Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul

A INSCRIÇÃO DA DIFERENÇA NO DISCURSO DA MÚSICA RAP

Fabiane Silva Pereira SANTOS (Universidade Estadual de Londrina)

ABSTRACT: In this work will be analyzed the letters of “lôrabúrra” e “nádegas a declarar”, of Gabriel o Pensador, objectifying to verify the linguistic resources that lead to the exclusion of the Other. Moreover, the research searchs to investigate the marks of the discourse that disclose the contradictions of the enunciative voice.

KEYWORDS: exclusion; woman; contradiction; preconception, heterogeneity

0. Introdução

A produção de um discurso pressupõe um processo dialético, na medida em que outros discursos vão sendo projetados em seu interior, e nesse sentido, a linguagem opera como instrumento de interação. Nessa interação, as “formações imaginárias” designam o lugar que destinador e destinatário atribuem a si mesmo e ao outro, a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro (Brandão: 1991, p.34). Essa multiplicidade de vozes presentes no discurso ocasiona uma ruptura com a homogeneidade, revelando o caráter heterogêneo do discurso, o qual apresenta as contradições do sujeito enunciador que “(...) diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele.” (Orlandi: 2003, p.32). Considerando-se que “(...) não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos” (Orlandi:2003, p.9), o sujeito enunciador, ao emitir seu discurso, produz efeitos de sentido diversos e acaba por formular sentidos que fogem ao seu controle. No interior de tal heterogeneidade surge o preconceito, através de procedimentos lingüísticos que conduzem à exclusão do “diferente”, isto é, aquele que representa o Outro do discurso. Tendo como objetivo a constatação de tais propriedades nos acontecimentos discursivos, o projeto “A construção da diferença na Análise do Discurso” busca investigar e analisar como ocorre tal procedimento no campo discursivo de interação e produção nos mais diferentes tipos de discurso: pedagógico, literário, religioso e midiático. Abordando o discurso da mídia, o “rap” será tomado como recorte no campo musical, e como corpus de análise, foram escolhidas as letras das músicas “Lôrabúrra” e “Nádegas a declarar”, do cantor e compositor Gabriel o Pensador. O rap – estilo musical nascido nos E.U.A, em meados das décadas de 80 e 90 – tem a denominação proveniente da expressão inglesa “Rythim and Poetry” (ritmo e poesia), pois consistia em rimar palavras sobre uma batida eletrônica. Em seu berço, o rap era exclusivamente um estilo do povo negro, era a música do gueto, dos bairros negros de Nova Iorque; feita por eles e para eles, como um produto da indignação perante a segregação e o preconceito racial da sociedade norte-americana. Nesse sentido, pode-se dizer que a exclusão social sofrida durante muitos anos pelos negros gerou a necessidade de união e, portanto, de constituir algo exclusivo e direcionado para a realidade que vivenciavam: o rap era, ao mesmo tempo, diversão e denúncia, prazer e desabafo diante das dificuldades cotidianas. Tal exclusividade, no entanto, ao longo dos anos foi diminuindo, e atualmente – tanto nos E.U.A quanto no mundo todo – o rap é um dos ritmos mais ouvidos. No Brasil, o rap chegou por influência norte- americana, porém, já não está restrito à realidade dos negros, pois ganhou caráter denunciativo e principalmente de crítica social. Na análise da letra em questão, deparamo-nos com uma forte crítica social em relação à exposição e banalização do corpo feminino. O compositor Gabriel, autodenominado “o Pensador”, apresenta- se como o sujeito enunciador do discurso e posiciona-se como um integrante das comunidades que vivem nos morros cariocas, buscando representar a “voz” desse povo. Entretanto, Gabriel o Pensador é um homem branco, filho de um médico e de socialite carioca, provindo de família de classe média alta que morava em condomínio de luxo. Essas informações já revelam uma contradição inicial, ainda que exterior à letra, pois, apesar de criticar “playboys” e “mauricinhos” em suas letras, a sua condição social acaba por enquadrá-lo no perfil econômico destes. Seus pensamentos, contudo, parecem diferenciá-lo de indivíduos que compõem a elite 2 brasileira. Graças à sua cor e à sua condição social, Gabriel sofreu mu ito preconceito, no início de sua carreira, pois o rap era visto como um ritmo pertencente à periferia. Mas este mesmo preconceito, ao invés de prejudicá-lo, tornou-o popularmente conhecido. Em suas letras, o sujeito enunciador acredita ser contestador e racional, todavia, seu discurso apresenta interdiscursividade, a qual possibilita a constatação do preconceito contra diferentes segmentos sociais, sobretudo contra a mulher, como pode ser verificado nas letras que compõem o corpus da presente pesquisa. Considerando que “os dizeres não são [...] apenas mensagens a serem decodificadas” mas “[...] efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender” (Orlandi: 2003, p.30), através desta análise, objetiva-se demonstrar que o sujeito enunciador se contradiz em vários momentos, pois ao mesmo tempo em que tem a ilusão de ser porta-voz da verdade, ele deixa transparecer o Outro. Isso ocorre porque “a identidade discursiva se constrói na relação com um Outro presente lingüisticamente ou não no intradiscurso” (Brandão: 1991, p. 75). E o Outro, nas letras analisadas, embora tenha a mulher como elemento central, não se limita apenas a ela, já que no discurso de exclusão figuram também as figuras do “playboy” – que sustenta a mulher “burra”, “consumista” e vulgar (“Lôraburra”) – do “homem” que promove a mulher que busca ser famosa por meio da exposição apelativa de seu corpo; da cultura machista que serve de público- alvo para a performance de tais mulheres, além do telespectador que, ao dar audiência para esse tipo de programação veiculada na mídia, acaba por contribuir para a continuidade dessa tendência (“Nádegas a declarar”).

