Lara, Diana E Márcia De Irmãos Coragem (1970-71)

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Lara, Diana E Márcia De Irmãos Coragem (1970-71) Lara, Diana e Márcia de Irmãos Coragem (1970-71) e Tarso de Caminho das Índias (2009) – duas abordagens distintas sobre a representação da loucura na telenovela brasileira1 Ana Carolina MAOSKI2 José Carlos FERNANDES3 Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR Resumo Esta pesquisa investiga a reprodução social do imaginário da loucura na telenovela brasileira. Parte, para tanto, da análise dos enredos que cercam dois personagens identificados como portadores de transtornos mentais: Lara de Irmãos Coragem (1970-71), que sofre do transtorno dissociativo de identidade e Tarso de Caminho da Índias (2009), que é afetado pela esquizofrenia. Considera-se que a telenovela é um produto de relevância sociocultural no país e que cria intersecções entre a realidade e a ficção. Ao se apropriar das questões do social, incorpora tais temas a um produto de entretenimento – o que permite a naturalização de aspectos que costumam ser marginalizados, em se tratando da problemática dos transtornos mentais. Apresenta-se aqui quais são as questões exploradas pelas telenovelas em análise, e de que maneira os discursos presentes nos enunciados dialogam com seus contextos e rotinas de produção. Palavras-chave: História das Mídias Audiovisuais; Telenovela; Imaginário; Loucura. Introdução Este artigo trabalha a questão da loucura tendo em vista o conceito de imaginário, entendido como um museu não material, que está presente no inconsciente coletivo e que abriga “todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas” (DURAND, 2004, p. 6) – um conjunto simbólico de representações que se traduz de diferentes formas no cotidiano. Se pensarmos que todo produto cultural, seja ele clássico e erudito ou popular e de massa, estabelece relações com o imaginário, com as telenovelas não seria diferente. Nesta modalidade de programa televisivo de massa, as questões referentes à loucura deveriam 1 Trabalho apresentado no GT História das Mídias Audiovisuais integrante do 11º Encontro Nacional de História da Mídia. Trabalho Concorrente ao Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia 2017. 2 Autora. Bacharela em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, email: [email protected] 3 Co-autor e orientador da pesquisa. Doutor e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente da graduação em Comunicação Social - Jornalismo da UFPR, email: [email protected] 1 passar por algum tipo de representação do imaginário por meio dos seus personagens e suas tramas. A telenovela brasileira se constitui em um dos mais – senão o mais – autêntico produto da televisão nacional. Sua capacidade de sintetizar os diferentes imaginários que compõem o tecido social faz com que a novela expresse os vários repertórios culturais na forma de uma “nação imaginada” (LOPES, 2009). Levando para as telas da televisão narrativas sobre a sociedade brasileira – sendo um produto que “consegue interligar dimensões temporais, com histórias passadas em várias épocas, contribuindo para a construção de uma memória coletiva, constituindo-se em documento histórico (...)” (MOGADOURO, 2007, p. 88) Indaga-se de que maneira estes dois temas aparentemente distantes – loucura e telenovela – se relacionam. De modo que o trabalho investiga como um tema de interesse social, a loucura, passa pela produção cultural de massa através da análise de personagens de telenovelas. A pesquisa pergunta se, e em que medida, a telenovela replica uma ideia de loucura, com base em modelos construídos no imaginário. É importante entender como os personagens retratados com algum tipo de transtorno mental são desenhados; e como essa reprodução de imaginários reflete os contextos específicos de enunciação. Ou seja, entende-se que os imaginários se moldam às épocas em que se manifestam. Os objetos de análise serão personagens retratados com algum distúrbio, assim como os discursos que cercam as suas representações nas tramas. Leva-se em consideração no momento de escolha dos personagens analisados, aqueles que foram marcantes no imaginário popular, e que permitem a articulação de um debate a respeito da abordagem das doenças mentais na telenovela brasileira. É importante ressaltar que foi feito um mapeamento sem o rigor científico cabível a um estudo psiquiátrico. Buscou-se casos de representação midiática da loucura. A partir deste levantamento, chegou-se a dois personagens: Lara (Irmãos Coragem) e Tarso (Caminho das Índias). Utilizando esses personagens como referência, estabeleceu-se dois marcos temporais para a análise, um ligado à psicanálise e aos discursos científicos sobre os transtornos mentais; e outro pós-luta antimanicomial. Glória Menezes, ao interpretar a mulher de muitas personalidades Lara, Diana