ADMINISTRAÇÃO Revista da Administração Pública de Macau

MACAU, 1989

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ADMINISTRAÇÃO Revista da Administração Pública de Macau

Quatro números por ano

Director: Manuel Gameiro

Director-Adjunto: Gary Ngai

Subdirector: Guilherme Valente

Secretário da Redação: Peter Lio Meng

Conselho de Redacção: António Teixeira, Diogo Lacerda, Eduardo Cardeano Pereira, Gary Ngai, Guilherme Valente, Manuel Gameiro, Maria do Carmo Romão, Paulo Tavares, Peter Lio

Tradução: António Lai, Lio Sio Meng, Rebeca Ló, TaiFui

Propriedde: Administração Pública de Macau

Edição: Serviço de Administração e Função Pública

Direcção, redacção e administração: Calçada de Santo Agostinho, n.º 19 Apartado 463, Macau Telef. 323623 Distribuição e assinaturas: telef. 5995512/514 Composição e impressão: Imprensa Oficial de Macau 2.ª Edição, 1995 Tiragem: l 000 exemplares ISSN 0872-9174

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Número 3/4 (1.º e 2.º de 1989) Volume II Junho de 1989

SUMÁRIO

CULTURA 7 Macau no diálogo cultural com o Oriente Jorge Rangel

SEGURANÇA SOCIAL 21 Contributos para um sistema de Segurança Social em Macau Maria do Carmo Romão

DESENVOLVIMENTO 63 O sistema de transportes no desenvolvimento do Delta do Rio das Pérolas: a questão vista de Macau Gary Ngai

ENSINO DO PORTUGUÊS, LÍNGUA ESTRANGEIRA 87 Sobre a sintaxe contrastiva do sistema verbal do português e Co cantonês. T. A. Cheng 99 O ensino do português a alunos chineses Cláudio Ló

ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA 105 O ciclo orçamental na administração pública de Macau Jorge Bruxo

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FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL 115 Uma estrutura autónoma para a formação profissional na perspectiva da transição. José Mesquita 129 O ensino técnico e a formação profissional: a experiência de . H. R. Knight

DOCUMENTOS 147 Estatuto disciplinar dos funcionários públicos e agentes da administração pública de Macau

193 CONSULTADORIA JURÍDICA

343 ABSTRACTS

Os trabalhos assinados puhlicados na revista Administração são da exclusiva responsabiliddade dos seus autores.

Os trabalhos originais publicados em Administração podem, em pincípio, ser transcritos ou traduzidos noutras publicões, desde que se indique a sua origem e autoria. É, no entanto, necessário um pedido de autorização para cada caso. 4

Cultura

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6 Administração, n.º 3/4, vol. II. 1989-1.° e 2.°, 7-18

MACAU NO DIÁLOGO CULTURAL COM O ORIENTE

Jorge Rangel **

1. DA MEMÓRIA CIVILIZACIONAL AO PROLONGAMENTO DE UM DIÁLOGO FECUNDO Ainda há pouco tempo, a Professora Maria Idalina Resina Rodrigues, que temos o enorme prazer de ter hoje connosco para proferir a 1.ª lição deste seminário organizado pelo Centro de Estudos Portugueses da Universidade da Ásia Oriental, escrevia que «[...] a cultura portuguesa (que se deu às trocas entre os povos e raças) tem uma homogeneidade densa que enfeixa achegas locais e se revê matizada em contributos que se disseminam pelo mundo». «A permuta cultural é benéfica e fermenta quem acolhe e quem é acolhido; com ela há-de regozijar-se, porque é riqueza». E «[...] o enriquecimento é mútuo e pode lançar raízes». Embora estas palavras tivessem sido escritas tendo em conta o nosso reencontro com a Europa e a «bagagem de cultura amadurecida» que para ela agora estamos a transportar, elas também se aplicam, na plenitude, à diáspora, à ânsia de transpor limites que nos levou sempre mais longe, à ligação entre civilizações e culturas, de que fomos e ainda somos mediadores. Mais do que neste retorno ao velho continente, onde o ritmo e as metas já não são marcados por nós, e onde iremos sempre no encalce de pontos de chegada, que não devemos deixar de exigir que sejamos também nós a definir, foi na faina cosmopolita que «os padrões se sucederam, dialogaram, se confrontaram e se saudaram». Julgo, pois, poder com esta ideia-força abrir, de forma apropriada, este seminário e a comunicação que os seus promotores quiseram que eu apresentasse nesta sessão e que valerá apenas como intróito à série de palestras que tês distintos Professores Catedráticos das nossas Faculdades de Letras irão fazer nestes próximos dias, com a colaboração dos leitores do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa presentemente prestando serviço em Macau, na nossa Universidade.

* Comunicação apresentada na sessão de abertura do «Seminário de Cultura Portugue- sa», organizado pelo Centro de Estudos Portugueses da Universidade da Ásia Oriental. ** Presidente da Fundação Macau.

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A eles, aos especialistas, caberá tratar o tema geral do seminário, na sua perspectiva histórica e científica. Vão fazê-lo, com a competência que lhes é publicamente reconhecida. Aos responáaveis pelas instituições compete, por seu lado, criar condições para que o diálogo intercultural, já multissecular, possa continuar consequente e fecundo. É, pois, perspectivando o futuro que desejam que aborde esta questão, agora que entrámos em mais um período de viragem histórica, neste singular território marcado por um prolongado convívio de culturas, que aqui tiveram o seu mais duradouro ponto de encontro. «Do Oriente nos vem tudo — o dia e a fé», diz-nos Pessoa. Foi a quem primeiro descobriu o Ocidente, em demanda de mercado para as suas sedas. Mas foram os Portugueses que abriram as terras das especiarias, da porcelana, do chá e das pedras preciosas ao comércio europeu e aproximaram do ocidente os povos e as culturas orientais. Em Ceuta edificámos o pórtico da nossa «cruzada», que teve o seu remate na Cidade do Nome de Deus de Macau, que se tornou, até por isso, na expressão feliz do Prof. José Augusto Seabra, o «símbolo por excelência do nosso modo universal de ser». Desse longo percurso de séculos, da memória civilizacional que ainda inspira a nossa identidade, importa saber o que efectivamente ficou e que instrumentos Portugal, integrado hoje num novo espaço socioeconómico privilegiado, pode ainda usar para prolongar o seu diálogo cultural com as velhas nações do Oriente, no fecho definitivo de um ciclo da nossa história. Para além das pedras, que ainda são testemunho eloquente duma forma de ser e de estar, relembrando as feitorias, os fortes e as igrejas, todos sabemos que ainda há, um pouco por toda a parte, neste vasto Oriente, comunidades de raiz portuguesa vivas ou sobreviventes e uma língua, com as suas variedades crioulas, enriquecidas com elementos locais e constituindo novas formas de comunicação, que aguardam ainda um estudo sistemático e comparativo, não obstante alguns trabalhos notáveis já realizados neste campo. É especialmente com as comunidades vivas e com as múltiplas instituições ainda actuantes junto delas que nos devemos hoje preocupar, para que o legado cultural português perdure, já que, sem ele, a nossa capacidade de diálogo ficará irremediavelmente afectada.

2. ALGUNS EXEMPLOS VIVOS DA NOSSA PRESENÇA NA ÍNDIA, NA MALÁSIA E NO JAPÃO Não podendo apresentar de forma exaustiva, por limitação de tempo, os exemplos mais vivos da nossa presença, vejamos sucintamente o que se passa no subcontinente indiano, na Malásia e no Japão e como poderemos, em Macau e através de Macau, desenvolver novos focos de intercâmbio intelectual, fazendo pontes entre o Ocidente e o Oriente.

2.1 NO SUBCONTINENTE INDIANO Comecemos por Goa. Vinte e sete anos após a sua integração, a presença vai-se progressivamente atenuando, apesar do esforço de goeses

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de formação portuguesa em manterem as suas tradições e a língua que os individualizou como sociedade cultural e ideologicamente distinta. Vários centros culturais, uns mais activos do que outros, continuam ali em funcionamento. De entre eles, citamos o Instituto Menezes de Bragança (antigo Instituto Vasco da Gama, fundado em 1871 pelo poeta Tomás Ribeiro); a actual Central Library (antiga Biblioteca Vasco da Gama, anexa ao Instituto do mesmo nome) onde devem estar ainda encadernados os jornais goeses em língua portuguesa desde fins do século passado e livros de autores goeses, além de obras de autores portugueses, especialmente de edições anteriores a 1961; o Centro de Cultura Latina, que editava a revista Harpa Coesa; o Arquivo Histórico; a Academia de Língua Portuguesa; a Associação de Cultura e Estudos de Língua Portuguesa e o Xavier Centre of Historical Research, fundado com o patrocínio da Fundação Gulbenkian. Já depois da nossa última visita a Goa, tivemos notícia da fundação em Pangim do Centro de Estudos Indo-Português Voicuntrao Dempó, em homenagem a um advogado, já falecido, que dedicou grande parte da sua vida ao estudo e difusão da cultura portuguesa. Este novo centro pretende promover o estudo da língua portuguesa em Goa, Damão e Diu e dedicar-se à investigação. Vem a propósito mencionar que, apesar das pressões feitas, durante anos, no sentido da absorção destes três territórios pelos Estados vizinhos, as suas populações optaram sempre, obstinadamente, pela sua união, apesar de geograficamente separados. Portugal tem enviado aos centros culturais goeses livros, cassettes e outro material de apoio, mas faltam professores qualificados e há ainda certa indefinição política nesta matéria. Sabemos que o português é ensinado em algumas Universidades da índia e algumas escolas de Goa, como disciplina de opção, e que a comissão encarregada do estudo da criação da Universidade de Goa recomendou que o português fosse incluído como uma das línguas, dada a sua importância para a investigação histórica dos ricos arquivos aí exigentes. Os jornais de língua portuguesa desapareceram completamente. O que se mantém, porém, ainda vivíssimas são as tradições católicas do povo. Mas não é só em Goa, Damão e Diu que, na índia, a presença portuguesa é ainda sentida, dado que existem noutras partes pequenas comunidades crioulas de raiz portuguesa. Recordo que no Congresso sobre a Situação Actual da Língua Portuguesa no Mundo, realizado em Lisboa em 1983, se deu especial relevo a Chaul, onde ainda existe uma comunidade indo-portuguesa homogénea e cheia de vitalidade e não bilingue, parecendo falar apenas um português muito antigo na aldeia de Korlai. Outro exemplo curioso é o da comunidade de Batticaloa, no actual Sri Lanka, onde se usa ainda uma língua indiscutivelmente de raiz portuguesa. Não resisto à tentação de mencionar uma convocatória de um clube local, que é encabeçada pelas palavras «ordem do dia» e termina com a expressão «seu sinceramente» e assina «Rienze Balthazar, Secretario». O primeiro ponto da agenda é «Presidente sua bemvinda palavra»... É este um exemplo elucidativo do crioulo português do Sri Lanka, onde os Portugueses difundiram a fé cristã desde princípios do séc. XVI, tendo mesmo baptizado o rei de Kote e algumas famílias nobres de Jaffna, deixando por toda a ilha muitos apelidos ainda em uso, como Almeida,

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Fernando, Gabriel, Rodrigo, Alwis., Costa, Percra, Fonseka, etc. e vocábulos incorporados no cingalês. Como aconteceu, de resto, noutras línguas orientais.

2.2. NO SUDESTE DA ÁSIA — UMA PRESENÇA VIVA EM MALACA Quanto a Malaca, apenas uma breve referência, já que quase todos os que aqui estão conhecem uma pequena comunidade que, vivendo à beira-mar, não muito longe da Porta de Santiago, séculos volvidos, continua obstinada e orgulhosamente ligada a Portugal, mantendo usos e costumes e uma língua própria — o «Papiá Cristang». Da presença monumental portuguesa no então maior empório comercial do Oriente pouco resta já, mas essa pequena comunidade continua reunida no seu Kampong Serâni ou Kampong Portugis, ou Portuguese Settlement, em casas alinhadas ao longo de ruas com o nome Albuquerque, Erédia, Araújo, Godinho e Sequeira. As circunstâncias têm-me permitido um contacto frequente com esta comunidade e os seus dirigentes. A sobrevivência desta comunidade malaio-portuguesa, que ainda considera Portugal a sua Pátria, vai depender do apoio que lhe pudermos dar. Desde 1981 que a sua paróquia — a de S. Pedro — ficou desligada da Missão Portuguesa, mas a Diocese de Macau deseja continuar a manter junto dela missionários portugueses, tal como em Singapura, onde os católicos consideram ainda a velha Igreja de S. José como a Missão Portuguesa, apesar de também já não o ser. Um dos velhos padres de Malaca, Manuel Pintado, vive junto da comunidade há mais de 40 anos e tem dedicado muito do seu tempo ao estudo da presença portuguesa na região. Tem uma série de volumes por publicar e pretende converter a sua biblioteca e arquivo em espólio de um futuro Centro Cultural Português, que penso ser o Dr. Luís Filipe Thomaz, outro incansável e prestigiado investigador e professor, a pessoa mais indicada para organizar, caso não faltem os meios para que esta iniciativa se concretize. Um problema que se põe hoje aos malaqueiros é se, tendo em consideração especialmente o futuro dos seus filhos, devem procurar uma melhor integração no todo da Malásia e perder, a pouco e pouco, a sua identidade ou permanecer como comunidade autónoma. É este o drama que transparece em My People, My Country, de um dos seus mais qualificados líderes, Bernard St.ª Maria, recentemente falecido, que defende ser «imperativo que se leve a cabo um estudo mais amplo sobre os descendentes dos portugueses do Extremo-Oriente, para avaliar a sua força comum, os seus problemas e o seu destino». Da presença portuguesa na Indonésia dá-nos conta o Embaixador António Pinto de França em Portuguese Influence in Indonésia, editado pela Fundação Gulbenkian. Por serem situações mais conhecidas dos presentes, dispenso-me de mencionar a Tailândia e outros países do Sudeste da Ásia, onde existem sinais visíveis da nossa presença e um renovado interesse por Portugal. Quanto à China, onde existiram pequenas comunidades portugueses, que depois de 1949 se concentraram em Hong Kong, ou emigraram, procura Portugal desenvolver hoje um intercâmbio, a todos os níveis, estando a ser cumprido, na medida do possível, um Acordo de Cooperação Cultural.

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2.3 NO JAPÃO — UMA REFERÊNCIA ESPECIAL Neste enumerar solto de exemplos, não quero deixar de mencionar, com algum relevo, o Japão, que, pela sua importância no mundo de hoje e pelo papel que vai certamente continuar a desempenhar na edificação dá sociedade do futuro, merece uma referência especial. A presença portuguesa nesse país, expoente da tecnologia moderna, foi fortemente marcada, no início, precisamente nos domínios da ciência e da tecnologia. Como bem salientou o Embaixador Armando Martins Janeira (O Impacto Português sobre a Civilização Japonesa): « [...] é impossível apreciar hoje até onde chegou o efeito do impacto da cultura portuguesa na cultura japonesa e quanto dele ficou. Os conhecimentos que os portugueses levaram ao Japão no campo da astronomia, da geografia, da arquitectura, da arte militar, das ciências naturais e especialmente da medicina e da navegação, das técnicas de construção naval e da imprensa, não se perderam. Não só influiram no pensamento japonês mas ainda constituiram a base duma nova atitude científica, simples, por vezes rudimentar, e de um modo de pensamento que os intelectuais japoneses, nos dois séculos seguintes, ou sós, ou auxiliados pela experiência holandesa, haveriam de pensar, amadurecer e desenvolver». Neste contexto, teve um alcance particularmente significativo a introdução da espingarda, que revolucionou costumes e alterou o equilíbrio das forças tradicionais. Não há muito tempo, foi apresentado na R.T.P. um documentário produzido pela Teledifusão de Macau, intitulado Tanegashima, a Ilha da Espingarda, o primeiro de uma série acerca das tradições portuguesas no Oriente. Os seus autores, os jornalistas César de Sá e Avelino Rodrigues, descreveram assim o seu primeiro contacto com aquela Ilha, por altura do Festival Anual da Espingarda: «Chegar a uma ilha do fim do mundo e encontrar na rua portugueses do sec. XVI, vestidos a preceito, dar de frente com uma nau portuguesa, a cruz de Cristo nas velas enfunadas, ouvir falar do «Homem do Mar» e mostrarem-nos a estátua do Infante D. Henrique sobre o cais — tudo isto no mar do Sul do Japão, já perto de Oquinawa — constitui uma oportunidade inaudita de repensar o nosso lugar na História. Não há português que se preze, capaz de resistir a este impacto comovedor». De facto, este rememorar, com veneração, dos primeiros contactos com o Ocidente, através de Portugal, não é exclusivo de Tanegashima. Noutros locais, como em Sakai, por exemplo, cidade antiga ao lado de Osaka, é anualmente recordada a chegada dos Portugueses ao Império do Sol Nascente, nas festas da cidade. Vários governadores de Macau tiveram o ensejo de participar nestas comemorações, como convidados de honra, criando-se a oportunidade para o desenvolvimento de um profícuo intercâmbio entre algumas cidades japonesas e a nossa Cidade do Nome de Deus.

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Carros alegóricos, simulando naus portuguesas, escoltados, por homens vestidos à moda do sec. XVI, com trajes provavelmente decalcados das figuras dos célebres biombos namban e armados com velhos bacamartes, circulam pelas ruas durante aquelas festas, que atraem muitos milhares de visitantes. É ainda da ilha de Tanegashima, onde os japoneses experimentaram os primeiros disparos com armas de fogo, que, de um centro situado próximo da praia onde aportaram os Portugueses no sec. XVI, são hoje lançados foguetões espaciais para fins científicos, num programa que coloca o Japão na vanguarda da era tecnológica. A medicina e a cirurgia moderna foram introduzidas pelos jesuítas, que também se notabilizaram pelo desenvolvimento da astronomia, da meteorologia e das artes. As naus portuguesas, por outro lado, estimularam a construção naval e o aperfeiçoamento da marinharia, da geografia e da cartografia. O mapa do Japão do P.e Francisco Cardim circulou amplamente pela Europa nos secs. XVII e XVM. No sec. XVI, a Companhia de Jesus mantinha no Japão quase duzentas escolas, além de seminários e um Colégio de Humanidades e Retórica. Se, de facto, como preconizava Inácio de Loyola, a educação é «a arma mais efectiva da propagação da fé», o principal legado de Portugal no Japão, o mais consequente e duradouro, é exactamente a fé cristã, abraçada hoje por milhões de japoneses. Apesar de três séculos de isolamento do reino dos Tokugawas, em que todos os contactos com o Ocidente foram interrompidos, estes continuam hoje a ser evocados com respeito e veneração pelos japoneses e a curiosidade por Portugal mantém-se viva. Mesmo numa exposição de alta tecnologia, como a que se realizou em Tsukuba, nos arredores de Tóquio, em 1985, onde a presença portuguesa ficou acanhadamente anichada num sector menos visível, foi elevado o número de visitantes japoneses atraídos pelas coisas portuguesas, pela história da espingarda e pela epopeia dos descobrimentos, dois dos aspectos mais salientes do nosso pavilhão. Os tripulantes do navio-escola Sagres, de visita a Osaka e a outros portos do Japão, e outros grupos de portugueses que têm demandado aquelas paragens têm podido também testemunhar o alto apreço que as autoridades e o povo dedicam a Portugal. No Japão há, de facto, um interesse significativo pela cultura portuguesa, a cujo estudo se dedicam historiadores especializados. Autores Portugueses, como Miguel Torga e Fernando Namora, foram traduzidos, além de Pessoa e Camões. Também as Obras Completas de Wenceslau de Morais, figura muito venerada naquele país e a quem é dedicado um museu em Tokushima, e uma Antologia dos escritos de Armando Martins Janeira, a quem se deve um conhecimento maior e mais actualizado do Japão em Portugal, foram vertidas para japonês. Entretanto o P.e Jaime Coelho concluiu um Dicionário Português--Japonês, e algumas Universidades, como a Católica de Sofia, em Tóquio, mantêm Departamentos de Português. Por seu lado, a Sociedade Cultural Luso-Nipónica realiza estudos e edita um boletim e a Câmara de Comércio Luso-Japonesa vai promovendo um melhor relacionamento comercial com Portugal a partir de Nagasaki, cidade do Japão meridional ligada a Portugal, através de Macau, por séculos de contactos, onde gostam de 12

presentear os visitantes com o bolo típico da região, um pão-de-ló quase igual ao nosso. Os portugueses hoje residentes no Japão são em reduzido número. Mas das muitas imagens que guardo do Japão, vem-me amiúde à lembrança a de uma casa japonesa, nos arredores de Yokohama, habitada por um velho português de quarta geração no Oriente. Na sala de visitas dessa casa, toda ela japonesa, na decoração, na mobília e no próprio jardim preparado para a meditação, o único objecto não japonês era uma grande bandeira portuguesa colocada na parede mais nobre numa rica moldura também japonesa. Mas, infelizmente, os contactos com o Japão moderno não são ainda suficientes. Nem sequer temos podido tirar proveito dos grandes fluxos turísticos que hoje demandam a Europa, em busca de outras culturas e outras civilizações. A distância e talvez a eterna falta de recursos não têm permitido o desenvolvimento de um intercâmbio mais fecundo, de que Portugal seria o grande beneficiário. Resta-nos juntar a nossa voz ao apelo de mais um dos ilustres missionários da Companhia de Jesus, o P.e Benjamim Videira Pires, velho residente de Macau e autor da notável obra Embaixada Mártir, dedicada ao holocausto dos portugueses e outros cristãos que desembarcaram em Nagasaki em 1640: «Julgamos necessário que a comunidade mundial de expressão lusíada, numa campanha comum, a nível político, comercial e universitário, se empenhe profundamente pela restauração do inter- câmbio cultural com o Japão. Que bom seria para nós e para todo o mundo se os dois extremos do Ocidente e do Oriente se unissem [...]». Esta ideia serve-lhe de tema para a sua última obra, recentemente editada pelo Instituto Cultural de Macau, intitulada Os Extremos Conciliam-se ou Transculturação em Macau, onde nos diz que: «Daí que a transculturação, osmose contínua e sem datas, em corpo e alma, de tudo o que somos e temos, entre homens e povos que sabem conviver, com toda a abertura de espírito ecuinénico, represente, melhor que os outros tipos culturais, a síntese vivencial que este pedaço de história luso-chinesa plasmou solidamente, num tempo e espaço definidos. Temos pois, duas culturas, seculares e opulentas — a portuguesa e a chinesa — que se encontram e fundem, em transculturação criadora. Aqui, em Macau.»

3. ESTREITAR OS ELOS DE UMA LONGA CADEIA DE COMU- NIDADES O tempo não nos permite alongar-nos em mais exemplos duma presença que a Dr.ª Graciete Batalha, num dos seus trabalhos, sintetiza de forma muito feliz: «[...] o que verificamos — e disso é justo que nos orgulhemos — é que, mesmo onde a presença material portuguesa cessou, a marca que deixámos no espírito dos povos com os quais convivemos, mesmo sem os colonizarmos, parece ter em si qualquer coisa de eterno. Ficou com

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eles algo difícil de definir — um apego, uma lembrança, um sentimento que poderá talvez ser traduzido por uma palavra tão nossa e que, por isso, também o é do português de Malaca. Ficou uma saudádi.» Se soubermos estreitar os elos desta longa cadeia de comunidades que se estende sempre para além do horizonte e reforçar os laços com as numerosas instituições ainda disponíveis para uma cooperação com Portugal, o diálogo projectar-se-á, por longos anos, no futuro, para além da nossa presença administrativa e política. Mas urge actuar já e compreender o papel de extrema relevância que Macau pode desempenhar neste contexto. Impelidas decerto pelos condicionalismos determinados pela Declara- ção Conjunta Luso-Chinesa, que define o enquadramento político- -administrativo para a transferência do exercício da soberania em 1999, pessoas e instituições, algumas delas só ténue e episodicamente ligadas à presença multissecular de Portugal no Oriente, começaram a assumir-se como intérpretes de uma urgente e inquestionável missão nacional, que é a de defender e salvaguardar a cultura portuguesa em Macau e em toda esta vasta área geográfica. Sendo imensamente positivo este renovado interesse por um legado histórico, que parece ser desejo comum dos Portugueses projectar para além dos limites temporais fixados num acordo formal entre Estados, importa ter em conta que toda a acção a empreender, neste contexto e nestes anos derradeiros, só será consequente, legítima e eficaz, se resultar de amplos consensos, possíveis apenas com o envolvimento directo das gentes e instituições de Macau e não da imposição artificial de medidas precipitadas e quiçá já extemporâneas, mesmo quando aparentemente válidas e por melhores que sejam as intenções de quem só recentemente ganhou o direito de intervir num processo excepcionalmente complexo e que deles exige, por isso mesmo, um conhecimento suficiente da realidade local. Há que acautelar, pois, alguns eventuais excessos de entusiasmo e, com pragmatismo, encontrar as soluções mais consentâneas com o período histórico que estamos a viver, no limiar da última década da Administração Portuguesa.

4.INSTRUMENTOS PRIVILEGIADOS DO DIÁLOGO INTERCUL- TURAL Num território em que a actividade cultural viveu, durante largo tempo, quase exclusivamente à custa de impulsos individuais, alguns de inegável mérito, e graças a um mecenato generoso mas sem garantia de continuidade, a definição de uma política cultural mais consistente só se tornou possível com a criação do Instituto Cultural de Macau, em 1982. Este organismo, não obstante algumas bruscas mudanças de orientação, resultantes da descontinuidade da acção governativa, facto que tem afectado, em alto grau e em todas as frentes, o progresso de Macau, realizou já, no curto período da sua existência, obra bastante significativa, mormente no que respeita à identificação e preservação do património cultural e à promoção dos valores que conferem a Macau uma identidade própria, que é consequência do prolongado encontro de culturas e do

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convivio humano que aqui se manteve em desejada harmonia, ocasional- mente perturbada por factores externos incontroláveis. É, portanto, esta vivência intercultural que tem de ser compreendida e respeitada, num momento em que novas iniciativas começam a ganhar consistência e não podem ser tomadas de ânimo leve. Face à nova situação de Macau, importa, desde já, repensar o papel do Instituto Cultural e preparar a criação de uma nova instituição que complemente a sua actividade e que, recebendo e ampliando algumas das suas atribuições, possa, para além de qualquer transição administrativa ou mutação política, manter vivo um legado precioso e constituir um sustentáculo poderoso para desenvolvimento do diálogo e do convívio de culturas que devem continuar nestas paragens onde é prestigiada e quase universalmente aceite a memória de Portugal e onde os Portugueses, numa área do globo já fortemente apostada no século XXI, podem ainda ter uma missão a cumprir. Com a recente colocação da Universidade da Ásia Oriental — uma instituição de ensino superior estrangeira, mas a única existente no Território — na dependência da Fundação Macau, a quem cabe agora a especial responsabilidade de a adaptar às necessidades de Macau, pondo-a primordialmente ao seu serviço, formando e reciclando quadros essenciais para o futuro e conferindo-lhe uma capacidade dinamizadora da acção cultural e da investigação científica, virada para os problemas de Macau e onde se pretende que venham a intervir mais e mais académicos e técnicos qualificados, portugueses e chineses, foi já dado um passo extremamente importante. E, porém, chegado o momento da criação de um novo organismo, de preferência sustentado por uma fundação e tecnicamente apoiado por instituições nacionais, incumbido de assegurar a divulgação dos valores culturais portugueses, incentivar o diálogo entre a cultura portuguesa e as culturas das nações do Oriente com as quais Portugal tem mantido, ao longo dos séculos, relações culturais ou de simples comércio e convivência, estudar as questões culturais, sociais e até económicas que dizem respeito ao relacionamento de Portugal e de Macau com os povos e países desta área geográfica, coordenar as acções no domínio da língua e da cultura com verdadeiros agentes culturais mais do que simples leitores, promover a cooperação com outras instituições científicas e culturais, desenvolver a solidariedade entre as comunidades de cultura portuguesa e divulgar as culturas do Oriente em Portugal e na Europa, através de Portugal. E este um projecto ambicioso, mas que julgamos perfeitamente ao nosso alcance. O modelo para este «Instituto Português do Oriente» tem sido objecto do estudo e da reflexão de muitos portugueses, de várias gerações, de ou ligados a Macau. Ainda quanto a Universidade, novos cursos em língua portuguesa ou com um maior envolvimento da capacidade científica portuguesa estão a ser lançados. Uma melhor ligação institucional aos estabelecimentos de ensino superior e a centros de investigação da China também vai sendo conseguida. Sintonizados com os apelos do momento presente e certos de que o tempo impõe um ritmo incompatível já com a espera de condições ideais para que cada novo curso possa ser oferecido na sua forma perfeita, decidimos avançar resolutamente na sua criação. Correndo o risco de a

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obra revelar contornos ainda inacabados, preferimos ousar e responder já, evitando os caminhos fáceis que a excessiva prudência recomendaria, mas que levariam ao protelamento de iniciativas que já ontem deviam ter nascido. Também o Centro de Estudos Portugueses da U.A.O. deverá receber um novo impulso, agora que foram negociados alguns apoios da Fundação Oriente, e a Universidade deverá ter um Departamento de Estudos Portugueses, orientado por um prestigiado académico português, capaz de lhe dar forma e conteúdo e poder cumprir a missão de divulgação da língua e da cultura e estabelecer, com continuidade e eficácia, intercâmbios com Universidades e outras instituições congéneres.

5. OS DESAFIOS DE UMA DÉCADA DECISIVA — OS ALICER- CES PARA UM CONVÍVIO QUE DEVE CONTINUAR Outras iniciativas se seguirão, visando o mesmo objectivo, que é o de preparar toda a comunidade para os desafios desta década decisiva, condicionante de outras em que as gerações novas de Macau irão viver, num quadro político, económico e social mais próximo ou bastante distante do actual, conforme a nossa capacidade de tornar possível o projecto de futuro já definido na letra do acordo e que a todos os responsáveis, cada um no seu lugar, compete pôr em prática, sem medo da mudança e dos «choques do futuro», mas com a determinação, o rasgo e o realismo, incompatíveis com a lassidão, a tibieza ou a mera «fachada», próprias de sociedades mornas, em «fim de festa». Além do mais, o novo quadro político de Macau coincidirá com o fim do nosso século. O dealbar de um novo milénio, com a magia, os mitos e as utopias que sempre acompanham o nascer duma nova era, constitui também uma meta, para onde se orienta já o pensamento dos educadores, em qualquer parte, acreditando sempre em sociedades tecnologicamente avançadas, mas em que os eternos anseios de fraternidade, dignidade humana, justiça, igualdade e melhor qualidade de vida prevalecerão. Ninguém ignora que é especialmente nas Universidades que os sonhos do futuro encontram os caminhos mais seguros para a sua materialização. Aproveito para recordar as palavras de um saudoso embaixador e homem de cultura recentemente falecido: «A maior herança que Portugal poderia deixar em Macau seria uma Universidade, estabelecida em moldes modernos, que fosse um foco de intercâmbio intelectual, fazendo a ponte entre Ocidente e Oriente.» O Instituto Português do Oriente, cuja criação venho defendendo de há alguns anos para cá, e a Universidade da Ásia Oriental (ou simplesmente — porque não? — Universidade de Macau) serão instru- mentos valiosíssimos. Eles precisarão, contudo, do apoio técnico e científico de instituições nacionais. Para além da Fundação Gulbenkian, que tem desenvolvido obra de vulto, importa citar o ICALP e os seus leitores. O ICALP pode promover uma eficaz articulação de esforços de outras instituições nacionais para o desenvolvimento do diálogo com as culturas

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do Oriente. São do Professor Fernando Cristóvão, seu presidente, estas esclarecedoras palavras: «Os laços históricos entre Portugal e o Oriente, iniciados em feitorias de grande importância para o comércio, a evangelização e a cultura em geral, originando um património riquíssimo que vai das edificações de pedra até à língua, religião, usos e costumes encontram--se hoje enfraquecidos e dispersos, situação esta ainda mais ameaçada pela próxima integração de Macau na administração chinesa. Exigem por isso uma atenção especial, até porque se em alguma parte do mundo o português é admirado e prestigiado é, sobretudo, na Ásia.» E conclui o Professor Fernando Cristóvão pela necessidade de aumentar os leitorados, o que se tornou possível através de um protocolo com o Governo de Macau, apesar de alguns aspectos de articulação, na prática, não estarem ainda resolvidos a contento. Sobre os leitores, também importa dizer uma palavra. Será difícil não concordarmos com o Professor Agostinho da Silva, o grande mestre de tantos de nós, o semeador de centros de cultura portuguesa (com quem tenho tido o privilégio de manter uma assídua correspondência, para mim imensamente enriquecedora, a partir de um conhecimento iniciado em 1963), quando disse numa entrevista ainda recente que os leitores não devem ser «pescados aqui e ali, ao sabor das candidaturas, mas pessoas alistadas, como se alistam cadetes para a escola naval ou para a escola do exército. Alistados para isso, para serem o nome da Cultura Portuguesa no mundo». Neste pensamento está implícita a necessidade de um novo espírito de missão que importa reintroduzir nas nossas instituições de primeira linha. Para que amanhã, dentro de poucas décadas, não fiquem na nossa lembrança de Macau e do Oriente apenas as pedras semeadas aqui e ali e a fachada da velha igreja da Madre de Deus ou de S. Paulo, ex-libris da cidade, o «sermão em pedra» que é obra de amor, fé e sacrifício de gentes variadas, irmanadas no mesmo ideal religioso e que vem resistindo às inclemências do tempo, ou a pequena gruta de Camões, «santuário pan-lusitano» (no dizer de Camilo Pessanha), por onde desfilaram gerações de portugueses de Macau em quem foi estimulado o sentimento da Pátria e o culto do génio numa cerimónia que todos os anos se repetiu no Dia de Portugal e que não foi condicionada por regimes, por Governos ou pela vontade de homens que passam. Claro que, além do que mencionei, importa, de igual forma e primordialmente, reforçar a nossa presença económica e também a diplomática, ainda fracas mas susceptíveis de um muito maior desenvolvi- mento, se a lucidez dos governantes não faltar. Mas são aspectos que já transcendem o âmbito desta comunicação e o tempo que me foi destinado. Para terminar, lembrarei apenas que muito para além do património económico e material, é o cultural a grande dádiva recebida daqueles que nos precederam no tempo — ele é o elo sólido de uma cadeia que vem do passado e haverá de se prolongar no futuro. É esta possibilidade de receber e transmitir cultura que faz as sociedades serem de «homens vivos», isto é, passíveis de grandes transformações e de grandes obras.

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O sonho da harmonia só pode nascer do encontro de culturas, do seu entendimento, da sua valorização, da sua dignificação, do respeito mútuo. Este contacto multissecular fornece-nos os alicerces para um convívio que pode continuar, se soubermos, como comunidades, dentro delas e entre elas, compreender os caminhos do futuro e estar aqui no presente.

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Segurança Social

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20 CONTRIBUTOS PARA UM SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL EM MACAU

Maria do Carmo Romão *

Nota prévia Com este documento, necessariamente resumido, pretende-se contri- buir para a divulgação das linhas orientadoras da segurança social enquanto sistema de protecção social das populações e para o conhecimento genérico das soluções adoptadas em Portugal, na República Popular da China e em Hong Kong, comparando-as com aquelas que a Norma Mínima de Segurança Social, constante da Convenção n.° 102 da O.I.T., consagrou há vários anos. Como base para uma reflexão sobre o tema, o estudo propõe um dos modelos possíveis de segurança social para a população de Macau.

I CONCEITOS, ESTRUTURAS E ENQUADRAMENTO

1. CONCEITO DE SEGURANÇA SOCIAL O conceito de segurança social é, à beira do séc. XXI, suficientemente conhecido para dispensar definição prévia. É, pois, tão somente por razões de metodologia que ele aparece aqui referido. Segurança social é o sistema estabelecido pelos Governos para protecção dos indivíduos contra a interrupção ou falta de capacidade de ganhar os meios de existência e ainda para a compensação de despesas resultantes de certos factos como o casamento, o nascimento e a manutenção dos filhos e a morte. De acordo com a Convenção n.º 102, da O.I.T., relativa às condições mínimas para a existência de programas de segurança social, e de acordo com outras normas internacionais, quer da mesma organização internacional, quer de outras, quer ainda nos termos das leis constitucionais de vários países, nomeadamente o nosso, o conceito de segurança social é informado por princípios que tornam mais clara a sua formulação, os seus pressupostos e os seus objectivos.

* Foi Subdirectora geral da Segurança Social, Directora Geral de Higiene e Segurança no Trabalho e Secretária Geral da Assembleia da República. Exerce as funções de assessora do Secretário-Adjunto para a Educação, Saúde e Assuntos Sociais.

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Esses princípios são: A universalidade — tendência para a cobertura progressiva de todas as pessoas, como tem acontecido na maioria dos casos, quando a segurança social vai abrangendo gradualmente grupos da população; A igualdade — eliminação de discriminações em função do sexo ou de outras razões; A garantia judiciária — criando a segurança social verdadeiros direitos, estes são exigíveis em tribunal e perante as organizações administradoras da segurança social. O beneficiário das prestações sociais como que «compra» essas prestações com a sua contribuição e com a das entidades patronais (consideradas estas, pela doutrina mais corrente, como salários diferidos). Quando o seguro é financiado exclusivamente ou conjunta-mente pelos impostos, é uma lógica semelhante a que está na base da concessão dos benefícios. Aqui, é a comunidade na sua globalidade que adquire para os indivíduos o direito à protecção; A eficácia— concessão oportuna das prestações; A solidariedade— responsabilidade dos grupos sociais envolvidos (redistribuição horizontal entre, por exemplo, doentes e não doentes, jovens e velhos, válidos e inválidos), ou da comunidade no seu conjunto, quando esta suporta através dos impostos a totalidade ou uma parte da segurança social ou cobre os seus défices (redistribuição horizontal e vertical), como acontece em alguns países, designadamente em Portugal (previdência dos funcionários públicos e regimes de segurança social dos outros trabalhadores). A segurança social, por muito reduzido que seja o seu âmbito, pressupõe uma redistribuição de rendimentos entre os que pagam e os que precisam de protecção, distribuição que pode ir de um nível bastante restrito até alcançar escalões elevados, consoante o tipo e forma de lançamento das taxas sobre os rendimentos do trabalho ou os rendimentos gerais (progressividade), e conforme ainda a regulamentação das prestações (prestações com plafond, prestações sujeitas a condições de recursos, etc.); A participação — ligação dos interessados ou de representantes seus à definição, planeamento, gestão do sistema, acompanhamento e avaliação do mesmo. Em síntese, a segurança social é, no campo dos direitos humanos, um princípio proclamado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. O art.° 22.° daquela declaração afirma: «Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organiza-ção e os recursos de cada país».

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No art.° 23.° refere-se o direito ao trabalho e protecção contra o desemprego e, bem assim, o direito a salário equitativo e o direito de associação sindical. O art.° 25.° determina: «1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social.» Estes princípios da Declaração Universal encontram-se, poderíamos dizer, quase textualmente transcritos na Constituição da República Portuguesa, no seu capítulo II, referente aos «Direitos e Deveres Sociais», cujos dez artigos que o compõem se referem a: segurança social; saúde; habitação; ambiente e qualidade de vida; família; paternidade e maternidade; infância; juventude; deficientes; terceira idade. Este enunciado de direitos abrange dois grupos distintos1: Direitos relativos às condições de vida fundamentais (segurança social, saúde e habitação); Direitos de certas categorias sociais ou de certas instituições carecidas de protecção específica (família, pais, mães, crianças, jovens, deficientes, idosos). Acrescenta-se que, de acordo com o art.° 16.°, n.° 2, da Constituição, os preceitos da Lei Fundamental relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

2. ENQUADRAMENTO INTERNACIONAL

2.1 NORMA MÍNIMA — CONVENÇÃO DA O.I.T. N.° 102 - 1952 Não se pode dizer que a segurança social tenha aparecido apenas em 1952 quando foi aprovada pela O.I.T., através da Convenção Internacional, a Norma Mínima de Segurança Social. No entanto, foi essa a primeira ordenação internacional que realizou a abordagem à protecção social com uma amplitude que ainda hoje não foi ultrapassada. Os países que ratificaram a Convenção estão evidentemente obrigados por ela. Mas os restantes têm sido por ela influenciados, podendo dizer-se que, progressivamente, a têm procurado seguir, o que não será difícil, mesmo para os países cujo desenvolvimento sócio-económico não seja muito elevado, dado que, quer quanto à população a abranger, quer quanto às prestações a conceder, a Convenção, aplicável hipoteticamente a

1 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa. Anotada.

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qualquer Estado, haveria que poder compreender a variedade de situações existentes no mundo. Uma breve passagem pelos critérios utilizados por aquele importante instrumento internacional ilustrará o que acima se afirma. 2.1.1 Hipóteses de população coberta ou protegida Todos os assalariados ou algumas categorias em percentagem não inferior a 50% (e as esposas e filhos). Em casos especiais admite-se que a protecção abranja apenas os assalariados de empresas com mais de 20 trabalhadores. A população activa total ou uma parte não inferior a 20% (e as esposas e filhos). Os residentes ou algumas categorias, no mínimo de 50%. 2.1.2 Conjunto das prestações Cuidados médicos e medicamentosos (medicina geral, especialidades, hospitalização e medicamentos) comparticipados ou gratuitos. Subsídio na doença, no caso de suspensão do trabalho e de ganho (percentagem do ganho perdido, paga periodicamente, durante todo o impedimento ou uma parte dele); Prestação de desemprego, no caso de impossibilidade de obtenção de emprego adequado à pessoa desempregada, com capacidade e disponibilidade para o trabalho. Estas prestações são periódicas e representam uma percentagem dos ganhos anteriores, durante todo ou parte do desemprego; Pensão de velhice, atribuível a partir de uma idade limite (65 anos no máximo), às pessoas protegidas e paga periodicamente até ao fim da vida. Prestações por acidentes de trabalho e doenças profissionais, atribuíveis em caso de incapacidade parcial ou total para o trabalho, ou de morte, resultantes de danos profissionais. Trata-se de prestações médicas e pecuniárias destinadas a compensar a perda da capacidade de ganho do trabalhador. Prestações de invalidez, atribuíveis em caso de incapacidade de origem não profissional. Estas prestações são periódicas e pagas durante o período de incapacidade ou até à substituição pela pensão de velhice. Prestações familiares, atribuíveis em função da existência de filhos e tendo em vista aliviar a família dos respectivos encargos. Prestações de maternidade, destinadas a proteger a gravidez e o parto, abrangendo a assistência médica e prestações pecuniárias às trabalhadoras para compensação da perda de ganhos durante o período de impedimento. Prestações de sobrevivência, atribuíveis aos sobreviventes dos suportes da família, em virtude da morte destes. Estas prestações são periódicas representando uma percentagem dos ganhos anterio- res do suporte da família. 2.1.3 Financiamento das prestações e da administração do sistema O custo das prestações e da administração deve ser coberto colectivamente pelas cotizações ou impostos ou pelas duas vias conjunta-

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mente, segundo modalidades que evitem que as pessoas de mais fracos recursos tenham que suportar um encargo demasiado pesado e tendo em consideração a situação económica do país e a das pessoas protegidas. O total das cotizações a cargo dos assalariados protegidos não deve ultrapassar 50% do total dos recursos afectos à protecção dos assalariados e da sua família ( Convenção n.° 102, art.° 71.°). Cada país deve assumir a responsabilidade geral no que respeita ao serviço das prestações atribuídas (administração do sistema) e tomar as medidas necessárias com vista a este objectivo. Se for caso disso, deve assegurar-se que são realizados periodicamente os estudos e cálculos actuariais necessários, respeitantes ao equilíbrio financeiro dos regimes, e de que esses mesmos estudos são previamente feitos antes da alteração de qualquer prestação, da taxa de contribuição patronal ou do trabalhador ou da taxa do imposto destinada à cobertura das modalidades (Convenção n.° 102, art.° 71.°) .

2.1.4 Administração Quando a administração não é directamente assegurada por uma instituição regulamentada pelas autoridades públicas ou por um departa- mento do próprio Governo que seja responsável perante o poder legislativo (Parlamento), devem os representantes das pessoas protegidas participar na administração ou ser a ela associadas, com poder consultivo; a legislação nacional pode também prever a participação dos representantes dos empregadores e das autoridades públicas. No entanto e em qualquer caso, o país deve assumir uma responsabili- dade geral pela boa administração das instituições e serviços que concorrem para a segurança social (Convenção n.° 102, art.° 71.°).

2.2 PAÍSES E TERRITÓRIOS COM SISTEMAS DE SEGURANÇA SOCIAL Mais ou menos desenvolvidos, conforme as suas concepções de bem-estar, organização política e os seus recursos e grau de desenvolvimento económico-social, 142 países e territórios (entidades geográficas) estão incluídos num relatório que se publica, de dois em dois anos, com as sínteses de tudo o que se passa no mundo neste domínio — Social Security Programs Throughout the World. Por aí se pode constatar a variedade dos caminhos seguidos — sistemas de benefícios abrangendo todos os residentes (países mais ricos e com sistemas mais antigos, por exemplo, os da Europa do Norte) e financiados pelo imposto, sistemas abrangendo toda ou parte da população activa e ainda sistemas incipientemente abrangendo grupos de trabalha- dores da indústria, financiados ou só por contribuições dos patrões e trabalhadores ou, conjuntamente, por estas e impostos. Fora do âmbito daquele Relatório caem todas as iniciativas de seguros complementares das empresas, ainda que obrigatórios, bem como quais- quer outras modalidades de protecção desde que operem fora do sistema geral e sejam administradas privadamente. Com efeito, a noção de segurança social, tal como é internacionalmente definida, apela a princípios que excluem da sua acção aquele tipo de iniciativas. O conceito de segurança social internacionalmente aceite (nos termos da Convenção a que se fez referência e de outras posteriormente

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publicadas) e que resulta também das legislações nacionais, nomeadamente da portuguesa, Constituição da República e Lei n.º 28/84, é enquadrado pelos princípios já definidos da universalidade, da igualdade, da eficácia, da garantia judiciária, da solidariedade e da participação.

