UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PEDRO CAMILO ROSA

ALVA NOTO E NA PERFORMANCE “ LIVE”: DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

SÃO PAULO MARÇO / 2015

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PEDRO CAMILO ROSA

ALVA NOTO E RYUICHI SAKAMOTO NA PERFORMANCE “INSEN LIVE”: DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

D ss rt o pr s nt o Pro r m P s- Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.

Orientadora: Profa. Dra. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA.

SÃO PAULO MARÇO / 2015

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

PEDRO CAMILO ROSA

ALVA NOTO E RYUICHI SAKAMOTO NA PERFORMANCE “INSEN LIVE”: DIALOGISMO SONORO E SEUS ASPECTOS PROJETUAIS

Dissertação de Mestrado

D ss rt o pr s nt o Pro r m P s- Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora.

Profa. Dra. Mirtes Marins de Oliveira. Orientadora Mestrado em Design Anhembi Morumbi

Prof. Dra. Lisette Lagnado Examinadora Externa EAV Parque Lage

Profa. Dra. Luisa Paraguai Examinadora Interna Universidade Anhembi Morumbi

SÃO PAULO MARÇO / 2015

To os os r tos r s rv os pro r pro u o tot l ou p r l o trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

PEDRO CAMILO ROSA.

Professor do curso de Produção Musical da Universidade Anhembi Morumbi das disciplinas com vertentes tecnológicas, musicais e de gerenciamento de projetos. Bacharel em música formado pela Faculdade Mozarteum de São Paulo (1993) com performance em violão erudito. Pós graduado pela UAM em Educação no Ensino Superior (2012). Pesquisador em tecnológica e design de som alinhados com o programa de Mestrado (Stricto Sensu) em Design da Universidade Anhembi Morumbi.

R695a Rosa, Pedro Camilo Alv Noto Ryu h S k moto n p rform n “ ns n l v ”: lo smo sonoro e seus aspectos projetuais / Pedro Camilo Rosa. – São Paulo, 2015. 91f.; 30 cm.

Orientadora: Prfa. Dra. Mirtes Marins de Oliveira. Dissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2015. Bibliografia: f.88-91.

1. Design-projeto dialógico. 2. Composição musical. 3. Dialogismo sonoro-visual. I. Título. CDD 741.6

Dedico este trabalho aos meus pais Flávio Rosa e Maria Aparecida pelo exemplo de vida e força motivadora para chegar até aqui.

Agradecimentos

qu r professora e orientadora Drª. Mirtes Marins que me ajudou a compreender o tamanho deste desafio, sempre com muita paciência e dedicação me ajudou a dar dinamismo e objetividade durante todo o processo de construção deste trabalho. Agradeço a todo corpo docente do Programa de Mestrado em Design da Universidade Anhembi Morumbi principalmente as professoras Drª. Agda Regina De Carvalho, Drª. Luisa Paraguai, Drª. Ana Mae Barbosa e a coordenadora Drª. Rachel Zuanon pela paciência e dedicação. Aos meus colegas professores Guima, Mário Cesar, Edu Vianna, Fernão, Peninha, Ricardo, Cris e Marli pelo apoio e ajuda nas pesquisas e trocas de informação. Um agradecimento especial a todo trabalho feito pela secretaria na pessoa da Antônia, querida amiga que sempre se desdobrou para me ajudar nos momentos de dúvida. Aos meus amigos Figueiredo e Ricardo que permaneceram ao meu lado me ouvindo sempre com muita paciência e ajudando nas minha reflexões e nos momentos difíceis.

Resumo

Este trabalho pretende investigar as variações e extensões criadas no diálogo entre músicos durante uma performance ao vivo, considerando o processo de relações entre som e imagem por meio das narrativas musicais. Toda a pesquisa desenvolvida neste trabalho será norteada pelo estudo da proposta projetual de design criada no processo dialógico entre o músico e artista sonoro Alva Noto em dueto com o pianista e compositor Ryuichi Sakamoto durante a performance ao vivo mús “ax Mr. L”1. Compreende-se a proposta projetual como o processo de construção do diálogo entre os músicos, que acontece na pré-produção, com o preparo do arranjo musical e sequenciamento sonoro-visual e na execução ao vivo da performance. Para isso serão apresentados aqui o conceito de dialogismo de Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) e seus desdobramentos, estudados nos trabalhos desenvolvidos pela professora e linguista Diana Barros 2 . A semioticista Julia Kristeva3 apresenta a compreensão de intertextualidade, conceito estruturante do dialogismo, e é também estudada e apresentada no trabalho. No texto Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade (BARROS, 2011, p. 1), é apresentado um entendimento do conceito de dialogismos mais adaptado à contemporaneidade e à investigação das relações dialógicas dos discursos no universo musical. A contextualização histórica dos estudos de Bakhtin é apresentada no l vro “B kht n o Círculo” (BRAIT, 2009, p. 9). Todo trabalho de análise musical desenvolvido na presente pesquisa é baseado nos estudos de análise musical do musicólogo britânico Philip Tagg 4 e serve não só para analisar a composição do músico Ryuichi Sakamoto, mas também como suporte para entender os processos de estruturação do projeto sonoro de Alva Noto. Palavras-chave: Dialogismo sonoro-visual, Alva Noto & Ryuichi Sakamoto, projeto dialógico no campo do Design.

1 A música está registrada em vídeo e faz parte do DVD Insen Live (11a faixa), publicado pela gravadora alemã Raster-Noton durante a turnê do duo Alva Noto & Ryuichi Sakamoto em 2006, nas cidades de Porto, em Portugal, e Barcelona, na Espanha. 2 O livro consultado foi: Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. 3 O livro consultado foi: Introdução à Semanálise. 4 Um dos fundadores da International Association for the Study of Popular Music – IASPM.

Abstract

This academic essay intends to investigate the variations and ranges created in the dialogue between musicians during a live performance, considering the relations between image and sound by means of musical narratives. All the research carried out in this essay is guided by the study of the design project proposal created in the dialogue process between the musician and sound artist Alva Noto in duet with the pianist and music composer Ryuichi Sakamoto during the live performance of the son “ax Mr. L”5. The project proposal is a dialogue building process between the musicians, and takes place during the pre-production, by means of the musical arrangement preparation and sound-visual sequencing, and during the live performance. To that end, the concept of dialogism by Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895- 1975) and its ramifications, as produced in essays by Professor and Linguist Diana Barros 6 , will be presented. Semiotician Julia Kristeva 7 introduces an insight on intertextuality, a structural concept of dialogism, also studied and presented in this essay. In the book Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade (BARROS, 2011, p. 1), a contemporary definition of the dialogism concept associated with the investigation of dialogical relations between speeches within the musical universe is produced. The ook “B kht n o Cír ulo” (BRAIT, 2009, p. 9) presents a historical contextualization on Bakhtin’s studies. The entire musical analysis developed within this research is based on British musician Philip Tagg’s8 musical analysis studies, not only to analyze the musical composition of Ryuichi Sakamoto, but also to help enlighten the sound project structuring processes of Alva Noto. Keywords: Sound-visual dialogism, Alva Noto & Ryuichi Sakamoto, dialogic project in the Design area.

5 The sound is recorded in video and is part of the DVD Insen Live (11th track), recorded by the German label Raster-Noton during Alva Noto & Ryuichi Sakamoto duo tour in 2006, in the cities of Porto, Portugal, and Barcelona, Spain. 6 Book title: Dialogismo, polifonia, intertextualidade em torno de Bakhtin. 7 Book title: Introdução à Semanálise 8 One of the founding members of the International Association for the Study of Popular Music – IASPM.

Sumário

Introdução 12

1 Contextualização histórica e conceitual da pesquisa 1.1 Histórico Estético Alva Noto & Ryuichi Sakamoto 16 1.2 O Som e a Produção Visual 28 1.3 Dialogismo Sonoro e Visual 33 1.4 Modelo analítico da composição musical 39

2 Análise da Performance 2.1 Análise Musical Formal 43 2.2 Análise Sonora 50 2.3 Análise Visual 60

3 Aspectos Projetuais 3.1 Projeto Dialógico Sonoro 65 3.2 Projeto visual 73 3.3 Projeto Técnico: a mecânica do diálogo 78

Considerações Finais 86 Bibliografia 88

Lista de figuras

Figura 1. 17 Alva Noto em uma performance solo. Evento TOUCHDESIGNER IN THE ROOM, MUTEK_10 (2009) Canadá. Fonte: site oficial do artista 2015. Figura 2. 25 Projeto gráfico da discografia de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto. Fonte site oficial da gravadora raster-noton 2015. Figura 3. 29 Ópera Einstein on the Beach escrita por Philip e dirigida por Robert Wilson encenada na Academia de Música do Brooklyn. Fonte Revista Pitchfork Media Inc (2012) Figura 4. 31 Performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto, música ax Mr L. Fonte DVD Insen Live (2006). Figura 5. 36 Dimensões do espaço textual Literário. Fonte: o autor, 2014. Figura 6. 37 Dimensões do espaço textual literário musical. Fonte: o autor, 2014. Figura 7. 42 Correspondência hermenêutica por meio de comparação entre objetos. Fonte: TAGG, 1982, p. 21. Figura 8. 45 Quadro descritivo musical. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do CD com o mesmo nome publicação em vinil pela MCA Recordes (1983). Fonte o autor 2015 Figura 9. 47 Escala Pentatônica. Fonte o autor, 2015. Figura 10. 48 Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr L wr n ” s o o p no Font : p rt tur Y no Mus Pu l sh n Company Limited, Japan 1982. Figura 11. 49 Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr L wr n ” S o o t m or l v Font o utor, 2015 Figura 12. 50 Formação dos acordes. Fonte o autor, 2015. Figura 13. 52 Quadro descritivo sonoro. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live publicação em 2006 pela gravadora Raster Noton. Fonte o autor 2015. Figura 14. 54 Partitura da melodia do compasso Motivo Musical Básico da música Merry

Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live. Fonte o autor 2015. Figura 15. 55 Fonte Partitura Universal Edition, Viena em 1923 Figura 16. 55 Estrutura intervalar das melodias Serenade from Hassan (esquerda) e ax Mr L (direita). Fonte o autor, 2015 Figura 17. 56 Fragmento inicial da composição Badinerie de J. S. Bach. Fonte Chester Musica Limited, London, 2003 Figura 18. 57 Quadro comparativo da articulação do fragmento coletada da música de J.S. Bach com fragmento musical Motivo Musical de Ryuichi Sakamoto. Fonte o autor 2015. Figura 19. 58 Fragmento inicial da música Arabesque No.2 de Claude Debussy. Fonte Musicnotes, Inc. 2009 Figura 20. 59 Fonte: Musicnotes, Inc. 2014 Figura 21. 61 Gr strutur nt m ns us n p rform n mús “ x Mr L Font ”, o utor 2015 Figura 22. 62 Partitura projetada sobre o grid. Fonte o autor 2015 Figura 23. 63 Duas amostras extraídas do filme Synchromy (1971) do cineasta Norman McLaren. Fonte: National Film Board of Canada (2014). Figura 24. 68 Espectro de frequência da música ax Mr. L em destaque parte executada ao piano. Fonte o autor 2015. Figura 25. 70 Espaço auditivo humano com destaque a amplitude frequencial do piano. Fonte o autor 2015. Figura 26. 72 Espectro de frequência da música ax Mr. L. Em verde, espectro de frequências dos sons eletrônicos não usados pelo pianista. Fonte o autor 2015. Figura 27. 74 Padrões formatadores das figuras. Fonte: o autor, 2015. Figura 28. 77 Amostragem das imagens criadas durante a performance da música ax Mr. L. Fonte o autor 2015. Figura 29. 79 Alva Noto e seu set de equipamentos eletrônicos. em destaque no centro da

imagem o sintetizadores Synthi AKS da EMS. Fonte Adroyt Partners Inc publicado em 2012 Figura 30. 80 Renderização feita para pré-visualização do palco na performance dos artistas Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Fonte meda36 . (2014) Figura 31. 80 Destaque em vermelho o circuito do sinal de áudio usado como retorno para os músicos. Foto editada pelo autor. (2015) Figura 32. 81 Esquema de Cabeamento, circuito do sinal de áudio. Fonte o autor 2015 Figura 33. 83 Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída do o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011) Font D n ty TV Cr w (2015). Figura 34. 84 Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída e t p lo utor, o o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011) Font Dancity TV Crew (2015).

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Introdução

A linha de pesquisa na qual o trabalho se insere, no âmbito das atividades do Programa de Pós Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi, é a de Design, Meios Interativos e Emergentes, que estuda neste trabalho a interação dialógica entre músicos através da tecnologia dando, destaque aos aspectos projetuais da linguagem sonora e visual. Este trabalho foca nos aspectos projetuais das linguagens sonoras e visuais e que operam usando interfaces digitais e um instrumento musical. Os aspectos projetuais apontados neste trabalho são: o espectro de frequências onde são estudadas as regiões do espectro frequencial que cada instrumento ocupa, a orquestração sonora onde são identificados e qualificados os sons que compõem essa polifonia musical, a projeção visual e sua relação com o sonoro e finalmente a mecânica do dialogo que é uma leitura técnica do percurso do som e levantamento dos equipamentos usados nessa performance. Tem como proposta investigar perspectivas no campo do design e suas interfaces com a arte e a tecnologia digital, através das relações conceituais, estéticas e análises de seus processos de construção fundamentados na relação dialógica entre os músicos. Faz parte desta pesquisa investigar aspectos teóricos e metodológicos das práticas de execução musical usadas nas performances ao vivo do concerto de Alva Noto & Sakamoto, destacando os seguintes aspectos: a tipificação do diálogo musical; o mecanismo de sincronia musical, sonora e visual; o processo de composição sonora e visual usado por Alva Noto; e o arranjo musical construído por Sakamoto para essa performance. Todos esses aspectos serão desenvolvidos respectivamente nos capítulos Dialogismo Musical e Projeto Dialógico. O objetivo do trabalho é estudar o processo de criação da intervenção de Alva Noto durante o diálogo sonoro musical com o instrumentista Ryuichi Sakamoto em uma apresentação ao vivo, considerando que tal processo apresenta aspectos projetuais que indicam ambiente de articulação de contextos sonoro-musicais, refletindo diretamente não só nos formatos das imagens projetadas durante a performance mas também na dinâmica dos movimentos criados pelos músicos durante a execução musical. É estudada a relação de diálogo entre o arranjo para

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piano da música Merry Christmas Mr. Lawrence, composta pelo pianista Ryuichi Sakamoto, e o som eletrônico manipulado por computadores por Alva Noto, buscando evidenciar assim o conceito e a caracterização das possibilidades de interação entre o músico e a tecnologia eletrônica de produção sonora. A performance, material de pesquisa deste trabalho, deve ser compreendida como um espetáculo ao vivo que incorpora as linguagens sonora, musical e visual, e que não deve ser dissociado. A justificativa para esta investigação parte da um artigo escrito pelo Prof. Fernando Iazzetta9, “Interação, Interfaces e Instrumentos em Música Eletroacústica” (1999) onde ele afirma:

“Até um passado recente, a interação inteligente era estudada apenas como um fenômeno humano. Ela foi observada, analisada e teorizada por cientistas do comportamento, mas sempre sob a p rsp t v xpl o, n o o s n”

Embora a música seja, na sua essência, uma arte interativa ou aquela que promove a interação entre elementos de um mesmo grupo que se dispõem a fazer música, a questão da interação musical ganha um novo olhar na contemporaneidade quando passa a não só considerar os aspectos humanos da relação entre músicos, mas também o estudo do processo de construção dessa interação, como um “Proj to”

O design de sistemas de interação entre homens e máquinas consiste hoje em um largo campo de estudo envolvendo o trabalho de pesquisadores de diversas áreas, entre elas, psicologia, engenharia, ciência da computação e medicina. (IAZZETTA, 1999 p. 1)

O desenvolvimento de conceitos e estudos sobre projetos dialógicos de interação entre músicos usando interfaces digitais e instrumentos musicais analógicos é relevante para o designer de sistemas de interação entre homem e máquina. A perspectiva de designers de interfaces musicais busca modelos e soluções para seus projetos em teorias das ciências do comportamento para entender a interatividade nesse modelo comunicacional dialógico. Por sua vez, as ciências do comportamento humano de interação observam, nesse processo de interação

9 Fernando Iazzetta é professor Livre-Docente na área de Música e Tecnologia do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP.