e Márcia em Irmãos Coragem (1970-71) – obra de Janete Clair – apresentou um discurso da loucura como elemento de dramatização da narrativa. As análises são calcadas nos estudos psicanalíticos de Freud sobre a histeria – bem como em relação ao 2 uso recorrente da imagem do duplo nas telenovelas, e as oposições entre conhecimento popular e conhecimento científico. O personagem Tarso Cadore, interpretado por Bruno Gagliasso em Caminho das Índias (2009), foi um marco na representação da esquizofrenia, uma vez que esta foi a primeira abordagem em que a doença foi nomeada. A produção fugiu da ideia vazia e pejorativa de simples “loucura” e fez um esforço em trabalhar a atuação dentro de características nosológicas4 da doença. Além disso, Glória Perez, a autora da trama, propôs na obra uma nova perspectiva do transtorno mental, tendo por objetivo a sua desmistificação (AZEVEDO, 2012, p. 5). Ao analisar os diferentes tratamentos dados às doenças mentais na telenovela brasileira nesses determinados períodos, pretende-se compreender como se constrói a relação dos transtornos mentais com a telenovela. Há aqui o objetivo geral de identificar de que forma esses personagens das novelas analisadas reproduzem as concepções presentes no imaginário da loucura construído pela sociedade em diferentes períodos históricos, constatando em quais momentos surgem padrões e/ou pontos de ruptura entre essas representações, e também qual a ligação desses acontecimentos com a realidade externa à obra ficcional. Irmãos Coragem (1970-71) e a Popularização do Plot 5 de Dupla Personalidade O transtorno dissociativo de identidade é o atual termo utilizado para se referir ao fenômeno inicialmente conhecido como transtorno de múltiplas personalidades, ao qual nos referimos popularmente como dupla personalidade. O conceito de dissociação na psiquiatria se refere à condição na qual o indivíduo passa por um processo de desagregação parcial ou total das funções que normalmente integram consciência, memória e identidade (CHENIAUX e FERNANDEZ, 2010). Diferentemente da esquizofrenia, onde o que ocorre é a cisão da mente – condição que impede o indivíduo a distinguir o real e o imaginário, fazendo com que este perca o controle dos freios sociais - nos transtornos dissociativos, o fator afetado é a personalidade do indivíduo, que pode ser reconfigurada em diferentes quadros, passando pela amnésia 4 A nosologia se refere à classificação das enfermidades do ponto de vista explicativo, através do conhecimento de sua etiopatogenia, isto é, da causalidade e do mecanismo formado dos sintomas da enfermidade. 5 Entende-se por plot, segundo a definição estabelecida por Doc Comparato (2000), a parte central da ação dramática. Os roteiros podem ser estruturados em tramas que contam com plot único, ou como acontece com maior frequência, são organizadas em múltiplos plots. “O plot move-se sempre na intenção de criar mais antecipações e expectativa; é o motor da mudança dramática e de novas situações, o núcleo vital da trama”. (COMPARATO, 1995, p. 176) 3 dissociativa, a fuga dissociativa, o transtorno dissociativo de identidade e o transtorno de despersonalização (Idem, p. 149). Essas situações geralmente são condicionadas por processos traumáticos e eventos estressantes, nos quais a desintegração da personalidade aparece como forma de superação desta situação. No caso específico das “múltiplas personalidades” o sujeito possui duas ou mais identidades distintas, que assumem o controle e guiam o comportamento do indivíduo - transição que ocorre subitamente. Observa-se a possibilidade de haver o desconhecimento amnéstico entre as múltiplas personalidades, ou seja, não existe a consciência de que elas existem, cada personalidade é independente não tendo memórias relacionadas as ações e atitudes tomadas pelas outras. Apesar de não existirem estudos epidemiológicos, a prevalência desse transtorno dissociativo parece ser relativamente pequena, na ordem de 0,01%. Embora sua plena expressão ocorra na idade adulta, sua causa parece estar associada a um evento traumático na infância, na maioria das vezes, abusos físicos ou sexuais. (CHENIAUX e FERNANDEZ, 2010, p.155). A alta incidência do plot de dupla personalidade em telenovelas - visto que este é um recurso narrativo comumente utilizado pelos autores de ficção televisiva - não se restringe apenas a este campo de representação. Pode-se observar tanto na literatura, quanto no cinema exemplos que se apropriam deste transtorno em diferentes períodos, tendo como exemplo os casos da novela de Robert Louis Stevenson, posteriormente adaptado para o cinema, O médico e o monstro (1886), no qual o personagem principal alterna suas personalidades entre o médico dr. Jekyll e a figura misteriosa e sinistra de mr. Hyde; e o livro de Chuck Palahniuk, também
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