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A preservação da memória na TV pública: análise do programa da ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação1

MOURÃO, Raul (mestrando)2 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)/MG

Resumo: Este trabalho aborda as atividades de preservação do acervo de meios de comunicação de massa, discute como determinados veículos organizam suas produções impressas e audiovisuais passadas. A partir desse levantamento inicial, o estudo enfoca a exibição do programa “O Público na TV”, exibido pela TV Brasil, sobre a memória na televisão. Nessa edição, a produção mostra como atua o setor de Acervo e Conhecimento da Empresa Brasil de Comunicação, que gerencia a emissora, e discute a relação entre mídia e memória, além de abordar a relevância de resgatar a história da televisão. Para auxiliar na análise, o trabalho aborda ainda os temas TV pública e ouvidoria, uma vez que o programa é de responsabilidade da primeira ouvidoria de TV aberta em rede nacional.

Palavras-chave: memória; TV Brasil; ouvidoria; “O Público na TV”.

1 - História e mídia “Uma figura que eu conheci pela mídia, pela televisão, foi Elvis Presley”, afirma o pintor de automotivos, Paulo Henrique Araújo Costa, em entrevista ao programa “O Público na TV”, exibido pela TV Brasil em março de 2013. Outra participante da produção revela que guarda lembranças do regime militar brasileiro (1964-1985), mesmo não o tendo presenciado, por meio das imagens exibidas pela mídia. As declarações revelam a importância que a televisão possui ao relatar fatos do passado, ao colaborar para a construção da memória social. A inserção dos depoimentos desperta a atenção ainda por estarem presentes no programa semanal da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), da qual faz parte a TV Brasil. A própria veiculação de um produto audiovisual de ouvidoria é raro meios de comunicação. Nessa edição de

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013.

2 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCom/UFJF), jornalista. [email protected] “O Público”, é apresentado o setor de Acervo e Conhecimento da Empresa, tendo como princípio o objetivo de mostrar ao telespectador como é feito o trabalho da área, pois assim ele se tornaria mais qualificado para analisar a TV. Para tanto, seria necessário conhecer como opera a “memória” da emissora e a relação entre a história e a mídia.

A televisão é reconhecida por ser um grande agente no registro da história, como também um ator social responsável pela construção, reconstrução e releitura dela, por meio de produções jornalísticas, dramatúrgicas ou de outro gênero. Esse meio de comunicação é ainda “fundamental na constituição do imaginário urbano, sendo forte responsável pela construção dos laços de pertencimento entre os seres humanos e os espaços por eles ocupados” (MUSSE; RODRIGUES, 2012, p. 15). A TV pode acionar lembranças, retrabalhar determinar pontos, destacar outros, esquecer aspectos importantes, em processo de seleção, assim como podem ser revelados novos enquadramentos. Marialva Barbosa compreende que no jornal (e por extensão, outras mídias) coexiste “a dialética do lembrar e do esquecer, já que a Nação é ´percebida em pedaços` e muitas das histórias que a constituem ao não ganhar visibilidade, são relegadas ao plano do esquecimento” (1999, p. 101 apud COUTINHO; MUSSE, 2012, p. 20).

Essa dialética, característica do processo de memória, remete a uma pergunta de Ecléa Bosi (1999, p. 59), que questiona: “Qual a função da memória? Não constrói o tempo, não o anula tampouco. Ao fazer cair a barreira que separa o presente do passado lança uma ponte entre o mundo e o além, ao qual retoma tudo o que deixou à luz do sol. Realiza uma evocação”. Para Bergson, “a memória é a alma da própria alma, ou seja, a conservação do espírito pelo espírito.” A percepção, a seu ver, está impregnada de lembranças. Ela não é uma simples interação do ambiente com o sistema nervoso. “O afloramento do passado se combina com o processo corporal e presente da percepção” (BOSI, 1999, p.36).

