Coro Casa Da Música, Após Cidade Em 1983, Precisamente O Ano De Publi‑ Reconstrução Por James Wood
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
23 Set 2018 Coro 18:00 Sala Suggia – Casa da Música FANTASIA Paul Hillier direcção musical Giovanni Gabrieli O magnum mysterium, motete de Natal (pub.1587) Carlo Gesualdo Il sol qual or più splende – Volgi, mia luce, do Livro IV de Madrigais (pub.1596) Moro, lasso, al mio duolo, do Livro VI de Madrigais (pub.1611) Johannes Ockeghem Alma Redemptoris Mater (séc.XV) György Ligeti Drei Phantasien (1983) 1. Hälfte des Lebens 2. Wenn aus der Ferne 3. Abendphantasie Johannes Ockeghem Kyrie e Gloria da Missa Prolationum (séc.XV) Pablo Ortiz Ancor che col partire (2016) E ne la face de begli occhi accende (2016) Giovanni Gabrieli O Jesu mi dulcissime (pub.1615) Textos originais e traduções nas páginas 7 a 13. Duração aproximada do concerto: 1 hora sem intervalo. Maestro Paul Hillier sobre o programa do concerto. https://vimeo.com/290875667 MECENAS MÚSICA CORAL A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE Igualmente contemplado no Cancioneiro, A extraordinária riqueza semântica do vocábulo Johannes Ockeghem (c.1410 ‑1497) foi, indis‑ fantasia permite a sua aplicação como sinónimo cutivelmente, um dos mais influentes compo‑ de conceitos como ficção, ideia, disfarce, capri‑ sitores da geração anterior a Josquin. Este cho, quimera ou até alucinação. Todas estas chegou mesmo a compor Nymphes des bois acepções tomam a natureza criativa da imagi‑ – uma das suas obras mais tocantes, sobre nação como denominador comum e ponto poema de Jean Molinet (1435‑1507) e com de partida para algo que se aparta, num grau cantus firmus retirado da Missa de Defuntos – mais ou menos profundo e com consequên‑ como tributo em forma de “deploração sobre a cias díspares, da realidade. Uma das mais remo‑ morte de Johannes Ockeghem”, em Fevereiro tas aparições do termo fantasia em contexto de 1497. Com um percurso biográfico inicial musical surge no Cancioneiro de Isabella d’Este, ainda por desvelar, mas que deverá incluir manuscrito compilado no último quartel do uma relação próxima com o conterrâneo Gilles século XV como oferenda a Isabella, filha do Binchois (c.1400 ‑1460) desde a juventude, o Duque de Ferrara, por ocasião das suas núpcias primeiro testemunho da sua actividade musi‑ com Francesco Gonzaga, Marquês de Mântua. cal data de 1443, enquanto vicaire ‑chanteur Aqui, a expressão “Ile fantazies de Joskin”, que ao serviço da Igreja de Nossa Senhora (actual surge numa obra atribuída no próprio manus‑ Catedral) de Antuérpia. No ano seguinte, era crito a Josquin des Prez (c.1450 ‑1521), poderá já músico da corte de Carlos I, duque de Bour‑ aludir à imaginação deste nome cimeiro da bon, onde terá permanecido até ser contratado música europeia: de acordo com o musicó‑ para a corte real francesa de Carlos VII. Aqui, logo Christopher Field, servirá para sublinhar ao longo de uma carreira de quase meio século, a concepção livre desta obra, sem recurso a em que acompanhou sucessivamente Luís XI e material motívico pré ‑existente e sem qualquer Carlos VIII, solidificou e extravasou uma firme texto literário subjacente. Preservado desde reputação como cantor e compositor – é de 1844 na Biblioteca Casanatense, em Roma, o sublinhar o seu envolvimento em embaixadas Cancioneiro de Isabella d’Este é um dos mais diplomáticas a Castela, em 1470, e a Bruges, em relevantes manuscritos de música profana 1484, e a menção como conselheiro do rei num engendrados nas vívidas cortes da Península documento de 1477, a par da honrosa e recor‑ Itálica da transição entre os séculos XV e XVI. rente apropriação de obras suas como modelo As autorias das 123 obras nele incluídas paten‑ para outros compositores e de frequentes teiam a influência central de uma excelsa linha‑ e unânimes encómios por parte de poetas e gem de músicos franco ‑flamengos, desde logo teóricos. A antífona mariana Alma Redemp- o próprio Josquin des Prez, mas contando toris Mater, provável fruto do período mais também com nomes como Johannes Martini tardio de Ockeghem, foi erigida em torno da (c.1430 ‑1497) – provável professor de música melodia do cantochão, aqui atribuída à voz de de Isabella d’Este Gonzaga –, Antoine Busnoys alto. A partir desta, desenrola ‑se uma textura (c.1430 ‑1492), Alexander Agricola (c.1445‑ a quatro partes (com excepção de breves ‑1506), Loyset Compère (c.1445 ‑1518) ou Jacob duos) inusitadamente aguda, que resulta num Obrecht (1457/8 ‑1505). ambiente geral de grande leveza e transpa‑ rência. A Missa Prolationum, apontada por 3 Leeman Perkins como o provável “feito contra‑ a fim de estudar com Orlando di Lasso (c.1532‑ pontístico mais extraordinário do século XV”, ‑1594) e a subsequente contratação para a era já admirada pelos contemporâneos de corte do duque Albrecht V da Baviera foram Ockeghem pela feliz confluência de objectivos centrais para uma enorme influência futura a musicais e didácticos. Com efeito, o resultado norte dos Alpes, que a capacidade de atrac‑ sonoro gracioso e fluído oculta uma concepção ção a Veneza de