PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

ÉLIO ROMEIRO LEONI

As Representações Linguístico-Sociais e a Constituição do Ethos Discursivo em Letras de Música de Gabriel, O Pensador

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

SÃO PAULO 2011 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

ÉLIO ROMEIRO LEONI

As Representações Linguístico-Sociais e a Constituição do Ethos Discursivo em Letras de Música de Gabriel, O Pensador

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação do Professor Dr. Jarbas Vargas Nascimento.

SÃO PAULO 2011

Banca Examinadora

______Prof. Dr. Jarbas Vargas Nascimento

______Prof. Dra. Izilda Maria Nardocci

______Prof. Dra. Eliana Meneses de Melo

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me concedido o privilégio de realizar esse sonho.

Ao Professor Dr. Jarbas Vargas Nascimento, pelo seu exemplo de ética e profissionalismo, pela extrema sabedoria e espírito colaborativo durante as sessões de

orientação.

À Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

pela concessão da bolsa de estudos.

Às professoras Dr.ª Izilda Maria Nardocci e Dr.ª Eliana Meneses de Mello pelas

sugestões criteriosas no exame de qualificação.

Aos amigos, companheiros do mestrado, pelos saberes compartilhados.

DEDICATÓRIA

À minha querida família, ROMEIRO LEONI, meu pai, minha mãe, meus irmãos e

irmãs que sempre demonstraram grande preocupação e, mesmo em silêncio, torceram

para que eu chegasse até aqui.

À família de coração, MONTEIRO MUCIDA, que de forma incondicional me

adotaram e viveram comigo todos os momentos e, com palavras de incentivo, me

estimularam para a conclusão deste trabalho.

Ao meu querido afilhado Leandro Monteiro Mucida, a quem sempre recorri pedindo

apoio e sugestões na montagem dos Slides para as apresentações de Seminários na

PUC.

Aos colegas e amigos da FACIG e da Escola Estadual Maria de Lucca Pinto Coelho

por torcerem por mim.

Ao meu amigo Robson Rodrigues Tadeu pelas valiosas sugestões e pela versão em

inglês do resumo deste trabalho.

À minha amiga Rosane Miranda Rodrigues, com quem iniciei meus estudos

acadêmicos e com quem tive a oportunidade de discutir temáticas importantes no

universo das pesquisas acadêmicas, confidenciando dúvidas e aceitando sugestões.

Aos professores do Programa de pós-graduação em Língua Portuguesa, por tudo que me

ensinaram.

À Lourdes, secretária do Programa de Pós-graduação em Língua Portuguesa, pelo

atendimento eficiente e cordial que me dispensou sempre.

Aos meus alunos da escola pública e da graduação por terem inspirado a minha busca

pelo aprimoramento profissional e por terem oportunizado compartilhar com eles

meus conhecimentos.

“Muda, que quando a gente muda, o mundo muda com a gente

A gente muda o mundo na mudança da mente

E quando a mente muda, a gente anda pra frente

E quando a gente manda, ninguém manda na gente!

Na mudança de atitude não há mal que não se mude, nem doença sem cura

Na mudança de postura a gente fica mais seguro

Na mudança do presente a gente molda o futuro!”

Gabriel O Pensador 2001

RESUMO

Este dissertação tem como tema o estudo das representações linguístico-sociais, que propiciam a construção da cenografia e a legitimação do ethos discursivo em letras de músicas produzidas por Gabriel, o Pensador.

Para o desenvolvimento de nossa investigação, examinamos, à luz da Análise do

Discurso de linha francesa, precisamente nos postulados de Dominique Maingueneau

(2005; 2008), a articulação entre o linguístico, o discursivo e o social, buscando, na enunciação, o modo como se constrói a cenografia e em que medida o ethos do enunciador apresenta os aspectos políticos, sociais, ideológicos e culturais do homem brasileiro, numa dimensão discursiva e interdiscursiva, explicitado no discurso de protesto.

A fim de atingirmos o objetivo pretendido, escolhemos como amostra duas letras escritas por Gabriel, o Pensador, considerando que o compositor produz textos verbais críticos de análises das práticas sociais contemporâneas brasileiras. O estudo dos discursos de letras de músicas mostra a construção do ethos do enunciador, levando-se em consideração a ancoragem social associada ao discurso constituído no eixo da história política do Brasil, a partir da década de 90, considerando o comportamento dos representantes da ordem nas instituições públicas brasileiras.

Por meio das situações determinadas no fio discursivo das letras, pudemos observar que o ethos do enunciador articula-se com o mundo ético do co-enunciador e ambos configuram-se como fiadores partícipes do ethos social dos valores cidadãos, cujos princípios se fundamentam na postura de homens honestos que acreditam na justiça, no sentido ético e humano e que se vêem indignados com tantas atitudes de desgoverno nas instituições públicas brasileiras.

PALAVRAS-CHAVE: Discurso de letras de Música; Análise do Discurso; cenografia; ethos discursivo, Gabriel o Pensador. ABSTRACT

This essay has as its theme the study of social-linguistic representations, that propitiate the construction of the set design and the legitimacy and the legitimation of the discursive ethos in the lyrics produced by Gabriel, o Pensador.

To develop our investigation, we examined, based in the Discourse Analysis of the

French, precisely Dominique Manigueneau postulates (2005;2008), the link between the linguistic, the discursive and social, seeking in enunciation the way to build the set design and to what measure the speaker’s ethos shows the political, social, ideological and cultural Brazilian aspects, in a discursive and interdiscursive dimension, exhibited in the protest discourse.

In order to achieve the intended goal, we chose like model two lyrics written by

Gabriel, o Pensador, considering that the composer produces verbal critical texts and that they contemplate contemporary Brazilian social practices. The discourses study of these song lyrics shows the construction of the enunciator’s ethos o, taking into account the social link associated with the speech made about the axis of the political history of

Brazil from the 90's, considering the behavior of the order representatives in Brazilian public institutions.

Through certain situations illustrated in the lyric discourses, we observed that the speaker’s ethos articulates towards the co- enunciator’s ethical world and both are configured as participants guarantor in the social ethos of the values citizens, whose principles are based on the posture of honest men who believe in justice, in the ethical sense and human and they are indignant by attitudes of misgovernment in Brazilian public institutions.

KEYWORDS: Speaking of lyric songs; Discourse Analysis; set design; discursive ethos; Gabriel, o Pensador.

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...... 09

CAPÍTULO I – GABRIEL O PENSADOR E A MÚSICA POPULAR

BRASILEIRA ...... 19

1.1 A MPB e os aspectos de seu percurso ...... 20

1.2 Gabriel “O Pensador”: O homem e o Compositor ...... 30

1.3 As Letras de Música e suas Repercussões ...... 38

1.4 A opção pela Amostra ...... 42

1.5 O Contexto Histórico Cultural do no Final do Século XX e

Início do Século XXI ...... 44

CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...... 48

2.1 Texto e Discurso ...... 48

2.2 Uma Noção de Texto e Discurso em Maingueneau ...... 55

2.3 A Primazia do Interdiscurso ...... 59

2.4 O Discurso Literário ...... 67

2.5 As condições de Análise do Discurso Literário...... 68

2.6 A Instituição Discursiva ...... 75

2.7 O Gênero do Discurso ...... 78

2.7.1 A Noção de Gênero: Bakthin e Maingueneau ...... 79

2.7.2 O Gênero do Discurso: Letras de Música ...... 82

2.7.3 O Gênero do Discurso ...... 84

2.8 Cenas de Enunciação ...... 90

2.9 Sobre a Noção de Ethos Discursivo ...... 92 CAPÍTULO III – ANÁLISE DA AMOSTRA ...... 97

3.1 Introdução ...... 97

3.2 Gabriel O Pensador e a Construção do Ethos Discursivo ...... 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 120

ANEXOS ...... 125

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma análise do discurso como eu a pratico não pode apreender um ”ethos” da mesma maneira que uma teoria da argumentação, ou uma teoria do discurso de inspiração psico-sociológica. Esses dois parâmetros (corpus e disciplina, aliás, são apenas parcialmente independentes: sabe-se que cada disciplina ou cada corrente tem tendência a privilegiar tal ou qual tipo de dados verbais. Dominique Maingueneau (2006)

Esta dissertação tem como tema o estudo das representações linguístico-sociais, que propiciam a construção da cenografia e a constituição do ethos discursivo em letras de músicas produzidas por Gabriel, o Pensador.

A presente pesquisa, filiada à Análise do Discurso AD de linha francesa, precisamente nos postulados de Maingueneau, trata dos processos de constituição e legitimação do ethos discursivo em letras de músicas produzidas por Gabriel, o

Pensador. Nosso trabalho integra às pesquisas interessadas na articulação entre o lingüístico, o discursivo e o social, a fim de buscar, na enunciação, o modo como se constrói a cenografia, que possibilita a emergência do ethos discursivo em letras de música de protesto.

Como todo e qualquer discurso permite a construção de uma imagem dos sujeitos envolvidos no processo de interação, privilegiamos a cenografia e o ethos, na medida em que as pistas permitem aos leitores a construção da imagem daqueles sujeitos, conforme proposta de Maingueneau. Dada a importância da produção das letras de música de Gabriel no contexto da realidade brasileira, nossa pesquisa propõe o seguinte problema de pesquisa: Como se constitui a cenografia e em que medida o ethos discursivo nas letras produzidas por Gabriel o Pensador manifesta uma identidade política?

Nossa pesquisa tem como objetivos:

Examinar as representações linguístico-sociais, a construção da cenografia e a constituição do ethos discursivo em letras de músicas produzidas por Gabriel, o

Pensador; identificar a forma como se constrói a cenografia e em que medida o ethos discursivo nos discursos escritos por Gabriel o Pensador manifesta uma identidade política; verificar como se representam no discurso produzido por Gabriel o Pensador os aspectos políticos, sociais e culturais do homem brasileiro; enumerar as marcas linguísticas constitutivas do discurso de Gabriel, o Pensador, a partir das condições de produção do discurso, das formações discursiva e ideológica impressas no interdiscurso.

Os estudos desenvolvidos nesta Dissertação partem do pressuposto de que as práticas sociais e discursivas são mutuamente dependentes, isto é, a linguagem é tanto criadora quanto receptora de processos discursivos, sociais e ideológicos mais amplos.

A AD vai buscar, na verdade, nas condições históricas em que são redigidos cada discurso, os sentidos produzidos pelo sujeito, ao elaborar esse mesmo discurso, as suas marcas enunciativas e a forma como é recebido por quem ouve ou lê suas palavras. Por isso, Pêcheux (1969) define discurso como “efeito de sentidos entre interlocutores.”

Nossa análise parte dos postulados de Maingueneau o qual oferece suporte para uma visão discursiva construída nos enunciados linguísticos e que apontam relações com o social, o histórico e o ideológico. O tema foi escolhido por estar no centro das discussões atuais e apontar os avanços que os estudos da AD têm alcançado.

Justifica-se nossa atenção para com os textos de Gabriel o Pensador por ser ele um dos compositores que mais produz textos verbais críticos de análise das práticas sociais contemporâneas brasileiras. A escolha baseou-se em um critério considerado fundamental: a preferência do público jovem pelas letras de música do compositor, fase em que esses jovens despertam para ritmos diferentes, como o “Rap”1, considerando que os “Raps” produzidos pelo compositor apresentam em suas letras conteúdo crítico que se relaciona com o momento social e político da sociedade brasileira a partir dos anos 90.

Gabriel o Pensador é considerado um grande compositor e suas composições abordam conteúdos que despertam o interesse do seu público-alvo. Suas composições são conhecidas nacionalmente, pois suas letras são enunciadas por uma linguagem que está direcionada a um leitor específico, aquele que se define pelas classes críticas da sociedade evidenciadas pelo próprio autor, pois apresenta questionamentos importantes sobre problemas pessoais e sociais que de certa forma influenciam nas questões básicas da sociedade contemporânea.

A presente análise procura apresentar o caráter social das letras do compositor, pois a veia crítica emerge por meio de conteúdos que traduzem problemáticas sociais aparentes que, de certa forma, provocam um estado de inconformismo por parte dos

1 Rap (em inglês, também conhecido como emceeing) é um discurso rítmico com rimas e poesias, que surgiu no final do século XX entre as comunidades negras dos Estados Unidos. É um dos cinco pilares fundamentais da cultura hip hop, de modo que se chame metonimicamente (e de forma imprecisa) hip hop. http://pt.wikipedia.org/wiki/Rap) cidadãos brasileiros. O compositor produz discursos de protesto e seus discursos são construídos em uma cenografia que reporta a determinados períodos da história do

Brasil inscritos em um determinado lugar e a partir de determinadas tramas, reconhecendo, além disso, alguns atores sociais construídos historicamente na sociedade brasileira e que marcaram na própria história um papel relevante.

A AD surge como um modelo metodológico que, de acordo Maingueneau

(1989), surgiu na década de 60. Rompe com a tradição de práticas teórico-analíticas valorizando, dessa forma, as várias formas de apreensão do sentido por meio da materialidade linguística. Trata-se, portanto, de uma metodologia que, privilegiando a interdisciplinaridade, articula pressupostos teóricos da Lingüística, e de outras correntes, tais como, o Materialismo Histórico e a Psicanálise

Silveira (1994), em seus estudos trata de sujeito e interdiscursividade e acrescenta a ambos as noções de história e de ideologia. Considera a partir dessa concepção que o sujeito sempre diz algo em um determinado lugar e tempo, portanto para a autora, a noção de sujeito está atrelada à noção de sujeito histórico e ideológico.

Assim, o que é dito por alguém, é representado por um tempo histórico e um espaço social, ou seja, seu discurso está sempre projetado em relação ao discurso do outro, que segundo Silveira envolve outros discursos costurados historicamente.

Assim, cada discurso introduz o outro no seu interior, traduzindo seus enunciados nas suas próprias categorias; portanto, “sua relação com esse outro se dá sempre sob a forma do simulacro que dele constrói (MANGUENEAU, 2007:22).

Na perspectiva da AD, todo discurso pressupõe a construção de uma imagem daqueles que estão envolvidos no processo interativo. Mas antes disso, é necessário entender que é a língua, instrumento que se materializa socialmente como um processo histórico-social organizado, responsável pela constituição interativa de uma sociedade é que nos leva a essa compreensão. Assim, entendemos a linguagem como uma maneira de moldarmos por meio da palavra, as estratégias responsáveis pela construção discursiva e de uma análise de nossas identidades.

Dessa forma, podemos entender o discurso como um evento de subjetividade tomado por um enunciador. Todo discurso é construído a partir da legitimação de pontos de vista, crenças, valores e ideologias sócio-determinadas que em diferentes contextos, instauram efeitos de sentido diversos, ou seja, o discurso passa a ser historicamente determinado e ideologicamente marcado, pois nele estão inseridos os elementos históricos sociais e ideológicos que solidificam a configuração do próprio discurso.

