NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE OESTERHELD

Amaury Fernandes

Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

RESUMO

Em nosso continente as histórias em quadrinhos com viés político devem muito da sua existência e importância à obra de Héctor Germán Oesterheld (1919 - desaparecido entre 1977 e 1978). O presente ensaio propõe a construção de um esboço biográfico, o estabelecimento de uma linha cronológica que alinhe o grau de engajamento político do roteirista à transformação dos aspectos ideológicos expostos em sua obra, em paralelo com o desdobramento da vida política da . Através da descrição e da análise de aspectos das narrativas das principais produções de Oesterheld, o objetivo central é evidenciar como seu envolvimento com movimentos políticos influencia na escolha de temas, cenários, discursos e no caráter dos personagens. Através de autores como Franco Ferraroti, Pierre Bourdieu e Leonor Arfuch buscamos construir uma breve biografia e, através do ferramental teórico da análise do discurso e da semiologia, descrever, detalhar e analisar as diversas séries de HQs, as biografias de personagens políticos da Argentina e demais trabalhos, para demonstrar o paralelismo existente entre a sua progressivamente maior participação na luta política da Argentina e a inclusão de aspectos profundamente ideológicos em seus trabalhos, vinculados aos grupos aos quais se filia. Assim podemos compreender parte de seu processo criativo, e construir um quadro com certa abrangência de sua obra, que circunscreva desde as suas primeiras produções na década de 1940 até as últimas, na segunda metade dos anos 1970, quando ocorrem seu sequestro e desaparecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Héctor Germán Oesterheld; Biografia; Política na Argentina; Quadrinhos.

NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE OESTERHELD Procuro por sempre em minhas histórias ação, vigor, emoção, com bastante humanidade. A história ideal é a que sacode o leitor no começo, o apaixona em seu desenvolvimento e o comove ao final. Caso a isso se possa agregar ternura, se chega a perfeição. Héctor Germán Hoesterheld (1958)1

Traçar um esboço biográfico de um artista com uma obra muito significativa em seu país, mas pouco conhecida no do pesquisador, é um trabalho que quase sempre comporta duas características contrastantes: em geral tem importância na divulgação de uma obra pouco acessível, o que abre caminho para novas investigações ao divulgar mais o biografado e sua

1 MONTERO, 2013,5.

produção e, por outro lado, é inevitavelmente algo lacunar, um texto no qual omissões bibliográficas e ruídos nas informações são fruto da distância geográfica entre o autor e o seu objeto de estudo e da dificuldade de contato com o contexto concreto da vida da personagem. Héctor Germán Oesterheld pode ser considerado o mais importante roteirista de histórias em quadrinhos da Argentina, certamente também um dos maiores de toda a nona arte. Autor de HQs já clássicas, sua biografia política é inextricavelmente entrelaçada com seu processo criativo. Para os argentinos é um dos autores mais importantes de sua literatura, dada a grandeza de sua obra, já para a maioria dos brasileiros é um nome pouco conhecido, pois sua vasta produção é parcamente traduzida para o português, com poucas edições de um reduzido volume de seus títulos, permanecendo praticamente inacessível aos leitores daqui até hoje. O presente ensaio é o ponto de partida de uma pesquisa que busca se somar aos esforços para popularizar o importante trabalho do roteirista argentino em terras brasileiras.

A QUESTÃO, A BUSCA E O CAMINHO Quais as relações existentes entre o engajamento em movimentos e grupos políticos e o processo criativo de Héctor Germán Oesterheld? Partindo desse questionamento busca-se comprovar que o progressivo envolvimento do escritor em atividades políticas – lícitas e ilícitas, chegando mesmo à participação em organizações da luta armada – igualmente de forma progressiva radicaliza o tom do discurso político do peronismo de esquerda em suas obras, além de aumentar o espaço destinado ao texto claramente ideológico nelas.

Um homem nunca é um indivíduo; seria melhor chamá-lo de universo singular: “totalizado” e ao mesmo tempo universalizado por sua época, ele a “retotaliza”, reproduzindo-se nela como singularidade. Universal através da universalidade singular da história humana, singular pela singularidade universalizante de seus projetos, exige ser estudado simultaneamente nos dois sentidos”. (FERRAROTTI, 1997, 55)2. As relações entre o indivíduo Oesterheld e o universo de sua época são clarificadas de forma trágica pelos fatos biográficos seus e de sua família. As significações universais

2 Todos as citações de referências em línguas estrangeiras foram livremente traduzidas pelo autor.

de sua obra formam a conexão dialética entre seu projeto como indivíduo e a sociedade na qual se insere. Suas criações expressam o dramático confronto entre e as mudanças que deseja e as condições objetivas nas quais vive, dentro das quais produz roteiros e argumentos para HQs em grande quantidade, de significativa qualidade e que constituem em bom referencial para a compreensão da biografia política da Argentina. Verificar se existem elementos suficientes no conjunto da sua produção artística para estabelecer uma clara relação entre a radicalização de suas crenças e atividades políticas e a escolha de temas, a construção das narrativas e o ethos das personagens é o caminho para a comprovação da hipótese levantada, ou para sua refutação. Para o desenvolvimento inicial da pesquisa visa-se: estabelecer linhas cronológicas da política e dos governos argentinos, da vida de Oesterheld (incluindo suas posições ideológicas e suas ligações com organizações políticas) e das histórias em quadrinhos que cria. Busca-se ainda descrever sinteticamente as características narratológicas de suas principais obras, suas temáticas e os discursos dos principais personagens elencados. Também acreditamos indispensável relacionar a existência de conexões diversas entre: a história de seu tempo, os fatos de sua vida, as mudanças em seu engajamento político e como este conjunto de fatores afeta suas criações artísticas, assim como de que forma essas refletem o imaginário dos grupos com os quais se relaciona, seja através do afeto ou do conflito.

