vez que o Conselho que a controla representa a sociedade É o Conselho quem efetivamente decide o que está bom e o que está ruim na programação; o que deve ser pensado em termos de médio e longo prazos e o que deve ser cerceado em termos imediatos, ou seja, aquilo que não deve ser exibido na televisão

A TVE do Rio de Janeiro, por outro lado, foi uma TV estatal, cabeça de rede da Radiobrás e alavanca mestre da comunicação televisiva do período militar Hoje em dia, foi obrigada a se transformar em organização social, uma espécie de ONG com custeio direto do Governo 209 Essa nova figura jurídica dá a possibilidade de uma empresa pública não ser uma empresa estatal Essa forma é chamada de organização social As demais TVEs são empresas estatais até hoje e, normalmente, pertencem ao governo do Estado, à exceção de uma ou duas, que são de governos municipais

O que é rede pública de televisão? Rede pública de televisão é a estratégia que nós desenvolvemos, em conjunto com a TVE, que se chama “Os sotaques do Brasil” É muito fácil para todos nós percebermos que há um português padrão, muitas vezes confundido com o português castiço, que quase só existe dentro do aparelho de televisão Se, por um lado, isso pode trazer uma certa unidade nacional na questão de entendimento, por outro lado também promove o desuso da fala local, seja do dialeto, seja do sotaque, o que é mais grave ainda

A partir desse entendimento dos sotaques do Brasil, nós começamos a pensar em unir as TVEs numa programação que permitisse a realização de programas de debates, de programas infantis e, também, programas regionais, alguns com possibilidade de divulgação nacional e outros com Temos uma dificuldade importância regional muito grande de conviver com a Imprensa, que não Para conseguir montar isso tudo, a primeira coisa que precisamos entender entende a diferença entre é o orgulho que o Estado de S< Paulo e, principalmente, a cidade de São público e estatal< Já o Paulo têm da TV Cultura e do fato de ter sido possível criar uma televisão telespectador entende cultural com qualidade internacionalmente reconhecida Somos a única muito mais facilmente, por emissora cultural da América Latina que já recebeu um Prêmio Emmy, que incrível que pareça< equivale a um Oscar Neste ano, somos finalistas, de novo, do prêmio Emmy, como melhor programação infantil do mundo É com esse peso e com esse orgulho que os funcionários da TV Cultura, a sociedade paulistana e a comunidade artística e intelectual de São Paulo olham e convivem com a TV Cultura<

Por outro lado, talvez por resquícios da época em que o Rio era a grande capital, a praça do mercado, o centro de conversas do Brasil, a TVE tinha uma posição que podemos chamar de imperial, porque ela era a cabeça da rede no País Ela era não a voz do Brasil, mas a imagem oficial do Brasil, para o bem ou para o mal

A questão era superar o orgulho paulista ou o orgulho carioca e elaborar algo que pudesse efetivamente fazer sentido, não para os cariocas ou para os paulistas, mas para o Brasil Isso ocorreu num momento em que fazer 210 televisão, dentro da idéia de enxugamento do Estado, era claramente uma vocação privada

A primeira coisa que nos prometemos, dentro da TV Cultura, foi o seguinte: vamos esquecer nossa arrogância e vamos ter humildade para dizer: “Legal Eu gosto do programa de vocês Vocês também têm boas idéias e ninguém aqui está querendo trabalhar para ser hegemônico Ninguém tem vontade de ter monopólio da fala cultural ou da fala pública ou da fala da cidadania Muito pelo contrário, se queremos cumprir uma missão, temos que abrir espaço para todo mundo, conversar com todo mundo”

É claro que houve modificações, tanto na TVE quanto na TV Cultura, que permitiram isso Na TVE, os Assessores do Presidente, que é carioca, são um gaúcho, um cearense e um mineiro Na TV Cultura, os Assessores do Presidente, que é paulista, são dois mineiros e um carioca Assim, ficou mais fácil discutir a questão do orgulho, porque as Diretorias entendiam que o orgulho tem limites Quando lançamos, em Curitiba, para todas as outras TVEs, a idéia de que estávamos interessados em divulgar os sotaques do Brasil, foi uma grande surpresa