1. O Outro do discurso

Segundo Fiorin (1994, p. 33) “o discurso constrói-se sobre o princípio da antítese e é, portanto, atravessado pela exclusão de seu outro. Nesse sentido, pode-se constatar, nas letras analisadas que, além da mulher, também o homem e o público telespectador, em geral, são apontados, pela voz enunciativa, como o Outro de seu discurso. Na letra da música “Nádegas a declarar”, o enunciador retrata um tipo de mulher que, segundo ele, busca se promover através da exposição do próprio corpo, e para isso, vai caracterizando o universo em que ela estaria inserida, ou seja, um espaço onde importa a imagem, através da exposição sensual do corpo (“[...] sua bunda é um sucesso / nádegas a declarar”; “arrebita a rabeta”) e a chance de se tornar conhecida na mídia, por meio dessa exposição. Já na letra da música “Lôrabúrra”, pela caracterização do espaço, constata-se que para esse tipo de mulher importa: a) a imagem através da exposição apelativa do corpo (“Bundinha empinada pra mostrar que é bonita”; “Só se preocupam em chamar a atenção, não pelas idéias, mas pelo burrão”; “A sua filosofia é ser bonita e gostosa”); b) o apego ao consumismo (“(...) e às vezes me interrogo se elas tão no mundo inteiro/ à procura de carros/ à procura de dinheiro”) e c) a valorização de valores ditados pelo mundo da moda (“Produzidas com a roupinha da estação/ que viram no anúncio da televisão”; “Só querem badalar/ Estar na moda, tirar onda, beber e fumar”; “Escravas da moda vocês são todas iguais/ Cabelos, sorrisos e gestos artificiais”). Além de criticar a exposição apelativa do corpo feminino - fator que torna a “lôraburra” uma “mulher-objeto” (“Lôraburra cê não passa de mulher-objeto) - o enunciador faz a associação dessa imagem “apelativa” com o sexo por interesse. Nesse sentido, tem-se a figura da mulher-objeto como aquela que se veste de maneira sensual e provocante para chamar a atenção dos homens, sobretudo dos mais ricos, pois estes podem manter sua condição de “consumis ta” (“À procura de carros/ À procura de dinheiro/ O lugar dessas cadelas era mesmo no puteiro”; “Apenas os otários aturam a sua laia/ E enquanto o playboy te dá dinheiro e atenção (...)”; “(...) idéias banais e como dizem os Racionais: ‘mulheres vulgares, uma noite e nada mais”) O sentimento, nesse contexto, não é levado em conta, pois as relações acontecem por interesses mútuos, ou seja, a mulher que oferece seu corpo - através do sexo - por dinheiro, ou pelos bens adquiridos por ele (vida com luxo), e o homem que deseja satisfazer seus desejos “carnais”. A figura do “playboy” se encaixa nesse perfil masculino, como citado pelo enunciador: “enquanto o playboy te dá dinheiro e atenção”. A mulher retratada em “Nádegas a declarar” também é criticada pela exposição de seu corpo: (“[...] Arrebita a rabeta / [...] e me diz, meu bem, o que mais que você tem” [...] / arrebita bem a bunda, vagabunda, que a bunda é tudo de bom que você tem”; “O que você tem de bom além do bumbum? Um 3 talento, algum dom? Ou as suas qualidades estão limitadas ao balanço dessa bunda arrebitada?”; “Lombo ambulante, burrão ignorante!!”. Da mesma forma, ela é apontada como mulher-objeto (“Mulher objeto em pleno ano dois mil”), na medida em que o enunciador faz uma associação entre a exposição do corpo de maneira sensual e o sexo, através do emprego de palavras como “piranha”( “Talvez você nem seja tão piranha/ mas qualquer concurso miss bumbum que tem, você se assanha”) – designativo de mulher que deita com vários homens – e “cama”, que remete à prática do sexo (“E se você tiver sorte [a bunda] pode ser seu passaporte para fama / Ou pra cama, pode ser seu ganha-pão”). Embora o discurso de exclusão, nas duas letras analisadas, tenha a mulher como principal foco, outros sujeitos do enunciado também representam o Outro no discurso. Na música “Lôraburra” aparece a figura do playboy : “E enquanto o playboy te dá dinheiro e atenção, eu só saio com você se for pra ser o Ricardão”. Em “Nádegas a declarar”, a cultura machista, ou seja, o homem machista representa o Outro no discurso de exclusão da voz enunciativa feminina: “Por isso que esse papo não é só pras menininhas / É pra todos esses caras que dão força, que dão linha [...]”. Além dele, o próprio povo telespectador faz parte do discurso de exclusão, na medida em que admira, aprecia e aplaude as mulheres que se sujeitam à exposição apelativa por causa da fama, ou seja, dá audiência a elas e contribuem, assim, para a proliferação dessa tendência: “Adolescentes, adultas e adultos retardados / Que idolatram um simples rebolado (Bando de bundão!!) / Aplaudindo a atração /( Não pelas idéias, mas pelo burrão)”; “Porque agora a bunda é arte, é cultura, é esporte / É até filosofia, quase uma religião”.