(...) não podemos compreender uma trajetória (isso é, o envelhecimento social que, embora o acompanhe de forma inevitável, é independente do envelhecimento biológico) sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado – pelo menos em certo número de estados pertinentes – ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis. (BOURDIEU in: FERREIRA; AMADO [org.], 2006, 190 – grifo do autor). Para compreender a biografia de Oesterheld no campo no qual ela se desenrola, é adotada uma abordagem cruzada que busca observar as ações do escritor inseridas no panorama da história Argentina, tendo sempre em vista as relações estabelecidas por ele não só com relação ao plano de sua vida profissional, mas também no contexto familiar e

nas suas relações com os grupos políticos dos quais participa. Assim o presente trabalho trata de forma interdisciplinar a vida do roteirista e o contexto no qual ela se desdobra. Para tornar legíveis as complexidades da relação do indivíduo com sua participação nos diferentes “grupos sociais3” onde se insere, e as consequências disso em distintas fases da sua vida, aborda-se a forma como os grupos dos quais participa se inter-relacionam com os demais grupos sociais da sociedade argentina. As vidas do escritor e de sua família são dramaticamente afetadas pela participação de parte dos seus membros (ele, suas quatro filhas e três de seus genros) na política platina, o que acontece através de círculos sociais mais amplos: amigos, vida universitária e/ou profissional, agrupamentos políticos, alguns dos quais atuam de forma conflituosa, o trabalho é realizado procurando destacar quais aspectos dessa atuação interferem diretamente em seu processo criativo. A reconstituição do entrelaçamento desses aspectos de origens tão diferentes é realizada quando se conta essa história “(...) por meio de uma trama, ou seja, da invenção de uma origem, de um devir, de casualidades e acasos, personagens, ações, cenários principais e secundários, iluminações, esquecimentos e, é claro, a ancoragem de uma voz, a do narrador” (ARFUCH, 2010, 291-2 – grifos da autora). A origem é o nascimento de Oesterheld; as casualidades, acasos, personagens e ações estão delimitados pelos relacionamentos do escritor; a voz do narrador é assumida pelo pesquisador; as iluminações e esquecimentos são determinados pela obra artística, pelas HQs; assim, o conjunto composto permite compreender partes das complexas narrativas e os muitos sentidos das suas obras.

CRONOLOGIA DA POLÍTICA ARGENTINA E DA VIDA DE OESTERHELD. Para a melhor compreensão das motivações do engajamento do roteirista em organizações políticas é preciso traçar um panorama da história da argentina no período compreendido

3 O conceito de grupo social aqui utilizado baseia-se na sociologia de Georg Simmel (2012), para quem um ser humano constrói sua individualidade e sua sociabilidade através da participação em diferentes grupos sociais, desde a própria família (grupo primário), das associações profissionais, políticas e nacionais até a humanidade como um todo. Nesses grupos os indivíduos se associam por semelhanças, que são mais estreitas na medida em que o número de indivíduos que formam o grupo é mais restrito; no momento em que se expandem tendem a incluir indivíduos cujas semelhanças entre si são menores, mais pontuais e mais gerais.

entre seu nascimento e seu desaparecimento (1919-1978), relacionando os acontecimentos históricos com os fatos da sua vida pessoal, profissional e política. Para estabelecer uma cronologia das fases da República Argentina, aproximando o leitor do contexto vivido por Oesterheld, a divisão histórica traçada por José Luis Romero (2012) é basilar, e permite uma melhor compreensão dos seus diferentes períodos. Oesterheld nasce no ano seguinte ao fim da Primeira Guerra Mundial, cresce em uma sociedade profundamente diferente da que existia nas décadas anteriores. As décadas entre 1850 e 1880 são o período no qual a Argentina passa de um momento de guerra civil – que perdura intermitentemente da independência até quase a metade do século XIX – para o período no qual se molda a nação, inclusive geograficamente em função da Campanha do Deserto4. No período entre 1862 e 1874 os governos de Bartolomé Mitre e Domingos Sarmiento desenvolvem de forma muito sólida um sistema educacional público que, somado às mudanças na economia platina, favorecem a formação no período seguinte de setores médios e operários, o que altera o panorama social das grandes cidades . O período entre 1880 e 1916, denominado “A República Liberal”, é um momento de transição entre o país recém-formado e a nação moderna. O governo é exercido por representantes de um grupo de políticos conservadores “(...) que se une no que se chama de a geração dos 80. Eram espíritos cultivados que com frequência alternavam a política com as atividades da inteligência” (ROMERO, 2012, 125). Em 1916 a eleição de Hipólito Yrigoyen marca o final dessa época. A vitória do candidato da Unión Civica Radical é o sinal de que os conservadores da geração dos 80 não percebem a mudança social que ocorre durante seus governos, nos quais “a economia estava em estado de estagnação, começava um longo período de crescimento, e onde os caudilhos dominavam, o Estado começava a ganhar estabilidade e as estruturas modernas do estado-nação surgiam e se consolidavam” (ZANATTA, 2012, 74) e se estabelecem em moldes mais democráticos e, progressivamente, a participação política se abre aos cidadãos, em especial os da recém formada classe média e os do operariado. O nascimento de

4 O exército argentino empreende entre 1878 e 1885 uma série de campanhas para conquistar territórios tradicionalmente ocupados por populações nativas, esse processo é comandado por Julio Argentino Roca e determina a conquista efetiva de grandes extensões de terras do Pampa e da Patagônia.

