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RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 60 [ 20/10/2011 a 26/10/2011 ] Sumário

CINEMA E TV...... 4 O Estado de S. Paulo – Festival do Rio - Camila Pitanga reina soberana...... 4 O Globo – Festival do Rio 2011: ‘Matraga’ é consagrado em noite de gafes...... 4 O Globo - Mais espaço às obras autorais na Semana dos Realizadores ...... 6 Zero Hora - Lobisomem em Bagé...... 7 Folha de S. Paulo - Desmatamento serve de pano de fundo do longa...... 7 Folha de S. Paulo - "Rock Brasília" vai além das guitarras para contar a história...... 8 O Estado de S. Paulo – Refrão de conduz 'Rock Brasília', sobre geração de 30 anos atrás...... 8 O Estado de S. Paulo – Geração Coca-cola virou Coca Zero?...... 9 O Estado de S. Paulo – Ecos ruidosos de uma utopia de cidade traída ...... 10 Valor Econômico - O cinema sem fim de Leon Cakoff / Artigo / Amir Labaki...... 10 O Globo - A hora e a vez de Vinícius Coimbra ...... 11 O Estado de S. Paulo – Buscando seu espaço na China...... 14 O Estado de S. Paulo - Com nova lei, SescTV quer ser disputado por operadoras da rede paga15 O Estado de S. Paulo - Filme 'Marighella' celebra a figura do revolucionário...... 16 O Globo - Paraíso cor de sangue ...... 16 O Estado de S. Paulo - Imagens retratam busca da paz...... 18 TEATRO E DANÇA...... 19 Folha de S. Paulo – Renato Borghi atua em peça de pela 1ª vez...... 19 Folha de S. Paulo - Grupo Os Satyros discute modernidade...... 20 O Estado de S. Paulo – Um cabaré digital...... 21 Jornal de Brasília – As andanças de Nara...... 21 O Globo – Peça resgata sofrimento de mulheres imigrantes ...... 22 O Globo - Trio de jovens encara o suicídio no teatro...... 23 Estado de Minas - Investigação sobre o espaço humano...... 25 ARTES PLÁSTICAS...... 25 Estado de Minas – Resgate da tradição...... 25 Estado de Minas – A força da pincelada...... 26 O Estado de S. Paulo – A arte de revelar o presente...... 27 Folha de S. Paulo - Mostra tenta mapear a produção atual...... 28 Estado de Minas - Da ternura à fúria...... 29 FOTOGRAFIA...... 32 O Estado de S. Paulo - Memória fotográfica...... 32 MÚSICA...... 33 Folha de S. Paulo - Quero ser grande...... 33 O Estado de S. Paulo - O rock tropical do Zabomba...... 33 O Estado de S. Paulo - Festival privilegia o instrumental no Rio...... 34 O Estado de S. Paulo – Música Erudita: ...... 35 O Estado de S. Paulo – Sob a ótima de uma 'camaleoa'...... 36 O Globo - Bienal termina com duas obras-primas...... 37 O Estado de S. Paulo - Pré-história do Rock Nacional Bonequinha de Luxo...... 38 Correio Braziliense - Delicada intimidade ...... 39 Folha de S. Paulo – Olivetti volta aos palcos com nova geração...... 40 O Estado de S. Paulo - Sr. Percussão...... 41 Correio Braziliense - Depois do silêncio...... 42 O Globo - Flores depois da vida ...... 43 O Estado de S. Paulo - O Garrincha do samba...... 45 Correio Braziliense – Entre o clássico e o popular...... 46 Correio Braziliense - Música entre amigos...... 47 Folha de S. Paulo - 'O Guarani' estreia hoje no São Pedro com cenários minimalistas...... 48 LITERATURA...... 48 Folha de S. Paulo - Biografia perde Prêmio Jabuti por ter edição de 2004...... 48

2 O Globo - Mais serena, Patrícia Melo lança 17 contos...... 48 O Globo - O livro de Jô ...... 49 Correio Braziliense - A juventude de um vulcão...... 51 O Estado de S. Paulo - Anotações do viajante especial...... 52 Folha de S. Paulo - Livro de Maria Rita Kehl reúne crônicas publicadas na mídia...... 53 DESIGN...... 53 O Globo - Homem objeto ...... 54 QUADRINHOS...... 55 O Globo – Rio Comicon 2011: Quadrinhos em chamas...... 55 Folha de S. Paulo - Mostra expõe ilustrações de Angeli baseadas em filmes...... 56 O Estado de S. Paulo - Brasileiros se destacam em ranking de comics...... 57 EUROPALIA...... 58 O Globo - Na Europalia, o melhor e o pior do Brasil...... 58

3 CINEMA E TV

O ESTADO DE S. PAULO – Festival do Rio - Camila Pitanga reina soberana

(20/10/2011) Indiscutível e soberana, Camila Pitanga foi a melhor atriz na Première Brasil do Festival do Rio 2011, encerrado terça à noite no Cine Odeon BR. Aguarde por Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, de Beto Brant e Renato Ciasca, para confirmá-lo. Camila emocionou- se e agradeceu ao pai, o grande Antônio Pitanga. "Obrigado por me haver apresentado à família do cinema antes mesmo que eu nascesse." Foi aplaudidíssima.

Começar por Camila é uma forma de reverenciar sua beleza e talento, mas ela também era a principal aposta do repórter nos seus prognósticos para a festa de encerramento do Festival do Rio. Pela primeira vez na história do festival, nas duas categorias, ficção e documentário, os mesmos filmes venceram os prêmios do júri oficial e do público. A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Vinicius Coimbra, foi a melhor ficção, e As Canções, de , o melhor documentário.

O longa que Coimbra adaptou do conto de João Guimarães Rosa (em Sagarana) - e o diretor é o primeiro a lembrar que a versão de Roberto Santos, dos anos 1960, é muito forte, muito bonita - também ganhou os prêmios de melhor ator (João Miguel) e melhor ator coadjuvante (José Wilker), mais uma menção para Chico Anísio. Chico foi levado ao palco de cadeira de roda e tudo. "Pelo amor de Deus, não vão embora, não me abandonem aqui em cima", pediu no desfecho da cerimônia. O Odeon veio abaixo.

Sudoeste, de Eduardo Nunes, ganhou o prêmio da crítica (Fipresci, Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica), o prêmio especial do júri e Mauro Pinheiro Jr. Dividiu com Petrus Cariry, de Mãe e Filha, o prêmio de fotografia. Lázaro Ramos teria sido outra boa escolha para melhor ator, por Amanhã Nunca Mais, de Tadeu Jungle. Ele teve a melhor performance no palco. Lázaro recebeu, por Maria Luiza Mendonça, o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Ele a chamou pelo celular, comunicou a escolha, mas Maria Luiza pensou que fosse brincadeira. Convencida, ela agradeceu pelo viva-voz.

Principal vitrine do cinema brasileiro, a Première Brasil começou morna, antes de se aprumar mais perto do final. Privilegiando o cinema pequeno, de autor e de investigação de linguagem, a seção terminou mostrando, com a vitória de Matraga, que há uma terceira via para o cinema, entre o blockbuster e o filme miúra. Foi o que destacou o próprio Coimbra. Mas o campeão da noite não emplacou o Redentor de direção. O júri preferiu premiar Karin Aïnouz, por Abismo Prateado. O melhor curta foi o catarinense Qual Queijo Você Quer?, de Cíntia Domit Bittar. Foi, sem sombra de dúvida, o melhor. Os curtas, este ano, não estiveram grande coisa na Première Brasil e alguns chegaram a ser constrangedores, de tão ruins. / L.C.M.

O GLOBO – Festival do Rio 2011: ‘Matraga’ é consagrado em noite de gafes

Ficção do estreante Vinícius Coimbra recebe cinco troféus; ‘As canções’, de Eduardo Coutinho, é melhor documentário

André Miranda

Um filme com um pé no cinema comercial e outro no autoral conseguiu unir público e júri e saiu do Festival do Rio com os principais prêmios da mostra competitiva da Première Brasil. Em cerimônia realizada na noite de anteontem, “A hora e a vez de Augusto Matraga”, dirigido pelo estreante Vinícius Coimbra a partir do conto de Guimarães Rosa, ficou com os troféus Redentor de melhor longa-metragem de ficção pelo júri e pelo voto do público, melhor ator (João Miguel), melhor ator coadjuvante (José Wilker) e ainda um prêmio especial do júri para ator coadjuvante (). A premiação emocionou a plateia do Odeon pela presença de Anysio — em cadeira de rodas e bem- humorado — e foi marcada também pelos comentários sobre o vazamento prévio do resultado no Twitter e no Facebook de Sérgio Sá Leitão, presidente da Riofilme.

Antecipação do resultado

4 Marcada para as 21h, a cerimônia teve início apenas às 21h40m, com apresentação do casal Thiago Lacerda e Vanessa Lóes, ambos espertos para lidar com os contratempos que surgiram. O primeiro foram os comentários no tapete vermelho sobre a divulgação prévia do prêmio. Leitão escrevera nas redes sociais, às 19h30m, que “Matraga” era “o grande vencedor”, e só retirou o texto 40 minutos depois. A Riofilme é patrocinadora do Festival e uma das distribuidoras de “Matraga”.

— Recebi um SMS de um jornalista dizendo que “Matraga” havia vencido. Achei que fosse uma informação pública e quis parabenizar a equipe do filme — justificou Leitão. — Depois, falei com o pessoal do Festival, eles me esclareceram que o resultado não havia sido divulgado e eu retirei do ar. Há premiações em que não há sigilo prévio, e pensei que pudesse ser o caso. Não acho que alguém deixou de vir ao Odeon por causa disso. A festa não foi prejudicada.

A festa mesmo foi aberta com a inauguração de uma estátua em homenagem a e com a lembrança de três perdas recentes no cinema brasileiro: o idealizador da Mostra de São Paulo, Leon Cakoff; o cineasta Alberto Salvá; e o produtor Marcelo França. Em seguida, foi apresentado o prêmio do júri da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci), dado a “Sudoeste”, de Eduardo Nunes. Favorito da imprensa, “Sudoeste” saiu do Odeon também com o Prêmio Especial do Júri e o troféu de melhor fotografia, este dividido com “Mãe e filha”, de Petrus Cariry. O filme de Cariry, que esteve A EQUIPE de ‘A hora e a vez de Augusto Matraga’, com ausente da premiação, recebeu ainda menção Chico Anysio à frente honrosa.

Durante a apresentação dos prêmios para a mostra Novos Rumos (vencida por “Rânia”, de Roberta Marques) e para os curtas (vencido por “Qual queijo você quer?”, de Cíntia Domit Bittar, com menção h o n ro s a p a r a “ Te m p o d e criança”, de Wagner Novais), houve trapalhadas na exibição de um vídeo com os concorrentes e nas entradas de som. Mas a cerimônia seguiu com a entrega do Prêmio Especial do Júri de documentário para Kiko Goifman e Claudia Priscilla, por “Olhe para mim de novo”. “As canções”, de Eduardo Coutinho, por sua vez, foi escolhido duplamente, pelos jurados e pelo público, o melhor documentário do Festival.

— Este filme é uma celebração da música brasileira sem nenhuma espécie de preconceito — disse Coutinho.

Karim Aïnouz ficou com o Redentor de direção, por “O abismo prateado”. O prêmio de roteiro foi para “A novela das 8”, e o de montagem para “Marcelo Yuka no caminho das setas”. Com os troféus para atores concentrados em “Matraga”, o júri deu a Maria Luísa Mendonça o prêmio de melhor atriz coadjuvante, por “Amanhã nunca mais”, e a Camila Pitanga o de melhor atriz, por “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”. No palco, Camila se emocionou:

— Eu me sinto parte da família do cinema muito antes de ter nascido, porque sou filha de Antonio Pitanga.

Por fim, os festejos ficaram concentrados em torno da equipe de “Matraga”. O diretor Vinícius Coimbra chorou ao lembrar que o filme nasceu de sua paixão pela obra de Guimarães Rosa. E Chico Anysio... Bem, Chico Anysio, após meses com problemas de saúde, foi o Chico Anysio de sempre

5 depois de subir as escadas que levavam ao palco em sua cadeira de rodas, carregado por ao menos três homens:

— Peço compaixão. Não vão embora e me deixem aqui sozinho

O GLOBO - Mais espaço às obras autorais na Semana dos Realizadores

Evento começa hoje com exibição de filme sobre música brega no Brasil

André Miranda

(20/10/2011) Passado o Festival do Rio, chegou a hora de os cariocas se embalarem com as músicas de Wando, Amado Batista, Agnaldo Timóteo e Nelson Ned. É a vez da Semana dos Realizadores, uma mostra de filmes com caráter mais autoral, que abre hoje com a exibição, às 21h30m, no Unibanco Arteplex, de “Vou rifar meu coração”, de Ana Rieper, um documentário que percorre o sentimento dos brasileiros a partir da música brega. Tratase CENA DO documentário ‘Vou rifar meu coração’, com sessão hoje, às 21h30m, de um filme de abertura que no Unibanco Arteplex representa bem o desejo dos organizadores da Semana: levar para o cinema obras que mostrem a complexidade e a inventividade da produção brasileira.

Primeira competição Criada em 2009 como uma alternativa à exibição de longas com caráter mais autoral que não tinham muito espaço no Festival do Rio, a Semana dos Realizadores chega à sua terceira edição maior — são 39 filmes, contra oito da primeira — e inaugurando uma mostra competitiva.

Entre os filmes selecionados, além de “Vou rifar meu coração”, ficam em cartaz até o dia 27 de outubro no Arteplex obras como “O homem que não dormia”, de Edgar Navarro, “Djalioh”, de Ricardo Miranda, “O gerente”, de P a u l o C é s a r S a r a c e n i , e “H.U.”, de Pedro Urano e Joana Cseko. Os filmes terão, ainda, dois dias de exibição no Instituto Moreira Salles, em 5 e 6 de novembro.

— Criamos a competição porque queríamos aumentar a visibilidade para os filmes. Há uma evolução da cena independente brasileira em curso, e o crescimento da Semana reflete isso — afirma a curadora, Lis Kogan.

Em “Vou rifar meu coração”, a diretora Ana Rieper percorre mais de 15 municípios do interior nordestino atrás de histórias sobre como a música romântica — ou brega, como é chamada pela turma mais sofisticada do Sudeste — marca a vida das pessoas. Os personagens que Ana encontra são fascinantes, de prostitutas a um ex-prefeito que mantém duas mulheres e assume isso publicamente. O trabalho de montagem consegue integrar muito bem as canções aos temas abordados, como traição, ciúme, paixão e virgindade.

— O filme levou dez anos para ficar pronto — diz Ana. — Foi um tempo penoso, mas fundamental para maturar a ideia. A partir do estudo das músicas, pesquisamos personagens que se encaixassem nos temas e fizemos as entrevistas com os artistas. Com isso, a estrada virou um elemento importante para a história.

No discurso dos artistas, um assunto recorrente é o preconceito que os admiradores da MPB têm contra a música brega. Wando fala sobre virgindade e canta “Moça”. Já Timóteo afirma que sua

6 canção “Aventureiros” trata de homossexuais, para depois dizer: “Sempre fui e continuo sendo um grande aventureiro”.

— O filme trata de questões íntimas, inclusive das dos artistas — explica Ana. — É um gênero que faz sucesso porque fala diretamente sobre situações vividas pelas pessoas. (A.M.)

ZERO HORA - Lobisomem em Bagé

Longa-metragem “O Guri” tem sessão de pré-estreia na Capital

Marcelo Perrone

(20/10/2011) Nascido e criado em Bagé até os 17 anos, Zeca Brito tem a cidade e a região da fronteira como referência em seu trabalho à frente de uma nova geração de cineastas gaúchos. Aos 25 anos, Zeca apresenta hoje no Cine Santander (Rua Sete de Setembro, 1.028, na Capital) o seu primeiro longa, O Guri. A sessão especial, às 19h, com entrada franca, será seguida de debate com o diretor e equipe.

Ambientado na região de Bagé, O Guri combina drama rural de época com elementos do cinema fantástico para contar a história de um menino, Lucas (Lucas Domingues), que cresce sob a sombra do mito do lobisomem, por ser ele o sétimo filho homem do sétimo filho homem de uma família. O filme se passa na época de demarcação de fronteiras, em que a guerra com os “castelhanos” afasta os homens e deixa as estâncias sob controle de mulheres fortes às voltas com fatos misteriosos e violentos.

– Compartilho a ideia de Tolstoi de falar do universo a partir o pátio de casa – diz Zeca. – Bagé tem um potencial visual e temático.

Formado no curso de Realização Audiovisual da , Zeca é autor de curtas-metragens como O Sabiá, produção para a série da RBS TV Histórias Curtas, e Aos Pés. O Guri foi realizado no suporte digital e em regime de ações entre amigos. O orçamento estimado do longa é de cerca de R$ 100 mil, valor que nada teve de recursos públicos.

– Não fomos aprovado em nenhum edital das leis de incentivo. Realizar um filme no Interior tem a facilidade do comprometimento das pessoas. Vai-se na rádio pedir apoio e se consegue coisas como objetos de cena e transporte, estadia e alimentação para a equipe. Conseguimos apoio em equipamentos da ordem de R$ 40 mil.

O elenco do filme combina nomes mais conhecidos, como Sandra Rodrigues e Rafael Tombini, com atores de grupos teatrais de Bagé.

O projeto teve início em 2005, as filmagens foram em 2007 e 2008, e a montagem se deu ao longo de 2009, em meio a problemas com o som. Foi a primeira grande experiência em cinema de praticamente todos os envolvidos, destaca Zeca.

– Estamos fazendo essa sessão a convite do Santander. Já teve uma em Bagé e devemos realizar uma outra em Lisboa. Estamos pensando no lançamento, mas até lá quero inscrever o filme em festivais.

O jovem diretor não compartilha do conceito que anos atrás dividiu o cinema gaúcho entre as facções “urbana” e “de bombacha”. Não se considera nem de uma turma nem de outra.

– Não sei se seguirei nessa linha. Tenho mais afinidade em olhar para o Sul como no mapa de Torres García, em direção às nossas raízes platinas, do que em buscar referências para meus filmes em Nova York ou Londres. Não acredito nessa separação. Se eu tivesse que escolher o melhor filme já feito no Rio Grande do Sul, seria Anahy de las Misiones, do Sérgio Silva.

FOLHA DE S. PAULO - Desmatamento serve de pano de fundo do longa

7 (21/10/2011) DO RIO - "Quando a gente escolhe uma história, não é porque sabemos que filme queremos fazer, é porque queremos nos envolver com o assunto." Assim Beto Brant e Renato Ciasca explicam a gênese de "Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios", em conversa com a Folha. Para adaptar o livro de Marçal Aquino (que também colaborou no roteiro), a dupla viajou ao cenário em que ele situa a obra, o interior do Pará. "Encontramos lá um conflito por terra, de comunidades ribeirinhas ancestrais contra as madeireiras e o agronegócio que avança. Vimos que estávamos contando uma história pessoal num cenário conflagrado", diz Brant. A partir da experiência, puseram a luta pela terra e a denúncia do desmatamento como pano de fundo para o longa. Indo além, trouxeram índios da região que atuam no filme para participar da estreia no Festival do Rio e dos debates. No mesmo dia em que o filme estreou no festival, foi oficializada a demarcação da Terra Indígena Maró, próximo a Santarém, onde a equipe filmou.

FOLHA DE S. PAULO - "Rock Brasília" vai além das guitarras para contar a história

Filme de Vladimir Carvalho faz retrato impactante da geração de Legião Urbana, e Plebe Rude

THALES DE MENEZES, DE SÃO PAULO

(21/10/2011) Poucos documentários na recente cinematografia brasileira nasceram com tanto potencial para as bilheterias como "Rock Brasília - A Era de Ouro". O motivo atende pelo nome Renato Russo.

No filme que chega hoje aos cinemas, Vladimir Carvalho completa uma trilogia documental sobre Brasília.

"Conterrâneos Velhos de Guerra" (1991) falava sobre a criação da cidade. "Barra 68" (2000) mostrava a invasão da UnB durante a ditadura.

Agora, ele enfoca o surgimento de uma geração de bandas de rock que saiu de lá para fazer sucesso no país inteiro durante a década de 80.

O documentário centra atenção nas três principais do movimento: Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial. A primeira extrapola as classificações musicais para entrar na galeria dos fenômenos culturais brasileiros.

A figura quase messiânica de seu líder, o cantor e compositor Renato Russo (1960-1996), foi aglutinadora da garotada local que formou bandas inspiradas no movimento punk inglês dos anos 70.

Carvalho registrou material com os roqueiros desde seus primeiros shows, ainda nas calçadas da capital. Nessas imagens antigas, as entrevistas contundentes de Renato Russo vão conquistar as gerações de fãs que a banda arregimentou até hoje.

Nada é mais impactante do que o registro do show da Legião Urbana no estádio Mané Garrincha, em 1988. A tensão entre os 50 mil presentes explodiu em confronto do cantor com o público. O show não acabou, e o documentário mostra a revolta dos fãs.

"Rock Brasília" passa pelo filtro da emoção, a partir de uma escolha feliz do cineasta. Ele contra parte da história em depoimentos dos pais dos garotos das bandas.

O resultado evidencia como a fúria roqueira era rito de passagem de uma geração vivendo sob o regime militar. Longe de panfletagem, o filme faz um retrato carinhoso sobre o amadurecimento.

Talvez algum fã reclame que o filme tenha pouco rock e muita conversa. Sim, mas a música está nos discos. As revelações de "Rock Brasília" valem mais do que três acordes de guitarra.

8 O ESTADO DE S. PAULO – Refrão de Renato Russo conduz 'Rock Brasília', sobre geração de 30 anos atrás

Com depoimentos de artistas da capital federal, filme remonta história com trilha da Legião Urbana

LUIZ CARLOS MERTEN - O Estado de S.Paulo

(21/10/2011) Você não precisa ser especialmente fã de Renato Russo ou do Legião Urbana para gostar do novo documentário de Vladimir Carvalho, mas é verdade que isso ajuda bastante. Depois de inúmeras tentativas, o cinema brasileiro finalmente concretiza abordagens do artista, e da banda. O importante é que Carvalho usa o rock para prosseguir sua investigação sobre a identidade cultural brasilense. Rock Brasília fecha o que não deixa de constituir uma trilogia. Começou com Conterrâneos Velhos de Guerra, prosseguiu com Barra 68. O que tem as ver filmes tão diversos entre si? Um sobre os candangos que, sem segurança nenhuma e trabalhando como escravos, construíram a Capital Federal. Outro sobre a invasão da Universidade de Brasília durante o regime militar. O centro da cultura e do saber profanado pela violência. O terceiro, sobre o que é ser exilado na própria terra.

Que País é esse?, pergunta, ou grita, Renato Tiago Queiroz/ AE Russo e a interrogação, transformada em rock, eletriza a multidão, vira palavra de ordem. Vladimir Carvalho, como cidadão e artista, não tem cessado de se fazer a mesma pergunta. Seus filmes interrogam o Brasil, tentam nos entender (e devassar). Numa recente entrevista com o diretor, na abertura do Festival de Brasília, o crítico fez uma afirmação temerária, considerando-se o currículo (e a fama) do autor. Rock Brasília é seu melhor filme. O Engenho de Zé Lins, sobre o escritor da Paraíba, já possuía uma qualidade especial, mas Rock Brasília consegue ser melhor. O próprio Carvalho brincou - "Depois de 50 anos fazendo cinema, a gente termina por aprender."

Rock Brasília soma horas de entrevistas a Vladimir Carvalho resgatou material sobre os jovens gravações (ou filmagens) antigas, que Carvalho já que fizeram o rock brasiliense havia feito, ou comandado, como professor na UnB. Ele exortava seus alunos a pegarem a câmera paras documentar a cidade. Esse material precioso foi resgatado e montado de forma dar um testemunho. Quem foram os jovens que fizeram o rock brasiliense? Qual o seu legado? Eles vieram da classe média, filhos de funcionários, professores, diplomatas. Formaram suas bandas nos prédios das superquadras. E, de repente, à sombra do poder, nos anos de chumbo e da abertura política, estavam refletindo sobre o mundo que os cercava.

O cinema não precisa ser, necessariamente, emocionante. E emocionar-se também não significa se alienar. São as lições de Rock Brasília. Os jovens de 20/30 anos atrás voltam-se sobre o próprio passado, os pais de alguns somam suas vozes para contar as histórias de repressão. Momentos permanecem - o quebra-quebra no show do Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, em junho de 1988; e o grande show do Capital Inicial, na Esplanada dos Ministérios, em 2008, quando Dinho levantou o público cantando o refrão de Renato Russo Que País É Esse?. Rock Brasília é, por assim dizer, geracional. Vladimir Carvalho colocou na tela a voz de sua geração. Ao fazê-lo, dialoga com o público atual. Em Paulínia, Brasília e no Festival do Rio, as sessões de seu filme foram lindas. A expectativa é de que seja, também, nesta nova fase que se abre com o lançamento nas salas.

O ESTADO DE S. PAULO – Geração Coca-cola virou Coca Zero?

FLAVIA GUERRA - O Estado de S.Paulo

(21/10/2011) Não sabendo que era (quase) impossível, eles foram lá e fizeram. Fizeram de Brasília a capital nacional do rock e mudaram a história da música brasileira nos anos 80. Fizeram uma geração

9 decorar canções sem o apelo fácil do refrão, cujas rimas eram dignas de um Olavo Bilac (a quem Renato Russo era comparado) e questionavam que país era aquele.

Trinta anos depois, ironicamente muitas das letras de Plebe Rude, Legião Urbana, Capital Inicial, Aborto Elétrico continuam atuais. Tanto que o show em tributo a Renato Russo, há três semanas no Rock in Rio, uniu pais e filhos em volta do que de melhor o rock nacional já produziu. Saudosismos à parte, em tempos em que as cores das roupas dos 'rockeiros' nacionais chamam mais atenção que os acordes de suas guitarras, Rock Brasília leva a perguntar: a geração Coca-Cola agora é versão Coca Zero? "Tudo é cíclico. O rock hoje não tem comparação. Foi um momento único, não só pelo contexto político do mundo, mas também pela turma que se reuniu em Brasília. Éramos um bando de moleques, mas tínhamos formação política, éramos filhos da Colina, onde moravam professores universitários, diplomatas. A formação cultural fez toda diferença. Hoje olho para trás e penso: vale a pena ser fiel a seus princípios?", diz Philippe Seabra, da Plebe Rude, que chacoalhou as rádios e um País ainda às voltas com o fantasma da ditadura. "Brasília tinha 20 anos, com uma garotada filha de classe média, que se juntava para matar o tédio, mas que tinha urgência de questionar as contradições do País. Tinha atitude. Tudo começou ao acaso e foi ganhando força. E os jovens do Brasil todo, de todas as classes, entenderam e cantaram junto", diz Dado Villa-Lobos, guitarrista da Legião Urbana. "Quer saber como e por quê? Veja Rock Brasília. Está tudo ali."