Para Maingueneau, os enunciados adquirem sentido dentro de um contexto, sendo constituídos utilizando recursos que visam a produzir um determinado efeito para o co-enunciador, que irá interpretar seu sentido, segundo as indicações presentes no texto lido. A formulação dos sentidos constitui um processo de significação presente na estrutura composicional do enunciado.

Em seus estudos, Maingueneau (2002, p. 85) afirma: que um texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é proferida ou encenada. Isto quer dizer, na concepção do autor, que a cena é construída na enunciação e no momento da enunciação, isto é, a cena é um elemento que se constrói na própria enunciação.

As análises que empreenderemos, visam esclarecer, por intermédio da incorporação de um ethos instituído na cenografia discursiva, nos dois textos selecionados como amostra, a constituição do ethos discursivo instituído pelo enunciador do texto.

A AD, a partir dos postulados de Maingueneau (1997, 2001, 2000a, 2005b), vai além da visão aristotélica, quando pretende analisar as imagens criadas pelos enunciadores no discurso, estendendo-se a todo tipo de discurso representado nos textos.

Para Maingueneau (1998), o discurso, além de seu caráter de unidade linguística, forma uma unidade de comunicação, associada às condições de produção determinadas, ou seja, depende de um gênero de discurso determinado Na perspectiva de estudos do discurso, quando tratamos do gênero, entendemos que ele faz parte do estatuto dos parceiros legítimos.

Dessa forma, no universo social, esses gêneros funcionam como práticas sociais legítimas e correspondem aos processos interacionais entre esses parceiros. Portanto, há configurado nessa relação a figura constituída de um enunciador que, ao fazer parte dessa interação cooperada, projeta uma imagem de si, legitimando, dessa forma, o seu discurso. Essa imagem ou caráter, podemos chamar, segundo Amossy, de ethos.

Segundo Maingueneau (2008a, p.17), ethos é uma noção fundamentalmente híbrida, sócio-discursiva, um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica. Para o autor, pensar a questão do ethos no discurso significa refazer o percurso que vem desde a antiguidade clássica e a retórica para se compreender então suas perspectivas na contemporaneidade, mas nesse momento, buscamos apenas a concepção postulada por Maingueneau.

Maingueneau (2008a, p.17) postula a noção de ethos está para além da persuasão por meio de argumentos, pois permite refletir sobre o processo mais geral de adesão dos sujeitos a um certo discurso. Em seus estudos sobre o ethos, o autor acrescenta as noções de “ethos” discursivo de “ethos” pré-discursivo e de fiador. Ainda segundo

Maingueneau, o ethos de um discurso resulta da interação dessas diversas instâncias enunciativas, que constituem o funcionamento discursivo, configurando as imagens do enunciador no discurso. O fiador é um conjunto de determinações físicas e psíquicas baseadas em representações coletivas estereotípicas ou não, na construção do ethos.

Na concepção do autor o ethos, voz que se deixa falar na instância subjetiva e instaura a incorporação da imagem do enunciador pelos enunciatários. Ao explicitar essa subjetividade, cria-se um jogo cenográfico que faz projetar o ethos do enunciador, este, deve-se à enunciação.

A noção de ethos está ligada à perspectiva do enunciador e se configura no discurso por meio de suas ideias que representam sua maneira de dizer e remetem a uma maneira de ser. Na perspectiva de Maingueneau (2004), toda enunciação implica uma cena e todo texto é sustentado por uma voz. Essa voz, ou tom, segundo o autor, confere autoridade e legitimidade ao que é dito.

De acordo com Amossy, o ethos é uma noção discursiva; ele se constitui por meio do discurso, através de um processo interativo de influência sobre o outro. É uma noção fundamentalmente híbrida, um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa estar ligada a uma conjuntura sócio-histórica determinada.

Atualmente, de forma muito dinâmica, as letras fazem parte de mediações dialógicas que traduzem uma visão sócio-histórica do homem contemporâneo. A maioria traduz e reflete, de forma simbólica, uma posição discursiva e constrói dentro das instâncias enunciativas uma imagem que se projeta no mundo, bem como, relações interdiscursivas capazes de representar todo e qualquer discurso na sociedade atual, atrelado a uma situação sócio-histórica que corresponde a um sujeito e aos seus domínios enunciativos.

Filiado à AD, o termo ethos diz respeito a textos orais e escritos, nos quais os enunciadores oferecem uma imagem de si pelo discurso. Nesse sentido, vale salientar que o ethos é um efeito de enunciação em um determinado contexto histórico e social.

Dessa forma, os participantes que interagem no processo discursivo criam uma imagem de si através dele. As imagens do enunciador e do co-enunciador agem no campo discursivo, de modo a ser parte constituinte do processo enunciativo. A construção dessa imagem de si no discurso convencionou-se chamar de ethos.

Maingueneau afirma que:

O discurso é inseparável daquilo que poderíamos designar muito grosseiramente de uma “voz”. Esta era, aliás, uma dimensão bem conhecida da retórica antiga que entendia por ethé as propriedades que os oradores se conferiam implicitamente, através de sua maneira de dizer: não o que diziam a propósito deles mesmos, mas o que revelavam pelo próprio modo de se expressarem (MAINGUENEAU, 1997: p.45.).

As reflexões recentes da AD, quando tratam do estudo do ethos, vão além dos estudos realizados pela Retórica, pois analisam as imagens criadas pelos enunciadores no discurso, até mesmo, as presentes no texto escrito. Ainda na perspectiva da AD,

Maingueneau (1997, 2001, 2005ª, 2005b, 2006) retoma o conceito aristotélico afirmando que o ethos é a imagem de si no discurso. A AD estende suas pesquisas ultrapassando os conceitos firmados pela retórica privilegiando todo e qualquer discurso.

De acordo com os postulados da nova retórica, ethos deve ser entendido como conjunto de características que o enunciador busca construir em seu discurso mediante os argumentos subjetivos que utiliza para persuadir. É um conceito aristotélico que diz respeito ao caráter que o orador deve assumir na interação com seus interlocutores para parecer sincero e suscitar a adesão. Na concepção dos Retóricos Clássicos, ethos, enquanto imagem do orador, não era considerado prova de persuasão por não estar relacionado à razão, mas ao caráter emotivo do enunciador.

Para a concretização dos objetivos propostos, organizamos esta dissertação em três capítulos:

No Capítulo I, A Música Popular Brasileira e Gabriel o Pensador, apresentamos por meio de um breve relato, os percursos da MPB construídos a partir de uma cultura enraizada, que se articula com os movimentos de transformação social, uma visão crítica dos jovens no início da década de 90. A partir dessa trajetória, Gabriel o

Pensador surge como uma figura conhecida por traduzir em suas músicas o ponto de vista de uma sociedade que a cada dia vive um pouco dos conflitos existentes, os quais afetam diretamente os cidadãos.

As letras analisadas traduzem a maneira como o homem contemporâneo vê a atual conjuntura da sociedade inscrita nos textos desde a época de suas produções e, sobretudo, as condições sócio-históricas de produção no Rio de Janeiro, lugar onde o compositor viveu e utilizou como cenário e pano de fundo para a inspiração de suas letras.

No Capítulo II, seguindo os postulados da AD e a partir de sua vertente que avalia a construção do discurso em sua relação com as diversas situações de interação, desenvolvendo a relação texto e discurso e sua configuração interativa com os sujeitos sociais, a primazia do interdiscurso numa perspectiva de uma heterogeneidade constitutiva, que se configura a partir da relação inseparável do discurso com o outro discurso. No mesmo capítulo, apresentamos os pressupostos que se configuram ao discurso literário e os gêneros literários vinculados ao ritual enunciativo postulado por

Maingueneau (1997), além das contribuições de Bakhtin (1997), acerca dos gêneros do discurso. A contribuição da AD atribuída à unidade do texto e a perspectiva construída pelo enunciador enquanto produtor das letras e sua representação enquanto sujeito em um ato de enunciação configurando-se o ethos concebido por Maingueneau como uma noção sócio-discursiva que compreende o social e se manifesta no discurso.

Por fim, no terceiro Capítulo III, seguem as análises da amostra aliando o desenvolvimento da teoria ao objeto de análise. As apreciações apresentam um enfoque tanto em nível linguístico – relacionado à detecção e interpretação de elementos linguísticos e enunciativos – quanto ao relacionado à imagem e à cenografia construídas nas letras analisadas. O exame de duas letras produzidas pelo mesmo autor possibilita uma análise dos efeitos de subjetividade construídos na veiculação dessas letras de

Gabriel o Pensador, assim como, a explicitação da imagem construída pelo enunciatário e partilhada discursivamente nas interações linguísticas.

CAPÍTULO I

GABRIEL O PENSADOR E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

Pensa! O pensamento tem poder. Mas não adianta só pensar. Você também tem que dizer! Diz! Porque as palavras têm poder. Mas não adianta só dizer. Você também tem que fazer! Faz! Porque você só vai saber se o final vai ser feliz depois que tudo acontecer. [Gabriel O Pensador:2001]

O gênero musical brasileiro, apreciado, pelas classes médias urbanas brasileiras, faz parte de uma cultura mista que tem suas origens no período colonial, reunindo hoje, uma multiplicidade de estilos que se misturam no imaginário das pessoas e contribuem significativamente para a difusão de uma cultura que engloba valores culturais, políticos, sociais e ideológicos, e que muitas vezes são explicitados no gênero “letra de música”.

O cidadão brasileiro tem uma veia forte para a música, ou seja, ele pode ser conhecido pelo seu talento em produzir letras tipicamente brasileiras por se tratarem de situações referentes às problemáticas que fazem parte de nosso cotidiano. Suas produções traduzem um caráter de brasilidade que fala à sua maneira o modo de pensar de cada um, imbuído de sua história, de seus valores, de suas tristezas, decepções, suas revoltas, denúncias e, sobretudo de suas alegrias.

Nossas análises se desenvolvem com o foco em duas letras de música urbana, as típicas composições produzida no Rio de Janeiro, por Gabriel o Pensador, a partir da década de 90. O gênero “letra de música” produzido por ele apresenta recorte de cenários existentes na sociedade contemporânea, os valores ideológicos que refletem um espaço que se encontra em contínua mudança, ou seja, sob forte clamor de mudanças de percepção e sentido fortemente decorrentes do impacto das renovações políticas e sociais que se manifestam no período recentemente descoberto: o da nova democracia brasileira. Além disso, as letras trazem e legitimam um discurso de denúncia, ao mesmo tempo, instigam os sujeitos para que percebam essa necessidade de fazer valer uma sociedade democrática, na qual haja direitos plenos e sem distinção para todos, cidadania justa e uma contínua transformação social.

1.1 A MPB e os aspectos de seu percurso

Apresentamos aqui um percurso através do eixo da história da música popular brasileira com o objetivo de mostrar a música (letra produzida no Brasil no século XX e sua influência na sociedade brasileira. Sabemos que desde o fim dos anos 50, a música popular passou a ser objeto de questionamentos e os compositores em si tornaram-se críticos por produzirem textos de natureza crítica e com conteúdo politizado que contemplam elementos da realidade social brasileira.

Segundo Naves (2001), a ideia a de MPB, Música Popular Brasileira, toma rumo nos anos 60 com a geração de compositores posterior à bossa nova como: Tom Jobim e

João Gilberto que aproveitando a onda de manifestação pela liberdade social e política que buscavam o sentimento de brasilidade, aliados a Chico Buarque e Edu Lobo que produziram composições monumentais.

Segundo a pesquisadora, a canção tropicalista deixou de ser um artefato completo, totalmente contido na unidade letra de música, pois necessitam também de elementos externos pra se completar. Seguiram-se a partir daí muitos estilos que se consolidaram como o rock e ganharam novas roupagens com as novas gerações, configurando uma linguagem própria e de natureza crítica tomando rumos que estendem até os dias atuais.

O gênero letra de música, precisamente a música brasileira, nasce a partir da formação da sociedade e de sua história, pois as letras de forma geral denotam um

Brasil tipicamente misturado, o que revela um caráter inter-cultural, legitimado pela formação de um povo que se constitui como africano, indígena, português e europeu, mas que compõem o melhor que existe, conseguindo impressionar os adeptos de letras de denúncia.

Nesse universo, podemos perceber o surgimento de uma cultura enraizada, articulada com os movimentos de transformação social, que surgiram nas últimas décadas e que, de certa forma, influenciaram os jovens. Assim, esses jovens apreenderam a consolidar valores, visão crítica diante da nova sociedade, maior visão de mundo, conscientização e, sobretudo uma maior participação político/ideológica marcando significativamente os mais conhecidos gêneros da MPB.

A música popular, portanto é qualquer gênero musical acessível ao público em geral. O nome já diz, é a música do povo, pois é produzida com base nos contextos sociais e traduzem a realidade vivida. Seu percurso atende as pessoas de várias gerações variando de acordo com o gosto e a cultura de cada um e reflete os movimentos que emergem socialmente em cada época.

O Brasil possui uma variedade de gêneros que estão intrinsecamente ligados aos gostos populares que oscilam entre gerações mais velhas até os jovens da sociedade atual. Portanto, de acordo com estudiosos em ciências humanas, há um grande número de definições quando se quer discutir MPB.

Podemos observar no em Brandão & Duarte que:

Mas é isso que a juventude que diz que quer tomar o poder! Vocês têm coragem de aplaudir este ano uma música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vai sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. [...] Vocês não estão entendendo nada, nada, nada. Absolutamente nada! [...] O problema é o seguinte: estão querendo policiar a música brasileira. Mas eu e o Gil já abrimos o caminho. [...] Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim, entendeu? Só queria dizer isso, baby, sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? E vocês? Se vocês em política forem como estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com Gil! Junto com ele, tá entendendo? O júri é muito simpático mas é incompetente. Deus está solto! [Aqui, Caetano canta trecho de “É proibido Proibir”] Fora do tom, sem melodia. Como é juri? Não aceitaram? Desqualificaram a melodia de Gilberto Gil e ficaram por fora! Juro que o Gil fundiu a cuca de vocês. Chega!”(BRANDÃO & DUARTE, 2008:85).

Verificamos no texto acima a compreensão da realidade histórica que caracteriza o surgimento da MPB, as vertentes e os movimentos, que configuram uma prática discursiva atualizada e que traduz os discursos construídos por uma coletividade e que, ao mesmo tempo, são reveladores de um cenário construído nas últimas décadas nos quais se legitimam os modos de pensar e sentir de uma sociedade por meio de suas manifestações culturais, seus anseios e frustrações, ou seja, uma verdadeira integração do que se produziu em suas letras a partir de uma visão sócio-histórica e ideológica.

