CHICA CHICA BOOM CHIC: UMA DANÇA ENTRE ESTADOS UNIDOS E BRASIL Káritha Bernardo De Macedo1
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CHICA CHICA BOOM CHIC: UMA DANÇA ENTRE ESTADOS UNIDOS E BRASIL Káritha Bernardo de Macedo1 Resumo: O presente artigo propõe uma breve análise da cena de abertura do filme estadunidense Uma Noite no Rio (That Night in Rio, 1941), focando-se nos papéis desempenhados por Carmen Miranda e Don Ameche na performance musical Chica Chica Boom Chic. Nesta análise, busca-se questionar as estratégias de poder e dominação simbólicas dos Estados Unidos sobre o Brasil e a América Latina articuladas no plano diegético, principalmente através da caracterização dos gêneros feminino e masculino, os quais denotam respectivamente as nações e espaços culturais que representam. A produção deste e de uma série de outros filmes se liga a uma etapa da Política da Boa Vizinhança implementada pelos Estados Unidos, de intensa aproximação com os países latino- americanos. Nos filmes hollywoodianos em que Carmen Miranda participou nesse período, especificamente pelo estúdio Twentieth Century Fox entre 1940 e 1945, existia um esforço para se criar representações de brasilidade e latinidade a partir dos enredos, cenários, personagens, figurinos, performances e de toda a complexidade da linguagem cinematográfica. Essa imagem era forjada pelo olhar estadunidense e para o consumo de seu próprio paladar, que todavia, ecoam no século XXI como subsídios para uma narrativa deturpada e inferiorizante de identidade feminina brasileira, bem como de Brasil e de América Latina. Palavras-chave: Boa Vizinhança. Carmen Miranda. Identidade cultural. Introdução O presente artigo propõe uma breve análise da cena de abertura do filme estadunidense Uma Noite no Rio (That Night in Rio, 1941), focando-se nos papéis desempenhados por Carmen Miranda e Don Ameche na performance musical Chica Chica Boom Chic. Nesta análise, busca-se questionar as estratégias de poder e dominação simbólicas dos Estados Unidos sobre o Brasil e a América Latina articuladas no plano diegético, principalmente através da caracterização dos gêneros feminino e masculino, os quais denotam respectivamente as nações e espaços culturais que representam. A produção deste e de uma série de outros filmes se liga a uma etapa da Política da Boa Vizinhança implementada pelos Estados Unidos, durante o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, de intensa aproximação com os países latino-americanos. A Boa Vizinhança era pautada especialmente por uma abordagem cultural que visava convencer os países latino-americanos da capacidade de liderança dos Estados Unidos, bem como, da superioridade do American way of life, junto com todos os produtos que vinham associados a ele. Nos filmes hollywoodianos em que Carmen Miranda participou nesse período, especificamente pelo estúdio Twentieth Century Fox entre 1940 e 1945, existia um esforço para se 1 Professora do Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC, Campus Gaspar, Área do vestuário, Curso de Tecnologia em Design de Moda, Gaspar, Santa Catarina, Brasil. 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X criar representações de brasilidade e latinidade a partir dos enredos, cenários, personagens, figurinos, performances e de toda a complexidade da linguagem cinematográfica. Essa imagem era forjada pelo olhar estadunidense e para o consumo de seu próprio paladar, que todavia, ecoam no século XXI como subsídios para uma narrativa deturpada e inferiorizante de identidade feminina brasileira, bem como de Brasil e de América Latina. 1. Uma Noite no Rio (That Night in Rio, 1941) No conjunto de filmes protagonizados por Carmen Miranda durante a Boa Vizinhança, notou- se que enquanto a imagem dos Estados Unidos era então associada à modernidade, à racionalidade, à competência e ao mundo do trabalho, a imagem dos latino-americanos e das personagens da atriz era associada à primitividade, à irracionalidade, ao atraso, à incompetência e ao mundo do prazer. Essa perspectiva de uma relação dual de oposição e complementariedade vinha dos Estados Unidos e estava ligada aos interesses do país para com a América Latina, bem como, ligava-se às construções culturais já existentes. No espetáculo de Uma Noite no Rio (That Night in Rio, 1941), Chica Chica Boom Chic, analisa-se as dualidades racionalidade, competência/ irracionalidade, incompetência através dos personagens: o ator Larry Martin (Don Ameche) e a corista Carmen (Carmen Miranda). Larry Martin é um ator estadunidense que veio trabalhar no Cassino Samba, fazendo performances musicais. Sua parceira nos palcos e fora deles é a marcante e temperamental cantora carioca, Carmen. Entretanto, o ator estrangeiro não se satisfaz apenas