O ESTADO DE S. PAULO – Ecos ruidosos de uma utopia de cidade traída

Crítica: Luiz Oricchio Zanin

(21/10/2011) Com Rock Brasília, o paraibano Vladimir Carvalho diz fechar sua trilogia sobre sua cidade de adoção. As partes iniciais são Conterrâneos Velhos de Guerra e Barra 68. O primeiro tem por tema os trabalhadores, os candangos, que vieram de várias partes do País, construíram a capital e depois não encontraram espaço para nela morar. O segundo é sobre a invasão da UnB pela polícia no ano de 1968. O rock, como expressão musical privilegiada da cidade, ocupa a terceira lâmina do tríptico.

Faz todo sentido. Em Conterrâneos Vladimir põe em foco a discutível arqueologia social de uma cidade utópica, fundada sob o signo da igualdade. Em Barra 68 entra em cena a distopia causada pela ditadura militar, que aviltou a vocação da cidade. E, em Rock Brasília, surge o subproduto cultural dessa fricção entre o que poderia ter sido e não foi, que é a música jovem, de protesto, feita por filhos da classe média que conseguiram ser antenas da utopia traída.

Essa substrato do desencanto fura a epiderme e aparece de modo nítido no melhor momento do filme, o show de Renato Russo no Estádio Mané Garrincha, quando houve tumulto e desencontro entre o ídolo e seus fãs. Tão geométrica em seu planejamento, Brasília é a capital da assimetria. O rock o revela.

VALOR ECONÔMICO - O cinema sem fim de Leon Cakoff / Artigo / Amir Labaki

Por Amir Labaki | De São Paulo

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.

(21/10/2011) "A retrospectiva [Elia] Kazan! Deu um trabalhão!" Mesmo em sua última internação hospitalar, Leon Cakoff me falava com entusiasmo juvenil, dez dias antes de sua morte por demais precoce no dia 14, do programa da 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, destacando a retrospectiva dedicada ao mestre americano de "Sindicato de Ladrões" (1954). O festival começa nesta sexta-feira para o público, Cakoff: ousado em plena ditadura e din 穃 ico, ele pela primeira vez na ausência de seu fundador, tamb 駑 foi produtor e empres 疵 io mas com sua inseparável companheira de vida e de ofício, Renata de Almeida, firme ao leme.

10 A mostra é o grande monumento que Leon nos lega. Quando for contada a história dos festivais de cinema do Brasil, o capítulo mais importante deve ser dedicado a ela. Brasília foi pioneira, Gramado também veio antes e tem importância histórica para a produção nacional, mas foi a mostra que revolucionou a cultura cinematográfica brasileira e lhe deu um inédito estofo internacionalista. Anima Mundi, É Tudo Verdade, Festival de Curtas de São Paulo, Festival do Rio, Jornada do Cinema Silencioso e tantos outros, somos todos devedores da mostra de Leon.

Em plena ditadura militar, instigado por , Leon iniciou no Museu de Arte de São Paulo (Masp) uma janela de resistência em favor da produção fílmica mais autoral. Combateu e venceu a censura, ao mesmo tempo em que lutava e triunfava sobre a retração planetária do cinema extra-hollywoodiano a partir dos anos 1970.

Essa ênfase no cinema de autor e na produção independente logo distinguiu a Mostra Internacional para além de um festival dos festivais. É importante frisar o pioneirismo de Leon nessa opção de curador, ousando um perfil à época raro entre os grandes eventos do calendário internacional.

Ao constatar posteriormente o estreitamento dos canais de veiculação nacional do cinema de arte, Leon arregaçou as mangas e se tornou ele mesmo distribuidor, com os Filmes da Mostra e depois a Mais Filmes, além de iniciar o programa da mostra na TV Cultura, hoje em nova fase, com duas edições semanais.

Salas diferenciadas fechavam? Ei-lo com Renata associando-se a Adhemar de Oliveira, Patrícia Durães e Eliane Monteiro para iniciar a primavera do Unibanco Arteplex, hoje por todo o país.

Sempre dinâmico, Leon percebeu a disponibilidade dos grandes mestres do cinema que anualmente visitam a mostra e se tornou também produtor e correalizador. Estreou atrás das câmeras com o curta "Volte Sempre, Abbas" (1999), logo ousando um longa-metragem de episódios, "Bem-Vindo a São Paulo" (2004), em que 16 realizadores de peso, como Kiju Yoshida, Jim McBride, Tsai Ming-liang, se uniam numa declaração de amor duplo, claro, ao cinema e a São Paulo.

Não surpreende que, passo seguinte, se tornasse coprodutor, sempre ao lado de Renata, de um dos mais belos filmes de um de seus cineastas de cabeceira, o português , com "O Estranho Caso de Angélica", exibido na abertura do ciclo "Um Certo Olhar" de Cannes no ano passado. Seu segundo filme-antologia, "Mundo Invisível", com episódios de Wim Wenders e Atom Egoyan entre outros, estreia agora postumamente na 35ª Mostra.

Num registro mais pessoal, como tantos devo parte de minha formação cinematográfica a Leon. Conheci-o primeiro como leitor de suas críticas, sobretudo na "Folha de S. Paulo", em que suas resenhas buscavam apontar as novas veredas fílmicas abertas pela produção comentada.

Como espectador, frequento a mostra desde sua quinta edição. Encontrei ali e sobretudo ali, a partir de 1981, o "aggiornamento" fílmico anual. Ao me tornar eu mesmo crítico na "Folha", poucos anos mais tarde, pude ampliar horizontes exercitando-me diante da sua eclética seleção.

Colaboramos em duas edições da mostra realizadas também no Museu da Imagem e do Som (MIS- SP) quando de minha primeira gestão (1993-1995). O convívio profissional se tornara mais estreito, um pouco antes, na camaradagem durante os festivais internacionais de cinema, em especial Berlim, Cannes e Veneza.

Nos tornamos de fato amigos a partir da fundação por mim do É Tudo Verdade em 1996. Leon sacou de pronto que não se tratava de um evento de alguma forma concorrente, mas sim de um festival com raízes também em sua militância.

Sempre que puderam, ele e Renata votaram com os pés nas aberturas do festival. Ele muito nos honrou ao participar do júri internacional em 2009. O primeiro telefonema de cumprimentos que recebi na manhã da abertura do É Tudo Verdade deste ano, já durante sua heroica batalha contra o mal que o vitimou, foi de Leon Cakoff.

11 O GLOBO - A hora e a vez de Vinícius Coimbra

Diretor estreante que conquistou o Festival do Rio se ‘formou’ na publicidade e fez carreira na TV

André Miranda

(22/10/2011) A plateia esperava uma coisa, mas o diretor do filme vencedor do Festival do Rio ofereceu outra. Na noite de terça-feira, Vinícius Coimbra subiu ao palco para pegar seu troféu Redentor de melhor longa-metragem, por “A hora e a vez de Augusto Matraga”. A imagem era a de um homem alto, com uma barba sem grandes cuidados e um brinco em cada orelha. Não dava para ver por causa do blazer, mas Vinícius também tem nove tatuagens espalhadas pelo corpo.

Além disso, seu filme havia sofrido ataques por parte da imprensa, numa rejeição semelhante à que ele vivera nos últimos anos ao buscar apoio para o projeto. A pergunta coletiva era: por que diabos um diretor de TV, quase sem experiência em cinema, queria levar para as telas uma nova adaptação de Guimarães Rosa, sendo que a anterior, de 1965, é considerada um clássico? Pois o homem alto, de brincos, barba, tatuagens e motivos de sobra para acumular rancor, não soltou palavras duras no ar. No palco do Cine Odeon, Vinícius Coimbra simplesmente chorou.

O “A hora e a vez de Augusto Matraga” de Vinícius foi o grande vencedor do Festival, com os prêmios de melhor filme pelo júri e pelo público. Ele recebeu, ainda, os troféus de melhor ator, para João Miguel, de melhor ator coadjuvante, para José Wilker, e um prêmio especial do júri de ator coadjuvante, para Chico Anysio.

Foi uma consagração, o reconhecimento do trabalho de um diretor de 40 anos, que acabara de lançar seu primeiro longa-metragem. E foi daí que vieram as lágrimas. — Sou um cara de Niterói, de uma família de classe média. Foi muito esforço para fazer o filme. Acho que todos os “nãos” que eu recebi até ali colaboraram para aquele momento de emoção — diz. — Pode parecer demagogia, mas meu maior desejo era que a história do Guimarães Rosa chegasse ao público. A gente faz cinema com dinheiro público e quero que isso retorne de alguma forma. Ter vencido o festival, para mim, significou que mais gente poderá dar atenção ao filme.

Assistente de ‘Central do Brasil’

Na juventude, Vinícius morou em Icaraí, São Francisco, Santa Rosa, Pendotiba e outros tantos bairros de Niterói que nem se lembra. Seu pai, hoje aposentado, era dono de uma loja de material de construção em Itaboraí; sua mãe é psicóloga; e sua irmã, mais jovem, é jornalista. Aos 18 anos, ele se mudou para São Paulo e começou a se embrenhar pelo mercado publicitário. Ficou lá quase dez anos, produzindo jingles, fazendo assistência de câmera e trabalhando como assistente de direção.

Nesse período, por volta de 1991, fez dois curtas-metragens, ambos em 16 milímetros: “Doente do pulmão”, baseado na obra de Nelson Rodrigues, e “Primeiro minuto”, para o Festival do Minuto. Anos depois, acabou sendo chamado para fazer assistência de direção de “A hora mágica” (1999), de Guilherme de Almeida Prado, e “Central do Brasil” (1998), de . Antes de “Matraga”, esses foram seus únicos trabalhos no cinema.

— Aprendi muito na publicidade. É preciso quebrar o preconceito que a turma do cinema tem com quem passa pelo meio. É lá que está o dinheiro, então é lá que estão os melhores montadores, fotógrafos e técnicos. Foi na publicidade que aprendi sobre a técnica cinematográfica e, depois, foi na TV que aprendi sobre dramaturgia — conta.

Geralmente, quando algum diretor é perguntado sobre suas motivações para fazer cinema, histórias épicas sobre alguma sessão especial de algum filme são contadas. Vinícius, porém, diz não se lembrar do que o inspirou. Ele também não se alonga muito ao narrar suas realizações e até fala com discrição sobre o cargo que ocupa há um ano e meio na dramaturgia da TV Globo, o de diretor-geral.

— O Vinícius é de uma delicadeza muito grande. E ele gosta do ator. Eu lembro de ele ser muito cuidadoso na minissérie “JK”, de lidar com todos com muita atenção — afirma José Wilker. — Antes das filmagens do “Matraga”, ele também fez uma coisa curiosa que ninguém faz. O diretor, quando

12 quer conversar contigo, costuma marcar em algum lugar, um restaurante ou escritório. O Vinícius, não.

Ele foi lá em casa para fazer a leitura do roteiro. E conduziu meu trabalho me indicando o que fazer com apenas duas palavras: elegância e nobreza.

Vinícius entrou na Globo através de uma oficina de direção ministrada por Paulo José há 14 anos, numa turma em que estavam, entre outros, Moacyr Góes, Toni Venturi e Ulysses Cruz. E por lá ele ficou. Na Globo, o jovem diretor foi acolhido por Dennis Carvalho e Denise Saraceni. Trabalhou em minisséries e novelas como “Sabor da paixão”, “Celebridade”, “JK”, “O profeta” e “Queridos amigos”.

E foi conquistando seu espaço até ser promovido e assinar, ao lado de Carvalho, a direção- geral da novela “Insensato coração”, de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. No ano que vem, seu próximo trabalho na TV será uma novela de época das 18h, ainda sem título, escrita por João Ximenes Braga e Cláudia Lage. Ximenes, aliás, foi um dos colaboradores de “Insensato coração”:

— Estamos muito felizes de ele ter adotado nosso projeto junto com o Dennis — afirma o autor. — Em “Insensato coração”, as cenas de ação tinham um nível de cinema, e a gente sabe que elas costumavam ficar com o Vinícius. Mesmo no fim da novela, com aquele esquema corrido de produção, você percebe uma qualidade incrível nas cenas. Com tanto trabalho na TV, Vinícius teve que pedir um período de licença para rodar, em 2009, seu “Matraga”. A ideia inicial, porém, era se debruçar sobre outra história de Guimarães Rosa, a do personagem Miguilim, da novela “Campo geral”.

Ele ficou dois anos pesquisando o universo de Rosa e pensando num roteiro, até bater à porta de Flávio Tambellini, propondo que ele produzisse o filme. A resposta de Tambellini foi ao mesmo tempo uma surpresa e uma frustração: o produtor já estava perto de rodar “Mutum”, uma adaptação de “Campo geral” dirigida por Sandra Kogut e que, curiosamente, venceu o Festival do Rio em 2007.

Da passagem de “Campo geral” para “Matraga”, o maior empecilho seria evitar as comparações com a adaptação de 1965 feita por Roberto Santos. O filme de Santos venceu o Festival de Brasília e é um dos clássicos do cinema brasileiro. O próprio , protagonista da primeira versão, chegou a negar um convite de Vinícius para atuar em seu longa, alegando que não haveria razão para alguém fazer o filme novamente.

Mas Vinícius persistiu. Procurou os herdeiros de Rosa e pagou em seis parcelas quase R$ 400 mil de direitos, adiantamento de bilheteria e impostos. Chamou a produtora paulistana Prodigo Films, juntou um elenco de estrelas, ensaiou e passou cinco semanas em Diamantina, Minas Gerais, para rodar o filme. Quando o projeto começou, ele era casado com a atriz Vanessa Gerbelli, com quem tem um filho, Tito, hoje com 4 anos. Ambos atuam em “Matraga”. Mas as coisas no cinema brasileiro às vezes demoram tanto a acontecer que, quando o filme foi exibido no Festival do Rio, Vinícius estava casado com Manuela Dias, sua corroteirista.

Mesma fazenda de 1965

Nesse longo processo, numa das viagens para Diamantina para procurar locações, ele foi levado por um guia turístico para uma fazenda abandonada no meio do mato. Gostou do que viu e pediu o contato do proprietário. Este, por sua vez, revelou: “Olha, só acho que você precisa saber que já fizeram um filme aqui há muito tempo, o ‘A hora e a vez de Augusto Matraga’”.

— Eu quase desisti de usar a fazenda para evitar as comparações. Mas o Lula Carvalho, que é o diretor de fotografia e estava comigo, disse que seria uma homenagem.

Então segui em frente — afirma Vinícius. — A beleza do filme do Roberto Santos está no neorrealismo que ele aplica. Eu tive uma interpretação diferente.

A literatura do Rosa é muito fabular, ela cria um universo de mitos do sertão. Acho que o ponto alto do meu filme é que eu coloco a palavra do Rosa na boca dos atores sem precisar transformar a linguagem em algo mais palatável. Eu vi isso na minissérie baseada em “Grande sertão: veredas” que

13 o Walter Avancini dirigiu nos anos 1980. O Walter foi uma inspiração porque ele não teve medo da linguagem do Rosa.

Com os prêmios do Festival do Rio, além de esperar dar um lançamento digno para seu “Matraga”, Vinícius também terá um incentivo para seu próximo projeto no cinema. Ele acaba de ganhar R$ 1 milhão do Fundo Setorial do Audiovisual para rodar “Faces da alma”, uma adaptação contemporânea de “Macbeth”, de Shakespeare. O filme só deve começar a ser realizado em 2013, mas o diretor adianta que Ana Paula Arósio já topou viver Lady Macbeth.

— A história de “Macbeth” mexe muito comigo, assim como aconteceu com “Matraga” — diz ele. — Eu já escrevi roteiros originais, mas achei todos ruins. Acho que sou mais um contador de histórias do que um criador. Quero fazer filmes que me deem tesão.

O ESTADO DE S. PAULO – Buscando seu espaço na China

Cláudia Trevisan, CORRESPONDENTE PEQUIM

O dinheiro é curto ou inexistente; o apoio institucional, escasso; a censura, severa. Ainda assim, três brasileiras se esfalfam para levar o cinema nacional ao outro lado do mundo e apresentá-lo aos chineses, aos compatriotas saudosos e à crescente comunidade estrangeira que habita a segunda maior economia do mundo.

Entre os dias 18 e 22 de novembro, o Festival de Cinema Brasileiro na China ganhará sua segunda edição, mais ampla que a realizada no ano passado. O evento terá pela primeira vez um júri de cinco pessoas, entre os quais Xie Fei, o integrante da quarta geração de diretores chineses que em 1993 ganhou o Urso de Ouro em Berlim com A Mulher do Lago das Almas Perfumadas.

No comando do festival estão a curadora Anamaria Boschi, de 34 anos, e Vanessa Mastrocessario Silva, 33, que passaram os últimos meses em busca de patrocínio para a mostra, sem muito sucesso. “Nós contávamos muito com as empresas brasileiras instaladas aqui,mas não houve apoio. Eles nos disseram que teríamos que ter inscrito o projeto na Lei Rouanet”, diz Silva.

O orçamento de 150 mil yuans (R$41,5mil)está sendo enxugado e os gastos essenciais são bancados pelo grupo Brasileiros em Pequim (Brapeq), que é o organizador oficial do evento. A entidade tinha 50 integrantes quando foi criada, em 2007, número que saltou para 600 atualmente. O evento também recebeu US$ 2mildogovernobrasileiro, obtidos por meio da Embaixada do Brasil em Pequim.

Sem apoio financeiro de nenhuma instituição, a paulistana Fernanda Ramone, de 32 anos, tira dinheiro do próprio bolso para realizar o DocBrazil, o festival de documentários que estreou em 2010 e acaba de ganhar sua segunda edição em Pequim,Xangai, Tianjin e Shenzhen. Brasileiras lutam contra a censura e a falta de incentivo para promover filmes nacionais em Pequim “A idéia nasceu de uma inquietação pessoal de mostrar a cultura brasileira aos chineses”, afirma Ramone, que vive há sete anos em Pequim e é curadora, patrocinadora, organizadora e relações públicas da mostra.

14 Boschi fez a seleção dos filmes para o Festival de Cinema entre março e julho, assistindo a pilhas de DVDs enviados do Brasil para a China por inúmeros portadores, aos quais os filmes chegavam pelas mãos de seu pai.

Da pilha de DVDs saíram18 filmes, que tiveram de ser submetidos à poderosa Administração Estatal de Rádio, Filme e Televisão, responsável por dar sinal verde a todas as produções que chegam ao público chinês. Os censores consideraram oito títulos ofensivos à sensibilidade local e vetaram sua exibição. Entre eles estão , de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, e Mangue Negro, de Rodrigo Aragão.

A seleção que será exibida inclui sete longas e três curtas de animação, que refletem o objetivo de misturar gêneros e temáticas. “Tentei fugir do filme favela até o fim”, ressalta Boschi, que não resistiu e escolheu 5 X Favela, Agora por Nós Mesmos, produção de Cacá Diegues.

O diretor André Klotzel, de Confissões de um Liquidificador, deverá encarar a travessia ao Oriente e abrir o festival, no dia 18 de novembro. Mas as organizadoras ainda não sabem como levá-lo até a China.ATAM,uma das poucas patrocinadoras do evento, dará duas passagens de classe executiva, mas só até Paris, pois não tem voos para Pequim. Com a ajuda da Embaixada do Brasil, Boschi e Mastrocessario tentam convencer a Air China a bancar o outro trecho, mas ainda não obtiveram resposta. Enquanto isso, tentam definir quem será o segundo convidado da mostra. Legendas. Além dos problemas logísticos, os dois festivais apresentam um desafio adicional: os filmes e documentários devem ter legendas em chinês. Ramone, do DocBrazil, contratou uma empresa de tradução para legendar os sete documentários que exibiu neste ano, entre os quais estão O Que a Gente Não Inventa Não Existe, de Estevão Ciavatta, e No Traço do Invisível, de Laura Faerman e Marilia Scharlach. Boschi e Mastrocessario contam com o trabalho voluntário de estudantes de Português em universidades chinesas e da presidente do Brapeq, Raquel Martins, brasileira que passou a maior parte de sua vida em Pequim.

O ESTADO DE S. PAULO - Com nova lei, SescTV quer ser disputado por operadoras da rede paga

Com obrigatoriedade de conteúdo nacional na televisão à cabo, emissora aposta em expansão

Etienne Jacintho

(24/10/2011) O canal SescTV convocou operadoras, produtoras independentes e emissoras para uma reunião nesta sexta-feira, dia 28, com intuito de tornar mais conhecida sua programação e na esperança de ter maior visibilidade de público, uma vez que a presidente Dilma Rousseff sancionou, em 12 de setembro deste ano, a lei 12.485 - a chamada lei da TV por assinatura. Com as novas regras do mercado de TV paga, o canal SescTV aspira ser alvo de disputa entre as operadoras de TV por assinatura. Tudo isso porque, segundo o texto da lei, o canal é atualmente um dos poucos considerados "brasileiro de espaço qualificado." E, pela nova lei, todas as operadoras são obrigadas a carregar em seu line-up um canal brasileiro de espaço qualificado para cada três canais estrangeiros (ou de capital misto) de espaço qualificado.

Segundo o texto da lei, em um canal qualificado "no mínimo 3h30 semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar espaço qualificado, e metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente". Os canais estrangeiros têm até 2014 para se adequar em conteúdo, mas, a partir do ano que vem, já deverão ter mais de uma hora de espaço qualificado. E nesse espaço total, excluem-se conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e programas de auditório ancorados por apresentador.

Ou seja, de acordo com a lei, canais brasileiros mais acessados como SporTV, Globo News, Record News e Band News não possuem espaço qualificado. Canais menores, porém, como os universitários e a SescTV, cumprem a definição de canal brasileiro com espaço qualificado e podem se tornar os curingas das operadoras na hora de montar seus line-ups.

15 Para o encontro, que terá a presença também de representantes da Agência Nacional do Cinema (Ancine), a SescTV apresentará seu conteúdo e abrirá espaço para futuras parcerias. "Além de oferecer nosso canal a todas as operadoras, também queremos apresentá-lo às emissoras e produtoras para realizar novos projetos", fala Danilo Santos de Miranda, diretor do Departamento Regional do Sesc no Estado de São Paulo. Já confirmaram presença no evento, que será realizado no Sesc Pompeia, zona oeste de São Paulo, as operadoras Telefonica, Via Embratel e GVT, além de membros da Associação NeoTV. Miranda comenta que a SescTV quer investir em coproduções como as que mantém com a TV Cultura - para programas como o Direções, com peças apresentadas nos teatros das unidades do Sesc, e o Sr. Brasil - Rolando Boldrin grava seu programa musical no auditório do Sesc Pompeia. No momento, a SescTV está no line-up da Net, da Sky e de diversas operadoras menores.

O ESTADO DE S. PAULO - Filme 'Marighella' celebra a figura do revolucionário

AE - Agência Estado

(24/10/2011) Há um lado afetivo em "Marighella", documentário de Isa Grispum Ferraz sobre o guerrilheiro, morto pela polícia política em plena ditadura. Carlos Marighella (1911-1969), quadro histórico do Partido Comunista e dirigente da ALN (Ação Libertadora Nacional), era tio de Isa.

Assim, à reconstrução histórica da figura do militante mesclam-se recordações afetivas da diretora, que fala de um tio carinhoso, porém cercado de mistérios, que aparecia de vez em quando e, em seguida, sumia do mapa. Fala de como a notícia da morte do tio veio pela TV quando a família assistia a um Corinthians x Santos muito especial, pois naquela noite caía a série de vitórias de 11 anos seguidos do time da Vila Belmiro sobre seu rival.

É preciso dizer que essa pátina familiar é muito tênue e que o cerne do filme é a reconstrução histórica de uma trajetória. Esse percurso é refeito de maneira ampla, tendo como consultor o jornalista Mário Magalhães, que prepara a sua biografia. Isa utiliza entrevistas com militantes que combateram ao lado do guerrilheiro, o depoimento de Clara Charf, sua viúva, de seu filho Carlos Augusto Marighella e de figuras notáveis na resistência à ditadura, como o professor Antonio Candido, que tem Marighella na conta de um herói do povo brasileiro. Há, além disso, narrativa em off de poemas e escritos de Marighella, interpretados pelo ator Lázaro Ramos, e um arrepiante rap de , celebrando a biografia do personagem e destacando sua luta em favor dos pobres.

"Marighella" não é um documento jornalístico sobre a controvertida figura de um guerrilheiro. Não ouve o outro lado, ou os outros lados, como em termos ideais deveria fazer uma reportagem de jornal, uma pesquisa acadêmica ou mesmo uma biografia isenta. Não é imparcial. É uma homenagem e filme de um lado: o de uma pessoa da família, e também o de uma parcela da sociedade brasileira, aquela que simpatizou com a luta contra a ditadura militar. Mesmo aí encontram-se divisões. É possível que quem tenha fé na resistência pacífica não nutra simpatia por quem pegou em armas para se opor.

Controvérsias à parte, Marighella foi figura exemplar na luta contra a ditadura e morreu defendendo suas ideias, sem medo e sem recuar um passo. O homem que cai nessas circunstâncias não morre; vira mito. Fica encantado, como dizia Guimarães Rosa, em outro contexto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O GLOBO - Paraíso cor de sangue

Produção de quatro países, o épico ‘Vermelho Brasil’ vai desmembrar em minissérie e filme a ocupação do Rio pelos franceses em 1555

Rodrigo Fonseca

(24/10/2011) Só uma capivara foi capaz de chamar mais a atenção da equipe multinacional da minissérie “Vermelho Brasil”, em cenas filmadas no Alto da Boa Vista, do que o sueco Stellan Skarsgård, ator-assinatura de Lars von Trier e coadjuvante de pipocas milionárias como “Mamma mia!” (2008) e “Thor” (2010). Stellan foi escalado para viver o explorador francês Nicolas Durand de Villegagnon (1510-1571). Já a capivara chegou ao set sob cuidados para Ibama nenhum botar

16 defeito, a fim de emprestar realismo à locação onde foi erguida a casa do português João da Silva (vivido pelo lisboeta Joaquim de Almeida). Contrabandista de pau-brasil e espião da Coroa lusa, João é o vilão do projeto de R$ 20 milhões, que segue em produção até 10 de novembro, reunindo 75 atores, dois mil figurantes e 141 técnicos. Sua matéria-prima é o best-seller “Rouge Brésil”, de Jean- Christophe Rufin, que vendeu 500 mil exemplares em todo o mundo.

O sueco Stellan Skarsgard (no centro) vive Villegagnon, o líder da expedição francesa que aporta na Baía de Guanabara em 1555: minissérie baseada em Best-seller de Jean-Christophe Rufin recriou a região em Paraty

— Conhecia o Brasil por , Babenco, Walter Salles, “Cidade de Deus” e futebol. Agora, estou aqui para entender sua origem, como um estrangeiro falando de estrangeiros — diz Stellan, que gravou em Taquari, região de Paraty, a chegada da expedição francesa à Baía da Guanabara em 1555.