2.3 FORMA DE ORGANIZAÇÃO DA TUTELA DOS SISTEMAS DE SEGURANÇA SOCIAL 2.3.1 Nos vários países em geral Fazendo uma investigação sobre a integração ou dependência dos sistemas de segurança social a nível da estrutura orgânica dos governos, encontra-se o seguinte resultado, esquematicamente indicado: 2.3.1.1 Ministérios ou departamentos dos Assuntos Sociais (incluindo a maioria das vezes, a Saúde) ou da Segurança Social: 48 casos. Comentário: nestes casos, a temática social tem um departamento próprio que, globalmente, equaciona, legisla e superintende nos problemas do âmbito dos assuntos sociais, o qual, nos casos em que não existe um departamento próprio para as prestações médicas, também administra o sector da saúde. Esta forma de organização tem a vantagem de permitir uma visão real do mundo social no seu conjunto e das necessidades de protecção de todas as camadas da população, trabalhadora ou não. Nestas organizações, dada a sua íntima ligação, são articulados os sistemas de segurança social (sistema de garantia de direitos exigíveis desde que verificadas as condições próprias) com os sistemas de acção social complementar (sistema de cobertura de necessidades com respostas de tipo individual e complementar do anterior). 2.3.1.2 Agregação dos Assuntos de Trabalho e da Segurança Social ou dos Assuntos Sociais: 66 casos. Comentário: pela sua lógica, esta forma de organização significa que o país ou o território fez nascer em sistema de seguro social encostado às situações de trabalho. Exclui a existência de um sector de assuntos sociais, naturalmente mais abrangente, mas redundante. Pressupõe uma grande tónica nos direitos dos trabalhadores e uma filosofia de relação laborai subjacente ao sistema, principalmente para efeitos de financiamento (trabalhadores e patrões ou só estes). 2.3.1.3 Integração ou superintendência pelos departamentos ou ministérios das Finanças: 6 casos. Comentário: os casos abrangidos são denunciadores de uma organização ainda incipiente, do ponto de vista político e social (Antígua-Barbuda, Gana, Kwait, Saint Vicent) ou em que o papel das Finanças Públicas é dominante como contribuinte (Estado-empregador/Estado-financiador das prestações, Bulgária). 2.3.2. Na República Popular da China e em Hong Kong 2.3.2.1. República Popular da China Possuindo um sistema de segurança social (leis em vigor, de 1953 e 1978), aquele país protege actualmente os trabalhadores das empresas

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estatais (regime opcional para os trabalhadores das empresas agrícolas do Estado) e, com regime especial, são abrangidos os empregados do Governo, das organizações políticas e das instituições culturais, educacionais e científicas. A administração directa das prestações pertence às empresas individuais. A tutela pertence a um Ministério do Trabalho e do Pessoal, aspecto este que dá a tónica dos assuntos sociais, isto é, a perspectiva dos trabalhadores. O custo do seguro é suportado pelas unidades empregadoras com subsídios do Estado se necessário. 2.3.2.2 Hong Kong Possui um sistema universal de protecção social dos residentes e um sistema de protecção dos trabalhadores. O sistema universal que atribui pensões a todos os residentes é completamente custeado pelo Governo. Universal e também custeado pelo Governo, embora limitado à população de menores rendimentos entre os 15 e os 59 anos de idade, é o regime de protecção do desemprego. Limitados aos trabalhadores vigoram os regimes de protecção seguintes: Doença e maternidade, custeados pelos empregadores e destinado aos empregados e assalariados com salário abaixo de certo limite; Riscos profissionais, custeados pelos empregadores e destinados a todos os trabalhadores por conta de outrem. A tutela é feita através do sector da Saúde e Assuntos Sociais.

3. SISTEMA PORTUGUÊS DE SEGURANÇA SOCIAL 3.1 AS NORMAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS Se invocámos antes o conceito de segurança social e a Constituição Portuguesa, convirá agora aprofundar um pouco mais essa referência. Com efeito, no capítulo II — «Direitos e deveres sociais» — inscreve-se o artigo 63.° com a epígrafe «Segurança social», o qual abre esse mesmo capítulo, sendo como é um direito fundamental de sobrevivên- cia. ARTIGO 63.° (Segurança Social) 1. Todos têm direito à segurança social. 2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações repre sentativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários. 3. A organização do sistema de segurança social não prejudica a existência de instituições particulares de solidariedade social não lucrativas, com vista à prossecução dos objectivos de segurança social consignados neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.°, no artigo 69.°, na alínea d) do n." l do artigo 70." e nos artigos 71.º e 72.º, as quais são permitidas, regulamentadas por lei e sujeitas à fiscalização do Estado.

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4. O sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Os artigos 67.° e 69.º, alínea d) do artigo 70.º e os artigos 71.° e 72.°, referentes à Família, à Infância, à Juventude, aos Deficientes e à Terceira Idade são a seguir transcritos:

ARTIGO 67.º (Família) 1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares; b) Promover a criação de uma rede nacional de assistência materno-infantil, de uma rede nacional de creches e de infra-estruturas de apoio à família, bem como uma política de terceira idade; c) Cooperar com os pais na educação dos filhos; d) Promover, pelos meios necessários, a divulgação dos métodos de planeamento familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente; e) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; f) Definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global e integrado. ARTIGO 69.° (Infância) 1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. 2. As crianças, particularmente os órfãos e os abandonados, têm direito a especial protecção da sociedade e do Estado, contra todas as formas de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo de autoridade na família e nas demais instituições.

ARTIGO 70.º (Juventude) 1. Os jovens, sobretudo os jovens trabalhadores, gozam de protecção especial para efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente: a) ...... b) ......

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c) ...... d) Aproveitamento dos tempos livres.

ARTIGO 71.º (Deficientes) 1. Os cidadãos física ou mentalmente deficientes gozam plena mente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontram incapacitados. 2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou outros.

ARTIGO 72.° (Terceira idade) 1. As pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou a marginalização social. 2. A política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participa ção activa na vida da comunidade.

3.2 LEI DE BASES DA SEGURANÇA SOCIAL EM PORTUGAL Na sequência destes preceitos, em especial do artigo 63.° já citado, foi publicada a Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, que estabeleceu as bases em que assenta o actual sistema de segurança social previsto na Constituição e a acção social prosseguida pelas instituições de segurança social, bem como as iniciativas particulares não lucrativas com fins análogos (cf. artigo l.° da Lei n.° 28/84). Nos termos do artigo 3.° daquela Lei, o direito à segurança social referido na Constituição é efectivado pelo sistema de segurança social. O sistema de segurança social compreende os regimes e as instituições de segurança social, às quais compete gerir os regimes e exercer a acção social destinada a completar e suprir a protecção garantida (artigo 4.° da mesma Lei). Na parte relativa à definição dos regimes e da acção social, a Lei em análise afirma que os regimes se concretizam em prestações garantidas como direitos e que a acção social se concretiza através da atribuição de prestações tendencialmente personalizadas (isto é, de carácter casuístico para atender às necessidades particulares de cada situação individual).

3.2.1 Regime geral de segurança social Segundo as normas internacionais e conforme os preceitos constitucio- nais portugueses, existe um regime geral, hoje aplicável a todos os

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trabalhadores por conta de outrem e independentes ', concretizando-se em prestações pecuniárias ou em espécie, destinadas à protecção das eventualidades de: doença; maternidade; acidentes de trabalho e doenças profissionais; desemprego; invalidez; velhice; morte; encargos familiares; outras previstas na lei. A inscrição no regime geral é obrigatória. E, excepcionalmente, facultativa para as pessoas que não estejam em condições de vinculação obrigatória ou deixem de estar. As contribuições são obrigatórias para os patrões e os trabalhadores, devendo o Estado contribuir para o financiamento do regime. As contribuições são determinadas sob a forma de taxa sobre remunerações reais ou convencionais.

3.2.2 Regimes não contributivos Quando o regime geral não abrange um cidadão e este, por isso, nas eventualidades cobertas está desprotegido, entra em funcionamento um regime de segurança social, não contributivo, que abarca as pessoas em situação de carência económica ou social. Este regime traduz-se na concessão de prestações de invalidez, velhice e morte e na compensação de encargos familiares (sistema semelhante ao vigente em Hong Kong para a população mais carenciada: pensões complementares das pensões universais atribuídas a qualquer residente). Como o seu nome indica, este regime não depende do pagamento de uma contribuição pelo beneficiário. Tão somente depende do facto de este estar inválido ou velho ou de haver falecido sem ter ou deixar direito a prestações do regime geral contributivo e de possuir rendimentos abaixo de certo limite (condição de recursos).

3.2.3 Acção Social A acção social nos termos da Lei n.° 28/84, tem como objectivos fundamentais a prevenção de situações de carência, disfunção e marginali-zaçáo social, e a integração comunitária, destinando-se ainda a assegurar protecção especial aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, jovens, deficientes e idosos, bem como a outras pessoas em situação de carência económica ou social, na medida em que estas situações não sejam ou possam ser superadas através dos regimes de segurança social (cf. artigo 33.º). Os princípios orientadores da acção social que a legislação portuguesa considera como supletiva, complementar e coordenada com a segurança social, mas fora dela, são os seguintes: — Satisfação das necessidades básicas das pessoas mais carenciadas; — Eliminação de sobreposições de actuação; — Diversificação das prestações de modo a permitir o adequado desenvolvimento das formas de apoio social directo às pessoas e familiares; — Igualdade de tratamento dos potenciais beneficiários.

2 Este regime começou por cobrir, por etapas, grupos profissionais e de actividades.

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II CONTRIBUTOS PARA UM SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL EM MACAU

1. OS PARÂMETROS GERAIS DE UM SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL A IMPLEMENTAR NO TERRITÓRIO DE MACAU

1.1 OS PARÂMETROS POLÍTICO-CONSTITUCIONAIS Poder-se-á começar por afirmar que Macau não é, para os efeitos que importa aqui considerar, a República Popular da China, nem Hong Kong, nem a República Portuguesa. E esta afirmação que é «de facto» é também de jure. Macau é um Território sob administração portuguesa até 20 de Dezembro de 1999 e será, a partir dessa data, uma Região Administrativa Especial da República Popular da China, com um alto grau de autonomia. Nos termos da Declaração Conjunta, os actuais sistemas social e económico permanecerão inalterados. Nos termos do artigo 2.º do Estatuto Orgânico de Macau: «O território de Macau constitui uma pessoa colectiva de direito público interno e, com ressalva dos princípios estabelecidos nas leis constitucionais da República Portuguesa e no presente Estatuto, goza de autonomia administrativa, económica, financeira e legislativa». E o artigo 296." da Constituição Portuguesa estipula: «1. O estatuto do território de Macau constante da Lei n." 1/76, de 17 de Fevereiro, continua em vigor com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n." 53/79, de 14 de Setembro». Constata-se, assim, que vigoram no Território de Macau, por força da Constituição da República Portuguesa, Estado administrante, os princípios estabelecidos nas leis constitucionais portuguesas. Daí que qualquer diploma dimanado dos órgãos do Território que os infrinja seja inconstitucional. Com efeito, nos termos do artigo 277.º, n.º l: «São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados». Ora, o direito à segurança social, isto é, o direito fundamental à segurança da existência e a um mínimo de subsistência em caso de risco social é, hoje, para além de um princípio geral de direito internacional, não só um princípio mas uma norma constitucional, visto que a Constituição o enuncia como tal, desenvolvendo a forma como ele se pode efectivar (ver artigo 63." atrás citado). Que concluir então? A conclusão a tirar do raciocínio que acima se faz é a de que, do ponto de vista do direito constitucional aplicável a Macau, seria adequado por parte do Território: Criar os mecanismos para reconhecer à população de Macau o direito à segurança social (artigo 63.º, n.º l, da Constituição da República Portuguesa);

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Garantir esse direito através de um sistema organizado pelo Terri- tório, unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários (artigo 63.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa); Assumir que aquele sistema não prejudique a existência de instituições particulares de solidariedade social não lucrativas, com vista à prossecução de objectivos de segurança social, as quais são regulamentadas pela lei e sujeitas à fiscalização das entidades públicas competentes 3; Assegurar que o sistema a instituir proteja os cidadãos na doença, na velhice, na invalidez, na viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho. Não admira, de resto, que, aplicando em muitos casos as mesmas leis e trocando culturas e influências, o Território de Macau deva receber a arquitectura do sistema português de segurança social. Hong Kong aplica, desde as Leis de 1953, 1968, 1971, 1977 e 1978, a arquitectura do sistema inglês, há muito concebido como mecanismo universal (aplicável a todos os cidadãos), de garantia de mínimos de subsistência, financiados pelos impostos 4 5. Com efeito, se comparamos os dois sistemas — o do Reino Unido e o do território de Hong Kong facilmente constatamos as semelhanças e descobrimos as origens. São, de facto, um mesmo sistema, embora, como é compreensível, a medida da protecção de um e de outro seja diferente. No fundo, e para aclarar um pouco mais o que já antes ficou dito, o sistema inglês garante mínimos de subsistência ou benefícios a todos os residentes, mediante financiamento substancial directo do Estado. A esta cobertura geral e igual acrescem, no caso das pensões de invalidez, velhice e sobrevivência, os complementos devidos em função de ganhos dos trabalhadores, os quais fazem assim subir, para quem tem ou teve aquela qualidade, o montante dos benefícios em dinheiro, como contrapartida de contribuições do próprio e do empregador. Os cuidados médicos são, no sistema inglês, extensivos a todos os residentes. O Estado cobre 85% do custo do Serviço Nacional de Saúde. A parte restante é retirada da contribuição dos patrões e trabalhadores. Em Hong Kong, a assistência médica é garantida, a baixo custo, nos hospitais públicos. As pensões, como antes se referiu, são universais, isto é, do mesmo montante, atribuídas a todos os residentes com as condições de qualificação necessárias (70 anos de idade e 5 de residência contínua). O Estado cobre aqui integralmente o custo. Mas, se as semelhanças entre o sistema inglês e o de Hong Kong foram assinaladas, convém referir que o mesmo tipo de analogia pode ser encontrado entre os sistemas dos países administrantes e o de outros territórios ou países anteriormente administrados que adquiriram a sua

3 Esse é o sentido do diploma sobre licenciamento dos equipamentos sociais recentemente aprovado em Macau. 4 Sistema inspirado nas Leis dos Pobres, de Lord Beveridge. 5 Cf. 1.2.3.2.2

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independência. A influência do sistema organizativo e legal faz-se sentir no domínio da segurança social, como noutros domínios. Em relação a Macau, uma vez preservados os actuais sistemas social e económico bem como a respectiva maneira de viver, durante cinquenta anos, nos termos da Declaração Conjunta, justifica-se que não tenha que haver na construção do sistema de segurança social de Macau, que aliás já começou, uma identidade absoluta de concepção com o da República Popular da China. A preservação da textura económico-social de Macau significa que o sistema socialista não será aplicado no Território. Ora, o tipo de organização decorrente do sistema socialista tem consequências, a nível da segurança social, que podem não se adaptar a um regime próprio de uma região com economia de mercado. Daí que se defenda para Macau, pelas razões já invocadas, um sistema em conformidade com os princípios constitucionais em vigor, adequado ao tipo de organização política e ao estádio do desenvolvimento económico e social do Território.

1.2 OS PARÂMETROS FACTOLÓGICOS 1.2.1 A realidade demográfica e a realidade laborai Um sistema de segurança social, quando se inicia, deve pressupor o conhecimento da realidade a que se vai aplicar: População geral (aspectos demográficos); Organização das actividades económicas (número de empresas por ramos de actividade e número de trabalhadores, empresas em nome individual, etc.); Dados relativos a trabalho e emprego (estatísticas do emprego); Níveis salariais e formas de pagamento (em dinheiro e em espécie). 1.2.1.1 A população Macau tem, segundo os dados divulgados em 1987: Uma população de 426,4 mil habitantes, na qual:

Uma pirâmide de idosos quase invertida ou em vias de se inverter em virtude do aumento da população activa; Uma tendência para um peso excessivo de idosos quando a população que tem hoje 35 a 59 anos for atingindo os 65 anos. Este quadro vem apelar, cada vez mais, para a necessidade de organização de um esquema de direitos sociais, sob pena de se aumentar de forma substancial: Um extremo desnivelamento nas condições de existência entre os trabalhadores activos e os que, entretanto, vão deixando de trabalhar por razões de idade e falta de saúde (incapacidades),

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os quais, perdendo os salários, não adquirem pensões ou subsídios; A pressão dos carenciados sobre a sociedade e a Administração, consequente insatisfação social (se a sociedade não tiver mecanismos de compensação) e peso sobre as finanças públicas, se a Administração resolver, como agora faz, subsidiar apenas os pobres; A injustiça social, pois o desenvolvimento económico tem que ser acompanhado de desenvolvimento social, sob pena de se traduzir em aumento de riqueza, sem reflexo nem frutificação no bem estar geral da população 6. Costuma dizer-se que uma sociedade minimamente feliz é a que tem as necessidades básicas da sua população satisfeitas — a habitação, a alimentação, a saúde, a educação e a segurança social. E dado que a riqueza se faz com os bens que a Terra produz e com o engenho e esforço do Homem, é fácil compreender, em tese geral, mesmo para quem possa não ter preocupações humanísticas quanto ao desenvolvi- mento, que o investimento no Homem, na Família e no seu bem estar é um investimento no progresso. Com efeito, uma população sem saúde é uma população debilitada para o trabalho, não rentável, com descontinuidades na sua actividade; uma população sem educação e formação profissional produz mão-de-obra sem qualificação, mal preparada para as tarefas de uma economia com crescente recurso à tecnologia. É uma população sem criatividade, geradora de estagnação. Ter educação significa, neste sentido, ter aptidão para ascender ao conhecimento. Ter esta aptidão significa, pois, adquirir capacidade para progredir. Semelhantes considerações se podem fazer em relação à habitação, pois não é possível garantir condições de saúde a quem não tem possibilidade de dispor de habitação condigna. A falta de segurança social, ou seja, de meios para obviar à perda ou suspensão dos ganhos e a outras situações de carência, é geradora de insatisfação social e de crescente miséria relativamente a quem não conseguiu realizar poupança privada. Assim, se as despesas com o bem-estar da população não são directamente reprodutivas, se elas não são imediatamente criadoras de riqueza, convém não perder de vista que elas agem como criadoras de pressupostos de trabalho mais rentável e qualificado, sem falar já nos aspectos psicológicos e nos fenómenos de marginalidade que, inversa- mente, andam ligados à pobreza. Por outro lado, a manutenção, pelos mecanismos da segurança social, em vastas camadas da população, do poder de compra anterior, quando se verifica uma suspensão de trabalho, permite-lhe manter os mesmos níveis de consumo ou níveis de consumo aproximados, o que não deixa de ter importância em termos económicos. 1.2.1.2. Organização económica e dados relativos a trabalho e emprego O território de Macau possui índices de desenvolvimento económico que justificam, pelas razões expostas, a comparticipação organizada da

6 Nos termos das propostas das Nações Unidas sobre a Nova Ordem Económica Internacional, o desenvolvimento económico não é nem pode ser um fim em si mesmo. 34

população nos benefícios desse desenvolvimento (crescimento do P.I.B. em 1987 entre 11% a 13%). O turismo, os transportes, a construção civil, os têxteis e vestuário, as indústrias de madeiras e de mobiliário, as indústrias química, dos plásticos e dos brinquedos, etc., representam actividades importantes em termos do território de Macau.

Estabelecimentos e pessoal ao serviço por ramos de actividade económica

[QUADRO N.º I]

Aproveitamento estatístico da -Listagem de Trabalhadores» (artigo 7.º. n º l do Decreto-Lei n.º 50/85/M. de 25 de Junho) Repona-sc apenas aos estabelecimentos que entregaram as listagens. Fonte: Direcção dos Serviços de Estatística e Censos 35

Através dos quadros n.os l e 2, é possível ter uma ideia geral do número de estabelecimentos e do número de pessoas que neles trabalham bem como do peso relativo da mão-de-obra nos vários ramos de actividade económica.

Estabelecimentos e pessoal ao serviço por ramos de actividade económica (em percentagem)

[QUADRO N.º 2]

Aproveitamento estatístico da «Listagem de Trabalhadores» (artigo 7.°, n.º l do Decrelo-Lei n.° 50/85/M. de 25 de Junho). Reporta-se apenas aos estabelecimentos que entregaram as listagens. Fonte: Direcção dos Serviços de Estatística c Censos

É possível, relativamente às indústrias transformadoras, ramo de actividade que utiliza cerca de 60% da mão-de-obra indicada no quadro n." l, aprofundar um pouco mais o conhecimento da sua estrutura. Os elementos disponíveis foram recolhidos no Anuário Estatístico, publicado em 1986, com elementos referentes ao ano de 1984. Através desses elementos é possível detectar o número de estabelecimentos agrupados por escalões de trabalhadores ao serviço (quadros n.os 3 e 4).

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Número e situação do pessoal nos estabelecimentos (industria transformadora)

[QUADRO N.º 3]

Número de estabelecimentos segundo a dimensão — escalões de pessoal (indústria transformadora) [QUADRO N.º 4]

Estes elementos são, naturalmente, insuficientes, mas dão já uma ideia do mundo laborai a abranger eventualmente num sistema de segurança social. Aliás, é a própria Administração que reconhece a falta e dispersão de elementos estatísticos relativos ao mercado de trabalho, nas Linhas de Acção Governativa — Plano de Investimento de 19887, ao referir que: «A aceleração no nível da actividade económica teve necessaria- mente um efeito favorável no emprego. Embora continue a não ser possível uma apreciação exaustiva da situação do mercado de trabalho, dado o carácter fragmentário das informações [...]» Existem, pois, de acordo com os dados disponíveis, 6992 estabeleci- mentos que empregam 105 486 pessoas*. Pela amostragem relativa às indústrias transformadoras é possível constatar que nas empresas de maior dimensão (com 5 ou mais pessoas) a

7 Anexos à Lei n.º 2/88/M. de 8 de Fevereiro, relativa à autorização de receitas e despesas. 8 Em Novembro de 1987.

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percentagem de pessoal não remunerado é muito baixa (0,58%) neste ramo de actividade. O maior peso desse pessoal situa-se, aliás, compreen-sivelmente, nas pequenas unidades, onde representa 9% da mão-de-obra. Trata-se certamente de unidades de tipo familiar. A outra constatação importante é a de que, considerando a população de Macau, a dimensão ds empresas aparece extremamente equilibrada: Até 50 trabalhadores...... 821 estabelecimentos De 50 a 500 e > trabalhadores ...... 349 estabelecimentos Estas constatações são aqui notadas por causa das suas consequências na construção de um sistema de segurança social, nomeadamente na apreciação da capacidade das empresas para suportar o custo do seguro social, tipo de trabalhadores a abranger — de todas as empresas ou das de maior dimensão, trabalhadores subordinados e trabalhadores independen- tes, trabalhadores familiares, etc.

1.2.1.3 Níveis salariais e forma de pagamento O salário médio mensal divulgado pela Direcção dos Serviços de Estatística e Censos ' era, em 1986, consoante os ramos de actividade, de MOP 1400 a 2200: Indústria transformadora...... l 500 Construção e obras públicas ...... l 900 Comércio, restaurantes e hotéis...... l 400 Transportes e comunicações...... l 800 Bancos e seguros...... 2 200 Não se dispõe, neste momento, de elementos concretos sobre a natureza das remunerações. Julga-se, porém, que elas são em regra em dinheiro e nalguns casos em espécie ou uma parte em espécie, como é usual noutros locais e países. Não entram aqui, nem entraram nas anteriores rubricas, os salários e as questões da Função Pública por existir já instituído um regime de segurança social próprio — regime de protecção na saúde e maternidade, pensões e protecção em caso de morte — em termos similares aos instituídos em Portugal, a que adiante se fará referência.

1.2.1.4 Conclusão Conclusão a retirar destes elementos é a de que Macau possui uma estrutura económica e laborai que permite o tratamento das prestações da segurança social, de acordo com uma das concepções seguintes: Protecção universal — ou regime abrangendo a população residente com determinados requisitos; diríamos regime de base universal e igual, completado ou não por regimes complementares proporcionais aos ganhos; Seguro social — regime de benefícios proporcionais aos ganhos para as várias espécies de trabalhadores (população activa) e

9 Macau em Números, 1987, Direcção dos Serviços de Estatística e Censos.

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protecção voluntária para outras pessoas não abrangidas pelo sistema. Qualquer dos regimes pode ser completado por um mecanismo de protecção complementar sujeito à prova de recursos (este mecanismo protege as pessoas carenciadas que não forem abrangidas pelo sistema geral). Concretizando um pouco mais o que acima se diz: Na primeira fórmula de protecção, em princípio, protege-se o cidadão enquanto tal. Não o trabalhador. A protecção é igual para todos os que apresentem as condições referidas. Na segunda fórmula, protege-se o trabalhador enquanto tal. Hoje, pode dizer-se, aquelas fórmulas são usadas — uma ou outra — basicamente, pois são quase sempre acompanhadas da complementarie-dade dos componentes do tipo oposto. Isto é: o sistema universal é acrescido pelo recurso a seguros complementares, proporcionais aos ganhos (sistemas inglês e de influência anglo-saxónica) ou de adicionais para os mais pobres; o sistema proporcional cujo ponto fulcral é o trabalhador vem, muitas vezes, acompanhado de protecção complementar para quem não é abrangido por essa via — em regra, prestações para os mais carenciados, através da prova de rendimentos. O financiamento da primeira fórmula provém, em regra, do imposto geral, adicionado, nalguns casos, de taxas sobre os empregadores. No segundo caso, os encargos são cobertos por contribuições patronais, dos trabalhadores e, às vezes, também do Estado.

1.2.2 Conhecimento das aspirações da população Um sistema de segurança social deve ser criado para proteger a população. Ao criá-lo, o legislador tem que ter em mente as aspirações das pessoas — não apenas os pontos de vista dos que vão contribuir para ò sistema, em termos financeiros, mas também os pontos de vista daqueles que mais vão beneficiar com a sua instauração. Depois há aqueles que, por não terem capacidade de organização perante a sociedade e forma de veicular a sua opinião, têm que ser defendidos pelos próprios poderes públicos ao assumirem consciência da sua existência e dos seus problemas — os indigentes, os idosos, as crianças abandonadas, os deficientes e outros grupos marginais. Todos estes grupos sociais têm direito à protecção do Estado, independentemente de qualquer reivindicação organizada. Relativamente à população activa, isto é, aos vários grupos de trabalhadores independentes ou por conta de outrem, nenhum inquérito foi realizado, mas existem formas de conhecer as suas aspirações, através das várias organizações de trabalhadores do Território e, em última análise, através do Conselho Permanente da Concertação Social, ao qual incumbe «pronunciar-se sobre as políticas de desenvolvimento económico--social». De resto, através de órgãos de comunicação social tem sido várias vezes expressa a necessidade de cobertura mínima da população.

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1.2.3 O conhecimento das estruturas já existentes e dos direitos protegidos 1.2.3.1 A Acção Social — IASM e instituições particulares de solidariedade social Através do IASM e de várias organizações particulares de solidariedade social, nomeadamente pertencentes às Igrejas representadas no Território de Macau, faz-se uma protecção de certos estratos carenciados da população. Contudo, nem o IASM nem essas organizações consubstanciam um sistema de segurança social: os cidadãos não podem reivindicar um direito nem junto de um nem junto dos outros. Eles apenas têm acesso a certas acções de assistência em caso de necessidade. Atendendo aos casos atendidos com prestações pecuniárias, pode dizer-se que, nesse domínio, a intervenção do IASM junto de uma população que não tem segurança social é ainda bastante limitada. Através da descrição das despesas do IASM, constantes do Relatório de Actividade de 1987, constatam-se os gastos realizados nesse ano:

1) Subsídios a particulares (prestações pe cuniárias de apoio à velhice; subsídios de indigência; subsídios de incapacidade to tal ou parcial, etc.) ...... 15 500000 2) Equipamentos sociais apoiados pelo IASM (creches e infantários, lares de crianças e jovens; lares de idosos; cen tros de dia; lares de deficientes, etc.) ...... 12 395.800 3) Equipamentos administrados directa mente pelo IASM (cantinas escolares. Creche do Monte da Guia, Centro de dia do Porto Interior, Lar de Ká-Hó) ...... 3 545 200 4) Subsídios atribuídos a instituições parti culares ...... 716 800 5) Apoio social extraordinário (internamen tos extraordinários em estabelecimentos; equipamentos escolares e propinas a estudantes pobres; despesas de funerais a famílias carenciadas; apoio a indiví duos candidatos ao estatuto de refugia dos, etc.)...... 2 990 000 6) Despesas de conservação do património dos Bairros Sociais ...... 5 000 000 ______TOTAL 40 147 800

Na quantificação das intervenções do «Programa de Acção Social Individual, Familiar e Comunitário», extraem-se do mesmo relatório os seguintes números, referentes a oito meses de 1987: Atribuição de subsídios extraordinários a 2 305 beneficiários (acção corrente — DSS) — (288/mês); Atribuição de 17 064 prestações pecuniárias (2 434 por mês), entre as quais, 13 512 de apoio à velhice (acção corrente — DSS);

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Emissão de 166 guias provisórias para assistência médica gratuita (acção corrente — DSS)10; Emissão de 124 cadernetas de assistência médica gratuita (acção corrente — DSS)11; Renovação de 255 cadernetas de assistência médica gratuita (acção corrente — DSS); Pagamento de propinas a 629 estudantes (acção corrente — DSS); Alojamento de 4 382 pessoas no Centro de Sinistrados na sequência de ocorrência de sinistros, calamidades e de desalojamentos (acção corrente — DSS). No que respeita às instituições sob administração directa do IASM, este atendeu, em 1986, os seguintes números de utentes: Creche ...... 94 Lar de crianças e jovens ...... 377 Lar de idosos...... 603 Lar para deficientes ...... 224 TOTAL 1 898

Para os mesmos tipos de valência, em equipamento social, a restante protecção é feita por instituições particulares que, só no futuro, virão a ser sujeitas a uma certa fiscalização do IASM. Até agora, muitas dessas instituições têm recebido alguma comparticipação nas despesas, não estando ainda publicados critérios para a atribuição dos subsídios que lhes são destinados, através dos quais as mesmas previamente conheçam as regras do jogo a que devem sujeitar-se. Socorrendo-nos do Anuário Estatístico de 1986, referente a Macau e já anteriormente utilizado para outros efeitos, verifica-se que, nesse ano, foram subsidiadas 35 instituições com as valências, número de utentes e montantes dispendidos indicados no quadro n." 5:

Instituições subsidiadas

[QUADRO N.º 5]

10 Assistência médica garantida pelos serviços oficiais de saúde. 11Assistência médica garantida pelos serviços oficiais de saúde. 41

Seja como for, a acção social é, por definição, até para efeitos estatísticos internacionais: «O sistema ou regime de resposta a riscos, eventualidades ou necessidades com carácter subsidiário, destinado à satisfação de necessidades básicas fundamentais do destinatário. Em regra não existe contrapartida do beneficiário ou, existindo, é meramente simbólica.» l2

Pelo contrário, o conceito de segurança social define-se como: «O sistema ou regime de respostas a riscos, eventualidades e necessidades, através da prestação dum terceiro — instituição de segurança social —, sem que tenha havido contrapartida imediata do beneficiário, existindo anterior ou posteriormente.»13 Curioso é notar que a arrumação estatística das duas realidades é feita no mesmo capítulo, visto que, conforme a definição inculca, a acção social é subsidiária da protecção geral e substancial dada pela segurança social, havendo assim que, para bem funcionarem ambas, terem uma proximi- dade e coordenação estreitamente conjugada ou mesmo conjunta.

1.2.3.2 Cuidados médicos — Serviços de Saúde Em Macau, tal como na República, e em outros países, o direito à saúde está consagrado como um direito social autónomo 14 em relação à segurança social. Aqui, a Administração de Macau consagrou, dentro de certas condições, o princípio constitucional do direito à saúde ao publicar o Decreto-Lei n.° 24/86/M, de 15 de Março. Com efeito, são gratuitos para toda a população residente os cuidados de saúde primários e ainda os medicamentos da lista dos medicamentos essenciais para esse tipo de cuidados (art.° 5.°). Os restantes cuidados de saúde são pagos, a 70% do custo, pelos destinatários que pagam também integralmente os medicamentos receitados (art.° 15.° e 16.°). São gratuitos todos os cuidados médicos para grupos de pessoas, por razões de saúde pública, (doenças infecto-contagiosas, oncológicas, psiquiátricas e tóxico-dependências), por risco individual (grávidas, crianças até 10 anos, alunos do primário e secundário) e por risco social (indivíduos em estado de pobreza) — art.os 6.° a 12.° do citado Decreto-Lei. Está, assim, minimamente garantida a toda a população, incluindo os funcionários públicos e trabalhadores de empresas privadas, esse direito fundamental (para estes, os cuidados de saúde primários, fundamental- mente). Os funcionários têm direito a assistência médica, internamento e medicamentos gratuitos desde que receitados através dos Serviços de

12 Anuário Estatístico, 1986, Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, Macau, p. 51. 13 Anuário Estatístico, 1986. Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, Macau, p. 51. 14 Ver art.° 64.° da Constituição da República Portuguesa: «1. Todos têm direito a protecção da saúde e o dever de a defender e promover. 2. O direito à protecção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde, universal, geral e gratuito [...]» 42

Saúde (ou por outros, em casos de autorização) e desde que constem da lista aprovada pela unidade de saúde respectiva 15. No caso particular dos funcionários públicos, existe uma contribuição destes — 0,5% da remuneração ou pensão do titular (mesmo no caso de pensão de sobrevivência) —, competindo à Administração a cobertura dos encargos excedentes. Em termos gerais, o direito à saúde relativo aos funcionários públicos tem conteúdo semelhante ao dos funcionários públicos em Portugal. 1.2.3.3. Pensões e outras prestações a funcionários públicos — Direcção dos Serviços de Finanças — Fundo de Pensões Através dos Serviços de Finanças — Fundo de Pensões — são pagas aos funcionários públicos: — Pensões de aposentação: — Pensões de sobrevivência; — Pensões a pensionistas e sinistrados; — Subsídios para funeral; — Subsídios para assistência médica. O regime de pensões a funcionários públicos é semelhante ao que vigora para a República, embora com algumas especialidades, nomeada- mente quanto ao financiamento, competindo 7% da retribuição ao trabalhador e 7% à Administração (na República, o regime financeiro é de repartição pura e não de capitalização16 cobrindo, anualmente, o Orçamento do Estado os encargos anuais com pensões não suportadas pelas contribuições pagas no mesmo ano pelos trabalhadores da Função Pública). Tal como sucede na República, também aqui existe uma entidade autónoma — Fundo de Pensões (em Portugal a Caixa Geral de Aposentações e o Montepio dos Servidores do Estado) — para gerir as aposentações e, do mesmo modo, situada junto do departamento das Finanças, considerando a natureza dos trabalhadores e a proveniência das contribuições. Trata-se, porém, num e noutro caso, de pessoas colectivas de direito público com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. 1.2.3.4 Outras Instituições para os trabalhadores da Função Pública — Montepio e Obras Sociais Segundo ainda o modelo da República, também em Macau existem instituições que realizam aquilo que se denomina acção social complementar para trabalhadores da Administração Pública. Com efeito, possuindo uma protecção garantida por lei para os riscos sociais básicos — doença, invalidez, velhice, morte — e para encargos de família, os funcionários de certos serviços públicos beneficiam ainda de uma assistência complementar, não da denominada assistência pública destinada aos mais pobres da população em geral a que também podem

15 Cf. art.° 7.° do Decreto-Lei n.° 25/86/M, de 15 de Março. 16 A criação do Fundo de Pensões foi justificada pela necessidade de criar um regime financeiro de capitalização para as pensões, gerido autonomamente — Decreto-Lei n.° 114/85/M, de 31 de Dezembro.

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recorrer. Em Macau, existem um Montepio e cinco Obras Sociais que são organizações de inscrição voluntária, com ou sem contribuição dos inscritos e, em regra, recebendo financiamento do Estado. São as seguintes as Obras Sociais existentes: Lutuosa dos C.T.T.; Lutuosa da Imprensa Oficial; Obra Social dos Serviços de Marinha; Obra Social da Polícia Judiciária; Obra Social da P.S.P. A Obra Social dos Servidores do Estado de Macau, criada em 1980, pelo Decreto-Lei n.° 22/80/M, de 2 de Agosto, nunca chegou a funcionar 17. Trata-se, nestes casos, de instituições que garantem aos beneficiários auxílios, em caso de necessidades especiais, ou o acesso a facilidades de bens de consumo, empréstimos, etc. O objectivo deste tipo de serviços sociais é o de retirar do recurso à assistência pública a satisfação de necessidades de pessoas que, por terem um nível sócio-económico acima dos padrões dos consumidores daquele tipo de assistência, não poderiam, em regra, ser satisfeitos por ele. 1.2.3.5 Conclusão 1.2.3.5.1 Trabalhadores das activdades privaddas Verifica-se, assim, que em Macau existe para os trabalhadores da Função Pública um sistema que os protege, em termos de segurança social, à semelhança do que se passa na República, sistema que persistirá no futuro, pois ele não discrimina os funcionários a que se destina, nem o poderia fazer, sob pena de inconstitucionalidade. Após o período de transição, uma vez que a Declaração Conjunta prevê a manutenção do sistema anterior, manterão os funcionários da Administração Pública os seus direitos e regime. 1.2.3.5.2 Trabalhadores das actividades privadas A constatação a fazer, neste domínio, é a de que os trabalhadores que não pertençam à Administração Pública não têm efectivamente neste momento nenhuma protecção social garantida pelos poderes públicos18. Podem eventualmente ter seguros privados, como qualquer cidadão, mas não dispõem de seguro ou segurança social que lhes responda ou compense a perda dos ganhos necessários à sua subsistência e da família". A este respeito, parece importante conhecer a estrutura do consumo das famílias de Macau, constante da figura l, embora a mesma se reporte a 1981-82 20. Em termos gerais, portanto, em caso de risco social — perda de ganho por doença, invalidez ou velhice ou em caso de morte — nenhum mecanismo de compensação existe instituído para garantir aos trabalhadores e às famílias os mínimos de existência. 17 Foi nomeado um grupo de trabalho que apresentou um projecto para a activação desta instituição. 18 Salvo no caso da assistência médica — cuidados primários, gratuitos; outros cuidados pagos a 70%. 19 O Decreto-Lei n.° 101/84/M, de 25/VIII prevê uma licenç de 30 dias com salário, por ocasião de pano, para trabalhadoras com mais de l ano de trabalho (até 2 partos). 20 Anuário Estatístico de Macau, 1986, p. 223.

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Estrutura do Consumo das Famílias - I.D.F. — 1981/1982

[FIGURA 1]

Considerando, com efeito, as despesas familiares certas — alimenta- ção e habitação — que representam no consumo familiar 63,22%, perguntar-se-á como se mantêm agora as famílias e como se manterão no futuro? Que condições de vida possuem para poder subsistir naquelas circunstâncias? Tenha-se em vista ainda que os níveis de salários médios já indicados (embora hoje desactualizados, em parte), não deverão permitir grandes poupanças individuais para fazer face àquelas eventualidades. Certamente que em Macau funcionará, para minorar esta situação, o apoio familiar, o apoio dos membros mais jovens e dos mais aptos. A segurança dos doentes, inválidos e velhos como que decorre, como pode e quando pode, no seio da própria família. Mas, além daquele apoio ser obviamente insuficiente e incerto, ele tenderá a desaparecer à medida que se verifique a diminuição do número de famílias alargadas, evolução que se vem verificando por toda a parte, com a passagem daquele tipo de instituição familiar ao de família nuclear (pais e filhos), fruto de novas concepções de vida, nomeadamente de habitação e urbanismo, que vão alastrando no mundo. 2. ALGUMAS PROPOSTAS COM VISTA A UM SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL 2.1 APRESENTAÇÃO GERAL Convém recordar o que atrás foi dito sobre os parâmetros constitucionais de um sistema para Macau. Este Território estará sob a administração portuguesa até fins de 1999. Os princípios constitucionais que regem essa administração são os da República Portuguesa. Não existem outros aplicáveis, juridicamente. Por isso, a eles se recorre. 2.1.1 Os princípios constitucionais Os princípios da segurança social consagrados na Constituição da República Portuguesa são: 45

O de que a segurança social é um direito de todos; O de que deve compreender a protecção na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as situações de falta ou diminuição dos meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho; O de que compete aos poderes públicos organizar, coordenar e subsidiar esse sistema, de forma unificada, com a participação das associações sindicais e de outras organizações representan-tivas dos beneficiários; O de que o sistema não prejudica a existência de instituições particulares de solidariedade social, as quais podem concorrer para os seus fins, sujeitando-se, nessa medida, à fiscalização do Estado. Acresce a estes princípios o de que a maternidade e paternidade são privadas, nessa qualidade. Fora dos grupos indicados em 1.1.2.3.2, a assistência médica e hospitalar é comparticipada, competindo ao cidadão 70% do custo.

2.1.2 Síntese da protecção vigente e da população desprotegida Em relação a uma parte da população activa — trabalhadores da função pública — existe já um regime de protecção conformado com aqueles princípios de segurança social, o qual inclui a assistência médica e medicamentosa. Parte destes trabalhadores dispõe de acção social comple- mentar. Por outro lado, existe um regime de acção social para a população, em geral, o qual pressupõe a existência de uma cobertura da população por segurança social, visto que, conforme atrás se definiu, este regime é subsidiário e destina-se, em geral — como em Macau sucede — a cobrir as necessidades dos mais pobres entre os pobres e carenciados. A assistência médica e medicamentosa abrange, com carácter gratuito, alguns grupos de cidadãos — não os trabalhadores activos das actividades privadas, nessa qualidade. Fora dos grupos indicados em 1.1.2.3.2, a assistência médica e hospitalar é comparticipada, competindo ao cidadão 70% do custo. Sem protecção eoncontram-se, pois: Os trabalhadores activos por conta de outrem das actividades privadas; Os trabalhadores por conta própria, incluindo os profissionais liberais; Os trabalhadores familiares em unidades de tipo familiar; Os desempregados; Os ex-trabalhadores idosos e inválidos 22; As viúvas e órfãos que perderam o sustentáculo familiar.

21 Cf. art. 68.° da Constituição da República Portuguesa. 22 Dos cerca de 50 mil idosos e deficientes que existiam em 1987, somente 2 434 pessoas beneficiaram, em cada mês, de um subsídio do IASM. Naquele total não se contam todos os inválidos por o seu número ser desconhecido. 46

2.2 ÂMBITO DOS SISTEMAS EM GERAL 2.2.1 Âmbito pessoal dos sistemas Um sistema de segurança social pode abranger: Toda a população residente; Toda a população residente com recursos abaixo de certo limite; Todos os trabalhadores por conta de outrem e por conta própria; Todos os trabalhadores por conta de outrem; Uma parte dos trabalhadores por conta de outrem, por exemplo, os de empresas de maior dimensão e capacidade ou de certos ramos ou sectores de actividade (indústrias, comércio, serviços, agricultura, pesca, etc.). Nota-se que todos os sistemas de segurança social têm tendência, quando não são universais (toda a população residente), para o alargamento progressivo do seu campo de aplicação até realizarem uma cobertura integral. Trata-se, com efeito, de sistemas extremamente dinâmicos, sobretudo, nas sociedades ocidentais, onde, em regra, a cobertura foi sendo feita por etapas.

2.2.2 Âmbito material dos sistemas O âmbito material dos sistemas coincide, em termos gerais, com o que a Constituição da República indica — afinal o mesmo que consta da Norma Mínima de Segurança Social, Convenção 102 da O.I.T. —, incluindo, assim: Protecção na doença e na maternidade, através de subsídio de doença e maternidade e assistência médica e medicamentosa; Protecção na invalidez e velhice, através de pensão mensal; Protecção na morte, através de subsídio de morte e funeral e pensão às viúvas e outros dependentes; Protecção no desemprego, através de um subsídio; Compensação de encargos familiares (subsídio de nascimento, abono de família, etc.). Tal como o âmbito pessoal, também o âmbito material não apareceu concomitantemente, na sua extensão total, nos vários países. Ele foi sendo sucessivamente alargado às várias modalidades e sendo, nomeadamente, revista em cada modalidade o quantum da protecção. Com efeito, o quantum da protecção, nos termos da Norma Mínima, depende do grau de desenvolvimento de cada país ou região. Nos termos ainda da Constituição da República Portuguesa também esse quantum não se encontra estabelecido, como é evidente. Ele depende da capacidade do País. Apenas se exige que, para cada risco, pelo menos, um mínimo vital seja assegurado.

2.3 ÂMBITO PESSOAL E MATERIAL DE UM SISTEMA PARA MACAU 2.3.1 Protecção universal não contributiva — toda a população 2.3.1.1 Prestações Articulando os dados anteriores, poder-se-ia formular a seguinte proposta, de acordo com os princípios constitucionais já invocados e que a

47

seguir se sintetizam tendo em vista a realidade de Macau, no que respeita ao seu desenvolvimento económico, à ausência de regime para a maioria da sua população e tendo ainda em conta a protecção já existente:

[OUADRO N.º 6]

De acordo com o sistema proposto: Todos teriam direito a assistência médica e medicamentosa gratuita se os seus rendimentos não ultrapassarem um limite a fixar 23; Todas as mulheres teriam direito à protecção na maternidade, através de assistência médica e medicamentosa gratuita, independente mente dos seus rendimentos 24; Todos teriam direito a uma pensão social, não contributiva, de invalidez ou velhice, em caso de incapacidade total de ganhos ou por terem completado os 65 ou 70 anos de idade, no caso de os rendimentos não atingirem um limite a fixar 25; Todos os órfãos teriam direito a uma pensão social de orfandade, até à maioridade ou emancipação (ou até uma idade inferior, por exemplo, até à idade da escolaridade primária); Todos os trabalhadores desempregados, com certa duração de trabalho anterior e demais condições próprias desta eventuali- dade, teriam direito a um subsídio social de desemprego. Estas várias prestações em espécie e em dinheiro consubstanciariam o sistema universal de segurança social que, conforme resulta das definições que ficaram dadas, depende de condições de recursos, destinando-se, por isso, à população mais carenciada, por forma a garantir, como direitos, a protecção que assegurará a cada um o mínimo de meios de subsistência de que fala a Lei fundamental portuguesa e a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 2.3.1.2 Financiamento O financiamento deste regime, assim sistematizado, adicionado de outras componentes adiante indicadas, seria suportado pelo Orçamento do Território, se necessário através de um pequeno adicional sobre os 23 Este regime já vigora no Território, por força do Decreto-Lei n.º 24/86/M, para o grupo de risco social. 24 Este regime já existe por força do mesmo Decreto-Lei — grupo de risco individual. 25 Este regime substituiria o actual regime de prestações atribuídas sem carácter de direito pela acção social.

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impostos directos ou indirectos (a indicar) e ou sobre a concessão de exclusivos. Poderia ainda incluir uma receita provinda do regime contribu-tivo. Em termos globais, embora devam ser feitas estimativas sobre os encargos, pode dizer-se que esta parte do sistema não será muito dispendiosa. Com efeito, ela sobrepõe-se, em parte, a prestações já criadas ou esboçadas: a assistência médica já é concedida aos mais carenciados e o subsídio social de desemprego deverá ser pouco oneroso, considerando a afirmação oficial de que o índice de desemprego é muito reduzido 26. Relativamente às pensões sociais de invalidez, velhice e orfandade, para elas deverá reverter a parte do Orçamento do Território de Macau destinada a prestações de velhice pagas pela Acção Social. Aqui verificar-se-à naturalmente um acréscimo de encargos, cujo volume dependerá do montante a fixar para o limite dos recursos do beneficiário. 2.3.2 Prestações proporcionais ou não proporcionais e contributivas — população activa Obviamente que a proposta de um sistema universal não contributivo e não ligado ao trabalho anterior procura, como se referiu, aproveitar as sementes dispersas da protecção que hoje existe. A proposta peca, porém, porque teoricamente se garante uma protecção mínima não a iodos, mas a todos os que apresentem insuficiência de meios de subsistência. É, no entanto, um começo. E um começo que atende os princípios constitucionais de que temos falado. Mas será desejável e necessário, do ponto de vista da estabilidade e justiça social, ir um pouco mais longe. De resto, embora os princípios constitucionais não estabeleçam a medida dos direitos a atribuir, eles ficariam frustrados nas suas intenções se podendo o desenvolvimento económico permitir uma organização mais eficiente da protecção social ela se não fizesse. Acresce que a proposta anterior tem em vista a génese temporal de um sistema de segurança social e parte de um princípio que, embora doloroso, é realista: o de que a população que já foi activa e não teve em devido tempo a sua protecção garantida vai apenas receber, se estiver em situação de pobreza, uma quota parte mínima da sua participação no desenvolvimento para que contribuiu. O sistema iria começar com efeitos futuros, aliviando, assim, apenas e para o passado as maiores carências. É importante ter-se disto a consciência. Essa consciência em relação aos que já não podem ser abrangidos como activos, ajuda a compreender a importância de que seja agora garantida aos activos actuais uma protecção efectiva. Se assim não for, e atendendo ao crescimento futuro da população idosa, a que já se fez referência, Macau ficará sobrecarregado de idosos pobres que terá e deverá socorrer, com peso crescente no Orçamento e sem um suporte contributivo directo para fazer face a esse encargo

26 Ver Linhas de Acção Covernativa — Plano de Investimentos 1988, pp. 78 e 82: «A aceleração do crescimento |...| traduz-se num aumento do emprego para níveis possivelmente próximos do pleno emprego.» [...] pelo menos a nível do sector industrial, os empresários estarão a encontrar dificuldade em recrutar mão-de-obra adicional.»

