172 Desde Abril De 2000 O Jornal De Literatura Do Brasil
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EDIÇÃO 172 DESDE ABRIL DE 2000 O jornal de literatura do Brasil CURITIBA, AGOSTO DE 2014 | WWW.rascunho.com.br Ser pai, como ser escritor, é um work in progress. Você nunca acaba de aprender e pensa o tempo todo que está errado e errando.” Juan Pablo Villalobos • 4/5 INÉDITO • Poemas > Patrick Holloway • 26 172 • AGOSTO_ 2014 2 quASE-diáRiO : : AffOnSO ROmAnO de sant’anna Há VintE AnOS UEM SOMOS CONTATO ASSINATURA DO JORNAL IMPRESSO CARTAS 21.03.1994 dos bibliotecários, que certa vez, estranhamente, escreveu 24.04.1994 EDIÇÕES ANTERIORES COLUNISTAS DOMJantar CASMURRO naENSAIOS casa E RESENHAS de ENTREVISTASStella MarinhoPAIOL LITERÁRIO PRATELEIRA para RomaricNOTÍCIAS OTRO OJO Buel. Falo um violento artigo no JB sobre minha presença na direção Emanuel Brasil passou comigo diante do Chelsea Hotel, com Cravo Albin sobre a possibilidade de ele doar sua fabulo- da Biblioteca Nacional, alegando essencialmente que eu era em Nova York, onde ficavam artistas e onde Haroldo de Cam- sa coleção de discos à Fundação Biblioteca Nacional (FBN). um poeta que ele admirava, mas que não entendia nada de pos (literariamente) fez questão de se hospedar. O hotel hoje é Possibilidade de convertermos em fundação a sua casa, sugeri biblioteconomia. Isto foi chocante e surgia na hora em que uma espelunca. Quadros horríveis na parede, teto sujo. Fui até patrocínio. Ele ficou encantado com a ideia. Chegou Renato o corporativismo dos bibliotecários se levantava aqui e ali, a um quarto para ver: até cortina de plástico rasgado tinha no Archer, da Embratel; quem sabe ele patrocina esse projeto? evidentemente me constrangendo. banheiro. Saí correndo para onde estavam para o Olcott, perto Nesta semana veio me entrevistar Denis Moraes para O Edson na plateia, eu evitando olhá-lo. Alguém até me do Central Park, onde estive com Marina noutra ocasião. uma biografia de Henfil. Sempre fui amigo de Henfil, desde o disse que ele pedira um exemplar de Poesia sempre, eu ne- DM2 do Diário de Minas, que dirigi, onde de alguma manei- guei, pois achava que ele ia me esculhambar de novo dizendo 27.05.1994 ra ele começou. São tantas estórias, dele do Betinho, etc. Mas que a FBN publicava poesia e não coisas bibliográficas. Morte no trem. O trem vai partir entre Bruges e Frank- me surpreendi como me esqueci das coisas. Como o avião da volta coincidia com o término da con- furt. Atrasou 40 minutos. Morreu uma pessoa. Chega a am- Por falar em esquecimento, me lembrei agora da ceri- ferência, não pude conversar muito com as pessoas. Mas bulância. Desceram médicos, enfermeiras, etc. Tudo silen- mônia na FBN em homenagem a Graciliano. Estavam lá pa- percebi que o Edson queria se acercar de mim. Chego ao ae- cioso. Pessoas discutem e olham à distância. Contemplam rentes do romancista, amigos e o Nelson Pereira dos Santos. roporto, entro no avião, relaxo e pego por acaso um jornal da janela do trem, da plataforma. Localizo uma linda mulher Pedia eu que as pessoas contassem o que sabiam sobre o ve- do dia. E aí vem a coisa inacreditável. Um artigo do Edson que eu e Marina admiramos. O que é a beleza! O que terá ela lho Graça. Chegou a vez do Alberto Passos, a quem Gracilia- Nery da Fonseca se desculpando publicamente de ter me na cabeça? Como será que ama? É tão linda! Plácida. Tem um no dedicou Caetés. Chamei-o para falar, ele veio à frente de atacado injustamente. Eu nunca vi isto em nenhum lugar. A coque. Olhos azuis. Traços angelicais, perfeita de frente ou de todos e ficou em silêncio. O chamado silêncio constrangedor. pessoa ter essa coragem de se retratar em público, elogiando perfil. Ela também olha a cena da ambulância. Um indiano De repente, se explicou emocionado: “Desculpem-me. Não o trabalho que estava sendo feito à frente da FBN. Começa- olha. Um turco olha e fuma no vagão dos não fumantes. me lembro de nada”. va assim: “Quem leu meus protestos contra a nomeação de Depois retiram o corpo involucrado e na maca. Não têm Affonso Romano de Sant’Anna para a presidência da Biblio- pressa. Já está morto. Olham todos. No Brasil a cena seria 25.03.1994 teca Nacional e sua permanência nesse cargo talvez estranhe outra, barulho, movimento, emoção. A gente, todo mundo se Costa Rica. Festival de Poesia. Coisas/frases dos poetas o presente artigo. Pode até pensar que houve engano do jor- indagando: Quem é? Como foi? Que idade tinha? no festival de poesia: nal na atribuição da autoria. Puro engano. Como dizia Clau- O corpo desce do trem para a ambulância. Alguém des- Juan Gelman (argentino), citando um comunista rus- del, ‘reservo-me o direito de contradizer-me’”. E fazia uma ce com uma bolsa e um casaco. Dever ser da morta. so: “O futuro é incerto, mas o passado é improvável”. autocrítica. O