Libertação Animal
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1 Peter Singer Libertação Animal Título original: ANIMAL LIBERATION 1975, por Peter Singer PETER SINGER Nascido em 1946 na Austrália, o filósofo e bioético Peter Singer iniciou sua carreira acadêmica em 1971, ensinando ética na Universidade de Oxford. Em 1977, Singer tornou-se professor de filosofia na Universidade de Monash, em Melboume, onde entrou para o Centro para a Bioética Humana, que se dedica a estudar as implicações morais das descobertas biomédicas, e ao qual esteve ligado até 1992. Desde 1999 Singer dá aulas no Centro para os Valores Humanos da Universidade de Princeton. Além de Libertação Animal (1975), Peter Singer é autor de Ética Prática (1979) e How Are We To Live? (1993). Para Richard e Mary, e Ros e Stan, e - em especial - para Renata. Esta edição é ainda dedicada a todos os que mudaram as suas vidas para tornar mais próxima a Libertação Animal. Foram eles que tornaram possível acreditar que o poder do raciocínio ético pode sobrepor-se aos interesses da nossa espécie. 2 Índice Prefácio à edição de 1975 Prefácio à nova edição Agradecimentos 1 Todos os animais são iguais... ou por que razão o princípio ético sobre o qual assenta a igualdade humana nos obriga a ter igual consideração para com os animais 2 Instrumentos para a investigação... os seus impostos aplicados 3 Visita a uma unidade de criação intensiva... ou o que aconteceu ao seu jantar quando ele ainda era um animal 4 Ser vegetariano... ou como produzir menos sofrimento e mais alimento com um custo reduzido para o ambiente 5 O domínio do Homem… uma breve história do especismo 6 O especismo hoje... defesas, racionalizações e objeções ao movimento de Libertação Animal, e progressos efetuados na sua resolução Apêndices 1. Bibliografia 2. Vida sem crueldade 3. Organizações Notas Índice Remissivo 3 Prefácio à edição de 1975 Este livro fala da tirania dos animais humanos sobre os não-humanos. Esta tirania provocou e provoca ainda hoje dor e sofrimento só comparáveis àqueles resultantes de séculos de tirania dos humanos brancos sobre os humanos negros. A luta contra esta tirania é uma luta tão importante quanto qualquer outra das causas morais e sociais que foram defendidas em anos recentes. A maior parte dos leitores considerará que aquilo que acabou de ler é um exagero completo. Há cinco anos, também eu teria feito graça das afirmações que agora escrevo seriamente. Há cinco anos, eu não sabia o que sei hoje. Se você ler este livro atentamente, prestando especial atenção aos capítulos 2 e 3, saberá tanto quanto eu acerca da opressão dos animais, e que é possível incluir num livro de tamanho razoável. Depois, poderá julgar o parágrafo inicial: será exagero ou a constatação sóbria de uma situação praticamente desconhecida do grande público? Tudo o que peço é que suspenda o seu julgamento até ter lido o livro. Pouco tempo após ter começado a trabalhar neste livro, a minha mulher e eu fomos convidados para tomar chá - vivíamos então na Inglaterra - por uma senhora que sabia que eu tencionava escrever sobre animais. Ela própria se interessava bastante sobre o tema, disse, e tinha uma amiga que já tinha escrito um livro sobre animais e gostaria muito de nos conhecer. Quando chegamos, a amiga da nossa anfitriã já lá se encontrava e, realmente, mostrou muita vontade de falar sobre animais. "Adoro animais," começou ela. "Tenho um cão e dois gatos, e, sabem, dão-se todos extremamente bem. Conhecem a Sra. Scott? Ela dirige um hospital para animais de estimação doentes..." e por aí afora. Fez uma pausa enquanto se servia do chá, pegou um sanduíche de presunto, e perguntou-nos que animais de estimação tínhamos. Dissemos-lhe que não tínhamos animais de estimação. Pareceu um pouco surpreendida, e mordiscou o sanduíche. A nossa anfitriã, que tinha acabado de servir os sanduíches, juntou-se a nós e retomou a conversa: "Mas é verdade que se interessa por animais, não é, Sr. Singer?" Tentamos explicar que nos interessava evitar o sofrimento e os maus tratos; que nos opúnhamos à discriminação arbitrária; que considerávamos errado infligir sofrimento desnecessário a outro ser, mesmo não sendo esse ser membro da nossa espécie; e que acreditávamos que os animais eram explorados de forma impiedosa e cruel pelos humanos, e queríamos que tudo isto fosse alterado. Para além disto, os animais não nos "interessavam" especialmente. Nenhum de nós tinha gostado excessivamente de cães, gatos ou cavalos, ao contrário de algumas pessoas. Não "adorávamos" animais. Queríamos simplesmente que eles fossem tratados como os seres independentes e sencientes que são, e não como um meio para os fins humanos - como tinha sido tratado o porco cuja carne estava agora nos sanduíches servidos pela nossa anfitriã. Este livro não é sobre animais de estimação. Não é provável que constitua uma leitura confortável para aqueles que consideram que o amor pelos animais só se exprime fazendo uma festa ao gato ou dando comida aos pássaros do jardim. Destina-se, ao contrário, às pessoas que se preocupam com o fim da opressão e da exploração, onde