Oesterheld ocorre poucos anos após essa passagem, com os representantes da Unión Cívica Radical ascendendo ao poder em 1916 e mantendo-se nele até 1930, período no qual se passa primeira infância do roteirista (1919-1930). Sua juventude e formação escolar acontecem entre dois golpes de estados. O primeiro liderado por José Uriburu (1930), que propicia o desenvolvimento da “República Conservadora” (1930-1943), e o segundo por Pedro P. Ramirez (1944), com apoio dos coronéis do GOU – Grupo de Oficiales Unidos, que depõe o governo de Ramón S. Castillo, passando ao período denominado por Romero (2012, 153) como o da “República de Massas”. Em meio a esse quadro político o escritor inicia sua vida adulta. Quando trabalha com geologia no Banco de Crédito Industrial, consegue sua primeira publicação: em uma edição de La Prensa, a de 3 de janeiro de 1943, é impresso o conto infantil Truila y Miltar. Um dos coronéis mais ativos do GOU é Juan Domingo Perón. Como membro do governo de Ramirez ocupa a Subsecretaria de Guerra no governo, e desse posto articula a sua indicação para o Departamento Nacional do Trabalho, onde organiza a Secretaria de Trabalho e Previdência com status ministerial, da qual será nomeado responsável. Ainda em 1944 Edelmiro J. Farrell substitui Ramirez no comando do governo. Posteriormente, através de articulações dentro do grupo que exerce o poder, Perón consegue acumular os cargos de Ministro da Guerra e Vice-Presidente. Em meio a essas transformações no país Oesterheld conhece Elsa Sara Sánches no ano de 1944. Em 1945 os adversários de Perón preocupados com seu empoderamento conseguem fazer com que Farrell ordene seu afastamento de todos os cargos que ocupa e a sua prisão. Em 17 de outubro de 1945 uma multidão ocupa a Praça de Maio e clama por Perón. Os mandatários do governo e os inimigos de Perón acuados são forçados a libertá-lo, e o trazem para a Casa Rosada com o intuito de acalmar a população. Perón aparece no balcão do palácio de governo, é ovacionado pela multidão que já gritava seu nome. Pede que todos retornem aos seus lares em paz ao final do discurso que profere. Os populares se retiram da praça e quase nenhum incidente ocorre em Buenos Aires, a exceção fica por conta da invasão e empastelamento de um jornal contrário ao líder. Após esse fato o 17 de outubro passa ser a data mais importante do peronismo.

É frequente que historiadores argentinos chamem aos governos eleitos de Governos de direito e os governos originados por golpes de estado de Governos de fato. Após dois golpes de estado, no ano em que completa 26 anos de idade, Oesterheld, começa a vivenciar um terceiro período político no qual a Argentina é governada por um presidente de direito: em 1945 Perón vence as eleições e a sua posse em 1946 é o marco inicial do peronismo clássico 5. Em 1947 Oesterheld termina seu curso de Geologia na Universidad de Buenos Aires, com isso recebe uma promoção no emprego e casa-se com Elsa no ano seguinte. A vida profissional como autor desenvolve-se, com uma primeira fase6 podendo ser datada entre os anos de 1943 (ano de sua primeira publicação) e 19577. Entre 1946 e 1947 começa a redigir profissionalmente contos infantis e textos de divulgação científica para as editoras Códex e Abril, na segunda editora começa a escrever roteiros para HQs em 1951. Apesar das temáticas de seus primeiros trabalhos seguirem as determinações da editora, sua imaginação já influencia nas estruturas narrativas das histórias. Em 1952 e em 1953 cria seus dois principais títulos desse período: Bull Rockett, (1952) com desenhos de Paul Campani, Francisco Solano López e outros, e Sargento Kirk (1953), com desenhos de , ambos são publicados na revista Misterix. Entre 1952 e 1957 nascem suas quatro filhas. Em junho de 1952 nasce Estela Inés Oesterheld, em agosto deixa emprego no Banco de Crédito industrial e passa a dedicar-se exclusivamente ao trabalho como escritor e roteirista de HQs; em outubro de 1953 nasce Diana Irene Oesterheld, no mesmo ano passa a contribuir para a revista Más allá de la