2. O espaço discursivo e a defasagem entre realidade e fantasia

O Brasil é o espaço delimitado pelo enunciador, o que pode ser verificado em vários versos de “Nádegas a declarar”: a) “Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso”: no primeiro verso da letra, a expressão “ordem e progresso”, retirada da bandeira nacional, é associada à expressão “sua bunda é um sucesso”, indicando, já no início, que o enunciador aborda a questão da exposição apelativa do corpo feminino que ocorre, freqüentemente, no Brasil; b) “Todo mundo tá sabendo que sambar é tropical / No país do futebol e carnaval, mexer essa bundinha até que é natural”: nesse trecho, a caracterização do Brasil acontece por meio da inclusão dos termos futebol, do carnaval e do , imagens que remetem a acontecimentos que tornam, de fato, o país conhecido em todo o mundo. Nesse sentido, a dança seria imanente ao brasileiro, isto é, uma prática comum no Brasil; c) “Solta a rima minha filha / solta o verbo na cara do Brasil”: ao final da letra, o enunciador busca, através desse imperativo, fazer uma e xortação à mulher que se expõe, valorizando o “verbo” ao invés da imagem, ou seja, tal mulher deveria buscar se destacar pelo que diz e não pelo seu corpo. O Brasil é caracterizado como um país em que se prioriza ou se estimula a exposição da mulher, como objeto de desejo. Já na letra de “Lôraburra”, ao mesmo tempo em que o enunciador aponta o Brasil – especificamente o – como este mundo caracterizado no espaço do enunciado, ele também se desloca para este espaço, como no trecho “Elas estão em toda a parte do meu Rio de Janeiro”, no qual o sujeito da enunciação situa geograficamente o espaço do enunciado como sendo seu, isto é, a cidade na qual vive, deixando transparecer uma defasagem entre os espaços da realidade e da fantasia. Esse deslocamento que permite o contato entre realidade e fantasia também ocorre, sobretudo, por meio de verbos e de pronomes pessoais e possessivos: “E enquanto o playboy te dá dinheiro e atenção/ Eu só saio com você se for pra ser o Ricardão”; “Mas eu só vou te usar/ Você não é nada pra mim”; “Hmmm meu amor, foi bom pra você?/ ...Ah deixa eu dormir”).

3. Percurso figurativo do sujeito do enunciado

Na letra de “Lôrabúrra”, o sujeito do enunciado - a mulher “loura” - vai sendo constituído, no decorrer da música, através de um percurso figurativo no qual vão sendo inseridos diversos termos para designar este sujeito. A figura feminina é animalizada, através de sua associação com animais: “cadelas”/“cadelinhas de boate”, “ratinhas de praia” e “vaca”. Tal associação com as fêmeas de animais como cachorro e boi, sugere a caracterização da mulher-objeto como uma fêmea, movida pelos instintos, na medida em que se entrega ao 4 sexo e busca despertar a atenção do “macho” por meio da exposição de seu corpo, tão somente. Isso fica bem claro no trecho “tem a feminilidade e a sensualidade de uma vaca”, isto é, uma fêmea quando está no cio, com desejos sexuais intensos. Já a associação que o enunciador faz da imagem feminina com o rato, deixa transparecer a sua condição de ser inferior, assim como o rato que vive nos esgotos. O emprego dos substantivos “perua” e “escravas” reforçam ainda mais a caracterização da “lôraburra” como uma mulher que vive da imagem - imagem esta bastante ligada à moda e ao consumismo, dos quais ela chega a se tornar escrava. Da mesma forma, as bases adjetivas “medíocre”, “orgulhosa”, “carentes” e “leviana”, bem como as expressões “cabecinha de porcelana” e “retrato da falsidade” contribuem para a formação de um perfil negativo do sujeito do enunciado. Ao utilizar o termo “paquita” o enunciador faz referência ao discurso da mídia, uma vez que as “paquitas” eram garotas louras (naturais ou não) que figuravam no programa da Xuxa, um programa que por muito tempo teve grande percussão na mídia. Finalmente, ocorre a inserção de termos chulos que compõem o interdiscurso da opinião pública e que são próprios do senso comum:“puteiro”, “laia” e “Ricardão”. O emprego destes também produz o efeito de sentido que enfatiza esse aspecto de inferioridade, de “mulher baixa ”, em decorrência de sua postura. Da mesma forma, em “Nádegas a declarar”, a mulher que se expõe vai sendo caracterizada pelo emprego de termos agressivos como “vagabunda”, “piranha”; de adjetivos pejorativos como “ordinária” e “descartável” (como uma “boneca inflável”), e até mesmo de expressões como “lombo ignorante”, “burrão ignorante” e “rabeta”, das quais “lombo” animaliza o corpo da mulher, e “burrão” e “rabeta” são gírias que remete também ao corpo, sendo que “rabeta” é o designativo de “bunda”. A palavra “burrão” é utilizada com freqüência nas músicas de Gabriel o Pensador. O emprego desses vocábulos evidencia a imagem que o enunciador faz da mulher que busca se tornar famosa expondo seu corpo.