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Daí a vantagem e a necessidade de um regime obrigatório e contributivo para os actuais e futuros trabalhadores activos, por forma a garantir-lhes direitos a uma pensão, independentemente dos rendimentos pessoais que tenham; um subsídio de doença ou de maternidade nos impedimentos provocados por estas eventualidades; e ainda assistência médica e medicamentosa (quando os trabalhadores se encontrem fora de qualquer dos vários grupos de risco já indicados) e um subsídio de funeral. Analise-se, a seguir, cada uma daquelas prestações sucessivamente nas vertentes: Trabalhadores a abranger; Descrição das prestações; Condições de acesso às prestações; Financiamento. 2.3.2.1 Trabalhadores a abranger A solução ideal seria a de se abranger num sistema contributivo geral e obrigatório todos os trabalhadores activos. Nesse sentido apontam os princípios constitucionais e a própria lógica da protecção social. Com efeito, a garantia dos ganhos anteriores através de pensões ou subsídios, porque a perda origina um vazio na economia de cada um, não tem que ver com o nível de recursos da família; tem que ver com o evento que se verificou. Apenas por razões orientadas por critérios de distribuição de rendimentos ou de economia de meios, foram concebidos os regimes sujeitos a condição de recursos. Assim, qualquer dispositivo em que se venha a consagrar um sistema de segurança social para Macau deverá, programaticamente, indicar essa evolução para uma cobertura integral. Entretanto, tão realisticamente quanto possível, dever-se-á estabele-cer um plano, progressivo no tempo, de enquadramento dos seguintes grupos: 1.° Trabalhadores permanentes e eventuais: de empresas industriais, comerciais e de serviços com 20 ou mais trabalhadores; 2.° Os mesmos trabalhadores: de empresas com um número inferior a 20 trabalhadores; 3.° Trabalhadores independentes; 4.° Outras actividades e trabalhadores. A décalage acima expressa, que pode, aliás, ter outras configurações, tem vários objectivos, entre os quais se cita a necessidade de adaptação das empresas à nova organização e aos encargos da segurança social e adaptação ainda das próprias entidades gestoras e fiscalizadoras que não seriam subvertidas por uma inscrição em massa de um momento para o outro.

2.3.2.2 Descricção das prestações Para que os riscos cobertos correspondam minimamente às necessida- des mais importantes da população trabalhadora e aos princípios que, insistentemente, têm vindo a ser citados, a protecção universal indicada em II.2.3.1.1 deverá ser completada, no que respeita à população activa, por prestações que devem compreender, no mínimo:

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Assistência médica e medicamentosa; Subsídios de doença e maternidade; Pensão por invalidez; Pensão por velhice; Subsídio de funeral. Do elenco normal dos benefícios, em geral, destinados à população activa faltam, na enumeração anterior, os seguintes: Subsídio por morte; Pensão de sobrevivência, incluída a de viuvez; Subsídio de desemprego em todas as situações de desemprego; Prestações familiares (casamento, nascimento, abono de família para as chanças até certa idade); Subsídio de educação especial para crianças e jovens deficientes.

2.3.2.3 Assistência médica (doença e maternidade) As grávidas, parturientes e puérperas, trabalhadoras ou não, constituem perante a legislação de saúde um grupo de risco individual 27. Por isso, têm a.assistência médica mínima necessária e gratuita garantida pelo Orçamento Geral do Território (incluindo internamento hospitalar e medicamentos constantes do formulário da unidade de saúde, assim como meios complementares de diagnóstico e terapêutica). Fora dos casos de maternidade, as trabalhadoras e os trabalhadores das actividades privadas não têm direito à assistência médica e medicamentosa 28. Como já anteriormente ficou visto, os funcionários públicos e seus familiares estão, gratuitamente, cobertos por aqueles cuidados, pagando uma contribuição de 0,5% das suas retribuições. Seria, pois, de incluir os trabalhadores, enquanto tais, naquela assistência, mediante pagamento de uma contribuição sobre os salários idêntica à dos funcionários públicos (acrescida de uma contribuição patronal correspondente ao encargo que o Território suporta com os mesmos funcionários). Os medicamentos poderiam ser comparticipados, como acontece em quase todos os países, nomeadamente em Portugal, como forma de disciplinar o seu uso e diminuir o peso financeiro da sua atribuição. Obviamente que, ao estabelecer essa medida, deveria igualar-se também para os funcionários públicos a comparticipação nos medicamentos que actualmente não existe, ficando, pois, neste aspecto, os funcionários e os trabalhadores do sector privado em igualdade de regime 29.

2.3.2.4 Subsídio de doença e maternidade A suspensão dos ganhos, nestes casos, deve ser coberta por um subsídio com duração limitada.

27 Ao considerar as mulheres-mães como grupo de risco com direito a cuidados de saúde, assim como as crianças e jovens, a legislação de Macau acolheu os princípios constitucionais sobre o assunto. 28 Ver I.1.2.3.2 29 Relativamente aos funcionários, a comparticipação deveria ser previamente acordada com as respectivas organizações profissionais.

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Porque é difícil fugir à comparação com a República Popular da China, com Hong Kong e com o regime português, a seguir se indicam, em termos gerais, a duração e montante daquela prestação social nos três sistemas: República Popular da China O subsídio de doença é pago durante todo o tempo de doença até à recuperação ou declaração de invalidez do beneficiário. O montante deste subsídio varia entre 60% e 100% do salário, consoante o número de anos de trabalho anterior, durante os primeiros seis meses de doença; no tempo excedente, a percentagem é menor, de 40% a 60%, igualmente de acordo com o mesmo critério temporal. O subsídio de maternidade é pago durante 56 dias ou 70 dias (em casos especiais). O montante do subsídio é de 100% do salário. Hong Kong O subsídio de doença é pago durante 120 dias, no máximo. O montante é de 2/3 do salário. O subsídio de maternidade é pago durante 10 semanas (4 antes e 6 após o parto). O seu montante é de 2/3 do salário. Portugal O subsídio de doença é pago durante l 095 dias com transição para a invalidez, se a doença persistir, à semelhança do que se passa no regime da República Popular da China. O montante é de 65% do salário médio mensal. O subsídio de maternidade é pago durante 90 dias (30 dias antes e 60 após o parto). O montante é de 100% do salário médio mensal. Comparem-se estes dispositivos com os que constam da Norma Mínima (Convenção n.° 102): Norma Mínima Subsídio de doença — a duração deve corresponder à duração da doença, podendo ser limitada a 26 semanas. Em certas condições, limites superiores podem ser estabelecidos. O montante mínimo do subsídio é de 45% (para um benefíciário-tipo, com cônjuge e dois filhos). Subsídio de maternidade — a duração deve corresponder à duração do impedimento, com limite de 12 semanas (cerca de 72 dias). O montante mínimo do subsídio é de 45% do salário. Proposta para Macau Numa proposta para Macau, poder-se-iam estabelecer os limites vigentes em Hong Kong: Subsídio de doença — a sua duração poderia ter o limite de 120 dias, com montante igual a 2/3 do salário médio. Haveria, no entanto, que prever as doenças de longa duração (oncológicas, tuberculose) para lhes fixar período superior. Subsídio de maternidade — a sua duração poderia fixar-se em 60 dias, tal como aproximadamente sucede na República Popular da China, em Hong Kong e, em relação a Macau, quanto às funcionárias da

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Administração 30 31. O montante do subsídio poderia corresponder a 2/3 da retribuição, numa primeira fase, tal como se propõe para a doença e de acordo com os limites de Hong Kong. Numa segunda fase, este subsídio deveria evoluir até aos 100% da retribuição, de acordo com os princípios constitucionais a que já aludimos e que prevêem que nenhuma diminuição de regalias das trabalhadoras se verifique em relação aos casos de maternidade, por causa da maternidade 32.

2.3.2.5 Pensão de invalidez Tal como se fez para os subsídios de doença e maternidade, abordamos aqui a protecção por invalidez dada na República Popular da China, em Hong Kong e em Portugal e indicaremos a que consta da Norma Mínima. República Popular da China Todos os empregados de empresas estatais e os empregados do Governo, das organizações políticas, científicas e educacionais têm direito a uma pensão mensal por incapacidade permanente correspondente a 40% do salário-tipo, com um mínimo mensal fixo, em caso de incapacidade total para o trabalho. Hong Kong Todos os residentes têm direito a um subsídio de invalidez mensal e igual (510 $HK, em 1985) em caso de incapacidade total para o trabalho e de cegueira. Esta prestação é acrescida de um suplemento de 225 $HK/mês para a população mais carenciada (prova de recursos).

Portugal A pensão de invalidez é atribuída a todos os trabalhadores por conta de outrem ou independentes, incluindo os agrícolas, com capacidade de ganho reduzida em mais de 1/3 da remuneração normal. A pensão mensal é de 2,2% da retribuição média (dos 5 melhores anos dos últimos dez), por cada ano civil com entrada de contribuições, com o limite mínimo de 30% e o limite máximo de 80%. Para além daquela pensão regulamentar paga a quem esteve sujeito ao regime obrigatório, existe uma pensão social, paga a todos os residentes nacionais, com 18 ou mais anos, em caso de invalidez total e possuindo recursos abaixo de certo limite (iguais ou inferiores a 30% do salário mínimo nacional, ou 50% no caso de um casal).

30 Por força da Lei n.° 12/78/M, de 15 de Julho. 31 Às funcionárias públicas de Macau não se aplica a duração fixada para as funcionárias públicas da República e restantes trabalhadores dos sectores privado e empresarial do Estado (90 dias). 32 Relativamente aos subsídios de doença e de maternidade, Hong Kong abrange na sua cobertura apenas os operários e os empregados com ganhos (estes) abaixo de certo limite. Exclui, assim, da protecção os empregados com salários superiores a cerca de 9.500 $HK. No regime a instituir poder-se-ia estabelecer, igualmente, limite exclusivo ou, o que seria preferível, «plafonar» as prestações, não excluindo a inscrição.

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Norma Mínima Estabelece-se nesta Norma que a cobertura pode abranger todos os residentes ou uma parte da população. O montante da pensão depende da legislação de cada país, com o limite de 40% do salário do beneficiário-tipo (com cônjuge e 2 filhos). A pensão deve permanecer até à recuperação ou à transição para a pensão de velhice, atingida a respectiva idade. Proposta para Macau Numa proposta para Macau, de acordo com o regime em vigor na República Popular da China e em Hong Kong, não contrariado pela Norma Mínima, a pensão de invalidez poderia ser atribuída aos trabalhadores inscritos no regime (todos os que são objecto da cobertura definida anteriormente) portadores de invalidez de 100%. A pensão, de acordo com o regime em vigor na República Popular da China e com o modelo básico da Norma Mínima, poderia ser igual a 40% do salário médio. 2.3.2.6. Pensão por velhice Para a pensão de velhice segue-se a mesma sistematização, analisando o regime aplicável: República Popular da China A pensão é atribuída em percentagem de 60% a 90% dos últimos meses de salário-tipo de acordo com a duração da actividade anterior do beneficiário, abrangendo a mesma população já descrita a propósito da pensão de invalidez. A pensão tem um limite mínimo fixo. A idade geral de reforma é de 60 anos para os homens e de 55 para as mulheres. Hong Kong Aqui, a pensão, aplicável a todos os residentes com 70 anos, é atribuída com montante fixo, em condições idênticas às já descritas para a pensão de invalidez (valor mensal igual a metade do desta). A pensão de velhice tem também um suplemento, sujeito a condição de recursos, de montante idêntico ao da pensão de invalidez. Portugal A pensão é atribuída com a mesma cobertura pessoal aos beneficiários que contem 65 anos (homens) ou 62 anos (mulheres) e com a mesma percentagem referida a propósito da pensão de invalidez. De igual modo, para a população não abrangida pelo regime contributivo, existe uma pensão de velhice, aplicável nas mesmas condições, a partir dos 65 anos (pensão social de velhice). Norma Mínima A pensão de velhice, nos termos daquela Norma, deve ser atribuída periodicamente à população abrangida (quer seja a população residente, quer seja a população activa) a partir de uma idade a fixar, não devendo ela ultrapassar os 65 anos. No entanto, pode ser fixada uma idade superior, tendo em vista a capacidade para o trabalho das pessoas idosas. O montante mínimo da prestação é fixado em 40% do salário do trabalhador-tipo (cônjuge a cargo).

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Uma proposta para Macau Poderia compreender uma pensão de velhice a atribuir a partir dos 65 anos de idade, não devendo a idade de reforma ter carácter vinculativo para o trabalhador. O montante da pensão poderia consistir numa percentagem, por hipótese de 2% do salário médio, por cada ano de trabalho, com pagamento de contribuições. A pensão de velhice poderia ser «plafonada» com um máximo de valor a fixar, a fim de evitar a formação de pensões muito elevadas para salários excepcionais.

2.3.2.7. Subsídio de funeral Em caso de morte dos beneficiários de um sistema, várias prestações existem. Poderíamos reduzi-las a estas: Subsídio por morte, normalmente consistente em montante corres- pondente a vários meses de salário ou pensão (conforme o beneficiário era activo ou pensionista); Pensão de sobrevivência para viúvas e órfãos e outros dependentes, consistindo numa percentagem da pensão que o beneficiário falecido tinha ou teria à data da morte; Subsídio de funeral, importância fixa correspondente às despesas de funeral. Atendendo a que, para Macau, o esquema de benefícios seria todo ele criado de novo, a fim de não o sobrecarregar demasiado, de início incluir-se-ia, entre as prestações contributivas, apenas o subsídio de funeral por falecimento do beneficiário, o qual deveria, porém, ter duas componentes: a de cobertura das despesas de funeral e a de atribuição à família de um mínimo de meios de compensação da perda imediata do salário do beneficiário falecido. Na República Popular da China, para funeral (porque existe um regime misto de subsídio por morte e pensão de sobrevivência) apenas é atribuída a importância correspondente a 2 meses de salário por morte do beneficiário. A República Popular da China contempla, ainda, a morte de dependentes com 1/3, 1/2 ou l mês de salário, conforme a idade do dependente. Em Hong Kong não existe nenhum benefício por morte 33. Em Portugal, o subsídio de funeral é de uma importância fixa suficiente para garantir o funeral, visto que existem outras prestações (subsídio por morte e pensão de sobrevivência). Assim, uma proposta para Macau poderia consistir no pagamento de um subsídio correspondente a um mês de salário médio do beneficiário falecido, acrescido de uma importância fixa a estabelecer em função do preço médio das despesas de funeral no Território.

2.3.3 Condições de acesso às prestações Em termos gerais, cada prestação tem condições de acesso específicas: sistemas com âmbito pessoal universal, a atribuição depende da nacionali-

33 Nos termos do Social Security Programs Throughout the World, 1985. 55

dade ou de certo tempo de residência e ainda de outros requisitos específicos. Nos sistemas contributivos, do tipo daquele que está contido na proposta para Macau 34, de acordo com a Norma Mínima e de acordo com o que é uso nos países que adoptam esta fórmula, a atribuição de cada prestação depende de um tempo mínimo de inscrição e de pagamento de contribuições, denominado período de garantia. A aquisição dos direitos não é, por isso, em regra, imediata. Os benefícios que exigem período de garantia menor ou mesmo nulo, denominados, por isso, prestações imediatas, são justamente aqueles que, normalmente, têm uma duração mais limitada, esgotando-se em cada recurso que a eles se faça. É o caso da assistência médica e medicamentosa, dos subsídios de doença e maternidade e do subsídio de funeral. As pensões de invalidez e velhice dependem, em regra, de períodos de contribuição superiores que tornam o acesso a estas prestações mais demorado, exigindo ou pressupondo uma capitalização prévia para o seu suporte futuro. Quer em Hong Kong, quer na República Popular da China, quer em Portugal, são exigidos os períodos de garantia indicados no quadro n.° 7.

Período de Garantia [QUADRO N.º 7]

a) O tempo de trabalho influencia, porém. o montade dos subsídios. 7) O subsídio por morte em Portugal depende de 6 meses de inscrição e 3 com entrada de contribuições.

34 O sistema abrangeria os trabalhadores em regime de inscrição obrigatória e as entidades patronais, as quais devem pagar uma contribuição para assegurar os benefícios aos primeiros. 56

Considerando as características da proposta para Macau, sobretudo o arranque do sistema, cremos justificar-se, para os subsídios de doença e maternidade, um período de garantia de um ano de inscrição com entrada de contribuições correspondentes a, por hipótese, 30 dias nos 3 meses anteriores ao da baixa ou do parto. Relativamente às pensões de invalidez e velhice, o período de garantia poderia, inicialmente, ser fixado, respectivamente, para a invalidez e velhice, em 10 anos e 15 anos de contribuição para o sistema. Finalmente, o subsídio de funeral que se propõe, misto de subsídio por morte e de subsídio propriamente dito, poderia ficar a depender de um período de inscrição de 6 meses e da entrada de contribuições em 3 meses, como em Portugal sucede com o subsídio por morte.

2.3.4 Financiamento O problema fulcral dos sistemas de segurança social é sempre o do financiamento. E no financiamento, o problema que previamente se coloca é o de decidir se os encargos devem ser cobertos pelos impostos e ficar a cargo da colectividade, no seu conjunto, ou se eles devem ser assumidos de forma mais directa pelos trabalhadores, como forma de poupança obrigatória sobre os salários, e pelas entidades patronais, como forma de pagamento de salários diferidos (tese muito comum). É verdade, pelo menos em parte, que, nesta segunda fórmula, o financiamento acaba sempre por se repercutir nos cidadãos em geral visto que as empresas procurarão transferir para os consumidores de bens e serviços os aumentos de custo do produto ligado à mão-de-obra. Acontece, como já se teve oportunidade de referir, que nenhum destes dois tipos existe hoje na sua pureza. A cada um se agregam elementos do outro. É que a escolha do regime de financiamento tem grande ligação com as características dos sistemas no seu aspecto de âmbito pessoal e material e, particularmente, com a natureza uniforme ou proporcional das prestações em dinheiro. Na proposta para Macau defendeu-se um regime universal, sujeito a condição de recursos, para certas prestações (não contributivas) indicadas em Ⅰ .2.3.1. Para as restantes prestações, indicadas em II.2.3.2, o financiamento que se prevê poderá consistir numa contribuição suficiente, a repartir entre as entidades patronais e os trabalhadores, com ou sem apoio do Orçamento Geral do Território. A contribuição não pode ser arbitrariamente fixada, mas ser antes o resultado de um estudo de custos do esquema escolhido, com todas as suas condicionantes, em que entrarão em linha de conta, nomeadamente, as taxas de fecundidade, de morbilidade e de mortalidade próprias do Território. Considerando a experiência portuguesa de há 15 a 20 anos atrás, época em que o estádio de evolução do sistema se pode, em termos muito genéricos, equiparar ao regime contributivo que se propõe para Macau, as taxas de contribuição por modalidades eram assim distribuídas 35:

35 Referem-se apenas as modalidades comuns. Em Portugal, o regime era já mais extensivo.

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Se se aplicar este mesmo método ao esquema proposto para Macau, a contribuição global a pagar, permitindo a capitalização nas modalidades de invalidez e velhice, dará ao sistema um mínimo de autonomia e segurança. Tratando-se como se trata de um regime novo, seria necessário, porém, prever para os beneficiários que não iriam ter tempo para «ganhar» a sua pensão a restituição das contribuições afectas, com possibilidade de constituição de uma renda vitalícia. Seguindo ainda o critério português de repartição da taxa global entre patrões e trabalhadores — proporção 1/3 (não é possível aplicar os critérios da República Popular da China e de Hong Kong, porque as modalidades são inteiramente custeadas pelas empresas ou pelo Estado) — teríamos para:

O modelo referido estava adaptado à realidade portuguesa. Obviamente, em relação a Macau, a forma de financiamento e as taxas de contribuição devem resultar, como atrás se indicou, de estudos sobre a realidade concreta do Território e das opções sobre os benefícios a atribuir. 3. ORGANIZAÇÃO — UMA PROPOSTA PARA MACAU Como resulta do que anteriormente ficou dito, um sistema de segurança social, para poder proteger com eficácia, tem que ser, basicamente, obrigatório para a população definida. De contrário, nem trabalhadores nem patrões a ele adeririam facilmente, pois trata-se de suportar custos e, muitas vezes, nem os trabalhadores seus beneficiários têm a percepção imediata das suas vantagens. Há sempre, por isso, uma pedagogia a exercer, mesmo nos casos em que a experiência já é longa. Mas outro aspecto importante da segurança social é o de que a sua administração não pode ficar a cargo de uma qualquer entidade que dela viesse a tirar lucro, no sentido mercantilista do termo. A gestão dos seguros sociais ou da segurança social tem que pertencer a entidades públicas que radiquem na autoridade e na garantia do Estado. Isto porque: A reprodução dos dinheiros, se houver, deve reverter exclusivamente para os segurados, havendo que ter cuidado nas aplicações,

36 Esta taxa resulta da adaptação da taxa do subsídio por morte de 6 meses de salário, a que correspondia a taxa de 1%. O subsídio de funeral corresponderá, grosso modo, a 2 meses de salário.

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evitando todo o risco num dinheiro que é «social»; A gestão tem que revestir-se, publicamente, de condições de idoneidade e transparência exigíveis aos entes públicos; Em caso de necessidade, o Estado poderá ter que intervir para apoiar financeiramente estas entidades gestoras pois que é, em última análise, o garante dos direitos formados ou em formação. Assim, as organizações que têm a seu cargo o serviço das prestações sociais, através dos regimes de inscrição obrigatória, são organizações de direito público, dotadas de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, gozando de isenções e prerrogativas próprias daquele tipo de entidades e justificadas pelos seus objectivos sociais. Estas instituições sujeitam-se à tutela do sector governamental próprio. Na proposta de organização para Macau, à mesma organização pertenceria: A gestão: Do regime não contributivo de prestações; Do regime contributivo. A articulação: Com os Serviços de Saúde, da gestão das prestações de doença assistência médica e medicamentosa, controlo dos subsídios (baixas, etc.), das declarações de invalidez e sua fiscalização; Com o IASM, das prestações de assistência que a este compete.

[QUADRO N.º 8]

a) Toda a população com prova de recursos e em condições específicas de desemprego b) Prestações não contributivas, suportadas pelo O G.T. c) Prestações contributivas. suportadas pelas contribuições de trabalhadores c patrões.

Daqui parece asado concluir que o sector governamental mais adequado é aquele que mais directa ligação tem com os aspectos substanciais do sistema. Esse é, no actual xadrez organizativo de Macau, o sector da Saúde e Assuntos Sociais. O quadro n.º 8 permite visualizar, em síntese, as propostas 59 para Macau indicadas. Mas, acima de tudo, o que é importante é que o sistema de Segurança Social se faça. (Dezembro de 1988)

60 Desenvolvimento

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62 Administraçáo, n.o 3/4. vol. II. 1989-1.° e 2.°, 63-83

O SISTEMA DE TRANSPORTES NO DESENVOLVIMENTO DO DELTA DO RIO DAS PÉROLAS A QUESTÃO VISTA DE MACAU

Gary Ngai *

I O DESENVOLVIMENTO GLOBAL DO DELTA DO RIO DAS PÉROLAS

1. O Delta do Rio das Pérolas é a região do Sul da China em mais rápido desenvolvimento e é a zona experimental em que a actual política de abertura e de reformas da República Popular da China tem alcançado melhores resultados. O desenvolvimento do «Delta dourado» é seguido com muita atenção por observadores de todo b mundo. , Hong Kong e Macau constituem historicamente uma unidade inseparável. Macau foi o primeiro porto comercial, a primeira «zona especial» aberta pela China ao exterior, na dinastia Ming. Mas essa posição privilegiada de Macau perderia progressivamente importância em benefício de Hong Kong. Após 1949 verificou-se o fechamento ao exterior da região do Delta do Rio das Pérolas, fechamento que haveria de manter esta região separada de Macau e de Hong Kong durante um período de tempo muito longo. Como consequência da política de abertura da China, iniciada em finais dos anos setenta, e como resultado da aplicação da fórmula «um país dois sistemas» que procura tornar complementares dois sistemas até então considerados inconciliáveis, verificou-se o rápido desenvolvimento da região do Delta com os resultados que hoje são bem patentes. E agora que foi já definido o futuro político de Hong Kong e de Macau, estes dois territórios e o território de Guangdong têm que voltar a ser vistos como um espaço integrado. Na elaboração dum plano de desenvolvimento a longo prazo terá que ser considerado todo esse espaço integradamente. As especificidades de

* Secretário da Associação de Ciências Sociais de Macau.

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cada um dos três Territórios só poderão ser potenciadas numa perspectiva de complementaridade. Só será possível um rápido e sólido desenvolvimento do conjunto se houver coordenação no desenvolvimento de cada uma das partes tendo em vista a complementaridade entre todas. 2. Hong Kong, como cidade internacional, centro financeiro e porto que liga o Delta ao mundo, de nenhuma forma poderá ser substituído por Guangzhou. Quanto a Macau, embora seja um Território mais pequeno do que Hong Kong e seja mais lento o ritmo do seu desenvolvimento, a sua especificidade de porto-franco e de cidade internacional impede também que possa ser substituído no papel que desempenha por qualquer outra cidade do Delta. Após a sua transformação em Regiões Administrativas Especiais da República Popular da China, Hong Kong e Macau, como portos-francos e cidades internacionais, manterão seguramente essa sua posição por muito tempo, continuando a ser uma ponte ao serviço de toda a região do Delta do Rio das Pérolas. Por sua vez, o desenvolvimento de Hong Kong e de Macau estará cada vez mais ligado ao desenvolvimento do vasto interior do Delta do Rio das Pérolas, pois quanto maior for a «abertura» desta vasta região mais favoráveis serão as condições político-económicas necessárias para o progresso dos dois Territórios. É que Guangzhou — e esta é uma decisiva especificidade do seu contributo — como centro político, económico, cultural e de comunicações que liga o Delta a todo o País, não pode ser substituído nem por Hong Kong, nem por Macau. Guangzhou/Macau/Hong Kong, territórios que integram a região do Delta do Rio das Pérolas, devem criar o seu modelo particular de desenvolvimento, que será diferente, naturalmente, do modelo do Delta do Rio Yangzi, por exemplo, ou do de qualquer outra região do mundo.

3. Devido aos condicionalismos históricos que se conhecem, Macau tem uma posição menos importante no Delta, e o nível do seu desenvolvimento é inferior ao de Hong Kong, estando mesmo numa situação de dependência relativamente a esse Território. O seu papel e a especificidade do seu contributo são, por isso, muitas vezes esquecidos. Costuma até dizer-se que «Hong Kong é grande e Macau pequeno». Mas a verdade é que Macau tem conseguido, desde o início dos anos setenta, um bom ritmo de desenvolvimento económico, uma taxa de crescimento cuja média anual, no período referido, foi superior à verificada em Hong Kong. O valor das exportações registado no ano de 1987, por exemplo, ultrapassou os 10.000 milhões de patacas, valor que é superior ao valor global das exportações de toda a região do Delta, com excepção de Hong Kong e de , no mesmo período. O valor do produto per capita dos residentes de Macau atingiu os 5 000 dólares americanos: 5." lugar na Ásia, sendo apenas um pouco inferior ao registado no Brunei, Japão, Hong Kong e Singapura. Neste aspecto Macau ocupa uma posição superior à dos outros distritos e municípios do Delta. Ê, no entanto, possível que Macau venha a ser ultrapassado por outras cidades se não se empenhar no melhoramento das suas próprias condições.

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4. Após um estudo cuidadoso efectuado nos últimos anos, a popula-ção de Macau, guiada pelo Governo local e apoiada pelo Governo central de Beijing, decidiu construir o seu próprio porto de águas profundas e um aeroporto internacional, de modo a alterar a situação de dependência em que desde há muito se encontra relativamente a Hong Kong em matéria de comunicações e transportes. Trata-se de uma importante decisão estratégica que contribuirá decisivamente para a modificação das condições de investimento em Macau e para o desenvolvimento da autonomia econó- mica do Território. Sendo certo, evidentemente, que a recuperação de Macau terá de passar por um grande empenhamento noutros domínios igualmente determinantes: reforma do sistema educativo para elevar os níveis de instrução, cultural e técnico-profissional da população; desenvolvimento de um grande esforço para promover a eficácia dos serviços públicos administrativos, simplicando e racionalizando as diversas formalidades burocráticas; implementação de reformas económicas indispensáveis. Só assim Macau poderá manter a sua posição e dar um contributo específico e significativo para o desenvolvimento integrado da região do Delta, Neste artigo tentaremos equacionar a questão do sistema de comuni- cações na região do Delta do Rio das Pérolas — que é, como se sabe, uma questão decisiva na problemática do crescimento económico e do desenvolvimento — considerando a posição de Macau e o papel que nesse contexto poderá vir a desempenhar.

II O PORTO DE ÁGUAS PROFUNDAS DE MACAU E O PROBLEMA DA SUA RENDIBILIDADE

1. AS RAZÕES QUE DETERMINARAM O PROJECTO DE CONS- TRUÇÃO DO PORTO As razões que determinaram a decisão de construir um porto de águas profundas em Macau foram as seguintes:

1.1 A INTENSIFICAÇÃO DAS TROCAS COMERCIAIS COM O TERRITÓRIO A partir da década de oitenta, o volume das trocas comerciais tem registado um aumento médio anual de cerca de 7%. Em 1986, o volume global das importações atingiu as 550 000 toneladas, e o das exportações as 210 000 toneladas. Em termos de transporte marítimo, o seu peso atingiu, respectivamente, as percentagens de 88% e 99%. Em termos de utilização de contentores, esse movimento global das trocas comerciais atingiu os 70%, uma percentagem apenas um pouco inferior à registada em Hong Kong, 98%. Em 1988, as mercadorias que Macau exportou para os seus principais mercados, nomeadamente para a Europa, América, Japão, Médio Oriente, Austrália e países do Sudeste da Ásia, através do porto de Hong Kong, atingiram 950 000 toneladas métricas, equivalentes a cerca de

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38 000 contentores estandardizados de 20 pés de comprimento, registando-se um aumento de 13% em relação ao ano de 1986, O transporte interoceânico representou cerca de 60% no total dos transportes marítimos utilizados, referindo-se a restante percentagem ao movimento de trocas com a China e com Hong Kong e ao transporte fluvial.

1.2 A SATURAÇÃO PROGRESSIVA DO PORTO INTERIOR Em Macau, o transporte marítimo de mercadorias depende, desde longa data, das pontes-cais tradicionais existentes no Porto Interior. Cargueiros de 5 000 toneladas ainda podiam atracar, há alguns anos, a estas pontes-cais. Mas o assoreamento do rio Qianshan tornou o canal de acesso ao Porto Interior mais estreito e menos profundo. O canal natural navegável passou a ter apenas meio metro a um metro de profundidade na maré baixa. O canal artificial, resultante das operações de dragagem, tem somente 3 a 3,5 metros de profundidade, pelo que apenas permite a navegação de batelões e de navios até l 000 toneladas. No início dos anos oitenta, com o desenvolvimento da utilização de cargueiros de contentores, foi instalado no Porto Interior um terminal para navios porta-contentores. Mas a exiguidade do espaço para descarga e armazenamento de contentores leva a prever a saturação deste terminal na década de noventa. Por outro lado, os acessos inadequados ao Porto Interior, em que se verificam constantes engarrafamentos de tráfego, inviabilizam a solução de ampliar o terminal de navios porta-contentores ali existente.

2. O PROTO DE ÁGUAS PROFUNDAS DE MACAU Pelas razões apontadas foi decidida a construção de um porto de águas profundas em Coloane, na zona de Ká-Hó. O porto será construído em duas fases. A primeira fase será a da construção das infra-estruturas do terminal para navios porta-contentores, que terá uma área de 4 hectares (duas pontes de atracação de 150 e 170 metros de comprimento, respectivamente), e a da construção de uma ponte-cais, com uma área de 8 hectares, para atracagem de navios petroleiros (espaço para onde serão transferidos os depósitos de petróleo agora existentes no Porto Interior, situação actual que apresenta o grande inconveniente de ameaçar a segurança de uma zona de grande densidade populacional). Nessa primeira fase da construção, que deverá ficar concluída em 20 meses, as águas do terminal terão apenas 5 metros de profundidade. A segunda fase da construção será a da ampliação do porto que atingirá uma área de 26 hectares, com uma profundidade de águas de 7 metros, profundidade que permitirá o fundeamento de navios de 10 000 toneladas.

3. O PROBLEMA DA RENDIBILIDADE DO PORTO A questão da rendibilidade do porto de Ká-Hó é uma das questões que vem sendo mais discutida.

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3.1 O PROBLEMA DA DRAGAGEM E O PROBLEMA DO MOVIMENTO DE CONTENTORES O porto de águas profundas de Macau será construído a oeste da foz do Rio das Pérolas, zona onde se verificam acervos de lodo e de areias. O trabalho de dragagem será, por isso, complicado e terá de ser permanente (a altura do lodo no canal navegável do porto vizinho de Jiuzhou aumenta cerca de 38 a 50 cm. por ano). Este facto agravará, obviamente, as despesas de manutenção do terminal, sendo mesmo possível que o custo das operações de dragagem do canal não venha a ser inferior ao do transporte de contentores de Macau para Hong Kong. Por esta razão há quem não veja vantagem na nova solução e defenda que será preferível continuar a utilizar o Porto Interior e a fazer o transporte por Hong Kong, solução aparentemente mais económica do que a da construção do porto de águas profundas. É necessário, todavia, colocar a questão noutro quadro. Com a construção do porto de águas profundas e com a reconstrução do Porto Interior, o Governo pretende que se verifique um «reordena-mento» na actividade portuária. Sem que seja imposta a passagem de todas as actividades de movimento de contentores para o novo porto de águas profundas, o Governo pensa, no entanto, que estas actividades virão, de facto, a concentrar-se ali espontaneamente, deslocando-se para o Porto Interior as actividades de pesca e de transporte de mercadorias e passageiros entre Macau e a China. De acordo com os dados oficiais, a ampla zona de laboração proporcionada pelo novo porto e o sofisticado equipamento com que irá ser dotado permitirão níveis mais elevados de contentorização e uma muito maior velocidade e eficiência no processamento das diversas operações. Supõe-se que o custo do transporte de cada tonelada de mercadorias poderá ser reduzido em cerca de 370 patacas, redução que traria muitos benefícios ao Território. O novo porto de Ká-Hó, cuja gestão será entregue a empresas privadas, permitirá, portanto, através da espontânea divisão de «tarefas» que referimos, o reordenamento e o descongestionamento da actividade portuária, introduzindo mesmo no sector uma desejável competividade.

3.2 O PROBLEMA DA DISTÂNCIA A QUE SE ENCONTRA SITUADO O PORTO DE ÁGUAS PROFUNDAS O novo porto de Ká-Hó ficará distante da zona industrial de Macau. O porto de Jiuzhou, , pelo contrário, fica apenas a 6 km. de Macau. Alguns exportadores entendem, por isso, que a utilização do porto de Jiuzhou poderia ser mais económica em termos de tempo e de dinheiro. Mas a questão tem de ser considerada, uma vez mais, num quadro mais amplo. A construção do porto de Ká-Hó terá de ser complementada, integrada, com outros empreendimentos. A abertura do túnel da Guia, ligado à ponte Macau-Taipa, e a instalação duma zona industrial nas Ilhas, encurtarão a distância entre a nova zona portuária e as zonas industriais do Território.

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3.3 O PROBLEMA DO SUBAPROVEITAMENTO DO PORTO DE AGUAS PROFUNDAS Prevê-se que em 1995 o movimento de mercadorias no novo porto de Ká-Hó atinja 3 a 4 milhões de toneladas — sendo 2 milhões, pelo menos, transportadas em contentores — movimento que será o dobro do actualmente registado no Porto Interior. Até ao fim do século aquele número subirá para os 5 milhões de toneladas. Nessa data, o tratamento de contentores (classificação e agrupamento de mercadorias em função do respectivo destino) que agora é feito em Hong Kong poderá passar a ser realizado em Macau no porto de Ká-Hó que disporá de condições de espaço e de equipamento para o efeito. Os valores indicados referem-se apenas a mercadorias entradas e saídas do Território, não a mercadorias em trânsito. Receia-se que o porto de Ká-Hó não venha a ter um movimento de mercadorias suficiente para atrair os navios de longo curso. Se assim viesse a acontecer,a construção do porto não teria de facto justificação económica. Para ser rendável, o porto de águas profundas de Ká-Hó deverá, por isso, servir não apenas Macau, mas também o Continente Chinês no trânsito do seu movimento de mercadorias. Deverá, ainda, poder complementar o porto de Hong Kong, «aliviando» aquelas instalações portuárias no que se refere ao movimento de reexportações, uma vez que as actuais instalações daquele porto começam a não ter capacidade para satisfazer as necessidades do negócio de reexportação, cujo volume aumenta de dia para dia. Pensamos, portanto, que a questão da subutilização do porto de águas profundas de Ká-Hó será resolvido, nomeadamente, com o desenvolvi- mento da actividade de reexportação.

3.4 O PROBLEMA DA ACTIVIDADE DE REEXPORTAÇÃO O actual negócio de reexportação de mercadorias em Macau não é brilhante. Mas na sequência da instalação de fábricas e dos crescentes investimentos feitos por empresários de Macau e de Hong Kong na zona oeste do Rio das Pérolas, junto à foz, Macau poderá tornar-se no porto de trânsito da actividade industrial dessa zona. Os empresários de navegação e transporte de Macau estavam já a fazer um bom negócio com a reexportação de mercadorias provenientes do Continente Chinês, dando prioridade ao transporte por contentor, via Hong Kong, para os respectivos destinos das mercadorias produzidas nas fábricas instaladas na República Popular da China por empresários de Macau. Esta actividade de reexportação representou em 1987 10 a 15% do total das mercadorias de Macau transportadas em navios de longo curso. A partir de 1988, porém, essas exportações do Continente Chinês deixaram de ser movimentadas por Macau, passando a ser colocadas em contentores no porto de Jiuzhou e sendo dali transportadas para Hong Kong, donde seguem, depois, para diferentes destinos. Apenas os contentores que não tenham podido ser completamente carregados naquele porto passam por Macau para receber mercadorias. Este facto lamentável, que reduziu em 15% o volume das mercadorias transportadas em navios de longo curso a partir de Macau, ficou a dever-se

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a uma competição interna e à inaceitável complicação das formalidades de reexportação praticadas no Território. Se Macau quiser recuperar e desenvolver essa actividade tornando-se um porto de trânsito para as trocas entre o Delta do Rio das Pérolas e os países do Ocidente, terá, antes de mais, de proceder à simplificação das formalidades burocráticas, de tornar mais eficientes as operações de carga e descarga e de conseguir uma redução no custo do serviço prestado. 4. A SITUAÇÃO DO PORTO DE KÁ - HÓ E O PAPEL QUE PODERÁ DESEMPENHAR NA ZONA OESTE DO DELTA DO RIO DAS PÉROLAS 4.1. O porto de Vitória, em Hong Kong, continua a ser o porto do Delta do Rio das Pérolas com melhores condições naturais e o primeiro porto em eficiência de carga e descarga. As mercadorias ali movimentadas atingiram, no ano de 1988, 80 milhões de toneladas, verificando-se um aumento de 20% em relação ao ano de 1987. Relativamente ao movimento de contentores, foram tratados naquele porto, em 1988, cerca de 4 000 000 de contentores estandardizados de 20 pés de comprimento, verificando-se, relativamente a 1987, um aumento de 13%. O porto de Vitória continuou a ser, assim, o porto de contentores mais importante do mundo. Esse muito significativo aumento verificado no movimento de mercadorias foi devido não apenas ao acréscimo das importações e exportações do próprio território de Hong Kong, mas também à intensificação do papel de Hong Kong como interposto reexportador de mercadorias vindas do Continente Chinês: 10% da totalidade das exportações da República Popular da China foram movimentadas através do porto de Hong Kong, percentagem que no quadro da actual política de desenvolvimento da China tenderá a aumentar progressivamente. De 1982 a 1987, o movimento de reexportação de mercadorias através do porto de Hong Kong registou um aumento de 312%. Em 1988, o aumento foi de 50%, referindo-se 80% deste aumento ao movimento de reexportação de mercadorias provenientes do Continente Chinês. Este aumento sobrecarregou tão significativamente o porto de Hong Kong que foi necessário construir mais dois terminais para navios porta-contentores. Esta crescente pressão exercida no porto de Hong Kong só poderá ser abrandada com a melhoria da capacidade de carga e de descarga de navios nos vários portos do Delta, com a valorização das vias de comunicação e com a construção de novos portos de águas profundas nas zonas leste e oeste do Delta do Rio das Pérolas, junto à foz. No que diz respeito à construção de novos portos de águas profundas, a sua rendibilidade deve ser cuidadosamente equacionada, sendo necessário, nomeadamente, uma racionalizada articulação do seu papel com o papel que deve caber aos portos de águas baixas. Haverá, nomeadamente, que impedir que os portos de águas profundas venham a servir embarcações de pequeno calado, num evidente subaproveitamento das condições que oferecem e num desvio à finalidade da sua construção. 4.2. O porto de Huang Pu é o segundo maior porto da região, com uma capacidade de tráfego igual a metade da capacidade oferecida pelo porto de Hong Kong. Todavia, devido à deficiência de acessos que origina

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permanentes engarrafamentos de trânsito, o número de contentores ali tratados é muito inferior ao número de contentores tratados em Hong Kong (apenas cerca de 100 000 contentores estandardizados). No porto de Guangzhou, situado perto do porto de Huang Pu, são tratados anualmente 50 000 contentores. O porto de She Kou e o porto de Chi Wan são dois novos portos na zona leste do Rio das Pérolas com uma capacidade de movimentação anual de 4 000 000 e 2 500 000 toneladas, respectivamente. O aumento da rendibilidade destes portos passará pela construção de um caminho de ferro que os ligue ao caminho de ferro Guangzhou-Hong Kong e pela abertura ao tráfego da nova auto-estrada Guangzhou-Shenzhen. Estão actualmente em construção, em locais de águas profundas, com mais de 10 metros, sem ameaça de Iodos, mais dois bons portos naturais: o porto de Ma Wan (com uma capacidade de movimentação anual de 10 milhões de toneladas) e o porto de Yan Tian (55 milhões de toneladas). Na zona oeste da foz do Rio das Pérolas, com más condições naturais devido à existência de grande quantidade de lodo, existem o porto de Zhongshan e o porto de Jiuzhou e está prevista a construção do porto de Ká-Hó. Todos estes portos dependerão da dragagem para manter canais navegáveis, com uma profundidade de 10 metros. A essa dificuldade juntam-se algumas outras: inexistência de ligações ferroviárias, engarrafamentos de trânsito nas inadequadas vias de acesso que servem as áreas onde estão ou onde serão instalados, reduzida quantidade de mercadorias a transportar. Coloca-se, por isso, a questão do subaproveitamento e da rendibilidade destes portos. No porto de Jiuzhou, por exemplo, em 1987; foram apenas tratadas 110 000 toneladas de mercadorias, possuindo esse porto capacidade para movimentar 2 090 000! O porto de Yong Qi — o principal porto do distrito de Sunde e um dos três maiores portos interiores de Guangdong — permite o fundeamento de navios de 3 mil a 5 mil toneladas e possui uma capacidade de movimentação superior a 20 000 toneladas por ano. As inadequadas condições naturais deste porto não permitem, no entanto, que venha a ser transformado num porto de águas profundas. A vila de Nam Sá, no distrito de Pun Yu, com águas de 11 metros de profundidade, tem condições para vir a possuir um porto de águas profundas que complementaria a actividade do porto de Huang Pu na movimentação de mercadorias. Mas a instalação desse porto só será viável após a construção da auto-estrada Guangzhou-Shenzhen. Não existem ainda portos de águas profundas a oeste de Macau. Se se quiser construir um porto de águas profundas nessa área, deverá optar-se pelo aproveitamento do canal de Ya Men (porta de Ya) que é largo e profundo. Bem situado geograficamente, com menos areias e Iodos do que os canais de Heng Men e de Mo Dao Men, o canal Ya Men ofereceria melhores condições para a construção de um porto de águas profundas. Consta também que se pretende a construção de um porto de águas profundas em Gao Lan, junto de Ya Men, para fundeamento de cargueiros de longo curso, de 50 000 a 100 000 toneladas, porto este que ficaria ligado ao projectado caminho de ferro Guangzhou-Zhuhai. A montante existe ainda o porto de , o segundo maior porto interior de Guangdong (com uma capacidade de movimentação anual de 2

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milhões de toneladas). Este porto é um importante centro de afluência e de distribuição de mercadorias e de matérias-primas provenientes do distrito de Jiangmen e de outros cinco distritos, comunicando, a norte, por via fluvial e marítima, com Zhaoqing, Wuzhou, Sanfou e Guangzhou, e, a leste, com Chong Shan, Zhuhai, Hong Kong e Macau. O porto de Jiangmen poderá ser, assim, um dos poios de uma rede de transportes marítimos, fluviais e terrestres com grande significado estratégico para o desenvolvimento da região ocidental do Delta do Rio das Pérolas. 4.3 É nesta rede de transportes marítimos e terrestres que Macau poderá ser um ponto importante. Embora se situe numa zona desfavorável sob o ponto de vista da constituição dos solos — terra e areias —, Macau tem a seu favor, todavia, a vantagem de ser o único porto franco da zona oeste do Delta do Rio das Pérolas e, enquanto tal, proporcionar uma muito maior facilidade no estabelecimento de contactos com o exterior. Estes aspectos vantajosos que Macau apresenta devem ser bem aproveitados e desenvolvidos para que o Território recupere a posição de porto de trânsito na zona oeste e progrida a par de Hong Kong. Para se atingir este objectivo, para além de ser preciso melhorar as condições internas do Território, será necessário que se venham a construir um caminho de ferro e uma auto-estrada que liguem Macau à rede de transportes marítimos e terrestres da zona oeste. 5. TORNAR DE NOVO NAVEGÁVEL O CANAL DO RIO QIAN SHAN Para que Macau possa desempenhar mais eficazmente a sua função de porto de trânsito da zona oeste do Delta do Rio das Pérolas há que tornar de novo navegável o canal do Rio Qian Shan, tornando vivas as suas águas entre o Porto Interior, em Macau, e a Ilha da Lapa, de modo a permitir a circulação de embarcações. A navegabilidade do canal de Qian Shan iria contribuir para o desenvolvimento do intercâmbio entre Macau e Zhuhai. Lembramos que antes do seu assoreamento este canal servia Macau e Zhuhai nas comunicações com Zhongshan, Jiangmen, Zhaoqing e Wuzhou, sendo então considerado o principal canal navegável na região do Rio Xi Jiang (um afluente oeste do Rio das Pérolas). Permitindo a navegação de barcos de travessia de 300 toneladas, circularam por esse canal, no passado, mais de 40% do número total de passageiros e de mercadorias movimentadas entre Macau e o Continente. Espera-se, portanto, que Zhuhai tenha em consideração este quadro geral e que — superando as dificuldades financeiras e técnicas e recorrendo às potencialidades e aos recursos de Macau — ponha em prática, o mais rapidamente possível, o plano de restabelecimento da linha de transporte fluvial do canal do Rio Qian Shan. 6. O DESENVOLVIMENTO DO COMÉRCIO COM O CONTI NENTE CHINÊS E COM TAIWAN A construção do porto de águas profundas de Ká-Hó, em Macau, contribuirá para incrementar o transporte marítimo directo de mercadorias entre Macau, o Continente Chinês e Taiwan.

