Anais Do Ii Colóquio Do Lahes
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ANAIS DO II COLÓQUIO DO LAHES: MICRO HISTÓRIA E OS CAMINHOS DA HISTÓRIA SOCIAL Comissão Organizadora: Profª Drª Carla Maria Carvalho de Almeida (UFJF) Profº Dr Cássio Fernandes (UFJF) Profª Drª Mônica Ribeiro de Oliveira (UFJF) Profª Drª Sônia Maria de Souza (UFJF) Promoção: Laboratório de História Econômica e Social Programa de Pós-graduação em História da UFJF Apoio: Pró-Reitoria de Pesquisa Instituto de Ciências Humanas FAPEMIG CAPES Editoração: Bianca Portes de Castro Ficha Catalográfica: II Colóquio do Laboratório de História Econômica e Social (2008: Juiz de Fora, MG). Micro História e os caminhos da História Social: Anais / II Colóquio do LAHES; Carla Maria Carvalho de Almeida, Mônica Ribeiro de Oliveira, Sônia Maria de Souza, Cássio Fernandes, organizadores. Juiz de Fora: Clio Edições, 2008, http://www.lahes.ufjf.br. ISBN: 978-85-88532-29-8 1. História 2. História Econômica e Social. I. Carla Maria Carvalho de Almeida. II. Mônica Ribeiro de Oliveira. III. Sônia Maria de Souza. IV. Cássio Fernandes. CLUBE DA ESQUINA: A “TERCEIRA MARGEM” DE UM DEBATE ESTÉTICO-IDEOLÓGICO? Ciro Augusto P. Canton * Nossa proposta de comunicação parte do projeto “Nuvem no céu e raiz: engajamento político no Clube da Esquina – o Brasil e a década de 1970”, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São João del-Rei (PGHIS – UFSJ) e aprovado para os anos de 2008 e 2009. Naturalmente, traz mais perguntas que respostas, lançando problemas sobre um campo tão rico e complexo e que, pela segunda metade do século passado, se institucionalizava: a famosa MPB, Música Popular Brasileira. Mais especificamente, nosso alvo é o não tão famoso Clube da Esquina – um grupo de artistas que, a partir dos anos 1960, reuniu-se na capital mineira, produzindo uma obra vasta e consistente (de alcance até mesmo internacional1) –, embora haja aqueles que não reconheçam a importância do “movimento”, enquanto síntese dos conflitos que vinham desde o início daquela década2. Com o tempo, pudemos perceber que o Clube abrigava um leque extenso de artistas e seus respectivos trabalhos, que nós até então desconhecíamos. Assim, resolvemos restringir a análise para a discografia de Milton Nascimento por dois motivos básicos: em primeiro lugar, pelo seu caráter “catalisador”, tido pelos demais integrantes como o responsável pela reunião do grupo. E, em segundo, por sua maior expressividade na indústria fonográfica, em decorrência do crescente investimento da gravadora Odeon, que via naqueles mineiros – e sobretudo em Milton – a sua “faixa de prestígio”. De acordo com Márcio Borges, um dos letristas do grupo, que mais tarde viria a escrever um livro com suas memórias acerca do Clube da Esquina: A produção preparada para o Milagre dos Peixes [álbum de Milton Nascimento, de 1973] já mostrava que a gravadora queria investir. Havia uma orquestra sinfônica dentro do estúdio, com músicos eruditos do calibre do cello Peter Dauesberg, ou do spalla Giancarlo Pareschi. E o que mais Bituca quisesse. Milton Miranda e Adail Lessa acreditavam mais do que nunca no potencial do meu bom Ludwig Von Betúcious. Na gravação do “Tema dos Deuses”, até o veterano maestro Radamés Gnatalli chegou junto da rapaziada: escreveu o arranjo e regeu a * (PGHIS – UFSJ / CAPES) 1 Em www.museuclubedaesquina.org.br. Em 1967, Milton grava seu primeiro disco, Milton Nascimento/Travessia e, em 68, é convidado a gravar Courage nos EUA. 2 Se é que não podemos antecipar ainda mais o debate tradição/modernidade, popular/erudito, antigo no que diz respeito às artes nacionais e aos sujeitos envolvidos em seu processo de construção. Ver: SQUEFF, Enio & WISNIK, José Miguel. Musica: O nacional e o popular na cultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, s.d. ISBN: 978-85-88532-29-8 – Clio Edições – 2008 1 orquestra. A produção gráfica do álbum, projeto de Noguchi, também foi cara e bem cuidada. Para coroar, havia também um novo empresário para Bituca, um nome bastante conhecido no meio, Benil Santos, empresário de estrelas. Quer dizer, era uma virada.3 Ainda assim, restava um último elemento na delimitação do objeto: o recorte cronológico. Tendo em vista a amplitude e a potencialidade da obra de Milton, foram selecionados alguns de seus LP’s dos anos 70, que, segundo Marcos Napolitano, com “a entrada de novas gravadoras (como a WEA), a modernização dos estúdios e a perspectiva de abertura política”4, foram responsáveis, ao lado de trabalhos de outros artistas (como Chico Buarque e Elis Regina), pela retomada da Música Popular Brasileira de seu espaço comercial e cultural. Neste sentido, façamos duas observações: de acordo com o autor, o declínio da MPB coincide com os famigerados “anos de chumbo” do governo Médici, e sua ascensão, com o processo de abertura política, a partir de 1974. Em primeiro lugar, enquanto vários de nossos artistas e intelectuais foram exilados pelo regime, Milton Nascimento e praticamente todos os integrantes do Clube da Esquina permaneceram no Brasil, desenvolvendo trabalhos significativos com setores estudantis – lembrando