Naves (2001) afirma:

Um conceito deslizante, feito a partir de raízes brasileiras e extremamente elaborada, e que muda de significado ao longo das décadas. A tropicália, na minha opinião, rompe com a idéia de MPB. Ela pulveriza essa história de nacional, ela é fragmentada, uma colagem. Não que esse movimento não tenha pensado no Brasil, é que se pensa a partir de uma outra ótica. Uma ótica Oswaldo de Andrade, ou seja, o que há de mais moderno com o que há de mais primitivo sem formar uma totalidade. É curioso, pois a tropicália rompe com a MPB inserindo o rock, e posteriormente, faz nascer o movimento “ploc”, que nada mais é do que o rock nacional oitentista. E a partir de certo momento o ploc flerta com a MPB. Cazuza fez uma Bossa Nova. Isso faz com que o conceito do MPB se alargue muito. Quando você escuta a rádio MPB FM o rock nacional é presente. Tal seria impensável em 1960.(NAVES:2001)

Seguindo uma trajetória de décadas, pode-se conhecer grandes compositores, figuras respeitadíssimas que fizeram nome por produzirem letras de conteúdo crítico e provocador. Com a influência desses ícones, revivemos uma cultura viva construída na própria história e que se consolida por uma difusão cultural, pelos movimentos sociais, políticos e culturais que surgem de forma cada vez mais intensa, como reflexo de uma sociedade que vive as transformações tecnológicas, as revoluções científicas e culturais, além de uma emergente e desenfreada Globalização.

A partir da década de 60 afloram no Brasil e no mundo os movimentos estudantis de protesto e em decorrência deles, uma oposição aos sistemas da época.

Segundo Santana (2004:13),

Toda essa revolução marca, no entanto, uma crescente transformação da música popular brasileira num fenômeno não apenas sonoro, mas num produto escrito. O que era apenas voz, tanto na música quanto na poesia, se converte em grafia marcando o ponto máximo desses movimentos de equivalência e identidade.

Ainda segundo a visão do autor, a música popular passa a ser objeto de estudo de críticos e de professores universitários que, por meio da análise e estudo de letras, que contribuíam para a difusão de um tipo de crítica social, gerando importantes propostas de análises contemplando o campo literário e, consequentemente, o de interpretação de textos.

Muitos gêneros musicais, sobretudo os de conteúdos reveladores da autenticidade de grupos sociais por meio de uma abordagem sociológica, estão inseridas intrinsecamente no cotidiano do brasileiro, pois configuram um recorte da vida do homem na sociedade que abrange, desde as camadas mais populares até as chamadas elites brasileiras.

Tinhorão (1990), em uma de suas obras, trata o tema música popular brasileira sob o enfoque de lutas de classe, dentro de tendência inarredavelmente devedora ao materialismo histórico. Como o próprio autor afirma, os fatos historiados elencados no decorrer da obra demonstram que as possibilidades de representatividade da cultura brasileira, em particular das letras de caráter popular urbano, dentro do próprio país, se ligam diretamente a um estado de dominação. Tal dominação, segundo o autor possui uma herança histórica.

Segundo Wisnik (1982:135), as letras produzidas e que são de natureza urbana como por exemplo, o , passam a ser alvo de uma nova ordenação cultural.

... "o samba, que traz na sua etimologia a marca do sensualismo, é feio, indecente, desarmônico e arrítmico, mas paciência: não repudiemos esse nosso irmão pelos defeitos que contêm. Sejamos benévolos; lancemos mão da inteligência e da civilização. Tentemos devagarinho torná-lo mais educado e social. Pouco importa de quem ele seja filho" (WISNK, 1982:135).

De acordo com Brandão (2008:12) a classe burguesa se preocupava com o conhecimento. Dessa forma, a cultura produzida para a burguesia passou a se distanciar da cultura do povo que, por sua vez, estava mais ligada ao senso comum. A chamada arte popular vai surgindo como uma forma de preservar a maneira de pensar e agir desse povo.

Com o crescimento desordenado, surge a era da industrialização como isso, uma onda de expansão tecnológica e grande desenvolvimento dos meios de comunicação dão origem à chamada cultura de massa a qual passa a ser difundida de forma generalizada, constituindo-se, então, a chamada sociedade de consumo.

De acordo com Brandão & Duarte (2008) a partir dessa expansão, surge uma nova criação cultural, quando se destacam as letras de Adoniram Barbosa, Caetano

Veloso, Chico Science, produção cultural que se distancia da cultura erudita, pois é constituída por músicos e escritores e está mais próxima da linguagem popular. Os compositores denunciam em suas letras as adversidades e as condições em que vive o homem na sociedade. Nasce, então, o que poderíamos chamar de cultura jovem, pois é constituída por jovens de todas as classes sociais. Dessa cultura própria do jovem caracteriza-se o perfil de um jovem questionador que nega a cultura existente e luta pela garantia de uma sociedade com valores coletivos e contra o comunismo e o preconceito, expandindo-se dessa forma a chamada “contracultura”.

Movimentos de contracultura2 com implicações sociais, políticas e culturais se difundiram na década de 60 e 70, visando a mudar padrões estabelecidos pela sociedade ocidental. Com isso, jovens protestaram, por meio de diversas linguagens, contra a ideologia dominante e a arte foi o seu principal vetor. O auge dessas manifestações se deu com a realização do festival de Woodstock e o surgimento do maior movimento de contracultura existente, o Hippie. No Brasil, foram surgindo novas formas de

2 Contracultura é um movimento que tem seu auge na década de 1960, quando teve lugar um estilo de mobilização e contestação social e utilizando novos meios de comunicação em massa. Jovens inovando estilos, voltando-se mais para o anti-social aos olhos das famílias mais conservadoras, com um espírito mais libertário, resumido como uma cultura underground, cultura alternativa ou cultura marginal, focada principalmente nas transformações da consciência, dos valores e do comportamento, na busca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo e pequenas realidades do cotidiano, embora o movimento Hippie, que representa esse auge, almejasse a transformação da sociedade como um todo, através da tomada de consciência, da mudança de atitude e do protesto político. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Contracultura). manifestações artísticas. Grandes compositores se destacaram e marcaram o cenário brasileiro, desse período, mantendo-se presentes em várias expressões artísticas atuais.

A difusão da cultura surge a partir dos aspectos ligados às gerações passadas até a contemporaneidade, ou seja, dos conservadores aos revolucionários. Na América dos anos 50 às gerações que curtiram vídeo cassete, videogames, a coca-cola, escutar Jazz, vestir jeans, os rappers e Djs dos anos 90 . A sociedade da época viveu então, períodos marcantes do Rockn‟roll à Bossa Nova, geração Beatles e Rolling Stones marcadas por produções de letras de protesto nas quais conheciam o grito legítimo dos movimentos estudantis da época, na busca de uma adesão à consciência política.

Para Brandão (2008:53-54), a canção de protesto surgiu como desdobramento da onda folk. Bob Dylan em 1962 usava a canção folk3 (norte-americana) que serviria de canal de expressão para a juventude refletir sobre os problemas dos Estados Unidos,

Dylan buscava como base para letras atuais que iam contra o racismo, o militarismo e a corrida armamentista. Para Dylan, as coisas não estavam tão maravilhosas como as pessoas do poder apregoavam. Dylan foi considerado o líder de sua geração, o poeta máximo da música de protesto influenciando os Beatles e praticamente todos os letristas importantes da história do Rock.

Entendemos que as produções de letras têm importância nesse movimento da contracultura. Percebe-se que há uma profunda relação com o universo individual e social marcada pela fusão da música negra com a branca, alusão às drogas, o

3 A mídia costuma confundir muito o significado do rótulo “folk”, porque ele tem mais de um significado. No contexto de Bob Dylan trata-se de música cantada com violão e letras de caráter social, mas no caso do “folk metal” a palavra “folk” refere-se a música folclórica de um país qualquer (http://whiplash.net/materias/especial/000235-skyclad.html) movimento psicodélico e a fusão entre o rock e a música erudita dos anos 70. A radicalização dos movimentos estudantis que atingiu os países comunistas e o jogo político imposto pela sociedade. Podemos lembrar a geração Woodstock em agosto de

69, as ações contra a guerra do Vietnã, tudo isso configura-se nas letras como uma forma de manifestação ao que a sociedade enfrentava na época.

Já no Brasil surge a cultura engajada, marcada por grandes tensões políticas, grupos progressistas, movimentos sociais e estudantis que lutavam em favor das transformações do país. O surgimento do cinema novo, o tropicalismo, os festivais de

MPB marcaram uma mistura da modernidade da vida urbana com a cultura de consumo.

O movimento Tropicália traduz uma relação de contrastes entre o novo e o arcaico, ou seja, a Tropicália trabalhou a política e a estética num mesmo plano mostrando as contradições da nossa modernização subdesenvolvida a partir de outra forma de arte.

Napolitano afirma:

Ao se colocar contra a MPB engajada e nacionalista, o tropicalismo ajudou a romper barreiras que dificultavam a plena realização comercial da canção brasileira: uma ética de „militância cultural‟ fora do mercado que ainda prevalecia em alguns artistas e a necessidade de restringir os materiais musicais àqueles que identificassem a MPB a uma idéia de nação dotada de especificidade estética. Após o tropicalismo, a „militância‟ cultural e o star-system praticamente se confundiam, assim como a identidade „nacional‟ da MPB passou a ser buscada paralelamente à incorporação das tendências musicais e culturais vindas do exterior (sobretudo da cultura de consumo anglo-americana) (NAPOLITANO, S/D:240).

Embora surjam essas preocupações com as novas tendências musicais, se percorrermos as letras de música produzidas desde o início do século XX, é possível perceber um que há um discurso bem claro contra as estruturas de poder. Portanto, os adeptos de música de conteúdo crítico sofreram forte pressão e censura principalmente no campo das produções

Caldas afirma que:

A censura prévia vigiava de perto a música popular. Canções de teor político só eram divulgadas pelo rádio quando elogiosas ao Estado Novo. Algumas que o contestavam foram sumariamente destruídas e seus autores, presos. O compositor Wilson Batista, por exemplo, teve alguns problemas com a Polícia Federal em virtude das suas letras ofensivas ao poder e da insistência, durante algum tempo, em cantar a malandragem e o estilo de vida de alguns compositores boêmios da Música Popular Brasileira (CALDAS, 1985:41).

Na época, Caetano Veloso impôs seu discurso explosivo denunciando o patrulhamento ideológico e o conservadorismo político-cultural das esquerdas e juntamente com Gilberto Gil abrem novo caminho por meio de suas letras desafiando os policiamentos contra as estruturas da época. A cultura jovem, então, enfrenta novas questões na tentativa de manter uma cultura engajada motivada pela idéia de revolução e transformação social e participação da indústria cultural.

[...] “fico tomado emocionalmente quando eu considero que o melhor na minha causa está sendo ameaçado de uma maneira injusta, vulgar ou grosseira. Algo de precioso pode estar sendo agredido e eu me sinto instado a reagir. Aí eu reajo com muita fúria. É assim. Mas eu perco e na hora eu lucidamente penso: eu tenho o direito de perder o controle e ficar agressivo ao máximo. E eu tenho uma agressividade verbal muito gande quando isso acontece. Fora isso, não. Fora isso eu sou muito afável. O próprio João Gilberto uma vez disse assim: 'a música brasileira se atrasa muito porque Caetano é bonzinho demais'“ (CAETANO: 1968, III FIC)4.

Com a chegada dos anos 80, foi possível perceber os vestígios das gerações anteriores apesar de ainda se confirmar as tendências conservadoras. A juventude carregou consigo uma veia de protesto responsável pelo surgimento de novos movimentos que defendiam questões importantes na sociedade da época. Surge uma nova linguagem resultado do processo de informatização da sociedade moderna revolucionando os campos da ciência, da comunicação, transportes, etc. Houve a influência de centros importantes como São Paulo e Rio de Janeiro. Com esse desenvolvimento aflorado e com os avanços tecnológicos expandem-se os instrumentos eletrônicos que permitem recuperar ritmos do passado, abrindo dessa forma novas perspectivas para as produções musicais.

No Brasil, apesar dos rastros da ditadura, o jovem brasileiro se manteve firme e tomou frente a movimentos importantíssimos e levantou bandeiras em defesa da sociedade como na formação do movimento ecológico.

Segundo Brandão (2006: 146), a música Pop passou a fazer parte de um mercado que fez brotar outros consagrados grupos como RPM, bandas que contribuíram para a inserção da crítica vinda dos jovens para as questões sociais, por meio de suas letras de conteúdo crítico. Surgem em seguida novos gêneros como: sertaneja, axé- music que se tornaram verdadeiros fenômenos musicais, mas apesar dessa tendência

4 III FIC Festival Internacional da Canção http://www.eradosfestivais.com.br/festivais.php?idMidia=17&idFestival=10 deu-se uma nova fase a partir de valores individuais herdados do final da década de 80: como Marisa Monte; ; Carlinhos Brown; Gabriel, o Pensador; Zeca

Balero e outros.

Nessa época, foram surgindo novos estilos que marcaram o crescimento da música de caráter romântico, consagrando grandes duplas como Chitãozinho e

Xororó, João Paulo e Daniel etc, além de outras personalidades que se destacam no rap como O Rappa, Planet Hemp, Gabriel o Pensador, Skank, Cidade Negra etc. configurando-se, então, um espaço importante para a consagração da música jovem brasileira reverenciada pela juventude contemporânea.

1.2 Gabriel “O Pensador”: O homem e o Compositor

Gabriel O Pensador5, nome artístico de Gabriel Contino, (Rio de Janeiro, 4 de março de 1974), é um cantor e compositor brasileiro que se destacou pelas suas letras de rap bem ousadas, carregadas de conteúdo de crítica social.

O cantor e compositor é filho da jornalista Belisa Ribeiro, surgiu no início dos anos 90, precisamente no final de 1992, quando ainda era estudante de Comunicação

Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com a letra de música "Tô

Feliz (Matei o Presidente)". Sua composição musical tem como personagem o ex-

Presidente Fernando Collor de Mello, que tinha acabado de renunciar ao cargo frente a um processo de “impeachment”

5 http://www.letras.com.br/biografia/gabriel-o-pensador

Embora sua música tenha sido censurada, o compositor lançou em 1993 seu primeiro homônimo, (Gabriel O Pensador), que ganhou sucesso de público devido ao seu repertório crítico e ousado por retratar posturas e comportamentos do cidadão brasileiro.

Suas composições tiveram grandes repercussões, além de participações de nomes importantes como , Fernanda Abreu e Daniel Gonzaga, entre outros, com os quais se destacou com suas canções fortes e bem elaboradas.

Gabriel o Pensador é casado com a atriz e cantora Ana Lima e tem dois filhos,

Tom e Davi, o primeiro em homenagem a Tom Jobim.