Sob a direção do canadense Sylvain Archambault, o material filmado, falado majoritariamente em inglês, será montado até fevereiro de 2012. Dele serão extraídos dois telefilmes de 90 minutos para o canal France 2, um longa-metragem para o cinema nacional e uma série de cinco capítulos de 40 minutos para a televisão brasileira. Foram combinados recursos (financeiros e humanos) de produtoras de quatro países — Pampa Films, da França; Conspiração, do Brasil; CD Films, do Canadá; e Stopline, de Portugal — em associação com a France Télévisions, GloboFilmes e a lusa RTP. Aqui, a distribuição em circuito exibidor será da RioFilme. Por contrato, a Rede Globo tem a primeira opção de transmissão na TV aberta.

— Esta produção é um épico sobre um choque entre culturas. Ela pode nos mostrar a dificuldade que o mundo contemporâneo tem em olhar para trás e aprender com os massacres que marcaram sua História — diz Archambault, realizador de “Piché: entre ciel et terre” (2010), sucesso de bilheteria no Canadá. — Sou fã de “Cidade de Deus”, que também mostrou quantos mortos fizeram a História daquela localidade. Quero retratar a origem do Brasil com uma narrativa contemporânea, sem amarras à linguagem clássica.

Fotografado por Christophe Graillot, cria da TV francesa, “Vermelho Brasil” vai totalizar oito semanas de filmagens, com locações ainda na praia de Trindade (nas imediações de Paraty), em Xerém (onde foi reproduzida uma aldeia tupinambá) e em Barra de Guaratiba, onde fica o cenário da muralha do Forte Coligny, que Villegagnon tentou erguer na Baía de Guanabara.

17 — Faz muito tempo que eu não venho filmar no Brasil. Neste momento em que Portugal está em crise e nosso cinema aposta em muitos filmes de pouco dinheiro, eu encontro o cinema brasileiro com projeção internacional — elogia Joaquim de Almeida, o Sherlock Holmes de “O Xangô de Baker Street” (2001).

Na porção brasileira do elenco de “Vermelho Brasil”, entram Giselle Motta (revelação de “O palhaço”, de Selton Mello, que estreia sexta-feira) e Pietro Mario, o Capitão Furacão, em dois papéis: o marinheiro apelidado de Old Sea Wolf e o francês Paylo, que vive entre os índios.

— Como o Rio se tornou mundialmente mais conhecido por conta de sua escolha para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, há uma demanda lá fora por conhecer sua História — diz Pietro.

Com base na prosa de Jean-Christophe Rufin, premiada em 2001 com o Goncourt, uma das principais honrarias literárias europeias, o projeto de “Vermelho Brasil” começou quando o produtor Nicolas Traube, da Pampa Filmes, comprou os direitos do livro para a TV, em meados da década passada. Com o aporte brasileiro, canadense e português, a produção se desmembrou em diferentes plataformas audiovisuais, unindo linguagens televisivas e cinematográficas.

— Em toda a Europa, existe uma tendência de combinar incentivos fiscais de diferentes países para levantar projetos. A união entre núcleos do Canadá, da França, do Brasil e de Portugal dá à minissérie e à versão para o cinema musculatura para entrar com força no mercado externo e nos garante intercâmbio de conhecimentos — explica Luiz Noronha, produtor-executivo do núcleo de TV da Conspiração Filmes.

Na direção, Sylvain Archambault preservou a estrutura inicial adotada por Rufin em “Rouge Brésil”. A trama é contada pela ótica de dois jovens trazidos pela expedição francesa para aprenderem o idioma indígena e agirem como intérpretes: Just (Théo Frilet) e Colombe (Juliette Lamboley). Os dois testemunham o início da colonização em um Brasil loteado de índios, incluindo canibais. — Para entrar na cabeça de Villegagnon, li “Utopia”, de Thomas Morus, e “O príncipe”, de Maquiavel. São textos essenciais para entender como pensa o emissário francês que chega a um mundo desconhecido representando sua Coroa — explica Stellan Skarsgård, em cartaz no Rio no filme “Melancolia”.

Sobrevivência de culturas

Analisando a mistura de nacionalidades na trupe de “Vermelho Brasil”, o ator conta que, quando filmou “Ondas do destino” (1996), com Lars von Trier, o longa teve 28 coprodutores envolvidos no processo criativo.

— Depois que o sustento dos filmes americanos parou de vir de seu mercado doméstico e passou a depender do desempenho comercial dos longas em mercados estrangeiros, até Hollywood percebeu a importância de ter diretores, atores e técnicos de diferentes origens em suas equipes criativas — diz Stellan. — Para um ator, a mistura é natural. Em cena, nós, atores, todos viemos de uma mesma pátria, independentemente da língua que falamos. Segundo Archambault , “Vermelho Brasil” vai levar à TV conceitos estéticos da tela grande: — Uso métodos cinematográficos nesta história sobre diferentes povos que se misturam para sobreviver

O ESTADO DE S. PAULO - Imagens retratam busca da paz

No documentário Budrus, Julia Bacha destaca a rotina de um vilarejo pacífico

ADRIANA CARRANCA

(26/10/2011) A cineasta brasileira Julia Bacha apresenta hoje, em São Paulo, o premiado Budrus, em evento do Instituto de Cultura Árabe que marca o lançamento do documentário em DVD no Brasil. O filme, de 80 minutos, vencedor de mais de 15 prêmios internacionais, dá visibilidade ao movimento pacífico de um pequeno vilarejo entre a Cisjordânia e Israel contra a construção de um muro polêmico que separa palestinos e israelenses. Movimento este que uniu judeus e árabes muçulmanos, um exemplo singelo de que a paz é possível.

18 Budrus ficou com um honroso segundo lugar na preferência do público no prestigiado Festival de Berlim, no ano passado. Na estreia americana, no Festival de Tribeca, em Nova York, foi ovacionado por cinco minutos, ganhou menção especial e fãs como o documentarista Michael Moore e o ator Robert De Niro. Foi para os cinemas dos EUA, Grã Bretanha e Austrália, e agora chega ao Brasil em DVD. "Acredito no cinema como ferramenta para transformar a realidade", diz Julia, que atualmente vive entre Nova York e Jerusalém. A diretora trabalha para a Just Visions, organização de apoio a projetos pacíficos de árabes muçulmanos e judeus israelenses que trabalham juntos pelo fim da ocupação dos territórios palestinos e dos conflitos na região.

"A mídia dá muito espaço para a violência, quando é o movimento civil e desarmado que está promovendo a grande revolução pela paz no Oriente Médio", acredita a cineasta brasileira. "Eu já presenciei muitos momentos importantes, como a morte de Arafat (Yasser Arafat, o líder da Autoridade Palestina, morto em novembro de 2004), em que se acreditava que haveria mudanças e nada aconteceu. É claro que as decisões políticas - como o recente acordo de troca de prisioneiros entre Israel e o Hamas (grupo islâmico que controla Gaza) e o pedido de criação do Estado palestino na ONU - são importantes, mas as mudanças estão mesmo vindo das populações de ambos os lados, que estão se organizando e dando visibilidade à luta pacífica como em Budrus."

O cinema engajado de Julia cumpriu seu objetivo, dando notoriedade ao vilarejo de Budrus e ao líder do movimento, Ayed Morrar, hoje à frente da organização The Olives Revolution, que luta sem armas contra a expansão dos assentamentos judaicos em território palestino. "Morrar lançou e conseguiu juntar grupos de resistência pacífica de norte a sul de Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza", diz. "Muitos querem se envolver, mas não sabem como fazer isso de forma construtiva. Quando conhecem a história de palestinos e israelenses unidos pela paz, encontram o caminho. Então, o filme tem gerado um engajamento muito grande."

Julia apresenta ainda ao Brasil seu novo projeto, Home Front. São quatro curtas de oito minutos, que mostram um novo olhar de palestinos e israelenses sobre Sheikh Jarrah, assentamento judaico no leste de Jerusalém e palco de conflitos. Os curtas já estão disponíveis no site da Just Vision (www.justvision.org) e, em 2012, chegam à TV como filme. TEATRO E DANÇA

FOLHA DE S. PAULO – Renato Borghi atua em peça de Nelson Rodrigues pela 1ª vez

Lenise Pinheiro/Folhapress Ator faz o homossexual enrustido Aprígio em 'O Beijo no Asfalto', em cartaz no Teatro de Arena

Próximos trabalhos de Borghi incluem papéis em 'Os Sete Gatinhos' e na adaptação do romance 'O Casamento'

GABRIELA MELLÃO, DE SÃO PAULO

(20/10/2011) Foram precisos 53 anos de carreira para Renato Borghi, 72, aventurar-se em cena pelas paixões e desejos de Nelson Rodrigues (1912- 1980).

O ator Renato Borghi como apr 刕 io, em cena de 'o beijo no asfalto', 19 de Nelson Rodrigues O ator vive o homossexual enrustido Aprígio de "O Beijo no Asfalto", peça dirigida por Marco Antônio Braz que marca o início de uma ocupação dedicada a Nelson, no Teatro de Arena (veja quadro), antecipando seu centenário. Em dezembro, ele protagoniza "Os Sete Gatinhos", do mesmo diretor, e, no ano que vem, "O Casamento", romance homônimo do autor adaptado e dirigido por Johana Albuquerque (Bendita Trupe). O ator também está em cena em "Que Rei Sou Eu?", musical criado por Elias Andreato a partir de Oswald Andrade, especialmente para o ator. "Borghi é uma referência do teatro brasileiro", justifica Andreato. O ator parece ter se preparado a vida toda para viver as criações de Nelson Rodrigues: sua galeria de personagens é povoada por tipos irreverentes, como o Abelardo de "O Rei da Vela", de Oswald. A primeira lembrança que Borghi tem de Nelson vem da infância: ele recorda o frisson causado pela estreia de "Vestido de Noiva" no fim de 1943. "Foi uma revolução", define. "Nelson é um profundo conhecedor da alma humana. Leva à cena sua vivência do subúrbio carioca e as neuroses das famílias reprimidas." Em 2010, ao lado de Elcio Nogueira Seixas, seu parceiro na companhia Teatro Promíscuo, cruzou a América Latina apresentando (sem encenação) a dramaturgia de Nelson Rodrigues. Também idealizou a publicação das obras teatrais completas do autor em edição bilíngue espanhol/português. O trabalho deve ser lançado em 2012.

FOLHA DE S. PAULO - Grupo Os Satyros discute modernidade

"Cabaret Stravaganza", novo trabalho da companhia, mescla novas tecnologias e experiência pessoal dos atores

Espetáculo propõe debate reflexivo sobre a sensibilidade humana em tempos de invenções de ponta

GABRIELA MELLÃO, DE SÃO PAULO

(20/10/2011) Para o diretor do grupo Os Satyros, Rodolfo García Vázquez, sua nova criação, "Cabaret Stravaganza", "está mais para [o fundador da Apple] Steve Jobs do que para [o encenador experimental Jerzy] Grotowski". A peça lança olhar crítico sobre o ser humano do século 21 e incorpora novas tecnologias como linguagem. A obra discute as implicações da vida transformada por carros, laptops, celulares, próteses e outras invenções. Foram cinco meses de criação, durante os quais Ivam Cabral, Cléo de Páris e outros dez atores transformaram vivências pessoais em cenas. "Esse é o espetáculo mais íntimo e coletivo da história dos Satyros", diz o ator Fábio Penna. Como os demais, ele transforma no palco questões pessoais em performance. A atriz Júlia Bobrow discute a falta de tempo do homem de hoje com um vídeo sobre um ritual de luto judaico gravado com sua mãe, sua avó e sua bisavó. "Não sabemos mais viver o luto", opina. O espetáculo apresenta também o processo de transformação do corpo do iluminador da companhia, Leo Moreira, 53, que nasceu Lourdes Helena. Ele vai passar por uma mastectomia durante a temporada, e a mudança é tema de conversas ao vivo com os espectadores. Quando se ausentar, participará em vídeo. A peça repisa uma das marcas do teatro de Vázquez: a economia de recursos não impede que se construa uma estética sofisticada. É o caso da tela móvel sobre a qual projeções instauram cenários. A pergunta a atravessar todos eles é a mesma: "O que se fez da sensibilidade humana?".

O ESTADO DE S. PAULO – Um cabaré digital

Em seu novo espetáculo, Os Satyros tratam do impacto das novas tecnologias

Maria Eugênia de Menezes

(20/10/2011) Uma nova humanidade demanda, necessariamente, um novo teatro. Foi guiada por essa crença que a cia. Os Satyros criou "Cabaret Stravaganza", espetáculo que entra hoje em cartaz. Em pauta, está o impacto das novas tecnologias sobre o homem. O efeito que tantas mudanças tiveram sobre nossos corpos, nossas formas de relacionamento, nossa maneira de ver e compreender o mundo. "Estamos diante de uma outra humanidade. Quem seria Hamlet hoje? Será

20 que ele teria um perfil no Facebook? Uma identidade falsa?", questiona o diretor Rodolfo García Vázquez. "Não vamos conseguir tratar disso se usarmos as formas dramáticas convencionais." Em uma de suas montagens anteriores, "Hipóteses sobre o Amor e a Verdade", o grupo já ensaiava os primeiros passos em direção ao que chama de "teatro expandido". Na peça de 2010 eles já experimentavam mirar o território dos "amores líquidos". Flagravam relacionamentos nascidos em ambiente virtual e, para retratá-los, optavam por uma forma fragmentária. Em "Cabaret" também não existe uma fábula a conduzir a encenação. À maneira de um cabaré dadaísta, elencam-se quadros, aparentemente desconectados. Sucedem-se assim histórias de suicídio, de depressão, do impacto do uso de medicamentos, da dependência que criamos em relação a aparelhos eletrônicos. Outro dado que aparecia em "Hipóteses" e que será retomado no trabalho atual é o pendor para a performance. Não vemos propriamente personagens, mas atores que se colocam em cena e vasculham suas biografias. Nesse sentindo, estão lançadas as bases de uma estética que flerta com a dinâmica própria do reality show. Capaz de exacerbar ainda mais o cunho performático que já ronda o teatro há pelo menos três décadas. "Não estamos buscando referências dentro do teatro, mas fora dele. Em pessoas que estejam discutindo essa nova realidade", lembra o diretor. Alçada a primeiro plano está a noção de ciborgue. E, aqui, não se está a falar de alguma distante criatura, que povoa apenas as narrativas de ficção científica. Revela-se o corpo modificado pelos implantes mecânicos, mas também pelas evoluções nas áreas de nanotecnologia e genética. Pelas possibilidades de cura e de transformação ofertadas pela medicina. Quando entram no palco, os atores não deixam de lado seus apêndices eletrônicos: laptops, iPads e iPhones são utilizados para criar imagens, iluminar cenas, mostrar gravações. "Toda a nossa relação com o mundo hoje é eletrônica. E esse mundo digital não é apenas uma fantasia. Ele afeta diretamente o mundo real, físico", comenta Vázquez. O que se delineia é, inegavelmente, um teatro de feições políticas. Preocupado em tematizar o fim das utopias, em falar da dissolução dos rituais, de vida e de morte. “Vivemos um momento de tradições esvaziadas. Não temos comunidade, vínculos”, diz o diretor. Sem tomar partido - não se trata de louvar as mudanças tecnológicas nem tampouco de assumir um olhar nostálgico para uma era pré-eletrônica -, a intenção é trazer essas novas questões para dentro da peça. “Se o teatro não dialogar com isso, ele não tem nenhum futuro.”

JORNAL DE BRASÍLIA – As andanças de Nara

MUSICAL Espetáculo conta a vida da musa da bossa nova por meio de canções clássicas

Suellem Mendes

(20/10/2011) Nara Leão é um dos nomes mais importantes da música brasileira. Ela fez parte de muitos momentos memoráveis e teve papel importante no início da trajetória de grandes artistas da MPB, à época em início de carreira, como , Maria Bethânia, Fagner e tantos outros. É a musa da bossa nova, mas se abriu para o Tropicalismo, gravou sambas do morro, Roberto e Erasmo e até versões de clássicos americanos.

Depois de temporadas de sucesso em São Paulo e no , está em cartaz na cidade o musical N a ra , estrelado pela atriz Fernanda Couto e que conta a trajetória da cantora que tanto contribuiu para o cenário musical do País. “Esse era, inicialmente, um projeto pessoal meu. O ponto de partida nem era a Nara, mas a riqueza da música popular brasileira. No meio da pesquisa, comecei a guardar repertório e o nome dela surgiu. A partir daí fui me envolvendo e achei que a única forma de montar esse espetáculo seria por meio da vida dela”, conta a atriz.

N a ra pode ser conferido até o dia 30, de quinta a domingo, às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Os ingressos custam apenas R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia). A montagem, que faz parte da comemoração de aniversário de 11 anos da casa, retrata a trajetória da musa da bossa nova, por meio de uma seleção musical que ilustra mais de 25 anos de carreira. “A pesquisa durou três anos. Nesse tempo eu me preparei. Depois chamei o Márcio Araújo para me ajudar a escrever o texto e selecionar os artistas”, conta Fernanda Couto, referindo-se ao diretor, que também assina a dramaturgia.

21 ENREDO N a ra desvenda as várias facetas da cantora e fala desde a sua intimidade ao envolvimento político, passando por suas posições artísticas. O enredo do espetáculo relembra cerca de 20 canções imortalizadas pela musa, entre elas Diz Que Fui Por Aí (Zé Kéti e H. Rocha), Opinião (Zé Kéti), Insensatez (Jobim & Vinícius), A Banda e Com Açúcar, Com Afeto (Chico Buarque) e João e Maria(Chico Buarque e ). “Claro que para quem viveu esse tempo o espetáculo tem um significado enorme. Mas vejo que para os jovens e crianças, é uma história que orgulha. Nara foi muito pioneira”, elogia a atriz.

Pedro Paulo Bogossian é responsável pela direção musical do espetáculo, que tem cenografia de Valdy Lopes e figurinos de Cássio Brasil. No elenco estão ainda Rodrigo Sanches, William Guedes e Guilherme Terra. “Gosto de lembrar que o teatro é uma arte coletiva. A equipe é bem maior, mas viajamos em nove pessoas”, diz. “O objetivo era tirar do baú do esquecimento quem influenciou tanto a música no Brasil, que é nosso principal produto de exportação”, afirma.

O GLOBO – Peça resgata sofrimento de mulheres imigrantes

Fundador do Grupo Opinião, João das Neves dirige ‘As polacas — Flores do lodo’, que estreia hoje no CCBB

Luiz Felipe Reis

(20/10/2011) Cabeça, discurso e ação no mesmo compasso. Aos 77 anos, João das Neves volta ao Rio para dirigir duas peças que reforçam uma dinâmica de criação em que o teatro e a formação da identidade brasileira são indissociáveis. Apontando universos aparentemente distantes, “As polacas — Flores do lodo”, que estreia hoje, às 20h, no CCBB, e “Galanga — Chico Rei”, no Teatro do Jockey a partir de 4 de novembro, carregam elementos em comum: tráfico negreiro, escravidão, alforria e AS ATRIZES Luciana Mitkiewicz e Iléa Ferraz interpretam reconstrução da vida social e privada. prostitutas que dividem as agruras do cotidiano Fundador do Grupo Opinião, João das Neves continua vinculado às questões nacionais, diz que todo teatro é político e acredita que o palco é o espaço ideal para se revelar a história de um país:

— Porque ele é lúdico, é o lugar em que se encontra um público ativo, que interage — diz. —

Se meu teatro é político é no sentido de que abrange todos os aspectos da sociedade. É como uma alavanca para a reflexão sobre os pontos que formam nossa cultura, e isso não tem a ver com política partidária. Quem se pretende apolítico se insere na política pela negação. Mas isso só acontece com quem tem dificuldades para enxergar o fenômeno político como algo abrangente. É uma limitação.

Escrita pelo diretor a partir de uma pesquisa da atriz Luciana Mitkiewicz, “As polacas” descreve a chegada de uma leva de mulheres do Leste Europeu ao Rio da virada entre os séculos XIX e XX. Frutos dos extratos mais baixos de seus países, fugidas da perseguição aos judeus em toda a Europa, pobres e enganadas por traficantes e cafetões, elas chegam aos arredores da Praça Onze. Desempregadas, logo passam a dividir pontos, casas, esquinas e clientes com as prostitutas negras. Enfrentam a animosidade destas, além da discriminação da elite judaica estabelecida no país — as prostitutas não tinham o direito de ser enterradas nos cemitérios da comunidade.

— A o s p o u c o s , e l a s s e unem. As polacas constroem uma associação de apoio mútuo, erguem um cemitério e tornam-se importantes propagadoras da cultura judaica na cidade — conta Luciana.

A solidariedade entre negras e polacas é o ponto central.

22 — Elas caíram na prostituição porque não havia emprego. As negras recém-libertadas foram as primeiras prostitutas a habitar aquela região. Foram traficadas duplamente, primeiro da África para cá, depois para os centros urbanos. Enquanto as polacas também eram exploradas.

‘Galanga’

Após resgatar a pouco lembrada história das polacas, o diretor ruma ao continente africano para iluminar outra saga esquecida. Escrita por Paulo César Pinheiro, com quem trabalhou em “Besouro cordão de outro” (2006), “Galanga — Chico Rei” traça um panorama da vida de Chico, rei de uma tribo do Congo que é trazido como escravo para no Brasil tornar-se herói.

— Chico Rei é o herói fundador do congado mineiro. Comprou sua alforria, libertou escravos, ficou rico e influente no Brasil Colônia. Tanto “As polacas” como “Chico Rei” são trabalhos de recuperação da memória. O Brasil é um país em que a classe dominante sempre recusou a memória, a não ser a dela mesma.

O GLOBO - Trio de jovens encara o suicídio no teatro

Livro de Nick Hornby inspira ‘Queda livre’, peça escrita a seis mãos que entra em cartaz hoje no Espaço SESC

Luiz Felipe Reis

(21/10/2011) Ela já havia assistido ao filme “Alta fidelidade” e lido o romance “Como ser legal”, até que as primeiras dez páginas de “Uma longa queda” serviram de estalo.

Luisa Arraes pegou o telefone, ligou para Isabel Falcão e propôs fazer uma peça a partir do livro escrito por Nick Hornby. Isabel gargalhou. Não levou a sério. Achou que era brincadeira.

— A gente sempre brincou de fazer peças dentro de casa, então parecia que eu não devia ou podia levar a sério aquela ideia louca — conta Isabel Falcão.

— Tipo: “É verdade? Não vamos ter que obrigar os nossos primos a assistir?” Nunca tinha pensado em escrever para teatro, se não fosse o convite da Lulu... Sempre pensei em escrever literatura.

Três anos para montar a peça

Luisa e Isabel, ambas com 18 anos, se conhecem e brincam de teatro desde os primeiros anos de vida. Passaram a infância entre estradas, aeroportos, quartos de hotel, plateias e coxias acompanhando os pais, os diretores Guel Arraes e João Falcão, circularem pelo país com suas peças.

A amizade e a parceria entre eles começa a ganhar hereditariedade cênica a partir de hoje com a estreia, às 20h, no Espaço Sesc, da peça “Queda livre”, assinada pela dupla de amigas ao lado de Isabel Mello, de 22 anos. “QUEDA LIVRE”: pessoas se encontram no alto de um prédio para se matar — Eu achei que era muito possível, acreditei muito que em seis meses a gente ia conseguir montar a peça, mas depois vi que é quase impossível. Você tem quantos dias para eu te contar todas as dificuldades? — brinca Luisa, que também atua na montagem. — Sério, foram três anos até conseguir dinheiro e pauta em teatro, lidar com a agenda dos atores. Vi o quanto é difícil fazer uma peça, e isso me angustia, porque sei que muita coisa boa acaba não conseguindo espaço. São mil filtros. Além do fato de que é a nossa estreia, o nosso primeiro texto. Livremente inspirado no romance de Nick Hornby, “Queda livre” coloca no topo de um arranha- céu quatro indivíduos que se encontram por acaso.

23 Em plena noite de ano novo, eles têm o mesmo propósito. Em vez de soltar fogos, saltar do edifício. A ideia do suicídio coletivo inscrito nas primeiras dez páginas do livro é apenas o ponto de partida da montagem, que se vale de um tema-tabu para traçar uma irônica radiografia de personagens urbanos e suas questões existenciais.

— Houve um momento em que deixamos o Nick Hornby de lado, escrevemos novos diálogos e colocamos também os nossos conflitos — explica Isabel Mello. — O que norteia a peça é o que acontece a partir de um questionamento: “Até que ponto vale a pena ou não estar vivo?” Tudo se desenvolve a partir dessa reflexão sobre a vida, sobre a existência de cada um. Então, não é uma peça sobre a morte, mas sobre a vida. E acho que não aconteceria nada de tão interessante se eles não tivessem chegado a esse ponto. Quando você pensa em morrer, você pensa na vida. E, no fundo, eles amam viver.

Com direção de Bernardo Jablonski e Fabiana Valor, a montagem traz Marina Vianna como a evangélica Bia, uma mulher de 50 anos que lida com os tabus da igreja e com os problemas diários de um filho em estado vegetativo. Bruno Padilha é Fábio, um apresentador de telejornal que perde o emprego, a mulher e o contato com as filhas após ser preso ao ser envolvido num escândalo em que é acusado de engravidar uma menina de 13 anos. Gustavo Falcão traz em Gui a pegada pop-rock de Hornby na veia. É a síntese do artista frustrado, falido, que nunca deu e nem vai dar certo.

Apaixonado por música e ex-integrante de uma banda promissora, desespera-se com sua condição de entregador de pizzas e com a possibilidade de nunca se transformar num rockstar. Enquanto Luisa Arraes dá corpo às revoltas da adolescente Sofia, que escolhe destruir tudo e todos depois da primeira grande desilusão amorosa.

Sarcasmo e generosidade

— Nick Hornby é sarcástico, critica a Igreja católica e o politicamente correto, mas sempre de modo generoso — diz Isabel Falcão. — Ele tem a capacidade de rir de si mesmo, e quando você se coloca como motivo de chacota, todo o resto passa a ser entendido de outro modo. Decidimos fazer essa peça porque fomos atraídas pelo encontro inusitado entre esses quatro personagens, por querer entender melhor os motivos que os levaram ao terraço daquele prédio. Luisa complementa:

— Eles se encontram no ponto-limite das suas vidas, tudo está à flor da pele. Então, o que é mais interessante não é o que acontece com eles, mas as suas reflexões. Do alto dos seus 18 anos e à beira da estreia, Luisa e Isabel Falcão acreditam que o teatro precisa ser descoberto por sua geração e esperam que “Queda livre” possa servir de impulso.

— Crescemos assistindo a muita coisa boa em teatro, e isso sempre nos deu vontade de fazer. Se eu leio uma frase bonita, sinto vontade de dizer: “Isso não é bonito? Você não quer gostar disso também? Vamos fazer mais gente participar disso?” Luisa concorda:

— Quando você sai arrepiado do teatro, dá vontade de oferecer essa sensação a um monte de gente. É por isso que a gente fez essa peça.