5 Os dados sobre o peronismo são fundamentados em GALASSO (2011). 6 A datação e as informações sobre a vida e a obra de Héctor Germán Oesterheld aqui estabelecida apoia-se nas informações de MONTERO (2012), OESTERHELD (1973, 2007a, 2007b, 2008, 2012) e RAMOS (2016). 7 Para essa pesquisa considera-se a fundação e o fechamento de Editorial Frontera (1957-1961) como o marco central da obra de Oesterheld, sendo esse o ponto que estabelece o recorte dado a esta. O elevado grau de liberdade criativa que o roteirista desfruta no período de trabalho na própria editora é determinante para essa decisão, praticamente apenas seu público e os parceiros na criação das HQs influem nas temáticas e nos conteúdos das obras. Na fase anterior de sua produção (1943-1956), com suas principais criações editadas por Editorial Abril, as determinações de seus contratantes influenciam muito vários aspectos de seus trabalhos. Na fase posterior ao fechamento de sua editora (1963-1977) retorna ao mercado, mas como um nome já consagrado. Nesse momento, ainda que tenha que atender demandas de seus contratantes, as interferências são menores e progressivamente vão sendo reduzidas na medida do seu engajamento político, e a influência dele em seu trabalho possibilita um estágio de liberdade criativa mais próxima ao período central de sua obra.

ciencia y la fantasia, publicação pioneira de ficção científica na Argentina; em janeiro de 1955 nasce Marina Oesterheld, e em junho de 1957 Beatriz Marta Oesterheld. Nessa época de sua vida professa politicamente o que Roberto von Sprecher qualifica como “socialismo democrático antiperonista” (2007, 2). No dia 26 de julho de 1952 Evita Perón falece vítima de um câncer. A radioatriz, que casa-se com Perón pouco antes de sua primeira eleição, transforma-se em figura muito destacada na vida argentina, ombreando o líder político nas ações de governo e sendo mesmo mais popular que ele, em especial junto aos segmentos mais necessitados da população. Sua morte acontece já no segundo mandato de Perón, reeleito em 1951. O fato determina uma modificação nos rumos do governo, uma vez que ela é a responsável pela interlocução direta com o povo. O governo passa a enfrentar dificuldades progressivas que levam a grandes dissidências internas e, em junho de 1955, durante um ato de apoio popular ao governo, acontece o bombardeio da Praça de Maio por aeronaves da marinha e da força aérea. Mais de 300 manifestantes são mortos, Perón é deposto em setembro do mesmo ano, seguindo para o exílio. O novo governo estabelece leis visando a desperonização do país, leis tão rígidas que mesmo pronunciar nome do ex-presidente em público torna-se crime. A segunda fase da vida profissional do escritor inicia-se com a fundação por ele e seu irmão de Editorial Frontera em 1957, com a Argentina ainda sob o governo originário do golpe de 1955. Nesse mesmo ano começam as edições das revistas Hora Cero e Frontera, com todos os roteiros de autoria de Oesterheld. Nas páginas dessas duas publicações são lançadas muitas das suas mais significativas produções, como Ticonderoga, Ernie Pike, Rolo, el marciano adoptivo e Sherlock Time. Em 1958 Arturo Frondizi é eleito, seu governo enfrenta dificuldades e, em 1962 há novo golpe de estado, que o depõe. Um ano antes, em 1961, Editorial Frontera já enfrenta grandes dificuldades financeiras, como consequência é vendida para a editora Emílio Ramírez, que repassa parte de seus títulos para a editora Vea y Lea em 1962, suas HQs são publicadas por essas casas editoriais até 1963.

Em 1957 cria a sua mais importante obra: El Eternauta, com desenhos de Francisco Solano López. A obra é editada por Editorial Frontera e publicada em partes na revista Hora Cero. O volume completo é publicado em 1959. Em 1963 Arturo Illia assume a presidência Argentina após vencer as eleições, a instabilidade gerada ao final do governo de Frondizi ainda ronda a frágil democracia e, em 1966 ele é derrubado por novo golpe de estado, liderado por Juan C. Onganía, que permanece no poder até 1970, quando é substituído por outros presidentes de fato. Logo após o fechamento de sua editora Oesterheld publica importantes títulos de sua obra em outras casas, com destaque para Mort Cinder (1962), Che: vida de Ernesto Che Guevara (1968) e a segunda edição de El Eternauta (1969). Nessa nova edição de seu principal trabalho a narrativa sofre pequenas variações, aproximando-a mais do pensamento da esquerda peronista radical, fruto de sua aproximação da agrupação armada Montoneros. Maio de 1969 é a data de uma série manifestações realizadas por jovens em todo o mundo. Na Argentina, em meio a revoltas populares, a cidade de Córdoba é tomada por estudantes, sindicalistas e operários, apoiados pela maioria da população, fato conhecido como El Cordobazo, a cidade permanece durante dois dias sob controle de forças populares. Uma célula de Montoneros, em junho de 1970, sequestra o ex-presidente e general Pedro E. Aramburu. Na sequência os membros da organização promovem o seu julgamento, o condenam a morte e executam o líder do golpe que destitui Perón em 1955. Ainda no exílio na oportunidade, Perón chama o movimento estudantil Juventud Peronista e o grupo armado Montoneros de “juventude maravilhosa”. A Argentina se encontra em grande agitação política em fins da década de 1960 e começo da de 1970. Juan D. Perón retorna brevemente à Argentina em fins de 1972 (17/11 a 14/12), suas articulações resultam na convocação de eleições presidenciais para o ano seguinte. Os militares que comandam o governo argentino enfrentam forte resistência e confrontos de toda sorte, diante desse quadro cedem às pressões e permitem sua volta definitiva, mas a condicionam ao fato de que ela somente ocorra após o fim do prazo legal para que os candidatos às eleições presidenciais convocadas comprovem que residem no