Comecei a gostar de hip hop quando tinha uns onze anos, no meio da década de 80, quando conheci o breakdance, e grafitti e o rap, através de de Run DMC, Beastie Boys e outros, e também de filmes como o Beat Street. Mas só passei a escrever letras a sério aos dezesseis anos de idade, influenciado também por grupos como o Public Enemy e o Boogie Down Productions. Antes disso, e também durante e depois, sempre ouvi músicas de outros ritmos, que também me influenciaram muito, desde o Bob Marley a grandes compositores brasileiros, como o Chico Buarque, o Gilberto Gil, os Titãs, o Martinho da Vila e tantos outros6 (O PENSADOR: 2004).

Segundo estudiosos de sua trajetória musical, Gabriel o Pensador produz textos de conteúdo crítico reconstruindo o universo social diante das façanhas nele existentes, faz questão de deixar claro que suas letras traduzem o que sente e pensa sobre a realidade que o cerca, seu olhar crítico está em todas as esferas da sociedade, e dessa

6 http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0284.html forma ele constrói o universo do cidadão brasileiro, baseado no que ele vive e de como cada indivíduo se relaciona com o seu meio.

Sempre variei bastante os temas e a maneira de expressar minhas ideias. Às vezes, as letras são mais satíricas e irônicas, às vezes, mais diretas, mais sérias, e há também outras mais descontraídas, por isso acho difícil defini- las como sendo simplesmente "contra" isto ou "a favor" daquilo. Eu canto sobre o que sinto e penso sobre a realidade que me cerca, não apenas a da favela exatamente, mas é claro que os problemas sociais, que afetam todas as classes, atingem muito mais os mais pobres, como diz o ditado: a corda arrebenta no lado mais fraco. E a música serve pra que possam ser ouvidas algumas palavras que muita gente não teria a oportunidade de dizer. No Brasil, apesar da miséria e da injustiça, ainda existe a democracia eleitoral e a liberdade de expressão, mesmo que estas não sejam perfeitas no seu funcionamento, mas o voto e a expressão cultural livre de uma censura oficial são ferramentas importantíssimas que conquistamos temos que aprender a usar cada vez melhor7 (O PENSADOR: 2004).

Gabriel o Pensador diz em sua biografia8 que foi chamado de pirralho e hoje nem se lembra direito dos detalhes, aprendeu algumas coisas erradas, mas também se interessou pela música, recebeu o apelido de “Pixote” que mais tarde virou “O Pequeno.

Pichou muros, foi skatista e pegou ondas na praia, fez amizade com a galera da Rocinha e daí em diante tornou-se assíduo na prática de esportes, conheceu de tudo um pouco, teve a oportunidade de conhecer muitos lugares, pessoas de todos os tipos e hábitos, circunstâncias estas, favoráveis na formação de sua personalidade.

7 http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0408/0284.html 8 http://www.dicionariompb.com.br/gabriel-o-pensador/biografia Gabriel recebeu forte influência musical oriunda de sua trajetória de vida, reflexo da identidade histórica do brasileiro e de sua diversidade cultural. Na infância a influência dos pais, na adolescência a mistura de outros ritmos, como: os de Michael

Jackson e outras bandas do final dos anos 80 e início dos anos 90 que o inspirou e o oportunizou a conhecer outros ritmos e se consagrar na cultura hip hop. O compositor gostava das aulas de redação no colégio, observava bem as letras de músicas de outros compositores e produzias suas próprias versões para as letras.

O compositor, Gabriel o Pensador, mesmo antes da fama, por uma curiosa coincidência foi também num palco armado na areia que Gabriel apresentou ao mundo seu ponto de vista. Isso foi em 1991, num Luau na praia de Ipanema, tendo como platéia tipos que seriam seus alvos no futuro: “Tinha só Loraburras e playboys típicos.

Já havia alguns meses que estava doido pra entra em palco, aí fui lá pra trás e fiquei insistindo com o cara da organização. Fiquei um tempão ali esperando e fui cantar a letra do playboy só de raiva, sem acompanhamento nenhuma, arrogância adolescente ou premonição (O PENSADOR: 2004).

Foi assim que ele iniciou sua improvisada apresentação para um público atônito.

Agarrou o microfone e mandou: “Essa letra tem muito a ver com essa rapaziada. Sou

Gabriel, o Pensador e vocês ainda vão ouvir falar muito nesse nome”, afirma Gabriel.

O compositor se apresenta em um cenário, que compõe a geografia social do Rio de Janeiro: na ponta esquerda da praia de São Conrado, as pedras juntam ondas que vêm de dois lados. Na areia, o encontro de gente de origens diferentes, favelados e remediados. O apelido democratiza: Rato, Miquerri, Janjão, Pequeno, Baya, Tripa, Déo,

Mick…

Em sintonia em que companheiros de infância e adolescência, eles se reencontram para curtir as lembranças do passado e saudar o futuro. Na maior favela dessa cidade violenta, nenhum deles virou bandido: Mick vende cachorro quente, Baya

é pastor evangélico, Janjão é instrutor de asa- delta, mestre do vôo duplo. Tripa ensina o tênis que aprendeu sozinho e Rato é professor de natação.9

E o Pequeno? Pequeno, o único que não era do morro, virou “rapper” e é por causa dele que todo mundo se reuniu. Hoje, pequeno é o grande Gabriel, o Pensador: “Aprendi coisas que nenhuma escola pode ensinar e ganhei coisas que nenhum dinheiro pode comprar”, reconhece.

O show de Gabriel na Rocinha era para ter virado videoclip. Mas os diretores Katia Lund e Flávio Ferreira sacaram que ali havia material para um documentário, que estreou, na rocinha, naquela época Em contato com a classe média, os favelados descobriram que no morro há mais cordialidade. Em contato com a pobreza, o menino Gabriel descobriu exemplos de dignidade, como o de Mick, que, quando bebê, não teve acesso às gotinhas do doutor Sabin e pegou poliomelite: “A gente fica orgulhoso em poder dizer para as pessoas que têm problemas para não se abater, levantar a cabeça que não está nada perdido, só perde quando a gente morre”, diz Mick.

Faltava, porém, um dos melhores surfistas da turma: Márcio Dente de Lata ficou preso durante dois anos, por causa de um erro da justiça. Saiu há menos de duas semanas. Ele pensa em pedir indenização ao governo: “Foram quase dois anos que eles atrasaram a minha vida”, afirma. Dois anos separado da filhinha de três, Carol, que já está aprendendo os

9 http://www.gabrielopensador.com.br/biografia/bio.htm segredos do mar: “A injustiça foi feita, a justiça ainda não”, diz Gabriel. Cantão - esse é o nome da praia onde a diferença encontra a tolerância.10

Gabriel o Pensador, em seus raps11 traduz um pouco da realidade daqueles que a vivem e tentam mostrar as façanhas de um povo que presencia e vive todos os tipos de conflitos, sejam eles sociais, políticos, econômicos, mas na maioria das vezes ficam abafados, ou seja, o caos social que impera no mundo e necessita de um grito de protesto da sociedade pós-moderna e ele o faz de maneira bem sutil, produzindo letras como forma de ecoar a postura daqueles que têm o domínio do poder.

Gabriel o Pensador pode ser considerado um dos compositores que mais produz textos verbais críticos. Suas letras são enunciadas pela linguagem do texto musical e oferece material importantíssimo que pode ser utilizado como suporte para uma leitura intertextual e interdiscursiva, a fim de se reconstruir historicamente o seu contexto de produção.

Segundo Ferreira (2001),

O compositor, por ser um dos maiores nomes do rap brasileiro, diferenciou- se de boa parte de seus pares (e chegou a ser por eles criticado) por ser garoto branco de classe média alta. Mas desde o começo, fez das letras de crítica social, o seu “cavalo de batalha”, como convém ao melhor rap. O quinto CD do rapper “Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo)”, pode ser encarado como um tratado politizado sobre o exercício

10 http://www.gpensador.com/humildade.htm 11 O rap pode ser genuíno e ter um grande êxito comercial ao mesmo tempo. O que importa é a postura do rapper, como em qualquer tipo de arte ou mesmo em qualquer outro ofício, o que vale é a sinceridade naquilo que se diz e faz. Muitas vezes os que se dizem "gangsta rappers" nos EUA, por exemplo, são justamente os mais falsos e mais vendidos a um marketing irresponsável que incentiva a violência para ganhar milhões, sem usar o rap para criar algo de positivo para os fãs. (O Pensador:2004) benéfico da cidadania. O Pensador radiografa em seu discurso as fraturas expostas de uma sociedade injusta. E o faz do ponto de vista do injustiçado, do brasileiro, miserável ou não, que tem que conviver com a sujeira do Senado e com todos os desagradáveis cheiros da desigualdade. Gabriel sempre fez a política do bem, mas nunca amarrou seu discurso de forma tão coesa como neste "Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo)". "No fim do túnel sempre tem uma saída mesmo quando você não consegue ver a luz", avisa Gabriel. E a saída pode ser a politização do cidadão (FERREIRA: 2001).

O rap recitativo originário dos subúrbios negros americanos encontra nele uma instigante realização. Gabriel o Pensador consegue de forma espontânea satirizar os problemas enfrentados pela sociedade como: o protesto político, as drogas a corrupção e a alienação do cidadão.

Para Santana (2001) A cultura de massa modificou-se tanto, que o próprio protesto virou artigo de consumo. Diferente da música que se embala nos lugares comuns da sensibilidade e dos careteiros góticos e darques com uma rebeldia vazia, em forma de paráfrase Santana diz que, Gabriel vitupera contra a "masturbação mental" acentuando: “Deus me livre dessa rebeldia que fala e não diz nada". Gabriel pensa, logo existe. Gabriel canta. E resiste. Santana ainda afirma que Gabriel o Pensador fala o que pensa. E como fala! As palavras saem aos borbotões, justificando o apelido de

Pensador. E o próprio Pensador afirma:

“Esse nome surgiu logo nas minhas primeiras letras. Não me lembro racionalmente como foi, mas veio bem porque combina. Ultimamente não tenho gostado dessa característica de pensar demais porque ta me dando insônia. Eu fico até puto! Ás vezes eu deixo de me divertir pra ficar pensando, analisando, tirando conclusões” (O PENSADOR: 2005).

Gabriel o Pensador lançou em 1993 o álbum de estreia. Embora algumas canções tenham sido censuradas, devido às pesadas críticas, o compositor não parou por aí, desafiou seu talento e abusou de seu senso crítico para produzir muitas outras letras, nas quais nunca deixou de registrar uma pitadinha de crítica às tramas se que desenrolavam, na época, e que se tecem até nos dias atuais. Após o episódio, na época, em resposta à censura, Gabriel escreveu a canção "Abalando", em que fala sobre a liberdade de expressão no Brasil.

Sua discografia reúne composições de todo tipo e muitas delas não deixam de fazer alusão àquilo que incomoda os nossos cidadãos, principalmente aqueles que fazem parte das camadas criticadas da sociedade.

As letras das canções como: "Lôraburra" (em que Gabriel fala sobre mulheres jovens e atraentes, de grande beleza física, porém, pouco conhecimento cultural);

"Indecência Militar" (onde o rapper versa contra o serviço militar obrigatório no Brasil);

"Lavagem Cerebral" (que ataca o racismo em suas várias formas) e "Retrato de Um

Playboy (Juventude Perdida)" (sobre os pitboys - jovens brasileiros, normalmente de classe média alta, porém, com pouco conhecimento cultural.)12 Até Quando e Pega

Ladrão” instigam-nos a entendermos como nossa sociedade se organiza e de que forma o cidadão deve reagir diante de tantas façanhas, sejam elas de ordem política, social ou ideológica.

12 http://pt.wikipedia.org/wiki/Gabriel_o_Pensador_(%C3%A1lbum) A discografia completa do compositor traz letras que reproduzem um pouco de tudo o que acontece na vida do cidadão brasileiro. Suas letras apontam questões e conflitos enfrentados e vividos cotidianamente pelos indivíduos na sociedade. O compositor consegue, de maneira bem sutil e descontraída, mandar o seu recado por meio de letras inteligentes e ousadas, fazendo dessa forma alusão à política, ao racismo,

à educação, à amizade, à saúde pública, às drogas, à violência urbana, a corrupção política, o tráfico de drogas, ao desemprego, a saúde pública, ao desemprego, e, até mesmo ao cidadão “sem noção” que não dá conta de perceber à sua volta tantos problemas sociais. Embora o compositor também possua letras de conteúdo divertido e alegre que trazem uma pitadinha de humor descontraído.

1.3 As Letras de Música e suas Repercussões

O gênero letras de músicas reproduz, na verdade, um recorte da identidade de um sujeito revestido de valores que representam historicamente uma tendência ideológico-cultural oriunda das diversas classes, que compõem a sociedade brasileira como forma de resposta aos pensamentos dessas determinadas classes. Esses pensamentos traduzem, de certa forma, anseios, desejos, angústias, ideais políticos, insatisfações, ou seja, mensagens embutidas e outras facetas caricaturadas na cabeça de cada membro que faz parte dessas diferentes classes sociais.

Nossos produtores de letras de certa forma se revestem de várias tendências construídas ao longo dos anos e são influenciados por fatores políticos, sociais e econômicos, responsáveis sobremaneira pela autenticidade das composições, considerando que o sujeito compositor/escritor faz parte de uma sociedade que vive intensas transformações sociais.

A globalização acelerada gera em todas as instâncias da sociedade conforto e desconforto, o avanço tecnológico é aparente e o homem se sente encurralado diante de tantas mudanças o que consequentemente muda suas formas de expressão. E diante de tudo isso, nascem letras de músicas com diferentes abordagens como forma de resposta ao comportamento do próprio homem, ou seja, uma maneira de manifestação do seu próprio eu diante das transformações sociais e do mundo.

A música brasileira é considerada a mais rica do mundo, com uma repercussão imbatível, é reverenciada, imitada e aplaudida em todo o mundo e é resultado da percepção de mudanças radicais em torno de um nacionalismo forte. A história da MPB consagrou nomes representativos do universo musical como Noel Rosa e outros que retratavam em suas letras os problemas sociais e políticos vigentes numa mistura de letra e música que legitimam épocas de contínuas mudanças em todos os setores da sociedade articulando-se a favor das invenções e inovações artísticas. Embora esteja no auge de criações inovadores e com ritmos cada vez mais diversificados, é notória certa falta de qualidade nas composições musicais contemporâneas.

As letras que compõem o repertório da música popular brasileira são reverenciadas, imitadas e aplaudidas em todo o mundo e é resultado da percepção de mudanças radicais em torno um nacionalismo forte. A história da música consagrou nomes representativos do universo da MPB como Noel Rosa e outros que retratavam em suas letras os problemas sociais e políticos vigentes numa mistura de letra e música que legitimam épocas de contínuas mudanças em todos os setores da sociedade articulando-se a favor das invenções e inovações artísticas.