Sérgio Mattos (2007, p. 41) oferece-nos outras questões importantes para a reflexão acerca de resgatar a história da própria televisão. “Qual a importância do resgate da memória da mídia TV no Brasil? Qual a importância da historiografia midiática no papel da construção do campo da televisão? Quais os pontos que são relevantes no levantamento histórico descritivo da TV?” A resposta do pesquisador é baseada no jargão “compreender o passado, para entender o presente e projetar o futuro”.

Para que esse trabalho seja feito, um dos precursores brasileiros no estudo da história da TV, o pesquisador José Marques de Melo (2010, p.17-23) descreve o esforço empreendido por ele para desenvolver estudos na área, tornando-se um dos responsáveis por suprir a carência de publicações nacionais sobre o veículo nas décadas de 1960 e 1970. Ao coordenar uma equipe de 300 pesquisadores da então Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Comunicação (Abepec), Marques de Melo realizou o primeiro inventário crítico da televisão brasileira, disponibilizado, em partes, em 1978, 1982 e 1985. O objetivo foi “conhecer a natureza da programação, as relações de poder, as fontes de provisão financeira e os conteúdos dos programas nacionais” (MARQUES DE MELO, 2010, p. 225). O pesquisador precisou ainda vencer a resistência do ceticismo acadêmico e da falta de recurso para constituir o Núcleo de Pesquisas em Telenovela na Universidade de São Paulo. Atualmente, destaca a organização de um “mega-estudo”, organizado pela professora da Universidade Católica da Brasília Cosette-Castro, a fim de identificar o estado da arte sobre a enigmática produção audiovisual brasileira.

Já os artigos publicados no início dos anos 2000 nos congressos da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) sobre televisão foram objeto de pesquisa de um levantamento de Sérgio Mattos (2007, p.43). O autor sugere temas que apresentam lacunas, outros que precisam ser aprofundados ou serem vistos em escala mais ampla ou pormenorizada. Para que essa ação se mantenha, é fundamental conhecer toda a produção científica e televisa. “Ter acesso e conhecimento da existência de toda a produção nacional é importante para que possamos resgatar a memória histórica da televisão brasileira em todos os seus detalhes.” (MATTOS, 2007, p. 47).

2 - Guardiões da memória Tão fundamental para a pesquisa acadêmica ou mercadológica sobre a trajetória da TV e as características de seus produtos é o acesso ao acervo audiovisual atual ou passado e a conservação desse material. Como importantes preservadores de memória, estão os departamentos responsáveis, nas próprias organizações, por acondicionar a produção midiática, categorizá-la, recuperá-la e torná-la disponível. Algumas medidas vêm sendo 345

tomadas pelas organizações midiáticas, da impressa à radiofônica, para permitir que essa produção seja pública.

O setor de Arquivo do jornal “Estado de S. Paulo” publica quase que diariamente, em sua página no Facebook3, conteúdos retratados nas páginas do periódico nas últimas décadas. Os temas que retornam são relacionados direta ou indiretamente a assuntos que estão na ordem do dia, como os atentados a Boston, a discussão sobre redução da maioridade penal e grandes enchentes. De certo modo, por meio dessa divulgação, é possível perceber que fatos recentes, estampados na banca, não são ocasionais ou únicos na história, e são reforçadas histórias das quais “não devemos” nos esquecer.

Outro jornal, “Folha de S. Paulo”, disponibilizou o acesso digital gratuito, por tempo não especificado, a todas as suas edições, incluindo os extintos “Folha da Manhã” e “Folha da Noite”. O acesso ocorre pelo site Acervo Folha 4e é facilitado por um sistema de busca. Após o período de “degustação” (como define o projeto), a consulta será paga. Ressalta-se aí a disponibilização da “memória do jornal” para todo o público. A oferta vai ao encontro de medidas tomadas por periódicos internacionais, como o “The New York Times”, representando mais uma fonte de receita.