quer que estas se encontrem, e pretendem que o princípio moral básico da igual consideração de interesses não se restrinja arbitrariamente à nossa própria espécie. A presunção de que é necessário ser "amante dos animais" para se interessar por estes assuntos constitui, em si mesma, uma indicação da ausência da menor idéia de que os padrões morais que aplicamos aos seres humanos deveriam abranger os outros animais. Ninguém, exceto um racista que pretenda insultar os seus adversários chamando-lhes "amantes dos pretos", sugeriria que se tem que adorar as minorias raciais - ou considerá-las engraçadas e fofinhas - para mostrar preocupação pela forma como são maltratadas. Sendo assim, por que presumir isto relativamente às pessoas que trabalham para a melhoria das condições dos animais? 4 O retrato daqueles que protestam contra a crueldade para com os animais como "amantes dos animais", sentimentais e emotivos, teve como consequência a exclusão de toda essa questão do nosso tratamento dos não-humanos do debate político e moral sério. É fácil ver porque fazemos isto. Se considerarmos seriamente a questão, se, por exemplo, virmos de perto as condições em que os animais vivem nas explorações pecuárias modernas que produzem a carne que consumimos, podemos sentir-nos pouco à vontade em relação a sanduíches de presunto, à carne assada, à galinha frita e a todos os ingredientes da nossa dieta que preferimos não considerar como animais mortos. Este livro não faz apelos sentimentais à simpatia por animais "fofinhos". Não me choca mais a morte de cavalos ou cães com fins alimentares do que a morte de porcos para o mesmo fim. Quando o Ministério da Defesa dos Estados Unidos descobriu que a utilização de beagles nos testes de gases letais provocara uma onda de protestos e resolveu usar ratos, não me considerei satisfeito. Este livro constitui uma tentativa de pensar atenta e coerentemente a questão de como devemos tratar os animais não-humanos. No processo do raciocínio, expõe os preconceitos que subjazem às nossas atitudes e comportamentos atuais. Nos capítulos que descrevem o que essas atitudes significam em termos práticos - como os animais sofrem devido à tirania dos seres humanos -, existem fatos que despertarão alguns sentimentos. Estes, espero, serão sentimentos de raiva e indignação, que surgirão juntamente com a vontade de fazer algo quanto às práticas descritas. No entanto, em lugar nenhum deste livro eu faço apelo a sentimentos do leitor que não se possam basear na razão. Havendo coisas desagradáveis, seria desonesto tentar descrevê-las de uma forma neutra que ocultasse a sua verdadeira "desagradabilidade". Não é possível escrever objetivamente sobre as experiências conduzidas pelos "médicos" dos campos de concentração nazistas naquelas que eram consideradas criaturas "sub-humanas" sem despertar sentimentos; o mesmo se aplica à descrição de algumas das experiências levadas a cabo hoje em dia em seres não-humanos em laboratórios dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha e de outros países. No entanto, a justificação essencial para a oposição a ambos os tipos de experiências não é emocional. É um apelo a princípios morais básicos que todos aceitamos, e é a razão - e não o sentimento - que exige a aplicação destes princípios às vítimas de ambos os tipos de experiências. O título deste livro tem implícita uma idéia séria. É necessário um movimento de libertação que dê fim aos preconceitos e à discriminação baseados em características arbitrárias como a raça ou o gênero. O exemplo clássico é o movimento de Libertação dos Negros. A imediata atratividade deste movimento e o seu sucesso inicial, embora limitado, tornou-o num modelo para os outros grupos oprimidos. Depressa nos familiarizamos com o movimento de Libertação dos Homossexuais e de movimentos em prol dos índios americanos ou dos americanos falantes de castelhano. Quando um grupo maioritário - as mulheres - iniciou a sua campanha, alguns pensaram que se tinha atingido o fim. A discriminação baseada no gênero, disse-se, era a última forma de discriminação a ser universalmente aceita e praticada aberta e assumidamente, mesmo naqueles círculos liberais que há muito se orgulhavam da sua ausência de preconceitos relativamente às minorias raciais. Devemos sempre acautelar-nos ao falar da "última forma de discriminação subsistente". Se aprendemos alguma coisa com os movimentos de libertação, deve ter sido precisamente a dificuldade de reconhecimento de preconceitos latentes nas nossas atitudes relativamente a grupos específicos, até esses preconceitos nos serem apontados ostensivamente. 5 Um movimento de libertação exige o alargamento dos nossos horizontes. As práticas que anteriormente eram consideradas naturais e inevitáveis passam a ser vistas como resultado de um preconceito injustificável. Quem pode afirmar com alguma confiança que nenhuma das suas atitudes e práticas pode ser posta legitimamente em causa? Se desejamos evitar ser contados entre os opressores, devemos estar dispostos a repensar as nossas atitudes face aos outros grupos, incluindo as mais básicas.