Segundo Sant‟Anna, (2004:13)

Diante de uma sociedade em contínuo avanço percebe-se que toda essa evolução marca, no entanto, uma crescente transformação da música popular brasileira num fenômeno não apenas sonoro, mas num produto escrito. O que era apenas voz tanto na música quanto na poesia, se converte em grafia marcando o ponto máximo desses movimentos de equivalência e identidade. Por isto, críticos e professores universitários começam a se interessar pela letra da música popular, surgindo daí uma ensaística a ela dedicada que não é apenas o texto jornalístico das crônicas de ontem ou das necessárias histórias da música popular. Com isto se estende não apenas o conceito de música popular, mas o de literatura e, consequentemente, o de interpretação de texto. A literatura segue um caminho mais nítido depois do século XVIII, que é deixar de ser um produto elitista, afastando-se do conceito de “belas artes”, para se converter cada vez mais numa prática semiológica que procura interpretar todos os signos escritos e produzidos pelo homem.

Com isso, em meio a uma sociedade evoluída e em um contexto totalmente globalizado a música se estendeu abrindo possibilidades a partir de todas as fronteiras que cercam o universo do conhecimento humano. Com a globalização homogênea, encontramos uma produção musical cercada de uma multiplicidade de valores que tentam atender variados gostos, reflexos de culturas também diferentes, mas que diante dos avanços das redes tecnológicas propiciaram numa rapidez imbatível a manifestação da expressividade e a produção de letras descontraídas carregadas de infinidades de informações, às vezes melancólicas, outras com uma carga de humor, além daquelas que traduzem de um modo sério o grito do homem contemporâneo diante da sociedade atual.

Segundo Sant‟Anna (2004:40), A partir da forte contribuição de Mário de

Andrade durante o Modernismo, houve uma relevante aproximação entre música popular e literatura o que significa um crescimento significativo nas produções de letras de música. Para o autor esse caminho direcionou uma contribuição que manifestou no início da “Bossa Nova”, mudança no ritmo, no arranjo, na letra, mais direta e elaborada, e na própria voz do cantor, que não era segundo ele mais operística e sim com um novo estilo de comunicação sonora mais sofisticado. Dessa forma, seguem-se gêneros variados com várias direções e tendências que tentam de maneira simples traduzir de certa forma a verdadeira música brasileira.

Os manifestos musicais vão se expandindo a cada dia e com isso revelando compositores que através do jogo de palavras vão construindo uma identidade espontânea motivada por sentimentos diversos os quais traduzem de certa forma pessoalidade ou impessoalidade diante dos fatos ou diante da realidade. Dessa visão de mundo um tanto política e alicerçada por uma geração oriunda das universidades vai nascendo e se expandindo a chamada música de protesto, juntamente com a literatura que traz recortes irônicos traduzindo criticamente a ideologia das classes dominantes.

As letras de protesto reproduzem uma linguagem que nasce do cruzamento com a literatura e outras artes, todas movidas por interesses sociais e ideológicos quebrando e rompendo até mesmo com determinados padrões estéticos cultivados anteriormente.

Mas com o objetivo de desencadear a cultura engajada através de letras de conteúdo político e social como instrumento de conscientização da juventude da época, sobretudo, das classes populares. Suas letras traziam um conteúdo de denúncias que traduziam o recorte social da época além de serem consideradas inéditas.

Para Sant‟Anna, (2004:167),

Os textos de música popular brasileira passaram a ser estudados rotineiramente nos cursos de literatura de nossas Faculdades de Letras. Isto se deve a uma expansão da área de interesse dos professores e alunos, e a uma confluência entre música e poesia que cada vez mais se acentua desde que poetas como Vinícius de Moraes voltaram-se com força total para a música popular e que autores como Chico e Caetano se impregnaram de literatura.

Para o autor percebe-se aí uma forma de construir uma linguagem musical que se reveste de literatura e que ao mesmo tempo cria-se uma identidade “cantor-autor- crítico”, buscando de certa forma manter um diálogo crítico, dando novas dimensões aos textos produzidos e, além disso, criando possibilidades de interpretações (ou prevista interpretação).

1.4 A Opção pela Amostra

Partimos do pressuposto de que as práticas sociais e as práticas discursivas são mutuamente dependentes, isto é, a linguagem é tanto criadora quanto receptora de processos discursivos, sociais e ideológicos mais amplos. A AD vai buscar, na verdade, nas condições históricas em que são redigidos cada discurso, os sentidos produzidos pelo sujeito, ao elaborar esse mesmo discurso, as suas intenções enunciativas e a forma como é recebido por quem ouve ou lê suas palavras. Por isso, Pêcheaux (1969) como efeito “efeito de sentido entre interlocutores.”

Esses estudos partem dos postulados de Maingueneau a partir de uma visão discursiva construída nos enunciados linguísticos e que apontam relações com o social, o histórico e o ideológico. O tema foi escolhido por estar no centro das discussões atuais e apontar os avanços que os estudos da AD têm alcançado.

Justifica-se a análise dos textos de Gabriel o Pensador por ser ele, um dos compositores que mais produz textos verbais críticos para analisar uma das práticas sociais contemporâneas brasileiras. A escolha baseou-se em um critério considerado fundamental: a preferência dos jovens pelas letras de música popular brasileira, fase considerada importante de sua formação humana e intelectual.

As letras de suas canções contêm elementos referentes aos espaços já vividos dentro da trajetória do compositor. Dessa forma, a linguagem escrita sugere uma profunda reflexão desse espaço na dinâmica das relações sociais, configurando os aspectos históricos, sociais, políticos e ideológicos que direta ou indiretamente se fizeram presentes na vida do compositor.

Embora Gabriel o Pensador seja considerado um grande compositor de letras de música popular brasileira, não pode ser considerado popular, pois suas letras são enunciadas por uma linguagem que está direcionada a um leitor específico, aquele que se define pelas classes críticas da sociedade evidenciadas pelo próprio autor. Dessa forma, a amostra selecionada contribui significativamente com os estudos da AD no sentido de oferecer suporte para avanços das pesquisas no Brasil.

A análise dos textos que selecionamos contribui para as discussões da AD bem como para os estudos acerca da linguagem, pois suas letras de musical estão na mídia com alta frequência e marca o tempo todo a interação dialógica entre enunciador e enunciatário legitimando uma dimensão essencialmente interdiscursiva.

Segundo Ferreira (2001) O compositor, por ser um dos maiores nomes do rap brasileiro, diferenciou-se de boa parte de seus pares (e chegou a ser por eles criticado) por ser garoto branco de classe média alta. Mas desde o começo, fez das letras de crítica social, o seu cavalo de batalha, como convém ao melhor rap. O quinto CD do rapper

“Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo)”, pode ser encarado como um tratado politizado sobre o exercício benéfico da cidadania.

Ferreira (2001) afirma em seu texto que:

O Pensador radiografa em seu discurso as fraturas expostas de uma sociedade injusta. E o faz do ponto de vista do injustiçado, do brasileiro, miserável ou não, que tem que conviver com a sujeira do Senado e com todos os desagradáveis cheiros da desigualdade. Gabriel sempre fez a política do bem, mas nunca amarrou seu discurso de forma tão coesa como neste "Seja Você Mesmo (Mas Não Seja Sempre o Mesmo)". "No fim do túnel sempre tem uma saída/Mesmo quando você não consegue ver a luz", avisa Gabriel. E a saída pode ser a politização do cidadão (FERREIRA, 2001).

Sant‟Anna (2001) afirma que é por essa brecha que Gabriel penetra produzindo um texto musical que critica a alienação de uma geração que era (ou é) incapaz de formular sequer um discurso, a geração que dizia que não estava-nem-aí, geração monossilábica, a geração do "Ãh".

"Eu não sei quem inventou essa mania e nem sei o que seria esse "ãh" . Eu só sei que eu acordei no outro dia e só ouvia todo mundo dizer ãh" .Tranquilamente fui ali na padaria e falei bom dia, responderam "ãh" . Comprei um pão e fui ver televisão, só que na programação só tinha "ãh"… E daí prá frente vai narrando até encontros com gatinhas cujo papo é só "ãh", "ãh" ironizando a falta geral de léxico e nexo do discurso social (O PENSADOR: 2001).

1.5 O Contexto Histórico Cultural do Rio de Janeiro no Final do Século XX e

Início do Século XXI.

Embora a MPB seja, cada vez mais, uma música elitizada e culta (considerada por muitos entendidos), passou a ser conhecida e consagrada como forma musical característica dos centros urbanos e por reunir compositores de todo Brasil, a sua história se resume numa diversidade de estilos nos quais aparecem todos os tipos, ritmos, modos, culturas, regiões do Brasil e suas músicas, que tanto enriqueceram e enriquecem a Música Popular Brasileira.

Dos anos 90 em diante, deu-se espaço a tudo; o Rap, com “Gabriel, o Pensador”, e seu hit Lôraburra; o de Tim Maia e Jorge Benjor; Samba de Zeca Pagodinho; e muitos outros estilos vão aparecendo sempre. A tendência da MPB é valorização das letras fazem a alegria e o orgulho do povo brasileiro em ouvi-la. Assim, em meio a essa diversidade de estilos dos anos 90, o conceito de MPB tornou-se amplo, mas ao mesmo tempo, ambíguo no contexto histórico brasileiro.

Embora não podemos esquecer de que as letras encontradas na época traduzem uma concepção político ideológica do brasileiro após o surgimento de da bossa nova e do tropicalismo, ou seja, da articulação intensa com os novos estilos e linguagens e das influências que predominaram nos contextos musicais surgidos no decorrer do século

XX.

Sabe-se que há uma série de fatores que contribuem significativamente para o contexto de produção musical, esses fatores são reflexos dos aspectos identitários e culturais que se consolidam com as estratégias construídas por diversos artistas para mesclar seus estilos próprios ou regionais com as novas tendências musicais surgidas no mercado como a música pop, o rap, o rock, etc. Além disso, outros fatores influenciam no contexto de produção como: a revolução tecnológica, o crescimento da indústria fonográfica, além do contexto social político/ideológico que marcaram a época.

O Rio de Janeiro foi o cenário marcante na vida de Gabriel O Pensador. Dessa forma, percebemos que Gabriel O Pensador, produz textos com letras contundentes e bem estruturadas, nos quais ele apresenta o grito da sociedade brasileira através de mensagens contra o preconceito, o racismo, na música "Racismo é burrice"; contra as injustiças sociais e o descaso do Estado, na música "Até quando"; contra a desvalorização da mulher e a futilidade da juventude contemporânea, na música "Lôra burra", que pode ser interpretada como uma música preconceituosa se não for bem analisada; contra o comportamento de alguns grupos de jovens, na música "Retrato de um playboy"; entre muitas outras ele reconstrói através de seus textos o cenário brasileiro principalmente o contexto do Rio de Janeiro o qual ele pôde conhecer de perto.

Considerando que o RAP é um gênero musical que se destaca por possuir como pano de fundo conteúdo para as críticas sociais, seus produtores tomam como norte os elementos mais marcantes que integram a sociedade como: fatores socioeconômicos, políticos e sociais, principalmente as questões de injustiça que afetam diretamente a vida do homem na sociedade. O Pensador e muitos outros compositores do RAP, Hip

Hop13, de certa forma, utilizam suas músicas através do que acontece na sociedade, como forma de protestar de forma mais sutil contra os comportamentos de nossos governantes e o descaso tão aparente diante das injustiças sofridas pelas classes desfavorecidas.

Por fazer parte de uma sociedade, no caso o Rio de Janeiro nos ano 90, que vive o auge da era da globalização e em que há um crescimento desordenado o qual afeta todas as esferas da sociedade, Gabriel assiste de perto a tudo isso e consegue com toda sensibilidade abraçar a causa do povo, ou seja, denuncia a problemática vivida pelas populações mais pobres, principalmente as que vivem nas favelas e são e sofrem com todo tipo de desigualdade. Assim, seus textos possuem conteúdo crítico que denuncia a falta de atenção dos governantes para resolver os problemas sociais mais agravantes e, além disso, faz uma interlocução com o próprio cidadão através de suas músicas para que uma mudança de atitude aconteça de fato.

13 O hip hop (também referido como hip-hop) é uma cultura artística que iniciou-se durante a década de 1970 nas áreas centrais de comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip_hop) CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Texto e Discurso

...Ninguém tá escutando o que eu quero dizer! Ninguém tá me dizendo o que quero escutar! Ninguém tá explicando o que quero entender! Ninguém tá entendendo o que quero explicar". É preciso algo mais: "não adianta só pensar. Você tem que dizer! Diz! Porque as palavras têm poder. Mas não adianta só falar. Você também tem que fazer... [Gabriel O Pensador:2008]

As pesquisas no campo da Linguística Textual e evoluídas a partir da década de

1960 postulam o texto como objeto principal de análise, considerando o fato de estudos anteriores postularem as palavras e frases como prioridade de análises. Segundo

(Fávero & Koch, 2002: 11), o pressuposto básico da LT é o de considerar o texto como marca maior de manifestação da linguagem.

A LT considera que o texto não se configura apenas como uma sequência ou amontoados de frases, mas um signo linguístico primário e global. Além disso, teve a preocupação, inicialmente de identificar o que faz um texto ser efetivamente um texto, para então se chegar à noção de textualidade. Na sociedade o texto passa a ser o elo que intensifica as relações humanas e sua representação tanto escrita quanto oral. Para

(Fávero& Koch, 2002:25) qualquer unidade significativa, seja falada ou escrita se constitui como um texto (KOCH, 2004:12).

O texto não deixa de ser uma unidade de sentido que reproduz um pensamento, uma ideia em determinado lugar e momento, que pode ser transmitido por um determinado locutor e pode ser representado de várias formas. No momento em que possíveis interlocutores interagem com o texto cria-se uma relação de sentido que gera a partir dessa construção, desses efeitos o aspecto denominado textualidade.

Quando falamos de textualidade, estamos tratando de uma relação construída em torno do texto e que facilita consideravelmente o processamento de sentido por parte do leitor. É nessa dimensão que todo leitor de um texto testa seu conhecimento prévio, ou seja, ativa seu conhecimento de mundo, o que define sua identidade social, cultural, política, religiosa, etc. A esses fatores considerados imprescindíveis na interação com a leitura, liga-se os conhecimentos textuais e os conhecimentos linguísticos.

O texto é considerado como texto, quando há uma parceria no momento da atividade comunicacional, em que ambos interagem baseados em fatores cognitivos e contextuais, possibilitadores de sentido.

Um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir para ela determinado sentido. Portanto, a concepção de texto aqui apresentada subjaz o postulado básico de que o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso de sua interação (KOCH, 2004:25.)

Segundo Bakhtin, um texto é sempre um “intercâmbio discursivo”, uma tessitura polifônica. Para (Bronckart, 1999), o texto é entendido como “toda unidade de produção de linguagem situada, acabada e auto-suficiente do ponto de vista da ação ou da comunicação”.