ESTADO DE MINAS - Investigação sobre o espaço humano

Território nu, de Mário Nascimento, integra a programação do Festival Internacional de Dança

Marcello Castilho Avellar

(26/10/2011) Corpo, tempo, espaço – é a partir da discussão sobre esses três elementos que a dança contemporânea tenta se definir. Território nu, que a Cia. Mário Nascimento estreia hoje no Forum Internacional de Dança (FID), pretende investigar o terceiro. O próprio título já informa o espectador sobre a perspectiva de onde o grupo conduz sua

O coreógrafo Mário Nascimento cria com seu espetáculo uma discussão sobre território e poder (Ed Felix/Divulgação) 24 investigação. Espaço, aqui, é território, dimensão material ou conceitual a ser conquistada, ocupada, preservada, é suporte de relações de poder.

O próprio Mário Nascimento, diretor da companhia e do espetáculo, admite algo de autobiográfico em Território nu. Não uma biografia do artista, mas do grupo – afinal, o processo de sobrevivência de qualquer coletivo de artistas passa, necessariamente, pela ocupação de territórios, nos teatros, nas ruas, no imaginário das pessoas.

Não é tema completamente novo na obra de Mário Nascimento, cuja criação frequentemente oferece incômodas representações de relações de poder e espaços conceituais. Não importa se elas são resolvidas pela negociação (como em Escambo), a fuga (Escapada), que implica busca de novos territórios, ou pelo confronto (Do ritmo ao caos). O que atrai nosso olhar nas criações de Mário Nascimento é a maneira como lida corporalmente com essas ideias, apresentando corpos que parecem expressar todas essas contradições.

Nesse sentido, o novo espetáculo da companhia se integra ao tema do FID 2011, “O corpo que vai, a dança que fica”, uma investigação de um “processo histórico de continuidade” que seria materializado na própria dança. A criação da Cia. Mário Nascimento pretende ser síntese de sua própria história, e das história das tensas relações territoriais do mundo que habita. ARTES PLÁSTICAS

ESTADO DE MINAS – Resgate da tradição

Encadernador premiado na França, Marcos Pedrosa ganha exposição com seus trabalhos

Walter Sebastião

(21/10/2011) Rigor e arte. Aspectos, avisa Marco Pedrosa, que estão nas 20 encadernações que ele apresenta em mostra que tem abertura hoje, a partir das 19h, no Centro Cultural UFMG. Entre os trabalhos, um projeto para As fábulas de La Fontaine, com gravuras em metal sobre couro, que valeu ao mineiro prêmio na França, na 11ª Bienal da Encadernação de Arte. “Encadernação não precisa ser só utilitária. Ela pode fazer do livro um objeto de arte”, defende o artista com palavras e obras.

O conjunto de projetos apresentado na mostra, com curadoria de Ana Utsch, professora de história do livro, apresenta vários estilos de encadernação. Há as que lembram trabalhos da Idade Média, a encadernação clássica comum, trabalhos decorativos etc. E até, conta Marco Pedrosa, algumas que “passam pela arte conceitual”, trabalhos experimentais que, muitas vezes, assustam a clientela dele. Em todos os casos valorizando aspectos estéticos e procurando que ela seja “a síntese do que está no livro, sem explícito nem hermético”.

“Não adianta enfatizar a decoração e esquecer a técnica de encadernação, a função de proteger o livro”, frisa Marco Pedrosa. Suspeita, inclusive, que foi o fato de a técnica dele “ser contundente” a razão do prêmio na França. Marcos Pedrosa tem 51 anos, é formado em letras, e há 20 anos trabalha como encadernador. A atividade surgiu no tempo em que era estudante, “e duro”, comprando os livros (“mais baratos”) em sebos. Os volumes soltavam páginas e Trabalho do encadernador mineiro Marcos Pedrosa (Marco capa. Pagar encadernação ficava caro. Pedrosa/divulgação) Então ele começou a fazer o serviço.

Os rudimentos da atividade, conta Marco Pedrosa, vieram com um amigo, de quem comprou prensa de encadernação com a condição de que ele ensinasse a costura dos volumes. E sozinho avançou

25 no assunto. “Encadernação, no Brasil, quando comecei, era arte perdida. E universo fechado, com pessoas que não gostavam de passar informação nem compartilhar conhecimento”, recorda. Situação só alterada mais tarde, com a criação da Associação Brasileira de Encadernação e Restauro (pelos bibliófilos José e Guita Midlim).

“A encadernação ainda é incipiente no Brasil e arte para poucos”, conta Pedrosa. Ajudando a manter situação que só aos poucos vai sendo alterada estaria o fato de muitos bibliófilos perderem livros ou ver volumes estragados ao mandar encaderná-los. Que livro merece uma encadernação? “Qualquer livro. Trabalho apurado, mesmo, merecem edições raras, limitadas, autografadas, com tiragem pequena, obras de autores canônicos”, exemplifica.

Palavra de especialista Ana Utsch, professora de história do livro e de encadernação

Bons projetos“Adoro nos projetos de Marco Pedrosa as referências tão precisas à tradição que é muito difícil de ser conquistada. Ele é um virtuose. É um artífice que se apropria de todo repertório formal, tanto estrutural quanto ornamental, da grande tradição da encadernação francesa. Marco é para ser celebrado como um dos melhores encadernadores do Brasil, o que ele é mesmo”.

ESTADO DE MINAS – A força da pincelada

(21/10/2011) Conjecturas poéticas é o título da exposição que será aberta hoje, às 19h, na Galeria Beatriz Abi-Acl, com obras de Mariza Trancoso, Assunção Madureira, Elizabeth Lanna e Rosana Mendes Campos. A curadoria é do professor e restaurador Attílio Colnago. Ele explica que a mostra, com figuração e abstração, apresenta obras que afirmam a dimensão expressiva da arte, valorizando a pincelada, a cor, a matéria pictórica.

O fio condutor da exposição, explica Attílio Colnago, é o diálogo dos artistas com a obra de Mariza Trancoso. “Que tem uma figuração forte e muito definida em termos de cor e traço”, observa, apontando aspectos que ecoam nas obras dos participantes, seja de forma mais acerbada ou com mais suavidade. Mariza Trancozo, recorda o curador, foi professora (na Escola de Belas-Artes da UFMG e nos festivais de inverno) durante muitos anos, tendo formado uma geração de pintores.

Exatamente pela obra extensa de Marisa Trancoso, produto de muitos anos de atividade, com “fases diferenciadas”, e pela existência de obras pouco vistas (como aquarelas), a artista mereceria ganhar grande retrospectiva, como observa Attílio Colnago. “Seria uma maneira de tornar mais clara a produção dela, uma pintura que precisa ser revista com novo olhar”, defende, lembrando que há, hoje, em Minas, uma geração que não conhece o trabalho realizado pela autora.

Attílio Colnago é artista plástico e professor de desenho na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Coordena o Núcleo de Restauração da Ufes. A pintura, para ele, traz diferença importante com relação aos meios atualmente dominantes nas artes visuais (a foto e o vídeo): “Exige mais a ação do artista, é produto de embate maior com os meios de expressão, é mais corporal mesmo”, argumenta. O que gera imagens mais densas e reflexivas. Pelo processo de realização (“é construir, destruir, pintar e repintar”) e também pelo tempo de trabalho (diário) que a atividade cobra.

Pintura, continua o Attílio, é arte que exige conhecimento técnico. O que, para o curador, é importante numa época em que se vê muito desconhecimento de aspectos fundamentais das técnicas artísticas. Ele dirige um laboratório de tintas na disciplina matérias e técnicas artísticas do curso de artes visuais, espaço dedicado ao resgate das técnicas tradicionais da pintura. “Há uma grande discussão sobre a pintura”, explica. (WS)

O ESTADO DE S. PAULO – A arte de revelar o presente

A mostra Caos e Efeito reúne diversas visões sobre a produção brasileira atual

MARIA HIRSZMAN, ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo

(21/10/2011) Uma série de perguntas inquietantes sempre surgem quando se trata de discutir arte contemporânea: qual é a cara da produção atual? Quais são as tendências mais marcantes presentes

26 nos trabalhos das novas gerações? Ainda vigora uma preocupação com a questão nacional? Para tentar enfrentar essas e outras questões o Itaú Cultural convidou os curadores Fernando Cocchiarale, Lauro Cavalcanti, Moacir dos Anjos, Paulo Herkenhoff e Tadeu Chiarelli, identificados como os mais ativos do país por uma pesquisa em documentos relativos a mais de sete mil exposições realizadas no Brasil na última década. E o resultado, ou melhor, os resultados, podem ser vistos a partir de amanhã, quando a mostra será inaugurada para convidados na sede do instituto. A proposta inicial era que esse time de curadores apresentasse um panorama prospectivo e comum da arte brasileira, mas rapidamente tal ambição mostrou-se inviável diante de uma série de obstáculos geográficos e do tempo curto. Melhor apostar em análises interpretativas mais densas, mesmo que plurais, ao invés de referendar em coro nomes que apenas estão surgindo, entrando num jogo que interessa sobretudo ao mercado de arte.

Assim, cada um deles concebeu - com um auxílio de um amplo time de cocuradores e curadores assistentes - uma mostra na qual aborda aspectos que considera mais instigantes e iluminadores nesse processo de reflexão sobre os rumos da arte brasileira atual. Evidentemente há pontos de coincidência e a preocupação em estabelecer laços entre os cinco núcleos, que vão desde o cuidado em estabelecer um padrão museográfico único até a tentativa de não repetir o mesmo artista em diferentes segmentos. Neste caso a exceção fica por conta de Nelson Leirner - atualmente com uma retrospectiva em cartaz no Sesi - e Lygia Pape, a grande referência histórica da mostra - com obras tanto na exposição de Lauro Cavalcanti, “Espaços Imantados” – Moacir dos Anjos e o interesse pelo cotidiano, com obra do artista intitulada Eu Como Eu, como no núcleo organizado por Marepe Moacir dos Anjos, cujo título deriva da série de fotografias realizadas pela artista desde 1968 retratando concentrações humanas em espaços urbanos e que se chama Espaços Imantados. Alguns exemplos desses registros, praticamente inéditos, podem ser vistos na mostra.

Fricção. Para dividir o espaço entrecortado do Itaú Cultural, o primeiro critério foi o quantitativo. Assim, a mostra Contra-pensamento Selvagem - concebida por Herkenhoff - ocupa todo o piso do segundo subsolo, já que um dos pontos de partida dessa pensata sobre a arte brasileira é exatamente o de colocar em fricção uma série ampla de trabalhos. "Queríamos criar esse espaço tensionado, problematizado", explica Orlando Maneschy, um dos três cocuradores da mostra. Contrapondo-se, como diz o próprio título do núcleo, à visão eurocentrista de Claude Lévi-Strauss acerca da cultura dos trópicos, a proposta é dar continuidade à reflexão iniciada por Herkenhoff na 24.ª Bienal de São Paulo acerca da questão da antropofagia, colocando destaque na diferença, na diversidade e na produção ativa realizada na região mais periférica do País.

A questão da identidade nacional também é um dos principais fios condutores do segmento Eu Como Eu, projetado por Lauro Cavalcanti. O diretor do Paço Imperial, no Rio de Janeiro, indaga sobre a existência de certos estereótipos associados à arte brasileira e a relação entre essa imagem distorcida e um diagnosticado esvaziamento em relação a uma ideia de arte nacional nesse período de globalização cada vez mais intensa. "A identidade nacional não é um dado absoluto, mas representações em um jogo de espelhos que só se definem uma vez colocadas em oposição segmentar com as outras. Em outras palavras, vemo-nos em relação ao outro e ao modo como somos vistos", escreve.

Curiosamente tanto a mostra Eu Como Eu como o núcleo Cavalo de Troia, idealizado pelo também carioca Fernando Cocchiarale - que compartilham o espaço do primeiro subsolo - são os dois segmentos da exposição que mais recorrem ao passado para tentar explicar o presente. Dentre os nomes selecionados pelos dois curadores há um leque amplo de referências incontornáveis à arte do século 20, como , Nelson Leirner, Antonio Dias e Marcel Gautherot, convivendo com uma ampla seleção de obras recentes, de artistas como André Komatsu, Michel Groisman e Ducha, entre outros.

27 Finalmente no primeiro andar se situam as mostras Espaço Imantado, de Moacir dos Anjos, e Projetar o Passado, Recuperar o Futuro, de Tadeu Chiarelli. Enquanto a primeira se debruça sobre um viés de caráter mais temático, explorando o anseio - e a impossibilidade - da arte de trazer para dentro do espaço expositivo a riqueza e multiplicidade das ruas, o recorte proposto pelo diretor do MAC-USP trata da forma como a produção contemporânea vem se aproximando de outras linguagens artísticas, rompendo de forma cada vez mais aguda com os cânones e mesclando ficção e realidade para construir novas narrativas. Com um olhar bastante prospectivo (Lenora de Barros e Rosângela Rennó, representadas por trabalhos que lidam com a questão da identidade, pessoal e nacional, são os lastros históricos), Chiarelli nos propõe um recorte que enfatiza tanto a presença de um certo caráter melancólico, de retorno - seja na forma de ficção ou memorialista - ao passado, como uma discussão sobre a presença de uma ação poética que busca nexos mais sólidos com a realidade. O curador identifica na geração atual a presença de uma certa perplexidade em relação ao mundo contemporâneo fragmentado. "Não é uma falta de compromisso, é como se estivéssemos vivendo num compasso de espera. As pessoas estão aguardando o que vai acontecer", explica, remetendo assim à ambiguidade entre presente e passado presente no título de seu núcleo e ajudando a iluminar a leitura dos outros trabalhos reunidos na exposição.

Afinal, Caos e Efeito (cujo título ironiza com o fato de não ser possível atingir as causas, mas apenas - parcialmente e de forma diversa - os efeitos), com seus mais de 80 artistas e quase uma centena de obras, é ao mesmo tempo uma e cinco exposições. Cinco correntes, diversas mas fortemente presentes, que problematizam mais do que respondem de forma simples e unívoca o que é a arte brasileira. A opção por ampliar os pontos de vista parece mais acertada diante de um universo tão amplo de questões e obras em circulação e confirma que a diversidade não se encontra apenas na produção mas no olhar e na análise crítica lançada sobre essas obras. Mesmo sem contornos precisos, mais vale a pena olhar para a produção nacional do que esquivar-se dela, como faz a Bienal de São Paulo ao eleger a hegemônica arte norte-americana como tema de mostra comemorativa de seus 60 anos.

FOLHA DE S. PAULO - Mostra tenta mapear a produção atual

Seleção de 80 artistas no Itaú Cultural reúne consagrados dos anos 60 e 70 e jovens em ascensão de todo o país

Curadores que fizeram mais exposições na última década, de acordo com ranking do museu, assinam mostra

SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO

Na montagem da exposição, Paulo Herkenhoff tira um lápis do bolso e desenha um diagrama. Linhas representando poder, imprensa, colecionadores, mercado e outros fatores se cruzam no desenho que faz na parede.

Ele aponta os vazios entre as rotas e diz que buscou ali os artistas escalados para uma das partes da mostra que começa hoje no Itaú Cultural. Seriam autores que "só tangenciam" os polos de poder.

De certa forma, os recortes dos outros curadores -Moacir dos Anjos, Tadeu Chiarelli, Lauro Cavalcanti e Fernando Cocchiarale- também tentam mapear a produção que tem um pé dentro e outro fora dos grandes circuitos.

São 160 obras que se espremem no prédio da avenida Paulista sob o título "Caos e Efeito", ambíguo e elástico para dar conta da mostra que revê a produção experimental dos anos 60 para explicar os rumos da novíssima geração de artistas brasileiros.

Lygia Pape, com suas fotografias do espaço público no Rio, é o ponto de partida para focar a relação de artistas com o cotidiano. Ela também aparece ligada à ideia de quebra de paradigma na imagem do país, que abusou da bossa nova, da arquitetura modernista e do construtivismo como ícones de brasilidade.

Nelson Leirner é escalado no mesmo recorte com "Construtivismo Rural", composições concretistas feitas com pele de vaca preta e branca no lugar das manchas de cor.

28 Na sala ao lado, herdeiros conceituais de Leirner, além do próprio, aparecem entre os que questionam o establishment, como o grupo Alumbramento e Fabiano Gonper, que se apropria de vídeos de leilões de arte.

"Essa atitude continua na arte", diz Cocchiarale. "É um contraponto ao espetáculo."

Filtrados por um radar antiespetáculo, nomes do Norte e do Nordeste ocupam o subsolo, numa cota para a produção marginal que entrou para o "grand monde", como a de Yuri Firmeza e Jonathas de Andrade.

Seria uma tentativa de driblar o que Herkenhoff chama de "colonialismos internos". Mas, diante dos excessos da mostra, que opõe sem elos muito eficazes grifes coruscantes a jovens em ascensão, tudo arrisca perder o efeito e se diluir mesmo no caos.

ESTADO DE MINAS - Da ternura à fúria

Para celebrar os 50 anos da morte do pintor Cândido Portinari, seus mais célebres painéis, Guerra e Paz, instalados na ONU, voltarão ao Brasil e poderão integrar mostra itinerante

Paola Carvalho

(25/10/2011) O ano é 1953. O pintor Cândido Portinari dá início aos painéis Guerra e Paz para a Organização das Nações Unidas (ONU). As tintas que levavam chumbo e lhe envenenavam não deixaram de ser usadas. Acreditava que a sua missão era maior do que a própria vida. Levou quatro anos para finalizar as duas obras, formadas cada uma por 14 partes de cinco metros de largura por 2,20 metros de altura, ao peso de mais de uma tonelada. A pintura a óleo foi usada sobre madeira compensada de construção naval, para eternizar a dor sem traçar nenhum ato de violência. A intoxicação progressiva o levou à morte em 1962, mas sua mensagem não poderia estar mais viva e atual. O ano será 2012. Em homenagem aos 50 anos da morte de Portinari, os dois painéis gigantes voltarão ao Brasil e seguirão para Hiroshima (Japão), palco da maior tragédia de todos os tempos, e Noruega, onde poderá servir de cenário à entrega do Nobel da Paz. Será a segunda vez que Guerra e Paz voltarão ao país. Em dezembro de 2010, mais de 40 mil pessoas aplaudiram de pé as obras exibidas no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Desta vez, São Paulo está garantido e há chances de a exposição percorrer outros estados, a exemplo de Minas Gerais, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Sul, onde já existem conversas nesse sentido. Guerra e Paz, dedicados à humanidade, ocupam lugar de destaque na sede da ONU, em Nova York (NY). Ganharam ainda mais importância depois dos atentados de 11 de setembro, em Manhattan, coração de NY, junto a consequências globais que ocorrem desde então. João Cândido destaca que, neste momento, repetiria as palavras do pai: “A luta pela paz é tarefa decisiva e urgente. É uma campanha de esclarecimento e de alerta, que exige determinação e coragem. Devemos organizar a luta pela paz, ampliar cada vez mais a nossa frente antiguerra, trazendo para ela todos os homens de boa vontade, sem distinção de crenças ou de raças, para assim, unidos, os povos do mundo inteiro, não somente com palavras mas com ações, levarem até a vitória final a grande causa da paz, da cultura, do progresso e da fraternidade entre os povos.” Em novembro de 1955, Cândido Portinari trabalhando nas Em 1949, Portinari foi convidado a participar da obras Guerra e Paz, para compor os painéis da Conferência Cultural e Científica pela Paz Organização das Nações Unidas (Antônio Rudge/O Mundial, em Nova York, mas os EUA negaram- Cruzeiro/Arquivo EM - 15/11/1955) lhe o visto. Impossibilitado de comparecer, enviou mensagem por telegrama. Um ano depois, em 1950, o 3º Congresso Mundial dos Partidários

29 da Paz, na Polônia, concede a medalha de ouro da paz a Portinari pela sua obra Tiradentes. Ele não pôde comparecer, desta vez por motivos de saúde, e recebeu a comenda em seu nome.

De barco pelo Velho Chico

Os painéis são os símbolos de um trabalho que reúne mais de 5 mil obras-primas da arte brasileira. "Os originais também continuam invisíveis, já que mais de 95% pertencem a coleções privadas. Mas podemos levar as imagens das obras de Portinari, sejam impressas com tecnologia Glicée, ou mesmo com impressoras jato de tinta de alta qualidade", afirma o matemático João Cândido Portinari, fundador do projeto Portinari, que há 32 anos divulga o trabalho do pai.

Os belo-horizontinos têm a sorte de ter os traços desse expoente da formação cultural brasileira na Igreja de São Francisco, na Pampulha. E, em breve, comunidades do interior de Minas poderão ter a oportunidade de se ver nas telas do pai dos pintores do Brasil. O projeto Portinari, que já levou em navios parte do acervo para aqueles que moravam às margens do Rio Amazonas, tem como próximo alvo o Rio São Francisco. "Há muito almejamos levar nosso programa para as populações ribeirinhas do Velho Chico. É mais difícil por questões de navegabilidade e pela Marinha do Brasil só ter lá uma Capitania dos Portos, não havendo nenhum barco para a itinerância. Mas não desistimos", diz.

Para esse trajeto, João Cândido Portinari também planeja levar a família Dumont, bordadeiras de Pirapora, "que faz belíssimo trabalho e que interpretou magistralmente na linguagem do bordado os painéis Guerra e Paz". Sobre novas leituras, ele também destaca o trabalho do artista mineiro Sérgio Campos. "Em D'Après Portinari, Sérgio interpreta Portinari em escultura."

Uma vida dedicada à arte

"Saí das águas do mar e nasci no cafezal de terra roxa. Passei a infância no meu povoado arenoso. Andei de bicicleta em cavalo em pelo. Tive medos e sonhei." As palavras escritas por Portinari se referem aos momentos que viveu em Brodósqui, perto de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Nasceu em 1903, filho de tradicionais e religiosos imigrantes italianos que trabalhavam na lavoura de café. Sua primeira gravura, um retrato do compositor Carlos Gomes, data de 1914. Cinco anos mais tarde, matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio. Seus quadros fugiam dos padrões acadêmicos da época e, por isso, eram recusados. Mas, com o retrato que fez de seu amigo poeta Olegário Mariano, ganhou bolsa de estudos em Paris. Ali, descobriu Chagall, os muralistas mexicanos e sofreu fortes influências do trabalho de Picasso. Voltou ao Brasil em 1931, casado com a uruguaia Maria Victoria Martinelli. Quatro anos depois pintou O café e deu a largada para a sua fase áurea, que se estendeu até 1944.

Nesse período, em 1939, nasceu seu único filho, João Cândido. No ano seguinte, inaugurou exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Em 1946, concluiu as obras da Igreja de São Francisco de Assis, em Belo Horizonte. Antes disso, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e candidatou-se a deputado federal, mas não conseguiu eleger-se. Também se candidatou ao Senado, mas sem sucesso.

Em 1953, iniciou os painéis Guerra e Paz para a ONU, que terminaria em 1957. Em 1954, porém, começou a manifestar sinais de envenenamento pelo chumbo contido nas tintas com que trabalhava. Sofreu uma hemorragia intestinal e foi internado. Depois disso, fez 21 desenhos com lápis de cor para uma edição de Dom Quixote, de Cervantes. A técnica era uma alternativa tentada por Portinari para escapar à intoxicação pelas tintas. Também tentou desenhos a caneta tinteiro. Morreu no Rio de Janeiro, em 6 de fevereiro, em consequência da progressiva intoxicação. Na época, preparava material para uma exposição no Palácio Real de Milão.

A importância do artista para...

Luiz Inácio Lula da Silva Fala de 2007, na abertura da Assembleia Geral da ONU “O sofrimento expresso no mural que retrata a guerra nos remete à alta responsabilidade das Nações Unidas de afastar o risco de conflitos armados. O segundo mural revela que a paz vai muito além da ausência da guerra. Pressupõe bem-estar, saúde e um convívio harmonioso com a natureza.

30 Pressupõe justiça social, liberdade e superação dos flagelos da fome e da pobreza. Não é por acaso que o mural Guerra está colocado de frente para quem chega, e o mural Paz, para quem sai. A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar aflições em esperança, guerra em paz, é a essência da missão das Nações Unidas.”

Tancredo Neves "Revolucionário, rasgou novas e amplas perspectivas nos horizontes da pintura. Retratou como ninguém a angústia, a revolta e o sofrimento dos oprimidos e espoliados, fazendo de sua arte um dos instrumentos de emancipação social do nosso povo."

Jorge Amado "Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente."

Carlos Drummond de Andrade "Você é a alegria e a honra do nosso tempo e da nossa geração (...) Foi em você que conseguimos a nossa expressão mais universal, e não apenas pela ressonância, mas pela natureza mesma de seu gênio criador."

Jean Cassou Diretor do Museu de Arte Moderna de Paris L'Amour de L'Art, em 1946 "A exposição de suas obras, que se realiza atualmente em Paris, mostra a diversidade, a liberdade e a força de seu gênio. Portinari é certamente o maior pintor da América Latina e um dos maiores pintores contemporâneos."

Enrique Fernandez Crítico mexicano, em 1958 "Este homem está no México, no Museu Nacional de Artes Plásticas, ocupando sala de honra que lhe oferece um país de pintores (...) Da ternura à fúria, Portinari inteiro está presente."

Na rede No site www.portinari.org.br estão disponibilizadas mais de 5 mil obras de Cândido Portinari (na foto, a obra Colona), que podem ser vistas sem cadastramento prévio. As imagens são oferecidas em boa resolução e podem ser utilizadas por estudantes e professores como subsídio para trabalhos escolares. FOTOGRAFIA

O ESTADO DE S. PAULO - Memória fotográfica

Mostra apresenta retrospectiva da última década do fotojornalismo

CAMILA MOLINA

(26/10/2011) Tragédias, mas também registros de momentos bons, descontraídos, algumas curiosidades, tudo isso pula aos olhos nas fotografias da mostra Testemunha Ocular, que o Senac Lapa Scipião exibe a partir de hoje para o público. A exposição, que apresenta 682 imagens realizadas por fotojornalistas da Associação dos Repórteres Fotográficos do Estado de São Paulo (Arfoc), é uma retrospectiva dos últimos dez anos, um panorama de fatos e cliques espontâneos Premiada pela World Press Photo, imagem do ‘Estado’ que reavivam a nossa memória recente. registrouincêndio na favela do Buraco Quente "Os anos passam e as questões continuam as mesmas, como violência,

31 enchente, corrupção e meio ambiente, por exemplo", diz o curador da mostra, João Kulcsár. Infelizmente, constatação inevitável.

O olhar crítico e ágil do fotojornalista o diferencia dos outros fotógrafos conceituais, como diz Kulcsár. Aliado ainda a essa característica há o fato de que as imagens realizadas por repórteres fotográficos são "mais populares e fáceis para as pessoas", o que faz da mostra, enfim, uma contribuição para "uma forma de alfabetização visual". "Os fotojornalistas são nossa memória do País e da sociedade e deveria ser dado mais valor a essa missão", afirma Kulcsár. A exposição, assim, é um apanhado de fotografias que foram destaques, entre 2000 e 2010, em jornais e revistas do Brasil de peso, como o Estado, Folha de S. Paulo, O Globo, Veja e Época, entre outros, e as veiculadas por agências.

