O Nordeste Nas Novelas Da Rede Globo: 1965–1975*

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O Nordeste Nas Novelas Da Rede Globo: 1965–1975* O NORDESTE NAS NOVELAS DA REDE GLOBO: 1965–1975* Andréa Cardoso Nunes** Jacqueline Lima Dourado*** RESUMO O presente trabalho reconstitui os modos de apropriação dos elementos folkco- municacionais e de representação da cultura e do povo nordestinos pelas novelas produzidas pela Rede Globo no período entre 1965 e 1975. Baseando-se na economia política da comunicação, analisa o desenvolvimento técnico e estético das produções midiáticas cujo enredo ambienta-se no Nordeste, discutindo suas principais características – vinculando-as às fases do desenvolvimento da TV no Brasil – e sua relação com a construção de um padrão tecnoestético hegemônico pela emissora. Palavras-chave: Novelas – Nordeste – Rede Globo. ABSTRACT This paper retraces Globo Network’s modes of appropriation of folk com- municational elements and the representation of the Northeastern culture and people in the soap operas produced in the period between 1965 and 1975. Based on the political economy of communication, it analyzes the technical and aesthetic development of media productions whose plot takes place in Northeast Brazil, discussing their main features – linking them to the phases * Trabalho apresentado ao GT 3 - Conteúdos da Folkcomunicação da XV Conferência Brasileira de Folkcomunicação – Festas juninas na era digital: da roça à rede ocorrida em Campina Grande (PB) de 6 a 8 de junho de 2012. ** Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí. Inte- grante do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Economia Política e Diversidade” (COMUM). Bolsista Pibic – CNPq (Teresina, Piauí). E-mail: [email protected]. *** Jacqueline Lima Dourado, orientadora deste trabalho, é doutora em Ciências da Comuni- cação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (PPGCOM-UFPI). É pesquisadora e líder do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Economia Política e Diver- sidade” (COMUM/UFPI) e membro do Grupo de Pesquisa Cepos (apoiado pela Ford Foundation). E-mail: [email protected]. Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 16 n.16, p. 157-172 jan/dez. 2012 158 Anuário unesco/MetodistA de coMunicAção regionAl • 16 of TV development in the country – and its relation to the broadcaster’s construction of a hegemonic techno-aesthetic standard. Keywords: Soap Operas – Northeast Brazil – Globo Network. No ano de 1967, ao defender, na Universidade de Brasília, a tese Folkco- municação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias (BELTRÃO, 2001), Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918 – 1986) inaugurou o campo de estudos da folkcomunicação, definida por ele como “o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, idéias e atitudes da massa, através de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore” (BELTRÃO, 2001, p. 79). Em Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias, Beltrão observa na sociedade brasileira da época (1967) “uma dicotomia ética e cultural entre as elites intelectuais e dirigentes e a massa rural e urbana marginalizada” (BELTRÃO, 2001, p. 59), ou seja, havia uma discrepância entre os veículos de comunicação e as linguagens utilizadas por essas classes, o que prejudicava o diálogo entre elas. Nesse cenário, as populações marginalizadas, ou seja, aquelas “que não se utilizavam dos meios formais de comunicação” (LUYTEN apud MARQUES DE MELO, 2001, p. 8) dependeriam dos agentes folkcomunicacionais, que se encarregariam de “traduzir” os conteúdos midiáticos para uma linguagem inteligível e difundi-los por meios alternativos ligados direta ou indiretamente ao folclore, pois, embora a comunicação coletiva seja, tecnicamente unilateral, os receptores na verdade alimentam o diálogo, utilizando outros meios mecânicos para manifes- tar a sua reação, que não se reclama seja necessariamente em palavras. Porque a resposta à mensagem, na comunicação coletiva, não é discussão, mas ação. (BELTRÃO, 2001, p. 53). Para Beltrão, o folclore era uma expressão dinâmica que, apesar de fundada na tradição, era capaz de transmitir mensagens de conteúdo atual. Em um momento inicial, os estudos em folkcomunicação buscaram investigar os agentes folkcomunicacionais e os meios pelos quais o povo comunicava-se e expressava suas opiniões e tomaram por objetos de análise o repente, os folhetos de cordel, os almanaques, calendários, livros de sorte, ex-votos, artesanato, festas e danças populares, dentre outros. De 1967 à atualidade, o Brasil sofreu significativas mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais. O fim da ditadura militar, o intenso pro- cesso de urbanização, a abertura econômica, o surgimento