A Preservação Da Memória Na TV Pública: Análise Do Programa Da Ouvidoria Da Empresa Brasil De Comunicação1
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12 A preservação da memória na TV pública: análise do programa da ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação1 MOURÃO, Raul (mestrando)2 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)/MG Resumo: Este trabalho aborda as atividades de preservação do acervo de meios de comunicação de massa, discute como determinados veículos organizam suas produções impressas e audiovisuais passadas. A partir desse levantamento inicial, o estudo enfoca a exibição do programa “O Público na TV”, exibido pela TV Brasil, sobre a memória na televisão. Nessa edição, a produção mostra como atua o setor de Acervo e Conhecimento da Empresa Brasil de Comunicação, que gerencia a emissora, e discute a relação entre mídia e memória, além de abordar a relevância de resgatar a história da televisão. Para auxiliar na análise, o trabalho aborda ainda os temas TV pública e ouvidoria, uma vez que o programa é de responsabilidade da primeira ouvidoria de TV aberta em rede nacional. Palavras-chave: memória; TV Brasil; ouvidoria; “O Público na TV”. 1 - História e mídia “Uma figura que eu conheci pela mídia, pela televisão, foi Elvis Presley”, afirma o pintor de automotivos, Paulo Henrique Araújo Costa, em entrevista ao programa “O Público na TV”, exibido pela TV Brasil em março de 2013. Outra participante da produção revela que guarda lembranças do regime militar brasileiro (1964-1985), mesmo não o tendo presenciado, por meio das imagens exibidas pela mídia. As declarações revelam a importância que a televisão possui ao relatar fatos do passado, ao colaborar para a construção da memória social. A inserção dos depoimentos desperta a atenção ainda por estarem presentes no programa semanal da Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), da qual faz parte a TV Brasil. A própria veiculação de um produto audiovisual de ouvidoria é raro nos meios de comunicação. Nessa edição de 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCom/UFJF), jornalista. [email protected] “O Público”, é apresentado o setor de Acervo e Conhecimento da Empresa, tendo como princípio o objetivo de mostrar ao telespectador como é feito o trabalho da área, pois assim ele se tornaria mais qualificado para analisar a TV. Para tanto, seria necessário conhecer como opera a “memória” da emissora e a relação entre a história e a mídia. A televisão é reconhecida por ser um grande agente no registro da história, como também um ator social responsável pela construção, reconstrução e releitura dela, por meio de produções jornalísticas, dramatúrgicas ou de outro gênero. Esse meio de comunicação é ainda “fundamental na constituição do imaginário urbano, sendo forte responsável pela construção dos laços de pertencimento entre os seres humanos e os espaços por eles ocupados” (MUSSE; RODRIGUES, 2012, p. 15). A TV pode acionar lembranças, retrabalhar determinar pontos, destacar outros, esquecer aspectos importantes, em processo de seleção, assim como podem ser revelados novos enquadramentos. Marialva Barbosa compreende que no jornal (e por extensão, outras mídias) coexiste “a dialética do lembrar e do esquecer, já que a Nação é ´percebida em pedaços` e muitas das histórias que a constituem ao não ganhar visibilidade, são relegadas ao plano do esquecimento” (1999, p. 101 apud COUTINHO; MUSSE, 2012, p. 20). Essa dialética, característica do processo de memória, remete a uma pergunta de Ecléa Bosi (1999, p. 59), que questiona: “Qual a função da memória? Não constrói o tempo, não o anula tampouco. Ao fazer cair a barreira que separa o presente do passado lança uma ponte entre o mundo e o além, ao qual retoma tudo o que deixou à luz do sol. Realiza uma evocação”. Para Bergson, “a memória é a alma da própria alma, ou seja, a conservação do espírito pelo espírito.” A percepção, a seu ver, está impregnada de lembranças. Ela não é uma simples interação do ambiente com o sistema nervoso. “O afloramento do passado se combina com o processo corporal e presente da percepção” (BOSI, 1999, p.36). Sérgio Mattos (2007, p. 41) oferece-nos outras questões importantes para a reflexão acerca de resgatar a história da própria televisão. “Qual a importância do resgate da memória da mídia TV no Brasil? Qual a importância da historiografia midiática no papel da construção do campo da televisão? Quais os pontos que são relevantes no levantamento histórico descritivo da TV?” A resposta do pesquisador é baseada no jargão “compreender o passado, para entender o presente e projetar o futuro”. Para que esse trabalho seja feito, um dos precursores brasileiros no estudo da história da TV, o pesquisador José Marques de Melo (2010, p.17-23) descreve o esforço empreendido por ele para desenvolver estudos na área, tornando-se um dos responsáveis por suprir a carência de publicações nacionais sobre o veículo nas décadas de 1960 e 1970. Ao coordenar uma equipe de 300 pesquisadores da então Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Comunicação (Abepec), Marques de Melo realizou o primeiro inventário crítico da televisão brasileira, disponibilizado, em partes, em 1978, 1982 e 1985. O objetivo foi “conhecer a natureza da programação, as relações de poder, as fontes de provisão financeira e os conteúdos dos programas nacionais” (MARQUES DE MELO, 2010, p. 225). O pesquisador precisou ainda vencer a resistência do ceticismo acadêmico e da falta de recurso para constituir o Núcleo de Pesquisas em Telenovela na Universidade de São Paulo. Atualmente, destaca a organização de um “mega-estudo”, organizado pela professora da Universidade Católica da Brasília Cosette-Castro, a fim de identificar o estado da arte sobre a enigmática produção audiovisual brasileira. Já os artigos publicados no início dos anos 2000 nos congressos da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) sobre televisão foram objeto de pesquisa de um levantamento de Sérgio Mattos (2007, p.43). O autor sugere temas que apresentam lacunas, outros que precisam ser aprofundados ou serem vistos em escala mais ampla ou pormenorizada. Para que essa ação se mantenha, é fundamental conhecer toda a produção científica e televisa. “Ter acesso e conhecimento da existência de toda a produção nacional é importante para que possamos resgatar a memória histórica da televisão brasileira em todos os seus detalhes.” (MATTOS, 2007, p. 47). 2 - Guardiões da memória Tão fundamental para a pesquisa acadêmica ou mercadológica sobre a trajetória da TV e as características de seus produtos é o acesso ao acervo audiovisual atual ou passado e a conservação desse material. Como importantes preservadores de memória, estão os departamentos responsáveis, nas próprias organizações, por acondicionar a produção midiática, categorizá-la, recuperá-la e torná-la disponível. Algumas medidas vêm sendo 345 tomadas pelas organizações midiáticas, da impressa à radiofônica, para permitir que essa produção seja pública. O setor de Arquivo do jornal “Estado de S. Paulo” publica quase que diariamente, em sua página no Facebook3, conteúdos retratados nas páginas do periódico nas últimas décadas. Os temas que retornam são relacionados direta ou indiretamente a assuntos que estão na ordem do dia, como os atentados a Boston, a discussão sobre redução da maioridade penal e grandes enchentes. De certo modo, por meio dessa divulgação, é possível perceber que fatos recentes, estampados na banca, não são ocasionais ou únicos na história, e são reforçadas histórias das quais “não devemos” nos esquecer. Outro jornal, “Folha de S. Paulo”, disponibilizou o acesso digital gratuito, por tempo não especificado, a todas as suas edições, incluindo os extintos “Folha da Manhã” e “Folha da Noite”. O acesso ocorre pelo site Acervo Folha 4e é facilitado por um sistema de busca. Após o período de “degustação” (como define o projeto), a consulta será paga. Ressalta-se aí a disponibilização da “memória do jornal” para todo o público. A oferta vai ao encontro de medidas tomadas por periódicos internacionais, como o “The New York Times”, representando mais uma fonte de receita. Em relação à televisão, a maior rede do país, a Globo, possui um sistema reconhecido de arquivamento, sustentado há 37 anos pelo Centro de Documentação (Cedoc) e pelo projeto “Memória das Organizações Globo”5, mais recente. Parte das produções da emissora está disponível gratuitamente na página do canal na internet, complementada por galeria de fotos, fichas técnicas e entrevistas. Além disso, o projeto Memória “desenvolve, desde 1999, um programa de história oral com centenas de profissionais que ajudam ou ajudaram, diariamente, a levar informação e entretenimento à casa de milhões de brasileiros.” (REDE GLOBO, 2013). O setor presta serviços para programas de entretenimento, como “Vídeo Show”, de telejornalismo da emissora (“Jornal Nacional”, “Jornal da Globo”...), entre outros gêneros, e para canais associados, a exemplo da Globonews e seu “Arquivo N”. O “Memória Globo” e o Cedoc também 3 Disponível em <https://www.facebook.com/arquivoestadao> 4 Disponível em <http://acervo.folha.com.br/> 5 Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/> são responsáveis por assessorar o portal de notícias “G1” e já publicaram livros ou colaboraram para a realização deles. Um dos canais por assinatura com mais audiência, o Viva, dedica-se prioritariamente a essa memória construída pela Rede Globo. A grade de programação da emissora, inaugurada em 2010, é constituída, em sua maior parte, por produções da empresa da família Marinho que tenham foco no entretenimento. Já foram levados novamente ao ar ou ainda estão sendo exibidos, no novo canal, os humorísticos “Viva o Gordo”, “TV Pirata” e “Sai de Baixo”, as novelas “Que Rei Sou Eu”, “Vale Tudo” e “Rainha da Sucata”, entre outros. Em entrevista ao portal “Meio e Mensagem” (DAMASCENO, 2012), o gerente de marketing do canal, Fernando Schiavo, afirmou: “Avivamos a memória afetiva do público que consumiu esse conteúdo na Globo.