país. Mesmo com fortes embates internos no Partido Justicialista8, o candidato do peronismo Héctor J. Cámpora consegue vencer o pleito e tomar posse em março de 1973. Os conflitos internos do peronismo acentuam-se, pois o movimento na época já abriga membros com visões de mundo desde a extrema direita até a extrema esquerda. Em 20 de junho, dia do desembarque de Perón no aeroporto de Ezeiza, na grande Buenos Aires, ocorre um grave enfrentamento entre militantes de direita e de esquerda do peronismo no entorno do local, fato que fica conhecido como O Massacre de Ezeiza. O ex-presidente desembarca em outro aeroporto, longe do conflito. O fato acaba influenciando a política nacional e Cámpora renuncia em julho, com a presidência passando provisoriamente para Raúl A. Lastiri, que organiza novas eleições presidenciais, vencidas por Perón, que assume pela terceira vez a presidência em 12 de outubro de 1973. O ano de 1973 é marcado por publicações de Oesterheld em órgãos ligados à Montoneros, em especial a HQ 450 años de guerra contra el Imperialismo, fruto da sua inclinação política, que radicaliza-se profundamente durante a década de 1970.

“(...) como tantos jovens, operários e intelectuais naqueles anos de ditadura e proscrições. Sua opção será o peronismo revolucionário (...). Entre 1973 e 1974, já fazendo parte da estrutura de imprensa de Montoneros, concebe histórias em quadrinhos com um compromisso político explícito para a revista El Descamisado, para o jornal Noticias e a seguir para a revista clandestina Evita Montonera”. (VON SPRECHER, 2007, 2). Por sua história e premissas o peronismo tem no 1º de maio sua segunda data mais importante, e os atos do Dia Internacional do Trabalho na Praça de Maio são comemorações que sempre marcam encontros entre lideranças peronista e o povo argentino. No ato de 1974 ocorre o confronto entre Perón e os manifestantes de Juventud Peronista/Montoneros, que cobram dele maior participação no governo. Perón os rejeita, chamando-os de “estúpidos” e “imberbes”, a data fica marcada pelo rompimento entre a jovem militância radical da esquerda peronista e o velho líder icônico do movimento. Ao abandonarem a praça esvaziam cerca de um terço do seu espaço, deixando claro o tamanho da cisão que o fato significa.

8 Justicialista é o nome dado ao partido que adota o peronismo, conjunto de ideias político-filosóficas expressas por Juan D. Perón em seus livros e em textos esparsos.

Neste período o governo argentino enfrenta sérios problemas econômicos, que se tornam mais graves com a crise do petróleo. Em 1º de julho de 1974 Perón não resiste à problemas de saúde e morre, sua vice-presidente e esposa María Estela M. de Perón, conhecida como Isabelita Perón, assume o governo. As confrontações entre a militância de esquerda peronista e agrupamentos de direita do próprio movimento tornam o clima político do país ainda mais instável. Em 24 de março de 1976 Isabelita Perón é deposta por novo golpe de estado, o quinto vivenciado por Oesterheld. Jorge R. Videla assume a presidência pouco tempo depois e permanece como mandatário máximo do país até o ano de 1981. Com mais de 50 anos, já na década de 1970, Oesterheld publica inúmeros outros títulos, entre os quais destacam-se Evita, vida y obra de Eva Perón (1970), La Guerra de los Antartes (1970 e 1974), o citado 450 años de guerra contra el Imperialismo (1973) e El Eternauta II. Muitos desses trabalhos são publicados com o escritor já na clandestinidade. A segunda metade dos anos 1970 marca a família de Oesterheld tragicamente. Em 19 junho de 1976 Beatriz é sequestrada no caminho para San Isidro; em 07 de julho seu corpo é devolvido a sua mãe Elsa após seu assassinato. Em 07 de agosto do mesmo ano Diana é sequestrada em San Miguel Tucumán grávida de seis meses, junto com seu filho Fernando Carlos Araldi Oesterheld. O menino é abandonado pela polícia na Casa de Cuna da cidade como a designação de NN (nom nombrado), posteriormente é recuperado pelos avós paternos. Há relatos de que ela dá à luz nas instalações do Campo de Mayo e é assassinada tempos após o parto. A localização de seu corpo e o paradeiro de seu segundo filho são desconhecidos. Em 27 de abril de 1977, na cidade de La Plata, Oesterheld é sequestrado por forças militares e levado às instalações do Campo de Mayo, há relatos de que posteriormente é transladado ao centro clandestino de detenção de El Vesubio – em La Matanza, Buenos Aires. Entre 27 de novembro e 05 de dezembro Marina é sequestrada ao sul de Buenos Aires, grávida de oito meses. Há relatos de que também dá à luz nas instalações do Campo de Mayo sendo igualmente assassinada tempos após o parto. A localização de seu corpo e o paradeiro de seu filho também são desconhecidos. Ainda em 1977, mas já em 14 de dezembro (data provável) na localidade de Longchamps (Buenos Aires) há relatos de que

Estela é assassinada grávida de quatro meses. Seu filho (Martín Miguel Mortola Oesterheld) é sequestrado e levado ao encontro de Oesterheld em seu cativeiro na tentativa de o intimidar, sem surtir efeito, após este fato a criança é entregue a Elsa. O corpo de Estela segue desaparecido. Acredita-se que HGO9 é assassinado entre janeiro e fevereiro de 1978, na localidade de Mercedes, cerca de 100 quilómetros a oeste de Buenos Aires, seu corpo segue desaparecido. O pai, as suas quatro filhas e três genros são assassinados ou desaparecem entre 1976 e 1978, há relatos ainda de que dois netos de Oesterheld são apropriados por seus algozes (o termo apropriados é aqui utilizado por ser a tradução literal da nomenclatura utilizada pelas organizações Madres de Plaza de Mayo e Abuelas de Plaza de Mayo).