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dialógica entre músicos, subsídios para novos estudos que poderiam ser aplicados em outras áreas, como o desenvolvimento de novos projetos de interfaces pedagógicas usadas no ensino musical. A parceria musical entre Alva Noto e Ryuichi Sakamoto começou em 2003, ano do lançamento de "”, pr m ro ál um o uo, que propõe o encontro de um instrumento tradicional, como o piano acústico, com computadores e interfaces que manipulam o som. Essa sonoridade promoveu a participação desse dueto no festival Sónar, na cidade de São Paulo, Brasil, em 12 de maio de 2012. Criado em 1994, o Sónar10 é um Festival Internacional de Música Avançada e New Media Art que, desde 2002, já organizou mais de cinquenta festivais em países distintos, e se tornou uma referência na música de vanguarda e experimentações dentro da cena contemporânea da música eletrônica, reunindo artistas que transitam da produção musical ao audiovisual. Um dos processos tecnológicos e criativos de manipulação sonora e sequenciamento eletrônico usado nessa performance é o conjunto de sons pré- gravados e posteriormente manipulados. Proporcionado pelas máquinas e tecnologias disponíveis na década 1950, como a gravação analógica em fitas magnéticas, a origem dessa técnica usada por Alva Noto se deu no movimento musical Música Concreta, a partir de experimentos sonoros do compositor francês Pierre Schaeffer (1910-1995), que usava sons de objetos concretos captados por meio de microfones e armazenados em fitas magnéticas para compor suas obras. O intuito de Shaeffer e dos participantes do Club d´Essai, formado por seguidores desse movimento, entre eles Pierre Henry, Michel Philippot, Iannis Xenakis, Olivier Messiaen, era apresentar para o universo da composição musical sons de origens diversas veiculados através de alto-falantes, sem que o ouvinte pudesse necessariamente ver a fonte sonora. (SANTAELLA, 2001, p. 90) Outro processo tecnológico e criativo usado nesta performance de Alva Noto & Ryuichi Sakamoto é o som construído artificialmente através de sintetizadores, em um processo chamado de síntese sonora, mecanismo de criação usado desde a década de 1950, baseado na elaboração de ondas sonoras que só é possível gerar em laboratório. A Elektronishe Musik do compositor alemão ícone da vanguarda

10 SÓNAR, 19, 2012, São Paulo. International Festival of Advanced Music and New Media Art. Disponível em: . Acesso em: 12 de outubro de 2014.

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musical da época, Karlheinz Stockhausen (1928-2007), usava uma matriz sonora gerada pelos próprios aparelhos eletrônicos. Em 1951, Herbert Eimert fundava, junto à rádio NWDR de Colônia, na Alemanha, o primeiro Estúdio de Música Eletrônica que contava com a participação de Henri Pousseur, Karel Goeyvaerts, Gottfried Michael Koenig, além de Stockhausen. (SANTAELLA, 2001, p. 90). A Música Concreta de Schaeffer e a Música Eletrônica de Stockhausen, inicialmente com estéticas opostas, começam a fundir suas técnicas de composição, e elementos da Música Concreta são utilizados em composições alemãs. (MENEZES, 2006, p. 348) O uso de samples e de síntese sonora por Alva Noto na performance musical com Ryuichi Sakamoto mostram a presença da linguagem musical dos movimentos estéticos: Música Concreta, na França, e Música Eletrônica, na Alemanha, durante a década de 1950. É importante ressaltar que na matéria prima sonora usada por Pierre Schaeffer encontram-se gravações de fontes sonoras de qualquer origem, usados por Alva Noto também como material sonoro em suas composições. A metodologia usada neste trabalho é uma pesquisa exploratória com levantamento de dados e informações técnicas e de dialogo entre as linguagens sonora e visual sobre a mús “ x Mr L” xtr í o o DVD “Insen Live” (2007), que é uma gravação da performance do duo Alva Noto e Sakamoto.

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1. Contextualização Histórica e Conceitual da Pesquisa

1.1. Histórico Estético Alva Noto & Ryuichi Sakamoto

Carsten Nicolai11, ou Alva Noto (1965-) como é conhecido, nasceu na cidade de Karl-Marx-Stadt, na Alemanha. Em 1985, estudou paisagismo em Dresden e iniciou sua carreira artística nas artes visuais. Nos anos 1990, começou a pesquisar e usar elementos sonoros em suas criações artísticas, usando mecanismos de síntese sonora como ondas senoidais12 e frequências muito agudas e muito graves, características sonoras presentes em seus trabalhos até hoje. Em 1994, N ol fun “Noton. Archiv für ton und nichtton”, uma gravadora que usa uma plataforma digital (um site) para publicar projetos musicais e obras de instalação. Contemporânea a essa mesma cena musical alemã, existe a gravadora Rastermusik, dos músicos Olaf Bender (1968-), artista atuante na cena eletrônica alemã usando o pseudônimo de Byetone, e Frank Bretschneider (1956-), compositor com formação em artes visuais que usa a computação gráfica em suas apresentações. Em 1999 essas duas gravadoras se fundem, formando assim a Raster-Noton13, uma importante editora e distribuidora de música que funde som, arte e design. Na entrevista publicada pelo Medien Kunst Netz14 (1998), Nicolai afirma que o som do rádio foi uma influência sonora determinante em sua formação sonoro/musical e aponta a natureza dos sons escolhidos em suas obras. A dificuldade de sintonia das estações de rádio fez com que ele optasse pelas ondas curtas, e este fenômeno de interferência na transmissão ficou marcado em sua memória e posteriormente foi usado como matéria prima em suas composições.

11 Dados coletados no site oficial de : Acesso em: 12 de outubro de 2014. 12 Onda Senoidal é a forma mais pura de onda, cujas oscilações acima e abaixo da linha média são idênticas. (232). DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. Editora 34 LTDA. São Paulo 2004 13 Site oficial da Raster-Noton: Acesso em: 12 de outubro de 2014. 14 FRIELING, Rudolf. Media Art Net é um projeto que contextualiza a arte de mídia usando a Internet. Entrevista impressa em Make it funky – Colônia Alemanha, 1998, p. 325-329.

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As fotos (Figura 1) mostram Alva Noto em diferentes momentos da performance ao vivo Mutek 10 15 (2009). As imagens retratam o artista em apresentação solo manipulando os sons e as imagens em tempo real. Ao fundo podemos identificar algumas imagens que representam de maneira gráfica as frequências que estão sendo executadas na performance. O desejo de visualizar o som está presente em seu trabalho, a waveform ou formato das ondas possibilidade de ver o desenho das ondas sonoras gravadas digitalmente aparece nos trabalhos de Alva Noto de maneira a lembrar os sons produzidos por um rádio em estática.

Figura 1. Alva Noto em uma performance solo. Evento TOUCHDESIGNER IN THE ROOM, MUTEK_10 (2009) Canadá. Fonte: site oficial do artista 2015.

Buscando encontrar uma origem para a sonoridade que Nicolai usa em suas composições, a música “My Life in The Bush of Ghosts" (1981)16, do músico e

15 Alva Noto na performance Touchdesigner in the Room, Mutek_10 na cidade de Montreal em Maio de 2009. Fonte: site oficial do artista Acesso em: 26 de outubro de 2015. 16 My Life in the Bush of Ghosts foi um álbum gravado em 1981 pelo cantor da banda Talking Heads, David Byrnes, e o produtor musical , desenvolvedor do conceito de

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produtor musical britânico Brian Eno, é reconhecida por ele como uma obra importante na sua formação musical. O uso do processo de repetição de fragmentos sonoros combinado às projeções de elementos gráficos em painéis durante a performance do duo Alva Noto & Sakamoto aproxima o conceito deste trabalho do universo minimalista. O uso do Glitch17 como um ícone sonoro, aparecendo como um ostinato durante toda a apresentação musical, e as formas geométricas minimamente reduzidas a linhas verticais e horizontais, são aspectos marcantes da estética minimalista presentes nessa performance. O Movimento Minimalista na música começou nos Estados Unidos nos anos de 1960, com uma proposta bastante peculiar de se compor música. A técnica de composição adotada por esse movimento estético é baseada, sobretudo, no uso da repetição. É importante salientar que não é o uso da repetição de fragmentos musicais que caracteriza o minimalismo, mas o uso da repetição como processo sistemático. Steve Reich (1936-), compositor norte-americano que, junto com Philip Glass (1937-), foi pioneiro da Música Minimalista em meados dos anos 1960, demonstra em suas composições a preocupação com a evidenciação do processo composicional da repetição. Na publicação Music as a Gradual Process (1974), Reich identifica a obra musical como o processo de composição na sua essência, mostrando que a obra musical deve demonstrar, durante sua execução, a essência de seu processo composicional, pois seu interesse é perceber (ouvir) o processo de construção musical acontecendo através do som.

“Eu não quero dizer processo de composição, mas sim obras que são literalmente processos (...). Estou interessado em processos perceptíveis. Quero ser capaz de ouvir o processo acontecendo através do fluxo de toda a extensão da música.18” (REICH 1974, p. 304)

Ambient Music. MOON, Ton. 1.000 Recordings To Hear Before You Die. Workman Publishing. New York, NY, 2008. 17Glitch m áu o, s n f ruí o t mporár o p r o om um “ st lo” (En lopé Bás da Mídia Eletrônica por Ricardo Pizzotti Editora Senac São Paulo, 2003, p. 134). 18Texto original: “I do not mean the process of composition, but rather pieces of music that are, literally, processes.... I am interested in perceptible processes. I want to be able to hear the process happening throughout the sounding music.”. Fonte COX, Christoph. 2006, p.304

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A publicação Performing Artists, da editora e produtora independente alemã Budde Music19, define o trabalho do artista sonoro Carsten Nicolai como pertencente a uma geração de artistas que trabalha intensamente na área de transição entre a arte e a ciência. Como artista sonoro e visual, ele busca ampliar os limites das percepções sensoriais dos espectadores, como, por exemplo, tornando frequências sonoras e imagens que normalmente não seria possível reconhecer perceptíveis para quem assiste sua performance. Pela Rádio BBC20, em 2005, Carsten foi apontado como um artista relevante entre artistas da música eletrônica e designers visuais que usam a imagem e a música como ferramentas híbridas no processo de criação para seus projetos. Ele usa a matemática para dar precisão rítmica às suas composições, e a física para dar característica acústica21 a um determinado som, tal qual, o uso de equipamentos eletrônicos como o oscilador de áudio, que é um equipamento usado para criar ondas sonoras artificialmente. Em entrevista ao site de distribuição digital fonográfica Bleep, em 2010, Alva Noto fala sobre a rotina de trabalho de composição de seus projetos. Uma equipe de cinco pessoas trabalha em um pequeno estúdio em Berlim finalizando os trabalhos quanto ao projeto visual da obra. Porém, toda a parte de composição sonora é trabalhada pelo próprio músico22. Alva Noto trabalha com um ambiente de programação visual baseado em analisadores de sons, como o analisador de espectro sonoro, e com algumas interfaces digitais de desenvolvimento de imagens, como, por exemplo, a Quartz Composer 23 . Sobrepondo este universo o compositor construiu um dispositivo (hardware) que permite alimentar com áudio as ondas do sinal de vídeo para poder distorcer depois, produzindo imagens.

19 http://music.buddemusic.de Acesso em: 12 de outubro de 2014. 20 Rádio BBC Acesso em: 12 de outubro de 2014. 21 Uma característica acústica usada por Alva Noto em suas composições é a reverberação. O músico usa um dispositivo eletrônico que simula, de uma maneira artificial, o dimensionamento de uma sala de reverberação. 22 Entrevista publicada em 10 de outubro de 2010 - Bleep http://blog.bleep.com/2010/10/21/bleep-interviews-raster-notoncarsten-nicolai-alva-noto/ 23 Quartz Composer (QC) é uma interface digital que possibilita editar sons e imagem em um grid não linear e com uso de filtros transforma-los em imagens. (ROBINSON, Graham e BUCHWALD, Surya. 2013, p. 3)

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Em uma entrevista à “Red Bull Music Academy” 24 (2011) na cidade de Madri, Alva Noto conta que as cores específicas e padrões de imagem são gerados diretamente numa tela, de maneira que a ligação do som com a imagem é absolutamente direta. Alva Noto descobre essa técnica de construção de imagens trocando os inputs de conexão dos cabos de áudio e vídeo e depois distorcendo as imagens produzidas. Em outras palavras, isso faz com que os sinais de áudio, uma vez conectados no input de vídeo, produzam imagens ao invés de som. Nick Collins25 considera o trabalho de Carsten Nicolai como pertencente a uma geração de artistas na vanguarda das explorações sonoras e visuais da tecnologia eletrônica. O livro de Collins, Cambridge Companion to (2007), destaca um aspecto fundamental nas composições de Alva Noto, que é a questão de como o tempo é percebido através do som. Para isso, ele altera a variação de velocidade de repetição de pequenos fragmentos sonoros, chamados loops. O recurso usado por Alva Noto pode ser comparado ao efeito sonoro provocado pela alteração da velocidade de rotação de um disco de vinil. A transformação de estruturas visuais em padrões sonoros como percepção sinestésica é lembrada por Alva Noto como propriedade artística em algumas de suas obras, como a instalação Telefunken 26 (2000), na qual ele usa sinais de imagens de TV como fonte sonora. Esse mecanismo de composição sonora aparece na performance “ax Mr L”, na construção sonora de pequenos clicks característicos do áudio com defeito de televisores. (COLLINS, 2007, p. 83) Um aspecto importante na elaboração conceitual dos trabalhos de Alva Noto é a reprodução de erros gerados pelo próprio sistema. Essas variações do sistema são tomadas como novas informações, chamadas de mutações27. O surgimento de novas formas e padrões de mutação intrínsecas a um sistema passa a ser chamado de Mutação Ativa. (COLLINS, 2007, p. 83)

24 Entr v st n “Red Bull Music Academy” 2011 M r : Acesso em: 12/10/2014. 25 Nick Collins é pesquisando britânico em Computer Music da Universidade de Cambridge e coeditor do livro The Cambridge Companion to Electronic Music. 26 DISCOGRAFIA de Alva Noto. Telefunken. Disponível em: Acesso em: 12/10/2014. 27 Nicolai cita, ainda no livro The Cambridge Companion to Electronic Music, uma referência importante, que é o artigo científico escrito pelo doutor em física Takashi Ikegami da Universidade de Tóquio. O artigo Active Mutations in Self-reproducing Networks of Machines and Tapes (1996).

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Alva Noto também trabalha com uma plataforma de desenvolvimento visual chamada TouchDesigner28, projetada para criar um sistema interativo de mídias manipulado em tempo real durante sua performance no palco. O compositor busca fontes sonoras convencionais como samples, que são amostras de sons gravados de vozes ou instrumentos musicais, além de sons sintetizados, mas a marca fundamental de seu trabalho é a busca por fontes sonoras que são conhecidas como clicks ou glitches, reconhecidas pelos técnicos de gravação como falhas causadas por um erro no sistema de gravação. (BBC.2005) Os parâmetros sonoros variáveis, como frequências e amplitudes, são aproveitados por Alva Noto não só como elemento de composição sonora, mas também como resultado gráfico que ele produz. Os atributos físicos de som, intensidade, altura, duração e timbre podem ser usados como mecanismos geradores e articuladores de parâmetros visuais, tais como: variação das cores, intensidade luminosa, velocidade dos movimentos e formatos geométricos das imagens. O resultado dessa prática, pré-programado pelo artista em um computador, é projetado em um monitor durante a performance. Quando esse mecanismo de composição visual gerado pelas propriedades variáveis do som é colocado no palco, o olhar do espectador é desviado e passa a apreciar não só o som, mas também a cena visual criada. Importante destacar aqui a vivência e relevância de Alva Noto dentro do cenário das artes plásticas considerando, que a criação e manipulação de imagens é parte fundamental do objeto de pesquisa deste trabalho. Depois de sua participação em exposições internacionais, como "Documenta X" (1997)29, e da 49a (2001) e 50a (2002) edições da Bienal de Veneza, as obras de Nicolai foram mostradas em duas exposições individuais abrangentes na Schirn Kunsthalle Frankfurt, Alemanha (Anti Reflex), na Neue-Nationalgalerie, em Berlim (Syn Chron) em 2005, na Haus Konstruktiv, Zurique (Static Fades) em 2007 e no Cac, Vilnius (Pionier) em 201130.

28 Em 2008 a gravadora de Alva Noto, a Raster-Noton, e a Derivative, uniram forças para um projeto colaborativo que levou a realização de apresentações dos artistas da gravadora durante seus shows audiovisuais ao vivo. TouchDesigner, programa de áudio usado por Alva Noto, é um produto desenvolvido pala Derivative Visual Thinking- Acesso em: 12/10/2014. 29 Do um nt X ou “ X” fo um xpos o rt ont mporân qu ont u ntr 21 de junho a 28 de setembro de 1997. Direção Artística de Catherine David e curadoria de Simon Lamunière. Acesso em: 12/10/2014. 30 Site oficial de Carsten Nicoli - Acesso em: 12/10/2014.

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Em uma entrevista no site Bleep (2010), Alva Noto afirma que costuma registrar suas ideias em um notebook e trabalhar essas criações até o momento em que realmente estão maduras, evitando dessa maneira a turbulência da impulsividade do momento da criação. O cuidado em manter um processo sistemático de criação do autor evidencia um aspecto projetual de suas criações tanto individualmente como em parcerias com outros músicos.

Em seu trabalho Carsten Nicolai, nascido em 1965 em Karl-Marx- Stadt, busca superar a separação das formas de arte e gêneros para uma abordagem artística integrada. Influenciado por sistemas de referência científica, Nicolai muitas vezes envolve padrões matemáticos tais como grades e códigos, bem como de erro aleatório e auto-organização das estruturas.31

Ryuichi Sakamoto 32 (1952) é um músico essencialmente compositor e instrumentista. Suas experiências musicais vão do pioneirismo na música eletrônica, com participação na formação do trio de música pop-eletrônica japonesa chamada (1978), à composição de uma opera, “L f ”33. Sakamoto começou a estudar música aos onze anos de idade (1963), oito anos depois ingressou na Tokyo National University of Fine Arts and Music34, onde conclui o curso de bacharelado em composição e, em seguida, mestrado em música eletrônica e étnica. Sua primeira influência quando criança foi tocar composições do músico francês Claude Debussy (1862-1918). Sakamoto afirma em sua biografia que “a música asiática influenciou fortemente Debussy e Debussy me influenciou da mesma forma. A música viaja em círculos por todo mundo”35. A consciência de Sakamoto quanto à busca por uma sonoridade com significado não exclusivo de uma só etnia fica transparente quando ouvimos os trabalhos desse artista, prova de sua vocação cosmopolita.

