PAULA SCHLATTER HASENACK

Relação história, corpo e moda: um olhar sobre a moda íntima feminina dos anos 80 e hoje

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Comunicações e Artes Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo Curso de Especialização em Estética e Gestão de Moda São Paulo Maio de 2016 PAULA SCHLATTER HASENACK Relação história, corpo e moda: um olhar sobre a moda íntima feminina dos anos 80 e hoje

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento parcial às exigências do Curso de Especialização, para obtenção do título de Especialista em Estética e Gestão de Moda, sob a orientação do Prof. Dr. Eneus Trindade.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Comunicações e Artes São Paulo Maio de 2016

PÁGINA DE APROVAÇÃO

RESUMO O objetivo desta monografia se dá na comparação entre a história, o corpo e a feminina, com um olhar sobre publicidades dos anos 1980 e atuais. A metodologia aplicada inclui a identificação, análise do discurso, da ideologia publicitária e do consumidor seguindo os princípios de Jean Marie Floch, análise do Ethos e Pathos, análise figurativa e temática, análise da ideologia do discurso das marcas e o senso de moda e corpo. Ao compararmos as imagens, que a maioria das publicidades ilustra o perfil feminino como branco e esbelto, excluindo, assim, diversos outros tipos de silhueta. A conclusão se dá nas considerações sobre o ideal de belo nos dias de hoje. Seriam as imagens publicitárias o ideal de beleza perfeito da época?

Palavras-chave publicidade, mulher, moda, lingerie, corpo. ABSTRACT The purpose of this monograph is the comparison between history, body and lingerie, with a look at advertising of the 1980s and today. The methodology includes identifying, and analyzing the discourse, analysis of the advertising and consumer’s ideology according to Jean Marie Floch, Ethos and Pathos analysis, figurative and thematic analysis of the discourse ideology of brands and the sense of fashion and body. By comparing the images, that most advertising illustrate the female profile as white and slender, excluding, thus, many other silhouette types. The conclusion is given in consideration of the current ideal of beauty. Are the advertising images the perfect ideal of beauty at times?

Keywords advertising, woman, fashion, lingerie, body. Lista de Figuras

Figura 1 - Criações de Zuzu Angel com caráter bélico...... 17 Figura 2 - Boate Dancin’ Days...... 20 Figura 3 - Corpo idealizado dos anos 20...... 23 Figura 4 - Dançarinas do Moulin Rouge da década de 20...... 24 Figura 5 - Corpo idealizado da década de 30...... 25 Tabela 1 - Comparação entre causas de óbitos...... 26 Figura 6 - Modelos dos anos 40...... 27 Figura 7. Consumidoras assistem a desfile de lingerie...... 28 Figura 8. A. Marilyn Monroe ; B. Audrey Hepburn ...... 29 Figura 9. Ilustração de pin up...... 30 Figura 10. Twiggy em ensaio fotográfico...... 31 Figura11. A. Mulheres na praia ; B. Jane Fonda, modelo fitness...... 32 Figura 12. Kate Moss...... 34 Figura 13. Mulheres ideais em 2016...... 35 Figura 14. A. Modelo utilizando camiknickers. B. Modelo utilizando camisola. C. Dançarina com espartilho...... 37 Figura 15. Modelo veste lingerie com transparência...... 38 Figura 16. A. Modelo utiliza espartilho. B. Marilyn Monroe posa para ilustrador de pin ups...... 39 Figura 17 A. Modelo aparece com lingerie e meias calças B. Bettie Page pousa para pin up com sensuais. C. Jayne Mansfield aparece com seios proeminentes...... 40 Figura 18. A. Modelo aparece com lingerie estampada. B. Modelo utiliza lingerie estruturada com detalhes de renda. C. Modelo utiliza camisola com tecido leve e babados aplicados...... 41 Figura 19. BraBurners em protesto nos Estados Unidos ...... 42 Figura 20. A. Capa do disco Roxy Music; B. Modelo mostra o estilo de lingerie dos anos 70; C. Modelo usa lingerie com aplicação de rendas...... 43 Figura 21. A. Madonna utiliza corpete dourado em seu tour Blond Ambition; B. A cantora Cher utiliza figurino provocante em seu show...... 44 Figura 22. Kate Mossa estrela campanha de Calvin Klein...... 45 Figura 23. Eva Herizgova aparece em campanha de lingerie...... 46 Figura 24. A. Heidi Klum em desfile da Victoria’s Secret; B. Dita Von Teese relembrando o glamour dos espartilhos; C. Kate Moss utiliza lingerie provocativa ...... 47 Figura 25. Publicidade de Valisère ...... 50 Sumário

Introdução ...... 11 1 História e moda dos anos 80 no Brasil ...... 15 2 História do corpo e da lingerie ...... 23 3 A publicidade nos anos 80 e hoje ...... 48 Considerações finais ...... 70 Bibliografia ...... 73 !11

Introdução

A moda, muito mais do que uma indústria de confecção, é uma forma mutável de agir e de se expressar. Ela representa os ideais de uma sociedade em um certo período, mostrando através de tecidos, estampas e silhuetas o que foi pensado, sentido e almejado em um certo momento da história. Ela é uma manifestação não planejada do instante, um apanhado de sentimentos que se materializa em araras e se torna um desejo de consumo e de expressão. Ao analisarmos um certo período, como em um quebra cabeça, podemos unir diversos detalhes, a principio insignificantes, e criar uma retórica completa. Como a economia, as pessoas, os desejos se relacionavam? Como podemos estabelecer um paralelo entre a política, a moda e o corpo? Ora, se o genealogista tem o cuidado de escutar a história em vez de acreditar na metafísica, o que é que ele aprende? Que atrás das coisas há “algo inteiramente diferente”: não seu segredo essencial e sem data, mas o segredo que elas são sem essência, ou que sua essência foi construída peça por peça a partir de figuras que lhe eram estranhas. (Foucault, 2015, p. 58)

Cada peça da evolução da moda está ligada ao seu período histórico. Assim como na história da arte ou arquitetura, devemos estudar um período para compreender a razão pela qual uma sociedade desejava um determinado estilo e uma peça de roupa se tornava um desejo de consumo. Podemos fazer semelhante afirmação sobre o modelo ideal de corpo feminino? Como se dá a relação entre a história, os eventos pelos quais a sociedade foi submetida, e a forma perfeita, almejada pelo público? Podemos presumir que todas as alterações de ideais sofridas pela humanidade se dão por meio do poder. Segundo Foucault (2015), o poder não existe como uma forma simples e absoluta; ao contrário, se manifesta apenas através de trocas e relações entre os envolvidos no seu exercício. O que podemos deduzir desta afirmação quando relacionamos este pensamento à evolução de padrões estéticos e da moda? Ao analisar a evolução da história e seus diversos desdobramentos, reconhecemos diversas mutações na forma de pensar, agir e vestir. Estes novos ideais estão, sem dúvida, alterando o que desejamos consumir, mas estariam modificando também nossos paradigmas estéticos? O corpo é o suporte para nossa vida e sua forma e estado modificam nossas ações e !12 sentimentos. Temos um modelo de beleza ideal a ser alcançado e este é alterado ao longo dos anos, seguindo as últimas tendências ditadas pela moda. Se pensarmos no corpo como um objeto histórico, ao invés de uma manifestação física de nosso ser, temos a possibilidade de analisá-lo, junto com seus desdobramentos. Na obra trilogia de Courbin (2012), compreendemos esta evolução física estética relacionada à história da arte, da medicina, da religião, da sexualidade e dos gêneros. Estudando a sua evolução e todos os seus desdobramentos e importância, podemos compreender melhor o que o corpo significava em determinada época. Na obra do autor também percebemos como os corpos estão intimamente ligados às mudanças ocorridas nos períodos, como o modo como nos exercitamos e nos relacionamos, a evolução tecnológica, e as guerras no mundo alteram nossa percepção sobre as formas físicas. Com a constante metamorfose do suporte da roupa, as criações também devem ser alteradas para atender este novo formato e ressaltar as formas desejadas. Se uma mulher nos anos 50 almeja ter um corpo similar à Marilyn Monroe, curvilínea e sedutora, como deve ser o vestuário da época? Já nos anos 90, o heroin chic simbolizava a forma perfeita e todos queriam ser cada vez mais magros, com ossos aparentes. Como os formatos, tecidos e estampas evoluíram para atender a demanda desta nova geração de consumidores? E o movimento inverso? Como a moda altera o nosso corpo e o modo como vivemos? Ao compreender a evolução do corpo ideal, podemos assimilar como se dá a modificação da moda no mesmo período. Entendendo o contexto histórico específico, suas implicações e as vontades de uma população, percebemos o que um indivíduo desejava para si e para seus similares e, portanto, como se expressava. A comparação destes três pilares nos possibilita compreender a vida e desejos de uma pessoa real em determinada época, um passo importante para compreender o passado, entender o presente e planejar o futuro. Para ilustrar estas mudanças através do tempo, iremos recorrer à publicidade que, por muitas vezes, se apresenta como a melhor ilustração do que ocorreu em um determinado período. Para a análise comparativa dos mesmos assuntos, relacionaremos a propaganda de moda íntima feminina dos anos 80 com a atual, a fim de estabelecer uma comparação sobre as alterações sofridas. Para esta observação, as seguintes marcas brasileiras foram selecionadas: Valisère, com a publicidade de 1984, que trás referências não apenas do corpo desejado, como também da necessidade de reafirmação da força feminina, do domínio !13 masculino, da influência de tendências internacionais e do visual atlético da época; a marca Triumph, de 1982, que ilustra um outro tipo de mulher, mas que traz questões similares às da Valisère: objetificação do corpo feminino e o seu papel estereotipado na sociedade, além de debater questões como sexualidade, comportamento e visual desejado pelo público alvo. Estabelecendo um contraponto entre a publicidade da década de 80, a campanha da marca Duloren, de 2015, é um exemplo da evolução do conceito de atitude feminina. Esta demonstra um avanço no modo como a sociedade enxerga a mulher atualmente, deixando de ter um papel objetificado para assumir uma voz ativa, alguém que compreende o sistema político atual e possui uma opinião sobre ele. A mulher ainda apresenta um padrão estético absolutista, uma vez que mostra uma modelo perfeita, porém defende que ela não é apenas um suporte para a roupa, mas é também é uma parte importante da sociedade. A última imagem é a da marca Hope, também de 2015. Nela, a mulher não é apenas apresentada como um corpo, mas trazendo referências externas à imagem. Gisele Bündchen, estrela da campanha, aparece com destaque em sua personalidade, levando para a marca todos os conceitos a ela associados. Para a compreensão dos anos 80 e de sua publicidade relacionada aos tempos atuais, uma análise semiótica será traçada. O protocolo metodológico inclui a identificação, análise do discurso, análise da ideologia publicitária e do consumidor segundo Jean Marie Floch, análise do Ethos e Pathos, análise figurativa e temática, análise da ideologia do discurso das marcas e o senso de moda e corpo. No primeiro capítulo, iremos compreender a história do Brasil e da moda. Observando os fatos que ocorreram no país na década de 80 e os acontecimentos que levaram ao fim da ditadura militar, traçamos uma linha do tempo para os acontecimentos que se desdobraram na indústria da moda e influenciaram o comportamento e o pensamento da sociedade brasileira. O capítulo seguinte aborda a evolução do corpo e da lingerie com caráter universal, baseando-se na obra de Jean Jacques Courtine (2012). Este autor traça uma retórica sobre a relação da silhueta com eventos exteriores, como guerras, esportes e tecnologia de cada época. O papel da moda íntima se liga às formas consideradas ideias, uma vez que o formato corporal é modelado através de vestes íntimas, auxiliando o público a alcançar o formato considerado perfeito. !14

Com base nas discussões traçadas nos dois primeiros capítulos, o último consiste da análise de peças publicitárias, duas da década de 80 e duas imagens atuais. Como podemos descrevê-las, interpretá-las, e como estas se assemelham e se distanciam? Seguindo a metodologia descrita, desmembramos as figuralizações e procuramos entender sua relação com cada período. Finalizando a pesquisa, são feitas considerações finais no último capítulo. Nele, o questionamento do belo é abordado e concluímos que a indústria da moda se encontra desatualizada. Não seria esta a hora de uma mudança? !15

1 História e moda dos anos 80 no Brasil

O que pode ser diferente entre um período e outro na história? O que caracteriza uma época? Podemos pensar em diversos indícios a fim de determinar como se dá a relação entre um período histórico (como as pessoas agiam, se organizavam, se locomoviam, quais eram os materiais e a tecnologia a seu dispor, o período político e econômico) e o corpo. Como uma época se materializa e entra na cadeia produtiva, se tornando um desejo de moda, e, mais ainda, como estes fatores mudam o modo como as pessoas desejam que seja sua silhueta? Para entender a relação história e corpo, analisaremos os anos 80, especificamente no Brasil, a fim de compreender como o momento sociopolítico alterou a percepção de objeto de beleza e a moda no país. Um dos mais importantes momentos históricos mundiais estava acontecendo nesta época: a Guerra Fria (1945-1991). Marcada por estratégias políticas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a então União Soviética, a disputa psicológica representava a rivalidade entre países capitalistas e socialistas totalitários. Evitando um conflito nuclear, as duas maiores potências globais guerrearam indiretamente, apoiando batalhas regionais e disputando alianças políticas. Apesar de o Brasil não participar diretamente do movimento, os desdobramentos foram importantíssimos para a história de nosso país. Quando João Goulart, o então presidente nacional, passa a apoiar ideais soviéticos, o apoio dos Estados Unidos aos grupos contrários, os militares, é estabelecido. O incentivo americano fez com que a crise política nacional se agravasse e, em 1964, ocorreu o golpe político, marcado pela tomada do poder por militares e a instauração da ditadura, que duraria até 1985. Após o golpe, o Brasil se alia com a superpotência americana, recebendo e concedendo apoio às suas causas. Após a tomada do Congresso Nacional por militares, o então presidente João Goulart permaneceu em território brasileiro até o dia 2 de abril de 1964, quando partiu para o exílio no Uruguai. Neste dia, o congresso declarou que a presidência da república estava vaga e deu posse ao presidente da Câmara dos Deputado, Ranieri Mazzili, que permaneceu no cargo até 15 de abril de 1964. Sua posição era decorativa, tendo em vista que o poder era exercido por ministros militares. !16