Para um Presidente de televisão local, no Nordeste, por exemplo, saber que não precisava mais contratar o apresentador que falasse à moda do Rio ou de São Paulo, para determinado programa, que podia usar uma pessoa com sotaque local – sem medo de mostrar isso ou aquilo, esse ou aquele termo e essa ou aquela realidade - foi uma bomba atômica Qualquer coisa que se faça em televisão, por menor Do dia para a noite, literalmente, numa sala de reunião, todos se entreolharam que seja a audiência, tem e disseram: “Legal, vamos fazer” Começamos, então, a verificar os enorme impacto social e programas que já eram exibidos no Brasil inteiro, produzidos pela TVE e pela visibilidade< TV Cultura, e os que poderiam ser exibidos Depois, os de outras emissoras que já estavam sendo produzidos, que nunca tinham sido exibidos e que poderiam ser imediatamente exibidos Dessa forma absolutamente simplória, conseguimos obter, rapidamente, a boa vontade dos Presidentes de 18 TVEs e saímos com a idéia de que já tínhamos a base para montarmos uma rede de televisão pública

Essa foi a parte bonita do conto de fadas Agora, vem a parte complicada Nessa hora, as pessoas disseram: é linda a idéia de sotaques do Brasil, é linda a idéia da produção regional Mas, com que dinheiro se faz isso? O Governo manda o dinheiro para pagar o salário dos funcionários, mas para comprar câmara nova, para desenhar o projeto, para fazer a produção, para 211 o programa, para a idéia do público não tem dinheiro Realmente, sem recursos não há possibilidade de se realizar coisas públicas

Começamos, então, a pensar que seria necessário que cada televisão, para se tornar uma TV pública, passasse a desenvolver um Departamento de Marketing e um marketing de relacionamento, começando pelo endomarketing, para que os funcionários compreendessem as mudanças que estávamos fazendo e entendessem que deviam mudar de postura e participar das transformações Somos uma TV muito elitizada, não só porque Depois, era preciso fazer um marketing junto aos jornalistas, uma vez que falamos majoritariamente temos uma dificuldade muito grande de conviver com a Imprensa, que não para as classes A e B, mas entende a diferença entre público e estatal Já o telespectador entende porque não nos importamos muito mais facilmente, por incrível que pareça As pessoas gostam ou não em falar para as classes C, gostam dos programas O público, felizmente, é o que mais está do nosso D e E< lado Se colocamos um produto que interessa, que vale a pena, ele assiste Se não, muda de canal

Deparamo-nos com o seguinte universo: hoje, 7% do público televisivo têm TV a cabo e 93% não têm Esse é o universo Brasil Em São Paulo, é muito diferente Somente cerca de 56% não têm TV a cabo Isso significa que as cinco redes que estão operando hoje, quando não falam com ninguém, falam com cerca de 250 mil pessoas

Muitas vezes, nós, de marketing, não entendemos a força que 250 mil pessoas têm Estamos falando, por hora, no pior horário, com muito mais gente do que é necessário para eleger um deputado federal, ou um vereador, por exemplo Assim, qualquer coisa que se faça em televisão, por menor que seja, a audiência, tem enorme impacto social, enorme visibilidade

Quem são, então, as pessoas que têm TV aberta, ou seja, que têm um aparelho de televisão em casa e não pagam TV a cabo? Basicamente, essas pessoas são o que o Ibope chama de classes C, D e E Essas classes adquiriram, nos últimos dois anos, cerca de 20 milhões de aparelhos de televisão A venda de aparelhos para as classes A e B hoje, basicamente, é para aquisição do segundo, do terceiro aparelho, ou para reposição, mas esse número é muito pequeno A grande venda é para as classes C, D e E Desses 20 milhões, provavelmente, 12 milhões foram adquiridos pela classe D, que hoje é a que mais compra 212 No momento que esse é o universo da televisão, para que serve a TV pública? Para dar aula de inglês? Para dar Telecurso? Para dizer que não se deve votar nesse ou naquele candidato? Ou para dizer que se deve votar nesse ou naquele outro? Serve para ensinar a História do Brasil? Em parte, achamos que serve, sim