Todo ano a Arfoc-SP, presidida por Paulo Whitaker, promove uma retrospectiva com obras de seus associados, e desta vez, em parceria com o Senac, a entidade apresenta um panorama bem mais amplo, de uma década. Do total de imagens selecionadas para a exposição, 105 estão apresentadas em painéis, impressas em diferentes formatos e reunidas nos núcleos temáticos Conflitos, Meio Ambiente, Esporte, Política e Cidades. "Usamos o conceitos dos cadernos de jornais, por áreas", diz João Kulcsár. Já as mais de 500 outras fotografias escolhidas para a mostra são exibidas por meio de projeção multimídia.

Sem dúvida, um dos grandes destaques da mostra é a imagem de 2004, realizada pelo fotógrafo José Francisco Diório - ou J.F. Diório, como consta em seus créditos -, da Agência Estado, que registrou uma menina cabisbaixa durante um incêndio na favela do Buraco Quente, na zona sul de São Paulo. A obra recebeu o prestigiado prêmio World Press Photo.

A famosa imagem do incêndio na favela da Avenida Washington Luis junta-se a tantas outras fortes e impactantes, que revelam tragédias inevitáveis ou não. "As enchentes são as mesmas desde o início do século 20 e vemos que questões básicas de cidadania não são tratadas adequadamente pelo poder público", analisa o curador. Sendo assim, a exposição Testemunha Ocular dá peso aos núcleos dos Conflitos e das Cidades, chamando a atenção para a necessidade de conscientização para os problemas de cidadania.

Os segmentos não deixam de prestigiar imagens que estão em nossa (triste) "memória afetiva", que lembram fatos marcantes como o caso da morte da menina Isabella Nardoni (2010); o episódio da universitária Suzane Von Richthofen, envolvida no assassinato de seus pais (2002); ou o desastre, em 2007, com o avião da TAM, que deixou 199 mortos no Aeroporto de Congonhas. Mas é também dos núcleos Conflitos e Cidades que florescem muitas das obras a revelar a parte cultural e estética do cotidiano, como na fotografia feita em 2005 por Jonne Roriz, da Agência Estado, de um habitante na Vila Leopoldina, em São Paulo (reproduzida ao lado).

A mostra, futuramente, vai passar por outras unidades do Senac, entre elas, do interior de São Paulo. A exposição, ainda, promove debate aberto ao público na segunda-feira, às 19h15, com a participação do editor de fotografia da Folha de S. Paulo, João Wainer, e com Juca Martins, da Agência Olhar Imagem. MÚSICA

FOLHA DE S. PAULO - Quero ser grande

Folha analisa intenções de crescimento da Osesp, que anunciou ontem programa para a temporada 2012

SIDNEY MOLINA - CRÍTICO DA FOLHA

(20/10/2011) Diante do anúncio, ontem à noite, da temporada 2012 da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo -a primeira da americana Marin Alsop como regente titular-, cabe analisar as metas da Osesp. Em linhas gerais, sobressai a engenhosidade na escolha de obras, regentes e solistas, que evidencia a busca de excelência análoga à das melhores séries internacionais.

32 Agrupados sob um título -"Música em Tempos de Guerra e Paz"-, os repertórios ganham novo nexo. Com isso, também, a Osesp propõe um crivo, um olhar curatorial similar ao das principais mostras de cinema, literatura ou artes plásticas. Em outra inovação, a Osesp terá um artista em residência. Como os violinistas Frank Peter Zimmermann (em Nova York) e Anne-Sophie Mutter (em Londres e Boston), o violoncelista Antonio Meneses interagirá com orquestra e público de modo aprofundado ao longo do ano. Há, no entanto, muito trabalho musical a ser feito para que a Osesp atinja o nível das tradicionais orquestras americanas e europeias. Falta certa definição no som dos naipes, qualidade que pode ser preservada independentemente da tessitura, dinâmica ou andamento. Alsop, que regerá quase um terço da temporada, tem aí a sua principal missão. Para além disso, porém, outra via -que a temporada 2012 enxerga- se mostra promissora: a ousadia da invenção, que passa pela graça da mistura do Brasil. Não se trata só de tocar repertório local, mas de renovar o cenário um tanto previsível do erudito. Atenta, a Osesp sabe que não precisa de mágica para crescer.

O ESTADO DE S. PAULO - O rock tropical do Zabomba

Banda paulistana lança o terceiro CD álbum com participação de

LAURO LISBOA GARCIA

(20/10/2011) Antes de o que se chama de "Baixo Augusta" virar modismo, a rua mais simbólica da moderna noite paulistana já tinha sua banda residente: Zabomba. Assídua frequentadora da casa noturna Sarajevo, a banda muda de palco hoje e toca pela primeira vez no Studio SP, com participação de Ney Matogrosso, para lançar o terceiro CD, Vivendo de Truque (Label A.).

Além de boas canções, Rapha Z (vocal), Paulo Passos (guitarra), Beto Böing (baixo) e Marcelo Bonin (bateria) conseguiram a façanha de juntar no mesmo disco os dois nomes mais fortes dos Secos & Molhados - Ney Matogrosso (na faixa Mente) e João Ricardo (na composição dele Teatro?) - que não se falam desde o rompimento do grupo em 1974. O americano Antony Widoff, coprodutor do CD, também toca no show.

Como os S&M, que era um quarteto no início, os quatro Zabombas aparecem na capa do CD com maquiagem nos olhos, em clara referência ao visual do grupo de Ney e João. Rapha diz que nada disso foi proposital. "Nunca tivemos a intenção de juntar o João e o Ney no mesmo disco. Isso foi a própria dança da vida. A gente já tocava umas músicas do João, que participou de um show nosso no Auditório Ibirapuera. Paulo Passos já trabalhou com ele. A gente já ia gravar a canção Teatro? dele", conta o vocalista.

Quanto a Ney, eles têm amigos em comum na banda do cantor. Felipe Roseno, percussionista da banda de Ney, levou o segundo CD (O Que Não Se Explica, que teve boa repercussão na Itália) para ele. "Ney gostou muito do disco, mais especificamente da faixa Pronome e quis nos conhecer." Alguns contatos depois e eles fizeram a proposta para Ney participar do CD. No show de hoje, vai cantar com a banda Mente, Pronome, Tanto Amar (Chico Buarque) e Poema (/Frejat).

Quando virou mania nacional em 1973, os Secos & Molhados trouxeram para a frente de batalha a ousadia do sex-appeal andrógino aliada a canções de cunho político, com poemas contundentes musicados por João Ricardo, peitando a ditadura militar como nenhum outro artista da música. Mais: criou o rock adulto com sotaque brasileiro.

Um tanto relegado ao niilismo da classe média hoje, o rock brasileiro encontra alento em trabalhos como o do Zabomba, que, naturalmente, tem os S &M como uma das fontes. "Cultuam-se muito as bandas que vêm de fora e se fala muito pouco das bandas brasileiras dos anos 80 que vieram abrindo esse matagal, continuando essa história do rock", diz Rapha.

"A gente valoriza Secos & Molhados, Mutantes, Titãs, Barão Vermelho, , Tim Maia, Roberto e , Marina, Tom Zé, Tom Jobim. Isso tudo mais Tom Waits, Police, Thelonious Monk e outros vêm embutido no nosso som. Costumamos dizer que somos uma banda de rock tropical cinzento, porque tocamos rock, vivemos nos trópicos e somos de São Paulo."

33 Evoluindo a cada trabalho - e vivendo só de música -, o Zabomba toca em questões de ordem existencial em Vivendo de Truque, muito em razão do natural amadurecimento, mas também em consequência da troca de baterista. É apenas rock'n'roll, mas com parafuso na cabeça.

O ESTADO DE S. PAULO - Festival privilegia o instrumental no Rio

LUCAS NOBILE

(20/10/2011) Exceções à parte, arranjar espaço para que músicos que despontaram no fim dos anos 1960 e deslancharam suas carreiras na década seguinte façam apresentações esporádicas já é tarefa das mais inglórias. Conseguir reunir vários deles em uma mesma programação soa quase como uma proeza. Pois é o que o Copa Fest faz de hoje até sábado, nos salões do Copacabana Palace. Em sua quarta edição, novamente privilegiando medalhões do instrumental brasileiro, o festival traz em seu line up nomes que dispensam apresentações. Na primeira noite, o evento - com ingressos quase esgotados - contará com um concerto desconcertante e que terá praticamente o único momento do festival com canto e versos. Na ocasião, o craque dos sopros Mauro Senise e o gigante do piano Gilson Peranzzetta convidam , lembrando o disco que ambos fizeram em homenagem a ele, em 2006. No repertório, temas antológicos do álbum, como Pra Dizer Adeus (verdadeira carta de despedida da vida de Torquato Neto), Vento Bravo (com Paulo César Pinheiro), Choro Bandido, Beatriz e A História de Lily Braun (com Chico Buarque), Ponteio (com Capinan), Canto Triste e Canção do Amanhecer (com ), No Cordão da Saideira e a joia instrumental Casa Forte (ambas só de Edu). "Edu é lenda. A música instrumental não tem exposição, mas tem perenidade, o que nos permite fazer um show de um disco que já tenha sido lançado há algum tempo", diz o curador Bernardo Vilhena. Seguindo firme na linha de apresentar um evento que reúna a nata do instrumental, o festival - que nas edições passadas contou com nomes como , João Donato, Marcos Valle, Dom Salvador, , Osmar Milito, Banda Mantiqueira, César Camargo Mariano e Chico Pinheiro - terá amanhã uma noite reservada ao baile. Relembrando os anos 1960 e 1970 e a expressão do meio musical que diz que determinado músico "tem baile", para se referir ao instrumentista que tem suingue, tempero e pegada, o salão do Copa receberá o Clube do Balanço, única atração de São Paulo neste ano no evento. Logo depois será a vez da execução de bolachas nas pick ups com o bem-sucedido Vinil É Arte, seguido da grande atração da noite, o tecladista e respeitado arranjador Lincoln Olivetti (que trabalhou com Tim Maia, Jorge Ben, , Gil, Caetano, Gal e Roberto Carlos) tocando temas de seu único e raro disco, Robson Jorge e Lincoln Olivetti, além de homenagear seu xará, o lendário instrumentista Ed Lincoln. A última noite terá um encerramento que promete ser histórico, com shows de outras duas sumidades em termos de composições instrumentais: Arthur Verocai e, logo depois, Airto Moreira, residente há anos nos Estados Unidos com sua mulher Flora Purim e que se apresentará com o grupo Eyedentity. "São shows que a gente raramente vê por aqui. O projeto é de música instrumental. E é uma pena que não haja a consciência de que, no Brasil, a música é o futebol das artes. O governo deveria ser mais agressivo aqui dentro se levasse em consideração tudo o que a nossa música faz pelo Brasil no exterior", diz Vilhena.

O ESTADO DE S. PAULO – Música Erudita:

Osesp estreia 1ª temporada criada sob nova direção artística e regência

Com Artur Nestrovski e Marin Alsop, agenda de 2012 ganhou tema 'Música em Tempos de Guerra e Paz'

João Luiz Sampaio - O Estado de S.Paulo

A Osesp anunciou na tarde desta quarta-feira, 19, a sua temporada 2012 - a primeira completamente feita sob os auspícios da nova direção artística, posto que Artur Nestrovski assumiu no ano passado, e já com a maestrina norte-americana Marin Alsop como regente titular. Serão 35 semanas de programação, ao longo das quais estarão espalhados 124 concertos, entre apresentações da

34 orquestra, dos seus grupos de câmara e recitais. Pela primeira vez, a agenda ganha um tema - Música em Tempos de Guerra e de Paz; a orquestra passa a ter um artista residente - o violoncelista Antonio Meneses; e incorpora à programação ciclos completos - as sinfonias de Brahms e Bernstein.

Ayrton Vignola/ AE "A presença de um tema é parte do esforço de fazer com que toda nossa atividade dialogue de maneira mais ampla e constante com a vida da cidade, do País, do mundo. Não se trata apenas do prazer do concerto, mas também de participar ativamente do debate cultural, para o qual a Osesp pode contribuir. É claro, trata-se de um tema aberto bastante para evitar uma rigidez na programação. E ele permite pontos de contato entre as nossas diversas séries: os concertos sinfônicos, corais, de câmara, os recitais", diz Nestrovski.

O diálogo entre as séries também se dá pela nova figura do artista residente. "É uma ideia bastante comum lá fora, mas é a primeira vez que se faz Marin Aslop, regente titular da orquestra, estará à frente aqui. Todo ano teremos um brasileiro ou de 11 programas estrangeiro que possa desenvolver trabalhos mais frequentes e significativos com a Osesp. O Meneses vai, além de tocar com a orquestra e estrear uma nova obra de Marco Padilha, dar um recital e fazer música de câmara com integrantes da orquestra." Outro ponto de contato é a manutenção da figura, instituída em 2011, do compositor transversal, que terá obras tocadas ao longo de toda a nova temporada: depois de Arvo Part é a vez do russo Alfred Schnittke. "Poucos viveram a questão da guerra e da paz na pele como ele, músico de primeira grandeza que merece ser mais bem conhecido."

Ainda no que diz respeito aos compositores, a Osesp escolheu o finlandês Magnus Lindberg como residente e, em parceria com a Filarmônica de Los Angeles e a Orquestra de Birmingham, vai estrear uma obra do compositor mexicano Enrico Chapela, um concerto para violoncelo elétrico. "Além da parceria com outros grupos, importante em si, estrear a obra de um autor mexicano é fundamental para que a Osesp assuma o papel da grande orquestra latino-americana", diz Nestrovski. Entre os brasileiros, o grupo fará estreia de Aylton Escobar, cujas obras serão gravadas pelo Coro da Osesp; Clarice Assad escreve a fantasia sobre o Hino Nacional; e o flerte dos últimos anos com o universo popular vira relacionamento, com a encomenda de um concerto para dois violões a Paulo Bellinatti, de uma peça para acordeão e cordas a Toninho Ferragutti e de um arranjo sinfônico de peças de Chico Buarque a seu maestro, Luiz Cláudio Ramos. "A Osesp tem de se abrir, não precisamos fechar portas. A riqueza da música popular brasileira é reconhecida lá fora, precisamos aceitá-la aqui dentro também", diz Nestrovski.

Além dos ciclos completos das sinfonias de Brahms e Bernstein, a Osesp fará "miniciclos" dedicados aos concertos para piano de Mozart (serão cinco) e às sinfonias de Shostakovich (da n.º 5 à n.º 8). Entre outros destaques da programação, estão as Quatro Últimas Canções, de Strauss (Anne Schwanewilms), A Canção da Terra, de Mahler (Celso Antunes), a Sinfonia Ameríndia (Isaac Karabtchevsky) e o Momoprecoce, de Villa-Lobos (Alsop e Nelson Freire). A nova titular, Marin Alsop, rege 11 programas - e, ao contrário do antecessor Yan Pascal Tortelier, agora regente de honra, parece ter se entregado à descoberta do repertório brasileiro e vai reger, além de Villa, Guarnieri e Francisco Mignone. Ainda entre os maestros, quatro estreantes (entre eles Carlo Rizzi) e muitos retornos, como Carlos Kalmar, Giancarlo Guerrero e Louis Langrée. Igual proporção entre os solistas: quatro estreias, com destaque para o pianista Andras Schiff num recital que inclui a Sonata opus 111 de Beethoven. Ainda não há previsão de tranmissões de concertos pela internet, prática iniciada em 2010.

O ESTADO DE S. PAULO – Sob a ótima de uma 'camaleoa'

LAURO LISBOA GARCIA - O Estado de S.Paulo

35 (21/10/2011) Quem conhece Mônica Feijó pela abordagem que fez do samba no álbum Sambasala (2005) pode estranhar o fato de ela não seguir a mesma trilha no novo CD, A Vista (independente), que tem show de lançamento hoje no Centro Cultural São Paulo.

Tida por alguns como "musa do movimento mangue beat", a cantora e compositora pernambucana é também atriz, bailarina e locutora - ela é a voz que se ouve em anúncios da Infraero em diversos aeroportos. Trabalhou com o grupo de hip-hop Faces do Subúrbio e se diz "meio camaleoa". Suas influências - reveladas no CD Aurora 5365 (2000) - vêm do soul, do jazz, do pop, da MPB e de "qualquer som purista que ponha uma transformação contemporânea". "Sou uma artista que gosta de cantar. Tudo."

A Vista tem mais a ver com Aurora, como ela mesma afirma. "Na verdade o Sambasala aconteceu na minha vida como um trabalho paralelo. Mariana de Moraes fez um show de sambas aqui em Recife para o qual fui convidada a participar. Quando acabou o show, me deu vontade fazer um registro de sambas na minha vida", lembra. "Foi aí que com o próprio Choro Brasil, que nos acompanhava no show, criei um inventário do samba pernambucano já que era o meu horizonte no momento. E não queria também só gravar clássicos e virar lugar comum."

Além de algumas composições autorais com vários parceiros - entre eles Areia, que produziu o CD e divide a direção musical do trabalho com ela - Mônica reinterpreta Água, de Kassin, Não Deixe o Samba Morrer (Edson/Aloísio), um raro Tim Maia em inglês (Cross to My Heart), um tema do musical Hair (Easy to Be Hard, do grupo Three Dog Night) e Mundo Colorido, de Vanusa.

Acompanhada de André Alencar (baixo), Rodrigo Souza (guitarra), Guga Fonseca (teclados), Charles (bateria) e Claudia Beija (vocais), no show, além de Vanusa, ela homenageia Wanderléa, cantando Pare o Casamento. "Sempre tive vontade de registrar algo das duas e Mundo Colorido, mesmo com uma letra datada, acho que tem força para os nossos tempos."

Para quem espera ouvir Não Deixe o Samba Morrer nos moldes de Alcione, a versão dela, pop eletrônica, causa estranhamento, mas é essa a ideia. "Sou fã da Alcione e dessa música cantada por ela. Como todas as regravações foram feitas em samba, testamos outras sonoridades pra ela, e fiquei muito feliz com o resultado", diz. "A música é forte, é linda. Tem peso na minha vida. Cantei com a minha mãe, Lícia Porto, várias vezes. Mulher de linda voz. Sou neta de português e cantei fados com ela com dez anos de idade. Foi uma homenagem a ela."

Um dos achados de A Vista, marcado pela diversidade, é a faixa de abertura, A Flor Cabaninha (Tom Rocha), balada romântica midtempo, meio brega, meio rock. Outra é o frevo pop estilizado A Melodia de Fevereiro (dela e Areia). Mônica também realizou a melhor gravação da bela Água, de Kassin, que já foi cantada pelo autor, por e mais recentemente por Thaís Gulin. Esta, a música de Tim Maia (1942-1998) e a de Edson e Aloísio foram sugestões de Nelson Motta.

A verve de atriz que tem o teatro como "segunda casa" faz com que Mônica trabalhe seus discos "como um novo personagem a descobrir, a lapidar, a pesquisar, a conhecer". O título A Vista alude ao que ela enxerga agora: "Um universo musical repleto de possibilidades que se renovam e se movem. Traz uma felicidade pelo momento compositora com as parcerias com os amigos".

O GLOBO - Bienal termina com duas obras-primas

Missa de Almeida Prado foi ponto culminante na noite de encerramento

‘Bienal de Música’ - Teatro João Caetano

Luiz Paulo Horta

(21/10/2011) Com uma grande noite de música, terminou anteontem, no Teatro João Caetano, a Bienal de Música Brasileira Contemporânea, patrocinada pela Funarte.

No final do concerto, o clima era de festa, com a presença maciça do meio musical. Esta foi, de fato, uma Bienal mais bem pensada e executada do que algumas de suas antecessoras. Não só pela boa direção geral de Flavio Silva, mas também porque havia recursos financeiros que permitiram, por

36 exemplo, a encomenda de obras a compositores consagrados. Assim se conseguiu um bom equilíbrio entre a música dos mais jovens e a dos que já vão longe na estrada.

Também os intérpretes puderam trabalhar em melhores condições; e na terça-feira, o compositor Ricardo Tacuchian chamava a atenção para a boa qualidade das performances — culminando com a da Cia. Bachiana Brasileira.

A esta cabia o desafio da primeira audição carioca da grande obra que é a “Missa de são Nicolau”, de Almeida Prado. Mas antes disso houve uma primeira audição mun dial: a de “Paná-Paná III”, do mesmo Almeida Prado, com o detalhe de ser esta a última obra do compositor paulista que faleceu neste ano, aos 68 anos de idade.

Almeida Prado dedicou a obra ao musicólogo Manoel Correa do Lago, a quem explicou, por carta, o seu significado: “As borboletas foram a razão da minha inspiração.

O processo do ovo, lagarta, pulpa, e a transformação em radiantes cores e formas cromáticas”. Parece “música de programa”, ao velho estilo dos românticos. Mas isso, em Almeida Prado, era absolutamente natural.

Foi com as “Cartas Celestes” que ele firmou definitivamente seu nome no nosso panorama musical; e o que esta notável coleção de obras revela é o deslumbramento pelos céus do Brasil, descrito numa fantástica linguagem pianística que tinha o jeito e a cor das estrelas.

Nesse “Paná-Paná III”, o compositor, que já tinha problemas de visão e escrevia a partitura com notas enormes, lança-se a novos desafios. Mas isto foi o que ele fez a vida inteira, movido pela sua inspiração e pela influência de mestres como Olivier Messiaen.

Temos aqui, , um Almeida Prado “pictórico”, que trabalha os timbres com a delicadeza de um Stockhausen em algumas de suas obras de câmara. Mas também se poderia falar em Villa- Lobos, que, no “Sexteto Místico”, adotou um grupo igualmente original de timbres.

Almeida Prado, aqui, trabalha com um octeto instrumental; e quem dá a partida é o acordeon. Ele adverte: “O acordeom é muito rico, e se mistura bem com outras texturas. Ma usei-o somente como melodia, e não acompanhamento harmônico, para não cair no caricato sertanejo, no country”.

Acordeom e violino começam dialogando, na maior sutileza.

Depois vão entrando os “outros” — marimba, quarteto de cordas, piano —, numa estonteante riqueza de cores. Até que um movimento fugato vem trazer ordem a esse delicioso caos.

O sopro de Villa-Lobos

Muito mais séria é a “Missa de São Nicolau”, imensa obraprima dos anos 1980 (por que só agora ela nos é apresentada?).

Almeida Prado dá vazão, aqui, à sua religiosidade, que era sincera. Obra impressionante, na linha de um Penderecki, que tanto pode repousar sobre a solene dicção do latim como lançar-se às mais intrincadas técnicas de composição (sobretudo no que diz respeito à métrica). Podia-se dizer dessa obra o que disse Florent Schmitt da estreia parisiense de Villa-Lobos: “Um grande sopro passou!”.

Versão competente, com ótimos solistas, sob a direção de Ricardo Rocha.

O ESTADO DE S. PAULO - Pré-história do Rock Nacional Bonequinha de Luxo

Enfim, Celly Campello, a 1ª popstar do País, tem seus álbuns lançados em CD

EDMUNDO LEITE

(22/10/2011) Um rapaz bonito foi o responsável pela explosão do rock no Brasil. Desconfortável em cantar com um tom não adequado ao seu timbre, além de ainda ter de exaltar - mesmo em outra

37 língua - a beleza de alguém do mesmo sexo, um topetudo do Interior de São Paulo sugeriu aos seus produtores que a irmã caçula cantasse Handsome Boy (Belo Rapaz), programada como uma das faixas daquele que seria a sua estreia fonográfica. Sugestão aceita, o jovem cantor retornou de ônibus à sua Taubaté para ensaiar a debutante durante o fim de semana para a gravação que aconteceria na segunda-feira na capital. Afinada até para chorar, segundo dizia-se na família, a menina de 16 anos tirou de letra a missão e encantou a todos no estúdio com a sua voz e graciosidade. Entrando de última hora no 78 rotações do irmão, começava a meteórica trajetória da primeira rock star brasileira. As várias canções gravadas por Celly Campelo no curto período que começa naquele 1958 e se estende até o início de 1962 chega às lojas pela primeira vez na era digital. Remasterizados pelo selo Discobertas, especializado em resgatar raridades de acervos das gravadoras, os seis LPs da cantora estão sendo relançados na caixa Estúpido Cupido (R$ 112,00), com capas e contracapas originais, além de faixas bônus e textos especialmente escritos pelo músico e pesquisador do rock brasileiro Albert Pavão.

Na noite em que Celly entrou no estúdio pela primeira vez, ainda não havia Rita Lee, perfeita tradução apenas de uma pirralha atazanando a família. O moleque Raulzito só fazia matar aulas no colégio em Salvador enquanto sonhava em ser Elvis Presley. Na mítica Tijuca carioca, os rapazinhos Roberto, Erasmo e Tião ainda engatinhavam em busca de uma carreira artística. Wanderlea era só uma garotinha. Um ano depois, quando Estúpido Cupido estourou e tomou conta do País, a folhinha do calendário apontava que a década ainda era a de 50, mas o balanço das horas parecia mais rápido. Todos os citados acima estavam mais ou menos na mesma situação de antes. Mas agora podiam curtir e dançar músicas do ritmo que tanto gostavam cantadas em português. Mais que um ídolo para venerar, tinham agora um rumo a seguir.

Não que ninguém tivesse cantado rock profissionalmente no Brasil antes. Desde que a trintona dama do samba-canção Nora Ney gravou um cover de Rock Around the Clock, em 1956, as filiais brasileiras das gravadoras tentavam emplacar algum artista nacional cantando o novo ritmo que incendiava moços e moças americanos. O jovem crooner Cauby Peixoto era um estranho no ninho do rock, mas em 1957 encarou o desafio de gravar a pioneira Rock and Roll em Copacabana. Nesse mesmo ano, Betinho aparecia nas telas de cinema cantando Enrolando Rock num filme de .

Ainda que bem distante da imagem de rebeldia grudada ao estilo musical desde o vandalismo dos cinemas nas exibições de Sementes da Violência (1955), Celly Campelo faria mais pelo rock nacional com sua doçura e jovialidade que muito cabeludo feio, sujo e malvado.

Sempre orientada e pageada pelo irmão cantor e rocker de primeira hora Tony Campello, a menina prodígio vinda de Taubaté gravaria versões em português dos melhores rocks açucarados já feitos em inglês. Era impossível resistir. E até os mais sisudos dos críticos se rendiam ao seu charme e, sobretudo, talento.

Os executivos da Odeon ainda não tinham ideia do ouro que tinham em mãos quando foram para Taubaté, dias depois da primeira gravação, assinar um contrato de uma ano e três disquinhos 78 rpm com Célia e Sérgio, nomes reais do casal de irmãos que viveria uma vida de estrela de Hollywood pelos próximos quatro anos.