alunos como Mogens Peder‑ sem precedentes, com recurso simultâneo às søn (c.1583 ‑1623), Antonio Tadei (c.1585 ‑1667) quatro indicações de mensuração (ou prola‑ ou Heinrich Schütz (1585‑1672) – provenien‑ ções) em cânones de pares de vozes e a entra‑ tes, respectivamente, de Copenhaga, Graz e das das sucessivas imitações com aumentos Kassel – torna clara. Desenvolveu a sua carreira intervalares progressivos, desde o uníssono até simultaneamente ao serviço da Basílica de São à 8ª, a partir de temas provavelmente resultan‑ Marcos e da Scuola Grande de São Roque, tes da fantasia do próprio Ockeghem. tendo daí resultado uma produção quase exclusiva de música religiosa. Na esteira da Um século e meio mais tarde, o matemático, tradição policoral explorada de modo seminal filósofo e teórico Marin Mersenne (1588 ‑1648) por Adrian Willaert (c.1490 ‑1562) – um dos ilus‑ apontava como característica essencial a tres antecessores de Gabrieli em São Marcos qualquer fantasia a ausência de sujeição da – compôs numerosas obras para vários coros, música a um texto literário. Na página 164 do até um total de 19 vozes. O magnum myste- Livre second des Chants do seu monumental rium e O Jesu mi dulcissime, ambas para tratado Harmonie Universelle (1636‑7) descre‑ 8 vozes, revelam fases distintas no estilo de ve ‑a, por oposição à canção ou ao motete, Gabrieli: enquanto a primeira, que surge no como o género musical em que “o Músico toma supracitado volume de 1587, patenteia um a liberdade de empregar tudo o que lhe vem ambiente sereno, com subtis passagens de ao espírito sem exprimir a paixão de qualquer testemunho entre o coro grave e o coro agudo palavra”. Por essa altura, Giovanni Gabrieli até ao mais vivaz aleluia final, a segunda, publi‑ (c.1554 ‑1612) havia já publicado o único exem‑ cada no volume póstumo Symphoniae sacrae plar do género fantasia que dele nos chegou, liber secundus (Veneza, 1615), faz um aprovei‑ inserido em Intavolatura di liuto, libro secondo tamento sistemático do ritmo declamatório, da (Veneza, 1599), a cargo do compositor e alau‑ ornamentação e de contrastes entre secções a dista Giovanni Antonio Terzi (fl.c.1580 ‑1600). 4 vozes e o tutti em momentos‑chave do texto. Apontado como um dos mais distintos repre‑ sentantes do ambiente musical veneziano da Entretanto, quase no extremo oposto da sua época, o seu percurso ficou indelevelmente Península Itálica, Carlo Gesualdo (1566 ‑1613) ligado ao tio, o igualmente insigne músico tornava ‑se notável, no ano de 1590, por moti‑ Andrea Gabrieli (c.1532 ‑1585). A admiração vos extra ‑musicais: o assassinato, por suas que por ele nutria, explícita na dedicatória de próprias mãos, da sua mulher e do amante Concerti di Andrea et di Gio[vanni] Gabrieli desta, de acordo com os costumes de defesa (Veneza, 1587), levou ‑o a responsabilizar ‑se da honra vigentes na época. A inusitada noto‑ pela publicação de um grande número das suas riedade deste acto ter‑se ‑á exponenciado obras. Ainda jovem, a deslocação para Munique devido à sua posição social – Carlo era filho 4 de Fabrizio II Gesualdo, príncipe de Venosa, e splende e Moro, lasso, al mio duolo. A predi‑ Girolama Borromeo, sobrinha do papa Pio IV e lecção por imagens metafóricas, com contras‑ irmã do cardeal Carlo Borromeo (canonizado tes sucessivos, é aqui tipicamente aproveitada em 1610). A consequente saída de Nápoles para com o tratamento musical individual de cada se refugiar na sua propriedade e a deslocação palavra e o uso liberal de cromatismos e disso‑ a Ferrara, quatro anos mais tarde, por ocasião nâncias, a par de uma constante volubilidade do seu casamento com Leonora d’Este (sobri‑ rítmica entrecortada por pausas abruptas, num nha do duque Alfonso II), foram o ensejo para estilo que os musicólogos Lorenzo Bianconi e se dedicar de uma forma mais consistente e Glenn Watkins afirmam “já não representar a assumida à música, que até então cultivara às normalidade madrigalística, mas uma extensão ocultas. O ímpeto para a constituição de um extrema e desafiante do stylus phantasticus”. agrupamento ao seu serviço terá mesmo sido inspirado pela excelência dos músicos da corte É preciso, contudo, avançar até à penúltima do duque de Ferrara, encabeçados pelo orga‑ década do século XX para destrinçar uma nista e compositor Luzzasco Luzzaschi (c.1545‑ alusão explícita à fantasia no programa de ‑1607), que Gesualdo abertamente elogiava. hoje, em concreto em Drei Phantasien, de Também aí terá amadurecido uma linguagem György Ligeti (1923 ‑2006). Considerado em que desbravava uma perspectiva extre‑ um dos mais relevantes músicos de origem mada em relação ao postulado por Mersenne, húngara do século XX, com 26 anos de idade ao procurar traduzir em imagens e gestos musi‑ leccionava Harmonia e Contraponto na cais toda a carga associada aos textos. Esta Academia de Música de Budapeste, onde se perspectiva é evidente no repertório sacro, ao graduara sob a orientação de Ferenc Farkas qual se foi dedicando com maior acuidade na (1905 ‑2000), Sándor Veress (1907 ‑1992) e Pál última década de vida e que materializou em Járdányi (1920 ‑1966).