Mas se isso for feito de um jeito chato, de um jeito antigo, que deixe o espectador completamente amuado na frente da televisão e não consiga prender a atenção do público por mais do que 7,5 minutos, achamos que não Se grande parte do custeio da TV pública vem dos governos, esse dinheiro veio do povo E usar dinheiro do povo para não conseguir falar com o povo é um contra-senso, independente de qualquer coloração política que se possa ter De um lado, é um mau investimento e, de outro lado, é uma usurpação

Com essa compreensão é que nos propusemos a acabar com a situação que reinava Havia, nas televisões educativas, pessoas qualificadas, de grande gabarito, que acreditavam – e algumas acreditam piamente até hoje – que É muito difícil, mesmo para TV pública ou educativa não é feita para dar audiência Isso se choca, nós, definir o que realmente claramente, com o ponto de vista que acabamos de expressar é informação e o que é simplesmente fala elitizada, Se é para não dar audiência, a televisão está se elitizando Não importa de sofisticada e balela cultural< que forma Pode estar se elitizando só para pessoas que vestem vermelho ou só para aquelas que gostam de música erudita, não importa, mas está se elitizando

Nessa hora, existe, efetivamente, um choque As pessoas que defendem essa idéia dizem que temos de fazer o trabalho de televisão que as outras não fazem Nossa contra-argumentação é a seguinte: temos que fazer um trabalho para que as pessoas que estão se divertindo com o Ratinho, por exemplo, venham se divertir com alguma coisa que não seja o Ratinho Se o Ratinho finge a idéia de cidadania, temos de ser verdadeiros, e permitir que, de alguma maneira, através da imagem, o espectador adquira a noção do que é cidadania e coisa pública Se há um engodo nas relações sociais propostas pela ficção de várias novelas, nós temos de propor uma ficção que não demonstre esse engodo

Por outro lado, também, não somos nós que temos de estimular a revolução das massas A nossa função, enquanto TV pública, é permitir que a massa deixe de ser massa Esse discurso, claramente ideológica, no entanto, ainda não permeia a TV pública 213 Como, então, podemos fazer essa costura para permitir os sotaques do Brasil, para permitir a diversidade de produção e que, dentro dessa diversidade, possamos ser uma opção de entretenimento e de educação? Que podemos fazer para que sejamos o complemento da formação do cidadão O nosso caminho de TV e para que evitemos, ao máximo possível, qualquer tipo de preconceito ou pública é interagir com de instigação a qualquer ato de violência? parceiros<

Durante os últimos dez anos, algumas pessoas acharam que era possível treinar um executivo num fim-de-semana Colocavam pessoas dentro de um hotel e inventavam exercícios, alguns infantis, outros menos infantis, dentro de uma linha behaviorista Por incrível que pareça, esse tipo de atuação também pode ser usado para o bem, porque também treina as pessoas a fazerem o bem

E nós entendemos, na idéia de rede pública, que tínhamos de montar o behaviorismo do bem, ou seja, fazer Televisão do jeito que o público gosta, mesmo que tivéssemos que nos transformar em dinheiro para custear a produção

Montamos, então, um comitê, que envolve pessoas do Rio Grande do Sul e do Amazonas, por exemplo Ao todo, é composto por seis televisões Esse comitê decide quais programas estão dentro da filosofia de rede pública e quais não estão Esse comitê é o decisor Mandam-se os programas das televisões, dos produtores independentes, e o comitê decide se querem ou não querem exibir o programa

Para que não haja complicações maiores, o comitê não tem o poder de financiar, nem de adquirir esses programas, mas apenas de escolher E um outro comitê gestor, composto das pessoas que efetivamente levantam o dinheiro (geralmente o pessoal da TVE do Rio e da TV Cultura de São Paulo), na medida da conveniência do programa, libera o dinheiro ou não