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6. l Existem actualmente 30 linhas de transporte marítimo e fluvial de mercadorias entre Macau e o Continente Chinês. Além dos diversos portos de Guangdong, Macau mantém também relações com os portos de Guangxi, Shanghai, Qingdao, e Dalian. O valor global das mercadorias importadas da China por Macau atingiu, durante o ano de 1987, 2 300 milhões de patacas, montante que continua a conferir à China o primeiro lugar entre os fornecedores de mercadorias e matérias-primas a Macau. A crescente diversificação industrial de Macau e o desenvolvimento verificado no sector da construção civil e do turismo determinaram um aumento progressivo das quantidades e dos tipos de matérias-primas, de alimentos e de materiais de construção exportados do Continente Chinês para o Território. A quantidade de mercadorias exportadas pelo Conti- nente Chinês para Macau durante o primeiro semestre de 1988 registou um aumento de 60% relativamente ao mesmo semestre do ano anterior. A construção do porto de águas profundas em Macau permitirá a vinda directa de grandes navios ao Território, deixando assim de ser necessário que aquele tráfego crescente de mercadorias se processe por Guangzhou ou por Hong Kong, facto que reduzirá a crescente pressão sobre as vias de comunicação terrestres que agora se verifica, permitindo, naturalmente, baixar o custo do transporte. 6.2 O comércio entre Macau e Taiwan tem experimentado um rápido desenvolvimento nos últimos quatro anos. O valor das transacções comerciais realizadas entre o Território e Taiwan atingiu, no primeiro semestre de 1988, cerca de 300 milhões de dólares de Hong Kong, valor que inclui o das mercadorias em trânsito provenientes do Continente. Após a construção do porto de águas profundas de Ká-Hó, este crescente intercâmbio comercial entre os dois territórios poderá realizar-se directamente, sem o recurso a Hong Kong, com todas as vantagens que daí advirão.

III A CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS E DE CAMINHOS DE FERRO A OESTE DO DELTA DO RIO DAS PÉROLAS

1. Os inúmeros braços do Delta do Rio das Pérolas originaram uma multiplicidade de canais, com uma extensão total de 5 500 km., que permitem a navegação de barcos de calado até 500 toneladas, proporcio- nando 60 pequenos e médios portos com uma capacidade total de movimentação anual de 20 milhões de toneladas. Esses canais constituem uma rede de transportes tradicional na região, oferecendo vantajosas condições para o tráfego de mercadorias na área, pelo que se deve procurar melhorar e desenvolver esse sistema de canais. Para que esse sistema tradicional seja aproveitado e maximizado de modo a poder contribuir adequadamente para satisfazer as novas necessidades impostas pelo rápido desenvolvimento económico será necessário, todavia, comple- mentá-lo com a construção de um sistema de estradas e caminhos de ferro.

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Se o ritmo de desenvolvimento económico do Delta se situar entre os 10 e os 15% ao ano, e tendo em conta a tendência da economia para se tornar progressivamente externa, o valor global das exportações triplicará até ao final do século. Com o desenvolvimento das comunicações entre Hong Kong, Macau, Taiwan e as zonas do Delta, o número de passageiros e a quantidade de mercadorias transportados em toda a região terão mais do que triplicado, sendo necessário que nessa altura os diversos portos da região possam assegurar uma capacidade de movimentação de mercadorias próxima dos 300 milhões de toneladas, incluindo os combustíveis, carvão e petróleo. Isto significa, evidentemente, que não bastará intensificar a construção portuária, mas que será também necessário reforçar a rede de estradas e de caminhos de ferro que há-de servir esses terminais portuários. Consideremos a realidade presente: 2. Na zona leste do Delta existem o caminho de ferro Guangzhou--Kwoloon, o caminho de ferro Beijing-Guangzhou e a estrada Guangzhou--Shenzhen por onde circulam mais de 90% das mercadorias e dos passageiros; no lado oeste, pelo contrário, não existe nenhuma via de caminho de ferro, havendo apenas alguns portos e estradas que não registam movimento significativo. Verifica-se assim, entre as margens leste e oeste, um desenvolvimento extremamente desigual e desequilibrado. E todavia o desenvolvimento dos vários distritos da zona oeste começa a ser rápido. As divisas obtidas com as exportações pelos municípios de Zhuhai, Zhongshan e Sunde atingiram nos últimos anos algumas centenas de milhões de dólares americanos, sendo de 8 000 a 10 000 o número de viaturas que circulam diariamente no corredor Guangzhou-Zhuhai. É lamentável que tenham sido atrasadas as obras de ampliação da estrada Guangzhou-Zhuhai, uma auto-estrada de 2.ª classe*, apesar dos pedidos de aceleração dos trabalhos apresentados por diversos sectores. É indispensável proceder à reforma do regime dos trabalhos com vista a acelerar a construção das vias de comunicação adequadas de que a região necessita com toda a urgência. Tendo em conta o desenvolvimento de empresas situadas em pequenos aglomerados populacionais, deverão as vilas e aldeias ser implicadas na obtenção de recursos materiais para a construção de vias que garantam, na década de 90, a sua ligação ao sistema viário. Vias essas que não poderão continuar a ser estradas de terra batida, mas sim de asfalto ou de betão, de modo a assegurarem uma ligação adequada às estradas de segunda e de primeira classe e à auto-estrada. Essa rede de comunicações afluente à auto-estrada assegurará, naturalmente, a rendibilidade desta. De acordo com o projecto inicial, o troço da auto-estrada na zona leste do Rio das Pérolas compreendido entre Shenzhen e Guangzhou deveria ficar concluído até 1990. A segunda fase da obra abrangerá dois troços. O primeiro compreendido entre Zhuhai e Huange, seguindo-se-lhe a construção da ponte de Hu Men, sobre a foz do rio das Pérolas, que ligará os distritos de Pun Yu e Dong Guan e dará passagem à estrada que une Shenzhen a Zhuhai. O segundo troço será compreendido entre Huange e Guangzhou, colocando-se a possibilidade da construção de uma derivação que una Zhongshan a Jiangmen. 73

Tendo em conta o atraso verificado na construção da primeira fase, receia-se que o mesmo possa suceder na construção ulterior, pelo que não se pode avançar uma previsão quanto à data em que poderá ficar concluída a obra de construção do último troço que ligará Huange a Guangzhou. A satisfação das necessidades presentemente sentidas em Macau torna urgente a construção do troço Zhuhai-Guangzhou, pelo que se deveria rever o plano de construção estabelecido para a zona oeste do Rio das Pérolas. Assim, poderia ser antecipada a construção do troço Huange-Guangzhou e adiada a construção da ponte de Hu Men e a de outros troços na zona oeste do Rio das Pérolas, pelas seguintes razões: a) O transporte de passageiros e de mercadorias entre Zhuhai-Macau e entre Hong Kong-Shenzhen pode depender temporariamente da via marítima, com economia de tempo e de dinheiro. b) O número de viaturas que circulam na estrada Gaungzhou-Zhuhai vai continuar, ainda por muito tempo, a ser maior do que o número de viaturas que utilizam a estrada Zhuhai-Shenzhen. c) A obra de construção da ponte Hu Men é muito complexa: a ponte terá 30 metros de largura, 3 600 metros de comprimento e 60 metros de altura, sendo 31 metros a profundidade das águas no ponto onde vai ser edificada; a distância entre os dois suportes de apoio principais será de 517 metros (mais 57 metros do que a distância entre os dois suportes principais da ponte de Vancouver, a maior distância entre pilares actualmente existente no mundo). Ora, se surgir qualquer dificuldade que atrase a construção da ponte — o que é, aliás, de prever tendo em conta, como já referimos, a complexidade da obra —, esse atraso afectará a conclusão da obra de construção do troço Guangzhou-Zhuhai, causando grandes prejuízos económicos. Seria preferível, portanto, concentrar, primeiro, todos os recursos e empenhamento na construção do troço Huange-Guangzhou, adiando-se a construção da ponte de Hu Men. E será necessário resolver também outro problema: o da entrada e saída na cidade de Guangzhou de viaturas circulando pela estrada Guangzhou-Zhuhai. Verificam-se aí grandes engarrafamentos de trânsito, tendo sido construída uma estrada de 2.ª classe para diferir o movimento de veículos que circulam entre Sunde e Guangzhou via Pun Yu. Evitando as duas pontes velhas e congestionadas para atravessar o Rio das Pérolas e passando por um viaduto recentemente construído em Tianhe no acesso às zonas muito movimentadas da cidade, esta derivação foi, de facto, muito bem concebida. Para resolver o problema da circulação de veículos na cidade de Guangzhou, evitando os enormes engarrafamentos de trânsito, há que antecipar a construção da via rápida circundante da cidade e concretizar quanto antes o projecto de construção do túnel sob o rio, projecto que rendibilizará a auto-estrada Shenzhen-Guangzhou-Zhuhai,

* Por auto-estrada de 2.a classe deve entender-se uma via com quatro ou seis faixas de rodagem em que a velocidade máxima de circulação permitida é 60 km/h.

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Com o mesmo objectivo de rendibilizar a utilização das referidas vias, dever-se-á, além disso, facilitar ainda mais a entrada no Continente Chinês às viaturas vindas de Hong Kong e Macau, autorizando, nomeadamente, a entrada e a circulação de carros particulares, de modo a que possam vir a circular diariamente na referida auto-estrada 12 000 a 15 000 viaturas. Se as restrições actualmente em vigor não forem levantadas não serão muitas as pessoas que utilizarão a auto-estrada para entrar no Continente Chinês, em serviço ou em passeio — uma motivação que poderia levar muita gente a deslocar-se à China. É necessário, portanto, promover uma maior abertura da região do Delta, simplificando e facilitando as formalidades de entrada e circulação, com vista a desenvolver a sua ligação com Macau e Hong Kong e a promover a integração dos três territórios. Tal abertura poderá «pressionar» Macau para resolver o problema do trânsito na cidade antes da conclusão das obras de construção da auto-estrada. Se a situação caótica que se vive neste aspecto nas vias públicas da cidade não for resolvida, o Território não estará de modo nenhum em condições de receber o movimento da nova auto-estrada. Quanto ao ambicioso projecto do Sr. Gordon Wu — um dos investidores na construção da auto-estrada — de construção de uma ponte de 38 km. de comprimento sobre o mar de Ling Ding ligando a baía de Tang Jia, em Zhuhai, a Tun Mun, em Hong Kong, com o objectivo de encurtar a distância terrestre entre Hong Kong e Macau, trata-se, sem dúvida, de uma boa intenção, mas não é hoje ainda um projecto viável, sendo preferível afectar esses investimentos à ampliação da rede de auto-estradas da zona oeste, nomeadamente à construção da estrada Zhongshan-Jiangmen, à de outra estrada que liga a vila de Gu-zhen a Sunde e a Guangzhou e à construção da estrada Sunde-Pun Yu (ver figura 1). Todas estas estradas estão directamente relacionadas com Macau e contribuirão para aumentar o número de mercadorias e de passageiros transportados de e para o Território promovendo o desenvolvimento das trocas e do turismo na zona oeste do Rio das Pérolas. 2. O desenvolvimento da zona oeste depende decisivamente, no entanto, da construção de uma via de caminho de ferro. Façamos um pouco de história. A construção dum caminho de ferro Macau-Guangzhou foi projectada antes da construção do caminho de ferro Guangzhou-Kwoloon. No entanto, os Ingleses começaram em 1912 a construção dessa via que liga Hong Kong ao Continente Chinês, contribuindo com isso para que a zona leste do Rio das Pérolas tivesse um desenvolvimento muito maior do que a zona oeste. Se a zona oeste quiser promover o seu desenvolvimento de modo a alcançar e ultrapassar a situação existente na zona leste, terá que colocar como um imperativo fundamental a construção de uma via férrea Guangzhou-Macau. Recentemente, o Instituto de Projectos do Ministério dos Caminhos de Ferro da China elaborou e divulgou dois projectos alternativos para a construção de um caminho de ferro, ou na zona leste ou na zona oeste. Em qualquer das soluções a construção seria realizada em duas fases.

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Mapa l

Via rápida. As letras indicam a ordem de construção da. via

Projecto de construção proposto pelo autor do artigo.

Via rápida circundante da cidade de Cantão.

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Na primeira fase, o caminho de ferro teria o seu início na estação rodoviária de Sam Ngan Kio, na linha de Guangzhou-Mauming e o seu termo a norte do município de Zhuhai. Na segunda fase da construção, o caminho de ferro prolongar-se-ia até à linha de Gao Lan, onde se pretende construir um porto de águas profundas. De acordo com o projecto para a zona leste, a via férrea passaria por Nanhai, Sunde, Zhongshan e Cuihang para chegar a Zhuhai, donde seguiria para Gao Lan, passando por Doumen, numa extensão total de 188 quilómetros e implicando um investimento de l 083 milhões de yuan RMB. De acordo com o outro projecto, o da zona oeste, o caminho de ferro passaria por Nanhai, Jiujiang, Heshan, Jiangmen, Xinhui e Doumen para entrar em Zhuhai, donde seguiria para Gao Lan, via Doumen. O caminho de ferro construído segundo este projecto teria uma maior extensão, mais 2,4 quilómetros, mas implicaria a construção de menor número de pontes e seria edificado em solos mais moles. Por estas duas razões o investimento requerido para a construção seria inferior em cerca de 46 milhões de yuan ao investimento requerido pela construção da outra linha. Em Macau prefere-se o projecto de construção do caminho de ferro na zona oeste por razões muito fortes: Primeiro porque a outra via de caminho de ferro prevista no projecto para a zona leste seguiria um percurso paralelo, quase sobreposto, ao percurso da futura auto-estrada Guangzhou-Zhuhai. As duas vias de comunicação iriam, assim, dividir entre si o movimento de transporte numa competição anti-económica que impediria a rendibilidade de ambas. Em segundo lugar porque o traçado da via férrea projectada para a zona oeste viria contribuir decisivamente para o progresso de toda esta região que é, como é sabido e já referimos, muito menos desenvolvida que a região da zona leste do Rio das Pérolas. A construção do caminho de ferro na zona oeste seria fundamental, nomeadamente para a transferência da zona industrial de Zhuhai para Doumen e para a exploração e a rendibilidade do porto de águas profundas de Gao Lan. 3. Para que o caminho de ferro previsto para a zona oeste possa dar um contributo ainda maior para o desenvolvimento da região, é necessário que o seu traçado seja ligeiramente modificado, de forma a que o troço compreendido entre Heshan e Nanhai seja substituído por um troço que vá de Heshan até Zhaoqing passando por Gaoming. Assim se faria a ligação ao caminho de ferro de Guangzhou-Maoming cuja conclusão está prevista para 1990 (ver figura 2). Zhaoqing, que faz parte integrante do «grande triângulo» e é um importante nó de comunicações, está ligado, por sua vez, por via marítima, a Wu Zhou e a Nan Ning, na província de Guangxi, e, pelo caminho de ferro Guangzhou-Maoming, ao porto de Zhan Jiang e a Li Tang, por aqui se estendendo até às quatro províncias do Sudoeste da China — Yunnan, Guizhou, Sichuan e Guangxi. Essa via de caminho de ferro Zhuhai-Zhaoqing muito contribuiria, seguramente, para desenvolver o Sudoeste da China, fomentar a activi-

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Mapa 2

Primeiro projecto oficial para a construção do caminho de ferro. Segundo projecto oficial para a construção do caminho de ferro. Projecto proposto pelo autor do artigo. Caminho de ferro de Guang-Mao.

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dade entre o interior e o porto tranco de Macau e reduzir a pressão exercida sobre o porto de Zhan Jiang. 4. De acordo com a perspectiva que defendemos, o Delta do Rio das Pérolas dividir-se-ia nas duas zonas que vimos referindo — leste e oeste — e teria as duas linhas de transporte e comunicação seguintes: a) O caminho de ferro Guangzhou-Kowloon e a auto-estrada Guangzhou-Shenzhen suportariam o transporte de passageiros e de mercadorias que circulam pelo caminho de ferro de Beijing- -Guangzhou, nas regiões Norte, Leste e Centro da China; b) O caminho de ferro de Zhaoqing-Zhuhai e a auto-estrada Guangzhou-Zhuhai assumiriam a ligação — transporte de passa geiros e de mercadorias — com o Sudoeste e o Noroeste da China e uma parte do movimento de mercadorias e de passageiros que circula pelo caminho de ferro Beijing-Guangzhou. O lado oeste dividir-se-ia, por sua vez, em duas regiões: a ocidental e a oriental. A primeira, a ocidental, teria como vias principais de comunicação os caminhos de ferro; a segunda, a oriental, teria como vias principais de comunicação as estradas. A região ocidental suporta o transporte de um intenso movimento de mercadorias e de passageiros entre destinos muito afastados, em distâncias muito longas, passando por áreas montanhosas e semi-montanhosas. O movimento total de mercadorias de Zhaoqing e Jiangmen ultrapassou 15 000 000 de toneladas, e o movimento total de passageiros 50 000 000 pessoas-vezes, pelo que as novas vias férreas que venham a ser construídas terão toda a justificação económica. Quanto à região oriental da zona oeste a que nos vimos referindo, ela possui uma teia de rios que deverá ser rendibilizada com a construção de uma rede de vias de curta distância (estradas com uma extensão de 500 quilómetros). De acordo com este plano, o «trabalho» de transporte e de comunicações seria dividido pelos caminhos de ferro e pelas estradas do Delta. Esta «divisão de trabalho» promoveria a pofissionalização, a vários níveis, da actividade económica, industrial e comercial nas cidades e nos outros aglomerados populacionais e fomentaria o desenvolvimento global e harmonioso da economia de toda a zona. Voltando a considerar o caso de Macau, para que o porto de águas profundas de Ká-Hó e o aeroporto possam ficar ligados ao interior da zona será necessário que o Caminho de ferro se estenda até às Ilhas, por forma a constituir uma rede de comunicação que integre o porto, o aeroporto, o caminho de ferro e as estradas. Essa rede de comunicações irá contribuir, por sua vez, naturalmente, para o desenvolvimento da construção civil nas Ilhas, fazendo com que muitas das pessoas que agora habitam na congestionadíssima península de Macau para ali transfiram a sua residência.

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IV A CONSTRUÇÃO DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE MACAU E A PROBLEMÁTICA DO TRANSPORTE AÉREO NA ZONA

A construção de um aeroporto em Macau, projectada há mais de 10 anos, será o maior empreendimento realizado desde sempre em Macau. Após uma longa discussão sobre a questão da rendibilidade do aeroporto, chegou-se a um consenso básico tendo sido obtida a concordância da República Popular da China e conseguida a sua participação no projecto: participação financeira e técnica, fornecimento de mão-de-obra e de materiais de construção. O aeroporto não servirá apenas Macau e Zhuhai mas todo o Delta, particularmente a sua zona oeste. O aeroporto não será apenas um aeroporto internacional como o aeroporto de Kai Tak, em Hong Kong, mas também um aeroporto doméstico para o Continente Chinês. O aeroporto será construído a leste das Ilhas sobre o mar. A sua pista principal terá uma extensão de 3 000 metros e uma largura de 45 metros, permitindo a operação dos maiores aviões do mundo, nomeadamente o Boeing B.747/400. Uma vez que a pista distará cerca de 800 metros da costa e se estenderá na direcção norte-sul, a subida e a aterragem das aeronaves, de acordo com estudos rigorosos já realizados, não produzirão poluição sonora que afecte Macau ou Zhuhai, perturbando apenas os pescadores que eventualmente trabalhem em águas próximas. Na primeira fase da construção, o aeroporto terá uma área de 172 hectares sendo dotado com 13 plataformas de estacionamento de aviões, 5 das quais se destinam ao estacionamento de grandes aparelhos de passageiros. Na segunda fase, serão construídas mais 10 plataformas de estacionamento. De acordo com os planos e a orientação definidos pelos especialistas chineses e não chineses, o aeroporto internacional de Macau vai ser construído nos moldes mais modernos e será dotado com o mais sofisticado equipamento actualmente existente. O movimento de subida e aterragem de aeronaves não deparará com quaisquer obstáculos — ao contrário do que acontece no aeroporto de Kai Tak, em Hong Kong, construído numa zona de montanhas e dentro da cidade —, podendo ser efectuado mesmo nos períodos de muito mau tempo e de fraca visibilidade, uma vez que os aparelhos serão guiados por um equipamento muito sofisticado. O movimento das aeronaves poderá realizar-se em qualquer altura, não estando condicionado, como o do aeroporto de Kai Tak que se situa dentro da cidade, a níveis de poluição sonora. Peritos chineses que vieram a Macau em meados de 1988 para estudar o projecto do aeroporto declararam que o problema do espaço aéreo territorial já estava resolvido, sendo apenas ainda necessário fazer a coordenação com a rede de aviação civil e militar da China. A China e Portugal já chegaram também a acordo quanto à possibilidade do aeroporto poder ser utilizado como aeroporto doméstico

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para o Continente Chinês. Assim, o serviço aéreo entre o Território e a China será considerado como carreira nacional chinesa, sem haver, portanto, necessidade de serem celebrados acordos específicos como sucede em Hong Kong. O futuro aeroporto de Macau terá dois acessos de circulação de passageiros. Um para os passageiros de Macau, com um posto de controlo fronteiriço; o outro para o movimento do Continente Chinês, com um posto de controlo aduaneiro e de fiscalização fronteiriça de passageiros, os quais, uma vez realizado o respectivo controlo, se deslocarão em autocarro especial atravessando a fronteira da China sem mais formalidades. No quadro seguinte apresenta-se uma estimativa do número de passageiros, da quantidade de mercadorias e do movimento de aeronaves que o aeroporto deverá registar após a sua entrada em funcionamento em 1993.

De acordo com a previsão elaborada, no ano 2010, em cada hora, poderão subir e descer 30 aviões-vezes e ser tratados 3 600 passageiros--vezes. No relatório do estudo de viabilidade económica efectuado refere-se que o aeroporto de Macau poderá apresentar lucros logo no primeiro ano da sua exploração. O responsável da sociedade Chong Lun, que participa no capital da empresa de exploração do aeroporto, afirmou a sua convicção de que o investimento poderá ser recuperado num prazo de 15 anos. A rendibilidade do aeroporto será condicionada pelos seguintes factores: a) Aumento do peso relativo do transporte aéreo Cerca de 10% das exportações de Macau — cujos mercados principais se situam na Europa e na América — são escoados actualmente pelo aeroporto de Kai Tak donde seguem por via aérea para os respectivos destinos. Quando o aeroporto de Macau entrar em funcionamento, tal movimento deixará, evidentemente, de se processar por Hong Kong, Com a conquista de novos mercados estrangeiros, tais como os da União Soviética e os dos países do Leste da Europa, e com o aumento do movimento de transporte aéreo de mercadorias proveniente do Delta do Rio das Pérolas (uma vez que o custo do transporte aéreo por Macau das mercadorias vindas da zona oeste é mais baixo do que o custo desse transporte feito em trânsito por Hong Kong) a quantidade de mercadorias transportadas por avião para Macau e de Macau para o exterior poderá subir de tal maneira que venha a aproximar-se da registada em Hong

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Kong. (O valor das mercadorias que transitaram pelo aeroporto de Hong Kong em 1988 representou 27% do valor das exportações, 20% do valor das importações e 18% do valor das reexportações, tendo-se registado uma taxa de acréscimo anual no transporte de mercadorias superior a 10%.) b) Saturação do aeroporto de Hong Kong O Governo de Hong Kong tem declarado frequentemente que o aeroporto de Kai Tak, já várias vezes ampliado, atingirá o seu ponto de saturação em 1995. O relatório do estudo sobre a construção dum novo aeroporto só será entregue ao Governo em meados do corrente ano. O aeroporto de Kai Tak é o sexto do mundo em movimento de passageiros e mercadorias, o segundo da Ásia e o primeiro aeroporto internacional do Delta do Rio das Pérolas (em 1988 passaram por Kai Tak 610 000 toneladas de mercadorias e mais de 15 000 000 de passageiros). A construção de um novo aeroporto requer um período de tempo relativamente longo, sendo seguro que o aeroporto de Macau entrará em funcionamento alguns anos antes da conclusão do novo aeroporto de Hong Kong. O aeroporto de Macau virá, portanto, contribuir para a diminuição da pressão de tráfego exercida sobre o aeroporto de Kai Tak. Mesmo após a construção do novo aeroporto de Hong Kong, o aeroporto de Macau, como segundo aeroporto franco da região, desempe- nhará um papel muito importante: os aviões de companhias europeias e asiáticas não autorizadas a usar o aeroporto de Hong Kong operarão com o aeroporto de Macau; companhias de aviação de países que não tenham relações diplomáticas com a China poderão vir a utilizar o aeroporto de Macau; é possível que Taiwan estabeleça uma linha com Macau para transporte de passageiros para o Continente Chinês, evitando o saturado aeroporto de Hong Kong. Além disso é bem conhecida a atracção dos turistas por Macau, nomeadamente a atracção que os casinos do Território exercem sobre jogadores de todos os pontos do mundo. Actualmente 25% das pessoas vindas a Macau são turistas estrangeiros, percentagem que aumentará com a entrada em funcionamento do aeroporto que assim contribuirá para o desenvolvimento da indústria do turismo, não só do Território mas de todo o Delta. c) A integração na rede de transporte aéreo O aeroporto de Baiyun, em Guangzhou, é o segundo maior aeroporto da região e o aeroporto da China com maior movimento: 5 milhões de passageiros-vezes no ano de 1988. Porém, tendo em conta as condições geográficas que limitam a sua utilização, não é conveniente proceder a grandes ampliações nesse aeroporto que em finais do corrente século terá um movimento de mercadorias de cerca de 130 000 toneladas e será utilizado por mais de 7 milhões de passageiros. O aeroporto de Foshan, já construído, e o aeroporto de Shenzhen, em construção, além de servirem as localidades onde estão edificados, apoiam o aeroporto de Guangzhou assegurando o transporte de um pequeno número de passageiros e de algumas mercadorias. O aeroporto de Macau virá desempenhar um importante papel neste contexto do transporte aéreo da região, formando com os caminhos de ferro, as estradas e os rios uma rede global de transportes terrestres, marítimos e aéreos.

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Finalmente, para que essa rede de transportes martítimos, terrestres e aéreos, possa ter um razoável desenvolvimento e ser atempadamente melhorada, é necessário que entre os distritos e municípios da região haja contactos frequentes para uma coordenação sempre reforçada. É absoluta- mente fundamental a troca de informação e uma estreita colaboração entre os responsáveis e os técnicos dos serviços congéneres de Hong Kong, Macau e Guangzhou, devendo mesmo ser criados órgãos oficiais ou semi-oficiais de coordenação com o objectivo permanente de se evitarem redundâncias ou conflitos de empreendimentos, com o consequente desperdício de recursos materiais e humanos. Uma aliciante tarefa se apresenta aos responsáveis de Hong Kong, Macau e Guangzhou: coordenar desde já o seu engenho e os recursos disponíveis para promoverem o desenvolvimento integrado e harmonioso da promissora região do Delta.

(Tradução do chinês de António Lai)

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84 Ensino do português, língua estrangeira

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86 Administração, n º 3/4. vol. II, 1989-1.º e 2.º, 87-98

SOBRE A SINTAXE CONTRASTIVA DO SISTEMA VERBAL DO PORTUGUÊS E DO CANTONÊS T. A. Cheng *

0. INTRODUÇÃO 0.1 Quem diz estrutura das línguas diz princípios de organização. Princípios que garantem o funcionamento da língua no plano fonológico, lexical e sintáctico. Um estudo contrastivo supõe, portanto, o estudo preliminar das estruturas imanentes das línguas que se pretendem comparar. O português (LP), por fazer parte das línguas com propriedades flexionais, encontra-se no campo contrário ao cantonês (LC) devido ao seu monossilabismo de língua isolante. Daqui resulta, para o primeiro, um paradigma impressionante de combinações de radicais e de afixos e um arsenal de relacionadores (i. e. preposições e conjunções); para o segundo, uma ordem de palavras muito rígida no enunciado e um paradigma não menos impressionante de perífrases verbais (PV). E aqui reside o cerne da diferença ao nível dos princípios de organização linguística do português e do cantonês. 0.2 Este breve estudo situa-se no plano morfo-sintáctico e toma como ponto de partida o sintagma verbal. Visto que o sintagma verbal não conhece outro emprego a não ser o de predicativo, tem a vantagem de ser identificado imediatamente pelo ouvinte-receptor que possui a língua. O sintagma verbal é, com efeito, o núcleo da. frase à volta do qual se organizam as diferentes expansões e, por isso mesmo, as diversas dimensões da língua. 0.3 Observações: a) A estrutura de base do sintagma verbal reescreve-se como:

SV → (Mod1) + V + (Mod2), em que Mod = modificador b) Os elementos portugueses são traduzidos em cantonês pelo jogo das pseudo-traduções colocadas entre parênteses rectos, por exemplo: LP → Como se chama o senhor? LC → [o senhor] [se chama] [como]? /sing-sang/ /seng/ /mat/? * Doutorado em Linguística Geral pela Universidade de Paris VII. Professor do City Polytechnic de Hong Kong. Membro do Centro de Investigação cm Linguística c cm Linguística Aplicada. Cantão.

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c) As palavras em cantonês aparecem somente sob a forma fonética, colocada entre barras oblíquas, e de acordo com o Guia Silábico Cantonês-Português, publicado em Macau, em 1986, por exemplo: /tak/

1. VERBO-NÚCLEO DO SINTAGMA VERBAL

1.1 VERBO-INFINITIVO A noção de infinito pertence à LP, nas representações morfológicas do verbo, enquanto que para a LC, língua isolante, esta noção é completa-mente supérflua. Com efeito, quem diz verbo, diz radical do verbo em LC; donde V = Vradical

1.2 VERBO CONJUGADO Todo o sistema verbal de LP assenta na dicotomia verbo-inflnitivo e verbo conjugado. O esquema de base apresenta-se como:

V = (Mora) + radical + (Morb), em que Mor = morfema gramatical. O conjunto dos Mor (a+b) é conhecido na LP pelo nome de conjugação. O Mora apresenta-se normalmente sob a forma de verbo auxiliar (Vaux.) para os tempos compostos, por exemplo: [01] comprar → ter comprado /mai/ → /mai-cho/ [02] entrar → ter entrado /iap/ → /iap-cho/

O Morb apresenta-se sob a forma de afixos para os tempos simples. O paradigma da conjugação para os verbos portugueses compreende: a) Verbos regulares (terminações em -ar, -er, -ir); b) Verbos que mudam de forma, mudança que se opera quer a nível do radical (servir - sirvo/sirva), quer a nível da ortografia (brincar → brinquei); c) Verbos irregulares (dar → dou + dás + dá + damos + dão).

Os (Mora + Morb) têm como função exprimir: Concordância = pessoa + número Tempo = passado + presente + futuro Aspecto = perfectivo/imperfectivo + acabado/não acabado + limitativo/não limitativo. Modo = pessoal (indicativo + condicional + conjuntivo + impera-tivo) / impessoal Por exemplo, em cantar → Maria canta Maria cantou Maria cantará

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vemos que a classe dos verbos é caracterizada por diferenças morfológicas, em número limitado mas muito importantes. Com efeito, a forma cantará dá-nos, pelo menos, oito informações, a saber: a) Categoria verbal; b) Função verbal; c) Terceira pessoa; d) Número singular; e) Tempo futuro; f) Aspecto imperfectivo; g) Modo indicativo; h) O estabelecimento de uma ligação formal entre o sujeito e o predicado, permitindo identificar o sujeito sintáctico. Assim, apercebemo-nos do carácter unidimensional de LP. O critério morfológico tem um papel primordial a desempenhar, não deixando nenhum lugar à ambiguidade. Ao contrário, um verbo cantonês não se identifica de imediato pelas marcas morfológicas: é uma fornia invariável, sem qualquer tipo de conjugação. Esta invariabilidade formal confere ao verbo cantonês, na lógica das coisas, um carácter pluri-dimensional, no sentido de poder conter cada uma das oito informações que a conjugação portuguesa encerra. E serão os contextos linguístico e extra-linguístico do enunciado que facultarão essas informações. Duma maneira geral, esta ambiguidade aparente não embaraça os utentes do cantonês. Eles têm a sua própria lógica. Retiram as informações contidas na cadeia falada, não a partir do desenrolar linear sujeito--predicado, mas do desenrolar tempo-espaço.

1.3 VERBO-PREDICADO Convém examinar mais atentamente a noção de perífrase verbal (PV) que se encontra, é verdade, na fronteira das estruturas gramaticais e lexicais. Dá-se frequentemente este nome aos grupos constituídos pelo auxiliar (Vaux) no sentido lato do termo, e pelo verbo infinitivo, ao qual está ligado; donde

(PV + Vinf) predicado Em matéria de PV, portanto, temos em LP: a) Os temporais para marcar o tempo: passado recente e futuro próximo; b) Os aspectuais para marcar o início, o desenrolar e o fim da acção expressa pelo verbo; c) Os modais para marcar a vontade, a obrigação, o dever, a sugestão, etc. Tentando ver mais claramente as coisas, apercebemo-nos de que o paradigma de PV em LP apenas constitui um suporte em relação ao da conjugação. Um papel secundário, por assim dizer. A complexidade das línguas não se situa, pois, no mesmo plano. A representação do verbo-predicado em LC constrói-se com uma PV anteposta (reescrita PVM) e outra, posposta (reescrita PVN). Temos pois:

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(PVM + Vradical + PVN)predicado em que PVM é sobretudo um facto lexical e PVN, um facto gramatical. Este paradigma da PV apresenta um quadro bastante complexo, do qual apenas vou resumir em traços largos pontos que exigiriam desenvolvi- mento aprofundado. Contrastando com o sistema verbal de LP, os PV em cantonês têm uma função tripla: a) Identificar o elemento com função verbal; b) Introduzir certas restrições sintácticas na ordem das palavras; c) Matizar, enriquecer ou precisar o semantismo dos verbos do cantonês. Tem, pois, um papel primordial a desempenhar em todo o sistema verbal, obedecendo ao esquema seguinte:

Vamos examinar agora as PV, na seguinte ordem: — PVM l : temporais (TEM) Paralelismo com o sistema português — PVM 2 / PVN 2 = aspectuais (ASP)

A anteposição e a posposição das PV têm a sua tarefa bem partilhada. A anteposição aspectual corresponde, grosso modo, ao uso que dela se faz em português, que é aliás restrito, estando o peso semântico em LC do lado da posposição. Por exemplo:

/cho/ acção acabada /kuo/ acção acabada + experiência vivida /kan/ progressão /hoi/ duração /chu/ continuação /fan/ inversão /chan/ encadeamento + experiência vivida desfavorável /mai/ acompanhamento e/ou adição /sai/ totalidade /ha1 / progressão /ha2 / tentativa, etc. É preciso lembrar que é muito difícil pormenorizar as diferenciações aspectuais em LC, sobretudo porque pode haver elementos lacunares e sincréticos na enumeração deste género. É de notar que, enquanto facto 90

gramatical, as PVN perderam a sua identidade lexical própria em favor da concatenação, o que lhes confere um semantismo novo. De independentes tornaram-se gramaticalmente dependentes. Por contraste, funcionam como adverbiais em LP, mas somente como uma espécie de «adverbiais aglutinados» em LC. — PVM 3 = modais (Mod) Nada de especial a assinalar, pois que se trata sobretudo de itens lexicais independentes. — PVN 4 = resultativos (Res) São, com efeito, verbos ou adjectivos que, sem perder a sua identidade lexical própria, vêm aglutinar-se a um verbo principal para marcar uma construção resultativa; donde, (V + V/adj ) radical resultativo predicado Os resultativos exprimem semanticamente o desenrolar ou o resultado duma acção e, no plano lexical, contribuem para criar novos verbos bissilábicos. Por exemplo: /kin/, que marca o sentido da vista, vem associar-se com /tai/ [olhar] para criar /tai kin/, que quer dizer ver. Sempre em função resultativa, pode seguir imediatamente /teng/ [escutar] para significar ouvir /teng kin/. Da vista passou à percepção. Qualquer verbo ou adjectivo em LC pode ser colocado em função resultativa, desde que o seu semantismo a isso se preste. Outros exemplos:

— PVN 5 = os direccionais (Dir) Tal como a construção resultativa, a construção direccional apresenta--se como: (V V ) radical + direccional predicado em que V dir é tomado no sentido lato do termo. Trata-se, com efeito, de três subcategorias de verbos: = a)Vdir 1 verbos de movimento (i.e. que descrevem movimento sem nenhuma precisão em relação à direcção a seguir); 91

Por exemplo: /chao/ partir /mai/ aproximar-se /fan/ voltar /hoi/ afastar-se

b) Vdir. 2 = verbos direccionais propriamente ditos; Por exemplo: /seong/ subir /lok/ descer /iap/ entrar /chot/ sair /tou/ chegar /kuo/ passar /hei/ levantar

c) Vdir 3 = verbos que indicam o sentido da acção em relação à pessoa que fala; Por exemplo: /lai/ vir /hoi/ ir

Estas três subcategorias de direccionais podem empregar-se isolada- mente, como no seguinte esquema:

Exemplos:

ou combinar-se formalmente na ordem apresentada no esquema a seguir:

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Exemplos:

Ao chegar a este ponto da exposição podemos concluir que no sentido restrito do termo, a configuração do sintagma verbal em LC apresenta-se essencialmente como no seguinte esquema: SV → V + (ASP/RES/DIR) radical pvn em que os elementos à direita contribuem, cada um à sua maneira, para a inserção na frase do V radical. Seríamos tentados a estabelecer uma espécie de paralelismo entre V-infinitivo/V-conjugado em LP e V radical/V com PVN em LC. Contudo, é falso, no sentido em que o verbo conjugado em LP não tem a mesma dimensão que o V com PVN em LC. Aquele, de carácter linear, confina-se ao domínio morfo-sintáctico, enquanto que este, de carácter hierárquico, se situa a um nível mais abstracto: semântico-sintáctico. Existe, com efeito, um parâmetro de incompatibilidade entre os PVN, por um lado, e entre os PVN e o V radical, por outro. O facto de certos PVN poderem combinar-se somente com alguns e de nem todos os verbos em LC aceitarem os PVN indiferentemente, sugere, pois, que tudo o que acaba de ser dito só pode ser muito sistemático. À parte o princípio de selecção, há o de ordenação: a presença eventual dos complementos de objecto (acusativo e/ou dativo) afectará a ordem das palavras na frase. Há certas restrições sintácticas em tudo isto, mas o semantismo tem um papel importante a desempenhar. À falta do poderoso aparelho morfológico existente em LP para marcar as diversas relações gramaticais, LC recorre sistematicamente à justaposição dos elementos, como processo de selecção e ordenação, e à intuição. Daqui resulta uma enorme diferença em termos de princípios de organização, quer quanto à língua, quer quanto ao pensamento.

1.4 VERBO-OBJECTO Em LP, assim como em LC, a categoria de transitividade, se existir ou for possível, traduz as relações entre a acção e o seu objecto. Em caso contrário, o verbo diz-se intransitivo. A forma de expressão desta categoria pertence ao domínio da sintaxe, e realiza-se pela presença ou ausência dum complemento nominal ou completivo. 93

1.4.1 Objecto nominal Em termos muito gerais, o complemento que segue o verbo representa o objecto ou o resultado da acção expressa por este. Em LP a análise estrutural considera, em geral, quatro subcategorias de verbos ditos transitivos. Em esquema, com tradução:

1.ª subcategoria

Classe l V + (acusativo)objecto [12] ver um filme:[ver] [filme] /tai/ /hei/

Classe 2 V + (acusativo + dativo)objecto [13] dar dinheiro ao Estevão: [dar] [dinheiro] [Estevão] /pei/ /chin/ /Ai-Si-Tak-Wo/ [dar] [Estevão] [dinheiro] /pei/ /Ai-Si-Tak-Wo/ /chin/

Classe 3 V + (acusativo + oblíquo-lugar)objecto [14] convidar amigos ao teatro: [convidar] [amigos] [olhar] [teatro] /cheng/ /pang-iao/ /tai/ /hei/

Classe 4 V + (acusativo + oblíquo-equivalência)objecto [15] eleger João presidente: [eleger] [João] [fazer-se prdsidente] /sun/ /leok-Hon/ /chou/ /chu-chek/

2.ª subcategoria

(V + Prepv) + (Acusativo)objecto [16] assistir a uma tourada: [assistir] [uma] [tourada] /tai/ /iat-cheong/ /pei-mou/

3.ª subcategoria

(V - se)v + (Acusativo)objecto [17] lembrar-se da minha morada: [lembrar] [minha] [morada] /kei-chu/ /ngo-ke/ /tei-chi/

4.ª subcategoria

V + (oblíquo)objecto [18] custar mil [custar] [mil] /chek/ /iat-chin/ /pou-pai/

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Haverá algumas observações a fazer a tudo isso? Contentemo-nos em notar algumas dissemelhanças ao nível de LC, antes de passar à análise dos parágrafos, mais adiante:

a) Não-emprego dos relacionadores (Rel) (ver [13], [16]); b) Emprego «redundante» dos verbos (ver [14], [15]); c) Ausência de verbos pronominais (ver [17]); d) Paradigma mais alargado, quando se trata dos casos oblíquos que se colocam imediatamente após o verbo.

No que diz respeito ao ponto c), a ausência de verbos pronominais no sistema verbal cantonês é sobretudo um facto lexical, o qual decidi passar adiante. Quanto aos pontos a) e b), serão remetidos para mais tarde. Vamos, então, ao ponto d), para começar. É forçoso verificar que em LP, os verbos que admitem o caso oblíquo sem intervenção de nenhum relacionador são em número muito limitado. Duma maneira geral, eles mantêm-se à parte na classificação. Verificamos, ao contrário, que, em LC, a colocação verbo-objecto oblíquo representa uma parte muito importante das locuções verbais. Tomemos o caso de desmaiar, cujo esquema se representa a seguir:

São algumas das muitas expressões correntes, que parecem insólitas ao espírito português, tão habituado ao raciocínio rigoroso e lógico em matéria de língua. Os casos «concretos» e os casos «oblíquos» são colocados, pois, no mesmo plano em LC e a distinção entre a transitividade e a intransitividade é um caso a reconsiderar. Anomalia, dir-se-á, mas nem sempre se está inspirado para propor explicações e é necessário, também, ter isso em conta.

1.4.2 Objecto completivo Em LP, o objecto completivo é geralmente marcado por uma completiva introduzida por que, como, por exemplo:

[22] Ele diz que o café está terminado [Ele] [dizer][café] [ser terminado] /koi/ /wa/ /ka-fe/ /mou-lak/

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[23] O ministro declarou que as eleições terão lugar em Junho [O ministro] [declarar] [Junho] [ter lugar] [eleições] /pou-cheong/ /sun-pou/ /lok-ut/ /koi-hang/ /sun-koi}

De notar que o introdutor que desaparece na tradução dos exemplos acima citados. Com efeito, a elipse do conector/introdutor faz pensar que o que prevalece na forma de relacionar os constituintes da frase em LC é a justaposição pura e simples. Tratando-se de verbos, são verbos em série.

1.5 VERBOS EM SÉRIE Consideremos os exemplos seguintes: [24] Ajuda a Joana a terminar o seu trabalho

[Ajudar] [Joana] [terminar] [seu trabalho] /pong/ /Ieok-Un-Na/ /chou-un/ /koi-ke kong-chok/

[25] Empreste-me um livro para eu ler [Emprestar] [um livro] [eu] [ler] /che/ /iat-pun-su/ /ngo/ /tai/

[26] Eles vieram por duas semanas [Eles] [vieram] [duas] [semanas] /koi-tei/ /lai/ /leong-ko/ /seng-kei/

Estes poucos exemplos vêm corroborar a dupla natureza de LC. Economia e fluidez dos signos linguísticos. A palavra-chave é a justaposição. É uma noção difícil de definir semanticamente, no sentido de que a coordenação e a subordinação já não têm fronteiras, recobrindo as mesmas relações lógicas: concomitância, sucessividade, causalidade, consequência, concessão, hipótese, etc. e, no aspecto formal, não há nenhum critério que se aplique de maneira definidora e exclusiva. Na justaposição de elementos, é o ouvinte-receptor que se vê na necessidade de suprir por si próprio o liame lógico formalmente não marcado: a significação assenta nas perífrases verbais, no sentido lexical dos termos, no contexto, na situação, nos hábitos de pensar, etc. É também a justaposição que consagra em LC a proliferação dos verbos por mais redundantes que pareçam. Não se colocam as palavras ao lado umas das outras, mas as ideias que representam as acções correspondentes. Quem diz verbo diz acção: eis um dos princípios psicológicos que regem a organização estrutural de LC.

2. À MANEIRA DE CONCLUSÃO A língua portuguesa, descendente da família latina, mostra ser uma língua de propriedades hipotáxicas: tudo, na frase, se relaciona de maneira hierárquica, coerente, lógica na análise. A subordinação gramatical, marcada por diversos conecto rés, está no centro da representação

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sintáctica desta língua, enquanto que, o cantonês, com o seu monossila-bismo, é uma língua de propriedades paratáxicas: tudo na frase se ordena por justaposição. Se há coerência, é uma coerência «interiorisada». Ao contrário da lógica dos povos latinos, os cantoneses privilegiam a intuição.

(Tradução do original francês de Manuel Nóia, ex-assistente do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa, Presidente da Comissão Instaladora do Centro de Difusão da Língua Portuguesa)

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98 Administração, n.º 3/4. vol. II. 1989-1.º e 2.º, 99-102

O ENSINO DO PORTUGUÊS EM MACAU*

Cláudio Ló **

1. QUE MEDIDAS PROPÕE PARA A MELHORIA DO ENSINO DO PORTUGUÊS? A medida que me parece fundamental é introduzir os iniciados na compreensão da estrutura básica da língua portuguesa, familiarizando-os com essa mesma estrutura, quer por escrito, quer oralmente. Uma vez capazes de seguir o seu próprio caminho, o ulterior progresso e sucesso serão levados a cabo, naturalmente, pelos professores que forem, realmente, dedicados (qualquer que seja o método utilizado) e pelos alunos interessados realmente em aprender livre e voluntariamente.

2. QUE CRÍTICA TEM A FAZER AOS MANUAIS QUE ESTÃO A SER UTILIZADOS? a) Embora não sejam demasiado difíceis nem demasiado complicadas, as regras de pronúncia das palavras portuguesas devem ser dadas a conhecer, mas os manuais não as apresentam. ò) Na gramática portuguesa há muitos pontos completamente di-ferentes dos da língua chinesa. Os manuais, porém, não procuram fornecer explicações em chinês nem as apresentam minuciosamente. Sendo assim, os alunos depois dum certo tempo não dominam ainda alguns princípios fundamentais indispensáveis. c) Os manuais foram compostos com base em vários géneros de vocabulário. Ora, acontece que, logo desde a primeira lição, há muitas estruturas gramaticais bastante complexas para os chineses. Os alunos poderão no máximo decorá-las, mas sem as entenderem. d) O manual — mesmo o 1." volume — preocupa-se em apresentar temas relacionados com Portugal. Ora, isso é de pouco interesse para os alunos, por ser uma nação que lhes é completamente desconhecida. É um facto a ter em conta. e) Como o manual não dá explicações em chinês, supõe-se que o vocabulário se explica perfeitamente por meio de figuras. Ora, esta solução não resulta relativamente às palavras de sentido abstracto.