Durante os anos de ditadura, o país teve diversos governantes que instauraram Atos Institucionais como instrumentos de repressão aos opositores. Associações civis foram fechadas, greves proibidas, mandatos políticos cassados, partidos políticos foram extintos, e, por fim, eleições indiretas para a presidência da República foram instituídas. Um dos mais importantes períodos da ditadura foi denominado “linha dura”, marcado por perseguições políticas e confrontos entre manifestantes pró comunismo e militantes de esquerda. Apesar da repressão e dos conflitos, o país crescia, chegando a ter o maior índice de desenvolvimento da América Latina. Este progresso foi anunciado à população como o “milagre econômico” e marcou a abertura das portas brasileiras para o capital estrangeiro, incentivando empresas multinacionais a se instalar em território nacional e grandes fazendeiros a produzir para a exportação. Estas mudanças levaram o índice de desnutrição do país a aumentar de 1/3 para 2/3 e sufocaram as pequenas e médias empresas nacionais. O descontentamento da população aumenta ainda mais. Em 1974, Geisel assume o poder em um período de ajuste e redefinição de prioridades. Durante seu mandato, o “milagre econômico” entra em decadência e encontra seu fim. Junto ao crescimento da dívida externa e aos altos juros internacionais, a ascensão de Jimmy Carter, o primeiro presidente desde Kennedy a não declarar seu pleno apoio a regimes anticomunistas, à Casa Branca, contribuiu para o fim do período de crescimento brasileiro. Durante seu tempo no poder, o governante brasileiro inicia uma lenta preparação para a volta da democracia: Atos Constitucionais passam a ser revogados e a anistia é instaurada. Emerge na população um movimento a favor da democracia. Em 1983 o movimento “Diretas Já” reúne mais de 1,5 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, para exigir seu direito de voto, mas, apesar da pressão popular, as eleição diretas não são instauradas neste momento. O manifesto servem como um marco que demonstra o poder da população unida. Com a insatisfação, o final da ditadura se torna o período mais violento da época, com censura, violência, prisões e torturas. O fim da ditadura se dá no dia 15 de março de 1985 e foi marcado pela reinauguração das emendas constitucionais, entre elas a eleição direta para presidente em dois turnos, o direito de voto para analfabetos, a liberação da existência de partidos comunistas oficiais, a votação de prefeitos de forma direta e, por fim, a representação no congresso nacional por três senadores e oito deputados federais do distrito federal, acabando com a fidelidade !17 partidária. Durante este momento político, a mentalidade da população brasileira foi moldada, deixando sequelas por diversos anos que estavam por vir. Ter seus direitos revogados e viver com medo de repressões mudou a sua identidade. Grande parte dos intelectuais da época foram para o exílio, deixando sua pátria órfã de pensamentos e criatividade. Com a repressão, as discussões e os questionamentos formam barrados e o desenvolvimento intelectual ficou estagnado por anos, escondido no silêncio imposto. Na moda, a principal personalidade durante o período foi Zuzu Angel. Nascida Zuleika de Souza Netto, foi uma estilista brasileira e mãe do militante Stuart Angel Jones. Com desfiles no Brasil e no exterior, possuía uma marca que levava o seu nome. Em 1971, seu filho foi torturado e morto, dando início a uma guerra entre a estilista e o regime para a recuperação do corpo. Com o envolvimento dos Estados Unidos, país do pai de seu primogênito, Zuzu se posicionou politicamente através de suas coleções, estampando manchas vermelhas, pássaros engaiolados e motivos bélicos (Fig. 1). O anjo, sua logomarca, aparecia ferido e amordaçado em suas criações, se tornando um símbolo da morte de seu filho. Sua luta ganhou proporções internacionais, levando a guerra contra o regime militar para jornais do mundo. O fim de sua busca se deu com sua morte em um acidente de carro que foi dado com acidental, mas que deixou indagações.

Figura 1 - Criações de Zuzu Angel com caráter bélico.1

1 Disponível em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,exposicao-reune-mais-de-400-pecas-de-zuzu-angel- estilista-que-combateu-a-ditadura,1144630; acesso em março 2016. !18

No Brasil pós-ditadura, a moda foi marcada pelo crescimento do setor de jeans, uma influência clara do estilo e estética dos Estados Unidos. Estilistas de renome de outras épocas perdem sua força e abriram espaço (a contragosto) para o crescimento de marcas de viés mais popular. O final da década de 1970 e o decênio seguinte consagram o prêt-a-porter e sepultaram de vez os sonhos dourados da geração pioneira de costureiros brasileiros, surgidos nos anos 1960, tendo Clodovil como seu último porta-voz, empenhado na construção de uma entidade de alta moda - a Aambra - afinal, de vida curtíssima e realizações ainda menores. Transitamos, sim, do glamour estilista da alta moda para uma produção consistente de roupa em série - com ou sem grife - para muito além do polo inicial de prêt-a-porter que havia feito fama no Rio de Janeiro na década de 1970. (Braga, Prado, 2011, p. 406)

Um encontro de estilistas em 1976, liderado por Denner Pamplona de Abreu, desejava redigir um ofício com reivindicações da categoria. As queixas se dirigiam à concorrência, que “roubava” costureiras e abria butiques, aos licenciamentos estrangeiros que invadiam o país e a falta de escolas profissionalizantes para o setor. “Há 28 anos inventei a alta costura brasileira e não vou deixá-la morrer, de maneira alguma” (Gonçalves e Di Marco, 1976), afirmou Dener. Apesar dos protestos, o rumo da moda no país já estava traçado e o destino dos grandes costureiros da dita alta costura não tinha força em relação às marcas que passavam a dominar o mercado. O período foi representado pelas maiores empresas de jeans no país: Zoomp e Forum, enquanto diversas marcas de denim encontraram seu apogeu e sua decadência: Gledson, Fiorucci e Soft Machine passaram da febre ao esquecimento na mesma década, deixando apenas as duas primeiras em uma batalha pela preferência dos consumidores. As marcas, com a força da publicidade e com o crescente aumento do fenômeno de consumo de massa urbano, viveram o apogeu da moda jovem que se tornou hegemônica e foi representada pelo jeans, camisetas, roupas sociais, bermudas e tênis. No comércio, as butiques de rua começam a disputar a atenção do público com as lojas de visual padronizado dos shoppings. O movimento teve seu início em 1966, quando o primeiro shopping foi inaugurado em São Paulo por Alfredo Matias. O Iguatemi, situado na !19

Avenida Faria Lima, fez com que os paulistanos descobrissem um novo modo de comprar: em um ambiente fechado, climatizado e com opções de lojas e restaurantes a sua disposição. A década de 70 é considerada a fase de infância do setor, quando o número de empreendimentos chegou a sete, e, na próxima década, já expandindo para trinta e nove opções de estabelecimentos no país. Junto com o aumento desta opção de consumo no Brasil, vemos a instalação de grandes magazines, como a rede holandesa C&A que em 1976 inaugurou sua primeira loja no Shopping Ibirapuera, em São Paulo. Mais uma vez, as marcas roubam o espaço antes defendidos pelos estilistas de alta costura e massificam a forma de consumo. Com a abertura ao capital estrangeiro, com o fim da ditadura, começamos a ver a influência de países dominantes no Brasil, além da instalação das redes de fast fashion. O termo yuppies, sigla para young urban professional people, passa a ser usado para descrever uma geração que idolatra o trabalho de escritório e, visualmente se expressa com paletós de largas ombreiras (para homens e mulheres), sobrepostos a calças clássicas de pregas no cós e bolso faca, tailleurs acinturados, macacões justos e, dentro da linha esportiva, leggings, moletons, collants, fuseaux e conjuntos para jogging. Junto com a estética dos jovens empresários, a década de 80 foi marcada pela importância dos tecidos, sendo muitas vezes mais relevantes do que a forma ou comprimento de uma peça. Seu peso, composição, caimento e visual passaram a impor a modelagem e direcionar as criações dos estilistas. Com ares futuristas e brilhos na superfície, o vinil, plastificados, emborrachados, metalizados e resinados, assim como os tecidos com stretch, que evidenciam o corpo na era fitness, eram o ponto focal da moda. A contra tendência da estética bem-comportada e saudável que é evidenciada por materiais que destacam as formas e estampas grandes e figurativas, com cores cítricas e estridentes, expressões do punk, gótico e new wave ganham força. Este último foi um dos mais expressivos movimentos, resgatando cabelos armados com fixador, cortes de cabelo em camadas assimétricas, madeixas coladas ao couro cabeludo com wet gel ou glitter. Estes movimentos expressavam a energia e inquietação dos jovens que defendiam sua voz na sociedade e ansiavam pelo reconhecimento de seus ideais. As estéticas rebeldes foram muito influências pelo início do Rock in Rio, que teve sua estreia em 1985. Com a chegada do festival, referência estéticas são adicionadas à moda do período, incluindo mais referências !20 internacionais. Na boca, colágeno ou batom vermelho, para os olhos sombras fortes, remetendo aos góticos, adornos de lata, plástico, cromados ou com alfinetes finalizavam o look desejado por todos. Somado à música, a tecnologia foi se desenvolvendo nesta época e o walkman, videocassete, telefax, secretária eletrônica e forno micro-ondas se popularizam, criando uma relação entre o homem e a modernidade. Este fenômeno, que nunca parou de crescer, leva ainda mais força aos tecidos que aparecem com toques tecnológicos, à era fitness - que é incentivada com as músicas agora portáteis - e a influência comercial da televisão no país. No Brasil, não podemos falar de moda sem mencionar a influência das telenovelas. A Rede Globo, líder em dramaturgia desde a década de 1960, quando ultrapassou a TV Tupi em número de telespectadores, passou a direcionar os hábitos de consumo nacionais.

No Brasil, o que mais influencia o comportamento de moda são as novelas da Globo; mais do que revistas ou jornais, que é preciso ter dinheiro para comprar. Novela não, basta ligar a tevê na tomada, é canal aberto. No Rio, quando um personagem cai no gosto popular, vai parar nas ruas e a gente vê, depois, coisas na passarela. […] As pessoa se identificam, elegem seus personagens e segue sua moda; a Globo sabe desenvolver esta parte estética muito bem. (BORGES e CARRACOSA, 2004)

Figura 2 - Boate Dancin’ Days.2

2 Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/dancin-days/cenas- marcantes.htm; acesso em abril 2016. !21

As telenovelas inauguram um fluxo de influência na moda nacional na estréia do seu programa mais emblemático, Dancin’ Days, de Gilberto Braga, em 1978. Com o figurino assinado por Marília Carneiro, a introdução de merchandising explícito de uma marca lança uma nova tendência no mercado publicitário. Repentinamente, a grife de jeans Staroup aparece em neon ao fundo da pista de dança na inauguração da boate da trama, com os atores dançado na frente do letreiro (Fig. 2). Rapidamente, a marca se torna a preferida dos consumidores, assim como todo o vestuário usado pelos personagens. A partir deste momento, a prática de mostrar produtos e marcas de forma natural em seus personagens e, de forma subliminar, influenciar diretamente o consumo e a criação de tendências se populariza, consolidando uma forma inovadora de comércio. Um dos pontos mais importantes para a moda no Brasil foi a proliferação de escolas de moda no país. Em meados de 80, um jovem que desejasse atuar na área de criação, não se via apenas enfrentando o preconceito que a profissão proporcionava, como também a falta de opções de estudo. Para aprender sobre a temática, era obrigado a viajar para a França, onde escolas como a tradicional Esmod proporcionava cursos profissionalizantes. Na década de 1960, a moda foi incluída no curso de design industrial. De acordo com João Braga, “moda era um fenômeno que se entendia ser externo ao Brasil, algo que nos era possível apenas seguir: assim, cabia-nos imitar ou reproduzir, por meio da cópia e da adaptação, o que se fazia lá fora”. Assim, a criação de moda não era profissionalizada e se via, na maioria das vezes, assumida pelos próprios donos do negocio ou por leigos autodidatas. A necessidade de estilistas profissionais se evidenciou na década de 80 e os primeiros cursos do setor foram feitos com iniciativas privadas, como a Casa Rhodia, que oferecia cursos de curta duração. Cursos completos, mesmo que ainda de nível técnico, tiveram início no Rio de Janeiro em 1984, introduzidos pelo Senai. Montar um curso na época se provou ser um desafio, já que, além de ser algo incomum, não existiam profissionais capazes de lecionar as matérias sugeridas. Por que a abertura destes cursos foi tão importante para a moda no Brasil? Apenas após a abertura dos mesmos é que as pessoas começaram a compreender – em um processo ainda em andamento – que uma formação de moda pode render, a quem estude, as mesmas vantagens de profissões respeitadas, como engenharia e medicina. !22

Com a profissionalização da moda, começamos a questionar cada vez mais o impacto que ela tem sobre nossas vidas. A roupa que escolhemos todos os dias mostra quem somos e nossas referências sobre o mundo. Ela é um exemplo físico de nosso passado, de como fomos criados e como desejamos que a sociedade nos enxergue. !23

2 História do corpo e da lingerie

A moda é uma ditadora de tendências e estereótipos. Com ela, podemos discutir assuntos importantes, como a objetificação das mulheres, a diferença ou não de gêneros, os padrões de corpos aceitos ou não pela sociedade. A padronização de ideal de formato de corpo têm sido um dos assuntos mais polêmicos trazidos pelo setor. Se refletirmos sobre os estereótipos exigidos, o modo como os tamanhos das peças têm evoluído ou qual era o número do manequim de uma das mulheres mais simbólicas e influentes do mundo, Marilyn Monroe, fica claro que o assunto moda é muito menos superficial do que pensado por muitos. Conversas sobre beleza são regularmente questionamentos sobre os impactos causados em mulheres e meninas O corpo e a figura feminina sofreram diversas modificações durante os anos. Considerando sua trajetória no século XX, tomando como retórica a obra de Jean Jacques Courtine (2012), podemos compreender quais foram os fatores influenciadores neste desenvolvimento e como eles foram moldados por fatores externos, como guerras, esportes e tecnologia.