de novas mídias, O NORDESTE NAS NOVELAS DA REDE GLOBO: 1965–1975 159 o desenvolvimento de programas de distribuição de renda, dentre outros fatores, alteraram o raio de influência dos meios de comunicação. Se em 1960 havia televisores em menos de 5% dos lares brasileiros e rádios em apenas 24% deles, uma década depois esses números subiriam para 24% e 59%, respectivamente. Na década de 1980, em 56% dos domicílios havia TV e em 83% deles, rádio; em 1990, em 73,3% havia TV e 84,3%, rádio. Em 2001, havia televisão em 89% das casas e rádio em 88% delas. Em 2009, esses índices subiram para 96% e 88,1%, respectivamente. A partir da análise dos percentuais anteriormente expostos, observa-se um aumento significativo do alcance dos meios de comunicação social. Pode- -se inferir, a partir dessa constatação, que uma parte significativa da popu- lação descrita por Luyten como marginalizada, ou seja, que não se utilizava dos meios formais de comunicação, foi incorporada ao público da indústria cultural, forçando essa indústria a adaptar-se aos novos espectadores. A linguagem da mídia, antes ininteligível, passou a incorporar elementos da cultura popular e do folclore. Os personagens das narrativas construídas pela indústria cultural – sejam tais narrativas relatos jornalísticos ou pro- duções ficcionais – foram aproximados da realidade e buscaram ser uma representação do povo. Os meios tradicionalmente utilizados pela folkcomunicação subsistem. Mas os fluxos entre o popular, o erudito e o massivo tornam-se cada dia mais dinâmicos, resultando na dissolução das fronteiras entre esses tipos culturais. A dinamização desses fluxos culturais, além de alterar a linguagem, os temas e formatos dos conteúdos transmitidos pela mídia, incorpora aos meios folkcomunicacionais elementos e técnicas advindas da indústria cultural. Nesse sentido, observa-se desde a utilização de novas técnicas de edição nos folhetos de cordel em substituição às xilogravuras e tipografias primitivas e a incorporação de elementos folkcomunicacionais às narrativas de jornais, telejornais, telenovelas, filmes, dentre outros produtos midiáticos, à utilização da internet como meio de divulgação de práticas folkcomunicacionais, como o cordel, o repente, o artesanato, a culinária regional, e de interação entre agentes folkcomunicacionais. Em relação ao desenvolvimento do campo de investigação da folkco- municação, Marques de Melo afirma que: As novas correntes de estudiosos da folkcomunicação percorrem fluxo inverso àquele originalmente concebido por Luiz Beltrão. O fundador da disciplina privilegiou os autênticos processos folkcomunicacionais, bem como a folkmídia enquanto recodificadora das mensagens previamente veiculadas pelos mass media. Seus jovens discípulos procuram desvendar de que maneira a Folkcomunicação Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 16 n.16, p. 157-172 jan/dez. 2012 160 Anuário unesco/MetodistA de coMunicAção regionAl • 16 atua como retroalimentadora das indústrias culturais, seja pautando matérias jorna- lísticas, gerando produtos ficcionais, embasando campanhas publicitárias e de RP ou invadindo os espaços de entretenimento. (MARQUES DE MELO, 2001, p. 7). Sob a perspectiva descrita por Marques de Melo, o presente artigo visa reconstituir os modos de apropriação dos elementos folkcomunicacionais e de representação da cultura e do povo nordestinos pelas novelas produzidas pela Rede Globo pela da análise das sinopses, vinhetas de abertura e cenas de capítulos dos produtos midiáticos em discussão. Buscando uma melhor compreensão do contexto político, econômico e cultural do período em que foram criadas as produções analisadas, utilizar-se-á a divisão desenvolvida por Mattos (2002), que classifica o desenvolvimento da TV no Brasil em seis fases: elitista (1950-1964), populista (1964-1975), desenvolvimento tecnológico (1975-1985), transição e expansão internacional (1985-1990), globalização e TV paga (1990-2000) e convergência e qualidade digital (a partir de 2000), elegendo para o presente estudo as novelas exibidas entre 1965 e 1975. Baseando-se na economia política da comunicação, definida por Mos- co como o “estudo das relações sociais, em especial das relações de poder que constituem a produção, distribuição e consumo de recursos, incluindo os recursos da comunicação” (1999, p.98 ), analisamos o desenvolvimento técnico e estético das produções midiáticas cujo enredo ambienta-se no Nordeste, discutindo suas principais características, relacionando-as às fases do desenvolvimento da TV no Brasil e sua relação com a construção de um padrão tecnoestético1 hegemônico pela emissora. A primeira parte do artigo, “Breves considerações sobre o desenvolvi- mento técnico
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