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Dedicado à Cristina e ao João David Advertência prévia Este trabalho corresponde à dissertação escrita pelo autor para obtenção do grau de doutoramento em Pré-História pela Universidade de Lisboa. A sua redacção ficou concluída em Abril de 1995, e a respectiva arguição teve lugar em Novembro do mesmo ano. A versão agora publicada beneficiou de pequenos ajustamentos do texto, de uma actualização da biliografia e do acrescento de alguns elementos de informação novos, nomeadamente no que diz respeito a datações radiométricas. A obra compreende dois volumes. No volume II agruparam-se os capítulos sobre a história da investigação e a metodologia utilizada na análise dos materiais líticos, bem como os estudos monográficos das diferentes colecções. No volume I, sintetizaram-se as conclusões derivadas desses estudos, e procurou-se integrá-las num quadro histórico e geográfico mais lato, o das sociedades de caçadores do Paleolítico Superior do Sudoeste da Europa. A leitura do volume I é suficiente para a aquisição de uma visão de conjunto dos conhecimentos actuais respeitantes a este período em Portugal. Uma tal leitura deve ter em conta, porém, que essa síntese pressupõe uma crítica das fontes utilizadas. Em Arqueologia, o instrumento dessa crítica é a análise tafonómica dos sítios e espólios. A argumentação sobre as respectivas condições de jazida é desenvolvida no quadro dos estudos apresentados no volume II. É neles que deve ser buscada a razão de ser das opções tomadas quanto à caracterização dos contextos (ocupações singulares, palimpsestos de ocupações múltiplas), à sua homogeneidade (uma só época ou várias épocas), à sua integridade (em posição primária ou secundária), à sua representatividade (universo ou amostra, recuperação integral ou parcial) e à sua cronologia (ou cronologias). No aportuguesamento da terminologia, adoptou-se critério semelhante ao seguido nas ciências geológicas: o de respeitar a grafia do étimo na sua língua de origem, acrescentando-lhe o sufixo apropriado. Assim, Moustierense, Aurignacense ou Gravettense (períodos/tecnocomplexos do Paleolítico Superior), tal como Ashgiliano, Tournaisiano, Aaliano ou Maestrichtiano (andares do Paleozóico e do Mesozóico). Foi utilizado critério idêntico para os termos da lista-tipo que, embora correntemente utilizados como substantivos comuns, ou não têm tradução possível (raclette), ou têm igualmente uma origem geográfica (microgravette). AGRADECIMENTOS Nesta dissertação encontram-se condensados os resultados de quinze anos de investigação. Ela não pôde ser levada a bom termo senão graças à colaboração que ao longo de todo este tempo lhe foi prestada por muitas pessoas e diversas instituições. Quando comecei, acabava a década de 70, era ainda estudante. Aos meus pais, devo o apoio que nesses anos conturbados sempre me concederam; aos excelentes professores que tive no Liceu Padre António Vieira, devo a formação de base que me possibilitou meter ombros à tarefa; aos meus amigos desse tempo, devo a aprendizagem de uma ética de trabalho em equipa sem a qual ela nunca poderia ter sido concluída; aos membros do G.E.P.P. (Grupo para o Estudo do Paleolítico Português), que me receberam de braços abertos e me iniciaram na prática da Arqueologia de campo, devo a sorte de ter podido dedicar a minha vida profissional ao estudo do passado remoto da Humanidade. A recolha da informação em que esta dissertação se fundamenta foi realizada em grande parte através de trabalhos de prospecção, sondagem e escavação. Foram diversas as instituições que os subsidiaram, e entre elas cumpre salientar: o ex-Instituto Português do Património Cultural; o actual Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico; a Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica; a Câmara Municipal de Tomar; a empresa CELBI; a Câmara Municipal de Torres Novas; a Associação Arqueológica do Algarve; o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Prestaram apoio logístico não menos imprescindível: a Sociedade Portuguesa de Espeleologia; o Centro de Estudo e Protecção do Património da Região de Tomar; o Espeleo-Clube de Torres Vedras; a Faculdade de Letras de Lisboa; a Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia; a empresa Renova. Os trabalhos de campo levados a cabo, entre 1988 e 1993, na região de Rio Maior, fizeram-se em co-direcção com Anthony Marks, e no quadro de um projecto de investigação financiado pela National Science Foundation dos Estados Unidos. Os resultados obtidos foram de grande importância para a construção do primeiro esboço de sequência crono- -estratigráfica do Paleolítico Superior português que aqui se apresenta. Da longa convivência, nem sempre pacífica, mas sempre amigável e frutuosa, com uma tradição de investigação tão