Embora os PCNs esteja ligado às proposta de ensino, o documento traz noções de texto que são pertinentes e ilustra nossa proposta de pesquisa. Na concepção dos

PCNs (1999), o texto é visto como ponto de partida e de chegada de todo o processo de ensino/aprendizagem. É através do texto que o usuário da língua desenvolve a sua capacidade de organizar o pensamento/conhecimento e de transmitir ideias, informações e opiniões em situações comunicativas.

De acordo com os conceitos adotados por Kintsch e Van Dijk (1983), para estudar o texto e o discurso precisamos levar em conta a produção e compreensão discursivas, o texto processo. O que caracteriza a linguagem humana pela textualidade, intertextualidade e a argumentatividade.

Kristeva afirma em seu texto que:

A intertextualidade tomada em sentido estrito não deixa de se prender com a crítica das fontes: a intertextualidade designa não só uma soma confusa e misteriosa de influências, mas o trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operando com um texto centralizador que detém o comando do sentido (KRISTEVA, 1974: p.60).

Dessa forma, todo texto é o resultado de outros textos, é a soma do que já se produziu em um determinado tempo e lugar na história das relações e produções humanas. Isso significa dizer que não são “puros”, que todo texto tem por natureza um recorte de outro texto, ou seja, ele sempre mantém um diálogo com outros textos.

A proposta dos PCN (1999) postula que preciso entender que há uma diversidade de vozes em um mesmo texto e que a linguagem é de natureza dialógica e só podemos analisá-la em funcionamento. A linguagem agrega valores sociais que refletem significados sociais, as paixões escondidas nas palavras, as relações de autoridade, o dialogismo entre textos e o diálogo fazem o cenário no qual a língua assume o papel principal.

Para Fiorin e Savioli (1996), todo texto é produto de criação coletiva: a voz do seu produtor se manifesta ao lado de um coro de outras vozes que já trataram do mesmo tema e com as quais se põem em acordo ou desacordo.

Diante de tal perspectiva, podemos ressaltar o ponto de vista de Barthes (1982), segundo o qual todo texto é objeto heterogêneo, capaz de revelar uma relação radical de seu interior com seu exterior, assim, desse exterior fazem parte outros textos que lhe dão origem mantendo de certa forma uma relação dialógica no sentido de retomá-los, aderi- los ou mesmo de se opor a eles.

Maingueneau (1998) considera a intertextualidade no discurso pela heterogeneidade, distinguindo uma heterogeneidade mostrada, marcada linguisticamente, e uma heterogeneidade constitutiva, não marcada em superfície, sempre implícita. Na concepção do autor a enunciação funciona como um dispositivo constitutivo de produção de sentidos, em que cada enunciado supõe umas relações com outras enunciações, reais ou virtuais, relacionando, assim, a intertextualidade com as teorias enunciativas.

Ao tratar do discurso, Maingueneau (1987) postula que a heterogeneidade se configura nas manifestações implícitas, que podem ser recuperadas, a partir de várias fontes de enunciação. Dessa forma, a intertextualidade se manifesta como um tipo de citação que uma formação discursiva determina como legítima, através de sua prática social. Maingueneau diferencia a intertextualidade da interdiscursividade. Segundo o autor a intertextualidade é tratada e manifesta-se por meio de intertextos e a interdiscursividade, na relação aos interdiscursos.

Segundo van Dijk (1992) essas atitudes do sujeito tomam formas a partir de influências exercidas por grupos que controlam ações de outros grupos e que podem certamente resultar em posicionamentos e intensificar os discursos tomados pelos sujeitos sociais na construção de suas identidades.

Segundo T. A. Van Dijk (1983), podemos dizer que texto é uma unidade teoricamente construída e não somente uma sequência de frases disponibilizadas linearmente; é uma unidade linguística pertencente ao homem e desenvolvida por ele na medida em que adquire experiência social. O texto, tanto produção (enunciação) quanto a reconstrução (leitura e compreensão) é uma atividade social, com cargas sociais, históricas e ideológicas nele inseridas.

Segundo Koch (2002),

Textos são resultados da atividade verbal de indivíduos socialmente atuantes, na qual estes coordenam suas ações no intuito de alcançar um fim social, de conformidade com as condições sob as quais a atividade verbal se realiza. É uma sequência hierarquicamente organizada de atividades realizadas pelos interlocutores.

Segundo os PCN, o texto deve ser analisado diante de uma perspectiva social e cultural, porque é pela língua que as formas sociais arbitrárias de visão e divisão de mundo são incorporadas e utilizadas como instrumentos de conhecimento e comunicação. De acordo com o documento pode-se concluir que:

O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem é visto como um texto que constrói textos (PCN MEC, 1999:38).

De acordo com o documento, por meio da linguagem pode-se traduzir todas as experiências do ser humano na esfera do social, sendo que não são uniformes. Ela é constructo e construtora do social e gera a sociabilidade. Os sentidos e significados gerados na interação social produzem uma linguagem que, apesar de utilizar uma mesma língua, varia na produção e na interpretação (PCN, 1994:41).

Segundo os PCN é através do texto que o usuário da língua desenvolve a sua capacidade de organizar o pensamento/conhecimento e de transmitir ideias, informações e opiniões em situações comunicativas, pois só aprende uma língua produzindo textos e discursos.

É importante salientarmos que um texto é o resultado de outros textos, é a soma do que já se produziu em um determinado tempo e lugar na historia das relações e produções humanas. Isso significa dizer que não são “puros”, que todo texto tem por natureza um recorte de outro texto, ou seja, ele sempre mantém um diálogo com outros textos.

Quando se diz algo num texto, é dito em resposta a outro algo que já foi dito em outros textos. Assim, sabemos que sempre vai haver uma relação de um texto com outros textos, seja ele de natureza oral ou escrita.

A proposta dos PCN, assegura que há uma diversidade de vozes em um mesmo texto e que a linguagem é de natureza dialógica e só podemos analisá-la em funcionamento. Fica claro nos PCN que a linguagem agrega valores sociais que refletem significados sociais, as paixões escondidas nas palavras, as relações de autoridade, o dialogismo entre textos e o diálogo fazem o cenário no qual a língua assume o papel principal.

Relacionar texto e discurso significa tratar de forma significativa dos limites e convergências entre as marcas textuais e discursivas, explorando mecanismos operadores de intertextualidade e de interdiscursividade, além de se considerar o textual como instância de organização do pensamento e o discursivo como instância de produção de sentido, ou seja, um processo interacional.

Seguindo a linha de raciocínio de Fiorin (2006), o texto não deve ser entendido como um amontoado de frases com significados autônomos. Os significados das partes de um texto não podem ser considerados de forma isolada e sim, dentro de correlações que vão se articulando internamente para criar uma trama de sentido. Para o autor "Todo texto contém um pronunciamento dentro de um debate de escala mais ampla".

2.2 Uma Noção de Texto e Discurso em Maingueneau

Os estudos de Maingueneau contemplados pela AD tratam da noção de texto considerando sua inseparabilidade dos contextos sociais em que estão inseridos, sobretudo, do seu caráter de produção e circulação na sociedade. Segundo o autor o texto é uma produção verbal que está atrelada a uma unidade de sentido e corresponde

às necessidades do homem na sociedade, ou seja, serve necessariamente a funções sociais diversas de acordo com o uso que se faz dele.

Maingueneau afirma que todo o texto pertence a uma categoria de discurso, denominada também de gênero do discurso. Para o autor, os gêneros do discurso são formas de expressão que correspondem a um tipo de mensagem que possui especificidade ligada ao contexto ao qual está se dirigindo. Ao analisarmos um texto como compondo uma cena de enunciação percebemos, além disso, uma série de outros elementos que são responsáveis pelo processo de significação.

A própria noção de texto parece ambígua: ela pode ser tomada somente como o correlato de um gênero de discurso, caso em que não implica que um texto seja constituído de várias frases. Mas ela pode também ser entendida segundo sua etimologia e seu uso corrente: um texto é constituído de várias frases, e pode-se analisá-lo em termos de “coerência” e de “coesão”. Essa dupla concepção do texto encontra um correspondente nas duas grandes tendências da linguística textual: uma em que o texto é um todo referido a práticas discursivas, outra em que é o espaço de um trabalho cognitivo de construção de ligações entre as sequências (MAINGUENEAU, 2010:10).

A noção de texto e de discurso é necessária para o entendimento do processo de reconstrução social. Discurso é uma prática social definida pelo papel representado pelos participantes em suas funções e ações de forma a construir formas diferentes de tratar de um mesmo tema.

Como afirma Maingueneau:

O discurso se concretiza no texto, mas se diferencia dele na medida em que ultrapassa seus limites. O texto é o conjunto de regras organizadas e) estruturadas segundo as normas da Língua, a linguagem em repouso, permitindo diferentes interpretações. O discurso é a idéia do enunciador emanada do e pelo texto, lançada em direção ao enuncitário, permitindo a ele relacioná-la a um determinado momento ou acontecimento e constituindo um sentido. Concordamos com Maingueneau, que assim o define: “Etimologicamente: idéia de curso, de movimento, palavra em movimento, prática de linguagem, constituindo o homem e sua história, mediadora entre o homem e a realidade que o envolve” (MAINGUENEAU: 1997).

Na AD busca-se produzir os estudos da língua, sobretudo o seu sistema, para conhecer as unidades das proposições e, depois, aprofundar-se no âmbito do discurso que é o espaço da linguagem em funcionamento e sua articulação com o contexto social.

Para Maingueneau (1989), a linguagem é uma instituição social, e por isso a

Análise do Discurso de linha francesa é uma disciplina que se inscreve, de modo privilegiado, no espaço linguístico de modo a manter vínculos específicos com as condições sócio-históricas de produção. É importante considerar a enunciação na produção de sentidos, pois cada enunciado produzido supõe uma relação com outras enunciações.

Para se compreender o discurso deve-se levar em conta que ele é a aplicação do texto aos fatores ideológicos da sociedade; é a exteriorização das implicações históricas e ideológicas. O discurso é historicamente determinado e ideologicamente marcado, o que nos leva a pensar em interpretação, levando em consideração os elementos históricos, sociais e ideológicos tanto do produtor quanto do leitor dos enunciados discursivos.

Na concepção de Maingueneau (1997), o discurso pode ser visto como um ponto de intersecção de outros discursos, pois contém uma série de categorias comuns a todos os discursos. Segundo o autor, é pelo discurso que a linguagem se configura no contexto social, ou seja, o discurso é a linguagem em funcionamento. Todos os enfoques da

Análise do Discurso consideram indispensável a superação do limite estreito e artificial de uma frase, como campo de estudo das estruturas da linguagem.

A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, é um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar da privilegiado de manifestação da ideologia (BRANDÃO, 1995:12).

Mangueneau postula o discurso como resultado do ato comunicativo no universo do pensamento numa dinâmica que se configura com uma série de outros discursos na esfera social. Para o autor, o contexto discursivo e ideológico são responsáveis pela manifestação dos sentidos. Ainda considera que uma análise vista apenas pelo caráter linguístico seria desnecessária, mas acredita que se deva valorizar a linguagem a partir de seu grau de formalidade e de sua instância subjetiva na dimensão social. Faz-se necessário considerar a enunciação na produção de sentidos, pois cada enunciado supõe uma relação com outras enunciações reais ou virtuais de acordo com as condições sócio-históricas de produção.

Fiorin postula o seguinte:

As visões de mundo não se desvinculam da linguagem, porque a ideologia vista como algo imanente à realidade é indissociável da linguagem. As ideias e, por conseguinte, os discursos são expressão da vida real. A realidade exprime-se pelos discursos (FOIRIN: 2007:23).

Diante de uma concepção pragmática, é importante considerar as condições de produção dos enunciados, tanto no nível de significação quanto no nível de sentidos das frases. Em um texto oral propriamente dito, os recursos extralinguísticos constituem marcas importantes para o entendimento do texto no sentido de ativar o conhecimento prévio e definir o papel do leitor enquanto interlocutor diante do texto. Os aspectos de significação e de sentido são múltiplos e constituem o que se pode denominar de a problemática enunciativa.

No discurso que se realiza numa dimensão social, a noção de prática social é mais direcionada e sua função social está ligada controle dos comportamentos sociais, assim, o discurso institucionalizado é o que faz parte da cultura da família, sociedade, igreja, política, escola, governo, etc. Portanto, estabelece uma dimensão entre o discurso individual e o social. Em cada momento histórico da sociedade há uma série de conhecimentos avaliativos vistos como formas de se representar o mundo e estes discursos são transitórios, flexíveis, ideológicos.

As ideologias também estabelecem conexões entre discurso e sociedade.

Manifestam a função cognitiva do poder. Segundo van Dijk, a principal distinção entre a análise do discurso abstrato e a análise do discurso social é que este último leva o contexto em consideração, ou seja, o discurso social é descrito como tomando lugar ou sendo praticado em uma situação social. Todas as formas de conhecimento resultam de pontos de vista para socializar o mundo e ele é ideológico. Eles variam dentro do eixo social, pois as pessoas se agrupam e passam então a fazer parte do mesmo grupo social.

Dessa forma, no o contexto social ocorre automaticamente interações definidas por papéis e identidades sociais e culturais dos sujeitos que interagem em cada uma das atividade nas relações sociais.

2.3 A Primazia do Interdiscurso

Um discurso não vem ao mundo numa inocente solicitude, mas constrói-se através de um já dito em relação ao qual toma posição. Maingueneau (1976:39)

A pesquisa analisa “a construção do “ethos” pelo discurso através dos procedimentos enunciativos no gênero letra de música de Gabriel o Pensador. Faz-se uma análise de dois textos do compositor com o objetivo de encontrar no fazer discursivo a manifestação do ethos, o qual desencadeia um efeito significativo da expressão ideológica. Seguindo o estudo do ethos partiremos das ideias de Foucault (1997) para entender que uma formação discursiva se concretiza por meio de um dizer que se legitima em um determinado lugar social. Segundo o autor esse dizer é atravessado por outras formações discursivas que são legitimadas ou refutadas por essa formação discursiva gerando o interdiscurso.

Foucault afirma que:

...[não há] enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, neles se apoiando e deles se distinguindo: ele se integra sempre em um jogo enunciativo, onde tem sua participação, por ligeira e ínfima que seja. [...] Não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si, um campo de coexistências (FOUCAULT, 1986, p.114).

Deve-se, na perspectiva de Foucault (1986), reconhecer o discurso como sentido único e a busca do sentido último fazendo um exercício árduo com o próprio discurso, identificando a verdade que o próprio discurso coloca em funcionamento.

...gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. (...) não mais tratar os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os tornam irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse "mais" que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever (FOUCAULT, 1986, p.56).