que “após o ciclo dos festivais da canção, esgotado no final da década de 60, a vigilância sobre a MPB, principalmente entre 1971 e 1974, estava ligada à vigilância sobre o movimento estudantil”5. Em segundo, acreditamos que a questão do engajamento político não possa ser vista apenas pela ótica do “opressor”: dois álbuns, para não citar outros, lançados por Nascimento na primeira metade da década de 70, trazem claras menções e questionamentos às mazelas provocadas pelo regime ditatorial (Clube da Esquina, de 1972 e Milagre dos Peixes, de 1973)6. Retoma-se, além disso, a discussão sobre um período conturbado da história brasileira, onde os artistas desempenharam papel fundamental na crítica ao sistema. A ditadura militar deixou feridas numa sociedade, que vez por outra insiste em escondê-las, negligenciando um passado ainda encoberto pelas brumas da repressão (quando arquivos documentais são perdidos em decorrência de “acidentes”, os mais variados) e por isso carente de investigações sobre suas fontes, muitas delas ainda vivas – literalmente falando. O historiador que se 3 BORGES, Márcio. Os sonhos não envelhecem: História do Clube da Esquina. 4ª ed. – São Paulo: Geração Editorial, 2002. (p.310) 4 NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Annablume: Fapesp, 2001. (p.340) 5 NAPOLITANO, Marcos. A produção do silêncio e da suspeita: a violência do regime militar contra a MPB nos anos 70. Em www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. (p.2) 6 De acordo com Marcelo Ridenti, “dos anos 60 aos 80, a turma do Clube da Esquina compôs inúmeras canções politizadas, numa trajetória que mereceria um estudo específico”6. RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2000. (p.347) ISBN: 978-85-88532-29-8 – Clio Edições – 2008 2 aventura pelos domínios do período ditatorial, acaba se defrontando com tais percalços em sua pesquisa, num terreno onde História e memória ainda se confundem. Pequeno estudo de caso: o álbum “Milagre dos Peixes” Chama nossa atenção o salto dado por grande parte da literatura da MPB que, da Tropicália, parte para o pop-rock (Legião Urbana, etc) dos anos 80, deixando a impressão de um “vazio cultural” ao solapar as ricas manifestações da década anterior. Mas seria mesmo, aquele período, um vazio cultural? Ou será que a referida expressão se sustenta por encontrar “eco” em trabalhos de peso, verdadeiras macro-análises que deixam de fora as particularidades, aqueles casos que fogem muitas vezes às generalizações? E, neste sentido, não acenamos apenas para aqueles que têm como objeto específico a MPB, mas também para trabalhos como o do sociólogo Marcelo Ridenti, que – ao tratar da questão do engajamento – aponta “o enfraquecimento da arte política nos anos 1970”7. Mas será que em lugar de enfraquecimento não ficaria melhor o termo transformação? Marcos Napolitano, por sua vez, coloca o Clube da Esquina entre as tendências – “experiências musicais que recusavam o mainstream do samba-bossa nova e não aderiam completamente ao pop sem, no entanto, recusá-lo”8. Resta-nos saber, entretanto, do que se trata aquela expressão, que pouco ou nada revela sobre o nosso objeto, e mais parece uma tentativa de rotular as manifestações que, a princípio, fugissem às vertentes predominantes da música popular brasileira de então. Em entrevista a Márcio Borges, Bituca (apelido de infância de Milton) relata um dos momentos mais marcantes de sua carreira, no que diz respeito à censura de suas canções: BITUCA – (...) eu tive muito problema, você sabe. Problema de censura nos discos, como o Milagre dos Peixes, que foi quase todo censurado. A Odeon queria que eu fizesse outro disco, eu falei: "não, vai sair desse jeito", usando a voz como instrumento, como uma arma. E olhe que tentaram censurar a voz também. MÁRCIO – Acharam que a voz estava agressiva demais. Eu lembro disso, impressionante. Censuraram as palavras, você disse "tudo bem, eu canto sem palavras", aí acharam que tinha ficado mais forte e quiseram censurar a voz.9 7 RIDENTI, Marcelo. Cultura e Política: os anos 1960-1970 e sua herança. (p.163) In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucília (orgs.). O Tempo da Ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 8 NAPOLITANO, Marcos. A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural. Em www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html. (p.8) 9 Em www.museuclubedaesquina.org.br. Depoimento de Milton Nascimento, sem datação precisa. Entrevista concedida a Márcio Borges, publicada originalmente no livreto da coleção “Milton Nascimento – Uma Travessia de Sucessos”, produzida por Seleções Reader’s Digest. ISBN: 978-85-88532-29-8 – Clio Edições – 2008 3 Apesar do crescente debate acerca das relações entre História e Música, provocando novos olhares e uma metodologia cada vez mais apta a abordar o referido tema10, por vezes, as atenções dos estudiosos têm se voltado apenas para os parâmetros poéticos, ou seja, as letras são priorizadas enquanto “base de leitura crítica”11, figurando como o principal, senão único elemento de problematização – o que não esgota as possibilidades de análise.