31 Fonte: Acesso em: 26/10/2015. 32 Fonte: site oficial de Ryuichi Sakamoto Acesso em: 26/10/2015. 33 Life foi encenada pela primeira vez em 1999 na cidade de Tóquio, Japão. 34 Fonte: site oficial de Ryuichi Sakamoto- Acesso em: 26/10/2015. 35 Texto original: “Asian music heavily influenced Debussy, and Debussy heavily influenced me. So the music goes around the world and comes full circle.”

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Para o músico, a idade só aperfeiçoa e apura as percepções quanto ao novo, “conforme as pessoas envelhecem, normalmente seus ouvidos se fecham para novos sons. Meus ouvidos se abrem conforme vou envelhecendo”36. Sakamoto se abre para novos talentos e propostas sonoras inovadoras, “há sempre jovens talentos, artistas, bandas, DJs e todos os dias eu ouço algo surpreendente, inesperado som ou ruído”37. Artistas que usam sons inesperados ou ruído para compor suas músicas são aqueles que usam matrizes sonoras que não pertencem à qualidade sonora dos instrumentos musicais convencionais, como por exemplo os instrumentos que formam uma orquestra sinfônica. O ecletismo musical de Sakamoto fica evidente de várias maneiras como por exemplo na entrevista dada para o Jornal inglês The Telegraph (2011), quando ele diz: “eu ainda amo sons e ruídos, como sempre, e eu ainda quero encontrar novas maneiras de juntá-los”38. O desejo ou desafio do músico em encontrar a melhor maneira de harmonizar suas composições musicais ao piano, com a proposta de um proj to sonoro qu t m o “noise” omo matéria-prima de construção musical, está presente em seus projetos musicais. Em 1983, Sakamoto é premiado como melhor trilha sonora pelo tema do filme Merry Christmas Mr. Lawrence e em seguida recebe o Oscar (1987) de melhor trilha sonora original em O Último Imperador pela Academy Award. O volume de publicações musicais de Ryuichi Sakamoto é significativo dentro do cenário musical contemporâneo, porém é importante destacar aqui alguns trabalhos gravados recentemente, resultado de parcerias e colaborações com artistas do universo da música eletrônica, tais como o artista sonoro alemão Alva Noto no CD Summvs39 (2011), o guitarrista e músico eletrônico austríaco Christian

36 Texto original: “As people get older, normally their ears close to new sounds. My ears get more open as I get older.” 37 Texto original: “There are always young talents, artists, bands, DJs and I hear something surprising, an unexpected sound or noise, every day." 38Texto original “I still love sounds and noise as much as ever, and I still want to find new ways to bring them together” N m tér nt tul “Ryuichi Sakamoto explains why he’s going acoustic”, publicado pelo jornal inglês The Telegraph, o músico fala de sua infância dedicada ao aprendizado musical no piano e que nesse momento sua inspiração apontava um retorno para as composições acústicas. Entrevistado por Ivan Hewett do Jornal The Telegraph em 21 de Outubro de 2011. Disponível em: . Acesso em: 12/10/2014. 39 DISCOGRAFIA de Alva Noto e Sakamoto. , lançado pela gravadora Raster-Noton .Disponível em: Acesso em: 12/10/2014.

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Fennesz, que gravou vinte e quatro composições de Sakamoto ao piano em uma compilação chamada 40 (2011), e a parceria com o músico americano Christopher Willits, chamada Ancient Future (2012)41. Em 1997, Sakamoto convida o artista sonoro Carsten Nicolai (Alva Noto) para trabalhar em parceria em um novo projeto musical. Essa iniciativa fez surgir o duo Alva Noto & Ryuichi Sakamoto. “Ter encontrado Sakamoto não foi um turning point em minha carreira, mas certamente contribuiu para a expansão de meu espectro musical, tornou-se parte do meu aprendizado”42. Essa parceria promove no palco o encontro de dois segmentos distintos da música, de um lado a música instrumental que segue os padrões de formas e estruturas conhecidas da música ocidental e do outro a música eletrônica contemporânea e o resultando é um espetáculo sonoro/visual contemplativo que une música e projeções de imagens. A primeira publicação, resultado desse dueto, foi Vrioon (2003), e depois Insen (2005), (2005), Utp (2007) e finalmente Summvs (2011)43. Em destaque na figura 2 os projetos gráficos44 das publicações de 2003 a 2011. A presença da estética minimalista não aparece só nas composições melódicas no piano ou arranjos eletrônicos, mas está presente também na concepção de todo material gráfico da discografia do duo, como capas, encartes e prints das bolachas dos CDs e DVDs . Além de manusear os equipamentos e computadores no palco e de construir toda sonoridade eletrônica da performance Carsten Nicolai também é responsável pela elaboração de todo projeto gráfico destas publicações.

40 DISCOGRAFIA de Christian e Sakamoto, Flumina, lançado pela gravadora Touch. Disponível em: . Acesso em: 12/10/2014 41 RELEASE de Willits e Sakamoto. Ancient Future, lançado pela gravadora Ghostly International US. Disponível em: . Acesso em: 12/10/2014. 42 AGÊNCIA ESTADO. Alva Noto e Ryuichi Sakamoto juntos no festival Sónar. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 30 de Abril 2012. Caderno Cultura. Disponível em: Acesso em: 12 Outubro de 2014. 43 Discografia publicada no site oficial de Alva Noto: Acesso em: 26/10/2015. 44 Todo material fotográfico do projeto gráfico da discografia de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto foram extraídos do site oficial da gravadora Raster-noton (2015) < http://www.raster-noton.net> Acesso em: 26/10/2015.

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Figura 2. Projeto gráfico da discografia de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto. Fonte site oficial da gravadora raster-noton 2015.

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Álbum com seis faixas de áudio, o Vrioon é um trabalho que quase temos que nos “s nton z r” p r po rmos pr ar. Segundo Ben Tausig da revista nova- iorquina Dusted45(2004), “é t o h o usên ”, m s om o p no S k moto presente subliminarmente ao circuito sonoro minimalista, uma simbiose em ação. Na faixa "Uoon I", a composição melódica de Sakamoto encontra, em um dado momento, sinais agudos que sugerem um SOS em Código Morse criadas por Noto. Segundo o colunista Colin Buttimer46 da Rádio BBC, o CD Insen é herdeiro de Vrioon neste projeto, a reverberação sonora produzida pelas notas do piano acústico de Sakamoto impacta e se dissolve nos loops digitais criados por Alva Noto. As tensões e interações criadas entre os artistas é explorada ao máximo pela instrumentação eletrônica e acústica. Revep possui somente três faixas e é um trabalho complementar à turnê do duo por teatros e salas de concertos por toda Europa, e apresentam composições inéditas em relação ao Vrioon e Insen. O nome RevEP sugere o formato de publicação deste projeto EP ou extended play, que consiste de um CD pequeno com poucas faixas, também conhecido como compacto ou single. A faixa "Merry Christmas Mr. L wr n ”, famosa composição de Sakamoto, ganha um novo arranjo p ss s h m r “Ax Mr. L” O projeto Utp47, nome extraído da palavra utopia, apresenta o trabalho de Alva Noto e Sakamoto interpretado por um conjunto camerístico formado por músicos de diversas nacionalidades. O Ensemble Modern formado em 1980 com sede em Frankfurt dedica-se a interpretar compositores modernos e contemporâneos. O lançamento do CD e DVD é um marco nos trabalhos deste duo, pois apresenta não só os sons do piano e sonoridades eletrônicas, mas também timbres de outros instrumentos acústicos como violinos e instrumentos de sopro. O último álbum Summvs é uma nova versão da interação entre o universo eletrônico e o acústico48. A tônica deste trabalho é o encontro das melodias tocadas

45 Matéria publicada em 15 de Janeiro de 2004. Acesso em: 26/10/2015. 46 Matéria publicada em 2005. Acesso em: 26/10/2015. 47 http://boomkat.com/dvds/186743-alva-noto-and-ryuichi-sakamoto-utp 48 NOTÍCIAS. Ryuichi Sakamoto e Alva Noto no Sónar Festival em São Paulo. Disponível em:

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ao piano e o contraponto sonoro de ondas senoidais traspassando por entre as composições musicais propostas por Sakamoto. A performance ganha pulso e ritmo com intervenções de sons que parecem imperfeições ou defeitos (estalos) de gravação muito agudos e muito graves. A primeira gravação da música ax Mr. L, nome da música objeto de pesquisa deste trabalho, foi publicada e distribuída pelo selo alemão Raster-Noton49 no CD Alva Noto + Ryuichi Sakamoto.Revep50 em 2005.

festival-em-sao-paulo.html>. Acesso em: 12/10/2014. JaME WORLD é um website de informações e banco de dados sobre a música japonesa. 49 Distribuidora Raster-Noton: Acesso em: 26/10/2015. 50 Alva noto + Ryuichi Sakamoto. Revep. Gravadora Raster-Noton r-n 72. CD (EP) em 08 de maio de 2006.

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1.2. O Som e a Produção Visual

A relação do som com a imagem pode ser analisada historicamente por uma ótica estético-filosófica referencialista, bastante praticada até metade do século XVIII, que acredita que a música tem a capacidade de sugerir ao ouvinte um outro conteúdo que não aquele sonoro, usando a música como meio de transporte para se atingir algo além dela. Oposto a essa ideia, a vertente absolutista51 principalmente ligada a música instrumental considera a música como linguagem autônoma e que deve ser lida despida de quaisquer elementos intramusicais. (CAZNOK, 2003, p. 23- 24) Em um repertório vocal como na ópera, as imagens sugestionadas pela narrativa de um texto servem como estimulo para a imaginação visual, além, é claro, de todo ambiente criado para esse evento como o cenário, figurinos, iluminação. (CAZNOK, 2003, p. 25) Mesmo com a ausência de um texto cantado a performance Insen Live carrega traços operísticos. O sincronismo da música com os movimentos das imagens, o espaço de apresentação (teatro) até mesmo a dramaticidade dos arranjos dos sons eletrônicos são elementos que aproximam estes gêneros artísticos. A figura 3 mostra uma cena da apresentação de 2012 da ópera Einstein on The Beach escrita52 de Philip Glass (1937-). Nessa reencenação o uso de recursos como projeção de imagens com formatos geográficos53 e o encontro do eletrônico com os movimentos orgânicos dos atores, estreitam as fronteiras que separam a performances minimalista da ópera de Philip Glass da performance Insen Live.

51 Imitações, descrições e referências a outros conteúdos que não o sonoro são ons r s nt rf rên s um supost “ u o v r r ” m nu m o v lor um obra. (CAZNOK, 2003, p. 24) 52 A ópera Einstein on The Beach escrita por Philip Glass e produzida pelo diretor de teatro Bob Wilson em 1976, foi a primeira de uma trilogia seguida por Satygraha (1980) e Akhnaten (1984). (SAMPAIO, 2001, p.61) 53 No palco são montados andaimes com uma altura igual a largura dos espaçamentos das colunas de sustentação sugerindo a figura geométrica quadrado. Ao fundo são instalados painéis luminosos que projetam a forma geométrica circular e também linhas verticais e diagonais lembrando a forma geométrica triangula . Ainda a forma retangular é apresentada como suporte para a performance de atores e bailarinos.

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Figura 3. Ópera Einstein on the Beach escrita por Philip Glass e dirigida por Robert Wilson encenada na Academia de Música do Brooklyn. Fonte Revista Pitchfork Media Inc (2012)

O cinema existe desde 1895, e apesar do sucesso popular imediato desta mídia, era desprovida de som e diálogos. Surge então a necessidade de se criar uma trilha sonora para a imagem em movimento. Essa nova relação surge nesse momento como um dilema: será que música para cinema é meramente ilustrativa da narrativa visual? O som da imagem ou a imagem do som? Uma outra relação entre música e imagem surge na trilogia Qatsi54, produzida pelo diretor de cinema americano Goldfrey Reggio (1940-) e música do compositor minimalista também americano Philip Glass (1937-), em que a composição dinâmica das imagens e da música se fundem propondo uma outra manifestação elevada da conjunção entre as imagens e a música. (AGRA, 2009, p. 9-11) Depois da revolução digital, torna-se possível, através de interfaces musicais, ver e manipular o som, ferramentas digitais podem redesenhar a forma da onda sonora, modificando o som original e tornando possível ao compositor sonoro chegar em um timbre que não exista na natureza. Em uma de suas entrevistas55, Alva Noto comenta sobre a facilidade que os computadores nos oferecem para editar um

54 Koyaanisqatsi (1983), Powqqatsi (1988) e Naqoyatsi (2002) 55 Alva Noto é entrevistado pela revista Various - Slices - The Electronic Music Magazine. Issue 4-09 (2009)

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fragmento sonoro usando milissegundos como escala de corte e também a possibilidade de desenhar o formato da onda, manipulando o som com ferramentas “ ráf s” p r mu r p râm tros n s jáv s o som Um importante aspecto dessa performance sonoro visual aqui estudada é a produção de imagem apresentadas ao público durante o evento. A música, a sonorização do ambiente mais as projeções de imagens perfeitamente sincronizadas com os movimentos sonoros criados pela música de Ryuichi Sakamoto e as intervenções sonoras de Alva Noto convidam o espectador para uma experiência de imersão em um ambiente com características minimalistas que unem som e imagem. Usando computadores e uma interface digital é possível transformar sinais de áudio em imagens dinâmica fazendo uso de filtros. Quartz Composer (QC) é um programa de computador que possibilita gerar imagens a partir de sons tocados pelo piano, além de qualquer outro som criado artificialmente, disparados durante a performance. Estes sinais são transformados em imagem em tempo real, como uma leitura visual do som. Não se trata de uso de imagens pré-gravadas e projetadas durante a performance, mas sim, de uma prática de manipulação do som para gerar imagem. A interface digital converte os parâmetros variáveis dos sons como frequência, intensidade e duração do som, em figuras geométricas lineares com diversas cores e com diferentes intensidades luminosas. A característica minimalista da música é potencializada pelo hipnotismo dos elementos visuais projetados durante a execução musical . Na figura 4 podemos observar a visualidade mostrada no painel em um momento da performance. O painel entre os músicos mostra imagens que são sincronizadas com o som. Essa mecânica de ação que mescla forma, ritmo e velocidade também estão presentes no trabalho cinematográfico de Goldfrey Reggio, quando a música minimalista composta por Philip Glass usa estes mesmos parâmetros para alterar nossa percepção de velocidade do movimento da imagem.

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Figura 4: Performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto, música ax Mr L. Fonte DVD Insen Live (2006).