4. O discurso da moda

Em ambas as letras o enunciador faz referência à moda, atribuindo-lhe um caráter pejorativo, em decorrência de sua associação com a figura da mulher que vive da imagem. A moda é “ditada” através da mídia, sobretudo pela veiculação de novelas ou programas que lançam determinados produtos, os quais são rapidamente adquiridos por um público que é ao mesmo tempo telespectador , ouvinte, ou internauta, mas todos: consumidores. Nesse sentido, cabe ressaltar que a moda está fortemente ligada a campanhas publicitárias, através de uma linguagem persuasiva e sugestiva que visa seduzir o público-alvo. Mas além dos bens de consumo, a moda pode disseminar também posicionamentos que levam o consumidor a transformar seu próprio corpo – como o implante de próteses de silicone – ou até mesmo sua linguagem, na incorporação de jargões, tão comuns em programas de tv e novelas. E nesse contexto, a televisão é um dos veículos mais significativos, até mesmo pela facilidade de acesso. A moda tratada na música “Lôraburra se refere ao consumo de produtos considerados objetos da moda atual, e geralmente levados ao público por meio da mídia (“Produzidas com a roupinha da estação/que viram no anúncio da televisão”). O caráter pejorativo está ligado principalmente à idéia da falta de personalidade da mulher, no momento em que absorve tudo aquilo rotulado como “da moda”, deixando de seguir um estilo próprio que seja proveniente de um gosto pessoal, e que não esteja necessariamente ligado à moda. Já em “Nádegas a declarar”, o discurso da moda diz respeito, principalmente, às dançarinas seminuas de grupos de axé e/ou pagode – dentre os quais o grupo “É o Tchan” foi um dos que mais se destacou – que representavam um fenômeno crescente na época em que o cd foi lançado – 1999 – e que são freqüentes ainda nos dias atuais. Essas mulheres passam a aparecer na mídia, posam para revistas masculinas, freqüentam programas de tv e acabam se tornando “famosas”, isto é, conhecidas pelo público telespectador (“E tira foto fazendo pose de garupa de moto /[...] Vai sair na revista e o povo vai dizer que você é artista / Porque agora a bunda é arte, cultura, é esporte, é até filosofia, quase uma religião/ E se você tiver sorte pode ser seu passaporte para a fama ou pra cama / pode ser seu ganha-pão”). Nesse sentido, a letra tem versos como: “A bundalização é bastante estimulada por essa cultura machista [...] / no concurso, na promessa de futuro / No programa de TV e no rádio toda hora pra você”; “Te chamam de celebridade e você acredita”; “Mas qualquer concurso miss bumbum que tem, você se assanha”; “Bunda conhecida, bunda milionária / Bonitinha,mas ordinária / Que nem otária na TV, de perna aberta”. O enunciador também enfatiza o fato de que tais personalidades costumam dar audiência aos veículos midiáticos, sobretudo às emissoras de televisão: “A vida é bem mais que um número no Ibope”. 5