HISTORIETAS DE OESTERHELD. Com o conjunto da obra dividido nos três períodos recortados é possível organizar mais de 100 títulos de HQs10, muitos deles com edições semanais ou mensais por vários anos. No conjunto da obra há uma grande variedade de temáticas, em muitas HQs os temas se misturam, sendo comum que mesclem temas como ficção científica e política, por exemplo. Há produções de faroeste, de guerra, biográficas, de terror, gauchescas11, etc. As criações reconhecidas como as literariamente mais importantes são majoritariamente as do campo da ficção científica, politicamente as de cunho historiográfico também são relevantes. As HQs de faroeste e de guerra são bastante frequentes no conjunto da obra. No período anterior a fundação de Editorial Frontera, com recorte entre os anos de 1943 e 1957, dezesseis HQs são criadas. Destacam-se Bull Rocket (aventureiro) e Sargento Kirk (faroeste). O segundo título é levado por Oesterheld para Editorial Frontera, em função do acordo com Editorial Abril quando de sua saída desta empresa. Paulo Ramos

9 As iniciais HGO é usado por diversos autores para designar Héctor G. Oesterheld. Ao longo de sua produção, por motivos diversos, o roteirista utiliza vários pseudônimos: H. Sturgiss, Germán de la Vega, Francisco G. Vázquez, Germán Sturgiss, Héctor Sánchez Puyol, Joe Trigger e Patrick Hanson. 10 Grande parte dos dados das HQs criadas por Oesterheld (títulos e as datas) são de FERREIRO et alli (2005). 11 Tipifica-se como Gauchescas histórias que exploram a temática da vida típica dos Pampas e cujos personagens são gaúchos (peões de boiadeiro), nativos autóctones, fazendeiros e lavradores.

(2016, 136) e Hugo Montero (2013, 21-2) descrevem ainda uma história infantil com o título de Gatito, produzida em 1952, que tem algumas características das HQs, inicialmente o conjunto descrito nos dois textos se enquadra melhor como história ilustrada. Bull Rocket é lançado em 1952, os roteiros de Oesterheld, protagonizados por um piloto de provas (demanda da editora) ganham desenhos de Paul Campani. As fontes bibliográficas consultadas consideram que essa HQ segue o esquema clássico dos quadrinhos, a temática é a das aventuras e as histórias são ambientada nos EUAs. Sargento Kirk marca o início da parceria com Hugo Pratt, que a desenha. A história é lançada em 1953 e a temática (faroeste) é outra demanda da direção de Editorial Abril. A estrutura narrativa da HQ possui traços do poema narrativo gauchesco Martín Fierro, de José Hernández (1872), um clássico da literatura argentina. As duas HQs citadas acima são concebidas para atender demandas de mercado percebidas pela direção de Editorial Abril. No entanto, Oesterheld introduz mudanças no perfil do protagonista da primeira história, transformando-o de apenas um piloto de provas (a demanda inicial) para um tipo aventureiro, que se utiliza de seus amplos conhecimentos para resolver os problemas que enfrenta em diferentes cenários. Já em Sargento Kirk o roteirista – que recebe a encomenda de criar uma história de faroeste – concebe um protagonista que é um anti-herói: um sargento do exército estadunidense que deserta após participar de um massacre de indígenas, passando a viver junto a outra tribo indígena; as histórias são ambientadas nos EUAs. Se na primeira história apenas a ampliação do arco narrativo pode ser a motivação para a mudança do perfil do protagonista, na segunda a opção é por estruturar a narrativa a partir do conflito psicológico interno do personagem central, criando ainda um grupo que o cerca em suas aventuras e delas participa ativamente. O ethos do personagem do sargento é determinado pelo seu conflito de consciência, e o discurso da obra é articulado de forma a possibilitar que o autor expresse seu humanismo socialista através dele e de seus companheiros. No período de funcionamento de Editorial Frontera (1957-1961) são publicados 52 títulos. Destacam-se Ticonderoga, Ernie Pike, El Eternauta (todas lançadas em 1957) e