As temporalidades musicais e gráfica podem ser estudadas nesta apresentação quando vemos a demonstração do tempo musical nos movimentos das imagens e principalmente no tempo de variação da intensidade luminosa. Caznok discute a relação espaço e o tempo quando comenta o trabalho do artista plástico Wassily Kandinsky (1866-1944), que, em seus trabalhos, considerava o espaço também temporal quando afirma que a linha é um ponto em movimento, ou seja, um ponto representado graficamente tem a propriedade de duração. (CAZNOK, 2003, p. 107) Na década de 1960, o foco da produção artística mundial passa da Europa para os Estados Unidos, com o surgimento do Movimento Minimalista nas artes plásticas. Contrapondo ao movimento expressionismo abstrato, o minimalismo constrói suas formas com a redução mínima de elementos, transmitindo ao observador uma nova percepção do ambiente ou do objeto. Um bom exemplo desta produção é o trabalho com luzes fluorescentes coloridas do pintor e escultor norte americano Dan Flavin (1933-). Em 1964, na galeria Kaymar, em Nova York, o artista montou uma instalação onde discutia o espaço arquitetônico da galeria usando o lo l n o omo “f x or” o r s, mas como espaço da arte. As luzes são fixadas em um padrão de linhas verticais horizontais como elemento construtivo da arquitetura da galeria. (GRAHAM, 1987, p.39-40) Outro artista plástico alinhado com o Movimento Minimalista e contemporâneo a Flavin é o norte americano Sol LeWitt (1928-) criador de uma série de esculturas

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chamada Variations of incomplete open cubes (1974), que apresenta 122 variações de um cubo incompleto. Todas as esculturas geométricas foram dispostas simetricamente onde o espectador é convidado a fazer uma procura frustrada pelo cubo completo. (ROTH, 2013, p. 36) Os movimentos gráficos exibidos durante a execução da música são “ or o r f os” em tempo real por uma interface digital pré-programada. A sonoridade interpretativa resultante do diálogo musical entre Alva Noto e Sakamoto é transformada em parâmetros de formatação das imagens projetadas, mas todas essas variantes são compostas a partir de uma composição musical pré-existente. Tanto o arranjo especialmente preparado por Sakamoto quanto o set de samples criado por Alva Noto para essa performance fazem parte do processo de construção deste diálogo sonoro, que passa a ser visível quando as imagens são projetadas. Esse processo de criação sonoro-visual pode ser considerado um design do projeto deste diálogo. Há, na sonoridade, uma lógica da temporalidade que a escritora Lucia Santaella chama de eixo da sintaxe, presente nos movimentos de um bailarino quando este conta uma história por trás dos movimentos da dança e, assim, ela passa a ser verbal mesmo não tendo a presença da fala. (SANTAELLA, 2001, p. 386)

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1.3. Dialogismo Sonoro e Visual

O objeto de estudo deste trabalho é uma performance ao vivo na qual convergem as linguagens da música, dos sons e visuais. Neste capítulo, o foco é o desvendamento da relação dialógica entre a linguagem musical e sonora. Entende-se Dialogismo Musical como o diálogo entre músicos, em que usaremos o conceito do dialogismo textual para compreender o processo de construção de um projeto dialógico musical. Este processo acontece dentro das linguagens sonora musical e visual, usando interfaces digitais e um piano para interagir durante uma performance ao vivo. O conceito de dialogismo estudado neste capítulo servirá de suporte para a base deste trabalho, que é desvendar o processo de construção projetual de design contido no diálogo musical visual do dueto Alva Noto e Ryuichi Sakamoto durante a execução ao vivo da música “ x Mr L”. A natureza dialógica da linguagem, conceito presente no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin (1895-1975), funciona como embrião para diversos outros desdobramentos no estudo do diálogo. Bakhtin compara a objetividade do significado das palavras à subjetividade de um fragmento musical, porém uma vez analisado esse conteúdo, ele pode ser identificado claramente. (BAKHTIN, 1997, p. 122). Todo pensamento Bakhtiniano na Rússia, compreendido entre anos 1920 e 1970, é constituído não somente pela literatura produzida por Bakhtin, mas conta também com a produção de intelectuais, cientistas e artistas56 que produziram a partir dos universos políticos, sociais e culturais da época para a formação deste conceito. Os vários e produtivos círculos57 de discussão ajudaram na construção de uma postura singular que propõe e fornece ferramentas para uma análise dialógica do discurso. (BRAIT, 2009, p. 9 e 17)

56 Dentre elas, podem ser destacadas com origens diversificadas: V. N. Voloshinov (1895- 1936), P. Medvedev (1892-1938), I. Kanaev (1893-1983), M. Kagan (1889-1937), L. Pumpianskii (1891-1940), M. Yudina (1899-1970), K Vaguinov (1899-1934), I. Sollertinski (1902-1944), B. Zubakin (1894-1937). 57 Círculos de Discussão é o tema abordado por Beth Brait no livro Bakhtin e o Círculo onde ela desvenda este mecanismo de relacionamento entre Bakhtin e intelectuais da época. BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin e o Círculo. Editora Contexto. São Paulo. 2009.

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Segundo Diana Barros 58 , para Bakhtin, o termo dialogismo se refere ao princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. A interação verbal entre o enunciador e enunciatário do texto, e a intertextualidade no interior do discurso, podem ser compreendidos como desdobramentos de um diálogo discursivo. (BARROS, 2003, p. 2) A intertextualidade pode ser compreendida como um mosaico de citações, todo texto é embebido e transformado por um outro texto, transformando a palavra, unidade mínima do texto, em mediador que liga o modelo estrutural ao ambiente cultural histórico numa perfeita sincronia de sentidos. (KRISTEVA, 2012, p. 142) A intertextualidade está presente na performance de Alva Noto e Sakamoto, uma vez que que a música escolhida para essa apresentação foi composta originalmente como trilha sonora do filme Merry Christmas, Mr. Lawrence 59 e recriada pelo próprio Sakamoto especialmente para o dueto estudado. A intersecção de conteúdos musicais se estrutura através de um processo de construção de sentido, de sequência rítmica e melódica, usando as citações e alusões como uma forma de intertextualidade aplicada à música.60 (ARIZA, 2006, p.106) Segundo o autor:

Mesmo que os conceitos da intertextualidade sejam abordados na expressão literária, eles também têm correspondência na expressão musical. Assim como a estilização pode ocorrer mediante um determinado uso semântico, ou com o emprego de um léxico preciosista, na música ela ocorre com a adaptação de uma determinada forma a um outro contexto que não é o inicial ou original, (ARIZA, 2006, p. 107).

A polifonia, conceito que Bakhtin toma emprestado da polifonia musical, pode ser entendida como uma estratégia discursiva acionada na construção de um texto, aquele que se deixa entrever muitas vozes. (BARROS, 2003, p. 5 e 6). É interessante observar a relação entre o emprego das palavras usadas na análise dialógica textual com os termos que têm origem no universo musical. Polifonia é

58Diana Luz Pessoa de Barros é professora titular do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo USP, Brasil. Obteve o título de mestre na Universidade de Paris III (França, 1971) e os de doutor, adjunto, livre-docente e titular na Universidade de São Paulo (1976, 1985, 1988 e 1997). 59 Traduzido para o português como Furyo, Em Nome da Honra é um filme de 1983 dirigido por N s Ōsh m 60 ARIZA, Adonay. Eletronic Samba: a música brasileira no contexto das tendências internacionais. Annablume. São Paulo, 2006.

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uma técnica de composição musical na qual várias vozes ou partes instrumentais são combinadas de maneira contrapontística. (DOURADO, 2004, p.258). A estratégia discursiva musical presente na performance estudada neste trabalho fica evidente quando analisamos os fragmentos sonoros, ora de origem “ r v ” h m s samples ora de origem sintética e evidenciamos o processo de sobreposição de elementos sonoros mixados em um sincronismo preciso e pré- planejado por Alva Noto para compor esse diálogo musical com a música de Sakamoto. O resultado é uma sonoridade polifônica nova que nem é a música com matriz melódica japonesa composta por Sakamoto e nem a música eletrônica contemporânea de Alva Noto. Com a possibilidade de trabalhar com diferentes córpora, como por exemplo o discurso literário, pictórico ou até mesmo o discurso musical, torna-se possível investigar as relações dialógicas dos discursos, ou seja, como podemos entender o sujeito a partir de sua linguagem e de que maneira ele se relaciona com o mundo e se constitui nessa linguagem61. (BRAIT, 2011) A palavra, no contexto de um enunciado, só passa a ter um desígnio artístico se for governada ou determinada pelo autor para ter essa função, e deve ser adaptada às finalidades estéticas especializadas que levam em conta particularidades do material de uma dada linguagem. É dessa maneira que a mensagem artística efetua a passagem que conduz da visão estética da obra à realização da apreciação efetiva da obra de arte. (BAKHTIN, 1997, p. 202 e 203) Segundo Julia Kristeva, na dinâmica da composição de um discurso, a palavra literária não é um ponto estático, somente com um único sentido, mas entendida como um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de diversas escrituras que se encontram, conteúdo este vindo do escritor, do destinatário ou personagem e do contexto cultural atual ou anterior. Dessa maneira, as dimensões do espaço textual são assim identificadas: o sujeito da escritura, o destinatário e os textos exteriores são elementos que dialogam entre si. A autora propõe então uma analogia do fragmento textual (Figura 5) ou do estatuto da palavra, definindo-os da seguinte maneira: condução horizontal é aquela na qual a palavra no texto pertence simultaneamente ao sujeito da escrita e ao destinatário, e vertical, na qual a palavra

61 Conteúdo extraído da entrevista realizada no dia 6 de outubro de 2011, após conferência da Profa. Beth Brait, crítica, ensaísta, docente, orientadora da PUC/SP e docente e orientadora no PPG em Semiótica e Linguística Geral da FFLCH/USP Acesso em: 26/10/2015.

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no texto se orienta para o corpus literário anterior ou sincrônico. (KRISTEVA, 2012, p. 140-141).

Figura 5: Dimensões do espaço textual Literário. Fonte: o autor, 2014.

Usando o modelo analítico de Kristeva, das dimensões do espaço textual e a poss l pt r o m t r l “p l vr ” às f n l s stét s sp íf s uma dada linguagem, visualizamos a possibilidade da correlação entre texto literário t xto mus l O orpo “l t rár o” mus l (Figura 6) aqui apontado pode ser ompr n o nt o omo l tur v rt l hor zont l “t xtos”. Neste momento deixamos de estudar a polifonia musical para identificar a relação de intertextualidade na composição musical.

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Figura 6: Dimensões do espaço textual literário musical. Fonte: o autor, 2014.

A constituição da música como linguagem foi muito discutida a partir da década de 1960 por conta do estruturalismo linguístico e da expansão no campo da Semiótica nos anos 1960 e 1970, colocando à mostra a complexidade das formas de comunicação humana não restritas apenas à linguagem verbal ou escrita, mas também a todo tipo de sinais e signos existentes na vida social. (SANTAELLA, 2001, p. 97) O diálogo musical entre os discursos produzidos pelo músico Sakamoto e a intervenção sonora produzida por Alv Noto n x u o mús “ x Mr L ” promove o encontro de dois discursos musicais distintos. De um lado, a técnica de composição sonora de Alva Noto influenciada pelos movimentos Música Concreta e pela música eletrônica alemã dos anos 1950, e de outro, a técnica de composição do gênero musical Música Instrumental, desprovida de texto cantado e que traduz a expressão oriunda da cultura japonesa usando o sistema gráfico ocidental como notação. Essa música instrumental conceituada aqui representa todo o universo sonoro criado a partir de instrumentos musicais acústicos. A inter-relação entre imagens surge como artificio para tecer novas possibilidades de construção de sentidos, por meio, por exemplo, do confisco ou da apropriação. As conexões dialógicas podem surgir através das citações, releituras, paródias que nos induzem ao deslocamento de contextos através da manipulação de imagens. O ato de renomear ou transformar algo familiar em desconhecido é dar a essa imagem um novo significado por meio da transposição. Com esse mecanismo

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podemos resgatar algo antigo e familiar e dar a ele um novo espaço para se apresentar. Transcrever uma imagem é recolocá-la em um novo contexto obrigando- a a dialogar com o contemporâneo e com um novo espaço geográfico. (FIGUEIREDO, 2007, p. 67-68) A imagem projetada durante a performance traz para esse diálogo elementos não mais sonoro musicais, mas da linguagem visual. Um repertório de configurações geométricas projetadas em uma tela sugere uma grande diversidade de imagens que dialogam com os sons tocados em sincronia. A imagem proporciona maior amplitude das possibilidades de inter-relação com outras narrativas que, neste momento, já não são nem sonoras e nem imagéticas.

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1.4. Modelo analítico da composição musical “Música não pode ser explicada, não pode nem mesmo ser contestada, exceto por uma música completamente nova” (Göran Sonnevi)

O modelo analítico de composição musical apresentado aqui serve como suporte interpretativo da obra musical para que possamos compreender e estudar o processo de construção técnica e tecnológica desta obra e a formatação do projeto de design sonoro-visual usada nesta performance. Dentro do processo de análise musical, um importante aspecto é a qualidade da escuta. Essa condição de atenção praticada pelo público espectador das apresentações de duo Alva Noto & Sakamoto demanda no público espectador sensibilidade para perceber sutilezas sonoras contidas nestas performances. Mesmo com a trilha musical tocada por Sakamoto ao piano, a imprevisibilidade da sequência de sons e ruídos que este tipo de repertório apresenta, coloca o ouvinte em uma situação de incerteza quanto ao desenvolvimento da narrativa musical. Pierre Schaeffer propôs, desde o movimento Música Concreta, uma escuta diferenciada qu h mou s ut “r uz ” P rt n o s r v õ s qu lqu r tipo de som, incluindo ruídos, como matéria-prima para compor a escuta reduzida, analisa diretamente a qualidade e as formas próprias do som, independentemente de sua causa e de seu sentido, promovendo o som como objeto de observação, o objeto sonoro. (SANTAELLA, 2001, p. 84) O encontro de duas vertentes musicais tão distintas dificulta a tarefa de encontrar uma metodologia de análise musical única que abarque qualidades e caraterística tão peculiares. Essa metodologia deve abranger em sua análise aspectos formais de notação musical, como a música de Ryuichi Sakamoto (Música Instrumental), e investigar as intervenções sonoras do artista Alva Noto, que possui uma técnica de composição mista, ora uso de samples ora síntese sonora. Na análise musical formal devemos reconhecer alguns parâmetros usados na composição, tais como a análise harmônica, melódica e rítmica. A análise harmônica ou vertical é composta de estruturas musicais formadas a partir do empilhamento de notas musicais e ordenada em uma sequência chamada de encadeamento harmônico. Outro parâmetro a ser estudado é a composição melódica ou análise horizontal, na qual os sons e pausas são postos em sequência em uma ordem

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linear, formando sentido em frases a partir de pequenas células musicais. A condução rítmica é também analisada nesse universo da música formal, onde podemos reconhecer rítmicas diferentes dentro da composição musical. O surgimento da técnica de composição da música eletrônica é recente se comparado às técnicas de composição instrumental clássica, pois nela estão inseridas condições que só foram possíveis depois do surgimento dos equipamentos eletrônicos no início do século XX. Portanto, os parâmetros escolhidos aqui para a análise são distintos e apropriados para essa linguagem, tais como a amplitude sonora, a altura, a duração e o timbre. A amplitude sonora é a quantidade de energia da onda sonora criada pela fonte, que também pode ser entendida como intensidade ou volume sonoro. A altura do som é a determinante da afinação do som produzido ou frequência que é o número de ciclos da onda sonora completos em um segundo. A duração do som tocado é o tempo que o som permanece ativo. A análise da constituição do som ou t m r é o sp to r sult nt “m stur ” os m s p râm tros pont os qu O timbre, neste contexto, é um elemento composto e não componente do som. Tendo já contextualizado, no capítulo anterior, aspectos relevantes como o dialogismo musical e a intertextualidade presentes na música analisada nesse trabalho de pesquisa, passamos agora a identificar os objetos sonoros de análise, como notas musicais tocadas por um instrumento musical acústico e analógico, o piano, como também sons disparados por dispositivos eletro eletrônicos e interfaces digitais usados por Alva Noto. O caráter inerentemente não-verbal do discurso musical, dilema do musicólogo em usar palavras para analisar uma arte não verbal e não denotativa abre espaço para a justificativa das ferramentas de análise musical usadas pelo musicólogo britânico Philip Tagg (1944-), que transformam justamente essa dificuldade em vantagem quando nesse estágio de análise se descarta a palavra como metalinguagem para a música e a substitui por outra música. (TAGG, 1982, p. 21) Segundo a proposta metodológica de análise musical criada por Tagg 62 , primeiro deve-se listar os parâmetros de expressão musical, relacionados ao Objeto

62TAGG, Philip. Analisando a Música Popular: teoria, método e prática (2003) tradução do original em inglês de Martha Ulhôa. (Tagg, 1982, p. 8)

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de Análise (OA) sonoro, levando em consideração a diversidade de fontes sonoras usadas na composição. São relevados nessa análise: 1) Aspectos Temporais como a duração do som e a relação que faz com qualquer outra forma simultânea de comunicação, 2) Aspectos Melódicos, como o registro em escala da amplitude de sons graves, médios e agudos, 3) Aspectos de classificação timbrística dos instrumentos e aspectos técnicos de performance, 4) Aspectos de Texturas, como a composição polifônica que se constrói sobrepondo sons e timbres diferentes, 5) Aspectos de Dinâmicas como análise de níveis diferentes de intensidade sonora ou acentuação, 6) Aspectos Acústicos como o grau da reverberação que é o estudo das características acústicas do local da performance musical, 7) Aspectos Eletromusicais e Mecânicos, como o estudo das ferramentas digitais e analógicas de manipulação sonora usadas em estúdios de gravação de áudio e também em performances musicais ao vivo e a produção sonora. (TAGG, 1982, p. 20). Um atributo oferecido por Tagg em sua metodologia é a possibilidade de estudar os “Mus m s”, que são unidades mínimas de significado ou de expressão musical estabelecidos pelo procedimento de análise de Comparação entre Objetos (CeO). (TAGG, 1982, p. 20) A análise musical começa quando um Objeto de Análise (OA) oferece uma certa consistência de resposta analítica na semelhança de estrutura musical quando comparado ao mesmo Material de Comparação entre Objetos (MCeO) em outra música. Cria-se nesse momento um Campo de Análise Paramusical (CAPm). Depois de levantar os Itens de Códigos Musicais (ICM) semelhantes entre a obra analisada e outras músicas e feita a identificação dos musemas, podemos, então, relacionar as formas extramusicais ou paramusicais de expressão entre eles (Figura 7). O estado de correspondência demonstrável pode ser examinado quando o MCeO compartilha qualquer denominador comum de associações extramusicais com um significado visual ou verbal. (TAGG, 1982, p. 22)

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Figura 7: Correspondência hermenêutica por meio de comparação entre objetos. Fonte: TAGG, 1982, p. 21.