Pode-se, então, dizer: “Mas o poder econômico está dizendo o que passa e o que não passa?” Em última instância, sim E por que é assim? Porque, do ponto de vista do marketing para a formação de uma rede pública, a missão é muito clara A missão é a formação do público Se estamos transmitindo um documentário de jacaré abrindo a boca, ou se ele está sendo visto pela milésima vez, se estamos apresentando uma dança folclórica qualquer ou um índio tocando apito e se isso, efetivamente, não está dando uma contribuição para a formação do cidadão, porque todo mundo já viu, dizemos: não é essa a idéia da TV pública 214 Agora, quando mostramos o indiozinho, com a sua cultura, com o seu jeito, ensinando a pular amarelinha do jeito que índio faz, que é diferente, isso é TV pública, porque, se bem conduzido e bem narrado, pode incentivar a que uma criança, em Mato Grosso, Goiás, Pernambuco ou Rio também brinque de amarelinha, tendo consciência de que aquela amarelinha é brinquedo de índio

Para nós, também, é muito difícil decidir se estamos simplesmente querendo vender uma coisa que é de um exotismo cultural muito grande ou se, efetivamente, é algo que vai causar impacto no público Surge, então, outro problema: que público queremos atingir?

A TV Cultura é campeã de audiência nas classes A e B, em São Paulo e no Não temos a menor Rio de Janeiro O programa Metrópolis, por exemplo, tem 57% de audiência pretensão de ser um nas classes A e B e mais da metade desse público são pessoas com 40 segundo espelho mágico, anos ou mais Nessa hora, falamos com quem compra passagem de avião de construir dentro do e CD de música erudita, freqüenta o teatro, compra uma roupa melhor e, no imaginário da nação um limite, paga uma grande festa de casamento para a filha Brasil que não existe<

No Vitrine, 47% da audiência pertencem às classes A e B Desse percentual, pasmem, 70% têm 30 anos ou mais de idade No Roda Viva, a coisa é absolutamente impressionante O Roda Viva dá, em média, 1% de audiência, com 70% de classe A, com 70% masculino Ou seja, é um programa que importa, porque qualquer coisa que se diga é ouvida pelas pessoas que importam, isto é, por aquelas que assinam os cheques no dia seguinte

Esse é o quadro vitorioso que temos da TV Cultura hoje Claro, temos um contraponto: o Castelo Rá-tim-bum, com 5% de audiência, é mais normal dentro da distribuição da população As classes A e B são 27% e o restante pertence às classes C, D e E

Conclusão: o Castelo Rá-tim-bum é um programa feito para o Brasil e os outros são programas feitos para muito poucas pessoas, por mais força política que tenhamos ao fazê-los Somos uma TV muito elitizada, não só porque falamos majoritariamente para as classes A e B, mas porque não nos importamos em falar para as classes C, D e E

Esse é o ponto de vista que temos hoje na TV Cultura< Realmente, é muito particular, pois se, claramente, não é de direita, tampouco é de esquerda O caminho é o centro, mas não temos a fórmula para defini-lo Por exemplo, vendemos muito bem Ourocard, mas não falamos com aquele pessoal que 215 está atrás de um balcão Não ajudamos as pessoas, por exemplo, no Vitrine, a usarem melhor o auto-atendimento do caixa automático Não ajudamos as pessoas a entenderem que há uma enorme manipulação quando dizem que o dólar tem de subir ou descer para ajudar a exportação Isso nós não fazemos ainda, mas as pessoas estão acostumadas De alguma maneira, as pessoas gostam de levar susto, de saber que a cesta básica subiu ou desceu

No passado, achávamos engraçado quando alguém dizia que o preço do chuchu desestabilizou a inflação Era uma piada, que pensávamos ser uma mentira de alguém que queria escamotear a realidade Hoje em dia, discutimos por que o preço do chuchu está compondo o índice de inflação Quem come chuchu nessa quantidade tamanha?