trem vai partir. A morta partiu antes. Jorge Adoun (Equador) — me mostra a foto de um ca- Vou lhe escrever uma carta fraterna. sal abraçado, mas abraçados há oito mil anos. Foram encon- 16.07.1994 trados no Equador. Jorge escreveu um poema sobre a foto. 22.04.1994 Olimpio Mattos, pesquisador da BN, traz 34 poemas/ Fizeram também um balé com o tema. Eduardo Galeano es- Colômbia. A Móbil Oil (Michel Morgan) oferece um cópias de O momento feliz, de Drummond. Isto há três creveu algo. Posso fazer uma crônica/poema. jantar no Quatro Estaciones. A movimentação para os res- dias. É um poema sobre o tricampeonato em junho de 1970. taurantes foi feita num carro histórico, pois a Móbil Oil com- Detalhe: CDA colocou um passepartout em todas as cópias 29.03.1994 prou o carro que teria sido de Somoza, um veiculo brindado. dos poemas publicados no JB e colocou também dedicatórias Inacreditável o que aconteceu após a conferência na O ditador nicaraguense havia encomendado esse carro para para todos os jogadores e membros da seleção. Fundação Joaquim Nabuco/Recife, onde fui falar no semi- se proteger. Não teve jeito. Mataram-no quando ele foi ao Combino com a TV Globo: mandarei um fax para Car- nário sobre Tropicologia, a respeito de “Carnavalização e so- Paraguai, duas semanas antes de receber essa viatura. Muito los Alberto Parreira (que é um dos homenageados de CDA) ciedade brasileira”. estranho estar nesse carro. com cópia do poema e da dedicatória, convidando-o a rece- Presente um bom público. Noto que lá está Edson Nery Volto ao hotel e a TV anuncia que Richard Nixon mor- ber o original na BN. A ideia é que todos os jogadores façam da Fonseca, um dos mais respeitáveis intelectuais e decano reu de ataque cardíaco. o mesmo, venham. NESTA EDIÇÃO TRANSLATO : : EDUARDO FERREIRA O DOENTE 06 André Viana E O TEXTO LANÇA BOCA DO INFERNO UEM SOMOS CONTATO ASSINATURA DO JORNAL IMPRESSO CARTAS 10 Otto Lara Resende DE SI SIGNIFICADOS EDIÇÕES ANTERIORES COLUNISTAS DOM CASMURRO ENSAIOS E RESENHAS ENTREVISTAS PAIOL LITERÁRIO PRATELEIRA NOTÍCIAS OTRO OJO MADRUGADA SUJA 19 miguel Sousa tavares texto lança de si sentidos, vários, Milagres da pena, tradução. de tantas palavras. A palavra que não se es- tantos. Explosão. Caos feito dessa Nesse atrito, friccionar texto contra creveu, mas que esteve presente na ponta da confusa profusão de significados, circunstâncias — buscar no contexto o efeito pena. À beira de. Retomar não a real e ine- AGUAPÉS O à espera de seu próprio demiurgo. surpreendente. Roçar a pena no papel: dos quívoca intenção original do autor, mas a Jhumpa Lahiri Há que capturá-los, soltos no ar, presos no sulcos, palavras. Das raspas ainda quentes — sensação daquele gesto esquecido — o gesto 22 papel, livres na mente. Há que identificá-los, pastoso-plásticas, moldáveis — novas quime- que se desenhou na gênese do texto. classificá-los, aplicar-lhes pacientemente ras feitas ideias. Das faíscas, tradução. Encontrar, na tradução, a velha sensa- fina taxonomia. E ir além: aplicar-lhes arte — Mergulhar na aparente lisura do texto ção da surpresa, literatura. Saber, o tradutor, literatura, o requinte da palavra — mais que e sentir todo o seu áspero relevo: ravinas ca- maravilhar-se uma e outra vez com as repe- ofício. Trazê-los de volta ao rés da folha, fixá- vadas pelo escoar de tantos sentidos. Sentir a tições surradas — e transformá-las em nova -los, gravá-los em nova roupagem. textura ríspida dos sulcos rascados, feitos à literatura. Saber renovar um texto velho, ori- O texto também espraia sentidos. Cria- custa do rasgo da pena. Enxergar além do es- ginal. Encontrar encanto, tradução. ção via dispersão, como descargas que vão pelho plácido do texto, verdadeira tradução. O original não seria álbum de fotos, CARTAS semear novas palavras. Fagulhas que já não Na tradução, desafiar de novo a verdade mas imagem em movimento, literatura. O : : [email protected] : : guardam vínculo sólido com o fogo que as ori- do original — como em cada leitura. Aceitar o corte, cirúrgico, deve passar despercebido, a ginou. Só o risco luminoso no ar, fugaz. Há que desafio que lançou lá atrás o autor. Elucidar montagem sólida e convincente, sem costu- reuni-los, os sentidos, ordená-los, colocá-los o enigma, inteiro ou parcialmente. Fixar nova ras aparentes, embora inevitáveis. Trabalho em forma que volte a fazer sentido. Enfeixar verdade, para que outra vez enfrente o mesmo do tradutor sobre o texto. Obra que, embo- UEM SOMOS CONTATO ASSINATURA DO JORNAL IMPRESSO CARTAS REcOnHEcimEntO ideias esparsas para, no firme atrito ideia con- desafio, num rito de eterno retorno: tradução. ra não lapidar, saiba lançar de si as mesmas EDIÇÕES ANTERIORES COLUNISTAS DOM CASMURRO ENSAIOS E RESENHAS ENTREVISTAS PAIOL LITERÁRIO PRATELEIRA NOTÍCIAS OTRO OJO tra ideia, gerar chispa e texto novo, tradução.