Figura 3 - Corpo idealizado dos anos 20.3

3 Disponível em: http://www.vintag.es/2014/10/beautiful-fashion-photography-by-edward.html; acesso em maio 2016 !24

Nos anos 1920, após a primeira guerra mundial, o lazer invade a vida cotidiana com o aumento do tempo livre fora do trabalho da população. Turismo e passeios passam a ser visados por todos e a musculatura perde os antigos braços de operário, enquanto o bronzeado deixa de ser uma característica de trabalhadores camponeses. Com o lazer e as férias tornando-se mais frequentes, as marcas do mundo exterior aparecem nas pessoas. A luz invade as fotografias de moda, deixando os corpos mais dourados, remetendo ao espaço externo. (Fig. 3)

Figura 4 - Dançarinas do Moulin Rouge da década de 20. 4

A praia se torna um item importante na vida da sociedade, com roupas mais curtas adentrando o guarda-roupa. Uma mulher modelo deste tempo deveria ser uma recordação de férias, sugerindo um estilo livre, uma lembrança do mar. A vida noturna também começa a se destacar, com novos estilos musicais em voga. A atitude das mulheres mais ousadas deste tempo dá início à revolução feminina, uma vez que elas demostravam desdém em relação a política, fumavam, bebiam, dirigiam carros e dançavam ao som de jazz.

4 Disponível em http://www.dailymail.co.uk/travel/travel_news/article-3303336/Painting-town-red-Fascinating- pictures-reveal-exotic-cabaret-life-inside-Moulin-Rouge-complete-giant-elephant-infamous-girls.html; acesso em maio 2016 !25

Nesta época, o público feminino também já se encontrava livre para votar, escolher com quem desejavam se casar e até exerciam papéis profissionais antes apenas reservados aos homens. Este fato alterada a sua silhueta. Em um desejo de se equiparar com o masculino, como podemos observar na Fig. 4, de 1925, as mulheres buscavam um contorno nulo, ou seja, sem formas e curvas. Pela primeira vez, a silhueta se afasta do estereótipo feminino curvilíneo, algo que pareça andrógino. Seria esta a primeira vez que a população estaria lutando pela igualdade entre gêneros? Os cabelos deviam ser curtos e cacheados, os olhares expressivos e, apesar dos avanços na conquista de sua liberdade, as mulheres ainda deveriam ser delicadas, com baixa estatura.

Figura 5 - Corpo idealizado da década de 30. 5

5 Disponível em https://br.pinterest.com/pin/161355599125919070/; acesso em abril 2016 !26

No período entre guerras, os anos 30, o sobrepeso passa a se tornar um problema entre a população. A imagem do exercício e a ideia de modelar seu próprio corpo se popularizaram (Fig. 5). Com o incentivo de soldados voltando da guerra com formas esculturais e a vontade de ficar ao ar livre, o desejo pelo contorno perfeito foi aumentando. O peso é declaradamente um sinal de saúde e seu excesso é considerado um perigo: a Tabela 1 foi criada e publicada pela revista Votre Beauté em 1938, a qual expressa a ideia de que quanto mais gorda a pessoa, maior a chance de desenvolver doenças fatais.

Tabela 1 - Comparação entre causas de óbitos. 6

Causas de óbitos Magros Normais Gordos

Apoplexia 112 212 397 Doença cardíaca 128 199 384

Doença do fígado 12 33 67

Doença dos rins 57 179 374

Diabetes 6 28 136 Total 315 651 1358

Neste período, as companhias norte americanas de seguro de vida aumentavam suas tarifas à medida que seus clientes de distanciavam da norma: de doze quilos abaixo até vinte e três quilos acima do peso ideal. Esta regra acaba por repercutir na sociedade e na moda que, por sua vez, dita os padrões estéticos da sociedade e materializa o preconceito contra pessoas com diferentes formatos. Os corpos da década de 40 já passam a ganhar mais formas, e uma silhueta levemente curva é visada pelas mulheres, como observamos na Fig. 6, capturada em 1934. Segundo Courtine, “O corpo se ‘psicologizou’, à imagem de um indivíduo que se reivindica mais senhor de si com a modernidade”. Neste período, exercícios inéditos são propostos, aqueles

6 Disponível em COURTINE, J. J. História do corpo. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2011 !27 que não se restringiam apenas na repetição de um movimento, como também na atenção psicológica dada ao seu corpo no momento de desempenhar uma função. “Escutar as sensações para melhor poder controlá-las, imaginar as formas físicas para melhor adquiri-las” (Votre Beauté, jan 1934) era o modo como as pessoas pensavam ao se exercitar.

The perfect 1938 figure must have curves but it differs from the perfect figure of past decades in relationship of curves to straight lines. In the 1890’s women had full bosoms, round hips. In actual measurements they were probably no rounder than Miss Cox but they seemed so because they were shorter, tightened their waists into an hour-glass effect … Now, though, the ideal figure must have a round, high bosom, a slim but not wasp-like waist, and gently rounded hips. (Life Magazine, 1938)7

Figura 6 - Modelos dos anos 40. 8

Este período também foi frisado pelas formas mais firmes pois a prática de esportes havia crescido consideravelmente, estabelecendo um ponto relevante para a alteração das

7 A figura perfeita de 1938 precisa ter curvas, mas difere da figura perfeita de décadas passadas na relação de curvas para linhas retas. Nos anos 1890, as mulheres tinham seios cheios, quadris redondos. Em medições reais provavelmente não eram mais curvilíneas do que a senhorita Cox, mas pareciam porque eram mais baixas, apertado a cintura em um efeito ampulheta ... Agora, porém, a figura ideal deve ter um seio redondo, alto, uma cintura magra, mas não de vespa, e quadris levemente redondos.

8 Disponível em http://www.marieclaire.co.uk/blogs/544203/1940s-fashion-the-decade-captured-in-40- incredible-pictures.html; acesso em maio 2016. !28 formas dos corpos. De acordo com Courtine (2012), “a mudança mais importante ainda é aquela que se refere aos efeitos esperados do treinamento e do desenvolvimento físicos: uma psicologia de conquista levou a se imaginar descobertas íntimas”. A segunda guerra mundial termina em 1945 e se inicia um período de desejo de regressar aos sentimentos mais simples, à vida pré-batalha (Fig. 7). Os homens regressam mais uma vez para suas casas e as mulheres não necessitam mais suportar sua família sozinhas. A silhueta extremamente feminina, com curvas e volumes acentuados volta à moda, materializando o desejo feminino da vida antes tida. Seios farto e quadris largos foram principalmente acentuados pela criação do new look, modelo desenvolvido por Cristian Dior. Ele consistia de uma saia rodada, com muito tecido utilizado - um alívio em relação ao tempo de guerra, no qual todo o tecido era usado para uniformes e as mulheres tiveram suas roupas afetada por sua falta - com uma jaqueta justa na parte superior, dando a impressão de uma cintura extremamente fina às suas consumidoras.

Figura 7. Consumidoras assistem a desfile de lingerie. 9

9 Disponível em http://www.vintag.es/2016/05/20-vintage-photos-show-beautiful-womens.html; acesso em março 2016 !29

Figura 8. A. Marilyn Monroe 10; B. Audrey Hepburn 11

Nos anos 50, começamos a percebem uma divergência no papel de beleza. Duas das atrizes mais icônicas da época, Marilyn Monroe (Fig. 8A) e Audrey Hepburn (Fig. 8B) desfilam silhuetas e personalidades antagônicas, marcando o início da discussão sobre diferentes corpos. Marilyn era conhecida pelo seu poder de sedução. Com formas redondas, quadris largos e seios fartos, utilizava roupas justas e, em sua fotografia mais marcante, mostra as longas pernas expostas por uma rajada de vento. Com suas tradicionais madeixas loiras, lábios vermelhos e uma pinta sobre os lábios, sempre atuava em papéis sedutores, onde interpretava amantes, namoradas e esposas. Já Audrey representa uma figura divertida e, ao mesmo tempo, elegante e inteligente. Com um corpo esbelto, sem curvas, atuava em papéis jovens e inocentes, inventivos e engraçados.

10 Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Marilyn_Monroe%27s_white_dress, acesso em abril 2016

11 Disponível em http://stylecaster.com/audrey-hepburn-style/, acesso em abril de 2016 !30

Figura 9. Ilustração de pin up.12

A época foi marcada pela popularização das imagens de pin-ups, ilustrações de mulheres trajando poucas roupas em posições inusitadas e erotizadas. (Fig. 9) Um dos assuntos mais comentados da atualidade é a pressão causada pela mídia para ter corpos perfeitos e o paralelo desta prática com outras décadas, uma vez que é comum pensar que esta pressão não era exercida sobre outras gerações - tendo em vista que Marilyn Monroe usava manequim tamanho 40. Ao contrário do julgamento comum, as garotas pin- ups tinham, por seus ilustradores, suas formas modificadas: suas pernas eram alongadas, seus pés reduzidos, sua cintura afinada e seus seios aumentados, da mesma forma como hoje costumamos ver em manipulações de imagens para a publicidade. Ironicamente, as mulheres sem curvas não eram consideradas bonitas - como são hoje - e publicidades sobre como ganhar peso e conquistar admiradores eram frequentemente vinculadas às revistas. Quando chegam os anos 60, a estética de homens e mulheres foram alterados. Estrelas do rock masculinas, como Mick Jagger e Jim Morrison aparecem hipersexualizados, com trajes ousados, até femininos, sobre seus corpos magros e cabelos longos. As mulheres têm a exuberância de Marilyn Monroe substituída pelo visual de boneca da modelo Twiggy. (Fig. 10) Com grandes olhos emoldurados por longos cílios postiços e um corpo magro, quase

12 Disponível em https://br.pinterest.com/pin/489062840756249393/; acesso em maio 2016 !31 infantilizado, a estrela da moda desfilava em passarelas e representava o padrão de beleza desejado. Suas poses remetiam brincadeiras e seus movimentos lembravam o de objetos inanimados. Audrey Hepburn continua sendo um ícone fashion e seu estilo jovem e jeito descompromissado ganha ainda mais destaque em produções de filmes. Figura 10. Twiggy em ensaio fotográfico.13

Entre os anos 70 e 80, as sensações ganham outra profundidade e os exercícios passam a ter outro significado. No Brasil os corpos mais arredondados e fitness estrearam modelos, que tiveram seus corpos cultuados nesta época. Luiza Brunet, Bruna Lombardi, Xuxa Meneguel, Dalma Callado, Beth Lago, Monique Evan, Luma de Oliveira, Cláudia Liz, Alexia Deschamp recebem destaque e se tornam referência de beleza. A cultura dos esportes invade a moda e o ideal de contorno mais uma vez sofre uma metamorfose, trazendo músculos mais bem definidos, cores douradas e cabelos armados. (Fig. 11A)

13 Disponível em http://www.twiggylawson.co.uk/fashion.html; acesso em maio 2016 !32

Figura11. A. Mulheres na praia 14; B. Jane Fonda, modelo fitness. 15

Há uma profusão de textos, nas décadas de 70 e 80, sugerindo que a pessoa procure se descobrir a si mesma pela “consciência profunda do corpo”, “libertar o espírito ligando-se diretamente ao corpo”, “eliminar as contrações poluentes”, a fim de melhor “encontrar a própria verdade”. Etapa nova, sem dúvida alguma, na história do indivíduo: o trabalho sobre o íntimo se tornaria uma prática de massa, aventura disponível, empreitada ainda mais acessível quando se pensam seus dados como objetos tangíveis e concretos. (COURTINE, 2011)

De certo modo, esta visão difundida nas revistas de saúde trata de assuntos como o bem-estar e a beleza e sugere que o corpo possui agora um novo papel: o de saber, de ser parceiro, aquele que deve ser cuidado, zelado, e melhorado a cada dia. Ele assume uma instância psicológica, que representa as vertentes obscuras, de mundos fora de controle, aquele que se deve se liberar para melhor viver e existir.