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2. Análise da Performance

2.1. Análise Musical Formal

A retórica da performance que trabalha com convergência de linguagens como espetáculos multimídia ou audiovisuais pedem um suporte de análise com novas variáveis que devem ser levadas em consideração. São elas: imagem, som e ruído, música, texto visual (tipográfico), texto auditivo, movimento e interação. (BONSIEPE, 2013, p. 145) A música escolhida como objeto de análise, entre as executadas no DVD Insen Live é “Merry Christmas Mr. Lawrence”, composta por Sakamoto originalmente como trilha sonora do filme “Furyo”. Nesta performance, além de receber a participação de Alva Noto, a música ganha um novo arranjo e passa a se chamar, nesta publicação em DVD, “ x Mr L ” O arranjo original para cinema publicado em 1983 pela MCA Records (USA) possui uma instrumentação que inclui sons de marimba, tambor e sons sintetizados que imitam a sonoridade de uma orquestra de cordas. Essa técnica de arranjo musical utiliza basicamente um sequenciador 63 e um gerador de timbres ou sintetizador64 . Na cena musical pop da década de 1980, era muito comum um músico usar em suas gravações trechos gravados com sua própria performance ao instrumento e também sons pré-programados que são executados por um sintetizador, que por sua vez, comandados por um computador. O arranjo musical do piano propõe uma releitura da estrutura original da música na medida em que o artista deixa sobrar espaços para receber as intervenções sonoras de Alva Noto. Para que possamos entender melhor essa transformação e como o compositor pensou quando redefiniu toda a métrica musical sem perder a referência melódica da versão original, podemos observar na figura 8 um esquema analítico do áudio original, gravado em 1983.

63 Sequenciador é um equipamento que permite compor música com sons pré-definidos que são posteriormente executados por um sintetizador. O sequenciador usado por Sakamoto nessa época é o Roland MC-8 MicroComposer um microprocessador de 16K de RAM, memória suficiente para 5.300 notas para uma composição. Revista SOS – Sound On Sound, março de 1997. 64 O timbre dos instrumentos escolhidos por Sakamoto nesta gravação sugere a utilização do teclado, e também gerador de timbres, modelo DX-7 da Yamaha.

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A frase musical é a menor unidade estrutural dotada de uma certa completude e capacidade de se relacionar com as demais unidades similares. Uma frase musical significa, se comparada à capacidade de um cantor, aquilo que se pode cantar em um só fôlego. (SCHOENBERG, 1990, p. 29) Observando a figura 8 a parte Introdução é formada pela repetição das frases I e I’65. Neste momento o teclado como instrumento solista executa uma melodia que é composta pela frase I e I’ que se repete por duas vezes. O compasso três por quatro, encontrada somente na introdução da música induz o ouvinte a uma percepção rítmica diferente do restante da musica. A característica deste compasso ternário inicial é uma acentuação rítmica dançante parecido com uma valsa. Na parte Tema C ntr l, onst tuí fr s A A’, ont pr s nt o da célula Motivo Musical que será estudada no próximo capítulo deste trabalho Análise Sonora. Considerando que o Tema Centra é composto pela repetição de duas frases que se diferem minimamente uma da outra, a repetição por três vezes deste tema acaba denunciando a estética minimalista da música. Neste momento é apresentado a célula ritma que estará presente até o final (Figura 11). A Frase A e B da parte B funciona como uma ruptura das repetições da parte Tema Central. Este oito compassos levam o ouvinte à experimentar um trecho musical que não lembra em nada o tema desta música. O uso da região grave do instrumento violoncelo como solo da parte B faz esquecer o timbre e da tessitura66 mais aguda escolhida para executar a parte Tema Central. Neste momento a parte Tema Central é reapresentada por mais duas vezes porem ela aparece revigorada depois da ruptura proporcionada pela parte B. Também a instrumentação é modificada e o som do piano aparece dobrando a melodia do tema.

65 A fr s I’ é m sm fr s I por m om um p qu n v r o no f n l 66 Tessitura é a extensão do conjunto de notas entre a mais aguda e a mais grave em uma peça ou trecho musical.(DOURADO, 2004, p. 330)

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Parte Frases Minutagem Compasso Instrumentação

Frase I 00:00 - 00:15 0 – 8 Melodia acompanhada. Teclado líder. Frase I’ 00:15 - 00:28 9 - 16

Frase I 00:28 – 00:42 16 - 24

Introdução Melodia acompanhada. Teclado líder e piano. Frase I’ 00:42 - 00:56 Compasso3/4 25 - 32

Frase A 00:56 - 01:05 33 - 36 Tema

central Fr s A’ 01:05 - 01:14 37 – 40

Frase A 01:14 – 01:23 41 - 44 Melodia acompanhada. Solo da Marimba e

tambor rítmico. Tema

central Fr s A’ 01:23 – 01:32 45 - 48

Frase A 01:32 - 01:41 49 - 52 Tema

central Fr s A’ 01:41 -01:50 53 - 56

Frase A 01:50 - 01:59 57 - 60 Melodia acompanhada. Solo de teclado com

B timbre de violoncelo, teclado líder e tambor Frase B 01:59 - 02:09 61 - 64 rítmico.

Frase A 02:09 - 02:17 65 - 68

Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano Tema central Fr s A’ 02:17 - 02:27 69 - 72 e tambor rítmico.

Frase A 02:27 - 02:36 73 - 76

Melodia acompanhada. Solo da Marimba com Tema central Frase B 02:36 - 02:46 77 - 80 dobra de piano e tambor rítmico.

Frase A 02:46 - 02:54 81 - 84 Cadencia harmônica em bloco. Timbre de

cordas. Ponte

Fr s A’ 02:54 - 03:03 Compasso4/4 85 - 88

Frase A 03:03 – 03:12 89 - 92 Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano

e tambor rítmico. Tema

central Fr s A’ 03:12 – 03:22 93 - 96

Frase A 03:22 – 03:30 97 - 100 Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano

e tambor rítmico. Tema central Fr s A’ 03:30 – 03:40 101 - 104

Frase A 03:40 - 04:49 105 - 108 Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano

e tambor rítmico. Tema central Fr s A’ 04:49 – 03:58 109 - 112

Melodia acompanhada. Solo da Marimba, piano Frase A 03:58 – 04:07 113 - 116 e tambor rítmico.

Melodia acompanhada. Solo da Marimba com Tema central Frase B 04:07 – 04:16 117 - 120 dobra de cordas e tambor rítmico.

Frase A 04:16 – 04:25 121 - 124 Melodia acompanhada. Timbre de cordas Coda Fr s A’ 04:25– 04:34 125 - 128 Figura 8: Quadro descritivo musical. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do CD com o mesmo nome publicação em vinil pela MCA Recordes (1983). Fonte o autor 2015

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As fr s s A A’ da parte Ponte aparece com a função de ligar todo discurso narrativo desenvolvido até este momento, com as partes restante da música. Este trecho que começa aos 02:46 minutos é o meio da música e anuncia o inicio de um discurso que ajuda a finalizar esta composição. A particularidade deste momento é o arranjo instrumental construído para as cordas que soa como um cluster 67construindo uma harmonia em blocos. A parte Tema Centra reaparece e desta vez repetida por quatro vezes depois da parte Ponte, anunciando assim o final da composição. Neste trecho musical as o acompanhamento é feito da mesma maneira que na parte Ponte. Este efeito faz com que o ouvinte reconheça o Tema Central porem acrescido de um novo elemento timbrístico. A parte Coda 68 é o trecho musical que tem a função de desacelerar a narrativa musical e terminar a música. Neste momento os timbres do teclado que imitam o som das cordas tomam conta da cena sonora e a música acaba. São apontados neste esquema métrico musical: as partes, frases, contagem dos compassos69 , minutagem do áudio para cada trecho e um breve relato da instrumentação em cada momento destacado. Quanto ao aspecto melódico, a música tema original do filme Furyo, composta por Sakamoto, é mergulhada na cultura musical japonesa com matriz melódica oriental, cuja característica principal é o uso das escalas pentatônicas70. A escala pentatônica escolhida para essa composição é a escala de ré bemol (Figura 9), composta pelas notas: ré bemol, mi bemol, fá, lá bemol e si bemol.

67 Cluster é um grupo de notas vizinhas executadas em bloco como um acorde. (DOURADO, 2004. P. 85) 68 Coda significa seção ou trecho que encerra um movimento ou peça musical. (DOURADO, 2004, p. 85) 69 Compasso é a unidade métrica musical formada por grupos de tempos em porções iguais. Dicionário de termos musicais. (DOURADO, 2004, p. 88). 70 Pentatônica é uma escala de cinco sons, muito comum na música folclórica de diversas regiões do mundo. A escala pentatônica mais conhecida é a que corresponde às teclas negras do piano. Uma escala pentatônica de dó maior pode ser definida como uma escala diatônica maior sem o quarto e sétimo graus (dó-ré-mi-sol-lá). (DOURADO, 2004, p. 122)

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Figura 9: Escala Pentatônica. Fonte o autor, 2015.

O arranjo musical feito por Sakamoto para a performance com Alva Noto usa somente uma parte da música original, escolhida muito estrategicamente por Sakamoto, pois uma escolha errada poderia não caracterizar a versão original e se transformar em uma nova compos o O fr m nto s olh o fo fr s “A” p rt “T m C ntr l” ompost por qu tro omp ssos, to os no piano. Identificar na composição musical um elemento marcante e que possa ser usado como elemento estruturante na composição musical é fundamental para essa análise. É chamado de motivo musical básico aquele fragmento que funciona como um “ rm ” ompos on l p r lo o no início de uma peça musical. São aspectos valorizados pelo compositor no momento de construção de um motivo musical básico: o contorno da criação melódica formado pelos intervalos entre as notas e a figura rítmica desse fragmento, combinados de maneira harmoniosa. (SCHOENBERG, 1990, p. 35) No compasso número 1 Fr s “A” (F ur 10) na versão original aparece o motivo principal dessa composição, formada pelas notas: mi bemol, fá, mi bemol, si bemol e mi bemol. Esse fragmento produz unidade, coerência no discurso musical e ajuda na fluência da narrativa musical. Ele incide na construção e desenvolvimento de toda estrutura melódica da música, uma semente geradora de ideias que está presente em todo desenrolar da música. Está representada na figura 10 p rt tur Fr s “A” xtr í um publicação para piano solo, que mostra a frase na sua forma original. Importante destacar que, na versão original para cinema, a melodia correspondente a essa frase possui uma dobra, que é uma nota acrescentada uma quarta abaixo das notas da melodia. Essas notas acompanham o tema principal em toda a sua extensão e são chamadas de quartas paralelas. Na cultura musical japonesa, essa é uma técnica de composição bastante tradicional.

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Figura 10: Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr L wr n ” s o o p no Font : p rt tur Y no Mus Pu l sh n Company Limited, Japan 1982.

Na versão original da música o motivo identificado aqui é repetido dezoito vezes em toda a música, característica marcante desta música. De maneira geral um motivo aparece muitas vezes no decorrer de uma peça musical, mas a repetição pura, sem variações ou desenvolvimento poderia transformar essa estrutura musical em uma característica estética muito usada na composição musical minimalista. Na versão para cinema, podemos observar no esquema de análise que as partes são bastante simétricas, com novos eventos musicais acontecendo a cada quatro compassos. Isso é um facilitador na construção do arranjo quando falamos, por exemplo, no uso de loopings que são fragmentos repetidos automaticamente através de um sequenciamento sonoro comandado por um computador. Os samples são as células de repetição usadas para construir os loopings. Quanto maior a duração do sample menor será a velocidade de repetição, mas quando o fragmento for muito pequeno ou com um tempo de execução curto, a velocidade de repetição aumenta. Essa variação de velocidade pode propor um padrão rítmico ou pattern perceptível e desejado pelo compositor musical. Essa técnica, usada por Alva Noto durante a performance, é preparada no processo de pré-produção do evento musical e disparada durante o diálogo musical com Sakamoto. A célula rítmica (Figura 11) executada pelo tambor e clave na versão para cinema tem uma estrutura bastante simples e está presente em toda a música como um ostinato. Importante perceber que, na performance desta música em dueto, este

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elemento é desprezado tanto por Alva Noto quanto por Sakamoto e não aparece em nenhum momento.

Figura 11: Fr m nto Fr s “A” o T m C ntr l mús “M rry Chr stm s Mr L wr n ” S o o t m or l v Font o utor, 2015

O ritmo musical pode ser entendido tanto como elemento estruturante da linguagem musical, e assim tocado por instrumentos de percussão, quanto como parte da construção melódica. O ritmo dentro do contexto da frase melódica ajuda a moldar a frase. É um elemento agregador que dá unidade ao discurso musical, contribuindo para suas variações e caráter. (SCHOENBERG,1990, p. 30) O quarto compasso melódico da Frase “A” (F ur 10) possui uma rítmica diferente dos três primeiros. Essa característica propõe uma pontuação. Diferenciações facilitam o fluxo melódico, pois estabelecem uma relação de pergunta e respost om fr s s u nt Po mos ons r r Fr s “A” o tema ntr l omo um fr s nt nt Fr s “A’” o m smo t m , um fr s consequente. Toda melodia criada possui uma harmonia71 inerente. O acompanhamento musical feito através da sucessão de acordes é determinado pelo desenho melódico, que, por sua vez, ajuda a determinar as implicações harmônicas desta composição musical. (SCHOENBERG,1990, p. 29) A música tem tonalidade72 ré bemol maior e se relaciona com uma escala pentatônica com o mesmo nome. A escala pentatônica de ré bemol maior é o centro tonal desta composição e será a escala geradora das notas usadas na construção da melodia e também dos acordes da música. Na Figura 9 está representada a escala de cinco tons escolhida para esta composição, tanto na versão original quanto na da performance. O nome da nota do primeiro grau (I) é ré bemol, nota que

71 A harmonia estuda a estrutura dos acordes (suas notas componentes e posição) assim como seu emprego em progressões. Dicionário de Acordes Cifrados. (CHEDIAK, 1994, p. 254) 72 Tonalidade é um sistema de sons, produto não da natureza mas da convenção em tempos e países diferentes. É o conjunto de notas que formam o material sonoro básico para uma música convencional. Dicionário de Acordes Cifrados. (CHEDIAK, 1994, p. 254)

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dá nome à escala pentatônica, além de ser uma das quatro notas que compõem o acorde de sol bemol maior (Figura 12) com sexta (Gb6) usado como acorde de acompanhamento no primeiro compasso da Frase “A” S u n o esse mesmo raciocínio os três outros acordes usados na música são construídos. O acorde de lá bemol com sétima (Ab7), que possui na nota fundamental a quinta nota da escala pentatônica e o si bemol menor com sétima (Bbm7), possui a sexta nota da escala pentatônica como nota fundamental.

Figura 12: Formação dos acordes. Fonte o autor, 2015.

2.2. Análise Sonora

A proposta da intervenção sonora de Alva Noto nesse diálogo musical pode ser analisada por dois aspectos: o sonoro-musical e o sonoro-textural. Diferentemente da composição original, nesta performance a Frase “A” quatro compassos analisada no capitulo Análise Formal é executada no seu formato estrutural, porém nunca se apresenta por completo. A proposta de Sakamoto para esta versão é deixar o Tema Central sugestionado, porém nunca executado em seu formato original e explícito. Importante lembrar que, de acordo com o esquema analítico abaixo, a citação da melodia não é só responsabilidade do instrumento piano, mas também aparece nas intervenções sampleadas por Alva Noto. A Seção “A” possu s m sm s m nsõ s strutur s qu Fr s “A” v rs o or n l, porém, nesta nova interpretação de Sakamoto, ele omite elementos musicais principalmente melódicos. O áudio da performance musical extraído do DVD Insen Live possui 05:04 minutos de duração e apresenta uma métrica bastante diferente da versão original. Suas partes (Figura 13) são: Introdução dividida em três fases, Tema Central

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apresentado em uma sucessão r p t õ s S o “A”, e uma parte Final aqui apresentada em duas partes. A introdução é feita a partir de um loop de sons sintetizados, sugestionando a harmonia da Frase “A” o T m Central repetido por três vezes, sendo que na segunda e terceira o piano aparece e acompanha este fragmento com frases melódicas soltas e espaçadas. O clima proposto é de suspense, porém as frases melódicas ao piano quebram a rotina do loop e preparam para a entrada do Tema Central. As r p t õ s S o “A” se iniciam de maneira muito solene com a execução dos acordes estruturantes (Figura 13) da harmonia original e vão tornando-se cada vez mais intensas e presentes. Neste momento, a melodia do Tema Central ainda não é presente. Somente na sétima repetição dessa seção é que pequenos fragmentos da melodia ficam evidentes, porém nunca explícitos. Na S o “A”, aos 02:28 minutos, a melodia tocada ao piano abandona a intenção de sugestionar a linha melódica pelo Tema Central e segue um caminho mais solto e despretensioso. Aos 03:42 minutos de áudio, a proposta interpretativa de Sakamoto volta ao início com acordes espaçados e ar solene, lembrando a forma musical usada no Jazz & Blues de sempre voltar ao tema central quando se aproxima o final da música. Os fragmentos musicais preparados por Alva Noto para dialogar com o piano são: Sequência 1, Sequência 2, Sequência 3 e Sample 1. A Sequência 1 (00:00 – 01:35) apresenta sons sintetizados usando as seguintes notas: si bemol 4 (462Hz), mi bemol 5 (624Hz), si bemol 5 (920Hz) e fá 6 (1.4010Hz). As notas são apresentadas de maneira alternada, de forma que a cada oito segundos esta formação se repete. A Sequência 2 (00:42 - 01:45) apresenta sons sintetizados tocados na seguinte ordem: mi bemol 3 (156Hz), ré bemol 3 (134Hz) e si bemol 1 (59Hz). Esta sequência se repete a cada dez segundos. A Sequência 3 (02:49 – 03:42) executa uma frequência subgrave, a nota fá 1 (43Hz), que é executada como uma célula rítmica. O Sample 1 é um som extraído do primeiro compasso Fr s “A” m lo T m C ntr l. Este fragmento é executado entre 01:35 e 02:44 minutos, voltando a aparecer em 03:43 até 04:31 minutos.