Em relação à televisão, a maior rede do país, a Globo, possui um sistema reconhecido de arquivamento, sustentado há 37 anos pelo Centro de Documentação (Cedoc) e pelo projeto “Memória das Organizações Globo”5, mais recente. Parte das produções da emissora está disponível gratuitamente na página do canal na internet, complementada por galeria de fotos, fichas técnicas e entrevistas. Além disso, o projeto Memória “desenvolve, desde 1999, um programa de história oral com centenas de profissionais que ajudam ou ajudaram, diariamente, a levar informação e entretenimento à casa de milhões de brasileiros.” (REDE GLOBO, 2013). O setor presta serviços para programas de entretenimento, como “Vídeo Show”, de telejornalismo da emissora (“Jornal Nacional”, “Jornal da Globo”...), entre outros gêneros, e para canais associados, a exemplo da Globonews e seu “Arquivo N”. O “Memória Globo” e o Cedoc também 3 Disponível em

4 Disponível em

5 Disponível em são responsáveis por assessorar o portal de notícias “G1” e já publicaram livros ou colaboraram para a realização deles.

Um dos canais por assinatura com mais audiência, o Viva, dedica-se prioritariamente a essa memória construída pela Rede Globo. A grade de programação da emissora, inaugurada em 2010, é constituída, em sua maior parte, por produções da empresa da família Marinho que tenham foco no entretenimento. Já foram levados novamente ao ar ou ainda estão sendo exibidos, no novo canal, os humorísticos “Viva o Gordo”, “TV Pirata” e “Sai de Baixo”, as novelas “Que Rei Sou Eu”, “Vale Tudo” e “Rainha da Sucata”, entre outros. Em entrevista ao portal “Meio e Mensagem” (DAMASCENO, 2012), o gerente de marketing do canal, Fernando Schiavo, afirmou: “Avivamos a memória afetiva do público que consumiu esse conteúdo na Globo. A TV por assinatura tem apenas 20 anos de existência no Brasil e, antes disso, tudo o que era consumido vinha da TV aberta”. Em 2012, o canal esteve entre os que mais conquistaram a audiência do público de TV por assinatura conforme o Ibope Media Workstation (URSINI, 2012). “O Viva atende ao público feminino que valoriza o próprio bem-estar e a família. Essa mulher, que se equilibra entre as tarefas de casa e o desejo de se divertir e de se informar, agora tem a opção de assistir a alguns dos seus programas favoritos em apenas um canal” (CANAL VIVA, 2013).

Entre as emissoras públicas, a TV Brasil, gerenciada pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), possui uma área responsável por categorizar, acondicionar e recuperar o acervo da emissora e das que pertenciam ao sistema público nacional, como a TVE, antes de serem extintas e substituídas pela TV Brasil em 2007. O trabalho do setor será o tema do programa “O Público na TV” em análise. Para tanto, é necessário uma breve contextualização sobre a presença da ouvidoria no Brasil, a TV Brasil e o programa – temas que irão condicionar a edição em destaque.

3 - Ouvidoria e TV pública A presença da ouvidoria ainda é relativamente nova no Brasil, iniciada na década de 80, embora o termo remeta ao período colonial, quando o rei de Portugal instituía o Ouvidor-Geral para as terras brasileiras. No entanto, sua função primordial era a de atuar como juiz nas capitanias. Próxima à concepção que se tem atualmente, a primeira ouvidoria pode ser creditada à multinacional do setor químico Rhodia, criada em 1985 a partir do programa “Você fala e a Rhodia escuta” (BRAZ; VARÃO, 2012, p. 64).