O relativo sucesso das primeiras canções agradou, mas nada que animasse uma renovação mais duradoura. Foi quando Tony recebeu a dica de um amigo sobre uma canção que ouvira na leva de

38 discos do catálogo estrangeiro que chegava para as gravadoras. Assim que ouviu a música de Neil Sedaka e Howard Greenfiel sobre uma mocinha brava com o anjo do amor, Tony correu para procurar Fred Jorge, versionista de primeira que assistira in loco às transformações de comportamento provocadas pelo rock nos Estados Unidos. Mestre na arte da palavra escrita e capaz de escrever qualquer coisa que lhe pedissem, Fred não precisou de mais que 15 minutos para rabiscar na frente de Tony uma tradução que fizesse sentido em português falado nas ruas e que coubesse nas notas da música. E caprichou. Os versos "Oh Cupido vê se deixa em paz, meu coração que já não pode amar..." cantados por Celly ficariam para sempre na memória musical brasileira.

O sucesso estrondoso, que ainda teria hits como Lacinho Cor de Rosa e Banho de Lua, fez de Celly uma pop star requisitada para apresentações em todo o país. Junto de Tony, teria um programa próprio na Record e estrelaria campanhas publicitárias, com direito até a uma boneca com seu nome. Mas havia um belo rapaz que desde o colégio fazia a sua cabeça. E Celly largou tudo para se casar com ele.

CORREIO BRAZILIENSE - Delicada intimidade

Em seu 10º álbum, Lenine grava inéditas com sons do cotidiano, desde o canto de pássaros e cigarras até as batidas do coração

Lenine vai logo avisando: “A culpa é do Frederico”. Sim, ele mesmo, o canário belga da sogra, batizado pomposamente de Frederico VI. Pois o pássaro resolveu cantar justamente na hora em que Lenine ia gravar Amar é pra quem ama, parceria dele e Ivan Santos. “Rapaz, ele estava ali no tom, e era tão bonitinho…”, comenta o compositor, sobre o som que vazava no estúdio e que o filho Bruno Giorgi (um dos produtores do disco) resolveu registrar também. Foi “sob o impacto desse solo maravilhoso do Frederico” — captado em volume baixinho e na íntegra — que nasceu Chão, o 10º álbum da carreira (já nas lojas), com 10 faixas inéditas.

Parece só um detalhe, mas o “solo” do canário diz muito do disco, gravado entre março e agosto deste ano. “Não teve edição, o que você ouve ali foi como ele cantou”, ressalta Lenine. Assim como o pio do pássaro, Chão traz uma série de sons familiares: as cigarras (parece Brasília, mas é a Urca, o bairro carioca onde ele mora, em Malvadeza, um “aboio passional”), os passos no chão de brita (num “arranjo” da Lenine define o novo álbum como "eletrônico, orgânico e artista Sofia Caesar para a faixa-título), a máquina de lavar (em Seres concreto" estranhos, outra dele com Ivan Santos), a chaleira no fogão (feito vento em Uma canção e só); o metrônomo e a máquina de escrever (em De onde vem a canção), a motosserra (em Envergo, mas não me quebro, parceria com Carlos Rennó que era autobiográfica até ganhar discurso planetário, com a derrubada das árvores).

“Frederico abriu a janela para os sons do cotidiano”, observa o cantor. “Esse tipo de ‘ruidagem’ sempre esteve presente nos meus discos, mas como elemento sonoro, que eu pegava, processava, editava e transformava em outra coisa. O diferencial é que, desta vez, esses sons não foram processados, não foram editados. Em Chão, os elementos orgânicos foram executados. Os passos foram pisados, o passarinho realmente cantou.”

Esse “relevo sonoro” diferente do habitual veio da ausência da bateria. No novo disco, que ele define como “eletrônico, orgânico e concreto”, não há nem uma música sequer gravada com bateria. O que pontua a segunda faixa, Se não for amor, eu cegue (mais uma bela dobradinha de Lenine e Lula Queiroga, parceiro desde o primeiro disco, de 1983), por exemplo, é o coração de Bruno. Pois é, o segundo dos três filhos do cantor não apenas dividiu a produção do CD com o pai e o guitarrista JR Tolstoi, como tocou baixo em quase todas as faixas, cuidou dos instrumentos inusitados (da chaleira à motosserra), mixou e ainda entrou (literalmente) com a batida do coração.

O conceito

39 Lenine conta que, embora estivesse pensando no CD de inéditas há um bom tempo, ele só surgiu de fato quando o título apareceu. “Só fui compor, mesmo, depois que achei o nome do disco, coisa de uns sete meses atrás”, afirma. “Sou apaixonado por esse monossílabo nasal, essa onomatopeia que carrega o ato de andar, ‘chão’, ‘chão’... Então, primeiro, foi a paixão vernacular. Depois vi que, entre os muitos significados que a palavra ‘chão’ tem, um me é muito querido: é tudo que sustenta. E por mais piegas que isso possa parecer, é o núcleo familiar o meu sustento.”

Não por acaso, a capa do disco traz uma foto de álbum de família. Na imagem, Tom, neto de Lenine (filho de João, o primogênito, cantor do grupo Casuarina), dorme no peito do avô. “Aquilo não foi produzido não, eu e Tom estávamos dormindo de verdade”, reforça o compositor. “Ali, na foto, sirvo de chão para o meu neto. E ele ali, sem saber o chão que é pra mim.”

Todas as composições do CD são recentes. E nada é da linha que ele chama de “psicofonada”, aquelas canções que parecem vir prontinhas, letra e música. “Essas foram mais na labuta. Nenhuma chegou para mim de graça”, ri o pernambucano, que escreveu mais de 20 para chegar às 10 que entraram no álbum. E a única que ficou sem os sons do cotidiano, digamos assim, foi Tudo que me falta, nada que me sobra. “É porque foi feita pelo bate-papo do Facebook”, ele justifica. Escrita com Lucky Luciano naquela caixinha da rede, como um pingue-pongue virtual, a faixa foi gravada “apenas” com violão, bandolim e baixo — sem um pio de Frederico VI.

FOLHA DE S. PAULO – Olivetti volta aos palcos com nova geração

Excêntrico e avesso a entrevistas, produtor tocou no CopaFest, ao lado de Donatinho, Davi Moraes e Kassin

Tecladista, que já foi acusado pela crítica de ter "pasteurizado" a MPB, vai lançar composições inéditas

CARLOS CALADO, ENVIADO ESPECIAL AO RIO

(24/10/2011) Muitos não o conhecem, mas já ouviram seus arranjos para trilhas de novelas de grande sucesso na TV, como "Baila Comigo" (1981) e "Dancin' Days" (1978). Lincoln Olivetti traz no rosto as marcas dos altos e baixos da fama. A barba e os cabelos totalmente brancos soam incompatíveis com seus 57 anos. A imagem de excêntrico, que já vem dos anos 1980, não é gratuita. Seu estúdio de gravação, na casa onde vive, no alto de um morro na estrada do Joá, no Rio, é sombrio como uma caverna. Olivetti falou à Folha, na noite da última quinta-feira, minutos depois de acordar, porque costuma trabalhar só depois que o sol se põe. "O fato de eu não dar entrevistas, como se esnobasse a imprensa, criou essa antipatia, mas eu não ligava para isso. Na verdade, liguei o foda-se. Tinha trabalho demais", diz ele. Assim Olivetti explica a razão de não responder aos críticos que o acusavam de ter "pasteurizado" a MPB, com arranjos que criou para sucessos de , Emilio Santiago e Rita Lee, entre muitos outros artistas.

CRÍTICAS "No começo, até gostei. Achei que as críticas funcionaram de maneira positiva, porque passaram a falar mais de mim. Não esquento com o passado", disse o tecladista, que na última sexta voltou aos palcos na quarta edição do CopaFest, onde reviveu os bailes de subúrbio que fazia desde a adolescência. Hoje ele se defende: "Me acusaram de pasteurizar a música brasileira, mas eu fazia o contrário disso. Para mim, cada arranjo tem que ser diferente do outro". "Quando o [produtor] Mazzola me pediu um arranjo para a , na linha de 'Festa do Interior' (sucesso de Gal Costa), fiz o arranjo de 'Banho de Cheiro', que é totalmente diferente. Sempre busquei derrubar as expectativas dos produtores, mas são eles que dão a forma final a uma gravação".

40 MÚSICAS INÉDITAS Trinta anos após seu cultuado álbum com o guitarrista Robson Jorge (1954-1993), que reuniu hits televisivos da dupla, Olivetti revela que vai lançar novidades em breve. "Posso até incluir novos arranjos para algumas músicas que deram certo, mas quero mostrar composições inéditas, principalmente. Talvez eu as lance só na internet." Sobre sua produção mais recente, Olivetti não esconde o orgulho por trabalhar já há alguns anos com Alê Siqueira e Kassin, criativos produtores da nova geração. "Me sinto bem com eles porque são futuristas como eu." / O jornalista CARLOS CALADO viajou a convite da produção do CopaFest.

O ESTADO DE S. PAULO - Sr. Percussão

LUCAS NOBILE / RIO - O Estado de S.Paulo

(24/10/2011) Entre a grand finesse de fachada na beira da piscina do Copacabana Palace, ele caminha com simplicidade e a passos lentos, por sentir dores nos joelhos. No meio do trajeto até o restaurante do hotel, atende ao pedido de uma moça da assessoria do Copa Fest - festival em que ele tocou na madrugada de ontem - para tirar uma foto com ela e brinca: "A gente ainda vai ficar famoso".

Com 70 anos recém-completados, Airto Moreira pode não ser conhecido nas ruas, mas no meio musical é um dos nomes mais respeitados do mundo. Morando nos Estados Unidos há quase 45 anos, ele, que dá as caras no Brasil esporadicamente, veio ao País para o encerramento da quarta edição do festival.

Na bagagem, a lista de fenômenos com quem o percussionista, baterista, compositor e cantor já tocou é maior do que a ficha corrida de Osama bin Laden e Muamar Kadafi juntos. Entre os brasileiros, Tom Jobim, , Hermeto Pascoal, Edu Lobo, , César Camargo Mariano, Eumir Deodato e Moacir Santos. Com os estrangeiros, Miles Davis, Ron Carter, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Cannonball Adderley, Paul Desmond e Chick Corea.

Hoje, Airto Moreira se entusiasma muito mais nos palcos que nos estúdios e não desiste de seguir na estrada, mesmo que ela seja traçada mais entre Estados Unidos e Europa. Seu último trabalho autoral se deu em 2003, com Life After That. Há dois anos, voltou a gravar em um álbum do pianista Chick Corea.

As vindas ao Brasil são mais raras. A saudade do País começou a aflorar no fim dos anos 60. "Eu nunca quis morar fora do Brasil, lá nos Estados Unidos ou na Europa. Em 1967, eu tinha um plano. Ele está feito até hoje, mas ainda não aconteceu (risos)", brinca Airto.

O plano era o seguinte: já estava junto, mas não casado com Flora Purim (também musicista e sua esposa até hoje), e ela partiu para Los Angeles e insistia para que Airto fosse para lá. A ideia era chegar à Califórnia, passar três semanas e "resgatar" Flora para o Brasil. Airto não voltou mais. Encarou a dificuldade de não falar o idioma e passou dois anos fazendo trabalhos pequenos. Sua mulher havia ido para Nova York a convite de Sivuca e o percussionista seguiu para lá logo depois. "As coisas começaram a acontecer. Fiquei conhecido em 1970, quando comecei a tocar com o Miles (Davis)."

Antes disso, ainda no Brasil, ele havia integrado conjuntos históricos, como o Sambalanço Trio, o Sambrasa Trio e o Quarteto Novo. Em 1966, conquistou o primeiro Festival Nacional de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior, dividindo com a cantora Tuca a interpretação de Porta Estandarte, de Geraldo Vandré e Fernando Lona. "Foi a maior decepção que já tive na música. Eles distribuíam as composições para intérpretes se inscreverem no festival. A Flora gostou daquela e decidi cantar com a Tuca. Na noite da apresentação, o Vandré veio me dizer que era pra outra pessoa gravar. Aquilo me magoou muito."

A outra grande decepção ocorreu no exterior. Foram Airto e Flora, com o auxílio de Herbie Hancock e Wayne Shorter, que batalharam para que Hermeto Pascoal pudesse receber seus direitos por Igrejinha e Nem Um Talvez, surrupiados por Miles. "Quando a CBS foi obrigada a incluir o nome do

41 Hermeto como compositor, o Miles me ligou furioso e disse: 'Brazilian, você conseguiu'. Bateu o telefone na minha cara", diz Airto.

Sentimentos naturais. No Copa Fest, misturando-se com músicos mais jovens, Airto ainda dá provas, aos 70 anos, de que o aprendizado não cessa nunca.

Em termos de ensinamentos, um dos maiores, e que ele carrega até hoje, ocorreu em 1973, na gravação do disco Matita Perê, de Tom Jobim. "Na parte em que o Jobim fala dos pássaros, eu tinha um monte de apitos que imitavam os pios e comecei a tocar. Ele interrompeu a gravação e disse: 'Airto, No Disneyland', achando aquilo excessivo. Eu não sabia aonde enfiava minha cara, mas aquilo me ensinou muito", diz o percussionista.

Tanto no Brasil quanto nos EUA, onde ele gravou discos antológicos como Natural Feelings, Airto conseguiu ocupar um lugar só seu: o de não se limitar a ser um percussionista excepcional, mas o de ser também compositor de mão cheia em temas como Xibaba e Misturada, transitando entre as influências do jazz americano e dos ritmos brasileiros com divisões de compassos invocadas.

Não à toa, ele foi descoberto há alguns anos por DJs como os alemães Bellini Brothers, que samplearam sua Tombo em 7/4. "Eu torcia o nariz para a internet e os DJs, mas chegando num acordo sobre os direitos das músicas, não vejo problema em liberar."

CORREIO BRAZILIENSE - Depois do silêncio

Maíra de Deus Brito

(25/10/2011) Rio de Janeiro — Depois de dois anos longe dos palcos, O Rappa voltou. A turnê Valeu a pena — referência à música Pescador de ilusões — deu o ponta pé da itinerância, na Marina da Glória, e fez jus às duas apresentações no último fim de semana. O retorno, previsto para o sábado, foi adiantado para sexta-feira, tamanha procura dos fãs que lotaram a orla carioca. “É muito importante estar aqui, na nossa cidade, celebrando esse momento com vocês, o nosso maior legado”, agradeceu Falcão ao público estimado em 12 mil pessoas (em cada dia), segundo a organização do evento.

Com o mesmo gás dos tempos de o Silêncio que precede o esporro — álbum lançado em 2003 e ganhador do Disco de Ouro (mais de 50 mil cópias vendidas), o grupo tocou músicas do último trabalho Rappa — Ao vivo (2010), gravado na favela da Rocinha, e os hits Mar de gente, O que sobrou do céu, Homem amarelo e Lado B lado A. O produtor Liminha fez uma participação especial na guitarra de Hey Joe, e Pescador de ilusões ganhou uma versão acústica, em um dos momentos mais emocionantes do show. “Na verdade, nestes anos todos, a gente não soube o que era não estarmos juntos. E a nossa proximidade foi fundamental para o retorno. O Rappa é maior que todos nós. Só no olhar a gente sabe quando uma música começa ou quando ela termina”, disse Falcão.

Passavam das 4h do sábado e, com quase três horas de show, O Rappa se despedia com a Minha alma incendiando a madrugada. Depois do Rio de Janeiro, a banda passará por São Paulo, Belo Horizonte, algumas capitais do Nordeste e do Sul do país, para enfim, em 3 de dezembro, chegar em Brasília. E a capital pode esperar. Eles voltaram com tudo.

Longa trajetória “Foi uma pausa necessária. Dizem que o mais importante da música é a pausa, o silêncio. E a gente que vive num mundo de barulhos, de aparelhos buzinando, de internet, oferecendo várias coisas que a gente não sabe aproveitar. Por isso, a nossa preocupação sempre foi viver bem de música, de ter a sabedoria de não saturar”, comenta o tecladista Marcelo Lobato, sobre a importância dos intervalos entre os álbuns lançados (em 18 anos de estrada foram nove CDs).

E tempo parece ser a fórmula do O Rappa. A nova turnê, que viaja pelo Brasil até janeiro, será como um laboratório para o próximo disco Voltamos para fazer o mundo acabar, previsto para o fim de 2012. “Foram 18 anos tocando juntos e, amadurecemos tanto, que tínhamos que registrar aquela sonoridade em um DVD. Mas, depois daquele momento, a distância também foi importante para vivenciar outras coisas: ler livros, ouvir discos, fazer pesquisas ligadas à música para contribuir para o próprio grupo”, completa o baixista Lauro.

42 O GLOBO - Flores depois da vida

Em seu centenário, é reverenciado em shows, CDs e livro

Luiz Fernando Vianna

(25/10/2011) As flores em vida que ele, em parceria com Guilherme de Brito, p e d i u n o s a m b a “Quando eu me chamar saudade” foram dadas — ainda que sempre haja quem diga que o reconhecimento não foi à altura. “Depois da vida", para citar uma de suas tantas músicas que falam de morte, as flores continuam a ser depositadas. Começa hoje uma série de homenagens a Nelson Cavaquinho em função de seu centenário, que se completa no próximo sábado.

A primeira é um debate hoje, às 20h, no Instituto Moreira Salles, com Sérgio Cabral, João Pimentel e José Novaes (autor de “Nelson Cavaquinho: luto e melancolia na MPB”) mediados por Rosa Maria de Araújo.

— Vou manifestar um profundo remorso por uma maldade que cometi: arrumei um emprego para ele no “Jornal do Brasil” — adianta Sérgio Cabral. — Ele entregava o jornal do dia para os funcionários. Eu nunca o vi tão triste quanto naqueles dois ou três dias atrás do balcão. Depois, sumiu. Abandono de emprego.

A história reforça uma das características que Nelson Antônio da Silva manteve até a morte, em 18 de fevereiro de 1986: seu amor pelas ruas, pela boemia, pelas margens da vida, de onde extraía a matéria-prima de sua música.

— Nelson era um clochard brasileiro — resume Elton Medeiros, citando a palavra francesa para tipos como o Carlitos de Charlie Chaplin.

Amigo por três décadas, seu colega nas noites do Zicartola (1963 a 65) e no disco “Quatro grandes do samba” (1977), Elton participará na sexta-feira, às 18h30m, de um show da Velha Guarda da Mangueira em homenagem ao compositor, abrindo a série Som em 4 Tempos da Sala Funarte Sidney Miller.

— Eu o conheci depois de ele ser expulso da polícia (por atitudes como jogar baralho e beber fardado). Fazia parte do regional da zona do Mangue, com e outros, e eu ia vê-lo tocar. Ele gostava de cantar em rendez-vous, com aquele cheiro de álcool, todos os tipos de álcool.

Intimidade com Deus

Os serões nos botequins mais vagabundos não o impediam de ser altamente religioso, ainda que não gostasse de entrar em igreja. Rezava antes de comer e enquanto bebia, mesmo no meio de uma quadra de escola de samba “com uma cuíca roncando sobre sua cabeça”, como lembra Elton.

— Ele tinha muita intimidade com Deus. Falava de Deus como de um amigo — lembra Carlinhos Vergueiro, que produziu o disco “Flores em vida” (1985), em que vários cantores interpretavam Nelson, e lança em novembro um CD todo dedicado à obra do sambista, com participações de Chico Buarque, Wilson das Neves, Cristina Buarque e Marcelinho Moreira.

É uma obra em que opostos se atraem: flor e espinho, festa e pranto, mocidade e cabelos brancos. Nada em Nelson é moderado, dos porres às paixões, da obsessão pela morte à compulsão pela vida.

— Ele falava da morte para falar da vida. Não queria morrer, não era um suicida. Gostava muito de viver — ressalta Carlinhos.

43 Por obra do acaso, o cantor redescobriu, para seu disco, um samba em parceria com Guilherme de Brito que só tivera uma esquecida gravação — de Ari Cordovil, em 1957 — e que também interpreta no CD que sairá em novembro. “Palavras malditas” é um Nelson típico: “Eu não perdoo a tua ingratidão/ No nosso coração/ Nem tudo é como se deseja/ Eu não errava quando te dizia/ A mão que acaricia é a mesma que apedreja”.

— Nelson é o meu xodó maior. Passou até Natal na minha casa. Ele me deu “Folhas secas”, e eu passei a gravar sempre as novas. Era até um incentivo para ele continuar compondo — lembra Beth.

Foi a cantora quem apresentou Moacyr Luz ao compositor, numa noite de 1984. Ao produzir dois CDs de Guilherme de Brito, ele se aproximou mais da obra, que interpretará na quinta-feira, no Instituto Moreira Salles, ao lado de Gabriel da Muda, e no sábado, no Espaço Cultural dos Correios, em projeto que também terá Claudia Telles na quinta e Jards Macalé na sexta.

— Passei a estudar as harmonias surpreendentes dele e, muito modestamente, seguir o mesmo caminho — diz Moacyr.

O conjunto Galo Preto acompan h o u N e l s o n Sargento e Soraya Ravenle no CD “O dono das calçadas” em 2001, quando dos 90 anos de Nelson Cavaquinho. Afonso Machado, bandolinista e responsável pela maior parte dos arranjos do grupo, pretendia ter publicado naquela época sua pesquisa sobre o autor de “A flor e o espinho”. Como não houve dinheiro, ficou para o centenário a homenagem, que será lançada pela ND Comunicação na quinta-feira, a partir das 19h, no Museu da República. O Galo Preto também lança um CD tocando a obra do compositor. — Não tem a pretensão de ser uma biografia. É um painel da vida dele com histórias que muitas pessoas me contaram — diz Afonso.

Como as entrevistas são daquele momento (1999 a 2001), há depoimentos de Guilherme de Brito, Jair do Cavaquinho e João Nogueira, que morreram pouco tempo depois. O músico dividiu o livro em pequenos capítulos, registrando histórias famosos, como a do sonho que Nelson teve de que morreria às 3h da manhã, o que o levou a atrasar o relógio para impedir que a hora chegasse logo.

Ou aspectos menos conhecidos, como sua relação com o instrumento que lhe deu sobrenome artístico. Nelson tocou muito cavaquinho, compôs choros com ele — quase todos perdidos, sendo que Afonso localizou “Nair” na Biblioteca Nacional —, mas depois tornou-se exclusivo do violão, criando o estilo de tocar apenas com dois dedos da mão direita, o polegar para os bordões, o indicador para as primas. Em novembro, as homenagens continuam no Festival Villa-Lobos: Zé Renato e Leandro Braga farão um show no dia 26, no Espaço Tom Jobim. E o filme de Leon Hirszman sobre ele será exibido no dia 15, no Instituto de Educação de Surdos.

O ESTADO DE S. PAULO - O Garrincha do samba

Em seu centenário, Nelson Cavaquinho ganha livro, discos e shows

LUCAS NOBILE

(26/10/2011) Até o fim de sua vida, no dia 18 de fevereiro de 1986, Nelson Cavaquinho, cujo centenário de nascimento é comemorado nesta sexta, lembrava-se com carinho de Sérgio Porto. Foi o jornalista que, nos momentos de dificuldades financeiras do sambista, quando teve até de vender a autoria de alguns de seus temas, quem ajudou o compositor mangueirense a comprar, por exemplo, os móveis de sua casa.

Figura de extrema simplicidade, mesmo nos tempos mais prósperos, estourando com suas composições - principalmente nas vozes de grandes intérpretes, como Elis Regina, Beth Carvalho e Clara Nunes -, Nelson saía das noites de sucesso no Teatro Opinião, no Rio, com os bolsos forrados

44 do cachê. Virava as madrugadas nos botequins e não negava um prato de comida ou uma birita a quem quer que fosse, voltando para casa sem um tostão. Daí a alcunha de São Francisco do Samba.

Entre tantos apelidos recebidos por Nelson, talvez o mais coerente tenha sido o dado por Carlinhos Vergueiro, que batizou o amigo de Garrincha do Samba. O compositor, violonista e cantor é o responsável por uma da série de justas homenagens que serão prestadas aos 100 anos de Nelson, com o disco Carlinhos Vergueiro Interpreta Nelson Cavaquinho, que deve ser lançado esta semana. "Ele e o Garrincha eram dois gênios bem loucos, puros. Depois, eu ainda fui descobrir que os dois nasceram no mesmo dia (em anos diferentes: Nelson é de 1911; Garrincha, de 1933). Acho que é uma comparação cirúrgica", conta Carlinhos.

Poucas pessoas entendem tanto do assunto quanto ele, que desfrutou do convívio estreito com Nelson. Em 1984, produziu o álbum Flores em Vida, reunindo diversos intérpretes para cantarem os temas do compositor de Mangueira, pelo selo Eldorado. No ano seguinte, participou do documentário Nelson de Copo e Alma, dirigido pelo cineasta Ruy Solberg.

No disco novo, Carlinhos reuniu gente que teve ligação com Nelson, convidando, por exemplo, o amigo Chico Buarque para cantar Nome Sagrado. Cristina Buarque, que também havia produzido o LP de 1984, interpreta Beija-Flor. Além de Wilson das Neves, com Folhas Secas, e Marcelinho Moreira, com Pranto de Poeta. O disco vai para os palcos em novembro, com shows em Curitiba e em São Paulo (dia 22, no Tom Jazz).

Os tributos ao centenário de Nelson não se resumem a este trabalho. Ainda ontem, no auditório do Instituto Moreira Salles, no Rio, haveria uma mesa-redonda com a presença do jornalista e escritor Sérgio Cabral, de José Novaes, autor do livro Nelson Cavaquinho: Luto e Melancolia na MPB, e do jornalista João Pimentel, com mediação da presidente do Museu da Imagem e do Som, do Rio, Rosa Araújo. O mesmo IMS recebe amanhã, às 20 horas, show com Moacyr Luz e Gabriel Cavalcante em homenagem ao sambista.

Em São Paulo, os tributos ao compositor estão marcados para o próximo mês. Do dia 3 ao 6 de novembro, o Centro Cultural São Paulo terá o espetáculo Uma Flor para Nelson, com apresentações de nomes como Benito de Paula e Marcos Sacramento (3), Angela Ro Ro e Cida Moreira (4), Zezé Motta e Filipe Catto (5) e Teresa Cristina, Graça Braga e Verônica Ferriani (6).

Ainda em novembro, de 25 a 27, o Sesc Pompeia recebe o show Feliz Daquele Que Sabe Sofrer, lembrando o centenário de Nelson e outro gigante do samba, Assis Valente. No palco, interpretações de Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé e Renato Braz.

A simples categoria do poeta

Presidente Dilma deve participar de tributo ao compositor no próximo mês

Outra homenagem justa a Nelson Antônio da Silva, o popular Nelson Cavaquinho, ocorre amanhã, também no Rio, às 19 horas, no Museu da República, em cerimônia que contará com a presença de Nelson Luiz da Silva, único filho vivo do sambista, Dona Nena, viúva de Guilherme de Brito, parceiro mais constante de Nelson, Beth Carvalho, Paulo César Pinheiro, Paulão Sete Cordas, , , Haroldo Costa e Milton Gonçalves.