14 Disponível em http://kathyloghry.blogspot.com.br/2013/12/body-suits-body-shirts-whatever-part-4.html; acesso em maio 2016

15 Disponível em http://nymag.com/thecut/2015/02/my-magical-week-of-working-out-with-jane-fonda.html; acesso em maio de 2016 !33

As práticas de cultivo da forma física exigem que as pessoas reencontrem o tempo para se preocupar consigo e com o próprio corpo. As academias veem seu público aumentado e sugerem que a necessidade de atingir a performance do sua estrutura física é necessária, ou melhor, entrar em harmonia com o próprio ser é vital. (Fig. 11B) Comparando os anos 80 e o período atual, percebemos como o modo que encaramos atividades físicas - um dos fatores mais marcantes da época - foram alterados. Se antes buscávamos entrar em contato com o corpo de forma psicológica, a fim de entender seu funcionamento e moldar as formas externas, hoje a “geração saúde” beira o extremo a que leva certos treinamentos: o jogo com limite, em particular instalado no coração da perfomance. Com celebridades esbanjando formas físicas esculturais nas redes sociais e revistas, dando dicas sobre como melhorar sua alimentação com dietas milagrosas e exercícios rápidos, a pressão para conquistar a silhueta dos sonhos parece ainda maior. Durante a década de 90 e inicio dos anos 2000, a ditadura da magreza parece se tornar mais hegemônica, talvez em consequência da expansão da comunicação e da imagem como símbolo. Modelos como Kate Moss dominam a mídia, passando a ideia do belo extremamente esguio em suas imagens e dá início à obsessão com corpos esguios. (Fig. 12) A modelo, que foi a estrela do visual denominado heroin chic pregava o estilo de uso de drogas, do esbelto e cunha a expressão “Nothing tastes as good as skinny feels”. O visual quase doente das celebridades, com a estética suja, desleixada e pele clara dita a moda e influencia diversas pessoas, fazendo com que o uso da heroína nos Estados Unidos crescesse. O presidente da época, Bill Clinton, se vê obrigado a declarar sua revolta contra o uso da estética:

Asserting that ''you do not need to glamorize addiction to sell clothes,'' President Clinton today accused the fashion industry of making heroin seem ''glamorous, sexy and cool'' through advertising that enticed young people to try heroin. “American fashion has been an enormous source of creativity and beauty and art and, frankly, economic prosperity for the United States,'' Mr. Clinton said, ''and we should all value and respect that.’’. ''But the glorification of heroin is not creative, it's destructive,'' he added. ''It's not beautiful; it's ugly. And this is not about art; it's about life and death. !34

And glorifying death is not good for any society.’' (The New York Times, 1997)16

Figura 12. Kate Moss. 17

Como consequência deste novo e intenso desejo da sociedade em atingir um corpo ideal, diversos extremos são instaurados em nossa sociedade e tidos como comuns. Um dos mais marcantes são as cirurgias plásticas que acontecem em jovens18, sendo o Brasil detentor do segundo lugar em número de intervenções cirúrgicas. Seria este o caminho para um corpo saudável ou apenas um modo preocupante de conquistar o contorno desejado? Será válido o

16 Afirmando que ''você não precisa glamorizar o vício para vender roupas,'' o presidente Clinton acusou a indústria da moda de fazer a heroína parece ''glamouroso, sexy e legal'' através de publicidade que atrai os jovens a experimentar heroína. “A moda americana tem sido uma enorme fonte de criatividade e beleza e arte e, francamente, prosperidade econômica para os Estados Unidos'', disse Clinton, ''e todos nós devemos valorizar e respeitar isso.''. ''Mas a glorificação da heroína não é criativo, é destrutiva'', acrescentou. ''Não é bonito; é feio. E isto não é sobre a arte; é sobre a vida e a morte. E glorificar a morte não é bom para nenhuma sociedade.''

17 Disponível em http://www.vogue.com/13300420/best-90s-kate-moss-photos/; acesso em abril de 2016

18 http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2013/01/24/brasil-ocupa-segundo-lugar- em-ranking-mundial-de-cirurgias-plasticas.htm !35 preço pago para adquirir uma estrutura ideal? Outra preocupação se dá com aumento de doenças relacionadas com a estética magra, como anorexia e bulimia. A pressão causada pela mídia, que nunca teve um alcanço tão amplo sobre a sociedade, molda o psicológico de mulheres e homens ao redor do mundo, exigindo silhuetas definidas.

Figura 13. Mulheres ideais em 2016. 19

Em contrapartida ao desejo de conquistar uma forma esguia (Fig. 13), o número de pessoas com sobrepeso nunca foi tão alto na história. A humanidade sempre se preocupou com a alimentação da população, pois a fome e a subnutrição sempre estiveram presentes na sociedade, porém, recentemente, o problema da obesidade ultrapassa o da fome. Após o desenvolvimento das técnicas e da tecnologia, a produção de alimentos teve um aumento grande e propiciou maior acessibilidade aos alimentos. Além disso, as indústrias diversificaram os tipos de alimentos, apresentando vários atrativos de cores e sabores. O valor monetário destes novos produtos é, muitas vezes, mais baixo se comparado a produtos

19 Disponível em http://vogue.globo.com; acesso maio 2016 !36 frescos e saudáveis, como verduras e legumes, o que levou a sociedade a consumir alimentos com altas taxas de gordura, calorias e sódio, levando a uma alteração no balanço entre obesos e desnutridos. Atualmente o percentual de pessoas obesas supera o percentual de subnutridas em diversas regiões, fato que ocorreu pela primeira vez na história da humanidade. Na China, o país mais populoso do mundo, estimativas revelam que o percentual de obesos já atingiu 15% da população, enquanto que o percentual de subnutridos é de 11%. O agravante se dá à medida que diminui o percentual de subnutridos e aumenta o de obesos. No Brasil, a porcentagem de obesos atinge 11% da população adulta, número bastante superior à de subnutridos, que é de 4%. Apesar de termos um padrão de corpo ideal em nosso tempo que, de acordo com a moda, é magro, porém delineado, com curvas sutis, não podemos ignorar que grande parte da população possui uma silhueta completamente diferente daquela estipulada pela mídia. E é importante o questionamento sobre as influências que são exercidas pelas imagens da mídia em relação àqueles fora do padrão. Em uma pesquisa estatística feita com mulheres da revista Marie Claire, e denominada Porque o Mundo Odeia Gordas20, 66% admitiram já ter feito um comentário maldoso ao ver uma mulher gorda usando biquíni; 58% já se sentiram secretamente felizes porque a ‘ex’ do namorado engordou muito; 52% acham que é pior engordar 15 quilos do que reduzir o salário em 30%; 37% ficam incomodadas vendo uma mulher gorda comer hambúrguer com batatas fritas; 36% não iriam a um médico de regime que fosse gordo; 21% acreditam que as gordas são preguiçosas; 21% imaginam que, se um bonitão está com uma mulher gorda, é porque existem outros interesses; 18% dizem que uma pessoa muito gorda deveria pagar por dois assentos nos aviões. As mulheres são diferentes, podem ser altas, baixas, gordas, magras, de todas as formas e tamanhos e, portanto, não deveriam ser aceitas pela publicidade e pela moda? O setor já se tornou muito mais inclusivo se comparado aos anos 80, mas ainda segue utilizando, em sua maioria, modelos com o padrão estético tido como perfeito e excluindo contornos que fogem da silhueta proposta.

20 http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML1162418-1740-1,00.html !37

Figura 14. A. Modelo utilizando camiknickers. B. Modelo utilizando camisola. C. Dançarina com espartilho. 21

Comparando os padrões estéticos implementados pelo setor de moda no mundo, podemos estabelecer uma relação com o tipo de lingerie utilizada em cada época. Se a moda exige silhuetas com menos curvas, as roupas íntimas acompanham este visual, tentando criar padrões ‘mais achatados’. Em contrapartida, se desejarmos ter seios fartos, como no momento atual, peças de sutiã são criadas com enchimento a fim de realçar esta parte do corpo. A moda íntima passou por uma série de transformações ao longo do tempo, acompanhando as mudanças culturais e as exigências de uma nova mulher que foi surgindo. A maior revolução no universo da lingerie pode ser o ocorrido em 1914, quando Mary Phelps Jacob cria a patente do primeiro sutiã. A partir deste ponto, o público feminino se encontra libertado dos espartilhos e a roupa íntima é transformada (Fig. 14B). Na década de 20 as mulheres estavam mais livres e usavam vestidos mais curtos e decotados. O padrão estético consistia de formas mais achatadas e alongadas, com um visual andrógino sendo considerado o ideal. A lingerie, acompanhando as tendências, propõe sutiãs especiais que diminuíam os bustos em cores básicas: branco, preto, bege ou rosa. A peça chamada camiknickers, uma espécie de macacão unido a uma calcinha de cintura alta foi popular durante o período da primeira guerra mundial, quando as mulheres se viram obrigadas a trabalhar e o uso de calças foi difundido (Fig 14A). Um acessório sensual muito usado na

21 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !38 década de 20 foi a cinta-liga, criada para segurar as meias 7/8. Dançarinas de charleston exibiam estas peças por baixo das saias de franjas, enquanto dançavam ao som de jazz (14C). No final da década, com o término da guerra, mulheres e homens buscavam uma vida mais simples e contato com o campo, trazendo referências mais leves para os materiais das roupas íntimas, que combinavam com a moda de vestidos de cetim desestruturados.

Figura 15. Modelo veste lingerie com transparência.22

Nos anos 30, a cinta-liga era o único acessório disponível para prender as meias das mulheres, que só tiveram as meias-calças à sua disposição a partir da década de 40, com a invenção do náilon em 1939. No período, o estilo “garçonne”, ou seja, mulheres menos curvilíneas, saiu de moda e a silhueta curvada é novamente valorizada (Fig. 15). Surgiram os tecidos elásticos que permitiram a fabricação de modelos mais confortáveis. Logo em seguida, os bojos de tamanho variados e alças elásticas são inventados, proporcionando mais volume aos seios. Em 1939, surgiu um modelo de sutiã estruturado que deixava os seios pontudos e torneados.

22 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !39

Na década de 40, modelos pin-ups se tornam alvo de desejo e as formas mais curvilíneas eram as mais desejadas (Fig. 16B). As modelos representadas em poses sensuais ajudam a difundir a ideia de lingerie com apelo sexual, já que as modelos mostravam, em suas poses, parte de suas roupas íntimas. Neste período, também temos a volta da silhueta feminina cheia, com o visual do new look, em voga. Para suportar esta estética, novas peças com estruturas são criadas, com uma espécie de espartilho que ajudava a criar a ilusão de cintura fina e quadris largos. (Fig. 16A)

Figura 16. A. Modelo utiliza espartilho. B. Marilyn Monroe posa para ilustrador de pin ups. 23

Após a segunda guerra mundial, o uso do náilon começou a fazer parte da produção da moda íntima. Em 1955, foram criados novos modelos de renda preta e o sutiã peito-de- pombo, que aproximava os seios, deixando-os estufados e pontudos, sobressalentes ao corpo. O cinema e as revistas auxiliaram a exploração da sedução e fantasia no universo da lingerie, despindo as musas de suas roupas e deixando-as apenas com suas roupas de baixo, cada vez mais elaboradas. (Fig. 17 A, B e C)

23 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !40

Figura 17 A. Modelo aparece com lingerie e meias calças B. Bettie Page pousa para pin up com lingeries sensuais. C. Jayne Mansfield aparece com seios proeminentes. 24

A década de 1960 foi marcada pela emancipação da mulher, e liberação do corpo, influenciando todo o mundo da moda. As criações se tornaram mais leves, com o encurtamento das saias e a proeminência das meias calças. Peças com babados e blusas esvoaçantes fazem parte do estilo mais jovem da época (Fig. 18C). O período também traz novas estampas e uma estética mais brincalhona, com as roupas íntimas sendo vistas do lado de fora. (Fig. 18A) Com a evolução na tecnologia de desenvolvimento, os modelos começam a se assemelhar com o que vemos hoje em dia, com a opção de sutiãs estruturados e mistura de materiais diversos, porém, estes ainda não eram tão populares quanto as peças mais confortáveis e sem estruturas. (Fig. 18B)

24 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !41

Figura 18. A. Modelo aparece com lingerie estampada. B. Modelo utiliza lingerie estruturada com detalhes de renda. C. Modelo utiliza camisola com tecido leve e babados aplicados. 25

Na mesma época, mulheres começaram a protestar por direitos igualitários. Até então, apesar da conquista do voto e do direito de dirigir, escolher seu marido e trabalhar, o público feminino ainda era diminuído e desrespeitado. Um protesto em Atlantic City, nos Estados Unidos, uniu mais de 400 feministas em um concurso de beleza para discutir o estereótipo perfeito proposto por estas competições, uma visão arbitrária e opressiva das mulheres. Na frente do evento, o grupo denominado WLM (women’s liberation movement) queimou seus sutiãs, uma peça de roupa que segundo Germaine Greer, jornalista e escritora australiana, era “uma invenção ridícula”, assim como sapatos de salto alto, cílios postiços, spray de laquê, maquiagens, e cintas-liga26. Existem divergências sobre o fato da queima ter realmente acontecido - alguns clamam que as ativistas não tiveram permissão para atear fogo às peças -, porém o movimento teve alta cobertura da mídia, ilustrando a manchete do New York Post com o título “BraBruners and Miss America” (Fig. 19) e iniciou uma discussão mais sérias sobre os direitos femininos. Desde então, a cultura popular ligou grupos feministas com a

25 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016.