* Depoimento do Padre Cláudio Ló, recolhido, sob a forma de entrevista, por Manuel Nóia, Presidente da Comissão Instaladora do Centro de Difusão da Língua Portuguesa. ** Professor com longa experiência do ensino da língua portuguesa a alunos chineses. Director do Secretariado Diocesano de Coordenação.

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f) Os manuais não trazem a segunda pessoa do plural dos verbos. Ora, não obstante se use menos na vida prática, não deve ser omitida aos alunos chineses, porque uma coisa é saber e não usar, outra coisa é não saber da existência desta forma verbal.

3. QUE TIPO DE FORMAÇÃO SUGERE PARA OS PROFESSORES? 3.1 PRIMEIRO, DEVEM CONHECER OS ALUNOS: a) Quanto à idade. Tem que se partir do pressuposto que os iniciantes não sabem nada de português. Por outro lado, não podem nem devem ser equiparados a crianças do jardim infantil ou da instrução primária. Infelizmente, é o que acontece com muitos professores, que, embora dedicados, pretendem ensinar-lhes português como se tratassem com bebés ou crianças, utilizando, por exemplo, grandes desenhos no quadro. Ensinar a adultos é completamente diferente. ò) Quanto ao nível intelectual. As turmas devem ser divididas conforme o nível intelectual e segundo os conhecimentos que já tenham doutra língua ocidental — o inglês, por exemplo. O professor pode e deve adaptar-se a esse nível ao ensinar português. Saber comparar o português com o inglês é uma vantagem. c) Ainda em relação ao inglês, seria ideal que o professor, ao iniciar o estudo do português, utilizasse a língua materna dos alunos — o chinês — para ilustrar as semelhanças e diferenças entre os princípios fundamentais da estrutura gramatical duma e doutra língua. Ora, isso não é possível aos professores recém-chegados. Para remediar esta dificuldade, seria conve- niente e necessário imprimir manuais bilingues, pelo menos quanto às regras da gramática.

3.2 EM SEGUNDO LUGAR, DEVEM LEVAR AS AULAS A SÉRIO E NÃO APENAS COMO O CUMPRIMENTO DUMA FORMALIDADE Os alunos dos cursos nocturnos inscrevem-se cheios de boa vontade e seriedade e, com frequência, isso é para eles um sacrifício. Tendo pouco tempo e disponibilidades limitadas, é uma ofensa para os alunos, quando os professores, por falta de responsabilidade, chegam atrasados ou faltam pura e simplesmente às aulas. Não cumprem também o seu dever os que, embora presentes fisicamente, falam de tudo menos da lição ou marcam exercícios sem nunca se darem ao trabalho de os corrigir. Felizmente, há muitos professores sérios e dedicados que, não obstante a falta de comunicação com os alunos, procuram explicar as lições o melhor possível, evitando o excesso de rigor e o desleixo.

4. QUE OUTRAS MEDIDAS PROPORIA PARA INCENTIVAR O EN SINO DO PORTUGUÊS? a) Publicar livros «instrumentais» como, por exemplo, dicionários bilingues, livros de gramática portuguesa, capítulos monográficos de gramática (por exemplo, substantivos, uso dos verbos, preposições e locuções prepositivas), nomenclaturas profissionais bilingues, etc. 6) Publicar em chinês livros acerca de Portugal, para conhecimento geral dos chineses sobre os vários aspectos de Portugal, incluindo livros sobre os costumes e a maneira de ser dos Portugueses.

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c) Publicar livros de leitura de literatura portuguesa adaptados ao nível dos alunos. d) Coordenar os esforços e as tentativas de várias organizações encarregadas de promover o ensino do português: Direcção dos Serviços de Educação, SAFP, ICM, UAO, para evitar repetições ou mesmo divergências. e) Promover e organizar cursos particulares de português adaptados ao tempo, ao nível e às necessidades reais dos alunos. f) Sistematizar os exames públicos, dando a conhecer aos alunos o programa das matérias e a técnica dos modelos das provas. Supondo, por exemplo, que haja 100 modelos de provas, das quais se usassem 10, nunca sucederia que, num exame, aparecesse aos alunos um hipotético 101.° modelo. Também deste modo se aumentaria o entusiasmo dos alunos.

5. ACHA QUE, AO NÍVEL DE INICIAÇÃO, OS PROFESSORES DEVERIAM SABER A LÍNGUA DOS ALUNOS, ISTO É, SER BILINGUES? A resposta é afirmativa. Mais: não só devem ser bilingues, como devem estar familiarizados com a maneira de estudar dos alunos. Uma hipótese: porque não se experimenta recrutar professores chineses para ensinar o primeiro ano (ou até o segundo) do Grau I? Professores que tivessem completado o Grau III, que tivessem interesse pela actividade docente e até experiência de ensino (de outras matérias) e, se possível, uma preparação especial em Portugal (por exemplo, em Coimbra). Seriam professores de várias turmas sob a orientação e coordenação dum português perito na matéria, formando assim um grupo nuclear de ensino. Em Portugal, cada membro deste grupo procuraria especializar-se num ramo de ensino: por exemplo, pronúncia, formação de palavras, regime de verbos (esperar por, gostar de, acreditar em, concordar com; etc.), tempos de verbos, locuções prepositivas, complementos circunstanciais.

6. ACHA QUE OS CHINESES TÊM DIFICULDADE EM APRENDER O PORTUGUÊS? PORQUÊ? Teoricamente, os chineses em geral, e os cantonenses em particular, têm muita queda para as línguas. O cantonense é particularmente difícil, mesmo para os chineses de outras províncias. Na prática, e de acordo com as estatísticas, há muitos chineses em Macau que iniciam o estudo do português, mas são poucos os que chegam aos níveis mais avançados. Isso não se deve atribuir à sua incapacidade de aprender, mas sobretudo ao método utilizado, à falta de planos concretos, à falta de incentivos (como, por exemplo, a ascensão dos conhecedores de português a cargos de maior responsabilidade), à falta de tempo para se exercitarem (depois do serviço e das suas aulas nocturnas, que tempo lhes resta?)

7. QUAIS SÃO AS MAIORES DIFICULDADES DOS ALUNOS? a) Não obstante a sua boa vontade, os iniciantes não conseguem aprender a matéria ensinada no seu primeiro ano por falta de comunicação com o professor, resultando daí uma base de estudo insuficiente.

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b) A falta de livros e instrumentos de consulta com que conseguiriam recuperar o que «perdem» (o que não conseguem perceber) na aula. c) Em Macau, é evidente a falta dum ambientze em que se fale português, quer em casa, quer na sociedade, quer no local de trabalho.

8. DESDE QUE IDADE É QUE PENSA QUE SERIA MELHOR OS CHINESES APRENDEREM PORTUGUÊS? O método utilizado para ensinar adultos ou jovens crescidos é muito diferente do método usado com crianças. Pessoalmente, preferia iniciar o curso de português com alunos do 10.° ano de escolaridade (isto é, 1.° ano do curso secundário superior, 4.º ano do curso liceal), pois esses alunos estão em condições não só de decorar, mas também de compreender, possuindo ao mesmo tempo um conhecimento do inglês que facilita a aprendizagem e a compreensão do português. Os mais jovens, para além de algumas palavras concretas, frases correntes, não poderão ir muito mais longe. Em conclusão: é preferível começar um pouco mais tarde, e progredir com rapidez, a começar cedo, mas com pouco ou nenhum proveito. Além disso, acontece que, se os pequenos são obrigados a frequentar as aulas de português, facilmente ficam aborrecidos e não tornarão a querer aprendê-lo, quando forem crescidos.

9. QUE MOTIVAÇÃO TÊM OS CHINESES PARA APRENDER POR- TUGUÊS? a) Aprender mais uma língua; ò) Encontrar melhor emprego, especialmente nos Serviços do Go-verno; c) Contactar com amigos portugueses; d) Desenvolver melhor os negócios próprios; e) Conhecer a cultura portuguesa; f) Responder ao apelo do Governo sobre o bilinguismo; g) Um meio para passar tempo. (Foram estas as respostas a um inquérito aos alunos do 1.º ano do curso nocturno de português, fornecidas pelo Sr. Dr. Manuel Nóia).

10. QUE PENSA DO FUTURO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM MACAU? a) No campo comercial — o português é dispensável, como até agora; o comércio tem uma língua comum a todos, que é o inglês. b) No campo cultural — só haverá efeitos visíveis depois de longos anos. Nos quatro séculos passados não ganhou raízes; como se pode exigir que floresça dentro de dez anos? Quantos são os chineses que realmente conhecem o português suficiente para entrar no campo da literatura e da arte portuguesas? c) No campo administrativo — sente-se claramente uma necessidade urgente de treinar funcionários públicos peritos em chinês e português; é de esperar que este problema se resolva o mais cedo possível, para bem de Macau, para a estabilidade e desenvolvimento do Território.

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Administração financeira

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104 Administração, n.º 3/4, vol. II, 1989-1.º e 2.º, 105-127

O CICLO ORÇAMENTAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE MACAU*

Jorge Bruxo **

Não há, ou não deve haver, organização pública ou privada, grande ou pequena, simples ou complexa, que, antes de se lançar no desenvolvimento das suas actividades, não saiba quais os recursos com que pode contar para a consecução dos seus objectivos: há que prever e planear antes de executar. E entre os recursos organizativos essenciais, contam-se os de natureza financeira, sem os quais não é possível assegurar o cumprimento das obrigações assumidas. A realização dos proventos e outras receitas de qualquer organização é previsível com base em critérios científicos ou pragmáticos e após o cálculo das receitas prováveis é possível elaborar uma previsão das despesas necessárias para os fins da organização e possíveis em face dos meios existentes. Essa previsão de receitas e despesas denomina-se orçamento. E se o orçamento é um elemento importante em qualquer actividade ou organização, muito maior é a sua importância quando se trata da administração financeira de um Estado, Região ou Território, que, além da referida previsão, integra a autorização de cobrança de receitas e de realização de despesas e condiciona a actividade financeira anual da Administração Pública respectiva. O Orçamento Geral do Território de Macau, que passaremos a referir abreviadamente por OGT, é o documento oficial, revestindo a forma de

* A série de artigos cuja publicação se inicia no presente número de Administração, elaborados em tempos normalmente dedicados ao descanso e ao lazer, só foi possível por se basear em trabalho anteriormente escrito pelo autor, juntamente com o Dr. José Rodrigues Martins e com o Eng.° Inácio Luís Cordeiro Alvo Peixinho. Tal trabalho intitula-se A Analise do Ciclo Orçamental e foi apresentado em Janeiro de 1985, no Instituto Nacional de Administração, em Portugal, como conclusão do Curso para Dirigentes da Administração Pública que os co-autores do trabalho aí frequentaram durante o ano de 1984. A indicação bibliográfica referente ao presente artigo e àqueles que se seguirão integrados na mesma série, provavelmente mais dois, só será publicada juntamente com o último. ** Técnico do Gabinete dos Assuntos do Trabalho

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Decreto-Lei, em que são inscritas as previsões anuais de receitas a cobrar e de despesas a realizar pela Administração Pública do Território de Macau. Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 41/83/M, de 21 de Novembro (Lei de Enquadramento do Orçamento Geral do Território), o OGT é «[...] o instrumento jurídico fundamental e o quadro básico em que se situa a actividade financeira que ao Governo cabe prosseguir. Através dele, mobiliza-se a parcela mais significativa dos recursos públicos, coordena-se a actuação e condiciona-se o comportamento dos serviços que legalmente promovem a afectação daqueles aos fins que prosseguem.» A elaboração e execução do OGT está sujeita a um ritual que todos os anos se repete inexoravelmente e na sua essência e até na forma e na calendarização dos actos a praticar constata-se que aquilo que deve ser feito em cada ano orçamental é praticamente igual ao que já foi feito no ano anterior. E daí a ideia de ciclo derivada da repetição rítmica de processos em cada orçamento e do encadeamento necessário do Orçamento actual com o Orçamento que o precedeu e com aquele que há-de suceder-lhe. Os actos, comportamentos e documentos que integram tudo o que respeita a um orçamento, desde a sua concepção e elaboração até à produção dos seus últimos efeitos directos, políticos, jurídicos e económicos, constituem um ciclo. No ciclo orçamental, como veremos melhor mais adiante, em próximo artigo, distinguem-se quatro fases distintas: 1.ª elaboração; 2.ª aprovação; 3.ª execução; 4.ª controlo. Porém, antes de entrarmos na matéria do ciclo orçamental na Administração Pública de Macau, julgamos ser necessário fazer uma prévia referência aos princípios orçamentais que o enformam e lhe conferem características próprias e, em segundo lugar, descrever, ainda que de forma sumária, a realidade orçamental do Território de Macau, consubstanciada na estrutura do próprio OGT.

1. OS PRINCÍPIOS ORÇAMENTAIS O diploma legal definidor dos princípios e regras orçamentais é o Decreto-Lei n.° 41/83/M, de 21 de Novembro, que abreviadamente passaremos a designar por Lei do OGT. AÍ se contemplam regras atinentes à elaboração, aprovação, alteração e fiscalização do Orçamento Geral do Território e se consagram, na secção I do capítulo I, os princípios da anualidade, da unidade e universalidade, do equilíbrio, do orçamento bruto, da não consignação, da especificação, da classificação das receitas e das despesas. A estes acresce o princípio da publicidade. Tais princípios foram teorizados durante o liberalismo europeu, mantendo-se ainda hoje quase inalterados, embora com contornos mais elaborados e com conteúdo melhor definido. São regras clássicas cuja perdurabilidade é sintoma do seu valor intrínseco, o que é comprovado igualmente pela sua aceitação quase universal e não dependente de ideologias políticas.

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2. PRINCIPIO DA ANUALIDADE O princípio da anualidade, referido no artigo 3.° da citada Lei do OGT, consiste em o Orçamento Geral do Território abranger um único ano económico, o qual coincide com o ano civil, sem prejuízo da possibilidade de nele serem integrados projectos, programas e acções que impliquem encargos plurianuais. Deste princípio decorre o sentido de o OGT ser um instrumento jurídico e financeiro cuja vigência é anual, implicando este facto duas exigências: a) Aprovação anual pela Assembleia Legislativa da Lei de Meios, ou seja o acto político-legislativo que autoriza a Administração do Território a cobrar receitas e a realizar despesas, a que se segue um Decreto-Lei do Governador que aprova o OGT; b) Execução anual do OGT pelo Governo e pela Administração Pública do Território. Do ponto de vista político, a anualidade tem fundamento na necessidade de assegurar que o controlo da Assembleia Legislativa seja feito com uma permanente regularidade, de forma a não se viabilizar a frustração dos objectivos políticos previamente definidos nas Linhas de Acção Governativa. Em termos económicos, o ano tem-se revelado como um bom período de tempo para os cálculos económicos, pelo menos no domínio da gestão financeira corrente. Da obrigatoriedade do cumprimento do princípio da anualidade resulta que o OGT é, fundamentalmente, um orçamento de gerência, uma vez que nele são exclusivamente inscritas as receitas que se prevê serem efectivamente cobradas durante o ano e as despesas efectivamente previstas só para esse ano, independentemente do momento em que juridicamente nasceram umas e outras. Certos autores, porém, entendem que orçamentos com características semelhantes ao OGT não se devem classificar como puros orçamentos da gerência, dado que o encerramento ou fecho das contas se prolonga até 31 de Janeiro do ano seguinte — o chamado período complementar — havendo um ligeiro desvio ao designado orçamento de exercício. O princípio da anualidade é tão relevante que está consagrado no artigo 57.° do Estatuto Orgânico de Macau, cujo n.° 2 estatui que: «[...] quando, por quaisquer circunstâncias, o orçamento não possa entrar em execução no início do ano económico, a cobrança das receitas estabelecidas por tempo indeterminado ou por período que abranja a nova gerência prosseguirá nos termos das leis pré-existentes e, quanto às despesas ordinárias, continuarão provisoriamente em vigor, por duodécimos, o orçamento do ano anterior e os créditos sancionados durante ele para ocorrer a novos encargos permanentes.»

3. PRINCÍPIO DA UNIDADE E UNIVERSALIDADE O princípio da unidade e universalidade, também conhecido por princípio da plenitude orçamental, obriga a que o OGT seja unitário e

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inclua todas as receitas e todas as despesas da Administração Pública do Território, englobando todos os serviços públicos, com ou sem autonomia financeira e quer sejam da Administração Central ou da Administração Autárquica. Note-se que a expressão serviços públicos tem um sentido orgânico e é o mais abrangente possível, compreendendo designadamente os Fundos Autónomos. Os orçamentos das autarquias locais e dos serviços autónomos, nomeadamente institutos públicos e fundos autónomos, têm um tratamento orçamental específico e são relativamente independentes no OGT, nas diversas fases de elaboração, aprovação e execução, devendo constar no OGT, em dotações globais, os elementos essenciais da sua situação financeira, e ser publicados à parte desenvolvimentos especiais. O regime financeiro destas entidades autónomas está regulamentado pelo Decreto--Lei n.° 119/84/M, de 24 de Novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 42/88/M, de 30 de Setembro. Em última análise, a unidade obriga a que o orçamento seja apenas um e a universalidade exige que todas as receitas e todas as despesas sejam inscritas nesse orçamento, ou seja, em síntese: um só orçamento e tudo no orçamento. O objectivo fundamental deste princípio é impedir a existência de dotações e fundos secretos, omissões e duplicações de inscrições orçamentais. Este princípio está consagrado no número 2 do artigo 4.°, da Lei do OGT. E de acordo com esta disposição legal, o PIDDA (Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Pública) pode, enquanto tal for julgado como a solução mais conveniente, ser incluído em Orçamento Extraordinário, no qual a discriminação das receitas e das despesas deve ser adequada à sua natureza de orçamento de investimento. 4. PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO ORÇAMENTAL Este princípio, consagrado no número 3 do artigo 56.° do Estatuto Orgânico de Macau, é definido pelo art.° 5.° da Lei do OGT da seguinte maneira: «1. O Orçamento Geral do Território deverá prever aos recursos necessários para cobrir todas as despesas. 2. As receitas ordinárias serão, pelo menos, iguais às despesas ordinárias.» O princípio do equilíbrio orçamental tem enorme relevância, constituindo não uma indicação formal, mas uma verdadeira exigência substancial no sentido de que todas as despesas previstas no OGT têm de ser efectivamente cobertas por receitas também nele inscritas. A solenidade e o rigor com que é imposto este princípio são de fácil ultrapassagem, uma vez que é sempre possível conseguir-se equilíbrio «no papel» em termos de previsão orçamental. E o mesmo se diga quanto às receitas ordinárias que serão, pelo menos, iguais às despesas ordinárias. Aliás, ao contrário do disposto na lei vigente em Portugal, julga-se nada impedir que em Macau se procure financiar o défice com recurso à criação de moeda. Na situação presente

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não há, no entanto, necessidade deste expediente, nem tal seria em qualquer caso aconselhável, apesar de possível, pelo cortejo de reflexos negativos que isso acarretaria, designadamente disparos eventualmente incontroláveis da inflação e naturalmente descrédito do sistema monetário e financeiro. Além das despesas ordinárias ou correntes, o OGT, como todos os orçamentos estaduais, prevê despesas de capital ou de investimento. Estas são cobertas pelo excedente das receitas ordinárias e também por receitas extraordinárias ou de capital. O equilíbrio do orçamento tal como ficou delineado de acordo com o direito positivo de Macau é designado pelos tratadistas como activo de Estado.

5. PRINCÍPIO DO ORÇAMENTO BRUTO O princípio do orçamento bruto é também conhecido por princípio da não compensação das receitas e das despesas. Está consagrado no art. 6.° da Lei do OGT que dispõe o seguinte: «1. Todas as receitas serão inscritas no Orçamento Geral do Território pela importância integral em que forem avaliadas, sem dedução alguma para encargos de cobrança ou de qualquer outra natureza. 2. Todas as despesas serão inscritas no Orçamento pela sua importância integral, sem dedução de qualquer espécie.» Constata-se, deste modo, que a Lei do OGT só admite o chamado orçamento bruto, o qual, ao contrário do denominado orçamento líquido que apenas inscreveria as receitas e despesas líquidas, não entra em linha de conta, nas receitas, com as importâncias dispendidas na sua cobrança, e, nas despesas, com as receitas originadas com a respectiva realização. Os fundamentos deste princípio residem na simplicidade, racionali-dade e clareza por forma a possibilitar um efectivo controlo político e administrativo.

6. PRINCÍPIO DA NÃO CONSIGNAÇÃO Segundo o princípio da não consignação, no OGT não pode afectar-se o produto de uma determinada receita à cobertura de determinadas despesas. Em termos gerais, pode dizer-se que este princípio impõe que todas as receitas devem servir para cobrir todas as despesas, não havendo certas receitas afectas a certas despesas. A regra tem, no entanto, muitas excepções. De facto a Lei do OGT, no seu art. 7.°, n.° 2, admite excepções: «[...] nos casos em que, por virtude de autonomia financeira ou de outra razão especial, a lei expressamente determina a afectação de certas receitas a determinadas despesas.» O princípio da não consignação surgiu como reacção a um tipo de Administração Pública em que cada grande unidade orgânica (Ministério, Secretaria de Estado, Secretaria Regional, Departamento ou Serviço) constituía um mundo à parte, com receitas e despesas próprias, com

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unidades orgânicas ricas e unidades orgânicas pobres, impedindo a gestão racional e operacional dos meios financeiros públicos. Há, assim, casos em que as receitas de determinados organismos são destinadas à cobertura das suas próprias despesas, na totalidade ou apenas de determinada categoria ou grupo de despesas. Isso acontece com os Institutos dotados de autonomia financeira, com os fundos públicos e com as autarquias locais, correspondendo a cada uma destas entidades um orçamento privativo.

7. PRINCÍPIO DA ESPECIFICAÇÃO O princípio da especificação determina que o OGT estabeleça a previsão de receitas e despesas com suficiente detalhe e indicação objectiva da fonte das receitas e do destino das despesas. Este princípio está consagrado no artigo 8.° da Lei do OGT e julga-se que a criação de rubricas globais para fins diversos, como é, por exemplo, o caso das dotações provisionais, é uma prática que contraria o princípio da especificação. O fundamento deste princípio reside na necessidade de garantir clareza, transparência e até honestidade na utilização dos dinheiros públicos. Por outro lado, tais propósitos, que se inserem no âmago da própria instituição orçamento, visam também permitir o cumprimento da racionalidade financeira e do controlo político. É deste princípio que decorre naturalmente a necessidade de as receitas e despesas serem classificadas ou agrupadas segundo determinados critérios que adiante iremos mencionar. Consequência necessária deste princípio é a interdição de créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos, sem prejuízo dos regimes especiais e excepcionais de utilização de verbas para fins de segurança pública.

8. PRINCÍPIO DA CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS E DAS DESPESAS Classificar consiste em criar classes ou categorias de receitas ou de despesas e integrar nelas as receitas ou as despesas públicas, agrupadas segundo determinados traços analógicos ou características comuns. As classificações são determinantes do estabelecimento de ordens, categorias ou grupos em razão de certos objectivos e permitem análises que de outra forma seriam impossíveis de realizar. Através delas evidenciam-se determinados aspectos como os prazos de liquidação, o efeito económico, o sujeito financeiro e o grau de previsão. As classificações podem ser legais se determinadas por um preceito legal ou doutrinárias quando aconselhadas pelos estudiosos ou tratadistas de finanças públicas. O artigo 9.° da Lei do OGT prevê a classificação económica das receitas e despesas em correntes e de capital. E a mesma disposição legal prevê igualmente as chamadas classificações orgânica e funcional das despesas públicas.

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Para a primeira das referidas classificações existe um código de classificação económica, em que se atende à natureza da receita ou da despesa e se lhe atribui um código numérico convencional. Receitas e despesas correntes são as que não oneram nem aumentam o valor do património duradouro do Território, tendo origem e esgotando--se na gerência financeira correspondente à execução de um OGT. As receitas e despesas de capital são aquelas que alteram a situação activa ou passiva do património duradouro do Território. Assim, as taxas e os impostos são receitas correntes, tal como as remunerações de pessoal e a aquisição de material de expediente são despesas correntes. Receitas de capital são, por exemplo, a venda de imóveis e os saldos orçamentais de exercícios findos; a venda de equipamento ou a contracção de empréstimos a longo prazo são casos de receitas de capital. Como já referimos, a classificação orgânica e a classificação funcional reportam-se apenas às despesas. A classificação orgânica agrega as despesas em correspondência com a estrutura da Administração Pública e, em resultado disso, a cada direcção de serviços ou organismo equiparado corresponde um capítulo orçamental próprio. É óbvio que a classificação orgânica varia em função das alterações estruturais que forem sendo introduzidas na Administração Pública do Território. Com a classificação funcional tem-se em vista a agregação das despesas segundo as funções ou finalidades típicas que a Administração prossegue, como, por exemplo, justiça, educação, saúde e habitação. O princípio da classificação das receitas e despesas e consequentes regras legais dele derivadas não é aplicável nos termos atrás referidos ao Orçamento Extraordinário, no caso de este existir.

9. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE O princípio da publicidade do OGT não tem consagração formal, quer no Estatuto Orgânico de Macau, quer na Lei do OGT, mas deve considerar-se um princípio orçamental essencial, relacionado com o princípio da transparência dos actos do poder político, segundo o qual a evolução jurídica e social — impulsionada por factores democráticos, pelo desenvolvimento dos meios de comunicação social e pela aproximação dos serviços públicos às populações — aponta no sentido de uma progressiva e acentuada restrição da área de secretismo daqueles actos. O art. 11.° da Lei do OGT, ao exigir que este revista a forma de Decreto-Lei, conjugado com o artigo 73.° do Estatuto Orgânico de Macau, o qual determina que os diplomas legais só entram em vigor após publicação no Boletim Oficial, sob pena da ineficácia jurídica (art. 1.º do Decreto-Lei n.° 57/84/M, de 30 de Junho), acabam por conceder força jurídica ao princípio da publicidade do OGT. O Professor Sousa Franco, no seu livro Finanças Públicas e Direito Financeiro (Coimbra, 1986, página 325) escreve que «[...] um orçamento não publicado não é um orçamento». E acrecenta: «[...] o orçamento exige a publicação como consequência da sua natureza política, que impõe a publicação oficial como causa eficiente

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da eficácia da autorização prévia das receitas e despesas. Por outro lado, a Administração Pública, no seu conjunto, carece de conhecer formalmente o conteúdo da autorização orçamental; e, numa óptica mais moderna, poderá dizer-se que só assim os cidadãos têm conhecimento do orçamento e podem controlar e criticar a sua execução.» Afloramentos deste princípio da publicidade são as proibições de cobrança de receitas que não tenham sido autorizadas na forma legal e também a proibição de despesas ou de fundos secretos.

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Formação técnico-profíssional

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114 Administração, n.° 3/4. vol. II. 1989-1.° e 2.º, 000-000

UMA ESTRUTURA AUTÓNOMA PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA PERSPECTIVA DA TRANSIÇÃO*

José Carlos Mesquita **

1. INTRODUÇÃO JUSTIFICATIVA 1.1 O desenvolvimento dos recursos humanos é presentemente já assumido por um vasto conjunto de personalidades e instituições públicas e privadas do Território como um objectivo prioritário e essencial, verdadei ra condição para um desenvolvimento económico por todos desejado, num quadro de real justiça social. Sendo certo que o desenvolvimento dos recursos humanos é condição para o desenvolvimento económico, não deixa também de ser, em grande parte, sua consequência. Esta sucessão de causa/efeito/causa justifica a nossa convicção que o desenvolvimento de recursos humanos, para além de uma aposta social claramente irreversível, conhecerá a curto/médio prazo, nas áreas da formação técnico-profissional, um considerável desenvolvimento derivado das necessidades impostas por um crescimento económico muito acelerado, necessidades acrescidas pelo facto de este crescimento económico se fazer com uma considerável diversificação de actividades. Não será, pois, exagerado considerar que o futuro será de grandes desafios neste domínio. Desafios multiplicados pela perspectiva das novas profissões que os grandes empreendimentos, como o aeroporto e o porto, criarão. 1.2 Por outro lado, a Administração Pública de Macau terá que evoluir rapidamente no período que medeia até final do século, preparan do-se para o importantíssimo papel que lhe estará reservado após 1999 em função de dois objectivos fundamentais: a localização dos quadros e a reformulação do sistema jurídico-administrativo.

* Quando o coordenador da revista Administração me manifestou a intenção de publicar o documento de apoio à intervenção que fiz no painel «Presentation on Programmes of Education and Professional Training. Needs, Problems and Approaches» no âmbito da 15.º Conferência da ARTDO (Ásia Regional Trading & Development Organization) que se realizou em Macau no passado mês de Outubro, propus-lhe a alternativa de o rever à luz de algumas das reflexões que a própria Conferência suscitou e visando um produto mais adequado aos objectivos da revista. Esta a razão pela qual o texto aqui impresso difere daquele de que me socorri durante a Conferência. ** Direcção dos Serviços de Economia.

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Quanto à localização, parece-me pacífico considerar que significa a colocação das pessoas adequadas e dispostas a preencher os quadros da futura Região Administrativa Especial de Macau. No que respeita à reformulação do sistema jurídico-administrativo, entendo-a em função do objectivo seguinte: privatização das funções que não tenham que ser directa e exclusivamente asseguradas pelo Governo e máxima desburocratização e flexibilização dos Serviços Públicos. No que respeita à privatização de funções, se necessário, mediante uma evolução gradual pela aplicação de modelos intermédios (por exemplo, empresas públicas e mistas). É, pois, neste cenário e no entendimento do importantíssimo papel reservado ao sistema educativo e, dentro deste, em particular, ao ensino vocacional e técnico-profissional que iremos desenvolver este tema.

2. ANTECEDENTES 2.1 Apesar de não desconhecermos que algumas actividades que se podem considerar do âmbito da formação técnico-profíssional surgiram no Território há já largas dezenas de anos, como foi o caso da primeira Escola de Pilotagem que remonta a 1814, nem muito menos o importantíssimo papel desempenhado pela Igreja através de cursos de índole profissionali-zante (artes e ofícios), ministrados em estabelecimentos dos salesianos (Colégio D. Bosco e Instituto Salesiano), pensamos que será aceitável considerar que os primeiros passos na formação técnico-profissional foram dados já na presente década, pelo que a sua história é recentíssima e a experiência acumulada necessariamente muito curta. Ainda assim e apesar das muitas dificuldades de percurso — a maioria das quais ainda existentes dado o poder político não ter tomado as medidas adequadas para as eliminar — há que reconhecer que muito se fez e, sobretudo, com resultados francamente positivos e animadores. No plano legislativo, as primeiras referências vão para as áreas da Marinha e do Turismo. Com efeito, a nova Escola de Pilotagem foi criada em 8 de Março de 1980, ano em que é já mencionada a criação de uma Escola de Turismo e Indústria Hoteleira, a qual veio a ser estabelecida em Dezembro de 1981. São estas as primeiras acções práticas do poder público relativamente às necessidades de formação técnico-profissional. Mas, numa perspectiva de política global, creio que será mais correcto considerar 1982 como o ano em que a formação técnico-profissional arranca no Território. É de notar que, quer se considere 1980 ou 1982, a ambos os momentos ficará ligado o nome do actual presidente da Fundação Macau, Dr. Jorge Rangel, o qual exercia em 1982 as altas funções de Secretário-Adjunto para a Educação, Cultura e Turismo, para onde transitara de Director do Turismo, cargo que exercia em 1980. É, com efeito, em consequência de um seu despacho constituindo um grupo de trabalho que integrava funcionários da área económica e da área educacional, que virá a ser publicado o Decreto-Lei n.° 44/82/M, de Setembro desse ano, estabelecendo as bases da formação técnico--profissional e procurando criar condições para a «[...] definição (...] com vista à introdução, a curto prazo e de forma coordenada, de cursos de estrutura escolar e de formação acelerada no Território.»

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No mesmo decreto, é criada uma Comissão Consultiva para a Formação Técnico-Profissional e uma Divisão com funções de coordenação, apoio e acompanhamento no âmbito da Direcção dos Serviços de Educação. Muito embora o decreto ainda esteja em vigor, penso que os seus objectivos não vieram a ser cumpridos na perspectiva da formação técnico-profíssional e, muito menos, na do ensino técnico-profissional. 2.2 O funcionamento da Comissão Consultiva, inactiva há anos, foi sempre atribulado e inconsequente — improfícuo, numa palavra —, apesar dos esforços da maioria dos seus membros para que assim não sucedesse. Não sendo, naturalmente, a pessoa mais indicada para analisar as razões que motivaram que assim fosse, não deixo de ter uma opinião formada sobre as possíveis causas, quanto mais não seja por ter sido participante atento e activo em todo o processo. Muito embora concorde que logo à partida existiam indícios de alguma confusão nos conceitos e definições funcionais, não julgo que isso fosse grave, uma vez que à própria Comissão Consultiva caberia propor as soluções para os ultrapassar. A razão principal e fundamental que inviabilizou os esforços da Comissão, e sobre isto não tenho qualquer dúvida, residiu na inacção do próprio poder político, ainda que naturalmente involuntária. É que não bastava, como se veio a verificar, dar início ao processo. Era preciso ter continuado a acompanhá-lo e a apoiá-lo... Sem a imprescindível e sistemática identificação das necessidades, sem a determinação de objectivos e prioridades, sem a definição de uma estratégia, sem a afectação de competências e responsabilidades de execução e sem a afectação dos meios necessários, em suma, sem um Plano para a formação técnico-profissional, não era possível esperar milagres. Também não tenho dúvidas que foi por não ter havido vontade e determinação política nos momentos em que estas questões surgiram que, ainda hoje, não temos o ensino sintonizado na mesma banda da actividade económica do Território... Assim, o que poderia ser e deveria ter sido um importantíssimo passo no sentido do avanço do ensino vocacional e do ensino e da formação técnico-profissional no Território tornou-se substancialmente inconsequente numa perspectiva globalizante. Há, contudo, que reconhecer que influenciou, directa ou indirecta- mente, o aparecimento de algumas das estruturas que são afinal o que de mais significativo existe presentemente no Território em matéria de formação técnico-profissional. E devo dizer que os resultados conseguidos ultrapassam em muito o que há quatro ou cinco anos pensava ser possível. Mas nem por isso posso deixar de considerar que se verificam no domínio da formação técnico-profissional situações de facto, fruto de razões circunstanciais e conjunturais, que aqui não interessa desenvolver, mas que não resistem à mais elementar análise na perspectiva da economia de recursos ou/e à comparação com as experiências e tradições de outros territórios e países ou/e à mais elementar lógica...

3. OFERTA No Território existem os seguintes centros de formação técnico-profissional e instituições que desenvolvem actividades que se podem

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considerar neste âmbito (a lista constante do quadro seguinte não é exaustiva, mas refere as principais):

* Empresas que mantêm estruturas organizadas com o objectivo de executar programas internos com formadores próprios ou externos.

Em anexo apresentam-se alguns gráficos referentes às actividades desenvolvidas pelos Centros indicados.

4. CONDICIONANTES Em todos os meios e em cada momento existem condicionantes à exequibilidade das acções, condicionantes cuja percepção e entendimento são, naturalmente, essenciais. A consideração dessas condicionantes específicas determina e justifica a não adopção de soluções que em circunstâncias «comuns» seriam apropriadas. A não consideração dessas condicionantes poderá constituir, por outro lado, a explicação para o insucesso de medidas adoptadas neste âmbito. Evidentemente que a formação técnico-profissional em Macau não constitui excepção à regra. A formação técnico-profissional é um domínio em que há sobejas razões para se estar especialmente atento e não menosprezar qualquer cautela. O que é, aliás, natural, pois estamos a falar de recursos humanos e o ser humano é complexo por excelência, complexidade que em Macau se agrava porque vivemos numa sociedade que é uma encruzilhada histórica e permanente de múltiplas culturas. 118

Da minha própria experiência, em que também entram alguns insucessos, felizmente não muito graves, destaco os seguintes aspectos que podem assumir características condicionantes. em determinadas circunstâncias: a) A dimensão física e a população Com uma área total de 16,92 km2 e dividido por duas ilhas e uma península, Macau é um território pequeníssimo. Mas na península, com os seus 6,05 km2, vivem mais de 400 000 pessoas que constituem a esmagadora maioria da população do Território. Em termos etários, cerca de 72% da população encontra-se na faixa compreendida entre os 15 e os 64 anos. Neste aspecto, a principal surpresa para o cidadão de outros espaços reside na constatação de que para a população de Macau um local que se situa a mais de 500 metros de distância é já no fim do mundo... Assim, a localização e a acessibilidade dos centros assumem uma importância que convirá ponderar. b) A estrutura da actividade económica A indústria e o turismo constituem as principais actividades económi- cas do Território. A indústria transformadora caracteriza-se por estar orientada para os mercados externos, tendo as exportações em 1987 atingido os 11 233 milhões de MOP. Fortemente concentrada nos têxteis, cujo output representa quase 3/4 do total, a indústria dispersa-se por um parque de estabelecimentos que ultrapassa as 2 700 unidades. Por seu turno o turismo é dominado pela importância do jogo, o qual contribui com uma parcela muito significativa para as receitas públicas (entre 30 a 40%). E ainda pelo jogo que se justificará uma considerável parcela dos 5 milhões de visitantes /ano e a existência de uma oferta de 4 578 camas na hotelaria. De sublinhar, ainda, que a construção civil, o comércio e os serviços financeiros mesmo considerados conjuntamente, ficam consideravel-mente longe do peso que qualquer um daqueles dois sectores representa na actividade económica de Macau. c) Nível de desemprego Em Macau verifica-se a necessidade de recurso ao exterior por forma a superar as necessidades de alguns sectores mais afectados pela falta de mão-de-obra. Esta situação decorre de ter havido uma considerável transferência de profissionais do sector industrial para o terciário, verificando-se mesmo na indústria hoteleira a saída para a República Popular da China. Aliás, a importação de recursos humanos não é prática recente e sèm os fluxos de imigrantes, alguns dos quais particularmente significativos, não poderia Macau ter conhecido os surtos de desenvolvi- mento que viveu. Igual circunstância ocorreu em Hong Kong que há 40 anos tinha menos de 1/3 da sua actual população. Por referir Hong Kong, embora não disponha de dados estatísticos, julgo não andar muito longe da realidade se disser que existem em Macau algumas dezenas de milhar de quadros técnicos oriundos daquele Território, ocupando uma elevada percentagem dos lugares intermédios e superiores das empresas industriais e de serviços. Relativamente à República Popular da China, a maioria dos

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imigrantes são operários sem grande nível de especialização, muito embora se verifiquem excepções, sobretudo quando se trata de actividades em que na própria República Popular da China existe já alguma tradição industrial. Verifica-se também a vinda de técnicos e gestores daquela origem quando se trata de interesses empresariais da própria República Popular da China d) Dependência de Hong Kong O rápido crescimento que o Território conheceu na área industrial após 1960, e particularmente de 1970 em diante, está directamente relacionado com os momentos em que foram impostas à indústria de Hong Kong dificuldades nos mercados de exportação (restrições quantitativas, perda de isenções ou reduções de direitos aduaneiros). Naturalmente que Macau constituía a primeira alternativa para a deslocação da produção industrial de Hong Kong: estava muito perto, tinha uma economia aberta, possuía um potencial de crescimento considerável, quer do ponto de vista físico (eram raros os edifícios industriais multipisos com as volumetrias hoje vulgarizadas), quer do ponto de vista laborai (era fácil a atracção de imigrantes), as relações de parentesco ou de amizade abundavam, quer entre os oriundos de Cantão, quer entre os de Xangai. Não constituindo, na altura, a própria República Popular da China uma alternativa atraente (as zonas económicas especiais só surgem nesta década), Macau reunia todos os ingredientes, com excepção de alguns problemas de infra--estruturas e burocráticos, para atrair os empresários de Hong Kong. Deste modo, surgiram inúmeras fábricas em Macau, resultantes de investimentos directos ou de joint-ventures com amigos ou familiares. Relativamente às empresas independentes que alguns residentes tentaram lançar, o seu controlo pelos empresários de Hong- Kong foi tarefa fácil, quanto mais não fosse por terem uma presença longa nos mercados internacionais tradicionais, dificilmente penetráveis. Esta tarefa apresentava-se ainda facilitada pelo facto do trânsito de matérias-primas e produtos acabados, bem como o de pessoas, ter que se processar por aquele Território. Assim, as empresas independentes de residentes em Macau viram a sua actividade limitada ao mercado das sub-encomendas, situação que não é, aliás, exclusiva da indústria, uma vez que no sector terciário também se verifica a mesma dependência, exercendo muitas empresas funções de retalhistas para o mercado de Macau. Centrado o poder empresarial em Hong Kong e aí se situando o controlo exclusivo da função comercial, o papel do sector industrial de Macau é quase exclusivamente reduzido ao de simples execução de ordens de produção. e) Factores educacionais e culturais Macau constitui uma encruzilhada de povos e culturas, apesar da população chinesa ser claramente predominante. De facto, há que ter em atenção que essa população chinesa não é exclusivamente cantonense, sendo considerável a diversidade de origens (factor importante na questão da comunicação oral), como diversos são, como se sabe, os níveis educacionais e culturais.

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f) Inexistência de Ensino Técnico-Profissional A ausência de um sistema educativo com uma componente forte de ensino vocacional/ensino técnico-profissional, sintonizada para a activi- dade económica e empregadora de Macau, conduz a que a formação técnico-profissional não receba, como deveria receber, o output do sistema educativo a um nível qualificativo adequado à característica de sistema complementar e integrado que também deveria ser (o outro output é constituído pelos indivíduos já em actividade profissional).

5. DIFICULDADES/OBSTÁCULOS Em consequência das condicionantes expostas e de outras que se poderão definir como genéricas para a implementação da formação técnico-profissional, em qualquer lugar e em qualquer momento, passarei a enunciar e descrever os principais obstáculos que, na minha perspectiva, se verificam em Macau. Assim e sem qualquer preocupação de hierarqui- zação destaco:

a) Inexistência de investigação sobre as necessidades profissionais Verifica-se uma total ausência de trabalhos de investigação sistemática sobre as necessidades a prazo do mercado de emprego. O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e o Serviço de Administra- ção e Função Pública mantêm bolsas de emprego, mas naturalmente o âmbito desta informação restringe-se ao mercado de trabalho imediato ou de curto prazo. É também conhecido que imediatamente antes do estabelecimento do CADI foi conduzido um inquérito à indústria têxtil, mas que este não teve sequência. É evidente que sem projecções cronológicas das necessidades (qualita- tivas e quantitativas) tudo o que se tem vindo a fazer envolve riscos consideráveis, o menor dos quais não será com toda a certeza o risco que correm os próprios formandos... Por experiência própria, constatei que é extremamente fácil (na ausência do método científico de avaliação das reais necessidades) incorrer em raciocínios e em conclusões erradas, apesar de resultarem de uma observação da realidade que é, em si mesmo, incontroversa e consistente. Quem diria, por exemplo, que as empresas industriais de Macau não precisam de estilistas de moda, sendo o sector de confecções o que é em número de empresas, em termos de produção (qualidade) e de exportação (volume/valor)? Admito que muitos pudessem, pelo menos, desconfiar. Mas já não acredito que admitissem que os técnicos de marketing também não teriam grande futuro nas empresas de Macau, a não ser que tivessem lido com atenção o que referi no ponto anterior sobre a dependência de Hong Kong. Existem de facto em Macau situações que conduzem ao que designaria por oportunidades profissionais aparentes, com um grau de incidência que os responsáveis pela implementação da formação técnico-profissional não deverão menosprezar, sobretudo enquanto não dispuserem de meios mais seguros de análise da realidade!

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b) Sensibilidade dos empresários Não é de maneira nenhuma uma singularidade de Macau, só que aqui é agravada pelo facto do investimento do exterior ser muito significativo. Nestas circunstâncias é normal que os empresários estejam mais preocupados com o cumprimento de prazos de produção, do que com a forma como as empresas funcionam. Mesmo a simples motivação é complexa, por ser rara a oportunidade de os ver em Macau... c) Inviabilidade económico-financeira São relativamente frequentes as situações em que a relação custo/ /benefício se revela impraticável. Contribuem para que assim seja a dimensão quantitativa da necessidade de profissionais, os custos com instalações, equipamentos e com os formadores (especialmente quando o seu número é elevado e têm de ser recrutados no exterior). d) Inviabilidade técnico-organizativa Talvez constitua a principal dificuldade, uma vez que não é possível, na maioria das situações, recrutar os docentes no Território. E mesmo o recurso a técnicos locais sem adequada preparação pedagógica raramente é viável. A situação é drasticamente agravada pelo problema da língua veicular, uma vez que o cantonense é dominante, existindo apenas uma escassa minoria bilingue (inglês ou português), facto que reduz substancialmente as possibilidades de recurso ao exterior, limitando-as praticamente a Hong Kong. Como é sabido, embora com idêntica base escrita, o cantonense é incompreensível oralmente para os falantes de mandarim e vice-versa.

6. O FUTURO

6.1 UMA ESTRUTURA AUTÓNOMA PARA A FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL Em termos de futuro é indiscutível considerarmos que, na ausência de quaisquer recursos naturais próprios e com a abertura ao exterior operada na República Popular da China (veja-se a sua política de criação de Zonas Económicas Especiais, uma das quais adjacente a Macau), as actividades económicas, ao nível da produção de bens ou serviços cuja viabilidade assenta na utilização intensiva e em massa de recursos humanos pouco ou nada qualificados, estão condenadas a desaparecer. Dir-se-á, pois, que o potencial de desenvolvimento do Território dependerá da sua capacidade para competir ao nível de produtos com uma relação qualidade/custo vantajosa ou de produtos cuja produção se revele inviável noutro ponto desta zona geográfica. Para tal, e para além do desenvolvimento de infra-estruturas, sobretudo no que se refere às comunicações, é fundamental que o Território assuma a nível do ensino e da formação técnico--profissional um desenvolvimento urgente, dimensionado, integrado e coordenado. Não é que a formação técnico-profissional seja por si só condição suficiente para o desenvolvimento do potencial de crescimento. Não o é, obviamente, uma vez que outras condicionantes se verificam. Mas é uma condição necessária.

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Há, pois, que procurar viabilizá-la. E penso que a melhor estratégia que o Governo poderá adoptar será a de promover a criação de uma estrutura que centralize toda a execução das políticas neste domínio. A esta estrutura caberiam as tarefas fundamentais de: a) Execução de levantamentos periódicos e regulares (2/3 anos), segundo uma metodologia científica, das necessidades do Terri tório em termos profissionais; b) Planificação da formação técnico-profissional, de acordo com uma metodologia que permitisse sucessivos ajustamentos e correcções em função das necessidades referidas em a); c) Articulação do ensino técnico-profissional e da formação técnico- -profissional com os Serviços de Educação. Note-se que muito embora se defenda que nunca se deverão confundir as estruturas de ensino com as da formação, julga-se fundamental a sua articulação, visando uma necessária comple- mentaridade que, por sua vez, também se deverá verificar entre a formação técnico-profissional e os níveis de ensino superiores (politécnico/universitário); salienta-se ainda, por outro lado, que se justifica, face à dimensão do Território, o aproveitamento máximo pela formação técnico-profissional e pelo ensino técnico--profissional dos recursos materiais e humanos disponíveis. Tal aproveitamento não se verifica em Portugal, mas em Hong Kong é uma constante, com índices de exploração dos recursos por alunos do ensino técnico-profissional, do ensino vocacional e pelos da formação técnico-profissional, verdadeiramente espectaculares 1; d) Coordenação e direcção dos centros de formação técnico- profissional (actuais e a estabelecer); e) Promoção, coordenação e apoio à execução da formação técnico- profissional nas próprias empresas; f) Coordenação e apoio à formação técnico-profissional no exterior do Território.