diferente da europeia, resultaram inúmeros outros benefícios. Entre eles, quero realçar uma mudança de perspectivas que muito influenciou o modo como esta dissertação acabou por ser organizada: a descentração em relação ao sítio, cada intervenção arqueológica pontual sendo concebida como instrumento de amostragem de uma análise feita à escala do território do caçador e não à do território do arqueólogo. Do projecto de Rio Maior resultou igualmente uma caracterização mais correcta do valor científico do espólio das antigas escavações realizadas na região por Manuel Heleno, o qual se encontra conservado no Museu Nacional de Arqueologia. Ao seu director, Francisco Alves, e a todos os funcionários da instituição, quero agradecer a colaboração nunca regateada, que me permitiu estudar esse numeroso espólio nas melhores condições possíveis. Ao longo de dois anos, a Fundação Gulbenkian contribuiu para este trabalho com uma bolsa solicitada para custear as despesas de ilustração de artefactos. A esse apoio, e à mestria dos ilustradores, deve esta dissertação uma grande parte dos seus eventuais méritos. A Thierry Aubry, que executou a maior parte, devo também a excelente colaboração profissional que tornou possível a construção conjunta do modelo tecnológico da passagem do Gravettense ao Solutrense aqui desenvolvido. Em quinze anos de trabalho de campo, e em onze anos de docência universitária, tive oportunidade de contactar com centenas de jovens interessados pela Arqueologia. As escavações que promovi durante todo esse tempo não teriam sido possíveis sem a participação voluntária e empenhada de muitos deles. O suplemento de ânimo sempre imprescindível na recta final da redacção de um trabalho como este foi-me fornecido pelo entusiasmo com que os estudantes da Escola Secundária de Vila Nova de Foz Côa se lançaram à luta pela salvaguarda do extraordinário complexo de arte rupestre paleolítica que acabava de ser descoberto na sua região. À juventude de Trás-os-Montes, terra dos meus avós, quero manifestar a minha gratidão por ter mostrado, muito melhor do que qualquer pré-historiador alguma vez o poderia ter feito, como a Arqueologia do Paleolítico Superior não é um passatempo exótico para eruditos amadores de ossos, calhaus e rabiscos, mas a busca das raízes da nossa própria condição de seres humanos. A todos, e em particular aos involuntariamente esquecidos, o meu reconhecimento. João Zilhão RESUMO O Paleolítico Superior português é estudado a partir da análise de colecções antigas, inéditas, e dos resultados de trabalhos de campo realizados entre 1979 e 1993 em diversas jazidas da Estremadura (definida como a região geográfica correspondente à faixa litoral situada entre Tejo e Mondego). No volume I apresenta-se uma síntese em que se trata sucessivamente: · da cronologia das primeiras indústrias aurignacenses portuguesas e da sua relação com a problemática da substituição dos neandertalenses pelo homem anatomicamente moderno na Península Ibérica (capítulo 1); · da reconstituição das condições ambientais vigentes na região estudada entre 30 000 e 10 000 BP (capítulo 2); · das características básicas da tecnologia lítica, nomeadamente no que diz respeito à variação diacrónica das estratégias de debitagem laminar e da frequência com que se recorreu à debitagem de tipos especiais de núcleos («raspadeiras» espessas, buris e peças esquiroladas) destinados à produção de barbelas líticas (capítulo 3); · da densidade populacional, da dimensão dos territórios de subsistência, da natureza dos recursos explorados, e das características dos sistemas de povoamento (capítulo 4); · da sequência crono-estratigráfica e dos seus hiatos (capítulo 5); · da comparação com as regiões geográficas vizinhas (Espanha e Sudoeste da França) e da interpretação histórica e paletnológica a dar aos paralelismos e aos particularismos que resultam dessa comparação (capítulo 6). O volume II abre com uma retrospectiva da investigação passada e com a descrição da metodologia utilizada na análise dos conjuntos líticos. Adoptou-se uma perspectiva tecnológica, visando a reconstituição dos sistemas de produção lítica na sua globalidade e o estudo do fraccionamento espacial das diferentes cadeias operatórias, mas sem descurar a classificação tipológica tradicional e a análise mais cuidada de duas classes de utensílios, a das armaduras e a das raspadeiras. Esta perspectiva foi aplicada ao estudo monográfico de todos os contextos arqueológicos conhecidos, que se procurou sempre, simultaneamente, submeter a uma crítica tafonómica. Na Parte I, trata-se do Aurignacense; na Parte II, do Gravettense e do Proto-Solutrense; na Parte III, do Solutrense; na Parte IV, do Magdalenense. A finalizar, numa Parte V, apresentam-se os elementos de informação existentes a respeito de achados avulsos ou de sítios