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Partes Minutagem Sakamoto Alva Noto Intro A 00:00 – Neste momento não Estrutura rítmica elaborada a partir

00:18 existe a participação do de clicks. piano. Sample em looping construído a partir de sons sintetizados. Intro B 00:18 – Entrada do piano 00:42 fazendo frases Introdução Intro C 00:42 – melódicas. Rítmica de clicks com Intervenção 01:03 mais espaçadas. Entrada de sons Seção A 01:03 – Acordes extraídos da sintetizados frequências graves em 01:14 harmonia original Frase looping. Seção A 01:14 – ”A” s m m lo 01:24 Seção A 01:24 – 01:35 Seção A 01:35 – Surgimento de fragmento 01:45 sampleado do piano executando a m lo o mot vo Fr s “A” Som sintetizado ostinato em mi bemol. Seção A 01:45 – Aparecimento do Ruído Branco. 01:56 Uma frequência surge como Seção A 01:56 – ostinato em ré bemol. 02:06

Seção A 02:06 – Acordes e fragmentos

02:17 da melodia extraídos da

Seção A 02:17 – harmonia original Frase

02:28 ”A” Seção A 02:28 – Execução de acordes e

02:38 melodias construídas Tema central Tema Seção A 02:38 – com base na estrutura Surgimento de fragmento 02:49 harmônica e melódica sampleado do piano executando o Seção A 02:49 - 03:00 Fr s ”A” segundo compasso a melodia Seção A 03:00 - 03:10 or n l Fr s “A” Sur m nto de frequências graves com rítmica própria. [4/4 h. q / w / h. q / h q q] Seção A 03:10 - 03:20 Ruído Branco colocado em Seção A 03:20 - 03:31 destaque novamente. Som Seção A 03:31 - 03:42 sintetizado ostinato em si bemol. Seção A 03:42 - 03:52 Acordes extraídos da Surgimento de fragmento Seção A 03:52 - 04:03 harmonia original Frase sampleado do piano executando a ”A” m lo o mot vo Fr s “A” Seção A 04:03 - 04:13 Destaque para som sintetizado Seção A 04:13 - 04:24 frequência em si bemol. Seção A 04:24 - 04:35 Final A 04:35 – Acorde de repouso ou

04:50 finalização tocado a cada quatro tempos. Final Final B 04:50 – Acorde de finalização. Sample do acorde final em looping. 05:04 Figura 13: Quadro descritivo sonoro. Música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live publicação em 2006 pela gravadora Raster Noton. Fonte o autor 2015.

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O limiar temporal é um limite mínimo da capacidade de nossos ouvidos em separar os objetos sonoros percebidos pelo ouvido no tempo. Quando a duração de um som for menor de cerca de 60 ms (sessenta milissegundos), o ouvido tende a aglutinar os objetos sonoros, fundindo-se em um único som (MENEZES, 2004, p. 181). No próximo capítulo este conceito de Limiar Temporal ajudará a explicar o processo de transformação do glich em textura. O Ruído Branco é um som que possui distribuição uniforme por todo o espectro de frequências com densidade de energia constante por toda gama de frequências audíveis e pode ser comparado, na natureza, com o som do mar, de algumas máquinas ou o som da televisão fora de sintonia. (MENEZES, 2014, p. 26). Alva Noto articula este ruído em toda extensão da música e com o auxílio de filtros (equalizadores) consegue chegar em uma sonoridade que se aproxima ao ruído de uma válvula de gás aberta. Este ruído intermitente está apresente em toda música, aparecendo com mais vigor nos inícios de compassos marcados pelo piano. A análise através dos parâmetros sonoros com viés semiótico proposto por Philip Tagg nos oferece uma perspectiva mais sensorial da obra musical estudada. Se comparada a análise formal, apresentada no capítulo anterior, esta perspectiva de estudo musical tem um nível de subjetividade maior, porém quando incorporada ao escopo do trabalho potencializa os aspectos abordado na pesquisa. Além da análise musical formal fundamentada por Schoenberg (1874 – 1951) e do estudo dos elementos sonoros, a análise musical criada por Tagg é articulada de maneira a esclarecer aspectos dialógicos da performance, para que finalmente somados aos elementos visuais o entendimento de todo processo dialógico entre as linguagens possa ser entendido. De acordo com o que já foi apresentado no capítulo Modelo Analítico da Composição Musical, o primeiro passo para esta análise é estabelecer uma lista de parâmetros de expressões musicais. Considerando aqui aspectos temporais, melódicos, harmônicos, timbrísticos, dinâmicos e acústicos, podemos elencar os seguintes Objetos de Análise (OA) a partir do Objeto Sonante (OS), que neste momento é considerado o áudio extraído do DVD Insen Live (2006) e não mais a música original composta por Sakamoto em 1983 Os “OA” r l v nt s s o: o Mot vo Musical, os Glitchs, os ruídos e o plano sonoro.

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O primeiro Objeto de Análise apontado é o Motivo Musical Básico, que pode ser comparado a um gene composicional da música. Esta célula é apresentada de uma maneira ostensiva por toda a música. Na figura 14 está representado o grupo de cinco sons que formam o fragmento musical chamado Motivo Musical Básico. Os sons que estão grafados na pauta musical são as notas mi bemol, fá, mi bemol, si bemol e mi bemol. Considerando as escalas pentatônicas como escalas diminuída de dois sons se comparado as escalas de sete sons, este fragmento musical é também muito econômico em sua construção, pois dos cinco sons que se apresentam neste trecho três são repetidos 73 , além de não conter em sua construção, duas notas que pertencem a escala pentatônica 74 (Figura 9) e que são desprezadas nesta composição musical. Mais uma vez o uso mínimo de elementos é usado para compor o escopo deste projeto performance.

Figura 14: Partitura da melodia do compasso Motivo Musical Básico da música Merry Christmas Mr. Lawrence, áudio extraído do DVD Insen Live. Fonte o autor 2015

Para reconhecer, o que Philip Tagg chama de Campo de Associação Paramusical75, é necessário estabelecer correspondência hermenêutica por meio de comparação de objetos. Pesquisando estruturas musicais que pudessem estabelecer uma relação comparativa na construção melódica criada por Sakamoto, chegamos até o compositor inglês Frederick Delius (1862 - 1934). Na música Serenade from Hassan, de 1923, encontramos no primeiro compasso da composição o mesmo Motivo Musical Básico usado por Sakamoto (Figura 15).

73 Uma das notas (mi bemol) que compõem este fragmento se repete por mais duas vezes. 74 A escala pentatônica escolhida para essa composição é composta pelas notas: ré bemol, mi bemo, fá, la bemol e si bemol. E as notas que aparecem nesse fragmento são somente três : mi bemo, fá e si bemol. 75 É um material de comparação interobjetiva do Objeto de Análise.

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Figura 15: Fonte Partitura Universal Edition, Viena em 1923

A melodia ré - mi - ré - lá - ré possui a mesma sequência melódica se comparada a mi bemol – fá – mi bemol – si bemol – mi bemol. Podemos afirmar isso pois a semelhança entre as melodias não está só no nome das notas mas sim na relação intervalar entre elas, em outras palavras a sequência dos intervalos entre cada nota das melodias são as mesmas, ou seja: segunda maior ascendente, segunda maior descendente, quarta justa descendente e quarta justa ascendente (Figura 16).

Figura 16: Estrutura intervalar das melodias Serenade from Hassan (esquerda) e ax Mr L (direita). Fonte o autor, 2015

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Para compreender ainda melhor a relação de semelhança entre estes objetos o compositor Ryuichi Sakamoto usou em sua música um universo tonal76 que se relaciona diretamente com o universo tonal da composição de Frederick Delius Essa relação acontece quando o mesmo motivo musical é traduzido para uma outra tonalidade, isso significa que quando acontece uma modulação, ou troca de tonalidade, a estrutura melódica mantem-se intacta . Podemos encontrar identidade na construção melódica também no primeiro compasso do movimento Badinerie (figura 17) da Suíte No. 2 em B Menor Bwv 1067 composta para orquestra em 1707 do compositor alemão do período Barroco Johann Sebastian Bach (1685 – 1750). Importante complementar que a relação de semelhança neste caso é bem mais subjetiva e está baseada na movimentação melódica criada pelo compositor Bach e também pelo que este fragmento musical representa para essa composição.

Figura 17: Fragmento inicial da composição Badinerie de J. S. Bach. Fonte Chester Musica Limited, London, 2003

Bach usa no fragmento musical representado pelas quatro primeiras notas mostrada na figura 17 (si, ré sustenido, si, fá sustenido e si), a mesma articulação melódica usada por Ryuichi Sakamoto no fragmento Motivo Musical. Desta vez a relação intervalar entre as notas não é a mesma porém a articulação e a direção de ascendência e descendência dos intervalos é a mesma. Mais uma característica da

76 O sistema tonal de composição musical oferece possibilidade de uma mesma música transitar entre as varias tonalidades possíveis. Universo tonal é uma maneira de mensurar as possibilidades de criação musical dentro de uma determinada tonalidade.

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semelhança entre as composições de Bach e Sakamoto é que elas foram escritas em tonalidades distante uma dá outra em somente meio ton, isto é tonalidade ré natural e ré bemol respectivamente. Na figura 18 a seta em azul mostra, do lado esquerdo a movimentação melódica do fragmento extraído da música Badinerie e do lado direito a movimentação melódica do fragmento extraído da música de Ryuichi Sakamoto.

Figura 18. Quadro comparativo da articulação do fragmento coletada da música de J.S. Bach com fragmento musical Motivo Musical de Ryuichi Sakamoto. Fonte o autor 2015.

Bach coloca este fragmento como marca sonora de sua composição, repetindo este motivo musical algumas vezes, ora como simples repetição ora como variações deste mesmo fragmento. Essa prática de repetição e insistência num mesmo motivo melódico é usado também por Ryuichi Sakamoto. Na composição Arabesque No. 2 (Figura 19) para piano do compositor impressionista francês Claude Debussy (1862 – 1918), música composta entre 1894 e 1900, encontramos uma semelhança também na movimentação melódica da célula musical logo no primeiro compasso, porém estre fragmento é executado com mais velocidade. A indicação do andamento77 desta composição é uma Allegretto Scherzando uma velocidade de execução bem mais acelerada que a composiçãol de Sakamoto que recomenda aos executantes o andamento Andantino. Esta característica é ainda mais marcante quando consideramos que apesar da fórmula de compasso78 das duas músicas serem a mesma (4 por 4) o tempo de duração

77 Andamento é o indicativo de tempo e/ou de caráter, determina como a peça ou trecho devem ser executados. Emprega-se comumente até hoje a nomenclatura italiana: andante, adagio, allegro, moderato, ou as marcações reais de metrônomo.(DOURADO, 2004, p. 26). 78 Fórmula de compasso é o que determina como os compassos serão escritos. Compasso é a unidade métrica musical formado por grupos de tempos em porções iguais. Podem ser

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das notas escolhidas por cada compositor são diferentes. Na composição de Debussy as notas do fragmento são escritas ou desenhadas como semicolcheias79 e na composição de Sakamoto são escritas como colcheias, isso indica ao executante da música do compositor francês o dobro de velocidade em relação a composição de Ryuichi Sakamoto.

Figura 19: Fragmento inicial da música Arabesque No.2 de Claude Debussy. Fonte Musicnotes, Inc. 2009

Na Mazurka Op. 7 No.5 (Figura 20) do pianista e compositor polaco do período romântico Frederic Chopin (1810 – 1849) a célula mostrada no primeiro compasso aponta um fragmento melódico que também se assemelha ao motivo musical destacado na música de Sakamoto. Chopin escolhe para sua composição um compasso ternário (três tempos) enquanto que a música de Sakamoto o compasso é quaternário (quatro tempos). O compasso com três tempos da a música um caráter dançante muito usado nas valsas.

Binário (dois tempos), ternário (três tempos), ou quaternário (quatro tempos). (DOURADO, 2004, p. 88) 79 Semicolcheia é a nota cuja a duração é o dobro de uma fusa e a metade de uma colcheia. (DOURADO, 2004, p, 299)

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Figura 20: Fonte: Musicnotes, Inc. 2014

As composições citadas foram elaboradas por músicos que possuem um perfil artístico marcado por um profundo conhecimento musical adquirido com estudo formal de música. O diálogo de Sakamoto com este universo erudito da música fica aparente não só por sua formação acadêmica, mas também pela proximidade de seu estilo de composição musical mostrados nos exemplos acima. Para reconhecer alturas80 e timbres, o glitch usado por Alva Noto teria que ser um objeto sonoro com um tempo de duração maior, porém, sendo um som de curta duração, não é possível reconhecer sua afinação. As possibilidades construtivas deste recurso sonoro ficam reduzidas a combinações rítmicas, pois não é possível criar melodias ou estruturas harmônicas com elas. No diálogo com o piano, Alva Noto usa esse som para compor uma textura sonora que insinua um áudio de baixa qualidade. O espectador desta performance ficaria com a impressão de que o sistema de sonorização do evento está com problemas, se não fosse a convicção do artista em direcionar a apresentação para este contexto sonoro musical. Em uma primeira análise, a composição destes sons propõe a formação de pequenas celular rítmicas dispostas em ciclos randômicos, que quando observadas ao longo da música não são reconhecidas pelo ouvido como células rítmicas mas sim como textura sonora, lembrando o som de gotas de chuva caindo de um telhado no chão encharcado. Os ruídos nesta música têm uma função de realce das mudanças métricas da música. O ruído branco tem sua presença destacada na música quando acontece a qu nt r p t o s o “A” (Esqu m Anál s Sonor m 01:45), reoxigenando

80 A altura do som faz referência a afinação.

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a repetição de mais uma seção. O objetivo de introduzir um novo elemento a cada repetição de uma mesma parte é fundamental para evitar a monotonia e assim manter o clima minimalista que a peça musical propõe. Um outro ruído aparente é aquele acrescentado ao sample do Motivo Musical Básico quando disparado digitalmente. Com o uso de um filtro, extrai-se uma nova cópia deste fragmento sonoro que recebe um tratamento de distorção sonora, que nada mais é que a saturação sonora do próprio Sample. Esse ruído é projetado com muita intensidade durante a performance, pois é estrategicamente colocado na região aguda do espectro sonoro, entre 9.000Hz e 14.000Hz. O plano sonoro proposto neste áudio considera toda ambientação sonora criada para esta performance. São considerados neste plano aspectos acústicos, principalmente a reverberação e o eco. Como o projeto sonoro não pode ficar rendido ao formato e tamanho da sala de concerto, toda ambientação sonora é preparada com a ajuda de equipamentos como simuladores de reverberação81 e câmaras de eco 82 . Devemos considerar aqui que o objeto de estudo dessa dissertação é o áudio extraído de uma mídia digital e não a performance propriamente dita, pois seria necessária a pesquisa in loco.

2.3. Análise Visual

Diante da complexidade do entendimento de tantos elementos estruturantes de um projeto que reúne em uma só performance as linguagens sonora, musical e visual, o processo de análise visual pode ser entendido, em uma primeira análise, como mais um elemento complicador, porém, neste capítulo, estudaremos os elementos agregadores que as projeções luminosas desta performance revelam. A visualidade de um produto é muito discutida em design, sem dúvida é uma parte do projeto bastante importante e que possui a capacidade de sugerir uma atitude ou estimular um comportamento diante de algo complexo. Da mesma maneira que um objeto transmite na visualidade informações sobre sua natureza,

81 A reverberação consiste na propagação do som decorrente das reflexões desse som no ambiente, reflexões estas independentes das vibrações em si da matéria instrumental que deu origem ao som. (MENEZES, 2014, p. 185) 82 Repetição do som original com distancias temporais a partir de 30 milissegundos com relação ao som original. (MENEZES, 2014, p. 186)

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podemos considerar que o elemento visual da performance revela parte da construção deste diálogo sonoro-musical. (CARDOSO, 2012, p. 117) A imagem projetada durante a performance é disparada automaticamente pelas notas tocadas pelo piano e seguem estáticas até a execução da próxima nota. A dinâmica de projeção visual da performance pode ser comparada à de um projetor de slides, equipamento óptico mecânico muito usado nas décadas de 1970 e 1980, que projetava imagens estáticas em uma tela em branco. No caso da performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto a ordem de aparição dos formatos dessas imagens é regida por um padrão randômico que será desvendada no capítulo Projeto Visual. Observando todas as performances do DVD Live Insen encontramos mecanismos diferentes de formatação dos desenhos projetados, porém, sempre disparados através de interfaces que reconhecem o som e suas propriedades. Na performance, as imagens são projetadas em um fundo preto e possuem shapes que são forjados a partir de um grid83 de linhas verticais e horizontais (Figura 21). A menor figura geométrica geradora de imagens é o retângulo.