A instalação da ouvidoria, no país, está relacionada à promulgação da Constituição Federal de 1988, à criação do Código de Defesa do Consumidor, ao amadurecimento das relações entre empresa e público e à adesão de funções antes atribuídas aos serviços de atendimento ao consumidor. O país também não ficou alheio à implantação sucessiva de ouvidorias em outros países, a começar pela Suécia no século XIX. “Desde seu tímido início (...), o instituto da ouvidoria [no Brasil] passou por uma série de mudanças, inventando-se e remodelando-se a cada estímulo, a cada situação de impasse, a cada novo desafio que a evolução dos meios de produção e de consumo nos oferecia” (IASBECK, 2012, p. 17).

O surgimento de ouvidorias também foi influenciado pela exigência legal de sua inclusão em instituições públicas e em bancos – neste caso, por determinação do Banco Central. A estimativa é que existam duas mil ouvidorias públicas no país e que mais de 90% desse total estejam vinculadas a instituições estaduais ou municipais (CGU COMEMORA..., 2012). Das 2.000, 173 encontravam-se em órgãos federais, conforme dados da Ouvidoria-Geral da União, divulgados em junho de 2012 (OGU, 2012). Em outubro do mesmo ano, foi comemorada a criação de um número único de telefone para o cidadão se comunicar com ouvidorias de órgãos públicos, o 162.

A ouvidoria, portanto, é instrumento de comunicação, caracterizado pelo foco no diálogo, pela capacidade de gerenciar vozes advindas interna e externamente de uma organização, pública ou comercial. A sua concepção é a de um espaço aberto, em que o usuário pode apresentar críticas, sugestões, elogios, denúncias, solicitar esclarecimentos entre outras demandas. “A ouvidoria, dessa maneira, não atua apenas como um ´ouvido`, mas como um sistema que processa e traduz os sentimentos dos indivíduos externos à organização, buscando avaliar e acionar a reflexão e a solução de problemas (...)” (BRAZ; VARÃO, 2012, p. 69). Na EBC, a Ouvidoria deve “recolher e buscar respostas da diretoria executiva da empresa às críticas e sugestões do público que acompanha a programação e o conteúdo dos veículos da EBC, gestora da TV Brasil, Agência Brasil, Radioagência Nacional, oito rádios e a EBC Serviços.” (TV BRASIL, 2012). Entre outras atribuições, cabe ao setor, funções relacionadas à educomunicação, tais como “cooperar com os processos educacionais e de formação do cidadão para o exercício da crítica e da cidadania participativa” e “informar de forma didática (...) a missão, os objetivos, os parâmetros, planos editorais, conteúdos da programação e do jornalismo, visando contribuir para a transparência da comunicação praticada pela EBC” E o que ocorre quando as manifestações do telespectador são levadas a público em programa da própria emissora? Desde 22 de setembro de 2011, em todas as quintas- feiras, vai ao ar o programa “O Público na TV”, apresentado pela jornalista e professora da Universidade Federal do Pará, Regina Lima, ouvidora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Em horário nobre, das 20h30 às 20h50, são discutidos “os principais questionamentos enviados ao órgão pelos telespectadores” - tal como informa sua apresentação institucional. “A pauta do programa é baseada nas respostas dadas pela Ouvidoria às críticas e sugestões do público que acompanha a programação e o conteúdo dos veículos da EBC” (TV BRASIL, 2013). São eles: Agência Brasil, Radioagência Nacional, TV Brasil, TV Brasil Internacional, Rádios MEC AM e FM, Rádios Nacional do , AM e FM de Brasília, da Amazônia e do Alto Solimões.

Nos dois anos de veiculação de “O Público”, foram debatidos temas como o processo de produção de notícias, a relação entre jornalismo e sensacionalismo, a participação popular na EBC, a representatividade do negro e da mulher na emissora e diferenças entre comunicação pública e privada no Brasil. Além disso, discutiu-se o manual de jornalismo da EBC e apresentaram-se os bastidores de um telejornal, os critérios de reportagem e o balanço do Conselho Curador da empresa.