com a namorada brasileira e persegue outras mulheres, principalmente a compatriota e esposa do barão, Cecília. A relação entre Carmen e Larry é intensa e turbulenta, as brigas são geralmente motivadas pelo feroz ciúme da moça e pelos indícios de traição dele. Larry é eficiente e atinge os objetivos desejados pelos empresários latino-americanos, reforçando a incompetência de gestão desses últimos, superando até mesmo Machado, considerado o mais ávido e capacitado dos executivos latinos. A dualidade que contrapõe a ideia de racionalidade e eficiência estadunidense contra uma possível irracionalidade e incompetência latino-americana, seria frequentemente associada a ideia de passionalidade e amplamente explorada através dos números musicais e das personagens de Carmen Miranda. Em Uma Noite no Rio (That Night in Rio), é Carmen quem abre o filme com uma performance musical, que apresenta o Rio de Janeiro cenográfico em festa e enfatiza a Boa Vizinhança. Embora a personagem de Carmen Miranda seja fictícia, é uma artista brasileira que se chama Carmen e canta sambas e outros ritmos identificados como latinos em um cassino, podendo ser associada com a 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X trajetória pessoal de Carmen Miranda. Sua personagem é coadjuvante e faz parte de um triângulo amoroso um tanto diferenciado, já que seu parceiro interpretava dois papéis, Don Ameche era o estadunidense Larry Martin e o brasileiro barão Manoel Duarte. O cliché das identidades trocadas tem a função nesse filme de mostrar que a América do Norte e a América do Sul (entendida como América Latina) compartilham características, reforçando os “laços comuns” que não devem ser abandonados, algo que Larry Martin anuncia em Chica Chica Boom Chic, pois juntos se complementam. Na opinião de Freire-Medeiros (2002, p.58, tradução nossa), simbolicamente, a convergência dos personagens pode ainda ser “para o bem (o conhecimento de línguas estrangeiras) ou para mal (para promover uma atitude machista em relação às mulheres)”2. 2. Carmen e a alegria de Chica Chica Boom Chic A cena que será analisada é o número musical Chica Chica Boom Chic, que abre Uma noite no Rio (That Night in Rio, 1941) com um dueto entre Carmen (Carmen Miranda) e Larry Martin (Don Ameche), fazendo uma apresentação do Rio de Janeiro, local em que se passa o filme. A performance entusiástica e multicolorida cria uma alegoria da cidade, do estilo de vida brasileiro e das relações entre América Latina e Estados Unidos, rompendo as fronteiras entre real e irreal. A transição em fade in desvela Carmen Miranda dentre fogos festivos e os braços ondulantes de suas dançarinas, versões menos elaboradas da “baiana” que abrem alas para a cantora. O traje de Carmen está mais imponente que os modelos anteriores, sua baiana estilizada é recoberta de paetês que reluzem ao menor movimento, inteiramente em prata, exceto pelas frutinhas do proeminente turbante. Com muito ânimo, Carmen canta e dança o Chica Chica Boom Chic. Ela está a frente de uma roda de samba, cercada por outras coloridas “baianas” e “malandros” do samba. A despeito da “pintura” do Pão do Açúcar que faz o fundo do palco, a composição e o cenário com casas coloniais parecem transportar o público a um pedaço da Bahia, criando uma imersão desta no Rio de Janeiro. 2 “(...) North and South Americans share common features, be it for good (the knowledge of foreign languages) or for bad (to promote a chauvinist attitude toward women)” (FREIRE-MEDEIROS, 2002, p.58). 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X Figura 1- Carmen (Carmen Miranda), cantando o Chica Chica Boom Chic, em Uma Noite no Rio (That Night in Rio, 1941). Fonte: Reprodução de Uma Noite no Rio (That Night in Rio, 1941). Essa disposição inicial em muito se assemelha ao número O Que é que a Baiana Tem, última participação de Carmen Miranda no cinema brasileiro (Banana da terra, 1939). Usar como referência um material produzido pelo próprio país retratado, aparentemente, seria suficiente para prevenir os equívocos e os conflitos diplomáticos, pois nenhuma cena foi gravada no Brasil. O Rio é introduzido como um lugar exótico, de festas, belezas naturais, onde a natureza selvagem converge-se ao corpo latino-americano, especialmente, o feminino. Para os produtores do filme, os elementos que representavam o Brasil estavam situados dentro da praça cenográfica: a “floresta, fogos para dar idéia (sic) de festa, Pão de Açúcar pra situar o espectador, algumas casas pra não dar idéia (sic) de uma selva completa; dançarinas; músicos com instrumentos bem brasileiros (cuíca, pandeiro, cavaquinho, etc.)”, um amontoado de pessoas dançando com a despreocupação supostamente “natural” com uma organização (DINIZ, 2012, p.163). Anna Carolina