É muito difícil, mesmo para nós, definir o que realmente é informação que deve ser levada ao público, o que é informação para formação da cidadania, o que é informação para complementação da educação e o que é simplesmente fala elitizada, sofisticada e balela cultural

É difícil, mas é exatamente esse o caminho que estamos começando a traçar, para consolidar a TV pública Na TV Cultura, o jeito de atuar que encontramos, hoje, para melhor montar a rede pública é tentar resolver ou Queremos dizer: o Brasil tentar entender o que está errado em nós mesmos, fazendo uma espécie de existe< Queremos que você auto-análise da organização acredite que está olhando para a verdade do Brasil e O nosso caminho de TV pública é interagir com parceiros Hoje, por exemplo, tire suas próprias estamos com uma campanha do Ministério da Saúde, com o Dr Dráuzio conclusões< Varela, ensinando uma série de coisas a respeito de saúde, de postura em relação a mecanismos da saúde, postos de saúde etc É algo sofisticado e divertido e, por incrível que pareça, dá audiência mensurável As pessoas ligam a televisão para assistir ao Dr Dráuzio Varela

Exige-se um trabalho conjunto para alcançar essa coisa positiva Primeiro, do próprio Ministério da Saúde, ao pensar uma modificação radical da sua comunicação Segundo, da televisão ao entender que esse tipo de comunicação não pode ser veiculado como um anúncio, mas como um programa Em terceiro lugar, agüentar a repetição do anúncio que parece um programa, durante três, quatro, cinco, seis meses Isso é algo que só a TV pública pode fazer, para mudar o hábito das pessoas No momento em que conseguimos agregar tudo isso, tudo começa funcionar melhor 216 Para resumir tudo o que falamos, imaginemos que moramos numa cidade do interior, daquelas que têm igrejinha, casinha, padariazinha, agênciazinha, tudo “zinho”, em volta da pracinha A pracinha é maior do que todas essas coisas Ali, tudo acontece Os velhos, os jovens e as crianças, conversam à A TV pública que queremos noite, no domingo, no coreto Para financiar o bem-estar da pracinha, é justamente as janelinhas sabemos que é permitido a um grande magazine doar os bancos Isso não das velhinhas ou das vai fazer mal nenhum, porque ele vai escrever nos bancos em vez de plantar crianças ou dos atarefados um out-door no meio da pracinha que não podem ir à pracinha<

A TV pública que queremos é justamente as janelinhas das velhinhas ou das crianças ou dos atarefados que não podem ir à pracinha, mas ficam ali olhando, o tempo todo, para saber o que está acontecendo na pracinha, na vida real da cidade

Não temos a menor pretensão de ser um segundo espelho mágico, de construir dentro do imaginário da nação um Brasil que não existe Não queremos, tampouco, negar a realidade, que é a tentação de quem quer apenas destruir a imagem do espelho mágico Queremos dizer: o Brasil existe É legal Está aí Tem problemas Você pode olhar para eles Queremos que você acredite que está olhando para a verdade do Brasil e tire suas próprias conclusões

217 A FORÇA DA MÍDIA NO INTERIOR Sérgio Rego Monteiro

A revolução da economia digital está fazendo com que toda a mídia É jornalista profissional com repense seu futuro As preocupações passam pela necessidade de se passagem pelo Institut Montana dotar de estrutura multimídia as diversas redações e pela forma também Zugerberg (Suíça) e pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de de multicanais com que a informação deverá chegar aos consumidores/ Janeiro Fez cursos de extensão na leitores Contrariando esta visão moderna, sobrepõem-se as estruturas Universidade de Columbia (Missouri) arcaicas e o despreparo dos profissionais nas empresas de comuni- e no American Press Institute cação (Reston, Virginia) Iniciou sua atividade profissional na redação de “O Globo” onde permaneceu A tecnologia que desembarca em nosso País encontra imenso intervalo durante quatro anos entre o que o estado da arte pode oferecer e a possibilidade ou adequação

