Medievalista Online

27 | 2020 Número 27

Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.)

Édition électronique URL : http://journals.openedition.org/medievalista/2771 DOI : 10.4000/medievalista.2771 ISSN : 1646-740X

Éditeur Instituto de Estudos Medievais - FCSH-UNL

Référence électronique Bernardo Vasconcelos e Sousa (dir.), Medievalista, 27 | 2020, « Número 27 » [En ligne], mis en ligne le 01 janvier 2020, consulté le 27 septembre 2020. URL : http://journals.openedition.org/medievalista/ 2771 ; DOI : https://doi.org/10.4000/medievalista.2771

Ce document a été généré automatiquement le 27 septembre 2020.

Mediavalista está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional. 1

SOMMAIRE

Novas responsabilidades para o IEM e para a Medievalista A Redacção

Destaque

The Old French Translation of William of Tyre and Templars Peter Edbury

Artigos

O rei que esmorece e a rainha sanhuda a crise dinástica de 1383-1385 através das emoções nas crónicas de Fernão Lopes Inês Olaia

O cruzeiro medieval de Tavira Daniel Santana et Marco Sousa Santos

Mary’s role in the repudiation of their beliefs of Pagans, Jews and Moors Joseph T. Snow

A serpente, espelho de Eva Iconografia, analogia e misoginia em fins da Idade Média Hilário Franco Júnior

El país del que vienen los monstruos sobre el fīfẹlcynnes eard en Beowulf, v. 104 Santiago Barreiro

A diplomacia e os diplomatas na baixa Idade Média portuguesa (1431-1475) Duarte Maria Monteiro de Babo Marinho

Recensões

PANZRAM, Sabine e CALLEGARIN, Laurent (eds.) – Entre Civitas y Madīna. El Mundo de las Ciudades en la Península Ibérica y en el Norte de África (siglos IV-IX). Madrid: Casa de Velázquez, 2018 (393 pp.) António Rei

DOMÍNGUEZ SÁNCHEZ, Santiago (ed.) - Documentos pontificios medievales del monasterio de Santa María de Poblet (1132-1499). León: Universidad de León, Área de Publicaciones, 2017 (600 pp.) Mariña Bermúdez Beloso

Custódio, Delmira Espada − As Perfeitíssimas Horas da rainha D. Leonor. Madrid/ Andorra: Taberna Libraria / A4 Ediciones, 2018 (202 pp.) Francisco Pato de Macedo

Medievalista, 27 | 2020 2

Apresentação de Teses

Costas com Dom: Família e Arquivo (Séculos XV-XVII) Tese de Doutoramento em História/Arquivística Histórica, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Outubro de 2018. Orientação dos Professores Doutores Maria de Lurdes Rosa e João Paulo Oliveira e Costa Margarida Leme

Imagens e Memórias de uma Guerra Comum: as Batalhas de 1383-1385 nas Crónicas de Pero López de Ayala e de Fernão Lopes Dissertação de Mestrado em História Medieval, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Setembro de 2018. Orientação dos Professores Bernardo Vasconcelos e Sousa e Miguel Gomes Martins Diogo Cardoso Gomes cinq ans de recherches et un livre En quête de Jacques de Molay, dernier grand-maître de l’ordre du Temple cinq ans de recherches et un livre Philippe Josserand

Varia

Curso Livre “No Tempo de D. João I” Miguel Metelo de Seixas

Portugal, os clássicos e a cultura europeia colóquio de homenagem a A. A. Nascimento no seu 80º aniversário Adelaide Miranda et Isabel Barros Dias

Seminário Internacional José Mattoso Revisitando a interdisciplinaridade: alimentação, doença e migrações, organizado pelo Instituto de Estudos Medievais, Lisboa, NOVA FCSH, 27 de Junho de 2019 Paulo Catarino Lopes

Medievalista, 27 | 2020 3

Novas responsabilidades para o IEM e para a Medievalista

A Redacção

1 No anterior número da Medievalista, colocado online no dia 1 de Julho de 2019, referimos no Editorial que estava para breve o anúncio, por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), dos resultados do processo de avaliação das Unidades de Investigação portuguesas. E, de facto, ainda nesse mês vieram a ser divulgadas as classificações dos Centros, atribuídas por painéis de especialistas estrangeiros.

2 No caso do Instituto de Estudos Medievais (IEM), o trabalho realizado no período 2014-2017 e o Projecto Estratégico proposto para 2019-2022 mereceram a classificação de “Excelente”. É um resultado que honra o IEM, a sua Direcção e todos os que nele desenvolvem a sua acção e que assim vêem reconhecido o seu esforço e a qualidade das iniciativas e da investigação produzidas. Mas é também um factor de acrescida responsabilidade para o nosso Instituto, para o conjunto e para cada um dos seus membros. O aumento do financiamento público que é consequência da passagem da classificação anterior (“Muito Bom”) para a agora atribuída, não autorizando extravagâncias, permitirá algum desafogo face a passados constrangimentos, quer na investigação fundamental, quer, por exemplo, no funcionamento desta nossa revista.

3 E a Medievalista não se faz rogada, como a sua edição semestral regular e mais este número o comprovam. Além do Destaque dedicado a um estudo de Peter Edbury sobre a tradução francesa da Historia de William of Tyre que foi feita na época da extinção da Ordem do Templo, a secção dos Artigos inclui trabalhos de Inês Olaia sobre “O Rei que Esmorece”, de Marco Sousa Santos e Daniel Santana sobre “O Cruzeiro Medieval de Tavira”, de Joseph T. Snow sobre “Mary’s Role in the Repudiation of Their Beliefs of Pagans, Jews and Moors”, de Hilário Franco Júnior sobre “A Serpente, Espelho de Eva. Iconografia, Analogia e Misoginia em Fins da Idade Média”, de Santiago Barreiro sobre “El País de onde Vienen los Monstruos…” e de Duarte de Babo Marinho sobre “A diplomacia e os diplomatas na baixa Idade Média portuguesa (1431-1475)”.

4 Nas Recensões António Rei, Mariña Bermúdez Beloso e Francisco Pato de Macedo passam em revista três livros recentemente saídos e que vale a pena conhecer. A secção

Medievalista, 27 | 2020 4

Apresentação de Teses revela-nos, pela pena dos respectivos Autores, o conteúdo da tese de doutoramento de Margarida Leme, da dissertação de mestrado de Diogo Cardoso Gomes e da lição proferida por Philippe Josserand no âmbito de uma prova superior de progressão na carreira académica, realizada em França (a Habilitation), com um ensaio original e entretanto publicado sobre Jacques de Molay, o último mestre templário. Na Varia, Miguel Metelo de Seixas faz o balanço do Curso Livre que decorreu no Mosteiro da Batalha subordinado ao tema “No tempo de D. João I”, Adelaide Miranda e Isabel Barros Dias relatam a Homenagem de que foi alvo o Professor Aires Nascimento e, finalmente, Paulo Catarino Lopes escreve sobre a mais recente edição do Seminário José Mattoso.

5 A propósito deste medievalista que é referência central do IEM, tendo também desempenhado durante anos o cargo de Director desta revista, é com enorme júbilo que assinalamos aqui o “Prémio Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes”, que lhe foi atribuído em 2019 pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. O prémio, que vai na sua 15ª edição, visa assinalar percursos humanos e obras que se destaquem em áreas do conhecimento, da criatividade artística ou da acção social e que reflictam valores humanos e cristãos considerados fundamentais pela entidade instituidora. Este prémio junta-se, assim, a tantos outros com que Mattoso tem sido distinguido ao longo da sua carreira de historiador e entre os quais se destaca o “Prémio Pessoa”, na sua primeira edição, em 1987. A Redacção da Medievalista saúda vivamente José Mattoso, o nosso “sempre Director”, por mais este justo reconhecimento de uma obra historiográfica e de uma atitude intelectual e cívica de referência para todos nós.

Medievalista, 27 | 2020 5

Destaque

Medievalista, 27 | 2020 6

The Old French Translation of William of Tyre and Templars

Peter Edbury

AUTHOR'S NOTE

A slightly revised version of a paper originally read in 2008. Since then Philip Handyside has considered a number of the themes touched on here in far greater detail. HANDYSIDE, Philip − The Old French William of Tyre. Leiden: Brill, 2015. See especially pp. 102-5.

1 As is well known, Archbishop William of Tyre’s history relates the story of the First Crusade and the Latin settlements in the Levant as far as 1184. He was at work on his narrative of these events between about 1170 and 1184, and he died shortly before the collapse of the kingdom of Jerusalem in 1187. Historians have long been aware that behind the welter of detail and the measured Latin cadences – for William clearly considered himself something of a Latin stylist – lies much that is tendentious. At first reading he may seem even-handed and judicious, but a careful examination reveals that he had various agendas of which putting a favourable gloss on the history of the Latin East; praising the royal dynasty of Jerusalem, and using his history as a platform for bewailing the inadequate treatment the ecclesiastical province of Tyre had received at the hands of successive popes are among the more notable. He is also famous as an early and strident critic of the Military Orders – the Templars and the Hospitallers – partly no doubt because he was suspicious of their growing military and political power, but more especially because he resented the privileges they had received from the papacy which placed them beyond the jurisdiction of the secular church of which he, as archbishop of Tyre, was a leading member. It is likely, though not provable, that William was involved in attempts to have their privileges reduced at the Third Lateran Council of 1179. The Templars especially are cast in an unfavourable light, but, where other evidence for particular episodes exists, the veracity of William’s hostile stance can often be called in question1.

Medievalista, 27 | 2020 7

2 William wrote his history to be read by his fellow clergy, and the surviving manuscripts show that in due course copies of his work found their way into the libraries of prominent Benedictine and Cistercian monasteries in England and northern France. At some point in the 1220s someone, probably working in the Paris region, translated William’s history into French. Now the audience was to be the laity – in particular, members of western European noble families who were themselves participating in the crusades to the East. With this new audience in mind, the translator adapted the text, omitting material of purely ecclesiastical interest and from time to time introducing new snippets of information or new slants on the events described2. The French translation would appear to have been a huge success. No less than fifty-one complete or substantially complete manuscripts dating from before 1500 survive in public collections in Europe and North America, and most of them have continuations which would have brought the narrative closer to the date at which they were copied3. This paper, however, is concerned with the translation, not the additional materials, important and interesting though they are.

3 We are fortunate that, thanks to the labours of Professor R.B.C. Huygens, we have a superb modern critical edition of William’s Latin text4. What we lack is a modern edition of the French translation, and historians have to make use of one or other of the two nineteenth-century editions5. When a number of years ago I embarked on a research project to investigate the manuscript tradition of the French text in an attempt to establish a stemma, identify those manuscripts that preserved a text that stood close to the original, and see what else a systematic investigation might reveal about the text and its transmission, I quickly realised that neither of the nineteenth- century editions is satisfactory6. The editors chose their manuscripts more or less at random from whatever happened to be to hand in Paris at the time and made no attempt to establish a stemma; in an arbitrary and mechanical fashion they forced the chapter divisions in the French text into conformity with those in the Latin text, and, finding no rubrics in the earlier manuscripts at their disposal – the original translation lacked chapter headings – they supplied them from those to be found in later, mainly fourteenth-century, copies. But what they completely failed to appreciate was that the text itself was not static.

4 This last point is important and deserves some explanation. What tended to happen in the middle ages was that copyists treated texts in Latin – the language of religion – with considerable respect. Admittedly mistakes were made in their transcriptions, but few scribes would take it upon themselves to emend what was in front of them. With vernacular texts it was quite otherwise. Copyists would, perhaps subliminally, modify the orthography and word order, thereby modernising the spelling and polishing the style. They would also introduce new paragraph breaks and run paragraphs together. They might supply chapter headings where none existed in their exemplar and revise the vocabulary: for example, some of the fifteenth-century manuscripts of the French William of Tyre use the word ‘pape’ for pope where previously we find the word ‘apostoille’. But more importantly, they would change things. Maybe it was a matter of covering up or correcting mistakes; maybe they thought they had additional relevant information; maybe they thought to explain things they found obscure. The point is that vernacular texts evolve. The copyists did not regard them as sacrosanct, to be preserved in their original form, and the French William of Tyre is no exception. What

Medievalista, 27 | 2020 8

the nineteenth-century editors of the French William of Tyre left for posterity is a pastiche – an amalgam of readings culled uncritically from a variety of manuscripts.

5 Some account of my approach is called for. Making full use of Professor Jaroslav Folda’s list of all the surviving manuscripts, my first task was to acquire microfilm or microfiche of them all7. In the event I managed to obtain forty-nine out of the fifty-one – the two exceptions being a manuscript in the Bibliothèque nationale in Paris (ms. fr. 9086) which could not be microfilmed because the binding is too tight and a Turin manuscript damaged in a fire about a century ago and still not dealt with by their conservators. (Having visited the Bibliothèque nationale and consulted the Paris manuscript, I can understand why they are unable to photograph it; unfortunately, unlike the Turin manuscript, its text is rather important in this context). So, armed with the raw materials for my enquiry, I began by embarking on an analysis of the chapter divisions, taking the first six and last six words of each chapter, and setting them alongside the 1879 printed text, thereby identifying where the chapter divisions diverged and also where this small sample of the wording differed. The thinking behind this stage of my enquiry was rather crude, but, in the event, productive: I reckoned that the manuscripts which preserve a text closest to the original translation would also preserve the chapter divisions as they appear in the Latin text more faithfully. The point is that the date of the manuscript is no guide: a late manuscript could preserve an early version of the text, as indeed is true of the fifteenth-century Paris BN ms. fr. 2627 which presumably was itself copied from a manuscript close to the original. Sure enough, some of the manuscripts had chapter divisions that remained close to the Latin text. Others contain characteristic features of where particular chapters are divided or run together that place them in one of two broad but distinct categories: these can be identified as a western tradition and an eastern tradition. To take the eastern tradition first: Folda and other art historians have identified eight manuscripts as having been copied in the East, most likely in Acre, between the 1260s and 1291. These manuscripts have certain characteristics in common which they share with a small number of later manuscripts, two of which were copied in Italy and all of which would clearly seem to be derived ultimately from manuscripts from the East. Rather more manuscripts share a different set of characteristics that identify them as belonging in a different tradition, and it would seem that they were either the products of workshops operating in Paris in the thirteenth century or were derived from manuscripts originating from those workshops. So – and this is simplifying somewhat – on the basis of my analysis of the chapter divisions, the manuscripts can be sorted into three groups: those which contain an early version of the translation; an eastern tradition that can be linked to Acre; and a western tradition that can be linked to Paris8.

6 Even so, within these broad categories there is a bewildering variety of chapter divisions. In trying to construct a stemma it soon became apparent that the divisions did not point to a simple lineal development; instead in both the Paris and the Acre groups it looks as if a strong measure of hybridisation had taken place. Let us suppose that someone wanted their own manuscript of the Old French William of Tyre; if he or she borrowed a copy from a friend and took it down to the workshop and gave instructions for a new copy to be made, what he or she would get would be something very similar to their friend’s, albeit with a few errors and arbitrary changes introduced by the scribe. If then at some later date someone wanted to use this copy for creating yet another one, this further copy would incorporate all the previous changes in that copy and add a few more. It would seem, however, that this is not what tended to

Medievalista, 27 | 2020 9

happen. It looks instead as if a copyist would start copying one version and then switch to another and then to another again – and so a hybrid version would emerge that defies any attempt to fit it into a stemma. So we need to forget the scenario just described in which a client would commission a copy to made from an exemplar that he or she supplied. Instead we have to assume that the workshops in both Paris and Acre owned several manuscripts of their own and would use them to prepare copies that could then be bought ‘off the shelf’; the problem was they tended to get their own exemplars muddled, and the simplest explanation of how that would have happened is that they worked from unbound signatures – quires usually of eight folios. Copying a large bound manuscript is physically difficult; transcribing unbound signatures would have been much easier. So the workshops had copies ready for sale. So far as Acre was concerned, this made a lot of sense. A wealthy pilgrim from the West would not be in the East long enough to commission a copy to be made, illuminated and bound before returning home – yet those copies that survive do so precisely because they were taken away from the Latin East almost immediately and not destroyed along with so much else when Acre and the other cities fell to the Muslims late in the thirteenth century.

7 Trying to sort the manuscripts into groups on the basis of characteristic patterns of chapter divisions allowed for various hypotheses to be formulated – some of which I have just outlined for you – but to test these hypotheses what was needed was a detailed examination, line by line, word by word, of the text of some sample chapters making use of every manuscript. The two chapters I chose both relate to the Templars: XII.7 is William’s account of the origin of the Templars; XX.30 tells the story of the Templar murder of an Assassin envoy who was returning from negotiations with King Amaury, an incident which would appear to date to 1174. In each case I took the seven manuscripts which seem to me to preserve texts closest to the original translation and prepared a critical edition of them. They show some variants spelling and some copyists’ blunders, but otherwise there are no significant differences between them, and their homogeneity would seem to be a pointer to their proximity to the original version of the translation9.

8 There then followed two separate exercises: an analysis of how the text of the translation as established by this process differs from the Latin, and, secondly, an analysis of the changes introduced into the other manuscripts which give later versions of the text. A few examples will suffice to show changes introduced by the translator. To take XII.7 first: at sentence 3 the translator rightly added that Hugh of Paiens came from Troyes; at sentence 7 he added that the brigands ‘were accustomed to do great evil’; and at sentence 9 he added that knights were among those donating clothing to the Order in the early days of its existence. But the real interest comes in closing sentences (18, 19): only the translator links the Templars’ new found wealth with their desire to free themselves from patriarchal authority; only the translator records that it was at this point the Templars turned to the pope to gain exemption from patriarchal authority, and only the translator who concludes the chapter by noting that the Templars are still even now persisting their aggressive and litigious behaviour. In short the translator heightens William’s criticisms. When we turn to XX.30, we find the same is true. There are various minor points of difference: for example, where in the first sentence William had recorded that the king ‘so it is said’ (ut dicitur) was prepared to refund the Order from his own resources, the translator was categorical: the king would recompense the Order, and as if to underline this assertion he added the money would be paid ‘from such a place whereby they would see themselves well paid’. But in

Medievalista, 27 | 2020 10

this chapter the big changes again come near the end. It is the translator who introduced the idea in sentence 17 that the master of the Assassins would seek revenge by killing the king. William, in the Latin text, then says that if Amaury had recovered from his final illness he would have taken the matter up with ‘the kings and princes of the lands of the world’, but in the translation the whole of the second part of sentence 18 is new: the king would send messengers ‘to expose the great damage the Templars had done to the Christian faith and especially to the kingdom of Syria: thus it was reckoned that they would be so incensed against them that each would drive them from his dominions’. In short, the translator in both chapters was harsher in his condemnation of the Templars than William.

9 So what happened later? It is often difficult to be sure whether a subsequent change was deliberate or the result of careless copying. In XII.7 sentence 16 three manuscripts instead of the chevalerie of the Templars speak of the fraternité of the Templars; at sentence 2 four other manuscripts have the Templars renouncing prosperité nor proprieté. Some of the Acre manuscripts emphasise the difference between the Templar knights and sergeants at sentence 15. Several manuscripts clearly date to after the suppression of the Order in 1312, yet the contemporary references in sentences 16, 17 and 19 are retained unaltered. That is odd, especially as one fifteenth-century manuscript uniquely (and correctly) identified the abbot of Clairvaux mentioned in sentence 11 as St Bernard, and another fifteenth-century manuscript rightly supplied the detail that Troyes is in Champagne. Turning now to XX.30, in sentence 12 we are told the Gautier des Mesnil acted ‘with the agreement’ of other Templars, but a group of four manuscripts tells that he did so ‘on the advice’ of other Templars while another five go further and say he acted ‘at the command’ of the others. Two manuscripts, both datable to the 1290s and ascribed to a Parisian workshop, provide a chapter heading: ‘La grant desloiauté que li Templier fisent dont Diex les doit haïr et touz li siecles.’ (‘The great treachery that the Templars did for which God and the whole world should curse them.’) We cannot know how far back this particular rubric was composed, but its presence in two manuscripts copied in Paris about ten years before the arrest of the Templars is suggestive. The point is that between them the manuscripts contain a substantial number of minor variants which may or not be of any significance. But not one of the later manuscripts attempts to tone down the criticisms of the Order to be found in both William and the early versions of the translation. If anything, the criticism is heightened. Of the surviving manuscripts almost a third can be ascribed to northern France and dated to between the 1260s and the arrest of the Templars 1307: the stories they contained would have reflected, and would have helped shape, a climate of opinion in secular society that meant that when in 1307 the king of France set about destroying the Order, the Templars found they had few supporters.

Medievalista, 27 | 2020 11

NOTES

1. NICHOLSON, Helen – “Before William of Tyre: European Reports on the Military Orders’ Deeds in the East, 1150-1185”. in NICHOLSON, Helen (ed.) – The Military Orders 2: Welfare and Warfare. Aldershot, U.K.: Ashgate, 1998, pp. 111-18. 2. HANDYSIDE, Philip − Old French William of Tyre,… pp. 27-107 passim Leiden: Brill, 2015.; PRYOR, John H. – “The Eracles and William of Tyre: an Interim Report”. in KEDAR, Benjamin Z. (ed.) − The Horns of Hattin. Jerusalem: Yad Izhak Ben-Zvi; London: Variorum, 1992, pp. 270-93; HAMILTON, Bernard − ‘The Old French Translation of William of Tyre as an Historical Source”. in EDBURY Peter W.; PHILLIPS, Jonathan (ed.) − The Experience of Crusading, Vol.II, Defining the Crusader Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 2003, pp. 93-112. 3. FOLDA, Jaroslav − “Manuscripts of the History of Outremer by William of Tyre: a Handlist”. Scriptorium 27 (1973), pp. 90-95. 4. HUYGENS, Robert B.C. (ed.) − Willelmi Tyrensis Archiepiscopi Chronicon, 2 vols., CCCM 63. Turnhout: Brepols, 1986. 5. “L’estoire de Eracles empereur et la conqueste de la terre d’Outremer”. Recueil des historiens des Croisades. Historiens occidentaux 1 (1844); WILLIAM, of Tyre Archbishop of Tyre; PARIS Paulin − Guillaume de Tyr ses continuateurs: texte français du XIIIe siècle, 2 vols. Paris: Firmin Didot, 1879-80. See HANDYSIDE, Philip − Old French William of Tyre,…, pp. 108-113. 6. For what follows, see EDBURY, Peter W. – “The French Translation of William of Tyre’s Historia: the manuscript tradition”. Crusades 6 (2007), pp. 69-105; EDBURY, Peter W. – “The Old French William of Tyre and the Origins of the Templars”. in HOUSELY, Norman (ed.) − Knighthoods of Christ: Essays on the History of the Crusades and the Knights Templar presented to Malcolm Barber. London: Routledge, 2007, pp. 151-64; EDBURY, Peter W. – “The Old French William of Tyre, the Templars and the Assassin Envoy”. in BORCHARDT, Karl; JASPERT, Nikolas; NICHOLSON, Helen (eds.) − The Hospitallers, the Mediterranean and Europe: Festschrift for Anthony Luttrell. London: Routledge, 2007, pp. 25-37. 7. Above note 4. 8. See now HANDYSIDE, Philip − Old French William of Tyre…, pp. 132-6. 9. EDBURY, Peter W. − “The Old French William of Tyre and the Origins of the Templars”…, pp. 154-6; EDBURY, Peter W. – “The Old French William of Tyre, the Templars and the Assassin Envoy”…, pp. 29-31.

AUTHOR

PETER EDBURY

School of History, Archaeology and Religion; Cardiff University. Cardiff, CF10 3AT, England. [email protected]

Medievalista, 27 | 2020 12

Artigos

Medievalista, 27 | 2020 13

O rei que esmorece e a rainha sanhuda a crise dinástica de 1383-1385 através das emoções nas crónicas de Fernão Lopes The king that faints and the angry queen: the dynastic crisis of 1383-1385 through emotions in the chronicles of Fernão Lopes

Inês Olaia

Uma introdução: problemas e conceitos

1 A historiografia do Portugal Medieval debateu já amplamente os problemas da transição 1383-1385 sob as mais diferentes perspetivas. Aquilo que aqui trazemos pretende ser apenas um breve estudo centrado no mesmo problema de fundo, mas analisando-o sob uma luz diferente e que nos parece ter sido até aqui ignorada: a das emoções. Olhando cuidadosamente para as crónicas de Fernão Lopes procuraremos estabelecer em que medida as emoções sentidas ou provocadas pelas figuras régias que diretamente influem sobre a ação são manobradas pelo cronista com o intuito de orientar o relato para definir o Mestre de Avis como o melhor candidato ao trono1. O nosso foco centrar-se-á sobretudo em Leonor Teles, no Mestre de Avis e em Juan I de Castela, embora não sejam o alvo exclusivo da nossa atenção: como é que Fernão Lopes manobra as emoções sentidas e provocadas por estas figuras e em que medida isso contribui para o desenlace do problema em causa?

2 Pela sua própria natureza, as crónicas de Fernão Lopes estão desenhadas para serem instrumentos de poder: estão enquadradas num tipo de historiografia promovido pela Coroa, em que o objeto central do discurso é a própria monarquia; agem como promotoras da boa imagem do rei e justificam as suas ações. A cronística medieval portuguesa toma forma no século XV, em estreita proximidade com o contexto político. As crónicas destinavam-se sobretudo a ser lidas e ouvidas na corte, entre os seus oficiais e a alta nobreza.

Medievalista, 27 | 2020 14

3 É precisamente no papel de cronista-mor do reino que encontramos o autor das crónicas que aqui nos ocupam, encomenda do sucessor de D. João I. É natural que o seu texto procure, por todos os meios, legitimar a sucessão invulgar do Mestre de Avis. As crónicas de Fernão Lopes acabam por ser documentos que registam uma versão da história dessa mesma sucessão e utilizam todos os meios para a demonstrar como legítima e benéfica2.

4 Importa-nos definir alguns conceitos essenciais, que nos orientarão o percurso por Fernão Lopes. O mais elementar de todos é o vocábulo “emoção” em si mesmo. Não é fácil de definir e, na verdade, é inexistente na Idade Média. Embora o termo seja mais recente – ganhou o sentido atual no final do século XVII –, consagrou-se como nome do campo em causa e é genericamente aceite assim, conquanto se faça a ressalva necessária. Às portas da modernidade, seriam mais frequentes conceitos como “paixões”, “afetos” ou mesmo “sensibilidades”, todos eles, de qualquer forma, ligados aos processos físicos do corpo3. A ligação é lógica, uma vez que essa visão de proximidade entre corpo e alma era a mais frequente. Não podemos esquecer que as emoções são alvo de tratados e acabam por se ver altamente medicalizadas na viragem do século XIII.

5 O problema de fundo a que a própria reflexão do período que estudamos nos leva é, no entanto, outro, e um de discussão relativamente recente na medicina e na psicologia: as emoções são características biológicas do ser humano ou construções sociais? Sucintamente, considera-se hoje, fundindo mais que uma teoria, que, embora tenham um fundo biológico, são construções sociais aprendidas, pelo menos na sua forma de expressão e adequação às circunstâncias, através dos códigos sociais em vigor4.

6 Ainda que nos possa ser útil ter uma noção da evolução do campo historiográfico em causa, nos moldes em que se (re)fundou na década de 1980, não compete a este trabalho traçar uma revisão extensa da historiografia e dos diferentes rumos que tomou então5. Um dos modelos de análise mais comum está centrado no conceito de comunidade emocional e é-nos aqui útil. Estas comunidades são grupos bem definidos e coesos: por exemplo, um mosteiro, uma confraria ou uma família. Todos podem ser estudados como comunidades sociais, no sentido em que partilham espaços, quotidianos e laços. A história das emoções procura o padrão emocional pelo qual estas se regem. Ou seja, as emoções bem e mal aceites pelo grupo e a forma como o próprio as mostra. O padrão define o que é positivo e o que pode ser perigoso, porque é perante esse tipo de circunstâncias que se expressam emoções. A comunidade emocional que aqui nos compete analisar é, portanto, a corte régia6. Não somos os primeiros a tomá-la dessa perspetiva7.

7 Na cronística, as emoções funcionam muitas vezes como meio de comunicação. A forma como determinada ação ou evento são recebidos e a reação que provocam, demonstrada depois pelo governante através das emoções, é um claro indicador, para todos os que o rodeiam, da posição a tomar. O ato é tão deliberado quanto foi, provavelmente, treinado e ponderado na sua educação. Basta recordar o quanto os espelhos de príncipes se focam na boa utilização e controlo das paixões. São estas que estão na base de todos os atos governativos porque são a causa ou revelam a eficácia da ação no discurso do período8.

8 É igualmente no espaço emocional que se jogam as relações entre o vício e a virtude, e o modelo do rei deve ser exemplar nesse âmbito, em simultâneo um homem comum e extraordinário. O ponto essencial é sempre o do equilíbrio. Se a emoção do príncipe for

Medievalista, 27 | 2020 15

orientada para a virtude, então a decisão consequente será positiva. Caso contrário, o resultado pode ser catastrófico9. As emoções são a expressão tangível da persuasão e da ação política, interfaces entre a ação verbal, a ação corporal e a passagem ao ato. Veículo de comunicação entre pessoas de poder, elas marcam as descontinuidades e os eventos políticos; a emoção principesca revela a iminência de um determinado ato10.

9 A nossa análise revelará que, entre os mecanismos que justificam a transição para uma nova dinastia, nas crónicas de Fernão Lopes, contam-se as emoções como a sanha e o medo. O problema da ira régia exige, no entanto, um aprofundamento um pouco diferente. Foi alvo de um número mais amplo de estudos e a sua evolução deu origem inclusive a visões que parecem colidir11.

10 O monarca pode expressar a sua mercê e a sua graça através de uma multiplicidade de meios; a ira encontra os mesmos canais ou similares e faz parte da prática de governo (enquanto “rulership”, definido por Gerd Althoff nos termos de mecanismo pessoal de regulação, baseado num conjunto de leis não escritas)12. A ira também faz, no entanto, parte dos catálogos de pecados medievais, sendo mesmo um pecado mortal. A sua expressão está intrinsecamente ligada ao exercício do poder, porquanto este precisa do terror, do medo, para ser efetivo. Os usos da ira régia mostram, ainda para Althoff, como o ideal cristão de governante coincide ou não com a prática de governo. A paciência, a moderação e a capacidade de perdoar são definidas nos finais da Idade Média como características da própria natureza régia. A ira fornecerá, por fim, um meio de caracterizar monarcas injustos, funcionando como demonstrador da sua incapacidade para governar. Pode ainda ser diametralmente oposta à justiça, o que agrava a caracterização do monarca em causa. Com o correr dos séculos, a ira ganha uma outra conotação, cada vez mais frequente: a ira justa, ou seja, aplicar a ira para alcançar a justiça. A aplicação é possível porque a própria justiça se sobrepõe, em determinados contextos, à clemência. A mudança de paradigma consagra que, no final da Idade Média, a ira régia seja um tópico cada vez mais complexo, porque depende essencialmente do contexto em que é aplicada13.

11 Por sua vez, para Stephen D. White, a ira, nas crónicas, tanto pode ser expressa verbalmente como indicada ou explicitamente mostrada através de ações físicas. É igualmente expressa de forma clara, pública e ritual, codificada para ser compreendida por todos os que a ela assistem. Não se trata, quando lidamos com estas emoções, de uma emoção expressa na intimidade ou vivida com o indivíduo, essa conceção seria um anacronismo. A expressão pública da ira é, normalmente, masculina e feita por aqueles que têm estatuto para tal: reis, nobres… Faz, da mesma forma, parte da ação política e tanto pode ser sua percursora quanto sua consequência; funciona como reconhecimento legal de determinada ação como reprovável ou injuriosa e aponta os seus autores. Da mesma maneira, a forma como a ira é atenuada tem uma conotação similar14.

12 Enfim, a expressão desta emoção faz claramente parte da discursividade política. É mesmo considerada a emoção régia por excelência, da mesma forma que divina, e surge em consequência de um qualquer ato que desafia a potestas. No final da Idade Média, a ira encontra inclusivamente diversos graus de expressão consoante o que a expressa. Em sentido estrito, responde a uma ofensa, uma desvalorização, em público e injusta, relacionando-se de forma próxima com a honra. Importa, no entanto, sempre, medir a sua expressão, que não seja exagerada15.

Medievalista, 27 | 2020 16

13 A ira, por sua vez, inspira medo. Mas medo, temor e receio são três palavras que designam variações do mesmo tema, ou assim parecem, e articulam-se estreitamente com a legitimidade do governo. De facto, parece certo na historiografia que faz parte do governo (rulership) a necessidade de se fazer respeitar e amedrontar (to be feared), incutindo terror no que lhe está subordinado. A ira régia, de que falávamos acima, tem precisamente essa como uma das suas funções16.

14 O medo e a sua relação com a figura régia na Castela do séc. XIV foi já alvo de estudo17 e dele partiremos para tentar aduzir algumas ideias que nos podem ser úteis. As Partidas de Alfonso X surgem-nos como ponto de partida. É aí que se encontra a noção fundamental da diferença entre temor e medo. O temor tem a raiz no amor: teme-se, portanto, a quem se deve amar – Deus e o soberano18. O medo como tal radica no espanto. E aqui encontramos problemáticas delicadas de tradução e interpretação tanto da bibliografia como das fontes.

15 O medo, com raiz latina em metus e de que deriva o verbo “amedrontar”, e o temor, com origem em timor e de que deriva o verbo “temer”, são coisas muito diferentes, embora tendamos a usá-las quase da mesma forma. Por vezes, o medo está relacionado com a proteção da integridade física e da honra daquele que o sofre. Nas crónicas castelhanas, o medo parece funcionar como meio de legitimar e encenar ruturas para depois restabelecer a normalidade a partir de fora, variando na prática com o momento político. É o mesmo artigo de François Foronda que nos chama a atenção para a polarização clássica do poder régio medieval: o polo positivo como rei/amor/temor e o polo negativo tirano/espanto/medo. O uso de qualquer um destes termos pelo cronista Fernão Lopes é delicado: muitas vezes misturam-se e sobrepõem-se. Para complicar, a língua portuguesa junta um terceiro termo a estes dois polos: o receio, que se parece com uma variante mais suave do medo.

16 A estes dados, podemos ainda juntar um outro: e como é que as mulheres e os homens se distinguem neste campo? Havia uma diferença na perceção e na expressão de emoções entre os dois géneros? A resposta curta é: sim. Quando há mulheres em patamares de poder, estas têm à disposição o mesmo tipo de instrumento de comunicação que qualquer homem. No entanto, parece que a cronística tende a mostrar desagrado quando isso acontece, preferindo reservar-lhes os papéis ditos tradicionais. Em si mesmas, no entanto, as emoções políticas não têm género, mesmo que as mulheres da aristocracia tenham acesso a uma paleta de emoções muito mais restrita. O facto é curioso, tendo em conta que a sociedade medieval faz, das mulheres, seres mais emotivos por natureza19.

A sanha, o amor e o desequilíbrio: Leonor e Fernando

17 No final da Idade Média, a teorização política apresenta-se muito ligada à metáfora do corpo: transpõe a visão teológica da Igreja como corpo místico de Cristo, ligando assim o rei ao reino como Cristo à Igreja. A conceção orgânica e pessoal do governo coloca a compleição e o temperamento do monarca sob escrutínio, tal como a sua relação com o corpo que é o reino. Ao coração dá-se um particular destaque, definindo-se pelo lugar das emoções o próprio monarca20. Foi aí, no coração, que a medicina florescente nos séculos XII-XIII localizou as emoções. Na verdade, chega mesmo a considerar-se que as emoções são os movimentos da alma, que se manifestam somaticamente no coração. À luz do tempo, portanto, todas as emoções sem exceção por lá passam21. E que dizer do

Medievalista, 27 | 2020 17

tamanho do coração de um grande senhor? Numa crónica em que as referências ao coração se multiplicam, o de Leonor Teles surge definido como grande, justificando as suas ações/emoções fora do comum22, e caracterizado como “vingador”23. Em qualquer uma das crónicas que falamos, as emoções da rainha parecem muitas vezes excessivas, desregradas ou mal ritualizadas. Mas se assim é, aquelas que o rei D. Fernando expressa por ela estão em patamar similar.

18 Por tudo o que expusemos, é lógico que a ira seja uma das emoções mais amplamente expressas na generalidade. A surpresa surge quando, analisando a Crónica de D. João I, é a rainha Leonor Teles que domina as referências à sanha em toda a Primeira Parte, quer seja porque a emoção é sentida e expressa por ela, quer esteja apenas no seu entorno direto. Sofre-a24 e a ela ninguém podia fazer nojo, porque sofreria rapidamente a sua sanha. Esta consideração de Fernão Lopes obriga-nos a retomar a necessidade de a ira régia ser moderada. O desregramento que aponta a Leonor Teles é mais um fator que contribui para justificar a sua queda. Notemos que Fernão Lopes equipara, na primeira ocasião que citámos, o ódio que pede vingança ao amor que não descansa enquanto não alcança quem quer. Em ambos a rainha se viu ou vê enredada. A ira implica, diretamente, a emoção seguinte que aqui abordamos na relação com Leonor Teles: o medo.

19 Se é a mais sanhuda das personagens, Leonor Teles tem ainda a particularidade de, nas crónicas de Fernão Lopes, ser o caso único de uma mulher que sente medo e o inspira. No caso das menções em volta desta rainha, é particularmente importante analisar a evolução da utilização destes termos e daí extrair algumas conclusões possíveis. Começamos por a ver com temor depois da morte de Andeiro25 e com o mesmo sentimento se refugia em Alenquer26. Mas, ao escrever ao rei de Castela, o cronista já não diz que Leonor Teles tem temor do povo de Lisboa, mas receio27. É sem medo nem receio que a rainha se apresenta perante o rei de Castela, estando já presa28. Portanto, o vocabulário escala de temor a medo, para um final, quando a situação é irremediável, sem emoção associada.

20 Mencionadas as emoções que a rainha sente, passamos agora às que ela provoca. É com temor da rainha que o povo procura fazer o Mestre ficar no reino. Mas rapidamente já não é só temor: é com medrosos pensamentos que se encontram29. O temor deixa as gentes quando D. João decide ficar30. E é, por fim, com receio da rainha, depois do que sucedera aquando do seu casamento, que os grandes da cidade de Lisboa hesitam em tomar D. João como regedor31. Se notarmos bem, o vocabulário escalou um pouco: passámos de temor – devido sempre ao senhor natural – a receio, que em português caminha perto do medo, com um desvio subtil até “pensamentos medrosos”, pelo meio.

21 Sobre as emoções que a rainha provoca a Lisboa, a impressão é a de que há uma mudança palpável: se, primeiro, Leonor Teles inspira temor, esse temor balança-se junto ao medo, caminhando perigosamente perto do que é inaceitável, porque o medo está ligado à tirania. Em fuga à emoção, o povo de Lisboa escolhe o Mestre de Avis para regedor, não sem hesitações. Esta é uma consideração frágil, por tudo o que dissemos até aqui: as palavras têm sentidos de fundo diferentes que conseguimos, de facto, detetar, mas não deixam de se sobrepor pela proximidade dos conceitos e a sinonímia que permitem. Não obstante, parece uma evolução óbvia e lógica e que é preciso realçar. O afastamento de D. Leonor da regência tem, não só, mas igualmente, motivação no campo das emoções, em estreita relação com a teoria política e a oposição entre o tirano e o senhor natural.

Medievalista, 27 | 2020 18

22 Da mesma forma, se considerarmos, como Susan Broomhall32, que a autoridade implica a existência de um ascendente sobre quem é exercida e que pode emergir por si própria e criar poder, o desenho começa a tornar-se mais claro. O poder pode ser facilmente retirado por simples exercício da força ou um qualquer golpe, enquanto a autoridade, mais vasta, exige sistematicamente a sua própria renovação através da circulação quotidiana de poder expressa em ações concretas. A ritualização das emoções pode contar-se entre estas: o desempenho dessas ações por Leonor Teles está minado pelo cronista. Se, primeiro, Fernão Lopes parece implicitamente aproximá-la da tirania, se analisarmos um segundo caso, o dó, é claramente visível a incapacidade que o cronista lhe imputa na expressividade das suas emoções.

23 De outra perspetiva, o afastamento de D. Leonor da regência pode ser descrito como um desafio malsucedido a um regime emocional. Simon Doubleday considerou, a propósito da ira na Crónica de Alfonso X, que a forma como o rei a utiliza, contendo-a e expressando-a em ocasiões diferentes, pode ser uma marca de um regime emocional. O conceito foi descrito por William M. Redy33 e adequa-se na medida em que é visível na crónica um “sistema de sentir” em ação. Isto é, uma maneira de expressar emoções, imposta do centro de poder para as margens. Muitas vezes, quando esse sistema é desafiado, gera-se uma mudança política34.

24 É no mesmo capítulo em que explica como é que Leonor Teles se tornou “regedor do reino” que o cronista aponta a falsidade do seu luto por D. Fernando, o que poderá não ser inocente. Claramente fingido, para Fernão Lopes, é o luto que a rainha faz questão de mostrar quando recebe alguém no paço depois da morte de D. Fernando35, o que naturalmente destrói um pouco mais a sua imagem. O problema do luto pelo monarca estende-se pela primeira parte da Crónica de D. João I. O luto pelo rei, ainda que altamente ritualizado pela rainha (o espaço reservado onde se encontra36, o estar coberta de dó de forma habitual37, apresentar-se ao rei de Castela e a D. Beatriz de rosto velado e manto preto38) contrasta dramaticamente com as suas ações. Quem a repreende é o rei de Castela, porque fala de mais e de forma demasiado desprendida para uma viúva tão recente e coberta de dó. Essa é, precisamente, a primeira razão para o “desprazer” de Juan I de Castela. Mais uma vez, a rainha falha, de forma gritante, na apresentação pública das suas emoções39.

25 A ideia de um luto fingido já é anterior ao falecimento de D. Fernando: a primeira referência ao dó de Leonor Teles surge a propósito do desenlace da trama tecida em torno de D. Maria Teles e do D. João, que culmina no assassinato da própria irmã da rainha por um meio-irmão do rei, que se exila em Castela. Não só o dó que a rainha mostra é alvo de insinuação por Fernão Lopes (o mostrar que algo lhe pesa não parece ser o mesmo que dizer apenas que pesa) como é contraditado pela própria: coloca dó, mas insiste com o rei que não se importe com o assunto, afirmando-o banal. Esta ritualização encenada de uma emoção falseada por Leonor Teles aparece noutro ponto na Crónica de D. Fernando: é isso que parece indicar o cronista quando diz que a rainha chorava, parecia que com saudades da filha, Beatriz, ao despedir-se dela quando a criança casou40. Seria lógico que sentisse saudades e chorasse a partida de Beatriz, a julgar, por exemplo, pelo cenário semelhante traçado pela crónica de 1419 em torno da partida de Isabel de Aragão de junto do pai, Pedro de Aragão41. No entanto, novamente, o cronista avisino deixa no ar a insinuação de que “parece”, o que é, claro, diferente de sentir, de facto. Fernão Lopes estaria, já, apostado em criar uma determinada imagem

Medievalista, 27 | 2020 19

negativa para a rainha e serve-se, nesta perspetiva, da falsidade com que apresenta as suas emoções42.

26 Retomando as noções de autoridade e poder explanadas, percecionamos que a rainha tem poder quando chega o momento da regência, porque tal lhe foi entregue através do tratado de Salvaterra, mas a sua autoridade está minada. O falhanço na ritualização das emoções adjacentes à morte de D. Fernando (emoções que ela não sente, para Fernão Lopes) contribui para essa mesma perda, uma vez que elimina uma das variáveis (as emoções e os respetivos mecanismos de comunicação) que contribuem para a sustentação da autoridade. A perda do poder em si mesmo pela rainha seria apenas uma questão de tempo. Mas nem todos os males se podem atribuir a Leonor Teles. O desregramento emocional de D. Fernando contribuiu para o final da história em causa.

27 Vejamos, então, o que diz Fernão Lopes sobre o apaixonado monarca. O cronista prepara-nos logo na abertura da crónica dedicada ao seu reinado, dizendo que era “ledo e namorado, amador de mulheres e achegador a elas”; “amavioso de todollos que com elle viviam”43. Este tipo de caracterização prepara-nos para o que se segue e quase parece abrir caminho para uma caracterização “emocional” algo instável, o que não é positivo. Quando chegamos ao amor de D. Fernando por Leonor Teles, o caso torna-se deveras interessante. Da instabilidade – ou excesso? – dos amores do rei, dá o cronista notícia quando conta que ponderara casar com a própria meia-irmã, Beatriz, tendo com ela gestos um pouco atentatórios ao seu pudor e bom nome44. Colocar estas informações sobre a sua hipotética paixão pela meia-irmã no capítulo em que se propõe contar como é que o monarca se apaixonara por Leonor Teles é, no mínimo, suspeito, mesmo verificando que a ligação à futura rainha se faz porque esta se trata de um membro da casa de D. Beatriz.

28 D. Fernando rapidamente se perde de amores – palavra de cronista – e nada nem ninguém lhe tira da cabeça Leonor Teles. É uma chaga no seu coração, o que por si só nos encaminha para noção de mal/doença física45. A estranheza do casamento surge nos fidalgos que amavam o serviço do rei, juntando assim dois tipos de amor: o do vassalo para com o senhor e a paixão46. As considerações que Fernão Lopes tece em seguida, sobre os homens “namorados” como estava o rei, davam-nos para todo um outro estudo. É no capítulo LXIII da crónica que as encontramos. Indica o cronista que diziam que “todo homem namorado tem hua especia de sandice”, por duas razões: primeiro porque o mesmo que leva à loucura nalguns casos está presente nestes; segundo porque a “virtude extimativa” (a capacidade de discernir corretamente?), que é quem governa a alma nestas coisas, está doente nos homens na situação de D. Fernando, toldando o raciocínio a tal ponto que o feio parece bonito e o mau bom, por isso não ouve ninguém que lhe diga para se afastar da mulher que o provoca.

29 No substrato do que diz Fernão Lopes, encontramos a razão como senhora absoluta, subjugando a vontade, como se lê no Leal Conselheiro, da pena de D. Duarte47. Nada de estranho, tendo em conta a proximidade dos dois autores. A caracterização negativa de D. Fernando corresponde de forma precisa ao contrário desse padrão ideal.

30 Portanto, o amor, a paixão fulminante, faz adoecer a razão, o que se enquadra perfeitamente no quanto as emoções desregradas são negativas. Quando se fala deste tipo de amor, normalmente as mulheres são o seu alvo e isso pode dar-lhes um imenso poder: o cronista acusa D. Leonor de manipular o rei em ocasiões diversas, tal como a irmã, Maria Teles, foi capaz de manipular D. João para com ela se casar48. Em última

Medievalista, 27 | 2020 20

instância, é o desregramento emocional de D. Fernando que ajuda a precipitar o reino no caos que se segue ao seu reinado.

31 Mas o amor das crónicas não é, sempre, o amor da paixão. Há um outro tipo de amor por trás das ações de Leonor Teles: aquele que os vassalos devem ao seu senhor. É essa a justificação que Fernão Lopes apresenta para a trama desenhada em torno do par Infante D. João-Maria Teles. Porque o povo o amava tanto como ao rei (e assim Maria Teles estaria no lugar equivalente ao da própria rainha) e dificilmente isso não representaria um perigo para a coroa49.

32 Acresce a tudo o que dissemos sobre a caracterização da rainha D. Leonor uma ressalva: é mulher. E se isso não parece muito, a sua sanha é um contraste alarmante com a absoluta serenidade com que Isabel de Aragão é representada noutra crónica coeva50. Portanto, a sanha é admissível ao rei, na medida em que é contrabalançada pela justiça ou aplacada por alguém adequado. À rainha, talvez não seja, simplesmente. E nunca saberemos que diria Fernão Lopes de uma rainha-reinante em vez de consorte. Da mesma forma, o dó parece ser sistematicamente atribuído às mulheres pelo cronista, quando o define como tal. Talvez por isso mesmo, o comportamento de Leonor Teles seja na sua redação tão desadequado. Acresce a isto a acusação de que as mulheres são capazes de facilmente falsear emoções para atingirem os seus intentos. A ideia é expressa no relato do casamento escondido de Maria Teles e do Infante D. João51.

Medo, choro, dó: Juan I e Beatriz

33 As emoções associadas pela crónica de D. João I aos reis de Castela são, em regra, negativas, o que não é estranho: são precisamente os castelhanos que Fernão Lopes combate durante grande parte da crónica. É preciso deslegitimar a sua pretensão ao trono português de todas as formas possíveis. É interessante notar, por exemplo, que do rei de Castela só se tem uma coisa em Portugal: medo. Não é temor, nem receio. É medo, o que só por si é grave porque remete, por tudo o que dissemos, à injustiça e à tirania, e sustenta, de uma outra forma, a ilegitimidade com que tenta segurar a coroa portuguesa52.

34 Por outro lado, na senda de encontrar todos os meios para afastar Juan I de Portugal, Fernão Lopes utiliza o coração, o lugar privilegiado da emoção, para colocar uma advertência na boca de Pero Fernandes de Velasco, perante a armada portuguesa à vista de Lisboa, estando prestes a defrontar-se com a castelhana: mesmo que consiga ganhar a batalha, jamais conseguirá os corações e o amor do povo53. A ligação entre o senhor natural e o amor é mais uma vez afastada das possibilidades de Juan I de Castela. É, por fim, com tristeza que Juan I de Castela parte depois de descercar Lisboa54.

35 A batalha de Aljubarrota e as suas consequências, tal como é relatada pela primeira parte da Crónica de D. João I, seriam motivo para todo o tipo de considerações a este nível. Em contexto de guerra, o medo é presença frequente, não tanto por questões de natureza política, mas numa outra dicotomia, que Fernão Lopes aplica com frequência: o medo, em relação estreita com a proteção física e o perigo. O espanto, estádio imediatamente anterior e próximo do que hoje chamamos susto, surge nas imediações da batalha, porque é isso que a comitiva de Juan I de Castela provoca55 e o mesmo se diz que a multidão do exército frente aos portugueses gera56 sendo mesmo o que os trons

Medievalista, 27 | 2020 21

castelhanos querem suscitar57. A consequência imediata é a da elevação dos guerreiros portugueses, que vencem o medo e saem exaltados da cena.

36 No final da batalha, a derrota é marcada pelas lágrimas de Juan I de Castela. O episódio mistura tristeza, sinais de dó, um quase desmaio e uma repreensão. Perdida a batalha e caída a noite (noite que, noutro lugar da crónica, escura, é triste)58, Juan I de Castela abandona Aljubarrota e cavalga, sem parar a não ser para trocar de montada, até Santarém. Chega quase só à vila; a cena é tão estranha que quem tem a responsabilidade de abrir a porta do castelo duvida que seja o rei que está à porta, é preciso o próprio identificar-se. Juan I de Castela apresenta-se de rosto coberto, não sabemos se traz ainda a armadura ou outra peça. Está triste, visivelmente. Fala sozinho, repreendendo-se e maldizendo a sua sorte. De frente para uma parede, dá palmadas no seu próprio rosto – o que nos recorda os gestos próprios das cenas de dó – e chora, depois, com a cabeça encostada à parede. Quando termina e se volta para os que o observam, parece-lhes que “esmorece” (desmaia?), sendo amparado por eles.

37 O rei crê mesmo que perdeu todos os que consigo estavam na batalha, o que justifica o seu desespero: não só foi derrotado como perdeu a fina flor da aristocracia. O momento termina com o rei comendo uma sopa que pedira que lhe aquecessem. Segue-se uma pesada repreensão do responsável pela alcáçova de Santarém: Juan I de Castela não é o primeiro senhor a sofrer uma derrota, a tristeza não lhe traz a vingança, e o exemplo do pai – que mesmo perdendo nunca “perdeu coraçom” – tem de lhe servir. A resposta de Juan I de Castela vem com escárnio e palavras que recordam a sua imensa desonra por ter perdido assim. Fernão Lopes prossegue insinuando que é com medo que Juan I de Castela parte de Santarém, ainda de noite, para Lisboa pelo rio com o rosto coberto. De Lisboa segue para Sevilha, só no dia 17, onde chega de noite, para evitar o clamor e “choro das gentes”. A população, ao saber, reage em pranto e o rei, atingido pela tristeza e nojo, parte para Carmona. Juan I de Castela veste-se completamente de preto, da roupa às divisões onde se encontra59.

38 Embora Fernão Lopes nunca o diga, é de dó a cena que compõe para mostrar a reação do rei de Castela à derrota. Os sinais típicos estão todos presentes, até ao excesso: o choro, o próprio rosto agredido, inclusive o ato de maldizer a sua própria sorte. O episódio recorda, com alguma semelhança, a reação do rei Rodrigo à derrota face às forças muçulmanas, embora este último não seja alvo de uma reprimenda60; rei repreendido pela tristeza face a uma derrota militar é D. Fernando de Portugal61, e quem o repreende é Leonor Teles, no único momento em que o cronista se permite uma palavra positiva quanto à rainha.

39 Não é comum encontrar nas crónicas cenas de dó em que os homens intervenham e nenhum rei faz “dó” para o cronista, mesmo que chore a perda de alguém62. Em regra, independentemente da crónica, são as mulheres as “encarregadas” desses gestos rituais e apenas quando é necessário acentuar determinado momento de dó, o cronista insere homens nesse contexto. O exagero dos atos do dó pode levar mesmo ao desmaio das envolvidas63, o que acentua igualmente o carácter da situação descrita a propósito da derrota em Aljubarrota.

40 Por outro lado, os desmaios femininos ocorrem frequentemente quando as mulheres das crónicas sofrem um choque emocional forte. Fernão Lopes introduz uma nuance de género: Juan I de Castela “parece esmorecer”, não levando, portanto, ao extremo o episódio que relata. Ao saber da mesma notícia, Beatriz de Portugal “cayo em terra assy como morta”64, seguindo-se sobre ela o pranto das damas que a acompanham. Todas

Medievalista, 27 | 2020 22

estas referências contribuem para reforçar a carga da derrota, por um lado, e a impressão da vitória esmagadora e inesperada das forças portuguesas.

O equilíbrio, a justiça e a alegria: João e Filipa

41 O retrato que Fernão Lopes nos oferece no prólogo da segunda parte da Crónica de D. João I, está desenhado para nos mostrar as qualidades de um bom rei. Entre elas está a ponderação e o equilíbrio das paixões. D. João I é retratado como equilibrado; ser demasiado “sanhudo” é sinal de instabilidade e gerador de problemas. O rei é tido como não sendo sanhudo nem cruel, mas manso e benigno a castigar65. O longo prólogo, depois de tecer rasgados elogios às virtudes do monarca, conclui que era grande distribuidor de mercês e que é por isso que todos o querem amar e servir66. As poucas vezes que surge irado, em ambas as partes da crónica, têm propósitos concretos ou estão perfeitamente justificadas.

42 A primeira vez que tal acontece ainda é, apenas, o defensor e regedor do reino. Portanto, poder-se-ia dizer que a sua ira não é régia, porque, factualmente, ainda não é rei. Mas Fernão Lopes desenhou-o para o ser, desde a Crónica de D. Pedro I; e, efetivamente, o lugar que ocupa coloca-o perto. A sua ira é dura e implacável quando se sente traído67. Apenas uma vez encontramos D. João, Mestre de Avis, a inspirar medo, depreende-se pelo episódio que se trate de uma explosão da sua ira a causa. Mas a culpa não é dele.

43 Cercava-se o castelo da vila de , fiel a Castela. Acontece que, durante o cerco, todas as hipóteses que D. João I apontava para entrar na fortaleza estavam goradas à partida porque o estavam a trair. Num desses casos, o regedor e defensor do reino mandara as catapultas lançarem à muralha do castelo, com o fito de derrubar parte dela e assim entrar. A ordem que chega a quem as manobra é contrária: que se lance às torres. Um dos oficiais, desconfiado, resolve misturar a ordem que recebera com aquilo que o bom senso lhe diz e que coincide com a ordem inicial de D. João. Por azar, o Mestre descobre o oficial a lançar às torres e enfurece-se; ameaça atirá-lo para dentro da vila se não cumprir a sua ordem (que, recordemos, o homem não recebera originalmente, mas inadvertidamente tentava cumprir). O oficial, assustado (e provavelmente confuso, dizemos nós) foge dali para Leiria68.

44 Medo (e o seu estádio imediatamente anterior, o espanto) é algo que D. João I é capaz de infligir, seguramente, em Leonor Teles e no seu entorno… Em sentido inverso, é capaz de retirar do espectro do medo o povo de Lisboa, intimidado pela rainha. Se em Castela o medo serve para encenar ruturas políticas na cronística, o mesmo parece ser possível dizer sobre Portugal na crise dinástica de 1383-1385.

45 Sanha sem medida, mas sempre mediada pela justiça e no caminho dos bons costumes – portanto, a ira do bom rei e bem aplicada –, encontramos em D. João I uma vez: quando o camareiro Fernando Afonso é “apanhado” com Beatriz de Castro. A ira régia não conhece barreiras, neste caso: sabendo que aquele escapara ao corregedor, o rei sai do Paço a meio da sesta, mal vestido e mal acompanhado, e dirige-se à igreja. Quando finalmente a porta se abre ao rei, o prevaricador desce do coro e agarra-se a uma imagem da Virgem no altar-mor. Arrancado ao altar, arrasta consigo a imagem. Nem a artimanha montada para escapar à sanha do rei (dizerem-se marido e mulher,

Medievalista, 27 | 2020 23

Fernando e Beatriz), nem qualquer fidalgo ou mesmo a rainha valem ao camareiro. É morto, queimado em praça pública, uma condenação infame69.

46 As crónicas que analisámos detêm-se, em regra, no amor, em três circunstâncias: as relações entre o senhor e os vassalos, a diplomacia e a paixão. A crónica de D. João I assinala, no entanto, mais uma forma quase indetetável nos outros textos: as relações familiares. Se não há dúvida de que o rei será retratado como um soberano amado70, acresce a esta a relação no sentido inverso: D. João é escolhido para rei em porque, entre muitas outras coisas, mostrou amor aos súbditos71.

47 O amor familiar e a exemplar relação entre os da Ínclita Geração e o pai são exaltados na crónica de forma altamente elogiosa e por demais conhecida. O cronista aposta, até, no contraste com os pares infante Afonso-D. Dinis e infante Pedro-Afonso IV, para insistir na diferença maior: a obediência72. A perfeição dos infantes é expressa por Fernão Lopes em termos que não nos atrevemos a parafrasear:

48 “ouueram tal conhecimento de seus preçeytos e mandados [de Deus], que conformes a elles, sem outra mudança, com gramde amor e themor e fee leal nenhuma coisa vergonhossa ou de repremder fezerão, per que el-Rey seu padre somente huma ora dalguum deles fosse anojado”73.

49 O temor deriva do amor e, portanto, está no espectro positivo do medo: porque se amam os pais, o soberano, não se quer desagradar-lhes, há medo em perder o seu amor ou maculá-lo. Seguem-se a vergonha e o nojo. À luz da nossa leitura, a caracterização do cronista não podia fazer esses filhos mais perfeitos: o amor ao pai e o temor daí decorrente, a vergonha inexistente que os eleva nos patamares da honra, o pai que nunca com eles sente nojo (desprazer). O cronista prossegue em termos semelhantes: os infantes nunca mostravam o quanto o pai lhes podia desagradar, nem com gestos tristes (o que, sabemos, não deveria ser verdade)74. O modelo dos filhos sempre agradando e apoiando o pai domina todo o capítulo75.

50 A propósito de amor, dissemos igualmente que Fernão Lopes coloca em D. Fernando um imenso desregramento e que isso conduz o reino ao caos de que emerge D. João I. Não é surpreendente, portanto, que o cronista utilize a relação conjugal para estabelecer a imensa diferença entre os últimos monarcas de Borgonha e os primeiros Avis. Para haver amor entre um casal é preciso equilíbrio e não se deixar governar por ele, como em tudo. Assim nos conta Fernão Lopes: D. João I “Homrou muyto e amou sua molher de honesto e saão amor”, nunca tendo cedido à rainha nos feitos de justiça. Extraordinário contraste, portanto, com o casal anterior76.

51 De tudo o que até agora dissemos, falámos apenas de profundas tristezas, de fúrias e de amor. Então, e a alegria, a ledice? Pois bem, só a encontramos com expressão significativa com este rei, embora surja esporadicamente associada a outras figuras77. No entorno de D. João tem outros sentidos: é ledos que ficam os povos quando o Mestre aceita ser regedor e rei, e é com muita ledice que os guerreiros aguardam, por exemplo, a Batalha de Aljubarrota78. O paralelo com Afonso Henriques, alçado por rei na Crónica de Portugal 1419, com a “alegria e prazer” dos seus companheiros, é irresistível79. Pelas razões óbvias, a alegria que rodeia a chegada de D. João I ao e o seu casamento são evidentes; assim como é dançando (alegre!) que Antão Vasques entrega a bandeira de Castela capturada em Aljubarrota ao rei80. A alegria rodeia o futuro rei desde cedo, na verdade: o pai, D. Pedro, é retratado alegre, na crónica que lhe é dedicada apenas duas vezes. A primeira, quando dança pelas ruas a altas horas da noite81. O cronista deixa no ar a ideia de que o rei raramente era visto tão ledo (embora fosse ledo em dar82 e fazer

Medievalista, 27 | 2020 24

justiça83), dada a alegria do povo em vê-lo assim. A segunda ocasião acontece quando se arma cavaleiro o filho mais novo, D. João84.

52 Em suma, o casal régio D. João I e D. Filipa é apresentado como bom modelo. Provocam sentimentos positivos em todos os que os rodeiam e mesmo quando o próprio D. João I expressa emoções negativas, elas são plenamente justificadas pelo cronista no contexto em causa e raramente quebram a barreira do que é aceitável85.

Conclusão

53 Por tudo o que expusemos, a conclusão natural é a de que as emoções que circundam as figuras régias que acompanhámos nas crónicas de Fernão Lopes funcionam como meio de legitimação da mudança dinástica de 1385. E isso mesmo acontece em duas medidas: ou são um dos mecanismos que suporta o desenrolar da ação ou apoiam a caracterização de uma determinada figura no sentido de a capacitar ou incapacitar para o lugar que ocupa ou pretende ocupar.

54 Não é uma surpresa que seja assim, na esteira da história que o cronista está a desenhar. Como vimos, já se concluiu para Castela que o medo na cronística serve para encenar e justificar mudanças; o mesmo se poderá dizer para o caso da crise dinástica de 1383-1385. Com fatores tão subtis como esse mesmo medo, o cronista abeira-se de temas tão imensos como a definição de um bom ou mau rei, através da aproximação ou afastamento da imagem do tirano.

55 Fernão Lopes exalta, por outro lado, as façanhas dos portugueses mostrando o desespero que o seu desempenho despoleta no entorno castelhano. Para isso, utiliza mecanismos como o dó. O desespero de Juan I de Castela, depois de perdida a batalha de Aljubarrota, é exemplar. Os exageros que o cronista imputa ao rei castelhano têm paralelo difícil nas restantes crónicas que nos chegaram do mesmo autor.

56 São diversas as variáveis que aqui encontramos. O cronista está claramente a colar emoções negativas e desregradas às figuras que pretende mostrar dessa maneira, o que não é uma surpresa. Pode não constituir surpresa igualmente o facto de estes textos parecerem fazer com que certas figuras, que têm um papel negativo no relato, quebrem fronteiras de género. Isso mesmo parece acontecer com Leonor Teles, que exibe uma sanha suficiente para assustar: nem a sanha desmedida era uma coisa positiva, nem a sanha feminina seria vista com bons olhos. O mesmo sucede com o desespero de Juan I de Castela após a derrota de Aljubarrota, que exibe um comportamento típico de atos de dó que Fernão Lopes dificilmente imputa a mais alguém e só atribui com relativa semelhança a mulheres. Compreender como o cronista desenha o texto, os tópicos e os mecanismos que utiliza, pode lançar um pouco mais de luz sobre a comunicação política da época e os diferentes sentires e expressares das emoções no Portugal Medieval.

57 A história que Fernão Lopes conta tem de ser, sobretudo, verosímil e adequar-se à memória dos que viveram os factos, sob pena de não ser aceite. Mas o cronista não deixa de ser o cronista régio, com o dever de ajudar a fortalecer uma dinastia que acabava de chegar ao poder. A forma como contou a história da crise dinástica de 1383-1385 usou claramente as emoções de acordo com aquilo que a comunidade emocional a que o texto se destinava estaria predisposta a entender de forma adequada ao objetivo. Isto é: não restam dúvidas de que Fernão Lopes escreveu para um rei à

Medievalista, 27 | 2020 25

cabeça de uma corte que precisava de uma narrativa oficial que apoiasse a legitimidade de uma sucessão pouco convencional. As emoções foram, tão-só, um dos mecanismos que utilizou.