5. Machismo e decência

De acordo com a visão machista, a mulher decente se opõe à mulher-objeto, entretanto, ambas têm sua função determinada, e ambas são exploradas pela figura masculina, ainda que de maneiras diferentes. Nas duas letras analisadas, a mulher que expõe seu corpo – seja para ficar famosa, ou para manter relacionamentos por interesse – é apontada como “indecente”,e nos dois contextos, ao lado desse tipo de mulher, figura a mulher “decente”, tida como ideal: “Porque uma mulher decente pode ser muito mais atraente que uma bunda sorridente” (Nádegas a declarar); “O Pensador dá valor às mulheres, mas não vocês / Vocês são o mais puro retrato da falsidade / Desculpa amor, mas eu prefiro mulher de verdade” (Lôrabúrra). Ainda na letra de “Nádegas a declarar”, o enunciador afirma que a mulher que expõe o corpo para ficar conhecida na mídia “Queima o filme das mulheres e se acha muito esperta”, ou seja, as mulheres decentes seriam “prejudicadas” por ela. A relação entre machismo e decência é mais presente na letra de “Lôraburra”, como no trecho “Eu não sou machista, exigente talvez/ Mas eu quero mulheres inteligentes”, em que ocorre a denegação, na medida em que ao dizer “não”, o enunciador acaba por afirmar o “sim”,ou seja, ele deixa transparecer um movimento contrário ao seu discurso, de posicionamento machista. Além disso, o enunciador faz as associações: mulher inteligente/decente x mulher-objeto/burra: Nada na cabeça”; “Só se preocupam em chamar a atenção / Não pelas idéias, mas pelo burrão”; “Pra que dar atenção pra quem não sabe conversar?”. No entanto, a mulher-objeto compõe o imaginário machista, e mesmo que haja – nesse discurso – apologia às “mulheres decentes”, a mulher-objeto não é descartada do discurso machista. Em outro trecho da mesma música (“Eu não sou agressivo, contundente talvez/ o Pensador dá valor às mulheres/ mas não vocês”) também ocorre uma denegação a partir do emprego de “não”. Nesse caso, o enunciador, que se auto-denomina “Pensador” – vinculando autor/enunciador – diz que valoriza as mulheres, excetuando-se aquelas consideradas “objeto”. Nesse aspecto, pode-se dizer que a voz enunciativa valoriza a “mulher decente e inteligente” e exclui aquelas que não se enquadram neste perfil. Assim, o enunciador se distancia, de fato, do discurso machista, pois nesse discurso, “mulher decente” nem sempre é sinônimo de “mulher inteligente”, uma vez que em certos casos, basta ao homem ter uma mulher que lhe seja fiel, que seja boa mãe e dona de casa. Pode-se pensar até, como exemplo, em maridos que não permitem que sua mulher estude. Também na música “Nádegas a declarar” a mulher-objeto é tida como burra, o que pode ser comprovado nos versos: “Arrebita a rabeta[...] e me diz, meu be m, o que mais que você tem? [...] Arrebita bem a bunda, vagabunda, que a bunda é tudo de bom que você tem”; “O que você tem de bom além do bumbum? Um talento, algum dom? /Ou as suas qualidades estão limitadas ao balanço dessa bunda arrebitada?”; “[...]mas seu cérebro é menor do que um caroço de ervilha”;”Pensa com a bunda e quando abre a boca só sai bosta”;”Além da forma tem que ter conteúdo”; “Pára pra pensar, bota a bunda no lugar / e a cabeça pra funcionar”; “[...]exercite a tua mente / e não se irrite se eu tô sendo muito franco/ Mas atualmente ela só pega no tranco”. Um outro ponto a ser considerado, diz respeito à presença de dois enunciadores na música “Nádegas a declarar”, representando uma voz feminina e outra masculina que dialogam sobre o tema. O enunciador que se apresenta na voz feminina aponta a cultura machista como um dos fatores responsáveis pela proliferação dessa tendência, por parte da mulher, em expor o corpo de maneira apelativa, visando a celebridade: “No meu ponto de vista, sem querer ser feminista / A bundalização é bastante estimulada por essa cultura machista, cê sabe... tá cheio de porco-chauvinista”. Essa voz enunciativa prossegue, apresentando ao outro enunciador a questão vista por outro ângulo, isto é, tudo o que é dito na letra serve tanto para as mulheres quanto para os homens, pois a atitude da mulher é estimulada não apenas pela receptividade do homem telespectador/leitor/ouvinte, mas também pela liderança de outros homens que comandam os diversos veículos midiáticos: “Por isso que esse papo não é só pras menininhas / É pra todos esses caras que dão força, que dão linha / No concurso, na promessa de futuro / No programa de TV e no rádio [...]”. Ocorre uma denegação na voz enunciativa feminina no momento em que diz “sem querer ser feminista”, pois ela o é no momento em que retira toda a culpa de indecência atribuída à figura da mulher, dividindo tal responsabilidade com o homem, como se os atos dessa “mulher indecente” pudessem ser justificados pela atitude do homem. Em trechos como “Sua bunda é alucinante/ A rabeta arrebenta” (Nádegas a declarar) e “Seus lindos peitos não merecem respeito” o enunciador deixa transparecer que também aprecia a forma, e assim, o enunciador posiciona-se discursivamente ao lado e na mesma dimensão de um enunciador masculino e 6

“popular”, embora admita que também é importante o conteúdo. Considerando-se que a apreciação da forma feminina é uma das características do discurso machista, pode-se vincular a voz enunciativa a esse discurso.

6. Sujeito enunciador contraditório

De acordo com Brandão (1991, p.40), a contradição é um princípio constitutivo do discurso, e ressaltando sua importância, afirma:

Tal contradição, longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe de ser aquilo de que é preciso libertá-lo para que ele libere enfim sua verdade aberta, constitui a própria lei de sua existência: é a partir dela que ele emerge, é ao mesmo tempo para traduzi-la e para superá-la que ele se põe a falar [...], é porque ela está sempre aquém dele e ele jamais pode contorná-la inteiramente, que ele muda, que ele se metamorfoseia, que ele escapa por si mesmo à sua própria continuidade. A contradição funciona, então, no fio do discurso, como o princípio de sua historicidade.