26 Duffet, Judith. WLM vs. Miss America. Voice of the Women’s Liberation Moviment. October 1968, pg 4. !42 queima de sutiãs e o item de lingerie é muitas vezes lembrado como um objeto sexista contra a liberação feminina.

Figura 19. BraBurners em protesto nos Estados Unidos 27

Nos anos 70, temos o marco da liberação sexual, o uso do jeans, o estilo unissex que muda radicalmente a estética feminina. No vestuário underwear as formas se tornam mais suaves e naturais, com ênfase em sutiãs e calcinhas no formato de triângulo. O estilo jovem e inocente dos anos 60 é substituído por peças mais ousadas, que combinavam com o estilo de rebeldia da época (Fig. 20A, B e C). Rudi Gernreich cria o modelo de tanga, que foi recebido com controvérsia pelo público, mas que retrata a época com a quebra de paradigmas e a exploração sexual.

27 Disponível em http://library.duke.edu/digitalcollections/wlmpc/; acesso em abril 2016. !43

Figura 20. A. Capa do disco Roxy Music; B. Modelo mostra o estilo de lingerie dos anos 70; C. Modelo usa lingerie com aplicação de rendas. 28

A década de 80 é marcada pela expressão e exagero. Na época de opulência e ostentação, das mulheres lutando para serem bem-sucedidas no mercado de trabalho, a moda íntima se torna cada vez mais pública e aparece em diversas personalidades em shows e programas televisivos. A figura feminina reencontra sua voz através da moda íntima, assumindo um papel importante nos meios de comunicação, nas passarelas e nas telas do cinema: corpetes, meias arrastão com destaque para a exposição das curvas. A época dos clubes noturnos traz em voga lingeries de látex, que remetem ao fetiche (Fig. 21B).

28 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !44

Figura 21. A. Madonna utiliza corpete dourado em seu tour Blond Ambition; B. A cantora Cher utiliza figurino provocante em seu show. 29

No ano de 1990, uma das imagens mais icônicas da moda íntima é capturada no tour Blonde Ambition, da cantora Madonna, (Fig. 21A). A estrela da época e referência até os dias atuais, usa um figurino dourado desenhado por Jean Paul Gaultier, com seios pontudos formando cones e uma pequena calcinha sobre meias-arrastão. Esta imagem é muito mais do que apenas uma referência estética, mostrando um marco para a liberação do corpo feminino dos estereótipos da época. A peça de roupa representa a tomada do poder pelo público e a força de seu corpo e de suas ideias, representadas, aqui, pela cantora. Diferente da década anterior, com relação ao hedonismo exagerado da década de 80, a década de 90 é marcada pela sobriedade, pelo minimalismo e pelo androginismo. O corpo agora, extremamente magro, é o maior protagonista e a lingerie torna-se uma segunda pele, um artifício para tornar a forma natural ainda mais bela, deixando todos os artifícios e armações no passado.

29 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !45

Figura 22. Kate Mossa estrela campanha de Calvin Klein. 30

A época encontra sua musa em Kate Moss que, na icônica imagem da modelo para Calvin Klein, usando uma calcinha simples com o elástico em jacquard com o nome da marca. (Fig. 22) Esta publicidade determina um marco na história da lingerie: a borda da roupa íntima passa a ser mostrada sob a calça, tornando-se um símbolo de status e reconhecimento. Nunca antes uma peça “de baixo” havia sido utilizada desta forma, casualmente representando poder aquisitivo e definidor de tendências. Ainda neste período, em contrapartida à estética minimalista, ressurge o sexy, com peças mais sensuais. As passarelas mostram cada vez mais lingeries provocativas: rendas, transparências, cetim, seda e peças ricas em detalhes. A palavra sexy agora se refere a um sofisticado conceito de sensualidade. A empresa Lady Company cria uma das campanhas mais icônicas do universo da moda íntima, com a modelo Eva Herizgova em peças pretas. (Fig. 23) Em um outdoor na estrada, foi a causadora da distração de diversos motoristas, que bateram seu carro ao olhar para a sensual imagem da modelo.

30 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !46

Figura 23. Eva Herizgova aparece em campanha de lingerie.31

Após a sobriedade dos anos 90, a virada do século é marcada fortemente pelo apelo sexual, com a volta da silhueta curvilínea e da diversão com a roupa íntima. Dita Von Teese, a estrela burlesca, retoma a sensualidade de modelos pin-ups e do glamour de épocas passadas, utilizando espartilhos e cinta ligas. (Fig. 24B) Os desfiles da marca Victoria’s Secret marcam o início de uma época de shows e fantasias, com as modelos mais icônicas da época atual andando pelas passarelas com pequenas roupas íntimas e adereços extravagantes. (Fig. 24A) Com o avanço da tecnologia na confecção, as peças de lingerie passam a moldar nosso corpo. Com novas formas e materiais, além de modelagens diferenciadas, a moda íntima pode proporcionar a silhueta desejada, criando ou tirando volumes. Ela já mistura matérias e incorpora estampas e cores, antes nunca utilizadas, substituindo a necessidade de consumo pelo desejo (Fig. 24C). A lingerie sempre foi tida como algo secreto, íntimo, mas gradualmente encontra o olhar do público e é utilizada “para fora”, fazendo parte de roupas e da composição de um

31 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !47 visual. Muito mais do que um adereço íntimo, a peças agora são uma forma de expressão e liberdade sexual. Nas últimas coleções de moda, percebemos como ela chegou às passarelas, não mais como um suporte para a roupa, mas representando o foco visual. Ao contrário do ocorrido nos anos 60, com a queima dos sutiãs como representante do aprisionamento da mulher, ao mostrar as peças de roupa íntima, as mulheres atuais expressam sua liberdade em relação ao seu corpo, revelando algo pessoal para olhos alheios.

Figura 24. A. Heidi Klum em desfile da Victoria’s Secret; B. Dita Von Teese relembrando o glamour dos espartilhos; C. Kate Moss utiliza lingerie provocativa 32

32 Disponível em http://www.stylist.co.uk/fashion/a-brief-history-of-underwear; acesso em maio 2016. !48

3 A publicidade nos anos 80 e hoje

A sociedade capitalista requer uma cultura baseada nas imagens. Ela necessita fornecer uma ampla quantidade de entretenimento, de forma a estimular o consumo e anestesiar os danos causados a determinadas classes sociais, raças e sexo. Além disso, ela também necessita reunir uma ilimitada quantidade de informações para melhor explorar os recursos naturais, aumentar a produtividade, manter a ordem, fazer guerra e dar emprego aos burocratas. (...) A produção de imagens também fornece uma ideologia dominante. A mudança social é substituída por uma mudança nas imagens. A liberdade para consumir inúmeras imagens e produtos é equiparada à liberdade em si. O estreitamento entre liberdade de escolha política e liberdade de consumo econômico exige um consumo e uma produção de imagens ilimitadas. (Sontag (2004)

A publicidade, assim como a moda, captura o pensamento de uma época. Através da análise de propagandas publicadas em revistas e jornais, podemos compreender os desejos de consumo, anseios de corpos perfeitos e ideais de um período. A fim de estabelecer um comparativo entre os anos 80 e o presente, analisaremos duas peças de cada época escolhida: Valisère (1984), Triumph (1982), Duloren (2015) e Hope (2015). Para compreender a Análise de Discurso (AD), as deduções serão feitas baseadas na teoria de Dominique Maingueneau (2016), que sugere que existem três maneiras de praticas, sendo que apenas a última é defendida pelo estudioso: A primeira, consiste em utilizar a técnica para perguntar de maneira indireta questões filosóficas; nesse caso, a dimensão da análise empírica de discurso é secundária. A segunda, trata de ver na análise um conjunto de “métodos qualitativos” à disposição das ciências humanas e sociais; o que faz com que a técnica não passe de uma espécie de caixa de ferramentas que permite construir interpretações em outras disciplinas. A terceira, defendida pelo linguista, consiste em ver na análise de discurso um espaço de pleno direito dentro das ciências humanas e sociais, um conjunto de abordagens que pretende elaborar os conceitos e os métodos fundados sobre as propriedades da experiência das atividades discursivas. Isso não quer dizer que a técnica se reduz a uma disciplina experimental, mas ela deve se organizar tendo as pesquisas empíricas em vista. Segundo Maingueneau, o texto é uma produção verbal, oral e escrita. Em suas palavras, ele é constituído de "estruturas de forma a perdurarem, repetirem-se, e circularem !49 longe do seu contexto original". Pode ser heterogêneo, composto de signos linguísticos e icônicos. A análise da linguagem geralmente é realizada levando-se em conta as categorias que os discursos compõem, que correspondem às necessidades da vida quotidiana. Refletir sobre uma imagem e o modo como ela é construída, requer compreender o contexto social ao qual ela se insere e para quem está se dirigindo. Maingueneau afirma que todo o texto pertence a uma categoria de discurso, denominada também de gênero do discurso. Estas categorias representam o estilo de figuras produzidas numa sociedade e variam em função do uso que se faz delas. Fazendo uma analogia com o discurso verbal publicitário, é possível aferir que os gêneros do discurso são formas de expressão de uma mensagem e objetivam facilitar a decodificação por parte do receptor, utilizando-se de uma linguagem/discurso mais próxima a ele. Seguindo a metodologia de Maingueneaua, a análise da publicidade se inicia com a propaganda de Valisère, de 1984 (Fig. 25). Ela mostra três mulheres brancas, porém bronzeadas, com cabelos claros e lisos e corpos esbeltos, segurando, juntas, um peso. As três modelos possuem faixas no cabelo e munhequeiras, proporcionando uma estética esportiva, uma tendência da época para a publicidade. Elas representam, individualmente, uma cor: rosa, azul e amarelo, tendo seus acessórios combinados com a cor de suas calcinhas. Cada uma veste um tipo de peça, classificada na legenda. A primeira, amarela, mostra uma lingerie menor, arrematada por uma lateral pequena e branca. A do meio, azul, veste um item com a cintura alta, enquanto a última usa uma espécie de short cor de rosa, como uma cueca samba- canção. Elas dispensam a parte superior de seu traje, tapando os seios nus com os braços que seguram o peso. Seus rostos aparecem com os lábios unidos em forma de beijo e os olhos cerrados. O fundo das modelos é de um azul escuro que passa gradualmente para um tom mais claro. O acessório fitness vaza deste fundo, chegando à moldura branca que envolve toda a imagem. Fora da foto, vemos o título: “Valisère derruba o último privilégio dos homens”, escrito em caixa alta na parte superior da imagem. Abaixo, a legenda: “Primeiro, foram as calças compridas. Depois, as gravatas. Agora, cai o último privilégio do vestuário masculino: chegaram as Cuecas Femininas Valisère. Gostosas, fresquinhas, a última tendência da moda íntima em toda a Europa e Estados Unidos. Cuecas Femininas Valisère: sunga, , samba- canção e outros modelos: todos com o toque muito feminino que só a Valisère sabe dar”. !50

“Cuecas Femininas Valisère” aparece no rodapé da imagem, e, ao lado direito, a logomarca com o slogan “Sempre Mulher” finalizam a retórica publicitária.

Figura 25. Publicidade de Valisère 33

Observamos que, na legenda, as peças são apresentadas com “a última tendência da moda íntima em toda a Europa e Estados Unidos”. Nos anos 80, tivemos o final da ditadura militar, que até então havia sido patrocinada pelos Estados Unidos na tentativa de combater a “ameaça comunista”. Com o seu fim, a abertura para outras opiniões e aceitação de capital

33 Disponível em http://anos80amelhorepoca.blogspot.com.br/2015/11/cuecas-femininas-valisere-1984.html; acesso março 2016 !51 estrangeiro abriu as portas para diversas influências. Como já acontecia em outras épocas, mas que foi evidenciado com a dominação de produtos internacionais no Brasil, os consumidores desvalorizavam as criações nacionais, buscando novidades de moda e qualidade em itens em itens importados. Esta relação é reforçada pela abertura da economia para o capital estrangeiro durante a ditadura. Em uma tentativa de justificar a compra da marca ao invés de recorrer a produtos importados, Valisère aponta que esta é a última tendência no exterior, que já foi copiada pela marca e pode ser consumida no próprio país. Esta parte da legenda também remete indiretamente à cópia, prática muito difundida nas marcas de moda no Brasil e um resquício da falta de profissionalização do setor, discutido anteriormente. Mas o que podemos concluir das entrelinhas da publicidade? O anúncio deseja comunicar às consumidoras o novo produto da marca: as calcinhas que segue a mesma lógica das roupas íntimas masculinas. Conforme apontado nos capítulos anteriores, os anos 80 foram conturbados no Brasil, com o final da repressão da liberdade de expressão, o início da era fitness e do culto ao corpo, ao incentivo dos esportes por celebridades como Jane Fonda e do crescimento da relevância das mulheres no mercado de trabalho. Todos estes itens contribuem para a necessidade de reafirmação da figura feminina e necessidade de uso de roupas e utensílios que ajudem o gênero a defender seu espaço conquistado, também simbolizada pelas modelos segurando o halter. A apropriação de uma peça do vestuário masculino - a cueca - e a transformação desta para o vestuário feminino demarca o desejo das mulheres em serem reconhecidas e valorizadas. Assim como citado na legenda, a calça comprida e a gravata já haviam sido emprestadas e esta era a última separação dos sexos. As peças de lingerie não tem o intuito de mostrar as formas femininas, serem confortáveis ou belas. Seu maior atributo é sua inspiração masculina e, portanto, deve conceder poder aos seus usuários. Em contrapartida à proposta de empoderamento da mulher, as modelos ainda se mostram de forma objetificada, aparecendo em parte nuas, com poses soltas e rostos sedutores. Os corpos ainda ditam um padrão de beleza ideal, com formas alongadas, rostos simétricos, cores bronzeadas e cabelos lisos. O ideal de beleza de corpos na época, atlético, é especialmente ressaltado pela imagem e, pela primeira vez na história, mulheres com músculos bem definidos passam a ser um objeto de desejo. !52