BIBLIOGRAFIA

Fontes impressas

AFONSO, Pedro (Conde de Barcelos) – Crónica Geral de Espanha de 1344. Reconstituição do ms. L da Crónica Geral de Espanha de 1344 (2.ª Parte) de Sílvia Miranda. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013. Relatório de Estágio de Mestrado.

AFONSO, Pedro (Conde de Barcelos) – Crónica Geral de Espanha de 1344. Reconstituição do ms. L da Crónica Geral de Espanha de 1344 (1.ª Parte) de Marta Pedrosa. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013. Relatório de Estágio de Mestrado.

AFONSO, Pedro (Conde de Barcelos) – Crónica Geral de Espanha de 1344. Edición Crítica del Texto Español de la Crónica de 1344 que ordenó el Conde de Barcelos don Pedro Alfonso, ed. Parcial de Diego Catalán e María Soledad de Andrés. Madrid: Gredos, 1970.

AFONSO, Pedro (Conde de Barcelos) ou ALFONSO XI – Crónica Geral de Espanha de 1344. Crónica de 1344. Edición crítica y estudio. Vol. II, Ed. Crítica de Ingrid Vindel Perez, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2016. Tese de Doutoramento. Disponível em https://ddd.uab.cat/ record/167824?ln=ca

Crónica de Portugal de 1419. Edição crítica com introdução e notas de Adelino de Almeida Calado. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1998.

DUARTE, (rei) – Leal Conselheiro [Em linha]. Edição Eletrónica, Ed. João Dionísio. Wisconsin: University of Wisconsin Digital Collections, UW-Madison Libraries, 2012. [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em http://uwdc.library.wisc.edu/lealconselheiro-electronic-edition

DUARTE, (rei) – Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte. Ed. João José Alves Dias. Lisboa: Editorial Estampa, 1982.

LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando. Edição Crítica, introdução e índices de Giuliano Macchi. 2.ª Ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004.

LOPES, Fernão – Crónica de D. Pedro. Edição Crítica, introdução e índices de Giuliano Macchi. 2.ª Ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007.

LOPES, Fernão – Crónica de Dom João I. Primeira Parte. Edição Crítica e Notas de Teresa Amado, com a colaboração de Ariadne Nunes, Carlota Pimenta e Mário Costa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2018.

LOPES, Fernão – Crónica del Rei Dom Joham I de Boa Memoria e dos Reis de Portugal o Decimo, Parte II. Edição crítica de William J. Entwistle. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1977.

Estudos

Medievalista, 27 | 2020 26

ALTHOFF, Gerd – “Ira regis: Prolegomena to a history of royal anger”. in ROSENWEIN, Barbara H. (ed.) – Anger’s past: the social uses of an emotion in the Middle Ages. Ithaca: Cornell University Press, 1998, p. 59.

BERGQVIST, K. – “Tears of Weakness, Tears of Love: Kings as Fathers and Sons in Medieval Spanish Prose”. in FÖRNEGÅRD, Per; KIHLMAN, Erika; ÅKESTAM, Mia; ENGWALL, Gunnel – Tears, Sighs and Laughter: Expressions of Emotions in the Middle Ages. Estocolmo: KVHAA, 2017, pp.77-97.

BERLIN, Henry – “The willing reader of Duarte’s Leal Conselheiro”. Journal of Medieval Iberian Studies Vol. 5, n.º2 (2013), 204-219.

BROOMHALL, Susan – Authority, Gender and Emotions in the Late Medieval and Early Modern England. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2015.

BROOMHALL, Susan (ed.) – Early Modern Emotions: An Introduction. Londres: Routledge, 2017.

DOUBLEDAY, Simon – “Anger in the Crónica de Alfonso X”. Al-Masaq Vol. 27, n.º1 (2015) pp. 61-76.

FORONDA, François – “El miedo al rey: fuentes e primeras reflexiones acerca de una emoción aristocrática en la Castilla del siglo XIV”. e-Spania [Em Linha] 4 (dezembro de 2007) [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em https://journals.openedition.org/e-spania/2273

LYNCH, Andrew – “Emotional Community”. in BROOMHALL, Susan (ed.) – Early Modern Emotions: An Introduction. Londres: Routledge, 2017, p. 3.

MUÑOZ FERNANDEZ, Ángela – “Llanto, palavras y gestos. La muerte e el duelo en el mundo medieval hispânico (morfologia ritual, agencias rituales y controversias)”. Cuadernos de historia de España 83 (2009), pp. 107-139.

NAGY, Piroska – Le don des larmes au Moyen Âge. Paris: Albin Michel, 2000.

NAGY, Piroska; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge. Une histoire des émotions dans l’Occident Medieval. Paris: Seuil, 2015.

NOGALES RINCÓN, David – “Admiración, extrañeza y construcción del discurso narrativo de la crónica real. Emoción de la maravilla y representación política en la Castilla bajomedieval”. e- Spania [Em Linha] 27 (junho de 2017), [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em http:// journals.openedition.org/e-spania/26616

ORNING, Hans Jacob – “Royal anger between Christian doctrine and practical exigencies”. Collegium medievale: interdisciplinary journal of medieval research 22 (2009), pp. 34-54.

REDDY, William M. – The Navigation of Feeling. A Framework for the History of Emotions. New York, 2001.

RODRÍGUEZ PORTO, Rosa M. – “La Crónica Geral de Espanha de 1344 (ms. 1 A de la Academia de Las Ciências y la tradición alfonsí”. e-Spania [Em Linha] 25 (outubro de 2016), [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em http://journals.openedition.org/e-spania/25911

ROSENWEIN, Barbara H.; CRISTIANI, Riccardo – What is the History of Emotions?. Cambridge: Polity Press, 2018.

ROSENWEIN, Barbara H. – Emotional Communities in the Early Middle Ages. Ithaca & London: Cornell University Press, 2006.

ROSENWEIN, Barbara H. (ed.) – Anger’s Past. The social uses of an emotion in the Middle Ages. Ithaca and London: Cornell University Press, 1998.

Medievalista, 27 | 2020 27

SCHEER, Monique – “Are emotions a kind of practice (and this is what makes them have history)? A bourdieuian approach to understanding emotion”. History and Theory 51 (maio de 2012), pp. 193-220.

SOUSA, Bernardo Vasconcelos e – “Medieval Portuguese Royal Chronicles. Topics in a discourse of Identity and Power”. e-Journal of Portuguese History [Em Linha] Vol. 5, n.º2 (2007), [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1645-64322007000200001&lng=pt&nrm=iso.

VINDEL PÉREZ, Ingrid – Crónica de 1344. Edición crítica y estudio. Bellaterra, Universitat Autònoma de Barcelona, 2016. Tese de Doutoramento. Disponível em https://ddd.uab.cat/record/167824? ln=ca

NOTAS

1. Estas crónicas servir-nos-ão de fontes, o que não quer dizer que estejam excluídos paralelos com outras. Recenseámos duas versões da crónica de 1344, chamaremos A à mais antiga, e B à mais recente. Utilizaremos as seguintes edições, referenciadas por comodidade como se segue: – AFONSO, PEDRO (Conde de Barcelos) – Crónica Geral de Espanha de 1344. Reconstituição do ms. L da Crónica Geral de Espanha de 1344 (2.ª Parte) de Sílvia Miranda. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013. Relatório de Estágio de Mestrado. Doravante, 1344 B 2. – AFONSO, Pedro (Conde de Barcelos) – Crónica Geral de Espanha de 1344. Reconstituição do ms. L da Crónica Geral de Espanha de 1344 (1.ª Parte) de Marta Pedrosa. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013. Relatório de Estágio de Mestrado. Doravante 1344 B 1. – AFONSO, Pedro (Conde de Barcelos) ou ALFONSO XI – Crónica Geral de Espanha de 1344. Crónica de 1344. Edición crítica y estudio. Vol. II, Ed. Crítica de Ingrid Vindel Perez, Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona, 2016. Tese de Doutoramento. Disponível em https://ddd.uab.cat/ record/167824?ln=ca Doravante 1344 A. – Crónica de Portugal de 1419. Edição crítica com introdução e notas de Adelino de Almeida Calado. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1998. Doravante 1419. – LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando. Edição Crítica, introdução e índices de Giuliano Macchi. 2.ª Ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004. Doravante CDF. – LOPES, Fernão – Crónica de D. Pedro. Edição Crítica, introdução e índices de Giuliano Macchi. 2.ª Ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007. Doravante CDP. – LOPES, Fernão – Crónica de Dom João I. Primeira Parte. Edição Crítica e Notas de Teresa Amado, com a colaboração de Ariadne Nunes, Carlota Pimenta e Mário Costa. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2018. Doravante CDJI. – LOPES, Fernão – Crónica del Rei Dom Joham I de Boa Memoria e dos Reis de Portugal o Decimo, Parte II. Edição crítica de William J. Entwistle. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1977. Doravante CDJI-II. 2. SOUSA, Bernardo Vasconcelos e – “Medieval Portuguese Royal Chronicles. Topics in a discourse of Identity and Power” in e-Journal of Portuguese History [Em Linha] Vol. 5, n.º2 (2007), [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1645-64322007000200001&lng=pt&nrm=iso. 3. BROOMHALL, Susan (ed.) – Early Modern Emotions: An Introduction. Londres: Routledge, 2017, p. 33. 4. Para uma revisão da ciência por trás das emoções: ROSENWEIN, Barbara H.; CRISTIANI, Riccardo, “Science”. in ROSENWEIN, Barbara H.; CRISTIANI, Riccardo – What is the History of Emotions? Cambridge: Polity Press, 2018, pp. 7-25. Para um aprofundamento da perspetiva das emoções como práticas sociais, SCHEER, Monique – “Are emotions a kind of practice (and this is

Medievalista, 27 | 2020 28

what makes them have history)? A bourdieuian approach to understanding emotion.” History and Theory 51 (maio de 2012), pp.193-220. 5. Para uma introdução à área, ver ROSENWEIN, Barbara H.; CRISTIANI, Riccardo – What is the History of Emotions?... 6. A definição é de Barbara Rosenwein, citada por LYNCH, Andrew – “Emotional Community”. in

F0 BROOMHALL, Susan (ed.) – Early Modern Emotions BC , p. 3. 7. Sobre isso, e sobre a opção por “comunidade emocional” e não “regime emocional”, BERGQVIST, Kim – “Tears of weakness, tears of love: kings as fathers and sons in medieval Spanish prose”. in FÖRNEGÅRD, Per; KIHLMAN, Erika; ÅKESTAM, Mia; ENGWALL, Gunnel – Tears, Sighs and Laughter: Expressions of Emotions in the Middle Ages. Estocolmo: KVHAA, 2017, pp. 82-83. 8. NAGY, Piroska; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge. Une histoire des émotions dans l’Occident Medieval. Paris: Seuil, 2015, pp. 229-233. 9. NAGY, Piroska ; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge..., pp. 234-235. 10. NAGY, Piroska ; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge..., p. 255. 11. Não exploraremos aprofundadamente essa problemática, por uma questão de economia do discurso. Sinteticamente, o problema está na utilização da ira régia como forma de exercer a justiça ou exercício arbitrário. Discussão presente em: ORNING, Hans Jacob – “Royal anger between Christian doctrine and practical exigencies”. Collegium medievale: interdisciplinary journal of medieval research 22 (2009), pp. 34-54. 12. ALTHOFF, Gerd – “Ira regis: Prolegomena to a history of royal anger”. in ROSENWEIN, Barbara H. (ed.) – Anger’s past: the social uses of an emotion in the Middle Ages. Ithaca: Cornell University Press, 1998, p. 59. 13. Sumariamos aqui as ideias expressas em: ALTHOFF, Gerd – “Ira regis: Prolegomena to a history of royal anger” …, pp. 61-73. 14. Sintetizamos WHITE, Stephen D. – “The politics of anger”. in ROSENWEIN, Barbara – Anger’s Past…, pp. 135-149. 15. NAGY, Piroska; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge..., pp. 240-241: a ira régia é contida, mas a do senhor feudal retoma diretamente a força guerreira. 16. ALTHOFF, Gerd – “Ira regis: Prolegomena to a history of royal anger” …, p. 61. Destacámos três vocábulos, porque contêm em si conceitos de que é difícil encontrar equivalente exato em português. Se “rulership” parece óbvio, “fear” é um caso mais delicado. Como veremos, a diferença entre temor e medo é ténue, mas muito importante neste âmbito. Optámos pelo vocábulo que nos soa mais próximo do original. O terror destaca-se em itálico porque o autor se refere ao termo latino. 17. Referimo-nos a FORONDA, François – “El miedo al rey: fuentes e primeras reflexiones acerca de una emoción aristocrática en la Castilla del siglo XIV”. e-Spania [Em linha] 4 (dezembro de 2007), [Consultado a 19 abril 2018]. Disponível em https://journals.openedition.org/e-spania/ 2273. 18. A relação antagónica entre medo e amor é atestada na versão B da crónica de 1344 B 1 p. 120 e 1344 B 2 p. 196. 19. NAGY, Piroska; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge..., p. 255. 20. NAGY, Piroska ; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge..., pp. 226-227. 21. NAGY, Piroska ; BOQUET, Damien – Sensible Moyen Âge..., p. 195. 22. CDJI p. 155 e p. 144, p. ex.; “grandioso coraçom de que natureza lhe nom fora escassa” p. 57. 23. CDJI p. 53. 24. CDJI p. 57, que motiva uma longa reflexão do cronista e p.127, embora não muito claramente. 25. CDJI p. 38. É a medo, no entanto, que outros falam com o Mestre. 26. CDJI p. 51.

Medievalista, 27 | 2020 29

27. CDJI p. 121. 28. CDJI p. 155. 29. CDJI p. 54. 30. CDJI p. 64. 31. CDJI p. 65. 32. BROOMHALL, Susan – “Introduction: Authority, Gender and Emotions in Late Medieval England”. In BROOMHALL, Susan – Authority, Gender and Emotions in Late Medieval England. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2015, pp. 1-17. 33. O trabalho fundamental do autor, onde explica a teoria: REDDY, William M. – The Navigation of Feeling. A Framework for the History of Emotions. New York, 2001. 34. DOUBLEDAY, Simon – “Anger in the Cronica de Alfonso X”. in Al-Masaqol Vol. 27, n.º1 (2015), p. 62. Da mesma maneira, em Inglaterra, as acusações de desequilíbrio emocional servem para minar a autoridade régia – p. 68. 35. CDF p. 594. 36. CDJI p. 35. 37. CDJI p. 45. 38. CDJI p.125, que pode ou não ser luto, mas contribui para o peso dramático. 39. CDJI p. 145. 40. CDF p. 572. 41. 1419 p. 165. 42. CDF p. 375. 43. CDF p. 3. O facto de amar todos os que com ele viviam podia ser um sinal positivo: o amor, neste contexto, pode ser o laço que une o vassalo e o senhor, como mostramos atrás. É a insistência do cronista que queremos reforçar. 44. CDF p. 198. Além dos constantes momentos partilhados, beijos e abraços são sinal afetivo. O mesmo serve para desfazer o casamento da filha ilegítima de D. Fernando: CDF p. 337. 45. CDF pp. 199-200. 46. CDF p. 209. 47. Sobre este assunto, BERLIN, Henry – “The willing reader of Duarte’s Leal Conselheiro”. in Journal of Medieval Iberian Studies Vol. 5, n.º2 (2013), pp. 204-219. 48. CDF pp. 357-359. 49. CDF p. 361. 50. 1419 p. 166. 51. CDF p. 358. 52. CDJI p. 159. 53. CDJI p. 236. 54. CDJI p. 286. A tristeza não é uma emoção encontrada com frequência. 55. CDJI-II p. 69. 56. CDJI-II p. 95. 57. CDJI-II p. 96. 58. CDJI p. 318. 59. CDJI-II pp 100-103. 60. 1344 A p. 121 1344 B 1 p. 268. 61. CDF p. 448. 62. CDF p. 3; CDJI-II p. 231. 63. 1344 A p. 492, a título de exemplo. 64. CDJI-II p. 103. 65. CDJI-II p.2. 66. CDJI – II, p. 3. 67. CDJI p. 340.

Medievalista, 27 | 2020 30

68. CDJI p. 326. 69. CDJI-II p. 286. 70. Atente-se, por exemplo, nas festas do seu acolhimento no Porto. 71. CJI p. 374. 72. CDJI-II p. 308. 73. O capítulo é de alto interesse para este contexto: CDJI-II pp. 310-311. 74. CDJI-II p. 309. 75. CDJI-II pp. 310-311. 76. CDJI – II p. 3. 77. Tanto a caracterização de D. Fernando (CDF p. 3) como a do infante D. João (CDF p. 355) remetem para a ledice, o que pode ser um mecanismo intencional, dado o desenlace da história de ambos. 78. CDJI-II p. 86. 79. 1419 p. 22. 80. CDJI-II p. 107. 81. CDP p. 60. 82. CDP p. 8 e p. 47. 83. CDP p. 27. 84. CDP p. 191. 85. BERGQVIST, Kim – “Tears of weakness, tears of love: kings as fathers and sons in medieval Spanish prose” …, p. 89 explica como a moderação ao nível das emoções é já teorizada por Alfonso X.

RESUMOS

A crise dinástica de 1383-1385 foi alvo de estudo por gerações de historiadores. Este artigo pretende contribuir para o debate através de um campo florescente da historiografia que não parece ter ainda sido utilizado para analisar o relato principal dos acontecimentos, da pena de Fernão Lopes: a História das Emoções. Estudaremos assim a paleta emocional expressa pelo cronista-mor do reino e percecionada pelos leitores das crónicas do Portugal Medieval, no sentido de entender como é que sustenta a subida ao trono do Mestre de Avis. O artigo encontra- se estruturado em torno de três casais régios e das emoções por eles exprimidas e provocadas: Leonor Teles e D. Fernando, como o mau exemplo, pelo desregramento emocional que conduz o reino ao caos e a desadequação dos papéis que desempenham àquilo que deles se espera; Juan I de Castela e Beatriz de Portugal, que pontuam pelo desespero e emoções negativas que provocam; João I e Filipa de Lencastre, como retorno à normalidade, pelo bom desempenho, regrado e positivo. Em todos eles, é o primeiro elemento enunciado que domina as referências.

The 1383-1385 dynastic crisis has been studied by generations of historians. This article aims to contribute to the debate through a florescent historiographical field that does not seem to have been used to analyse the main narrative of the events, written by Fernão Lopes: the History of Emotions. We will study the emotional palette expressed by the kingdom’s official chronicler and perceived by his Portuguese medieval readers in an attempt to understand how it sustains the rise to the throne of the Master of the Military Order of Avis. The work is structured around three royal couples and the emotions expressed and provoked by them: Leonor Teles and D.

Medievalista, 27 | 2020 31

Fernando as the bad example because of their emotional imbalance that drives the kingdom to chaos and the inadequacy of the roles they play to what is expected from them; Juan I of Castile and Beatriz of Portugal who arise despair and negative emotions; João I and who help to restore normality by their balanced and positive performance. In each of these cases the first element mentioned is dominant on the references.

ÍNDICE

Keywords: 1383-1385 dynastic crisis, History of emotions, Fernão Lopes Palavras-chave: Crise de 1383-1385, História das emoções, Fernão Lopes

AUTOR

INÊS OLAIA

Departamento de História, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. 1600-214 Lisboa, Portugal. [email protected]. https://orcid.org/0000-0003-0528-4666

Medievalista, 27 | 2020 32

O cruzeiro medieval de Tavira Tavira’s medieval stone cross

Daniel Santana e Marco Sousa Santos

1 O intitulado Jardim de São Francisco, em Tavira, funcionou durante décadas como um depósito improvisado onde se recolheram, a céu aberto e no interior de duas antigas capelas medievais desativadas, capitéis, epígrafes, pedras tumulares, pedras de armas e toda uma panóplia de fragmentos e peças de cantaria oriundas de diferentes construções da cidade. Entre essas peças estava o elemento de cantaria lavrada que constitui o objeto do presente estudo e ao qual, depois de integrado na coleção do Museu Municipal de Tavira (Palácio da Galeria), foi atribuída a referência MMT2285.

Fig. 1 – Peça medieval de cantaria no Museu Municipal de Tavira e identificada com a referência MMT2285. Fonte: fotografia dos autores, 2014.

Medievalista, 27 | 2020 33

O estado da questão

2 No ano de 2013, no âmbito da exposição Memória e Futuro, foi exposta no museu de Tavira (Palácio da Galeria) uma invulgar cantaria lavrada identificada com a referência MMT2285, peça de planta circular, com cerca de 50 centímetros de altura e 40 centímetros de largura, esculpida em todo o perímetro e parcialmente fragmentada. A legenda que acompanhava a peça identificava-a como um provável capitel, de origem desconhecida, que tinha sido recolhido no jardim público anexo à igreja da Ordem Terceira de São Francisco e que admissivelmente seria oriundo de uma das antigas Casas religiosas da cidade.

3 Sublinhe-se, esta peça já tinha sido anteriormente integrada noutra exposição do mesmo museu, realizada em 2003 e intitulada Tavira: Território e Poder. No catálogo dessa exposição ela é descrita como uma “peça de exterior”, circunstância desde logo sugerida pelo elevado grau de erosão que apresenta (provavelmente causada pelos agentes atmosféricos), concluindo-se tratar-se de um possível “capitel de pelourinho”. No que respeita à cronologia, tendo por base o recorte dos arcos e a tipologia dos panejamentos das figuras representadas, Carla Varela Fernandes propõe no catálogo da exposição tratar-se de uma peça datável de meados do século XV. Em relação à proveniência, a autora apenas adianta que a peça era proveniente do Jardim de São Francisco, em Tavira, onde, em época que não se podia precisar, fora reaproveitada na montagem de um pelourinho, constituindo o remate de um conjunto que integrava ainda uma coluna de fuste liso e um capitel coríntio da época romana (este possivelmente oriundo da povoação ibero-romana de Balsa), colocado em posição invertida, o qual lhe servia de base, desconhecendo-se, não obstante, a sua origem1.

4 De facto, no que respeita à origem desta peça, a única coisa que se pode assegurar é que, antes de ser integrada nas coleções do museu municipal, ela estava, como se disse, colocada no topo de uma antiga coluna de cantaria, em pleno Jardim de São Francisco, configurando um pelourinho improvisado, já que há registos fotográficos da década de 90 do século XX que mostram a peça levantada nesse mesmo local. A esse respeito, talvez valha a pena lembrar que o espaço onde hoje se encontra o jardim (no qual se situavam outrora a nave e as dependências claustrais do extinto convento de São Francisco) foi adquirido pela Câmara de Tavira em 1844, com o objetivo de nele se instalar um cemitério público. Só após a desativação desse cemitério, em 1918, o espaço é destinado a viveiro de plantas e, finalmente, a jardim municipal2.

5 Sabe-se que a peça em causa já se encontrava no dito jardim no ano de 1937, data em que, na obra Notícias Históricas de Tavira (1242-1840), Damião Augusto de Brito Vasconcelos refere a existência, nesse espaço ajardinado, daquilo que afirma ser um “antiquíssimo cruzeiro que dantes se erguia fronteiro à primitiva igreja franciscana”. Ou seja, o autor vai identificar esta peça como um “cruzeiro”, não como um elemento do pelourinho, avançando inclusive que ela teria anteriormente estado colocada em frente à desaparecida igreja do extinto convento dos franciscanos3.

6 De algum modo corroborando a interpretação feita por Damião de Vasconcelos, sem, contudo, a subscrever na íntegra, em 1966, num texto publicado na imprensa local, Armando da Costa Franco identifica a peça de cantaria que se erguia no Jardim de São Francisco como um “pelourinho ou cruzeiro”, acrescentando que, segundo a tradição, a mesma seria proveniente do adro de uma antiga capela dedicada a Nossa Senhora do Espinheiro que tinha existido na Atalaia, no limite do núcleo urbano. Mas que, segundo

Medievalista, 27 | 2020 34

testemunhos orais, também teria estado colocada na então Praça da República, junto ao edifício dos Paços do Concelho4.

7 Tanto quanto foi possível apurar, nenhum outro autor voltou a tratar este tema. Portanto, o que se sabe acerca da peça em questão é que já foi identificada como elemento de um cruzeiro ou de um pelourinho. Unicamente a questão cronológica parece reunir algum consenso, acordando os autores na hipótese de se tratar de uma peça datável de meados do século XV. Em relação à respetiva proveniência, apenas se sabe que terá permanecido no Jardim de São Francisco, onde já se encontrava em 1937, até aos derradeiros anos do século XX, data em que foi recolhida nas reservas do museu. No que diz respeito ao original local de implantação, e segundo as notícias recolhidas pelos diversos autores que se debruçaram sobre o tema, as opiniões divergem, admitindo-se que a peça possa ter estado colocada em distintos espaços públicos da cidade, nomeadamente no adro da antiga igreja conventual de São Francisco, no adro da ermida do Espinheiro, na Atalaia, e até na Praça da República. Persistem, portanto, as dúvidas em relação à origem da peça, bem como à sua definitiva identificação do ponto de vista funcional.

Breve descrição formal e proposta de leitura iconográfica

8 A erosão provocada pela prolongada exposição da peça aos agentes atmosféricos, bem como o facto de se encontrar parcialmente mutilada, acaba por de algum modo dificultar a leitura e a análise dos seus relevos decorativos. Não obstante, é possível afirmar que este alegado capitel exibe um total de oito figuras antropomórficas trabalhadas em baixo relevo e enquadradas superiormente por uma sequência de arcos conopiais e polilobados idênticos, cujo recorte aponta, como anteriormente dito, para uma cronologia de meados do século XV, sendo de realçar o dinamismo transmitido pelo rendilhado tardogótico das arcarias e pelas roupagens das figuras marcadas por profundas pregas verticais e oblíquas. Refere Carla Varela Fernandes a este respeito: “a disposição das figuras, bem como o enquadramento arquitetónico, formado por arcarias separadas por torres e pináculos, remetem para uma tradição decorativa bem assente no território nacional, especialmente relacionável com a decoração das arcas tumulares, desde meados do século XIII”5.

9 Assim, este elemento torna-se particularmente relevante para a história da arte medieval no Algarve por apresentar um programa iconográfico rico, de assinalável impacto visual e sem paralelo na região mais meridional do país, onde não abundam as representações figurativas deste período.

10 Apesar da deterioração que a peça apresenta, a sua observação atenta permite, com reservas, identificar algumas das figuras, nomeadamente através da presença de atributos iconográficos que tornam lícito afirmar que estamos perante representações de Santos e Santas da Cristandade. Para além dos atributos que é possível reconhecer, contribuem para a tentativa de identificação das figuras representadas a distinção de género estabelecida pelo canteiro através de certos detalhes fisionómicos, como a barba e os cabelos. Apenas com base nestas características, é possível concluir que o artista terá procurado representar um total de quatro Santos e quatro Santas, dispostos de forma harmónica e alternada, de modo a que cada Santo seja sempre ladeado por uma Santa, e vice-versa. A eleição das figuras a representar terá sido da responsabilidade

Medievalista, 27 | 2020 35

dos encomendadores e baseada na religiosidade e devoções populares mais comuns na região, parecendo de salientar, nesse âmbito, o facto de as figuras representadas remeterem em exclusivo para o culto dos Mártires dos primeiros séculos da Cristandade, não sendo possível identificar nesta peça indícios de invocações marianas ou Santos associáveis aos Panteões das Ordens religiosas, cujo culto só se acaba por afirmar com maior vigor na Modernidade.

11 Assim, partindo unicamente da análise dos aspetos iconográficos, com elevado grau de probabilidade encontram-se representados nesta peça de cantaria o Apóstolo São Pedro, que segura numa mão a inconfundível Chave e na outra um Livro, e Santa Bárbara, a figura feminina (imberbe) que exibe na palma da mão o que parece ser uma Torre, invocações tradicionalmente associadas às questões climáticas em geral e, por isso, a todos os títulos relevantes para os habitantes do termo de Tavira, cuja economia se baseava na produção agrícola e na exportação de produtos por via marítima. Parece ainda admissível a presença de Santa Catarina, aqui representada como uma figura feminina munida de uma espada. Santa Catarina é muitas vezes é representada em associação com a acima mencionada Santa Bárbara e, para além disso, é adotada no dealbar do século XVI como padroeira de uma das freguesias rurais do termo de Tavira (Santa Catarina da Fonte do Bispo), o que não deixa de constituir um forte indício da importância desse culto no âmbito local6.

Fig. 2 – Pormenor do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira, com provável representação de Santa Catarina. Fonte: fotografia dos autores, 2014.

12 O desgaste da peça dificulta a tentativa de identificação das restantes figuras, admitindo-se, com as necessárias reservas, a presença de São Paulo, Apóstolo que sistematicamente surge associado a São Pedro, como um dos “Pilares da Igreja”, e, eventualmente, de Santa Margarida, que muitas vezes figura junto das acima referidas Santa Bárbara e Santa Catarina, constituindo as três Virgens mártires do grupo de “Catorze Santos Auxiliares”7, hipótese a respeito da qual não será descabido lembrar também que uma das ermidas existentes na periferia da cidade de Tavira tem como orago Santa Margarida.

13 De salientar ainda que uma das figuras masculinas não identificadas foi representada com a mão direita erguida remetendo para o gesto do orador, ou da Palavra, com um

Medievalista, 27 | 2020 36

Livro na mão esquerda e barba bifurcada, recorrendo a um modelo iconográfico que se aproxima do geralmente utilizado nas representações de Cristo Pantocrator (Todo- Poderoso). Falta-lhe, porém, a auréola crucífera e, caso se tratasse da figura de Cristo, seria de esperar que a mesma tivesse um destaque mais evidente em relação às demais, nomeadamente em termos de escala. Apenas como hipótese de trabalho, não parece descabido que se possa tratar de uma representação de São Barnabé Apóstolo, Santo que foi escolhido como padroeiro de Tavira por alegadamente ter sido no dia da sua festa que os cavaleiros da Ordem de Santiago conquistaram a então vila. Os atributos não desmentem esta hipótese e, à partida, seria perfeitamente exequível encontrar uma representação do padroeiro da povoação numa peça de cariz apotropaico e elevado significado simbólico para a população local.

Fig. 3 – Pormenor do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira, com representação de Santo não identificado (São Barnabé?).Fonte: Fotografia dos autores, 2014.

14 Por último, e ainda em relação à identificação das figuras representadas, à partida é de estranhar a ausência nesta peça de uma representação de Santiago Maior, figura cara ao imaginário medieval português e patrono de uma das freguesias urbanas de Tavira, ou até de uma figura com atributos episcopais que possa configurar uma representação de São Brás, Santo não menos popular e a quem será consagrada uma das ermidas de fundação medieval do núcleo urbano. Em todo o caso, a questão da identificação de parte das invocações aqui representadas terá de permanecer em aberto, importando sobretudo reforçar o potencial desta peça para o conhecimento relativo à religiosidade popular de Tavira durante a Idade Média.

Medievalista, 27 | 2020 37

Fig. 4 – Pormenor do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira, com representação de Santa não identificado (Santa Bárbara?). Fonte: fotografia dos autores, 2014.

Fig. 5 – Pormenor do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira, com representação de Santo não identificado. Fonte: fotografia dos autores, 2014.

Proposta de identificação da peça

15 Tendo em conta as características físicas e dimensões da peça em análise, tudo indica tratar-se de um elemento arquitetónico, quanto a isso não parece haver dúvida. Mas em que tipo de estrutura ou equipamento terá originalmente estado integrado? Será um capitel ou o elemento de um desaparecido pelourinho, como já anteriormente proposto? Ou antes um fragmento de um antigo cruzeiro, hipótese até agora não devidamente equacionada? Exploremos cada uma dessas possibilidades recorrendo à

Medievalista, 27 | 2020 38

análise crítica de todas as fontes disponíveis e também ao estabelecimento de paralelos formais com outras peças semelhantes.

1. Capitel?

16 À partida, e uma vez que a peça estava implantada no espaço outrora ocupado por um extinto convento, podia de facto tratar-se de um antigo capitel originalmente integrado nesse conjunto claustral (ou num dos outros que existiram na cidade), ainda que a hipótese não seja sustentada pela sua invulgar riqueza ornamental nem pelo facto de se tratar de uma peça de planta circular, tipologia pouco comum em claustros. Não obstante, a verdade é que, ainda em âmbito conventual, poderia ter estado integrada numa estrutura de carácter excecional, por exemplo numa Casa do Capítulo. Há exemplos de Casas do Capítulo cuja cobertura em abóbada é suportada por apenas uma coluna e, nesse caso, tratando-se de um espaço tão relevante e principal, talvez estivesse justificado o recurso a uma peça de carácter extraordinário e elevado valor artístico. Portanto, e pelo menos em teoria, não parece de descartar a hipótese de se tratar de um capitel. É verdade que os encaixes que apresenta no topo não parecem conciliáveis com a sua utilização enquanto capitel, mas, não obstante, o que é facto é que os mesmos podem ter sido executados em qualquer época, porventura na sequência de um reaproveitamento do elemento arquitetónico, não se podendo garantir que a sua abertura seja coeva da execução da peça.

Fig. 6 – Pormenor de uma das faces do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira. Fonte: fotografia dos autores, 2014.

2. Elemento de pelourinho?

17 Como qualquer povoação com autonomia administrativa, Tavira teve pelourinho, símbolo máximo do poder concelhio. Na verdade, ao que tudo indica, Tavira terá tido até dois pelourinhos diferentes, o primeiro provavelmente levantado logo após a conquista da povoação pelos cristãos, na década de 40 do século XIII8, ou aquando da outorga do primeiro foral à terra (1266), localizado dentro do perímetro amuralhado, junto à porta da antiga alcáçova e residência do alcaide-mor; e o segundo, talvez

Medievalista, 27 | 2020 39

erguido no século XVIII, nas proximidades do edifício seiscentista dos Paços do Concelho, na zona da Ribeira, admitindo-se inclusive que as duas peças possam ter coexistido durante algum tempo9.

18 Do primitivo pelourinho de Tavira, e respetiva localização, somente se sabe que no final do século XVIII estava implantado no denominado Largo do Castelo, em frente à porta da antiga alcáçova medieval, como se comprova a partir da análise de uma planta cuja autoria é atribuída ao coronel José de Sande Vasconcelos, datável de cerca de 1800, na qual se assinala a presença do “pelourinho velho”. É provável que, nessa data, o pelourinho se encontrasse na sua localização original, já que era no castelo, ou melhor, na antiga alcáçova, que se situava o paço do alcaide-mor10, circunstância que se mantinha em meados do século XVIII11. Seja como for, tendo em conta que o pelourinho constituía um símbolo do poder concelhio, tampouco parece de descartar a hipótese de que, durante algum período, o pelourinho possa ter estado no topo da Rua Nova Grande, ou seja, nas proximidades da Casa da Câmara e Cadeia de fundação quinhentista, já fora do perímetro amuralhado.

19 Tanto quanto foi possível apurar, nada mais se sabe acerca do dito “pelourinho velho” de Tavira, seu aspeto, cronologia de execução ou locais de implantação. Mas, do ponto de vista formal e iconográfico, será que o elemento de cantaria hoje integrado nas coleções do museu municipal com a referência MMT2285 poderá ter feito parte do conjunto arquitetónico que constituía esse pelourinho antigo? Parece pouco provável, desde logo pelo tipo de iconografia que nele se observa, integrando nichos preenchidos com representações de Santos e Santas. Faltam-lhe os atributos próprios do poder secular que geralmente se encontram nos pelourinhos, nomeadamente coroas reais ou escudos com as armas reais, ou ainda com as do concelho. Contudo, a verdade é que essa condição, por si só, não será suficiente para excluir por completo a hipótese de se tratar de um capitel de pelourinho.

20 Uma vez expostos e analisados os dados que se conhecem em relação ao dito “pelourinho velho”, vejamos o que se pode apurar a respeito do outro pelourinho que terá existido na cidade, e que, por uma questão de simplicidade, passaremos a designar como o “novo”. Um dos mais antigos testemunhos da existência deste pelourinho “novo” será uma outra planta da cidade de Tavira datada do final do século XVIII, cuja autoria é atribuída ao já referido José de Sande Vasconcelos, na qual se representa, junto ao rio, no extremo da praça e nas proximidades do edifício ribeirinho dos Paços do Concelho, um elemento identificado como “peloirinho”. Em 1825 esse elemento ainda se mantinha junto ao cais, à beira do Gilão, como se verifica numa planta dessa data executada no âmbito do projeto de encanamento da barra da cidade.

21 O pelourinho “novo” terá permanecido junto ao edifício dos Paços do Concelho, na zona ribeirinha, até 1864, data em que o executivo camarário toma a decisão de o demolir12, ficando registado na ata da sessão de câmara de 4 de junho de 1864 que a iniciativa se justificava “não só por ser um monumento de vergonhosa recordação como pela grosseiríssima forma da sua construção”13. Ou seja, a vereação justifica a demolição com questões ideológicas, conotando a peça com uma época de má memória, mas também por o considerar uma obra sem mérito artístico. A demolição do pelourinho teria lugar a 26 de junho de 186414.

22 A classificação estética do pelourinho serviu de argumento para fundamentar a decisão política de o demolir. Porém, uma vez que não se conhece qualquer representação pormenorizada da peça, e na impossibilidade de avaliar os critérios estéticos da

Medievalista, 27 | 2020 40

edilidade de 1864, resta-nos a opinião declarada e a questão: será que o elemento de cantaria que constitui o objeto do presente artigo pode ter sido classificada, em 1864, como uma obra de “grosseiríssima forma”? Parece improvável, mas não impossível. Para melhor dissecar essa hipótese, vejamos o que se escreveu em relação às características formais do pelourinho “novo” de Tavira. Em 1935, num texto dado à estampa na imprensa local, adianta-se que o pelourinho da cidade, que até meados do século XIX se erguia na então Praça da Constituição, um pouco a jusante do edifício da Principal (Corpo da Guarda), constava de “uma base que assentava sobre três degraus quadrados, da qual saía um fuste cilíndrico rematado por um capitel que segurava uma bola ou pelouro, medindo tudo uns seis ou sete metros”. O autor afirma igualmente que, nessa data (1935) existiam ainda testemunhas oculares que se recordavam de ver o pelourinho na praça. Porém, sublinhe-se, os testemunhos orais citados pelo autor afirmavam que, sem nunca abandonar a Praça da Constituição, o pelourinho também teria estado colocado junto à fachada dos edifícios fronteiros ao edifício dos Paços do Concelho, e não apenas junto ao rio, circunstância que se comprovaria através de uma imagem representada no pano da boca de cena do antigo Teatro António Pinheiro15. A teoria de que o pelourinho era visível na supramencionada fotografia acabaria por ser difundida por outros autores que se debruçaram sobre o tema16. Todavia, através de uma fotografia da mesma praça tirada a partir de outro ângulo, e de um levantamento das fachadas que formavam essa frente de rua no final do século XIX, comprova-se que a silhueta identificada como sendo a de um pelourinho correspondia na verdade ao portal de cantaria de uma habitação civil, hoje desaparecido. A confusão era provocada pelo ângulo da fotografia já que, visto de esguelha, o perfil do referido portal era de facto semelhante ao de um pelourinho, mas sobretudo devido à pouca definição da fotografia. Seja como for, o que se conclui é que, ao contrário do que foi proposto por alguns autores, o pelourinho de Tavira não esteve colocado junto à fachada dos edifícios fronteiros ao edifício dos Paços do Concelho.

23 Em 1939, Damião de Brito Vasconcelos faz outra descrição formal do pelourinho que tinha existido em Tavira, que seria constituído por “uma tosca coluna de pedra que tinha no topo uma gaiola de ferro que girava horizontalmente e encimada por um espigão do mesmo metal”. Adianta ainda o autor: nos “lados da coluna estavam chumbadas argolas de ferro e a coluna erguia-se sobre um estrado quadrado de granito, para o qual se subia quatro degraus de tijolo que o faceavam por todos os quatro lados” 17. É curioso que, no ano de 1939, Damião de Vasconcelos refira o remate do pelourinho como sendo constituído por uma gaiola de metal, de certo modo contrariando a outra descrição datada de 1935, acima reproduzida, na qual se indica que o pelourinho era rematado por uma bola ou pelouro. A questão é particularmente relevante porquanto as descrições, para além de não serem coincidentes, remetem para tipologias de pelourinhos distintas, os de bola e os de gaiola18, cuja denominação é atribuída tendo em conta o tipo de remate.

24 Em 1962, Luís Chaves informa que Tavira “teve pelourinho que era de forma cilíndrica, sobre uma base de 1,5 m quadrados, com degraus por quatro lados, situado junto do rio”19, admitindo-se que esta descrição tenha sido produzida com base nas informações recolhidas no final do século XIX, ou já nos primeiros anos da centúria seguinte, pelo arqueólogo Silva Leal20. Curiosamente, o autor não vai avançar qualquer informação em relação ao tipo de remate desse elemento. Refere-se decerto ao pelourinho “novo”, já que o “velho” nunca terá estado colocado junto ao rio.

Medievalista, 27 | 2020 41

25 Mas será que, após a demolição dos dois pelourinhos que alegadamente existiram em Tavira, foi preservado algum dos seus elementos? Tudo indica que não. De facto, pelo decreto n.º 23.122, de 11 de outubro de 1933, o Governo determina a urgência de se proceder à classificação e inventariação “de todos os pelourinhos” ainda existentes no atual território nacional, inclusive aqueles já desmantelados, determinando-se ainda que, se possível, esses elementos fossem repostos na sua localização original. Na sequência da publicação desse decreto, a edilidade tavirense recebe, em dezembro de 1933, um pedido de esclarecimento. Não se sabe ao certo se houve alguma resposta por parte da Câmara ao pedido governamental, mas (não obstante as diligências efetuadas nesse sentido) não foi possível localizar qualquer informação enviada pelos serviços camarários, o que sugere que não haveria qualquer notícia a prestar acerca do tema. O que se pode atestar é que quando o relatório, produzido na sequência do inquérito, foi publicado, no ano de 1935, apenas constam referências à existência de fragmentos de quatro pelourinhos no distrito de Faro, todos deslocados do original local de implantação, a saber: em Castro Marim, Silves, Loulé e Monchique21.

26 Portanto, e perante os dados atualmente conhecidos, parece lícito concluir que a peça de cantaria lavrada hoje arrecadada nas coleções do Museu Municipal de Tavira, e identificada com a referência MMT2285, não será um dos elementos do antigo pelourinho da cidade, como chegou a ser proposto por alguns autores. De facto, o seu aspeto formal não coincide com qualquer das descrições do pelourinho conhecidas e, para além disso, há testemunhos que sugerem que o antigo pelourinho foi desmantelado e os seus elementos destruídos, ou extraviados, ainda durante a centúria de oitocentos. De algum modo robustecendo essa hipótese, refira-se que nos anos 30 do século XX nem os serviços camarários, responsáveis pela obra de desmantelamento do pelourinho em 1864, teriam conhecimento da manutenção de qualquer dos antigos elementos do desaparecido símbolo do poder concelhio.

3. Fragmento de um cruzeiro?

27 Será que o elemento de cantaria identificado nas coleções do Museu Municipal de Tavira com a referência MMT2285 terá pertencido a um cruzeiro? Certo é o facto de alguns autores o terem identificado como tal, adiantando até que, enquanto parte de um cruzeiro, ele teria estado colocado no adro da igreja do convento de São Francisco ou no adro da desaparecida ermida do Espinheiro22, que existiu na zona da Atalaia, em Tavira. A hipótese parece especialmente plausível na medida em que a maior parte das ermidas, igrejas paroquiais e casas religiosas dispunham (e algumas dispõem ainda) de cruzeiros associados.

Medievalista, 27 | 2020 42

Fig. 7 – Pormenor de uma das faces do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira. Fonte: fotografia dos autores, 2014.

28 Desde logo não será de estranhar a admissível existência de um cruzeiro no adro de São Francisco, em Tavira, circunstância que à partida justificaria o facto de a peça ter sido depois transferida e instalada no vizinho cemitério, no preciso local onde se haviam erguido a igreja e as instalações conventuais dos franciscanos. Há numerosos exemplos de antigos conventos franciscanos com cruzeiros associados23, incluindo no Algarve. Em Faro, por exemplo, em frente à igreja da Ordem Terceira de São Francisco pode ainda observar-se o cruzeiro que originalmente assinalava o limite da propriedade dos frades franciscanos que residiam no vizinho convento. Ainda no que respeita à possibilidade de a peça em estudo ter estado integrada num cruzeiro outrora implantado no adro de São Francisco, não será descabido lembrar que esse mesmo terreiro era partilhado pelo Hospital do Espírito Santo, instituição fundada no último quartel do século XV, e que os hospitais eram igualmente construções passíveis de ter associadas a si cruzeiros, como se verifica, por exemplo, no caso do antigo Hospital de Nossa Senhora dos Pobres de Loulé, obra de fundação quinhentista.

29 Por outro lado, tampouco seria de estranhar a existência de um cruzeiro junto à referida ermida de Nossa Senhora do Espinheiro, no subúrbio da Atalaia, a respeito da qual apenas se sabe que já existia no final do século XVI, e que se encontrava “posta em um rossio”, sendo denominada como de Nossa Senhora “da Esperança, do Espinheiro, ou da Atalaia”, templo que é posteriormente entregue pela Câmara aos Capuchos da Piedade para nele fundarem uma nova Casa religiosa24.

30 Contudo, para além das referências acima indicadas, quase sempre sustentadas na tradição oral, há alguma referência documental à existência de um cruzeiro em Tavira? Tanto quanto foi possível apurar, não se conhecem referências à existência de qualquer cruzeiro mas, não obstante, sabe-se que eles existiam em praticamente todas as povoações da região e, para além disso, numa planta da cidade de Tavira executada no século XVII, alegadamente a partir de um original quinhentista (integrada no Atlas do Marquês de Heliche25), é representado um cruzeiro situado no extremo do perímetro

Medievalista, 27 | 2020 43

urbano, mais precisamente junto à bifurcação das estradas que seguiam para a cidade de Faro e para o lugar da Fonte do Bispo (Santa Catarina da Fonte do Bispo). É verdade que na planta foi representado um cruzeiro sem qualquer semelhança com a peça exposta no museu municipal, mas parece exequível que, na impossibilidade de representar detalhes, o autor tenha optado por apresentar uma versão mais estilizada do mesmo, ou seja, uma simples cruz.

31 Admitindo que estamos perante um elemento proveniente de um antigo cruzeiro, parece mais provável que uma peça com a riqueza iconográfica e delicadeza de corte da MMT2285 estivesse colocada em pleno núcleo urbano, numa área privilegiada do ponto de vista urbanístico, e não numa bifurcação de estrada totalmente periférica. Contudo, em teoria, nada impede a colocação de uma peça com este grau de requinte artístico num local isolado, como comprovam casos como o do cruzeiro tardogótico (ou já manuelino) que originalmente se terá erguido no ilhéu de Nossa Senhora do Rosário, em pleno Rio Arade (Vila Nova de Portimão), ou o da célebre Cruz de Portugal, em Silves, que ainda na primeira metade do século XIX o cronista João Baptista da Silva Lopes afirmava estar situada “a uns seiscentos passos da cidade”26, apenas para citar dois exemplos geograficamente próximos do objeto de estudo deste texto. Assim, partindo do princípio de que a MMT2285 pertenceu a um cruzeiro, não repugna a ideia de que possa ter estado colocada na periferia da então vila, junto à bifurcação da estrada que seguia de Tavira para Faro, no preciso local onde a planta da cidade de Tavira integrada no Atlas do Marquês de Heliche testemunha ter existido um cruzeiro.

32 Não há dúvida, portanto, de que existiu em Tavira um cruzeiro, ou porventura até mais, já que a tradição oral guarda a memória da existência de um desses elementos no adro de São Francisco, outro no adro da ermida do Espinheiro, na Atalaia, e há até um registo cartográfico que assinala a existência de outro cruzeiro na periferia da cidade. Em teoria, em qualquer um desses espaços pode ter estado colocado um cruzeiro ou, em última análise, o mesmo cruzeiro poderá ter estado implantado, em épocas distintas, em diferentes locais. De facto, este tipo de cruzes correspondia a uma vontade de estabelecer marcos referenciais, a fim de ordenar e hierarquizar a paisagem, os caminhos, as ruas, as praças ou os montes, sacralizando o espaço ocupado, pelo que não era invulgar encontrá-las à entrada ou saída das povoações, junto a caminhos ou servindo de indicação dos mesmos, assinalando um local de prece para quem partia, que esperava alcançar a bênção de Deus ou dos Santos para a viagem que iria empreender, mas também para o viajante que chegava e o via como um sinal de boas- vindas, uma bênção divina que indicava a proximidade do destino. De resto, não será por acaso que uma das figuras representadas nas faces da MMT2285 é Santa Bárbara, a qual se invocava contra as intempéries, mas também contra os perigos da morte súbita, um dos maiores temores do cristão que viajava e receava falecer sem receber os devidos Sacramentos.

33 Ganha força, portanto, a teoria de que a MMT2285 possa afinal ser um elemento de um desaparecido cruzeiro. Mas será que existem, a nível nacional, outros exemplares que, do ponto de vista formal, sustentem essa hipótese? Isto é, analisando as características formais da peça em estudo, podem estabelecer-se paralelos com cruzeiros semelhantes que existam (ou tenham existido) em território nacional? A verdade é que sim. Numa gravura dada à estampa em 1847, na revista Portugal Pitoresco, acompanhada por uma legenda explicativa que a identifica como o antigo pelourinho da vila de Porto de Mós27 (já desaparecido), foi representado um capitel de cruzeiro com planta facetada e

Medievalista, 27 | 2020 44

preenchida com figuras de Santos dentro de nichos. Não obstante a legenda que identifica a gravura, não se trata decerto de um pelourinho, mas de um cruzeiro, circunstância que se depreende do facto de o mesmo apresentar os ditos nichos com Santos e ser encimado por uma cruz, mas também porque na gravura se observa, junto à base da estrutura, o que parece ser a figura de um sacerdote e figuras femininas ajoelhadas, em aparente atitude de oração. Ou seja, não é seguramente um símbolo do poder secular. Do ponto de vista formal, as analogias com a MMT2285 são por demais evidentes. Outro elemento com óbvias semelhanças formais e compositivas com a peça MMT2285 é o capitel do cruzeiro existente junto à matriz do Cartaxo, peça de cronologia quinhentista, cujo remate apresenta planta circular e as faces preenchidas por nichos com representações de Santos e Santas, sendo encimado por uma cruz. Portanto, há de facto paralelos formais que parecem sustentar a hipótese de que a peça de Tavira possa ser um antigo capitel de cruzeiro.

Fig. 8 – Gravura do antigo cruzeiro de Porto de Mós. Fonte: DENIS, M. Fernando – Portugal Pitoresco. Vol. IV. Lisboa: Tipografia de L.C. da Cunha, 1847, p. 219.

Medievalista, 27 | 2020 45

Fig. 9 – Pormenor do remate do cruzeiro do Cartaxo. Fonte: Sistema de Informação para o Património Arquitetónico, SIPA. FOTO 00506036, extraído do site: http:// www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/Default.aspx.

34 Já aqui foram assinaladas as analogias formais entre a peça MMT2285 e capitéis de outros cruzeiros constituídos por coluna ou pilarete de seção circular, quadrada, hexagonal ou octogonal colocada sobre um plinto ou base, circular ou quadrada, com um ou vários degraus, capitel decorado com figuras e arcos e rematados por cruz, geralmente com Cristo no anverso e com Nossa Senhora da Piedade no reverso. Contudo, no caso de Tavira perderam-se os elementos que completavam a peça MMT2285, talvez sacrificados pelas transformações da malha urbana ou no âmbito dos destrutivos processos de requalificação de estradas encetados a partir do século XIX. Em todo o caso, talvez valha a pena lembrar que a peça guardada em Tavira apresenta no topo uma profunda cavidade com formato cúbico, no qual podia ter estado encaixada a base de uma cruz, e alguns orifícios mais pequenos dispostos aos pares em torno dos ângulos destas concavidades e que, a título de hipótese, podiam ter servido para encaixar outros elementos de menor dimensão, porventura peças metálicas utilizadas para pendurar candeias que iluminassem o cruzeiro na escuridão.

Medievalista, 27 | 2020 46

Fig. 10 – Pormenor da face superior do elemento de cantaria identificado com a referência MMT2285, do Museu Municipal de Tavira, com orifícios escavados. De forma regular. Fonte: fotografia dos autores, 2014.

Notas finais

35 Em resumo, o que se pode concluir de tudo o que fica exposto é a que a hipótese que se apresenta como mais plausível é a de que a peça de cantaria até agora identificada como a MMT2285, um invulgar elemento pétreo de planta circular esculpido com oito figuras de Santos e Santos inscritas dentro de arcos, seja afinal um elemento de um cruzeiro quatrocentista originalmente implantado num dos espaços públicos de Tavira. Pelo seu elevado valor artístico e cultural, esta peça, até à data pouco valorizada e hoje recolhida e conservada no Museu Municipal de Tavira, assume-se como fundamental para o estudo e valorização das manifestações de pequena arquitetura devocional que pontuavam a região de Tavira e o Algarve em geral.

BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Coleção de cartas, Núcleo Antigo 877, n.º 376.

Faro, Arquivo Distrital de Faro (ADF), Notariais de Tavira, cota 8-5-287.

Tavira, Arquivo Histórico Municipal de Tavira, Livro de Acórdãos da Câmara Municipal de Tavira (1863-1867).

Tavira, Arquivo Histórico Municipal de Tavira (AHMT), Livro de Receita e de Despesa da Câmara Municipal de Tavira (1848-1868).

Fontes impressas

AAVV, Academia Nacional de Belas Artes – Pelourinhos – inventário conforme o inquérito determinado pelo decreto n.º 23.122 de 11 de outubro de 1933. Lisboa: 1935.

Medievalista, 27 | 2020 47

ANICA, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu Termo. Tavira: Câmara Municipal de Tavira, 1993.

ANICA, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu Termo – Memorando Histórico. Vol. II. Tavira: Câmara Municipal de Tavira, 2001.

DENIS, M. Fernando – Portugal Pitoresco. Vol. IV. Lisboa: Tipografia de L.C. da Cunha, 1847.

DUCHET-SUCHAUX, Gaston; PASTOUREAU, Michel – La Biblia y los Santos. Guía Iconográfica. Madrid: Alianza Editorial, 1999.

FERNANDES, Carla Varela – “Fichas de catálogo”. in Tavira – território e poder (catálogo de exposição). Tavira: Câmara Municipal de Tavira / Museu Municipal (Palácio da Galeria), 2006.

LEITE, Ana Cristina – “Os centros simbólicos”. in PEREIRA, Paulo (dir.) – História da Arte Portuguesa. Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995.

LOPES, João Baptista da Silva – Corografia ou Memoria Económica, Estadística e Topográfica do Reino do Algarve. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1841.

LOPES, João Baptista da Silva – Memórias para a história eclesiástica do bispado do Algarve. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1848.

MONFORTE, Frei Manuel de – Crónica da Província da Piedade. Lisboa: Oficina de Miguel Manescal da Costa, 1751.

RUBIO, Rocío Sánchez; NÚÑEZ, Isabel Testón; RUBIO, Carlos M. Sanchéz – Imágenes de un Imperio Perdido – el Atlas del Marques de Heliche. Badajoz: Editora 4 Gatos, 2004.

TAVARES, Jorge Campos – Dicionário de Santos, 3.ª edição. Lisboa: Lello Editores, 2001.

VASCONCELOS, Damião Augusto de Brito – Notícias históricas de Tavira (1242-1840), 2ª edição (com anotações de Arnaldo Casimiro Anica). Tavira: Câmara Municipal de Tavira, 1999.

Estudos

CHAVES, Luís – “O pelourinho de Tavira”. Correio do Sul 2299 (29 de março de 1962).

FRANCO, Armando da Costa – “Subsídios para o Museu de Tavira”. Jornal do Sotavento (3 de maio de 1996).

“O Pelourinho”. O Povo Algarvio 55 (9 de junho de 1935).

“O Pelourinho de Tavira”. Correio do Sul 1056 (13 de junho de 1937).

VARGAS, José Manuel – “Os dois pelourinhos de Tavira”. Jornal do Sotavento (5 de junho de 2009).

VASCONCELOS, Damião Augusto de Brito – “O Pelourinho de Tavira”. O Povo Algarvio 248 (26 de fevereiro de 1939).

NOTAS

1. FERNANDES, Carla Varela – “Fichas de catálogo”. in Tavira – território e poder (catálogo de exposição). Tavira: Câmara Municipal de Tavira / Museu Municipal (Palácio da Galeria), 2006, p. 316. 2. ANICA, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu Termo – Memorando Histórico. Vol. II. Tavira: Câmara Municipal de Tavira, 2001, pp. 161-162. 3. VASCONCELOS, Damião Augusto de Brito – Notícias históricas de Tavira (1242-1840), 2ª edição (com anotações de Arnaldo Casimiro Anica). Tavira: Câmara Municipal de Tavira, 1999, pp. 279-280.

Medievalista, 27 | 2020 48

4. FRANCO, Armando da Costa – “Subsídios para o Museu de Tavira”. Jornal do Sotavento (3 de maio de 1996). Tavira: 1996.

F0 5. FERNANDES, Carla Varela – “Fichas de catálogo” BC , p. 316. 6. A respeito das representações medievais de Santa Catarina em terras algarvias importa referir, como termo de comparação, uma antiga pedra de fecho quatrocentista, hoje exposta no Museu Municipal de Loulé, na qual a Virgem Mártir é representada segurando a espada e com uma coroa na cabeça. 7. Trata-se de um conjunto de catorze Santos, sem ligação óbvia entre si e invocados por distintos motivos, que normalmente surgem associados por se acreditar que a sua virtude protetora se fortalece ao reuni-los. Este grupo de intercessores privilegiados inclui os Santos Acácio, Brás, Cristóvão, Ciríaco, Dionísio, Erasmo, Eustáquio, Egídio, Jorge, Pantaleão e Vito, e três Santas Bárbara, Catarina e Margarida. O seu culto teve início na Idade Média. Cf. DUCHET-SUCHAUX, Gaston; PASTOUREAU, Michel – La Biblia y los Santos. Guía Iconográfica. Madrid: Alianza Editorial, 1999, p. 83; TAVARES, Jorge Campos – Dicionário de Santos, 3.ª edição. Lisboa: Lello Editores, 2001. 8. A mais antiga referência documental explícita à existência de um pelourinho em Tavira será uma carta manuscrita por Rui de Melo, em 1537, na qual se dava conta de que o Juiz de Tavira prendera Diogo Pessanha por ter morto dois membros da família Melo, sendo-lhe apresentada sentença pela qual se mandava que o preso fosse “levado ao pelourinho e lhe fosse cortada a cabeça”, o que não se fez por este vir com embargos (ANTT, Coleção de cartas, Núcleo Antigo 877, n.º 376). 9. Cf. VARGAS, José Manuel – “Os dois pelourinhos de Tavira”. Jornal do Sotavento (5 de junho de 2009). 10. Nesse sentido, de sublinhar que já em 1367 os alcaides-mores de Tavira eram obrigados, por força das funções que desempenhavam, a residir no castelo (Cf. ANICA, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu Termo. Tavira: Câmara Municipal de Tavira, 1993, p. 92). 11. Em 1741, o então alcaide-mor, Manuel Inácio da Cunha Meneses e Távora, ainda residia no interior do castelo (ADF, Notariais de Tavira, cota 8-5-287, fólio 54).

F0 12. Cf. ANICA, Arnaldo Casimiro – Tavira e o seu Termo BC , p. 92. 13. AMT, Livro de Acórdãos da Câmara Municipal de Tavira (1863-1867), fólios 42v e 43. 14. AMT, Livro de Receita e de Despesa da Câmara Municipal de Tavira (1848-1868), fólio 188. 15. “O Pelourinho”. O Povo Algarvio 55 (9 de junho de 1935). 16. “O Pelourinho de Tavira”. Correio do Sul 1056 (13 de junho de 1937). 17. VASCONCELOS, Damião Augusto de Brito – “O Pelourinho de Tavira”. O Povo Algarvio 248 (26 de fevereiro de 1939). 18. A respeito das diferentes tipologias de pelourinhos em Portugal, veja-se, por exemplo: LEITE, Ana Cristina – “Os centros simbólicos”. in PEREIRA, Paulo (dir.) – História da Arte Portuguesa. Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995, pp. 86-90. 19. CHAVES, Luís – “O pelourinho de Tavira”. Correio do Sul 2299 (29 de março de 1962).

F0 20. Cf. VARGAS, José Manuel – “Os dois pelourinhos de Tavira” BC 21. Cf. Academia Nacional de Belas Artes, Pelourinhos – inventário conforme o inquérito determinado pelo decreto n.º 23.122 de 11 de outubro de 1933. Lisboa: 1935.

F0 22. FRANCO, Armando da Costa – “Subsídios para o Museu de Tavira” BC 23. Em vários pontos do território nacional podem observar-se cruzeiros associados a igrejas de antigos conventos franciscanos, podendo referir-se, apenas a título de exemplo, os casos de Viana do Castelo, Guimarães ou . 24. A primeira pedra do novo convento, que ficaria com a invocação de Santo António da Esperança, por referência à antiga ermida que naquele local se erguia, foi colocada a 16 de dezembro de 1612 (MONFORTE, Frei Manuel de – Crónica da Província da Piedade. Lisboa: Oficina de Miguel Manescal da Costa, 1751, pp. 641-643).

Medievalista, 27 | 2020 49

25. A respeito do denominado Atlas del Marquês de Heliche, no qual se encontra esta planta da cidade de Tavira, veja-se: RUBIO, Rocío Sánchez; NÚÑEZ, Isabel Testón; RUBIO, Carlos M. Sanchéz – Imágenes de un Imperio Perdido – el Atlas del Marques de Heliche. Badajoz: Editora 4 Gatos, 2004. 26. LOPES, João Baptista da Silva – Memórias para a história eclesiástica do bispado do Algarve. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1848, p. 125. 27. DENIS, M. Fernando – Portugal Pitoresco, Vol. IV. Lisboa: Tipografia de L.C. da Cunha 1847, p. 219.

RESUMOS

Durante séculos ignorada ou erroneamente identificada como um capitel ou parte de um antigo pelourinho, tudo indica que a peça de cantaria lavrada, guardada no espólio do Museu Municipal de Tavira (Palácio da Galeria), e até agora apenas identificada com o código MMT2285, é na verdade um elemento de um desaparecido cruzeiro medieval. Provavelmente executada numa oficina da região algarvia no século XV, num dos períodos de maior prosperidade da povoação, esta peça terá originalmente estado colocada num espaço privilegiado do ponto de vista urbanístico, possivelmente numa das entradas da então vila ou, em alternativa, nas proximidades do antigo convento de São Francisco.

For centuries ignored or wrongly identified as a chapiter or part of a pillory, it is possible that the carved stone piece stored in the municipal museum of Tavira (Palácio da Galeria) – so far only identified with the code MMT228 – is actually an element of a vanished medieval stone cross. Probably executed in the Algarve region in the fifteenth century, one of the periods of greatest prosperity of the village, this piece was originally placed in an urban privileged space, possibly in one of the village entries, or perhaps near the ancient convent of Saint Francis.

ÍNDICE

Keywords: Medieval sculpture, Stone cross, Tavira Palavras-chave: Escultura medieval, Cruzeiro, Tavira

AUTORES

DANIEL SANTANA

Museu Municipal de Tavira, Câmara Municipal de Tavira. 8800-394, Tavira, Portugal. daniel@cm- tavira.pt. https://orcid.org/0000-0001-8483-3461

MARCO SOUSA SANTOS

Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Universidade de Coimbra, 3000-395 Coimbra, Portugal. [email protected]. http://orcid.org/0000-0003-4975-763X

Medievalista, 27 | 2020 50

Mary’s role in the repudiation of their beliefs of Pagans, Jews and Moors O papel da Virgem Maria no repúdio das crenças de pagãos, judeus e mouros

Joseph T. Snow

1 In all religious communities through the centuries, the degree of belonging and the level of any member’s belief has been a matter for study. However, there exist cases of interfaith conversions, of men and women rejecting their former beliefs and accepting new ones. Such cases may involve strong reactions on the part of the remaining members of the original community of believers against those who have chosen and converted to another religion, having come to believe that the new religion is the true way to aspire to a life after death.

2 I am here proposing to look at a selected sample of such conversions occurring among the 420 narrative miracles and lyric hymns to Mary, the Mother, Daughter, Wife, and Handmaiden of the Christian God in the Cantigas de Santa Maria (CSM)1, assembled and expanded in successive redactions by Alfonso X during his thirty-two-year reign (1252-1284). In such a Marian repertory, with several cases involving Jews, Moors and pagans who become converts to Christianity, it seems unnecessary to report that there are no cases of Christian protagonists abandoning their faith2. To the contrary, the didactic message running through the CSM involves expanding devotion to the Virgin Mary who was the heavenly benefactress of Alfonso X, patron of the repertory.