Em 1983 ingressou no “Jornal do do profissional de comunicação ao seu uso Com ênfase na mídia impressa Brasil” como Vice Presidente de Marketing Diretor de Marketing e, Importa-se tecnologia hard, mas não se tem o soft adequado para torná- depois, Vice-Presidente Corporativo la mais eficaz e produtiva do Sistema JB, onde lançou o Caderno Informática, o Caderno Mulher E lançou os projetos Historicamente, jornais trilharam um caminho diferente dos demais meios JB-Fortune e JB-The Wall Street como, por exemplo, rádio e televisão Ainda que estes últimos tenham Journal Desenvolveu também o tido uma certa preocupação em buscar formas de definir opinião, se JB on-line situaram na área do lazer e não no da informação pura e simples, como Hoje, além de consultor exerce historicamente a mídia impressa optou por fazê-lo a função de Vice-Presidente de Operações da Rede Anhangüera Jornais cresceram e se viabilizaram como instrumentos do poder de Comunicação (jornais Correio Popular e Diário do Povo, político e econômico Se isso foi parte responsável pelo seu grande de Campinas) desenvolvimento, o foi também pelo desgaste, ao longo do tempo, de sua credibilidade Esta palestra foi proferida em 27/10/2000 O marketing, conceito cunhado no pós-guerra pelos norte americanos, no sentido de sensibilizar a produção do imenso parque industrial existente no esforço bélico e dirigi-lo para o mercado de consumo, chegou tarde às empresas de mídia impressa Chegou tarde também a modernidade 218 administrativa, o que manteve, durante anos, jornais como imensos palácios inchados

Só para se ter rápido exemplo e que merece, apesar da comparação, os cuidados de que são realidades diferentes, jornais norte americanos têm uma relação média de 1,2 jornalistas para cada mil exemplares impressos No Brasil, a proporção chega a três vezes (benchmark da Scripps Howard)

Assim é que somente nos anos 90 no Brasil jornais começaram a se preocupar mais com os leitores e desenhar seu conteúdo através de pesquisas sistemáticas e de ouvir seu consumidor – seja ele leitor ou anunciante – para poder definir o produto de maneira a compatibilizá-lo com as carências e as exigências do mercado

Esta imaginária auto-suficiência, vivida pelos jornais e sua dominância em um mundo em que a mídia eletrônica só ocupou um espaço sólido a partir dos anos 70, criou os vícios e os atrasos que não deixaram a mídia impressa crescer e se adaptar gradativamente a uma nova realidade Jornais cresceram e se viabilizaram como No Brasil, o poder era exercido no eixo publisher (ou dono do jornal) e instrumentos do poder seu editor chefe político e econômico<

Os atritos pela visão de editores independentes criaram ao longo do tempo as curvas cíclicas de troca de comando da redação, na medida em que a direção editorial contrariava os interesses, às vezes legítimos, dos donos

Obter um canal durante grande parte do período de maturação da TV, qual seja dos anos 60 aos anos 80, era sinal claro de sintonia também com um poder maior, o militar Em maior ou menor grau isto era verdade, se não pela concessão inicial, mas pelos desdobramentos necessários de crescimento regional

O exemplo que sinalizava dos jornais das grandes capitais influenciava diretamente a jornais do interior (não-capitais) que exerciam este poder político e econômico da maneira ainda mais direta, pela aproximação do dono à redação, face a estruturas organizacionais menores e, às vezes, a interesses políticos mais determinantes

Desorganizados enquanto empresas, os jornais brasileiros optaram por um caminho mais simples e inadequado durante a época do grande divisor de águas que foi a recessão e a crise do petróleo 219 O nível de incompetência gerencial e a impossibilidade de rever rapidamente seus custos, através da discussão de processos e da modernização da máquina administrativa, desaguaram na solução pelo aumento dos preços de capa e dos preços da publicidade, a níveis incompatíveis com a renda per capta e crescimento da economia

Jornais brasileiros durante muito tempo estavam entre os mais caros do mundo, em termos absolutos, e quase que na liderança, se considerarmos a relação de salário/poder de consumo e as taxas de crescimento comercial/industrial

Comportando-se com arrogância notória vinda do poder político, jornais no Brasil e no mundo, de uma maneira geral, não foram se dando conta da necessidade de se ajustar também às grandes mudanças psicográficas do seu consumidor

Jovens brasileiros não querem mais ser tratados como uma zine de “sexo, drogas e rock & roll” Os jovens hoje têm uma nova realidade no campo profissional e imensas dificuldades de trabalho pelo nível de exigência e de concentração de emprego nesta nova economia