A temática da imagem questiona o papel do feminino na sociedade, porém, auxilia na sua fixação. A imagem procura transmitir a ideia de força e controle, mas ilustra as modelos em parte nuas, com rostos sedutores e corpos estilizados, impossíveis para a maioria do público. Nos anos 80, a discussão sobre o valor das mulheres estava em seus primeiros estágios, e, provavelmente, o público da publicidade não era politizado sobre o assunto em comparação com o tempo atual. Através do pensamento proposto, podemos concluir que o papel da imagem busca questionar o assunto, mas peca na maneira apresentada. Para melhor compreender as peças publicitárias propostas, iremos analisá-las seguindo a pesquisa semiótica desenvolvida por Jean Marie Floch. O intelectual foi orientado por Greimas, um dos primeiros estudiosos da área, na Escola de Paris, e dividiu sua vida profissional entre consultorias na área de marketing e a academia. O autor trouxe uma nova abordagem sobre estes estudos usando a semiótica greimasiana como instrumento de análise, cujo interesse principal é a ideia de poder compreender os atos de linguagem (enunciação). Floch trata a imagem como um texto-ocorrência, ou seja, defende que a semântica estabelece inicialmente uma relação de sentido e que esta manifestação pode ser encontrada em um texto, filme, desenho, logotipo ou qualquer outro objeto de estudo. Seu modelo de análise da imagem começa a ser desenvolvido em 1981 e é publicado no livro Petites Mythologies de l’Oeil et de l’Esprit de 1985. O livro Sémiotique, Marketing et Communication é um dos mais relevantes de sua bibliografia, e é considerado a primeira obra de semiótica estrutural consagrada exclusivamente às comunicações e ao marketing, incluindo a publicidade. O que Floch acrescenta de significante do estudo da imagem é analisá-la seguindo os ensinamentos de Greimas e a teoria da significação gerativa de sentido. Nesta obra, ele apresenta seis ensaios cujos objetos de análise são exemplos de marketing e comunicação, onde aplica seu estudo semiótico, seja na elaboração de uma metodologia de pesquisa, seja para o entendimento do corpus. Usando uma lógica parecida com o primeiro estudo de caso do livro “Etes-vous arpenteur ou somnambule?”, no qual Floch cria um método de pesquisa para descobrir algumas tipologias de comportamentos dos usuários do metrô parisiense (RAPT) e sua interação com os funcionários e serviços prestados, o autor constrói um quadrado semiótico e estabelece uma tipologia dos modos de valorização criados pela publicidade. Esta, foi concebida para a análise do discurso publicitário da fábrica de automóveis Citroën, mas !53 evidentemente é válida para análise de outros discursos. De acordo com Floch, as descrições destas valorizações são: 1. Valorização prática: correspondente aos valores de uso, concebidos como contrários aos valores de base, como manuseio, conforto, potência. 2. Valorização utópica: correspondente aos valores de base concebidos como contrários aos valores de uso, como identidade, liberdade, vida, aventura. 3. Valorização lúdica: correspondente à negação dos valores utilitários, como o luxo, o refinamento. 4. Valorização crítica: correspondente à negação dos valores existenciais como as relações de qualidade/preço e custo/benefício. Seguindo a divisão estabelecida por Floch, temos o Quadro 1:

Quadro1. Ideologia publicitária de Floch.

Considerando a ideologia publicitária de Jean Marie Floch, podemos considerar a peça publicitária predominantemente utópica. As calcinhas, apesar de serem femininas, trazem consigo conceitos aplicados do guarda roupa masculino, trazendo a ilusão de conquista de poder e de associação dos direitos reservados aos homens quando a peça for usada. As modelos seguram um halter, remetendo à questão da força das mulheres e da busca pela conquista de um espaço, o que, sugerido pela campanha, pode ser alcançado com o simples ato de compra. !54

A publicidade acima descrita busca dialogar com o seu consumidor, persuadindo o seu público alvo por meio da retórica. Segundo Aristóteles, existem três aspectos fundamentais para que este trabalho seja realizado: o Ethos, o Pathos e o Logos.

Os oradores inspiram confiança por três razões que são, de fato, as que, além das demonstrações (apódeixis), determinam nossa convicção: (a) prudência/sabedoria prática (phrónesis), (b) virtude (areté) e (c) benevolência (eunóia). Os oradores enganam [...] por todas essas razões ou por uma delas: sem prudência, se sua opinião não é correta, se pensando corretamente, não dizem – por causa de sua maldade – o que pensam; ou, prudentes e honestos (epieikés), não são benevolentes; razão pela qual se pode, conhecendo-se a melhor solução, não a aconselhar. Não há outros casos. 2 (ARISTÓTELES apud EGGS, 2005, p. 32)

Seguindo esta linha de raciocínio, apresenta-se o conceito de Ethos, na definição de Dominique Maingueneau: "mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz - a de um sujeito situado para além do texto. O Ethos envolve de alguma forma a enunciação, sem estar explícito no enunciado". O Ethos refere-se às características do orador que podem influenciar o processo de persuasão, como a sua autoridade, honestidade e credibilidade em relação ao tema em análise. A capacidade de dialogar do orador e a sua apresentação também estão incluídas nas competências que poderão levar à persuasão. O Ethos é um objeto que não está diretamente presente no texto, mas nas suas entrelinhas, conferindo, numa instância subjetiva, um tom de autoridade ao que é dito. Esse formato permite ao expectador construir uma representação, identidade do corpo do enunciador que, nas palavras do autor, torna-se um fiador do que é dito. Um dos aspectos relevantes do Ethos aplicados na publicidade é a sua capacidade de atribuir caráter e corporalidade aos textos por meio do público. Essa espécie de percepção de autor transformada em personagem é provida de um conjunto de representações sociais e estereótipos culturais do observador. Pela sua fala, implícita no texto, o fiador confere uma identidade compatível com o mundo que constrói no seu enunciado. Desse modo, para Maingueneau, o Ethos é um elemento pertencente e evidente nas imagens publicitárias objetivando "encarnar", por meio da sua própria enunciação, aquilo que propõe evocar. !55

Por sua vez, o Pathos refere-se ao apelo ao lado emocional do visualizador da imagem. Quando o orador, que se apresenta como membro da audiência, apela às emoções desta última através de metáforas ou de manifestações físicas de emoções (como sorrisos ou lágrimas), o mesmo cria um laço afetivo, a fim de influenciar o expectador. Para isso, é imprescindível ter um conhecimento antecipado de como comover o público. Ele pode ser exercido através de metáforas e outras figuras de retórica, da amplificação, ao contar uma história ou apresentar o tema de uma forma que evoca fortes emoções na plateia. Pathos e Ethos se encontram intimamente ligados, uma vez que precisam coexistir. Enquanto o Ethos representa a faceta racional do discurso, o Pathos se ocupa de despertar o emocional. Quando se argumenta por via das emoções, elabora-se uma argumentação baseada no Pathos, deixando, deste modo, no auditório um estado de espírito favorável à aceitação das ideias do orador. Este tipo de argumentação é centrado no auditório e, assim, o emissor deverá ser capaz de produzir um discurso que empolgue e impressione os ouvintes, que mobilize os seus sentimentos. Mesmo oradores com bons argumentos podem ter que se apoiar nas emoções para suscitar adesão. No entanto, se dermos ao Pathos toda a ênfase, poderemos cair numa retórica de manipulação. Finalmente, o Logos diz respeito ao conteúdo do discurso, ao uso da lógica, ou seja, do uso da razão e do raciocínio, quer indutivo ou dedutivo, para a construção de um argumento. Isto é, a forma como a tese é apresentada, a clareza do discurso, o uso de técnicas como a repetição, a escolha minuciosa da ordem dos questionamentos e à força dos seus argumentos, diminuindo as hipóteses de refutação. Os apelos ao Logos incluem recorrer à objetividade, estatística, matemática, e lógica - por exemplo, quando um anúncio afirma que o seu produto é 50% mais eficaz do que a concorrência, está fazendo um apelo lógico. O raciocínio indutivo utiliza exemplos para tirar conclusões, usando, geralmente, proposições aceitas para extrair conclusões específicas. Para Aristóteles, o Logos é o tipo de argumentação mais apropriado, embora os outros possam reter, em alguns casos, igual importância. O Logos é o tipo de argumentação mais objetiva, pois o discurso deve obedecer a uma racionalidade lógica e possuir rigor, mas também é possível que o discurso possa ser ornamentado e de caráter mais literário, recorrendo ao uso de figuras de estilo. Contudo, se dermos ênfase ao Logos, teremos uma visão lógica e linguística da retórica. !56

Previsivelmente, a oratória ideal será a combinação destes três componentes em qualquer processo de persuasão, de modo a que o Logos possa apoiar o Ethos do orador (e vice-versa) e que o Pathos ajude a aceitação dos argumentos racionais (o Logos). Conforme a figuralização, como podemos entender o Ethos da campanha de Valisère? A temática trabalhada mostra a objetificação feminina e a sua luta por uma voz ativa na sociedade, ao representar as mulheres apenas de calcinhas se exercitando e com a necessidade de emprestar itens do guarda roupa masculino. Com a intenção, talvez involuntária, de propor que o público deve se esforçar para conquistar o espaço que já é reservado aos homens - o poder, respeito e força -, a campanha conversa com a consumidora de forma tendenciosa, deixando a entender que é necessária a compra de um item da marca para alcança o mesmo patamar de respeito que a sociedade masculina possui desde sua nascença. Como o público recebe esta mensagem? Considerando que nos anos 80 a temática não era amplamente discutida e que movimentos feministas estavam apenas se formando, podemos supor que o público não tenha considerado a publicidade ofensiva ou agressiva e a emoção da imagem desperta no receptor o desejo de conquistar relevância. É possível supor que a imagem foi aceita sem alarde, fazendo com que as mulheres que buscavam a validação de seu discurso comprassem o produto pela associação com o universo masculino. Se veiculada no período atual, podemos imaginar que a publicidade, e em especial a legenda, provocariam choque e até revolta. A segunda publicidade analisada é da marca Triumph, de 1982 (Fig. 26). Nela, uma mulher branca, porém bronzeada, é apresentada centralizada na imagem. Seus cabelos são castanho claros, lisos e presos em um penteado lateral. Seu rosto está maquiado com olhos marcados e um batom vermelho. Seu rosto encara o expectador, enquanto o seu corpo está levemente direcionado para a lateral. Ao mesmo tempo que a modelo estabelece um contato visual e demonstra confiança, ela se protege com o corpo em diagonal. Seu corpo mostra ossos em destaque, seios pequenos e um abdome definido. !57

Figura 26. Publicidade de Triumph. 34

O fundo da fotografia é uma parede branca com efeitos de azul escuro manchado, como pinceladas dadas ao acaso. A estética deste efeito remete à uma referência da rua, como que uma pichação. A estética contrasta com a peça de sutiã, que é branca, possui rendas e um corte baixo, mostrando o início do seio. Um pequeno laço arremata a lingerie, transmitindo a ideia de feminilidade.

34 Disponível em http://tudodelingerie.com.br/propagandas-antigas-de-lingerie.html; acesso em março 2016. !58

“Vista sua sensibilidade com Triumph” é o título da publicidade, que é separada da imagem da modelo por uma fina linha. A coleção “Amourette” é anunciada com letras cursivas e no rodapé, a marca Triumph aparece em vermelho, do lado oposto do logo da Lycra, tecido utilizado na peça. O sutiã utilizado pela modelo sugere que seu uso se dá no íntimo, para a sedução de um parceiro, tendo em vista sua modelagem e seus materiais utilizados. Esta ideia cria uma discussão em relação à legenda, que sugere sensibilidade. Uma mulher sedutora necessita ser sensível? Seria este o seu melhor atributo? Estes questionamentos são apenas possíveis de ser levantados quando estamos fora do período de quando a publicidade foi proposta. Na época, como já discutido, estes assuntos estavam sendo trazidos à tona em um passo lento, diferente do período atual. Muito provavelmente, estas perguntas não foram feitas pela consumidora da imagem, que tomavam a associação de uma mulher de lingerie e maquiagem forte com a palavra sensibilidade de forma natural, sem se questionar sobre a figura estereotipada que estava sendo estabelecida em rede nacional. O corpo da mulher, mais uma vez, remete aos padrões estabelecidos pela sociedade da época, àqueles de uma silhueta reduzida, estrutura muscular desenvolvida, traços finos e elegantes, cabelos lisos. A imagem também discute o papel ideológico feminino que, apesar dos avanços já conquistados, ainda deveria ser submissa. Analisando a propaganda segundo Floch, concluímos que seu discurso se baseia em um valor lúdico, já que a sensibilidade é não utilitarista e remete ao refinamento e a um conceito intangível. Seguindo a descrição acima, como podemos considerar o Ethos desta peça publicitária? A imagem remete à sedução da mulher, uma vez que a mostra encarando o seu expectador, porém, ao mesmo tempo, mostra a sensibilidade e fragilidade da modelo, fato ressaltado pela legenda escolhida. O público da imagem se vê diante de uma figura que mostra as duas faces de uma mesma pessoa: a força e a vulnerabilidade, algo com que todos podem se identificar. A imagem dialoga não apenas com uma mulher sensível, como anunciado, mas também com todas aquelas que desejam ser sedutoras. O Pathos é mostrado com esta ligação com o público feminino comum, aquele que possui duas facetas adjacentes, com a conexão entre um olhar e lingerie rendada. O que as duas publicidades escolhidas para ilustrar os anos 80 nos revelam? Primeiro, podemos analisar os corpos propostos por ambas, representantes do padrão de beleza da época. Nas duas, as modelos apresentam figuras esbeltas, altas, com traços bem delimitados. !59