3 With this in view, it will not seem surprising that narratives involving Christian converts augmenting the devotion to Mary are the focal point of a certain number of the CSM’s miracle narrations. Here, we will be focusing on a sampling of ten cases of conversions chosen from many narrated in the CSM. To judge them competently in the context of their inclusion in the Marian narrative songs, we will be making comparative notes with the treatment accorded these three groups in Alfonso’s Siete Partidas. We hope to show that Alfonso X was very consistent in his reasoning about the

Medievalista, 27 | 2020 51

judicial and legal treatment of all the peoples he governed, no matter what their religion.

4 Of course, the Virgin in the CSM intercedes for numerous Christians in need of mediation with Heaven, curing diverse illnesses and resuscitating dead infants, among a countless variety of other wonders. The Virgin also engages with pagans, Jews and Moors who form a not insignificant part of the Iberian population in Alfonso’s thirteenth-century Spain. As succinctly put by H. Salvador Martínez: El activismo social y la honestidad intelectual del Rey Sabio en materia de relaciones humanas se fundaban en su profundo conocimiento de la realidad cotidiana que los moradores de sus reinos compartían, La sociedad gobernada por Alfonso X estaba compuesta por la mayor diversidad étnica jamás vista en Europa hasta la fecha. (p. 17)

5 It comes then as no surprise that Jews are featured in 41, Moors in 51 and pagans in 5 of the CSM, the total comprising approximately 26% of its 358 miracle narrations (the remaining 42 CSM are lyric songs of praise).

6 However, not all of these narrations involving non-Christians deal with conversions to Christianity. Many contain what H. Salvador Martínez calls “resabios antimusulmanes y antijudíos” (p. 22), involving occasions when they do not abide by the laws that Alfonso X establishes for them in the Siete Partidas. My sample of ten narratives does involve members of the three communities in which individuals repudiate their former beliefs (or non-belief in the case of pagans) and come to find in Christianity a new religious affiliation, owing to their benefitting from the miraculous help received from the Virgin Mary. These conversions, as we will see, often create a negative reaction on the part of their former co-religionists. I will first be dealing with three cantigas involving Jews3, then follow with six involving Moors4 and conclude with one cantiga involving a pagan.

7 To begin, let me cite from Alfonso’s Siete Partidas (his law codes) his views on conversions of Jews: Neither force nor compulsion in any form may be used to induce a Jew to become a Christian; rather Christians must convert Jews to the faith of Our Lord Jesus Christ by means of good deeds. […] If any Jew or Jewess willingly desires to become a Christian, his fellow Jews shall not hinder him in any way (emphasis added)5. 8 Jews who hinder a fellow Jew who converts to Christianity − it is clearly stated − will be burned alive. H. Salvador Martínez adds that: Alfonso escogió estas historias deliberadamente por su valor ejemplar para sus súbditos; ya que la esperanza de la conversión […] era la razón principal por la que teólogos, concilios y autoridades eclesiásticas toleraban la presencia de los judíos en la comunidad cristiana. (Salvador Martínez, p. 260)

9 Thus, Alfonso’s legislation required Jewish converts to be treated as other Christians.

10 We begin our three conversion narratives involving Jews with CSM 4. Its center is a Jewish family: the father, Samuel, is a glass maker and keeps a furnace burning for his work. His wife, Rachel, loves their only son very much. The son attends a Christian school which grieves his father. The son, a studious lad, had become a good friend of a group of Christians. One Eastertide when the abbot was giving to the students a communion wafer, the Jewish lad sensed that it was really the beautiful statue of the Virgin and Son that was administering the sacrament. Impressed, he joined the queue

Medievalista, 27 | 2020 52

and the statue of the Virgin stretched out her hand and gave the Jewish lad a wafer which to him tasted like honey.

11 Later, when the son related this wonder at home, his father became so upset and violent that he threw his son into the flames of his furnace. His mother Rachel, shocked, runs into the street and returns with a crowd that felt compassion for her and her now dead son. But when they together opened the furnace door, Rachel’s son was alive, proclaiming that he had been protected by the Virgin. Both the mother and son, with this miracle as proof, come to believe in the Christian faith and are baptized at once.

12 The Jewish father who was so enraged at his son’s partaking of the communion wafer is then burned alive by the crowd and dies, unprotected by his god. Those who threw him into the flaming furnace must have been Jews, though the text does not specify this. However, if the witnesses to this miracle lived − as Alfonso’s Partidas commanded them to do − in special barrios called juderías, it seems likely that it was Jews who pitched their Jewish neighbor into his furnace, an act of poetic justice: the father’s intent to burn his son alive is then reversed and he becomes the victim of the furnace’s flames and dies instead.

13 Next, CSM 89 presents us with a sinful Jewess who is having great difficulty giving birth. She is suffering such severe pain that she feels more dead than alive. Being a Jewess, she had not been a believer in the Virgin. It is the Virgin Mary, independently, feeling great pity for her suffering, sends a bright light before the Jewess’ eyes out of which a mysterious voice advises her to appeal to the Mother of the Christian God. The suffering Jewess then prays to Mary, begging her for the safe delivery of her child.

14 Mary answers her prayer and the baby is born and the Jewess’s own health is miraculously restored. However, the Jewesses who were attending her had listened to her praying to Mary and vociferously denounced her and fled from the house, calling her a “heretic,” an “apostate” and, most damning of all, a “Christian convert.” The grateful Jewess turned against her former coreligionists and, when she was able, went to the Christian church and had herself and her two children baptized after which she became a lifelong devotee of the Virgin.

15 Our final example involving Jews is CSM 107, which narrates an event that occurred in 1237. The Jewess in the text is not named but has come to be known as Marisaltos. Previously, this Jewess had allegedly committed some unspecified criminal offense and was convicted for it by a Jewish court and condemned to be thrown to a certain death from a high precipice in Segovia. She is led by a cortege of Jews to the edge of the precipice and desperate, seconds before she is to be pushed to her death, she remembers the Christian belief in Mary and she prays to her thus: But, you, Queen Mary, in whom Christians believe, if it is true, as I have heard, that you succor the unfortunate women who are commended to you, among all the other guilty women, come to my aid, for I have great need. If I remain alive and well, I will, without fail, become a Christian at once, before another day dawns. (Kulp-Hill, p. 134)

16 And after the Virgin miraculously allows her a soft landing beyond the sharp rocks at the bottom of the cliff, the Jewess declares: “May [Mary] ever be praised. Who will not serve Her?” (Kulp-Hill, p. 134). Marisaltos then approaches a church and recounts the fresh miracle and is baptized with no delay and, subsequently, becomes a devout believer in She who will pray to her Son for us on Judgment Day.

Medievalista, 27 | 2020 53

17 In sum, these three CSM feature the Virgin’s protection of one Jewish lad and of two erring Jewesses who sincerely pray to her following the example of Christians they know. The father of the lad, Samuel, is fittingly burned alive by the very flames in which he tried to murder his own son. The Jewish women who attend the pregnant Jewess cry out with open disdain of her prayer to Mary, and the Jewish law that decreed the harsh killing of Marisaltos is made null and void owing to the Virgin’s intercession. Jewish repudiation of Jews who convert is part of the three narrative poems. As it is stated in the Siete Partidas, they would be burned alive if they tried to induce their coreligionists to recant. They do not do this. In these three CSM, six Jews receive Christian baptism and their knowing that Christians seek Mary’s mediation with their God is an important factor in these conversions.

18 We move now to the Moors. Alfonso X, in Partida VII, Title 25 has ten chapters “Concerning the Moors”. Their religion – Islam − is termed “an insult to God”. The Moor must, as must the Jews, live among Christians […] by observing their own law and not insulting ours. […] Christians should endeavor to convert the Moors by causing them to believe in our religion, and bring them into it by kind words and suitable discourses, and not by violence or compulsion (emphasis added)6.

19 Much of Title 25 is similar to that which was set down in laws concerning Jews in Title 24. But whereas Jews were termed obstinate toward Christianity, Islam is denounced as a foolish religion whose prophet Mohammed performed works of no extraordinary sanctity7. In addition, Christians who become Moors are termed insane and are put to death (while none of the CSM feature a conversion of a Christian to Islam, it was not unknown in Alfonso’s time). But the Moors who lived under Alfonso’s rule were routinely punished when they did not observe the laws of the Christian land.

20 In CSM 46, one man of the Moorish army that fought and pillaged in the Holy Land took home with him all he could manage to pilfer for himself. Among the pilfered items was a statue of the Virgin whose aesthetic qualities greatly appealed to him. Despite his gazing on it often, this Moor could not bring himself to imagine that the Christian God could debase himself by becoming incarnate in a flesh and blood woman and walk among commoners with a view to saving the world. Still, he must have harbored a lingering doubt for he said to himself: “However, if He would make one of His manifestations to me, He would cause me to become a Christian at once and be confirmed along with these bearded Moors” (Kulp-Hill, p. 62). What does God do to manifest himself to this Moor?

21 He caused the breasts of the confiscated statue of the Virgin, so greatly admired by this Moor, to become flesh and from them poured a flowing stream of milk. That miraculous manifestation convinces the former unbeliever that Christianity is right for him, and he has himself baptized at once, as he had promised. Not only that, this new hristian saw to it that all his Moorish followers and several of his Moorish acquaintances were also baptized as new Christians. This one miracle leads to a host of Moorish converts to Christianity. And as new Christians, they were to be treated as all Christians were treated, according to the laws of Alfonso’s Partidas.

22 CSM 167 shows curious parallels to the pregnant Jewess narration of CSM 89, as we will see. The young son of a Moorish woman died of a serious disease and she was overcome with despair. However, she was acquainted with what Christians often would do. They would go the Marian sanctuary at Salas (in Huesca) and there the Virgin had performed

Medievalista, 27 | 2020 54

miracles for them. Desperate with profound grief for her dead son, she decided to follow in their path and even prepared, in advance, an offering. Her Moorish women friends protested firmly and tried to dissuade her from invoking this Christian tradition, but off she went to Salas and prayed all night to the Virgin Mary for her son, now dead for three days.

23 Her prayer to the Virgin at the Salas sanctuary was direct and involved a promise: “If your law does not lie, give me my son, and I will make peace with you” (Kulp-Hill, p. 202). Her son is miraculously resuscitated and the Moorish woman made her peace − as promised − by becoming a baptized Christian at once and never failed thereafter to revere the miracle-working Virgin. Her Moorish women friends, ever obedient to another law, reviled her for forsaking that law. The narration does not tell us how they responded to the miracle of resuscitation.

24 Among different groups of Moors, there existed rivalries, as we learn in CSM 181. The playing field is the Moroccan city of Marrakech, held by one Moorish king, Umar-al- Mutada, but invaded by a rival king and his army of horsemen and foot soldiers. These hordes took by force all they found outside the castle walls. What was Umar-al-Mutada to do? He was counseled by his advisers to take some soldiers with him and, carrying the banner of the Virgin Mary and with additional support from a few Christians carrying crosses from their church, stage a counterattack.

25 This proved to be sound advice indeed, since when the invading troops saw the banner of the Virgin, they assumed a much larger army was beneath it and in short order were themselves defeated, fleeing across the river they had crossed to get to Marrakech. The refrain of CSM 181 states that “The Virgin will aid those who most love Her, although they may be of another faith and disbelievers” (Kulp-Hill, p. 217, emphasis added). This was what Alfonso believed and was deeply committed to. En las Cantigas, Alfonso presenta un mensaje frecuentemente en conflicto con la doctrina oficial de la Iglesia: la Virgen intercede por todos sin distinción, para que todos […] puedan ser perdonados “por Aquel que puede perdonar a cristiano, judío y moro, con tal que tengan bien firmes en Dios sus voluntades.” (H. Salvador Martínez, pp. 363-364, emphasis added)

26 We should keep in mind that the suggestion of showing the invading army the banner of the Virgin Mary was the advice of the Moorish counselors of the local king. And in our final narrative account of the Moors, we will learn more concerning their respect for the Mother of Jesus.

27 In CSM 192, we have a Christian captor, his Moorish captive and Mary’s chief competitor for souls, the devil. In the province of Toledo there lived a devout Christian who held a disbelieving Moor captive. He rather liked this bearded Moor and tried fervently to persuade him to become a Christian by putting into practice Alfonso’s admonition in the Siete Partidas: “by kind words and suitable discourses.” The Moor proved to be implacably stubborn, refusing to accept that his Mohametan faith was “deceptive, false and dubious” (Kulp-Hill, p. 229). When the Christian overlord placed his captive in a forbidding cave, the devil quickly entered into him and they fought tooth and tong for two long days and nights, the Moor succeeding finally in biting one finger from the devil’s hand.

28 It was on the third day that Mary appeared to the Moor in a bright light, indicating to him an escape route and saving him from the fires of Hell. She then counseled the Moor:

Medievalista, 27 | 2020 55

Pagan, if you wish to be saved, you must depart from the devil at once and also from the false, vain and mad, villainous dog Mohammed, who cannot help you, and become a Christian, one of our brothers, and be of good cheer and fearless. (Kulp- Hill, p. 229, emphasis added)

29 The Moor, shaken by his tense struggle with the devil, complies, now seeing that he had been unwise in not accepting Christian baptism earlier. He now knows that his religious faith was mistaken since all that he had believed in had failed him in the struggle againt the devil in the cave.

30 He is now willing to accept the Roman faith, realizing that unbelievers such as he has been must forever wander without direction, holding Christianity worthless and uselessly reaching for help to Mecca. His kind master brings him out of the cave and has him duly baptized and honors him. Like other converts, new Christian gladly thereafter served Mary who would help him gain everlasting life in Paradise.

31 CSM 205 is the narration in which Mary responds to Christian prayers to save a Moorish mother and her child from certain death. It has a soft-landing finale which parallels the one we have seen in CSM 107 in the case of the Jewess, Marisaltos. The refrain sets the stage: “The Virgin gladly hears a pious prayer and because of it will protect the one who is commended to her” (Kulp-Hill, p. 246). The cantiga features a Christian army engaged in besieging a strong castle held by Moors. The Christian knights, the warriors, raiders, foot soldiers and crossbowmen all assaulted the defenses of the castle and knocked down its solid walls. The Moors inside were alarmed and took final refuge in the one tall tower still standing. The tower walls were then breached by the Christian army and set on fire and many Moors perished there.

32 But despite the smoke and all the debris, one Moorish mother carrying her baby tightly to her chest managed to reach the very top of the tower so that her child would not suffocate. In launching their final attack, the Christian armies below saw the mother and her child huddled upon the top of the tower and immediately perceived a close resemblance to the Virgin holding baby Jesus. The Christians then prayed to both God and Mary to save them, though they be Moors, reflecting the words of the refrain.

33 Owing to their commending to her these Moors, the Virgin allowed the wall to fall slowly to earth and both the Moorish mother and her son were saved from harm, set down gently in a nearby meadow by the compassionate Mary. The last verses of CSM 205 tell us that “The Mooress became a Christian, and her son was baptized” (Kulp-Hill, p. 247). Knowing she was a Moor, the Christians on the scene nevertheless saw a mirror image of the Virgin with Child and commended this mother and child to Mary in fervent prayers. Their prayers were answered and the miracle of the meadow was gratefully acknowledged in two new converts to Christianity. In this cantiga, there are no Moors to dissent from her decision.

34 We proceed now to CSM 329, the last of our narratives of Moorish conversions, this time featuring mostly good Moors. In the area of Tudía, in Portugal, an invading Moorish army had done much damage. They made camp around the Marian sanctuary there, along with all the booty they could muster. From among the items salvaged, a small group of them selected several gold and silver coins and went and placed them on the altar in Tudía’s Marian sanctuary. And why did the Moors do this? I cite Kulp-Hill’s translation: For, according to what Mohammed gave them written in the Koran, the Moors firmly believed, there is no doubt of it, that She became with child by the Holy

Medievalista, 27 | 2020 56

Spirit without suffering and violence or harm to Her body, and thus conceived as a virgin. After She became pregnant, She then bore a male child and afterward remained a virgin. Furthermore, She was granted such privilege that God made Her more honored and powerful than all the angels there are in Heaven. And so, although the Moors do not respect our faith, they hold that all this about the Holy Virgin is absolutely true. Therefore, the Moors went to pray in Her church, and each one placed some of what he had on the altar. (Kulp-Hill, p. 400)

35 Now comes the juxtaposition of the good Moors with one bad Moor. He was a wicked fellow and he slyly manages to stay behind the others, taking for himself all the coins placed on the altar. And as soon as he did this evil deed, he went blind and fell to the floor rigid, unable to move. Noting his absence, his chief ordered a search party, assuming that he was trapped inside the church by Christians. Upon entering, they saw their error: there lay their fellow Moor, on the ground, blind and hard as stone.

36 One of these rescuing good Moors noticed the missing gold and silver coins they had placed earlier on the altar and found them on the now blind Moor. When they took them from his clothing and replaced them where they had left the coins not long before, on Mary’s altar, the blind and rigid Moor, no longer hard as stone, rose up, his eyes opened and he saw the light (his error). This miracle account made the rounds within the Moorish community and it was from them that the Christians learned of it.

37 The Moors, as we are told here in CSM 329, honor Mary’s virginity after giving birth to Jesus and this fact forms part of the Quran, where Mary’s is the only female name appearing in it, mentioned over thirty times and its chapter 19’s title is “Surat Maryam”. Given the conversion miracles concerning Moors reviewed here, alongside the displeasure coreligionists have expressed as a Moor turns to Mary and Christianity, and how explicitly one Moor rails against his own former ignorance, it helps to see these conversions as owing, at least in part, to the respect showed her in the Quran. Since Islam’s holy book treats Mary and her son as holy people, even if they are not portrayed as gods to be revered or worshipped, it strikes us that these several Moorish conversions to Christianity have been movingly and objectively recounted in Alfonso’s Cantigas de Santa Maria.

38 I have saved for last one noteworthy account involving a so-called pagan or heretic, narrated in CSM 335. According to Alfonso X’s Partida VII, Title 26, which deals with heretics and desperate men, it is a question of not accepting any belief “which does not agree with the true faith which the Church of Rome orders to be acknowledged, and observed” or, in a different vein and applied to wicked and incredulous men “who think that the soul dies with the body, and that a man will not be rewarded or punished in the next world for the good or evil he does in this”8.

39 In our final example of conversions, the protagonist is neither a Jew nor a Moor, just a non-believer, called a pagan throughout CSM 335. And it is the Virgin who puts our pagan who ‘does not agree with the true faith’ to a test which he passes with flying colors. A Sicilian, he is an idol worshipping pagan but is a good-hearted landowner who is a compassionate and charitable human being. He is also a prosperous merchant but − and I quote − “although he was a heathen who did not believe in God, he generously gave most of what he had to the poor” (Kulp-Hill, p. 407). He was tested by the Virgin in an especially hard year when the harvest had been exceptionally poor. Never thinking of himself, our pagan had generously given all that his crops had yielded to the needy and underprivileged living in his city.

Medievalista, 27 | 2020 57

40 In this time of great want, a poorly-dressed woman with a baby son in her arms, knocks on his door, begging the pagan idol-worshipper − for the sake of her hungry child − for some small portion of food. Even though he declares that he has given all he had away, he succeeds in scraping up some meal from the floor of his bins and begins to prepare some porridge for the infant. But when he takes the bowl of porridge to her, she has disappeared. He assumes she had gone off to beg at other doors. He commands his servants to help him search for her. But she could not be found among his heathen friends.

41 The pagan returns home to find that his bins are now miraculously full of wheat and barley and meal in such extravagant abundance that he could again easily feed the entire Sicilian city. When his heathen neighbors advise him to seek elsewhere for a goddess, he approaches some members of the Christian community and relates to them the miracle of his grains that had just transpired on his landholdings. He states that if they were to have a statue of a woman and child, one that the pagan community claimed not to have knowledge of, he desires to see it and have his doubts removed.

42 The Christians inform him that in their church such a statue exists, of she who was “Mother and Daughter, Bride and Handmaiden of God” (Kulp-hill, p. 408). The heathen asks to see this statue and − gazing upon it − instantly recognizes the poor woman who had begged him for food. When the Christians tell the pagan the story of the Virgin Mary, he asks to be baptized, a baptism which was performed immediately. And this is as Alfonso predicts in Law 2 of Title 26 of the Seventh Partida: if heretics “by good arguments and gentle words […] are willing to return to the faith and believe it, after they have been reconciled to the church [i.e. baptized] they should be pardoned” (Scott, p. 1443). Unbelief, expertly tested by none other than the Virgin, thus became a new and true belief for this former idol-worshipping pagan. If there was any rejection of this convert to Christianity by his fellow idol worshippers, none is mentioned, though it could be assumed.

Conclusions

43 In the context of the CSM, a change of religions can only mean that Christianity acquires new converts owing to the intercession of the Virgin Mary. This process affects Jews, Moors and pagans and is completely aligned with the didactic theme coursing throughout the expanded redactions of Alfonso X’s Marian repertory9. […] le interesa [a Alfonso] adelantar la idea que la esencia de la tolerancia es la justicia y la razón […]; es decir, en una sociedad en la que no todos los súbditos comparten los mismos principios religiosos, que regulan sus vidas privadas y sus relaciones públicas con el vecino, el principio común para todos debe ser la justicia, que hace a todos iguales ante la ley, y la razón, que sobrepasa las barreras del eclusivismo en la comunidad cristiana […].(Salvador Martínez, p. 141, emphasis added)

44 None of our protagonists became a Christian by violence or compulsion, which as we have seen, was forbidden in the Siete Partidas. Some non-Christians in this tolerant society were familiar with Christians seeking help from Mary and are encouraged in moments of desperation to move in that direction when their own religion does not provide them with the answers they need and seek. In other instances, it is the Virgin who understands the problem and sends signs that inspire the non-Christian to move in a new direction, a calque on the “kind words” or “good arguments” we find in the

Medievalista, 27 | 2020 58

Partidas, and doubtless exercised by the Christian captor in CSM 192, whose “kind words” initially fell on the closed ears of his stubborn Moorish captive.

45 What I have found so compelling about the conversion narratives in the CSM, seen through the lens of Alfonso’s own thinking about and liberal treatment of Jews, Moors and pagans in the legal language of the Siete Partidas, is how harmoniously the poetic and legal codes dovetail to reflect a fair and open presentation of how the three religions might share the same space. Christian law permitted Jews and Moors to live by their own law freely in Spain, so long as they respected the things they should not do, or use, according to the prevailing Christian law of the land.

46 Above all else, if Alfonso’s often stated goal for the realms he governed was to increase devotion to the Virgin Mary, these cantigas involving conversions −and we remember that there are others, see notes 3 and 4 − would serve as eloquent paradigms for his non-Christian subjects of the incomparable virtues of the Virgin Mary, she who desired that Alfonso be king, as he states poetically in CSM 200: “She caused me to descend from good lineage and willed that I should justly reign and be king” (Kulp-Hill, p. 240). Alfonso X did reign justly and was liberal with all other religious beliefs as long as they did not conflict with or offer challenges to Christianity. And his narratives of Jews, Moors and pagans who became willing converts to Christianity underscored his immense gratitude to the Virgin in his devotional gift to her, his Cantigas de Santa Maria.

47 We would do well to also note that, outside of the literary context of the CSM, Alfonso surrounded himself with select groups of Jews, Muslims and Christians without prejudice. They were, all of them, his subjects. But each possessed specific talents that made them special, even ideal, in helping him to carry out not only parts of his political program, but, above all, of his lofty and ever-expanding cultural projects. They were artists, musicians, translators, poets, scribes, parchment preparers, overseers and liasons with their king. Their mostly anonymous contributions to his cultural program − in which the Cantigas de Santa Maria and his Siete Partidas play no small role, earned Alfonso the title of Emperor of Culture, conferred on him by Robert I. Burns, S. J. in two collections of alfonsine studies (1985, 1990). It is a sobriquet which the prolific and tolerant Alfonso X still wears well.

BIBLIOGRAPHY

ALFONSO X – Cantigas de Santa Maria. Ed. Walter Mettmann, Clásicos Castalia 134, 172, 178. Madrid: Castalia, 1986-1989.

ALFONSO X – Las Siete Partidas. Vol. 5. Underworlds: the Dead, the Criminal and the Marginalized. Trans. Samuel Parsons Scott and edited by Robert I. Burns; S. J. Philadelphia: University of Pe nnsylvania Press, 2001.

BURNS, Robert I.; S. J. – Alfonso the Learned, Emperor of Culture (1284-1984). A special number of Thought 60 (1985).

Medievalista, 27 | 2020 59

BURNS, Robert I.; S. J. – Emperor of Culture: Alfonso the Learned and his Thirteenth Century Renaissance. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1990.

CARPENTER, Dwayne E. – Alfonso X and the Jews; An Edition of and Commentary on Siete Partidas 7:24 “de los judíos”. Berkeley & Los Angeles: Univ. of California Press, 1986.

KULP-HILL, Kathleen (trans.) – Songs of Holy Mary of Alfonso X. A Translation of the Cantigas de Santa Maria. Tempe, Arizona: Arizona Center for Medieval and Renaissance Studies, 2000.

MARTÍNEZ, H. Salvador – La convivencia en España del siglo XIII. Perspectivas alfonsíes. Madrid: Polifemo, 2006.

SCOTT, Samuel Parsons – See Alfonso X, The Siete Partidas (above).

NOTES

1. She is celebrated in the refrain of loor 180 thus: “Vella e Minỹa, / Madr’ e Donzela, / Pobre e Reynna, / Don’ e Ancela”, vv 2-5. And in the translation of K. Kulp-Hill: “Old Woman and Girl- Child, Mother and Maiden, Pauper and Queen, Mistress and Handmaiden”, p. 216. In this essay, the English translations are those of Prof. Kulp-Hill. (KULP-HILL, Kathleen (trans.) – Songs of Holy Mary of Alfonso X. A Translation of the Cantigas de Santa Maria. Tempe, Arizona: Arizona Center for Medieval and Renaissance Studies, 2000). 2. Partida VII, Title 24, chapter 7 might explain why this act of conversion is not covered in the CSM: “So wayward is the Christian who becomes a Jew, that we order him to be put to death, just as though he had become a heretic”, p. 34. I am using the English translation of Partida VII, title 24, chapter 7 in Dwayne E. Carpenter’s Alfonso X and the Jews. An Edition of and Commentary on Siete Partidas 7:24 “de los judíos”. Berkeley & Los Angeles: Univ. of California Press, 1986. 3. There are seven cases of conversions of Jews: CSM 4, 25, 85, 89, 107, 108 and 133. We take up numbers 4, 89 and 107. 4. Eleven of the CSM deal with Muslim conversions: 26, 46, 165, 167, 181, 192, 205, 329, 344, 358 and 379. We will be commenting on CSM 46, 167, 181, 192, 205 and 329. 5. This is the English translation of part of Partida VII, title 24, chapter 6, p. 33, in Carpenter’s Alfonso X and the Jews… Furthermore, Jewish converts shall be honored and not disparaged for their former beliefs, they also retain their properties and must always be treated as other Christians are treated. 6. We cite from the English translation of Samuel Parsons Scott, in ALFONSO X – Las Siete Partidas. Vol.5. Underworlds: the Dead, the Criminal and the Marginalized. Trans. Samuel Parsons Scott and edited by Robert I. Burns; S. J. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2001, 1438. 7. Though we will here be emphasizing the conversion of Muslims in Spain to Christianity “No debemos olvidar [...] cuál fue el objetivo final de la actividad política alfonsí: la expulsión de los mahometanos del territorio cristiano y la reconquista de todo los antiguos territorios [...].” The citation is from MARTÍNEZ, H. Salvador – La convivencia en España del siglo XIII. Perspectivas alfonsíes. Madrid: Polifemo, 2006, p.333. 8. The English translations are those of Samuel Parsons Scott (see note 6), p. 1443. 9. This goal was a constant one in the CSM as it grew from one hundred to four hundred cantigas. My ten examples alone show this: from the first 100, there are three (4, 46 and 89); from the second one hundred, four (107, 167, 181 and 192): from the third hundred, just one (205) and from the final one hundred, two (329 and 335).

Medievalista, 27 | 2020 60

ABSTRACTS

The Cantigas de Santa Maria of Alfonso X, king of Castile and León (1252-1284) contains 420 miracles and praise songs for the Virgin Mary. We have identified 41 with Jewish protagonists, 51 with Moors and 5 with pagans. Ten of these − three with Jews, 6 with Moors and one with a pagan − have been selected for treatment as they involve conversions to Christianity. Side by side, the actions of these miracle narrations are supported by what Alfonso declared to be their treatment in his law code, the Siete Partidas. There, laws regarding how non-Christians are to be treated along with specific laws about their conversion to the Christian law of the land are taken into account. Members of their religions may not impede conversions under penalty of death by fire. Both the Cantigas and the Siete Partidas reflect one another faithfully.

As Cantigas de Santa Maria de Afonso X, rei de Castela e Leão (1252-1284) contêm 420 milagres e louvores à Virgem Maria. Identificámos 41 milagres cujos protagonistas são judeus, 51 sobre mouros e 5 sobre pagãos. Destes, selecionámos dez – três com judeus, seis com mouros e um com um pagão – uma vez que só estes apresentam conversões ao Cristianismo. Comparativamente, verifica-se que a ação destas cantigas narrativas coincide com o que Afonso X afirmou nas suas Siete Partidas, sobre o modo como os não cristãos devem ser tratados. Tivemos em consideração, não só as leis sobre o modo como os não cristãos devem ser tratados nos seus reinos, mas também aquelas leis mais específicas que se reportam à conversão ao cristianismo vigente. Os restantes elementos das suas religiões não podem impedir as conversões, sob pena de morte pelo fogo. As duas obras afonsinas, apesar dos seus diferentes formatos, apoiam-se mutuamente.

INDEX

Keywords: Cantigas de Santa Maria, Jews, Moors, Pagans, Conversion to Christianity Palavras-chave: Cantigas de Santa Maria, Judeus, Mouros, Pagãos, Conversões ao cristianismo

AUTHOR

JOSEPH T. SNOW

Emeritus Professor of Spanish. Dept. Romance and Classical Languages, Michigan State University. East Lansing, MI 48824, USA. [email protected]

Medievalista, 27 | 2020 61

A serpente, espelho de Eva Iconografia, analogia e misoginia em fins da Idade Média The serpent, mirror of Eve. Iconography, analogy and misogyny in the end of the Middle Ages

Hilário Franco Júnior

1 Bem menos dotado fisicamente que outros animais, o homo fundou sua sobrevivência no gregarismo, e para tanto no desenvolvimento ao longo de sua evolução de diferentes modalidades de comunicação: gestual, sonora, verbal, imagética e escrita. Todas essas linguagens trabalham com formas e estruturas cuja finalidade é transmitir significações, ou seja, são sistemas semióticos possuidores de seus próprios vocabulários, semânticas, sintaxes, figuras de retórica, gramáticas e pragmáticas. A linguagem iconográfica, que aqui nos interessa, não é diferente, lida com signos, formas que revestem conteúdos atribuídos por convenção de cada comunidade. Por exemplo, “leão” em qualquer língua e em qualquer figuração plástica não é uma coisa em si, é algo que está no lugar de outro. É uma imagem, uma representação (imago é imitação, cópia, simulacro, aparência, fantasma, sonho, visão, retrato, estátua) de algo existente para além dela, mas associado a ela.

2 Algo que torna presente uma realidade ausente ao retirar o modelo de seu plano temporal, passado ou futuro, para torná-lo contemporâneo ao observador. Algo que estabelece sincronicidade entre o modelo e sua figuração. Logo, imago é mais do que simples imitação, é transferência de algo de uma instância para outra. É estímulo para melhor pensar o modelo, é muitas vezes a única forma de alcançá-lo. Daí no Ocidente cristão medieval, independentemente de local e época, as imagens terem servido em especial para materializar realidades transcendentes. Como Deus é eternamente contemporâneo de todos os homens, uma imagem plástica d’Ele permitia tornar cada homem contemporâneo de Deus. Como Ele está em todas as partes, e sempre, a rigor não haveria necessidade de figurá-lo em pedra, madeira, metal, vidro, pergaminho ou papel, a não ser para colocar homem e Divindade num mesmo plano de comunicação possível. Funcionalmente, toda imagem era expressão, por participação na essência, de eventos e personagens que se encontravam fora do alcance do observador.

Medievalista, 27 | 2020 62

3 Trata-se, portanto, de mecanismo indutivo, aquele que permite passar do particular (cada imagem) ao geral (o modelo da imagem) graças a uma operação mental analógica. Se tanto a intelecção analógica como a lógica são intemporais, são instrumentos utilizados pelo homem pelo menos desde o Paleolítico superior, não se pode negar que essa realidade antropológica conhece flutuações de intensidade conforme o campo de atuação humana considerado ou a época estudada. No que diz respeito ao Ocidente, a interpretação analógica do mundo foi essencial na larga etapa pré-cartesiana, quando predominou aquilo que Philippe Descola chama de “analogismo”, ontologia do fracionamento, da individuação e da recomposição dos seres e das coisas1.

4 O mais claro testemunho disso foi o cristianismo, que ao mesmo tempo expressou e reforçou o recurso ao pensamento analógico ao ver correspondências estreitas entre eventos e personagens do Antigo e do Novo Testamento. Mesmo no interior de cada livro bíblico ocorrem relações de simetria, similitude, paralelismo, como Deus utilizar o limo da terra (âdâhmah, humus) para formar o homem (âdhâm, homo). Por argumentação analógica, a Virgem era pensada como um tabernáculo que guardou a mais preciosa das relíquias, Cristo, daí algumas estátuas dela abrirem-se mostrando no interior a cena da Crucificação. Da mesma maneira que o coalho vem do leite e o queijo do coalho, explica Hildegarda de Bingen em meados do século XII, a semente masculina recebida pela mulher está de início sob a forma de leite, depois de coalho, por fim de carne2, o mesmo arrazoado que explica a etimologia de formaggio e fromage, derivadas do latim medieval formaticum, literalmente “coisa formada”.

5 O habitus3 mental da analogia e o cultural da iconografia não poderiam deixar de se repercutir no habitus social da misoginia, bem enraizado no Ocidente medieval apesar de variável conforme os tempos e espaços. Não é despropositado considerar que o progresso do culto mariano, a partir do século XII, geralmente interpretado pela historiografia como indício de recuperação da imagem da mulher, talvez comportasse também outro entendimento, pois Maria mais do que mulher, parecia aos medievais ser a negação da essência do feminino: ela não foi fecundada por homem, não pariu com dores, não teve vida sexual. Tanto que a versão cortesã do marianismo, a poesia trovadoresca dos séculos XII-XIII com sua aparente exortação da mulher, não rompeu o profundo antifeminismo medieval, como Howard Bloch convincentemente mostrou4.

6 Essas rápidas observações indicam a necessidade de estender as considerações sobre o pensamento analógico e a misoginia medievais ao campo da iconografia, mesmo se a rigor isso não pode ser realizado de maneira sistemática e serial nos limites de um curto ensaio e dentro das possibilidades de um pesquisador isolado. Em razão disso, restringimo-nos aqui, a título de sondagem pontual, a um único tema, por várias razões essencial para o homem medieval – o do Pecado original. Ainda assim, por haver várias centenas de representações iconográficas daquele evento mítico, recortamos nosso campo de observação a um tipo específico de figuração, aquele no qual aparece a serpente prosopogino5. Como o rol destas imagens, algumas dezenas de exemplares, permanece amplo para o presente trabalho, centramos os comentários em um único espécime (fig. 1), obra do ativo (deve-se a ele umas trezentas obras, um terço das quais em latim, dois terços em francês) gravador e editor parisiense Antoine Vérard (1450?-1519) para uma Bíblia6 que publicou em fins do século XV ou princípios do seguinte7.

Medievalista, 27 | 2020 63

Fig. 1 – O Pecado original, c. 1505, Bible en francoiz historiee. Vol.I. Paris: Vérard, fol. II8.

As relações analógicas

7 A referida cena foi articulada em torno de quatro grandes relações analógicas. A primeira entre Eva e a serpente, esta voltada para a mulher e representada com as mesmas feições que ela, criando assim uma relação especular e por conseqüência certa identidade entre as duas personagens. A inspiração inicial teve a sua origem num apócrifo do século IV, que em suas diversas versões afirmava que assim como para se ensinar um papagaio a falar coloca-se um espelho diante da ave e fala-se atrás dele, o demônio tinha assumido a forma feminina para levar Eva a comer o fruto proibido9. A ideia foi aproveitada numa passagem atribuída a Beda (e não identificada pela erudição moderna)10, a partir de cuja autoridade foi aceite por respeitáveis autores dos séculos XII-XIV acessíveis a Vérard.

8 Foi o caso de, em 1169-1170, Pedro Comestor, professor da escola catedralícia de Paris; um pouco antes de 1187, Estevão Langton, que havia ensinado teologia naquela cidade e viria a ser arcebispo de Canterbury; por volta de 1214, Gervásio de Tilbury, clérigo inglês que estivera ao serviço do arcebispo de Reims em fins da década de 1180; nos anos 1230, o belga Tomás de Cantimpré, hagiógrafo e enciclopedista dominicano que estudou em Paris em fins daquela década, e de cuja obra muito se serviu em torno de 1244 o igualmente dominicano Vicente de Beauvais, preceptor dos filhos do rei Luís IX; em 1287, o juiz siciliano Guido delle Colonne; por volta de 1324, o anônimo e popular Speculum humanae salvationis; entre 1362 e 1387, William Langland no seu bem difundido Piers the Plowman11. Como quer que seja, o hibridismo de duas espécies diferentes, típica do “modo de figuração analógico”12, revela os pontos comuns que se pensava haver

Medievalista, 27 | 2020 64

entre o anjo-réptil e a fêmea humana, embora não esclareça quem é o modelo, quem é a imagem.

9 A segunda associação analógica na gravura de Vérard ocorre entre Eva e o macaco- homem pois, haviam explicado dois textos do século XII, aquele animal em latim é simius devido à sua similitudo com o ser humano 13. Na imagem em questão, ele é um modelo para o Pecado por se tratar de um simia Dei, uma representação do Diabo tanto para descrições literárias14 como iconográficas15. Por decorrência, é imagem antecipada do ser humano pós-Queda, imitação degradada do que este tinha sido no Éden16. Exemplo expressivo desta interpretação encontra-se a uns cem quilômetros a sudoeste de Toulouse, na colegiada de Saint-Gaudens cuja decoração escultórica, da passagem do século XI ao XII, estabelece clara relação entre o Pecado original (capitel do lado sul do coro, face leste) e o macaco que se masturba (capitel do lado norte, face leste), imagens que Durliat atribui a um mesmo artista17.

10 No Saltério de Branca de Castela, animais de sentido moral positivo (cervo, cabra, boi, pássaros, peixes) cercam a cena do nascimento de Eva, enquanto na cena do trabalho dos protoplastas Adão tem à sua frente, dirigindo-lhe olhar sarcástico, um pequeno macaco que assiste ao homem a trabalhar18. Embora não conste o nome de Vérard, atribui-se a ele o Livre des Ordonnances de la prévosté des marchans et eschevinage de la ville de Paris, de 1500, cujo último fólio mostra na inicial L um pequeno macaco sentado comendo uma maçã diante de Eva, que em pé cobre a nudez com uma mão e segura o fruto na outra19. Várias vezes na escultura e na iluminura medievais um símio está associado ou mesmo identificado ao pecador ou ao próprio Diabo, caso de um relevo da Porta das Platerías (c.1120-1130), o pórtico meridional da catedral de Compostela, onde é um macaco-diabo que tenta o Cristo. Dito de outra forma, a serpente é análoga à mulher e o macaco ao homem.

11 Mais especificamente, o macaco devido à sua sexualidade supostamente exagerada era símbolo do comportamento humano não mais angelical como na origem, e sim aquele que se seguiu ao Pecado original, despudorado, faltoso, animalesco, diabólico em suma. Desde então ficou abolida a fronteira entre aquele animal e os humanos. Pedro Damiano conta, afirmando ter ouvido o relato do papa Alexandre II (1061-1073), que a esposa de Guilherme, conde da Ligúria, mantinha relações sexuais com um macaco que vivia na corte20. Por isso a iconografia medieval mostra com alguma frequência um leão (símbolo cristológico) atacando um macaco (símbolo demoníaco), como exemplifica um bestiário latino copiado e iluminado entre 1225 e 1250 na Inglaterra21. Herdeiro dessa longa tradição cultural, em várias imagens das Bíblias que editou Vérard figurou igualmente a serpente com rosto simiesco22.

12 Diferentemente das duas associações anteriores, que são binárias (Eva-serpente, Eva- macaco), a terceira é triangular e resulta de uma recomposição delas. Este triângulo analógico domina todo o lado esquerdo da cena (direito do observador), dado simbólico-espacial que reforça sua conotação demoníaca. Do centro e do alto (apesar de tudo o Diabo é um anjo) até a parte baixa onde está o símio (bem próximo ao solo, indicativo de seu caráter material, terreno), uma linha imaginária oblíqua atravessa a cena unindo as mãos da serpente, da mulher e do macaco. Os três têm o braço em posição de noventa graus, mas a mão da serpente que estimula o gesto pecador é a direita, enquanto a mulher e o macaco seguram o fruto com a esquerda.

13 Desta forma, Eva é analogizada dupla e negativamente pela serpente (cujos seios e rosto feminino constituem-se em modelo para ela) e pelo macaco (que come o fruto proibido,

Medievalista, 27 | 2020 65

funcionando como outro modelo). Trata-se, então, de solução iconográfica aparentada àquela de 1493-1494, na qual Eva segura a maçã diante de uma serpente com seios, rosto humano, orelhas de macaco e asas (fig. 2), fórmula usada por gravuras alemãs um pouco anteriores (fig. 3) e à qual Vérard apenas acrescentou, mas o detalhe é eloquente, o atributo símio. Também na posterior Bible en francoiz historiee de 1505, a cena da Expulsão mostra à direita, em primeiro plano, a Morte personificada, à esquerda e em segundo plano a serpente alada com rosto simiesco23.

Fig. 2 – Eva e a serpente de Vérard 1493-1494, Le Mirouer de la Redemption de l’umain lignage Paris: Vérard, fol. 2v24.

Medievalista, 27 | 2020 66

Fig. 3 – Eva e a serpente de Drach c.1480, Der Spiegel menschlicher Behältnis. Spira: s.ed. [Peter Drach], fol. 8 col. 125.

14 O eixo da cena do Pecado original é a Árvore do fruto proibido, que divide a gravura em duas zonas opostas, porém complementares. À esquerda encontra-se o triângulo analógico serpente-Eva-macaco, à direita o Adão-cervo-unicórnio. Este é o triângulo claramente cristológico, como indica o significado de cada um dos personagens e, reforçando-os, da associação analógica entre eles – a quarta de nossa análise. Da mesma maneira que no primeiro triângulo o vértice é constituído pela serpente, no outro o vértice é Adão, personagem de caráter especular como Eva, contudo de sentido positivo: enquanto criatura ele é imagem de Cristo, que por sua vez enquanto encarnado é imagem do primeiro homem. Entende-se, então, que o artista tenha colocado à direita de Adão o cervo, de função salvadora inegável para a cultura medieval26. Daí por que o primeiro remédio indicado por Pedro Hispano contra a epilepsia – doença da alma para uma autora cristã de meados do século XII, doença de humanos concebidos no repouso do sabá para um texto judaico de fins do XIII27 – é chifre de cervo pulverizado e ingerido com vinho28, o mais difundido dos símbolos cristológicos.

15 Do outro lado de Adão encontra-se o unicórnio. É interessante notar que desde o século II – com o célebre e difundido Physiologus, depois acompanhado por muitos outros, entre eles Orígenes, Agostinho, Philippe de Thaun, o pseudo-Hugo de Saint-Victor, um anônimo da abadia de Revesby, um anônimo de Oxford e Brunetto Latini – o caçador de serpentes era o cervo29, mas na gravura de Vérard devido à identidade simbólica profunda com o unicórnio, aquele animal parece ter transmitido a este a tarefa de atacar a Tentadora enrolada na Árvore. Com efeito, é o chifre do unicórnio que toca o corpo da serpente, reafirmando o bem familiar sentido cristológico daquele animal30.

Medievalista, 27 | 2020 67

16 Na conexão entre os dois triângulos mencionados há um elemento importante, que contagia o primeiro com traços do segundo. Trata-se da pequena pantera, símbolo de Cristo por ser definida em alguns textos como “inimiga do dragão”31, e de forma mais direta, em um bestiário inglês de fins do século XII ou princípios do XIII, Cristo é chamado de “a verdadeira pantera”32. Posicionada entre os pés da mulher e a extremidade da cauda da serpente, a pantera expressa a relativa recuperação social e moral da mulher que ocorria desde o século XII ao lembrar que apesar de pecadora e mãe da morte, Eva teria dentre suas descendentes aquela que seria mãe da vida e instrumento de redenção de todos os humanos. Pela mesma razão, a pantera está colocada a meio caminho entre o unicórnio (que por derivação analógica de símbolo do Cristo tornou-se também símbolo da Virgem33) e Eva (que ao comer o maldito fruto perdeu a humanidade, redimida pelo bendito fruto do ventre da Virgem). Aliás, é para indicar que no plano divino uma mulher deveria redimir a falta da outra, que uma iluminura francesa do século XV mostra um unicórnio na cena de nascimento de Eva34.

17 Acentuando a função da pantera, Vérard logo abaixo do unicórnio e ao lado de Adão figura um cisne, bem próximo à perna deste e à pata daquele. Com efeito, o sentido positivo daquela ave estava explicitado por certos textos: um bestiário do século XII garante que ela traz boa sorte, uma tradução francesa do mesmo texto comenta no começo do século XIII que o cisne “significa a alma que se alegra na tribulação”, poucas décadas depois uma enciclopédia reafirma o caráter propício do cisne35.

18 Das quatro analogias acima descritas, a básica, que de certa forma torna as demais necessárias, é aquela estabelecida entre Eva e a serpente prosopogino. Embora sem o nível de complexidade ali presente, ela tinha vários antecedentes iconográficos desde fins do século XI e mais intensamente de princípios do XIII, com alguns dos quais Vérard pode ter tido contato, direto ou indireto. Como suas sucessivas oficinas de trabalho sempre estiveram, indicam os cólofons das obras que editou, nas imediações da Notre-Dame de Paris36, ele certamente conhecia a escultura sobre o tema em um dos pórticos da catedral. E também, a 400 metros dali, o trumeau da entrada da capela baixa da Sainte-Chapelle (1246-1248) com seu dragão alado e de rosto feminino esculpido sob os pés da Virgem com o Menino. Outra imagem assemelhada da qual Vérard pode ter tido conhecimento, é uma escultura em madeira do norte francês (c.1400) que figura a Virgem amamentando o Menino e tendo abaixo deles Eva, que em postura serpentina come o fruto, enquanto do outro lado da Árvore interditada está a serpente com cabeça de mulher37.

19 Editor reputado e miniaturista de profissão, Vérard verossimilmente teve acesso a iluminuras sobre o tema presentes em manuscritos de prestígio no espaço cultural francês38, sobretudo os mais próximos a ele no tempo39. Ademais, Eva e a serpente prosopogino frente a frente eram personagens frequentes na coeva e ativa indústria editorial alemã, cujas gravuras Vérard algumas vezes reproduziu e outras vezes nelas se inspirou. É certo que não conhecemos elos diretos entre o editor e gravador parisiense e seus colegas de além-Reno, porém a colaboração entre estes e seus correspondentes lioneses está bem estabelecida pela erudição moderna, permitindo pensar que Vérard pode ter tido acesso à produção alemã por intermédio de Lyon.

20 Ou mesmo em Paris, se lembrarmos que perto da oficina de Vérard estava a do alemão Thielman Kerver, que instalado na capital francesa em 1497 publicaria três anos mais tarde a versão latina de um texto alemão de grande sucesso e nela inseriu gravuras de conterrâneos, inclusive uma que apresenta claras afinidades formais com aquela que

Medievalista, 27 | 2020 68

Vérard faria alguns anos depois (fig. 4). Ademais, a referida tradução latina foi realizada pelo flamengo Josse Bade, que após ter vivido e trabalhado em Lyon de 1492 a 1498, mudou-se para Paris onde paralelamente à atividade de erudito exerceu também as de editor e impressor.

Fig. 4 – O Pecado original na nau dos loucos, 1500, Stultiferae naves sensus animosque trahentes mortis in exitium. Paris: Thielman Kerver , fol. III40.

Lilith e Melusina

21 Resta, porém, uma questão intrigante: porque as primeiras representações iconográficas da serpente prosopogino levaram tanto tempo a aparecer se havia referências literárias anteriores? Do ponto de vista linguístico não havia obstáculos, apesar de a denominação do réptil variar de gênero gramatical em função do arbitrário do signo linguístico (ou de algum outro componente que a psicolinguística ainda não identificou). Masculina no grego ὄφις, de dois gêneros no latim serpens/entis, do qual derivaram os equivalentes em francês e em provençal antigos, palavras igualmente de dois gêneros, mas também, de um lado, um termo feminino em castelhano, catalão antigo, galego, português; de outro lado, masculino em francês (desde princípios do século XII e sobretudo de fins do XV), italiano, romeno. Em outro ramo indo-europeu, do proto-germânico *snakōn, masculino, o antigo inglês criou snaca, igualmente masculino, mas a partir do século X a língua foi lentamente perdendo a distinção gramatical de gêneros, processo acelerado no século XIII e completado em meados do XIV41, o que não impediu que justamente então tenham surgido naquele país imagens da serpente com rosto feminino42.

22 Como o texto genésico chama a serpente do Éden de “o mais ardiloso (callidus) de todos os animais”, pensava-se que ela talvez fosse uma víbora (vipera), considerada por Santo

Medievalista, 27 | 2020 69

Ambrósio “a mais perigosa espécie de animal e a mais astuta (astutus) de todas as serpentes”43. Ora, esse tipo de serpente é designado por uma palavra feminina em grego, latim, castelhano, catalão, francês, provençal, italiano (e dialetos como o piemontês ou o napolitano), português, galego, romeno, alemão. Esses indicativos lexicais são expressivos, mas não conclusivos, pois na época que aqui estudamos continuou forte a influência do Physiologus, que transmite um dado interessante sobre aquele réptil: até o umbigo sua aparência é humana, com o macho da espécie tendo rosto de homem e a fêmea de mulher, dali para baixo ele lembra um crocodilo44.

23 Do ponto de vista mítico, havia antecedentes interessantes, cuja cronologia não permite, porém, explicar a analogia formal – o rosto feminino de Eva, o rosto feminino da serpente – adotada pela tardia iconografia cristã medieval. A partir da homofonia entre ḥawwāh (Eva), hị̄weyā (serpente) e ḥiweyik (sedutor) existente no hebraico e em outras línguas semíticas, um comentário rabínico afirmara por volta do ano 320, retomando tradição anterior, que “a serpente foi tua [de Eva] serpente e tu a serpente de Adão”. Ideia adotada pelo cristianismo desde fins do século II com Teófilo de Antioquia e Clemente de Alexandria, prolongada por Eusébio de Cesareia (†337) e Epifânio de Salamina (†403), e acompanhada por muitas outras autoridades ao longo dos séculos seguintes45.

24 Segundo antiga tradição, atestada pelo menos desde fins do século I, a serpente foi o corpo usado por Satanás para entrar no Éden, aproximar-se de Eva e depois engravidá- la. Ou seja, o anjo caído, mais do que o réptil, é o parceiro da mulher na cena46. O fato não surpreende, pois deriva de um estrato mítico pré-bíblico que deixara inegáveis resquícios no texto judaico-cristão: Joseph Campbell indicou que a serpente aparecida a Eva no jardim do Éden era uma divindade cultuada no Oriente Médio pelo menos sete mil anos antes da composição do Gênesis, divindade benéfica que podia ser representada sob forma feminina ou masculina e cujo sentido foi restringido pelo patriarcalismo da Bíblia. É para sublinhar a identidade Eva-serpente prosopogino que a literatura e a iconografia recorreram com frequência à metáfora do espelho, único meio que revela o sujeito a si mesmo47.

25 Assim como – afirmam dois apócrifos, um da passagem do século I ao II, outro de meados do II – Deus é o espelho no qual o homem pode se conhecer48, o Diabo é o espelho no qual a mulher pode se reconhecer. O gênero literário moralista e pedagógico do speculum, surgido no século XII para fornecer modelos de comportamento a diferentes segmentos sociais e profissionais, foi transposto para as artes plásticas, que insistiam na futilidade da preferência feminina pelo uso literal, não metafórico, educativo, do espelho. Sublinhando a simetria mulher-demônio, certas imagens mostram ambos com cabelo do mesmo tipo e da mesma cor, nitidamente diferenciado do de Adão49. Numa gravura feita por Dürer em 1494 para a obra de Sébastian Brant, uma mulher sentada sobre uma tábua sustentada pelo Diabo observa-se ao espelho sem perceber, diz a legenda, que se trata de uma armadilha. Três anos depois, a mesma imagem foi reaproveitada na tradução francesa da obra de Brant editada por Vérard50.

26 Da construção da serpente prosopogino fez parte ainda uma figura mítica judaica bem conhecida na Cristandade do século XV – Lilith. A única referência bíblica a ela identifica-a como um dos seres selvagens que invadirá a terra de Edom no dia do Juízo Final, mas isso permitia melhor compreender uma aparente incoerência do texto sagrado. Como é bem conhecido, o Gênesis afirma de início que Deus criou o ser humano macho e fêmea, presumivelmente ao mesmo tempo e da mesma matéria, contudo mais

Medievalista, 27 | 2020 70

adiante narra a criação de Eva a partir de uma costela de Adão, portanto a mulher teria sido posterior e de outra matéria51. As duas passagens ficaram inteligíveis com a exegese rabínica registrada no século III, mas sem dúvida anterior, ao nelas distinguir “a primeira Eva” (personagem inominada, depois identificada com Lilith) e Eva52. O que tornou esta necessária foi a insubmissão daquela, que exigiu de Adão se acasalar deitada sobre ele53, o que o homem rejeitou – o facto era inaceitável para as falocráticas sociedades judaica e cristã tanto do ponto vista sexual quanto simbólico – desejando então alguém feito com “osso dos meus ossos e carne da minha carne”54.

27 Para tanto Deus criou Eva, o que gerou o ciúme de Lilith e seu plano de provocar a expulsão do novo casal do Éden. Visando concretizá-lo, ela associou-se ao Diabo – ele também insubmisso a Deus por ciúme de Adão55 – e assumiu a forma de serpente- mulher. O pensamento mítico marcou dessa maneira o facto de antes de Eva o homem se relacionar sexualmente com as fêmeas de todos os animais, conforme comentário do Talmude da Babilônia (c.500) 56, que caracteriza Lilith como demônio alado com traços femininos e dotado de longa cabeleira57. Este mito ganharia contornos definitivos com o Alpha Beta, possivelmente do século X, retomado e desenvolvido em Castela em fins do século XIII no Zohar, que a partir da ideia de “primeira Eva” e da tradição de Eva como amante do anjo caído Samael58, alimentou por derivação analógica a atribuição de tal condição a Lilith e a identificação entre eles59.

28 Nada há de estranho no facto de a iconografia da serpente feminina refletir tradições comuns às culturas judaica e cristã, que mantiveram intercâmbio frequente e estreito até o despontar do sentimento antijudaico em fins do século XI, no contexto das Cruzadas. Mesmo depois, a presença de elementos culturais hebraicos em ambientes cristãos continuou forte, como ilustra em 1169-1173 a obra de Pedro Comestor, na qual pela primeira vez aparece a menção à serpente prosopogino. Além desse autor, Pedro Cantor (†1197), Étienne Langton (†1228) e Alberto Magno (†1280) também citam Lilith como a primeira Eva60. Apesar de a interdição mosaica de representar Deus ter provocado uma restrição imagética na cultura judaica e de naquela língua a palavra nahash) ser masculina, a serpente-mulher foi figurada em pelo menos , שחב ) ”serpente“ dois manuscritos judaicos de fins do século XIII, um do sul alemão, outro do norte francês61.

29 Uma prova da convergência mítica judaico-cristã no que respeita a serpente com aparência de mulher encontra-se em Melusina, personagem bem conhecida em regiões de expressivas colônias judaicas, como a Provença e o Poitou62. No plano oral ela é testemunhada em torno de 1200, mesmo que ainda inominada, por cronistas da corte inglesa que conheciam bem os territórios continentais da monarquia Plantageneta63. A partir das fontes orais surgiram os dois principais relatos literários a respeito, um em prosa, em 1393, obra de João de Arras encomendada pelo duque de Berry (em cujos domínios estava o Poitou), outro em verso, realizado por volta de 1401 pelo livreiro parisiense Coudrette a pedido do senhor de Parthenay, no norte daquela região64. Em função das inegáveis similitudes entre Lilith e Melusina é que Vicente de Beauvais pôde relatar tanto a história da serpente-mulher do Pecado original como da mulher- serpente do Poitou, ainda sem lhe atribuir um nome. Talvez seja devido às proximidades míticas entre ambas que um mesmo manuscrito, confeccionado entre 1412 e 1416 para o duque de Berry, representou-as separadas por apenas alguns fólios65.

30 Com efeito, os pontos comuns entre as duas figuras são claros. Seus mitos surgiram contemporaneamente, talvez no século X66. Assim como Lilith, cujo nome pode derivar

Medievalista, 27 | 2020 71

do sumério lulti, “lascívia”, foi feita de argila e por essa dupla razão era uma deusa da fecundidade e da terra, pensa Jacques Bril, Melusina “aparece como o avatar medieval de uma deusa-mãe, como uma fada da fecundidade”, avalia Jacques Le Goff67. Assim como Lilith, desgostosa com a recusa de Adão em aceitar a igualdade entre eles, proclamou o nome de Deus, ganhou asas e voou para longe, Melusina sentindo-se traída pelo marido que a vira durante o banho apesar do interdito combinado entre eles, saltou pela janela do castelo de Lusignan (levantado no século X, quando surgiu o mito de Melusina, isto é, de Mère Lusigne, “mãe dos Lusignan”) no qual viviam e, transformada em serpente de cinco metros de comprimento, saiu voando68.

31 Assim como desde a rejeição Lilith grita sua revolta, sendo conhecida por “demônio que guincha”, Melusina de tempo em tempo voa perto de seu antigo castelo soltando suspiros profundos e gritos dolorosos69. Assim como Lilith é a própria serpente que assume forma de mulher, Melusina é mulher transformada em serpente da cintura para baixo como punição por desobediência à fada sua mãe. Assim como Lilith é muito fecunda, gera pelo menos cem filhos demônios por dia, Melusina teve dez filhos homens. Assim como Lilith vinga-se de Adão matando recém-nascidos humanos70, Melusina sequestra crianças que passam pelas suas terras. Assim como Lilith é o espelho de Eva em algumas representações iconográficas (fig. 3 e 6), Melusina é às vezes mostrada penteando sua longa cabeleira diante de um espelho71. Assim como Lilith, também Melusina ficará até o Juízo Final exilada pelos ares72.

32 Não parece casual, portanto, que o editor suíço Bernhard Richel tenha, em 1474, publicado uma gravura de Melusina e dois anos depois uma de Lilith face a Eva. A primeira (fig. 5) mostra a fada de rosto feminino, seios nus, asas e corpo de serpente da cintura para baixo, na segunda o demônio feminino diferencia-se apenas por estar em posição vertical73. Ou, como havia figurado um pouco antes outra publicação alemã, Lilith podia portar coroa em vez de chapéu (fig. 6). Também não é ocasional que Anton Sorg, de Augsburgo, tenha publicado três imagens da serpente-mulher bíblica em 1476 e 1479, e em 1485 uma da fada serpentina que sai voando de seu castelo74.

Medievalista, 27 | 2020 72

Fig. 5 – Melusina, 1476, Thüring von Ringoltingen, Melusine. Basileia: Bernhard Richel, 1476, fol. 62V75.

Fig. 6 – Lilith, c. 1473, Speculum humanae salvationis. Augsburgo: Günther Zainer, fol. 1176.

33 Por intermédio da personagem mais antiga, a outra articulava-se igualmente com Eva. O banho que Melusina tomava aos sábados já foi associado à tradição judaica do banho purificador77 e pode ser aproximado ainda ao banho penitencial de Eva começado no oitavo dia do Exílio, isto é, num sábado se considerarmos que ela e Adão foram expulsos

Medievalista, 27 | 2020 73

do Éden numa sexta-feira78. Melusina deu a seu marido dez filhos, da mesma forma que Eva, “mãe dos viventes”, procriou de Adão muitos filhos e filhas79. Enquanto Melusina propiciou prosperidade às terras do marido, a primeira mulher embora apareça na iconografia quase sempre a fiar, era imaginada como representação das forças naturais, como uma mãe-terra cristianizada80. Se Eva não foi construtora como Melusina, que levantou vários castelos e igrejas nos domínios de Raymondin, seu primogênito, Caim, foi o primeiro a erguer uma cidade81. Ambas personagens deploraram um fratricídio entre seus filhos: Caim matou Abel, Geoffrey dos Dentes Grandes incendiou o mosteiro onde estava seu irmão Fromont82.

Misoginia

34 No entanto, a própria ressurgência e fortalecimento dos dados míticos precisam ser explicados. Continua em aberto a questão essencial, colocada acima: porque a ideia da serpente com cabeça de mulher, conhecida desde os primeiros tempos do cristianismo, só se difundiria no plano iconográfico a partir do século XIII? Antes disso, que saibamos, o motivo aparece apenas num capitel do coro da igreja Sainte-Croix, em Oleron Sainte-Marie (sudoeste francês, fins do século XI), no friso da fachada ocidental da catedral de Nîmes (c.1100), em um modilhão do lado sudeste da cabeceira da igreja abacial de Arthous, perto de Bayonne (c.1150), em relevo do portal norte da catedral de Ourense (segunda metade do século XII), na placa esmaltada do altar de Klosterneuburg (1181), próximo a Viena e obra de Nicolau de Verdun83.

35 Do ponto de vista iconográfico a resposta àquela questão é simples: ao contrário do que se pensa com frequência, imagem não é mera transposição da linguagem verbal para a linguagem plástica. Hipótese desmentida, aliás, pela arte pré-histórica e de sociedades históricas ágrafas. O pensamento é constituído por imagens, e mesmo quando elas parecem se fundar em textos, escritos ou orais, nada mais fazem do que retrabalhar, realimentar e, em última análise, restituir aquela matéria original – ιδέα etimologicamente é aquilo que se vê, é uma imagem. Mas a materialização da ideia primária em texto ou imagem plástica não segue uma trajetória ou um ritmo fixo, ela depende dos contextos históricos, ela responde a necessidades concretas ou imaginárias da sociedade que a produz.

36 Aquilo que a linguística e a mitologia não esclarecem, fica sugerido pela história social. No Ocidente medieval acentuadamente masculino, a depreciativa identificação serpente-Eva tornou-se comum a partir do momento em que despontou certo reconhecimento do papel social da mulher. Não é casual que a mais poderosa ordem monástica dos séculos X-XII, a de Cluny, tenha tido como patronos os apóstolos Pedro e Paulo, enquanto a concorrente que a supera nos séculos XII-XIII, a ordem de Cister, tenha elegido Maria como protetora. Todavia a revalorização feminina apresentava claros limites ideológicos, impostos pelo fato de o homem ter sido criado à imagem de Deus e a mulher tão só à sua semelhança, o que sugere que naquele motivo iconográfico o réptil deixava de ser somente a tradicional representação do Diabo para duplicar-se em Eva, pois toda imagem imita algo, é reprodução dele, diz Agostinho84.

37 A relação serpente-Eva ganhou novo alcance na segunda metade do século XV com o surgimento da imprensa, cujo princípio básico também é especular, pois os tipos metálicos de imagem invertida aparecem em posição normal quando prensados contra uma folha de papel. Para a invenção da tipografia, Gutenberg provavelmente se

Medievalista, 27 | 2020 74

inspirou na sua atividade anterior de fabricante de pequenos espelhos metálicos usados pelos peregrinos que se dirigiam a Aachen, acreditando com eles fixar as imagens das relíquias visitadas na catedral. Por meio da mesma técnica (fosse em placas de madeira ou metal) eram feitas as gravuras com que Drach, Richel e Vérard ilustravam suas publicações, em algumas das quais aparece a serpente prosopogino. Tratava-se de todo um jogo de espelhos, mítico, moral, social, artístico, tipográfico.