6.2 O MODELO DE ESTRUTURA Relativamente à estrutura, julgo existirem condições e perspectivas que justificariam a criação de um Instituto para a Formação Técnico-Profissional (e eventualmente também para o Emprego), cujo modelo de

1 A maximização da utilização dos recursos justificará ainda que em Macau se vá mesmo mais longe do que em Hong Kong (onde a vastidão de recursos permite soluções menos integradas) procurando, sempre que possível, aproveitar esses recursos para a prestação de serviços à comunidade de negócios e desenvolvendo verdadeiros pólos tecnológicos. Há, aliás, dois projectos propostos por mim no âmbito do CADI e que representam esse tipo de aproveitamento: um, no domínio dos têxteis, que prevê a instalação de um sofisticado sistema de CAD-CAM (computer aid design/computer aid manufacturing) e que aguarda, ainda, decisão superior; outro, já em funcionamento com assinalável êxito, no domínio das porcelanas decorativas, que consiste num gabinete de projectos de protótipos com capacidade própria de concepção e execução. Ambos deverão servir três objectivos: a) prestação de serviços à indústria (o que já se faz no caso das porcelanas); b) o ensino técnico-profissional e c) formação técnico-profissional. A área da prestação de serviços à comunidade empresarial é, aliás, questão que considero importantíssima numa estratégia desenvolvimentista, constituindo um tema que gostaria de poder desenvolver noutra oportunidade.

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organização se poderia inspirar na experiência muito positiva realizada em Portugal com o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e os Centros Protocolares, mas com algumas adaptações, uma vez que em Macau não se verifica a dispersão geográfica dos centros populacionais e empresariais que ocorre em Portugal. Assim, e tendo como objectivo a sua integral autonomização do poder público — embora se admita ser este um objectivo «tendencial» ou «ideal» —, entendo que o Instituto a criar em Macau deverá assumir desde logo a natureza de uma empresa de capitais mistos, com participação maioritária da Administração (95%, por exemplo) e participação das associações empresariais e laborais (em Portugal estas últimas ainda não são incluídas), cuja gestão obedeceria, naturalmente, às regras normais duma empresa deste tipo. Os motivos que justificam a participação activa dos parceiros sociais parecem-me evidentes. E ainda que, por razões financeiras, não se possa esperar que contribuam de forma muita significativa para as receitas correntes — a sua contribuição limitar-se-á praticamente a um nível simbólico — o seu compromisso formal nesta estrutura e neste esforço será fundamental!

Nota final: Se outro interesse não tiver, desejo sinceramente que a publicação deste artigo suscite uma discussão alargada e aprofundada desta temática que, constituindo tema de premente actualidade em muitos cantos do mundo, não tem sido aqui em Macau minimamente debatida.

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ANEXOS Actividade desenvolvida pelos Centros

[GRÁFICO I]

Total dos Cursos

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[GRÁFICO II]

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[GRÁFICO m]

Total de Horas

dos Cursos

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Administraçáo, n.° 3/4. vol. II, 1989-1.° e 2.°, 129-144

O ENSINO TÉCNICO E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL: A EXPERIÊNCIA DE HONG KONG*

H. R. Knight **

1. INTRODUÇÃO A história de Hong Kong é bem conhecida. A transformação de ilha pequena e isolada — destituída de recursos naturais —, primeiramente, em entreposto e, mais tarde, apesar das frequentes agitações políticas, sociais e económicas, em centro industrial, comercial e financeiro, está bem documentada. O que talvez não seja tão bem conhecido, no entanto, é o esforço feito por Hong Kong no desenvolvimento de um sistema de ensino técnico e de formação que contribuiu para tornar esta mudança possível; um sistema concebido para ir ao encontro das necessidades específicas da economia, a tentativa de fornecer pessoal com formação adequada às exigências da economia. O elemento humano constituiu e ainda constitui o único recurso natural de Hong Kong. Foi ainda este factor que fez emergir um sistema de desenvolvimento de recursos humanos que ajudou a transformar o que, de outro modo, teria sido um pesado fardo para a economia e que, pelo contrário, acabou por se tornar uma força de trabalho altamente produtiva. Esta comunicação pretende dar uma breve panorâmica histórica do desenvolvimento de Hong Kong, do ponto de vista social e económico. Pretende-se descrever de forma sucinta as mudanças políticas, sociais e económicas desde os anos do pós-guerra. Mudanças que levaram à necessidade de um planeamento e formação de mão-de-obra, numa perspectiva racional e organizada, e às respostas que foram dadas, por parte do governo, patronato e trabalhadores. Descreve-se, mais adiante, o que se conseguiu alcançar nas últimas duas décadas, no que diz respeito ao ensino técnico e formação profissional em Hong Kong.

2. OS ANOS DO PÓS-GUERRA, 1946-1955 A transformação de Hong Kong em centro comercial e industrial começou com a sua fundação sob a bandeira britânica, em 1842, quando a

* Comunicação apresentada na 15.ª Conferência da ARTDO (Asia Regional Trading & Development) que teve lugar em Macau em Outubro de 1988. ** Director do Ensino Técnico e Formação Profissional de Hong Kong; Director Executivo do Conselho para a Formação Profissional. 129

população se reduzia a menos de 7 000 habitantes. No século seguinte, até à Segunda Guerra Mundial, Hong Kong funcionou, fundamentalmente, como entreposto comercial entre a China e outros países e, também, como via de emigração chinesa. Devido aos permanentes distúrbios na China, muitos chineses deslocaram-se para Hong Kong à procura de uma vida mais estável levando a que, por volta de 1931, a população atingisse quase os 880 000 habitantes. A guerra sino-japonesa provocou uma fuga em massa de refugiados para Hong Kong, estimando-se o crescimento da população em 1,6 milhões no momento da eclosão da Segunda Guerra Mundial. A Segunda Guerra Mundial destruiu a economia de Hong Kong e os meios de subsistência da sua população. O comércio praticamente desapareceu. Durante a ocupação japonesa muitos residentes de Hong Kong refugiaram-se em Macau e na China e muitos outros foram deportados pelos japoneses. Em Agosto de 1946 a população ficou reduzida a cerca de 600 000 habitantes. Após a rendição dos japoneses em 1946, o rápido regresso dos residentes e o fluxo de nova população vinda da China, Hong Kong atingiu os 1,8 milhões de habitantes em finais de 1947. Mais tarde, em 1948-49, à medida que as forças do governo do Kuomingtang foram sendo derrotadas na guerra civil, o índice de refugiados vindos da China atingiu níveis sem paralelo na história de Hong Kong. Por volta de meados dos anos cinquenta, a estimativa da população era de 2,2 milhões e, em finais de 1950, era de mais de 2,5 milhões de habitantes. A eclosão da Guerra da Coreia e o embargo ao comércio com a China por parte das Nações Unidas quase pôs ponto final ao papel de Hong Kong como entreposto comercial da China. O território deixou de poder ficar dependente apenas do seu porto como meio exclusivo de proporcionar emprego à sua crescente população. Tinha de encontrar outros meios para sustentar a economia e dar emprego às massas. Hong Kong virou-se então, determinadamente, para a industrialização e respectiva diversificação.

3. INDUSTRIALIZAÇÃO E COMÉRCIO EXTERNO, 1956-65 As indústrias mais importantes que existiam até à eclosão da Guerra da Coreia eram a nova indústria têxtil, que começara a despontar com os emigrantes da China, e as actividades ligadas ao porto de Hong Kong, nomeadamente a construção naval e a reparação de barcos. A expansão destas indústrias assim como o lançamento de novas indústrias deveu-se à abundância de mão-de-obra local, barata e produtiva, e ao capital estrangeiro que procurava oportunidades de investimento. A revolução industrial de Hong Kong começou, primeiro, com a manufactura e a exportação de têxteis de algodão em 1950 e, mais tarde, com as lãs e o vestuário. Os anos sessenta conheceram a introdução e expansão de indústrias ligeiras (de engenharia) como a indústria dos plásticos e a electrónica. A mudança operada com sucesso na economia, a passagem de mero entreposto para potência industrial e exportadora, foi apoiada pela política liberal do laissez-faire adoptada pelo governo, a qual permitia que as pessoas e o capital se movimentassem livremente no interior e para o

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exterior do território e que o comércio fosse conduzido com um mínimo de legislação e interferência do governo. Outros factores que também contribuiram para o crescimento do sector profissional foram: a) Estabilidade política; b) Desenvolvimento decorrente do apoio dado aos sectores da banca, seguros, comunicações, transportes e empresas de serviços públicos; c) Apoio do governo à iniciativa privada; d) Relações laborais na base do consenso; e) Abertura dos grandes mercados externos, dos E.U.A., por exemplo, aos produtos de Hong Kong; f) Afluxo de capitais estrangeiros e do know-how tecnológico. Paralelamente a estes esforços para encorajar o desenvolvimento da indústria de manufactura, o governo também participou na promoção do comércio externo. O rápido avanço da industrialização de Hong Kong, de 1947 a 1965, é ilustrado pelos seguintes números:

[QUADRO N.º l]

Em meados dos anos cinquenta o governo sentiu a necessidade de analisar a estrutura da força de trabalho na indústria e a adequação, ou inadequação, dos meios de formação existentes para acompanhar o desenvolvimento industrial.

4. COMISSÃO PERMANENTE PARA O ENSINO TÉCNICO E FORMA- ÇÃO PROFISSIONAL Em 1954, o governo nomeou a Comissão Permanente para o Ensino Técnico e Formação Profissional, sob a presidência do Comissário para o Trabalho, com a seguinte incumbência: a) Submeter a constantes reformulações as respostas às diversas necessidades do ensino técnico e da formação profissional, nomeadamente no referente às instalações existentes, com particular incidência nos sectores do comércio e indústria; b) Aconselhar o governo sobre as medidas adequadas a tomar relativamente às necessidades do ensino técnico e da formação profissional e a todas as questões em geral relacionadas com esta matéria. Infelizmente, a Comissão Permanente não tinha grandes meios e a sua intervenção não ultrapassou praticamente a área da formação- -aprendizagem em Hong Kong. Tradicionalmente, tanto na China como em Hong Kong, um jovem podia aprender um ofício trabalhando sob a orientação de um mestre, adquirindo a prática do ofício observando-o e imitando-o. O sucesso da

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aprendizagem do ofício dependia da sua inteligência e da capacidade e vontade do mestre em ensinar. Apenas alguns organismos oficiais tinham instituída uma formação a nível técnico-profissional, como era o caso dos Serviços de Obras Públicas, os Caminhos de Ferro Kowloon-Cantão, a Imprensa Oficial e algumas das grandes companhias, como as companhias portuárias e as empresas de serviços públicos. Comparados com a aprendizagem tradicional, os programas formais ofereciam aos jovens uma formação adequada, segurança de emprego e a oportunidade de frequentarem o ensino técnico, em part-time, na Escola Técnica de Hong Kong (a antecessora do Politécnico de Hong Kong). A Comissão Permanente não conseguiu ir além da recomendação ao governo para examinar mais cuidadosamente a formação profissional e o ensino técnico em Hong Kong. Na primeira fase da industrialização, não existia formação profissional organizada, excepto nalguns serviços oficiais. A formação pré-profissional era promovida por algumas organizações voluntárias, mas mais com carácter de serviço social do que como programa coordenado para ir ao encontro das necessidades da indústria. Não havia coordenação nem preocupação de assegurar qualidade. 5. COMISSÃO CONSULTIVA PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL (ITAC), 1965-1972 A rápida expansão das indústrias transformadoras de Hong Kong na década anterior a 1965 agravou a falta de mão-de-obra com formação e levou o governo a rever a sua política sobre formação profissional. Em Setembro de 1965, o governo nomeou a Comissão Consultiva para a Formação Profissional (ITAC), órgão consultivo não oficial, para substituir a Comissão Permanente para o Ensino Técnico e Formação Profissional. Ainda sob a presidência do Comissário para o Trabalho, a ITAC era constituída por representantes da indústria, trabalho, serviços da Administração e outras organizações, tendo-lhe sido cometida a tarefa de identificar os problemas da formação e outros problemas afins e fazer recomendações ao governo para se tomarem medidas para a sua resolução, Foi ainda pedido à ITAC que propusesse uma estrutura organizativa adequada que assegurasse um sistema global para a formação profissional dirigido fundamentalmente para as necessidades de desenvolvimento da economia de Hong Kong. A ITAC, apesar de especialmente voltada para as áreas de mão-de- -obra especializada, artífices e mão-de-obra não especializada, identificou, entre outros, os seguintes problemas de formação: a) Os esforços desenvolvidos para responder à procura crescente de mão-de-obra, decorrente da expansão e diversificação da indústria, não eram os mais adequados. Por outro lado, tanto a indústria como o governo careciam de informação fidedigna sobre as necessidades presentes e futuras de mão-de-obra, informação indispensável para se proceder a um planeamento da formação adequado. b) Ausência de critérios e padrões estabelecidos que permitissem avaliar as capacidades requeridas para o desempenho das princi-

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pais funções em todas as indústrias. Havia também uma grande falta de instalações equipadas para o ensino técnico, especialmente ao nível da formação de artífices (craft) e mão-de-obra especializada (technician), instalações indispensáveis para preparar trabalhadores a estes níveis, fornecendo-lhes os conhecimentos requeridos para acompanharem o avanço da tecnologia. c) Os empregadores, de uma maneira geral, tinham uma visão limitada e ofereciam resistência à formação; apenas pensavam no seu custo e não nos benefícios dela decorrentes. O sucesso das acções dependia da possibilidade de os participantes se sujeitarem a um período inicial de formação básica e geral fora do posto de trabalho, mas poucos empregadores de Hong Kong se predispu- nham a facilitar esta hipótese. d) Não existia uma política que definisse as responsabilidades do governo e dos empregadores sobre a formação dos trabalhadores em geral, uma política que contemplasse as circunstâncias do momento em Hong Kong. e) Não existia um órgão central que organizasse e coordenasse os esforços e as várias partes envolvidas e definisse as prioridades de formação. f) A carência de formadores e monitores qualificados, capazes de transmitir o seu know-how, constituía um sério obstáculo ao desenvolvimento do ensino técnico e da formação profissional. Através dos inquéritos à mão-de-obra, conduzidos por comissões para a indústria, nomeadas pela ITAC por volta de 1971, conseguiu-se fazer a caracterização da mão-de-obra, por função e nível — por exemplo, operário especializado (technician), artífice (craft) e operário — existente nas dez maiores indústrias (manutenção e reparação de automóveis, construção civil, vestuário, electrónica, equipamento e artigos eléctricos, oficinas de máquinas e serralharia, plásticos, indústria gráfica, construção e reparação naval e têxteis). Fez-se um levantamento das necessidades de mão-de-obra num horizonte de curto prazo nestas indústrias, avaliaram-se as insuficiências a nível do ensino técnico e as carências de instalações para uma formação prática e fizeram-se recomendações para a sua solução. As principais conclusões e soluções recomendadas pela ITAC foram: a) Para ultrapassar o problema de falta de mão-de-obra qualificada, os empregadores deveriam criar estruturas de formação profissio nal que deveriam incluir uma versão actualizada da aprendizagem, com vista à formação de artífices (craft) e operários especializados. b) Esta formação deveria compreender: 1. uma formação específica que incluísse uma formação prática em serviço (isto é, na oficina) precedida de um período de formação básica fora do local de trabalho; 2. uma componente de ensino técnico (isto é, formação teórica) complementada por uma formação que ilustrasse a teoria. c) A partilha da responsabilidade pela formação da mão-de-obra: 1. Formação prática — competiria aos empregadores suportar totalmente os custos com a formação prática, quer esta tivesse lugar em instalações fabris quer em centros de formação especial mente construídos e equipados para o efeito. A responsabilidade por todo o investimento e encargos era atribuída aos emprega-

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dores. Competia ao governo, contudo, conceder terrenos, isentos de impostos, com vista à construção de Centros de Formação que não visassem o lucro ou, em alternativa, conceder empréstimos do Fundo de Crédito para o Desenvolvimento com vista à aquisição de espaço industrial conveniente para o efeito. 2. Ensino técnico — era da responsabilidade do governo financiar a formação teórica a todos os níveis. d) Competia ao governo criar mais quatro institutos técnicos (para além do Morrison Hill Technical Institute) que facultassem o ensino técnico como complemento à formação de artífices (crafts) e operários especializados (technicians). Competia igualmente ao governo fazer expandir o sistema do ensino vocacional. e) Deveria ser instituído um órgão permanente para substituir o ITAC, sendo-lhe cometidas novas responsabilidades, no âmbito do levantamento de necessidades; f) Deveriam ser criadas condições para formar novos monitores e aperfeiçoar os existentes, devendo-lhes ser reconhecido o estatuto de monitores com qualificação. Como mais adiante se verificará, o governo aceitou e implementou muitas das recomendações feitas pela ITAC.

6. O CONSELHO DE HONG KONG PARA A FORMAÇÃO (HKTC), 1973-1981 Verificou-se uma rápida expansão das indústrias de manufactura de Hong Kong e do comércio externo nos anos setenta. No entanto, também houve motivos para preocupação. Não só as exportações estavam sujeitas a uma retracção crescente nos mercados principais (EUA e CEE), como estavam também a sofrer uma forte concorrência dos países vizinhos, Taiwan, Coreia e Singapura, onde os encargos com a mão-de-obra eram mais baixos. Para manter a competitividade, a industria tinha de aumentar a produtividade e a eficiência, elevar os níveis de qualidade dos seus produtos, lançar-se numa produção mais sofisticada e expandir-se noutros campos. Tudo isto exigia uma força de trabalho bem preparada, flexível e versátil capaz de dar resposta imediata às novas exigências e tecnologias modernas. Os anos setenta conheceram ainda uma outra mudança, esta mais gradual, e que dizia respeito à crescente importância que o sector financeiro, comércio e serviços assumiram traçando a evolução de Hong Kong, transformando o Território em centro financeiro. Em Outubro de 1973, o governo criou o Conselho de Hong Kong para a Formação (HKTC) que substituiu o ITAC, com reforço de competências. A sua atribuição principal era recomendar medidas que assegurassem um sistema global de formação da mão-de-obra que contribuísse para o desenvolvimento da economia de Hong Kong. O seu âmbito de acção abrangia não só a identificação dos requisitos de mão-de-obra para o sector industrial — operários especializados (technicians), artífices (crafts) e operários sem especialização (operatives) —, como também as necessidades sentidas ao nível do operador de tecnologia específica (technologist). Competia-lhe fazer o levantamento dos requisitos exigidos para todos os níveis da mão-de-obra dos sectores do comércio e serviços. Foi-lhe

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cometida a responsabilidade de recomendar a criação de um órgão oficial que deveria ter funções consultivas e executivas. Tal como o ITAC, integrava representantes do patronato e dos trabalhadores, educadores, representantes de organizações de formação e dos departamentos oficiais mais importantes. Mas, ao contrário do seu antecessor, era presidido por um dirigente não proveniente da Administra- ção que acumulava funções como membro do Conselho Legislativo. Para alcançar os seus objectivos, o HKTC utilizou direcções de formação e comissões — sendo as direcções de formação responsáveis por todos os assuntos de formação nos sectores industrial, comercial e de serviços e responsabilizando-se as comissões pelos problemas comuns a diferentes sectores. O HKTC implementou e, noutros casos, ajudou a implementar, muitas das recomendações do ITAC que tiveram a aprovação do governo. Prosseguiu o trabalho lançado pelo ITAC e melhorou consideravelmente a metodologia seguida pelo ITAC nos levantamentos da mão-de-obra efectuados com vista a determinar a respectiva procura. Descrevem-se nos parágrafos seguintes alguns objectivos importantes alcançados pelo HKTC. 7. METODOLOGIA PARA A ESTIMATIVA DE MÃO-DE-OBRA Para alcançar um equilíbrio razoável entre os requisitos exigidos pela economia à mão-de-obra e a saída de mão-de-obra formada, isto é, entre a procura e a oferta, é necessária informação sobre o mercado de emprego existente e o mercado de emprego futuro, a fim de formular uma política de planeamento. A metodologia para a estimativa de mão-de-obra utilizada pelo ITAC e redifinida pela HKTC, consiste, essencialmente, nas seguintes fases: a) Conduzir levantamentos de mão-de-obra, a grande escala, relati vos aos maiores sectores da indústria e do comércio para recolha de informação actualizada sobre a situação existente do emprego, por função e nível de especialização; b) Analisar a estrutura de mão-de-obra e carência de especializações através de levantamentos de dados; c) Fazer previsões da procura de mão-de-obra, tendo em conta o abandono, promoção interna e outros factores como mudanças tecnológi cas e exigências de mercado; d) Calcular a procura anual das funções principais comuns aos diferentes sectores económicos e e) Fazer a estimativa da oferta da mão-de-obra formada pelas instituições oficiais de educação (licenciados, etc.) e outras formas de formação, incluindo a estimativa de índices de participação; t) Comparar a oferta provável com a previsão da procura para determinar uma eventual carência ou excesso. O HKTC, através dos seus conselhos para a formação e comissões, conduziu levantamentos sobre mão-de-obra de todos os sectores, de dois em dois anos, para actualizar as estatísticas e as previsões e detectar as tendências de evolução da economia. Com base nos levantamentos de dados e nas previsões, os conselhos para a formação e as comissões vieram

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a fazer recomendações para o desenvolvimento de equipamentos para o ensino técnico e formação profissional, adequados a cada sector específico. A estimativa da procura por sector, por função, área e nível, possibilitou calcular a procura global de mão-de-obra formada por área funcional, etc.

8. FORMAÇÃO-APRENDIZAGEM O HKTC promoveu activamente a formação-aprendizagem no seio dos empregadores industriais como meio mais eficaz e rendível de formar operários especializados (technicians) e artífices (crafts). O programa da aprendizagem do HKTC abrangia, por um lado, a formação planeada de cariz prático e experimental e, por outro, a frequência a meio tempo (preferencialmente com dispensa de prestação de serviço) de ensino técnico relacionado com a área em questão. Por recomendação do HKTC, o governo promulgou e pôs em vigor, em 1976, a «Lei da Aprendizagem» para lançar e regulamentar a formação-aprendizagem em determinadas áreas. Essa lei constituiu o alicerce para a organização da formação-aprendizagem e facultou um enquadramento legal sólido para a formação de pessoal de nível artífices (crafts) e operários especializados (technicians). As condições para um empregador estabelecer um contrato de aprendizagem obrigam à admissão de jovens entre os 14 e 18 anos para determinada área, à excepção dos que já tenham completado a aprendizagem nesse ramo. O contrato tem de ser registado e autorizado oficialmente, de acordo com a lei (normalmente pelo Director do Ensino Técnico e Formação Profissional), Os contratos de aprendizagem para áreas não estipuladas na lei ou para jovens maiores de 18 anos também podem ser registados voluntariamente. A lei contribuiu grandemente para o aumento do número de jovens a receber formação através de programas devidamente organizados. Desde 1976, foram abrangidas 42 áreas e cerca de 50 000 aprendizes foram registados ao abrigo da lei. A lei é actualmente aplicada pelo Sector de Aprendizagem dos Serviços do Ensino Técnico e Formação Profissional. Às atribuições do Sector abrangem a consulta e apoio aos empregadores na formação e colocação dos aprendizes, zelando para que a formação seja convenientemente levada a cabo, ajudando a resolver contenciosos levantados pelos «contratos de trabalho registados»* e coordenando instituições oficiais de formação para assegurar que os aprendizes frequentem o ensino técnico complementar necessário.

9. AUTORIDADES DE FORMAÇÃO E IMPOSTOS PARA A FORMA- ÇÃO O HKTC ajudou a implementar dois vastos programas de formação no âmbito das indústrias de construção civil e vestuário, propostos pelo ITAC e reconhecidos pelo governo. Participou na preparação da legislação que criou em 1975 a Autoridade de Formação para a Indústria de Construção Civil e a Autoridade de Formação para a Indústria do

* Figura legal em vigor em Hong Kong. (N. do T.)

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Vestuário, às quais compete ocuparem-se da formação para as respectivas indústrias, tendo-lhes sido dado poder para aplicar àquelas indústrias um imposto para financiar essa formação. Os impostos foram utilizados na construção, equipamento e manutenção dos centros de formação. O terreno para a construção dos centros foi concedido pelo governo, livre de encargos. Está prevista a construção de mais dois centros e um outro encontra-se já em construção. A Autoridade de Formação para a indústria do vestuário possui dois centros para manufactura de vestuário. Estes programas de formação estavam subjacentes à então política do governo relativa à formação para â indústria que atribuía a responsabilidade pelo financiamento da componente prática da formação aos empregadores, suportando o governo os encargos com a componente tecnológica. Estes programas ajudaram os empregadores das duas indústrias a ultrapassar as dificuldades na promoção da formação fora do posto de trabalho e a repartir mais equitativamente os custos da formação pelos empregadores.

10. MUDANÇA NA POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA FORMA ÇÃO PARA A INDÚSTRIA Na sequência do sucesso daqueles dois programas, surgiram muitas outras propostas idênticas para outras indústrias. O HKTC apoiava e recomendava a implementação destas propostas; contudo, surgiu grande oposição quanto à aplicação de impostos a reverter para a formação, na medida em que a sua colectação se tornava difícil ou nalguns casos mesmo impossível. Por consequência, o HKTC apresentou superiormente, em 1978, uma proposta para a introdução de um imposto uniforme que revertesse para a formação na indústria, à semelhança da taxa ad valorem para a promoção do comércio. O governo submeteu as recomendações do HKTC ao parecer da Comissão Consultiva para a Diversificação (ACD). Esta Comissão, com grande poder — que havia sido criada pelo governo, com uma função consultiva, para analisar se o processo de diversificação da economia poderia ser facilitado mediante a alteração de algumas políticas existentes ou introdução de novas políticas —, concordou com a implementação urgente dos programas de formação recomendados pelo HKTC, mas discordou que fosse aplicado um imposto para os financiar. Em alternativa, a ACD recomendou que a formação para a indústria fosse financiada através das receitas gerais. O governo aceitou a recomendação da ACD mas deu às indústrias do vestuário e construção civil a opção de escolherem ou os programas financiados pelas receitas globais ou a retenção dos seus próprios impostos para financiarem os respectivos programas de formação. Ambos optaram pela última hipótese.

11. O CONSELHO PARA A FORMAÇÃO PROFISSIONAL (VTC), 1982 Resultante da proposta do HKTC sobre a criação de um organismo a título permanente que abrangesse as suas competências e as da ACD, o governo promulgou, em Fevereiro de 1982, a lei que criou o Conselho para a Formação Profissional, que substituiu o HKTC.

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Presidido por um elemento não proveniente da Administração, o Conselho tem funções consultivas e executivas. Podemos resumir essas funções do seguinte modo: a) Aconselhar o Governador sobre medidas que assegurem um sistema global de ensino técnico e formação profissional adequado às necessidades de desenvolvimento de Hong Kong; b) Institucionalizar, desenvolver e operacionalizar programas de formação para níveis profissionais de operário sem especialização (operative), artífice (craft), e operário especializado (technician) e operador de tecnologias específicas (technologist), necessários para manter e elevar a qualidade da indústria; c) Criar, operacionalizar e dar continuidade aos institutos técnicos e aos centros de formação. A subordinação do ensino técnico e da formação profissional a um mesmo órgão tinha como finalidade um melhor entrosamento destas duas componentes essenciais da formação. Simultaneamente à criação do VTC, surgiu o Serviço de Ensino Técnico e Formação Profissional resultante da fusão do Departamento do Ensino Técnico dos Serviços de Educação com o Departamento de Formação Profissional dos Serviços do Trabalho. A grande maioria do pessoal do novo Serviço exerce funções no VTC. O restante pessoal está envolvido na formação de deficientes e na formação-aprendizagem. O responsável pelo Serviço, de acordo com a lei do VTC, acumula o cargo de Director Executivo do Conselho. Para levar a bom termo as suas funções, o VTC criou dezanove Direcções de Formação para abranger a formação da mão-de-obra dos sectores mais importantes da indústria e do comércio e sete Comissões que abarcam áreas de formação comuns a mais de um sector da economia. As responsabilidades cometidas às Direcções de Formação e às Comissões incluem o levantamento previsional de necessidades de mão-de-obra dos respectivos sectores e a recomendação de medidas para lhes dar resposta, a preparação e divulgação de materiais de formação, organização dos centros de formação e outros programas de formação. 12. EVOLUÇÃO DO ENSINO TÉCNICO E DA FORMAÇÃO PROFIS- SIONAL NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS Em finais dos anos sessenta Hong Kong possuía duas Universidades (Hong Kong University e a Chinese University of Hong Kong), uma Escola Técnica Superior (Hong Kong Technical College) e um Instituto Técnico (Morrison Hill Technical Institute). O Hong Kong Technical College tinha 350 matrículas a tempo inteiro e 5 500 alunos à noite em áreas que incluíam a construção civil, engenharia e mecânica, estudos comerciais e têxteis. Os cursos existentes destinavam-se primordialmente ao nível de técnico especializado (technician), tendo outros ainda sido concebidos para satisfazer as habilitações académicas exigidas por instituições profissionais britânicas. O Morrison Hill Technical Institute abriu as suas portas em 1969 e promoveu cursos a tempo inteiro e a meio tempo, quer diurnos quer nocturnos, especialmente para nível artífices (crafts), no âmbito da 138

construção civil, engenharia c estudos comerciais. O número total de matrículas era de 220 a tempo inteiro e 7000 a meio tempo. Por outras palavras, Hong Kong possuía uma infra-estrutura de ensino técnico típica dos países mais desenvolvidos, uma infra-estrutura para «formar generais, mas não soldados». Tal como os resultados dos primeiros inquéritos à mão-de-obra conduzidos pela ITAC indicavam claramente, a infra-estrutura era contrária às necessidades da indústria e inadequada às necessidades de formação de artífices (crafts) e operários especializados (technicians). O quadro da formação profissional para a indústria era igualmente deprimente. Como atrás foi referido, o número de programas de aprendizagem que poderiam ser considerados adequados numa perspec- tiva ocidental restringiam-se aos estaleiros, empresas de serviços públicos e a dois ou três serviços da Administração. A admissão anual de candidatos situava-se entre os duzentos e os trezentos. O nível de conhecimentos técnico-profissionais nas indústrias transfor- madoras era, regra geral, baixo, sendo vital a aquisição de uma formação prática para o seu desenvolvimento técnico. O nível de preparação dos trabalhadores da construção civil era pouco melhor. Não só existia carência de pessoal com nível de artífice (craft) e operário especializado (technician), como havia uma tendência para a situação piorar à medida que a indústria se expandia. As instalações existentes para a formação extra-laboral eram escassas, apenas existiam as que promoviam programas formais de aprendizagem. Ao nível tecnológico, poucas eram as hipóteses dos licenciados de universidades locais conseguirem uma especialização/estágio prático para obterem uma formação completa como engenheiros e um estatuto profissional. Esta era a situação existente à data da nomeação da Comissão Consultiva para a Formação Profissional. Contudo, na sequência das suas recomendações, reforçadas pelas conclusões da primeira série de inquéritos à mão-de-obra e ainda pelo trabalho realizado pelo organismo que lhe sucedeu, o Hong Kong Training Council, o cenário da formação conheceu os seguintes melhoramentos: a) Criação da Escola Superior de Educação de Hong Kong (Hong Kong Technical Teacher's College), em 1974, com a finalidade de formar monitores e professores para o ensino técnico; b) Entrada em funcionamento, em 1975, de dois dos quatro institutos técnicos recomendados pelo ITAC (Kwai Chung e Kwun Tong Technical Institutes) permitindo o aumento do número de lugares disponíveis nos institutos técnicos, atingindo-se os 2 700 a tempo inteiro, 5 200 a meio tempo diurno e 13 400 a meio tempo nocturno; c) O governo promulgou, em 1976, a Lei da Aprendizagem que proporcionou um quadro legal para a formação-aprendizagem, possibili tando não só o aumento do número de estabelecimentos a promover programas organizados de formação-aprendizagem, cerca de 3 429 em 1987, mas também o aumento do número de matriculados para cerca de 4 905 no mesmo ano. d) Ainda em 1976, o governo publicou a Lei da Formação para a Construção Civil e Indústria do Vestuário, criando à luz desta lei as Autoridades de Formação para a Indústria de Construção Civil e Indústria

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do Vestuário, dando-lhes poder para lançar um imposto sobre as respectivas indústrias com vista à construção e financiamento de centros de formação em terrenos concedidos gratuitamente pelo governo. Por volta de 1983, ambas as Autoridades construíram dois centros, proporcionando, no caso da Autoridade de Formação para a Indústria da Construção Civil, l 100 e 120 lugares para os níveis de artífice (craft) e operário especializado (technician), respectivamente, e 980 lugares para formação de operários não especializados (operatives); no caso da Autoridade de Formação para a Indústria do Vestuário, foram criados 8 828 lugares para o nível de operário não especializado (operative) e 207 lugares para a formação básica de operários especializados (technicians) e de artífices (crafts). Após a formação básica, todos os formandos ao nível de artífice (craft) e operário especializado (technician) têm a possibilidade de prosseguir o 2.º ano de uma formação-aprendizagem nas suas áreas de especialização. O terceiro Centro de Formação da Construção Civil ficará pronto em 1989, proporcionando mais 660 lugares para o nível de artífice (craft) e 60 para o nível de operário especializado (technician). e) Em 1979, dois dos quatro institutos técnicos recomendados pelo ITAC (o Ha King Wong e o Lee Wai-Lee) começaram a funcionar, aumentando o número de lugares disponíveis para 3 900 a tempo inteiro, e 13 100 a meio tempo diurno e 18 900 a meio tempo nocturno. Como resultado directo das recomendações do HKTC em 1978 e da Comissão Consultiva para a Diversificação em 1979, o ensino técnico a nível de artífice (craft) e operário especializado (technician) e, duma forma geral, toda a formação profissional, sofreram rápida expansão, sendo criado, em 1982, como atrás referimos, o Conselho para a Formação Profissional que assumiu a responsabilidade pelo ensino técnico e a formação profissional. Em 1986 terminou a construção de mais dois grandes institutos técnicos (em Shatin e Tuen Mun), aumentando o número de vagas a nível de artífice (craft) e de operário especializado (technician): 9 700 a tempo inteiro, 16 000 a meio tempo diurno e 26 000 a meio tempo nocturno. Um ano mais tarde abriu o oitavo e último instituto técnico no âmbito do plano de expansão em curso, tendo também início o alargamento de dois dos institutos técnicos existentes, crescendo o número de vagas para 12 600 a tempo inteiro, 21 400 a meio tempo diurno e 32 000 a meio tempo nocturno. Ainda em 1985, foram concluídos dois grandes complexos para a formação, um em Kowloon Bay e outro em Kwai Chung. Albergavam no seu conjunto dez centros de formação e promoviam a formação inicial pré-profissional para todos os níveis de mão-de-obra — isto é, de operário não especializado (operative) a operador de tecnologias (technologist) — e a formação aperfeiçoamento dos trabalhadores dos ramos automóvel, eléctrico, electrónica, gás, hotelaria, maquinaria e serralharia, plásticos, gráficos, têxteis e soldadura. A partir de 1985, o VTC criou também: um centro de formação para as indústrias de ferramentas de precisão, tendo em vista o aumento da capacidade de produção de ferramentas em Hong Kong; o Centro de Formação para a Indústria de Joalharia; e o Centro de Formação para Trabalhadores da Marinha Mercante, este último para dar formação aos

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trabalhadores da marinha mercante de Hong Kong, a fim de satisfazer as exigências das convenções internacionais. O VTC veio a montar mais três centros para formação pré-profissional e aperfeiçoamento para os sectores dos seguros, da banca e da informática. Em 1990, surgirá, dando continuidade a esta política, um centro de formação para o sector do comércio por grosso/comércio a retalho e importação /exportação. No seu conjunto, os 16 centros têm capacidade de formação a tempo inteiro e a meio tempo para 19 000 formandos. Todos os centros são geridos pelas respectivas Direcções de Formação ou Comissões do VTC. E todos estão equipados para simular verdadeiros postos de trabalho da indústria. Após completar a formação, o formando tem a opção de ser admitido num emprego — no caso de ser operário não especializado (operative) — ou prosseguir um segundo ano de aprendizagem — no caso de ser um artífice (craft) ou um operário especializado (technician). Além dos programas atrás referidos, o VTC lançou em 1983 o programa de formação para técnicos de engenharia e mecânica. A principal finalidade do programa é proporcionar a esses técnicos assim formados e aos estudantes de engenharia oportunidades de formação prática, mediante a frequência de estágios que permitam completar a sua formação geral como engenheiros e satisfazer requisitos do seu estatuto profissional, local e internacionalmente. O programa atinge este objectivo incentivando os empregadores que têm condições para dar formação e não o fazem a ministrá-la e os empregadores que estão a dar formação e têm ainda capacidade para alargar essa acção a aumentarem o número de admissões. Presentemente encontram-se abrangidos por este programa 268 formandos. Por fim, o VTC criou também, em 1985, o Centro para o Desenvolvimento da Gestão com a finalidade de promover a investigação, o desenvolvimento, coordenação e promoção da formação e ensino em gestão, de modo a ir ao encontro das necessidades específicas dos gestores de Hong Kong. Desde o seu início desenvolveu um Programa Geral de Gestão e levou a cabo uma série de outros projectos importantes. O quadro do ensino técnico e formação profissional em 1988 é, em resumo, o seguinte: 8 Institutos Técnicos em pleno funcionamento, proporcionando um total de 12 600 lugares a tempo inteiro (5 600 de nível artífice (craft) e 7 000 no nível de operário especializado (technician), 21 400 a meio tempo diurno — 14 600 do nível artífice (craft) e 6 800 no nível de operário especializado — e 32 000 a meio tempo nocturno — 16 000 no nível de operário especializado (technician) e 16 000 no nível de técnico especializado (higher technidan). Existe ainda um total de cerca de 19 000 lugares para formação fora do local de trabalho (5 676 pré--profissional e 13 324 de aperfeiçoamento) proporcionados pelos 16 Centros de Formação do VTC. Os lugares para a formação pré--profissional acima referidos, juntamente com os 8 615 lugares também para a formação pré-profissional oferecidos pelas Autoridades de Formação para as Indústrias de Construção Civil e Vestuário, correspondem à possibilidade de 14 300 pessoas poderem obter uma qualificação antes de entrarem no mercado de trabalho, como operários não especializados (operatives) ou aprendizes, podendo receber mais formação para ascenderem a operários especializados (technicians) ou artífices (crafts).

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Qual o significado de tudo isto? Significa que Hong Kong possui agora uma infra-estrutura para o ensino técnico que está sintonizada com a estrutura de mâo-de-obra da sua indústria e comércio, isto é, tem agora os meios necessários para formação de níveis mais baixos de mão-de-obra, dos quais a indústria e comércio dependem, assim como de mão-de-obra ao mais alto nível, por exemplo, operadores de tecnologias específicas (technologists). Significa que Hong Kong tem os meios para proporcionar aos jovens uma formação inicial sólida, semelhante à que é dada no primeiro ano de aprendizagem no Ocidente, antes de passarem ao segundo ano de aprendizagem junto dos empregadores, obtendo assim mais formação e experiência nas áreas que escolheram, suprindo a incapacidade da maioria dos empregadores de Hong Kong em proporcionar uma formação sólida de base. O aumento de instalações permitiu que os Institutos Técnicos promovessem a maioria dos cursos de nível de operário especializado (technician) (Certificado e Diploma), concentrando-se nos Politécnicos os cursos de nível mais elevado, a formação de técnicos especializados (higher technicians) e de operadores de tecnologias específicas (technologists) e introduzindo equivalência académica. No final dos anos sessenta, os encargos do governo com o ensino técnico e a formação profissional eram diminutos. No ano económico de 1988-89, o orçamento concedido ao VTC para cobrir as despesas correntes dos Institutos Técnicos e Centros de Formação foi excedentário, H.K. $ 462 milhões, sendo o VTC totalmente financiado pelo governo do Território.

13. EVOLUÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO, DO ENSINO TÉCNICO E DO ENSINO SUPERIOR Em simultâneo com o rápido desenvolvimento da formação profissional e ensino técnico aos níveis de artífice (craft) e de operário especializado (technician) descritos nos parágrafos anteriores, verifica-se também uma rápida evolução no ensino geral e no ensino técnico relativo ao sector terciário. Foi estabelecido o ano de 1971 como meta para se atingir a escolaridade obrigatória, o ensino primário gratuito e universal; em 1972 o ensino secundário foi também sujeito a revisão, dando origem ao White Paper que veio estipular nove anos de escolaridade obrigatória (6 anos de ensino primário e 3 anos de ensino secundário), a vigorar a partir de 1979, reservando bolsas no Form IV para 60% dos alunos saídos dos Form III. Este objectivo foi alcançado um ano mais cedo, em 1978. Foi decidido, em finais dos anos sessenta, construir uma instituição de tipo politécnico para substituir a Escola Superior Técnica de Hong Kong. Decisão concretizada em 1972, quando o Politécnico de Hong Kong foi construído na zona daquela Escola. Em meados dos anos setenta, o Politécnico podia oferecer 4 000 lugares a tempo inteiro e 20 000 a meio tempo. Hoje o Politécnico de Hong Kong dispõe ainda de mais 9 700 lugares a tempo inteiro e 16 400 a meio tempo para cursos de nível mais elevado, para formar técnicos especializados (higher technicians) e opera-

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dores de tecnologias específicas (technologists) (incluindo os que conferem grau académico). Uma das resultantes da revisão do ensino pós-secundário e do ensino superior verificada em 1982, foi a criação, em Outubro de 1984, da Cidade Politécnica, em instalações provisórias. Quando o Politécnico mudar para local definitivo em 1989-90, passará a dispor de 5 800 lugares a tempo inteiro e 11 000 a meio tempo para formar técnicos especializados (higher technicians) e operadores de tecnologias específicas (technologists). As duas Universidades também sofreram grande expansão nas últimas duas décadas. O ensino universitário oferecerá muito mais oportunidades quanfo for chada a terceira Universidade do Território, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, que ficará pronta em 1991-92. Os parágrafos anteriores demonstram o que um governo pode alcançar quando existe determinação em recuperar o tempo perdido e ultrapassar as deficiências do sistema nacional de ensino técnico e formação profissional. Hong Kong demorou a começar, mas a partir do momento em que tomou consciência da necessidade de adoptar certas medidas, não perdeu tempo a implementá-las. Os resultados alcançados nas últimas duas décadas têm sido espectaculares, um recorde de que Hong Kong se pode orgulhar. Os factores que mais contribuiram para o sucesso deste programa foram: a) A formulação e adopção de uma política de formação linear mas sólida que assentou na definição clara das necessidades globais de formação da mão-de-obra e numa clara determinação das entida des responsáveis por cada sector do processo global de formação, (governo e empregadores); b) A concepção e adopção de uma metodologia simples e eficaz de funcionamento capaz de avaliar o presente e fazer previsões futuras quanto às necessidades de mão-de-obra, a nível sectorial e nacional e por nível de função e área de actuação; c) A vontade dos empregadores (empregadores individuais e associa ções patronais) em se associarem ao governo na implementação do programa; d) O compromisso por parte do governo em financiar as acções necessárias para fazer emergir um sistema de ensino técnico e formação. A procura de mão-de-obra não permanece estática. Altera-se consoante a expansão ou contracção da economia ou quando desaparece um sector ou surge um novo no quadro económico. Para ter sucesso, um sistema de planeamento de mão-de-obra e formação tem de ser capaz de identificar e medir as alterações dos índices de procura e ser capaz de lhes dar resposta. Por outras palavras, o sistema tem de ser flexível. Até agora a experiência de Hong Kong tem sido positiva, na medida em que colocou sob a alçada de um mesmo órgão autónomo (o Vocational Training Council) o ensino técnico e a formação profissional, o que contribuiu para este objectivo. Presentemente, o VTC possui um orçamento anual, embora um orçamento para um período mais longo permitisse maior flexibilidade.

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Perspectivando o futuro, Hong Kong tem todas as razões para se mostrar confiante na medida em que desenvolveu um sistema que lhe permitirá enfrentar os desafios do futuro, tendo em conta o compromisso e o apoio permanente do governo, dos empregadores e da comunidade.

(Tradução do inglês de Ida Brandão)

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Documentos

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146 Administração. n.º 3/4. vol. II. 1989-1.° e 2.°, 147-190

ESTATUTO DISCIPLINAR DOS FUNCIONÁRIOS E AGENTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE MACAU

Decreto-Lei n.º 37/88IM de 9 de Maio (Rectificado no B.O. n.º 24, de 13 de Junho)

A revogação do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, operada pelo Decreto-Lei n.º 35/88/M, de 9 de Maio, torna indispensável a aprovação de um novo Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública de Macau, que sistematize os princípios vigentes nesta matéria, adequando-os às soluções perfilhadas no domínio do direito penal e disciplinar vigentes na República. O estudo realizado para este efeito conduziu à actualização e aperfeiçoamento da legislação existente, ao preenchimento de lacunas, ao esclarecimento de dúvidas, muitas vezes com base em princípios latentes no direito anterior sempre que estes não se mostrassem incompatíveis com os princípios constitucionais. O presente Estatuto Disciplinar não se limita, porém, a compilar, aperfeiçoar e sistematizar as leis vigentes, pois remodela profundamente determinadas matérias, tendo em vista a modernização do aparelho jurídico, a adaptação à realidade específica do Território e ao período de transição que se inicia. Dai, que se tenham consagrado soluções que não encontram paralelo no Estatuto Disciplinar da República.

Referem-se, em seguida, algumas dessas inovações: Na perspectiva de moralização da Administração, caracterizam-se os direitos gerais dos funcionários e agentes, prevendo-se o dever específico do pessoal de direcção e chefia, ou equiparado, de proceder dentro da legalidade e justiça para com os seus subordinados; Tipificam-se as circunstâncias que afastam a responsabilidade disciplinar, por excluírem quer a ilicitude da conduta quer a culpa do agente; Consagra-se o uso indistinto das línguas portuguesa e chinesa nos actos de processo e a possibilidade de o arguido se fazer acompanhar de intérprete da sua confiança, caso não domine uma das línguas;

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É de realçar a possibilidade de o arguido constituir advogado em qualquer fase do processo, bem como o alargamento dos prazos sempre que o arguido se encontre ausente do Território; Finalmente, sublinha-se a possibilidade de reabilitação do arguido independente- mente da revisão do processo disciplinar. Nestes termos; Ouvido o Conselho Consultivo; O Encarregado do Governo de Macau decreta, nos termos do n.° l do artigo 13.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei no território de Macau, o. seguinte:

Artigo 1.° (Aprovação)

É aprovado o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Publica de Macau, que faz parte integrante do presente diploma.

Artigo 2° (Entrada em vigor)

1. O presente diploma entra em vigor 15 dias após a sua publicação. 2. Os processos pendentes reger-se-ão pelas normas do Estatuto Disciplinar ora aprovado, nos termos do seu artigo 2."

Aprovado em 30 de Abril de 1988. Publique-se. O Encarregado do Governo, Joaquim Leitão da Rocha Cabral.