Suas peles não possuem falhas, trazendo a cor de seus bronzeados para iluminar as campanhas. Os rostos são harmônicos, com traços delicados, sobrancelhas delimitadas e lábios proporcionais. Os cabelos são, sem exceção, lisos e variam de loiros a castanhos claros, sem nunca atingir o preto. Todas estão maquiadas, mesmo que na segunda publicidade (Triumph) os lábios e olhos estejam mais evidentes. O discurso de ambas as imagens mostra o desejo do público feminino de conquista de espaço e voz na sociedade, uma vez que buscam se apropriar do guarda roupa masculino, debatendo a questão de desejo de igualdade dos gêneros, e abordam questões como a empoderamento e sensibilidade. Apesar de ideologicamente defender a mulher, as publicidades ainda se encontram presas aos conceitos de feminilidade dos anos 80, desejando defender o papel feminino, porém destacando modelos como objetos com corpos “perfeitos”, cabelos penteados, rostos maquiados e utilizando legendas tendenciosas e atreladas às expectativas do mercado em relação ao seu espaço na sociedade. As peças de lingerie propostas nas duas figuras são diferentes e sugerem ocasiões de uso opostas. A primeira, ilustra a adoção de peças referentes aos homens, enquanto a outra segue com a estética tradicionalmente feminina, com rendas e um corte sedutor. Em nenhuma das imagens são apresentados fatores importantes para a roupa íntima como conforto, praticidade e ergonomia, ao contrário, apresentam acessórios ideológicos para a sedução ou conquista de espaço. Podemos identificar em todas as peças de lingerie uma necessidade de conquista da força feminina: na primeira, as mulheres mostram seu poder e independência com o levantamento de peso, fazendo referência à moda fitness e colorida dos anos 80. Com a adesão das peças masculinas, elas mostram a necessidade de se reafirmar como mulheres. Já na segunda publicidade, vemos a modelo combatendo o expectador, encarando-o nos olhos. Segura de si, usa uma lingerie com corte ousado, mas que ainda é utilizada para a sedução e associada à sensibilidade. !60

Figura 27. Publicidade de Duloren. 35

Para estabelecer uma discussão entre o corpo feminino dos anos 80 e o período atual, iremos analisar a publicidade da marca Duloren, cujo slogan é “Você não imagina do que uma Duloren é capaz”, frase que aparece no rodapé esquerdo, abaixo do logo da marca (Fig. 27). Na imagem vertical, vemos, centralizada, uma mulher de lingerie estampada em preta e branco, além de brincos compridos e um anel. Ela segura uma placa com escritas de fonte manual e em caixa alta “o que o povo quer?” em preto e, abaixo, a resposta aparece em vermelho: “transparência”. A modelo, de corpo escultural, seios fartos, provavelmente resultado de intervenções cirúrgicas, possui a estrutura óssea do colo ressaltada e olha para o horizonte com uma expressão preocupada. Sua maquiagem pesada evidencia seu olhar, e, os lábios semicerrados evidenciam sua expressão. Seus cabelos são castanhos e levemente ondulados, na altura dos seios. Seu corpo aparece apoiado em uma perna, com a lateral levemente posicionada para a parte esquerda da imagem, onde o logo da marca está situado.

35 Disponível em http://www.cidademarketing.com.br/2009/n/20836/duloren-faz-protesto-em-campanha.html; acesso março 2016. !61

A sua silhueta ainda segue o conceito dos anos 80, na qual as mulheres são objetificadas e apresentadas com corpos idealizados, não reais para a maioria do público feminino. Em contrapartida, a imagem apresenta a modelo e, por consequência, suas consumidoras, como alguém politizado, que compreende o momento em que estamos inseridos, um ser pensante e que possui um discurso a ser ouvido. Neste quesito, a peça publicitária é extremamente diferente do apresentado nas duas últimas análises, que trava o feminino como apenas um corpo utilizando uma lingerie, sem voz e sem caráter. A modelo está situada no centro de uma antiga rua. As paredes estão pichadas e um lambe-lambe destruído de Che Guevara aparece ao lado da personagem, remetendo a batalhas ideológicas e liberdade. As estruturas das construções a sua volta são antigas e decadentes e o chão é feito de paralelepípedos. Atrás da figura, um grupo de homens jovens correm, como se estivessem fugindo de algo. Com roupas casuais, usam camisetas e um carrega uma mochila. O que podemos concluir desta imagem, publicada em julho de 2015? Com a direção de criação assinada por Alexandre Borges e coordenada pela agência X-Tudo Comunicação Completa, a publicidade apresenta um misto de protesto e provocação. Utilizando o centro do Rio de Janeiro como palco, a agência relembra as manifestações ocorridas neste ano contra a corrupção política. O ano de 2015 foi um dos mais fervorosos para a política brasileira, incitados por disputas políticas que dividiram o país em posições partidárias diversas. No início do ano, Dilma Rousseff toma posse de seu segundo mandato e, logo após, apoia a eleição de Arlindo Chinaglia, do Partido dos Trabalhadores, para presidente da Câmara. O candidato é vencido por Eduardo Cunha, do PMDB, que é eleito com 267 votos. Esta é a ocasião que marca o início da ruptura entre a presidência da Câmara e o governo, além do início das divergências ideológicas. Um dos principais catalisadores das revoltas foi a intensa crise econômica nacional. O problema que crescia há tempos se tornou mais grave e, para diminuir gastos, o governo reduz oito ministérios e 30 secretarias nacionais que entregaram os ministérios, além de 3 mil dos 22 mil cargos em comissão do governo federal. Além do corte, a própria presidente, o vice-presidente e os ministros tiveram os salários reduzidos em 10%. Apesar da tentativa do governo de combater o problema, manifestantes contra e a favor do partido de Dilma tomam as ruas. Todas as maiores cidades do país tiveram suas avenidas invadidas pelos dois grupos, !62 um representado pelas cores verde e amarelo, enquanto o segundo levava a cor vermelha em sua camisetas e bandeiras. A discussão vai além do Brasil e invade jornais de todo o mundo, como The Guardian, Financial Times, BBC e Der Spiegel. Com o crescimento da pressão política da população, pela primeira vez desde 1937, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou, por unanimidade, a rejeição das contas de 2014 submetidas pelo governo Dilma Rousseff. Com este ato, o tribunal apresentou sua recomendação ao Congresso Nacional, responsável pela aprovação ou não das contas do governo, de se posicionar contra e, junto com os ministros, consideram que a presidente descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em uma decisão inédita do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a decisão de reabrir a ação investigativa que analisou a eleição em 2014 foi feita. Mais uma vez, grupos pró e contra o atual governo se manifestam. Reuniões como “Vem Pra Rua” e “Muda Brasil” lideram as campanhas na busca por um Brasil diferente. Outra operação investigativa, a “Lava-Jato”, completa um ano, relembrando a todos a corrupção que aconteceu no país e aumentando a descrença nas instituições governamentais. Diversos empreiteiros e políticos são presos. Um dos novos acusados é Eduardo Cunha, que, até então, presidia a câmara, tendo diversos de seus bens e quantias monetárias apreendidas. O principal evento do ano foi o pedido de impeachment, acolhido pelo mesmo e que reuniu, em 2016, votos suficientes para seguir para a votação no Senado e, em seguida, a decisão pelo afastamento da presidente por 180 dias, concedendo a posse ao vice-presidente Michel Temer. Em meio a este caos político, é possível afirmar que, independente do partido apoiado, todos os cidadãos desejam transparência. Cansados de viver situações de corrupção e insatisfação, os dois lados partidários relembram o ocorrido entre as décadas de 60 e 80, com o golpe militar e lutam para um Brasil mais correto, seja ele a favor do impeachment ou lutando pelo direito de voto, que elegeu a presidente. A marca Duloren se apropria deste momento de discussões acirradas sobre a política e clama por um país mais justo. A publicidade, sutilmente, se mostra contra o partido de esquerda, uma vez que mostra a figura de Che Guevara - notório revolucionário - de maneira corrompida e desgastada. A imagem ainda faz o trocadilho entre a transparência política e, também, a transparência na lingerie, detalhe apresentado na calcinha da modelo. Estaríamos, !63 então, falando sobre o país ou sobre uma mulher sexy e desejada, que consome moda íntima com detalhes semicobertos? A personagem apresentada, diferente das mulheres dos anos 80, que buscava a validação de sua força, agora se apresenta com uma opinião, uma voz ativa, uma sonhadora que deseja tomar as ruas e melhorar o seu país. Segurando uma placa com a sua opinião, clama por uma mudança, ao mesmo tempo em que enfrenta o problema do qual os homens, ao fundo, estão fugindo. A luz reflete em seu corpo e, com uma pose confiante, ela espera as consequências de sua manifestação. De acordo com a análise de Floch, podemos concluir que a publicidade tem um caráter utópico, uma vez que retrata assuntos políticos de cunho existencial ligados a identidade e a uma reforma política. Analisando a retórica do Ethos na imagem da campanha, entendemos que ela ainda traz a objetificação da mulher, uma vez que a modelo aparece apenas de lingerie no meio da rua, enquanto o restante dos personagens está vestido, porém, mostra também uma pessoa com opiniões políticas e com um entendimento sobre a situação atual do país. A imagem tenta dialogar com aquelas que se identificam com a revolta em relação a situação atual do Brasil e desejam uma mudança, independente do partido ao qual apoiam. A campanha tenta ir além do corpo da modelo, das roupas apresentadas, e mostrar uma opinião e inteligência. A consumidora que vê a propaganda se identifica com a imagem, uma vez que todos os brasileiros estão, de alguma maneira, a par dos acontecimentos. Desde os anos 1960, nunca houve tamanha crise e descontentamento com o rumo da país e, neste momento, a marca cria um laço afetivo com o seu público. !64

Figura 28. Publicidade de Hope. 36

A última campanha analisada é da marca Hope, estrelada pela modelo internacional Gisele Bündchen (Fig. 28). À frente de um fundo cinza claro, a modelo aparece com um sutiã simples cor de vinho. Seus braços estão abertos e a palma da mão gentilmente comprime os seios, fazendo com que fiquem mais volumosos. As unhas estão pintadas de branco claro, combinando com as letras usadas na imagem. Seu cabelo loiro está revolto, com cachos virados para o lado esquerdo da modelo, caídos sobre seu ombro. Sua expressão é de rebeldia, com a boca aberta e torta e os olhos apertados. Com uma maquiagem discreta e seguindo os tons de sua pele, o destaque aparece em seus olhos, que expressam rebeldia e confiança. Um pequeno brinco e pulseira aparecem do lado esquerdo da modelo, um pequeno detalhe que completa a estética da foto.

36 Disponível em https://revistavaidape.wordpress.com/2014/04/04/a-propaganda-do-metro-e-a-mulher-na- publicidade-brasileira/; acesso março 2016. !65

No centro, sobre Gisele, em caixa alta, a frase “Para você, só muda de medida.” aparece com a mesma fonte do logo da marca. Abaixo, a explicação: “Conheça Universal. O sutiã HOPE com numeração para diferentes tamanhos e taças. Conforto agora é combinar o número do seu sutiã com as taças A, B, C, D ou DD. Gisele é universal. E Universal é HOPE.” Finalizando os elementos visuais da campanha, no quadrante superior direito vemos a logomarca da Hope escrita igualmente em branco. Em nenhuma outra descrição de campanha deste trabalho foram citadas as modelos utilizadas. Por quê? O uso de uma celebridade em imagens publicitárias agrega os atributos da modelo à marca. O principal ponto focal da fotografia é o uso de Gisele na campanha, que altera não apenas a relevância do uso de associações secundárias, como também o impulso da campanha e da legenda por ela utilizada, já que todos os conceitos que o público possui sobre ela são inconscientemente transferidos para a marca. A modelo pode ser considerada confiável, tendo em vista que nunca se envolveu em escândalos, é tida como descontraída, possuidora de uma personalidade única, de um “gingado” brasileiro e representante da geração saúde, uma vez que sua entrada no universo da moda foi o marco da substituição da estética heroin chic, pregada nos anos 1990, por um corpo “sadio”, com formas curvas. Todas estas características são repassadas para a Hope quando suas imagens são unidas. Se a campanha desejasse defender os mesmos conceitos, porém, desta vez com uma outra modelo, digamos, Kate Moss, a estrela da estética antes citada (heroin chic), a compreensão seria completamente diferente. A segunda modelo passaria atributos como rebeldia, magreza, talvez conexão com drogas como já discutido em outros capítulos. A campanha seria entendida de maneira completamente diferente pelos consumidores e não alcançaria os mesmos resultados. Além da associação de atributos ligados à Gisele repassados para a marca, o reconhecimento da modelo como internacional dá liberdade para a descrição da campanha e o trocadilho entre a pessoa, a marca e o produto apresentado. Usando como palavra chave “Universal”, percebemos o paralelo traçado entre a lingerie, Universal, Gisele, uma modelo universal e, por último, a afirmação de que Universal é da marca Hope. Com isto, a utilização da personalidade como ponto principal da campanha justifica todos os meios aplicados. De acordo com o modelo proposto por Jeans Marie Floch em sua semiótica discursiva, podemos considerar o anúncio prático, pois, apesar de usar a modelo Gisele !66