"Meu pai fez aquele samba lindo, que dizia 'depois que o tempo passar, sei que ninguém vai se lembrar que eu fui embora'. E ele está sendo lembrado, é bonito de ver. Em novembro, até já me mandaram passagem para outra homenagem em Pernambuco, até a Dilma deve ir", conta Nelson Luiz da Silva.

A solenidade no Museu da República também terá outros dois lançamentos importantes em relação à obra do sambista, ambos capitaneados por Afonso Machado. O compositor, arranjador, bandolinista e pesquisador lança o livro Nelson Cavaquinho - Violão Carioca (ND Comunicação) e um disco gravado por seu conjunto, o Galo Preto.

45 A ideia de escrever o livro surgiu em 2000, quando Afonso começou a fazer uma pesquisa para registrar a obra de Nelson em partituras. Para isso, entrevistou amigos e parceiros do sambista, garimpando histórias - muitas delas pitorescas, marcantes na vida de Nelson.

Sobre o disco, o repertório inclui alguns temas mais obscuros e que se encaixam bem para arranjos instrumentais do brilhante Galo Preto. "O Nelson era um excelente músico. Tinha muita informação de choro, com o que teve contato ainda pequeno, na Gávea, quando começou com o cavaquinho. Isso aparece nas melodias e nas harmonias. Depois, ele largou o cavaquinho e foi para o violão, com aquele jeito particular de tocar (usando apenas dois dedos), bem percussivo", comenta Afonso Machado.

Este ano, Nelson já havia sido homenageado em diversos momentos. No carnaval, a Mangueira prestou seu tributo. Outras lembranças também foram feitas, como os discos da EMI e da Lua Music, além do show recente feito por Adriana Moreira, Karina Ninni, Ilana Volcov e Karine Telles, com Eduardo Gudin, que conviveu com Nelson e, ao lado dele e Roberto Riberti, compôs Euforia.

"O Nelson era um cara simples. A gente não imaginava que dali pudessem sair músicas com tanta categoria, que podiam ser feitas por Tom Jobim. Era muito original nas letras e nas melodias, muito sofisticadas. Ele vem de uma linhagem de gente que usa o choro no samba, como Elton Medeiros, Cartola, Zé Ketti e ", diz Gudin.

CORREIO BRAZILIENSE – Entre o clássico e o popular

(26/10/2011) Turíbio Santos é quase devoto de Heitor Villa-Lobos. Ele regravou, em 12 discos, a obra completa do compositor para violão, e por 24 anos — entre 1986 e 2010 — esteve à frente do museu que leva o nome do criador da Bachianas. Rara é a apresentação em que o violonista maranhense não interpreta uma peça do compositor. No álbum mais recente de Turíbio, Ritmos, sonhos e danças, como era de se esperar, Villa-Lobos comparece com Concerto para violão e orquestra — a composição divide o disco com o Concerto para violão e orquestra de Ricardo Tacuchian e com a Suíte de danças concertantes, de autoria do próprio violonista.

Mas o instrumentista, que tem presença assídua nos projetos anuais do Clube do Choro, volta a fazer concerto naquela sala de hoje a sexta-feira, às 21h, e desta vez não tocará nenhuma obra de Villa. “Ultimamente, tenho feito cada vez mais a aproximação do clássico com o popular. Na apresentação do ano passado em Brasília, havia tocado choro e peças do barroco. Agora, preparei um programa do qual fazem parte choros, músicas dos espanhóis Isaac Albéniz e Joaquim Rodrigo, e alguma coisa de Johann Sebastian Bach” adianta.

Músico desde os 16 anos, Turíbio conta que, pouco a pouco, foi descobrindo o violão como um instrumento “crossover”, por ser portador das melodias, desde o século 16 até os dias de hoje. Para ele, o choro é a referência mais representativa do violão. “Está presente na Suíte popular brasileira, de Villa-Lobos e, também, na obra de Dilermando Reis e João Pernambuco. O maestro, aliás, dizia que Bach não teria vergonha de assinar nenhum dos temas criados por João”, ressalta.

Considerado pela crítica como um dos maiores violonistas clássicos da atualidade, Turíbio Santos já se apresentou em importantes salas de concerto do Brasil e do exterior e dividiu o palco com celebridades como M. Rostropovich, J. P. Rampal, Yehudi Menuhin e Victoria de los Ángeles. Foi acompanhado por grandes orquestras, entre as quais a Royal Philarmonic, a English Chamber, a National de France, a L’Opera de Monte Carlo, e a Sinfônica Brasileira.

Em cinco décadas de carreira, gravou 65 discos para companhias brasileiras e da Europa. Em 1983, criou a Orquestra de Violões do Rio de Janeiro, com seus alunos da Uni-Rio e da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Dois anos depois, fundou a Orquestra Brasileira de Violões. Membro fundador do Conseil d’Entraide Musicale, da Unesco, ostenta as comendas de Cavaleiro da Legião de Honra da França e de Oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul. (IRL)

CORREIO BRAZILIENSE - Música entre amigos

Paulinho Pedra Azul volta a Brasília, onde se sente em casa, para comemorar 30 anos de carreira no Feitiço Mineiro.

46 Irlam Rocha Lima

(26/10/2011) Quando se apresentou em Brasília pela primeira vez, em 1981, cantando no bandejão do Sindicato dos Bancários, Paulo Hugo Morais Sobrinho, o Paulinho Pedra Azul, ainda não havia lançado Jardim da fantasia, seu primeiro LP. Trinta anos depois, o cantor e compositor originário do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, volta à capital exatamente para comemorar três décadas de carreira, com show no Feitiço Mineiro, hoje e amanhã, às 22h.

“O brasiliense acompanhou passo a passo minha trajetória. Sempre tive acolhida calorosa nos incontáveis shows que fiz na cidade. Lancei aqui os meus 22 discos e alguns dos 15 livros. Houve época em que eu ia a Brasília e ficava quase um mês, pois os amigos não me deixavam voltar para Belo Horizonte. Então, sinto-me em casa quando faço show aí, principalmente no Feitiço Mineiro, consagrado e acolhedor palco da MPB”, festeja Paulinho, antecipadamente.

Para celebrar as três décadas de música, Pedra Azul vai lançar uma coletânea, na qual reuniu 12 canções. O repertório inclui três clássicos de sua obra: Ave cantadeira, Jardim da fantasia, ambas de sua autoria, e Cantar, valsa com a assinatura de Godofredo Guedes (pai de Beto Guedes). “Na nova gravação de Jardim da fantasia — mais conhecida como Bem-te-vi — há a participação do Padre Fábio de Melo, meu amigo há mais de 10 anos”, conta.

A coletânea inclui outras músicas conhecidas, como Olha para mim, composta em parceria com o violonista Juarez Moreira; Pequeno samba e Chico, o imortal, “uma eu compus em homenagem a Paulinho da Viola; a outra, a Chico Buarque”, anuncia o cantor. Há ainda composições mais recentes, entre as quais o xote De dois, o baião Dois sabiás e a balada Luz do amor, faixas do CD Lavando a alma, lançado há dois anos pela Som Livre — a mesma que lança o disco comemorativo, Paulinho Pedra Azul — 30 anos. “Como tenho feito ao longo da carreira, vou levar esses dois discos para autografar ao fim do show”, acrescenta.

Artista inquieto, Paulinho Pedra Azul tem usado o talento em outras áreas. Sua veia literária já rendeu 15 livros — um deles, Delírio habanero — Pequeno diário em Cuba, escrito durante visita à ilha de Fidel Castro. O mais recente, porém, é Poesia noite e dia. Cinco tiveram como foco o público infantil. Desses, Soltando os bichos e Uma fada nos meus olhos foram transportados para o teatro e viraram roteiro para dois musicais.

“Estou com o 16º pronto, intitulado A canção do circo, que deve ser lançado em 2012”, adianta. Uma outra faceta criativa de Pedra Azul é a de artista plástico, que pode ser apreciada em mais de 500 quadros, espalhados por galerias, museus e coleções particulares. “Minha técnica é a do óleo sobre tela, mas faço, também, pintura e caricatura”, explica.

FOLHA DE S. PAULO - 'O Guarani' estreia hoje no São Pedro com cenários minimalistas

Ópera de Carlos Gomes tem 5 récitas até domingo, com regência de Roberto Duarte

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

(26/10/2011) "O Guarani", a mais montada das óperas brasileiras, estreia hoje em curta temporada de cinco récitas, até domingo, no Teatro São Pedro. O compositor campineiro Carlos Gomes (1836- 1896) a escreveu para o Scala, de Milão, onde foi produzida pela primeira vez em 1870.

É uma enxurrada de belas melodias, em que o libretista Antônio Scalvini retoma com algumas liberdades poéticas o romance homônimo de José de Alencar. Nele, no Rio do século 16, o guarani Peri se apaixona por Ceci, filha de fidalgos portugueses, tendo como cenário confrontos entre portugueses e espanhóis, guaranis e aimorés.

A produção tem a regência de Roberto Duarte, que por cinco anos fez minuciosa restauração da partitura. A nova edição já foi montada quatro vezes, todas fora de São Paulo. A última montagem paulistana data de 11 anos.

47 "Não é uma ópera que tenha ritmos brasileiros. Mas são brasileiros seus sentimentos", afirma o maestro. A direção cênica é de João Malatian, que diz ter trabalhado numa dupla direção: gestos e movimentos econômicos para adaptar a obra grandiosa a um palco relativamente pequeno e uma ênfase sutil na religiosidade. Peri converte-se ao cristianismo para ter a mão de Ceci, o que não evita uma carnificina.

No primeiro elenco, hoje, sexta e domingo, os destaques são para a soprano Edna D'Oliveira (Ceci), o tenor Marcello Vannucci (Peri) e os barítonos Inácio de Nonno (Gonzales) e Lício Bruno (Cacique). Contrastando com figurinos realistas, os seis cenários são painéis que amplificam traços em bico de pena. Um minimalismo que funciona.

"O Guarani" sobreviveu a dois cataclismos. Carlos Gomes era monarquista e caiu em desgraça com a Proclamação da República, mas, mesmo assim, sua ópera não deixou de ser cultivada. Mais tarde, Oswald de Andrade ridicularizava um Peri cantando em italiano e com sentimentos de um nobre florentino.(JOÃO BATISTA NATALI) LITERATURA

FOLHA DE S. PAULO - Biografia perde Prêmio Jabuti por ter edição de 2004

(20/10/2011) DE SÃO PAULO - Anunciado na segunda-feira como ganhador dos R$ 3.000 do Prêmio Jabuti de biografia, o livro "Alceu Penna e As Garotas do Brasil" (Amarilys), de Gonçalo Junior, foi desclassificado ontem devido à existência de edição homônima de 2004.

Pelo regulamento, só obras inéditas podem concorrer. Oselo Amarilys, que inscreveu a obra, acatou a decisão da curadoria do Jabuti, mas ressaltou que a edição de 2010 tem 352 páginas, ante apenas 138 páginas da edição anterior, que foi lançada por selo independente. Com a mudança, o prêmio em dinheiro fica para Sérgio Britto, pelas memórias "O Teatro e Eu" (Tinta Negra). (RAQUEL COZER)

O GLOBO - Mais serena, Patrícia Melo lança 17 contos

Em seu novo livro, ‘Escrevendo no escuro’, autora estreia no gênero mais conciso com estudo metalingüístico

Cristina Tardáguila

(21/10/2011) Durante 20 anos, a escritora Patrícia Mel o, que venceu o Prêmio Jabuti de 2001 com “Inferno”, manteve trancafiado numa gaveta qualquer de sua casa em São Paulo o esboço de dezenas de contos. De vez em quando, passava os olhos pela coleção e enxergava nela sinais inegáveis daquilo que considerava falta de maturidade.

PATRÍCIA MELO: “Todos os meus personagens estão no limite, em crise. E não faço isso para chocar ninguém” Envergonhada, fechava a gaveta às pressas e decidia esperar mais um pouco. Sabia que o tempo daria um jeito naquilo. E deu.

No início deste ano, para acompanhar o marido e maestro John Neschling, Patrícia, 49, mudou-se para Lugano, na Suíça, e mobiliou uma casa de frente para o lago que dá nome à cidade. Lá, livre do tumulto que caracteriza São Paulo, trouxe seus rabiscos à tona e conseguiu a serenidade que lhe faltava para engendrar seu primeiro livro de contos. Assim, “Escrevendo no escuro” chega às livrarias de todo o país na próxima semana, pela Rocco, com 17 contos inéditos da autora que são, segundo ela, o primeiro fruto do “processo de descompressão” pelo qual passou.

— São Paulo, com sua velocidade e sua insegurança, sempre permeou minhas obras, seja como cenário ou como personagem, mas, só depois de me estabelecer num lugar pequeno, totalmente

48 seguro e tranquilo, pude ajustar minha rotação e finalmente conquistar a técnica de concisão que os contos exigem — conta Patrícia, pouco depois de aterrissar no Brasil para participar da 57a- Feira do Livro de Porto Alegre, que começa na próxima sexta-feira, dia 28.

Mas, apesar da paz de Lugano e da placidez de seu lago, o universo literário da escritora continua perverso, remetendo ao que foi nacionalmente consagrado por seu mestre, o escritor Rubem Fonseca. Dessa forma, migraram para os contos de “Escrevendo no escuro” os doentes terminais, as prostitutas e os delegados, além dos personagens de caráter duvidoso e em plena crise. Tudo regado por doses cavalares de barbitúricos, soníferos, drogas inovadoras de efeitos mirabolantes e sexo. Muito sexo.

— Todos os meus personagens estão no limite, em crise — explica Patrícia. — E não faço isso para chocar ninguém, até porque acho que quem se guia pelo mercado deixa carne no arame, mas para falar de dois assuntos que me interessam muito: a finitude e a moralidade. A reação das pessoas diante disso.

Cecília, a escritora suicida que se apaixona por um chileno e passa o livro inteiro tentando escapar do destino que “uma autora doentia” tenta lhe impor, é a grande conquista literária de Patrícia em sua estreia nos contos. Revela, sobretudo, sua capacidade de trabalhar a forma e seu interesse pelo estudo metalinguístico.

— Apesar de ter um pouco de mim, Cecília definitivamente não é meu alter ego — enfatiza Patrícia. — É um personagem que, acima de tudo, trata o autor como personagem. É a forma que encontrei para quebrar esses dois conceitos cristalizados: o de autor e o de personagem.

E a odisseia de Cecília foi, por isso, propositalmente espalhada ao longo de cinco takes que intercalam os contos de “Escrevendo no escuro”. Para o leitor, fica a sensação de perseguição, de caça entre gato e rato. Para Patrícia, é a forma de prender o leitor até o fim de sua obra.

O GLOBO - O livro de Jô

Seis anos após seu último romance, apresentador lança ‘As esganadas’, que vai virar quadro no ‘Fantástico’

Gilberto Scofield Jr. - SÃO PAULO

(22/10/2011) Há coisa de dois anos, o humorista Jô Soares apresentava em Lisboa o espetáculo “Remix em Pessoa”, em que recitava poemas musicados de Fernando Pessoa (1888-1935), ou melhor, do heterônimo Álvaro de Campos, quando lhe veio a ideia. O poema “Tabacaria”, muito longo, estava fora do show, mas continha em si uma inspiração. “O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?)/Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica”, diz o verso, e Jô na mesma hora pensou que aquele “Esteves sem metafísica” deveria ser um sujeito de raciocínio binário, um português com raciocínio sem espaço para divagações.

Nascia ali Tobias Esteves, o “inspector” da polícia portuguesa que imigrou para o Brasil e é o principal personagem de “As esganadas”, novo romance do escritor, editado pela Companhia das Letras (com tiragem de 80 mil exemplares), que chega hoje às livrarias e à internet em versão digital. Quinto livro e quarto romance do comediante, “As esganadas” se passa no Rio de Janeiro da década de 1930 e conta a história do misterioso assassinato de mulheres gordíssimas, cujos corpos são sempre encontrados entupidos do que há de melhor na gastronomia portuguesa.

Uma turma de protagonistas insólitos e hilários se dispõe a desvendar a trama, batizada pela imprensa da capital federal como “O caso das esganadas”, numa corrida contra o tempo para evitar que o assassino faça sua próxima vítima.

Fã de romances policiais históricos, Jô Soares repete em “As esganadas” o mesmo formato de seus romances anteriores, “O Xangô de Baker Street”, “O homem que matou Getúlio Vargas” e “Assassinatos na Academia Brasileira de Letras” (seu último, de 2005): uma mistura de trama policialesca com pesquisa histórica, regada a humor inteligente e fina ironia, um livro que se lê num

49 fôlego só. São deliciosas suas reproduções de reclames do rádio da época (“Para fadiga mental, nervosa e muscular, o Phospho-Kola de Giffoni é saboroso, granulado e glicerofosfatado”) e as descrições das partidas da Copa do Mundo de 1938, disputada na França, já tensa por conta da Segunda Guerra.

— Penso no livro como um roteiro de filme e jamais começo a escrever antes que eu saiba como vai terminar a história — diz Jô Soares em sua sala gigante, misto de escritório e sala de estar, no primeiro andar de seu apartamento dúplex, em Higienópolis, Zona Oeste de São Paulo. Ele escreveu “As esganadas” em 18 meses:

— Todo dia pego no livro para trabalhar porque senão ele foge. Quase nunca escrevo menos de quatro horas por dia, às tardes e à noite. Mas, às vezes, ainda que não bata inspiração, abro o livro e coloco pelo menos uma vírgula, para não perder o fio da meada.

Apesar da maratona de entrevistas para a imprensa escrita — e que será apenas o início de uma longa jornada de apresentação do livro —, Jô fala pelos cotovelos. E tem assunto. Há uma semana, estreou no Teatro Cultura Artística Itaim, em São Paulo, a peça “O libertino”, dirigida por ele, e que conta a história do filósofo Diderot, interpretado pelo ator Cassio Scapin, também produtor.

Nos próximos dias, estará em quatro programas jornalísticos e de auditório falando do livro, além da noite de autógrafos programada para quarta-feira na Livraria Cultura do Conjunto Nacional de São Paulo. E a revelação: prepara um quadro para o programa “Fantástico”, da Rede Globo, baseado em “As esganadas”.

— Mais não digo porque estraga a surpresa. Eu nem deveria estar aqui falando isso — diz ele. Mas vai falando. Aos 73 anos, o humorista, dramaturgo, romancista, jornalista, ator e pintor José Eugênio (Jô) Soares é, ao mesmo tempo, uma das pessoas mais conhecidas do país e uma das que menos falam à imprensa. A não ser, diz ele, quando “há algo sobre o qual valha a pena falar, um projeto ou um trabalho, e que as pessoas possam ter interesse em saber a respeito”. Por isso não tem página no Facebook nem perfil no Twitter (“Tenho um nível de ocupação tão diversificado que não posso entrar em mais uma atividade dessas”), mas acompanha com avidez as repercussões sobre seus livros na imprensa (“Todo artista é muito autocentrado, né?”). O fim de seu casamento com a designer Flávia Junqueira foi seguido com avidez sanguinária pelas revistas de fofoca, mas Jô nada disse. Tem sua maneira de falar de si e dos outros. Como na primeira página de “As esganadas”, onde se lê: “Para Flavinha, sempre.”

Pergunto se procura no Google informações sobre Jô Soares.

— Não me googlo, nem me assisto na TV. É claro que a gente repassa o programa após a gravação para ver se precisa mudar algo, mas nunca depois. É assim desde os humorísticos. Quando está gravando, você se acha um Deus. Depois vou ver e a decepção é tão grande que eu me acho até gordo na tela — brinca.

Sem rotinas diárias, o humorista diz que o “Programa do Jô” é a coisa mais importante de sua vida, e tudo o mais tem que se adaptar à rotina de reuniões e gravações, incluindo livros. Depois de 22 anos fazendo o programa (11 no SBT e 11 na Globo), ele não está enjoado do formato.

— Mas isso não interessa. O que importa é o conteúdo, e nisso o programa se renova sempre porque os entrevistados são sempre diferentes. Isso também me renova. Neste tempo todo, consegui depoimentos que são verdadeiras memórias de gente como Luis Carlos Prestes ou Dom Helder Câmara. Nesse ponto, sou como o (jornalista americano) Larry King: são quase 15 mil entrevistas, e estou só começando.

CORREIO BRAZILIENSE - A juventude de um vulcão

Para não sofrer ao contar os últimos anos de , Nelson Motta decidiu escrever sobre o período de formação do cineasta. A biografia, idealizada há 22 anos, enfim chega às livrarias

Nahima Maciel

50 (24/10/2011) Que Nelson Motta ama doidões libertários, quase todo mundo sabe. Ele embarca fácil em navios lotados de gente que não se encaixa e adora histórias de jovens artistas crentes no poder da juventude quando se trata de mudar o planeta. Mas Motta também adora final feliz. O problema aparece quando os doidões não encaixam. Por isso, o crítico e escritor resolveu colocar um fim precoce em A primavera do dragão. Os últimos anos de Glauber Rocha foram difíceis e o fim, bastante triste. Motta preferiu então contar a juventude do cineasta.

Ele tentou fazer isso pela primeira vez em 1989, mas foi barrado pelo pudor quando descobriu que Zuenir Ventura embarcara na mesma viagem. Uma fatalidade mudou o projeto dos dois escritores. As anotações de Ventura para a biografia de Glauber foram roubadas (com o carro dele) e o jornalista perdeu todo o material. Anos depois, autorizou Motta a seguir adiante com o livro.

A primavera do dragão é, portanto, produto maturado. O autor precisou de 22 anos e sete livros publicados para deixar a ideia amadurecer e sedimentar. A única coisa de que tinha certeza era de não querer tratar da parte triste da vida de Glauber. “Seus últimos anos e sua morte foram muito duros e sofridos. E, como o amava muito, para mim seria um sofrimento relatá-los, Deus me livre! Gosto de alegria, de leveza, de humor, de poesia (também nas biografias). Por isso, escolhi os anos de sua formação, e floração, contando como ele se tornou Glauber Rocha.”

Nelson Motta conheceu o baiano em março de 1964, durante a pré-estreia de Deus e o diabo na terra do sol. O escritor era louco por cinema, embora estudasse design. “Fomos amigos de toda a vida”, garante. A primavera do dragão começa com o encontro entre os pais do cineasta, Lucinha e Adamastor, no interior da Bahia, e dá especial destaque aos anos de faculdade e à descoberta do cinema. No colégio e na faculdade, a turma de Glauber reunia a nata da intelectualidade baiana. João Ubaldo Ribeiro e Calazans Neto eram constantes nas farras e nas discussões revolucionárias do grupo em Salvador, mais tarde incrementado por Cacá Diegues, Luiz Carlos Barreto e Luiz Carlos Maciel, quando Glauber já morava no Rio de Janeiro.

Glauber Rocha decidiu fazer cinema após assistir a Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos. Durante uma viagem de férias ao Rio de Janeiro, comprou uma câmera com o dinheiro da venda de dois bois, presente do padrinho por ter passado no vestibular para o curso de direito. Aos 19 anos, fez o primeiro curta-metragem. Sem narrativa, música, histórias ou símbolos, influenciado pela poesia concreta, ele imaginou para Pátio um roteiro destinado a explorar formas geométricas e sombras. Na tela, a então namorada, Helena Ignez, contracenava com um colega da Escola de Teatro da Ufba (a Universidade Federal da Bahia). O desfile de sequências sem enredo era uma experiência. Glauber queria fazer “cinema em estado puro” e uma ode à beleza da namorada.

O filme foi exibido na casa de Ligia Pape, no Rio de Janeiro, e teve como plateia o séquito da arte concreta. , Hélio Oiticica, Amilcar de Castro e o crítico de arte Mário Pedrosa assistiram ao curta e deram início ao falatório em torno do nome de Glauber. Surgia ali o Cinema Novo, que dias depois estaria descrito em manifesto publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, reduto concretista da capital carioca. Três anos depois, o cineasta conceberia o primeiro longa. Barravento, de 1962, seria a estreia internacional de Glauber no mundo do cinema. Dois anos mais tarde, viria o reconhecimento em Cannes, com a seleção de Deus e o diabo na terra do sol. Foi nessa consagração que Motta decidiu encerrar o livro, em clima de happy end assumido e escrachado.

O ESTADO DE S. PAULO - Anotações do viajante especial

Loyola mistura ficção e fantasia em suas reminiscências proustianas

UBIRATAN BRASIL - O Estado de S.Paulo

Ignácio de Loyola Brandão é um viajante inveterado - sua energia para descoberta de novas terras parece inesgotável. E, de cada lugar visitado, ele guarda fortes reminiscências, que tanto alimentam sua crônica quinzenal no Caderno 2 como livros que garantem a eternidade da memória. É o caso de dois lançamentos que chegam agora às livrarias: Acordei em Woodstock, pela Global Editora, e A Morena da Estação, pela Moderna.

Ambos tratam de lembranças - o primeiro conta a viagem que Loyola fez com a mulher, Márcia, e um casal de primos para a Nova Inglaterra, Estados Unidos, no final de 2000; e o outro traz saudosas

51 recordações sobre trens, meio de transporte que marcou a infância do escritor, especialmente por conta do fato de o pai ter trabalhado na rede ferroviária, em Araraquara. "Este livro de Woodstock era, a princípio, apenas um diário de viagem. Faço um de cada uma", conta. "Mas este ficou dentro de mim e, à medida que o tempo passava, fui acrescentando detalhes, principalmente das coisas que perdi."

Durante duas semanas, os viajantes percorreram aquele espaço que é considerado o maior reduto de escritores de sucesso nos Estados Unidos. Na verdade, além da busca de lugares onde viveram, por exemplo, Emily Dickinson, Robert Frost, Herman Melville, Mark Twain, Louisa May Alcott, Loyola e sua trupe queriam conhecer o local onde aconteceram os míticos concertos de rock de Woodstock, em 1969. Afinal, a imagem da jovem linda, que caminhava nua entre milhares de jovens que vestiam jeans e ponchos, não lhe saía da cabeça. O final da história, de tão tragicômica, não pode ser revelado para não estragar a surpresa.

Até chegar lá, no entanto, Loyola conheceu endereços e pessoas que chacoalharam seu imaginário de escritor. "Imagens, inscrições, palavras, rostos, livros, fotos, seja o que for, em determinados momentos me remetem a pontos de minha vida", observa. "Passando por Salem, por exemplo, me vieram Melville, e Moby Dick, um livro que li e reli dezenas de vezes. Há uma baleia branca em minha vida. O que persigo como capitão Ahab? Há algo lá na frente que não sei definir."

Loyola criou uma sólida reputação como bom observador - suas reminiscências costumam oferecer som, aroma e até a textura dos locais descritos. Ele não cai na armadilha do lugar-comum nem na tentação de apenas exaltar pontos turísticos. Na verdade, Loyola prefere congelar momentos que, se pouco ou nada acrescentam à descrição do espaço, enriquecem como experiência humana.