CAPÍTULO I PRINCÍPIOS GERAIS

SECÇÃO I ÂMBITO DE APLICAÇÃO E NORMAS SUPLETIVAS

Artigo 1.º (Âmbito de aplicação) 148 1. O presente Estatuto aplica-se a todos os funcionários e agentes dos serviços e

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organismos que integram a Administração Pública do território de Macau, incluindo os autónomos e as câmaras municipais. 2. Este Estatuto é igualmente aplicável ao pessoal da República que exerça funções no Território, ao abrigo do disposto no artigo 69." do Estatuto Orgânico de Macau e do artigo 15." do Decreto-Lei n.º 86/84/M, de 11 de Agosto. 3. A aplicação deste Estatuto é subsidiária relativamente às disposições de estatutos especiais, para os funcionários e agentes a eles sujeitos.

Artigo 2. º (Aplicação no tempo) 1. A incriminação e qualificação das infracções são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto, sem prejuízo de ao arguido poder ser aplicável a lei disciplinar entretanto publicada que concretamente se revele mais favorável, desde que não tenha ainda transitado despacho punitivo. 2. As normas reguladoras da marcha do processo são de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos praticados na vigência da lei anterior e desde que dessa aplicação imediata não resulte uma limitação dos direitos de defesa do arguido ou uma quebra da harmonia e unidade dos actos do processo.

Artigo 3. º (Direito supletivo) Em tudo o que não estiver regulado no presente Estatuto, aplicam-se supletiva-mente as normas de Direito Penal em vigor no território, com as devidas adaptações.

SECÇÃO II DIREITOS E DEVERES

Artigo4. º (Direitos) 1. São direitos gerais comuns dos funcionários e agentes: a) Exercer o cargo em que tiver sido provido e progredir e ser promovido na respectiva carreira, nos termos legais; b) Perceber o respectivo vencimento e demais remunerações e abonos atribuídos ao cargo ou decorrentes da sua condição de funcionário ou agente e ser aposentado nos termos do Estatuto de Aposentação; c) Gozar férias e licenças e dar faltas, nos termos da legislação em vigor; d) Queixar-se contra os seus superiores hierárquicos, quando por estes for praticado contra eles qualquer acto com injustiça, ilegalidade, descortesia manifesta ou de que resulte lesão de direitos; e) Não ser disciplinarmente punido, com pena superior à de repreensão escrita sem ser previamente ouvido em processo disciplinar, gozando de todas as garantias de defesa permitidas no presente Estatuto;

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f) Gozar do respeito, honras e regalias que a lei lhes confere. 2. Constitui, ainda, direito dos funcionários e agentes o não cumprimento de ordens de que resulte a prática de crime.

Artigo5.º (Deveres) 1. Os funcionários e agentes, no exercício da função pública, estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo exercer a sua actividade sob forma digna, contribuindo assim para o prestígio da Administração Pública. 2. Consideram-se, ainda, deveres gerais:

a) O dever de isenção; b) O dever de zelo; c) O dever de obediência; d) O dever de lealdade; e) O dever de sigilo; f) O dever de correcção; g) O dever de assiduidade; h) O dever de pontualidade.

3. O dever de isenção consiste em não retirar vantagens que não sejam devidas por lei, directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções que exercem, actuando com imparcialidade e independência em relação aos interesses e pressões particulares de qualquer índole, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos. 4. O dever de zelo consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho. 5. O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal. 6. O dever de lealdade consiste em desempenhar as suas funções de acordo com as instruções superiores, em subordinação aos objectivos de serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público. 7. O dever de sigilo consiste em guardar segredo profissional relativamente aos factos de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções e que não se destinem a ser do domínio público. 8. O dever de correcção consiste em tratar com respeito e urbanidade os utentes dos serviços públicos, os colegas, os superiores hierárquicos e os subordinados. 9. O dever de assiduidade consiste em comparecer regular e continuadamente ao serviço. 10. O dever de pontualidade consiste em comparecer ao serviço dentro das horas que lhes forem designadas.

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11. É ainda dever do pessoal de direcção e chefia, ou equiparado, proceder dentro do respeito da legalidade e com justiça para com os seus subordinados. 12. Aos funcionários e agentes está vedada a frequência de casas de jogos de fortuna e azar, excepto quando autorizados ou no exercício das suas funções.

SECÇÃO III RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR

Artigo 6. º (Sujeição ao poder disciplinar) 1. O pessoal abrangido pelo presente Estatuto é disciplinarmente responsável perante os seus superiores hierárquicos pelas infracções que cometa, desde a data da posse ou, se esta não for exigida, desde a data da assinatura do contrato ou do início de funções. 2. A cessação de funções e a mudança de situação não impedem a punição por infracções cometidas no exercício dessas funções.

Artigo 7. º (Infracção disciplinar) Considera-se infracção disciplinar o facto culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.

Artigo 8. º (Circunstâncias atenuantes) São circunstâncias atenuantes da infracção disciplinar, entre outras: a) A prestação de mais de K) anos de serviço classificados de «Bom»; b) A confissão espontânea da infracção; c) A prestação de serviços relevantes ao Estado e à República; d) A provocação; e) O acatamento bem intencionado de ordem de superior hierárquico, nos casos em que não fosse devida obediência; f) A ausência de publicidade da infracção: g) A falta de intenção dolosa; h) Os diminutos efeitos que a falta tenha produzido em relação aos serviços ou a terceiros; i) As pequenas responsabilidades do cargo exercido ou a pouca instrução do infractor; j) As que diminuam a culpa do arguido ou a gravidade da infracção.

Artigo 9. º (Circunstâncias agravantes) 1. São circunstâncias agravantes da infracção disciplinar:

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a) A vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudi ciais ao serviço público ou ao interesse geral, independentemente de estes se verificarem; b) A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário ou agente pudesse ou devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta; c) A premeditação; d) O conluio com outros indivíduos para a prática da infracção; e) O facto de ser cometida durante o cumprimento de pena disciplinar ou enquanto decorrer o período de suspensão da pena; f) A reincidência; g) A sucessão; h) A acumulação de infracções; i) A publicidade da infracção quando provocada pelo próprio funcionário ou agente; j) A responsabilidade do cargo exercido e o grau de instrução do infractor; /) O não acatamento de advertência oportuna, feita por outro funcionário ou agente, de que o acto constitui infracção. 2. A premeditação consiste no desígnio formado 24 horas antes, pelo menos, da prática da infracção. 3. A reincidência dá-se quando a infracção é cometida antes de decorrido l ano sobre o dia em que tiver findado o cumprimento da pena imposta por virtude de idêntica infracção. 4. A sucessão dá-se quando a infracção for cometida depois de decorrido l ano sobre o dia a que se reporta o número anterior ou quando as infracções são de natureza diferente. 5. A acumulação dá-se quando duas ou mais infracções são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a anterior.

Artigo 10. º (Circunstâncias dirimentes) São circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar: a) A coacção física, invencível; b) A privação acidental e involuntária do exercício das faculdades intelectuais, no momento da prática do acto ilícito; c) A legítima defesa, própria ou alheia; d) A não exigibilidade de conduta diversa; e) O exercício de um direito ou o cumprimento de um dever.

Artigo 11. º (Exclusão da responsabilidade disciplinar) 1. É excluída a eventual responsabilidade disciplinar do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de superior hierárquico e em

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matéria de serviço, se previamente exigir a sua transmissão ou contirmação por escrito desde que considere: a) Que há motivo plausível para se duvidar da sua autenticidade; b) Que são ilegais; c) Que com evidência se mostra que foram dadas em virtude de qualquer procedimento doloso ou errada informação; d) Que da sua execução se devam recear graves males que o superior não houvesse podido prever. 2. Se a transmissão ou confirmação da ordem por escrito não tiver lugar dentro do tempo em que, sem prejuízo, o cumprimento desta possa ser demorado, o funcionário ou agente comunicará, também por escrito, ao imediato superior hierárquico os termos exactos da ordem recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, executando a ordem seguidamente. 3. Quando a ordem for dada com menção de cumprimento imediato e sem prejuízo do disposto no n.° l, a comunicação referida na parte final do número anterior será efectuada após a execução da ordem. 4. Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.

Artigo 12. º (Extinção da responsabilidade disciplinar) 1. A responsabilidade disciplinar extingue-se pelo cumprimento da pena, por morte, por prescrição do procedimento disciplinar ou por amnistia. 2. A amnistia não destrói os efeitos já produzidos pela aplicação das penas, devendo, porém, ser averbada no processo individual do amnistiado.

SECÇÃO IV PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

Artigo 13.° (Procedimento disciplinar e criminal) 1. O procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal, que possa ser instaurado pelos mesmos factos. 2. Sempre que em processo disciplinar se apure a existência de factos que, à face da lei penal, sejam também puníveis, far-se-á a devida comunicação ao foro competente, para ser instaurado o respectivo procedimento. 3. O despacho de pronúncia em processo de querela, bem como o seu equivalente em processo correccional, sempre que for arguido algum funcionário ou agente e logo que transitem em julgado, devem ser comunicados ao serviço a que o funcionário ou agente pertence, a fim de ser instaurado procedimento disciplinar.

Artigo 14.° (Efeitos da condenação em processo penal) 1. A sentença que condene um funcionário ou agente, por qualquer crime, logo que

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transitada em julgado, determinará também a instauração de procedimento disciplinar, com relação a todos os factos nela dados como provados e que não tenham sido objecto de anterior processo, instaurado nos termos do n.º 3 do artigo anterior, sem prejuízo do que se dispõe no n.° 2 do artigo 54.º 2. O processo disciplinar instaurado com base em decisão penal, ou o que então deva prosseguir os seus termos, será obrigatoriamente instruído com certidão da sentença proferida, após o trânsito em julgado.

Artigo 15. º (Prescrição do procedimento disciplinar) 1. O procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida. 2. Se o facto qualificado de infracção disciplinar for também considerado infracção penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal. 3. Se antes do decurso do prazo prescricional referido no n.º l for praticado relativamente à infracção qualquer acto instrutório com efectiva incidência na marcha do processo, a prescrição conta-se desde o dia cm que tiver sido praticado o último acto. 4. Suspendem o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável.

Artigo 16. º (Conhecimento da infracção) 1. Todos os que tiverem conhecimento de que um funcionário ou agente praticou infracção disciplinar poderão participá-la a qualquer superior hierárquico deste. 2. Os funcionários e agentes devem participar infracção disciplinar de que tenham conhecimento, ou ordenar o respectivo procedimento disciplinar se para tal forem competentes. 3. As participações ou queixas verbais serão sempre reduzidas a auto pelo funcionário que as receber, com menção de todas as circunstâncias conhecidas da prática da infracção, e imediatamente remetidas à entidade competente para instaurar o processo disciplinar, quando se verifique não possuir tal competência a entidade que as recebeu. 4. Quando conclua que a participação ou queixa é infundada e dolosamente apresentada no intuito de prejudicar o funcionário ou agente e contenha matéria difamatória ou injuriosa, a entidade competente para punir participará criminalmente, sem prejuízo de adequado procedimento disciplinar quando o participante ou queixoso seja também funcionário ou agente. Artigo 17. º (Obrigatoriedade de processo disciplinar) 1. As penas de multa e superiores serão sempre aplicadas precedendo o apuramento dos factos em processo disciplinar.

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2. A pena de repreensão escrita será aplicada sem dependência de processo, mas com audiência do infractor, que poderá produzir a sua defesa, por escrito, no prazo de 48 horas, seguindo-se então os ulteriores termos do processo. 3. A requerimento do infractor será lavrado auto das diligências referidas no número anterior, na presença de duas testemunhas por si indicadas.

Artigo 18. º (Tipos de processo) 1. O processo disciplinar pode ser comum ou especial. 2. O processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei e o comum a todos os casos a que não corresponda processo especial. 3. Os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhes são próprias e, na parte nelas não previstas, pelas disposições respeitantes ao processo comum. 4. Nos casos omissos, pode o instrutor adoptar as providências que se afigurem convenientes para a descoberta da verdade, em conformidade com os princípios gerais do direito processual penal.

Artigo19. º (Forma dos actos) 1. O processo disciplinar é sumário e a forma dos actos, quando não esteja expressamente regulada na lei, ajustar-se-á ao indispensável para a descoberta da verdade, dispensando-se tudo o que for inútil, impertinente e dilatório. 2. No processo disciplinar podem ser usadas, indiscriminadamente, as línguas portuguesa e chinesa. 3. Na inquirição de testemunhas e audição do arguido, quando não dominem a língua portuguesa, será nomeado intérprete-tradutor, que poderá ser o secretário do processo caso domine ambas as línguas. 4. Sem prejuízo do disposto no n." 5, o intérprete será nomeado pelo instrutor do processo. 5. O arguido poderá fazer-se acompanhar de intérprete da sua confiança.

Artigo 20. º (Natureza secreta do processo) 1. O processo disciplinar tem natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao arguido, a seu requerimento, o exame do processo, sob condição de não divulgar o que dele conste. 2. O indeferimento do requerimento a que se refere o número anterior deve ser devidamente fundamentado e comunicado ao arguido no prazo de 3 dias. 3. Não poderá ser recusada a passagem de certidões quando estas se destinem à defesa ou promoção de legítimos interesses e em face de requerimento, especificando o fim a que se destinam, podendo ser proibida, sob pena de desobediência, a sua publicação. 4. A passagem das certidões atrás referidas é autorizada pelo instrutor, até à

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conclusão da investigação. 5. Àquele que divulgar matéria confidencial, nos termos deste artigo, será instaurado, por esse facto, processo disciplinar, sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso couber.

Artigo 21.º (Constituição de advogado) 1. O arguido pode constituir advogado em qualquer fase do processo. 2. O defensor tem os direitos que a lei atribui ao arguido, salvo os que forem reservados pessoalmente a este.

Artigo22.° (Apensação de processos) 1. Para todas as infracções cometidas por um funcionário ou agente será organizado um só processo, mas, tendo-se instaurado diversos, serão apensados ao da infracção mais grave e, no caso de a gravidade ser a mesma, àquele que primeiro tiver sido instaurado. 2. Quando o funcionário ou agente desempenhe funções em vários serviços ou organismos por acumulação ou inerência legal e lhe for instaurado processo disciplinar num deles, será o facto comunicado aos outros serviços ou organismos, para os efeitos do n.° 1. Artigo 23.º (Admissão a concurso do arguido) 1. Será admitido a concurso o funcionário ou agente arguido em processo disciplinar que tenha direito a ele concorrer, ainda que preventivamente suspenso. 2. Caso o funcionário ou agente referido no número anterior fique colocado no concurso em situação de ser provido, o provimento suspender-se-á, reservando-se a respectiva vaga, até decisão final. 3. Caso não haja aplicação de pena ou esta não obste ao provimento ou, em caso de concurso de acesso, não implique perda de antiguidade, o funcionário ou agente será normalmente provido, indo ocupar o seu lugar na lista de antiguidade e com direito a receber as diferenças de remuneração. 4. Observar-se-á a mesma orientação, com as devidas adaptações, em quaisquer outros casos de mudança de situação jurídico-funcional do funcionário ou agente.

Artigo 24.° (Nulidades) 1. É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos preceitos legais infringidos, bem corno a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade. 2. É equiparada à nulidade referida no número anterior a falta de audiência, na fase de defesa, das testemunhas indicadas pelo arguido, nos termos do disposto no artigo 61.°

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3. As restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até decisão final.

Artigo 25.° (Isenção de custas e selos) Nos processos regulados neste Estatuto não são devidos custas e selos.

CAPÍTULO II PENAS DISCIPLINARES E SEUS EFEITOS

SECÇÃO I PENAS DISCIPLINARES

Artigo 26.° (Escala das penas) 1. As penas aplicáveis aos funcionários e agentes abrangidos pelo presente Estatuto, pelas infracções disciplinares que cometerem, são: a) Repreensão escrita; b) Multa; c) Suspensão; d) Aposentação compulsiva; e) Demissão.

2. As penas aplicáveis a funcionários ou agentes aposentados constam do artigo 32.º 3. As penas são sempre registadas no processo individual do funcionário ou agente.

Artigo27.º (Repreensão escrita) A pena de repreensão escrita consiste em mero reparo pela infracção praticada.

Artigo 28.º (Multa) 1. A pena de multa será fixada em quantia certa e não poderá exceder o quantitativo correspondente a 30 dias de vencimento e outras remunerações certas e permanentes, com excepção dos subsídios de família e de residência, devidos ao funcionário ou agente à data da notificação do despacho condenatório. 2. Se o arguido punido em multa ou na reposição de qualquer quantia não pagar o que for devido no prazo de 30 dias a contar da notificação, ser-lhe-á a importância respectiva descontada nos vencimentos, emolumentos ou pensões que haja de perceber.

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3. O desconto previsto no número anterior será feito em prestações mensais não excedentes à quinta parte dos referidos vencimentos, emolumentos ou pensões, segundo decisão da entidade que julgar o processo, a qual fixará o montante de cada prestação. 4. O disposto nos números anteriores não prejudica a execução, quando seja necessária, a qual seguirá os termos do processo especial de execução fiscal servindo de título exequível a certidão do despacho condenatório.

Artigo 29. º (Suspensão) 1. A pena de suspensão consiste no afastamento do funcionário ou agente do serviço durante o período de duração da pena. 2. A pena de suspensão tem uma duração variável entre os seguintes escalões:

a) 10 a 120 dias; b) 121 a 240 dias; c) 241 dias a l ano.

Artigo 30. º (Aposentação compulsiva) A pena de aposentação compulsiva consiste na imposição da passagem do funcionário ou agente à situação de aposentado.

Artigo 31. º (Demissão) A pena de demissão consiste no afastamento definitivo do funcionário ou agente do serviço, fazendo cessar o vínculo funcional.

Artigo 32. º (Penas aplicáveis a aposentados) 1. Para os funcionários e agentes aposentados a pena de suspensão será substituída pela perda de pensão por igual tempo e a de multa não poderá exceder o quantitativo correspondente a 20 dias de pensão. 2. A pena de aposentação compulsiva será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de 2 anos. 3. A pena de demissão determina a suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos.

Artigo 33. º (Prescrição das penas) Sem prejuízo do disposto no n. º 2 do artigo 50. º, as penas disciplinares prescrevem nos prazos seguintes, contados da data em que a decisão se tornou irrecorrível:

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a) 6 meses, para as penas de repreensão escrita e de multa; b) 3 anos, para a pena de suspensão; c) 5 anos, para as penas de aposentação compulsiva e de demissão.

SECÇÃO II EFEITOS DAS PENAS

Artigo 34.° (Princípio geral) 1. As penas disciplinares apenas têm os efeitos expressamente declarados na lei. 2. Os efeitos das penas produzem-se a partir da data em que tiver início a sua execução. 3. Salvo o disposto no número seguinte, as penas disciplinares não carecem de publicação no Boletim Oficial c a sua execução inicia-se no dia seguinte àquele em que for dado conhecimento do seu teor ao funcionário ou agente punido. 4. No caso de notificação da decisão por aviso publicado no Boletim Oficial, prevista na parte final do n.º l do artigo 65.º, o arguido considera-se notificado 15 dias após a publicação.

Artigo 35. º (Suspensão) 1. A pena de suspensão determina a impossibilidade do exercício do cargo ou função, com suspensão do vínculo respectivo, e a perda, para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação, do direito à contagem de tantos dias quantos tenha durado a suspensão. 2. A suspensão determina, ainda, desconto nas férias de tantos dias quantos os da sua duração ou, se for superior a 30 dias, a perda da faculdade de as gozar no período de l ano contado desde o termo do cumprimento da pena. 3. A pena de suspensão de 121 a 240 dias implica, para além dos efeitos declarados nos números anteriores, a impossibilidade de progressão e promoção durante l ano, contado do termo do cumprimento da pena, devendo o funcionário ou agente, no regresso à actividade, ser colocado, sempre que possível, em diferente subunidade orgânica do mesmo serviço. 4. A pena de suspensão de 241 dias a l ano implica, para além dos efeitos declarados nos n." l e 2, a impossibilidade de progressão e promoção durante 2 anos, contados do termo do cumprimento da pena. observando-se no regresso do funcionário ou agente à actividade o disposto na parte final do número anterior. 5. No caso de suspensão de duração igual ou superior a 60 dias, o lugar pode ser, durante aquele período, provido interinamente. 6. A aplicação da pena a que se refere o presente artigo nào prejudica o direito dos funcionários e agentes à assistência médica e à percepção dos subsídios de família e residência.

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Artigo 36. º (Aposentação compulsiva) 1. A pena de aposentação compulsiva implica para o funcionário ou agente a aposentação obrigatória, nos termos e nas condições exigidas no Estatuto de Aposentação. 2. Os funcionários ou agentes aposentados compulsivamente serão imediatamente afastados do serviço e só perceberão a respectiva pensão decorridos 18 meses sobre a data da notificação da pena.

Artigo 37. º (Demissão) A pena de demissão importa a perda de todos os direitos de funcionário ou agente.

SECÇÃO III FACTOS A QUE SÃO APLICÁVEIS AS PENAS

Artigo 38. º (Repreensão escrita) A pena de repreensão escrita será aplicável por faltas leves, que não tenham trazido prejuízo ou descrédito para o serviço.

Artigo 39.º (Multa) 1. A pena de multa será aplicável a casos de negligência e de má compreensão dos deveres funcionais. 2. A pena será, nomeadamente, aplicável aos funcionários e agentes que:

a) Na arrumação dos livros e documentos a seu cargo não observarem a ordem estabelecida superiormente ou que na escrituração cometerem erros por negligência; b) Desobedecerem às ordens dos superiores hierárquicos, sem consequências importantes; c) Deixarem de participar às autoridades competentes infracções de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções; d) Não usarem de correcção para com os superiores hierárquicos, subordinados, colegas ou para com o público; e) Pelo defeituoso cumprimento ou desconhecimento das disposições legais e regulamentares ou das ordens superiores, demonstrarem falta de zelo pelo serviço; r) Exercerem actividades privadas por si ou por interposta pessoa, sem prévia participação e ou autorização do superior hierárquico, estando obrigados a fazê-lo ou a obtê-la.

Artigo 40.º (Suspensão) 1. A pena de suspensão será aplicável aos casos que revelem culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais.

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2. A pena será, nomeadamente, aplicável aos funcionários e agentes que: a) Derem informação errada a superior hierárquico nas condições referidas no n." l deste artigo; b) Comparecerem ao serviço em estado de embriaguez ou sob o efeito de estupefacientes ou drogas equiparadas; c) Deixarem de passar dentro dos prazos legais, sem justificação, as certidões que lhes sejam requeridas; d) Demonstrarem falta de conhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço, com prejuízo para a Administração ou para terceiros; e) Faltarem ao serviço, sem justificação, de 5 a 9 dias seguidos ou 10 a 19 interpolados, num mesmo ano civil; f) Forem encontrados em casas de jogos de fortuna e azar, fora dos casos autorizados por lei e tendo já sido punidos por idêntica infracção; g) Prestarem falsas declarações relativas à justificação de faltas; h) Dispensarem tratamento de favor a determinada pessoa, empresa ou organização; i) Deixarem de participar às autoridades competentes infracções graves, cometidas por subordinado, de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções; j) Cometerem inconfidência, revelando factos ou documentos não destinados a divulgação relacionados com o funcionamento dos serviços ou da Administração em geral; I) Desobedecerem gravemente ao superior hierárquico, designadamente de modo escandaloso, perante o público ou em lugar aberto ao mesmo; m) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, fora do serviço, por motivos relacionados com o exercício das suas funções. 3. Nas hipóteses referidas nas alíneas a) a f). inclusive, do número anterior, a pena aplicável será fixada entre 10 a 120 dias e nos restantes casos, de 121 a 240 dias. 4. A pena de suspensão de 241 dias a l ano será aplicável nos casos de procedimento que atente gravemente contra a dignidade e prestígio do titular do cargo ou da função, sendo aplicável aos funcionários ou agentes que, designadamente;

a) Receberem fundos, cobrarem receitas ou recolherem verbas de que não prestem contas nos prazos legais; b) Violarem, com culpa grave ou dolo, o dever de isenção no exercício das suas funções; c) Acumularem lugares ou cargos públicos, ou exercerem actividade privada por si ou interposta pessoa, nos casos proibidos por lei; d) Prestarem falsas declarações em processo disciplinar; e) Usarem ou permitirem que outrem use ou se sirva de quaisquer bens pertencentes à Administração, cuja posse ou utilização lhes seja confiada, para fim diferente daquele a que SÊ destinam; r) Faltarem ao serviço, sem justificação, 10 a 19 dias seguidos ou 20 a 29 interpolados num mesmo ano civil.

Artigo 41. º (Aposentação compulsiva ou demissão) 1. As penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral,

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às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional. 2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente: a) Agredirem, injuriarem ou desrespeitarem gravemente superior hierárquico, colega, subordinado ou terceiro, nos locais de serviço ou em serviço; b) Praticarem actos de insubordinação ou de indisciplina graves ou incitarem à sua prática; c) No exercício das suas funções praticarem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios constitucionais; d) Praticarem ou tentarem praticar qualquer acto que lese ou contrarie os superiores interesses do Estado ou do Território; e) Participarem infracção disciplinar de algum funcionário ou agente, com falsidade ou falsificação, quando daí resulte a injusta punição do denunciado; f) Dentro do mesmo ano civil derem 20 faltas seguidas ou 30 interpoladas, sem justificação; g) Revelem comprovada incompetência profissional; h) Violarem segredo profissional ou cometerem inconfidências de que resultem prejuízos materiais ou morais para a Administração ou para terceiro; i) Em resultado do lugar que ocupem, aceitarem ilicitamente ou solicitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente; j) Comparticiparem ilicitamente em oferta ou negociações de emprego público; l) Forem encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos; m) Tomarem parte ou interesse, directamente ou por interposta pessoa, em qualquer contrato celebrado ou a celebrar com qualquer organismo ou serviço da Administração; n) Com intenção de obterem para si ou para terceiro qualquer benefício ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar; o) Forem condenados, por sentença transitada em julgado, como autores ou cúmplices de qualquer dos crimes que obstam ao provimento em cargo público ou, por qualquer forma, revelem indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício das funções. 3. A pena de aposentação compulsiva só poderá ser aplicada se o funcionário ou agente reunir as condições exigidas pelo Estatuto de Aposentação, na ausência do que lhe será aplicada a pena de demissão.

Artigo 42.° (Concurso de infracções e critério de graduação das penas) 1. As penas graduar-se-ão de acordo com as circunstâncias atenuantes ou agravantes que no caso concorram e atendendo nomeadamente ao grau de culpa do infractor e à respectiva personalidade. 2. Ponderado o especial valor das circunstâncias atenuantes ou agravantes que se 162

provem no processo, poderá ser especialmente atenuada ou agravada a pena, aplicando-se pena de escalão mais baixo ou de escalão superior do que ao caso caberia. 3. Havendo reincidência, a pena a aplicar, quando igual ou superior a multa, será obrigatoriamente agravada para a de escalão imediatamente superior. 4. Não pode aplicar-se ao mesmo funcionário ou agente mais de uma pena disciplinar por cada infracção ou pelas infracções apreciadas em mais de um processo quando apensados nos termos do artigo 22. º 5. A decisão punitiva deve referir expressamente os fundamentos de facto e de direito da pena aplicada.

Artigo 43.° (Suspensão das penas) 1. As penas disciplinares previstas nas alíneas a) a c) do n.º l do artigo 26.° podem ser suspensas quando, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, se concluir que a censura do facto e a ameaça de pena bastarão para satisfazer as necessidades de prevenção e reprovação da infracção. 2. O tempo de suspensão não será inferior a l ano nem superior a 3, contando-se estes prazos desde a data da notificação ao arguido da respectiva decisão. 3. A suspensão é revogada se o funcionário ou agente vier a cometer, no seu decurso, nova infracção disciplinar pela qual venha a ser punido.

CAPÍTULO III COMPETÊNCIA DISCIPLINAR

Artigo 44.° (Princípio geral) 1. A competência disciplinar dos superiores envolve sempre a dos seus inferiores hierárquicos dentro do serviço. 2. É competente para instaurar procedimento disciplinar a entidade responsável pelo serviço a que o infractor está afecto no momento da prática da infracção, cabendo-lhe também proferir a decisão respectiva, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.

Artigo 45. º (Pluralidade de arguidos) 1. Quando vários funcionários ou agentes de um mesmo serviço sejam arguidos da prática de factos entre si conexos e a que correspondam diferentes penas, será

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competente para instaurar o procedimento disciplinar a entidade que tiver poderes para aplicar a pena mais elevada. 2. Se os arguidos pertencerem a diversos serviços, deferir-se-á a competência ao Governador, independentemente das penas aplicáveis.

Artigo 46.º (Repreensão escrita) A aplicação da pena de repreensão escrita é da competência de todos os funcionários e agentes em relação aos que lhes estejam hierarquicamente subordinados.

Artigo 47.º (Multa) A aplicação da pena de multa é da competência dos directores dos serviços ou titulares de cargos equiparados e nas câmaras municipais far-se-á nos termos do disposto no artigo 49.°

Artigo 48.º (Suspensão, aposentação compulsiva e demissão) A aplicação das penas de suspensão, aposentação compulsiva e demissão é da competência do Governador.

Artigo 49.° (Aplicação de penas aos funcionários das câmaras municipais) 1. Os processos disciplinares, cuja resolução seja da competência das câmaras municipais, entrarão na ordem do dia da primeira sessão ordinária a realizar, salvo se a sua realização não ocorrer no prazo de S dias, contado a partir da sua recepção, caso em que será convocada sessão extraordinária, a efectuar até ao sexto dia, a qual será destinada à sua apreciação e consequente deliberação. 2. As sanções que sejam da competência da entidade referida no número anterior serão aplicadas por deliberação exarada na respectiva acta. 3. Sempre que se entenda que a pena a aplicar é da competência do Governador, remeter-se-á o processo a este, fazendo-o acompanhar da certidão da acta da reunião na parte respeitante à deliberação tomada naquele sentido e aos respectivos fundamentos.

Artigo50.º (Execução das penas) 1. A competência para a execução das penas pertence ao serviço a que os funcionários ou agentes punidos se encontrem adstritos na altura dessa execução.

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2. As penas aplicadas a funcionários ou agentes ausentes em parte incerta serão executadas desde que estes voltem à actividade ou passem à situação de aposentados.

CAPÍTULO IV PROCESSO DISCIPLINAR COMUM

SECÇÃO I INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO E NOMEAÇÃO DO INSTRUTOR

Artigo 51.º (Despacho liminar) 1. A entidade competente para instaurar o processo disciplinar, logo que seja recebido auto, participação ou queixa, procederá à instauração do procedimento respectivo, salvo se houver lugar ao arquivamento. 2. O arquivamento tem lugar quando não for admissível o procedimento. 3. No caso de entender que não há lugar a procedimento disciplinar e que a pena aplicável aos factos constantes do auto, participação ou queixa excede a sua competência, deverá submeter o assunto a decisão da entidade que for competente para a aplicação da pena.

Artigo 52.º (Instrutor) 1. A entidade que instaurar processo disciplinar deve nomear um instrutor, escolhido de entre funcionários ou agentes com categoria superior à do arguido, ou com a mesma categoria mas maior antiguidade, e de preferência com adequada formação jurídica. 2. O Governador poderá, quando as circunstâncias do processo assim o exigirem, nomear para instrutor funcionário ou agente de serviço diverso daquele a que pertencer o arguido, ou indivíduo não vinculado à Administração. 3. O instrutor pode ser substituído em qualquer fase do processo, ocorrendo impedimento prolongado ou outro motivo relevante, por despacho da entidade que o nomeou. 4. O instrutor pode escolher secretário da sua confiança e bem assim requisitar a colaboração de indivíduos qualificados, sempre que o considere necessário. 5. As funções de instrutor preferem a quaisquer outras que o funcionário ou agente nomeado tenha a seu cargo, podendo determinar-se, quando tal seja exigido pela natureza e complexidade do processo, que aquele fique exclusivamente adstrito àquela função. 6. O instrutor e o secretário, sendo funcionários ou agentes, terão direito a uma gratificação diária, nos termos legais.

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Artigo 53. º (Recusa do instrutor) 1. Está impedido de exercer a função de instrutor aquele cuja intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, por haver motivo sério susceptível de gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade e, nomeadamente, pelos fundamentos seguintes:

a) Ter sido, directa ou indirectamente, ofendido ou prejudicado pela infracção; b) Ser parente na linha recta ou até ao terceiro grau na linha colateral do arguido, do participante, ou de qualquer funcionário, agente ou particular ofendido, ou de alguém que com os referidos indivíduos viva em economia comum; c) Estar pendente em tribunal processo em que o instrutor e o arguido ou o participante sejam partes; d) Ser credor ou devedor do arguido ou do participante ou de algum seu parente na linha recta ou até ao terceiro grau na linha colateral; e) Haver inimizade grave ou grande intimidade entre o arguido e o instrutor, ou entre este e o participante ou ofendido; r) Ser o instrutor subordinado ou inferior hierárquico do ofendido; g) Ter já dado parecer ou informação sobre o enquadramento jurídico de factos praticados pelo arguido, relevantes para o processo.

2. Quando o instrutor nomeado se encontrar nas circunstâncias mencionadas no número anterior poderá requerer escusa dessas funções ou ser recusado a requeri- mento do arguido ou do participante. 3. Os requerimentos a que se refere o número anterior serão apresentados no prazo de 48 horas, contadas do conhecimento da nomeação do instrutor ou do facto que serve de fundamento à recusa e com eles serão oferecidos todos os meios de prova. 4. Produzida a prova referida, a entidade que tiver mandado instaurar o processo disciplinar decide, no prazo de 48 horas, se há lugar à substituição de instrutor, procedendo, se for caso disso, à respectiva designação. 5. Da decisão proferida sobre os requerimentos de escusa ou recusa cabe recurso hierárquico, nos termos do n." 3 do artigo 67.° 6. Os actos praticados pelo instrutor que tiver sido declarado impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

SECÇÃO II INSTRUÇÃO

Artigo 54. º (Início e termo da instrução) l. A instrução do processo disciplinar deve iniciar-se no prazo máximo de 5 dias, contados da data da comunicação ao instrutor do despacho que o mandou instaurar, e ultimar-se no prazo de 45 dias, que só pode ser excedido por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor, e em casos de comprovada complexidade.

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2. Nos processos disciplinares instaurados nos termos do n." 3 do artigo 13.º, o prazo para a sua ultimação e decisão final pode ser suspenso até que transite em julgado a sentença que vier a ser proferida pelo Tribunal, se assim o propuser o instrutor ou a entidade que o mandou instaurar e for autorizado por despacho do Governador. 3. O instrutor deve informar a entidade que o tiver nomeado, bem como o arguido e o participante, da data em que der início à instrução do processo, comunicando ainda a estes últimos a data do despacho da sua nomeação.

Artigo 55. º (Instrução do processo) 1. A instrução compreende todo o conjunto de averiguações e diligências destinadas a apurar a existência de uma infracção disciplinar e a determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, recolhendo todas as provas em ordem a proferir uma decisão fundamentada. 2. O instrutor procederá oficiosamente a todas as diligências necessárias às averiguações a que se refere o número anterior, ouvindo para tanto o participante, as testemunhas por este indicadas até um máximo de três por cada facto e, sem limitação de número, as demais que julgar necessárias, procedendo a exames e outras diligências de prova e fazendo juntar aos autos o certificado do registo disciplinar do arguido. 3. O instrutor deverá obrigatoriamente ouvir o arguido em declarações, até ao termo da instrução e poderá acareá-lo com as testemunhas ou com o participante, podendo ele fazer-se assistir do seu defensor sempre que assim o pretender. 4. O arguido poderá, no exercício do seu direito de defesa, requerer ao instrutor que promova as diligências para que tenha competência e que considere essenciais para a descoberta da verdade.

5. O requerimento referido no número anterior só será indeferido quando o instrutor, em despacho fundamentado, o declarar meramente dilatório por considerar ser suficiente a prova produzida. 6. As diligências que tiverem de ser feitas fora de Macau podem ser requisitadas, nomeadamente, por ofício, telegrama ou telex, à competente autoridade administra tiva ou policial. 7. Quando o arguido seja acusado de incompetência profissional, poderá o instrutor convidá-lo a executar quaisquer trabalhos segundo o programa traçado por dois indivíduos qualificados, que depois darão os seus laudos sobre as provas prestadas e a competência do arguido. 8. Os indivíduos referidos no número anterior serão indicados pela entidade que tiver mandado instaurar o processo disciplinar, e os trabalhos a fazer pelo arguido serão de natureza dos que habitualmente competem a funcionários e agentes do mesmo serviço e categoria.

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Artigo 56.º (Providências cautelares) Compete ao instrutor tomar, desde a sua nomeação, as providências destinadas a acautelar a recolha dos meios de prova, nomeadamente ordenando a apreensão dos objectos e a conservação dos vestígios que respeitem à prática da infracção.

Artiogo 57. º (suspensão preventiva) 1. Sob proposta do instrutor ou da entidade que mandou instaurar o processo disciplinar e mediante despacho do Governador, os funcionários e agentes arguidos em processo disciplinar por infracção punível com pena de suspensão de 241 dias a l ano, aposentação compulsiva ou demissão, podem ser preventivamente suspensos do exercício das suas funções, sem perda do vencimento de categoria, até decisão final do processo mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade. 2. O prazo de 90 dias, mencionado no número anterior, será alargado por todo o tempo que se mostrar necessário sempre que o processo aguarde a sua ultimação e decisão final, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 54.º 3. A perda do vencimento de exercício será reparada ou levada em consideração na decisão final do processo.

Artigo 58. º (Arquivamento ou acusação) 1. Realizadas as diligências previstas no artigo 55.° que houverem de ser efectuadas, se o instrutor entender que os factos constantes dos autos não constituem infracção disciplinar, que não foi o arguido o agente da infracção ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou outro motivo, elaborará no prazo de 5 dias o seu relatório e remetê-lo-á imediatamente, com o respectivo processo, à entidade que o tiver mandado instaurar, propondo o arquivamento. 2. Não se verificando os pressupostos referidos no número anterior, o instrutor deduzirá, no prazo de 10 dias, a acusação, articulando discriminadamente:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração dos factos que justificam a aplicação ao arguido de uma sanção disciplinar, descrevendo, com o rigor possível, o lugar, o tempo e a motivação para a sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias atenuantes ou agravantes relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A menção da delegação do poder de punir quando exista, ainda que publicada no Boletim Oficial;

d) A indicação das disposições legais infringidas; e) A pena ao caso aplicável. 3. Não podem ser consideradas no despacho punitivo circunstâncias agravantes que não tenham sido incluídas na acusação, excepto as que resultarem do registo 168

disciplinar do arguido. 4. Os prazos referidos nos números anteriores, atendendo à complexidade do processo, poderão ser prorrogados por despacho da entidade que o mandou instaurar, sob proposta fundamentada do instrutor.

SECÇÃO III DEFESA DO ARGUIDO

Artigo 59.º (Notificação do arguido) 1. Da acusação extrair-se-á cópia que será entregue ao arguido, mediante a sua notificação pessoal no prazo de 48 horas ou, não sendo possível, por carta registada com aviso de recepção, marcando-se-lhe um prazo de 10 a 20 dias para apresentar a sua defesa escrita. 2. Se não for possível a notificação nos termos do número anterior, designadamente por o arguido se encontrar ausente em parte incerta, será publicado aviso no Boletim Oficial, e em dois jornais diários, um em língua portuguesa e outro em língua chinesa, notificando-o para apresentar a sua defesa em prazo não superior a 45 dias, contados da data da publicação. 3. O aviso a que se refere o número anterior só deverá conter menção de que se encontra pendente contra o arguido processo disciplinar, do local onde o pode consultar, de que pode pedir cópia da acusação contra ele deduzida, e do prazo fixado para apresentar a sua defesa. 4. Quando o processo seja de comprovada complexidade, ou quando o arguido se encontre ausente do Território, poderá o instrutor conceder prazo superior ao do n.° l, até ao limite de 45 dias, depois de autorizado nos termos da parte final do n.º l do artigo 54.°

Artigo 60.º (Exame do processo e apresentação da defesa) 1. Durante o prazo para a apresentação da defesa, e para esse efeito, podem o arguido e o advogado constituído examinar o processo a qualquer hora de expediente, podendo este requerer para o fazer no seu escritório por prazo não superior a 48 horas. 2. Na defesa escrita deve o arguido expor os factos e as razões da sua defesa, bem como juntar documentos, indicar o rol de testemunhas e requerer as diligências de prova. 3. Quando a resposta revelar ou se traduzir em infracções estranhas à acusação e que não interessem à defesa, será autuada e dele se extrairá certidão, a qual será considerada como participação para efeitos de novo processo. 4. A falta de resposta, dentro do prazo marcado, vale como efectiva audiência do arguido para todos os efeitos legais.

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Artigo 61. º (Testemunhas de defesa) 1. O número de testemunhas a ouvir por cada facto não pode exceder três. 2. No caso de testemunhas indicadas pelo arguido não residirem no local onde corre o processo, e o arguido não se comprometer a apresentá-las, serão estas ouvidas, nos termos do n." 6 do artigo 55.º, procedendo-se neste caso à notificação do arguido.

Artigo 62.º (Produção da prova oferecida pelo arguido) 1. O instrutor deverá inquirir as testemunhas e ordenar a produção dos demais elementos de prova requeridos pelo arguido, no prazo de 20 dias, o qual poderá ser prorrogado até 45 dias, quando assim o exigirem as diligências previstas na parte final do n.º 2 do artigo anterior. 2. Depois de produzida a prova oferecida pelo arguido, pode ainda o instrutor ordenar novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclareci mento da verdade. 3. Efectuadas as diligências a que se refere o número anterior e caso se apurem novas infracções, ordenar-se-á relativamente a elas a instauração do competente procedimento disciplinar.

SECÇÃO IV RELATÓRIO E DECISÃO

Artigo 63.º (Relatório) 1. Finda a instrução do processo, e mostrando-se junto ao mesmo registo disciplinar do arguido, o instrutor elaborará, no prazo de 10 dias, um relatório completo e conciso donde conste a descrição dos factos que integram as infracções, sua qualificação e gravidade, importâncias que porventura haja a repor e seu destino, e bem assim a pena que entender justa, ou a proposta para que os autos se arquivem por ser insubsistente a acusação. 2. A entidade a quem incumbir a decisão poderá, quando a complexidade do processo o exigir, prorrogar o prazo fixado no número anterior, por mais 10 dias. 3. O processo, depois de relatado, será remetido no prazo de 24 horas à entidade que o tiver mandado instaurar, a qual, se não for competente para decidir, o enviará dentro de 2 dias a quem deva proferir a decisão.

Artigo 64. º (Decisão) 1. A entidade competente, depois de analisar o processo, pode no prazo de 10 dias ordenar a realização de diligências complementares de prova no prazo que para tal estabeleça. 2. No mesmo prazo de 10 dias pode a entidade competente solicitar ou determinar a emissão de parecer por parte do superior hierárquico do arguido ou de organismos

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adequados dos serviços a que o mesmo pertença, devendo tal parecer ser emitido no prazo de 15 dias. 3. A decisão do processo, que será sempre fundamentada, deverá ser proferida no prazo máximo de 20 dias, contados das seguintes datas: a) Da recepção do processo, quando não ordenar novas diligências nem solicitar parecer; b) Do termo do prazo que marcar, quando utilize a faculdade prevista no n.º l, ordenando diligências complementares de prova; c) Do termo do prazo de 15 dias fixado no n.º 2 para emissão do parecer referido no mesmo número.

Artigo 65.º (Notificação da decisão) 1. A decisão será notificada ao arguido no próprio processo ou, com as devidas adaptações, nos termos do artigo 59.° 2. A entidade que tiver decidido o processo poderá autorizar que a notificação do arguido seja protelada até ao máximo de 30 dias, se se tratar de pena que implique suspensão ou cessação de funções, desde que da imediata execução da decisão disciplinar resultem para o serviço inconvenientes mais graves do que os decorrentes da permanência no desempenho do cargo do funcionário ou agente punido.

SECÇÃO V RECURSOS

Artigo 66.° (Espécies de recurso) Da decisão proferida em processo disciplinar cabe recurso hierárquico e recurso contencioso. Artigo67.° (Recurso hierárquico) 1. Dos despachos proferidos antes da decisão final, que não sejam de mero expediente, cabe recurso hierárquico a interpor para o Governador, no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento, ou de 20 dias após a publicação do aviso a que se refere o n.° 2 do artigo 59.° 2. Os recursos mencionados no número anterior têm efeito meramente devolutivo, devendo subir com o que seja interposto da decisão final, nos casos em que seja aplicada a pena de repreensão escrita ou de multa, ou juntamente com o relatório do instrutor, nos demais casos, excepto se a sua retenção os tornar inúteis, caso em que subirão imediatamente, nos termos do n.° 4. 3. Das decisões que apliquem penas disciplinares de repreensão escrita ou de multa e das que não admitam a escusa ou recusa do instrutor cabe recurso hierárquico para o Governador, a interpor no prazo de 30 dias, a contar do seu conhecimento ou da data da publicação do aviso a que se refere o artigo 65.°, n.º 1. 4. Os recursos mencionados no número anterior, bem como os referidos na parte

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final do n.° 2, têm efeito suspensivo e sobem imediatamente, nos próprios autos. 5. Com o requerimento em que interponha o recurso pode o recorrente requerer novos meios de prova ou juntar os documentos que entenda convenientes, desde que não pudessem ter sido requeridos ou utilizados antes, devendo, se for caso disso, ordenar-se, no prazo de 5 dias, o início da realização das diligências adequadas,

Artigo 68.° (Recurso contencioso) Das decisões punitivas do Governador, e dos Secretários-Adjuntos no exercício de competência delegada, cabe recurso contencioso nos termos gerais.

SECÇÃO VI REVISÃO

Artigo 69.º (Requisitos da revisão) 1. A revisão do processo disciplinar é admitida a todo o tempo, quando se verifiquem circunstâncias ou meios de prova susceptíveis de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a punição e que não puderam ter sido utilizados pelo arguido no processo disciplinar. 2. A revisão pode conduzir à revogação ou alteração da decisão proferida no processo revisto, não podendo em caso algum ser agravada a pena. 3. A pendência de recurso hierárquico ou contencioso não prejudica o requeri mento da revisão do processo disciplinar.

Artigo 70. º (Dedução do pedido e meios de prova) 1. O interessado na revisão do processo disciplinar apresentará requerimento nesse sentido ao Governador. 2. O requerimento indicará as circunstâncias ou meios de prova não considerados no processo disciplinar que ao requerente parecem justificar a revisão e será instruído com os documentos indispensáveis. 3. A simples alegação de ilegalidade, de forma ou de fundo, do processo e da pena aplicada não constituem fundamento para a revisão.

Artigo 71.° (Decisão sobre o requerimento) 1. Recebido o requerimento, o Governador resolverá no prazo de 30 dias se deve ou não ser concedida a revisão do processo. 2. Do despacho que não conceder a revisão cabe recurso contencioso.

Artigo 72.° (Trâmites) Concedida a revisão, será esta apensa ao processo disciplinar, nomeando-se

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instrutor diferente do primeiro, que marcará ao interessado prazo não inferior a 10 nem superior a 20 dias para responder, por escrito, aos artigos de acusação constantes do processo a rever, seguindo-se os termos dos artigos 60.º e seguintes.

Artigo 73.° (Efeitos sobre o cumprimento das penas) A revisão do processo não suspende o cumprimento da pena.

Artigo 74.º (Efeitos de revisão procedente) 1. Julgando-se procedente a revisão, será revogada ou alterada a decisão proferida no processo revisto. 2. A revogação produzirá os seguintes efeitos:

a) Cancelamento do registo da pena no processo individual do funcionário ou agente; b) Anulação dos efeitos da pena.