Bündchen para trazer atributos para a marca, a publicidade se foca nos atributos funcionais da peça de sutiã: a possibilidade de combinar o seu número com diferentes tamanhos de taças, tornando a peça possível para um maior número de corpos e tamanhos. Considerando a descrição da campanha acima, entendemos o Ethos da imagem como uma retórica que une sedução e liberação da mulher. A modelo apresenta uma posição confiante em relação à sua imagem e à sua postura e se relaciona com o público através de sua personalidade. A consumidora da marca se identifica não apenas com a pessoa, Gisele, e todos os conceitos que a ela são ligados, como também com a sua atitude. Em contrapartida, a imagem se distancia de seu público a apresentar, mais uma vez um corpo estereotipado. Todas as mulheres podem se comparar fisicamente com a modelo? Todas elas possuem o corpo considerado perfeito pela indústria de moda? Todos poderiam utilizar a graduação proposta, de A à DD, ou existiriam números ainda maiores a ser explorados? Ao escolher uma modelo que segue o padrão estético definido como ideal, a campanha exclui a maior parte da sociedade que não quer ou consegue alcança-lo. A moda se encontra em um ponto crucial e importante de sua história, uma vez que o tema “corpos” está amplamente em discussão. Ao ilustrar uma personalidade de corpo esguio como a da campanha, a Hope busca seduzir a consumidora, mas ao mesmo tempo dita que ela deve ter aquele corpo e exclui muitas outras mulheres. Seria o momento atual o marco para a mudança dos paradigmas da moda e a busca por novas representações de corpos, aqueles que estão mais próximos da sociedade, com os quais a sociedade real pode se relacionar? Não deveríamos discutir mais profundamente por que desejamos nos parecer com os ideias de uma campanha, ao invés de assumirmos nossas formas? Um dos casos mais polêmicos internacionais se deu com a campanha da Victoria’s Secret, líder mundial em lingerie. Após lançar a campanha com modelos magérrimas e o título “The Perfect Body”, pessoas do mundo inteiro se revoltaram com o conceito proposto pela marca de “perfeito” e o padrão impossível e ditatorial mostrado pela marca. Em reação à publicidade, diversos grupos no mundo se uniram para criar a sua foto retratando seus corpos perfeitos. Mulheres de diversos formatos, silhuetas cheias, peles não lisas, sem tratamento de imagem ilustraram estas imagens que mostram como todos os formatos devem ser aceitos. A diferença entre uma campanha produzida com modelos ideais dos anos 80 e o período atual, !67 se dá na informação e poder de discussão oferecido pela globalização. Hoje, a facilidade de debater assuntos e a conexão entre pessoas ao redor do mundo, possibilitada pela tecnologia, facilita a compreensão de assuntos como a objetificação dos corpos e as consequências do regime de corpos perfeitos. Não mais aceitamos cegamente as publicidades propostas e temos o poder de questionar o que está sendo apresentado. As mulheres não desejam mais ser apresentadas como sensíveis, conforme a imagem de Triumph ou com a necessidade de emprestar peças de roupas do guarda roupa masculino, como na fotografia de Valisère. As campanhas da atualidade devem dialogar com sua consumidora em uma maior profundidade, trazendo assunto sobre a realidade política e personalidades influentes. Comparando todas as publicidades, podemos perceber pontos de conexão e distinção entre os anos 80 e hoje. Sob a ótica das peças e, consequentemente, da moda, podemos concluir que as lingeries utilizadas eram menos estruturadas e permitiam que a silhueta fosse mais natural, diferente do momento atual, no qual moldamos os volumes com bojos e enchimentos. Nas duas épocas, possuímos referências com transparência, porém a imagem dos anos 80 a usa com um caráter inocente, remetendo à sensibilidade, enquanto a figura atual, de Duloren, usa o detalhe para remeter ao poder de sedução e conecta a moda íntima com o desejo de um país mais nítido. Abordando a questão do machismo nas propagandas e da necessidade de reafirmação da mulher, percebemos que o assunto é mais explorado nas publicidades antigas, em especial de Valisère, que explicita a necessidade de referenciar o masculino para alcançar reconhecimento. Apesar de possuirmos, atualmente, modelos de roupa similares àqueles apresentados pela campanha, nenhuma imagem usa do artifício de itens masculinos, uma vez que as mulheres buscam seu valor defendendo suas crenças políticas, como na publicidade da Duloren. Outro fator importante é a discussão sobre a posição ocupada pelas mulheres na sociedade e como isto é refletido nas publicidades. Nas primeiras imagens analisadas, as mulheres ainda estão buscando o seu espaço e a sua expressão, tendo em vista que, na primeira imagem, necessitam referenciar o masculino e, na segunda, se veem obrigadas atuar no papel de sedutoras e, ao mesmo tempo, sensíveis. Apesar dos avanços femininos, o público não se encontrava confiante sobre seu espaço e direitos, necessitando recorrer a subterfúgios externos. Comparada com a imagem produzida pela Hope, vemos como a posição, cabelo e maquiagem foram atualizados. Ao invés de uma pose estática, apenas !68 encarando o expectador, a modelo possui um movimento e seu rosto mostra rebeldia, opiniões. Já a publicidade de Duloren expõe uma modelo com um ponto de vista político, conectada com as queixas da sociedade brasileira e defensora de suas convicções. O contraste entre as imagens apresentadas da década de 80, nas quais as mulheres aparecem mais como suporte de roupas, e as atuais, nas quais elas são representadas com uma voz ativa, se dá principalmente na evolução do assunto de igualdade dos direitos entre gêneros e na auto confiança adquirida pelas mulheres ao longo dos anos. Sobre os corpos, seguimos a interpretação de Freyre, sobre a alteração dos estereótipos de corpos das mulheres: A verdade é que a especialização de tipo físico e moral da mulher, em criatura franzina, neurótica, sensual, religiosa, romântica, ou então, gorda, prática e caseira, nas sociedades patriarcais e escravocráticas, resulta, em grande parte dos fatores econômicos, ou antes, sociais e culturais, que a comprimem, amolecem, alargam-lhe as ancas, estreitam-lhe a cintura, acentuam-lhe o arredondado das formas, para melhor ajustamento de sua gura aos interesses do sexo dominante e da sociedade organizada sobre o domínio exclusivo de uma classe, uma raça e de um sexo. (Freyre, 2006)

Podemos perceber que, assim como na citação acima, as silhuetas aparecem igualmente estereotipadas em todas as imagens analisadas, porém, atualmente, se veem um pouco mais soltas. Os corpos hoje são ilustrados com maior volume nos seios, pernas e braços, mais torneados e definidos. Os cabelos aparecem sem penteados, mais leves e rebeldes e a maquiagem, apensar de continuar marcada, segue um rumo mais real. A posição das modelos foi alterada, deixando a estática e programada posição para assumir uma postura real. Através da comparação entre publicidades, percebemos como a evolução do vestuário, corpo e conceitos femininos sofreu uma metamorfose e se atualizou, tornando-se mais inclusivo e ilustrando as mulheres de uma maneira mais evoluída, não apenas dotada de beleza, como também defensora de uma voz ativa. Estas alterações ainda estão longe de serem ideais, tendo em vista que as imagens ainda excluem silhuetas fora do padrão, gamas de tons de pele, e muitas outras questões debatidas na atualidade. Não seria este o momento de se tornar mais inclusivo? Por que não vemos tantas modelos negras ilustrando peças publicitárias ou desfilando nas passarelas? E sobre corpos plus size, estariam estes à margem !69 da sociedade ou seriam formatos comuns, que vemos todos os dias? Por que nos limitamos a escolher modelos brancas e magras como padrões de beleza ideias? A mulher é apenas um corpo belo ou possui também pensamentos e ideias que deveriam ser representados em imagens? Estas e muitas outras questões deveriam ser mais debatidas no universo da moda, tendo em vista que as decisões do setor influenciam nossa sociedade diariamente e estimulam o preconceito contra todos aqueles que não se encaixam nos arquétipos citados. Estamos em um momento no qual a inclusão social e aceitação do próximo nunca foi tão amplamente debatida e este é o momento em que a moda deve se posicionar a favor de novos paradigmas de beleza. !70

Considerações finais

A estética faz parte de um ramo da filosofia que ultrapassa o campo visual, sendo influenciada pela nossa história e referências que recolhemos ao longo da vida. A concepção do belo ou feio é criada através do julgamento além da imagem, através de um conjunto de sensações que refletem nossas opiniões sobre diversos assuntos. Além da figura visual, devemos considerar que nossa interpretação sobre um objeto se dá através das emoções transferidas pelo item analisado para nós mesmos, sobre o que esta imagem nos traz da infância, com quais conceitos do passado ela se conecta. Podemos pensar que para construir nossos paradigmas é possível ter dois tipos de histórico de referências: um capital cultural herdado, ou seja, nossos pais já possuíam alusões lapidadas sobre questões culturais, e nos passaram isto desde nossa infância; ou capital cultural adquirido, no qual a pessoa apenas recebeu direções eruditas mais tarde em sua vida, quando já estava desenvolvida. Este tipo de análise altera profundamente o nosso entendimento sobre o que possui ou não beleza e, com isto, podemos nos questionar: o que é belo? É claro que não se pode definir objetivamente a beleza, visto que não é um conceito que se atribui aos objetos de forma pessoal, uma sensação própria do sujeito que a percebe. O seu julgamento é influenciado por valores individuais, conectados a conceitos históricos, sociais, familiares, geográficos e classe social. Sendo o belo relativo, por que unificamos os corpos em uma tentativa de escolher o ideal de silhueta que deve ser seguindo por toda a sociedade? O padrão de beleza já foi alterado inúmeras vezes, com o ciclo de uma década, provando que a estética do belo não é um conceito estático, porém, ao contrário, um organismo fluído com possibilidades incontáveis. “Beleza em si não é senão a imagem sensível do infinito” afirmou o historiador George Bancroft. A natureza dela é uma das questões mais fascinantes da atualidade, levantando a questão: seria ela universal? Suponha que você compare os conceitos renascentistas de Michelangelo com o autorretrato de Van Gogh, considerando ambos belos. O que essas imagens têm em comum? Ambas são completamente diferentes, expressando traços e padrões opostos, porém, cada uma guarda em si a essência do belo. Ambas despertam uma sensação e emoção, ligadas a partes diferentes da vida do expectador. Então, se há um ponto de conexão entre as figuras, ela se dá através !71 dos sentidos. É com base nestas considerações que podemos afirmar que a beleza é um conceito que atribuímos a diferentes tipos de experiências, passadas ou presentes. “To say that a thing is beautiful is to say, not indeed that it is itself good, but that it is a necessary element in something which is: to prove that a thing is truly beautiful is to prove that a whole, to which it bears a particular relation as a part, is truly good” (Moore 1903, 201)

Uma interpretação do texto acima seria que o que é fundamentalmente importante é a situação na qual o objeto e a pessoa que o visualiza são ambos incorporados. O valor da beleza deve, então, incluir tanto características da figura, quando os prazeres do experimentador, deve surgir de uma situação na qual o sujeito e objeto são justapostos e ligados. Da mesma forma, Crispin Sartwell, em seu livro Six Names of Beauty (2004), defende que os atributos do belo não são exclusivamente para o sujeito nem para o objeto, mas se dá entre a sua relação, e ainda mais amplamente, à situação ou ambiente no qual eles são inseridos. O autor ressalta que quando atribuímos beleza ao céu à noite, por exemplo, não nos referimos simplesmente ao relatando estético, mas em contato com memórias passadas e a celebração do mundo real. O objeto belo nos convida a explorar e interpretar. Nehamas, professor de filosofia, considera que a beleza é uma experiência social. Ela é algo que compartilhamos, ou algo que queremos compartilhar, transformando momentos em intensas formas de comunicação. Assim, a beleza empírica não acontece primariamente dentro do cerebro do experimentador, mas conecta-se aos observadores e objetos, tais como obras de arte e literatura em comunidades de apreciação. O que podemos concluir, então, da beleza no universo da moda? Se ela está intimamente ligada à referências externas, à relação do objeto com o expectador, às experiências proporcionadas pelo belo e à relação entre pessoas, ela não deveria ser mais inclusiva e abordar diferentes corpos? Se ela é mutável, não deveria defender todos os tamanhos e cores presentes na sociedade? Se não existe apenas uma silhueta, as marcas de lingerie não deveriam produzir outras graduações? A moda retrata as mulheres como uma massa homogênea, porém cada uma é única, com experiências e memórias que as ligam em uma comunidade com suas próprias variações de belo. Elas existem em todos os formatos, tamanhos, cores e heranças. Elas são mães, !72 filhas, avós. São ativistas feministas, inovadoras, conquistadoras, inspiração. São as histórias pessoais criadas, e isto é beleza. É um conceito que extrapola o físico, liberando-se em sensações e atitudes, conceitos e ideais. A moda não pode continuar ignorando as pessoas reais que constituem a sociedade, enquanto modelos brancas e esguias desfilam em passarelas e ilustram todas as páginas das revistas. Embora um grande evolução já tenha acontecido, é hora de rever os paradigmas da indústria e encontrar uma beleza verdadeira. !73

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