E o humor é a ferramenta que melhor utiliza, como brincar com a palavra Cornish (a cidade onde viveu J. D. Salinger) traduzindo-a como "terra dos cornos". Loyola comprova sua reputação de fino observador, preocupando-se com detalhes que, aparentemente insignificantes, escondem, na verdade, uma profunda significância. Ele confirma que a decisão de regressar a qualquer cenário anterior da vida não é nostálgica. "Meu tempo é este, aquele em que vivo", justifica. "Mas, às vezes, existem apelos irresistíveis para buscar em algum lugar algo que me explique hoje. É quando me pergunto: e se eu tivesse feito outra coisa? E se eu tivesse ido procurar Salinger? E se, de repente, ele me recebesse, porque a vida é cheia de inesperados. Fascina-me esta coisa do 'se'."

Loyola não escreve sobre viagens como um substituto para sua autobiografia - seria pretensioso e não combina com sua figura. Em suas diversas jornadas pelo País, convidado por feiras literárias, o autor descobre, na verdade, as diversas facetas do Brasil. "Ao viajar, ao pensar naquele 'se', entro com minhas fantasias, com aquilo que não usei nos livros. Daí ser esse Acordei em Woodstock uma viagem dentro da viagem, que contém outra viagem, e outra."

Com tantos quilômetros rodados, Loyola desenvolveu técnicas para não ser vítima do esquecimento. Assim, seja qual for o destino, toma notas em cadernetinhas confortáveis, pequenas, discretas, que cabem nos bolsos. E, dependendo da viagem, transfere as anotações para cadernos maiores. "Tudo sem cronologia ou ordenação, apenas pensamentos e anotações dispersas", conta. "Depois, vou organizando o material, misturo a vida real, o cotidiano, com a invenção, o imaginário, a loucura interna."

O material é enriquecido com muitos cartões postais, reproduções de quadros que o impressionam, fotografias. Ele também guarda folhetos, bilhetes, ingresso, programas recortes de jornais e revistas. O passo seguinte é colocar tudo no liquidificador, como gosta de brincar. "Os meus diários são cheios de invenções, de coisas idealizadas, reminiscências do filme Oito e Meio, de Fellini, no qual Guido tem seu plano de idealização, fatos que gostaria que acontecessem na realidade."

O fascínio por trens, aliás, é dominante. Em A Morena da Estação, que será lançado na sexta-feira no Museu Ferroviário de Araraquara (o lançamento de Acordei em Woodstock será na segunda-feira, dia 31, na Editora Global), ele mostra como o cheiro, o barulho, os ruídos das rodas nos trilhos, o apito e o sino quando a composição entrava na estação, enfim, como aquele cenário significava uma fuga da cidade, do seu pequeno mundo. "Você não pode imaginar a atmosfera de uma estação vazia em horas mortas da noite, as pessoas dormindo encostadas nas janelas, eu pensando com o que elas

52 sonham, quem são, de onde vem e para onde vão", fantasia. "Um apito provoca em mim o mesmo que o biscoito de Madeleine despertava em Proust: memória afetiva."

FOLHA DE S. PAULO - Livro de Maria Rita Kehl reúne crônicas publicadas na mídia

Em prefácio, autora discute o papel de psicanalista ao escrever para a imprensa

DE SÃO PAULO

(26/10/2011) A psicanalista Maria Rita Kehl lança hoje "18 Crônicas e Mais Algumas", seleção de artigos publicados em jornais, entre eles a Folha, revistas e sites de 2002 a 2010. No prefácio, a autora discute a função social de seus textos, que muitas vezes caminham na contramão do que esperam os editores. "O que distingue o lugar do psicanalista na imprensa não é o número de vezes que ele se refere a Freud ou a Lacan", escreve, mas "o modo como sua experiência clínica pode ajudá-lo não a explicar, mas escutar o sintoma social".

As 18 crônicas do título foram publicadas no espaço quinzenal que mantinha em "O Estado de S. Paulo" -cancelado depois de "Dois pesos", texto sobre os voto dos beneficiados pelo programa Bolsa Família e o preconceito de alguns setores da classe média em torno da questão. Na ocasião, o jornal disse que a demissão se deveu ao fato de colunistas se revezarem e cumprirem ciclos. "Nunca uma coluna minha foi tão lida. Foi o assunto mais discutido no Twitter. Impactou gente de outros Estados, juventude... Mas, claro, fiquei triste de perder aquele espaço", contou a autora em entrevista em seu consultório, no bairro de Perdizes. Quinzenalmente, ela atende também na Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST.

Os textos reunidos em "18 Crônicas..." levantam a voz contra a proibição do aborto ou a especulação imobiliária, mas sobretudo contra a violência social brasileira, a injustiça e o abuso de autoridade -que define como "naturalização da desigualdade". "A elite brasileira sempre foi muito pouco cumpridora de direitos. Somam-se a isso três séculos de escravidão e duas ditaduras, sendo que a última delas encerrou-se sem nenhum tipo de condenação. A Comissão da Verdade hoje não é a que queremos ter."

As críticas se estendem à própria imprensa e à hierarquia que estabelece para os fatos. "A imprensa dá a primeira página, e acho que tem que dar mesmo, para o assassinato de um morador de um bairro de classe média, enquanto muitas outras mortes viram notinhas de rodapé."

Kehl põe o dedo em feridas que acredita que o Brasil ainda não curou, mesmo que o país lhe pareça melhor depois dos oito anos de governo Lula. "Dói a violência inscrita na ordem social brasileira. Dói o jogo cínico da política." (GABRIELA LONGMAN) DESIGN

O GLOBO - Homem objeto

Um dos principais nomes do design sustentável no País abre seu estúdio e mostra as últimas criações

Isabela Caban

(23/10/2011) Num jardim de inverno nos fundos do prédio número 66 da Rua Nascimento Silva, em Ipanema (quase em frente ao célebre endereço cantado por Tom Jobim e Vinicius de Moraes), fica o estúdio do designer Carlos Alcantarino. Ali, as peças expostas revelam o tipo de trabalho a que ele tem se dedicado nos últimos tempos. Ao lado de vasos de estanho, série que ganhou prêmio internacional no fim dos anos 90, há castiçais de latas amassadas, ímãs de geladeira de tampinhas de

53 refrigerante, poltrona de rejeitos de madeira e bandeja de placas de borracha reutilizada, entre outros produtos.

Pois é, Alcantarino é um cara ecologicamente correto, e seu nome virou referência quando o assunto é design sustentável. Além de produtos para lojas de Rio e São Paulo, como H. Stern Home, Duilio Sartori e Studio In, o paraense de 53 anos desenvolve projetos socioambientais Brasil afora, principalmente no Norte. Uma preocupação constante, ressalta ele, é tornar o design mais acessível a todos.

O trabalho mais recente terminou no mês passado. Por três meses, ele frequentou cinco comunidades cariocas, coordenando o projeto Coleta Reciclagem, criado pela Coca- Cola. Com a ajuda de outros cinco designers, foram recrutadas artesãs nas favelas para bolar artigos usando apenas garrafas PET e de Tetra Pak. Surgiram 28 produtos, entre cestos, porta-celulares e porta- guardanapos, agora vendidos no site da Rede Asta (www.asta.org.br).

— O desafio é levar o consumidor a comprar. Não por caridade, mas porque achou bacana, porque desejou aquele objeto — diz ele, que vive desde 1982 no Rio, num apartamento também na Nascimento Silva, pertinho de seu estúdio.

Foi a partir de um convite do Sebrae, em 2004, que Alcantarino começou a se interessar por design sustentável. Naquele ano, ele partiu para Paragominas, uma cidade no Pará emblemática por causa da enorme devastação por que passou, para trabalhar com moveleiros da região e mudar o estilo das peças de madeira pesada fabricadas por lá. O resultado foram três coleções de móveis, batizadas de Paragominas, feitas apenas com sobras de madeira, que foram vendidas, na época, até na rede Tok&Stok.

— Eles chegavam a usar três árvores para fazer uma única cama. Propus fazer móveis menos pesadões e aproveitar mais as sobras — conta.

O mais festejado de todos os projetos teve início em 2007. O Cabanos, que recebeu o Prêmio Idea Brasil e o prêmio do Museu da Casa Brasileira, nasceu também no Pará, na cidade de Barbarena. Desta vez, Alcantarino ajudou uma cooperativa que trabalhava com o que era descartado da Albras, indústria de alumínio associada à mineradora Vale, a desenvolver 40 peças, entre utilitários e móveis infantis. Tudo feito com placas de borracha das correias que transportavam minério e embalagens de pínus. Foi nessa época que ele criou o Centro de Design da Amazônia, que estabelece um elo entre pessoas talentosas e empresas, e bolou uma grande exposição dentro de uma balsa. A mostra, chamada “Experiência design”, com cu radoria do designer Jair de Souza, levou 21 mil pessoas a um barco ancorado por um mês no Porto de Belém. Eram cinco ambientes diferentes, todos com peças de Alcantarino. Na última sala, crianças tinham contato com diversos materiais recicláveis e podiam tentar criar o que bem entendessem.

— Foi realmente a primeira vez que muitas daquelas pessoas tiveram contato com o design — lembra. — Quando se nasce em Belém, você é engenheiro, advogado... Não existe a palavra designer.

Ele próprio se formou em Engenharia e veio para o Rio no início da década de 80 para fazer um mestrado na PUC. Chegou a trabalhar aqui como especialista em Geotecnia, até que um amigo designer o cha mou para abrir um escritório, em 1992. De lá para cá, não parou mais. O primeiro trabalho que chamou a atenção do mercado foi uma coleção de vasos de estanho, hoje à venda em diversas lojas da cidade. Com essas peças, em 2003, arrematou o alemão IF Design, um dos mais conceituados prêmios da área, e passou a atender pedidos de arquitetos como Vicente Giffoni, Pedro Paranaguá e Caco Borges. Já desenhou muito

54 móvel para a loja de Claudio Bernardes, o extinto Studio 999, na Barra, no fim dos anos 90, quando sustentabilidade era um conceito ainda embrionário por essas bandas. Hoje, acha que o Brasil está mais ligado em ecologia:

— Estamos atrasados, sim, mas não parados. QUADRINHOS

O GLOBO – Rio Comicon 2011: Quadrinhos em chamas

Pesos-pesados do setor, como a heroína sexy Valentina, marcam presença na maior convenção de HQs do país, de hoje a domingo, na Estação Leopoldina

Quadrinhófilos de várias tribos farão da Estação Leopoldina um lar, de hoje até domingo. Durante quatro dias, a Rio Comicon 2011, a maior convenção de HQs do país, terá mesas-redonas com artistas nacionais e estrangeiros, exposições de Will Eisner, Guido Crepax, mangás e obras da DC Comics, além de debates sobre filosofia e arte sequencial. Estarão no Rio convidados internacionais como a arquiteta e estilista italiana Caterina Crepax, filha do finado criador da personagem Valentina, que vem à cidade abrir a mostra dedicada ao pai, além do inglês Chris Claremont, o cultuado roteirista dos X-Men. Outros destaques serão o americano Peter Kuper, desenhista de “Spy vs. Spy”; a japonesa Junko Mizuno, pintora e autora do mangá “Princess Mermaid”; e os cartunistas Ludovic Debeurme, da França, e Liniers, da Argentina.

Rodrigo Fonseca CRIADA EM 1965, Valentina aparece em oito dos 22 originais de Guido (20/10/2011) Recém-chegada ao Brasil, para a abertura da exposição Crepax “As filhas do italiano Guido Crepax”, uma das atrações da Rio Comicon em exposição na Rio Comicon 2011, a arquiteta e estilista Caterina Crepax, de 47 anos, vai passar os 2011 próximos quatro dias vigiando sua irmã mais famosa, a fotógrafa Valentina. Ícone de sensualidade nos gibis italianos, a heroína será o assunto principal do colóquio que Caterina fará, às 17h, sobre a influência de seu pai, Guido Crepax (1933-2003), na evolução da arte sequencial. Casada desde 2005 com o paulistano Jairo Vilhora Cardoso, Caterina, que fala português com perfeição, virou embaixadora da memória pictórica do pai, defendendo a dimensão política de sua obra e a influência do cinema sobre seu traço. Ao Rio ela trouxe 22 originais de Crepax, sendo oito de Valentina com seu derrière sempre empinado, e os outros de personagens como Bianca, Anita e Emmanuelle, do romance de Marayat Bibidh, filmado com Sylvia Kristel.

— A obra do meu pai vai muito além de seu conteúdo erótico. Se você analisar a produção dele entre os anos 1960 e 70, vai perceber que seus quadrinhos compõem um catálogo da moda, reproduzindo em detalhes as tendências do vestuário da época. Isso sem contar que os locais mais frequentados daquele momento, como cafés e boates, estão ali, ilustrando o espírito de crônica cultural que ele adotou — conta Caterina ao GLOBO.

Para a Rio Comicon, a estilista trouxe desenhos que traduzem a técnica de Crepax, além de vestidos em papel que ela desenvolveu sob a inspiração de Valentina.

— Papai criou uma estrutura de divisão da página quadrinizada em diferentes planos, tratando a imagem com conceitos próximos da linguagem cinematográfica. Cada página dele traz uma cena de rosto em primeiro plano, seguida por um quadro com uma panorâmica do cenário retratado na trama. Isso vem de sua paixão pelo cinema. Crepax era fã do Joseph Losey (diretor americano que adatou a HQ “Modesty Blaise” com a italiana Monica Vitti em 1968), mas ele gostava mesmo era de cinema francês e de Bergman. Papai se encantava com a atmosfera entre sonho e realidade dos filmes dele. Valentina vive num limbo entre o sonhar e o real similar ao universo de Bergman — diz Caterina.

Gesto político

55 Na indústria italiana da moda, ela é conhecida pelos protótipos de peças de roupa feminina que desenha, assumindo que a arte de Crepax é uma inspiração.

— O que eu faço são esculturas de papel em forma de vestidos. E a influência do papai é forte. Ele trabalhava num quarto da nossa casa, sem esconder seus trabalhos de nós. Mesmo os mais picantes — lembra.

Formado pela Escola de Arquitetura da Universidade de Milão, Crepax trabalhou nos anos 1950 como cartazista publicitário e desenhou capas de livros e de LPs, incluindo o fenômeno de vendas “Nel blu dipinto di blu”, de Domenico Modugno. Em 1959, após ser premiado na França pela arte de uma campanha promocional da Shell, foi convocado para ilustrar a revista “Tempo medico”, referência na literatura científica, onde permaneceu como capista até 1980. Em 1963, Crepax estreou nos quadrinhos, desenhando na revista “Linus”. Dois anos depois, criou Valentina Rosselli, repórter fotográfica cujo faro jornalístico se confunde com seu apetite sexual.

— A criação de Valentina pode ser entendida como um gesto político. A personagem simboliza a luta dele para se expressar com liberdade — diz Caterina. — Papai não tinha vínculos partidários, mas era um homem de esquerda, trotskista. Há uma aventura da Valentina em que ela volta no tempo até visitar a Revolução Russa e encontrar Trotsky.

Negociando uma exposição completa de Crepax em São Paulo, Caterina lembra que o mercado italiano de quadrinhos sofreu um baque nas vendas nos anos 1990. Agora, periga sofrer nova crise com a perda do mais bemsucedido editor dos fumetti (termo italiano para HQ) de sua pátria: Sergio Bonelli, responsável por best-sellers como “Tex”, “Zagor” e “Dylan Dog”, morto em 26 de setembro.

— Ele era um editor com inteligência para agregar os melhores desenhistas da Itália em seus fumetti. Morreu num momento em que as vendas começavam a se estabilizar no país. Hoje, há interesse dos jovens europeus pelo que se fazia nos anos 1970. E isso está recobrando o interesse pela arte de meu pai.

FOLHA DE S. PAULO - Mostra expõe ilustrações de Angeli baseadas em filmes

DIOGO BERCITO, DE SÃO PAULO

(21/10/2011) Angeli tem diante de si diversas portas abertas. Todas elas chegam ao mesmo lugar.

É a metáfora que o chargista da Folha, aos 55 anos, usa para descrever a multiplicidade de assuntos que seu trabalho contempla. "No fim, é sempre o mesmo discurso."

Celebrado pelas charges políticas, ele exibe, a partir de hoje, 15 ilustrações baseadas no cinema brasileiro. O cerne da questão, garante, continua a ser um: a política.

Os desenhos, inspirados em títulos como "Cidade de Deus", "Tropa de Elite", "Tainá", "Cartola" e "Carlota Joaquina - Princesa do Brazil", foram encomendados pela Petrobras para serem expostos durante a Mostra Internacional de São Paulo.

Ficarão em cinco locais: Conjunto Nacional, Frei Caneca, Bourbon, MIS e Espaço Unibanco Augusta.

No documentário recente "Angeli 24 horas", o artista teve suas tirinhas adaptadas para a telona. Dessa vez, ele teve de trabalhar o processo inverso -adequar um filme ao papel, aos riscos, à tinta.

Haja papel, aliás. "Acho que vou fazer acordo com uma empresa de reciclagem!", brinca. Angeli estima ter gasto quatro blocos de papel manteiga para esse projeto, totalizando 200 folhas.

Rabiscar é seu método de testar ideias e chegar a conclusões, afirma. É também, de certa maneira, o resultado final de suas ilustrações, marcadas por muitos riscos.

Angeli desenvolve, quer seja nas charges políticas, quer seja nos desenhos de temática sexual que publica na internet, um traço que pode ser descrito -sem soar pejorativo- como "sujo".

56 Ele concorda com o adjetivo e cita influências entre artistas conhecidos por rabiscar e deformar personagens. O rol inclui Robert Crumb, Gilbert Shelton e ("um cartunista imundo!", afirma), por exemplo.

Além de muito rascunho, o projeto exigiu de Angeli bastante matutação. Ele voltou a filmes que já conhecia e assistiu a longas que desconhecia por completo.

"Passei uma semana rodando ao redor da prancheta, anotando ideias", conta.

O ESTADO DE S. PAULO - Brasileiros se destacam em ranking de comics

Livro de Paul Gravett elege 1.001 obras imperdíveis

Mais uma lista acaba de sair, agora, das histórias em quadrinhos (HQs) imperdíveis de todos os tempos, eleitas pelo britânico Paul Gravett. Especialista no assunto, ele lançou na semana passada o livro 1.001 Comics You Must Read Before You Die (1.001 HQs Para se Ler Antes de Morrer), no qual cita o Brasil, representado na obra por trabalhos de autores como Marcello Quintanilha, Maurício de Sousa, e Lourenço Mutarelli.

Sábado dos Meus Amores, de Quintanilha, é um dos destaques do livro de Gravett. O autor niteroiense, que vive em Barcelona, vai realizar no dia 11, às 18 horas, na Livraria da Travessa do Rio, uma sessão de autógrafos da obra, lançada em 2009 pela Conrad, e também de seu mais recente trabalho, Almas Públicas, publicado este ano pela mesma editora.

Quintanilha, que colaborou com a página de quadrinhos do Caderno 2 em 2010, recebeu ainda, no ano anterior, o Prêmio HQ Mix pelo livro Sábado dos Meus Amores. A obra trata da história do amor de uma moça semianalfabeta com um pescador.

Clássicos. A coletânea 1.001 Comics You Must Read Before You Die, editada pela Universe/Cassell, já está às vendas em importadoras por US$ 36,95. Com prefácio do cineasta Terry Gilliam, a obra do britânico Paul Gravett - que já lançou aqui o livro Mangá - Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, também pela Conrad - ainda destaca entre os clássicos internacionais e de diversas épocas, a obra A Turma da Mônica (Editora Abril, 1970), de Maurício de Sousa - colaborador do Estado -, O Dobro de Cinco (Devir, 1999), de Lourenço Mutarelli - que também já desenhou para o Caderno 2; e Piratas do Tietê e Outras Barbaridades (Circo Editorial, 1994), de Laerte Coutinho.

São poucos brasileiros, mas eles figuram no trabalho de Gravett ao lado de clássicos como Um Contrato com Deus, de Will Eisner; Mafalda, do argentino Quino; obras da série Asterix, de René Goscinny e Albert Uderzo; e Astro Boy, de Osamu Tezuka, entre outros. EUROPALIA

O GLOBO - Na Europalia, o melhor e o pior do Brasil

Festival na Bélgica dá visibilidade ao país, mas sofre com desorganização e interferências do governo na curadoria

Cristina Tardáguila

(23/10/2011) O designer Tulio Mariante levou um susto na última quarta-feira, quando, ao abrir o convite para a exposição "Design Brazil", da qual é curador no festival Europalia, na Bélgica, deu de cara com uma cristaleira do designer paulista Maurício Arruda, com quem nunca falou. No dia seguinte, descobriu que uma escultura de Hugo França embarcaria à sua revelia e que uma das obras selecionadas por ele, do designer Pedro Braga Leitão, ficaria de fora. Era apenas um capítulo de um conflito entre o Ministério da Cultura (MinC) - organizador do evento dedicado ao Brasil e aberto no último dia 4 - e curadores das exposições, como Alfredo Brito, Lorenzo Mammi, Guy Bueno, Guy Veloso, Sonia Salcedo e Flora

57 Sussekind, selecionados por Adriano de Aquino, curador-geral do festival. Alguns deles agora se organizam para entrar com uma ação judicial em conjunto contra o MinC, para receberem os R$50 mil combinados com Aquino sem contrato. No mês passado, eles foram informados por e-mail de que o cachê seria menor.

- Há dois dias fui procurado por três curadores que, assim como eu, estão dispostos a ir à Justiça para receber os R$50 mil que nos foram prometidos - afirma Guy Veloso, fotógrafo, advogado e curador da mostra de fotografia "Extremes". - Só me informaram que eu receberia R$30 mil quando a exposição já estava no avião.

Curadoria em xeque

Aquino diz que o valor de R$50 mil estava na perspectiva de gastos aprovada pelo comissariado da Europalia no Brasil e que serviu de base para a captação de financiamento via Lei Roaunet. Mas, em setembro, sem a sua participação, o governo criou uma tabela baseada no teto estipulado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), dividindo os curadores em três níveis. Os que montaram as exposições grandes receberão os R$50 mil; os responsáveis por mostras de médio porte ganharão R$30 mil; e os de mostras pequenas, R$15 mil.

O cachê dos curadores é parte do orçamento de R$30 milhões - R$21 milhões dos ministérios da Cultura e das Relações Exteriores e R$9 milhões via Lei Rouanet. Mas, como esses recursos foram liberados menos de um mês antes do início da Europalia, os gastos, a produção e a comunicação entre curadores, governo e produtoras foram afetados. Até 15 de janeiro de 2012, o evento reunirá 18 exposições, como "Art in Brazil (1950-2011)", que reúne obras de Hélio Oiticica a Henrique Oliveira, além de 45 grupos musicais, 40 apresentações de teatro e 57 de dança, mais 90 palestras e conferências, que o MinC espera que atraiam dois milhões de pessoas. Como as exposições - que reúnem arte moderna e contemporânea, entre pinturas, esculturas, fotografias, projetos de design e arquitetura e peças indígenas - foram as primeiras atrações do festival, as artes visuais foram as mais prejudicadas pela correria.

Se por um lado a Bélgica está vendo uma programação de qualidade, com curadores e artistas de renome, chamam atenção as falhas nos aspectos mais básicos. Além da mudança no pagamento estipulada pelo MinC, houve problemas de embalagens no tamanho errado, de falta de passagens e hospedagens para artistas e de troca de obras, no caso da exposição com curadoria de Tulio Mariante. O diplomata Marcelo Dantas, que ocupa o posto de diretor-executivo da Europalia no Brasil, assume-se como o responsável pelas alterações na mostra "Design Brazil":

- Os belgas se queixaram da seleção do Tulio. E, como a exposição não é dele, mas do MinC com a Europalia, pedi à produtora que fizesse as cinco modificações indicadas. Curador nenhum é dono de exposição alguma na Europalia. Ele está fazendo tempestade em copo d"água, e eu não vou ouvir piti por causa disso (leia entrevista com Marcelo Dantas abaixo).

Segundo Adriano de Aquino, a troca de obras é "inadmissível":

- Escolhi curadores com farta experiência e estabeleci com eles uma relação de confiança e autonomia. Ao colocarem em xeque as escolhas do curador Tulio Mariante, põem em xeque a minha também.

58 Os problemas decorrentes da produção apressada, entretanto, não se limitam aos curadores. Convidados para seis apresentações na Europalia, os 12 índios da aldeia Mehinaku viajaram por nove dias entre a Reserva Florestal do Alto Xingu, onde vivem, e Bruxelas. Segundo Makaulaka Mehinako, de 31 anos, eles foram de carro até a pequena cidade de Canarana, onde passaram uma noite até descobrirem a melhor forma de chegar a Brasília. No dia seguinte, acionados pelo MinC, representantes do Museu do Índio os levaram de ônibus até a capital federal, numa viagem que durou 14 horas.

- Lá passamos cinco dias providenciando nossos passaportes. Ficamos hospedados numa pensão bem simples, sem água quente - diz ele, da Bélgica, aonde chegou no dia 11. - Mas nos apresentamos de cueca, não nus como na aldeia.

O artista Antonio Manuel também teve problema de transporte, mas com suas obras. Convidado para participar da exposição "A rua" pelo curador belga Dieter Roelstraete, que esteve duas vezes em seu ateliê, o artista desistiu de ir depois de receber as embalagens das obras no tamanho errado. Foi no dia 28 de setembro, dez dias antes da abertura.

- Era impossível transportar as obras. Foi um improviso, um tratamento amador, indiferente com os artistas - reclama Antonio Manuel, cujo nome ainda está no site da Europalia, assim como o de Arthur Barrio, que também desistiu de participar.

Outros dois artistas também não embarcaram. Convidado pela curadora Sonia Salcedo para fazer uma performance, Romano recebeu a passagem três dias antes do voo. Já Ricardo Aleixo, que também participaria da programação de literatura, nunca foi contactado pelas produtoras responsáveis.

- Não consigo entender por que um artista que foi convidado por dois curadores, um de artes visuais e um de literatura, não foi contactado por ninguém, não recebeu passagem e não sabe nada sobre cachê - diz Aleixo. - Deixar de ir não foi uma decisão minha. Mas não tenho todo o tempo do mundo para esperar as coisas acontecerem./ Colaborou Suzana Velasco

Literatura à espera

Enquanto prepara uma grande mostra em homenagem aos 80 anos do poeta em Bruxelas, a partir de 3 de novembro, e outros eventos da parte literária da Europalia, a professora Flora Sussekind faz um alerta. Diz que ainda não teve "acesso a qualquer atividade de execução orçamentária" para a compra de passagens e pagamentos para os envolvidos no evento.

- Elaboramos um programa relativamente pequeno, aprovado pelo MinC e pela Europalia. A partir de então, toda a tarefa executiva é de responsabilidade do Departamento de Relações Internacionais (DRI) do MinC.

O diretor geral do DRI é o diplomata Marcelo Dantas.

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