Figura 21: Grid strutur nt m ns us n p rform n mús “ x Mr L Font ”, do autor 2015

O grid cria figuras quadradas e retangulares em tamanhos variados e em alguns momentos a estampa em preto e branco sugere uma visão que pode ser relacionada a objetos ou figuras geométricas conhecidas. Se lembrarmos de figuras geométricas contidas em objetos do nosso cotidiano, como portas, janelas, folhas de papel, livros, telas de computadores e tablets, essa simetria de linhas verticais e horizontais é uma imagem estruturante usada na Arquitetura e no Design Gráfico, por exemplo.

83 Um grid é uma rede de linhas. Em geral, essas linhas cortam um plano horizontal e verticalmente com incrementos ritmados. (LUPTON, 2008, p. 175)

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Em primeira análise, essa estrutura geradora de formas sugere uma imagem semelhante ao pentagrama84 com suas linhas horizontais e as barras de compasso85 com linhas verticais. Como notas escritas em uma pauta musical (Figura 22), as estampas projetadas possuem brilhos pulverizados por sobre a estampa, criando um contraste de luz e sombras.

Figura 22: Partitura projetada sobre o grid. Fonte o autor 2015 Usando como referência o trabalho do design de peças impressas, as linhas e colunas criadas em uma página ajudam os designers a alinhar os elementos entre si, tornando o processo de leitura mais eficiente. Como em uma página de um periódico que mistura texto e imagens, o grid ajuda a estruturar espações em branco que deixam de ser buracos vazios e passam a participar do ritmo das imagens estampadas (LUPTON, 2008, p. 175). A rítmica criada pelos espaços em branco em uma página impressa cumpre a mesma função das sombras criadas na estampa das imagens que são mostradas durante a performance. A projeção randômica de sombras das imagens dá mais dinâmica às figuras, sugerindo uma rítmica própria, que não aquela disparada pelas notas do pianista, que por sua vez é cópia da rítmica da composição musical criada por Sakamoto.

A repetição de elementos tais como círculos, linhas e grids, cria ritmo enquanto a variação de seu tamanho ou intensidade gera surpresa. Em animação, os designers devem orquestrar simultaneamente os ritmos visuais e sonoros. (LUPTON, 2008. p. 34)

Um trabalho que pode ser referência para análise deste trabalho visual é o filme curta metragem de animação Synchromy (1971), do diretor de cinema e animador Norman McLaren86 (1914-1987). Nesta animação Norman trabalha com

84 Pauta ou pentagrama é a reunião de cinco linhas e quatro espaços nas quais são escritas as notas musicais. (ALVES, 2004, p. 12) 85 Na escrita musical, os tempos são agrupados na pauta e os agrupamentos são separados por barras verticais denominadas de barra de compasso. (ALVES, 2004, p. 28) 86 Norman McLaren foi um cineasta escocês pioneiro em imagem em movimento. Famoso por seus experimentos animados e curtas-metragens. Ganhou vários prêmios incluindo o

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relação de equivalência entre ver e ouvir, construída através da movimentação de figuras geométricas coloridas de acordo com as notas musicais de uma trilha sonora. (CARNEIRO, 2013, p. 194) Na figura 23 podemos observar em duas amostras retiradas do curta metragem Synchromy a rítmica e geometria das figuras projetada que são sincronizada com uma trilha sonora. A ação contínua do sequenciamento de padrões geométricos é encontrado também na performance Insen Live quando a música proposta pelo duo Alva Noto e Ryuichi Sakamoto propõem o domínio do tempo e da rítmica nessa performance que relaciona som e espaço.

Figura 23. Duas amostras extraídas do filme Synchromy (1971) do cineasta Norman McLaren. Fonte: National Film Board of Canada (2014).

Procurando novos enfoques para análise visual dessa performance encontramos similaridades com o conceito de Arte Sonora 87 (sound art) que considera o relacionamento do som, espaço e tempo. Importante deixar claro que a performance Insen Live não é uma instalação de Arte Sonora, mas podemos estudar o conceito desta manifestação artística para buscar subsídios e referencias na análise desta performance estudada neste trabalho.

da Academia (Oscar) para 1952. Ele influenciou artistas, cineastas e músicos, como Picasso e Truffaut. LERUSTE, Sabrina. (2014). National Film Board of Canada. < http://www.mclaren2014.com> Acesso em 26/10/2015. 87 A Arte Sonora (sound art) sur n é 1970 omo um mov m nto qu stu a fronteira entr s rt s v su s mús Ess r p rt r o é r t r z o p lo nt r âm o ntr s rt s, m s l n o mús , rt s plást s rqu t tur (IAZZETTA, 2006, p 775)

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Na construção de uma obra sonora busca-se a conexões do espaço com estruturas sonoras que a transforme em uma instalação ou escultura sonora, portanto o espaço se torna vital neste tipo de trabalho, passando a ser elemento integrante da obra. (IAZZETTA, 2006, p. 776) Na performance Insen Live o espaço de apresentação tem uma conotação mais neutra em relação as instalações sonoras, pois ela acontece em uma sala de concerto, porem a conexão estabelecida entre a performance e o espaço é reforçada. Um elemento que potencializa essa relação do espaço com a performance é a presença das projeções das imagens que como em uma instalação de arte é um fator de aproximação das distancias entre a música e as artes plásticas. Podemos entender que a Arte Sonora permeia as fronteiras entre música e as outras artes, onde a música é material de referência dentro de um conceito expandido de composição artística. Isto cria um processo de hibridação entre o som, imagem, espaço e tempo. (IAZZETTA, 2006, p. 775) A transformação do timbre do piano acústico através do uso de efeitos como reverberação artificial e mais as intervenções dos sons eletrônicos sintéticos criam um espaço de performance que modifica a maneira como um espectador experiencia este espaço de performance. A questão levantada aqui é que a inclusão de elementos que normalmente não são valorizados em uma composição musical tradicional tais como a visualidade, a performance e a plasticidade estabelecem uma conexão entre os conceitos de performance e Arte Sonora. (IAZZETTA, 2006, p. 776)

A p rt r í orr um onjunto o r s qu estão inseridas em gêneros qu s rup m m torno o t rmo rt sonor – soun s p , soun s n, soun s ulptur , nst l o sonor - qu s r f r m o tr lho rt st s hí r os qu l m om on p õ s r t v s qu us m nt r r no õ s som, t mpo, sp o, m m e movimento. (IAZZETTA, 2006, p. 776)

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3. Aspectos Projetuais

3.1. Projeto Dialógico Sonoro

Observando outros vídeos de apresentação da mesma performance, como, por exemplo, a do Festival Sónar em 2012 na cidade de São Paulo, fica evidente o trabalho da pré-produção de todo material sonoro por Alva Noto, como também o preparo do arranjo musical de Sakamoto. Este trabalho não se resume só em armazenar de todos os áudios e confecção da partitura do arranjo musical, mas também da existência de um script que prevê todo o caminho a ser percorrido neste diálogo, deixando um espaço para variações circunstanciais de interpretação artística, deste ou daquele momento, pelos artistas. O Projeto Dialógico Musical neste trabalho acadêmico pode ser entendido como o processo estratégico de construção do diálogo entre as linguagens por cada músico através de um pensamento projetual de design revelados em vários aspectos estudados nesse capítulo. As partituras do piano, os sons eletrônicos e projeções visuais que são articulados durante a apresentação no palco são planejados e preparados em um processo de pré-produção que acontece antes do evento performático. Este preparo requer uma estratégia para que as partes ou textos musicais sobrepostos não se confundam e acabem se anulando. A estratégia usada nessa performance pode ser desvendada através do espectro de frequências do áudio, da orquestração sonora e também do entendimento visual das imagens. O estudo da equalização sonora que acontece no campo do espectro de frequências88 nos ajuda a visualizar a distribuição das vozes do piano e dos sons eletrônicos do áudio e, para isso, o espectro é dividido em regiões. De 20Hz a 60Hz, chamamos de Subgraves; de 60Hz a 250Hz Graves; de 250Hz a 2.000Hz Médias Baixas, de 2.000Hz a 6.000Hz Médias Altas e de 6.000Hz a 20.000Hz de Agudos. (HENRIQUES, 2007, p. 63)

88 Conjunto de frequências reconhecidas pelo ouvido humano que vai de 20 Hz até 20.000Hz.

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Através de um analisador de espectro89, foi possível construir um gráfico de frequências (Figura 24) gerado pelo áudio da música. Destacadas em vermelho estão as notas (em azul) tocadas ao piano por Sakamoto e as figuras em preto são os sons eletrônicos. O vetor vertical aponta as frequências em Hertz, no horizontal o tempo em minutos, e as variações de tons de cinza medem a intensidade sonora naquela determinada frequência. Estudando a distribuição da parte reservada aos sons do piano dentro desse espectro sonoro, desvendamos a estratégia de movimentação das vozes criada por Sakamoto e Alva Noto. Para facilitar a análise deste gráfico, quatro momentos são identificados durante a execução musical. São eles: o primeiro momento ou introdução musical, o segundo momento ou apresentação do tema central, o terceiro momento ou improviso e finalmente o quarto momento que é a finalização da performance. No primeiro momento os sons que aparecem são os eletrônicos que servem de suporte para o surgimento dos sons do piano que aparecem logo em seguida. Um breve solo de Sakamoto na região das frequências médias baixas completam essa introdução neste primeiro momento. O gráfico mostra uma região vazia na faixa frequencial Subgraves e Aguda, espaços estes, que serão preenchidos num próximo momento aos 00:42 segundos. A característica musical marcante neste inicio é que a melodia tocada ao piano não entrega a melodia marcante da música deixando o expectador sem saber que música está sendo executada. Esta ação faz com que o aparecimento da melodia central da música seja adiado e com isso o surgimento da sensação de suspense. O mecanismo de construção melodia neste primeiro momento é a improvisação, isto é, a criação de uma melodia a partir de uma estrutura harmônica e rítmica pré estabelecida. O segundo momento tem inicio com um minuto de música. O piano muda sua presença para a região grave fazendo um movimento lento em direção ao espectro das frequências médias graves. Neste momento o piano começa a conduzir a música para a cadência harmônica principal e assim ele prepara o expectador para reconhecer o tema central. Em 02:06 minutos Sakamoto executa explicitamente o quarto compasso do fr m nto Fr s “A” o T m Central da música (Figura 24) e

89 Sonic Visualiser é um programa de computador que ajuda a visualizar e analisar o conteúdo dos arquivos digitais de áudio. Acesso em 26/10/2015.

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assim permite que o ouvinte reconheça o arranjo musical extraído da versão original da música “M rry Chr stm s Mr L wr n ” A partir deste momento acontece uma nova improvisação no piano, só que desta vez a articulação não acontece na melodia mas sim com a harmonia. Este processo de improvisação usa como ponto p rt h rmon or n l Fr s “A” ont m blocos de notas tocadas ao mesmo tempo. A região do espectro de frequências escolhida por Sakamoto para essa passagem é a mesma da introdução, as medias baixas, porem para o piano é uma região aguda. Essa condução permite que as vozes tocadas por Sakamoto e Alva Noto não ocupem a mesma posição dentro do campo de frequências, se revezando nas posições subgraves, graves, médias graves e agudas. O terceiro momento acontece entre 02:38 e 03:42 minutos quando as notas tocadas pelo pianista são poupadas das interversões dos sons eletrônicos na região aguda. Neste momento a região entre 500Hz e 2.000Hz é usada pelo piano para contrapor com os sons eletrônicos da região subgrave e grave, o que mostra mais uma vez a articulação estratégica desse arranjo sonoro musical. No quarto momento a condução da voz do piano termina com uma configuração parecida com o início da música, ou seja, uma cadência harmônica de acordes na região grave.

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A Figura Espectro sonoro será colada aqui.

Figura 24: Espectro de frequência da música ax Mr. L em destaque parte executada ao p

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Outro aspecto sonoro musical estruturante deste diálogo é o mecanismo de sincronia musical usado pelos músicos. O mecanismo mais usado nas apresentações musicais com uma formação similar a essa é o uso do metrônomo90 que funciona como um sinal sonoro tocado em um fone de ouvido para cada músico durante toda a performance. Esse sinal indica o bpm que orienta o instrumentista, que pode saber exatamente em que posição da música está e executar sua parte com precisão. Porém, isso não acontece nesta performance, apesar de que os looping 91 disparados pelo computador geram obrigatoriamente um ritmo que o pianista deve respeitar. A escolha por não usar esse mecanismo está no formato dos samples escolhido por Alva Noto e pela limitação interpretativa que o metrônomo proporciona, principalmente para o pianista. De todo material sonoro preparado por Alva Noto e levado até o palco da performance, alguns sons possuem características de identificação musical que estruturam a métrica da música, tais como o sample da melodia Fr s “A” sons sintetizados e sequenciados, como na parte Introdução. Outros sons não possuem essa característica de condução métrica, como por exemplo o ruído branco. Durante todo o tempo da performance, sempre existe um som delineador de referência musical sendo executado, e como não existe em nenhum momento uma interrupção sonora, isso faz desse mecanismo um sistema eficiente de sincronia deste diálogo. Em um concerto musical92, o compositor usa toda a instrumentação de uma orquestra sinfônica para compor um acompanhamento que passa servir de base para que um determinado instrumento solista se apresente. Podemos entender que a orquestra serve como suporte para que um solista se destaque e, com isso, todo o brilho e as características de sua sonoridade.

90 Metrônomo é o aparelho mecânico ou eletrônico que possui marcações das velocidades. A medição é feita em batidas (pulso) por minuto (bpm). (ALVES, 2005, p. 47) 91 O looping é uma forma de executar um áudio digital ou analógico que propõem a repetição de um fragmento sonoro construído a partir de um determinado tempo ou compasso. 92 No século XVII, referia-se genericamente à música para instrumentos e vozes. A partir do século seguinte, passou a designar a composição, geralmente em três movimentos, em que solista ou solistas se apresentam com uma orquestra. De forma genérica, qualquer apresentação pública de maiores dimensões. As apresentações em ambientes menores são geralmente chamadas recitais. Show de música popular, jazz ou rock. (DOURADO, 2004, p. 89)

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Em entrevista gravada em vídeo para o site Cast Your Art93 (2009), Alva Noto fala de seu interesse pela polaridade, mais especificamente pelo espaço criado entre polos, como por exemplo o positivo e o negativo, o branco e preto, e as altas e baixas frequências. Quando discorre sobre o espaço acústico criado pelos polos em um ambiente sonoro, ele explica um aspecto estruturante do projeto sonoro, que é a escolha de frequências subgraves e frequências agudas para a estruturação do arranjo sonoro. Um aspecto importante dessa orquestração sonora é o maneira como foi planejada a construção do arranjo de sons tocados pelos equipamentos eletrônicos. Estes sons aparecem em espaços vazios, aproveitando-se das limitações de extensão de notas que o piano pode tocar. Na figura 25 podemos observar as linhas pretas indicando a capacidade do ouvir humano para reconhecer frequências graves, com o limite de vinte hertz e frequências agudas com um limite de até vinte mil hertz. De uma maneira ilustrativa a figura 25 ainda mostra como estes espaços são preenchidos, em verde claro estão representados os espaços espectral de frequências que os instrumentos eletrônicos podem preencher e em vermelho a gama de frequências que o piano pode tocar.

Figura 25. Espaço auditivo humano com destaque a amplitude frequencial do piano. Fonte o autor 2015.

93 Cast Your Art. Espaces in Between, publicado no site em 01/04/2009 - Acesso em 26/10/2015.

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O arranjo dos sons criados por Alva Noto é estrategicamente colocado para ocupar os espaços extremos do espectro de frequências que o ouvido humano é capaz de reconhecer. Como podemos observar na figura 26 a cor vermelha mostra o campo frequencial que o instrumento piano ocupa, enquanto a cor verde mostra o campo frequencial aproveitado por Alva Noto para complementar a narrativa melódica de proposta por Ryuichi Sakamoto. A música tocada pelo pianista pode ser entendida, dentro desse contexto, como um instrumento solista acompanhado pela instrumentação eletrônica, fazendo dessa performance sonora um solo do instrumento piano.

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Figura 26: Espectro de frequência da música ax Mr. L. Em verde, espectro de frequências dos sons eletrônicos não usados pelo pianista. Fonte o autor 2015.