Sherlock Time (1958). Nesse período o número de parcerias12 aumenta, uma vez que a produção de Oesterheld é muito grande, pois todos os roteiros de todas as HQs das publicações da editora são de sua autoria. Algumas se consolidam de forma definitiva, como a com Solano López, desenhista de El Eternauta; outras são desdobradas em novas produções importantes, como a com Pratt, que é o primeiro desenhista de Ticonderoga e Ernie Pike e como a com , que desenha Sherlock Time. Ticonderoga é uma narrativa de aventura que tem como pano de fundo a Guerra dos Sete Anos, ocorrida no século XVIII. Passa-se nas terras da América do Norte, nativos e colonos britânicos e franceses em conflito são seus personagens. Joe Flint, conhecido como Ticonderoga, Caleb Lee (que é o narrador) e o índio Numokh, “o homem que caminha”, compõem o núcleo central da narrativa, que é ambientada nos EUAs – cenário frequente na produção da época no mercado argentino, fortemente influenciado pela cultura de massas do pós-guerra, assim como grande parte da América Latina. Mais uma vez o protagonismo está dividido pelo grupo central, e o discurso do humanismo socialista do roteirista atravessa a narrativa, acentuando a honra, a bravura e o companheirismo entre os personagens. Ernie Pike é um trabalho com temática de guerra. O personagem central é criado tendo como referência a vida do correspondente de guerra Ernie Pile. O desenho que Pratt faz para o protagonista retrata ao próprio Oesterheld, a narrativa da HQ é centrada no lado humano das guerras, nos dramas pessoais, não tomando partido entre os lados inimigos. Nesse trabalho o humanismo socialista do escritor a época ainda é axial na estruturação da narrativa.

12 Oesterheld publica com um número grande de desenhistas, no presente trabalho optamos por registrar apenas as parcerias das obras enfocadas pela pesquisa até a presente data.

Figura 1 – El Eternauta, desenho de Solano López. Fonte: OESTERHELD e LÓPEZ (2008).

El Eternauta é considerada a obra-prima de Oesterheld. Desenhado por Solano López tem como protagonista Juan Salvo, que durante a aventura passa a viajar no tempo. No começo da HQ, em uma noite o protagonista surge do nada no escritório do roteirista Germán Oesterheld (alter-ego do autor) e relata suas histórias. Mais uma vez a narrativa é concebida com um núcleo central de personagens que reparte o protagonismo. A história descreve a luta em Buenos Aires contra uma invasão de extraterrestres, que pretendem dominar a terra e escravizar a humanidade, tal qual já fazem com outras raças, que usam como tropas para a invasão. Os valores do humanismo socialista aparecem de forma clara não só nas falas dos personagens, mas também na estrutura da narrativa. No entanto, a HQ incorpora dados ideológicos do peronismo clássico, que comporta aspectos do socialismo. No ethos de vários personagens é possível perceber traços comuns entre as duas vertentes políticas. Sherlock Time, com desenhos de Alberto Breccia, é uma série ficção científica com toques de romance policial. O protagonista é o personagem título, coadjuvado pelo aposentado Julio Luna, a quem salva de ser abduzido por uma civilização intergaláctica. Nessa HQ a narrativa é de ficção científica somada ao mistério policial, sendo o trabalho mais voltado às expectativas do público por simples entretenimento. Entre 1962 e seu desaparecimento em 1977 são registrados mais 53 títulos, quatro deles publicados postumamente. Oesterheld escreve suas primeiras HQs biográficas, claramente com intenções políticas. Em que pese a manutenção de temas comerciais, a

partir da segunda metade da década de 1960 e após 1973 (quando o escritor segue trabalhando mesmo na clandestinidade ) são lançados vários títulos nos quais tanto as temáticas, quanto o discurso deixam as mudanças do seu pensamento político mais claras, com o abando das posições ligadas ao humanismo socialista e à socialdemocracia e assumindo o radicalismo do peronismo revolucionário cada vez mais acentuadamente. Deste período destacam-se Mort Cinder, Che: Vida de Ernesto Che Guevara, a 2ª edição de El Eternauta, Evita, vida y obra de Eva Perón, La Guerra de los Antartes, 450 años de guerra contra el Imperialismo, Nekrodamus e El Eternauta II. Ramos (2016, 145- 6) cita ainda Os Beatles para a editora Hachedé, de 1968, uma espécie de biografia da banda. As biografias dos dois maiores ícones do peronismo revolucionário, Ernesto Guevara (1968, desenhos de Alberto Breccia e de seu filho Enrique Breccia) e Eva Perón (1970, desenhos de Alberto Breccia), assinalam a aproximação com o imaginário da esquerda radical peronista, em especial com a Juventud Peronista e com a organização armada Montoneros. É possível afirmar que a HQ 450 años de guerra contra el Imperialismo (1973, desenhos de Leopoldo Durañona) reflete a passagem definitiva para os quadros de Montoneros e o ingresso de Oesterheld na sua estrutura de imprensa, pois ela é publicada pelo órgão oficial da organização, a revista El Descamisado – que tem esse nome em homenagem a forma afetuosa pela qual Evita se dirige aos pobres da Argentina (mis descamisados). Em que pese o título, e um início abordando a chegada dos espanhóis e o princípio da colonização, com o seu desenvolvimento o relato passa a ser focado na história da América do Sul, posteriormente recorta mais especificamente o Vice-Reino do Prata, e a parte final possui uma narrativa referenciada exclusivamente na história da Argentina. Na segunda parte de El Eternauta (1976, com desenhos de Solano López) Oesterheld assume em definitivo o discurso revolucionário de Montoneros. A história é reiniciada do ponto no qual é interrompida na primeira parte: a amnésia de Juan Salvo e sua separação do roteirista Germán Oesterheld. Na continuação há uma mudança radical no comportamento do protagonista, que passa a agir como líder guerrilheiro, e do narrador e

alter-ego de Oesterheld que, transportado no tempo juntamente Salvo, abandona a postura de ouvinte passivo, assumindo um papel de destaque ao lado do herói na guerra contra os invasores. No quadro abaixo a fala do personagem ao lado do alter-ego do roteirista expressa de forma resumida o seu pensamento a época, quando já estava completamente integrado aos quadros das organizações de resistência às forças armadas argentinas e opositoras das organizações de extrema direita, como a Triple A – Alianza Anticomunista Argentina.