Mulheres em economias em transição como a nossa, ainda que não abram mão das questões de estética e de moda, passaram a ter outras Somente nos anos 90, necessidades pela sua mobilidade no campo do trabalho e pela repercussão no Brasil, os jornais desta nova realidade e exigência, na família e mesmo no âmbito começaram a se preocupar profissional mais com os leitores consumidores e a desenhar Os cidadãos seniores saíram de uma longevidade média de 42 anos nos seu conteúdo através de anos 40, para 74 anos nos anos 90 A cada 10 anos, essa linha se estica pesquisas sistemáticas< por mais três anos Como resultado, a fricção nos casamentos aumentou e os descasados também O segundo e o terceiro casamentos são cada vez mais comuns e não vai demorar a possibilidade de uma segunda aposentadoria

A tudo isso os jornais ignoraram, às vezes com a consciência de compartimentar estes fenômenos em cadernos específicos, mas não se tornando cognitivamente um meio de informação que demonstrasse preocupação mais abrangente com mulheres, jovens e seniores

Isso, juntamente com a arrogância e o excessivo jornalismo de suposição, também afastou leitores da mídia impressa 220 Paralelamente a este fenômeno foi se estabelecendo a dominância da TV e sua multiplicação na penetração regional através de uma rede apenas Isso foi facilitado pelos níveis de analfabetismo e pela pouca identificação da população com a linguagem escrita Esta última restrição foi ainda importada da colonização portuguesa, quando, durante anos, os jornais foram proibidos de circular, ajudada pela dominância da religião católica, de catequização oral Jornais no Brasil e no mundo, de uma maneira Esse fenômeno histórico certamente criou um cenário propício à geral, não foram se dando dominância da TV e, desta, 70% em somente uma rede conta da necessidade de se ajustarem às grandes Importante lembrar que nos Estados Unidos, país de altíssimo desenvol- mudanças psicográficas vimento das comunicações, com igual presença importante na mídia dos seus consumidor< através da TV, os jornais lideram os investimentos publicitários com pequena margem sobre o demais

Essa concentração, suas causas e efeitos impossibilitaram durante anos o crescimento da mídia impressa no interior

Hoje, em auditoria feita pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), os jornais das capitais brasileiras representam 3859838 exemplares diários contra 4182446 em todo o Brasil Ou seja, existem apenas 322610 exemplares circulando auditados em todo o interior (excluídas as capitais)

O fato de não estar filiado ao IVC também constitui elemento inibidor do crescimento do mercado do interior Agências e anunciantes exigem comprovação de circulação para investir em suas programações publicitárias

Dos dez maiores jornais, que representam 2604733 exemplares diários, (ou 62% do total) sete estão concentrados entre Rio e São Paulo e três grupos (Folha de S

Uso apenas os números conferidos/auditados pelo IVC, pois do contrário teria uma visão totalmente distorcida, pela absoluta falta de confiança nas informações dos jornais não-auditados

Se o crescimento da TV foi a principal causa de um destronamento da mídia jornal, o seu desenvolvimento por novos nichos de canais pagos foi também uma razão que trouxe nova perspectiva à regionalização 221 A tendência de segmentação pela fantástica possibilidade trazida através da revolução digital atomizou e diminuiu a capacidade da TV de se Se o crescimento da TV foi relacionar com a massa de espectadores a principal causa de um destronamento da mídia Junto a isso, os jornais também acordaram para a necessidade de sintonia jornal, esse foi, também, fina com seus públicos e de uma adequação rigorosa de custos a uma um fator que trouxe novas nova realidade de mercado Preços, malgrado a correção cambial de perspectivas para a 99, ainda são altos, em níveis absolutos e internacionais, e imen- regionalização da mídia samente fora da realidade, quando são comparados os dados impressa< econômicos relativos aos países de primeiro mundo com o produto jornal brasileiro

O crescimento da Internet e a segmentação por nichos de audiências conduzem para um raciocínio claro de que mídia vai se tornar algo cada vez mais compartimentado, seja pelo gosto (mais selecionado pelo estilo de vida do que por classe econômica), seja pela geografia

