À Beira Do Tempo E Do Espaço: Tradição E Tradução Da Espanha Em Murilo Mendes
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Patrícia Riberto Lopes À BEIRA DO TEMPO E DO ESPAÇO: TRADIÇÃO E TRADUÇÃO DA ESPANHA EM MURILO MENDES Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2008 Patrícia Riberto Lopes À BEIRA DO TEMPO E DO ESPAÇO: TRADIÇÃO E TRADUÇÃO DA ESPANHA EM MURILO MENDES. Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Letras, Estudos Literários. Área de concentração: Literatura Comparada. Orientadora: Profa. Dra. Graciela Inés Ravetti de Gómez. Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2008 Exame de tese LOPES, Patrícia Riberto. À beira do tempo e do espaço; tradição e tradução da Espanha em Murilo Mendes. Tese de Doutorado em Letras, Estudos Literários, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, 2º. semestre de 2007. Banca examinadora Drª Graciela Inés Ravetti de Gómez – Orientadora (UFMG) Exame em ____ / ____ / ____ Conceito: ________________ Aos discípulos AGRADECIMENTOS À minha família, pela compreensão e apoio constantes, em especial ao Jander, pelo imenso amor. À professora Graciela Ravetti, pela orientação na medida certa e pelo visionarismo. Por sempre enxergar o humano, para além das circunstâncias. Aos membros da banca, pela gentileza de aceitarem o convite e por colaborarem no aperfeiçoamento deste trabalho. Aos professores do programa, pela generosidade em compartilhar conhecimentos e aos funcionários da FALE, pela colaboração. À equipe do Centro de Estudos Murilo Mendes, da UFJF, pela presteza no compartilhamento de informações. A flecha O motor do mundo avança: Tenso espírito do mundo, Vai destruir e construir Até retornar ao princípio. Eis-me sentado à beira do tempo Olhando o meu esqueleto Que me olha recém-nascido. Belas mulheres que amei Ensaiam o vestido de terra Para o sono familiar Na pedra que não se move. O motor do mundo avança. Murilo Mendes RESUMO Este trabalho pretende, pela análise de Tempo espanhol e Espaço espanhol, contribuir para o estudo das complexas relações de Murilo Mendes com a tradição européia, refletindo sobre sua relação com a Espanha através do conceito de tradução enquanto possibilidade operacionalizadora da articulação entre tradições. Nesse sentido, partindo das categorias tempo e espaço como fundamentos sobre os quais se assentam as concepções de realidade, de mundo e de identidade, portanto também de tradição, procuramos delimitar os seus conceitos nos livros em análise, buscando constatar nos contornos desta Espanha traduzida elementos que permitam estabelecer aspectos pouco explorados do perfil do poeta. ABSTRACT This work intends to promote the study of the complex relationship between the brazilian poet Murilo Mendes and the european tradition, analyzing the Tempo espanhol and the Espaço espanhol, examining his relationship with Spain by the concept of translation as an operational tool to articulate different traditions. In this way, beginning with time and space categories as a plea where the concepts of reality resides, the world and identity, and thus the tradition, we looked for a limit of his concepts in the books studied, trying to verify, in the outline of this translated Spain language, the elements that allowed the establishment of less explored aspects of the poet profile. S U M Á R I O 1 INTRODUÇÃO 2 MURILO MENDES E A TRADIÇÃO EUROPÉIA 2.1 LITERATURA E HISTÓRIA: AS FORMAS DA MEMÓRIA CULTURAL NA OBRA MURILIANA 2.1 A FORTUNA CRÍTICA REFERENTE À RELAÇÃO DE MURILO MENDES COM A EUROPA E SUA TRADIÇÃO 2.2 A EUROPA NA OBRA DE MURILO MENDES 3 MURILO MENDES E A TRADUÇÃO ESPANHOLA 3.1 AS ESTRATÉGIAS DO TRADUTOR: MURILO COLECIONADOR 3.2 A COLEÇÃO ESPANHOLA DE MURILO MENDES 3.3 A PHILIA MURILIANA: UMA AMIZADE POÉTICA ENTRE BRASIL E ESPANHA 4 O TEMPO E O ESPAÇO ESPANHÓIS DE MURILO MENDES 4.1 TEMPO ESPANHOL 4.1.1 Primeiro tempo: tempo clássico de formação 4.1.2 Segundo tempo: humanidade, experimentalismo e concisão à medida de Castela 4.1.3 Terceiro tempo: tempo de cante flamenco 4.1.4 Quarto tempo: morte e ressurreição 4.2 ESPAÇO ESPANHOL 5 CONCLUSÃO 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 7 APÊNDICES 1 INTRODUÇÃO Estar à beira pode parecer uma situação pouco confortável. Nem dentro, nem fora, a beira é um local limítrofe, fronteiriço, marginal. Na obra de Murilo Mendes, no entanto, a beira surge como um local privilegiado, prestigiado pelo poeta em vários textos, apontando para uma localização diferenciada, tanto no tempo, quanto no espaço. No poema “A flecha”, que abre como epígrafe este trabalho, vê-se uma imagem que retrata bem esta localização: “Eis-me sentado à beira do tempo/ olhando o meu esqueleto/ que me olha recém-nascido.” Nascido significativamente no princípio do século XX, em 1903, na cidade de Juiz de Fora, interior de Minas Gerais, Murilo Mendes impôs como marca em sua vida e obra a liberdade com que percorreu tempos e espaços