38 Jogo que não podia, evidentemente, ficar isento da crescente misoginia ambiente – Boccaccio, pela boca de um personagem, define as mulheres como “animali senza intelletto” – porque, nos termos de Descola, “os julgamentos de identidade não se exprimem somente em enunciados, são igualmente visíveis em imagens, pois figurar é, em suma, dar a ver a armação ontológica do real”85. Uma iluminura realizada entre 1402 e 1404 para uma Bible moralisée exemplifica bem tal raciocínio. Em um lado da cena, que não conta com a presença de Adão, a serpente impõe-se a Eva pela estatura e entrega-lhe o fruto proibido; no outro lado, Eva, de costas para a serpente, domina Adão pela altura e entrega-lhe o fruto. Ou seja, pela forma e pelo conteúdo Eva cumpre na segunda parte da cena a mesma função que a serpente na primeira – em relação tipicamente analógica, a serpente está para Eva assim como Eva está para Adão (fig. 7).

Fig. 7 – A relação triangular de forças, 1402-1404, Bible moralisée de Philippe le Hardi, fol. 3v86.

39 Outras expressivas estruturas imagéticas existiam. Com a liberdade de culto decretada no começo do século IV, multiplicaram-se os cemitérios cristãos e neles sarcófagos pétreos com a cena do Pecado original tendo somente a serpente enrolada na Árvore, como que a sintetizar os primi parentes, ausentes da figuração. O inverso também ocorria, com as cenas do Pecado sem a serpente sugerindo que ela, isto é, o mal, estava dentro dos humanos87. Daí ter sido simplesmente omitida em muitos afrescos do Pecado original nas catacumbas, por exemplo na de São Gennaro, em Nápoles, de fins do século II88. No século VI, a mais antiga Bíblia ilustrada hoje conhecida, de origem grega, narra

Medievalista, 27 | 2020 75

iconograficamente a Queda e a Expulsão em quatro episódios, no primeiro dos quais Adão e Eva seguram o fruto sem, apesar do que diz o texto sagrado logo acima da iluminura, sinal da serpente. Esta aparece apenas na quarta cena, que mostra os pais do gênero humano deixando o Éden89. No período que aqui interessa, entre outros casos a serpente continuou ausente numa iluminura francesa de princípios do século XIV, numa alemã de meados do século e noutra publicada em fins do século XV por Vérard90.

40 Talvez a famosa Eva do lintel do portal lateral da catedral de Autun (hoje no Museu Rolin da mesma cidade) deva sua posição horizontal e sua forma serpentina não a mera opção plástica do escultor borgonhês dos arredores de 1130, mas seja expressão, consciente ou não, da rejeição do princípio feminino. Pequenas partes do corpo do Diabo que ainda subsistem na extremidade do fragmento do lintel fazem pensar que ele também foi representado na mesma posição, reforçando a analogia entre os dois personagens. O fato de a imagem de Adão, hoje desaparecida, ter provavelmente sido esculpida diante da de Eva, em posição similar, não invalida o raciocínio exatamente devido ao mecanismo de contágio analógico – assim como o Diabo transforma Eva em serpente (em francês, a palavra tinha por volta de 1175 a aceção de “pessoa má”)91, a mulher faz o mesmo com Adão. Tanto que em 1186, um relevo da entrada sul da igreja San Julián e Santa Basilisa, na localidade castelhana de Rebolledo de la Torre (a 90 km de Palencia), mostra Adão em posição mais serpentina do que a mulher que tem diante de si, do outro lado da árvore.

41 Portanto, não é por mera influência literária sobre a arte que se pode resolver o problema da origem da iconografia da serpente com cabeça de mulher, como fizeram John Bonnell e Henry Kelly92. A interpretação desses autores peca, a nosso ver, por tratar aquelas duas modalidades culturais como se fossem autônomas, desvinculadas da realidade social. Ao contrário, a serpente prosopogino teria sido, antes de tudo, parece- nos, reação imaginária a um fenômeno sociológico, a intensificação da misoginia clerical face ao relativo progresso da condição feminina. Se para diferentes povos em todo o mundo “o mito da criação é um instrumento darwiniano para a sobrevivência”, pondera Edward Wilson93, para a civilização medieval cristã o mito do Pecado original é, entre outras coisas, instrumento para a subserviência feminina.

42 Poder-se-ia contra-argumentar com algumas imagens nas quais a serpente prosopogino está voltada para Adão94, ou para ambos95. Ou assinalar uma Bíblia francesa iluminada em Nápoles por um discípulo de Giotto, em 1325-1340, por encomenda do rei Roberto, o sábio, na qual a serpente é representada com duas cabeças humanas, uma virada para Eva, outra para Adão (fig. 8). Mas a intenção dessas imagens não era igualitária, pelo contrário, era advertir o homem dos perigos representados pela mulher, que é a serpente. Tratava-se de postura conservadora que sem chegar a colocar a responsabilidade pelo Pecado original exclusivamente sobre os ombros de Eva, insistia que a maior parte da culpa lhe cabia a ela.

Medievalista, 27 | 2020 76

Fig. 8 – A serpente de duas cabeças, 1325-1340, Bible historiée, fol. 8v.96

43 A contrapartida deveria ser a fidelidade e obediência irrestritas por parte da mulher. É o que jocosamente defende um pequeno texto anônimo da primeira metade do século XIII ao afirmar que Eva foi criada a partir de um sólido osso de Adão para que os homens possam bater nas suas mulheres regularmente, três ou quatro vezes por dia de preferência. É o que pensa em 1297 o bispo Jacopo de Varazze, para quem toda esposa deve um amor total, persuadida que “ninguém é mais sábio, mais forte e mais belo que seu marido”, ninguém faz ou diz coisas tão bem como ele. É o que propõe um burguês parisiense ao escrever para sua jovem esposa, em 1393, uma espécie de speculum uxorem no qual argumenta que assim como cães, pássaros e mesmo animais selvagens amam “perfeitamente seus protetores [patrons] e benfeitores, […] as mulheres devem ter por seus maridos um amor perfeito e publicamente demonstrado [solemnelle]”97.

44 A incapacidade jurídica feminina, variável conforme os locais, épocas e condições sociais, manifestava-se um pouco por toda parte. Na Inglaterra, por exemplo, se tanto a mulher solteira como a viúva podia possuir terras, prestar homenagem vassálica, fazer testamento, assinar contratos, entrar na justiça contra alguém, durante o casamento não tinha controlo sobre os bens que levara em dote ou recebera em herança depois de casada. A passagem para essa condição podia se dar à sua revelia, a não ser que tivesse condições de comprar tal direito ao seu senhor feudal, o que não era comum tendo em conta a precocidade dos casamentos na época. Pequenas eram as possibilidades de a mulher solteira exercer seus direitos e os da viúva serem acatados, como sugerem em 1215 dois artigos da Magna Carta98.

45 O progresso nessa matéria, mais sentido no Norte europeu99, refletiu-se na língua, facto social que exprime a visão de mundo de seus falantes, ensinou Saussure. É instrutivo que “serpente” tenha sido forma gramatical masculina no antigo alto alemão (slango) e no médio alto alemão (slange), portanto ao longo de seis séculos, antes de passar no

Medievalista, 27 | 2020 77

médio baixo alemão para os dois gêneros e depois se estabilizar no século XVI como Schlange, palavra feminina100. Na iconografia, a resposta misógina às transformações sociais gerou intensa produção do tipo de imagem que estamos estudando (do qual só podemos citar aqui alguns testemunhos), mais precoce nos atuais territórios franceses101, mais tardia nos alemães102 e holandeses103.

46 À luz disso tudo, percebe-se que a riqueza à primeira vista insuspeita da gravura de Antoine Vérard fundamenta-se em uma analogia de proporção a oito termos, seis explícitos, dois implícitos, porém provavelmente tão atuantes para os observadores contemporâneos quanto os demais – Adão está para Eva assim como o cervo para o unicórnio, a serpente para o macaco, Lilith para Melusina.

BIBLIOGRAFIA

1. Fontes primárias

1.1 Fontes manuscritas

Augsburgo, Universitätsbibliothek, cod. I.2.2.23, Speculum humanae salvationis.

Baltimore, Walters Art Gallery, Ms. W.34, Saltério Carrow.

Carpentras, Biblioteca Inguimbertine, Ms.622, Cas des nobles hommes et femmes.

Chantilly, Museu Condé, Ms. 28, Histoire extraite de la Bible et Apocalypse, en français.

Chantilly, Museu Condé, Ms. 65/1284, Les très riches heures du duc de Berry.

Chantilly, Museu Condé, Ms. 1078-26, Ci nous dit.

La Haye, Museum Meermanno-Westreenianum, Ms. 10 A 12, La Cité de Dieu.

Londres, British Library, Royal Roll 14 B IX, Compendium historiae in genealogia Christi.

Londres, British Library, Royal 14 C IX, Polychronicon.

Londres, British Library, Royal I D I, Bíblia de William de Devon.

Londres, British Library, Add. Ms. 11639, Bíblia hebraica.

Londres, British Library, Add. Ms. 15248, Bible moralisée.

Londres, British Library, Add. Ms. 18850, Bedford Hours.

Londres, British Library, Add. Ms. 47682, Bíblia de Holkham.

Londres, British Library, Yates Thompson Ms. 14, Saltério de Saint-Omer.

Londres, College of Arms, Muniment Room 18-19, Mapa da abadia de Evesham.

Los Angeles, J. Paul Getty Museum, Ms. Ludwig IX 8, Arenberg Hours.

Montecassino, Biblioteca monástica, Ms. 132, De Universo.

Oxford, Bodleian Library, Ms. Auct. D. 3. 2, Biblia.

Oxford, Bodleian Library, Ms. Bodley 270b, Bible moralisée.

Medievalista, 27 | 2020 78

Oxford, Bodleian Library, Ms. Bodley 764, Bestiarium.

Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, Ms. 1186, Psalterium (dito de Branca de Castela).

Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, Ms. 5076, Trésor de sapience.

Paris, Bibliothèque de l’Arsenal, Ms. 5211 Rés., Bíblia de Acra.

Paris, BnF, Ms. fr. 21, La Cité de Dieu.

Paris, BnF, Ms. fr. 166, Bible moralisée de Philippe le Hardi.

Paris, BnF, Ms.fr. 1837 La pénitence d’Adam.

Paris, BnF, Ms. fr. 9561, Bible historiée.

Paris, BnF, Ms. fr. 13096, Apocalypse en françois.

Paris, BnF, Ms. fr. 24383, Roman de Mélusine.

Paris, BnF, Ms. lat. 511, Speculum humanae salvationis.

Paris, BnF, Ms. lat. 1171, Horae ad usum romanum.

Paris, BnF, nouv. acq. lat. 3255, Breviarium.

Rennes, Bibliothèque Municipale, Ms. 593, Image du monde.

Roma, Biblioteca Apostolica Vaticana, Ms. Pal. lat. 1995, Livre des bonnes mœurs.

São Petersburgo, Rossiiskaia Natsionalnaia Biblioteka, Lat. Q. v. I. 126, Livre d’Heures de Louis d’Orléans.

Toledo, catedral, Ms. 1, Bíblia de São Luís.

Valenciennes, Bibliothèque Municipale, Ms. 101, Aviarium.

Viena, Österreichische Nationalbibliothek, Cod. Vindob. 2980, Lutwins Adam und Eva.

1.2 Fontes impressas

AGOSTINHO – De diversis quaestionibus. in Patrologia Latina (PL) 40, cols. 11-100.

AGOSTINHO – Enarrationes in Psalmi. in PL 36, cols. 67-1028.

AMBRÓSIO – Exameron. I sei giorni della creazione. Ed. Carl Schenkl, trad. Gabrielle Banterle. Milão / Roma: Biblioteca Ambrosiana / Città Nuova, 1979 (Opera omnia di Sant’Ambrogio, 1).

Gli Apocrifi del Nuovo Testamento. Ed. e trad. Mario Erbetta. 2ª ed. Gênova: Marietti, 1983-1992, 3 vols.

ARRAS, Jean d’ – Mélusine, roman du XIVe siècle. Ed. Louis Stouff. Genebra: Slatkine, 1974.

AUGUSTODUNENSE, Honorius – Speculum Ecclesiae. in PL 172, cols. 807-1108.

AUXERRE, Goffredo di – Super Apocalypsim. Ed. Ferruccio Gastaldelli. Roma: Edizioni di storia e de letteratura, 1970 (Temi e testi, 17).

BEAUVAIS, Pierre de – Bestiaire. Ed. Charles Cahier; Arthur Martin. in Mélanges d’archéologie, d’histoire et de littérature. Paris: Poussielgue-Rusand, 1851, Vol. II, pp. 106-232; 1853, Vol. III, pp. 203-288.

BEAUVAIS, Vincent de – Speculum naturale. Graz: Akademische Druck- u. Verlagsanstalt, 1964.

BERNARDUS – Apologia ad Guillelmum abbatem. Ed. Jean Leclercq e Henri M. Rochais. Roma: Editiones Cistercienses, 1963 (S. Bernardi Opera, III), pp. 81-108.

Medievalista, 27 | 2020 79

Le bestiaire (Oxford, Bodleian, ms. Ashmole 1511). Trad. Marie-France Dupuis e Sylvain Louis. Paris: Philippe Lebaud, 1988.

Bestiaires du Moyen Age. Ed. trad. Gabriel Bianciotto. Paris: Stock, 1980.

The Bestiary. A book of beasts (Cambridge University Library, Ms. Ii.4.26). Trad. Terence H. White. Nova Iorque: Putnam, 1960.

Bibel. Bamberg: Albrecht Pfister, s.d. [c.1462].

Bibel. Colônia: Heinrich Quentell, s.d. [c.1478].

Bibel. Estrasburgo: Johann Grüninger, 1485.

Bibel. Lübeck: Steffen Arndes, 1474.

Bible en francoiz historiee. Paris: Antoine Vérard, s.d. [c.1505]. Exemplares BnF, Rés. G-A-22; Metropolitan Museum of Art, Harris Brisbane Dick Fund, 1924, 24.16.1.

Bible en francois hystoriee. Paris: Antoine Vérard, s.d. [c.1510]. Exemplares BnF, Rés. A-273; Metropolitan Museum of Art, Elisha Whittelsey Fund, 1951, 51.548.

Bible en francois hystoriee. Paris: Barthélemy Vérard, 1514. Exemplar Bibliothèque de l’Arsenal FOL- T-142.

Bible historiee. Paris: Antoine Vérard, s.d. [c.1498-1499]. Exemplar BnF, Rés. A-270.

Biblia Vulgata. Ed. Alberto Colunga e Laurentio Turrado. 12ª ed. Madrid: BAC, 2005.

BINGEN, Hildegardis de – Causae et curae. Ed. Paul Kaiser. Leipzig: Teubner, 1903.

BOCCACCIO, Giovanni – Decameron. Ed. Mario Marti. Milão: Rizzoli, 1992, 2 vols.

BOCCACCIO, Giovanni – Von Etlichen Frowen [tradução alemã do De claribus mulieribus]. Augsburgo: Anton Sorg, 1479.

BRANT, Sébastian – Das Narrenschiff. Basileia: Johann Bergmann von Olpe, 1494.

BRANT, Sébastian – La nef des folz du monde. Trad. Pierre Rivière e Jakob Locher. Paris: Vérard, 1497.

BRANT, Sébastian – Stultiferae naves sensus animosque trahentes mortis in exitium. Trad. Josse Bade. Burgos: Fadrique Biel de Basilea, 1500.

BRANT, Sébastian – Stultiferae naves sensus animosque trahentes mortis in exitium. Trad. Josse Bade. Paris: Thielman Kerver, 1500.

CAMBRAI, Geraldo de – De principis instructione. Ed. George F. Warner. Wiesbaden: Kraus Reprint, 1964 (Rerum Britannicarum Medii Aevi Scriptores, 21-VIII).

La caverna dei tesori. Ed. Margaret Dunlop Gibson, trad. Antonio Battista e Bellarmino Bagatti. Jerusalém: Franciscan Priting Press, 1979 (Studium Biblicum Franciscanum. Collectio Minor, 26).

La caverne des trésors. Les deux recensions syriaques. Ed. Carl Bezold, trad. Su-Min Ri. Louvain: Peeters, 1987 (Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, Scriptores syri, 208).

La caverne des trésors. Version géorgienne. Ed. Ciala Kourcikidzé, trad. Jean-Pierre Mahé. Louvain: Peeters, 1992 (Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium, Scriptores Iberici, 24).

COLONNE, Guido della – Historia destructionis Troiae. Ed. Nathaniel E. Griffin. Cambridge (Mass.): Medieval Academy of America, 1936.

Medievalista, 27 | 2020 80

Il combattimento di Adamo. Ed.e trad. Antonio Battista e Bellarmino Bagatti. Jerusalém: Franciscan Printing Press, 1982 (Studium Biblicum Franciscanum Collectio Minor, 29).

COMESTOR, Pedro – Historia scholastica. Liber Genesis. in PL 198, cols. 1055-1142.

COUDRETTE – Le roman de Mélusine. Ed. Roach, trad. Laurence Harf-Lancner. Paris: GF- Flammarion, 1993.

DAMIANO, Pedro – De bono religiosi status. in PL 145, cols. 763-792.

The Fathers According to Rabbi Nathan. Abot de Rabbi Nathan Version B. Ed. Solomon Schechter, trad. Anthony J. Saldarini. Leiden: Brill, 1975.

HISPANO, Pedro – Thesaurus pauperum. in Obras médicas de Pedro Hispano. Ed-trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian / Universidade de Coimbra, 2014, pp. 78-301.

LANGLAND, William de – The Book Concerning Piers the Plowman. Ed. Rachel Attwater, trad. Donald e Rachel Attwater. Nova Iorque: Dutton, 1957.

LATINI, Brunetto – Le livre du trésor. Ed. Francis Carmody, trad. Bernard Ribémont e Silvère Menegaldo. Paris: Honoré Champion, 2013 (Traductions des classiques du Moyen Âge, 94), vol. I.

Libellus de natura animalium / Le proprietà degli animali. Ed. Paola Navone, trad. Annamaria Carrega. Gênova: Costa e Nolan, 1983.

LÚLIO, Raimundo – Livro das bestas. Ed. Marina Gustá, trad. Cláudio Giordano. São Paulo: Loyola- Giordano, 1990.

LYON, Eucário de – Liber formularum spiritalis intelligentiae. in PL 50, cols. 727-772.

MAP, Gautier – Contes pour les gens de cour. Ed. Christopher N. L. Brooke e Roger A. B. Mynors, trad. Alan K. Bate. Turnhout: Brepols, 1993.

Le mesnagier de Paris. Ed. Georgina E. Brereton e Janet M. Ferrier, trad. Karin Ueltschi. Paris: Le Livre de Poche, 1994.

Midrach Rabba. Genèse Rabba. Ed. Moseh A. Mirkin, trad. Bernard Maruani e Albert Cohen-Arazi. Paris: Verdier, 1987.

MILTON, John – Paradise Lost. Ed. John Leonard. Londres: Penguin, 2003.

Le Mirouer de la redemption de l’umain lignage. Paris: Antoine Vérard, 1493-1494.

Nouveau recueil complet des fabliaux. Ed. Nico van den Boogard e Willem Noomen. Assen: Van Gorcum, 1983-1998, 10 vols.

ORÍGENES – Homélies sur le Cantique des cantiques. Ed. Willem A. Baehrens, trad. Olivier Rousseau. Paris: Cerf, 1954 (Sources Chrétiennes, 37).

The Old Testament Pseudepigrapha. Ed. James H. Charlesworth. Londres / Nova Iorque: Darton, Longman & Todd / Doubleday, 1983-1985, 2 vols.

Physiologus latinus. Versio B. Ed. Francis J. Carmody. Paris: Droz, 1939.

PSEUDO-BEDA – Quaestiones super Genesim. in PL 93, cols. 233-362.

RINGOLTINGEN, Thüring von – Melusine. Basileia: Bernhard Richel, 1474.

RINGOLTINGEN, Thüring von – Melusine. Augsburgo: Anton Sorg, 1485.

S.a. [Maître des bordures des Pères de l’Église] – Le Péché originel. S.l, s.ed., s.d [1450-1460]. Exemplar BnF, Estampes et Photographie, Rés. 4-EA-6.

Medievalista, 27 | 2020 81

SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis et aliis rebus. in PL 177, cols. 13-164.

SCHEDEL, Hartmann – Liber cronicarum. Nuremberg: Anton Koberger, 1493.

SEVILHA, Isidoro de – Etimologías. Ed. Wallace M. Lindsay, trad. José Oroz Reta e Manuel-Antonio Marcos Casquero. Madrid: BAC, 2009.

Speculum humanae salvationis. Ed. Jules Lutz e Paul Perdrizet. Mulhouse: Meininger, 1907, vol. I.

Speculum humanae salvationis. Augsburgo: Günther Zainer, s.d. [c.1473].

Spiegel menschlicher Behältnis. Augsburgo: Anton Sorg, 1476.

Der Spiegel menschlicher Behältnis. Spira: s.ed. [Peter Drach], s.d. [c.1480].

Targum du Pentateuque. Genèse. Ed. e trad. Roger Le Déaut. Paris: Cerf, 1978 (Sources Chrétiennes, 245).

TERTULIANO – Adversus Judaeos. Ed. Alöis Gerlo. Turnhout: Brepols, 1954 (Corpus Christianorum. Series Latina, 2).

THAUN, Philippe – Le bestiaire, vv 1901-1902. Ed. Emmanuel Walberg. Rungis: Maxtor, 2017.

THERAMO, Jacobus de – Consolatio peccatorum. Augsburgo: Günther Zainer, 1472.

TILBURY, Gervásio de – Otia imperialia. Ed. e trad. Shelagh E. Banks e James W. Binns. Oxford: Clarendon, 2002.

TOMÁS DE AQUINO – Suma teológica. Ed. Leonina, trad. dir. Gabriel Galache e Danilo Mondoni. São Paulo: Loyola, 2002-2006, 9 vols.

VARAZZE, Jacopo de – Chronica civitatis Ianuensis. Ed. Giovanni Monleone. Roma: Istituto Storico Italiano per il Medioevo, 1941.

VARAZZE, Jacopo de – Legenda Áurea. Ed. Theodor Graesse, trad. Hilário Franco Júnior. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Vita Adae et Evae. Ed. Jean-Pierre Pettorelli. Turnhout: Brepols, 2012 (Corpus Christianorum Series Apocryphorum, 18-19).

Die Wiener Genesis. Farbenlichtdruckfaksimile der griechischen Bildebibel aus dem 6. Jhdt. N. Chr., cod. Vindob. Theol. Grace. 31. Ed. Hans Gerstinger. Viena: Österreichisches Nationalbibliothek, 1931.

Zohar. Ed. Yehouda L. Achlag, trad. Charles Mopsik. Paris: Verdier, 1988.

2. Obra de referência

BASKIN, Judith R. – The Cambridge Dictionary of Judaism and Jewish Culture. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2011.

DWDS. Das Wortauskunftssystem zur deutschen Sprache in Geschichte und Gegenwart [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://www.dwds.de.

Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 2015, 6 vols.

GRIMM, Jacob e Wilhelm – Deutsches Wörterbuch [1854]. Munique: Deutscher Taschenbuch, 1984, 33 vols.

REY, Alain (org.) – Dictionnaire historique de la langue française. Paris: Le Robert, 1995, 2 vols.

3. Estudos

ACHELIS, Hans – Die Katakomben von Neapel. Leipzig: Hiersemann, 1936.

Medievalista, 27 | 2020 82

BITTON, Michèle – “Lilith ou la première Ève. Un mythe juif tardif”. Archives de sciences sociales des religions 71 (1990), pp. 113-136.

BLOCH, Howard – Medieval Misogyny and the Invention of Western Romantic Love. Chicago: Chicago University Press, 1991.

BONNELL, John K. – “The Serpent with a Human Head in Art and in Mystery Play”. American Journal of Archaeology 21 (1917), pp. 255-291.

BRIL, Jacques – Lilith ou la Mère obscure [1984]. 2ª ed. Paris: Payot, 1991.

CAMPBELL, Joseph – As Máscaras de Deus [1964]. Vol.III. Mitologia Ocidental. Trad. Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 2004.

CLAUDIN, Anatole – Histoire de l’imprimerie en France au XVe et XVIe siècle. Paris: Imprimerie Nationale, 1901.

CLAUSBERG, Karl – Die Wiener Genesis: eine kunstwissenschaftliche Bilderbuchgeschichte. Frankfurt: Fischer, 1984.

CLIER-COLOMBANI, Françoise – La fée Mélusine au Moyen Âge. Images, mythes et symboles. Paris: Le Léopard d’Or, 1991.

CROSS, Tom P. – “Celtic Elements in Lanval and Graelent”. Modern Philology 12 (1915), pp. 4-5.

CURTIUS, Ernst R. – Literatura Europeia e Idade Média Latina [1948]. Trad. Paulo Rónai e Teodoro Cabral. São Paulo: Edusp / Hucitec, 1996.

DAN, Joseph – “Samael, Lilith, and the Concept of Evil in Early Kabbalah”. Association for Jewish Studies Review 5 (1980), pp. 17-40.

DESCOLA, Philippe – La fabrique des images. Visions du monde et formes de la représentation. Paris: Musée du Quai Branly / Somogy, 2010.

DESCOLA, Philippe – La Nature domestique. Symbolisme et praxis dans l’écologie des Achuars. Paris: Maison des Sciences de l’Homme, 1996.

DESCOLA, Philippe – Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard, 2005.

ECO, Umberto – “Sobre os espelhos” [1985]. Trad. Helena Domingos. in Sobre os espelhos e outros ensaios. Lisboa: Relógio d’Água, 2016, pp. 15-43.

EINHORN, Jürgen W. – Spiritalis Unicornis. Das Einhorn als Bedeutungsträger in Literatur und Kunst des Mittelalters. Munique: Fink, 1976.

FOURNIÉ, Eléonore – “Catalogue des éditions de la Bible historiale”. L’Atelier du Centre de Recherches Historiques. Revue électronique du CRH 03.2 (2009) [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://journals.openedition.org/acrh/1839.

FRANCO JÚNIOR, Hilário – Os três dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval [1996]. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2010.

FRANCO JÚNIOR, Hilário – “Similibus simile cognoscitur. O pensamento analógico medieval”. Medievalista 14 (julho-dezembro 2013). [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/ medievalista/MEDIEVALISTA14/ junior1402.html.

FROMAGE, Henri – “Recherches sur Mélusine”. Bulletin de la Société de Mythologie Française 86 (1972), pp. 42-75.

GASTER, Theodor H. – Myth, Legend and Custom in the Old Testament [1969]. 2ª ed. Nova Iorque: Harper, 1975.

Medievalista, 27 | 2020 83

GINZBERG, Louis – The Legends of the Jews. Vol. V.Filadélfia: The Jew Society of America, 1925

GRAVES, Robert; PATAI, Raphaël – Les mythes hébreux [1963]. Trad. Jean-Paul Landais. Paris: Fayard, 1987.

HALPERN, Catherine; BITTON, Michèle – Lilith, l’épouse de Satan. Paris: Larousse, 2010.

HARF-LANCNER, Laurence – Les fées au Moyen Âge. Paris: Honoré Champion, 1984.

HOFFELD, Jeffrey M. – “Adam’s Two Wives”. The Metropolitan Museum of Art Bulletin 26 (1968), pp. 430-440.

HOLT, James C. – Magna Carta [1965]. 3ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.

JANSON, Horst W. – Apes and Ape Lore in the Middle Age and the Renaissance. Londres: Warburg Institute-University of London, 1952.

JONES, Charles – Grammatical Gender in English, 950 to 1250. Londres: Croom Helm, 1988.

JOSSUA, Jean-Pierre – La licorne: histoire d’un couple. Paris: Cerf, 1985.

JUNG, Carl – L’homme à la découverte de son âme: structure et fonctionnement de l’inconscient [1928-1934]. Trad. Roland Cahen-Salabelle. Genebra: Mont-Blanc, 1946.

KELLY, Henry A. – “The Metamorphoses of the Eden Serpent during the Middle Ages and Renaissance”. Viator 2 (1971), pp. 301-327.

LECLERCQ-KADANER, Jacqueline – “De la Terre-Mère à la Luxure. À propos de la migration des symboles”. Cahiers de Civilisation Médiévale 18 (1975), pp. 37-43.

LECOUTEUX, Claude – Mélusine et le Chevalier au Cygne. Paris: Payot, 1982.

LE GOFF, Jacques – “Mélusise maternelle et défricheuse” [1971]. in LE GOFF, Jacques – Pour un autre Moyen Âge. Paris: Gallimard, 1977, pp. 307-331.

LÉVI, Israel – “Lilit et Lilin”. Revue des études juives 68 (1914), pp. 15-21.

MACFARLANE, John – Antoine Vérard [1900]. Genebra: Slatkine, 1971.

MORRIS, Desmond – O Macaco Criativo. Três Milhões de Anos de Arte [2013]. Trad. Carla Morais Pires. Porto: Arte e Ciência, 2018.

MOSES, Elizabeth – “Über eine Kölner Handschrift der Mischneh Thora des Maimonides”. Zeitschrift für bildende Kunst 60 (1926-1927), pp. 71-76.

PAGELS, Elaine – Adam, Eve et le serpent [1988]. Trad. Michèle Miech Chatenay. Paris: Flammarion, 1989.

POWER, Eileen – Medieval Women [1975]. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

SCHNYDER, André; RAUTENBERG, Ursula – Thüring von Ringoltingen Melusine (1456). Nach dem Erstdruck Basel: Richel um 1473/74. Wiesbaden: Reichert, 2006.

SCHOLEM, Gershom – “Lilith”. in Encyclopaedia Judaica. Vol.XI. Nova Iorque: Macmillan, 1971, cols. 245-249.

SCHOLEM, Gershom – Les origines de la Kabbale. Paris: Aubier-Montaigne, 1966.

SHERESHEVSKY, Esra – “Hebrew Traditions in Peter Comestor’s Historia scholastica”. Jewish Quarterly Review 59 (1969), pp. 268-289.

TOMPKINS, Ptolemy – O Macaco na Arte [1994]. Trad. Isabel Motta. Lisboa: Quetzal, 1994.

Medievalista, 27 | 2020 84

TRAPP, Joseph B. – “The Iconography of the Fall of Man”. in PATRIDES, Constantinos A. (ed.) – Approaches to Paradise Lost. Londres: Edward Arnold, 1968, pp. 223-265.

WILSON, Edward – A Conquista da Terra. A Nova História da Evolução Humana [2012]. Trad. José Vala Roberto. Lisboa: Clube do Autor, 2013.

WINN, Mary B. – Anthoine Vérard. Parisian publisher, 1485-1512. Genebra: Droz, 1997.

ZEEGERS-VANDER VORST, Nicole – “Satan, Ève et le serpent chez Théophile d’Antioche”. Vigiliae Christianae 35 (1981), pp. 152-169.

ZELDENRUST, Lydia – “Serpent or Half-Serpent? Bernhard Richel’s Melusine and the Making of a Western European Icon”. Neophilologus 100 (2016), pp. 19-41.

NOTAS

1. DESCOLA, Philippe – “Manières de voir, manières de figurer”. in DESCOLA, Philippe (dir.) – La fabrique des images. Visions du monde et formes de la représentation. Paris: Musée du Quai Branly / Somogy, 2010, p. 14. Em trabalhos anteriores, o mesmo antropólogo, professor no Collège de France, já tinha mostrado como povos “que não pensam como nós” fundam sua visão de mundo em analogias entre homens, plantas, animais e pedras: La Nature domestique. Symbolisme et praxis dans l’écologie des Achuars. Paris: Maison des Sciences de l’Homme, 1996; Par-delà nature et culture. Paris: Gallimard, 2005. Foi isso que tentamos demonstrar em relação à civilização medieval em dois artigos, FRANCO JÚNIOR, Hilário – “Modelo e imagem. O pensamento analógico medieval”. in FRANCO JÚNIOR, Hilário – Os três dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2010, pp. 93-128; e, FRANCO JÚNIOR, Hilário – “Similibus simile cognoscitur. O pensamento analógico medieval”. Medievalista 14 (julho-dezembro 2013). [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://www2.fcsh.unl. pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA14/ junior1402.html. 2. BINGEN, Hildegardis de – Causae et curae. Ed. Paul Kaiser. Leipzig: Teubner, 1903, II, p. 109, linhas 20-21. 3. Termo que a partir de Aristóteles e Cícero os medievais utilizavam para designar uma disposição adquirida e que tornada permanente, acrescentada à substância humana, modifica-a, revela-se uma qualidade anímica que permite ao homem agir tendo em vista certa finalidade: TOMÁS DE AQUINO – Suma teológica, I-II, pp.49-54, Vol. IV. Ed. Leonina, trad. e dir. Gabriel Galache e Danilo Mondoni. São Paulo: Loyola, 2015, pp. 37-93. 4. BLOCH, Howard – Medieval Misogyny and the Invention of Western Romantic Love. Chicago: Chicago University Press, 1991; POWER, Eileen – Medieval Women [1975]. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, já havia chamado atenção para o fato de o amor cortesão ter sido mais importante na literatura do que na vida (pp. 20 e 28). 5. Propomos este neologismo para indicar a serpente com rosto (antepositivo “prosopo”, do grego prósōpon, pessoa, personagem, rosto) de mulher (pospositivo “gino”, de gunḗ, gunaikós, mulher), cf. indicações do Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Vol. IV e V. Lisboa: Círculo de Leitores, 2015, p. 1989 e p. 3164. (respectivamente). 6. Da Bible en francoiz historiee [1505?] são conhecidos atualmente três exemplares, enquanto da Bible en françois hystoriée [c.1510] eles são oito, cf. FOURNIÉ, Eléonore – “Catalogue des éditions de la Bible historiale”. L’Atelier du Centre de Recherches Historiques. Revue électronique du CRH 03.2 (2009) [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http:// journals.openedition.org/acrh/1839. A esta listagem deve-se acrescentar ao menos cópias presentes em coleções particulares e, no caso do primeiro título, a do Metropolitan Museum of

Medievalista, 27 | 2020 85

Art de Nova Iorque (Harris Brisbane Dick Fund, 1924, 24.16.1), no do segundo a do mesmo museu (Elisha Whittelsey Fund, 1951, 51.548). 7. A data não vem indicada no livro, sendo então objeto de especulações. CLAUDIN, Anatole – Histoire de l’imprimerie en France au XVe et XVIe siècle. Vol. II. Paris: Imprimerie Nationale, 1901, pp. 481-482, considera aquela gravura anterior a 1499; JANSON, Horst W. – Apes and Ape Lore in the Middle Age and the Renaissance. Londres: Warburg Institute-University of London, 1952, p. 124, afirma que ela é de mais ou menos de 1499; TOMPKINS, Ptolemy – O Macaco na Arte [1994], trad. Isabel Motta. Lisboa: Quetzal, 1994, reproduz o exemplar do Metropolitan Museum datando-o de c.1500 (p. 32), enquanto o site do museu fala em c.1501 [Em linha] [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://www.metmuseum.org/art/ collection/search/338311. O exemplar da Bibliothèque Nationale de France (BnF), Rés. G-A-22, é datado pela instituição de c.1505. De seu lado, MACFARLANE, John – Antoine Vérard [1900]. Genebra: Slatkine, 1971, p. 78, acredita que a edição é de cerca de 1510, o que é desmentido pelo fato de a gravura ter sido reaproveitada no Mistère du viel testament que Pierre Le Dru imprimiu para Vérard por volta de 1506, cf. JANSON,

F0 Horst W. – Apes and Ape Lore BC , p. 143, n.62. A mais recente avaliação, de FOURNIÉ, Eléonore –

F0 “Catalogue des éditions de la Bible historiale” BC , propõe 1505. 8. BnF, Rés G-A-22, fol. 2, gravura reaproveitada nas reedições de 1510 (BnF, A-273) e 1514 (BnF, A-274 e BnF-Arsenal FOL-T-142 [Em linha] [Consultado a 8 Setembro 2019]. Disponível em https:// gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1518990n/f29.image. O exemplar do Met também é acessível online, no endereço citado na nota anterior. A gravura em questão foi especialmente

F0 confeccionada para aquela edição (cf. CLAUDIN, Anatole – Histoire de l’imprimerie en France BC , Vol. II, p. 482). 9. La caverne des trésors. Version géorgienne, IV, 8-14. Ed. Ciala Kourcikidzé, trad. Jean- Pierre Mahé. Louvain: Peeters, 1992, p. 8; La caverna dei tesori, 16. Ed. Margaret Dunlop Gibson, trad. Antonio Battista e Bellarmino Bagatti. Jerusalém: Franciscan Priting Press, 1979, p. 43; La caverne des trésors. Les deux recensions syriaques, IV, 6-12. Ed. Carl Bezold, trad. Su-Min Ri. Louvain: Peeters, 1987, pp. 12-15. 10. BONNELL, John K. – “The Serpent with a Human Head in Art and in Mystery Play”. American Journal of Archaeology 21 (1917), p. 257, n.3, sugere uma deformação de transcrição ou de leitura de “velut organum” em “vultum virgineum” em passagem das Quaestiones super Genesim (PL 93), col. 276c, atribuídas a Beda. 11. COMESTOR, Pedro – Historia scholastica (PL 198), Liber Genesis, 21, col. 1072b; LANGTON, Estevão – Expositio litteraris in Historia scholastica, BnF, Ms. lat. 14417, fol. 129v citado por KELLY, Henry A. – “The Metamorphoses of the Eden Serpent during the Middle Ages and Renaissance”. Viator 2 (1971), n. 38, p. 309; TILBURY, Gervásio de – Otia imperialia, I, 15. Ed. – trad. Shelagh E. Banks e James W. Binns. Oxford: Clarendon, 2002, p. 86; CANTIMPRÉ, Tomás de – De natura rerum, British Museum, Ms. Egerton 1984, fol. 93v (citado por KELLY, p. 323, n.99); BEAUVAIS, Vincent de – Speculum naturale, XX, 33. Graz: Akademische Druck- u. Verlagsanstalt, 1964, col. 1478e (onde cita Tomás de Cantimpré) e XXX, 68, cols. 2265e-2266a (onde cita Pedro Comestor); COLONNE, Guido della – Historia destructionis Troiae, 10. Ed. Nathaniel E. Griffin. Cambridge (Mass.): Medieval Academy of America, 1936, p. 97; Speculum humanae salvationis I, 14. Ed. Jules Lutz e Paul Perdrizet. Mulhouse: Meininger, 1907, vol. I, p. 4 (latim) e 122 (tradução francesa de Jean Miélot, em 1448); LANGLAND, William de – The Book Concerning Piers the Plowman, 18. Ed. Rachel Attwater, trad. Donald e Rachel Attwater. Nova Iorque: Dutton, 1957, p. 175. 12. DESCOLA, Philippe – “Un monde enchevêtré”. in DESCOLA, Philippe (dir.) – La fabrique des

F0 images BC , pp. 165-172. 13. SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis (PL 177), II, 12, col. 62d; The Bestiary. A book of beasts. Trad. Terence H. White. Nova Iorque: Putnam, 1960, p. 34. No século VII, SEVILHA, Isidoro de – Etimologías, XII, 2, 30. Ed. Wallace M. Lindsay, trad. José Oroz Reta

Medievalista, 27 | 2020 86

e Manuel-Antonio Marcos Casquero. Madrid: BAC, 2009, pp. 906-909, já registrara a existência dessa interpretação, que ele considera falsa. Fundamentando a aproximação entre homem e macaco, um dos argumentos usados desde a mais antiga versão latina que conhecemos de um texto (fins do século IV) muito difundido ao longo da Idade Média era a ausência de rabo no macaco (Physiologus latinus. Versio B, XXI,12. Ed. Francis J. Carmody. Paris: Droz, 1939, p. 38), informação repetida por quase todos os bestiários F0 medievais. Para uma visão de conjunto da questão, JANSON, Apes and Ape Lore BC , pp. 73-106. 14. Physiologus latinus, XXI, p. 38; SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis, II, 12, col. 63a; THAUN, Philippe – Le bestiaire, vv 1901-1902. Ed. Emmanuel Walberg. Rungis: Maxtor, 2017, p. 70; BEAUVAIS, Pierre de – Bestiaire. in Bestiaires du Moyen Age, trad. Gabriel Bianciotto. Paris: Stock,

F0 1980, p. 44; NORMANDIE, Guillaume le Clerc de – Bestiaire divin. in Bestiaires du Moyen Age BC , p. 102; Le bestiaire (Oxford, Bodleian, Ms. Ashmole 1511). Trad. Marie-France Dupuis e Sylvain Louis. Paris: Philippe Lebaud, 1988, p. 68. Em função do caráter demoníaco do macaco, na célebre crítica que São Bernardo faz à presença de imagens figurativas nos claustros ele lembra em primeiro lugar dos “macacos imundos”: Apologia ad Guillelmum abbatem, XII, 29. Ed. Jean Leclercq e Henri M. Rochais. Roma: Editiones Cistercienses, 1963 (S. Bernardi Opera, III), p. 106, linha 16. 15. É o que mostra, em 1225-1235, o Psalterium dito de Branca de Castela, Bibliothèque de l’Arsenal, Ms. 1186, fols. 9v, 19v, 20, 25v, 65, 77v, 168, 169v, 170, 171 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ btv1b105065665.image. Ou, em fins do século XIV, o Speculum humanae salvationis, BnF, Ms. lat. 511, fols. 3v, 11v, 12, 13v, 21, 29v, 30v, 31v, 38v, 41v, 42 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http:// archivesetmanuscrits.bnf.fr/ark:/12148/ cc13636r. Ou ainda, na mesma época, sobre outro suporte, o capitel do Pecado original no claustro de Saint-Sever-de-Rustan (hoje no Jardim Massey, em Tarbes), no qual a serpente é representada com rosto demoníaco enquanto na outra face do capitel aparecem um macaco e um bode como tentadores-auxiliares.

F0 16. JANSON, Horst W. – Apes and Ape Lore BC , pp. 107-144. CURTIUS, Ernst R. – Literatura Europeia e Idade Média Latina. Trad. Paulo Rónai e Teodoro Cabral. São Paulo: Edusp / Hucitec, 1996, pp. 655-656, fornece vários exemplos dos séculos XII-XIII do uso metafórico de simius como “imitador”, inclusive um que o define como “macaco da natureza humana”. Aquele animal é igualmente visto como homem degradado em culturas não-cristãs da Oceania, África e América,

F0 cf. TOMPKINS, Ptolemy – O Macaco na Arte BC , p. 31. 17. DURLIAT, Marcel – “La collégiale de Saint-Gaudens et les origines de la sculpture romane méridionale”. Comptes-rendus des séances de l’Académie des Inscriptions et Belles-Lettres 125 (1981), p. 391. 18. Bibliothèque de l’Arsenal, Ms. 1186, fol. 10r, 11v e 12r.

F0 19. Imagem reproduzida em CLAUDIN, Anatole – Histoire de l’imprimerie en France BC . Vol. II, p. 500. 20. De bono religiosi status (PL 145), 29, cols. 789c-790a. 21. Oxford, Bodleian Library, Ms. Bodley 764, fol. 2 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://digital.bodleian.ox.ac.uk/inquire/Discover/Search/#/? p=c+0,t+,rsrs+0,rsps+ 10,fa+,so+ox%3Asort%5Easc, scids+,pid+e6ad6426-6ff5-4c33-a078- ca518b36ca49,vi+86bee6cc-7b69-44b6-b264-579f4ac6576c. 22. Bible en francoiz historiee, BnF, Rés. G-A-22, fol. XLVIIIv, LIII, LXIIv; Bible en francois hystoriee, BnF, Rés. A-273, Vol. I, fol. LVIIv (porém colocado na posição do fol. Iv), Vol. II, fols. XLIIIv, LIII, LVI, LVIIv, LXI, XCIv. 23. Rés. G-A-22, Vol. I, fol. Iv.

Medievalista, 27 | 2020 87

24. [Em linha] [Consultado a 18 Setembro 2019] Disponível em https://gallica.bnf.fr/ ark:/12148/btv1b8626772v/f14.image. Há imagem com a mesma estrutura semântica e narrativa na Bible en francois hystoriee (da qual subsistem 22 exemplares, entre eles BnF, Rés. A-270), fol. VIII, obra que veio à luz entre maio de 1498 e outubro de 1499, cf. WINN, Mary B. – Anthoine Vérard. Parisian publisher, 1485-1512. Genebra: Droz, 1997, p. 122. 25. [Em linha] [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://daten.digitale- sammlungen.de/ bsb00031715/image_17. 26. Exemplos desse simbolismo são encontráveis em períodos variados: na primeira metade do século V, LYON, Eucário de – Liber formularum spiritalis intelligentiae (PL 50), 5, col. 751c; no século IX, Physiologus latinus, XXIX, p. 51; na primeira metade do XII, SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis, II, 14, col. 64b; em meados do XIII, VARAZZE, Jacopo de – Legenda Áurea, 156. Ed. Theodor Graesse, trad. Hilário Franco Júnior. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 894. 27. BINGEN, Hildegarda de – Causae et curae, II, pp. 155-156; Zohar, 14b. Ed. Yehouda L. Achlag, trad. Charles Mopsik. Paris: Verdier, 1988, p. 91. 28. Thesaurus pauperum, VII, 1. in A Obra Médica de Pedro Hispano. Ed. e trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian / Universidade de Coimbra, 2014, pp. 104-105. 29. Physiologus latinus, XXIX, 2-3, p. 50; ORÍGENES – Homélies sur le Cantique des cantiques, II, 11. Ed. Willem A. Baehrens, trad. Olivier Rousseau. Paris: Cerf, 1954, p. 98; AGOSTINHO – Enarrationes in Psalmi (PL 36), XLI, 3, col. 465; THAUN, Philippe – Le bestiaire, vv 721-732, p. 27; SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis, II, 14, col. 64c; The Bestiary (Cambridge Ii.4.26), pp. 37-38; Le bestiaire (Ashmole 1511), p. 68; LATINI, Brunetto – Le livre du trésor, 183. Vol.I. Ed. Francis Carmody, trad. Bernard Ribémont e Silvère Menegaldo. Paris: Honoré Champion, 2013, pp. 420-421. Um exemplo iconográfico dessa ideia temos em fins do século XIII em manuscrito da obra de FOUILLOY, Hugo de – Aviarium, Valenciennes, Bibliothèque Municipal, Ms.101, fol. 192. 30. Apesar de algumas vezes ser símbolo do Mal – como em Salmos XXII, 22, ou no Libellus de natura animalium / Le proprietà degli animali, 29. Ed. Paola Navone, trad. Annamaria Carrega. Gênova: Costa e Nolan, 1983, p. 284 – quase sempre aquele animal é o Cristo: TERTULIANO, Adversus Judaeos, X, 7-8. Ed. Alöis Gerlo. Turnhout: Brepols, 1954 (CCSL 2), p. 1376; AUGUSTODUNENSE, Honório – Speculum de mysteriis ecclesiae (PL 172), col. 847; SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis, II, 6, col. 59c; THAUN, Philippe – Le bestiaire, vv 393-458, pp. 15-17; NORMANDIE, Guillaume le Clerc de – Bestiaire divin, pp. 93-94; Le bestiaire (Ashmole 1511), p. 61. Mais especificamente, pensava-se que ele era figura do Cristo-juiz abrandado pela Virgem, como sugere o Physiologus latinus, XVI, p. 31. 31. Physiologus latinus, XXIII, 2, p. 40, acompanhado, como era freqüente, por muitos autores, entre eles SAINT-VICTOR, Pseudo-Hugo de – De bestiis, II, 23, cols. 69-71; THAUM, Philippe – Le

F0 bestiaire, v. 461-580, pp. 18-22; BEAUVAIS, Pierre de – Bestiaire BC , p. 45; LATINI, Brunetto – Le livre

F0 du trésor BC , 193, pp. 450-451; LÚLIO, Raimundo – Livro das bestas, 6. Ed. Marina Gustá, trad. Cláudio Giordano. São Paulo: Loyola-Giordano, 1990, pp. 112-114. 32. Le bestiaire (Ashmole 1511), p. 59. 33. Escrevendo entre 1121 e 1135, THAUM, Philippe – Le bestiaire, v. 433-436, p. 17, especificou que “este animal na verdade [...] significa a Virgem”. Sobre os diferentes sentidos religiosos do unicórnio, EINHORN, Jürgen W. – Spiritalis Unicornis. Das Einhorn als Bedeutungsträger in Literatur und Kunst des Mittelalters. Munique: Fink, 1976. Ou, menos desenvolvido, porém útil, JOSSUA, Jean- Pierre – La licorne: histoire d’un couple. Paris: Cerf, 1985. 34. Trésor de sapience, Bibliothèque do Arsenal, Ms. 5076, fol.7. 35. The Bestiary, p. 119; BEAUVAIS, Pedro de – Bestiaire. Ed. Charles Cahier e Arthur Martin. Mélanges d’archéologie, d’histoire et de littérature. Vol. III Paris: Poussielgue-Rusand, 1853, p. 233

Medievalista, 27 | 2020 88

(esta ave não aparece na redação curta do texto, traduzida por Bianciotto, cit. n.14); LATINI,

F0 Brunetto – Le livre du trésor BC , 161, p. 379. 36. A sede do “marchant libraire” Vérard esteve “sur le pont Nostre Dame” (1485-1499), depois “près Petit Pont” e na “rue Saint Jacques près Petit Pont” (1500-1501), por fim “devant la rue neuve Nostre

F0 Dame” (1503-1512), cf. MACFARLANE, John – Antoine Vérard BC , pp. 30-32, 35-52. 37. Esta peça, hoje em Londres, nas reservas do Victoria and Albert Museum, encontra-se reproduzida em HOFFELD, Jeffrey M. – “Adam’s Two Wives”. The Metropolitan Museum of Art Bulletin 26 (1968), fig. 5, p. 434. 38. Dentre eles, a Bíblia de São Luís de 1226-1234 (Toledo, catedral, Ms.1, vol. 3, fol. 64), uma outra Bíblia produzida no norte francês em 1280-1290 (Londres, British Library, Add. Ms. 11639, fol. 520v), o Apocalypse en françois de 1313 (BnF, Ms. fr. 13096, fol. 83); a Bible moralisée de Philippe le Hardi, de 1402-1404 (Paris, BnF, Ms. fr. 166, fol. 3v); Les très riches heures du duc de Berry, de 1413-1416 (Chantilly, Museu Condé, Ms. 65/1284, fol. 25v); duas edições francesas de La Cité de Dieu, uma de c.1415 (BnF, Ms. fr. 21, fol. 29), outra de c.1420 (La Haye, Museum Meermanno- Westreenianum, Ms. 10 A 12, fol. 32). 39. Por exemplo, uma tradução francesa de obra de Boccaccio, o Cas des nobles hommes et femmes dos arredores de 1470 (Carpentras, Bibliothèque Inguimbertine, Ms. 622, fol. 6v); o Livre des bonnes moeurs (1467) de Jacques Legrand (Roma, Biblioteca Apostolica Vaticana, Ms. Pal. lat. 1995, fol. 1); o Livre d’Heures de Louis d’Orléans (c.1490, São Petersburgo, Rossiiskaia Natsionalnaia Biblioteka, Lat. Q. v. I. 126, fol. 12v), a Histoire extraite de la Bible et Apocalypse, en français (princípio do século XV, Chantilly, Museu Condé, Ms. 28, fol. 3v). 40. [Em linha] [Consultado a 18 Setembro 2019] Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/ bpt6k320274m/f11.image. A edição publicada no mesmo ano em Espanha (Burgos: Fadrique Biel de Basilea, 1500) além da imagem no corpo do texto aproveitou-a também no frontispício [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm? id=0000176288 &page=1. 41. JONES, Charles – Grammatical Gender in English, 950 to 1250. Londres: Croom Helm, 1988. 42. Bíblia de William de Devon (meados do século XIII), British Library, Ms. Royal I.D.I, fol. 5; Saltério Carrow (meados do século XIII), Baltimore, Walters Art Gallery, Ms. W.34, fol. 22; Compendium historiae in genealogia Christi (segunda metade do século XIII), British Library, Ms. Royal Roll 14 B IX; Biblia (fins do século XIII), Oxford, Bodleian Library, Ms. Auct. D. 3. 2, fol. 133; Bíblia de Holkham (c.1320-1330), British Library, Add. Ms. 47682, fol. 4; Saltério de Saint-Omer (c.1330-1340), British Library, Yates Thompson Ms 14, fol. 7; Polychronicon (1375-1400), British Library, Royal 14 C IX, fol. 2v; mapa da abadia de Evesham (1390-1415), Londres, College of Arms, Muniment Room 18-19; Bedford Hours (c.1423), British Library, Add. Ms. 18850, fol. 14. 43. Gênesis III,1; AMBRÓSIO – Exameron. I sei giorni della creazione, V, 7, 18. Ed. Carl Schenkl, trad. Gabrielle Banterle. Milão / Roma: Biblioteca Ambrosiana / Città Nuova, 1979, pp. 258-259. 44. Physiologus, XII, p. 110: “vipera quoniam faciem habet hominis masculus, femina autem mulieris, usque ad umbilicum; ab umbilico autem usque ad caudam corcodrilli habet figuram”. 45. A citação é do Midrach Rabba. Genèse Rabba, XX, 11 e XXII, 2. Ed. Moseh A. Mirkin, trad. Bernard Maruani e Albert Cohen-Arazi. Paris: Verdier, 1987, pp. 234 e 246. Sobre os personagens do Pecado original no pensamento cristão dos primeiros séculos, veja- se ZEEGERS-VANDER VORST, Nicole – “Satan, Ève et le serpent chez Théophile d’Antioche”, Vigiliae Christianae 35 (1981), pp. 152-169; PAGELS, Elaine – Adam, Eve et le serpent [1988]. Trad. Michèle Miech Chatenay. Paris: Flammarion, 1989. Ainda em 1667, MILTON, John – Paradise Lost, X, 867-868. Ed. John Leonard. Londres: Penguin, 2003, p.

Medievalista, 27 | 2020 89

240, faz Adão logo após o Pecado dirigir-se a Eva exclamando: “longe de minha vista, serpente, o nome mais adequado para ti pois estás ligada a ela”. 46. 2 Enoch, 31, 6. Ed. e trad. Francis I. Andersen. in CHARLESWORTH, James H. (ed.) – The Old Testament Pseudepigrapha, Vol. I. Londres: Darton, Longman & Todd, 1983, p. 154. A iconografia pouco diferenciou o Diabo da serpente, os casos conhecidos são quase todos da Inglaterra do século XI ao XIV, de acordo com TRAPP, Joseph B. – “The Iconography of the Fall of Man”. in PATRIDES, Constantinos A. (ed.) – Approaches to Paradise Lost. Londres: Edward Arnold, 1968, p. 241 e pp. 261-262. 47. CAMPBELL, Joseph – As máscaras de Deus [1964]. Vol. III. Mitologia ocidental. Trad. Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 2004, pp. 18-24. ECO, Umberto – “Sobre os espelhos” [1985]. Trad. Helena Domingos. in ECO, Umberto – Sobre os espelhos e outros ensaios. Lisboa: Relógio d’Água, 2016, p. 21, chama atenção para o fato de que, ao contrário do que diz o senso comum, o espelho não inverte a imagem (ilusão ditada pelo ponto de percepção), apenas a expõe, sem deformação ou interpretação. 48. Respectivamente, Odes of Salomon, 13, e 1. Ed. e trad. James H. Charlesworth. in The Old

F0 Testament Pseudepigrapha BC , Vol. II, p. 747; Gli atti di Giovanni, 95, 20. Ed. Max Bonnet, trad. Mario Erbetta. in Gli Apocrifi del Nuovo Testamento. Vol. III. Gênova: Marietti, 1992, p. 60. 49. Entre outros exemplos, Les très riches heures du duc de Berry (c.1413-1416), fol. 25v; Bedford Hours (c.1423), fol. 14; afresco de Masolino na parede do lado direito da capela Brancacci, igreja Santa Maria del Carmine, Florença (c.1425); Cas des nobles hommes et femmes (c.1470), fol. 6v; Horae ad usum romanum (fins do século XV), BnF, Ms. lat. 1171, fol. 20v. 50. BRANT, Sébastian – Das Narrenschiff. Basileia: Johann Bergmann von Olpe, 1494, fol. 122 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://www.e-rara.ch/bau_1/content/ pageview/1399144; La nef des folz du monde. Trad. Pierre Rivière e Jakob Locher. Paris: Vérard, 1497, fol. 83. Milton imaginará que Eva ao nascer não buscou com o olhar o Criador, como havia feito Adão, e sim seu próprio reflexo na água clara e calma de um lago próximo, encontrando ali narcísicos “olhares de simpatia e amor”: Paradise Lost, IV, 460-465, p. 85. 51. Isaías XXXIV, 14; Gênesis I, 27 e II, 21-22. 52. Midrach Rabba, XVII, 7, p. 202; XVIII, 4, p. 208; XXII, 7, p. 252. 53. Alpha Beta Ben Sira, em Ozar Midrashim. Vol.I. Ed. Julius D. Eisenstein [1915]. Nova Iorque: E. Grossman, 1956, p. 47, citado por BITTON, Michèle – “Lilith ou la première Ève. Un mythe juif tardif”. Archives de sciences sociales des religions 71 (1990), p. 119. 54. Gênesis II, 23. 55. Sabedoria II, 24; 2 Enoch, 31, 3-6, p. 154; Vita Adae et Evae. Ed. Jean-Pierre Pettorelli. Turnhout: Brepols, 2012, redações V e P, §12-16, pp. 304-315 (CCSA, 18); redação E, §12-16 (CCSA, 19), pp. 577-579. 56. Cf. GINZBERG, Louis – The Legends of the Jews, Vol.V. Filadélfia: The Jew Society of America, 1925, p. 87, n. 39; GRAVES, Robert; PATAI, Raphaël – Les mythes hébreux [1963]. Trad. Jean-Paul Landais. Paris: Fayard, 1987, pp. 82 e 84. 57. SCHOLEM, Gershom – “Lilith”. in Encyclopaedia Judaica. Vol.XI. Nova Iorque: Macmillan, 1971, col. 246; BRIL, Jacques – Lilith ou la Mère obscure [1984]. Paris: Payot, 1991, p. 63; BITTON, Michèle –

F0 “Lilith ou la première Ève” BC , p. 117. 58. Targum du Pentateuque. Genèse, IV, 1. Ed. trad. Roger Le Déaut. Paris: Cerf, 1978, p. 101; Los capítulos de Rabbi Eliezer, XXI, 1. Ed. David Luria, trad. Miguel Pérez Fernández. Valencia: Institución San Jerónimo, 1984, p. 162; Zohar, 37a, p. 204 e 54a, p. 277. 59. Textos judaicos originários da Provença do século XII já tinham visto em Lilith a companheira de Samael, cf. SCHOLEM, Gershom – Les origines de la Kabbale. Paris: Aubier-Montaigne, 1966, p.

Medievalista, 27 | 2020 90

311. A identidade entre ela e Samael foi discutida por DAN, Joseph – “Samael, Lilith, and the Concept of Evil in Early Kabbalah”. Association for Jewish Studies Review 5 (1980), pp. 17-40. 60. SHERESHEVSKY, Esra – “Hebrew Traditions in Peter Comestor’s Historia scholastica. Jewish Quarterly Review 59 (1969), pp. 268-289; HALPERN, Catherine; BITTON, Michèle – Lilith, l’épouse de Satan. Paris: Larousse, 2010, p. 73. 61. O primeiro reproduzido por MOSES, Elizabeth – “Über eine Kölner Handschrift der Mischneh Thora des Maimonides”. Zeitschrift für bildende Kunst 60 (1926-1927), p. 74, o segundo conservado em Londres, British Museum, Add. Ms. 11.639, Miscellany, fol. 520v [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://www.bl.uk/manuscripts/Viewer.aspx?ref=add_ms_11639 . 62. Em território da atual França há 25 localidades em cujo folclore aparece Melusina, cf. FROMAGE, Henri – “Recherches sur Mélusine”. Bulletin de la Société de Mythologie Française 86 (1972), p. 74. 63. MAP, Gautier – Contes pour les gens de cour, IV, 9. Ed. Christopher N. L. Brooke e Roger A. B. Mynors, trad. Alan K. Bate. Turnhout: Brepols, 1993, pp. 255-257; TILBURY, F0 Gervásio de – Otia imperialia, I, 15BC , pp. 88-91 e III, 57, pp. 664-669; CAMBRAI, Geraldo de – De principis instructione, III, 27. Ed. George F. Warner. Wiesbaden: Kraus Reprint,1964, p. 301. No total, o dossiê engloba 23 textos, “abundância [que] atesta a vitalidade do tema de Melusina no imaginário medieval”, constata HARF-LANCNER, Laurence – Les fées au Moyen Âge. Paris: Honoré Champion, 1984, p. 120. Sobre o contexto sociopolítico do mito, LECOUTEUX, Claude – Mélusine et le Chevalier au Cygne. Paris: Payot, 1982, pp. 35-39. 64. ARRAS, Jean d’ – Mélusine, roman du XIVe siècle. Ed. Louis Stouff. Genebra: Slatkine, 1974; COUDRETTE – Le roman de Mélusine. Ed. Eleanor Roach, trad. Laurence Harf-Lancner. Paris: GF- Flammarion, 1993. O primeiro autor afirma ter baseado sua narrativa em “crônicas autênticas” (dentre elas, verossimelmente, uma tradução francesa dos Otia imperialia, obra existente na biblioteca do duque de Berry) e nas coisas que ouviu serem contadas “aos nossos antepassados” (p. 15). O segundo reconhece que seu relato estava fundado em textos (inclusive, com certeza, o de João de Arras) e “na memória daqueles com quem falo” (p. 151). 65. BEAUVAIS, Vincent de – Speculum naturale, II, 127, col. 157bc; Les très riches heures du duc de Berry, fol. 3v (Melusina) e 25v (serpente prosopogino). 66. A datação do mito de Lilith não é consensual: século VIII para BASKIN, Judith R. – The Cambridge Dictionary of Judaism and Jewish Culture. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2011, p. 11; século IX ou X para LÉVI, Israel – “Lilit et Lilin”. Revue des études juives 68 (1914), pp. 15-21;

F0 século X de acordo com BITTON, Michèle – “Lilith ou la première Ève”BC , p. 119; século XI

F0 segundo BRIL, Jacques – Lilith BC , p. 70. Quanto a Melusina, o primeiro texto foi escrito na abadia de Claraval entre 1187 e 1194 (AUXERRE, Gofredo de – Super Apocalypsim, 15. Ed. Ferruccio Gastaldelli. Roma: Edizioni di storia e de letteratura, 1970, pp. 186-187, linhas 107-133), mas os fatos míticos ali narrados teriam ocorrido pelo menos dois séculos antes, isto é, meados do século

F0 X, cf. FROMAGE, Henri – “Recherches sur Mélusine”BC , p. 42. As origens da personagem são, contudo, pré-cristãs e extra-europeias como se reconhece há muito: CROSS, Tom P. – “Celtic Elements in Lanval and Graelent”. Modern Philology 12 (1915), pp. 4-5.

F0 67. BRIL, Jacques – Lilith BC , p. 128; LE GOFF, Jacques – “Mélusine maternelle et défricheuse” [1971]. in LE GOFF, Jacques – Pour un autre Moyen Âge. Paris: Gallimard, 1977, p. 326. Ademais, é preciso lembrar que na cultura cristã a Mãe-Terra confundia-se muitas vezes com a luxúria, cf. LECLERCQ-KADANER, Jacqueline – “De la Terre-Mère à la Luxure. À propos de la migration des symboles”. Cahiers de Civilisation Médiévale 18 (1975), pp. 37-43. e F0 68. Alpha Beta Ben Sira, p. 47; ARRAS, Jean d’ – Mélusine, roman du XIV siècle BC , pp. 255, 257-259;

F0 COUDRETTE – Le roman de Mélusine BC , p. 106.