O esforço do enunciador, nessa perspectiva, opera no sentido de tornar seu discurso uniforme, homogêneo. Entretanto, “o olhar aguçado do analista ou do leitor crítico vai detectar aí a arquitetura das estratégias discursivas visando eliminar as contradições resultantes desse embate que se trava na zona fronteiriça” (Brandão: 1998, p. 127). Nas duas músicas que constituem o corpus da presente análise, podem ser encontrados vestígios que demonstram as contradições do sujeito enunciador, sobretudo quando este se refere a valores morais. Na letra de “Lôrabúrra”, o enunciador afirma não ser machista (“Eu não sou machista, exigente talvez, mas eu quero mulheres inteligentes, não vocês”), nem agressivo (“Eu não sou agressivo, contundente talvez, o Pensador dá valor às mulheres, mas não vocês ”), no entanto, em vários momentos a voz enunciativa dá mostras de que é machista (“Eu só saio com você se for pra ser o Ricardão”; “Mas eu só vou te usar, você não é nada pra mim”; “Lôrabúrra cê não passa de mulher-objeto”) e agressivo, ao caracterizar esse tipo de mulher com o emprego de expressões como: “Tem a feminilidade e a sensualidade de uma vaca”; “Cadelinhas de boate ou ratinhas de praia”; “A sua filosofia é ser bonita e gostosa/ Fora disso é uma sebosa tapada e preconceituosa”; “marionetes alienadas”; “O lugar dessas cadelas era mesmo no puteiro”. A voz enunciativa critica não apenas a atitude da mulher-objeto por seu interesse, sua leviandade ou falta de personalidade, mas também o homem que dela se serve, o “playboy” e os otários que “aturam a sua laia”. Assim, ambos poderiam ser considerados objetos. Nesse sentido, o sujeito enunciador não se apresenta como um crítico que esteja autorizado a tratar desse assunto, assim como um sociólogo, antropólogo ou pesquisador acadêmico, mas como um igual (em termos) dos personagens que aparecem em seu discurso. Embora o enunciador declare que apenas os “otários” e “playboys” suportam tais mulheres, ele admite também tirar proveito (e suportar) esse tipo de mulher, ainda que seja na condição de “Ricardão”, ou seja, “o outro”, o amante. Além disso, o enunciador critica a mulher por uma atitude, da qual ele tira proveito e para a qual também contribui, pois se as mulheres-objeto existem, é porque existe também um público masculino que lhes é fiel. Essa idéia é reforçada pela voz enunciativa feminina da música “Nádegas a declarar”, ao afirmar que “a bundalização é bastante estimulada por essa cultura machista [...] / Por isso que esse papo não é só pras menininhas / É pra todos esses caras que dão força, que dão linha [...]”. Na posição de mulher, e declarando não querer ser feminista, a voz enunciativa aponta qual seria a parcela de culpa dos homens, enquanto responsável pelo estímulo à comercialização da imagem feminina. E essa parcela tem um peso expressivo, por ser uma das principais engrenagens que fazem girar a indústria do sexo e da pornografia, áreas também relacionadas à exposição feminina de maneira apelativa. Com este trecho, a voz enunciativa feminina demonstra também a contradição existente na voz enunciativa masculina – da mesma letra – que aponta somente a mulher como imoral ou indecente. Além dessa contradição, em “Nádegas a declarar”, vários trechos comprovam as contradições do enunciador, seja a voz enunciativa feminina ou a masculina. Em um dos versos a voz enunciativa diz “vou logo deixar claro, não é lição de moral”, mas durante toda a música, o que se vê, em vários versos, é justamente a tentativa de se demonstrar a imoralidade da mulher que expõe seu corpo no intuito de se tornar famosa: “A sua bunda tá em cima, mas sua moral tá caída” ;“ A dignidade tá em baixa / Você só rebola, só 7 rebola, só rebola e se rebaixa / E se encaixa no velho perfil: mulher objeto em pleno ano dois mil”; “Você tira até retrato três por quatro de costas / Pensa com a bunda e quando abre a boca só sai bosta / Talvez você nem seja tão piranha [...]”; “Vai ficar orgulhosa sem saber o mau exemplo que tá dando pras crianças”; “Porque uma mulher decente pode ser muito mais atraente que uma bunda sorridente”; “Pára pra pensar, bota a bunda no lugar / e a cabeça pra funcionar”. Tais versos comprovam a contradição da voz enunciativa feminina, na medida em que se relacionam ao que está implícito na idéia de “valores morais”. Em outros momentos, o enunciador admite apreciar o lado sensual dessa mulher, mesmo condenando sua atitude: “Eu não tô falando da sua virilha que deve ser uma maravilha”; “Bonitinha mas ordinária”; “Sua bunda é alucinante/ A rabeta arrebenta mas beleza não é tudo”.