Quando trata da relação entre o Eu e o Outro, nos discursos, Foucault parte da dimensão de um espaço mais amplo que se configura por noção de dispersão e não apenas da esfera individual dos sujeitos. Para o autor a heterogeneidade discursiva está diretamente ligada a essa dispersão, considerando que os discursos sempre se originam ora de um lugar ora de outro, se constituindo dessa forma num discurso de fronteiras

O Primado do interdiscurso se engloba no quadro teórico que se baseia nas propostas de análises de Maingueneau (2005: p.22), direcionadas pelo dinamismo da significância de planos discursivos construídos nos textos, como a intertextualidade, vocabulário, o código linguageiro, os temas e suas relações, a dêixis enunciativa, o estatuto do enunciador e do destinatário, organizando-se por um conjunto de regras, semântica global, definindo assim a construção dos sentidos.

Dentro da proposta de uma semântica global, analisamos duas letras do compositor Gabriel O Pensador sob a primazia do interdiscurso, focalizando a heterogeneidade constitutiva, sob a ótica de planos discursivos.

A AD, em seus estudos, oferece subsídios para uma análise da construção do sentido no texto e sua articulação com as condições de produção. Apresenta pressupostos que possibilitam compreender e explicar as relações de sentido construídas no texto, sua relação com a história e o contexto social que o envolve

(MAINGUENEAU, 1997:53).

Para a AD a língua é relativamente autônoma, mas os sentidos se configuram pelo discurso. Os processos discursivos legitimam nossos dizeres articulando-os para que os sentidos sejam compreendidos historicamente como práticas discursivas sociais instituídas.

Na concepção de (Orlandi, 2003: p.32), as palavras não são nossas, elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa, nas nossas palavras, ou seja, construímos discursos articulados com outros discursos e estes sempre estão costurados por relação sócio-histórica.

Maingueneau (1997) considera ainda, a primazia do interdiscurso sobre o discurso, por considerar que uma formação discursiva não pode ser compreendida como um bloco fechado e compacto. Para o autor ela pode ser definida a partir de uma relação com o Outro. Disso decorre a concepção de heterogeneidade, segundo a qual a linguagem não é evidente, transparente de sentido produzido por um sujeito uno, homogêneo, mas por um sujeito que divide o espaço discursivo com outro.

Maingueneau (2008:32) em o "Primado do Interdiscurso" valoriza a heterogeneidade através de uma visão do interdiscurso como anterior e constitutivo do discurso. O autor postula que os discursos não existem previamente, sendo depois colocados em relação - de aliança ou polêmica, por exemplo - com outros, eles nascem justamente nas brechas dessa rede interdiscursiva. Ainda a partir dessa concepção retoma e legitima o conceito de Authier-Revuz sobre a heterogeneidade construída na visão de Bakthin.

Segundo Authier-Revuz (2000), a heterogeneidades discursivas, tem papel fundamental para as questões em análise. Apresenta dois conceitos, a heterogeneidade mostrada e a constitutiva, cuja distinção é central na definição de interdiscurso.

Segundo a autora, Tais conceitos opõem duas maneiras de apresentar ou descrever a presença do Outro no discurso. É, pois, uma proposta que visa explicar esta presença inevitável de elementos que vêm de um lugar externo à enunciação – o interdiscurso – onde enunciados de diversas formações discursivas compartilham, não pacificamente, os espaços discursivos, mas sempre em uma relação de dependência.

Maingueneau apresenta os conceitos de universo, campo e espaço discursivo, sendo o último estabelecido pelo analista através de conhecimento do campo e hipóteses de pesquisa que serão confirmadas ou infirmadas na análise. O autor postula que o espaço discursivo polêmico entre duas formações discursivas é privilegiado para a constituição de um corpus, postulação que o autor explica posteriormente. Talvez se possa fazer uma ressalva ao conceito de espaço discursivo como necessariamente recortado através da polêmica entre duas formações discursivas, uma vez que nem sempre essa relação é tão claramente delineada e relevante para o objeto estudado quanto o é para o humanismo devoto e o jansenismo.

Maingueneau (1984), ressalta serem os espaços discursivos recortes discursivos que o analista isola no interior de um campo discursivo, tendo em vista propósitos específicos de análise. Para fazer esses recortes é necessário um conhecimento e um saber histórico para que as análises sejam realizadas.

Mas apesar dessa ressalva é importante ficar claro que Maingueneau, embora se dedique detidamente às relações polêmicas, não reduz o interdiscurso a elas, conforme uma leitura da conceituação de campo discursivo pode esclarecer: Para o autor campo discursivo é um conjunto de formações discursivas que se encontram em concorrência, delimitam-se reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo.

'Concorrência' deve ser entendida da maneira mais ampla; inclui tanto o confronto aberto quanto a aliança, a neutralidade aparente etc... (MAINGUENEAU, 2008:34).

Quando discorre sobre universo discursivo, Maingueneau (2008:33) diz tratar da totalidade das formações discursivas que coexistem em uma determinada conjuntura.

Afirma ser um conjunto finito, mas que não pode ser apreendido em sua totalidade. No entanto, para o autor, é a partir de um dado universo discursivo que é possível “recortar” e “delimitar” campos discursivos. Para o analista do discurso, os universos discursivos não possuem muita funcionalidade, sendo apenas o lugar de onde serão depreendidos os campos discursivos. Estes, por sua vez, são descritos como “um conjunto de formações discursivas que se encontram em concorrência, delimitam-se reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo”.

Na concepção de Maingueneau, são as formações discursivas que concorrem entre si para fornecer as “regras” de preenchimento de certa função social. Falam da

“mesma coisa” embora haja divergência sobre o modo pelo qual ela deve ser preenchida, maneiras que podem ser oposição, de neutralidade, subordinação, desigualdade, dependência, polêmica, contradição. No entanto, é importante sempre estar plenamente atento para o fato de que tais espaços não são de forma alguma sistemas fechados em si; não definem “zonas insulares”. São “apenas uma abstração necessária que deve permitir abrir múltiplas redes de trocas” (MAINGUENEAU, 2008:

34).

Considerando que o campo discursivo é o lugar de constituição dos discursos, é importante esclarecer que os discursos que “co-habitam” um determinado campo não se relacionam da mesma maneira. Existe uma hierarquia, que estabelece lugares privilegiados para certos discursos, enquanto outros ocupam lugares de subordinação.

Segundo Maingueneau (2008:34)

É no interior do campo discursivo que se constitui um discurso e fazemos hipótese de que essa constituição pode deixar-se descrever em termos de operações regulares sobre formações discursivas já existentes. O que não significa, entretanto, que um discurso se constitua da mesma forma com todos os discursos desse campo; e isso em razão de sua evidente heterogeneidade: uma hierarquia instável opõe discursos dominantes e dominados e todos eles se situam necessariamente no mesmo plano. Não é possível, pois, determinar a priori as modalidades das relações entre as diversas formações discursivas de um campo.

Para Maingueneau (2008:35), há subconjuntos de formações discursivas que se relacionam dentro dos espaços discursivos e faz com que o analista delimite as redes de relações baseadas em hipóteses sobre domínios de textos e um saber histórico que serão legitimados ou negados pelo pesquisador no decorrer de sua pesquisa. Portanto, fica claro fica que dentro desses espaços discursivos encontramos um grupo de formações discursivas que se relacionam.

Dessa forma a presença do Outro não deve ser pensada necessariamente, uma marca fechada que o delimite como sendo o não-eu do discurso, como nos casos de heterogeneidade mostrada. Não é necessária uma marca visível da alteridade dos discursos para que ela esteja de fato lá: “encontra-se na raiz de um mesmo sempre já descentrado em relação a si próprio, que não é em momento algum passível de ser considerado sob a figura de uma plenitude autônoma” (MAINGUENEAU, 2008: 37).

Maingueneau (1997) postula que a primazia do interdiscurso sobre o discurso, por considerar que uma formação discursiva não pode ser compreendida como um bloco fechado e compacto, mas pode ser definida a partir de uma relação com o Outro.

Segundo Maingueneau (2008:37), o que temos é um “caráter essencialmente dialógico de todo enunciado do discurso”, a impossibilidade de dissociar a interação dos discursos, havendo uma imbricação insolúvel do Mesmo e o Outro. Os enunciados são, assim, fruto dessa relação indissociável, dialógica. Assim, as formações discursivas legitimam os dizeres dos sujeitos, de acordo com essas regras e atribuem, pois, ao Outro

“a zona do interdito, isto é, do dizível errado. (...) o Outro circunscreve, pois, justamente, o dizível insuportável sobre cujo interdito se constituiu o discurso”

Maingueneau propõe que é necessário levar em conta os fundamentos semânticos dos discursos e como os discursos se fundam na relação interdiscursiva, construindo-se um sistema no qual “a definição da rede semântica, que circunscreve a especificidade de um discurso coincide com a definição das relações desse discurso com seu “outro”.

Segundo Bakhtin, (1997, p.268) a palavra traz marcas culturais, sociais e históricas, o que faz com que seja vista como característica essencial da linguagem.

Portanto, segundo o autor, seu caráter dialógico e polissêmico é responsável pela ligação existente entre a linguagem e a vida.

O autor ainda assegura que:

Nosso discurso em todos os campos da vida e da criação dialógica é cheio de palavras do outro, transmitidas com vários graus de exatidão e imparcialidade. Quanto mais intensa e diferenciada é a vida social da coletividade falante, tanto maior peso recebe a palavra do outro, como objeto de transmissão, interpretação, discurso, desenvolvimento ulterior etc. (BAKHTIN, 1979:145).

Os textos selecionados para a constituição do corpus e inseridos na presente pesquisa também convocam alguns discursos procedentes de outras formações discursivas – o interdiscurso - como, por exemplo: o discurso político, o discurso científico, o discurso jurídico, o discurso pedagógico, o literário, o discurso institucional, o policial, discurso institucional, o discurso do poder e etc. Todos eles afirmam a credibilidade dos textos, legitimando-os como verdades.

2.4 O Discurso Literário

O discurso literário é um gênero discursivo, portanto, textos como poemas, tipos de narrativas, relatos e músicas são tipos de textos. Textos dessa natureza são considerados tipos de enunciados, portanto possuem suas próprias circunstâncias de enunciação. Uma composição musical pode ser considerada um discurso, na medida em que é um ato de fala relativamente autônomo, pois, está inserido em uma instância social como objeto cultural e dessa forma comunica um determinado conteúdo. Essa comunicação em si representa uma cadeia de signos que representam significantes e significados que estão relacionados e articulados com um certo sentido: a função e o conteúdo comunicacional.

Segundo Maingueneau, desde os anos 1990, o desenvolvimento “de uma análise do discurso literário”, que se assumiu como tal, não se deu sem suscitar dificuldades epistemológicas e institucionais. De um lado, é preciso se interrogar sobre quais de seus pressupostos, conceitos e métodos alteram a nossa apreensão da literatura; “de minha parte, esforcei--me em tentar demonstrar tais questionamentos em diferentes trabalhos.

Por outro lado, é necessário também interrogar-se em que medida a emergência de uma análise do discurso literário traz repercussões sobre a própria teoria da análise do discurso.”

Todo discurso é passível de segmentação através das unidades mínimas materiais de significação e de interpretação que são as frases, nelas se desencadeiam o caráter de discursividade que se configuram através dos signos lingüísticos e que se organizam, segundo o pensamento, no ato comunicativo. Não há discurso imune à participação significativa do outro. A fim de entendermos como se manifestam as vozes discursivas dentro do contorno evidenciado, analisamos algumas composições musicais de Gabriel “O Pensador” uma vez que seus textos oferecem evidências de elementos constitutivos e significativos da Análise do Discurso.

Maingueneau (2006) postula que o discurso se produz como manifestação de sentido resultante da inserção do ato de comunicação no universo do pensamento que o engloba e o transporta para um sistema de relações com outras manifestações do mesmo universo. Segundo o autor, essas manifestações, ou seja, outros discursos, outros textos e frases, além do contexto discursivo e ideológico é que facilitam a geração de sentidos, direcionam para uma leitura dos elementos subjacentes ou implícitos para a identificação de um sentido global.

É importante que se compreenda as considerações feitas a partir da materialidade lingüística apresentada, faz-se pertinente sublinhar o conceito de discurso. O discurso, objeto de estudo da ciência em questão, é um sentido que mantém circulações de sentido com a historicidade do locutor, a História e seu lugar no mundo; possui como suporte de materialização a língua, no dizer de Possenti (2008).

2.5 As condições de Análise do Discurso Literário

Maingueneau em um de seus trabalhos (2006) apresenta algumas formas de definir o discurso e os meios discursivos de sua constituição. Seu trabalho aponta novos rumos de análise e interpretação voltados para as pesquisas atuais em análise do discurso literário e, sobretudo os discursos produzidos pelas diversas instituições, os quais podem ser vistos sob diversas perspectivas. Sintetizaremos algumas contribuições elencadas pelo autor.

Segundo Maingueneau (2006), a própria noção de discurso literário é problemática, ainda soa ambíguo, pois está ligado a um estatuto pragmático e por outro lado faz parte de épocas e sociedades muito diferentes. Para o autor é pertinente fazer uma distinção entre discurso literário e discursividade literária, embora acredite que é mais importante se ter plena consciência desse duplo estatuto, pois ambos estão atrelados às diversas pesquisas e abordagens no campo das ciências humanas e sociais.

O autor faz um percurso que norteia um estudo do discurso literário, ou seja, o lugar de reflexão entre um texto literário e seu contexto histórico de produção.

Segundo o autor, por meio dos pressupostos que se relacionam à cultura ocidental, pode-se angariar alguns referentes que apontam para uma análise que se inicia com a filologia e sua importante contribuição com a crítica textual. Seu estudo permitiu uma análise de textos de diversas naturezas os quais eram vistos em uma perspectiva de seu contexto histórico com o objetivo de resgatar identidades construídas por civilizações perdidas e à literatura. Apesar do crescimento da linguística a filologia não se enfraqueceu, mas a linguística se recusava a privilegiar os textos literários, objetos de análise dos filólogos. Embora, essa concentração nos textos literários tenha sida favorecida segundo o autor pelas ciências sociais e da própria linguística.

Na concepção do autor, o interesse pelo estudo do texto literário é responsabilidade das Faculdades de Letras que valorizavam o ensino baseado em estudos de textos antigos e medievais. O estudo era feito a partir do objetivo de facilitar o acesso do texto a um leitor contemporâneo. Apesar de esse avanço ser importante na

época, configurou-se questionamentos sobre a verdadeira identidade da produção de textos literários e de que maneira um texto pode ou não refletir sua época. Como já dito anteriormente, a filologia exprime uma dada sociedade, mas o crescimento e o avanço das pesquisas podem dispensá-la sobre o seu modo de expressão. Mas por ser uma disciplina reservada às Faculdades de Letras, acaba sendo objeto de pesquisas interessantíssimas fazendo relações acerca desse espaço literário como produto de um determinado tempo e de sua condição de produção por determinado autor.