O programa é dividido em três blocos, com duração média de 18 minutos cada, apresentado somente pela ouvidora. Regina Lima é responsável por conduzir entrevista em estúdio - quando há, pois a participação de entrevistado não é obrigatória - anunciar a inserção de “povo fala”, reportagem e balanço semanal de manifestações encaminhadas à ouvidoria pelo telespectador. O cenário do estúdio é simples e passou por modificações ao completar um ano de veiculação. A área, entre setembro de 2011 e setembro de 2012, acomoda duas poltronas pretas, largas, de cor escura, separadas; entre as quais havia um aparador. No fundo, um monitor de tela plana com o nome e logo do programa. As poltronas ficam sobre uma plataforma geométrica cinza com borda amarela. O fundo é composto por faixas brancas, azuis e verdes. As cores são as que constam na logo do programa, conforme Imagem 1. A partir de outubro de 2012, o cenário ganhou cores mais leves – tons de azul, rosa e salmão -, as poltronas foram substituídas por cadeiras acolchoadas, assemelhando-se a uma sala de estar, e as cores da logo foram alteradas para as mesmas do novo cenário, que permanece praticamente virtual.

Imagem 1 – Antigo cenário de “O Público na TV” (Foto: Reprodução de vídeo)

Imagem 2 – Novo cenário de “O Público na TV” (Foto: Reprodução de vídeo)

Comparado ao de outras produções de emissoras comerciais, o cenário, ainda que com as mudanças, não possui muitos recursos, sem muita iluminação e aparatos tecnológicos. Em relação ao enquadramento, vigoram dois: em plano geral – quando aparecem a apresentadora e o entrevistado do dia - e plano americano, utilizado para focar a ouvidora ou o convidado. É possível perceber poucos traços do cenário virtual 67

de fundo quando a câmera retém a atenção na ouvidora. Todas as edições do programa estão disponíveis, na íntegra, no site da TV Brasil6 e no canal da emissora no Youtube. 7

A inclusão de um programa para a Ouvidoria já estava prevista na lei 11.652/2008, de criação da EBC, por meio do qual o profissional do setor deverá prestar contas aos usuários através de programas semanais de 25 minutos nas emissoras de rádio e de televisão da empresa. Além de “O Público”, a Ouvidoria produz o semanal “Rádio em Debate”, desde fevereiro de 2009, e uma coluna na Agência Brasil.

Ao pertencer a uma ouvidoria, a iniciativa da produção é revestida pela premissa de defender e promover os direitos desse telespectador, consumidor, e, ao mesmo, representar a emissora. “Aparentemente um paradoxo, cabe à ouvidoria promover a crítica sistemática da organização, apontando onde estão os problemas, sugerindo solução e cobrando, proativamente, providências para que os problemas não se repitam” (IASBECK, 2012, p.53). O programa televisivo surgiu após três anos da criação da TV Brasil, em dezembro de 2007, a qual “veio atender à antiga aspiração da sociedade brasileira por uma televisão pública nacional, independente e democrática” (TV BRASIL, 2011). Ainda conforme a emissora, a finalidade do canal é complementar e ampliar a oferta de conteúdos, oferecendo uma programação de natureza informativa, cultural, artística, científica e formadora da cidadania. A inclusão de uma TV pública que pretende ser de fato pública vai na contramão de um padrão cristalizado no Brasil, cujo controle

está concentrado nas mãos de uns poucos grupos familiares, com exceção das emissoras estatais(...)O modelo de radiodifusão brasileiro, tradicionalmente privado, evoluiu para o que se pode chamar de um sistema misto, onde o Estado ocupa os vazios deixados pela livre iniciativa, operando canais destinados a programas educativos (MATTOS, 2010, p.54-55).