Medievalista, 27 | 2020 91

69. GASTER, Theodor H. – Myth, Legend and Custom in the Old Testament. Nova Iorque: Harper, 1975, e F0 p. 579; ARRAS, João de – Mélusine, roman du XIV siècle BC , pp. 258-259, 281; COUDRETTE – Le roman

F0 de Mélusine BC , p. 106. 70. Na tradução latina da Vulgata o nome Lilith é substituído por lamia, termo que na mitologia greco-romana designava uma amante de Zeus que perdeu todos os filhos devido à perseguição de Hera e tornou-se por isto sequestradora de crianças. 71. Estátua do século XI que pelos seios lançava água na fonte do castelo de Vouvant, no Poitou (cf. Bulletin de la Société de Mythologie Française 51 (1963), p. 92); relevo no lintel da lareira de uma casa do século XV, em Lusignan (reproduzida por CLIER-COLOMBANI, Françoise – La fée Mélusine au Moyen Âge. Images, mythes et symboles. Paris: Le Léopard d’Or, 1991, fig. 68); relevo do século XV na fachada de uma casa de La Ferté-Bernard, a meio caminho entre Poitiers e Paris (CLIER-

F0 COLOMBANI, Françoise – La fée Mélusine BC , fig. 65); mais um relevo, da mesma época, em Bayeux,

F0 na chamada Casa de Adão e Eva (CLIER-COLOMBANI, Françoise – La fée Mélusine BC , fig. 67). Na literatura, a versão de JOÃO DE ARRAS descreve Melusina penteando os cabelos no banho (Mélusine, roman du XIVe siècle, p. 230), mas nada fala de espelho, enquanto a versão de Coudrette no episódio do banho sabático da fada (Le roman de Mélusine, p. 89) não faz referência nem ao cabelo nem ao espelho. e F0 72. ARRAS, Jean d’ – Mélusine, roman du XIV siècle BC , pp. 248, 252; COUDRETTE – Le roman de

F0 Mélusine BC , p. 104. 73. Spiegel menschlicher Behaltnis. Basileia: Bernhard Richel, 1476, fol. 2 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://www.e-rara.ch/bau_1/ch15/content/titleinfo/ 2401823. 74. Spiegel menschlicher Behaltnis (1476), fols. 2 e 3; Von Etlichen Frowen (1479; tradução do De claribus mulieribus, de Boccaccio), fol. 1; Melusine (1485; tradução da obra de Coudrette realizada em 1456 pelo suíço Thüring von Ringoltingen), fol. 73. 75. [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://tudigit.ulb.tu- darmstadt.de/tmp/pdf/inc-iv-94.pdf. Esta imagem foi estudada por RAUTENBERG, Ursula – “Die ‘Melusine’ des Thüring von Ringoltingen und der Basler Erstdruck des Bernhard Richel”. in SCHNYDER, André; RAUTENBERG, Ursula – Thüring von Ringoltingen Melusine (1456). Nach dem Erstdruck Basel: Richel um 1473/74. Vol. II. Wiesbaden: Reichert, 2006, pp. 61-99. As gravuras de Richel influenciaram incunábulos produzidos em outros países, inclusive franceses, cf. ZELDENRUST, Lydia – “Serpent or Half-Serpent? Bernhard Richel’s Melusine and the Making of a Western European Icon”. Neophilologus 100 (2016), pp. 19-41. 76. [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://daten.digitale- sammlungen.de/0003/bsb00031706/images/index.html?fip= 193.174.98.30&id=00031706&seite=25 A coroa utilizada por Lilith era provavelmente referência ao fato de ela ter sido a primeira esposa de Adão, que um comentário rabínico do século II havia considerado “rei do Éden” (The Fathers According to Rabbi Nathan. Abot de Rabbi Nathan Version B, I, 8. Ed. Solomon Schechter, trad. Anthony J. Saldarini. Leiden: Brill, 1975, p. 36), ideia aceita no Ocidente cristão, como testemunha TILBURY, Gervásio de – Otia imperialia, I, 10, pp. 66-67.

F0 77. CLIER-COLOMBANI, Françoise – La fée Mélusine au Moyen Âge BC , pp. 158-161. 78. Il combattimento di Adamo. Ed. e trad. Antonio Battista e Bellarmino Bagatti. Jerusalém: Franciscan Printing Press, 1982, §20, p. 66; §23, p. 73.

F0 79. COUDRETTE – Le roman de Mélusine BC , pp. 62-64; Gênesis III, 20 e V, 4. 80. Pode-se aproximar a iluminura de um manuscrito de 1023 do De universo de Rábano Mauro (Biblioteca de Montecassino, Ms. 132, fol. 294) na qual a Mãe-Terra amamenta uma vaca e uma serpente, da iluminura de um manuscrito do século XV na qual a mulher-serpente Melusina amamenta seus filhos (BnF, Ms. fr. 24383, fol. 30 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019].

Medievalista, 27 | 2020 92

Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b105258709/f63.image), versão iconográfica

F0 do texto de COUDRETTE – Le roman de Mélusine BC , pp. 63 e 109. Na versão de João de ARRAS o marido termina seus dias no mosteiro de Montserrat (Mélusine, roman du XIVe siècle, p. 273), onde significativamente era cultuada uma Virgem Negra, conhecida hipóstase da Mãe-Terra.

F0 81. COUDRETTE – Le roman de Mélusine BC , pp. 61-63, 70, 85; Gênesis IV, 17. e F0 82. Gênesis IV, 8; ARRAS, João de – Mélusine, roman du XIV siècle BC , pp. 244-245, 250-251;

F0 COUDRETTE – Le roman de Mélusine BC , pp. 86 e 97. 83. Por desconhecer essas imagens, BONNELL, John – “The Serpent with a Human Head in Art and in Mystery Play” …, afirma que a serpente tentadora de cabeça humana não surge antes “do século XIII ou começo do XIV” (p. 264), e considera como o mais antigo exemplo a escultura da catedral de Amiens (p. 265), contudo posterior de uma ou duas décadas à da Notre-Dame de Paris, que ele surpreendentemente também não cita. 84. 1 coríntios XI, 7; Apocalipse XII, 9; XX, 2; AGOSTINHO – De diversis quaestionibus (PL 40), 74, cols. 85-86, passagem usada na argumentação de mesmo sentido desenvolvida por AQUINO Tomás de – Suma Teológica, I, q.92, a.1, Vol. II, p. 619. 85. BOCCACCIO, Giovanni – Decameron, VIII, 7. Vol. II. Ed. Mario Marti. Milão: Rizzoli, 1992, p. 559;

F0 DESCOLA, Philippe – “Manières de voirBC ”, p. 17. As imagens da serpente com cabeça de mulher correspondem perfeitamente à definição de arte como um empreendimento que parte do quotidiano para amplificá-lo, fazer dele uma experiência mais intensa, ou seja, “tornar o vulgar, extraordinário”: MORRIS, Desmond – O Macaco Criativo. Trad. Carla Morais Pires. Porto: Arte e Ciência, 2018, pp. 11-12, 272, 294. Se aceitarmos a proposta deste autor de que a primeira regra da arte é o exagero, em especial as variadas alterações corporais que transmitem “uma forte mensagem emocional” (p. 296), é inegável que no contexto sociorreligioso medieval a serpente tentadora com cabeça de mulher desempenhava esse papel. 86. BnF, Ms. fr. 167 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https:// gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b105325870/f20.image . Cerca de trinta anos depois, o mesmo esquema iconográfico será adotado em Les très riches heures du duc de Berry, fol. 25v. 87. Segundo o Zohar, 52a, p. 268, a serpente, “morte do mundo, […] penetrou até as mais secretas entranhas do homem”, ou, numa interpretação psicanalítica, ela “encarna a psique inferior, o psiquismo obscuro, aquilo que é raro, incompreensível, misterioso” (JUNG, Carl – L’homme à la découverte de son âme: structure et fonctionnement de l’inconscient [1928-1934]. Trad. Roland Cahen- Salabelle. Genebra: Mont-Blanc, 1946, p. 237). 88. Imagem reproduzida em ACHELIS, Hans – Die Katakomben von Neapel. Leipzig: Hiersemann, 1936, p. 44, prancha 8. 89. Die Wiener Genesis. Farbenlichtdruckfaksimile der griechischen Bildebibel aus dem 6. Jhdt. N. Chr., cod. Vindob. Theol. Grace. 31. Ed. Hans Gerstinger. Viena: Österreichisches Nationalbibliothek, 1931, pp. 1-2. Para a história deste codex purpureus, CLAUSBERG, Karl – Die Wiener Genesis : eine kunstwissenschaftliche Bilderbuchgeschichte. Frankfurt: Fischer, 1984. 90. Rennes, Bibliothèque Municipale, Ms. 593, Image du monde de Gossuin de Metz, fol. 64v; Augsburgo, Universitätsbibliothek, cod. I.2.2.23, Speculum humanae salvationis, fol. 5; Le Mirouer de la redemption de l’umain lignage, fol. 2v. 91. REY, Alain (org.) – Dictionnaire historique de la langue française, Vol. II. Paris: Le Robert, 1995, p. 1929b. 92. BONNELL, John – “The Serpent with a Human Head in Art and in Mystery Play” …, sobretudo

F0 pp. 278-279 e 290-291; KELLY, Henry – “The Metamorphoses of the Eden Serpent BC ”, em especial pp. 308-311.

Medievalista, 27 | 2020 93

93. WILSON, Edward – A Conquista da Terra. A Nova História da Evolução Humana [2012]. Trad. José Vala Roberto. Lisboa: Clube do Autor, 2013, p. 16. 94. Por exemplo, as seguintes. Um relevo da passagem do século XI ao XII na arquivolta do portal ocidental da igreja de Saint-Martin de Besse (Périgord). Um capitel de fins do XII do mosteiro catalão de San Pedro de Rodas (hoje no Museu de Cluny). Uma iluminura inglesa do já citado Compendium historiae in genealogia Christi [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. (Disponível em http://www.bl.uk/catalogues/ illuminatedmanuscripts/ILLUMIN.ASP?Size=mid& IllID=43367. Uma iluminura francesa de 1310-1315, BnF, nouv. acq. lat. 3255, Breviarium, fol. 1. Outra iluminura, esta de 1313-1330, Chantilly, Museu Condé, Ms. 1078-26, Ci nous dit, fol. 6. Mais uma, de fins do século XV, BnF, Ms. lat. 1171, Horae ad usum romanum, fol. 20v [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8455949b/ f42.image. Uma gravura francesa de 1450-1460, BnF, Estampes et Photographie, Rés. 4- EA-6 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://gallica.bnf.fr/ ark:/12148/btv1b105101210.item. Uma pintura alemã sobre madeira de 1479-1483, Retábulo de Grabow, obra de Bertram de Minden, hoje em Hamburgo, no Kunsthalle, Inv. Nº HK-500. Uma xilogravura alemã pouco posterior, no Liber cronicarum de Hartmann Schedel, Nuremberg, Anton Koberger, 1493, fol. 7 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em http://daten.digitale-sammlungen.de/bsb00034024/image_ 84.). 95. Como ocorre na já referida iluminura do Psalterium encomendado por Branca de Castela, fol. 10. 96. BnF, Ms. fr. 9561 [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https:// gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b7200010r/f22.image. Essa serpente dupla seria reflexo da tradição cabalista de meados do século XIII, segundo a qual “Samael assumiu a forma de Adão e Lilith a forma de Eva” (ISAAC HA-COHEN – Tratado sobre as emanações da esquerda, citado por HALPERN,

F0 Catherine; BITTON, Michèle – Lilith, l’épouse de Satan BC , p. 121). 97. Respectivamente, Du con qui fu fait à la besche, em Nouveau recueil complet des fabliaux, 22. Ed. Nico van den Boogard e Willem Noomen. Assen: Van Gorcum, 1988, vol. IV, pp. 13-21; Chronica civitatis Ianuensis, V, 3. Ed. Giovanni Monleone. Roma: Istituto Storico Italiano per il Medioevo, 1941, pp. 197-198; Le mesnagier de Paris, I, V, 33. Ed. Georgina E. Brereton e Janet M. Ferrier, trad. Karin Ueltschi. Paris: Le Livre de Poche, 1994, pp. 182-185.

F0 98. POWER, Eileen – Medieval Women BC , pp. 30-32; Magna Carta, §7-8. Ed. e trad. James C. Holt. in HOLT, James C. – Magna Carta [1965]. Cambridge: Cambridge University Press, 1976, pp. 318-321. 99. Talvez não seja casual que o poema de Coudrette sobre Melusina tenha tido ampla repercussão na região, com a tradução alemã de Ringoltingen conhecendo 80 edições de 1478 a 1587, além de traduções inglesas, flamengas, dinamarquesas e suecas, cf. HARF-LANCNER,

F0 Laurence – “Introduction”. in COUDRETTE – Le roman de Mélusine BC , p. 35. 100. GRIMM, Jacob e Wilhelm – Deutsches Wörterbuch [1854]. Munique: Deutscher Taschenbuch, 1984, vol. XV, p. 440; DWDS. Das Wortauskunftssystem zur deutschen Sprache in Geschichte und Gegenwart [Em linha]. [Consultado a 18 Setembro 2019]. Disponível em https://www.dwds.de/wb/ Schlange. 101. Relevo da base do pilar da Porta da Virgem das catedrais de Paris (1210-1220) e de Amiens (c. 1230), vitrais da Sainte-Chapelle (1245-1248), da catedral de Tours (c.1255-1260) e da igreja Saint- Étienne de Mulhouse (século XIV), iluminuras da Bible moralisée (1235-1245, Oxford, Bodleian Library, Ms. Bodley 270b, fol. 7v), da Bíblia de Acra (1250-1254, Arsenal, Ms. 5211 Rés., fol. 3v), de uma Biblia procedente do norte francês (c.1280-1290, British Library, Add. Ms. 11639, fol. 520v).

Medievalista, 27 | 2020 94

102. Caso de estampas para Bíblias em vernáculo impressas em Bamberg, Albrecht Pfister, c.1462, fol. 5v; Colônia, Heinrich Quentell, c.1478, fol. 2; Lübeck, Steffen Arndes, 1474, fol. 8; Estrasburgo, Johann Grüninger, 1485, fol. 2v. Caso de gravuras para textos de diferentes naturezas, em latim ou alemão, por exemplo THERAMO, Jacobus de – Consolatio peccatorum. Augsburgo: Günther Zainer, 1472, fol. 26v; Spiegel menschlicher Behaltnis. Basileia: Bernhard Richel, 1476, fol. 2. Caso de desenhos como os que ornam a versão alemã do mais difundido apócrifo adâmico: Viena, Österreichische Nationalbibliothek, Cod. Vindob. 2980, Lutwins Adam und Eva, fol. 13v. Ou de telas como a que Hugo van der Goes dedicou ao Pecado original em torno de 1479, hoje em Viena, Kunsthistorisches Museum, Inv. 5822a. 103. Por exemplo, iluminuras como as confeccionadas em Bruges para a Bible moralisée, c.1450 (British Library, Add. Ms. 15248, fol. 17), o Arenberg Hours decorado por Willem Vrelant em 1462-1464 (J. Paul Getty Museum, Ms. Ludwig IX 8, fol. 137) ou La pénitence d’Adam pintada pelo Mestre de Bruges entre 1472 e 1484 (BnF, Ms.fr. 1837, fol. 6); esculturas, como a realizada em 1470-1480 em madeira, hoje no Metropolitan Museum, Inv. 55.116.2; pinturas, como as feitas por Bosch em dois paineis laterais de trípticos, um do Juízo Final, de 1504 (Viena, Gemäldegalerie der Akademie, Inv. GG-579), outro do Carro de feno, de 1512-1515 (Museu do Prado, Inv. P002052).

RESUMOS

Na vasta iconografia medieval do Pecado original, durante muito tempo prevaleceu a fórmula Adão e Eva em lados diferentes da Árvore proibida, com a serpente voltada para a mulher. Nos séculos XIII-XV uma inovação conheceria grande sucesso: a serpente que induz Eva ao pecado passou várias vezes a ser figurada com feições femininas. Como para o historiador não deve haver factos inexplorados, por mais irrelevantes que pareçam à primeira vista, este artigo é uma tentativa de explicação da razão de ser daquelas imagens. A hipótese apresentada resulta da articulação de três elementos fortes na visão de mundo da época: a linguagem imagética, a argumentação analógica e a prática misógina.

In the vast medieval iconography of the original Sin, the formula Adam and Eve on different sides of the Forbidden Tree, with the serpent facing the woman prevailed for a long time. In the thirteenth-fifteenth centuries an innovation would have great success: the serpent that induces Eve to sin has often been figured with feminine features. As for the historian there should be no unexplored facts, as irrelevant as they may seen at first glance, this article is an attempt to explain the purpose of those images. The hypothesis presented results from the articulation of three strong elements in the world view of that time: imagery language, analogical argumentation and misogynistic practice.

ÍNDICE

Keywords: Eve, Serpent, Iconography, Analogy, Misogyny Palavras-chave: Eva, Serpente, Iconografia, Analogia, Misoginia

Medievalista, 27 | 2020 95

AUTOR

HILÁRIO FRANCO JÚNIOR

Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 05508-900 São Paulo, Brasil. [email protected]. https://orcid.org/0000-0003-1519-180X

Medievalista, 27 | 2020 96

El país del que vienen los monstruos sobre el fīfẹlcynnes eard en Beowulf, v. 104 The land from which monsters come: on the fīfẹlcynnes eard in Beowulf, v. 104

Santiago Barreiro

La historia semántica de Feefle, Fífel, Fífl, Fimbul

1 En su Dictionarium Etymologicum Latinum (de 1633) Francis Holyoake, un clérigo y lexicógrafo oxoniano, tradujo al latín imbecilis con “feefle, weake, faint, of small strength, impotent”. A excepción de algunos dialectos Scots en el extremo norte británico (en las Orcadas, que preservan el verbo to feefle y el adjetivo feefly, ambas indicando torpeza e ineptitud)1, el primer término ofrecido ya no es parte del léxico del inglés actual, mientras que el resto de las palabras enumeradas por Holyoake han mantenido vigencia en las distintas formas modernas de la lengua de Shakespeare.

2 Ahora bien, si uno se retrotrae a la Edad Media, encuentra en la antigua lengua nórdica una palabra equivalente con frecuencia: fífl es un término usual en las sagas islandesas para designar a una persona estúpida, torpe e incluso un tanto demente2. La conexión nórdica (y una semántica muy cercana) explica probablemente su presencia en el dialecto de las Orcadas, que pertenecieron a la corona noruega y hablaron una lengua mal conocida y hoy extinta (el Norn) hasta el siglo XVII. En términos más amplios y como es bien conocido, las formas de la lengua moderna de la rama germánica presentes en Escocia (y el norte inglés) concentran hasta hoy una mayor influencia nórdica, incluso más que la ya abundante en el inglés del sur de la isla. Se dan en terreno albano términos como ettle (de ætla) en vez de intend o bairn (de barn) en vez de child, se suman a palabras más extendidas en la lengua inglesa de origen escandinavo como window (del nórdico vindauga, “ojo de viento”).

3 El término está presente, también, en el inglés antiguo. En la lengua anglosajona, aparece en el poema épico-elegíaco Beowulf como parte del compuesto fīfẹlcynn, cuando se presenta al primer antagonista del héroe:

Medievalista, 27 | 2020 97

Wæs se grimma gǣst Grendel hāten, / mǣre mearcstapa, sē þe mōras hēold, fen ond fæsten; fīfẹlcynnes eard / wonsǣlī wer weardode hwīle, / siþðan him scyppendforscrifen hæfde / in Cāines cynne (vv. 102-107)3.

4 Una traducción, tan literal como me resulta posible hacer, sería: Era este horrible espíritu, Grendel llamado, / notorio caminante de las marcas, el que tenía los páramos, / las ciénagas y las fortificaciones; / el fīfẹlcynnes eard el varón impío guardó por un tiempo, / tras que el Creador condenado lo hubiese / en la gente de Caín.

5 Traducir Beowulf a una lengua moderna presenta enormes dificultades interpretativas, debido a la amplitud semántica de algunos términos y a su carácter poético, por lo que hay que tomar cualquier traducción (como la ofrecida arriba) con bastante cuidado. Resulta entonces pertinente hacer algunas aclaraciones que ayuden a subsanar las limitaciones inherentes a la traducción ofrecida. Por ejemplo, weardode, que traduzco por su equivalente etimológico guardó, refiere más bien aquí al sitio donde habita Grendel que a un lugar bajo su custodia y su sentido se acerca usualmente a nuestro “morar”; pero en este caso la ambigüedad es difícil de resolver: ¿Grendel mora en esos sitios, los guarda, o ambas cosas? ¿Y en qué medida?

6 Otro ejemplo: mǣre suele ser un elogio que significa “famoso, celebrado, distinguido” y que dudosamente se aplicaría a este ser monstruoso4, aunque aquí tiene un matiz evidentemente neutro, indicando apenas una figura muy conocida (lo que explica mi elección de notorio para traducirlo). La complejidad no cesa allí: el último verso citado es ambiguo, ya puede indicar que Dios condena a Grendel como había hecho con Caín (es decir, exiliándolo) o que lo expulsó, ya que es parte de la descendencia de Caín (que es la lectura usual en la crítica, y la más probable): la traducción intenta mantener la ambigüedad del original.

7 Finalmente, he dejado sin traducción el elemento más complicado de los versos citados, pues mi objetivo, a lo largo de este texto, será centrarme en los matices de interpretación de fīfẹlcynnes eard, dividido en tres elementos simples: fífel5, cyn(n) y eard. El más complejo de interpretar es, indudablemente, el término que mencioné repetidas veces desde el comienzo de este trabajo, al que le prestaré más atención en este artículo y por el que conviene comenzar el análisis. Se encuentra en otros textos del corpus anglosajón: en fífel-wǽg y fífel-streám, kenningar6 para “océano” (el segundo término es en el primer caso “ola” y en el segundo “río, corriente”)7. John McKinnell sugiere que este vocabulario marítimo derivaría del sentido monstruoso original de fífel y los términos nórdicos emparentados (fífl y fimbul-, de los que me ocupo más abajo). Su interpretación invierte el orden que propondremos aquí, haciendo a la enormidad del océano consecuencia de su monstruosidad (en la construcción metafórica de las kenningar). Sin embargo, el orden resulta es confuso, pues líneas más tarde describe al antiguo nórdico fimbulliód (normalizado fimbul-ljóð) como “mighty magic songs”, sin explicar por qué aquí fimbul- es “poderoso”, sin conexión posible con “monstruoso”8.

8 Por último, fífel aparece como simplex y en plural, en el muy fragmentario poema Waldere, cuando el hijo de Weland el herrero, Widia, rescata a Ðeodric (Teodorico): Waldere B.10 dice que ðurh fīfẹlaġe(wea)ld forð ōnette, “a través del dominio de fífela avanzó presuroso”9.

9 La traducción típica de fífel es por “monstruo”, con variantes como “ogro”, e incluso “demonio”10. Sin embargo, resulta curiosamente distante de su pariente morfológico más cercano, el fífl nórdico, que, como vimos, indica típicamente más bien “idiota”.

Medievalista, 27 | 2020 98

Entonces, ¿es posible armonizar esta divergencia, o, al menos, intuir una raíz común que quizás colorara la semántica de ambos términos? Dicho de otro modo, ¿pueden fífl y fífel sugerir asociaciones semejantes, o pudieron hacerlo para un público medieval?

10 El recurso obvio para resolver estas cuestiones es a la etimología, pero allí tenemos un primer problema: la raíz del término es oscura en germánico común, lengua en gran medida reconstruida de la que descienden tanto el antiguo nórdico como el anglosajón. Dos de los diccionarios etimológicos más conocidos para esta familia de lenguas, el de Kroonen (2003) y el de Orel (2003), no listan el antecedente arcaico del término11.

11 En cambio, el volumen de De Vries sugiere que proviene del protonórdico *fimfla, asociada también al adjetivo fimbul, que indica enormidad, como en el fimbulvetr, el gigantesco invierno que desequilibra la sociedad antes del ragnarǫk mítico 12. El diccionario de Ásgeir Blöndal Magnússon lo asocia con la raíz germánica *femfila o *fembula, que según Hjalmar Falk y Alf Torp indican un ogro o gigante (Riese, en alemán)13. Ellos, así como De Vries, lo relacionan con raíces indoeuropeas (que equivaldrían al germánico *femf-) que indican algo hinchado o grande, como el letón pampulis (“gordo, hinchado” 14) y, quizás con el latín pampinus, que da el castellano pámpano, es decir, el brote o sarmiento de una viña, así como su hoja15.

12 Como puede notarse, la monstruosidad y la idiotez se asocian etimológicamente con algo de un tamaño inusual (y, quizás, deforme)16. La interpretación es que el cambio semántico, entonces, habría sido: 1. “Grueso, hinchado” (*femf– equiparable a los emparentadospampinus,pampulis de otras ramas indoeuropeas). 2. “Monstruo, ogro” (del germánico *Femfila/Fembula,quizás preservado enfífel). 3. “Idiota, demente” (reflejado enfífl, at fíflay luego entofeefle y feefly).

13 Esta sencilla progresión parece resolver el problema y es, a grandes rasgos, cronológicamente viable. Sin embargo, poseemos el término nórdico fimbul-17. Es probablemente anterior al sustantivo fífl, pues no presenta la simplificación del grupo consonántico central, sin su posterior mutación fonética y la caída de la segunda vocal. Su carácter es poético, lo que en antiguo nórdico muchas veces sugiere terminología temprana, quizás asociada al periodo vikingo tardío, cerca del cambio de milenio.

14 Fimbul- no parece cuajar del todo en el esquema propuesto en términos semánticos. Fimbulvetr indica un invierno tan monstruoso como enorme. Fimbultýr (týr es “dios”, tanto semántica como etimológicamente) es un nombre para el dios Óðinn, cabeza de la principal familia divina, los Æsir. Fimbul-þulr indica a un gran sabio (þulr) y fimbul-ljóð, una canción o encantamiento (ljóð) poderoso. Si suponemos que este término es generalmente coetáneo con la forma en inglés antiguo (nótese su semejanza con la forma reconstruida *Femfila/Fembula) y el salto semántico que vemos entre el *femf protogermánico, el fífel de los textos anglosajones podría explicarse de modo más sencillo. Mi hipótesis es que el sentido primario en las formas germánicas tempranas no parece ser ni “gordo, hinchado”, ni indica un “ogro”, sino más bien algo enorme, inmenso, desmesurado. Me referiré recurrentemente a lo largo de este artículo a desmesura, a la que entiendo literalmente, como la falta de medida adecuada, ausencia de proporción, de adecuación a una regla compartida.

15 De hecho, en buena parte de los compuestos atestiguados en el corpus inglés antiguo, fífel resulta coherente si se lo interpreta en esa dirección: fífel-wǽg y fífel-streám, con el sentido de océano, podrían traducirse como “ola desmesurada” o “corriente enorme”18.

Medievalista, 27 | 2020 99

Fífel-dór, más que “puerta monstruosa” puede significar simplemente “puerta enorme”, lo que encaja bastante con la desembocadura de un río navegable.

16 Ahora, utilizado para indicar seres, es decir como en Beowulf y Waldere, no es tan fácil ni adjudicarlo de un modo tan neutral (pues es claramente peyorativo), ni decidirse entre un sentido de “monstruo” y uno de “idiota, demente”. Fífel puede estar a la vez indicando algo como fimbul- y algo como fífl. En ese caso, una cronología revisada sería: 1. “Grueso, hinchado” (*femf – equiparable a los emparentados pampinus, pampulis de otras ramas indoeuropeas). 2. “Enorme, desmesurado”: del germánico *Femfila/Fembula, atestiguado en el Fimbul- antiguo nórdico y quizás preservado en algunos usos (neutros) del anglosajón fífel, como en el vocabulario marítimo. 3. (a) “Idiota, demente” (reflejado en fífl, at fífla y desde allí, en to feefle y feefly); (b) “Monstruo, ogro, antisocial, inadaptado”, preservado en fífel cuando se aplica peyorativamente a humanos y seres semejantes.

17 En cualquier caso, este embrollado nudo semántico sugiere siempre cierta permeabilidad entre estupidez y monstruosidad, ambas quizás derivadas de una asociación con la desmesura.

18 De hecho, esta continuidad semántica se hace presente en más términos de la misma familia lingüística, lo que indica quizás un rasgo cultural compartido. Así, Sturtevant (1955) notó que el sueco moderno hemsk (“horrible, abominable”, aunque con un matiz monstruoso semejante al inglés ghastly, uncanny) deriva del antiguo nórdico heimskr: aquel que está mucho en su hogar (heim), es decir, un estúpido que no conoce nada fuera del mundo privado. Al revés, el nórdico þurs (“gigante, ogro”) se conserva en sueco (tossa) y danés (tosse) para indicar, nuevamente, un idiota19. Los casos son coherentes entre sí, pues tres pares de términos (fífel-feefle/fífl; heimskr/hemsk y þurs/ tosse-tossa) en lenguas cercanamente emparentadas indican en todos los casos una notable porosidad entre monstruosidad y estupidez. Esto devuelve, nuevamente, a fífel a un estado de ambigüedad semántica.

19 Quizás la raíz de tal ambigüedad haya que buscarla en que, socialmente, un monstruo y un idiota se parecen en un rasgo crucial: esa desmesura que caracterizaba a al fimbul- nórdico. De hecho, la falta de medida apropiada caracteriza, por ejemplo, al dragón de Beowulf, que devuelve con violencia desproporcionada un robo menor hasta el punto de demostrarse completamente como la bestia inhumana que es, a diferencia de Grendel, cuyos rasgos antisociales nunca lo deshumanizan completamente20. Caracteriza también a personajes de las sagas, como los berserkir, cuyo comportamiento belicoso en extremo los hace monstruosos21. Y cuadra incluso a los proscritos, heroicos (como Gísli Súrsson), monstruosos (como Grendel) o ambas cosas (como Grettir el fuerte, el extraño héroe de Grettis saga), cuya desmesura es la causa de su condena, pero también lo que los hace memorables22. En el capítulo vigesimoquinto de su saga, Gísli Súrsson escapa en una ocasión de sus perseguidores imitando a Helgi, un fífl local, lo que indica que se parecen, al menos a ojos de sus captores23.

20 Paralelamente, la desmesura caracteriza en la poesía a quien actúa como un idiota, es decir a quien no puede seguir las normas sociales, tanto en inglés como en nórdico antiguos. Por ejemplo, la sección gnómica de Hávamál aconseja en su decimonovena estrofa contra los riesgos del exceso de bebida24: Haldit maðr á keri, drekki þó at hófi mjǫð, / mæli þarft eða þegi; / ókynnis þess vár þik engi maðr, / at þú gangir snemma at sofa. (Hávamál 19)25

Medievalista, 27 | 2020 100

No te aferres a la copa, sino que bebe hidromiel con moderación / habla si es necesario o calla / nadie te llamará inapropiado / si te vas temprano a dormir.

21 De modo semejante, el texto anglosajón Be manna wyrdum (“Las fortunas de los hombres”), advierte sobre los riesgos letales de perder la moderación (y por ende, el buen sentido) a causa de la bebida: Sum sceal on beore þurh byreles hond / meodugal mæcga; þonne he gemet ne con / gemearcian his muþe mode sine, / ac sceal ful earmlice ealdre linnan, / dreogan dreamum biscyred, / ond hine to sylfcwale secgas nemnað / mænað mid muþe meodugales gedrinc. (v. 51a-57b)26 Alguien bebe cerveza de la mano del copero / el guerrero lleno-de-hidromiel entonces no sabe / como controlar su boca con su mente / pero debe ceder su vida muy tristemente / soporta gran miseria, de sus placeres esquilmado / y los hombres lo llaman un suicida / lamentando con la boca la ebriedad del lleno-de-hidromiel.

22 En ambos ejemplos, queda claro que el comportamiento estúpido equivale a un exceso imprudente, aunque con matices muy distintos: Hávamál aconseja como evitar los riesgos de la ebriedad, mientras que Be manna wyrdum comenta sobre la reputación que se le asigna al borracho. Nótese además que la evidencia no es del todo concluyente, puesto que ambos textos no indican como ser un idiota, sino que explican como conducirse de modo inteligente y apropiado, pero esto es un rasgo característico de este tipo de literatura gnómica.

Caín y Cam: el linaje de los monstruos

23 Queda por resolver otro aspecto del problema que ayude a elucidar el sentido de fífel. Los versos aquí analizados establecen un paralelismo entre la fīfẹlcynn y la Caines cynn, entre la progenie monstruosa y el linaje de Caín; presumiblemente, son la misma cosa o muy semejante. Recordemos que el hermano de Abel (figura mucho más conocida que Grendel, tanto para una audiencia moderna como medieval) no es un ogro, sino un criminal fratricida, un paria y un proscrito castigado por Dios. Grendel, su descendiente según Beowulf, es parte de su misma cynn.

24 Ahora, el manuscrito de Beowulf parece confundir en alguna medida a Caín con Cam, hijo de Noé, ya que la mano del escriba y la de un corrector otorgan ambas lecturas27. Esta confusión no es fortuita y cuenta con antecedentes medievales. Entre los numerosos textos indicados por Ruth Mellinkoff en los que se asegura que la progenie cainita sobrevivió al Diluvio, el más verosímil y cercano a Beowulf es un texto en Irlandés medio del siglo XI, conocido por la crítica moderna como las Seis Edades del Mundo (habitualmente citado con el nombre de Irish Sex Aetates Mundi), en el que se dice que Cam es heredero de Caín y padre de monstruos como los lucrupanos28, los formorianos29, y los cabeza-de-cabra30. Además, niega explícitamente que Cam descienda literalmente de Caín, “como creen los gaels [irlandeses]”, puesto que el Diluvio extinguió a la progenie del hermano de Abel. Lo que, paradójicamente tuvo el efecto opuesto al deseado por su autor, pues preserva hasta hoy la prueba de que esa creencia existía entre los habitantes de esa isla.

25 La filiación Caín-Cam es explicable en parte por la similitud fonética entre sus nombres31, y se da también en el poema anglosajón Salomón y Saturno, e incluso en un texto de Alcuino de York, repetido a su vez por Rábano Mauro32. Pero existe una similitud más interesante entre Beowulf y las Seis Edades del Mundo irlandesas: los seres que descienden de Caín en Beowulf, y ancestros de Grendel son eotenas ond ylfe ond

Medievalista, 27 | 2020 101

orcneas swylce gigantas… (“ettins y elfos y cadáveres infernales, así como los gigantes…”)33. Los engloba llamándolos alle untýdras, literalmente “toda la anti- progenie”, probablemente indicando una descendencia maligna o inhumana. La frase equivalente en el Seis Edades del Mundo, es: “y toda deformidad, en general, que hay entre los hombres”34.

26 Esto, una vez más sugiere que los que se denomina como fífel son seres pensados no tanto a partir del eje humano-inhumano, sino en el de normalidad-desmesura. No es una dicotomía tajante como la que existe, por ejemplo, entre hombre y dragón, sino una continuidad entre humanos usuales y humanoides fuera de medida y forma. Así, los leprachauns son pequeños cuerpos (literalmente); los formorianos son un pueblo de gigantes y los cabeza-de-cabra, híbridos humano-animales, lo que quizás revela trazos de una concepción monstruosa de cuño teológico (¿Isidoriana?), que ve a las “razas monstruosas” como formas de la humanidad.

27 En cambio, la enumeración equivalente de Beowulf es más compleja de interpretar en términos físicos. Los bien conocidos paralelos nórdicos a los poco atestiguados ylfe y eotenas ( álfar y jǫtnar) indican seres sobrenaturales sin una forma fija y estable35, mientras que los orcneas (“cadáveres infernales”) no tiene ningún paralelo etimológico obvio en Escandinavia. Representa quizás una forma de no-muertos reanimados, semejante al draugr y aptrgangr nórdico. En ese caso, serían indudablemente humanoides, pero esto no es más que una conjetura.

28 Por ende, la analogía con el caso irlandés deja claro que el elemento físico no parece tan relevante para la fīfẹlcynn de Beowulf, pese a que claramente Grendel (su representante principal) posee rasgos físicos bestiales y deformes. Pero queda poco claro si estos son signos de una desmesura que reside en otros rasgos o si son concomitantes con ellos. No parece algo demasiado importante para definir el uso de fífel para alguien que pertenece a una cynn. Quizás la opción más sencilla sea no eliminar la ambigüedad: un monstruo, un idiota, un antisocial, un demente, todos comparten una desmesura (física o figurada) que les impide actuar como corresponde en sus relaciones con otros humanos, una anormalidad que los emparenta y enlaza y que, frecuentemente, se refleja en sus cuerpos.

Dos términos más sencillos: cynn y eard 36

29 Pasaré ahora al término más sencillo de interpretar, cynn. Es la forma arcaica del inglés moderno kin, y deriva de la misma raíz indoeuropea que da el latín gens, el griego genos, y nuestro “gente”, que indican el vocabulario de la reproducción y por ende, el del parentesco. Cynn indica, esencialmente, un grupo de personas emparentadas entre sí: una parentela. El alcance es mucho más extendido que nuestro “familia”, porque precisamente se puede pensar a esta sociedad como una agregación de familias, y por ende equivale en alguna medida a nuestro “gente” y “pueblo”, suponiendo que los constituye en un pueblo o una gente es su parentesco entre sí. E incluso puede ir más allá y significar un tipo, una categoría o tipo general (como en inglés moderno a kind), como la humanidad. Efectivamente, este uso general es dominante en Beowulf, aunque también se refiere a pueblos particulares37.

30 Eard tampoco presenta grandes complejidades. Emparentado cercanamente con la raíz indoeuropea que da nuestro “arar” y “arado” indica una serie de términos que se

Medievalista, 27 | 2020 102

asocian a la tierra cultivada, como el inglés antiguo irð (“tierra arable”, “cosecha”, equivalente al nórdico ǫrð), derivados de una forma femenina del mismo origen y el verbo erian (“arar”); eard indica pues una tierra habitada y por extensión un país, una tierra natal. Tiende, por obvias razones fonéticas, a confundirse con las palabras asociadas a earth (la forma antigua es eorþe) pero también con las derivadas de la palabra germánica que dan nuestro jardín y que indican “recinto”. Entre ellas, en gótico tenemos gards (“casa, familia, corte”), en nórdico garðr (“recinto, ciudad”) y en inglés antiguo geard (“lugar habitado, tierra, yard”). La ambivalencia semántica más conocida es para el nombre germánico del mundo humano: Miðgarðr nórdico y su reflejo (Middangeard anglosajón), que también aparece como Mideard, forma hoy conocida principalmente gracias a la Middle-Earth tolkieniana. La constante confusión entre tierras cultivables y lugares habitados se ve también en antiguo nórdico: bú (“hogar, granja”) y búandi / bóndi (“granjero”), que sobrevive en husband (del nórdico húsbóndi “granjero propietario de la casa”); también, además, en la familia latina que nos da en castellano país/pago y pagano/paisano, bien clara en francés: païen, paysan (y su derivado inglés: peasant).

Conclusión

31 Si resumimos esta exploración semántica, tenemos que fīfẹlcynnes eard indica, entonces, algo como el pago de las gentes desmesuradas; un espacio de gentes y una tierra habitada, signos inequívocos de una cierta sociabilidad presupuesta, aunque disfuncional y peligrosa. Estas indicaciones semánticas, dadas por cada uno de los tres elementos aquí discutidos, coinciden en gran medida con lecturas clásicas del mundo de valores propuesto en Beowulf. Ese mundo, apenas sugerido a lo largo del poema está en directa oposición, como es bien conocido, con el mundo de la sociabilidad (masculina) de un orden ideal, representado por el salón real, Heorot38.

32 Puede compararse esta situación con la que se encuentra en un contexto cultural y literario bastante cercano. La monstruosidad evidenciada en la literatura de sagas islandesas es, de hecho, muy semejante al caso anglosajón. Ármann Jakobsson escribe que “the rules, myths, and dogmas of society at large unquestionably have a pivotal role in shaping the troll that the humans fear”39. Y, por ende, sus monstruos también son esencialmente humanos, tal como sostiene Rebecca Merkelbach, “almost no monster or supernatural creature in the sagas can be said to be completely and utterly Other. Most characters that are perceived as monsters are or were human.”40

33 Retornando a Beowulf , cabe recordar que el primer gran conflicto del poema se desencadena por la intervención vengativa (y desmesurada: Grendel reacciona pues se siente ofendido por el ruido de los festines del hall) del primer antagonista del héroe. Es interesante notar, sin embargo, que es los antagonistas habitan un mundo de desolación y páramos, pero no un territorio habitado por monstruos incomprensibles y alienígenas. Tampoco es un siquiera el espacio de las Eddas, con monstruos de escala mítica capaces de poner en riesgo el mismo cosmos, como en el famoso relato del destino de los dioses en Vǫluspá. El mundo monstruoso de Beowulf (y, en términos más amplios, el de las literaturas vernáculas del mundo noreuropeo medieval) es un universo de humanos desgraciados41, incapaces de pertenecer o reincorporarse a la comunidad, lo que contrasta notablemente con las nociones clásico-cristianas de monstruosidad, que eran conocidas por los anglosajones42.

Medievalista, 27 | 2020 103

34 Ciertamente, los monstruos humanoides de la tradición vernácula, de los cuales Grendel y su madre son epítome, reflejan en su ser físico esa desmesura en la forma de rasgos desproporcionados, exagerados y salvajes: esta bestialidad se asociaba con todas las figuras de proscritos y criminales43. Éstos funcionan como marca condenatoria de su naturaleza, pese que no habite en última instancia allí en sus cuerpos, sino en su comportamiento y en la valoración que de este hacen los (otros) hombres.

35 Así, el nórdico úvættr (“ogro, monstruo”.) es etimológicamente, un “anti-ente”, en una construcción semejante al ún-tydras del poema (e idéntica al inglés antiguo y medio un- wiht, del mismo sentido), lo sugiere un monstruo que es, literalmente, una negación de la existencia; pero obviamente esta negación no puede darse en términos físicos o existenciales, pues estos anti-entes son pensados como una presencia concreta y efectiva. Más bien, deben indicar hombres (o cuasi-hombres) condenados a una especie de limbo terrenal, habitable pero privado de la compañía de los demás, de la vida comunitaria, central en la cultura anglosajona44. El eje mesura-desmesura (es decir, el que marca si alguien puede ser fífel) puede observarse mejor en términos sociológicos y es paralelo al eje existencia-inexistencia (dentro de la comunidad, la ley, la reciprocidad, etc.)45. La fīfẹlcynn habita una inexistencia concebida en términos no inherentemente ontológicos o físicos, pero siempre sociales.

BIBLIOGRAFÍA

Fuentes

Beowulf. Ed. R. D. Fulk, Robert Bjork y John Niles. in Klaeber’s Beowulf and the Fight at Finnsburgh. Fourth Edition. Toronto: University of Toronto Press, 2008.

Gísla Saga. Ed. Björn Þórólfsson y Guðni Jónsson. in Vestfirðinga sögur, Íslenzk fornrit. vol. VI. Reykjavík: Hið íslenzka fornritafélag, 1943.

Hávamál. Ed. Jónas Kristjánsson y Vésteinn Ólasson. in Eddukvæði. vol. I. Reykjavík: Hið íslenzka fornritafélag, 2014.

The Exeter Book. Ed. Geogre Krapp y Elliot Van Kirk Dobbie – The Anglo-Saxon Poetic Records: A Collective Edition. vol. III. Nueva York: Columbia University Press, 1936.

Waldere. Ed. R. D. Fulk, Robert Bjork y John Niles. in Klaeber’s Beowulf and the Fight at Finnsburgh. Fourth Edition. Toronto: University of Toronto Press, 2008.

Estudios

BAKER, Peter – Honour, Exchange and Violence in Beowulf. Woodbridge: DS Brewer, 2013.

BAZELMANS, Jos – By Weapons Made Worthy: Lords, Retainers and Their Relationship in Beowulf. Amsterdam: Amsterdam University Press, 1999.

BLÖNDAL MAGNÚSSON, Ásgeir – Íslensk orðsifjabók. Reykjavík: Stófnun Árna Magnússonar, 1989.

BERNÁRDEZ, Enrique – Los mitos germánicos. Madrid: Alianza Editorial, 2000.

Medievalista, 27 | 2020 104

BOSWORT, Joseph; TOLLER, Thomas Northcote – An Anglo-Saxon Dictionary. Oxford: Clarendon Press, 1898.

CLARKE, Michael – “The lore of the monstrous races in the developing text of the Irish Sex aetates mundi”. Cambrian Medieval Celtic Studies 63 (2012), pp. 15-50.

CLUNIES-ROSS, Margaret – Prolonged Echoes I-II. Odense: University Press of Southern Denmark, 1994-1998.

COHEN, Jeffrey Jerome – “Old English Literature and the Work of Giants”. Comitatus 24.1 (1993), pp. 1-32.

COHEN, Jeffrey Jerome – Monster Theory: Reading Culture. Minneapolis: University of Minessota Press, 1996.

DE VRIES, Jan – Alnordisches etymologisches Wörterbuch. Leiden: Brill, 1962.

FICK, August; FALK, Hjalmar; TORP, Alf – Wortschatz der Germanischen Spracheinheit. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1909.

GUNNELL, Terry; LASSEN, Annette – The Nordic Apocalypse Approaches to Völuspá and Nordic Days of Judgement. Turnhout: Brepols, 2013.

GUNNELL, Terry – “How Elvish were the Álfar?”. in WAWN, Andrew (Ed.) – Constructing Nations, Reconstructing Myth: Essays in Honour of T. A. Shippey. Turnhout: Brepols, 2007, pp. 111-130.

HALL, Alaric – Elves in Anglo-Saxon England: Matters of Belief, Health, Gender and Identity. Woodbridge: The Boydell Press, 2007.

HARLAN-HAUGHEY, Sarah – The Ecology of the English Outlaw in Medieval Literature: From Fen to Greenwood. Londres: Routledge, 2016.

HILL, John M. – The Cultural World in Beowulf. Toronto: University of Toronto Press, 1995.

HINES, John – The Anglo-Saxons from the Migration Period to the Eighth Century. Woodbridge: The Boydell Press, 1997.

HOLYOAKE, Francis – Dictionarium Etymologicum Latinum. Londres: Felix Kingston, 1633.

JAKOBSSON, Ármann – The Troll Inside You: Paranormal Activity in the Medieval North. Nueva York: Punctum Books, 2017.

JOCHENS, Jenny – “The Illicit Love Visit: An Archaeology of Old Norse Sexuality”. Journal of the History of Sexuality 1.3 (1991), pp. 357-392.

KROLL, Norma – “Beowulf: The Hero as Keeper of Human Polity”. Modern Philology, 84.2 (1986), pp. 117-129.

KROONEN, Guus – Etymological Dictionary of Proto-Germanic. Leiden: Brill, 2003.

LERATE, Jesús; LERATE, Luis – Beowulf y otros poemas anglosajones. Madrid: Alianza Editorial, 1999.

MAGENNIS, Hugh – Images of Community in Old English Poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

MAGOUN, Francis – “Fīfẹldore and the Name of the Eider”. Namn och Bygd, 26 (1940), pp. 94-114.

MCKINNELL, John – “Wisdom from the dead: The Ljóðatal section of Hávamál”. Medium Aevum 76.1 (2007), pp. 85-115.

MELLINKOFF, Ruth – “Cain's monstrous progeny in Beowulf: part II, post-diluvian survival”. Anglo-Saxon England 9 (1980), pp. 183-197.

Medievalista, 27 | 2020 105

MERKELBACH, Rebecca – “The Monster in Me: Social Corruption and the Perception of Monstrosity in the Sagas of Icelanders”. Quaestio Insularis 15 (2014), pp. 22-37.

MERKELBACH, Rebecca – “Eigi í mannligu eðli: Shape, Monstrosity and Berserkism in the Íslendingasögur”. in BARREIRO, Santiago y CORDO RUSSO, Luciana (Eds.) – Shapeshifters in Medieval North Atlantic Literature. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2018, pp. 83-106.

NEIDORF, Leonard – “Cain, Cam, Jutes, Giants, and the Textual Criticism of Beowulf”. Studies in Philology 112.4 (2015), pp. 599-632.

NEVILLE, Jennifer – “Monsters and Criminals: Defining Humanity in Old English Poetry”. in OLSEN, K.; HOUWEN, L. (Eds.) – Monsters and the Monstrous in Medieval Northwest Europe. Paris y Sterling: Peeters, 2001, pp. 103-122.

ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies: Studies in the Monsters of the Beowulf-manuscript. Toronto: University of Toronto Press, 1995.

OREL, Vladimir – A Handbook of Germanic Etymology. Leiden: Brill, 2003.

POILVEZ, Marion – “Those Who Kill: Wrong Undone in the Sagas of Icelanders”. in HAHN, Daniela; SCHMIDT, Andreas (Ed.) – Bad Boys and Wicked Women: Antagonists and Troublemakers in Old Norse Literature. Múnich: Herbert Utz Verlag, 2016, pp. 21-58.

PORTER, Edel – “Poesía escáldica”. in BARREIRO, Santiago; BIRRO, Renan (Eds.) – El mundo nórdico medieval: una introducción, vol. 1. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Estudios Medievales, 2017, pp. 53-82.

STURTEVANT, Albert Morey – “Semantic Shifts in Certain Scandinavian Words”. Scandinavian Studies 27.1 (1955), pp. 14-22.

VENEGAS LEGÜÉNS, María Luisa – “El elemento fantástico en Beowulf: estructura y significado”. Philologia Hispalensis 3 (1988), pp. 181-188.

VERNER, Lisa – The Epistemology of the Monstrous in the Middle Ages. Nueva York: Routledge, 2005.

WILLIAMS, David – Deformed Discourse: The Function of the Monster in Mediaeval Thought and Literature. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 1996.

NOTAS

1. Para más variantes, puede consultarse el Dictionary of the Scots Language, en https:// www.dsl.ac.uk/entry/snd/feefle. Por razones prácticas, considero a lo largo del artículo al Scots y al inglés del sur de Gran Bretaña como unas formas de un mismo idioma, sin voluntad de entrar en el debate sobre la división de las lenguas germánicas modernas de las Islas Británicas. 2. El antiguo nórdico (e islandés moderno) también presentan una forma verbal derivada, at fífla. Significa “seducir”, y en forma reflexiva “actuar como un idiota o payaso”. El segundo sentido es derivación directa del sentido nórdico del sustantivo fífl. El curioso primer sentido tiene connotaciones negativas, de engañar para obtener sexo, y es utilizado casi exclusivamente por hombres en el corpus de sagas. Ver JOCHENS, Jenny – “The Illicit Love Visit: An Archaeology of Old Norse Sexuality”. Journal of the History of Sexuality 1.3 (1991), p. 378. 3. Las citas del poema corresponden a Beowulf. Ed. R. D. Fulk, Robert Bjork y John Niles. in Klaeber’s Beowulf and the Fight at Finnsburgh. Fourth Edition. Toronto: University of Toronto Press, 2008.

Medievalista, 27 | 2020 106

4. Para la noción de monstruo, la referencia inevitable es COHEN, Jeffrey Jerome – Monster Theory: Reading Culture. Minneapolis: University of Minessota Press, 1996 (especialmente las tesis discutidas en pp. 3-25). Como recorrido de base textual impecable, aunque con una perspectiva sociológicamente bastante limitada (y por ende menos útil a los fines de este artículo), es importante considerar WILLIAMS, David – Deformed Discourse: The Function of the Monster in Mediaeval Thought and Literature. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 1996. Lo mismo puede decirse del capítulo dedicado por Lisa Verner a los anglosajones más útil como índice y rastreo de las ideas teológicas en el mundo inglés antiguo en lo que hace a la teratología, que sobre sus aspectos sociológicos y semánticos. Ver VERNER, Lisa – The Epistemology of the Monstrous in the Middle Ages. Nueva York: Routledge, 2005. 5. La tilde y el macron indican una vocal larga. Las utilizo uso indistintamente, pues los especialistas en anglosajón utilizan ambas convenciones (para el antiguo nórdico, adopto la tilde como es estándar en dicho campo de estudios). 6. Un tipo de metáfora usual en la poesía medieval en lengua germánica que juega con las posibilidades de combinación de los sustantivos en esas lenguas (típicamente bajo la forma “el X de Y”). Muy desarrollado en la poesía escáldica nórdica, aparece en formas más simples en Beowulf. En nuestra lengua, consultar PORTER, Edel – “Poesía escáldica”. in BARREIRO, Santiago; BIRRO, Renan (Eds.) – El mundo nórdico medieval: una introducción, Vol. 1. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Estudios Medievales, 2017, pp. 53-82 (en particular, pp. 72-76). 7. También marítimo tenemos fīfẹl-dór, es decir la boca (literalmente “puerta”) del río Eider, hoy en el norte de Alemania. MAGOUN, Francis – “Fifeldore and the Name of the Eider”. Namn och Bygd 26 (1940), pp. 94-114. 8. MCKINNELL, John – “Wisdom from the dead: The Ljóðatal section of Hávamál”. Medium Aevum 76.1 (2007), pp. 85-115 (en particular, p. 96). 9. El texto superviviente del poema se cita según Waldere. Ed. R. D. Fulk, Robert Bjork y John Niles. in Klaeber’s Beowulf and the Fight at Finnsburgh, Fourth Edition, Toronto: University of Toronto Press, 2008. 10. La traducción castellana más conocida del poema ofrece “infernal”. Los versos discutidos dicen en esa versión: “Llamábase Gréndel aquel espantoso y perverso proscrito: moraba en fangales, en grutas y charcas. Desde tiempos remotos vivía esta fiera entre gente infernal, padeciendo la pena que Dios infligió a Caín y a su raza”. Ver LERATE, Jesús; LERATE, Luis – Beowulf y otros poemas anglosajones. Madrid: Alianza Editorial, 1999. ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies: Studies in the Monsters of the Beowulf-manuscript. Toronto: University of Toronto Press, 1995, p. 59, traduce fīfẹlcynn por “monster-race”. 11. KROONEN, Guus – Etymological Dictionary of Proto-Germanic. Leiden: Brill, 2003; OREL, Vladimir – A Handbook of Germanic Etymology. Leiden: Brill, 2003. 12. DE VRIES, Jan – Alnordisches etymologisches Wörterbuch. Leiden: Brill, 1962. El “destino de los dioses” nórdicos, que hace las veces de versión pagana del Apocalipsis, aunque con muy posibles influencias escatológicas cristianas. Ver, entre otros, GUNNELL, Terry; LASSEN, Annette – The Nordic Apocalypse Approaches to Völuspá and Nordic Days of Judgement. Turnhout: Brepols, 2013. 13. BLÖNDAL MAGNÚSSON, Ásgeir – Íslensk orðsifjabók. Reykjavík: Stófnun Árna Magnússonar, 1989; FICK, August; FALK, Hjalmar; TORP, Alf – Wortschatz der Germanischen Spracheinheit. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1909. 14. Utilizado también en pampums: “tumor, hinchazón”.

Medievalista, 27 | 2020 107

15. Por extensión, también se aplica al nombre a los rechonchos peces que los hablantes de rioplatense llamamos palometa (los de la familia Stromateidae). 16. Así, los jǫtnar (el equivalente nórdico a los eotenas mencionados en Beowulf) son etimológicamente los “devoradores”, es decir, los que comen de modo desmesurado y bestial. Del mismo modo, otros ser mítico, el dvergr nórdico, dweorg anglosajón (usualmente traducidos por “enanos”, debido a la derivación del término hacia el moderno dwarf) indica una criatura contrahecha y asociada a la enfermedad. Sobre estos seres y la etimología de sus nombres, ver BERNÁRDEZ, Enrique – Los mitos germánicos. Madrid: Alianza Editorial, 2000. 17. Es un adjetivo infrecuente, que solamente aparece en términos compuestos. 18. Lo que nos da una imagen de grandeza paradójicamente sencilla, parecida a la que confiere Iguazú (en guaraní, “agua grande”). 19. Nótese además que este término þurs (anglosajón þyrs) se utiliza en ocasiones tanto en nórdico como anglosajón como sinónimo de los seres llamados jǫtnar/eotenas. 20. Ver la interesante discusión en KROLL, Norma – “Beowulf: The Hero as Keeper of Human Polity”. Modern Philology 84.2 (1986), pp. 117-129, especialmente pp. 128-129. Sobre la humanidad

F0 de los monstruos, incluído el Dragón, ver ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies BC , pp. 29-31. 21. Como argumenta MERKELBACH, Rebecca – “Eigi í mannligu eðli: Shape, Monstrosity and Berserkism in the Íslendingasögur”. in BARREIRO, Santiago y CORDO RUSSO, Luciana (Eds.) – Shapeshifters in Medieval North Atlantic Literature. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2018, pp. 83-106. 22. POILVEZ, Marion – “Those Who Kill: Wrong Undone in the Sagas of Icelanders”. in HAHN, Daniela; SCHMIDT, Andreas (Ed.) – Bad Boys and Wicked Women: Antagonists and Troublemakers in Old Norse Literature. Munich: Herbert Utz Verlag, 2016, pp. 21-58, en particular pp. 49-50. 23. Gísla Saga. Ed. de Björn Þórólfsson y Guðni Jónsson. in Vestfirðinga sögur, Íslenzk fornrit, vol. VI. Reykjavík: Hið íslenzka fornritafélag, 1943, cap. 25. 24. Las estrofas subsiguientes advierten también contra el exceso de codicia, la gula y el comportamiento burlón. 25. Hávamál. Ed. de Jónas Kristjánsson y Vésteinn Ólasson, en Eddukvæði, vol. I. Reykjavík: Hið íslenzka fornritafélag, 2014. 26. Cito el texto según la edición en The Exeter Book. Ed. Geogre Krapp y Elliot Van Kirk Dobbie, The Anglo-Saxon Poetic Records: A Collective Edition. vol. III. Nueva York: Columbia University Press, 1936. 27. Los detalles filológicos y codicológicos se encuentran en NEIDORF, Leonard – “Cain, Cam, Jutes, Giants, and the Textual Criticism of Beowulf”. Studies in Philology 112.4 (2015), pp. 599-632. 28. Frecuentemente llamados leprachauns (siguiendo la forma inglesa actual), del irlandés antiguo luchorpán “cuerpos pequeños”, unos enanos o pigmeos míticos. 29. Otro pueblo legendario, representado como gigantes, monstruos o saqueadores. La etimología es incierta, pero los asocia al submundo. 30. MELLINKOFF, Ruth – “Cain's monstrous progeny in Beowulf: part II, post-diluvian survival”. Anglo-Saxon England 9 (1980), pp. 183-197, en p. 193. Alternativamente, cabezas-de-caballo, según Clarke, quien sugiere que estas criaturas pueden ser derivados de los cinocéfalos y establece posibles paralelos textuales en el mundo latino (CLARKE, Michael – “The lore of the monstrous races in the developing text of the Irish

Medievalista, 27 | 2020 108

Sex aetates mundi”. Cambrian Medieval Celtic Studies 63 (2012), pp. 15-50). Recientemente, Neidorf ha añadido peso a los argumentos que indican que el texto original debió referir a una tradición que fusiona o confunde las figuras de Cam y Caín (Ver NEIDORF, Leonard – “Cain, Cam, Jutes, Giants…”). Ver también la discusión en F0 ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies BC , pp. 58-85. 31. Y posiblemente, por ser dos figuras asociadas a una maldición, aunque los casos son muy diferentes. Caín es maldito por su fratricidio, mientras que la trasgresión de Cam cae sobre su hijo, Canaán. 32. MELLINKOFF, Ruth – “Cain's monstrous progeny in Beowulf ...”, p. 194. 33. Utilizo el inglés moderno “ettin” aunque etimológicamente el término se podría traducir “devoradores”, y es equivalente al antiguo nórdico jǫtunn, muchas veces traducido –sin demasiada razón- por “gigante”. Cadáveres infernales (o más precisamente “Cádaveres del Orco” es la traducción más literal posible de Orcneas, suponiendo que el primer término indica el inframundo latino). Confrontar por ejemplo COHEN, Jeffrey Jerome – “Old English Literature and the Work of Giants”. Comitatus 24.1 (1993), pp. 1-32, que traduce como “evil spirits” (en p. 4). Su artículo presenta numerosos problemas de precisión en lo que hace al manejo de la terminología germánica, derivado quizás de una asimilación demasiado apresurada entre eotenas, jǫtnar y gigantes, aunque presenta una lectura sociológicamente interesante. Orchard, generalmente mucho más preciso, prefiere “hellish creature” F0 (ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies BC , p. 69.) 34. Siguiendo la traducción provista por MELLINKOFF, Ruth – “Cain's monstrous F0 progeny in Beowulf BC ”, p. 193. Del mismo modo, los enormes formorianos del texto irlandés son criaturas enormes (como los gigantes de Beowulf) y los elfos y los lucropanos, inversamente, serían equivalentes en su pequeñez (Ver NEIDORF, Leonard – “Cain, Cam, Jutes, Giants…”, p. 612). Al menos en el segundo caso, un paralelo tan prolijo es dudoso, a la luz de la detallada investigación sobre el sentido de “elfo” en el mundo anglosajón de Alaric Hall sin contar lo complejo de equiparar a los cadáveres infernales del poema anglosajón con los híbridos bestiales del texto irlandés. Ver HALL, Alaric – Elves in Anglo-Saxon England: Matters of Belief, Health, Gender and Identity. Woodbridge: The Boydell Press, 2007. 35. Nótese que esta afirmación puede no aplicarse automáticamente a los elusivos ylfe y eotenas

F0 anglosajones (ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies BC , p. 69, los considera “man-shaped monsters”, pero no da sus razones), pero es clara para los mucho más firmemente documentados álfar y jǫtnar nórdicos, que en ocasiones presentan rasgos humanoides pero en otras son figuras espirituales o bestiales, por lo que podemos hipotetizar que tal vez también podría extenderse a sus equivalente anglosajones. Así, por ejemplo, los álfar en el vigesimosegundo capítulo de la Kormáks saga son espíritus de la tierra, mientras que jǫtunn se aplica a una inmensidad de seres, desde “gigantes” propiamente dichos (como Surtr, en el poema éddico Vǫluspá) a criaturas monstruosas de forma animal (como el lobo de Fenrir y la sierpe Jǫrmungandr) o incluso a figuras divinas (como Loki o Gerðr). Sobre los álfar, veáse GUNNELL, Terry – “How Elvish were the Álfar?”. in WAWN, Andrew (Ed.) – Constructing Nations, Reconstructing Myth: Essays in Honour of T. A. Shippey. Turnhout: Brepols, 2007, pp. 111-130. Sobre la naturaleza de los jǫtnar (y sus interconexiones con el mundo humano y divino, así como su inherente ambigüedad ontológica), resulta fundamental CLUNIES-ROSS, Margaret – Prolonged Echoes I-II, Odense: University Press of Southern Denmark, 1994-1998.

Medievalista, 27 | 2020 109

36. Al margen de esta breve discusión etimológica, existe una abundancia de estudios sobre la sociología de la terminología de tierra y parentesco en el mundo anglosajón. Particularmente interesantes son las exposiciones de T. Charles Edwards y P. J. Fowler en HINES, John – The Anglo-Saxons from the Migration Period to the Eighth Century. Woodbridge: The Boydell Press, 1997. 37. NEIDORF, Leonard – “Cain, Cam, Jutes, Giants…”, p. 617. 38. Heorot, en su carácter estereotipadamente viril y convencional, es interpretable como una desmesura en sí misma, pero su falta de medida es opuesta a la de los fīfẹl: es la perfección del modelo ideal de sociabilidad guerrera, no la incomprensión plena de las normas sociales. 39. JAKOBSSON, Ármann – The Troll Inside You: Paranormal Activity in the Medieval North. Nueva York: Punctum Books, 2017, p. 163. 40. MERKELBACH, Rebecca – “The Monster in Me: Social Corruption and the Perception of Monstrosity in the Sagas of Icelanders”. Quaestio Insularis 15 (2014), pp. 22-37, en p. 22. 41. Esto es particularmente claro en el caso de Grendel, a quien se aplica un número de epítetos inequívocamente humanos e incluso cortesanos. Ver VENEGAS LEGÜÉNS, María Luisa – “El elemento fantástico en Beowulf: estructura y significado”. Philologia Hispalensis 3 (1988), pp. 181-188, en p. 185. 42. NEVILLE, Jennifer – “Monsters and Criminals: Defining Humanity in Old English Poetry”. in OLSEN, K.; HOUWEN, L. (Eds.) – Monsters and the Monstrous in Medieval Northwest Europe. Paris y Sterling: Peeters, 2001, pp. 103-122. 43. HARLAN-HAUGHEY, Sarah – The Ecology of the English Outlaw in Medieval Literature: From Fen to Greenwood. Londres: Routledge, 2016, pp. 23-68. 44. La bibliografía reciente es muy abundante en lo que hace a la relación entre la vida social y el texto del poema. Destacan BAKER, Peter – Honour, Exchange and Violence in Beowulf. Woodbridge: DS Brewer, 2013; BAZELMANS, Jos – By Weapons Made Worthy: Lords, Retainers and Their Relationship in Beowulf. Amsterdam: Amsterdam University Press, 1999; HILL, John M. – The Cultural World in Beowulf. Toronto: University of Toronto Press, 1995; MAGENNIS, Hugh – Images of Community in Old English Poetry. Cambridge: F0 Cambridge University Press, 1996; ORCHARD, Andy – Pride and Prodigies BC , especialmente pp. 28-85. 45. No deja de ser paradójico que el equivalente semántico inglés, wight, haya terminado indicando un ser sobrenatural, mutando del sentido más amplio del anglosajón wiht (“ser, criatura, algo”). La desaparición de la forma un-wihtes lógicamente consecuente: un unwight sería absurdo en inglés moderno.