7. Considerações finais

Nas duas letras analisadas, a temática está ligada à exploração da imagem feminina como mulher-objeto, embora apenas em “Nádegas a declarar” essa exposição esteja ligada à fama e à mídia. Em ambos os casos, porém, o enunciador evidencia sua adesão a uma formação discursiva que privilegia valores machistas e o desejo de vincular-se à “decência moral”. Essa “mulher-objeto” representa o Outro do discurso, ou seja, o sujeito (do enunciado) que é excluído por se opor à mulher inteligente/decente, a qual, segundo o enunciador, possui os pré-requisitos necessários para ser, de fato, considerada “mulher”. Na letra de “Lôrabúrra”, o preconceito do enunciador – que aponta a mulher-objeto como preconceituosa no trecho: “[...] é uma sebosa, tapada e preconceituosa – pode ser observado nas expressões “mulher de verdade” e “eu gosto é de mulher” (“Desculpa amor, mas eu prefiro mulher de verdade”; “Eu gosto é de mulher”), pois ao empregá-las, o enunciador não apenas revela a sua preferência por mulheres inteligentes e decentes, como também declara que a mulher objeto, por não apresentar a inteligência e a decência – critérios indispensáveis à “mulher de verdade” – não poderia ser considerada “mulher”. Essa mesma música é iniciada com a expressão “existem mulheres (...)” – isto é, sem especificar um tipo físico de mulher – e durante toda a música é repetido o vocábulo “lôraburra”, reforçando a idéia de que “a loira é burra”, frase já solidificada no interdiscurso da opinião pública. Mas apesar disso, no final da letra o enunciador afirma que “o problema não tá no cabelo”, mas na atitude da mulher-objeto que não se restringe apenas às mulheres loiras. Na letra de “Nádegas a declarar” a mulher também é caracterizada como “objeto” por viver da imagem, e o enunciador, ao considerá-la “indecente”, aponta a existência de uma mulher “decente” que seria a ideal (“Porque uma mulher decente pode ser muito mais atraente que uma bunda sorridente”). A diferença entre o sujeito do enunciado nas duas letras está no fato de uma viver da imagem para seduzir os homens, enquanto a outra se promove através do corpo, objetivando o mundo da fama. O nome “lôraburra”, criado pela aglutinação dos morfemas lexicais “loura” (forma popularizada “lôra”) e “burra” (substantivo e adjetivo, respectivamente) reúne, em um único vocábulo, uma expressão cristalizada no senso comum “loira burra”, e já implícita em diversas piadas sobre a mulher loira. A criação deste neologismo reforça a idéia de que a mulher loira não é inteligente, e se promove tão somente por seu físico, sua imagem. No caso da loira falsa, essa perspectiva da “imagem pela imagem” fica ainda mais forte, considerando-se que uma mulher, que não é loira, toma a atitude de mudar a cor do cabelo, objetivando, assim, ficar mais bonita, ser mais notada em razão do status que a mulher loira tem, no que diz respeito ao tipo físico. Já na construção de “nádegas a declarar” – expressão repetida várias vezes durante a música – ocorre o jogo semântico com a expressão “nada a declarar”, ocasionando, pelo menos, dois sentidos: 1º) não há nada a ser dito, mas a ser mostrado; 2º) não é preciso que a mulher diga nada, pois o corpo (a bunda) fala por ela, uma vez que a sua imagem é muito mais explorada e considerada pela mídia (“pensa com a bunda e quando abre a boca só sai bosta”). Através das análises, é possível perceber a alteridade como “[...] uma dimensão constitutiva do sentido” (Fiorin: 1994, p. 36), pois “tendo por pressuposto básico a palavra enquanto signo dialógico por excelência [...] a constituição de uma FD [formação discursiva] se dá voltada para a questão da alteridade” (Brandão: 1998, p.125). O discurso vai sendo construído a partir do seu Outro. Além disso, as considerações presentes na análise confirmam a heterogeneidade em um discurso que se pretende homogêneo. As contradições revelam a presença de um sujeito “(...) descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam” (Orlandi: 2003, p.20).

8

RESUMO: Neste trabalho serão analisadas as letras de “lôrabúrra” e “nádegas a declarar”, de Gabriel o Pensador, objetivando-se verificar os procedimentos lingüísticos que, ao serem utilizados pelo enunciador, levam à exclusão do Outro de seu discurso. Além disso, a pesquisa busca investigar as marcas que revelam as contradições da voz enunciativa.

PALAVRAS-CHAVE: exclusão; mulher; contradição; preconceito; heterogeneidade

ANEXOS Lôrabúrra - Gabriel O Pensador Existem mulheres que são uma beleza, mas quando abrem a boca Hmm que tristeza!. Não não é o seu hálito que apodrece o ar O problema é o que elas falam que não dá pra agüentar Nada na cabeça, personalidade fraca Tem a feminilidade e a sensualidade de uma vaca Produzidas com roupinhas da estação, que viram no anúncio da televisão Milhões de pessoas transitam pelas ruas mas conhecemos facilmente esse tipo de perua Bundinha empinada pra mostrar que é bonita e a cabeça parafinada pra ficar igual paquita Lôrabúrra! Elas estão em toda parte do meu Rio de Janeiro E às vezes me interrogo se elas tão no mundo inteiro À procura de carros, à procura de dinheiro O lugar dessas cadelas era mesmo no puteiro Só se preocupam em chamar a atenção, não pelas idéias mas pelo burrão Não pensam em nada, só querem badalar, estar na moda tirar onda beber e fumar Cadelinhas de boate ou ratinhas de praia, apenas os otários aturam a sua laia E enquanto o playboy te dá dinheiro e atenção , eu só saio com você se for pra ser o Ricardão Lôrabúrra! Não eu não sou machista, exigente talvez Mas eu quero mulheres inteligentes, não vocês Vocês são o mais puro retrato da falsidade Desculpa amor mas eu prefiro mulher de verdade Você é medíocre e ainda assim orgulhosa, é mole? Não tá com nada e tá prosa E o seu jeito forçado de falar é deprimente Já entendi seu problema, vocês tão muito carentes Mas eu só vou te usar, você não é nada pra mim (Hmm meu amor, foi bom pra você?) ...Ah deixa eu dormir Pra que dar atenção pra quem não sabe conversar? Pra falar sobre o tempo ou sobre como estava o mar? Não, eu prefiro dormir, sai daqui Eu já fui bem claro mas vou repetir E pra voce me entender vou ser ate mais direto: lôrabúrra, cê não passa de mulher-objeto Lôrabúrra! Escravas da moda vocês são todas iguais, cabelos, sorrisos e gestos artificiais idéias banais e como dizem os Racionais: (Mulheres vulgares, uma noite e nada mais) Lôrabúrra, você é vulgar sim! Seus valores são deturpados você é leviana Pensa que está com tudo mas se engana em sua frágil cabecinha de porcelana A sua filosofia é ser bonita e gostosa Fora disso é uma sebosa tapada e preconceituosa Seus lindos peitos não merecem respeito Marionetes alienadas vocês não têm jeito Eu não sou agressivo, contundente talvez O Pensador dá valor às mulheres, mas não vocês Vocês são o mais puro retrato da falsidade Desculpa amor, mas eu prefiro mulher de verdade Lôrabúrra! 9