4 - A memória em ´O Público na TV` A edição de número 75, nomeada “Memória”, de “O Público na TV” é aberta com a seguinte “cabeça” pela ouvidora e apresentadora, Regina Lima:

6 Disponível em: < http://www.tvbrasil.ebc.com.br >, acesso 18. dez. 2012.

7 Disponível em: < http://www.youtube.com/tvbrasil >, acesso 18.dez. 2012. A relação entre mídia e historia é tema cada vez mais frequente nas pesquisas de diversas áreas do conhecimento. Se a mídia interfere, ou não, no rumo dos fatos, é uma questão que ainda vai demandar um longo tempo para ser esclarecida. No entanto, há um consenso em torno do papel da mídia, e da imprensa em particular, do registro do tempo presente. É esse trabalho que vai garantir às gerações futuras conhecerem o passado e os detalhes da vida em sociedade em diferentes épocas. Os historiadores recorrem aos registros da midia para entender o passado. E dizem os estudiosos que é assim que se constrói a identidade. Na edição de hoje, você vai conhecer o complexo trabalho de preservação de memória e as rotinas de guardar o presente, registrado pelas nossas câmeras. (LIMA, 2013)

Em seguida, entram inserções de cinco entrevistados na rua, o chamado “povo fala”. O tema desse quadro nesta edição é “Lembranças da televisão”. São ouvidas uma professora, um supervisor de lojas, dois mecânicos e um pintor de automotivos. Eles relatam acontecimentos, cujas memórias são influenciadas pelo que foi retratado na mídia, como ditatura militar, a morte da cantora Elis Regina, a chegada do homem à Lua, o conhecimento sobre Elvis Presley e Jimi Hendrix. “Uma figura que eu conheci pela mídia, pela televisão foi Elvis Presley”, afirma o pintor de automotivos, Paulo Henrique Araújo Costa. Ao mesmo tempo em que os entrevistados listam os fatos, fotografias correlacionadas aparecem na lateral da tela.

De volta ao estúdio, Regina Lima destaca que uma das obrigações legais da Ouvidoria da EBC é contribuir para que o cidadão conheça a rotina da empresa. “Sabendo como se faz, o cidadão torna-se cada vez mais qualificado para o debate sobre a comunicação pública” (LIMA, 2013). O conhecimento desta edição é sobre um setor, conforme Regina, que “para fazer televisão, acaba fazendo história”. Na sequência, o VT exibe profissionais trabalhando no setor de Acervo e Conhecimento. As imagens são acompanhadas por fundo sonoro de tom dinâmico. O volume é reduzido quando aparece a gerente-executiva de Acervo e Conhecimento da EBC, Lacyr Barca, dando depoimento. A repórter não é mostrada, está sempre em off. Enquanto a gerente explica a constituição do acervo da EBC, a rotina e dificuldades, são inseridas letterings com resumo sobre a fala dela. Ao citar que “toda a intelectualidade brasileira” dos anos 1960 e 1970 passou pela TVE do Rio de Janeiro, a fala é interrompida para a inserção de trechos de programas. O primeiro é uma entrevista com Vinícius de Moraes, e outro traz observações de Carlos Drummond de Andrade sobre um poema da autoria dele. Após as inserções, Lacyr continua a explicar sobre o setor que coordena, citando a herança do acervo das rádios MEC AM e FM e de 1,2 milhão de fotografias da Radiobras, incorporados ao patrimônio da EBC. Durante sua fala, são exibidas imagens gravadas do setor, fotos e capas de DVDs de fotografia.

Na sequência, novo entrevistado aparece no vídeo, o coordenador de Arquivo da EBC, Mardey Couto. “Qualquer pessoa pode entrar no site da EBC e fazer o download dessas fotografias sem custo nenhum.” (COUTO, 2013). O objetivo do trabalho de preservação, acondicionamento e digitalização do acervo, conforme Lacyr Barca, é fazer com que o material volte a estar disponível para a população. Terminada a explicação, um terceiro entrevistado surge na reportagem, o pesquisador Jonatas Barbosa, para explicar como é feito o processo de mudança de suporte das imagens gravadas em fitas analógicas para os bancos digitais. No momento, o profissional estava transcodificando o programa “Os Astros”, apresentado por Grande Othelo, que entrevistava o escritor Fernando Lobo. Esta é a deixa para reexibir 19 segundos dessa produção. O novo corte da edição da reportagem leva o telespectador outra vez à coordenadora Lacyr Barca, que discorre sobre a dificuldade de reproduzir material gravado em suporte antigo em equipamentos novos. Falta correspondência entre eles, devido à substituição das tecnologias antigas por novas, as quais não aceitam os suportes anteriores. Um infográfico, na reportagem, mostra a sucessão de suporte de armazenamento de imagem de 1956 a 2003.