RESÚMENES

El texto busca analizar semántica y culturalmente la expresión fīfẹlcynnes earden el poema épico- elegíaco anglosajón Beowulf. El análisis se enfoca centralmente en el primero de esos términos (fīfẹl-), particularmente complejo en su explicación, con referencia particular a sus lazos con la imaginería bíblica y dos literaturas vernáculas cercanas al texto anglosajón, la irlandesa y la nórdica antigua. El texto propone que, a diferencia de una asociación directa con un carácter

Medievalista, 27 | 2020 110

llanamente monstruoso, habitual en las traducciones, la expresión se refiere a un espacio de salvajismo y desmesura.

This article aims to analyse semantically and culturally the expression fīfẹlcynnes eard in the epic- elegiac Old English poem Beowulf. The analysis focuses on the first element (fīfẹl-), given the complexity involved in its explanation, by reference to its ties with biblical themes, and to two close vernacular literatures, Irish and Old Norse. The text proposes that, instead of proposing a directly monstrous character as it is usual in translations, the expression refers mostly to a space of wilderness and excess.

ÍNDICE

Keywords: Old English, Semantics, Beowulf, Monstrosity, Exile Palabras claves: Anglosajón, Semántica, Beowulf, Monstruosidad, Exilio

AUTOR

SANTIAGO BARREIRO

Instituto Multidisciplinario de Historia y Ciencias Humanas, CONICET.C1083ACA, Buenos Aires, Argentina. [email protected]. https://orcid.org/0000-0002-5195-2269

Medievalista, 27 | 2020 111

A diplomacia e os diplomatas na baixa Idade Média portuguesa (1431-1475) Diplomacy and diplomats in the late Portuguese Middle Ages (1431-1475)

Duarte Maria Monteiro de Babo Marinho

I. Introdução

1 O estudo da diplomacia medieval desde há muitos anos que vem atraindo a atenção dos historiadores a nível mundial1. Porém, devido a uma renovação de paradigmas historiográficos, essa realidade não foi constante: durante algumas décadas do século passado a Historiografia optou por não se dedicar, aprofundadamente, ao estudo de temas relacionados com a História da Diplomacia. Tratou-se de uma opção motivada pelo «desinteresse por questões relacionadas com a história factual, política e dos grandes homens»2. Somente com o surgimento da terceira fase dos Annales essa tendência começou a inverter-se, permitindo «um retorno ao político, que se viria a efetivar nos anos de 1980 e a consolidar nas décadas seguintes»3. Com efeito, a observação de Néstor Vigil Montes confirma essa realidade. De acordo com as suas palavras, o estudo da diplomacia medieval revelou-se «una de las temáticas que en los últimos años ha resurgido en la historiografia política medieval […]»4.

2 Esse ressurgimento também pode observar-se em Portugal. Após algumas décadas de modestas e parcelares publicações científicas a respeito de temas de diplomacia medieval5, os historiadores portugueses passaram a seguir de perto as linhas de investigação propostas pela historiografia internacional6. Entre essas propostas historiográficas destacamos, por exemplo: i) os avanços fulcrais na Nova História da Diplomacia, realizados por John Watkins7; ii) e as considerações a respeito das redes de contacto entre diplomatas, apresentadas por Isabella Lazzarini8. Esta nova realidade começou a desenvolver-se nos finais da década de 2000 e início da seguinte, como se pode comprovar por intermédio da organização de vários colóquios em Portugal,

Medievalista, 27 | 2020 112

dedicados à diplomacia medieval9, e pela publicação de abundante literatura a respeito do tema10.

3 Com efeito, este artigo insere-se na linha de investigação que tem vindo a desenvolver- se nos últimos anos a propósito da diplomacia portuguesa. Tencionamos, desta forma, contribuir para esse debate historiográfico, colocando a tónica em importantes questões associadas à diplomacia quatrocentista portuguesa, nomeadamente entre os anos de 1431-1475. Com efeito, estes anos corresponderam a um período histórico- diplomático complexo. Dando continuidade a uma tendência iniciada no reinado de D. João I, Portugal afirmou-se internacionalmente, por intermédio de uma rede diplomática extremamente eficaz, responsável pela articulação e envio de um elevado número de embaixadas a várias unidades políticas, tanto na Europa como no Norte de África11. Ainda assim, apesar da monarquia portuguesa ter empreendido políticas diplomáticas eficazes, cujo objetivo principal foi alargar o seu leque de contactos externos, Luís Adão da Fonseca constata que esse período foi nitidamente dominado por umas oscilantes relações luso-castelhanas: ora de amizade, ora de inimizade12.

4 Perante o exposto, de várias questões que poderíamos colocar ao tema, optámos por abordar quatro aspetos essenciais. Primeiro, determinar a caracterização social dos diplomatas. Segundo, explorar as competências e os atributos desses homens. Terceiro, compreender os mecanismos de recrutamento e as instâncias do poder de onde eram originários. Quarto, debater a especialização dos diplomatas, destacando, neste ponto, os processos de aquisição de competências, a duração das carreiras ao serviço da diplomacia e o número de missões internacionais desempenhadas.

5 A resposta a estas questões baseia-se na releitura cuidadosa de fontes narrativas e epistolares. Em especial podemos destacar, entre outras tipologias, os registros das chancelarias régias de D. Duarte e de D. Afonso V e algumas cartas de instrução depositadas no Fundo Manizola da Biblioteca Pública de Évora (que recentemente foram objeto de um estudo aprofundado por Cristina Cunha, Paula Pinto Costa e Duarte Babo)13. Os dados recolhidos nesta documentação foram complementados por alguns trabalhos historiográficos pertinentes para o tema, dos quais destacamos a tese de doutoramento de Duarte Babo, que nos fornece uma lista pormenorizada do pessoal diplomático enviado aos reinos ibéricos entre 1431-1474. Terminado o levantamento das informações documentais procuraremos identificar os diplomatas e sistematizar os dados biográficos referentes a esses homens, mediante a realização de catálogos prosopográficos. Na verdade, este método de trabalho permitiu-nos traçar o perfil coletivo de 54 indivíduos que compunham essa micro-sociedade14, considerando aspetos como as origens sociais, as instâncias onde eram recrutados e as qualificações académicas e culturais. Deste modo, é possível afirmar que um grande número de diplomatas de fins da Idade Média exercia um ou mais cargos de nomeação régia. Era nesses ofícios que, ao longo dos anos, estes homens faziam carreira e aperfeiçoavam competências o que os tornava depositários de memórias e conhecedores dos mais imbricados mecanismos burocráticos.

II. A diplomacia portuguesa em finais da Idade Média

6 A diplomacia constitui uma ramificação da Política Externa de um Estado, definindo-se como o conjunto de atuações de um embaixador (ou outro tipo de representante ré gio)15, sempre subordinadas às decisões da Coroa16. Contudo, na Idade Média, apesar da

Medievalista, 27 | 2020 113

importância política das embaixadas e dos embaixadores, esta era uma prática ad hoc e, como tal, não representava uma profissão, o que contrastava com as demais atividades profissionais ligadas à administração régia. (Com exceção de algumas unidades políticas italianas, que em meados do século XV começaram a desenvolver a génese da diplomacia moderna17). Quer isto dizer que se constituíam embaixadas e recrutavam diplomatas por um tempo limitado, com a finalidade de tratar questões pontuais ou reforçar os laços entre soberanos18.

7 Apesar da representação externa ser uma atividade circunstancial, os homens que ocupavam o ofício de diplomata eram escolhidos entre os mais competentes do Reino. Naquele tempo, somente os mais capacitados para determinado tipo de missão eram escolhidos, o que implicava uma meticulosa seleção. Este crivo que incidia sobre estas captações é compreensível: os diplomatas eram a voz do rei e o garante do prestígio do reino no exterior, e deles dependia o sucesso de uma missão.

8 Sendo assim, optava-se pelos homens que mais se adequavam a determinada missão, o que nos leva a pensar em áreas de especialização e de atuação diplomática19. Em paralelo, esses homens deviam respeitar os seguintes aspetos, alguns deles tidos em conta desde a Época Clássica: i) ser socialmente destacado; ii) conhecer regras de etiqueta e de precedência; iii) ter qualificações académicas (sobretudo Direito) ou culturais relevantes; iv) ser inteligente, hábil e paciente; e v) ser um notável orador.

9 Considerando o exposto, compreende-se que a preparação de uma missão diplomática era uma tarefa bastante complexa: exigia uma prévia e profunda análise de inúmeros dados, obtidos lícita ou ilicitamente (i.e., por intermédio da espionagem20). Cabe assinalar que era bastante comum os soberanos pedirem aos seus embaixadores para auscultarem e recolherem o máximo de informações nas suas deslocações21. Desta forma, os diplomatas aproveitavam a imunidade que lhes era garantida pelo ofício que desempenhavam e pela Corte visitada22, visto que “un souverain doit savoir recevoir les ambassadeurs envoyés par les Etats voisins”23. Todavia, este princípio nem sempre era respeitado24, como provam algumas violações à imunidade de embaixadas portuguesas, como foi o caso da de Martim Mendes de Berredo, em 145825.

10 Uma carta de instrução inédita, de 20 de abril de 1456, entregue por D. Afonso V a D. João Fernandes da Silveira ilustra bem aquele tipo de pedidos. Este embaixador, ao deslocar-se em missão diplomática à Santa Sé, deveria recolher o máximo de informações relativamente às forças de terra e mar dos reis cristãos (aliados) e dos turcos (inimigos)26. Recolhidas as informações pretendidas, o rei, em articulação com o Conselho Régio — e por vezes com as Cortes, como demonstra o estudo de Armindo de Sousa27 —, procedia à preparação de novas missões, das estratégias argumentativas e à redação das respetivas cartas de instrução. Tudo isto com o objetivo de desmerecer e refutar os argumentos dos diplomatas contrários, de forma a chegar a um acordo final e vantajoso para todos28. Exemplo da utilidade deste tipo de solicitações reflete-se na instrução que D. Afonso V entregou a Álvaro Lopes de Chaves, para ir em embaixada a Castela: essa carta foi redigida com base nas informações que Cide de Sousa trouxe no regresso de uma das suas deslocações àquele reino, no final da década de 146029. Não surpreende, por tanto, que a diplomacia, tanto ontem como hoje, constitua uma atividade cúmplice do silêncio, mas também criadora de espaços de diálogo, nos quais o diplomata tentaria fazer jus à arte de negociar sem ser enganado30.

11 Além da preparação das cartas de crença, que acreditava e apresentava o diplomata junto da Corte visitada, e das cartas de instrução, onde se elencava

Medievalista, 27 | 2020 114

pormenorizadamente toda a sua atuação, era essencial preparar a logística e o financiamento da embaixada, aspetos que recebiam a devida atenção por parte dos monarcas. Os procedimentos do rei D. João I, aquando da missão do prior do Hospital à Sicília referidos por Zurara, exemplificam o primeiro destes aspetos31. Relativamente ao segundo, D. Afonso V foi responsável por uma determinação, datada de setembro de 1473, onde constam os montantes a atribuir a uma embaixada, que variavam em função dos destinos. Sendo assim, os “[…] Embaixadores, ou pesoas outras que per seu mandado forem a Espanha; a saber, Castela, Aragaõ, Navarra &c […]”, tinham direito a quantias monetárias distintas dos “Embaixadores, ou pesoas que forem per mandado do dito Senhor, como pasare[m], e sahiem fora da Espanha […]”32.

III. Caraterização social dos embaixadores

12 Ao longo da Idade Média portuguesa a nobreza destacou-se como o grupo social predominante na diplomacia, principalmente quando o destino das missões diplomáticas era a Península Ibérica33. Dois fatores justificam a captação de nobres para essas missões. Em primeiro lugar, o prestígio que lhes conferiam: tratavam-se de cortesãos ambientados ao cerimonial palaciano e às suas precedências. Note-se que o prestígio geralmente ditava a boa ou má receção de uma embaixada, ou mesmo a sua rejeição. A título meramente ilustrativo (e um pouco deslocado da nossa baliza cronológica), a deslocação de Lourenço Martins a Inglaterra foi considerada uma missão fracassada devido à sua falta de prestígio. Por conseguinte, e na sequência de uma nova missão àquele reino, D. João I armou cavaleiro Lourenço Anes Fogaça antes de este partir34. Esta nobilitação promovida pelo monarca garantiu o prestígio essencial à missão e evitou um novo desaire diplomático.

13 Um segundo aspeto a considerar, embora menos conhecido, são as redes familiares dos diplomatas nos locais de destino, por se efetuarem de forma um tanto ou quanto sigilosa35. Porém, seriam extremamente úteis no desenvolvimento de canais políticos, ou pelo menos, num primeiro momento, de compromissos e alianças sociais que constituiriam a base de negociações posteriores36. Depreende-se, assim, a existência de uma sobreposição de lógicas familiares e políticas no exercício da diplomacia. Efetivamente, segundo Ana Leal de Faria, “era frequente o recurso a canais paralelos de comunicação, mais íntimos e secretos, que escapavam às redes diplomáticas oficiais”37.

14 Várias embaixadas também contaram com a presença de homens dos médios e altos estratos da hierarquia eclesiástica, confirmando assim uma realidade transversal à Europa medieval38. No quadro político do século XV português, os clérigos encontravam-se, essencialmente, vocacionados para as embaixadas enviadas à Santa Sé, cenário principal de atividade diplomática europeia, não só pela sua importância no panorama político medieval39, como pelo facto de ser o local mais ativo e bem informado da Europa ocidental. Para aí convergiam e daí fluíam as mais recentes informações políticas, militares, comerciais e religiosas. Desta forma, não estranhamos que os soberanos portugueses mantivessem constantes missões diplomáticas no papado, protagonizadas por membros do clero, com o objetivo de obterem informações vitais para os seus interesses40. Ainda assim, é possível detetá-los, embora com menor expressividade, em missões a outras unidades políticas, como é o caso de Castela, Coroa de Aragão, Inglaterra e França41. De facto, a importância simbólica dos clérigos também era indispensável na assinatura de tratados diplomáticos, o que pode ajudar a justificar

Medievalista, 27 | 2020 115

a sua presença em missões a outras Cortes que não a pontifícia, devido ao importante papel das celebrações litúrgicas que, por vezes, envolviam esses acontecimentos42.

15 Estudos até agora efetuados permitem-nos conhecer algumas condições que, até certo ponto, se revelam importantes para a escolha de determinados clérigos para o exercício diplomático. Portugal não constitui, a este nível, exceção. Assim, refira-se antes de mais a sua presença na Corte, o que lhes permitia conhecer os protocolos do meio cortesão e assegurar a proximidade ao rei, visível na circunstância de muitos serem confessores régios. Depois, mas não menos importante, possuíam competências académicas e literárias especialmente valorizadas neste contexto. Regra geral, os clérigos sabiam latim, oratória, retórica, Direito e Teologia. Compreende-se assim que os vários monarcas do século XV procurassem manter membros da Igreja nos seus círculos mais próximos.

16 Se a maior parte dos diplomatas ao serviço dos monarcas portugueses quatrocentistas eram nobres e clérigos, um número não negligenciável destes oficiais corresponde a uma categoria nebulosa de indivíduos. Queremos com isto dizer que apesar de serem abundantemente referidos nas fontes documentais não nos é possível determinar a sua ascendência, dada a pobreza de informações relativas a cada um deles. Frequentemente, os dados de que dispomos acerca destes homens são de índole académica, nomeadamente relacionados com a área do Direito43. Sabemos igualmente que alguns exerceram cargos de oficiais de armas44.

17 A diplomacia também contava com outro grupo bastante importante: os homens ligados à atividade comercial, e que muitas vezes podiam ser nobres, como é o caso de Leonel de Lima45. De facto, a atividade mercantil proporcionava-lhes uma grande itinerância e a criação de vastas redes de contactos, que os mantinha a par das realidades políticas e sociais dos locais por onde passavam46. Deste modo, é compreensível que esses homens fossem captados inúmeras vezes de forma a representarem o reino internacionalmente, não só para mediarem um negócio diplom ático, mas também para o transporte de missivas diplomáticas (aproveitando, assim, as suas rotas marítimas e redes de conhecimentos nos locais de destino). Esta realidade converge para o que se sabe acerca deste grupo social: desde os finais do século XIV, e ao longo de toda a centúria de XV, os mercadores ganharam um papel relativamente importante no palco da Diplomacia Internacional.

18 Exemplos desta realidade não faltam na História de Portugal47. Entre vários, o caso mais célebre é o de Afonso Martins Alho e o seu importante contributo para a assinatura do tratado de Windsor48. Mas, além da atividade diplomática deste homem, temos outros casos como, por exemplo, o de João da Barca, mercador e “apresentador” do infante D. Fernando (O Santo)49. Realçamos a atividade deste homem por ter participado em duas importantes missões diplomáticas: em 1441 dirigiu-se a Granada e a Marrocos, juntamente com um representante de Mohammed VIII para aí negociarem alguns aspetos acerca da libertação do referido infante50.

19 Diga-se que, com alguma frequência, os letrados também representavam o rei nas relações diplomáticas, mas não é possível identificá-los com um qualquer grupo social, pois em todos eles existiam homens com formação académica.

Medievalista, 27 | 2020 116

IV. Competências e atributos dos diplomatas

20 Além de uma condição social prestigiante era necessário que um diplomata apresentasse outros pré-requisitos: sólida formação académica em Direito (Civil e/ou Canónico) ou em Teologia; cultura letrada relevante; e conhecimentos linguísticos, nomeadamente o latim, devido à sua grande preponderância nos tratados jurídicos medievais51. Estamos, assim, perante uma realidade que se afirmou ao longo de todo o século XV (embora a sua génese remonte aos finais da centúria anterior) e que convergia com a realidade internacional e com as teorias defendidas pelo canonista quatrocentista Bernard du Rosier52. Um pouco por toda a Europa Ocidental é possível detetar estes doutos homens ao serviço de v árias entidades políticas: os seus qualificados pareceres eram essenciais, tanto ao nível da política interna como da externa. Esta atuação permitia que estas personalidades se destacassem, tanto na sociedade do seu tempo como nas embaixadas53.

21 Não obstante, além de uma condição social prestigiante e de relevantes qualificações académicas, era ainda indispensável que um diplomata apresentasse determinadas virtudes cardeais e dotes de oratória. No que respeita às primeiras, definem-se de acordo com as seguintes expressões: discrição, prudência, honra, bondade, fidelidade e boa memória. Muitas destas qualidades eram semelhantes às exigidas aos bons conselheiros: “homens que saibam das coisas; ser bem entendidos e de bom siso; bom entendimento; captar as coisas; ser amigo do rei”54.

22 A prudência e a discrição eram faculdades de um diplomata de hábil paciência, o que permitia prever, evitar e solucionar, lúcida e subtilmente, possíveis contratempos que ocorressem durante as negociações55. Por sua vez, honra, bondade e fidelidade, constituem outro conjunto de requisitos referentes às virtudes de muitos diplomatas portugueses. Estas caraterísticas traduzem-se por credibilidade social, aspeto essencial ao desempenho de ofícios públicos, como era, inegavelmente, o de embaixador/agente diplomático56. Compreende-se, pois, que o rei os considerasse homens respeitadores e zelosos do seu real estado, bem como pelos vínculos existentes entre ambos. Rui Gomes de Alvarenga é um exemplo desta realidade, como comprova uma carta que D. Afonso V lhe dirigiu. De acordo com as palavras do monarca, vemos que este indivíduo era um profissional cumpridor; e, por isso, merecedor da confiança régia: “conheço que sooes amigo teendes assaz de descriçom e saber ey por certo que amaaes muyto todo o que a meu estado e serviço perteence que sam huumas das principaaes que se rrquer ao bõo comselheyro”57.

23 A memória era outra qualidade apreciada num embaixador58, e que em muitas ocasiões garantia o êxito das missões. Um exemplo ilustrativo da necessidade de os diplomatas terem boa memória encontra-se no capítulo XVIII da Crónica da Tomada de Ceuta: o prior do Hospital faz uma descrição pormenorizada de memória da referida cidade, permitindo, assim, que o monarca elaborasse os planos de conquista. Ainda assim, uma boa memória teria pouca utilidade se o diplomata tivesse miopia intelectual e um instinto mal apurado: seria incapaz de compreender a multiplicidade de acontecimentos que se desenrolavam ao seu redor59.

24 Por último, mas não menos importante: os códigos de oratória. Trata-se de um aspeto muito valorizado por Rosier. Um bom diplomata evita lapsus linguae e sabe que é no in ício da exposição que cativará os ouvintes: para o fazer pode, entre outras hipóteses, elogiar honestamente a plateia, à semelhança do que fez Jean Jouffroy a D. Afonso V60.

Medievalista, 27 | 2020 117

25 Havia, pois, a preocupação de selecionar pessoas com dotes de oratória, que, por um lado, assegurassem eloquência e o respeito pelas regras discursivas, e, por outro, a capacidade de projeção adequada da voz61. Certamente era esse o caso de Vasco Fernandes de Lucena, Pedro Faleiro e D. Fernando de Castro. Do primeiro destaque-se a sua participação em importantes embaixadas de obediência à Santa Sé. Dos restantes há notícia de uma embaixada a Inglaterra e dos elogios de Henry IV à forma exemplar, clara e elegante como expuseram as questões a debater62.

V. Recrutamento e instâncias de poder

26 Ao contrário do que se passava na generalidade das restantes instâncias administrativas régias, a diplomacia não se afirmava como uma carreira; muito pelo contrário: tratava-se de um ofício esporádico e limitado no tempo. Em face desta realidade é essencial saber que estes “bons homens letrados, de sã consciência”63 provinham, essencialmente, do Conselho (31%), da Câmara Régia (25%) e dos tribunais superiores (24%)64. Era nestes locais que aprimoravam as suas competências e ganhavam visibilidade para o trato diplomático. Como nos recorda António Manuel Hespanha65, estamos na presença de uma elite não só imprescindível ao bom desempenho do funcionalismo régio, como dos homens mais aptos de um grupo a participar em embaixadas.

27 A presença de indivíduos provenientes dos organismos ligados à justiça reflete o grande prestígio social associado a essas funções e vinca a questão da formação em Direito e da eloquência jurídica. Estes aspetos ganham relevância nos finais do século XIV, outorgando, assim, aos diplomatas um papel preponderante na representação externa e nas questões político-diplomáticas66.

28 Fica assim evidente que a Coroa era extremamente seletiva em relação aos diplomatas: além de se rodear maioritariamente de uma camada social nobre e consideravelmente qualificada académica e culturalmente, também procurava recrutar esses indivíduos no seu círculo mais próximo. De facto, os cargos de aconselhamento pressupõem uma maior acuidade, pois destacam um saber prático adquirido e muito necessário aos conselhos e aos cargos políticos de topo; estes homens eram depositários da confiança régia, em virtude da proximidade que tinham ao rei, o que lhes garantia um maior entrosamento com os negócios mais sensíveis de cariz diplomático67.

29 Contudo, alguns diplomatas não se encontravam apenas relacionados com um único organismo da Cúria Régia. Frequentemente estavam associados a outras instâncias de poder. A título meramente ilustrativo, sublinhe-se os nomes de Diogo da Fonseca, João Fernandes da Silveira e Rui Gomes de Alvarenga, homens que apresentaram ligações ao Conselho, à Casa da Suplicação, à Casa do Cível e à Chancelaria68. Assim, partindo destes e de outros casos individuais, comprovou-se a existência de uma circulação de oficiais entre as diversas instituições do poder régio português. Itinerâncias deste género proporcionavam a estes homens, independentemente da sua experiência curricular, uma aprendizagem continua que incidia sobre múltiplos aspetos69.

Medievalista, 27 | 2020 118

VI. Agentes diplomáticos especializados?

Processo de aquisição de competências

30 O que temos vindo a ser referir adquire uma maior dimensão quando se equaciona que, naquele tempo, não existia um organismo público dedicado exclusivamente à prepara ção dos diplomatas; e que estes dificilmente teriam contacto com uma literatura especializada a respeito do tema. Na verdade, o que garantia a preparação destes homens era: i) a experiência adquirida em missões diplomáticas anteriores; ii) as cartas de instrução de que se faziam acompanhar; iii) e o desempenho de um ofício no funcionalismo régio70, embora este ponto nem sempre seja possível de determinar, por se desconhecer o ano de determinadas embaixadas ou porque uma missão deste género se tratou da única ligação de alguns destes homens à Corte71.

31 Como tal, é compreensível que tanto na diplomacia como nos restantes setores da administração régia, sempre que um monarca subia ao trono confirmava inúmeros cargos anteriormente exercidos, garantindo, assim, que afetava o mínimo possível o bom funcionamento do sistema72. Além disso, garantia a existência de um conjunto de servidores preparados e prestigiados, o que beneficiava não só a burocracia régia como a diplomacia.

32 A antiguidade destes funcionários régios demonstra a sua competência, maturidade, conhecimentos e as inúmeras aptidões técnico-práticas adquiridas ao longo do seu trajeto profissional73. Já D. Afonso, 4º conde de Ourém, a 4 de junho de 1433, expôs ao rei D. Duarte, a necessidade de nas embaixadas participarem “grandes pesoas” providas de assinalável entendimento, porque só assim os recetores da delegação “sentyam que pois taes pesoas emujaes que grande tençon tendes naquilo a que os mandaes”74.

33 Desta forma, compreende-se que a diplomacia se sujeitava aos conhecimentos dos homens que serviam o rei. O mesmo será dizer que o monarca dependia do horizonte e alcance da informação de cada diplomata, mas também da sua análise e do conhecimento das realidades recentes, bem como da destreza de cada um em usar essas informações em prol do bom serviço ao reino75.

Duração das carreiras na Diplomacia

34 A duração das carreiras é uma questão de grande pertinência para o estudo das sociedades políticas medievais. A presença em ofícios régios, quer pela antiguidade, na maior parte dos casos, quer pela qualidade dos serviços prestados, explica a nomeação de alguns homens para a prática diplomática. Isto indicia uma maior especialização em determinadas matérias, à semelhança da restante Europa ocidental76.

35 Contudo, um exercício semelhante ao que outros historiadores realizaram quando analisaram o Desembargo e a Burocracia, torna-se impraticável para o estudo das carreiras na diplomacia medieval portuguesa. A explicação para esta impossibilidade reside no facto de, ao contrário dos serviços nos restantes departamentos da Cúria Ré gia, a diplomacia não constituía uma atividade autónoma e permanente, como já se referiu77.

36 Todavia, existem casos esporádicos de homens que atuaram como embaixadores permanentes de Portugal, mais precisamente junto da Santa Sé. Uma dessas

Medievalista, 27 | 2020 119

personalidades é o abade D. Gomes que, devido à sua atuação como mediador dos interesses portugueses naquela Corte, é apontado como o nosso grande embaixador junto do sumo pontífice e considerado como uma das personagens-chave da política externa de então78. Mas existem outros casos semelhantes aos do abade D. Gomes, como por exemplo, o de Nuno Fernandes Tinoco, o clérigo que mais tempo permaneceu em funções efetivas em Roma, i.e., entre os anos de 1458-1484, correspondentes aos pontificados de Pio II, Paulo II e Sisto IV79.

Quantidade de missões desempenhadas

37 Para além da documentação avulsa, as listas de embaixadas que Jorge Faro publicou em as Receitas e Despesas da Fazenda Real são da maior importância para o estudo da quantidade de missões efetuadas entre 1431 e 1475. Contudo, esta última fonte documental levanta uma série de questões já referidas detalhadamente em outra ocasião80.

38 O cálculo da quantidade de missões desempenhadas é outra forma de considerar uma suposta especialização da diplomacia portuguesa. Porém, a limitação desse cálculo reside no facto do número de missões ser variável e depender muito dos homens envolvidos.

Tabela 1 — Número médio de anos em contacto com administração régia antes da primeira missão diplomática

Período de tempo Número de diplomatas Percentual

1 a 4 anos 10 18%

5 a 9 anos 10 18%

10 a 19 anos 20 38%

20 a 29 anos 4 8%

30 ou mais anos 1 2%

Ind. 9 16%

39 Contudo, temos acesso a uma noção aproximada da realidade, o que nos permite retirar algumas ilações acerca da especialização dos ofícios, que naquele tempo eram cada vez mais qualificáveis em carreiras81, embora o conceito de carreira ainda estivesse longe de se aplicar ao caso da diplomacia.

40 Os valores abaixo apresentados permitem percecionar a quantidade de missões por homem. Contudo, o número de diplomatas que desempenharam a atividade de forma esporádica (ou seja, apenas uma, duas ou três vezes) é o mais significativo, conforme se pode observar na tabela 2.

Tabela 2 — Relação quantidade de missões diplomáticas/número de diplomatas

Número de missões Número de diplomatas Percentual

1 19

2 11 74,1%

Medievalista, 27 | 2020 120

3 10

4 4

5 2

6 2 18,5%

7 1

8 1

10 1 3,7% 13 1

Ind. 2 3,7%

41 Quanto aos homens que mais vezes participavam em missões, representam um núcleo duro que ostenta uma maior estabilidade e especialização no que respeita à diplomacia, principalmente nos finais do século XIV e ao longo do século XV. Cada um dos homens domina a praxis inerente à atividade que desempenha, ainda que intervalada com as suas diversas funções do dia-a-dia. Apesar de não se tratarem propriamente de profissionais da área, nem de as suas carreiras se esgotarem no exercício da diplomacia, destacavam-se por terem uma sensibilidade muito mais apurada para essa prática, ao contrário de outros82.

42 A veterania, ao nível da participação em missões de uma determinada natureza, ligava- se a uma maior familiaridade com as questões diplomáticas. O prolongamento das carreiras nesta área refletia um vasto curriculum, que nos leva a entender que também o serviço na diplomacia era valorizado de acordo com a maior experiência que cada homem apresentava. Isto ajudou a dar resposta a um quadro diplomático mais alargado e que ia para além do seu âmbito tradicional (a Península Ibérica), desde finais do século XIV83.

43 Por conseguinte, neste conjunto restrito de homens encontrámos alguns dos mais destacados membros da sociedade política quatrocentista, que desempenharam talentosamente variadíssimos serviços em prol da Coroa. Dessa forma, e em virtude desse talento individual, como refere Baquero Moreno, eram selecionados para as missões diplomáticas84.

VII. Considerações finais

44 Como se pode observar ao longo deste texto, a Historiografia tem deixado bem clara a importância que a diplomacia assumiu para os Estados do ocidente europeu ao longo do século XV. Os poderes centrais tentaram criar as bases para uma gradual especialização dos serviços diplomáticos, aproveitando o dinamismo que se fazia sentir na burocracia régia85, ainda que com um ligeiro atraso relativamente a este organismo86. Há, contudo, casos concretos que nos demonstram, efetivamente, que os Estados tentaram criar condições para que tendencialmente a sua política externa fosse negociada por diplomatas cada vez mais especializados em determinadas questões e destinos87, demonstrando que tinham consciência das vantagens que podiam obter. Observando o contexto histórico daquele tempo encontrámos essas vantagens: Portugal manteve-se na vanguarda das práticas diplomáticas. Esta atenção não só permitiu ao reino tornar-

Medievalista, 27 | 2020 121

se num dos principais vetores da política internacional e ser um dos seus intervenientes mais relevantes, como salvaguardar a sua independência face à cada vez maior força centrípeta de Castela88.

45 Contudo, e como temos salientado em outros estudos, continuamos da opinião que é essencial que a historiografia portuguesa aprofunde os trabalhos a respeito dos homens que representaram o reino internacionalmente, ao longo do século XV89. Esta necessidade deve-se ao facto de Portugal, naquele tempo, ser representado no exterior por indivíduos provenientes dos mais vários estratos da oficialidade régia (essencialmente veteranos com grande proximidade ao rei e à Corte). A origem social desses homens era variada, como variados eram os seus conhecimentos práticos e académicos. Tratava-se de especificidades essenciais e que serviam de justificação para que muitos desses homens marcassem presença, mais ou menos assídua, em inúmeras deslocações diplomáticas. Na verdade, a atuação das autoridades portuguesas da época potenciava um saber fazer diplomático; o que era de suma importância, pois evitava-se o recrutamento de homens sem experiência de negociação a nível internacional. Assim, de forma a não comprometer a honra do rei e do reino, garantia-se o máximo de eficácia na seleção do pessoal diplomático, com base em uma série de fatores determinantes90.

BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Afonso V, Livro 9.

Biblioteca Nacional de França, Mss Lat. 6020.

Biblioteca Nacional de Portugal, Maço 226.

Biblioteca Pública de Évora, Fundo Manizola, Códice 177.

Fontes impressas

ÁLVARES, Fr. João – Trautado da vida e feitos do muiito vertuoso Sr. Infante D. Fernando. in Obras de Frei João Álvares. Ed. Adelino Almeida Calado. Vol. 1. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1959-1960.

CHAVES, Álvaro Lopes de – Livro de apontamentos (1438-1489). Códice 443 da colecção Pombalina da B. N. L. Ed. Anastácia Mestrinho Salgado e Abílio José Salgado. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984.

DUARTE, Dom – Leal Conselheiro. Ed. Maria Helena Lopes de Castro e Afonso Botelho. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999.

DUARTE, Dom – Livro dos conselhos de el-rei D. Duarte. Livro da Cartuxa. Ed. A. H. de Oliveira Marques e João José Alves Dias. Lisboa: Editorial Estampa, 1982.

LIVRO Vermelho de D. Afonso V. in Collecção de livros ineditos da Historia portuguesa dos reinados de D. Affonso V a D. João II. Ed. José Correia Serra. Vol. 3. Lisboa: Academia Real das Sciencias, 1790-1793.

Medievalista, 27 | 2020 122

MONUMENTA Henricina. Ed. António Joaquim Dias Dinis. 15 vols. Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960-1974.

ORDENAÇÕES Afonsinas. Ed. Mário Júlio de Almeida Costa e Eduardo Borges Nunes. 2ª Ed. 5 vols. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998.

PORTUGUESE Abbot in Renaissance Florence. The letter collection of Gomes Eanes (1415-1463). Ed. Rita Costa Gomes. Firenze: Casa Editrice/Leo S. Olschki, 2017.

ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da tomada de Ceuta. Ed. Reis Brasil. Lisboa: Europa-América, 1992.

Estudos

ARAÚJO, Julieta – Portugal e Castela na Idade Média. Lisboa: Edições Colibri, 2009.

AUTRAND, Françoise – “Office et officiers royaux en France sons Charles VI (1388-1413)”. Revue Historique, 93e année, 242 (1969), pp. 49-64.

AUTRAND, Françoise; CONTAMINE, Philippe – “Naissance de la France: naissance de sa diplomatie. Le Moyen Âge”. in Histoire de la diplomatie française. Du Moyen Âge à l’Empire. Vol. 1. Paris: Perrin, 2005, pp. 39-177.

BECEIRO PITA, Isabel – “La consolidación del personal diplomático entre Castilla y Portugal (1392-1455)”. in III Jornadas Hispano-portuguesas de Historia Medieval. La Península Ibérica en la Era de los Descubrimientos (1391-1492). Vol. 2. Sevilla: Consejería de Cultura. Junta de Andalucía, 1997, pp. 1735-1744.

BECEIRO PITA, Isabel – “La importancia de la cultura en las relaciones peninsulares (siglo XV)”. Anuario de Estudios Medievales [Em linha] 29 (1999), pp. 79-104. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://digital.csic.es/bitstream/10261/14366/1/20090630144606228.pdf.

BECEIRO PITA, Isabel – “La tendencia a la especialización de funciones en los agentes diplomáticos entre Portugal y Aragón (1412-1465)”. in El Poder Real en la Corona de Aragón. XV Congreso de Historia de la Corona de Aragón. Vol. 2. Zaragoza: Gobierno de Aragón, 1994, p. 441-455.

BENNÀSSER, Pau – “Negociar la paz en el siglo XIV”. in COELHO, Maria Helena da Cruz; GOMES, Saúl António; RIBEIRO, Ângelo (ed.) – A Guerra e a sociedade na Idade Média. VI Jornadas luso- espanholas de estudos medievais. Eds. Maria Helena da Cruz Coelho, Saúl António Gomes e Ângelo Ribeiro. Vol. 2. Coimbra, 2009, pp. 16-28.

BRANCO, Maria João; FARELO, Mário – “Diplomatic Relations: Portugal and the Others”. in MATTOSO, José (dir.) – The Historiography of Medieval Portugal: c. 1950-2010. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, 2011, pp. 231-259.

CAÑAS GÁLVEZ, Francisco de Paula – “La diplomacia castellana durante el reinado de Juan II: la participación de los letrados de la cancelaría real en las embajadas regias”. Anuario de Estudios Medievales [Em linha] 40/2 (2010), pp. 691-722. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em http:// estudiosmedievales.revistas.csic.es/index.php/estudiosmedievales/article/view/321/325.

CÓRDOVA MIRALLES, Álvaro Fernández de – “Imagen de los Reyes Católicos en la Roma pontifícia”. En la España Medieval [Em linha] 28 (2005), pp. 259-354. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=1226611.

FARELO, Mário – “La représentation de la couronne portugaise à Avignon et ses agents (1305-1377)". Anuario de Studios Medievales [Em linha] 40/2 (2005), pp. 723-763. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3332267.

Medievalista, 27 | 2020 123

FARIA, Ana Leal de – “«Tu felix Austria nubes»”. in RODRIGUES, Ana Maria S. A; SILVA, Manuela Santos; FARIA, Ana Leal de (coord.) – Casamentos da Família Real Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores, 2017, pp. 57-77.

FARIA, Diogo; MARIANI, Andrea – “«Todos hão de ficar cegos»: l’Italia di fine XV secolo osservata da un cardinale portoghese”. Mediterranea - ricerche storiche Ano 14 (dezembro 2017), pp. 695-706.

FARIA, Diogo – “Uma embaixada portuguesa do final da Idade Média: de Lisboa a Roma, 1443-1445”. Anuario de Estudios Medievales [Em linha] 48/2 (2018), pp. 695-721. [Consultado a 9 setembro 2018]. Disponível em https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/ 12794762/901_916_1_PB.pdf.

FARIA, Diogo – “A participação de letrados laicos nas embaixadas portuguesas do final da Idade Média (1385-1495)”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) - Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019 [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/7350.

FARIA, Tiago Viúla de – “Pela “Santa Garrotea”: Ofício cavaleiresco nas vésperas de Alfarrobeira”. in Actas do XIV Colóquio de História Militar: Portugal e os conflitos militares internacionais. Vol. 2. Lisboa, 2006, pp. 61-86.

FARIA, Tiago Viúla de – “Por prol e serviço do reino? O desempenho dos negociantes portugueses do Tratado de Windsor e suas consequências nas relações com Inglaterra (1384-1412)”. in Actas das VI Jornadas luso-espanholas de Estudos Medievais. A Guerra e a Sociedade na Idade Média. Vol. 2. SPEM, 2009, pp. 209-227.

FARIA, Tiago Viúla de – “Tracing the ‘chemyn de Portynlage’: English Service and Servicemen in Fourteenth-Century Portugal”. Journal of Medieval History 37/3 (setembro 2011), pp. 257-268.

FERREIRA, Ana Maria – “O processo de Pedro Barreto contra Jean Forestier. Um episódio nas relações luso-francesas”. Revista da Faculdade de Letras de Lisboa 1 (1977), pp. 619-639.

FONSECA, Luís Adão da – O essencial sobre o Tratado de Windsor. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986.

FONSECA, Luís Adão da – D. João II. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2005.

FREITAS, Judite de – O Estado em Portugal: (séculos XII-XVI): modernidades medievais. Lisboa: Alêtheia, 2012.

GANSHOF, François – Le Moyen Age. in RENOUVIN, Pierre (dir.) – Histoire des Relations Internationales. 3ª Ed. Vol. 1. Paris: Librairie Hachette, 1964.

GILLI, Patrick – “Bernard de Rosier et les débuts de la réflexion théorique sur les missions d’ambassade”. in ANDRETTA, Stefano; PÉQUIGNOT, Stéphane; WAQUET, Jean-Claude (dir.) – De l’ambassadeur. Les éscrits relatifs à l’ambassadeur et à l’art de négocier du Moyen Âge au début du XIXe siècle [Em linha]. Roma: Publications de l’École française de Rome, 2016 [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://books.openedition.org/efr/2907.

GOMES, Saul António – D. Afonso V. O Africano. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2006.

HESPANHA, António Manuel – História das instituições: época medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982.

HOMEM, Armando Luís de Carvalho – “De João das Regras ao Conselho Régio: os legistas na afirmação da nova dinastia”. in DOMINGUES, Francisco Contente; HORTA, José da Silva; VICENTE, Paulo David (org.) – D'aquém, d'além e d'Ultramar: homenagem a António Dias Farinha. Vol. 2. Lisboa: Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras/Centro de História, 2015, pp. 1061-1074.

Medievalista, 27 | 2020 124

HOMEM, Armando Luís de Carvalho – “Diplomacia e diplomatas nos finais da Idade Média a propó sito de Lourenço Anes Fogaça, chanceler-mor (1374-1399) e negociador do Tratado de Windsor”. in Actas do Colóquio Comemorativo do VI Centenário do Tratado de Windsor. Porto: Instituto de Estudos Ingleses da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1988, pp. 221-240.

LALANDA, Maria Margarida – “A política externa de D. Afonso IV (1325-1357)”. Arquipélago. História [Em linha] 11 (1989), pp. 107-151. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https:// repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/982/1/MariaMargaridaNogueiraLalanda_p107-151.pdf.

LAZZARINI, Isabella – Communication and Conflict. Italian Diplomacy in the Early Renaissance, 1350-1520. Oxford: Oxford University Press, 2015.

LEROY, Béatrice – Du France parler en politique. Aimer et devoir écrire aux souverains en Castille au XVe siècle. Limoges: Université de Limoges/Pulim, 2014.

LIMA, Douglas Mota Xavier de - “A política matrimonial de D. João I: um instrumento de afirmaçã o dinástica. Portugal, 1387-1430”. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo 3/2 (2014), pp. 191-209.

LIMA, Douglas Mota Xavier de - “Novos olhares sobre a diplomacia medieva”. Revista Transversos 3 (2015), pp. 77-91.

LIMA, Douglas Mota Xavier de - A diplomacia portuguesa no reinado de D. Afonso V (1448-1481). Niteró i: Universidade Federal Fluminense, 2016. Tese de Doutoramento.

LIMA, Douglas Mota Xavier de - “Regal ceremonies and diplomatic practices. Contributions from the travel narratives from the 15th century”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) - Comunicación polí tica y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019 [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/7453.

LOPES, Paulo – Um agente português na Roma do Renascimento. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2013.

MACEDO, Jorge Borges de – História Diplomática Portuguesa. Constantes e linhas de força. Estudo de Geopolítica. 2ª. Ed. Lisboa: Tribuna/Instituto da Defesa Nacional, 2006.

MAGALHÃES, José Calvet de – A Diplomacia Pura. Lisboa: Bizâncio, 2005.

MARINHO, Duarte de Babo - “A ação diplomática de Pedro Gonçalves de Malafaia na libertação do infante D. Pedro de Aragão (1432): antecedentes e significados”. Revista Portuguesa de História, [Em Linha] 46 (2015), pp. 83-96. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://digitalis- dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/38184/1/ A%20acao%20diplomatica%20de%20Pedro%20Goncalves%20de%20Malafaia.pdf?ln=pt-pt.

MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses nos reinos ibéricos (1431-1474). Um estudo sociodemográfico. 2 vols. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2017. Tese de Doutoramento.

MARINHO, Duarte de Babo – “Os agentes diplomáticos da Baixa Idade Média portuguesa (1431-1474): uma elite ao serviço da Coroa”. História: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto [Em linha] 7/2 (2017), pp. 10-30. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https:// ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/16032.pdf.

MARINHO, Duarte Babo – “Diplomacia visual na Baixa Idade Média portuguesa: os oficiais de armas”. Medievalista [Em linha] 24 (julho-dezembro 2018) [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA24/marinho2404.html

Medievalista, 27 | 2020 125

MARINHO, Duarte de Babo – “A atuação diplomática de Gomes Eanes e de Martim de Távora com vista à libertação do Infante D. Fernando (1439-1441)”. Revista Mátria Digital 6 (2018), pp. 155-185.

MARINHO, Duarte de Babo – “Recensão de Diplomatie et «Relations Internationales» au Moyen Âge (IXe-XVe siècle)”. História: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto [Em linha] 9/1 (2019), pp. 235-238. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://ojs.letras.up.pt/ index.php/historia/article/view/6167/5809.

MARINHO, Duarte de Babo. COSTA, Paula Pinto. MARIA CRISTINA, Cunha – “Preparation of embassies and protocol followed by royal Portuguese ambassadors in late-medieval times”. E- Journal of Portuguese History [Em linha] 1/17 (2019). [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/forth.html.

MARINHO, Duarte de Babo - “Diplomacia e espionagem na baixa Idade Média portuguesa”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) - Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019 [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https:// books.openedition.org/cidehus/6946.

MATTINGLY, Garrett – Renaissance Diplomacy. Baltimore: Penguin Books, 1964.

MENDONÇA, Manuela – “Diplomatas portugueses na costa africana (1434-1495: uma releitura de João de Barros)”. Mare Liberam: revista de história dos mares 10 (1995), pp. 341-353.

MENDONÇA, Manuela – “Portugal na Christiana Respublica”. in SOARES, Nair de Nazaré Castro; LÓPEZ MOREDA, Santiago – Génese e consolidação da Ideia de Europa. Idade Média e Renascimento. Vol. 4. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, pp. 61-82.

MIRANDA, Flávio – Portugal ant the Medieval Atlantic. Commercial Diplomacy, Merchants, and Trade, 1143-1488. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012. Tese de Doutoramento.

MOEGLIN, Jean-Marie e PÉQUIGNOT, Stéphane (dir.) – Diplomatie et «Relations Internationales» au Moyen Âge (Ixe-XVe siècle). Paris, Press Universitaires de France, 2017.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro – “La Diplomacia durante el Antiguo Régimen. Perfil sociológico y trayectorias”. Cuadernos de Historia Moderna [Em linha] 30 (2005), pp. 7-40. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://revistas.ucm.es/index.php/CHMO/article/ view/CHMO0505110007A/22171.

MORENO, Humberto Baquero – “O papel da diplomacia portuguesa no Tratado de Tordesilhas”. Revista da Faculdade de Letras. História [Em linha] 12 (1995), pp. 135-150. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/7845/2/2025.pdf.

MOTA, Eugénia Pereira da – Do Africano ao Príncipe Perfeito: (1480-1483). Caminhos da burocracia régia. Vol. 1. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989. Dissertação de Mestrado.

NIETO SORIA, José́ Manuel – Iglesia y génesis del Estado Moderno en Castilla (1369-1480). Madrid: Editorial Complutense, 1993.

NOGALES RINCÓN, David – “La cultura del pacto en las relaciones diplomáticas luso- castellanas durante el periodo Trastámara (1369-1504)”. En la España medieval [Em linha] 35 (2012), pp. 121-144. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo? codigo=3986849.

OCHOA BRUN, Miguel Ángel – “Los usos diplomáticos en la época del Tratato de ”. in El Tratado de Tordesillas y sy Época. Congreso Internacional de Historia. Vol. 2. Junta de Castilla y León, 1995, pp. 801-824.

Medievalista, 27 | 2020 126

OLIVERA SERRANO, Cesar – “Servicio al rey y diplomacia castellana: Don Juan Manuel de Villena (1462)”. Anuario de Estudios Medievales, [Em linha] 25 (1995), pp. 463-488. [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em http://digital.csic.es/bitstream/10261/17263/1/20090717140926228.pdf.

PÉQUIGNOT, Stéphane – “Les diplomaties occidentales, XIIIe-XVe siècles, dans les relations diplomatiques au Moyen Âge”. In Formes et enjeux. Paris: Publications de la Sorbonne, 2011, pp. 47-66.

PÉQUIGNOT, Stéphane – “Les instructions aux ambassadeurs des rois d’Aragon (XIII- XV siècles). Jalons pour l'histoire de la fabrique d'une parole royale efficace”. Cahiers d’études hispaniques médiévales 31 (2008), pp. 17-43.

PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi. Pratique diplomatique et pouvoir durant le règne de Jacques II d’Aragon (1291-1327). Madrid: Bibliothèque de la Casa Velázquez, 2009.

RAMIREZ VAQUERO, Eloísa – “Estrategias diplomáticas de rey de Navarra en el tránsito al siglo XV. in XXXI Semana de Estudios Medievales. Pamplona: Gobierno de Navarra/Departamento de Cultura y Turismo/Institución Príncipe de Viana, 2005, pp. 373-421.

RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy em favor do Infante D. Pedro (1449- 1450). Retórica e Humanismo cívico. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006. Tese de Doutoramento.

RODRIGUES, Ana Maria S. A. – “Casamentos régios na Idade Média: um feixe de problemas”. in RODRIGUES, Ana Maria S. A.; SILVA, Manuela Santos; FARIA, Ana Leal de (coord.) – Casamentos da Família Real Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores, 2017, pp. 35-56.

RUSSELL, Peter – A intervenção inglesa na Península Ibérica durante a Guerra dos Cem Anos. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 2000.

SANTOS, Maria Alice – A sociologia da representação político-diplomática no Portugal de D. João I. Lisboa: Universidade Aberta, 2015. Tese de Doutoramento.

SOUSA, Armindo de – As cortes medievais portuguesas: 1385-1490. 2 vols. Porto: INIC, 1990.

VAZ, Vasco Rodrigo dos Santos Machado – A boa memória do monarca. Os escrivães da Chancelaria de D. João I (1395-1433). Vol. 1. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 1995. Dissertação de Mestrado.

VIGIL MONTES, Néstor – “«Tractados de pazes, aliança e concordia entre as duas coroas de Portugal e Inglaterra», un cartulario realizado a comienzos del siglo XV para consolidar el Tratado de Windsor entre los reinos de Inglaterra y Portugal (1386), la alianza permanente más prolongada de la historia”. Espacio, Tiempo y Forma. Revista de la Facultad de Geografía e Historia [Em linha] 32 (2019), pp. 469-498. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em http://revistas.uned.es/ index.php/ETFIII/article/view/22403/19166.

VIGIL MONTES, Néstor – "El rumor político en diplomacia: la especulación sobre el posible destino de la armada portuguesa que se estaba preparando para finalmente conquistar Ceuta (1411-1415)”. in VILLARROEL GONZÁLEZ, Óscar, GARCÍA ISAAC, José Marcos, y CHELLE ORTEGA, José Antonio (eds.) - Guerra y Diplomacia en la Península Ibérica (1369-1474). Madrid: La Ergástula, 2019, pp. 15-40.

VIGIL MONTES, Néstor – “Diplomacia y diplomática: un análisis de las fuentes documentales de la diplomacia bajomedieval”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) - Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/6880.

Medievalista, 27 | 2020 127

VIGIL MONTES, Néstor – “A modo de introducción: nuevos caminos de la historiografía sobre la diplomacia medieval”. in Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media. Dir. Néstor Vigil Montes. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https:// books.openedition.org/cidehus/7438.

VILLANUEVA MORTE, Concepción – “La correspondencia diplomática entre los embajadores del ducado de Milán y la corte de los reinos hispánicos en la segunda mitad del siglo XV”. in Dossier la sociedad cortesana en la Península Ibérica (siglos XIV-XV): fuentes para su estudio. Madrid: Bibliothèque de la Casa Velázquez, 2015, pp. 143-166.

WATKINS, John – “Toward a New Diplomatic History of Medieval and Early Modern Europe”. Journal of Medieval and Early Modern Studies [Em linha] 38/1 (2008), pp. 1-14. [Consultado a 8 outubro 2019]. Disponível em https://read.dukeupress.edu/jmems/issue/38/1.

NOTAS

1. MARINHO, Duarte de Babo – “Os agentes diplomáticos da Baixa Idade Média portuguesa (1431-1474): uma elite ao serviço da Coroa”. História: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 7/2 (2017), p. 11. 2. MARINHO, Duarte de Babo – “Recensão de Diplomatie et «Relations Internationales» au Moyen Âge (IXe-XVe siècle)”, História: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 9/1 (2019), p. 235. 3. MARINHO, Duarte de Babo – “Recensão de Diplomatie et «Relations Internationales» au Moyen Âge (IXe-XVe siècle)”…, p. 235. 4. VIGIL MONTES, Néstor – “A modo de introducción: nuevos caminos de la historiografía sobre la diplomacia medieval”. in Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Dir. Néstor Vigil Montes. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/7438. 5. BRANCO, Maria João; FARELO, Mário – “Diplomatic Relations: Portugal and the Others”. in MATTOSO, José (dir.) – The Historiography of Medieval Portugal: c. 1950-2010. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, 2011, pp. 231-259. 6. A nível internacional destaca-se, entre outros, BECEIRO PITA, Isabel – “La tendencia a la especialización de funciones en los agentes diplomáticos entre Portugal y Aragón (1412-1465)”. in El Poder Real en la Corona de Aragón. XV Congreso de Historia de la Corona de Aragón. Vol. 2. Zaragoza: Gobierno de Aragón, 1994, pp. 441-455. Da mesma autora veja-se “La consolidación del personal diplomático entre Castilla y Portugal (1392-1455)”. in III Jornadas Hispano-portuguesas de Historia Medieval. La Península Ibérica en la Era de los Descubrimientos (1391-1492). Vol. 2. Sevilla: Consejería de Cultura. Junta de Andalucía, 1997, pp. 1735-1744. “La importancia de la cultura en las relaciones peninsulares (siglo XV)”. Anuario de Estudios Medievales 29 (1999), pp. 79-104. Finalmente, atente- se a PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi. Pratique diplomatique et pouvoir durant le règne de Jacques II d’Aragon (1291-1327). Madrid: Bibliothèque de la Casa Velázquez, 2009 e, do mesmo autor, “Les diplomaties occidentales, XIIIe-XVe siècles, dans les relations diplomatiques au Moyen Âge”. in Formes et enjeux. Paris: Publications de la Sorbonne, 2011, pp. 47-66. MOEGLIN, Jean-Marie e PÉQUIGNOT, Stéphane (dir.) – Diplomatie et «Relations Internationales» au Moyen Âge (IXe-XVe siècle). Paris: Press Universitaires de France, 2017. 7. WATKINS, John – “Toward a New Diplomatic History of Medieval and Early Modern Europe”. Journal of Medieval and Early Modern Studies [Em linha] 38/1 (2008), pp. 1-14. [Consultado a 8 outubro 2019]. Disponível em https://read.dukeupress.edu/jmems/issue/38/1. 8. LAZZARINI, Isabella – Communication & Conflict. Italian Diplomacy in the Early Renaissance, 1350-1520. Oxford: University Press, 2015, pp. 76-78.

Medievalista, 27 | 2020 128

9. Sem a preocupação de sermos exaustivos, referimo-nos a alguns eventos realizados em Portugal recentemente: Colóquio X Internacional Corte e Diplomacia na Península Ibérica (séculos XIII-XVIII). Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 13-14 de julho de 2016. Encontro Internacional Comunicação política e diplomacia no final da Idade Média. Universidade de Évora, 17-18 de novembro de 2016. Splendid Encounters VI. Correspondence and Information Exchange in Diplomacy (1300-1750). Universidade Nova de Lisboa, 28-30 de setembro de 2017. No entanto, é digno de nota mencionar a grande atividade a este nível nos países francófonos. 10. Relativamente a Portugal veja-se, por exemplo, LALANDA, Maria Margarida – “A política externa de D. Afonso IV (1325-1357). Arquipélago. História 11 (1989), pp. 107-151. FARELO, Mário – “La représentation de la couronne portugaise à Avignon et ses agents (1305-1377)”. Anuario de Studios Medievales, 40/2, pp. 723-763. SANTOS, Maria Alice – A sociologia da representação político- diplomática no Portugal de D. João I. Lisboa: Universidade Aberta, 2015. Tese de Doutoramento. MARINHO, Duarte de Babo – “A ação diplomática de Pedro Gonçalves de Malafaia na libertação do infante D. Pedro de Aragão (1432): antecedentes e significados”. Revista Portuguesa de História 46 (2015), pp. 83-96. Do mesmo autor vd. Os embaixadores portugueses nos reinos ibéricos (1431-1474). Um estudo sociodemográfico. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2017, 2 vols. Tese de Doutoramento; “Os agentes diplomáticos da Baixa Idade Média portuguesa (1431-1474): uma elite ao serviço da Coroa”. História: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto 7/2 (2017), pp. 10-30; “Diplomacia visual na Baixa Idade Média portuguesa: os oficiais de armas”. Medievalista [Em linha] 24 (julho-dezembro 2018). [Consultado a 12 julho 2018] Disponível em http:// www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA24/marinho2404.html; “A atuação diplom ática de Gomes Eanes e de Martim de Távora com vista à libertação do Infante D. Fernando (1439-1441)”. Revista Mátria Digital 6 (2018), pp. 155-185; “Diplomacia e espionagem na baixa Idade Média portuguesa”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) – Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/6946. FARIA, Diogo – “Uma embaixada portuguesa do final da Idade Média: de Lisboa a Roma, 1443-1445”. Anuario de Estudios Medievales 48/2 (2018), pp. 695-721. Do mesmo autor vd. “A participação de letrados laicos nas embaixadas portuguesas do final da Idade Média (1385-1495)”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) – Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 12 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/7350; “« Todos hão de ficar cegos»: l’Italia di fine XV secolo osservata da un cardinale portoghese”. Mediterranea - ricerche storiche Ano 14 (dezembro 2017), pp. 695-706. LIMA, Douglas Mota Xavier de – “A política matrimonial de D. João I: um instrumento de afirmação dinástica. Portugal, 1387-1430”. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo 3/2 (2014), pp. 191-209. Do mesmo autor vd. “Novos olhares sobre a diplomacia medieva”. Revista Transversos 3 (2015), pp. 77-91; A diplomacia portuguesa no reinado de D. Afonso V (1448-1481). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016. Tese de Doutoramento; “Regal ceremonies and diplomatic practices. Contributions from the travel narratives from the 15th century”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) – Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://books.openedition.org/cidehus/7453. FARIA, Tiago Viúla de – After Windsor: the politics of Anglo-Portuguese politics and their protagonists in the later middle ages. Oxford: Universidade de Oxford, 2013. Tese de Doutoramento. Do mesmo autor vd. “Por prol e serviço do reino? O desempenho dos negociantes portugueses do Tratado de Windsor e suas consequências nas relações com Inglaterra (1384-1412)”. in Actas das VI Jornadas luso-espanholas de Estudos Medievais. A Guerra e a Sociedade na Idade Média. Vol. 2. SPEM, 2009, pp. 209-227; “Tracing the ‘chemyn de Portynlage’: English Service and Servicemen in Fourteenth- Century Portugal”. Journal of Medieval History 37/3 (setembro 2011), pp. 257-268. VIGIL MONTES, N éstor – “Los retos actuales de la diplomática desde la perspectiva ibérica: ampliación de los horizontes espaciales y cronológicos, nuevos campos de investigación, adaptación a las nuevas

Medievalista, 27 | 2020 129

tecnologías”. Revista Portuguesa de História 49 (2018), pp. 99-124. Do mesmo autor vd. “«Tractados de pazes, aliança e concordia entre as duas coroas de Portugal e Inglaterra», un cartulario a comienzos del siglo XV para consolidar el alianza permanente más prolongada de la historia”. Espacio, Tiempo y Forma. Revista de la Facultad de Geografia e Historia 32 (2019), pp. 469-498; “ Diplomacia y diplomática: un análisis de las fuentes documentales de la diplomacia bajomedieval ”. in VIGIL MONTES, Néstor (dir.) - Comunicación política y diplomacia en la Baja Edad Media [Em linha]. Évora: Publicações do Cidehus, 2019. [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https:// books.openedition.org/cidehus/6880. 11. GOMES, Saul António – D. Afonso V. O Africano. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2006, pp. 113-114. 12. FONSECA, Luís Adão da – D. João II. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2005, p. 143. ARAÚJO, Julieta – Portugal e Castela na Idade Média. Lisboa: Edições Colibri, 2009, p. 3. 13. MARINHO, Duarte de Babo. COSTA, Paula Pinto. MARIA CRISTINA, Cunha – “Preparation of embassies and protocol followed by royal Portuguese ambassadors in late-medieval times”. E- Journal of Portuguese History [Em linha] 1/17 (2019). [Consultado a 1 julho 2019]. Disponível em https://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/forth.html. 14. Para as questões metodológicas associadas a este tema veja-se, entre outros, MONTEIRO, Nuno Gonçalo; CARDIM, Pedro – “La Diplomacia durante el Antiguo Régimen. Perfil sociológico y trayectorias”. Cuadernos de Historia Moderna 30 (2005), pp. 7-40. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses…, vol. 1, pp. 80-111. 15. MAGALHÃES, José Calvet de – A Diplomacia Pura. Lisboa: Bizâncio, 2005, p. 83. 16. OLIVERA SERRANO, Cesar – “Servicio al rey y diplomacia castellana: Don Juan Manuel de Villena (1462)”. Anuario de Estudios Medievales [Em linha] 25 (1995), pp. 463-488. [Consultado a 12 julho 2019]. Disponível em http://digital.csic.es/bitstream/ 10261/17263/1/20090717140926228.pdf. 17. LAZZARINI, Isabella – Communication and Conflict… 18. MATTINGLY, Garrett – Renaissance Diplomacy. Baltimore: Penguin Books, 1964, p. 55. MENDON ÇA, Manuela – “Diplomatas portugueses na costa africana (1434-1495): uma releitura de João de Barros”. Mare Liberam: revista de história dos mares 10 (1995), pp. 341-353. BENNÀSSER, Pau – “ Negociar la paz en el siglo XIV”. in COELHO, Maria Helena da Cruz; GOMES, Saúl António; RIBEIRO, Ângelo (ed.) – A Guerra e a sociedade na Idade Média. VI Jornadas luso-espanholas de estudos medievais. Vol. 2. Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais, 2009, pp. 16-28. 19. OLIVERA SERRANO, Cesar – “Servicio al rey y diplomacia castellana...”, pp. 476-477, 481. 20. MARINHO, Duarte de Babo – “Diplomacia e espionagem na baixa Idade Média portuguesa”… 21. Esta problemática é explorada em MARINHO, Duarte de Babo, COSTA, Paula Pinto, MARIA CRISTINA, Cunha – “Preparation of embassies and protocol followed by royal Portuguese ambassadors in late-medieval times”… 22. Veja-se o exemplo da carta de salvo-conduto que D. Afonso V atribuiu ao conde de Benavente, emissário do rei de Castela, a 28 de fevereiro de 1449: “E, porquanto a nos praz de sua vijmda, lhe damos, per esta nossa carta, nossa seguramça real, pera el e todos aqueles que lhe prouver comsigo trazer, da vijmda, estada e tornada” (MONUMENTA Henricina. Ed. António Joaquim Dias Dinis. Vol. 10. Coimbra: Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960-1974, doc. 8); ou a carta que o mesmo monarca concedeu a um embaixador do rei de Tunes, garantindo-lhe que pode “ir e vir a este Reyno” em segurança (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 9, fl. 147). 23. LEROY, Béatrice – Du France parler en politique. Aimer et devoir écrire aux souverains en Castille au XVe siècle. Limoges: Université de Limoges/Pulim, 2014, p. 82. 24. PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi…, p. 177. 25. FERREIRA, Ana Maria – “O processo de Pedro Barreto contra Jean Forestier. Um episódio nas relações luso-francesas”. Revista da Faculdade de Letras de Lisboa 1 (1977), pp. 619-639.

