Maria De Fátima Claudino Forte De São Lourenço (Olhão): Arqueologia E História De Uma Fortificação Moderna

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Maria De Fátima Claudino Forte De São Lourenço (Olhão): Arqueologia E História De Uma Fortificação Moderna Maria de Fátima Claudino Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna Só a memória enriquece e alimenta. Não há pedra que mais sangre nem asa que mais nos liberte. Talvez por isso os saberes da memória respiram um tempo e um espaço muito próprios. A morte que tudo transfigura pratica as artes supremas da imprevisibilidade. E, nesta impreveidência se compraz, irremediavelmente, a nossa humana condição. Manuel Lopes Prefácio, 1995 “O Barco Poveiro”, de Octávio Lixa Filgueiras 1 Maria de Fátima Claudino Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna INTRODUÇÃO O forte de São Lourenço é um sítio arqueológico peculiar, visto ser a única estrutura militar que se conhece em território português submersa em água e imersa em areia. O forte foi erguido em plena Ria Formosa, rodeado de água, perto da Barra Grande, num contexto defensivo da entrada da cidade de Faro. Os solos arenosos onde o forte foi assente encontravam-se em constante movimentação para Levante, numa dinâmica permanente, levando a uma deslocação da barra para longe da fortificação. Os efeitos provocados pela sismicidade que ali se fizeram sentir, ajudaram ainda mais a fragilizar a estrutura construtiva ao longo dos anos. A dificuldade do estudo deste sítio provem do fato de os vestigios da estrutura se encontrarem dispersos à superfície e os trabalhos arqueológicos serem muito dificultados pelo fato de o acesso ao sítio ter de ser realizado em período de marés vivas, que permitam trabalhar o sítio a seco. Em meio submerso os trabalhos são dificultados pela forte corrrente existente. No entanto, estes trabalhos levados a efeito no contexto da aqueologia em meio aquático, foram fundamentais para estudar este tipo de sítio. Pretende-se, pois, demonstrar a importância estratégica desta fortificação ao longo da época moderna, integrado na planificação da defesa marítima da costa algarvia e mais especificamente na defesa da Barra de Faro, num contexto construtivo que representou o espírito da sua época. Pareceu-nos que este trabalho poderá ajudar a melhor conhecer as estruturas militares levantadas no pós-Restauração, bem como a evolução de um pensamento cujas opções de construção, podendo parecer estar condenadas ao fracasso desde os primeiros anos, nunca foram totalmente abandonadas, dada a importância estratégica para o qual a Forte foi planeado. Ele poderá permitir, também, trazer novos dados sobre os equipamentos disponíveis no Forte e a vida quotidiana da sua guarnição. Não há praticamente estudos sobre o Forte de São Lourenço, salvo o conhecimento do fundo particular de Carlos Pereira Callixto doado ao Arquivo Histórico Militar, bem como os seus trabalhos editados nos Anais do Município de Faro entre 1979 e 1986. 2 Maria de Fátima Claudino Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna Face à escassa informação disponível sobre o sítio, nomeadamente no que diz respeito a desenhos e plantas, este trabalho obrigará a uma pesquisa pormenorizada dos vestígios materiais existentes do Forte, relacionando-os e comparando-os com os documentos cartográficos e iconográficos disponíveis da época, a fim de ser possível a reconstituição histórica, o conhecimento sobre a sua construção e reconstruções sucessivas, relacionadas com a condição geoeconómica, sísmica, quotidiano e funcionalidade. Assim, quanto à metodologia da investigação arqueológica, procurámos alcançar os seguintes objectivos: relocalização do sítio arqueológico; definição das áreas de incidência de materiais pertencentes ao Forte; interpretação topográfica / batimétrica e geofísica rebocada; registo arqueográfico e posicionamento e recolha eventual de espólio associado ao sítio. Pretendeu-se avaliar o potencial arqueológico da zona, nomeadamente confirmar a existência de anomalias reveladas previamente pelo side scan sonar. Num trabalho de arqueologia histórica, será também muito importante recolher toda a informação presente na documentação escrita sobre o Forte de São Lourenço, investigando nomeadamente os pareceres dos Conselhos de Guerra existentes no Arquivo Histórico Militar, bem como a informação contida nos relatórios de inspecção às fortalezas da costa algarvia. * Dividimos este estudo em cinco capítulos. No primeiro, Enquadramento geográfico, pretendemos analisar todo um contexto físico que se encontrava associado à fortificação, iniciando com uma abordagem geral sobre o Algarve e particularmente a região do Sotavento, mas centrando-nos essencialmente no sistema lagunar da Ria Formosa. Esta caracterização terá em conta aspectos relacionados com o regime de marés, os fundos e dinâmicas sedimentares, bem