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3.2. Projeto Visual

A proposta deste trabalho ao analisar os projetos sonoro musical e visual separadamente é somente uma estratégia de abordagem que possibilita uma melhor compreensão do processo dialógico dessas linguagens como um todo. Nesta performance de composição do duo Alva Noto e Sakamoto, a visualidade não se limita a um acompanhamento ilustrativo de um conteúdo sonoro musical. Ele é parte indivisível deste espaço de articulação de contextos. Uma das reflexões sobre o discurso projetual de design de objetos é sobre a visualidade. Beat Shneider afirma que:

O o j t vo o s n é torn r um o j to “v sív l” “l ív l”, ss m possibilitar a comunicação. O design cria entendimento visual no processo de interação entre atores humanos individuais e coletivos, de forma a tornar possível a comunicação. Design é a visualização criativa e sistemática dos processos de interação e das mensagens de diferentes atores sociais. (SHNEIDER, 2009, p. 197)

Os elementos de composição visual usados nesta apresentação são pontos e linhas que constroem formas geométricas, principalmente o quadrado e o retângulo, projetados em branco em um fundo preto. Esses elementos são organizados de maneira sistemática dando sentido de direção, distância, contraste, movimento, andamento, ritmo e unidade para as projeções como linguagem expressiva. Para um design gráfico, a composição desses elementos visuais segue de forma dirigida e intencional, pois tem diante de si a necessidade de resolver um problema e nem sempre ele tem liberdade para colocar sua expressividade pessoal (FONSECA, 2008, p. 214). Como na vivência de um design gráfico, a visualidade deste projeto tem diante de si não um projeto gráfico, mas uma tela de projeção de imagens que são construídas segundo as mesmas diretrizes de formatação listadas acima, porém ela faz parte de um diálogo performático que reúne as três linguagens. Todos os padrões apresentados aqui foram construídos a partir de formas básicas muito simples, algumas delas representadas no quadro abaixo.

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Figura 27: Padrões formatadores das figuras. Fonte: o autor, 2015.

Os elementos de composição visual usados nesta performance são revelados através da análise das amostras (Figura 27) coletadas por meio do print screen do vídeo da performance ax Mr. L do DVD Live Insen. Este material foi coletado de maneira a fornecer um leque de projeções de imagens mais variado possível, indo de uma tela com muita informação luminosa até o blackout completo. A relação entre o tempo e o movimento das imagens nesta performance são princípios que se relacionam com muita cumplicidade. O movimento da imagem opera tanto no universo do tempo, como uma imagem em movimento, quanto do espaço bidimensional da imagem, que por si só possui um movimento implícito. A forma como essa transformação da imagem se torna visível é conquistada de várias maneiras, como por exemplo o movimento dos elementos projetados na tela, ou podem acontecer também com as mudanças na escala, na transparência, nas camadas sobrepostas, etc. (LUPTON, 2008, p. 215) Além do movimento implícito em cada tela projetada durante a performance, o movimento da imagem também é proporcionado pela mudança de cada slide que acontece dentro de um tempo. Toda imagem projetada na performance propõe um movimento regido pelo tempo, tempo este delineado pela rítmica musical tocada por Sakamoto.

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Observando o sequenciamento das projeções podemos reconhecer alguns padrões de imagem que se repetem em momentos diferentes da performance. Importante notar que o padrão da imagem se repete, porém não com a mesma formatação. De acordo com a dinâmica das notas tocadas no piano, a mesma imagem repetida sofre um escurecimento parcial em diferentes partes da tela, como sombras, o efeito se parece com uma transparência aplicada em partes de uma imagem branca projetada em um fundo preto. Através da coleta de amostras podemos encontrar semelhanças quando relacionamos algumas telas com os mesmos padrões de imagem, como nas amostras 1 (Figura 28) executada em 1:13:25,05, amostra 2 executada em 1:13:27,13 e amostra 25 executada em 1:17:47,00 como sendo a repetição do shape 1D (Figura 27). Usando a mesma analogia, os padrões 7 executado em 1:13:50,02 e 22 executado em 1:17:23,17 como repetição do shape 2B, os padrões 8 executado em 1:14:04,02 e 23 executado em 1:17:27,19 repetindo o shape 1 A e os padrões de imagens 14 executado em 1:16:09,11 e 24 executado 1:17:25,47 que usam o mesmo shape representado em 2 A.

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Figura 28: Amostragem das imagens criadas durante a performance da música ax Mr. L. Fonte o autor 2015.

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Os padrões escolhidos para essa performance seguem uma regra de construção definida por códigos de computador que permitem ao criador de imagens forjar variações ao alterar os dados que alimentam o sistema. Mesmo criando as regras deste sistema, o designer de imagens não tem total controle do resultado, podendo ser surpreendido por desdobramentos inesperados. (LUPTON, 2008, p. 196)

3.3. Projeto Técnico: a mecânica do diálogo

Estudar o projeto da performance revela um novo olhar para a compreensão da sonoridade e também mostra a mecânica do diálogo performático no palco. Além do levantamento de equipamentos eletrônicos e do instrumento musical, o mapa de palco oferece um novo ângulo de visão dos artistas, uma vez que no vídeo, a câmera revela somente um ângulo. Antes de estudar os equipamentos de áudio usados no palco é importante compreender que existe um projeto que dimensiona e detalha as especificações técnicas para todo ferramental usado na performance. Estes equipamentos são preparados em estúdio com o auxílio de técnicos especialistas em áudio profissional além é claro da supervisão dos artistas envolvidos. Nibo e Karl Kem94 são técnicos especialista em sistemas de som e programação de imagens projetadas, convocados para ajudar na construção deste projeto técnico sonoro visual. Os sons eletrônicos são criados e editados em estúdio e para isso são usados sintetizadores, osciladores e sequenciadores. Um dos sintetizadores usado por Alva Noto para seus trabalhos é o Synthi AKS95 fabricado pela EMS. Um equipamento portátil e analógico muito usado na década de 1970 e que também é sequenciador, isto é ele tem a capacidade de não só de criar sons sintéticos como também organiza-los e executa-los em uma sequencia programada. Uma característica

94 Nibo foi programador de sons na instalação Polar Mirrored dos artistas Carsten Nicolai e Marko Plejhan (2010) em Yamaguchi, Japão. Fonte Revista MAT Media Arts and Technology Graduate Program 2015. Acesso em 26/10/2015. Karl Klem foi técnico de programação em instrumentos virtuais. Fonte crédito no DVD Insen Live gravadora Raster Noton (2006) 95 O Synthi AKS é um sintetizador analógico, monofônico e portátil fabricado pela EMS Eletronic Music Studios um fabricante de sintetizadores Ingles. Fonte Vintage Synth Explorer 2015.< http://www.vintagesynth.com> Acesso em 26/10/2015.

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marcante deste sintetizador é que ele pode ser manipulado sem o uso de um teclado musical, facilitando o trabalho para o músico quem não toca instrumentos com teclado. O equipamento usado para sequenciar e montar os arranjo dos sons eletrônicos é o computador portátil através de interfaces digitais de edição de áudio. Apesar dos sintetizadores produzirem sons usando osciladores internos Alva Noto usa, também um oscilador de som de onda senoidal para criar sons estáveis desprovido de qualquer interferência de filtros. Na figura 29 podemos observar Alva Noto em seu estúdio ao lado de alguns equipamentos citados neste paragrafo.

Figura 29. Alva Noto e seu set de equipamentos eletrônicos. em destaque no centro da imagem o sintetizadores Synthi AKS da EMS. Fonte Adroyt Partners Inc publicado em 2012.

Em uma performance ao vivo é fundamental que o projeto arquitetônico do palco providencie uma fácil visualização do espaço pelos músicos e também a instalação de um sistema de amplificação para que os músicos ouçam o áudio que está sendo produzido durante a performance. Somente depois de implementada estas condições é que pode acontecer o sincronismo entre os textos sonoros e visuais. Na figura 30 temos uma imagem panorâmica do palco onde a disposição dos músicos favorece não só o contato visual entre eles mas também a possibilidade deles verem o painel de projeção de imagens. Na figura 31 vemos destacado em vermelho o percurso do sinal de áudio usado como retorno. Dois

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monitores de áudio estão dispostos ao lado do piano e mais dois ao lado da bancada de equipamentos eletrônicos. Isto oferece condições para que o áudio tocado ao piano seja ouvido por Alva Noto e sons disparados pelo computador seja ouvido por Ryuichi Sakamoto.

Figura 30: Renderização feita para pré-visualização do palco na performance dos artistas Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Fonte meda3696. (2014)

Figura 31: Destaque em vermelho o circuito do sinal de áudio usado como retorno para os músicos. Foto editada pelo autor. (2015)

O projeto do cabeamento97 basicamente mostra a rotina do sinal de áudio durante a performance. Os sinais de áudio partem de uma fonte sonora de como

96 Meda36 é uma agência italiana com profissionais de diferentes setores do mundo da comunicação que desenvolvem projetos na área de identidade gráfica, novas mídias, publicações, marketing e produção de eventos. < http://www.meda36.it> Acesso em 26/10/2015.

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microfones, instrumentos eletrônicos, geradores de sinais como osciladores de sons ou computadores. Neste projeto de sonorizando os sinais partem de um microfone direcionado para o piano e do áudio disparado pelo computador e são enviados para uma mesa de som. Dessa maneira, a mesa de som depois de trabalhar esse áudio com filtros e efeitos, divide este sinal em dois e envia um sinal para o sistema de amplificação sonora do teatro para que o publico ouça, e o outro sinal, retorna para os monitores de palco para que os músicos tenham sempre uma referência do som que está sendo executado para o público. Na figura 32 as linhas vermelhas indicam o áudio sendo enviado para mesa de som, as linhas azuis o áudio sendo enviado para os monitores de áudio. A cor marrom mostra a localização dos monitores de retornos que são direcionados para os músicos. A cor amarela mostra a Mesa de Som que é o equipamento que tem a função de receber todos os sinais e mistura-los para que posteriormente possa ser redirecionado. Finalmente em verde o microfone e em cinza o computador que são as fontes geradoras de sinal de áudio desta performance.

Figura 32: Esquema de Cabeamento, circuito do sinal de áudio. Fonte o autor 2015.

O piano usado por Sakamoto é um instrumento de concerto com cordas horizontais conhecido também como piano de cauda, fabricado pela Yamaha,

97 O cabeamento é um mapa do circuito de áudio que mostra a trajetória do sinal de áudio durante a performance.

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tocado com a tampa aberta. O microfone usado para captar o som do piano é do tipo condensador, indicado para captar sons delicados em gravações de estúdio. Porem este piano é equipado com uma conexão MIDI98 que se conecta com uma interface que traduz esses sinais em comandos formatadores de imagem. Para entender melhor essa conexão MIDI é Importante destacar que o som acústico do piano captado pelo microfone não é usado diretamente para acionar os movimentos das imagens projetada na tela durante a performance. Este sinal de áudio tem que passar por uma transformação. Primeiro os sinais de áudio são capturados por um sensor99 MIDI que captura os parâmetros físicos do som como intensidade, afinação e duração para depois transforma-los em comandos MIDI e assim ele é enviado até a interface MIDI que recebe estes sinais e os traduzem em sinais de imagem que dão forma e/ou movimento as imagens. Como o objeto de pesquisa deste trabalho acadêmico é uma performance que foi extraída de imagens de um DVD é importante buscar outras fontes de imagem que mostrem detalhes que não são revelados neste DVD. Na figura 33 podemos observar uma foto em angulo que mostra a localização do dispositivo MIDI no piano durante a performance de Alva Noto e Ryuichi Sakamoto quando se apresentaram no Dancity Festival 2011100.

98 O MIDI (Musical Instrument Digital Interface) é um sistema de comunicação digital criado para fazer a comunicação entre computador e instrumentos musicais adaptados para receber ou transmitir esses códigos. Sinal MIDI não é áudio ele na verdade são comandos que quando conectado a um gerador de timbres pode ser convertido em áudio. 99 Sensor MIDI é um conversor digital de linguagens (sinais). (HUBER, 2007, p. 18) 100 O Dancity Festival é um evento anual de música, audiovisual e de vídeo instalação. Fundado em 2006 tem o objetivo de mostrar novas possibilidades na sena musical internacional contemporânea. < http://www.dancity.it> Acesso em 26/10/2015.

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Figura 33. Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída do o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011) Font Dancity TV Crew (2015).

A figura 34 mostra como o trânsito entre os diferentes sinais digitais acontecem. Em azul as linhas representam o mecanismo de captura dos movimentos das teclas do piano que registram o nome da nota ou a frequência deste som que está sendo tocado como também a intensidade e o tempo de duração deste movimento. Depois o sinal é endereçado para um conversor de sinais MIDI representado em vermelho. No destaque em verde está representado um gerador de sinais de imagem que recebe os sinais vindo da central de construção de sinais MIDI para que finalmente sejam enviados sinais de vídeo para o painel que na figura 34 aparece destacado em amarelo.

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Figura 34. Alva Noto e Ryuichi Sakamoto na performance Insen Live. Foto extraída e t p lo utor, o o um ntár o D n ty F st v l “S” Tour (2011). Fonte Dancity TV Crew (2015).

Os equipamentos usados por Alva Noto podem ser classificados da seguinte maneira: sequenciador de áudio, controlador de áudio e visual, processador de sinal. Ableton Live é um programa de computador que funciona como uma estação de trabalho de áudio digital. Em uma performance ao vivo, o músico prepara essa interface digital para a função de sequenciador, que ocorre quando sons pré- gravados são colocados em uma sequência e depois disparados durante a performance. Esse programa tem como suporte um computador portátil da Apple. Um desafio para o artista que se apresenta ao vivo é ter acesso rápido aos comandos de disparo dos objetos de composição da performance. Diferentemente do trabalho em estúdio, em uma performance ao vivo o artista não tem tempo para acessar todos os parâmetros usando o teclado do computador e o trackpad101. E assim, acoplado a esse computador, existe uma controladora digital OSC touch102, usada para disparar os sons e as imagens que facilitam o acesso aos parâmetros de controle do material audiovisual usados por Alva Noto.

101 Trackpad é um dispositivo sensível ao toque dos dedos muito usado em computadores portáteis que substitui o uso do mouse. Fonte MacBook Pro Portable Genius. (GRUMAN, 2014, p. 142) 102 Este controlador OSC (Open Sound Controler) Touch é um controlador JAZZMUTANT fabricado pela Lemur, que tem como característica controlar vários programas ao mesmo tempo. Acesso em 26/10/2015.

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As imagens são disparadas pelo som do piano, porém este sinal de comando não é o sinal de áudio capturado pelo microfone, mas sim o sinal MIDI enviado pelo piano Yamaha através de um cabo até a interface que recebe esses códigos e dispara as imagens. Uma mesa de som é o local onde todos os sinais de áudio se encontram e são misturados e processados através de mecanismo de controle de volumes e endereçamento de sinais para os monitores de palco e o sistema PA, que é o som amplificado apresentado ao público.

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Considerações Finais

O objetivo deste trabalho foi investigar as variações criadas no diálogo entre músicos durante uma performance ao vivo, a partir das narrativas criadas durante a convergência das linguagens musical sonora e visual. Durante a pesquisa deste trabalho, a proposta foi investigar as perspectivas na área do design e suas interfaces com a arte e tecnologia, através das análises de seus processos de construção fundamentados na relação dialógica entre os músicos. Foram levantados durante este trabalho aspectos estruturantes deste diálogo que podem ser identificados como parte de uma prática projetual no campo do design. A maneira como o arranjo sonoro musical foi construído, mantendo-se uma alternância de vozes dentro espectro de frequências, revela o processo de articulação das partes musical e sonora, conseguindo assim driblar a mistura de narrativas e manter o conceito de polifonia dentro do texto sonoro. O uso de sequências sonoras (looping) que substituem o metrônomo durante a performance evidencia o mecanismo de sincronia musical, um aspecto facilitador do diálogo. A escolha de um fragmento musical chamado de Motivo Musical Básico revela uma estratégia de Sakamoto para estruturar o arranjo musical do piano que, quando dialoga com elementos sonoros distantes das referências musicais formais tais como o compasso e a harmonia, mantém-se estável e claro. Dentre os elementos projetuais de design apresentados nessa performance, o grid é um elemento revelador usado na composição das imagens, pois permite que a rítmica musical seja incorporada nos movimentos da imagem de duas maneiras. Na primeira, a rítmica é imposta na mudança das estampas sincronizadas pela melodia tocada ao piano, e na segunda, a rítmica implícita na própria figura estampada nas imagens, sendo essa segunda uma forma gráfica de imprimir ritmo. A indústria de construção de instrumentos eletrônicos consegue produzir pianos elétricos com uma sonoridade muito próxima ao som natural de um piano acústico. A escolha de Sakamoto por um instrumento clássico e acústico adaptado à

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linguagem MIDI reforça a presença física da articulação da linguagem musical erudita nesse diálogo. Importante destacar que o processo dialógico acontece entre músicos através das linguagens artísticas convergentes usadas nessa performance. Porém, existe um outro nível de diálogo que acontece entre as linguagens tais como: a linguagem da cultura musical japonesa, da música erudita, da música eletrônica contemporânea e do design gráfico. Essas linguagens são dosadas e articuladas no palco por Alva Noto e Ryuichi Sakamoto de acordo com suas bagagens e vivências artísticas. O discurso projetual proposto nesta performance revela na linguagem das imagens a narrativa deste diálogo através da proposta rítmica, nas formas geométricas das figuras e na maneira cartesiana de apresentação. Citando Shneider, o design pode estar na visualização criativa do processo de interação das narrativas de diferentes atores, que por sua vez, representam universos sociais diferentes. Essa visualização sistemática das diferentes funções deste objeto (diálogo) pode ser adequada às necessidades de artistas e designers em outros projetos. A presença do processo de pré-produção deste projeto não reduz a performance dos músicos a meros disparadores de mecanismos automáticos. O evento é construído no palco e na presença do público. Neste contexto, a proposta projetual de produção de som e imagens numa performance ao vivo se revela.

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