Medievalista, 27 | 2020 130

26. Biblioteca Pública de Évora, Fundo Manizola, Códice 177, fls. 24-29v. Trata-se de documentação inédita, publicada por MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses... Vol. 2, p. 215-222. 27. SOUSA, Armindo de – As cortes medievais portuguesas: 1385-1490. Vol. 2. Porto: INIC, 1990. 28. MAGALHÃES, José Calvet de – A Diplomacia Pura..., pp. 158-159. 29. CHAVES, Álvaro Lopes de – Livro de apontamentos (1438-1489). Códice 443 da colecção Pombalina da B. N. L. Ed. Anastácia Mestrinho Salgado e Abílio José Salgado. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, p. 319. 30. MENDONÇA, Manuela – “Portugal na Christiana Respublica”. in SOARES, Nair de Nazaré Castro; LÓPEZ MOREDA, Santiago (ed.) – Génese e consolidação da Ideia de Europa. Idade Média e Renascimento. Vol. 4. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, p. 73. 31. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da tomada de Ceuta. Ed. Reis Brasil. Lisboa: Europa-América, 1992, cap. 80. 32. LIVRO Vermelho de D. Afonso V. in Collecção de livros ineditos da Historia portuguesa dos reinados de D. Affonso V a D. João II. Ed. José Correia Serra. Lisboa: Academia Real das Sciencias, 1790-1793, vol. 3, doc. 26, pp. 467-468. 33. LALANDA, Maria Margarida – “A política externa de D. Afonso IV...”, p. 137. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 95. 34. RUSSELL, Peter – A intervenção inglesa na Península Ibérica durante a Guerra dos Cem Anos. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 2000, pp. 398-399. 35. RODRIGUES, Ana Maria S. A. – “Casamentos régios na Idade Média: um feixe de problemas”. in RODRIGUES, Ana Maria S. A.; SILVA, Manuela Santos; FARIA, Ana Leal de (coord.) – Casamentos da Família Real Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores, 2017, p. 41. 36. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses... Vol. 1, pp. 95-99. 37. FARIA, Ana Leal de – “«Tu felix Austria nubes»”. in RODRIGUES, Ana Maria S. A.; SILVA, Manuela Santos; FARIA, Ana Leal de (coord.) – Casamentos da Família Real Portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Círculo de Leitores, 2017, p. 59. 38. BRANCO, Maria João; FARELO, Mário – “Diplomatic Relations: Portugal and the Others”…, p. 248. 39. NIETO SORIA, José Manuel – Iglesia y génesis del Estado Moderno en Castilla (1369-1480). Madrid: Editorial Complutense, 1993, pp. 17-22 e 292. 40. Assim, e a título de exemplo, veja-se a carta que D. Afonso V escreve a João Fernandes da Silveira, mandando recolher informações junto da Santa Sé sobre os exércitos cristãos e muçulmanos, no contexto da “Cruzada contra o Turco” que se preparava (Biblioteca Pública Évora, Fundo Manizola, Códice 177, fl. 27v-28). 41. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses... Vol. 1, p. 93 e Vol. 2, anexos 2A e 2B (nº 27, 31, 42, 44, 52 e 61). 42. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses... Vol. 1, p. 200. 43. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses... Vol. 1, p. 90. 44. MARINHO, Duarte Babo – “Diplomacia visual na Baixa Idade Média portuguesa: os oficiais de armas”. Medievalista [Em linha] 24 (julho-dezembro 2018). [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA24/marinho2404.html. 45. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses... Vol. 2, fichas prosopográficas 5, 19, 25, 28 e 39. 46. PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi…, p. 110. MIRANDA, Flávio – Portugal ant the Medieval Atlantic. Commercial Diplomacy, Merchants, and Trade, 1143-1488. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012. Tese de Doutoramento, pp. 180-209. 47. LALANDA, Maria Margarida – “A política externa de D. Afonso IV...”, pp. 107-151. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 2, anexos 2A, nº 21 e 2B, nº 65 e 69. 48. Por todos veja-se FONSECA, Luís Adão da – O essencial sobre o Tratado de Windsor. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1986.

Medievalista, 27 | 2020 131

49. ÁLVARES, Fr. João – Trautado da vida e feitos do muiito vertuoso Sr. Infante D. Fernando. in Obras de Frei João Álvares. Ed. Adelino Almeida Calado. Vol. 1. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1959-1960, pp. 204-207. 50. MARINHO, Duarte de Babo – “A atuação diplomática de Gomes Eanes e de Martim de Távora com vista à libertação do Infante D. Fernando (1439-1441)” …, pp. 155-185. 51. PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi…, p. 97. CÓRDOVA MIRALLES, Álvaro Fernández de – “Imagen de los Reyes Católicos en la Roma pontificia”. En la España Medieval 28 (2005), p. 265. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 172 e Vol. 2, fichas prosopográficas 29, 32, 42, 45. 52. Não dispomos de dados que comprovem ou refutem o conhecimento deste tratado em Portugal. Vd. Biblioteca Nacional de França, Mss Lat 6020, fl. 45v-46. BECEIRO PITA, Isabel – “La consolidación del personal diplomático…”, p. 1735-1474. RAMIREZ VAQUERO, Eloísa – “Estrategias diplomáticas de rey de Navarra en el tránsito al siglo XV”. in XXXI Semana de Estudios Medievales. Pamplona: Gobierno de Navarra/Departamento de Cultura y Turismo/Institución Príncipe de Viana, 2005, p. 398. 53. PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi…, p. 172 e 193. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 209. 54. ORDENAÇÕES Afonsinas. Ed. Mário Júlio de Almeida Costa e Eduardo Borges Nunes. 2ª Ed. Vol. 1. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, tít. 59. GILLI, Patrick – “Bernard de Rosier et les débuts de la réflexion théorique sur les missions d’ambassade”. in ANDRETTA, Stefano; PÉQUIGNOT, Stéphane; WAQUET, Jean-Claude (dir.) – De l’ambassadeur. Les éscrits relatifs à l’ambassadeur et à l’art de négocier du Moyen Âge au début du XIXe siècle [Em linha]. Roma: Publications de l’École française de Rome, 2016, p. 5 [Consultado a 12 julho 2018]. Disponível em https://books.openedition.org/efr/2907. 55. PÉQUIGNOT, Stéphane – “Les instructions aux ambassadeurs des rois d’Aragon (XIII- XV siècles). Jalons pour l'histoire de la fabrique d'une parole royale efficace”. Cahiers d’études hispaniques médiévales 31 (2008), p. 34. VILLANUEVA MORTE, Concepción – “La correspondencia diplomática entre los embajadores del ducado de Milán y la corte de los reinos hispánicos en la segunda mitad del siglo XV”. in Dossier la sociedad cortesana en la Península Ibérica (siglos XIV-XV): fuentes para su estudio. Casa de Velasquez, 2015, p. 160. 56. Biblioteca Nacional de França, Mss Lat 6020, fl. 48v. 57. Biblioteca Nacional de Portugal, Maço 226, nº 6. 58. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 2, fichas prosopográficas 28, 41, 45, 49. 59. RAMIREZ VAQUERO, Eloísa – “Estrategias diplomáticas de rey de Navarra… XV”, p. 381. 60. RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy em favor do Infante D. Pedro (1449- 1450). Retórica e Humanismo cívico. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006. Tese de Doutoramento, p. 105 e seguintes. 61. GILLI, Patrick – “Bernard de Rosier…”, p. 7-8. 62. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 256. 63. SOUSA, Armindo de – As cortes medievais portuguesas…, Vol. 2, p. 458, nº 49. 64. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 209 e 328. 65. HESPANHA, António Manuel – História das instituições: época medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982, p. 345 e seguintes. 66. AUTRAND, Françoise – “Office et officiers royaux en France sons Charles VI (1388-1413)”. Revue Historique. 93e année, 242 (1969), pp. 49-64. CAÑAS GÁLVEZ, Francisco de Paula (2010) – “La diplomacia castellana durante el reinado de Juan II: la participación de los letrados de la cancelaría real en las embajadas regias”. Anuario de Estudios Medievales 40/2 (2010), p. 292. 67. HOMEM, Armando Luís de Carvalho – “De João das Regras ao Conselho Régio: os legistas na afirmação da nova dinastia”. in DOMINGUES, Francisco Contente; HORTA, José da Silva; VICENTE,

Medievalista, 27 | 2020 132

Paulo David (org.) – D'aquém, d'além e d'Ultramar: homenagem a António Dias Farinha. Vol. 2. Lisboa: Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras/Centro de História, 2015, pp. 1061-1074. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, pp. 171-183. 68. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 2, fichas prosopográficas 10, 21, 48. 69. VAZ, Vasco Rodrigo dos Santos Machado – A boa memória do monarca. Os escrivães da Chancelaria de D. João I (1395-1433). Vol. 1. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995. Dissertação de Mestrado, pp.98-99. 70. PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi…, p. 39. 71. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 2, fichas prosopográficas 2, 4, 7, 8, 10, 11, 13, 14, 18, 23, 36, 37 e 40. 72. MOTA, Eugénia Pereira da – Do Africano ao Príncipe Perfeito: (1480-1483). Caminhos da burocracia régia. Vol.1. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989. Dissertação de Mestrado, p. 73 e 110. 73. DUARTE, Dom – Leal Conselheiro. Ed. Maria Helena Lopes de Castro e Afonso Botelho. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999, pp. 101-102. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 326. 74. DUARTE, Dom – Livro dos conselhos de el-rei D. Duarte. Livro da Cartuxa. Ed. A. H. de Oliveira Marques e João José Alves Dias. Lisboa: Editorial Estampa, 1982, p. 71. 75. PÉQUIGNOT, Stéphane – Au nom du roi…, p. 97. 76. Por todos veja-se AUTRAND, Françoise; CONTAMINE, Philippe – “Naissance de la France: naissance de sa diplomatie. Le Moyen Âge”. in Histoire de la diplomatie française. Du Moyen Âge à l’Empire. Vol. 1. Paris: Perrin, 2005, pp. 39-177. 77. HOMEM, Armando Luís de Carvalho – “Diplomacia e diplomatas nos finais da Idade Média a propósito de Lourenço Anes Fogaça, chanceler-mor (1374-1399) e negociador do Tratado de Windsor”. in Actas do Colóquio Comemorativo do VI Centenário do Tratado de Windsor. Porto: Instituto de Estudos Ingleses da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1988, p. 223. NOGALES RINCÓN, David – “La cultura del pacto en las relaciones diplomáticas luso-castellanas durante el periodo Trastámara (1369-1504)”. En la España medieval 35 (2012), p. 138. 78. Veja-se a recente publicação, anotada, de cerca de 550 documentos referentes ao Abade D. Gomes. Esta publicação conta com uma introdução e estudo relativo ao dito prelado, da autoria de Rita Costa Gomes. Vd. PORTUGUESE Abbot in Renaissance Florence. The letter collection of Gomes Eanes (1415-1463). Ed. Rita Costa Gomes. Firenze: Casa Editrice/Leo S. Olschki, 2017. 79. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, pp. 332-333. 80. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, pp. 333-334. 81. HOMEM, Armando Luís de Carvalho – “De João das Regras ao Conselho Régio…”, p. 1063. 82. MORENO, Humberto Baquero – “O papel da diplomacia portuguesa no Tratado de Tordesilhas”. Revista da Faculdade de Letras. História 12 (1995), pp. 135-150. 83. MARINHO, Duarte de Babo – Os embaixadores portugueses..., Vol. 1, p. 336. 84. MORENO, Humberto Baquero – “O papel da diplomacia portuguesa…”, p. 143. 85. FREITAS, Judite de – O Estado em Portugal: (séculos XII-XVI): modernidades medievais. Lisboa: Alêtheia, 2012, pp. 22-32. 86. AUTRAND, Françoise; CONTAMINE, Philippe – “Naissance de la France…”, p. 271. 87. GANSHOF, François – Le Moyen Age. in RENOUVIN, Pierre (dir.) – Histoire des Relations Internationales. 3ª Ed. Vol. 1. Paris: Librairie Hachette, 1964, pp. 267-268. 88. MACEDO, Jorge Borges de – História Diplomática Portuguesa. Constantes e linhas de força. Estudo de Geopolítica. 2ª. Ed. Lisboa: Tribuna/Instituto da Defesa Nacional, 2006, pp. 37-106. 89. MARINHO, Duarte de Babo – “Os agentes diplomáticos da Baixa Idade Média portuguesa (1431-1474): uma elite ao serviço da Coroa” …, pp. 10-30. MARINHO, Duarte de Babo – “A atuação

Medievalista, 27 | 2020 133

diplomática de Gomes Eanes e de Martim de Távora com vista à libertação do Infante D. Fernando (1439-1441)”. Revista Mátria Digital 6 (2018), pp. 155-185. 90. LOPES, Paulo – Um agente português na Roma do Renascimento. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2013, pp. 671-672.

RESUMOS

Temos como principal objetivo proceder a uma reflexão de conjunto sobre os homens que davam corpo à diplomacia régia portuguesa entre 1431 e 1475. Assim, para além de apontarmos algumas linhas de força relativas aos membros constituintes das embaixadas portuguesas, nomeadamente no que se refere à composição social destas, às características dos agentes diplomáticos e às estratégias do monarca para o seu recrutamento, procuraremos destacar algumas questões como a aquisição de competências e a duração de carreiras.

Our main objective is to carry out an overall reflection on the men who formed the Portuguese royal diplomacy between 1431 and 1475. Therefore, in addition to pointing out some lines of force regarding the constituent members of the Portuguese embassies, like the composition the characteristics of diplomatic agents and the monarch's strategies for recruitment, we will seek to highlight certain issues such as the acquisition of skills and the duration of careers.

ÍNDICE

Keywords: Diplomacy, Ambassadors, Middle Ages, Social profiles, Medieval elites Palavras-chave: Diplomacia, Embaixadores, Idade Média, Perfis sociais, Elites medievais

AUTOR

DUARTE MARIA MONTEIRO DE BABO MARINHO

Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 4150-564 Porto, Portugal. https://orcid.org/0000-0002-0202-495X

Medievalista, 27 | 2020 134

Recensões

Medievalista, 27 | 2020 135

PANZRAM, Sabine e CALLEGARIN, Laurent (eds.) – Entre Civitas y Madīna. El Mundo de las Ciudades en la Península Ibérica y en el Norte de África (siglos IV-IX). Madrid: Casa de Velázquez, 2018 (393 pp.)

António Rei

REFERÊNCIA

Sabine Panzram, Laurent Callegarin (eds.), Entre Civitas y Madīna. El Mundo de las Ciudades en la Península Ibérica y en el Norte de África (siglos IV-IX), Madrid: Casa de Velázquez. 393 pp.

NOTA DO AUTOR

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Norma Transitória – DL 57/2016/CP1453/ CT0072. / This work is funded by national funds through the FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., under the Norma Transitória – DL 57/2016/CP1453/CT0072.

Nas regiões próximas das duas margens do Estreito de Gibraltar, que os gregos chamaram de Herakleios Porthmos (Colunas de Hércules) e os latinos como Gaditanum fretum (Estreito de Cádis), deu-se uma singular concentração de núcleos urbanos durante o Império Romano.

Medievalista, 27 | 2020 136

De acordo com o atual estado da arte, considera-se que a importância e o significado daquele conjunto de cidades, como centros de poder, ter-se-á mantido ininterrupto até ao início do século VIII, quando se deu a entrada dos muçulmanos na Península, e uma maior fixação dos mesmos no Magrebe. Tal facto tem sido considerado sempre como um decisivo ponto de viragem na história destas regiões. De que forma aquela constelação urbana se alterou, antes ou depois daquele momento? Em 1985 já Hugh N. Kennedy no seu estudo precursor “From Polis to Madina” chamara a atenção para o facto de que a madīna deverá ser considerada como uma realidade urbana que surge, principalmente, em consequência de transformações sociais e económicas, mais do que como resultado de uma abrupta “islamização” da sociedade. Esta coletânea, em função de uma nova valorização do mundo das cidades da Antiguidade tardia, procura questionar aquelas eventuais continuidades ou descontinuidades, entre os finais da Antiguidade e a Alta Idade Média, dentro de uma perspetiva interdisciplinare sobre uma base material que assenta em estudos muito recentes. A obra colige estudos em torno da realidade urbana na Península Ibérica e no Norte de África, entre os séculos IV e IX; ou seja, desde o início da cristianização do Império Romano até ao período que antecede o Califado omíada. Com uma extensão total de 393 páginas, organiza-se em dois grandes blocos: “I - El mundo de las ciudades en la Península Ibérica” (pp.21-187), e “II - El mundo de las ciudades en el Norte de África” (pp. 189-316). São antecedidos pelo Índice (pp. IX-XI); por dois mapas gerais da Península Ibérica e do Magrebe (pp. XII-XIII, não paginadas); por um “Prólogo”, dos editores (pp. XV-XVI), e por uma “Introdução”, de Sabine Panzram (pp. 1-12) onde é feita uma apresentação e resumo da obra. Entre aqueles elementos propedêuticos e o início do primeiro bloco, Hugh N. Kennedy revisita (pp. 13-20), mais de três décadas depois, o seu trabalho “From Polis to Madina” (1985), estudo que os editores identificam como uma referência matricial, quer para a área temática, quer para a abordagem científica da mesma. Após os dois blocos que compõem o grosso dos conteúdos da coletânea, surge um texto, designado de “Contraponto”, da autoria de Patrice Cressier (pp. 317-330), e, por fim, a obra conclui com uma extensa e exaustiva Bibliografia, que ocupa mais de 60 páginas (pp. 331-393). Cada um dos dois blocos constituintes divide-se em três partes: “Perspectivas generales”, “Estudio de casos” e “Enfoques temáticos”. A única diferença entre ambos é que na segunda parte do primeiro bloco, relativa à Península Ibérica, há quatro capítulos, enquanto a parte homónima do outro bloco, sobre o Norte de África, apenas conta três. A coletânea integra textos em vários idiomas: oito em espanhol, cinco em inglês, quatro em francês e três em alemão. O primeiro bloco, “I - El mundo de las ciudades en la Península Ibérica”, compõe-se de:

“Perspectivas generales”

Javier Arce (pp. 23-31) fala-nos de uma progressiva cristianização dos núcleos urbanos tardo-antigos, e que começou pela construção de igrejas nas zonas periféricas dos mesmos. O progressivo abandono dos templos clássicos nos centros das cidades e a sua

Medievalista, 27 | 2020 137

substituição por igrejas, que começaram a povoar o espaço intramuros, levou, nos finais do século V, a uma completa cristianização da vida citadina. Sonia Gutiérrez Lloret (pp. 33-47) explica que, tomando por base a sucessão de assentamentos entre os séculos VI e X, a cidade islâmica de al-Andalus nada teria em comum com a anterior cidade romana, ainda que, por vezes, a constante topográfica possa sugerir uma aparência de continuidade. A autora assinala três períodos: do século VI ao VIII: retração urbana, perda da monumentalidade, amuralhamento, e menor população. Abandono definitivo da cidade clássica, entre os séculos VIII e IX e início de uma nova realidade urbana, totalmente islâmica. A qual se consolidará entre os séculos IX e XI.

“Estudio de casos”

Miguel Alba Calzado (pp. 51-74) identifica alguns diferentes períodos passados por Augusta Emerita (Mérida), a qual sofre uma expansão económica quando passa a ser a sede do vicarius de Diocleciano, e quando o culto de Santa Eulália se expande. Mais tarde, no século VI, dá-se a transformação completa de Mérida numa cidade cristã, por ação dos seus bispos. E finalmente a sua rendição às forças muçulmanas em 713, as quais constroem a Alcáçova para controlar o acesso à velha ponte romana. Mérida entrará no seu ocaso cerca de dois séculos mais tarde, com a emergência de Badajoz, esta por ação dos vários senhores dos Banū Marwān. Jaime Vizcaíno Sánchez (pp. 75-103) constatou para Carthago Nova (Cartagena) uma recessão já em pleno século II, eventualmente relacionada com o esgotamento de minas na sua região. No entanto, o facto de que, no século IV, Cartagena foi feita cabeça da província da Carthaginensis originou um novo impulso que estimulou a atividade comercial e assentou as bases económicas que levaram a que, mais tarde, já no período visigodo, tivesse sido uma sede episcopal que se tornou famosa e próspera. Darío Bernal Casasola (pp. 105-117) trabalha as indústrias de conservas de peixe - o garum e o peixe de salmoura –, em cidades próximas da margem norte do Estreito de Gibraltar. E estabelece continuidades naquelas atividades industriais e económicas até ao século VI ou mesmo para além dele. A chegada dos muçulmanos não representou uma rotura, mas deixou de existir uma maior uniformidade no desenvolvimento daquele conjunto urbano. Maria Teresa Casal García (pp. 119-132) estudou Šaqunda, um arrabalde de Córdova, um bairro periférico da capital Omíada. Aparece citado nas fontes em 711 e acabou sendo destruído em 818 em consequência da rebelião contra o Emir al-Hakam I. Foi local de residência de mercadores, de comerciantes e de antigos soldados, dos quais ficaram testemunhos de que usaram cerâmica árabe, que tiveram ovelhas, cabras e galinhas, mas não tinham porcos. E da sua economia, comercial e / ou doméstica, subsistiram moedas de cobre, os fulūs.

“Enfoques temáticos”

Ruth Pliego Vázquez e Tawfiq Ibrahim (pp. 135-151) marcam uma continuidade de cerca de cinco séculos de oficinas de cunhagem de moeda, desde o reinado do imperador Cláudio (séc. I d.C.) até ao reinado de Leovigildo (séc. VI). As moedas tinham inscritas, entre outras marcas, o nome da cidade em que eram cunhadas, o que

Medievalista, 27 | 2020 138

identifica um fator de diversidade nas cunhagens. Pelo contrário, a emissão de moeda no âmbito do al-Andalus assenta numa única oficina de cunhagem, na capital, Córdova, enquanto a dinastia omíada se manteve no poder até ao século XI. Outros diferentes testemunhos materiais encontrados são sinetes, em chumbo, alguns dos quais terão servido para selar os acordos estabelecidos entre o novo poder islâmico e as elites locais visigodas. Francisco José Moreno Martín (pp. 153-171), à luz de novos achados arqueológicos e das tentativas de reconstrução da topografia da Toledo do século VII, refuta duas teses: a de que Toledo replicaria os modelos urbanos de Roma e de Constantinopla; e de que, de acordo com fontes cronísticas do século IX, aquela planta toledana teria, por sua vez, servido de modelo para a capital do reino asturiano, Oviedo. Chrtistoph Eger (pp. 173-187) estudou os ritos funerários. As necrópoles situavam-se, preferentemente, como também na Antiguidade, junto às portas das cidades ou das vias principais. Em certas cidades os muçulmanos procuraram claramente um novo local de enterramento, evitando os cemitérios dos cristãos e de judeus. Nos casos em que ocorre uma sobreposição de sepulturas islâmicas sobre enterramentos cristãos pode tal facto indiciar um momento de conversão ao islão de parte da população da cidade em causa. O segundo bloco, II - El mundo de las ciudades en el Norte de África, divide-se, como o anterior, em:

“Perspectivas generales”

François Baratte (pp. 191-201) assinala a ininterrupta vitalidade das cidades, mesmo para além da invasão dos Vândalos. Aponta para que a problemática que permita compreender a sua evolução posterior se articule com o domínio bizantino e que continue até à presença islâmica. Até bem entrado o século V continuavam coexistindo, nas cidades, templos do culto imperial com ostentosas igrejas cristãs. Corisande Fenwick (pp. 203-219) afirma que as épocas vândala e bizantina foram essenciais para a transformação da cidade clássica em cidade medieval. Após um século de estagnação urbana, com a entrada dos muçulmanos na Ifrīqiya, as cidades acabaram por recuperar dinamismo e por terem um novo florescimento.

“Estudio de casos”

Elsa Roca e Fathi Béjaoui (pp. 223-239) estudam duas cidades norte africanas, Ammaedara e Theveste, e cujos bispos já tinham estado presentes num sínodo em Cartago, em meados do século III, durante um longo processo de cristianização que, em ambas as cidades, se prolongou até ao início do século V. Mais tarde, os períodos de presença vândala, e depois de presença bizantina, apenas deixaram marcas arquitetónicas de cariz militar. No entanto, enquanto Theveste continuou o seu processo de expansão urbana, em Ammaedara deu-se o contrário, com o início de um retrocesso no perímetro da cidade, e consequentemente de perda de importância regional. Elizabeth Fentress (pp. 241-252) debruça-se sobre a cidade portuária de Meninx / Girba, que também era um grande centro de produção de púrpura. No século VI, quando foi integrada no Império Bizantino, ainda continuava sendo importante. Foi

Medievalista, 27 | 2020 139

posteriormente abandonada, e já só no século VIII voltou a ter ocupação, embora esta ocupação apenas tenha usado um terço dos espaços antes usados pelos romanos. Ridha Ghaddhab (pp. 253-271), a partir de achados de lagares de azeite e de olarias, como indicadores da vida económica, cruzados com uma lista de cidades, identifica uma rotura. Tendo sido postos em funcionamento, mais tarde, pelos muçulmanos, acabam por marcar uma evidente interrupção.

“Enfoques temáticos”

Anna Leone (pp. 275-283), através de resultados de intervenções arqueológicas em espaços públicos decorados com estátuas, concluiu que no século IV se deu o abandono da estatuária nos fóruns e nos templos, com a posterior trasladação de algumas delas para decoração das entradas de banhos públicos. Mais tarde, a integração daquelas regiões norte-africanas no Império Bizantino conduziu à recuperação do gosto pela monumentalidade e ao retorno ao uso mais abundante do mármore. Lennart Gilhauss (pp. 285-302) usa o estudo da epigrafia como indicador da cultura urbana. Através dela estuda monumentos honoríficos situados em espaços públicos. Constata, de forma mais lenta e gradual que a autora anterior, que os mesmos monumentos começam a rarear a partir dos finais do século III, ainda que os locais convencionais para a demonstração de estátuas e retratos, em especial o fórum, não são abandonados antes do século V. E que durante este período de alteração e descontinuidade as representações honoríficas, antes mais abrangentes, se foram restringindo apenas aos imperadores e a alguns altos funcionários. Esther Sánchez Medina (pp. 303-316) demonstra a descontinuidade do poder dos bispos no Norte de África, sob o poder dos Vândalos. Um universo de cerca de seis centenas de bispos que existiram entre a Tingitana e a Tripolitânia, entre os finais do século IV e inícios do século V, e até então elites urbanas, passaram a ser considerados pelos germânicos como as cabeças das resistências ao poder vândalo emergente. Tal facto conduziu a que aqueles sobre os quais pairasse alguma suspeita tivessem acabado por ser exilados do seu bispado. Contraponto – onde Patrice Cressier (pp. 317-330) nos fornece uma visão do urbanismo na longínqua África do Norte – o atual Marrocos e a Mauritania Tingitana da época romana –, e na qual quer a romanização quer a cristianização nunca foram muito evidentes. Se, em função das fontes escritas, a descrição daquela região no século X em nada faria recordar o panorama da época romana, ainda não se conseguiram, no entanto, dados que permitam identificar os elementos que produziram a descontinuidade. Estima-se assim que possa ter existido uma decisiva influência dos elementos étnicos locais, uma vez que a dinâmica económica não terá sofrido alterações. Bibliografia (pp. 331-393) - Um exaustivo rol contendo bem mais de 1200 títulos. Integrando Repositórios de Inscrições Latinas e fontes escritas: gregas, latinas e árabes, que ocupam quatro páginas (pp. 331-334), e ficando com 59 páginas para publicações de estudos e artigos (pp. 335-393).

Medievalista, 27 | 2020 140

Notas finais

É, no entanto e no mínimo, surpreendente, que naquele enorme volume de bibliografia relativa ou correlativa com as temáticas tratadas, apenas se encontrem 3 títulos de autores portugueses. Digamos que parecem existir algumas falhas de comunicação, entre os diferentes meios científicos, em um dos sentidos, ou em ambos. Certamente aspeto que o futuro alterará positivamente. E os mapas das páginas XII e XIII, também algo inexplicavelmente, cartografaram a “ausência” das cidades do ocidente da Lusitânia (século IV), e mais tarde do Garb al- Andalus extremo (século IX). No relativo ao mapa das Cidades do século IV, a falta mais evidente e surpreendente é a de Scalabis (Santarém), cabeça do Conventus Scalabitanus, enquanto a Egitânia, Coimbra, Viseu e Lamego, pelo contrário, estão presentes, ainda que todas elas cidades secundárias. No mapa das Cidades do século IX aparecem Lisboa e Beja, mas, mais uma surpresa, também surge Silves, cidade que só acabou por emergir a partir do século XI, como capital de uma pequena Taifa.

AUTORES

ANTÓNIO REI

Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1600-214 Lisboa, Portugal; Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos

– Projeto DIAITA, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 3004-530 Coimbra, Portugal. [email protected]. https://orcid.org/0000-0002-7269-3227

Medievalista, 27 | 2020 141

DOMÍNGUEZ SÁNCHEZ, Santiago (ed.) - Documentos pontificios medievales del monasterio de Santa María de Poblet (1132-1499). León: Universidad de León, Área de Publicaciones, 2017 (600 pp.)

Mariña Bermúdez Beloso

REFERENCIA

Santiago Domínguez Sánchez (ed.), Documentos pontificios medievales del monasterio de Santa María de Poblet (1132-1499), León: Universidad de Léon, Área de Publicaciones. 600 pp.

1 En el año 2017 un nuevo número, el 11, se incorpora a la colección Monumenta Hispaniae Pontificia de manos de su director, el Dr. Santiago Domínguez Sánchez. Tras las ediciones de documentos referentes a España de los papas Gregorio IX (1), Bonifacio VIII (2), Nicolás IV (5), Martín IV (6), Clemente V (7) y Honorio IV (8), y siguiendo la estela del centrado en la documentación pontificia del Real Monasterio de San Isidoro de León (3), ve la luz el volumen dedicado a una institución religiosa central de la Baja Edad Media tanto peninsular como europea, el monasterio de Santa María de Poblet.

2 La obra comienza con una introducción que sirve de marco para entenderla en su conjunto y en la que el autor expone los acontecimientos esenciales de la formación de un completo complejo monástico cisterciense desde su fundación a mediados del siglo XII con el apoyo del conde de Barcelona Ramón Berenguer IV a los principales privilegios que, por parte tanto de los pontífices como de las instancias religiosas y nobiliarias, contribuyeron a acrecentar su prestigio hasta convertirlo, según palabras

Medievalista, 27 | 2020 142

del propio autor, en “el más importante de los cenobios cistercienses catalanes, del reino de Aragón y de toda Hispania”1.

3 Otro aspecto fundamental sobre el que se llama la atención en la introducción es la gran preocupación del monasterio por preservar su documentación, lo que explica los más de 15.000 pergaminos procedentes de Poblet conservados y los cerca de 300 documentos pontificios editados en el presente volumen. Precisamente la indicada cifra de textos da una idea de la ingente labor de búsqueda y revisión de fondos realizada para la preparación de la edición, con importante peso del Archivo Histórico Nacional de Madrid. La relación de instituciones incluye un total de veinticuatro archivos y bibliotecas en los que se preservan tanto originales como copias, y desde pergaminos o códices medievales a manuscritos de época moderna.

4 Tras la presentación de los aspectos fundamentales de la historia de la institución, de las cuestiones metodológicas (incluida una clasificación diplomática de los documentos) y de la relación bibliográfica, el autor da paso a lo fundamental de la obra: la edición de los 288 documentos pontificios relacionados con el monasterio de Santa María de Poblet, procedentes de las cancillerías de 37 papas desde Inocencio II (1130-1143) hasta Alejandro IV (1492-1503). Llama la atención el elevado volumen de textos, todos libres de sospecha de falsedad para el editor, en su gran mayoría expedidos a nombre del pontífice (273). Teniendo en cuenta el número y la tipología, las más abundantes son las litterae gratiosae (119), seguidas de las litterae executoriae (89) y de las litterae solemnes (26).

5 La obra sigue las pautas habituales de la edición documental más rigurosa en lo relativo a la estructura y presentación de los textos: numeración única y correlativa (centrada y en gruesa); fecha cronológica y tópica (alineada a la izquierda); regesto completo en el que se identifica el tipo documental y el pontífice, cardenal o padre pontificio en nombre del que se expide, más el resumen de la acción (en itálicas); aparato crítico que reconstruye la tradición documental, señalando el original cuando lo hay (A) más las distintas copias conservadas y localizadas (B, C…) y su posible fecha de redacción, con las signaturas completas y la descripción del soporte, tipo de letra, estado de conservación y los casos en los que se conserva el sello pendiente (véase por ejemplo el documento 2), así como la bibliografía específica (otras ediciones, resúmenes o citas) y un comentario adicional cuando es preciso aportar más información (en cuerpo menor y con sangría antes del texto); y por último la transcripción.

6 Las transcripciones están estructuradas en párrafos y utilizan los signos de puntuación propios de la normativa actual. Se indican los cambios de línea en el caso de los pergaminos y de folio en los códices y manuscritos, y se utilizan las itálicas para señalar otras marcas del diploma (principalmente las cruces y los signos). El documento puede ir acompañado de notas complementarias, como la identificación de pasajes bíblicos (véase por ejemplo el documento 1). También se transcriben, cuando las hay, las notas del reverso y de la plica, con frecuencia referentes al destinatario (en el reverso) o al scriptor (en la plica).

7 La estructura común se adapta a las características de cada diploma. Así, un texto fundamental como las litterae sollemnes de Benedicto XII del año 1335 en la que decreta la reforma de la Orden del Císter (documento 188) presenta un regesto más largo de lo habitual, un comentario de los errores de las copias que lo transmiten y una referencia breve a datos históricos sobre la propia biografía del pontífice y la situación de los monasterios cistercienses en la época. Otro ejemplo son las litterae curiales del cardenal

Medievalista, 27 | 2020 143

diácono Pedro Fonseca de 1421, en las que están insertas unas litterae gratiosae de Martín V de 1420 (documento 236); en la edición la parte inserta tiene un margen izquierdo mayor, que destaca visualmente y permite la rápida identificación de los dos componentes diferenciados del texto.

8 La obra se completa con cuatro índices que facilitan su consulta, además de un índice general. El primero es el de los incipit de las epístolas, ordenado alfabéticamente; a este le sigue el índice cronológico de los autores de los documentos, en su mayoría papas, todos acompañados de las fechas extremas de ejercicio del cargo. El tercero es el índice de personas, de nuevo por orden alfabético, y acompañado en cada caso de la especificación de las respectivas funciones (cardenal, monje, papa, notario…); y por último el índice de lugares, según la denominación contemporánea y acompañados de referencias a la organización administrativa actual.

9 Con independencia de algún error menor (se observa un desfase de páginas en el índice general), se presenta una obra de factura excelente, casi impecable tanto en el aspecto formal y en la presentación de los documentos como en el estudio de cada uno de ellos. Es además continuadora de la impagable labor de análisis y edición de documentación pontificia de la colección de la que forma parte (los Monumenta Hispania Pontificia), ligada a una amplia tradición de estudios de los diplomas pontificios que tiene como uno de sus máximos representantes a los Regesta Pontificium Romanorum o Göttinger Papsturkundenwerk, iniciados en el contexto de los grandes proyectos de edición documental del siglo XIX que dio lugar a otras series de sobra conocidas como los Monumenta Germaniae Historica o los Portugaliae Monumenta Historica.

10 Poco más que añadir, salvo agradecer al autor la nueva colección de documentos que edita, que permitirá un mejor estudio y conocimiento de la cancillería papal y sus relaciones con otros centros de poder, tanto eclesiásticos como laicos, y de una institución religiosa de referencia como fue el monasterio cisterciense de Santa María de Poblet.

NOTAS

1. DOMÍNGUEZ SÁNCHEZ, Santiago (ed.) − Documentos pontificios medievales del monasterio de Santa María de Poblet (1132-1499). León: Universidad de León, Área de Publicaciones, 2017, p. 11.

Medievalista, 27 | 2020 144

AUTORES

MARIÑA BERMÚDEZ BELOSO

Departamento de Historia, Área de Historia Medieval, Facultade de Xeografía e Historia, Universidade de Santiago de Compostela.15782, Santiago de Compostela, España. [email protected]. https://orcid.org/0000-0001-8347-3687

Medievalista, 27 | 2020 145

Custódio, Delmira Espada − As Perfeitíssimas Horas da rainha D. Leonor. Madrid/Andorra: Taberna Libraria / A4 Ediciones, 2018 (202 pp.)

Francisco Pato de Macedo

REFERÊNCIA

Delmira Espada Custódio, As Perfeitíssimas Horas da rainha D. Leonor, Madrid/Andorra: Taberna Libraria/A4 Ediciones. 202 pp.

1 O Livro de Horas quatrocentista pertencente à rainha D. Leonor de Lencastre e que integrou a livraria do Convento da Madre de Deus de Lisboa constitui uma preciosidade bibliográfica do acervo da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP, Il 165). Em finais de 2018, foi dada à estampa, em hora feliz, uma requintada edição fac-similada deste códice, com encadernação em pele e uma tiragem de 500 exemplares autenticada por notário, com a chancela da Taberna Libraria de Madrid e da A4 Ediciones de Andorra. Faz parte integrante desta cuidada edição, um volume de estudos da autoria de Delmira Espada Custódio, investigadora do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa. Esta obra em formato fólio, impressa em papel linho e encadernação em seda, reproduz no essencial a dissertação de mestrado que a citada autora apresentou a esta Universidade. Contudo, este volume reúne também um contributo de Eduardo Lourenço sobre a personagem ambivalente da rainha D. Leonor, um Prólogo da autoria de Maria Adelaide Miranda do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa, bem como uma oportuna Introdução da autoria de Elisa Ruiz Garcia da Universidade Complutense de Madrid, sobre o papel dos Livros de Horas na vida

Medievalista, 27 | 2020 146

religiosa, social e cultural dos leigos no ocaso da Idade Média e no limiar da Modernidade.

2 Delmira Custódio deu à sua dissertação de mestrado, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova em 2010, o seguinte título: A luz da Grisalha. Arte, liturgia e história no Livro de Horas dito de D. Leonor (BNP, Il 165). No entanto, no volume agora publicado preteriu a designação Livro de Horas dito de D. Leonor em favor da denominação mais expressiva: As Perfeitíssimas Horas da rainha D. Leonor, que dá título ao livro. Esta alteração irá, com toda a probabilidade, sugerir a designação pela qual futuramente passará a ser conhecido este códice, em pergaminho e velino, com iluminura de Willem Vrelant, iluminador flamengo, oriundo de Utreque e ativo em Bruges entre 1454 e 1482, que nele utiliza a técnica da grisalha. Este processo pictórico, através do recurso a um tom sobre tom na escala de cinzas, confere à iluminura uma especial beleza, que é complementada com iniciais ornadas com fundo a ouro, cercaduras ornamentadas com diversos motivos e ouro destramente aplicado em formas vegetais e em figuras, o que contribui para conceder ao códice um caracter sumptuoso.

3 Na mudança de designação para Perfeitíssimas Horas, a remeter claramente para o valor do códice, não deixou de pesar a surpresa e o fascínio que este terá exercido sobre Delmira Custódio no contacto direto, diário e repetido, que com ele estabeleceu a partir do momento em que foi possível fazer a sua digitalização, e que a levou a escrever na página 187: “A luz que os seus fólios libertam, a delicadeza e regularidade com que foram concebidos, fazem deste códice uma obra maior da iluminura flamenga quatrocentista”. O conhecimento demonstrado pela autora dos detalhes deste códice, mas também dos de muitos outros manuscritos iluminados, não apenas flamengos, mas igualmente com outras proveniências, que utiliza em análises formais comparativas, permite considerar o seu juízo imparcial.

4 De facto, o Il 165 BPN é um códice de qualidade excecional, que se encontrava inacessível nos cofres da Biblioteca Nacional de Portugal e era apenas do conhecimento de um número muito reduzido de especialistas e que agora, depois de condignamente dado a conhecer através do referido projeto editorial, encontra no livro de Delmira Espada Custódio uma resposta inequívoca sobre a sua especial importância.

5 As Perfeitíssimas Horas, que se incorporaram na livraria da que foi designada de “A Mais Perfeita Rainha”, prosseguem envoltas em grande mistério, adensado pela ausência de documentação comprovativa da sua encomenda à oficina de Willem Vrelant e ao modo como chegaram à posse desta rainha, subsistindo a dúvida de lhe terem ou não sido destinadas.

6 Para quem terá então sido realizado este Livro de Horas flamengo? A resposta a esta pergunta constituiu o leitmotiv da investigação de Delmira Custódio, tal como se comprova logo no primeiro capítulo do livro intitulado: “Leonor de Lencastre Rainha Perfeitíssima. As horas iluminadas da sua livraria”, em que a autora aborda a biografia da rainha não tanto com o propósito de criar uma biografia original, como afirma, mas para atentar nas suas ações e realizações, tendo em vista refazer os possíveis percursos do manuscrito, de modo a entender por que vias é que o mesmo terá chegado às mãos da soberana portuguesa.

7 Abordar a biografia desta rainha não é tarefa simples. D. Leonor de Lencastre teve uma vida longa para o tempo (1458-1525), partilhou o cetro real durante catorze anos, pelo

Medievalista, 27 | 2020 147

casamento com o rei D. João II, e viveu mais trinta na condição de viúva. A sua vida estendeu-se por quatro reinados (D. Afonso V, D. João II, D. Manuel, D. João III) durante os quais a sua forte influência nunca deixou de se fazer sentir. Esta rainha dividiu a sua vida de viúva entre o austero Paço da Madre de Deus, em tarefas dedicadas à piedade e à caridade, e o Paço de Santo Elói, em empresas abertas ao mundo das artes e das letras. A posteridade encarregou-se de dar dela a imagem de uma rainha frágil, com um legado que Eduardo Lourenço diz poder resumir-se na palavra misericórdia. No entanto, se D. Leonor foi devota e misericordiosa, foi também uma rainha erudita, poderosa e trágica. Era possuidora de uma livraria com um total de 313 livros, em que se incluíam 4 Livros de Horas e, curiosamente, esta rainha detentora de requintados livros manuscritos, impulsionou igualmente a Imprensa, então em expansão. Atenta à arte produzida no seu tempo em diversas latitudes, a rainha D. Leonor patrocinou e promoveu uma ampla produção artística de cariz cosmopolita.

8 Por conseguinte, poderia ter-lhe cabido a responsabilidade da encomenda do Livro de Horas da autoria de Willem Vrelant. Porém, a não ter sido sua essa responsabilidade, esta encomenda terá sido seguramente feita por um comitente de prestígio e meios, como defende Delmira Custódio apoiada na qualidade do velino e na empaginação, na excelência do desenho e na qualidade plástica das iniciais ornadas, no rigor da ornamentação e na singularidade iconográfica das figurações marginais.

9 Um livro iluminado é composto por vários registos a funcionar por si próprios, embora na dependência uns dos outros, de modo a criarem um sistema que funciona como uma espécie de organismo. Podem destacar-se fundamentalmente nestes registos, o texto e a iconografia, com particular relevo, no caso deste Livro de Horas, para as iluminuras de plena página e para as orlas, o centro e a margem, que consubstanciam um discurso de grande potencial interrogativo e interpretativo.

10 Delmira Custódio no seu trabalho questionou estes diversos registos, tanto no que concerne ao texto e à estrutura do livro, assunto em que se revela uma profunda conhecedora, quanto no que diz respeito à grande expressividade e detalhe da iluminura.

11 A autora descreve minuciosamente as seis iluminuras de página plena que o códice conserva (Visitação, Anúncio aos pastores, Circuncisão e Apresentação no templo, Matança dos Inocentes, Juízo Final e Ofício Fúnebre) e analisa-as através dos esquemas geométricos da composição, da iconografia e das relações com as margens. Ocupa-se igualmente das vinte e três cercaduras ornadas, que atribui inequivocamente a Willem Vrelant. Na diversidade dos temas nestas patentes e para as quais propõe uma identificação, conclui não existir uma narratividade contínua, embora avance com uma leitura iconográfica em que identifica cenas narrativas laicas, distintas dos textos bíblicos que acompanham. Em especial nas margens das Horas da Virgem, a autora considera existir um carácter narrativo original com uma temática que a conduziu a aventar a hipótese de a encomenda ter partido de alguém ligado a corte dos Valois. Hipótese que corrobora com uma permanência de Vrelant em França antes de se instalar em Bruges, tal como é avançado por diversos autores.

12 A qualidade plástica excecional, as figurações marginais e uma narratividade sem paralelo em nenhum outro códice, entre outros aspetos, estão na base da hipótese que a autora defende de a encomenda do códice a Vrelant se ter devido ao mecenato da Casa de Borgonha, aliás possuidora de uma riquíssima livraria. D. Leonor mantinha ligações

Medievalista, 27 | 2020 148

familiares a esta Casa e é possível que o códice tenha chegado à rainha portuguesa através do seu primo, o imperador Maximiliano.

13 A análise formal comparativa das miniaturas permitiu ainda à autora estabelecer a ligação entre Willem Vrelant e o iluminador castelhano Juan de Carrión. As afinidades formais existentes entre o Livro de Horas (BNP, Il 165) e o Ms. 854 da Pierpont Morgan Library, um Livro de Horas, provavelmente feito para o Infante D. Afonso de Castela e Aragão (1453-1468) pelo iluminador castelhano, demonstram a existência de contacto entre os dois iluminadores, ocorrida certamente quando o artista flamengo esteve na corte castelhana. Tal permitiu a Delmira Custódio demarcar um possível percurso do códice produzido por Vrelant a partir de Castela até às mãos da rainha D. Leonor.

14 A análise formal comparativa das miniaturas possibilitou ainda a integração no Corpus das obras de Willem Vrelant de um Livro de Horas quatrocentista atualmente pertencente à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

15 O estudo de Delmira Custódio, no modo como interroga e interpreta os diferentes registos que consubstanciam As Perfeitíssimas Horas da rainha D. Leonor, é um contributo essencial para este projeto editorial internacional em boa hora atraído por este códice de excecional qualidade, que permite estabelecer conexões entre a história, a cultura e a arte europeias de quatrocentos.

AUTORES

FRANCISCO PATO DE MACEDO

Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, Universidade de Coimbra. 3000-395 Coimbra, Portugal. [email protected]. https://orcid.org/0000-0002-7307-3062

Medievalista, 27 | 2020 149

Apresentação de Teses

Medievalista, 27 | 2020 150

Costas com Dom: Família e Arquivo (Séculos XV-XVII) Tese de Doutoramento em História/Arquivística Histórica, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Outubro de 2018. Orientação dos Professores Doutores Maria de Lurdes Rosa e João Paulo Oliveira e Costa

Margarida Leme

NOTA DO EDITOR

Tese de Doutoramento disponível para consulta em: https://run.unl.pt/handle/ 10362/65519

1 No que foi ao mesmo tempo tanto um problema como um desafio fascinante, e contrariamente a outras teses já apresentadas sobre Arquivística Histórica / Arquivos de Família, o presente estudo não partiu de um arquivo concreto, ainda existente, mas da tentativa de reconstituição do que teriam sido os arquivos de diversos membros de uma família nobre, de finais do século XV às primeiras décadas do XVII, personagens de uma mesma linhagem originária de um patriarca fundador, Álvaro da Costa, cuja descendência ficou conhecida nos nobiliários por Costas com Dom, distinguindo-se assim de outras famílias com idêntico apelido. A origem desta designação reside na atribuição ao fundador da distinção honorífica de Dom, sinal claro do apreço em que o tinha D. Manuel, o senhor que primeiro serviu, com enorme dedicação, desde os tempos do Ducado de Beja.

2 Assumindo que a história da nobreza será sempre mais rica e completa se partir de dentro, ou seja se partir dos seus próprios arquivos, e na ausência, por vicissitudes diversas, destes acervos, tentámos reconstituí-los com recurso a todo o tipo de testemunhos documentais: os originais conservados, mesmo se em arquivos distintos daqueles em que foram produzidos ou acumulados, as cópias, os inventários tardios, os traslados de época ou posteriores, incluindo os excertos ou referências em obras publicadas, os registos ou mesmo originais produzidos por outras instituições que com

Medievalista, 27 | 2020 151

a família se relacionaram, as referências em outros documentos. Alcançámos assim um corpus razoável de documentação que em determinado momento integrou os arquivos dos membros das quatros gerações de Costas com Dom que nasceram, viveram e morreram entre os finais do século XV e os inícios do século XVII, ou seja, desde o nascimento do fundador da linhagem, Álvaro da Costa, até à morte do último dos seus bisnetos cuja produção documental estudámos, o armador-mor Gonçalo da Costa. Este é sem dúvida o ganho central da nossa tese, que se situa entre a Arquivística e a História, procurando tirar de ambas os mais relevantes contributos: uma investigação construída sobre um método histórico-arquivístico de reconstrução de arquivos perdidos, que propomos à crítica e à utilização de todos os investigadores interessados.

3 Não foi possível, em função do tempo e do espaço disponível para esta investigação, reconstituir e estudar a produção documental de todos os descendentes de Álvaro da Costa compreendidos no período temporal que nos propusemos analisar. Tivemos, portanto, que fazer opções, e restringimos a análise aos membros da família que deram início, ou se integraram, em três Casas nobres cujos arquivos de família chegaram mais ou menos intactos ao final do século XIX, quando a legislação que extinguiu o instituto jurídico do morgadio ditou, na maioria dos casos, a sua desagregação. O critério de base foi seguir a linha masculina, que obrigava a uma herança única, ou, no caso, um tipo de partilha da mesma que privilegiava os filhos, após a compensação das filhas com dotes – que equivaliam à sua saída do grupo familiar de origem e à consequente entrada nas famílias dos cônjuges. Assim, os membros da linhagem descendente de Álvaro da Costa que seleccionámos foram, na segunda geração, os seus dois filhos varões que casaram e tiveram descendência, Gil Eanes e Duarte. Na terceira geração, a dos netos de Álvaro da Costa, foram considerados todos os filhos varões que tiveram descendência, tanto de Gil Eanes da Costa como de Duarte da Costa. Incluíram-se nesta geração as filhas ainda solteiras ou as que entraram em religião, enquanto sob a tutela dos pais. Por fim na quarta geração, só foram incluídos os filhos varões, herdeiros da Casa dos pais.

4 Partindo do princípio que os arquivos não são objectos estáticos mas corpos em permanente mutação e que a colecção virtual de documentos obtida reflecte, em parte, o que em determinado momento integraria os arquivos que pretendemos estudar, e ainda conscientes de que, por mais exaustivos que procurássemos ser, apenas conseguimos obter uma imagem parcial desses arquivos que, apesar de tudo, merece ser dada a conhecer, estruturámos a tese, que pretende ser de âmbito, simultaneamente, histórico e arquivístico, em três partes distintas.

5 No capítulo 1 expomos, com recurso à bibliografia disponível, as bases teóricas do que se convencionou chamar Arquivística Histórica, a qual trouxe para o centro da outrora considerada Ciência Auxiliar da História o próprio Arquivo, como objecto de estudo. Seguidamente, damos uma rápida panorâmica sobre a tipologia arquivística Arquivo de Família, e discorremos como a sua organização pode ser encarada dentro dos princípios e métodos da chamada Arquivística sistémica, tal como definidos por Armando Malheiro e a que se convencionou chamar Escola do Porto. Com semelhante brevidade, mas reputando-a de tarefa fundamental, fazemos referência aos estudos da historiografia portuguesa recente sobre história social da nobreza tardo-medieval e moderna, que foram mais relevantes para esta investigação.

6 No capítulo 2 damos a conhecer os percursos dos arquivos familiares de três ramos da família Costa com Dom em primeiro lugar, o Arquivo de D. Gil Eanes da Costa, integrado por casamento de uma sua neta, herdeira do seu morgado, no Arquivo da Casa de

Medievalista, 27 | 2020 152

Óbidos, Palma e Sabugal; seguidamente, o Arquivo da Casa de Soure, descendente de um dos filhos do mesmo D. Gil Eanes da Costa; por fim, o Arquivo da Casa dos armadores- mores, condes de Mesquitela, que descende simultaneamente de D. Duarte da Costa e de D. Gil Eanes da Costa, ambos filhos do fundador da linhagem, D. Álvaro da Costa.

7 Passamos de seguida a explicar como, na ausência actual desses arquivos (com excepção do primeiro, integrado num arquivo mais vasto), recorremos aos mais diversos fundos provenientes de instituições com as quais a família se relacionou, para obter um corpus documental representativo da produção documental dessas quatro gerações de membros da família Costa com Dom, constituindo assim uma série de arquivos virtuais. Tentámos igualmente perceber como esses arquivos contribuíram para a estruturação e afirmação da família e entender o uso que lhes foi dado pelas gerações que os produziram, acumularam e utilizaram.

8 No capítulo 3 fazemos, a partir do corpus documental obtido, complementadocomoutras fontes bibliográficas, a biografia possível de cada um dos diversos membros da família Costa que seleccionámos, acompanhando-a com a análise da sua produção arquivística.

Em conclusão

9 A nossa investigação centrou-se no estudo da produção documental de quatro gerações da família Costa, dita Costa com Dom, descendente do Álvaro da Costa, que no início do século XVI ascendeu na Corte manuelina, não só social, mas também economicamente, graças sobretudo à amizade e confiança que o rei nele depositava, recebendo de D. Manuel o título de Dom que legou à sua posteridade. Na ausência de arquivos de família chegados ao presente (com uma única excepção identificada) tivemos que recorrer à reconstituição daquilo que teriam sido, a partir de fundos de outras instituições públicas ou privadas que com os diversos membros da família de qualquer forma contactaram e também dos instrumentos de descrição que perduraram. E aqui residiu, desde logo, aquele que nos parece um primeiro grande ganho do nosso estudo – o estabelecimento e concretização de uma metodologia que permitisse lidar com este vazio documental directo. Em face dos resultados alcançados, parece-nos poder dizer que o método de reconstituição dos círculos de contactos institucionais e pessoais dos personagens históricos, como norte da pesquisa heurística, viu comprovadas as suas eficácia e relevância.

10 A um segundo nível, o corpus obtido, apesar de uma pálida imagem do que teriam sido na(s) época(s) os arquivos familiares dos personagens estudados, mostrou-se suficientemente coerente para podermos entender a importância que o arquivo detinha na transmissão, de geração em geração, de direitos e deveres, e como prova de posse de património. De facto, no caso do grupo familiar que estudámos, notam-se claramente duas tendências quanto à acumulação de património, que poderão ter tido relevância na constituição e conservação de arquivos.

11 Considerando o eixo que poderíamos classificar de transmissor de ofícios – ou seja Álvaro da Costa – Duarte – Álvaro/Duarte – Francisco/ Gonçalo, verifica-se uma tendência acentuada para a acumulação de património em tenças. Este ramo não instituiu nenhum morgado, nestas quatro gerações, e o património que transmitirá à descendência será, além da casa de família, o chamado Palácio da Porta da Oura em Lisboa, e de uma capitania no Brasil (Paraguaçu e Jaguaripe), numerosas tenças e o ofício de armador-mor, bem como a comenda de São Vicente da Beira que se manteve

Medievalista, 27 | 2020 153

sempre neste ramo da família. Poderá esta base de riqueza ter levado a uma menor preocupação com a manutenção de um arquivo próprio, dado que os documentos originais se encontravam com facilidade no Arquivo da Coroa, com a qual estes servidores públicos tinham contacto quotidiano ou, em todo o caso, frequente? Embora seja preciso ter em conta factores como o desgaste natural do tempo, ou acidentes como o incêndio do palácio da família, parece-nos que aquela hipótese tem plausibilidade, e que será interessante verificá-la através de estudos sobre famílias afins.

12 Já o caso de Gil Eanes da Costa e dos ramos seus descendentes, é distinto. Tanto o próprio Gil Eanes, como três dos seus quatro filhos homens, instituíram morgados (o quarto filho herdou o morgado do pai) e investiram largamente em bens fundiários e meios de produção. Simultaneamente, tanto do arquivo de Gil Eanes, como do de seu filho João, nos chegaram inventários, se bem que tardios, que nos permitiram conhecer bastante mais produção de documentos do que a que sobreviveu em original, e que apontam para preocupações de conservação e recuperação documental dentro da esfera familiar. É nossa convicção que o tipo de base patrimonial deste ramo familiar obrigava a um muito maior cuidado numa conservação autónoma dos documentos de prova da posse dos bens, e seguramente obrigava à conservação dos documentos de gestão dos mesmos. Além disso, fica patente a importância dos morgadios como eixos estruturantes desses arquivos, corroborando hipóteses defendidas por outros estudos recentes e em curso sobre arquivos de família afins, como sendo os de Rita Sampaio da Nóvoa, Maria João Andrade e Sousa e Alice Gago.

13 Destacaríamos ainda o trabalho realizado quanto às pequenas biografias que pudemos fazer de cada um dos membros deste grupo familiar. Se é certo que são díspares entre si em termos de profundidade, foi realizado um total de quinze, o que nos surge como um importante contributo para a história social da nobreza no período, recorrendo a uma panóplia de arquivos; e de resto não seria possível realizar biografias com a mesma extensão para todos os membros do grupo familiar, dada a discrepância na documentação existente. Privilegiamos assim o fundador e os seus dois filhos, tentando, porém, oferecer estudos o mais informados possível sobre os restantes elementos masculinos da família, pelo menos.

14 Do mesmo modo, cremos que o apêndice documental que reúne toda a documentação alcançada a partir de fundos arquivísticos dispersos e, em vários casos, até agora raramente utilizados, ou mesmo totalmente desconhecidos, alguma da qual descrita em pormenor, enriquece a nossa tese e, sobretudo, poderá ser de grande utilidade para os futuros estudiosos das muitas temáticas a que eles podem dar lastro.

15 Uma última referência deve ser feita aos registos de autoridade e às descrições documentais realizadas no software AtoM, na instância Arquivística Histórica, disponível no site da FCSH, relativa aos trabalho académicos em Arquivística História realizados na instituição (http://www.arquivisticahistorica.fcsh.unl.pt/index.php/familia-costa).

Medievalista, 27 | 2020 154

AUTOR

MARGARIDA LEME

Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1069-061 Lisboa, Portugal. [email protected]. https://orcid.org/0000-0002-0726-0572

Medievalista, 27 | 2020 155

Imagens e Memórias de uma Guerra Comum: as Batalhas de 1383-1385 nas Crónicas de Pero López de Ayala e de Fernão Lopes Dissertação de Mestrado em História Medieval, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Setembro de 2018. Orientação dos Professores Bernardo Vasconcelos e Sousa e Miguel Gomes Martins

Diogo Cardoso Gomes

1 Em Outubro de 1383, com a morte do rei Fernando I de Portugal (1367-1383), iniciaram- se meses de intensa disputa política e de luta armada entre os partidários do mestre de Avis, que em Lisboa surgia como alternativa à regência da rainha viúva, e os de Juan I de Castela (1379-1390), que dos seus domínios dava mostras de pretender assumir ele próprio o governo de Portugal. É já no ano de 1385 que verificamos um acumular de importantes sucessos para o Mestre, que em Abril é aclamado João I de Portugal (1385-1433) pelas cortes portuguesas, juntando-se depois a sua decisiva vitória em Aljubarrota no mês de Agosto e o sucesso da campanha de Nuno Álvares Pereira na comarca de Badajoz em Outubro, conseguindo esta última alterar o paradigma do conflito. Em consequência, os anos seguintes apresentam um período em que as forças forças castelhanas são obrigadas a adoptar uma postura mais defensiva, perante as investidas das hostes anglo-portuguesas. Revelando uma menor intensidade, apesar de alguns desenvolvimentos importantes, esta disputa acaba por culminar nas primeiras tréguas entre Portugal e Castela, ainda antes da morte de Juan I em Outubro de 1390.

2 Sobre este conflito, aqui muito brevemente resumido, a presente dissertação esperava compreender, mais do que os eventos e os factos por si, a forma como cada campo transmite os diversos momentos bélicos, e, assim, a imagem que cada um constrói da sua narrativa e memória da guerra. Sem descurar que a crónica medieval deve ser vista como uma “ficção histórica”, orientada sobretudo para o registo do notável, é evidente que as batalhas, sendo raras, ganhavam um forte significado, constituindo “terreno

Medievalista, 27 | 2020 156

fértil para a explanação dos valores ideológicos”1. Precisamente, ao olharmos para o conflito em análise, descobrimos quatro batalhas campais – Atoleiros, Trancoso, Aljubarrota e Valverde –, concentradas apenas em 1384 e 1385, e os principais objectos de estudo desta dissertação. Mas, de modo a melhor compreender o contexto e importância das batalhas na narrativa, não se abordou apenas os momentos de choque de forças, procurando-se antes um contexto mais abrangente. O estudo começa, portanto, não com a primeira batalha ou invasão, mas com a morte de Fernando I, evento que desencadeia o desenhar das facções em conflito, culminando depois a sua análise nos momentos posteriores à batalha de Valverde, uma vez que esta é a última batalha campal da guerra, onde encontramos a já referida alteração de paradigma.

3 Procurando então encontrar convergências e divergências na transmissão de imagens e memórias destas batalhas, em cada um dos lados em conflito, cingiu-se também a abordagem da dissertação ao estudo comparativo de dois cronistas – Pero López de Ayala e Fernão Lopes –, cujo enquadramento político é sobejamente conhecido: Ayala, chanceler do rei de Castela, esteve presente em vários momentos do conflito, tendo-lhe sido confiada a tarefa de redigir as crónicas devido à sua habilidade para manipular o passado como forma de legitimar o presente2; Lopes, por outro lado, foi manifestamente incumbido pelo herdeiro de João I de escrever as suas crónicas, não deixando de, mesmo arguindo o seu respeito pela verdade histórica, transmitir o ponto de vista que dominaria a corte e a Coroa portuguesa. Estando indelevelmente associados a uma historiografia propagandística da realeza peninsular, os dois relatos supõem desde logo a existência de prismas de observação diferentes sobre os diversos momentos de uma guerra comum, através da escolha de “uma determinada visão dos acontecimentos”3. Consequentemente, com esta proximidade às esferas de poder, ambos surgem como fonte ideal para um estudo comparativo das duas coroas em conflito.

4 Definidos os momentos principais da análise e as suas fontes, de modo a não adulterar a sua estrutura narrativa, decidiu-se manter o encadeamento dos acontecimentos, alterado apenas quando essencial ao contraponto de algum episódio, fossem eles: as antecâmeras do conflito, as etapas das campanhas, os prólogos e movimentações anteriores a cada uma das quatro batalhas, o seu próprio desenrolar, ou os seus epílogos e momentos a elas posteriores; todos eles objecto de cuidada análise ao longo da dissertação.

5 No caso das antecâmaras do conflito e no prólogo das batalhas foi dada particular atenção em ambas as crónicas aos processos de organização de regências e das hostes, surgindo evidenciadas as características e comportamentos dos líderes de cada uma das facções em conflito, as condições dos terrenos em que os combates se realizavam e os números dos efectivos que neles participavam. Aspectos que, embora incluíssem elementos semelhantes nas duas crónicas, destacavam características divergentes em cada uma delas, principalmente nas imagens sobre os dois monarcas.

6 Enquanto Pero López de Ayala nos apresentava um Juan I de Castela entre a crítica e o elogio – decidido, determinado, prudente e dissimulado –, Fernão Lopes focava sobretudo os seus aspectos negativos, particularmente a sua falsidade, ingenuidade e insegurança. Na crónica portuguesa o monarca castelhano é inconstante, deixando-se sempre levar por maus conselheiros, sendo ele também dotado de excesso de optimismo, arrogância – não querendo saber dos tratados, que tantas vezes depois reclama terem de ser cumpridos –, e um forte ódio aos portugueses; na narrativa

Medievalista, 27 | 2020 157

castelhana vemos antes um rei capaz de mudar algumas das suas atitudes menos positivas, um monarca que sofre alguma evolução e se afasta dos maus conselheiros, sobretudo em Aljubarrota, sendo, deste modo, algo desculpabilizado do desfecho final desta batalha.

7 Reconhecemos um tratamento idêntico, com um foco positivo ou negativo conforme o lado do conflito que o descreve, da figura de João I de Portugal. Com Ayala, a narrativa da regência e do conselho do, para ele, sempre mestre de Avis, foca um líder dissimulado e até mentiroso – finge apoiar as pretensões do seu meio-irmão, o infante João de Castro, de modo a juntar apoios, criando uma forte e traidora oposição às reivindicações de Juan I de Castela, e fortalecer a suas próprias aspirações. Lopes, pelo contrário, define o Mestre como alguém que, não sendo perfeito, é honesto. Uma figura que hesita em receber honras, mas não deveres, e que, apesar da prudência, age com ardileza e determinação. Aqui, portanto, há um certo confronto entre o individualismo e o altruísmo, entre um líder que se aproveita da conjuntura para tomar o poder, e um que o recebe dos outros, numa subida ao poder justa e quase inevitável.

8 Para além desta atenção dada ao monarca castelhano e ao mestre de Avis, estas narrativas serviram também para desenhar o conjunto de cada um dos partidos em disputa, surgindo novas divergências em alguns pontos. Contextualizando a acção pessoal de cada um dos líderes, temos Juan I a ver-se envolvido em constantes e fortes discussões de conselho, face a uma oposição lisboeta sempre unida e determinada, segundo Ayala, ou, pelo contrário, segundo Lopes, uma oposição portuguesa com muitas dificuldades de recrutamento e claros desentendimentos nos debates, numa inegável transmissão de uma imagem de superação perante o enorme poderio castelhano.

9 Regressando aos comportamentos dos monarcas, mas agora mais próximo das batalhas em si, verificamos que ambos os cronistas se preocupam em apresentá-los no papel de defensores e protectores das populações e respectivos territórios, algo que sempre se exigiu da Coroa. Tal mecanismo parece sobretudo levar à minimização de Juan I e das suas hostes como agressoras na crónica de Pero López de Ayala, nomeadamente em Atoleiros, quando a batalha resulta da tentativa de evitar que as forças de Nuno Álvares Pereira ataquem a comarca de Badajoz; ou no percurso da invasão de 1385, a cujas depredações apenas se alude. Fernão Lopes, pelo contrário, apresenta Atoleiros como resultado de um esforço pela preservação da comarca alentejana e da própria cidade de Lisboa, já quase cercada; colocando depois em evidência os abusos cometidos pelas forças castelhanas durante o cerco de Elvas e no seu percurso pela estrada da Beira em 1385.