3. Serão respeitadas as situações criadas a outros funcionários ou agentes pelo provimento nas vagas abertas em consequência da pena imposta, mas sempre sem prejuízo da antiguidade do funcionário ou agente punido. 4. Em caso de revogação ou alteração de pena expulsiva, o funcionário terá direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente ou, não sendo possível, na primeira vaga que ocorrer na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro e até à sua integração neste sem prejuízo do disposto no n.° 6. 5. O disposto no número anterior é aplicável aos agentes, com as devidas adaptações. 6. O funcionário tem direito, em caso de revisão procedente, à reconstituição da carreira, devendo ser consideradas as expectativas legítimas de promoção e progressão que não se efectivaram por efeito da punição, sem prejuízo da indemnização a que tenha direito, nos termos gerais, pelos danos morais e materiais sofridos.

SECÇÃO VII REABILITAÇÃO

Artigo 75. º (Regime aplicável) 1. Os funcionários e agentes punidos em quaisquer penas podem ser reabilitados, independentemente da revisão do processo disciplinar, competindo ao Governador conceder a reabilitação. 2. A reabilitação será concedida a quem a tenha merecido por boa conduta, podendo para esse fim o interessado utilizar todos os meios de prova permitidos em direito.

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3. A reabilitação pode ser requerida pelo interessado ou seu representante, decorridos os prazos seguintes sobre a aplicação ou cumprimento da pena: a) l ano, nos casos de repreensão escrita; b) 2 anos, no caso de multa; c) 3 anos, nos casos de suspensão; tf) 5 anos, nos casos de aposentação compulsiva e demissão. 4. A reabilitação fará cessar as incapacidades e demais efeitos da condenação ainda subsistentes, devendo ser registada no processo individual do funcionário ou agente. 5. A concessão da reabilitação não atribui ao indivíduo a quem tenha sido aplicada pena de aposentação compulsiva ou demissão o direito de reocupar, por esse facto, um lugar ou cargo na Administração. 6. Se a pena aplicada tiver sido a de demissão poder-se-á decretar a sua conversão em aposentação compulsiva, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 41.°

CAPÍTULO V PROCESSOS ESPECIAIS

SECÇÃO I PROCESSO POR INFRACÇÃO DIRECTAMENTE CONSTATADA

Artigo 76. º (Auto de notícia) 1. O superior hierárquico que presenciar ou verificar infracção disciplinar punível com as penas previstas nas alíneas a) e b) do n.° l do artigo 26.°, praticada em qualquer sector dos serviços sob a sua direcção, levantará ou mandará levantar auto de notícia, o qual mencionará os factos que constituem a infracção disciplinar, o dia, hora e local, as circunstâncias em que foi cometida, o nome e demais elementos de identificação do funcionário ou agente visado, da entidade que a presenciou e de, se for possível, pelo menos, duas testemunhas que possam depor sobre esses factos e, havendo-os, os documentos ou suas cópias autênticas que possam demonstrá-los. 2. O auto a que se refere este artigo deverá ser assinado pela entidade que o levantou ou mandou levantar, pelas testemunhas, se possível, e pelo funcionário ou agente visado, se quiser assinar, fazendo-se expressa menção no auto no caso de não o querer fazer. 3. Poderá levantar-se um único auto por diferentes infracções disciplinares cometidas na mesma ocasião ou relacionadas umas com as outras, embora sejam diversos os seus autores. 4. Os autos levantados nos termos deste artigo serão remetidos imediatamente à

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entidade competente para instaurar o processo disciplinar quando tal competência não couber a quem os lavrou.

Artigo 77. º (Processo) Se o processo disciplinar tiver como base auto de notícia levantado nos termos do artigo 76." e nenhumas diligências tiverem sido ordenadas ou requeridas, o instrutor deduzirá, nos termos do n." 2 do artigo 58." e dentro do prazo de 48 horas a contar da data em que deu início à instrução do processo, a acusação do arguido ou arguidos, seguindo-se os demais trâmites do processo disciplinar comum.

SECÇÃO II PROCESSO POR FALTA DE ASSIDUIDADE

Artigo 78. º (Auto de ausência) 1. Sempre que um funcionário ou agente deixe de comparecer ao serviço durante S dias seguidos ou 10 interpolados no mesmo ano civil, e sem justificação, será pelo imediato superior hierárquico levantado auto por falta de assiduidade. 2. Se a entidade competente para mandar instaurar o processo disciplinar considerar justificada a ausência, em face dos motivos alegados pelo funcionário ou agente, ordenará o arquivamento do auto levantado nos termos do número anterior.

Artigo 79. º (Processo) 1. O auto por falta de assiduidade terá o valor de auto de notícia para efeitos do artigo 77.° e servirá de base a processo disciplinar, que seguirá os trâmites comuns, com as especialidades constantes dos números seguintes enquanto for desconhecido o paradeiro do funcionário ou agente.

2. A notificação da acusação efectuar-se-á, nos termos do n." 2 do artigo 59.º, sendo-lhe concedido o prazo máximo de 30 dias para apresentar a sua defesa. 3. Esgotado o prazo referido no número anterior sem que o arguido haja produzido defesa, o processo será logo remetido à entidade competente para decidir, sendo proferida decisão sem mais trâmites.

4. Permanecendo desconhecido o paradeiro do arguido, a notificação da decisão efectuar-se-á nos moldes referidos no n." 2, com menção de que dela poderá recorrer no prazo de 60 dias após aquela publicação. 5. Vindo a ser conhecido o paradeiro do arguido, ser-lhe-á notificada a decisão, com menção de que dela poderá recorrer no prazo de 30 dias ou, no mesmo prazo, requerer que se proceda à reabertura do processo.

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SECÇÃO III INQUÉRITO E SINDICÂNCIA

Artigo 80.° (Abertura e instrução) 1. O Governador pode ordenar inquéritos ou sindicâncias aos serviços, designada mente aos institutos públicos e às câmaras municipais. 2. O inquérito tem o fim de apurar factos determinados e a sindicância destina-se a uma averiguação geral acerca do funcionamento do serviço. 3. A escolha e nomeação dos inquiridores ou sindicantes e dos seus secretários e a instrução dos processos de inquérito ou sindicância, ordenados nos termos deste artigo, regem-se, na parte aplicável, pelo processo disciplinar comum.

Artigo 81.º (Anúncios) 1. Se o processo for de sindicância, pode o sindicante, logo que a ele der início, fazê-lo constar por anúncios publicados em dois jornais diários, um em língua portuguesa e outro em língua chinesa, e por meio de editais, cuja afixação requisitará às autoridades administrativas ou policiais. 2. Nos anúncios e editais declarar-se-á que toda a pessoa que tiver razão de queixa ou de agravo contra o regular funcionamento dos serviços sindicados se pode apresentar a ele, sindicante, no prazo designado, ou a ele apresentar queixa por escrito e pelo correio. 3. A queixa por escrito deve conter os elementos completos de identificação do queixoso, sem o que não será recebida. 4. A publicação dos anúncios pela imprensa é obrigatória para os periódicos a que forem remetidos, sendo a despesa a que der causa documentada pelo sindicante, para efeitos de pagamento.

Artigo 82.° (Relatório e trâmites ulteriores) 1. Concluída a instrução do processo, deve o inquiridor ou sindicante elaborar no prazo de 20 dias o seu relatório, que remeterá imediatamente ao Governador, que mandará arquivar os autos ou ordenará a instauração de processo disciplinar, no caso de se terem apurado infracções. 2. O prazo fixado no número anterior poderá ser prorrogado até 45 dias, quando a complexidade do processo o exigir. 3. Os processos de inquérito ou de sindicância poderão constituir, mediante decisão do Governador, a fase de instrução do processo disciplinar, deduzindo o instrutor a acusação e seguindo-se os demais trâmites do processo disciplinar comum.

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ÍNDICE ANALÍTICO

A Págs. ACAREAÇÃO — Na fase de defesa —art.° 62.° ...... 170 — Na fase de instrução — art.°55.°, n.° 3 ...... 167 ACTIVIDADE PRIVADA — Pena de multa — art.°39.°, n.°2, al. f) ...... 160 — Pena de suspensão — art.°40.°, n.°4,al. c)...... 161 ACTOS PROCESSUAIS — V. Forma dos actos ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES — Acumulação indevida — art.° 40.°, n.° 4, al. c) ...... 161 — Comunicação da instauração de processo disciplinar — art.°22.°, n.°2 ...... 156 ACUMULAÇÃO DE INFRACÇÕES — Circunstância agravante — art.°9.°, n.º l, al. h)...... 152 — Conceito —art.º9.°, n.º 5 ...... 152 ACUSAÇÃO — Conteúdo — art.° 58.º, n.º 2 ...... — Notificação do arguido — art.°59...... 169 — Prazo art.º 58.°, n.os 2 e 4...... 168 — Processo por infracção directamente constatada — art.° 77.º ...... 175 ADVOGADO — Acompanhamento do arguido na fase de instrução — art.° 55.°, n.° 3...... 167 — Confiança do processo—art.°60.°, n.°l ...... 169 — Constituição e direitos —art.º 21.º ...... 156

AGRAVANTES — V. Circunstâncias agravantes AGRESSÃO — Pena de suspensão — art.º40.°, n.°2, al. m)...... 161 — Penas de aposentação compulsiva ou demissão — art.° 41.°, n.° 2, al. a) ...... 162 ALCANCE OU DESVIO DE DINHEIROS PÚBLICOS — Penas de aposentação compulsiva ou demissão — art.° 41.°, n.º 2, al. l) ...... 162 AMNISTIA — Efeitos —art.º 12.º 153 ANTIGUIDADE — Efeitos do processo disciplinar — art.º 23.º ...... 156 — Efeitos de revisão procedente — art.° 74.°, n.os 3 a 6...... 173

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— Pena de suspensão — art.° 35,n.os 1,3 e 4...... 159 ANÚNCIOS — V. Publicações nos jornais APENSAÇÃO DE PROCESSO — Quando tem lugar — art.°22.°, n.° l...... 156 APLICAÇÃO DO ESTATUTO — Âmbito geral — art.° l.°, n.º l ...... 148 — Aplicação subsidiária—art.°l.°, n.º 3...... 148 — Pessoal vinculado à República — art.° l.°,n.°2...... 148 APLICAÇÃO NO TEMPO — Incriminação e qualificação das infracções — art.° 2.°, n.º l ...... 148 — Normas reguladoras da marcha do processo — art.° 2.°, n.º 2...... 148 APOSENTAÇÃO — Efeitos da pena de suspensão—art.º 35.°, n.os l,3 e 4 ...... 159 APOSENTAÇÃO COMPULSIVA — Competência disciplinar — art.º 48 ...... 164 — Conceito —art.° 30.º...... 158 — Condicionalismo — art.° 41.°,n.º 3 ...... 162 — Efeitos —art.º 36.º...... 160 — Em consequência de reabilitação — art.º 75.°, n.° 6 ...... 174 — Factos a que é aplicável — art.°41.° ...... 161 — Percebimento de pensão — art.° 36.º, n.º 2 ...... 160 APOSENTADO — Penas aplicáveis e efeitos — art.º 32.° ...... 158 ARQUIVAMENTO DE PROCESSO DISCIPLINAR — Despacho liminar — art.° 51.°, n.os l e 2 ...... 165 — Dos processos de inquérito e de sindicância — art. 82.°, n.° l ...... 176 — Em alternativa à acusação — art.º 58.°, n.° l ...... 168 — Em alternativa à proposta de pena — art.° 63.°, n.º l...... 170 ASSIDUIDADE — Dever de...—art.° 5.°, n.º 2 e 9...... 150 — Processo por falta de assiduidade —art.os 78.° e 79.º ...... 175 — V. Faltas ASSISTÊNCIA MÉDICA — Manutenção do direito — art.° 35.°, n.° 6 ...... 159 ATENUANTES — V. Circunstâncias atenuantes AUDIÇÃO — Das testemunhas na fase de defesa — art.º 24.°, n.º 2 ...... 156 — Idem —art.° 61.° ...... 170 — Das testemunhas residentes fora do Território — art.º 61.º, n.º 2 ...... 170 — Do arguido em artigos de acusação — art.º 24.º, n.° l ...... 156 — Do arguido na fase de instrução — art.° 55.°, n.° 3 ...... 167 — Falta de apresentação da resposta — art.° 60.°,n.°4 ...... 169 AUSÊNCIA — Execução de pena disciplinar — art.º 50.º...... 164 — Prazo para defesa — art.° 59.°, n.° 4 ...... 169 — Processo por falta de assiduidade — art.º 79.°, n.º 4 e 5 ...... 175

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AUTO — De ausência no processo por falta de assiduidade — art.° 78.° ...... 175 — De diligências na repreensão escrita—art.º 17.°, n.º 3...... 155 — De notícia no processo por infracção directamente constatada — art.° 76.º 174 — No conhecimento da infracção — art.° 16.°, n.° 3 ...... 154 AVISO — V. Publicações. B

BOM COMPORTAMENTO — Para efeitos de reabilitação — art.º 75.°, n.º 2...... 173 — V. Classificação de serviço.

C CÂMARAS MUNICIPAIS — Aplicação do Estatuto — art.º 1.º, n.° l ...... 148 — Competência disciplinar — art.º 49.º ...... 164 CASAS DE JOGOS — Dever de não frequência de casas de jogos de fortuna e azar — art.° 5.°, n.°12 ...... 151 — Pena de suspensão — art.° 40.°, n.°2, al. f) ...... 161

CERTIDÕES — Certidão de actas das reuniões das Câmaras Municipais — art.° 49.º, n.os 2 e 3...... 164 — Passagem de ...—art.° 20.°, n.os 3 e 4 ...... 155 CESSAÇÃO DE FUNÇÕES — Sujeição ao poder disciplinar — art.° 6.°, n.° 2 ...... 151 CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES — Enumeração — art.° 9.°...... 151 — Graduação da pena — art.° 42.º, n.os l,2 e 3 ...... 162 — Obrigatoriedade de inclusão nos artigos de acusação — art.° 58.°, n.º 3 ...... 168 CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES — Enumeração — art.° 8.° ...... 151 — Graduação da pena — art.° 42.º, n.º l e2...... 162 CIRCUNSTÂNCIAS DIRIMENTES — Enumeração — art.° 10.° ...... 152 CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO — Circunstância atenuante — art.° 8.°, al. a) ...... 151 COAÇÂO FÍSICA — Circunstância dirimente — art.° 10.°, al. a) ...... 152 COMPETÊNCIA DISCIPLINAR — Execução das penas — art.° 50.º...... 164 — Funcionários das Câmaras Municipais—art.° 49.° ...... 164 — Nos processos de inquérito e sindicância — art.° 80.°, n.° l ...... 176 — Para conceder a reabilitação — art.° 75.°, n.° l ...... 173 — Para conceder a revisão — art.º 70.°, n.º l...... 172 — Para instauração de processo por falta de assiduidade — art.° 78.°, n.º l .... 175 179

— Para instauração de processo por infracção directamente constatada — art.° n.° 76, n.° l ...... 174 — Pena de multa — art.° 47.° ...... 164 — Pena de repreensão escrita — art.° 46.°...... 164 — Pena de suspensão, aposentação compulsiva e demissão — art.° 48.°...... 164 — Pluralidade de arguidos — art.º 45.° ...... ,...... 163 — Princípio geral —art.° 44.º...... 163 CONCURSO — Admissão do arguido — art.° 23.° ...... 156 CONFISSÃO — Circunstância atenuante — art.° 8.°, al. b) ...... 151 CONLUIO — Circunstância agravante — art.° 9.º, n.º l,al. d) ...... 152 CORRECÇÃO — Dever de... — art.° 5.º, n.o s 2 e 8...... 150 — Pena de multa — art.° 39.°, n.° 2, al. d) ...... 160

CULPA — Circunstâncias que a diminuam (circunstâncias atenuantes) — art.º 8.°, al.j) ...... 151 CUMPRIMENTO DA PENA — Extinção da responsabilidade disciplinar — art.° 12.°, n.° l...... 153 CUSTAS E SELOS — Isenção—art.° 25.º ...... 157

D DECISÃO — Fundamentação — art.° 42.°, n.° 5 ...... 163 — Notificação da decisão do arguido—art.º 65.º ...... 171 — Parecer do superior hierárquico do arguido — art.° 64.°, n.º 2 ...... 170 — Prazos — art.° 64.° ...... 170 — Processo por falta de assiduidade — art.° 79.°, n.os 4 e 5 ...... 175 DEFESA — Exame do processo — art.° 60.°, n.° l ...... 169 — Falta de apresentação de... em processo disciplinar — art.° 60.°, n.º 4 ...... 169 — Falta de apresentação de ... em processo por falta de assiduidade — art.° 79.°, n.° 3 ...... 175 — Forma —art.° 60.° ...... 169 — Prazo —art.° 59.°,n.os l e 4...... 169 — Prazo para audição de testemunhas e produção dos meios de prova — art.° 62.º...... 170 — Testemunhas — art.° 61.°...... 170 DEMISSÃO — Competência disciplinar — art.° 48.° ...... 164 — Conceito —art.° 31.° ...... 158 — Efeitos— art.° 37.°...... 160 — Efeitos de reabilitação — art.° 75.º, n.os 4 a 6 ...... 174 — Factos a que é aplicável — art.° 41.º ...... 161 DESPACHO DE PRONÚNCIA — Efeitos —art.° 13.°, n.° 3 ...... 153 180

DEVERES — Como circunstância dirimente — art.° 10.°, al. e) ...... 152 — Frequência de casas de jogo de fortuna e azar — art.° 5.°, n.° 12 ...... 150 — Gerais — art.° 5.°, n.os l a l0 ...... 150 — Pessoal de direcção e chefia — art.° 5.°, n.° 11 ...... 151 — Violação dos deveres — art.º 7.°...... 151 DILIGÊNCIAS — Auto de diligências — art.° 17.°, n.° 3 ...... 155 — Complementares de prova — art.° 64.°, n.° l ...... 170 — Na defesa — art.° 60.°, n.º 2 e art.° 62 ...... 169 — Na instrução—art.° 55.° ...... 167 — Novos meios de prova no recurso — art.° 67.º, n.° 5 ...... 172 DILIGÊNCIAS FORA DO TERRITÓRIO — Audição de testemunhas — art.º 61.°,n."2 ...... 170 — Requisição de ... — art.° 55.°, n.° 6 ...... 167 DIREITO PENAL — Direito supletivo — art.° 3.° ...... 149 — Efeitos da condenação em processo penal — art.° 14.°, n.° l ...... 153 — Idem — art.° 41.º, n.° 2, al. o) ...... 161 — Independência dos procedimentos penal e disciplinar — art.° 13 °...... 153 DIREITO PROCESSUAL PENAL — Aplicação dos princípios gerais — art.º 18.°, n.° 4 ...... 155 DIREITO SUPLETIVO — Direito penal — art.° 3.°...... 149 DIREITOS — A advogado — art.º 21.°, n.° l ...... 156 — Como circunstância dirimente — art.° 10.°, al. e) ...... 152 — Gerais — art.° 4.°,n.° l ...... 149 — Não cumprimento de ordens — art.° 4.°, n.° 2...... 150 — Idem —art.° ll.° ...... 152 DIRIMENTES — V. Circunstâncias dirimentes DOLO — Ausência de ... (circunstância atenuante) — art.° 8.°, al. g) ...... 151 — Na transmissão de ordens — art.° 11.°, al. c) ...... 153 — Na violação do dever de isenção — art.° 40.°, n.° 4, al. b) ...... 161 — Participação ou queixa com ... — art.º 16.°, n.° 4 ...... 154

E EDITAIS — No processo de sindicância — art.° 81.º...... 176 EMPREGO PÚBLICO — Oferta ou negociação ilícita — art. ° 41.°, n.º 2, al.j)...... 162 ESCALÕES — Da pena de suspensão — art.º 29.°, n.° 2...... 158 EXAME DO PROCESSO — Pelo advogado —art.° 21.°, n.° 2 ...... 156 — Pelo arguido — art.° 20.° ...... 155 — Confiança do processo — art.° 60.°, n.° l ...... 169

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EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR — Requisitos — art.° ll.°...... 152 EXECUÇÃO FISCAL — Na pena de multa — art.° 28.°, n.° 4...... 158 EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR — Circunstâncias — art.° 12.°...... 153

F FALTA DE AUDIÊNCIA — V. Audiência. FALTAS INJUSTIFICADAS — Pena de suspensão — art.° 40.°, n.° 2, al. e)en.° 4, ai./) ...... 161 — Penas de aposentação compulsiva ou demissão — art.° 41.°, n.º 2, al. f) ...... 162 — Processo por falta de assiduidade — art.º 78.º e 79.º ...... 175 FÉRIAS — Efeitos da pena de suspensão — art.° 35.°, n.os 2,3 e 4 ...... 159 FORMA DOS ACTOS — No processo disciplinar — art.° 19.°...... 155 — Nulidade —art.° 53.°, n.° 6...... 166

G GRADUAÇÃO DAS PENAS — Critério —art.° 42.º...... 162

H HIERARQUIA — V. Competência disciplinar. — V. Procedimento disciplinar. — V. Responsabilidade disciplinar.

I INCOMPETÊNCIA PROFISSIONAL — Execução de trabalho — art.° 55.°, n.os 7 e 8 ...... 167 — Penas de aposentação compulsiva e demissão — art.° 41.°, n.° 2, al. g)...... 162

INFRACÇÃO DISCIPLINAR — Conceito —art.º 7.°...... 151 — Concurso de infracções — art.° 42.°...... 162 — Conhecimento da infracção — art.° 16.º ...... 154 INJÚRIA — Pena de aposentação compulsiva ou demissão — art.° 41.º, n.° 2, al. a) ...... 162 — Pena de suspensão — art.° 40.°, n.° 2, al. m) ...... 161

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INQUÉRITO — V. processo de inquérito. INQUIRIDOR — Nomeação —art.° 80.°, n.° 3 ...... 176 INSTRUTOR — Gratificação — art.° 52.°,n.º 6 ...... 165 — Impedimento, recusa e escusa — art.º 53.º ...... 166 — Nomeação — art.° 52.°, n.os l e 2 ...... 165 — Substituição —art.º 52.°,n.º 3 ...... 165 — Idem — art.º 53.°, n.º 4...... 166 INSTRUÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR — Comunicação do início da instrução — art.º 54.°, n.º 3 ...... 167 — Conceito — art.º 55.°, n.º l ...... 167 — Diligências —art.° 55.°, n.os 2 a 8 ...... 167 — Início e termo — art.° 54.° ...... 167 — Processo de inquérito e de sindicância como fase instrutória — art.º 82.°, n.º 3 ...... 176

INTERPRETE-TRADUTOR — Admissão — art.° 19.°, n.os 3 e 5...... 155 ISENÇÃO — De custas e selos —art.° 25.° ...... 157 — Dever de...—art.º 5.º,n.os 2 e 3 ...... 150 — Violação (pena de suspensão) — art.º 40.°, n.° 2, als. h),i)en.° 4, al. b) ... 161

JOGOS DE FORTUNA E AZAR — V. Casas de jogos.

L LEALDADE — Dever de... — art.° 5.°, n.os 2 e 6 ...... 150 LEGÍTIMA DEFESA — Circunstância dirimente — art.° 10.°, al. c) ...... 152 LÍNGUA CHINESA — Uso em processo—art.º 19.°, n.° 2 ...... 155 LÍNGUA PORTUGUESA — Uso em processo — art.° 19.°, n.º 2 ...... 155

M

MORTE — Extinção da responsabilidade disciplinar—art.º 12.°, n.° l...... 152 MUDANÇA DE SITUAÇÃO FUNCIONAL — Admissão de arguido a concurso — art.° 23.°, n.° 4 ...... 156 — Sujeição ao poder disciplinar — art.º 6.°, n.° 2 ...... 151 MULTA — Competência disciplinar — art.° 47.° ...... 164 183

— Conceito e efeitos — art.° 28.° ...... 157 — Factos a que é aplicável — art.° 39.° ...... 160 — Obrigatoriedade de processo — art.° 17.°, n.º l...... 154

N NOTA DE CULPA — V. Acusação. NOTIFICAÇÕES — A arguido ausente em parte incerta — art.° 59.°, n.os 2 e 3 ...... 169 — Da acusação — art.° 59.° ...... 169 — Da decisão disciplinar—art.° 65.° ...... 171 — Das penas, por publicação no Boletim Oficial — art.° 34.°, n.º 4...... 159 — No processo por falta de assiduidade — art.° 79.°, n.os 2,4 e 5...... 175 — Para a audição de testemunhas que residam fora do local — art.º 61.º,n.° 2 ...... 170 — Protelamento da notificação da decisão discilinar — art.° 65.°, n.º 2...... 171

NULIDADES — Dos actos praticados por instrutor declarado impedido — art.° 53.°, n.° 6 .. 166 — Insupríveis — art.º 24.°, n.os l e 2 ...... 156 — Supríveis —art.º 24.°, n.º 3 ...... 157

O OBEDIÊNCIA — Cessação do dever de ... —art.° 11, n.° 4 ...... 153 — Dever de... — art.° 5.°,n.os 2 e 5 ...... 150 — Pena de multa —art.º 39.°, n.° 2, al. b) ...... 160 — Pena de suspensão—art.º 40.°, n.° 2, al. l) ...... 161 — Penas de aposentação compulsiva ou demissão — art.° 41.°, n.° 2, b) ...... 162 ORDENS — Acatamento bem intencionado — art.° 8.°, al. e) ...... 151 — Dever de obediência — art.º 5.°, n.os 2 e 5 ...... 150 — Exclusão da responsabilidade disciplinar — art.° 11.º...... 152 — Transmissão por escrito — art.° ll.° ...... 152

P PARTICIPAÇÃO — Arquivamento—art.º 51.° ...... 165 — Falsidade ou falsificação — art.º 41.°, n.° 2, al. e) ...... 162 — V. Infracção disciplinar. PENAS DISCIPLINARES — Aplicáveis a aposentados — art.° 26.°, n.° 2 ...... 157 — Idem — art.° 32.° ...... 158 — Competência para a aplicação de ...—art.° 44.° e segs...... 163 — Competência para a execução — art.° 50.° ...... 164 — Competência quanto à aplicação a funcionários das Câmaras Municipais—art.° 49.º ...... 164 — Efeitos —art.° 34.°...... 159

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— Efeitos da revisão procedente — art.º 74.° ...... 173 — Escala—art.° 26.° ...... 157 — Extinção da responsabilidade disciplinar por cumprimento das ... — art.° 12.°, n.º l ...... 153 — Factos a que se aplicam as penas — art.s 38.° e segs...... 160 — Graduação das penas — art.º 42.° ...... 162 — Início da execução dos efeitos das ... — art.° 34.°, n.os 2 e 3 ...... 159 — Notificação da pena — art.º 65.°...... 171 — Prescrição — art.º 33.° ...... 159 — Registo — art.° 26.°, n.º 3...... 157 — Suspensão das penas — art.° 43.º...... 163 PESSOAL DE DIRECÇÃO E CHEFIA — Competência disciplinar — art.os 44.º e segs ...... 163 — Dever de proceder dentro da legalidade e justiça para com os seus subordinados — art.º 5.°, n.º 11 ...... 151 PESSOAL VINCULADO À REPÚBLICA — Aplicação do Estatuto — art.° 1.°, n.° 2 ...... 149 PONTUALIDADE — Dever de ... — art.° 5.°, n.os 2 e 10...... 150 PARECER — Do superior hierárquico do arguido — art.° 64.°, n.º 2 ...... 170 PREMEDITAÇÀO — Circunstância agravante — art.° 9.°, n.° l, al. c) ...... 151 — Conceito —art.° 9.°, n.° 2 ...... 152 PRESCRIÇÃO DAS PENAS — Prazos — art.° 33.° ...... 158 PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR — Extinção de responsabilidade disciplinar — art.º 12.°, n.º l ...... 153 — Prazos — art.° 15.°, n.os l a 3 ...... 154 — Suspensão — art.° 15.°, n.º 4 ...... 154

PRIVAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS FACULDADES — Circunstância dirimente — art.º 10.°, al. b) ...... 152 PROCEDIMENTO CRIMINAL — Independência do procedimento disciplinar — art.° 13.° ...... 153 — Por divulgação de matéria confidencial do processo — art.° 20.°, n.º 5 ...... 156 PROCEDIMENTO DISCIPLINAR — Admissão a concurso do arguido —art.° 23.º ...... 156 — Apensação de processos — art.º 22.° ...... 156 — Conhecimento da infracção — art.º 16.° ...... 154 — Constituição de advogado — art.º 21.° ...... 156 — Efeitos da condenação em processo penal — art.° 14.° ...... 153 — Efeitos do despacho de pronúncia ou equivalente — art.° 13.º, n.° 3 ...... 153 — Forma dos actos — art.º 19.º ...... 155 — Instauração de procedimento — art.° 51.º ...... 165 — Isenção de custos e selos — art.º 25.° ...... 157 — Natureza secreta do processo — art.° 20.º...... 155 — Nulidades — art.° 24.° ...... 155 — Obrigatoriedade do processo disciplinar— art.° 17.º...... 154 — Por divulgação de matéria confidencial do processo — art.º 20.º, n. º 5 ...... 156 — Prescrição do procedimento disciplinar — art.° 15.º...... 154

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— Procedimento disciplinar e criminal — art.° 13.º ...... 153 — Suspensão do prazo para ultimação por falta de trânsito em julgado de sentença — art.° 54.°, n.º 2 ...... 167 — Tipos de processo — art.° 18.º ...... 155

PROCESSO DE INQUÉRITO — Abertura e instrução — art.º 80.º ...... 176 — Relatório e trâmites ulteriores — art.° 82.º ...... 176 — Suspensão do prazo prescricional — art.° 15.°, n.º 4...... 154

PROCESSO DE SINDICÂNCIA — Abertura e instrução — art.° 80.°...... 176 — Anúncios — art.º 81.° ...... 176 — Relatório e trâmites ulteriores — art.° 82.° ...... 176 — Suspensão do prazo prescricional — art.º 15.°. n.°4...... 154 PROCESSO DISCIPLINAR — Apensação de processos — art.° 22.°, n.° l...... 156 — Forma dos actos — art.° 19.°...... 155 — Natureza secreta do processo — art.° 20.°...... 155 — Obrigatoriadade do processo disciplinar—art.° 17.°...... 154 — Suspensão do prazo prescricional — art.º 15.°, n.° 4 ...... 154 — Tipos de processo — art.° 18.º...... 155

PROCESSO DISCIPLINAR COMUM — Arquivamento ou acusação — art.° 58.°...... 168 — Decisão — art.º 64.°...... 170 — Despacho liminar — art.º 51.°...... 165 — Exame do processo e apresentação de defesa — art.° 60.°...... 169 — Início e termo da instrução — art.° 54.°...... 166 — Instrução do processo — art.° 55.° ...... 167 — Instrutor — art.° 52.° ...... 165 — Notificação da acusação — art.º 59.° ...... 169 — Notificação da decisão — art.° 65.° ...... 171 — Produção de prova oferecida pelo arguido — art.º 62.°...... 170 — Providências cautelares—art.° 56.°...... 168 — Recusa do instrutor—art.°53.° ...... 166 — Relatório — art.° 63.° ...... 170 — Suspensão preventiva do arguido — art.° 57.°...... 168 — Testemunhas de defesa —art.° 61.° ...... 170 — V. Instrução do processo disciplinar.

PROCESSO ESPECIAL — Casos a que se aplica — art.° 18.°, n.os 2 a 4 ...... 154 — Regime — art.os 76.° e segs...... 174 — V. Processo de Inquérito. — V. Processo de sindicância. — V. Processo por falta de assiduidade. — V. Processo por infracção directamente constatada.

PROCESSO INDIVIDUAL — Averbamento da amnistia — art.° 12.°, n.° 2...... 153 — Cancelamento do registo da pena resultante de revisão — art.° 74.º, n.°2, al. a) ...... 173 — Registo da reabilitação — art.° 75.°, n.° 4 ...... 174 — Registo das penas—art.° 26.°, n.° 3 ...... 157 — V. Registo disciplinar

186

PROCESSO POR FALTA DE ASSIDUIDADE — Auto de ausência — art.° 78.° ...... 175 — Processo — art.° 79.º ...... 175 PROCESSO POR INFRACÇÃO DIRECTAMENTE CONSTATADA — Auto de notícia — art.° 76.° ...... 174 — Processo — art.º 77.º ...... 175 PRONUNCIA — Despacho de pronúncia — art.° 13.°, n.° 3...... 153 PROVIDÊNCIAS CAUTELARES — Objectivo —art.° 56.º...... 168 PROVOCAÇÃO — Circunstância atenuante — art.° 8.,°, al. d) ...... 151 PUBLICAÇÕES NOS JORNAIS — Da notificação da acusação — art.° 59.º, n.° 2...... 169 — Das certidões —art.° 20.°, n.° 3...... 155 — Processo de sindicância — art.º 81.º ...... ; ...... 176 PUBLICAÇÕES NO BOLETIM OFICIAL —Da notificação da acusação—art.° 59.°, n.º 2 ...... 169 — Das penas disciplinares — art.° 34.°, n.º 3 e 4 ...... 159 PUBLICIDADE DA INFRACÇÃO — Ausência de... (circunstância atenuante) — art.º 8.º, al. f)...... 151 — Provocada (circunstância agravante) — art.° 9.°, n.° l, al. i) ...... 151

Q

QUEIXA — Arquivamento — art.° 51.° ...... 165 — Contra superior hierárquico — art.° 4.°, n.º l, al. d) ...... 149 — Infundada —art.° 16.°, n.° 4...... 154 — Verbal — art.º 16.°, n.° 3...... 154

R

REABILITAÇÃO — Competência —art.° 75.°, n.° l ...... 173 — Efeitos—art.º 75.º, n.º 4 a 6 ...... 174 — Requisitos —art.os 75.°, n.os 2 e 3 ...... 173 RECURSOS — Espécies —art.º 66.º ...... 171 — Recurso contencioso—art.° 68.° ...... 172 — Recurso contencioso das decisões punitivas do despacho que não conceder a revisão — art.º 71.°, n.º 2 ...... 172 — Recurso hierárquico — art.° 67.º ...... 171 Efeitos —art.° 67.°, n.os 2 e 4 ...... 171 Diligências de prova — art.° 67.º, n.° 5 ...... 172 Prazo —art.° 67.°, n.os l e 3 ...... 171

REGISTO DISCIPLINAR DO ARGUIDO — Anexação ao relatório — art.° 63.°, n.° l ...... 170 — Junção aos autos — art.º 55.°, n.° 2 ...... 167

187

REINCIDÊNCIA — Circunstância agravante — art.º 9.°, n.° l, al. f)...... 152 — Conceito — art.º 9.°, n.º 3 ...... 152 — Consequência na graduação de penas — art.° 42.°, n.º 3...... 163 RELATÓRIO — Prazo de elaboração — art.° 63.°, n.os 1 e 2 ...... 170 — Prazo de remessa — art.° 63.°, n.° 3...... 170 — Processo de inquérito e de sindicância—art.° 82.°, n.os 1 e 2 ...... 176 REPREENSÃO ESCRITA — Competência disciplinar—art.° 46.° ...... 164 — Conceito —art.º 27.º ...... 157 — Factos a que é aplicável — art.º 38.º ...... 160 — Termos do processo — art.° 17.°, n.os 2 e 3 ...... 155 RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR — Circunstâncias agravantes — art.° 9.° ...... 151 — Circunstâncias atenuantes — art.° 8.° ...... 151 — Circunstâncias dirimentes — art.° 10.º ...... 152 — Exclusão da responsabilidade disciplinar—art.° 11.°...... 152 — Extinção da responsabilidade disciplinar — art.º 12.º ...... 153 — Infracção disciplinar — art.° 7.° ...... 151 — Sujeição ao poder disciplinar — art.° 6.°...... 151 RESPOSTA DO ARGUIDO — V. Defesa. REVISÃO — Decisão e prazo — art.º 71.° ...... 172 — Dedução do pedido e meios de prova — art.º 70.º ...... 172 — Efeitos da revisão procedente — art.º 74.° ...... 173 — Efeitos da pendência de recurso — art.° 69.°, n.° 3...... 172 — Efeitos sobre o cumprimento da pena — art.° 73.º ...... 173 — Requisitos —art.° 69.° ...... 172 — Trâmites —art.º 72.° ...... 172

S SECRETÁRIO — Como intérprete-tradutor — art.º 19.°, n.os 3 e 4 ...... 155 — Gratificação — art.° 52.°, n.° 6 ...... 165 — Nomeação — art. 52.°, n.° 4...... 165 — Processo de inquérito e sindicância — art.° 80.°, n.° 3...... 176 SELOS — V. Custas e selos. SENTENÇA — Certidão —art.° 14.°, n.° 2...... 154 — Efeitos —art.° 14.°...... 153 — Idem —art.° 41.º,n.° 2, al.o)...... 162 SERVIÇO — Serviços relevantes — art.° 8.°, al. c)...... 151 — V. Tempo de serviço. SERVIÇOS AUTÓNOMOS — Aplicação do Estatuto — art.° 1.°, n.° l...... 148

188

SIGILO — Dever de... — art.º 5.º, n.os 2 e 7 ...... 150 — Pena de suspensão — art.º 40.º, n.º 2, al. j) ...... 160 — Penas de aposentação compulsiva e demissão — art.º 41.º, n.º 2, al. h) ...... 162

SINDICANTE — Nomeação —art.° 80.°, n.° 3 ...... 176 SUBSÍDIO DE FAMÍLIA — Manutenção do direito — art.º 35.º, n.º 6...... 159

SUBSÍDIO DE RESIDÊNCIA — Manutenção do direito — art.° 35.°, n.° 6...... 159 SUCESSÃO DE INFRACÇÕES — Circunstância agravante — art.° 9.°, n.º l, al. g) ...... 152 — Conceito —art.° 9.°, n.° 4 ...... 152

SUJEIÇÃO AO PODER DISCIPLINAR — Cessação de funções e mudança de situação — art.º 6.°, n.° 2 ...... 151 — Início da... — art.º 6.°, n.° l ...... 151 SUSPEIÇÃO DO INSTRUTOR — V. Recusa do instrutor.

SUSPENSÃO — Competência disciplinar — art.° 48.° ...... 164 — Conceito e escalões—art.° 29.° ...... 158 — Efeitos —art.° 35.° ...... 159 — Factos a que é aplicável — art.º 40.° ...... 160 SUSPENSÃO DAS PENAS — Requisitos — art.º 43.° ...... 163 SUSPENSÃO PREVENTIVA — Condições — art.º 57.° ...... 168 — Prazos — art.° 57.°, n.os l e 2 ...... 168

T

TEMPO DE SERVIÇO — Circunstância atenuante — art.° 8.º, al. a) ...... 151 TESTEMUNHAS — Falta de audição na fase de defesa — art.° 24.°, n.° 2 ...... 156 — Inquirição com intérprete-tradutor — art.° 19.°, n.os 3 e 5 ...... 155 — Inquirição de ... — art.° 62.º ...... 170 — Na fase de instrução — art.° 55.º, n.º 2 ...... 167 — No processo por infracção directamente constatada — art.° 76.°, n.os 1 e 2 .. 174 — Número de...—art.° 61.º...... 170 — Rolde... —art.° 60.°, n.º 2 ...... 169 TRÂNSITO EM JULGADO — Da sentença — art.° 14.°, n.° l ...... 153 — Idem — art.° 41.°, n.° 2, al. o) ...... 161 — Do despacho de pronúncia ou equivalente — art.° 13.°, n.° 3 ...... 153

189

V

VENCIMENTO — Efeitos da pena de multa — art.º 28.º ...... 157 — Efeitos da pena de suspensão — art.° 35.°, n.os 1,3 e 4 ...... 159 — Suspensão preventiva — art.° 57.°,n.os l e 3 ...... 168 VIOLAÇÃO DOS DEVERES GERAIS E ESPECIAIS — V. Deveres.

Z

ZELO — Dever de... — art.° 5.°,n.os 2 e 4 ...... 150 — Pena de multa — art.º 39.°, n.º l,al. e) ...... 160

190

Consultadoria jurídica

Esta secção destina-se a apresentar alguns temas sobre o regime jurídico da função pública, submetidos à apreciação do Gabinete Técnico Jurídico do SAFP, que se revelem de interesse para a generalidade dos funcionários e agentes da Administração Pública de Macau

191

192 Administração, n.° 3/4, vol. II, 1989-1.° e 2.º, 193-194

Férias dos trabalhadores recrutados a empresas públicas da República Portuguesa no primeiro ano de serviço no Território

CONSULTA

O artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 27/85/M, de 30 de Março, concede o direito a férias aos funcionários e agentes que tenham mais de um ano de serviço efectivo, ainda que prestado em diversos serviços públicos no Território ou na República, Aos trabalhadores de empresas públicas, que exercem funções nos serviços públicos do Território, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° l do art.° 15.° do Decreto-Lei n.º 86/84/M, de 11 de Agosto, é-lhes contado o tempo de serviço prestado na respectiva empresa pública para efeitos do supracitado artigo 4.º?

RESPOSTA

Não obstante a lei ser omissa quanto a esta questão, deve encontrar-se uma solução de equidade compatível com o espírito do art.° 15.° do Decreto-Lei n.º 86/84/M, de 11 de Março. Com efeito, a afectação temporária do trabalhador de empresa pública à Administração responsabiliza esta pelo direito a férias que o trabalhador haja adquirido ao serviço da empresa. Assim, é de aplicar aos trabalhadores recrutados a empresas públicas, ao abrigo do disposto no art.° 15.° do Decreto-Lei n.º 86/84/M, de 11 de Agosto, o regime de férias dos funcionários dos quadros dos serviços públicos da República, devendo ser contado o tempo de serviço prestado na respectiva empresa para efeitos do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 27/85/M, de 30 de Agosto.

193

Contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira de motorista de ligeiros

CONSULTA

Um motorista de ligeiros que transitou da categoria de condutor de automóveis de 2.º classe para a categoria de motorista de ligeiros, 2.° escalão, por força do art.° 21.° e do mapa 12 anexo ao Decreto-Lei n.° 87/84/M, de ll de Agosto, com efeitos a l de Outubro de 1984, quantos anos precisa para atingir o 5° escalão da carreira de motorista de ligeiros?

RESPOSTA

De acordo com o disposto nos n.os 1 e 2 do art.° 27.°, a transição operada ao abrigo do Art.° 21.º do Decreto-Lei n.° 87/84/M, de 11 de Agosto, para o 2.° escalão da carreira de motorista de ligeiros teve já em conta o tempo de serviço globalmente apurado na carreira horizontal. De acordo com o disposto no Art.° 17.º do Decreto-Lei n.º 87/84/M, de 11 de Agosto, são necessários 3 anos de serviço no 2.º escalão para progredir ao 3.° pelo que, em Outubro de 1987, o motorista poderia ter progredido para o 3.° escalão. Com a publicação do Decreto-Lei n.° 85/88/M, de 12 de Setembro, que deu nova redacção ao art.° 12.° do Decreto-Lei n.° 15/88/M, de 29 de Fevereiro, o tempo de serviço exigido para progressão, nas carreiras comuns, quando superior a dois anos, é reduzido em um ano, a partir de l de Março de 1988, data da produção de efeitos do diploma. Dispondo o art.º 17.° do Decreto-Lei n.° 87/84/M, de 11 de Agosto, que a mudança para o 4.° escalão se efectua após seis anos de serviço no 3.° escalão e para o 5.° após oito anos de serviço no 4.°, e aplicando a regra do art.° 12.° do Decreto-Lei n.° 15/88/M, atrás citada, teremos respectivamente cinco anos para a passagem ao 4.° e sete anos para a passagem ao 5.°, pelo que, no caso sub judice, o motorista de ligeiros atingirá o 5.º escalão em Outubro de 1999.

194

Abstracts

341

342 Administração. n.° 3/4. vol II. 1989-1.° e 2.°. 343-345

Macau in the cultural dialogue with the Orient Jorge Rangel (pp. 7)

It is of great importance to know what has remained of Portuguese influence through the passage of the centuries and of the traces of a civilization which is still a source of inspiration to Portugal. Equally important is an understanding of how Portugal, with her new socio-economic position in the world, can maintain this cultural dialogue with the countries of the Orient. The author presents some examples of the cultural presence of the Portuguese in the Orient (in the Indian subcontinent, Malaysia and Japan) and suggests how the Portuguese could use Macau for further intellectual exchange, thereby establishing a link between East and West.

Contributions towards a Social Security System in Macau Maria do Carmo Romão (pp. 21)

This summarized document presents an outline for social security as a social welfare system and examines the separate solutions adopted in Portugal, China and Hongkong. There is then a comparison between these and the solutions which lhe Minimum Regulations for Social Security, in accordance with the 102nd Convention of the 1.0.T., sanctioned several years ago. The author also includes a proposal for a possible social security system for Macau as a basis for further discussion.

The transportation system and development of the Delta as seen from Macau Gary Ngai (pp. 63)

The role of Macau as a second free port in the region is being analysed in the framework of a rapidly developing , especialy in the main infrastructure — the building of deepsea ports, superhighways, railways and airports, and the necessity of coordination within the region to avoid duplication and waste of resources.

Cooparative Syntax — the Portuguese and Cantonese verb systems T. A. Cheng (pp.87)

The structure of a language is its principies of organization. Principies which guarantee that the language can function on phonological, lexical and syntactic leveis. A comparative study must therefore include a preliminary study of the structures of the languages to be examined. 343

This study concentrates on the morphological-syntactic levei and takes lhe verbal syntagma as its starting point, the verb system being effectively the nucleus of the sentence around which the various possibilities and, because of this, the various planes on which the language can function are organized. Professor Cheng Ting-Au concludes that Cantonese has an “internalized” coherence and that while Latin languages favour logic, Cantonese speakers prefer “intuition”

Teaching Portuguese to chinese students Cláudio Lo (pp. 99)

Based on his extensive experience teaching beginner’s Portuguese, the author highlights what he believes to be most relevant features of successful language learning: the care needed to keep students motivated and prevent them from dropping out at an early stage; the enthusiasm of the teacher; the need to adopt adequate texts and teaching materiais, bilingual dictionaries and grammar books, specialized dictionaries and the need for teachers to have a good command of both languages.

The budget in Macau’s Public Administration Jorge Bruxo (pp. 105)

No public or private organization, however large or small, however straightforward or complex, should start developing its activites without a clear understanding of the resources available for the same: planning has to come before action. One of the resources essential to organization is financing. Without financing it’s impossible to ensure that the desired objectives can be achieved. Prior to discussing the budget system in Macau s Public Administration (a topic which will be covered in future articles), the author examines the budgeting principies which shape the system and give it its special characteristics. Secondly, he gives a brief description of the budget in Macau.

An independent structure for professional training during the transition period José Carlos Mesquita (pp. 115)

Given that the development of human resources is necessary to economic development, it is also true that the reverse situation is one of the products. The cycle of cause/effect/cause justifies the development of human resources. In addition to the irreversible stake in society, there will be considerable short/mid term development due to the requirements imposed by extremely rapid economic growth. These requirements are even greater when we take into account that this economic growth involves considerable diversification. It is in view of this situation, with an understanding of the significant role of the education system, particulary in vocacional and technical and professional training that the author examines this issue. 344

Technical education and professional training: Hongkong’s experience H. R. Knight (pp. 129) This article presents a brief, historical overview of Hongkong’s economic and social development with a succinct description of post-war political, social and economic changes. These changes necessitated rational, organized predictions of labour requirements and training of workers with solutions offered by the government, employers and workers. There is a description of what has been achieved in the last two decades regarding technical education and professional íraining.

(Tradução inglesa de Marie McLoud)

345

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