A coordenadora volta a explicar sobre o trabalho do setor e dos obstáculos enfrentados para obter conhecimento sobre as produções. De uma delas não se encontra registro algum, nem mesmo na ficha técnica, como é o caso do programa “Os Mágicos”, de 1976. “Certamente, na hora que a gente pegar essa mídia, limpá-la e conseguir verificar o que estar impresso na ficha técnica, a gente vai ter uma surpresa. Isso pode ser um programa muito importante para a história do Brasil.” (BARCA, 2013). Após mais um trecho de entrevista de Grande Othelo, Lacyr afirma que tudo que se produz na EBC é patrimônio do povo brasileiro, pois, conforme a gerente, a empresa é pública e comprometida com a memória do país.

De volta ao estúdio, Regina Lima, chama o segundo bloco, perguntando qual a influência da memória que a mídia resgata sobre a vida em andamento. A segunda parte do programa é dedicada principalmente aos apontamentos da professora da Universidade de Brasília (UnB) Carla Siqueira a respeito da relação entre memória e mídia e, por conseguinte, a identidade nacional e individual, explicada em tons coloquiais e didático pela convidada, em entrevista gravada, na universidade.

O que aconteceu antes não está consolidado somente nos livros de história, está de forma mais ampla na memória popular, na memória guardada em outros ambientes, que não só os livros de história. Quando a mídia resgata a história, a gente vai ver o quanto, por exemplo, o quanto a gente aprendeu sobre a história em minisséries históricas, que falavam sobre ditadura ou de outros momentos da nossa história, o quanto as pessoas aprenderam através daquela leitura que se fez pela dramaturgia ou o quanto as pessoas podem aprender com as matérias muito frequentes [sobre o regime militar], em função da Comissão da Verdade. E isso é fundamental para compor essa visão mais ampla sobre quem somos nós. (SIQUEIRA, 2013)

O terceiro bloco de “O Público” aborda os bastidores do programa “Musicograma”, que veicula musicais, toda semana, já exibidos pela TVE, com duração de 30 minutos. Em nova reportagem, a jornalista Andrea Fassina fala sempre em off, coberto por imagens do depoimento do compositor e cantor Cartola e do processo de recuperação de arquivos. O acervo vem sendo recuperado desde 2006, por meio da digitalização, e o áudio passa por tratamento. Durante a reportagem, são exibidos ainda trechos de especiais sobre Clara Nunes, Dominguinhos, Baden Powell, Nelson Cavaquinho e outros profissionais da música. O diretor do “Musicograma”, Luiz Carlos Pires, diz em entrevista, na ilha de edição, que a ideia era dar vida ao acervo quando percebeu que o material estava sendo resgatado. Declara que foi exibida uma apresentação de Luiz Gonzaga em que o artista nordestino executa uma música, com duração de oito minutos, em que conta a vida dele próprio. Segundo o diretor, essa exibição é exclusiva. Na sequência, imagens da apresentação são levadas ao ar. “Essa experiência do Musicograma tem mostrado que a gente está levando às novas gerações músicas e artistas que eles não conheciam” (PIRES, 2013). A reportagem é encerrada com uma mescla de apresentações musicais.