Figura 2 – El Eternauta II, desenho de Solano López.

Fonte: OESTERHELD e LÓPEZ (2007a, 150).

CONCLUSÕES PRELIMINARES A pesquisa encontra-se em uma etapa inicial, com a coleta do material e a redação da biografia ainda em estágio preliminar. Entretanto, é possível observar claramente determinados aspectos no conjunto da obra e na biografia de Héctor Germán Oesterheld. A sua obra literária possui grande abrangência, inclui contos, textos de divulgação científica, histórias em quadrinhos e trabalhos inovadores como ¡¡Platos voladores al ataque!!, com desenhos de Alberto Breccia, publicada no formato de 100 figurinhas colecionáveis (RAMOS, 2016, 149), com ilustrações em uma face e textos na outra. Não há predomínio de um tema em específico no conjunto das HQs, com maior incidência da ficção científica, das policiais, das aventuras e do faroeste, tendo as narrativas

com fundo historiográfico um destaque do ponto de vista político. É frequente a mescla de temas para a construção dos roteiros. Ainda que trabalhando sob encomenda, por sua criatividade o viés das suas crenças políticas fica claro em boa parte da produção, mesmo que introduzido subterraneamente. Nos mais de 26 anos de trabalho a preocupação com o lado humano dos personagens nas narrativas é consistente. A segunda edição da primeira história de El Eternauta (1969) é o ponto de inflexão na obra de Oesterheld e assinala a subida do tom político de suas narrativas, o que está esboçado nas biografias de Che Guevara e Evita, escritas anteriormente – ainda que a segunda seja publicada apenas em 1970. Em 450 años de guerra contra el Imperialismo (1973), La guerra de los Antartes (1974) e El Eternauta II (1976), a politização se radicaliza, elevando o tom do discurso anti-imperialista e revolucionário de extrema esquerda. El Eternauta II é explicitamente um libelo a favor de Montoneros e da resistência armada. Há relatos de que mesmo no cárcere Oesterheld segue escrevendo, se utiliza de pequenos pedaços de papel para fazer apontamentos, talvez em uma tentativa de manter a própria sanidade em situação tão extrema, talvez como forma de confrontar seus algozes.

REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. M.; AMADO, J. Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 8 ed. 183-191 p. FERREIRO, Andrés; et alli. Oesterheld en primera persona. HGO, su vida y su obra. Sevilha: La Bañadera del Comic, 2005. GALASSO, Norberto. De Perón a Kirchner: apuntes sobre la historia del peronismo. Buenos Aires: Punto de Encuentro, 2011. MONTERO, Hugo. Oesterheld, la biografía: viñetas y revolución. Lomas de Zamora: Sudestada, 2013. OESTERHELD, H. G.; DURAÑONA, Leopoldo. America Latina 450 años de guerra. Buenos Aires: El Descamisado, 1973. OESTERHELD, H. G.; LÓPEZ, Solano. El Eternauta II. Buenos Aires: Doedytores, 2007a. OESTERHELD, H. G.; LÓPEZ, Solano. El Eternauta. Buenos Aires: Doedytores, 2008. OESTERHELD, H. G.; MURRAY, L.A.; BRECCIA, A.; BRECCIA, Enrique. Evita/El Che. Buenos Aires: Arte Gráfico Editorial Argentino, 2007b. Nueva Biblioteca Clarín de la Historieta – vol. 15. OESTERHELD, H. G.; TRIGO, Gustavo. La guerra de los Antartes. Buenos Aires: Colihue, 2012.

RAMOS, Paulo. Bienvenido: um passeio pelos quadrinhos argentinos. Campinas: Zarabatana Books, 2016. ROMERO, José Luis. Breve historia de la Argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2012. SIMMEL, Georg. Sobre la individualidad y las formas sociales: escritos escogidos. Quilmes: Universidad Nacional de Quilmes, 2002. VON SPRECHER, Roberto. A las balas el pecho. El modelo social y la ética de montoneros en Héctor Germán Oesterheld: el segundo Eternauta como héroe montonero y la autoinmolación del autor. Palestra apresentada na V JORNADAS DE ENCUENTRO INTERDISCIPLINARIO “Las Ciencias Sociales y Humanas en Córdoba” (Facultad de Filosofía y Humanidades- UNC,10 y 11 de mayo de 2007. Centro de Investigaciones de la Facultad de Filosofía y Humanidades “María Saleme de Burnichón”; Secretaría de Investigación Ciencia y Técnica). Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/28209331_Discurso_montonero_en_las_historietas_de_H ector_German_Oesterheld, acessado em 18 de agosto de 2018. ZANATTA, Loris. Historia de América Latina: de la colônia al siglo XXI. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2012.