É o problema não tá no cabelo, tá na cabeca Não se esqueça, nem todas são sócias da farmácia (Lorácia) Tem muita Lôrabúrra de cabelo preto e castanho por aí É... Lôrabúrra morena, ruiva, preta... Lôrabúrra careca E tem a Lôrabúrra natural também (Loraça belzebúrra) Cada Lôrabúrra é de um jeito mas todas são iguais Cê tá me entendendo? (Eu gosto é de mulher)

Nádegas a Declarar - Gabriel O Pensador/Liminha/ Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso Nádegas a declarar, nádegas a declarar Nádegas a declarar? Claro que não! Eu tenho opinião nesse papo de bundão E vou dizer, mas primeiro você, Fernanda Primeiro as damas, o que que cê manda? Aí, Gabriel, vou logo deixar claro, não é lição de moral Todo mundo tá sabendo que sambar é tropical No país do futebol e carnaval, mexer essa bundinha até que é natural No meu ponto de vista, sem quer ser feminista A bundalização é bastante estimulada Por essa cultura machista, cê sabe... tá cheio de porco-chauvinista Por isso que esse papo não é só pras menininhas É pra todos esses caras que dão força, que dão linha No concurso, na promessa de futuro No programa de TV e no rádio toda hora pra você A-aha! Arrebita a rabeta! A-aha! E me diz, meu bem, o que mais que você tem? A-aha! Arrebita a rabeta! Arrebita bem a bunda, vagabunda, que a bunda é tudo de bom que você tem O que que você tem de bom além do bumbum? Um talento, algum dom? Ou as suas qualidades estão limitadas ao balanço dessa bunda arrebitada? O que que v ocê tem além da bunda? Pense bem que a pergunta é profunda Não, não é isso menina! Eu não tô falando da sua virilha Que deve ser uma maravilha, mas seu cérebro é menor do que um caroço de ervilha Ô minha filha, acorda pra vida! A sua bunda tá em cima, mas sua moral tá caída A dignidade tá em baixa Você só rebola, só rebola, só rebola e se rebaixa E se encaixa no velho perfil: mulher objeto em pleno ano dois mil E um, e dois, e três; sempre tem alguém pra ser a bunda da vez Te chamam de celebridade e você acredita Enche o rabo de vaidade e arrebita Refrão Você tira até retrato três por quatro de costas Pensa com a bunda e quando abre a boca só sai bosta Talvez você nem seja tão piranha, mas qualquer concurso miss bumbum que tem, você se assanha A-aha! E tira foto fazendo pose de garupa de moto A-aha! Vai sair na revista e o povo vai dizer que você é artista Porque agora bunda é arte, é cultura, é esporte; é até filosofia, quase uma religião E se você tiver sorte pode ser seu passaporte para a fama Ou pra cama, pode ser seu ganha-pão Bunda conhecida, bunda milionária, bonitinha mas ordinária Que nem otária na TV, de perna aberta queima o filme das mulheres e se acha muito esperta Vai, vai lá! Vai entrar na dança, vai usar a poupança Vai ficar orgulhosa sem saber o mau exemplo que tá dando pras crianças Adolescentes, adultas e adultos retardados que idolatram um simples rebolado 10

(Bando de bundão!!) Aplaudindo a atração (Não pelas idéias mas pelo burrão) Refrão (- "Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso... - Ai, nádegas a declarar!") (Lombo ambulante, burrão ignorante!!) Sua bunda é alucinante A rabeta arrebenta mas beleza não é tudo Além da forma tem que ter conteúdo Senão você se torna descartável Que nem uma boneca inflável Então encare a realidade com o seu olho da frente E veja a vida de uma forma diferente Porque uma mulher decente pode ser muito mais atraente que uma bunda sorridente Então, garota sangue bom, se liga na missão, se liga nesse toque Ser ou não ser, eis a questão A vida é bem mais que um número no Ibope Deixe a sua mente bem ligada ou vai ficar injuriada Reclamando que não é valorizada Pára pra pensar, bota a bunda no lugar E a cabeça pra funcionar Refrão Solta essa bundinha, solta o verso Solta a rima minha filha, solta o verbo na cara do Bras il Que atrás de você virão mais de mil Eu também não sou chegado em celulite Mas eu vou te dar um palpite, exercite a tua mente E não se irrite se eu tô sendo muito franco Mas atualmente ela só pega no tranco Amanhã você vai olhar pra trás, e vai ver que o seu colã já não entra mais Vai querer fazer uma lipo, vai querer meter silico e vai continuar pagando mico Refrão Ordem e progresso, sua bunda é um sucesso Nádegas a declarar, nádegas a declarar...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, D. & FIORIN, José Luiz. (org.). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. São Paulo: EDUSP, 1994. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. 4.ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1991. _____ . Subjetividade, argumentação, polifonia. São Paulo: Ed. da UNESP, 1998. Apresentação de Sírio Possenti. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 5.ed. Campinas, SP: Pontes, 2003. PENSADOR, Gabriel o. Lôrabúrra. In: _____. Gabriel o pensador.Rio de Janeiro : , 1993. 1CD. Faixa 3. (4min 20s) _____. Nádegas a declarar. In: _____. Nádegas a declarar.Rio de Janeiro: Sony Music, 1999. 1 CD. Faixa 4 (5min 06s)

11