como a sismicidade histórica, visto terem condicionado a história do Forte de São Lourenço. A relação entre a geografia física e humana durante a Idade Moderna, a interacção histórica mar / terra e a 3 Maria de Fátima Claudino Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna exposição da costa do Algarve a diversas acções militares, no contexto turbulento da Idade Modera, serão outros temas aflorados. No segundo capítulo, Construção e evolução da estrutura fortificada, foram abordadas todas as questões relacionadas com a caracterização da estrutura militar e também as características e o material utilizado na sua construção. Fundamentalmente assentes em documentação escrita e na iconografia disponível, procuraremos traçar a evolução do Forte ao longo dos séculos posteriores à sua ereção em 1653 e até ao seu abandono em 1821. Nesse sentido iremos expor os dados históricos do Forte, a evolução da sua construção, referindo episódios que lhe estão associados, reconstrução e as causas naturais que se reflectiram neste processo. No terceiro capítulo, Caracterização do sítio arqueológico, foi feita uma análise dos vestígios existentes no local, com vista à localização e caracterização do Forte. Foi realizado em 2006 um primeiro levantamento da zona referenciada, mas sem resultados conclusivos quanto à localização exata do Forte. Já no âmbito da realização deste mestrado foi assumido como objetivo a continuação da caracterização dos vestígios de superfície e, sobretudo, a delimitação das suas áreas de dispersão. Efectuou-se um levantamento de todos os vestígios vísiveis em maré baixa através de GPS. Procurou-se, igualmente, interpretar os dados obtidos anteriormente por sonar de varrimento lateral, em comparação com a cartografia histórica. No quarto capítulo, Os equipamentos militares e a guarnição fizemos uma análise histórica sobre o quotidiano das guarnições que o Forte albergou. Apoiámo-nos da leitura das Relações da Guarnição e Artilharia, existentes no Arquivo Histórico Militar. Nesta documentação foi-nos dada informação sobre o número de efectivos, a caracterização da guarnição e as patentes militares. Analiámos o uso da artilharia utilizada no Forte e outros objectos relacionados com a a vida militar da fortificação, nomeadamente no que dizia respeito à sua origem, número de peças, calibre e o estado da sua conservação ao longo do tempo de vida do Forte. A documentação proporcinou também dados relativos à assistência espiritual e à existência de uma ermida. No quinto capítulo, Utilidade estratégica e militar, foi definida e avaliada a importância estratégica e militar do Forte de São Lourenço na defesa da Barra e Praça 4 Maria de Fátima Claudino Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna de Faro, no contexto lagunar da Ria Formosa. Importou avaliar sobre a funcionalidade e utilidade do Forte no seu período de actividade. Foi analisado o seu desempenho militar durante este período, se serviu para a inibição de combates, defesa e amparo das embarcações. * O contacto direto com as evidências arqueológicas e manifestações de cultura constitui sempre uma apropriação e valorização da uma herança cultural, propiciando uma consciêncialização para o estudo da história, em particular num sítio que se caracteriza apenas pela existência de evidências dispersas e visíveis em alturas de baixa-mar. Fatores indispensáveis neste contexto, e que nos motivam particularmente, são a leitura do mundo que rodeia o sítio arqueológico, a promoção do diálogo e a dinamização de atitudes geradoras de posturas civicas em relação ao património. Desta forma, este estudo visa também ser um ponto de partida para a valorização deste património, a sua defesa, recuperação e divulgação. É, pois, importante que, para lá deste trabalho, se continue a consciencializar a população local para este valor histórico, desenvolvendo actividades que propiciem a aproximação a um património que é colectivo, nomeadamente junto das escolas do concelho, promovendo palestras e incentivando os professores a visitar o sitio onde se encontram os vestigios do Forte, com o apoio da capitania do Porto de Olhão. Uma acção que julgamos pertinente é a realização de uma exposição fotográfica, com base em todos os materiais recolhidos no decurso deste estudo, iniciativa que contaria com o apoio da Câmara Municipal de Olhão e da Bilbioteca Municipal, instituições fundamentais no desenvolvimento deste trabalho. 5 Maria de Fátima Claudino Forte de São Lourenço (Olhão): Arqueologia e História de uma Fortificação Moderna CAPITULO I Enquadramento geográfico A unidade territorial portuguesa ficou definida com a conquista do Algarve, em 1249, e com a assinatura do Tratado de Alcanices em 1297. O medo de Castela reduziu a população na fronteira, a raia foi fortificada e intensificou-se o povoamento
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