10 Estas mesmas movimentações recebem depois tratamento diferente nos momentos prévios à narrativa de cada batalha, nomeadamente com a procura ou recusa do combate. Enquanto Ayala apresenta forças castelhanas que não se desviam do seu percurso e arremetem de forma decidida contra o inimigo, Lopes destaca quase sempre um adversário castelhano que, quando possível, hesita, tenta adiar ou ainda escapar ao combate, transmitindo uma imagem de indecisão, desonra e até mesmo cobardia.

11 Finalmente, o último aspecto que nos parece importante referir nas antecâmeras e prólogos das batalhas são as condições em que estas se travam, quer as características dos terrenos, quer as forças presentes. Aqui, são muito escassas as convergências entre os dois textos. Em Aljubarrota, Ayala refere a existência de dois vales que ladeavam a posição portuguesa, enquanto Lopes o nega categoricamente (até de forma algo

Medievalista, 27 | 2020 158

arrebatada). Mas não é apenas aí que encontramos discordâncias, uma vez que, enquanto a crónica castelhana acentua os problemas colocados pelo campo de Trancoso, a portuguesa sublinha a travessia de um vau difícil e a subida de vários outeiros em Valverde, detalhes que a outra crónica, para cada um dos casos, não refere. Deste modo, averigua-se ao longo de toda a narrativa de ambos os cronistas a minimização dos benefícios e a evidenciação das dificuldades que o campo de batalha trazia. O mesmo se observa nos números das hostes, com Pero López de Ayala a silenciar a superioridade numérica castelhana, omitindo números em vários momentos, enquanto Fernão Lopes dedica particular atenção aos efectivos de cada hoste ali presente, procurando mostrar como a vitória portuguesa resultaria de uma clara superação por parte dos partidários de João I.

12 Relativamente aos momentos ditos propriamente bélicos, cada cronista apresenta novamente uma perspectiva diferente. Enquanto Ayala evidencia um avanço desorganizado das forças castelhanas devido às más condições no terreno, como os pós que se levantavam em Trancoso ou os vales existentes em Aljubarrota, Lopes contrapõe com o claro impacto da organização e disciplina das posições portuguesas no desempenho da hoste inimiga. Surge como exemplo, na crónica portuguesa, o eficaz uso de projécteis, que em Atoleiros desmancharam a carga da hoste castelhana, para depois em Aljubarrota destroçarem as fileiras de infantaria; ou, também em Aljubarrota, o efeito que as alas portuguesas tiveram no avanço castelhano, forçado a concentrar-se num estreito espaço de terreno, reagindo depois prontamente, junto com a retaguarda, ao rompimento da vanguarda portuguesa, provocando a fuga do inimigo.

13 Ao longo da dissertação, contrapondo estas descrições, verifica-se que a narrativa da guerra entre 1383 e 1385 se pauta por relatos breves de Pero López de Ayala, concentrados sobretudo no infortúnio, a principal razão apontada para os muitos insucessos castelhanos; enquanto Fernão Lopes, de forma muito mais detalhada, evidencia antes a imagem de grande afinco e organização das forças portuguesas. Segundo o cronista castelhano, é a própria determinação dos seus que acaba por ser, por vezes, contraproducente, como é exemplo a investida da cavalaria castelhana em Trancoso, que se aproxima em demasia da vila. Em Aljubarrota, afirma também que o ataque à carriagem portuguesa falha porque a sua investida é tão forte, que, sem espaço para fugir, os portugueses resistem e não quebram; verificando-se depois o mesmo em Valverde, com o afinco dos portugueses, já em desespero, a provocar a retirada castelhana. Para Lopes, pelo contrário, os portugueses, sempre em desvantagem, triunfam contra hostes bem organizadas e determinadas – em Trancoso, onde têm de resistir a todos os homens-de-armas castelhanos –, arrogantes e precipitadas – em Atoleiros, onde os castelhanos decidem atacar a cavalo por se verem em oposição a um dispositivo tão pequeno –, ou também hesitantes e cobardes – novamente em Trancoso, quando a cavalaria castelhana avança só depois de ver a peonagem portuguesa abandonar o seu dispositivo táctico.

14 Os mecanismos de manipulação de cada um dos cronistas continuam depois nos momentos finais e posteriores às batalhas, tornando-se até ainda mais transparentes. Fernão Lopes inclui por vezes contagens de baixas inverosímeis, de modo a deixar claro o sucesso das forças de João I, que matam 117 e 2 500 homens-de-armas castelhanos, contra zero e 50 portugueses em Atoleiros e Aljubarrota, respectivamente. Em contraponto à imagem do poderio castelhano, por ele repetidamente reforçada, o cronista português termina as suas narrativas realçando sempre o sucesso português e

Medievalista, 27 | 2020 159

o falhanço castelhano, como no caso de Valverde, onde refere que o Condestável, depois de conquistar quatro posições elevadas, provocou a fuga dos capitães castelhanos, que combatiam com pouco afinco.

15 Pero López de Ayala, por outro lado, para além de não fazer grandes comparações entre as baixas ocorridas, estrutura o fim de cada batalha, com excepção para Trancoso, de modo a que a imagem da derrota castelhana saia algo minimizada. Em Atoleiros, a hoste castelhana reorganiza-se e intimida os portugueses, que não querem continuar o combate; em Aljubarrota, o mestre de Alcántara permanece no local sem que os portugueses ataquem a sua posição; e em Valverde, os castelhanos não são perseguidos e abandonam o campo novamente organizados. Deste modo, enquanto Lopes evidencia os seus fracassos, e até a sua cobardia, Ayala destaca antes a coragem dos capitães castelhanos, que se esforçam sempre até ao último momento e conseguem mesmo criar impasses perante os portugueses, temerosos das suas forças organizadas.

16 Estes mecanismos continuam depois nos parágrafos mais imediatos a cada um dos prélios. Em Pero López de Ayala encontramos, ora reacções decididas das forças de Juan I, ora factos minimizantes das suas derrotas: após Atoleiros, conseguem prolongar o impasse com o envio de novas tropas para o Alentejo; com Trancoso, apesar do desfecho devastador dessa batalha, surge de imediato a vitória das hostes de Sevilha durante o cerco de Mértola, enquanto o de Elvas é algo silenciado; e em Valverde, a já referida organização castelhana forçara o inimigo a regressar sem qualquer saque.

17 Com Fernão Lopes as imagens divergem, mas continuamos a encontrar a minimização e o silêncio sobre os episódios mais negativos, perante uma continuação dos sucessos dos partidários de João I, como é o caso das novas acções e êxitos de Nuno Álvares Pereira no Alentejo, logo após a batalha de Atoleiros. Nas suas crónicas confirmamos também o claro afastamento das imagens de Ayala quando o português, depois de Trancoso, evidencia o falhanço do cerco castelhano a Elvas, ao mesmo tempo que se silencia o desfecho do cerco de Mértola; discordância que se mantém quando o cronista descreve o grande sucesso da expedição de Valverde, na qual a hoste regressa a Portugal carregada de um enorme saque.

18 Consequentemente, com este estudo, podemos afirmar que a narrativa da guerra nas crónicas se mostra claramente comprometida com uma memória propagandística. Ao evidenciar o positivo, e minimizar ou até silenciar o negativo, apresentam uma clara imagem de uma guerra de superação em cada um dos lados do conflito. Se Pero López de Ayala descreve uma guerra cheia de infortúnios, onde os castelhanos tentam e conseguem por vezes superar os insucessos, Fernão Lopes evidencia como os portugueses conseguem também eles superar o enorme desfasamento de poder entre as hostes em confronto.

19 Porém, apesar de perspectivas diferenciadas, ambas as crónicas, nos momentos finais da chamada Crise de 1383-1385, vão ao encontro das mesmas imagens e memória, reflectindo um contexto e realidade algo semelhantes. Para Ayala e Lopes, com Aljubarrota, João I ganhava o reino de Portugal em definitivo, e com Valverde, apesar de não terminar, “a guerra passava, agora, para o outro lado da fronteira”4, afastando o espectro da hegemonia de Castela, que fragilizada e envolta num grande luto, estava sob a ameaça de uma nova invasão inglesa.

20 Resta-nos adiantar que, com esta dissertação, esperamos contribuir de forma sólida para uma abordagem mais abrangente sobre a narrativa da guerra na Idade Média portuguesa, ibérica e europeia. Abrindo-se o questionário a diferentes territórios,

Medievalista, 27 | 2020 160

cronologias e conflitos, junto com uma historiografia mais alargada, poderemos então chegar a um quadro mais complexo sobre a memória da guerra, desde logo a partir de um conjunto mais diverso de confrontos, como os cercos ou as batalhas navais, podendo mesmo ser feita depois a ponte para um estudo comparativo com o período da Expansão Portuguesa, não muito distante da chamada Crise de 1383-1385.

NOTAS

1. SOUSA, Bernardo Vasconcelos e – “O Sangue, a Cruz e a Coroa. A Memória do Salado em Portugal”. Penélope. Fazer e Desfazer História [Em linha] 2 (Fevereiro, 1989), p. 28 [Consultado a 28 Abril 2019]. Disponível em https://dialnet.unirioja.es/servlet/revista?codigo=11865. 2. GARCÍA, Michel – “Ayala y sus Crónicas: el Proceso Creativo”. Talia Dixit. Revista Interdisciplinar de Retórica e Historiografía [Em linha] 10 (Outubro, 2015), p. 54 [Consultado a 28 Abril 2019]. Disponível em http://www.eweb.unex.es/eweb/arengas/taliadixit.htm. 3. MONTEIRO, João Gouveia – Fernão Lopes: Texto e Contexto. Coimbra: Minerva, 1988, p. 88. 4. MARTINS, Miguel Gomes – De Ourique a Aljubarrota. A Guerra na Idade Média. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2011, p. 384.

AUTOR

DIOGO CARDOSO GOMES

Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1069-061 Lisboa, Portugal. [email protected]://orcid.org/0000-0002-2119-0849

Medievalista, 27 | 2020 161

cinq ans de recherches et un livre En quête de Jacques de Molay, dernier grand-maître de l’ordre du Temple cinq ans de recherches et un livre

Philippe Josserand

1 Le présent article est ce que l’on nomme en France une position de thèse. Il fait suite à la soutenance de mon habilitation à diriger des recherches qui a eu lieu le samedi 7 septembre 2019 à la Maison des Sciences de l’Homme de l’Université Lyon-2. Le dossier, réalisé sous la garantie de Julien Théry, était intitulé « Le Temple, les ordres militaires et la croisade entre le Moyen Âge et l’aujourd’hui ». Selon la logique de l’exercice, il réunissait un mémoire de synthèse, « Chemin de recherche : l’histoire, l’ordre et le chaos », deux volumes contenant un choix de mes travaux et articles, « Les ordres militaires dans le royaume de Castille au Moyen Âge » et « Croisades et ordres militaires dans l’espace latin », et un essai inédit, « Jacques de Molay. En quête du dernier grand-maître de l’ordre du Temple ».

2 Le jury appelé à examiner mon dossier était formé de Nicole Bériou (Université Lyon-2 et Académie des inscriptions et belles-lettres), Helen J. Nicholson (Cardiff University), Catherine Vincent (Université Paris-10), Carlos de Ayala Martínez (Universidad Autónoma de Madrid), Pierre-Yves Beaurepaire (Université de Nice), Xavier Hélary (Université Lyon-3) et Julien Théry (Université Lyon-2). Il m’a habilité à diriger des recherches et a conféré la mention maximale à un dossier dont je livre ici, successivement en français et en anglais, un résumé du mémoire inédit, publié depuis à Paris, au tout début de l’automne 2019, par Les Belles Lettres sous le titre Jacques de Molay. Le dernier grand-maître des Templiers.

3 Aujourd’hui encore, Jacques de Molay fascine. Parmi les vingt-trois grands-maîtres qui se sont succédé à la tête de l’ordre du Temple entre 1120 et 1312, il est sans doute le seul dont le public intéressé par l’histoire garde la mémoire. Les Rois Maudits, publiés entre 1955 et 1960 par Maurice Druon, l’ont immortalisé et de récents supports, du Da

Medievalista, 27 | 2020 162

Vinci Code à Assassin’s Creed, ont répandu son nom dans le monde entier. Pourtant, s’il est ancré dans le mythe, Jacques de Molay n’a pas beaucoup capté l’attention des historiens. Le renouveau de l’étude des ordres militaires, depuis plus de trente ans, ne lui a guère profité. Au sortir d’un siècle et demi de jugements fort dépréciatifs sur le dignitaire, Alain Demurger, avec sa biographie rédigée en 2002, a apporté du nouveau1, mais sa réévaluation reste incomplète et nombre de spécialistes, comme Anthony Luttrell, pensent toujours que Jacques de Molay « s’est montré un chef passablement incompétent et insatisfaisant »2. Malgré sa célébrité, le dernier supérieur de l’ordre du Temple reste un personnage méconnu au sujet duquel bien des incertitudes persistent, jusque pour sa date de naissance, d’élection et même de mort. Les traces de son action, pourtant, sont loin d’être indigentes : il en existe plus que pour ses prédécesseurs ou pour tout autre maître d’un ordre militaire avant lui. Lettres, mémoires et procès- verbaux de ses dépositions lors de l’affaire du Temple sont pour l’historien des documents à compléter, à approfondir et, plus encore, à lire à nouveaux frais. Si des pans entiers de la vie de Jacques de Molay échappent, notamment pour ses jeunes années, des archives inédites, même là, jettent un nouvel éclairage et, débarrassé des stéréotypes, le dignitaire, grâce à une analyse serrée de toutes les sources disponibles, peut prétendre sortir de l’ombre. Pour cela, le présent mémoire a opéré en trois temps, commençant par étudier la construction des images du grand-maître, pour s’attacher ensuite à son parcours et analyser enfin son action avec l’objectif de lui restituer cette singulière épaisseur que l’historiographie, toujours, lui a déniée.

4 Jacques de Molay n’a pas toujours été un héros. Pendant plus de quatre siècles, entre sa mort, en mars 1314, et le milieu du XVIIIe siècle, le dernier grand-maître de l’ordre du Temple a même été largement oublié. Son retour sur scène s’est opéré brusquement, à Paris, au tournant du Consulat et de l’Empire. En mai 1805, le dignitaire s’imposa grâce à la tragédie de Raynouard, Les Templiers, qui triompha au Théâtre-Français, et, l’année suivante, au Salon, il fut représenté par Richard à l’instant d’aller au supplice dans un tableau acquis par l’impératrice Joséphine. À l’époque, l’ordre du Temple, avec Fabré- Palaprat et ses adeptes, venait d’être restauré et, grâce aux artistes et, plus encore, au vaste public qui a reçu leurs œuvres, Jacques de Molay devint une espèce de Polyeucte voire de Léonidas, une incarnation de la vertu malheureuse, le prototype du héros tragique. Ce revival a été brutal. Bien sûr, il ne s’est pas produit à partir de rien. Plusieurs périodes avaient vu la mémoire du dignitaire refleurir, la Renaissance au premier chef, à la faveur de l’humanisme et du protestantisme, mais nul n’en parla durablement jusqu'à ce que, dans les années 1740, tout un courant de la franc- maçonnerie, alors en pleine expansion, développât les hauts grades, reprenant la terminologie hiérarchique du Temple, et recourût pour la première fois au templarisme, soutenant que l’ordre conduit par Jacques de Molay, malgré le procès et le verdict de suppression qui s’en est suivi, n’avait pas disparu. Le grand-maître, en deux générations, se fit une place dans le débat public et son image, amplement propagée par Raynouard, Richard et leurs suiveurs, cristallisa au début de la période romantique. Un personnage est ainsi né, aux traits héroïques, sublimé par la peinture d’histoire, comme par l’estampe, la musique ou le feuilleton. Il a touché des catégories sociales très larges, gagnant cette « immortalité populaire » signalée au milieu du XIXe siècle par Eugène Rougebief, né comme le grand-maître en Franche-Comté3. Il l’a fait dans des pays toujours plus nombreux et plus éloignés, jusqu’en Amérique latine, mais, en devenant un étendard, il a pu inquiéter voire effrayer, eu égard aux charges lancées contre lui durant l’affaire du Temple. Avec Michelet, pris au piège des sources

Medievalista, 27 | 2020 163

inquisitoriales du procès, les tribuns et les historiens qui, depuis la chute de l’Ancien Régime, avaient adhéré à Jacques de Molay s’en sont détournés et, dans le domaine de la science, un préjugé contre le grand-maître s’est imposé. Le mythe, en forte expansion depuis la fin du XIXe siècle, en a pris le contrepied complet, mais les images du dignitaire sont devenues changeantes, contradictoires et, à bien des égards, elles le sont demeurées, brouillant son profil et maintenant les chercheurs à distance de lui jusqu’à la fin du XXe siècle.

5 Les historiens ont pris coutume de dire qu’on sait peu de choses sur Jacques de Molay, à peu près rien avant son élection à la tête du Temple, au début du printemps 1292, et guère plus après. Les lacunes dans l’information restent béantes – pas seulement pour les jeunes années du dignitaire – et, en conséquence, les divergences de points de vue sur les temps de sa carrière et les explications de son action sont nombreuses et les positions historiographiques mal assurées, y compris pour la période du procès, pourtant travaillée de fort longue date. Les éléments pour aller plus loin existent, qu’il convient de rassembler et de systématiser. Certes, on ne connaît toujours pas de responsabilités à Jacques de Molay avant son élection comme grand-maître et le plus probable est qu’il n’en a pas exercé, mais, en 1292, après un service de vingt-cinq ans en Orient, il jouissait au Temple d’une certaine aura. Né dans l’Empire, aux confins du comté de Bourgogne, à peu de distance du duché et de la Champagne, dans des vieilles terres de présence templière, le jeune chevalier avait retiré de son éducation noble dans un lignage puissamment lié à Cîteaux et à la croisade de vraies raisons de professer dans l’ordre et de s’engager au service de la Terre sainte. Il l’a fait à Beaune, en 1265, animé d’un désir de combattre qui, s’il a pu le pousser vers l’indiscipline et le conduire à être tenu à l’écart sous Guillaume de Beaujeu, participait peut-être d’un charisme particulier que ses coreligionnaires, repliés à Chypre en 1291, lui reconnurent en le portant à leur tête. Dès son élection, Jacques de Molay s’est abondamment dépensé pour son institution, qu’il prit en mains à la faveur de deux voyages en Occident, un premier, ignoré de l’historiographie, à l’hiver 1292-1293, et un autre, quelques mois plus tard, appelé à durer trois ans et demi. Rentré à Chypre à l’automne 1296, fort du soutien de Boniface VIII et de la plupart des princes régnants, il œuvra à rétablir la présence latine au Levant, jouant contre les Mamelouks de l’alliance mongole, puis, après l’échec de celle-ci, consacré par l’expulsion de Rouad en octobre 1302, mettant l’accent, dans l’attente d’une prochaine croisade, sur l’action navale et le blocus commercial. L’ordre de rejoindre Clément V en 1306, pour réfléchir à une entreprise militaire en Orient, ne pouvait que lui plaire, mais, en Occident, il s’est trouvé brusquement confronté à un tout autre contexte. Des rumeurs d’hérésie avaient été propagées contre son ordre. Jacques de Molay, dès le printemps 1307, chercha à les prévenir, mais Philippe IV, prenant le grand-maître et le pape de vitesse, fit appréhender tous les Templiers de son royaume au matin du 13 octobre. Arrêté à Paris, isolé et torturé, le dignitaire a été amené, le 24, à reconnaître avoir renié le Christ lors de sa profession. Contre cet aveu extorqué, il n’a cessé ensuite de se battre, mais il n’a pu en briser la dynamique, instrumentalisée par le pouvoir capétien. Plusieurs fois, pourtant, il a tenté de s’extraire du piège qui menaçait de se refermer sur lui et sur le Temple, à Paris, après Noël 1307, où il s’est rétracté publiquement de façon spectaculaire, à Chinon, en août 1308, et à Paris, derechef, en novembre 1309, lorsque, prenant conscience d’avoir été joué par les cardinaux, il refusa toute collaboration avec la commission pontificale et plaça ses derniers espoirs de défense en Clément V. Celui- ci, pour ne pas heurter Philippe IV, refusa toujours de l’entendre. Le Temple, dès lors,

Medievalista, 27 | 2020 164

était voué à disparaître, mais, devant Notre-Dame, le 11 mars 1314, Jacques de Molay, au prix de sa vie, revint sur ses aveux. Quitte à être conduit au bûcher, il voulut, une dernière fois, proclamer l’innocence d’un ordre auquel, dès son jeune temps, il s’était consacré tout entier et que, pendant plus de vingt ans, à son sommet, il avait cherché, malgré de multiples difficultés, à conforter le mieux qu’il avait pu, en l’unissant à la croisade et à Jérusalem, toutes deux particulièrement inspiratrices pour lui.

6 Ainsi, sur la foi de l’ensemble des sources disponibles, quelquefois inédites et en tout cas lues à nouveaux frais, le parcours de Jacques de Molay, malgré certaines lacunes irrémédiables, a pu être reconstruit avec plus de continuité et de cohérence qu’il ne l’avait jamais été. Par-delà le personnage, l’homme a émergé et son action, loin de l’inanité que nombre d’historiens lui ont attribuée, manifeste bien ce « coup de patte », efficace et parfois singulier, qu’Alain Demurger, le premier, a relevé4. Jacques de Molay n’était pas cet « homme simple », droit certes, mais « peu habile », que Georges Lizerand, en 1913, a cru identifier et dont, à cent ans de distance, trop de spécialistes parlent encore5. Son action à la tête du Temple mérite autre chose que le dénigrement qui l’a longtemps occultée et continue pour partie de le faire. L’idée de récupérer Jérusalem, aux yeux du dignitaire, n’était pas une chimère et la croisade restait la grande affaire, ce « negotium pium et laudabile » qu’il vantait à Clément V en 13066. Le grand-maître n’a cessé d’y travailler, se mobilisant, selon ses mots, « pro communi christianitatis utilitate »7, et, à cette fin, il a œuvré au Temple à lier plus complètement l’arrière et le front. Le secours efficace de l’Orient latin, qui, en 1291, au moment de la chute d’Acre, avait fait défaut, était à ce prix, comme la relance d’une croisade qui permît aux Latins de reprendre pied en Terre sainte. Rien de cela, naturellement, ne s’annonçait facile, mais Jacques de Molay était persuadé qu’il existait une possibilité de succès. Cela impliquait toutefois que le Temple, par-delà la logistique militaire, fût en situation d’opérer, certain de son idéal et sûr de son image, et c’est donc à conforter ses coreligionnaires, ébranlés par leur éviction de Syrie, que le grand-maître, dès le début de son gouvernement, s’est attaché. Le Temple, au tournant des XIIIe et XIVe siècles, n’avait rien d’« un anachronisme dans un monde en train de changer » : l’idée, avancée jadis par Malcolm Barber8, est un non-sens qu Jonathan Riley-Smith a encore aggravé, alléguant que « l’état de l’institution semble avoir été si désespéré qu’on se demande combien de temps elle eût pu continuer à exister »9. L’ordre – en dépit de tout ce que l’on a imaginé avec le procès et que l’on continue de répéter – demeurait populaire auprès de ses contemporains, mais la conjoncture de 1300, difficile à tant d’égards, impliquait que son fonctionnement fût revu et adapté. Une réforme était nécessaire. Jacques de Molay l’avait saisi avant d’être élu et, une fois aux commandes, il a toujours œuvré en ce sens. L’action à mener ne portait pas tant sur le spirituel – objet de bien des fantasmes ultérieurs – que sur le temporel, où, face aux différentes menaces, il fallait travailler au profit et à l’indépendance du Temple. À cette ligne, le grand-maître s’est tenu et, entouré de frères de confiance, ses compatriotes pour bonne part, il a développé une politique qui, sans l’attaque de Philippe IV, eût pu réassurer son ordre, lui permettant de traverser des temps, certes difficiles, mais qui ne le condamnaient nullement à disparaître. À la tête du Temple, Jacques de Molay s’est avéré à la hauteur de sa charge et il l’est resté, contrairement à ce qu’Alain Demurger a écrit, jusque dans la tourmente du procès. Il faut éliminer l’idée, inlassablement répétée, que dans cette affaire, dont les fondements, bien sûr, lui échappaient10, le grand-maître n’aurait été qu’un pion. Pendant plus de six ans, le dignitaire, doté tout à la fois de caractère et d’autorité, n’a jamais renoncé à défendre son ordre. Son attitude, sur ce point, n’a pas

Medievalista, 27 | 2020 165

changé ; c’est sa stratégie qui a varié, qui s’est renouvelée, en dépit d’une marge de manœuvre étroite ; mais, chaque fois qu’il pensa reprendre la main, la logique du procès l’a rattrapé et s’est imposée à lui. Privé de tout espoir judiciaire après l’abandon par Clément V, il a su transporter son combat sur un autre plan en faisant appel au Jugement de Dieu et en conférant à sa mort une valeur d’exemple susceptible d’impressionner en son temps et par-delà. Perspicace et lucide dans sa lecture de l’affaire du Temple, y compris s’agissant des liens qu’elle entretenait avec celle de Boniface VIII, Jacques de Molay s’est également révélé audacieux et, choisissant finalement de plaider pour son institution devant le tribunal de l’histoire, il a agi en chef capable, attentif à ses frères, et en homme courageux et intelligent. Ce pari sur la mémoire et la postérité, au prix du sacrifice de sa vie, lui permit d’ouvrir une brèche et de s’extraire du piège dont depuis ses aveux, arrachés sous la torture, il était captif. Le sursaut de Notre-Dame, le 11 mars 1314, n’a donc rien d’un héroïsme vain. Il semble même avoir été préparé avec grand soin, peut-être dès novembre 1309, et, à travers lui, le grand-maître réunit toute l’énergie, la droiture et la résolution qui étaient siennes afin d’illustrer, malgré la perspective inévitable du supplice, l’idéal auquel il avait consacré son existence.

7 Le Temple, aboli, allait désormais vivre à travers son dernier grand-maître et, à mesure que les siècles sont passés, mythifiés l’un et l’autre, ils se sont abondamment nourris du bûcher parisien. Le « vrai » Jacques de Molay n’est sans doute pas si éloigné, à certains égards, du héros imaginé aux premières années du XIXe siècle. Il a été un homme-monde dont les déplacements constants impressionnent, courts ou lointains, à terre et sur mer, organisés ou parfois opérés en urgence, enchaînés toujours, quoi qu’en certains cas – faute de temps ou d’occasions – repoussés, voire abandonnés. Évoluant à l’échelle globale du monde, tel que se le représentaient, en tout cas, bien des Latins, dans une conjoncture difficile qui, plus d’une fois, l’a placé sur le fil de l’histoire, il n’en était pas moins solidement ancré dans son milieu chevaleresque d’origine dont il partageait, par-delà la foi simple et profonde dans laquelle il est mort, l’essentiel de l’ethos. La « délicate sagesse », tant louée chez Jean de Joinville, son aîné champenois, n’a pas manqué à Jacques de Molay, qui, sans l’affaire du Temple, aurait pu laisser une réputation comparable, issue de cette prudhommie tenant à la bonne qualité du comportement. L’attaque de Philippe IV lui valut une tout autre fama, celle d’un fauteur de crimes contre la foi, mais de celle-ci, malgré un sort cruel, le dignitaire sut se défendre et, par son sacrifice – auquel il n’est pas exclu qu’il ait associé quelque réminiscence christique –, il en a prémuni tout à la fois son ordre et lui-même. Par son geste final si courageux, ce n’est pas l’Église romaine qu’il a sauvée, malgré l’opinion d’Alain Demurger, mais la mémoire du Temple qu’il a préservée pour la postérité et, à cet égard, l’histoire récente, tellement occupée par l’ordre et ses avatars, incite à penser qu’il a réussi – au-delà même de ce que sans doute il espérait.

8 ***

9 Even today, Jacques de Molay remains a fascinating character. Among the twenty-three grand masters who succeeded each other as head of the Temple from 1120 to 1312, he is undoubtedly the only still remembered by non-specialists interested in history. Les Rois Maudits, published from 1955 to 1960 by Maurice Druon, have immortalized him, and recent popular culture from the Da Vinci Code to Assassin’s Creed have spread his name around the world. Yet even if he is firmly anchored in myth, Jacques de Molay has not attracted many historians; he has not benefitted from the renewed study of military

Medievalista, 27 | 2020 166

orders over the last thirty years. In spite of new light shed on him in 2002 by Alain Demurger’s biography, after a century and half of disparaging judgements re- assessment of the Grand Master remains limited and incomplete, and has failed to convince recognised specialists, many of whom still think, like Anthony Luttrell, that “as master of the Temple, Jacques de Molay faced enourmous difficulties throughout some two decades and he proved an unsatisfactory and somewhat incompetent leader”. In spite of his celebrity, the last head of the Temple remains an unknown about whom much uncertainty persists – for instance, with regard to the dates of his birth, election and even death. Traces of his activities, however, are hardly slight: he made more mark than any of his predecessors or indeed than the Grand Masters of any military order up to his day. Letters, memoranda and records of his testimonies during the Templar affair provide the historian with documents to be studied afresh in order to further and deepen our understanding of him. While up till now knowledge has been lacking about whole sections of Jacques de Molay’s life, in particular his early years, unpublished archives can throw new light even on these, and a close analysis of all available sources allows the Grand Master to emerge from the shadows, free from stereotypes. With this in mind, the present account has be planned in three sections, beginning with a study of how images of him have been constructed, then considering his career and finally analysing his conduct with the aim of restoring to him the fully-rounded character that historiography has always denied him.

10 Jacques de Molay has not always been seen as a hero. For more than four centuries, from his death in March 1314 to the mid-eighteenth century, the last Grand Master of the Temple was hardly even remembered. His return to the limelight took place all of a sudden in Paris at the turning-point between the Consulate and the First Empire. In May 1805, the Grand Master came into prominence thanks to Raynouard’s tragedy, Les Templiers, which had a triumphant reception at the Théâtre-Français, and in the following year Richard exhibited a painting at the Salon, subsequently acquired by the Empress Josephine, which portrayed him as he was about to be put to death. At that time Fabré-Palaprat and his followers had just revived the Order of the Temple, and thanks to his portrayal by artists and, even more, to the huge public response that was engendered, Jacques de Molay became a kind of Polyeucte or Leonidas, an incarnation of suffering virtue, the prototype of the tragic hero. He leapt suddenly into prominence. Of course, this did not come from out of nothing. Several periods had seen Jacques de Molay’s reputation blossom again, initially in the Renaissance under the influence of humanism and Protestantism, but only intermittently until in the 1740s when an off-shoot of Freemasonry, then growing fast, instituted high-ranking officers and created Templarism, arguing that the order led by Jacques de Molay, despite the trial and the verdict of suppression that followed, had not disappeared. Within in two generations the Grand Master had a place in public consciousness and his image, widely propagated by Raynouard, Richard and their followers, crystallized at the beginning of the Romantic period. A character with heroic traits thus came into being, created by historical paintings, engravings, music and serial publications. He became widely known at various levels of society, gaining the “popular immortality” noted in the mid- ninteenth century by Eugène Rougebief who, like the Grand Master, came from Franche-Comté. This happened in more and more countries, some of them even as remote as South America, but, in becoming a figure head, he could be disquieting or even alarming. Like Michelet, whose mindset was governed by the inquisitorial records of the trial, historians and opinion-formers who since the end of the Ancien Régime

Medievalista, 27 | 2020 167

had favoured Jacques de Molay abandoned him, and in the learned world prejudice against the Grand Master grew. The myth, expanding rapidly from the end of the ninteenth century, went in a different direction. Images of Jacques de Molay became diverse and conflicting, and in many ways they have remained so, blurring his profile and deterring researchers until the end of the twentieth century.

11 Historians have acquired the habit of saying that we know little about Jacques de Molay, almost nothing before his election at the head of the Temple, in the early spring of 1292, and not much more thereafter. Wide gaps in information remain, not only concerning his youth, and therefore views of his career and explanations of his actions are numerous and divergent, and little consensus has been reached, even about the period of the trial, although it has long been studied. Material exists to go further and this can be assembled and analysed. Certainly, we still do not know of any posts held by Jacques de Molay before his election as Grand Master and it is very likely that he did not hold any, but by 1292 his twenty-five year service in the East had endowed him with a special aura among the Templars. Born in the Empire, on the borders of the county of Burgundy and a short distance from the duchy and from Champagne, in lands where there had long been a Templar presence, the young knight, no doubt influenced by his noble upbringing in a family which was closely linked with Cîteaux and crusading, felt a genuine desire to join the Templars and commit himself to the service of the Holy Land. He did so in Beaune in 1265, driven by an urge to fight which, if it could lead him into being undisciplined and cause him to be side-lined by the Grand Master Guillaume de Beaujeu, nevertheless helped to produce the singular charisma that his brethren, driven back to Cyprus, recognized by appointing him as their head. From the time of his election Jacques de Molay expended his energies on behalf of the institution he took in hand by making two journeys in the West: the first, overlooked in the histories, during the winter of 1292-1293, and another some months later which lasted three and a half years. Returning to Cyprus in the autumn of 1296, enjoying the support of Pope Boniface VIII and most of the ruling princes, he worked to restore the Latin presence in the Levant, using an alliance with the Mongols against the Mamelukes and, after its failure had resulted in the expulsion from Ruad in October 1302, focusing on naval action and the commercial blockade pending a forthcoming crusade. The summons to join Clement V in 1306 to consider a military expedition to the East must have pleased him, but in the West he suddenly found himself confronted a new problem. Rumors of heresy had been spreading in relation to his Order. From the spring of 1307 onwards Jacques de Molay sought to quash them, but King Philip IV, taking the Grand Master and the pope by surprise, had all the Templars in his kingdom arrested on morning of 13 October. Detained in Paris, held in isolation and tortured, Jacques de Molay was induced on the 24th to admit that he had renounced Christ on entering the Order. Although he repeatedly sought to renounce this extorted confession, he could not stop the flow of events set in motion by Capetian power. Nevertheless he made a number of efforts to escape the trap that was threatening to close on him and on the Temple: in Paris after Christmas 1307, when he made a dramatic public retractation; in Chinon in August 1308, and again in Paris, in November 1309, when realising that the cardinals were merely playing with him, he refused all collaboration with the papal commission and placed his last hopes of defence in Clement V. The Pope, unwilling to offend Philip IV, still refused to listen to him. The Temple was therefore fated to disappear, but on March 11, 1314, in the forecourt of Notre-Dame, Jacques de Molay found the courage to retract his confession at the cost of

Medievalista, 27 | 2020 168

his life. Assuming he would be brought to the stake, he wanted for one last time to proclaim the innocence of an order to which he had devoted his whole life since his youth, and which, throughout the more than twenty years that he had been its leader, he had tried his best to sustain in spite of many difficulties, by linking it with the crusade and Jerusalem, both of which had always personally inspired him.

12 Thus, on the basis of all available sources, some unpublished and all studied afresh, and despite some irremediable gaps, the career of Jacques de Molay can be reconstructed with more continuity and coherence than it ever has been. Behind the public figure the man has emerged, and his conduct, far from displaying the stupidity that many historians have attributed to him, clearly demonstrates the effective and at times unusual grip on the situation that Alain Demurger first noted. Jacques de Molay was not that “simple man”, admittedly worthy but “not very able”, whom Georges Lizerand thought he could identify in 1913, and of whom many specialists still speak a hundred years later. His conduct as head of the Temple deserves something other than the denigration that has long obscured it and still does to some extent. For him, idea of recovering Jerusalem was not a pipedream and the crusade remained the great cause, the “negotium pium et laudabile” that he extolled to Clement V in 1306. The Grand Master had been constantly working for this, spurring himself on “pro communi christianitatis utilitate”, as he put it in 1296, and to this end he laboured to forge in the Temple between those at the forefront of the struggle and the home bases. Effective help of the Latin East, which had been lacking at the time of the fall of Acre in 1291, was the prize he was seeking, together with the launch of a crusade which would allow the Latins to recover the Holy Land. None of this, of course, was easy, but Jacques de Molay was convinced that there was a possibility of success. However, this envolved insuring that, beyond the necessary military logistics, the Temple was able to function sure of its ideal and certain of its image. The restoration of Templar morale, battered as it was by the expulsion from Syria, was thus the aim to which the Grand Master devoted himself from the start of his term of office. The Order was not “an anachronism in a changing world” at the turn of the thirteenth and fourteenth centuries; this idea, previously advanced by Malcolm Barber, is a nonsense that has been taken further by Jonathan Riley-Smith’s allegation that “the state of the order seems to have been so dire that one wonders how long it could have been allowed to remain in existence”. The Temple – in spite of all that has been said about the trial and which continues to be repeated – remained popular among contemporaries, but the situation in 1300, difficult in so many ways, meant that reforms needed to be undertaken. Jacques de Molay had grasped this before his election and once in command he always acted with this objective in mind. The steps to be taken were not so much on the spiritual level - the subject of many subsequent fantasies – as on the temporal, where, faced with various threats, he had to strive for the wellbeing and independence of the Temple. The Grand Master maintained this stance, and together with trusted brethren, mainly his compatriots, he developed a policy that, had it not been for Philip IV’s attack, could have restored the confidence of his Order and enabled it to survive times which were certainly difficult, but not such as to make its disappearence inevitable. As head of the Temple, Jacques de Molay demonstrated his fitness for his position and - contrary to what Alain Demurger wrote – continued to do so even during the turmoil of the trial. It is necessary to dispel the notion, constantly repeated, that the Grand Master was only a pawn in this affair, even though its underlying causes had, admittedly, little to do with him. For more than six years Jacques de Molay never ceased to defend his Order, demonstrating

Medievalista, 27 | 2020 169

simultaneously both character and authority. His attitude in this matter was unchanging throughout; it was his strategy that varied, being constantly adapted even though he had little room for manoeuvre. But every time he tried to take the initiative, he found himself once again helpless in the face of the inevitable logic of the trial. Deprived of all hope of justice once Clement V had abandoned him, he sought to continue his struggle on a higher plane by appealing to the judgement of God and making his death an examplar that would make an impact both in his own time and beyond. Perspicacious and clear-thinking in his reading of the Templar affair, including the connection it had with the case of Boniface VIII, Jacques de Molay also proved bold, and choosing finally to plead on behalf of his institution before the tribunal of history, he acted as a capable leader, concerned for his brethren, and as a courageous and intelligent man. This gamble on future fame and the judgement of posterity, at the price of the sacrifice of his own life, allowed him a way out of the trap in which he had been caught ever since the confession extracted by torture. The outburst at Notre- Dame, on March 11, 1314, was not an act of pointless heroism. It even seems to have been prepared with great care, perhaps as early as November 1309, and by this means the Grand Master brought together all his energy, rectitude and resolution to embody, in spite of the inevitable prospect of the stake, the ideal to which he had devoted his life.

13 Although it was abolished, the Temple was now going to live on through its last Grand Master and, as the centuries passed, the myths which developed about both were abundantly nourished by the story of the Parisian stake. Undoubtedly the “true” Jacques de Molay was not entirely undeserving of the heroic stature accorded him in the early years of the nineteenth century. He was was a man of international significance, impressive in his endless journeyings near and far by land and sea, some pre-arranged, some in emergencies, always linked, even though in some instances lack of time or opportunity compelled him to postpone or even abandon them. Acting as a global figure, at least in the estimation of many Latins, in a difficult situation which, more than once, put him at the centre of events, he was none the less firmly grounded in his original chivalric milieu, the essential ethos of which he held to as he also did to the deep and simple and faith in which he died. Jacques de Molay did not lack the “discriminating wisdom” so highly praised by the older Champenois Jean de Joinville: he would have left with a high reputation had the Templar affair never happened, since he always conducted himself in a manner befitting “a very parfait gentil knight”. The attack by Philip IV caused him to earn a very different reputation as a man who was a traitor to his faith, but from that judgement the Grand Master could defend himself, regardless of a cruel fate, and by sacrificing his life – thus to some extent becoming a Christ figure – he at the same time preserved the reputation of both his Order and himself. With his final courageous gesture he did not, as Alain Demurger suggests, save the Roman Church, but he did maintain the standing of the Temple in the eyes of posterity, and in this respect the huge interest shown today in the Order of the Temple and all those who embodied its ideals, suggests that he succeeded – beyond anything he may have hoped for.

14 Ma langue n’étant plus aussi pratiquée qu’elle l’a été – et cela, même au Portugal, surtout dans les jeunes générations –, le lecteur aura pu se rendre compte grâce à l’anglais, pour lequel je sais gré à Alan Forey de sa révision, que mon portrait de Jacques de Molay a bien peu à voir avec ce que l’on écrit communément. L’ouvrage est neuf à bien des égards, dans son plan, considérant à la suite images, parcours et reliefs du

Medievalista, 27 | 2020 170

grand-maître, comme dans le traitement qu’il opère d’une large documentation, pour partie post-médiévale, dont plusieurs pièces, inédites, ont été publiées en annexe11. Il apporte à la biographie du dignitaire, mais aussi à l’histoire du Temple, resituée en particulier dans le contexte méditerranéen d’une complémentarité nécessaire et institutionnalisée entre Occident et Orient latin, et, par-delà, à celle des ordres militaires, engagés au tournant des XIIIe et XIVe siècles dans une phase cruciale de leur évolution.

15 C’est pourquoi, avec les éditeurs de Medievalista, nous avons pensé qu’il serait intéressant de rendre compte dans la revue de ma récente habilitation à diriger des travaux. Pour la première fois, il y est donc fait mention de preuves académiques réalisées à l’étranger. J’espère que de cela naîtra une habitude et qu’une tradition, peut- être, se créera. Pour moi, présenter mon travail dans Medievalista est un honneur qui relève presque de la « logique ». Le Portugal, dans le livre que je viens de publier, est très présent, par-delà l’accroche laissée à Fernando Pessoa12, et, me rappelant que j’avais jadis demandé à Julien Théry de garantir mon dossier à l’occasion du VII Encontro sobre ordens militares, où, en octobre 2015, nous étions tous les deux invités, je mesure combien, à Palmela et ailleurs, grâce à Isabel Cristina F. Fernandes et à Luís Filipe Oliveira en premier lieu, j’ai eu la chance de développer avec cette terre des liens scientifiques décisifs dont, du Tage à la Loire, la recherche de nos deux pays, souhaitons-le, se nourrira longtemps.

NOTES

1. DEMURGER, Alain – Jacques de Molay. Le crépuscule des Templiers. Paris: Payot, 2002, rééd. Paris: Payot, Le Livre de Poche, 2014. 2. LUTTRELL, Anthony – « Observations on the Fall of the Templars ». in JOSSERAND, Philippe; OLIVEIRA, Luís Filipe; CARRAZ, Damien (dir.) – Élites et ordres militaires au Moyen Âge. Rencontre autour d’Alain Demurger. Madrid: Casa de Velázquez, 2015, pp. 365-372, ici p. 365: « As Master of the Temple, Jacques de Molay faced enormous difficulties throughout some two decades and he proved an unsatisfactory and somewhat incompetent leader ». 3. ROUGEBIEF, Eugène – Histoire de la Franche-Comté ancienne et moderne, précédée d’une description de cette province. Paris: Stévenard, 1851, p. 254. 4. DEMURGER, Alain – Jacques de Molay. Le crépuscule des Templiers. Paris: Payot, 2002, p. 12, rééd. Paris: Payot, Le Livre de Poche, 2014, p. 16. 5. LIZERAND, Georges – « Les dépositions du grand-maître Jacques de Molay au procès des Templiers (1307-1314) ». Le Moyen Âge 26 (1913), pp. 81-106, ici p. 89. 6. Paris, Archives nationales, J 456, n° 36-1, publ. par PAVIOT, Jacques – Projets de croisade (v. 1290 – v. 1330). Paris: Académie des inscriptions et belles-lettres, 2008, pp. 183-188, ici p. 185. 7. Barcelone, Archivo de la Corona de Aragón, Real Cancillería, Procesos judiciales in folio, legajo 2, número 4, publ. par JOSSERAND, Philippe – Jacques de Molay. Le dernier grand-maître des Templiers. Paris: Les Belles Lettres, 2019, pp. 461-462, n° 7.

Medievalista, 27 | 2020 171

8. BARBER, Malcolm – « James de Molay, the Last Grand Master of the Order of the Temple ». Studia Monastica 14 (1972), pp. 91-124, ici p. 124, reproduit in BARBER, Malcolm – Crusaders and Heretics, 12th-14th Centuries. Aldershot, Ashgate, 1995, II: « an anachronism in a changing world ». 9. RILEY-SMITH, Jonathan – « The Structure of the Orders of the Temple and the Hospital in c. 1291 ». in RIDYARD, Susan (dir.) – The Medieval Crusade. Woodbridge: Boydell, 2004, pp. 125-143, ici p. 143, repris in RILEY-SMITH, Jonathan – Crusaders and Settlers in the Latin East, Aldershot: Ashgate, 2009, XIX : « By 1300 the Temple was looking as though it was badly in need of reform […] The state of the order seems to have been so dire that one wonders how long it could have been allowed to remain in existence ». La phrase, conçue pour provoquer, plut tant à son auteur qu’il la reprit ensuite régulièrement, ajoutant que le constat valait « indépendamment de l’affaire (with or without the scandal) » (RILEY-SMITH, Jonathan – « Towards a History of the Military-Religious Orders ». in BORCHARDT, Karl; JASPERT, Nikolas; NICHOLSON, Helen J. – The Hospitallers, the Mediterranean and Europe. Festschrift for Anthony Luttrell. Aldershot: Ashgate, 2007, p. 281, et The Crusades: A History, London: Bloomsbury, 2014, p. 279. 10. THÉRY, Julien – « Procès des Templiers ». in JOSSERAND, Philippe; BÉRIOU, Nicole (dir.) – Prier et combattre. Dictionnaire européen des ordres militaires au Moyen Âge. Paris: Fayard, 2009, p. 743-750; THÉRY, Julien – « Une hérésie d’État. Philippe le Bel, le procès des “perfides Templiers” et la pontificalisation de la royauté française ». Médiévales 60 (2011), pp. 63-100, repris avec quelques modifications dans CHEVALIER, Marie-Anna (dir.) – La Fin de l’ordre du Temple. Paris: Geuthner, 2012, pp. 63-100, et augmenté dans BRUNEL, Ghislain; DOHRMANN, Nicolas (dir.) – Les Templiers dans l’Aube. Cycle de conférences organisé dans le cadre de l’exposition “Templiers. Une histoire, notre trésor”. Troyes: Champagne historique, 2013, pp. 175-214; THÉRY, Julien – « A Heresy of State: Philip the Fair, the Trial of the “Perfidious Templars”, and the Pontificalization of the French Monarchy ». Journal of Medieval Religious Culture 39.2 (2013), pp. 117-148. 11. JOSSERAND, Philippe – Jacques de Molay. Le dernier grand-maître des Templiers Paris: Les Belles Lettres, 2019, pp. 449-468, n° 1-12. 12. PESSOA, Fernando – Escritos íntimos. Cartas e páginas autobiográficas. Èd. par António Quadros. Lisbonne: Mem Martins, 1986, p. 252: « Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, grão-mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos – a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania ».

AUTEUR

PHILIPPE JOSSERAND

Université de Nantes, Département d’Histoire, Chemin la Censive du Tertre B.P81227.44312 Nantes Cedex 3 (France)[email protected]

Medievalista, 27 | 2020 172

Varia

Medievalista, 27 | 2020 173

Curso Livre “No Tempo de D. João I”

Miguel Metelo de Seixas

1 Há já longos anos que o Instituto de Estudos Medievais (IEM) e o Mosteiro da Batalha/ Direção-Geral do Património Cultural mantêm uma relação privilegiada, entretecida de atividades comuns. Nesta relação se inscreveu o curso livre “No Tempo de D. João I”, que decorreu neste monumento ao longo de quatro sessões (23 de fevereiro e 9, 16 e 23 de março de 2019), sob a coordenação de Amélia Aguiar Andrade, João Luís Fontes, Joaquim Ruivo e Miguel Metelo de Seixas. A iniciativa contou igualmente com a parceria do Centro de Formação da Rede de Cooperação e Aprendizagem (CFRCA) e o apoio do Município da Batalha, do Centro do Património da Estremadura (CEPAE) e do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota (CIBA).

2 Esta iniciativa inscreve-se na estratégia de disseminação do conhecimento científico que constitui um dos pilares da atividade do IEM, estando aberta à inscrição de todos os interessados, mas especialmente dirigida para os professores do ensino secundário, para os quais contou como ação creditada. Este último público aderiu em massa: o curso recebeu centena e meia de inscritos, que frequentaram com assiduidade o conjunto das quatro sessões. Pode-se, portanto, afirmar que o interesse que os levou a inscreverem- se, os manteve igualmente ligados ao desenrolar e à participação nesta ação de formação.

3 Tais circunstâncias poderão explicar-se, em primeiro lugar, pela escolha do tema. O curso, com efeito, centrou-se na figura do rei D. João I, tão intimamente relacionado com a fundação do Mosteiro da Batalha e protagonista de uma época charneira para a história de Portugal. Longe, porém, de repisar visões historiográficas tradicionais, esta ação de formação proporcionou aos formandos uma série de perspetivas atualizadas e diversificadas para o entendimento da sociedade portuguesa daquela época.

4 Neste sentido se construiu o programa, cuja primeira sessão contou com uma visão geral proporcionada por Bernardo Vasconcelos e Sousa, intitulada “Na confluência das «crises»: A nova dinastia de Avis”, a que se seguiram duas conferências sobre o casal fundador do Mosteiro da Batalha: a de Maria Helena da Cruz Coelho sobre “D. João I: o homem e o rei” e a de Manuela Santos Silva sobre “D. Filipa de Lencastre: a rainha inglesa”.

Medievalista, 27 | 2020 174

5 A segunda sessão abordou as questões militares, com João Gouveia Monteiro a falar de “D. João I: os grandes combates de um grande rei” e Luís Filipe Oliveira de “A Espada, a Cruz e as Quinas: D. João I e as Ordens Militares”, conferências completadas pela visita ao Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota, conduzida pelo primeiro conferencista e por Maria Antónia Amaral.

6 A terceira sessão emergiu para um entendimento mais lato da sociedade coeva, desde os aspetos político-administrativos (Armando Luís de Carvalho Homem, “De João das Regras ao Conselho Régio”) aos religiosos e culturais (Maria de Lurdes Rosa, “Cultura e religião na construção de uma dinastia nova”) e aos estudos de dois casos particularmente marcantes para a época: a afirmação da cidade “cabeça do reino” (Amélia Aguiar Andrade e Miguel Gomes Martins, “Mui Nobre e sempre leal. Lisboa, a cidade do rei”) e a tomada da primeira praça norte-africana (João Paulo Oliveira e Costa, “O início do sonho africano: A conquista de Ceuta”).

7 Finalmente, na quarta sessão, foram abordadas temáticas relacionadas com a construção da memória de D. João I e da dinastia de Avis: ao passo que Isabel Barros Dias examinou a cronística (“A memória escrita: D. João I por Fernão Lopes”), Carla Varela Fernandes tratou do “Mosteiro da Batalha. De ex-voto a panteão” e, num registo cronológico mais abrangente, Sérgio Campos Matos examinou o tema “D. João I e a Ínclita Geração no imaginário português”, sendo esta sessão completada pela visita ao próprio mosteiro da Batalha, conduzida por Miguel Metelo de Seixas numa perspetiva heráldica.

8 A configuração deste programa de conferências e de visitas de estudo evidencia a multiplicidade de abordagens proporcionadas para um entendimento dilatado da sociedade, da cultura e da arte portuguesas coetâneas da fundação batalhina. Nesta diversidade residirá porventura uma das razões do sucesso da iniciativa, que proporcionou, assim, uma imersão dos formandos em tão variados aspetos da época estudada. Outra razão poder-se-á procurar no modelo de formação adotado: as sessões assumiram um caráter fortemente didático, fomentando a participação de grande número de formandos nos debates que se seguiram às apresentações. Saliente-se, por fim, a qualidade científica dos conferencistas, provenientes de variadas instituições académicas: com efeito, longe da endogamia que teima em assombrar o ambiente universitário, acudiram a esta iniciativa do IEM conferencistas oriundos de outras unidades de investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (nomeadamente do Centro de Humanidades e do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição), bem como de outras universidades (Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra, Universidade do Porto, Universidade Aberta, Universidade do Algarve) e do Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota.

9 A esta confluência de instituições científicas proporcionada pelo IEM juntou-se a colaboração estreita com o Mosteiro da Batalha, que tantos frutos tem dado nos últimos anos, e com duas instituições regionais – uma ligada à defesa do património, outra à formação e aprendizagem. Logrou assim o Curso Livre “No Tempo de D. João I” aproximar a universidade e a pesquisa de ponta com o público em geral e, em particular, com os docentes do ensino secundário, para cujo desempenho profissional ações de formação como esta podem dar um contributo positivo, no sentido de fornecer conteúdos atualizados e diversificados. Tanto mais importantes quanto o mosteiro da Batalha e os primeiros reis da dinastia de Avis continuam a desempenhar um papel fulcral no imaginário da sociedade portuguesa atual.

Medievalista, 27 | 2020 175

AUTOR

MIGUEL METELO DE SEIXAS

Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1069-061 Lisboa, Portugal. [email protected]://orcid.org/ 0000-0002-0811-573X

Medievalista, 27 | 2020 176

Portugal, os clássicos e a cultura europeia colóquio de homenagem a A. A. Nascimento no seu 80º aniversário

Adelaide Miranda e Isabel Barros Dias

1 Ao longo de quatro dias, com início a 16 de Julho, decorreu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, promovido pelo Centro de Estudos Clássicos, uma homenagem a Aires Augusto Nascimento à qual foi dado o título “Portugal, os clássicos e a cultura europeia: colóquio de homenagem a A. A. Nascimento no seu 80º aniversário”. Este evento culminou com a celebração dos oitenta anos do homenageado, no dia 20. Num clima de reunião de amigos promovido pela Comissão organizadora (Arnaldo Espírito Santo, Cristina Pimentel e Rodrigo Furtado) e com o Professor sempre presente, cerca de 80 investigadores nacionais e internacionais cujos percursos, de alguma forma, com ele se cruzaram, deixaram os seus testemunhos de relações de amizade e de gratidão pelo espírito de partilha de conhecimento e de estímulo a jovens investigadores. De assinalar, pois, a confluência que se verificou entre jovens e menos jovens investigadores, alunos e discípulos do homenageado, a par de colegas e amigos de longa data.

2 O Colóquio revelou-se de extrema importância para a comunidade científica, dadas as muitas novidades que foram apresentadas. Os temas abordados foram múltiplos e diversificados, em sintonia com as áreas de estudo nas quais Aires Augusto Nascimento produziu trabalho de investigação: a Literatura Latina Medieval e do Renascimento, a Filologia, a História e a Cultura, a História do Livro e a Codicologia, a História da Arte, as Bibliotecas e os Arquivos, a Literatura de Viagens, os Mosteiros e as Ordens monásticas... As conferências estiveram a cargo de José Manuel Díaz de Bustamante, Thomas Earle, Joaquim Cerqueira Gonçalves, Carmen Codoñer Merino e Paolo Fedeli, investigadores de longa e meritória carreira.

3 A quantidade e qualidade dos investigadores que afluíram à homenagem realizada a Aires Augusto Nascimento assinalou indelevelmente a marca que este estudioso tem vindo a deixar, não só diretamente, nas letras portuguesas, como também indiretamente, graças às várias gerações de pesquisadores que com ele têm vindo a trabalhar. Nascido em Palhais - Trancoso, em 1939, Aires A. Nascimento licenciou-se em

Medievalista, 27 | 2020 177

Filologia Clássica e doutorou-se em Linguística Latina, tendo sido professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde exerceu diversos cargos, e coordenador do Centro de Estudos Clássicos. Foi diretor da conceituada Revista Euphrosyne e autor de uma imponente e significativa obra de pesquisa, cujos frutos continuam a marcar a agenda da investigação em Portugal. Medievalista, Classicista, Humanista... Aires Augusto Nascimento, atualmente jubilado, tem sido um exemplo de estudioso que não se preocupa só com o seu percurso. A atenção que sempre dedica a jovens investigadores, com os quais não hesita em partilhar conhecimentos, tem dado frutos significativos, amplamente demonstrados na Homenagem que lhe foi oferecida e que aqui noticiamos.

4 Para informações mais detalhadas sobre o percurso pessoal e científico de Aires Augusto Nascimento, bem como algumas fotografias do colóquio de homenagem que lhe foi organizado, ver: http://www.filorbis.pt/AiresAugustoNascimento.pdf.

AUTORES

ADELAIDE MIRANDA

Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1069-061 Lisboa, Portugal. [email protected]. http://orcid.org/0000-0002-7581-3888

ISABEL BARROS DIAS

Universidade Aberta e Instituto de Estudos e Literatura e Tradição e Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1069-061 Lisboa, Portugal. [email protected]://orcid.org/0000-0003-3479-6660

Medievalista, 27 | 2020 178

Seminário Internacional José Mattoso Revisitando a interdisciplinaridade: alimentação, doença e migrações, organizado pelo Instituto de Estudos Medievais, Lisboa, NOVA FCSH, 27 de Junho de 2019

Paulo Catarino Lopes

1 Criados em 2004 por Luís Krus, os Seminários José Mattoso pretendem desde o seu início constituir um espaço privilegiado de reflexão crítica, debate científico e diálogo produtivo e inovador, valorizando a problematização historiograficá em torno de questões e conceitos propostos por esse historiador. Parecera-lhe ser esta a forma mais estimulante e fecunda de homenagear a figura incontornável de José Mattoso e a sua obra.

2 Depois de um interregno de alguns anos, o Instituto de Estudos Medievais decidiu reactivar este fórum de debate, que inseriu nas suas actividades bienais. Assim, em 2014, o Seminário Mattoso dedicou-se à importância do diálogo interdisciplinar na invenção de uma outra visão da Idade Média. Em 2016 discutiu-se o impacto, a operacionalidade e a actualidade do binómio “Oposição/Composição” tal como proposto por José Mattoso na sua obra seminal Identificação de um País. Ensaio sobre as origens de Portugal. Este ano pretendeu-se regressar à interdisciplinaridade e ao diálogo entre áreas científicas que normalmente não comunicam umas com as outras, abordando pela voz de alguns dos mais reputados e inovadores especialistas internacionais e portugueses as problemáticas da Doença, Alimentação e Migração.

3 Na apresentação inaugural do encontro, a investigadora Monica Green da Arizona State University falou das suas pesquisas de ponta sobre o tema da Peste Negra como História Global (“The Black Death as Global History”). Especialista em história médica da Europa medieval e na história global de doenças infecciosas, esta professora norte-americana comentou como a nossa percepção da Peste Negra, a pandemia de peste que devastou a Europa, o Médio Oriente e o Norte da África entre 1346 e 1353, sofreu nos últimos 15 anos uma acentuada transformação como resultado de novos e profundos desenvolvimentos no campo da genética. Com efeito, historiadores e arqueólogos

Medievalista, 27 | 2020 179

aprenderam nos últimos anos a incorporar as descobertas da genética em novas narrativas críticas, que revelam como aquela que é considerada a maior das pandemias foi, na realidade, mais impactante e generalizada do que alguma vez imaginámos. O resultado é que os estudos históricos sobre este fenómeno que marcou profundamente o percurso da Humanidade devem agora incluir, em termos da especialidade, não apenas o Mediterrâneo e a Europa, mas também a Ásia Central, a China e grande parte da África Subsaariana.

4 Em seguida, Kirsten Bos, especialista em DNA antigo e doenças infecciosas, apresentou uma comunicação intitulada “Ancient pathogen genomics of Medieval plagues”. Actual coordenadora do grupo de investigação em paleopatologia molecular no Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana em Jena, na Alemanha, esta antropóloga física partilhou como as técnicas de recuperação de DNA antigo permitem hoje sequenciar DNA suficiente de tecidos arqueológicos preservados, por forma a que se possa reconstruir computacionalmente os genomas de patógenos antigos. A questão está em que a partir daqui é possível identificar doenças de há centenas de anos e determinar as suas relações genéticas com formas modernas. Kirsten Bos, com efeito, utilizou já essas técnicas na investigação que conduz sobre a Peste Negra e outras infecções causadas pela bactéria Yersinia pestis (hanseníase, cólera, tuberculose e, mais recentemente, febre paratifóide).

5 A terceira apresentação deste encontro científico foi protagonizada por Iona McCleery do Institute for Medieval Studies da Universidade de Leeds (IMS – Leeds University), que abordou o sempre complexo tema da dieta medieval com a comunicação “The ‘healthy’ medieval diet: interdisciplinary perspectives”. Especializada em medicina e alimentação medieval (assim como no estudo quer do Portugal medievo, quer dos milagres e Culto dos Santos), esta investigadora centrou a sua intervenção numa interrogação fundamental: “o que é uma dieta medieval saudável?”. Partindo da relação entre as palavras “dieta” e “saudável”, ela demonstrou como o que entendemos por “saudável” é frequentemente considerado um dado adquirido, acabando por funcionar como uma premissa anacrónica. Na sua perspectiva existem muitas maneiras de investigar a dieta medieval, devendo-se, no entanto, dar primazia à questão de quais os padrões de saúde que consideramos pertinentes: os nossos, portanto actuais, ou os do contexto epocal em exame? Fazendo recurso de várias disciplinas e campos de estudo, pois, a comida é um tópico interdisciplinar por excelência, que exige vários conjuntos de dados e escalas de análise, o seu propósito consistiu, enfim, em problematizar a ideia de que sabemos o que significa “saudável” ao olhar para a comida medieval.

6 Depois, numa perspectiva zooarqueológica, Cleia Detry (UNIARQ – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) chamou a atenção para a problemática do “Consumo, melhoramento e introdução de animais durante o período medieval”. Esta especialista sublinhou na sua intervenção como durante o período medieval tiveram lugar profundas alterações culturais e económicas, que afectaram necessariamente o consumo e a gestão que as populações faziam dos animais. Dando como exemplos maiores os casos do porco, com a proibição do seu consumo pelos muçulmanos, da ovelha, do gado bovino e das espécies exóticas, introduzidas sobretudo a partir do Norte de África e da zona do Mediterrâneo, alterando para sempre ecossistemas locais e consumos, Cleia Detry demonstrou como a Zooarqueologia e a Osteometria têm contribuído para a compreensão do impacto das diferentes culturas no ecossistema da Península Ibérica, no consumo da carne e no melhoramento dos animais.

Medievalista, 27 | 2020 180

7 Finalmente, Sofia Tereso (CIAS – Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra / IEM – NOVA FCSH) apresentou o projecto que se encontra a desenvolver numa comunicação intitulada “Que nos contam os ossos? Conhecer as populações alto-medievais do NE transmontano através da bioarqueologia”. Esta investigadora salientou que conhecer as populações alto-medievais do NE transmontano, entre o Tua/Tuela e o Douro, através da bioarqueologia, assume-se como um estudo relevante no contexto arqueológico nacional, uma vez que não existe conhecimento suficiente sobre esta cronologia e região. Além disso, os restos ósseos exumados das cinco necrópoles em estudo são únicos num ambiente geológico que raramente permite a sua preservação. O projecto em questão assume uma abordagem metodológica interdisciplinar, onde se conjugam a arqueologia, a antropologia, a química e a genética, em ordem a um conhecimento aprofundado das comunidades alto-medievais. Não só é abordado o modo como essas populações organizavam o seu espaço funerário, a arquitetura dos sepulcros e os rituais funerários adoptados, como também é caracterizado o seu estilo de vida, as patologias que deixaram marca nos ossos, os padrões ocupacionais, a dieta e a mobilidade ao longo da sua vida. Para além da vida e da morte das comunidades, este estudo permite igualmente abordar a distinção social no seio da comunidade e entre comunidades.

8 No final deste encontro científico ficou a consciência da importância e da necessidade cada vez mais premente de diálogo entre disciplinas para a construção do saber histórico sobre a Idade Média. Um diálogo cruzando as áreas da História de Arte, Literatura, História, Filosofia, Antropologia e Arqueologia com campos de estudo mais “técnicos” e durante largo tempo estranhos aos medievalistas como as ciências biológicas e químicas.

9 Inequívocas revelaram-se a pertinência e a utilidade futura do Seminário Internacional José Mattoso, enquanto espaço de debate entre perspectivas originais, sobre as diversas problemáticas e quadros conceptuais que compõem os estudos medievais. Uma realidade que logo à partida garante ao evento o estatuto de plataforma privilegiada de investigação, não somente para networking, mas também para a apresentação de metodologias inovadoras, assim como para a partilha de dados e de experiências entre os vários níveis de participantes.

AUTOR

PAULO CATARINO LOPES

Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. 1069-061 Lisboa, Portugal. [email protected]. http://orcid.org/0000-0002-8543-1111

Medievalista, 27 | 2020