variados, passado, presente e futuro desfilando em seus textos por espaços geográficos, culturais e simbólicos em um roteiro amplo, por vezes vertiginoso, no qual se destaca marcadamente o espaço europeu. Uma rápida observação da obra do poeta basta para constatar-se sua forte relação com a Europa. “Peregrino europeu de Juiz de Fora”, como o denominou o poeta Carlos Drummond de Andrade, o velho continente fez parte de sua vida e se transformou, também, em matéria para seus poemas. Ao longo de sua obra, múltiplas cidades européias surgem como lugares de uma topografia poética, principalmente em Carta Geográfica, “diário poético das doutas vagabundagens do poeta pelo mundo afora”, nas palavras de Luciana Stegagno Picchio, que destacam uma característica de nômade na vida e na poesia de Murilo Mendes, muito antenada com uma das faces da modernidade e da pós-modernidade. Em meio a estes lugares, alguns países destacam-se especialmente por terem livros a eles dedicados. É o caso da Itália, de Portugal e da Espanha, tematizados nos livros Siciliana, Janelas Verdes e Tempo Espanhol, por exemplo. Ao pensar na ligação do poeta com a Itália, um dado biográfico se destaca: essa foi a terra na qual se fixou o poeta por 18 anos. Trabalhando como professor de Literatura Brasileira na Universidade de Roma a partir de 1956, Murilo Mendes não mais voltou a residir no Brasil, tendo sido a casa da Via del Consolato seu último endereço. Portugal, por sua vez, foi para Murilo Mendes uma “segunda pátria, terra da ancestralidade e do amor”, como ele mesmo a definiu, terra com a qual o poeta se 11 relacionava por múltiplas vias: a de ordem afetivo-pessoal, por seu casamento com Maria da Saudade e pelo convívio com Jaime Cortesão, sogro e amigo; outra de ordem histórico- cultural, proveniente do processo histórico que uniu desde sempre o Brasil a Portugal. Dessa maneira, Portugal transformou-se para ele em uma terra familiar, onde passou “longos e agradáveis séjours”. O livro Janelas Verdes, dedicado a cenas e personagens portuguesas, permite-nos perceber o afeto do poeta para com essa terra, sendo um livro todo marcado por esse sentimento, como explicita o próprio poeta nas Notas do autor, que apresenta ao final do livro: “(...) querendo dessacralizar a temática e as fórmulas, quase sempre convencionais ou ridículas, “Portugal pequenino”, “Portugal dos meus avós”, procedi com extrema liberdade e desenvoltura. Espero, entretanto, que tenha deixado aqui a marca do meu afeto.” (MENDES, op. cit., p. 1444) A Espanha, por outro lado, não tendo sido local de moradia do poeta, parece ter sido no entanto um dos locais de sua predileção, terra pela qual nutria especial interesse e curiosidade. Leitor aplicado da literatura espanhola, principalmente da poesia de seu tempo, admirador e estudioso das artes em geral, Murilo Mendes encontrou na Espanha um tema de estudo que o inquietava como uma questão a desvendar. Conforme escreveu, a Itália lhe parecia um país traduzido e a Espanha um país a traduzir. Desde sua primeira viagem a Europa, Itália e Espanha foram locais privilegiados pelo poeta. De setembro de 1952 a 1955 Murilo viajou pela Europa conferenciando em universidades sobre literatura e cultura brasileiras. Nesse período, percorreu a Itália e a Espanha, vindo a escrever, entre 1954 e 1955, as poesias de Siciliana, e entre 1955 e 1958 as de Tempo Espanhol. Em 1957, fixou residência em Roma, contratado pelo Departamento Cultural do Itamarati como professor de Estudos Brasileiros. Instalado na Itália, pode vivê-la cotidianamente. Mas a Espanha continuou sendo tema para sua escrita, produzindo entre 1966 e 1969 o livro em prosa Espaço espanhol. Sobre sua representação da Espanha, alguns comentários de poetas dirigidos ao autor querem atestar sua validade. João Cabral de Melo Neto, poeta conhecedor da Espanha, principalmente de Sevilha, onde residiu em funções diplomáticas, em carta dirigida a Murilo Mendes após a leitura de Tempo espanhol escreve: “Quanto à Espanha do livro: devo dizer que a sua deixa a minha humilhada. V. tem sobre este servidor (como dizem os espanhóis) duas vantagens para falar da Espanha: uma é o tom de veemência explosiva que é o próprio dos espanhóis (enquanto que a minha veemência é uma veemência incisiva, pouco espanhola, 12 ou quando não, menos espanhola do que a sua); a segunda vantagem é o seu catolicismo. (...) Quero dizer: sua posição intelectual é muito mais ampla e abarca as Espanhas branca e negra. Você não está dividido e pode exaltar tudo o que interessa à sua sensibilidade (...) a Espanha do Caudillo só vê a Águia dos Áustrias: eu só vejo o galo de Morón de la Frontera (sin plumas y cacareando). Ao passo que V. vê e trata dos dois.” (apud ARAÚJO, op.cit., p.193, grifos nossos) João Cabral destaca o fato de Murilo não estar comprometido com nenhum discurso homogeneizante, não estando dividido e podendo falar sobre o que à sua sensibilidade agradar.