Esta edição de “O Público na TV” é finalizada com a ouvidora Regina Lima, no cenário do estúdio, oferecendo “um presente vindo direto do passado”: trecho de um musical em que Clara Nunes se apresenta numa roda de samba, escolhido pelo diretor do “Musicograma”.

5 - Considerações finais A edição sobre “Memória” de “O Público na TV” empenha-se em demonstrar o quanto a televisão possui papel de protagonista no registro da memória do país e em ressaltar a necessidade de preservar seu acervo e disponibilizá-lo ao público. A inserção de dezenas de imagens do acervo da EBC e as declarações de entrevistados, oficiais (da emissora), especialistas (professora) e do público não especializado na área (“Povo Fala”) reforçam essa constatação. O programa valoriza ainda o papel da televisão de ser um veículo capaz de acessar diferentes camadas da população, inclusive por ter o registro de pessoas públicas que contribuíram para a política e cultura do país. Na área das artes, são exemplos Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade.

No quadro “Povo Fala”, a inserção da opinião de personagens comuns, perguntados a respeito dos fatos passados que conhecem somente por meio da televisão, colabora para aproximar o telespectador do tema do programa. A pergunta pode ser respondida por quem assiste à edição. Suas memórias também poderiam ser afetadas pelo que é transmitido pela mídia, assim como as pessoas selecionadas para o quadro conheceram alguns fatos a partir do recorte da mídia: o regime militar no Brasil, a morte de Elis Regina, o estrelato de Elvis Presley.

O programa não aprofunda o debate acerca da leitura que as organizações de comunicação, principalmente de massa, exercem sobre os fatos. Em determinados momentos da edição, há a impressão de que o registro é fiel à realidade, que a história arquivada nas emissoras é a do Brasil, e não apenas uma das histórias. Esse “espelho do real” é amenizado com as declarações da professora Carla Siqueira, a respeito da relação entre memória e mídia, e no questionamento da ouvidora Regina Lima sobre a influência da TV no contar a história e como atriz participante dessa construção.

Destaca-se ainda o local das entrevistas com profissionais da emissora. Eles estão sempre no ambiente de trabalho em meio à redação, com funcionários trabalhando ao fundo, ou em uma ilha de edição. A escolha remete, a princípio, à transparência – o telespectador pode conhecer, a distância, o ambiente de produção. Estratégia semelhante é adotada para as apresentações do “Jornal Nacional” e “Jornal da Record”, por exemplo, cujas redações são exibidas em segundo plano. Embora apresente cenário de estética questionável, com qualidade inferior aos de produções de emissoras comerciais, “O Público na TV” elaborou reportagens, nesta edição em análise, usando materiais diversos e recursos de infografia. A produção não ficou restrita ao texto em off e declarações dos entrevistados, trouxe fotos, trechos antigos de entrevistas, músicas, depoimentos e outras imagens. No aspecto editorial, a reportagem poderia abordar também a situação financeira do setor de Acervo da TV Brasil. Será que há recurso para dar vazão à necessidade de recuperar os materiais? Quais são as outras dificuldades além da mudança de tecnologias de reprodução e do tempo gasto para recuperar e digitalizar um produto, listadas pela coordenadora de Acervo e Conhecimento, Lacyr Barra?

Ao proporcionar visibilidade à atividade dos setores que trabalham com acervo histórico das organizações midiáticas, o programa colabora para reforçar a importância do trabalho da área, auxilia a esclarecer como é a produção no setor, alerta que há produtos pouco conhecidos e destaca que o patrimônio audiovisual da emissora pública pertence à população. Nesse aspecto, percebe-se um reforço no posicionamento da Empresa Brasil de Comunicação em relação aos outros veículos. As empresas comerciais, em princípio, não teriam essa obrigação de preservar um patrimônio público. Na veiculação do programa, a ouvidoria também assume um papel pedagógico de capacitar ainda mais o telespectador para a fruição crítica das produções simbólicas ou, ao menos, coopera para lançar questões acerca da relação memória e mídia.

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