Todo o esforço que se percebe nesta nova economia de “marketing um a um” é pelo reconhecimento e pela identificação de consumidores Cadastro passa a ser algo essencial, pois abre uma perspectiva imensa de canalização da informação e de ofertas comerciais

Junto a esse fenômeno, “conteúdo” passa a ter um valor preponderante, na medida em que se sabe que a multiplicação de meios exigirá massa critica de matéria-prima informação

Os jornais novamente se situam muito bem nesse panorama, e jornais de cidades menores, mais ainda

De uma estratégia de all the news fit to prin, que é o lema do New York Times, considerado o melhor, mais importante e completo jornal do mundo, passamos para um conceito de all the news fit do disseminate De um conceito de mero impressor de informações, passamos para um conceito de “Usina de Informação, ou seja, a mudança de produtor de conteúdo de informação para o uso em um canal apenas (jornal) para de amealhador, mantenedor e disseminador de informações por meios múltiplos”

Os jornais podem fazer isso com maestria pela diferença competitiva que têm com outros meios pelo fato de ser uma atividade não linear, como a TV e o Rádio 222 O ajuste da matéria-prima impressa para áudio e complementação por vídeo é mais rápido do que a dos outros meios para a atividade impressa

Mas o tema é de jornais do Interior e do seu futuro e pouco foi abordado neste aspecto até agora Não se pode examinar jornais do interior sem passar pelo contexto da mídia como um todo e da mídia impressa em particular

Jornais do Interior têm uma perspectiva extraordinária se puderem vencer alguns obstáculos, como:

• Adequar-se rapidamente à tecnologia

• Cunhar suas marcas de maneira indelével e multiplicá-las por outros canais, com ênfase na Internet, compreendendo que irá ocorrer a convergência de todos os meios no tempo e que fronteiras de mercado serão cada vez mais ameaçadas

• Investir em treinamento de pessoal da redação, de gerência e de marketing Um aspecto que beneficia e defende os jornais do • Entender que, dependendo da proximidade com as capitais, suas interior é o interesse dos cidades se tornarão, no tempo, cidades-dormitório, tendo que se leitores em receber defender da invasão conseqüente dos jornais das capitais em seu informações que tenham território alta relação com seus estilos de vida< • Para minimizar o impacto dessa competição deverão se tornar extremamente ágeis e ter excelência de conteúdo

• Deverão procurar sinergia e economia de escala na operação, através de cooperação com jornais não-concorrentes e de regiões próximas, para captação de notícias, associação, fusão, distribuição ou parceria para fins comerciais

Um aspecto que beneficia e defende os jornais do interior é o do interesse dos leitores em receber informações que tenham alta relação com seus estilos de vida Assim é que a comparação do interesse do consumidor dos grandes jornais das capitais difere um pouco dos leitores do interior, mais simples e menos sofisticados no que se refere às exigências de “mix editorial” 223 Igualmente os beneficia a tendência de atrair mais verba publicitária para a mídia impressa, ao contrário do que acontece nas grandes capitais Em parte, isso se explica porque as empresas emissoras distribuem a publicidade nacional no conceito net e retém para si este resultado, permitindo a contabilização/retenção do conceito spot para as emissoras de TV do interior A verba menor e o pouco tempo que as TV-Regionais podem dedicar a assuntos locais dão um formato pasteurizado às suas programações, de pouca identidade com a comunidade

Uma exceção à regra, ainda que engessada pelo tempo disponível de As grandes capitais se cobertura regional, é a TV RBS no Rio Grande do Sul saturam de informação e o crescimento de cidades Assim é que a mídia impressa no interior enfrenta o seu grande desafio e menores e de suas oportunidade economias se constitui em reserva saudável para Isso acontece na medida direta em que as grandes capitais se saturam ampliar leitores e de informação e o crescimento destas cidades menores e de suas anunciantes< economias se constitui em reserva saudável para crescimento de leitura e comercial

Transfere-se para essas cidades a visão multiplicadora que os jornais de capitais tiveram, pois suas áreas de influência primária crescem e cresce também a necessidade – que será contínua e exponencial – da produção de conteúdo local para proporcionar a consistência da expansão multimeios

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