Na França, a filologia reduziu-se a uma disciplina de análise de textos antigos e medievais, embora seu objeto sejam obras modernas. Já no mundo germânico mantinha uma estreita relação com a hermenêutica, pois alimentavam uma ambição maior devido ao grande prestígio das universidades.

Segundo Leo Spitizer (1996, apud Maingueneau, 2006:19) deve-se partir dos detalhes linguísticos do mais ínfimo organismo artístico para buscar o espírito e a natureza de um grande escritor e de sua época. “Cada obra constitui um universo fechado, incomensurável em relação ao outro, no qual se processa uma dupla reconciliação: entre a consciência do autor e o mundo, mas também entre a extrema subjetividade do autor e sua época, seu povo, sua civilização (MAINGUENEAU,

2006:19).

Segundo Maingueneau a história literária dirige seus esforços para o contexto de criação enquanto que a hermenêutica filológica de spitzeriana vai do texto para atingir a visão de mundo do autor e recuperar o espírito da época da qual faz parte. A estilística orgânica dessa forma, corresponde à representação que os próprios escritores têm da literatura, seguindo-se o romantismo.

Sob a concepção de Maingueneau, quando por uma abordagem marxista as obras devem ser lidas a partir de um enfoque ideológico. Segundo Goldmann (1959, apud Maingueneau, 2006:21), “Toda grande obra literária ou artística é a expressão de uma visão de mundo. Essa última é um fenômeno de consciência coletiva que atinge máximo de clareza conceitual ou sensível na consciência do pensador ou do poeta.

Estes, por sua vez, a exprimem na obra estudada pelo historiador, que se serve do instrumento conceitual que é a visão de mundo.” Para Goldmann o marxismo reúne a integração do pensamento dos indivíduos às suas relações sociais, o fundamento positivo e o científico ao conceito de visão de mundo, visão esta que alcança coerência total através de importantes obras literárias.

A visão marxista ainda busca na AD, linha que se divide entre a Psicanálise que privilegia a inconsistência das obras e outra que mostram como foco a dimensão institucional da produção literária. Outros autores como Pierre Machery argumenta sobre a relação entre obra e visão de mundo configurando-se que por um lado ela é o lugar onde se manifestam contradições ideológicas. Balzac em os Camponeses mostra que há contradição entre a ideologia que o texto defende e a força crítica desse texto em relação à mesma ideologia.

Com o nascimento da nova crítica aflora-se a divergência que marca o distanciamento da criação literária das ciências humanas. Não há uma diversidade aparente, pois suas relações eram de grande complexidade. As abordagens marxistas e psicanalíticas apontam a oposição do estruturalismo às outras correntes, o estruturalismo e o marxismo se opunham às críticas temáticas, existencialistas e psicanalíticas centradas na consciência do criador. Percebe-se segundo Maingueneau que a corrente marxista era dividida de acordo com Goldmann e Althusser. Na França havia a divergência entre os estetas e criadores em relação aos filólogos universitários que mantinham uma grande preocupação com os documentos.

A crítica temática passa a fazer parte da nova crítica e segundo Maingueneau está implicada em toda análise de uma obra como “visão de mundo” pois é coextensivo

à concepção romântica de estilo, sua pertinência se restringe de fato a um conjunto limitado de escritores, essencialmente os dos séculos XIX e XX que partilham os mesmos pressupostos do analista. Com a nova crítica, a história literária se configura como importante, o estruturalismo literário se apóia em outro aspecto da estética romântica o que faz dessa forma configurar as obras literárias nos processos enunciativos e nas práticas discursivas de uma sociedade.

Seguindo a concepção dos formalistas russos e do domínio do pensamento europeu tornou-se fácil compreender a compatibilidade entre as abordagens temáticas e o formalismo nos 1960 e 1970. Houve uma virada radical que facilitou a mudança no pensamento intelectual de estudantes universitários e pesquisadores. O estruturalismo literário que pregava uma forte ruptura com as propostas anteriores não se destacou tanto diante das abordagens críticas da época no campo sociológico que serviu de inspiração da estética romântica do século XIX.

A nova crítica e a linguística nada tinha de problemáticas pelo menos até os anos

1960. Para os trabalhos com o texto recorriam aos conhecimentos das gramáticas históricas enquanto que os estudiosos do estilo recorriam às terminologias das gramáticas descritivas elementares. Havia na época um interesse do estruturalismo literário, o qual se desenvolveu num contexto intelectual dominado pelo marxismo em apoiar-se na lingüística com o objetivo de criar uma ciência do texto literário.

Assim, o estruturalismo que submergiu os estudos literários apoiava-se na lingüística estrutural já pertencente ao passado. Logo depois, as ciências da linguagem seguiam uma orientação que se afastava das bases da abordagem estruturalista do texto literário, o estruturalismo criara então condições de renovação questionando, dessa forma, sobre a natureza e a forma de organização dos textos.

Bakhtin se alia às tentativas de renovação, pois se integra às suas reflexões e pretendia ultrapassar a oposição entre o que se chamava de “formalismo estrito” e “o ideologismo” dos pseudo-sociólogos que objetivavam projetar qualquer elemento estrutural da obra literária. Seus estudos apontam caminhos e reflexões acerca do texto literário sobretudo sobre a intertextualidade que se integra aos estudos desenvolvidos a partir dos anos 60. Desses estudos postula-se um cruzamento de obras configurando-se entre os estudos do interdiscurso sobre o discurso considerando-se segundo

Maingueneau as obras como produto de um trabalho no intertexto.

O desenvolvimento que marca uma oposição entre a história literária e a análise textual se desenvolve amplamente na AD, considerando que a AD não se aplica a análise de textos comuns o que ocorre com as faculdades de Letras. Na perspectiva da

AD, as ciências da linguagem intervêm de duas maneiras: Constitui-se um verdadeiro instrumento de investigação e o recurso à lingüística não é mero uso de ferramentas elementares, parte-se então para um campo de interpretações que agrega uma diversidade de pesquisas que contemplam de gêneros do discurso a compreensão do fato literário.

Segundo Maingueneau (2006), quando se fala em noção de discurso retoma-se a valores clássicos em linguística e por outro lado de uma acepção de língua. Já quando de trata de discurso literário promove-se algumas convergências de idéias-força que imprimem uma dada inflexão a nossa abordagem da literatura. No campo da lingüística

“discurso entra em diversas oposições:

a) Pode designar uma unidade linguística constituída por uma sucessão de frases.

b) Pode opor-se à “língua”, considera sistema de valores virtuais.

c) Aproxima-se da “enunciação”: língua assumida pelo homem que fala, e na condição de intersubjetividade que constitui o fundamento da comunicação linguística.

d) Pode ser considerado um uso restrito do sistema (“discurso comunista”,

“discurso científico”...), opõe-se à “língua”, definida como sistema partilhado pelos membros de uma comunidade linguística.

Dessas ideias-força, algumas interessam diretamente ao estudo do fato literário:

1. O discurso supõe uma organização transfrástica.

2. O discurso é uma forma de ação.

3. O discurso é interativo.

4. O discurso é orientado.

5. O discurso é contextualizado.

6. O discurso é assumido por um sujeito. 7. O discurso é regido por normas.

8. O discurso é considerado no âmbito do interdiscurso.

Assim, o discurso se constitui levando-se em conta as condições de enunciação, os papéis vinculados com os gêneros, a relação com o destinatário etc. O discurso não se encerrra na interioridade de uma intenção, mas de uma legitimação do próprio espaço de sua enunciação.

2.6 A Instituição Discursiva

Maingueneau discorre sobre duas problemáticas como a sociologia dos campos de Bourdieu e a arqueologia de Foucault. Limita-se a discutir a problemática de

Bourdieu hoje amplamente disseminada, mas destaca algumas divergências entre as duas abordagens. Bordieu reflete sobre a questão considerando o fato de o campo literário seguir regras próprias. Para o autor, é preciso estabelecer relações entre os espaços das obras concebidos como um campo de tomadas de posição que só podem ser entendidas em termos relacionais, semelhantes a um sistemas de fonemas, ou seja, como sistema de afastamentos diferenciais, e o espaço das escolas e dos autores, concebido como sistema de posições no campo de produção.

Segundo Maingueneau (2006:47),

Tal como a análise do discurso literário, a sociologia do campo literário não é uma disciplina concebida para a literatura: ela não passa de um dos domínios da Sociologia. Tal como a análise dos discursos, ela introduz mediações de ordem institucionais: ao lado “eu criador” (Proust), suporte de “uma visão de mundo” singular, ela atribui um papel crucial ao “escritor”, ao ator que se posiciona num campo tentando modificá-lo em seu próprio benefício.

Percebe-se na concepção do autor que há uma dificuldade de inserção da sociologia do campo literário nos empreendimentos tradicionais das faculdades de

Letras, pois tendem a um conflito com os defensores das humanidades tradicionais a denunciar sua negação interessada da inscrição social da produção literária. Além disso, o incitamento dos praticantes da sociologia do campo literário a atenuar a radicalidade da proposta de Bourdieu ao afirmar que ela não passa de uma leitura entre outras.

Segundo Maingueneau, por um lado evita-se um conflito, mas ao mesmo tempo deixa de renunciar algo essencial: a sociologia do campo não pode ser apenas uma “leitura” entre outras, não é só um empreendimento que está na base das representações dominantes da literatura, nem das avaliações e comentários de obras como também uma teoria geral da produção simbólica.

Com Foucault a situação é diferente, pois a noção de discurso está no centro de seu dispositivo conceitual. De acordo com Maingueneau ele nunca se disse fundador de uma disciplina a não ser de maneira irônica. Mas há algumas ideias-força elaboradas pela Arqueologia que são consideradas importantes.

[...] Desejo mostrar que o discurso não é uma ínfima superfície de contato, ou de enfrentamento, entre uma realidade e uma língua, a imbricação de um léxico e de uma experiência; desejo mostrar, com exemplos precisos, que, ao analisar os próprios discursos, vemos desvelar-se o estreito vínculo aparentemente tão forte das palavras e das coisas, e se manifestar um conjunto de regras próprias à prática discursiva [...]. Essa tarefa consiste em não – não mais – tratar os discursos como conjuntos de signos (de elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que constituem sistematicamente os objetos de que falam (FOUCAULT, 1969 apud MAINGUENEAU, 2006: 51).

Sua obra é considerada desconcertante, seu corpus advém de As palavras e as coisas, além de impor á própria teoria uma dada inflexão; analisa tipos de textos para os quais a materialidade linguística e textual parece, erroneamente por outro lado, mais facilmente negligenciável do que outros. Apesar de falar de discurso e enunciação

Foucault manipula elementos que se situam num nível de algum modo pré-linguístico e pré-textual. Foucault recusa na verdade toda contribuição da lingüística, reduzida a uma ciência da “língua”, no sentido saussuriano, ou da “competência”, no sentido chomskyano. Portanto, isso se opõe à análise do discurso, que, para realizar a

“refundação” desejada por Foucault, postula pelo contrário a necessidade de se apoiar nas ciências da linguagem.

A partir de da visão de sociologia do campo e da proposta de Foucault analisamos em termos de instituição discursiva a noção de instituição literária amplamente designada de acordo com o conjunto de quadros sociais representativos da atividade dita literária como parte do universo que compõem e legitima toda e qualquer produção literária. O conceito de instituição literária segundo Maingueneau permite acentuar as complexas mediações nos termos das quais a literatura é instituída como prática relativamente autônoma.

Podemos entender que obra e escritor, escritor e obra estão intrinsecamente ligados por um complexo institucional de práticas e, além disso, deve atribuir tudo isso

à instituição discursiva. Dessa forma, as condições enunciativas e suas estruturas é que definem o produto discursivo, ou seja, a relação “instituição” e “discursiva” estão atreladas através das instituições de fala que são os gêneros do discurso que por sua vez se ligam ao contrato de encenação, tornando possível a partir daí a reconfiguração da instituição literária.

O conceito de instituição discursiva é de certo modo o pivô desse movimento, movimento pelo qual passam de uma para outra, a fim de se alicerçar mutuamente, a obra e suas condições de enunciação. Abordagens dessa natureza que aliavam as relações discursivas às condições sociais de sua produção já eram contempladas pelo marxismo dos 1960-1970, pois buscavam explicar os processos de produção dos discursos e as determinantes sociais, ideológicas e históricas. Ao contrário da hermenêutica que privilegiava a leitura, mas ambas consideravam o texto uma expressão. A hermenêutica por sua vez buscava o sentido, além da obra, o que lhe conferia consciência criadora, tradição, temperamento dos povos ou arraigamento da língua numa nação.

2.7 O Gênero do Discurso

Para Bakhtin (2000), que teve grande influência no cenário dos estudos da linguagem, os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados que se elaboram no interior de cada esfera da atividade humana. A noção de gênero na concepção bakhtiniana era uma crítica ao que se desenvolvia nos estudos formalistas que viam o gênero definidos por uma visão simplesmente mecânica para descrição de aspectos literários em uma obra.

Os gêneros do discurso constituem-se, portanto, como repertórios de uso da linguagem, atualizados a cada nova enunciação. As reflexões do autor acerca da linguagem apontam uma visão de enunciado através de uma perspectiva social e dinâmica conferindo o caráter dialógico que se dá na e pela linguagem de acordo com as necessidades sociais de interação. Essa definição pressupõe a relação dialógica que

Bakhtin propõe para a utilização da língua e aponta para a historicidade dos gêneros, bem como para a flexibilidade de suas características e fronteiras. O fenômeno dialógico conferido à linguagem pressupõe a dinamicidade dos gêneros diante das necessidades sociais.

Segundo Bakhtin (2000:279),

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

É importante salientar que na perspectiva em análise, quando tratada com base na teoria de “ethos” se atrela à dinamicidade da língua em uso que corresponde a uma possibilidade de inserção de novos gêneros levando-se em conta que cada enunciado pode constituir um gênero atingindo um certo grau de estabilidade. Esta é definida através de três elementos: o conteúdo temático, o estilo e a estrutura composicional.

O gênero discursivo na perspectiva de Bakhtin é abordado na presente análise de letras de música com o objetivo de reforçar sua contribuição para as interações comunicativas. Consideramos que o autor postula que o gênero é uma categoria que se liga às relações sociais e históricas do indivíduo na sociedade, além de reconhecer não apenas os traços textuais e as marcas linguísticas, mas ao discurso e ao próprio sujeito construído na sociedade e às suas relações e condições de produzir sentido aos enunciados.

2.7.1 A Noção de Gênero: Bakthin e Maingueneau

Para Bakhtin (2000, p.35), os gêneros dividem-se em primários e secundários ligados respectivamente à vida cotidiana, estão configurados ao uso da linguagem e correspondem às situações de fala dos interlocutores na sociedade, além de apresentarem uma variedade infinita. Segundo o autor, “comunicamos fatos que achamos interessantes ou que são íntimos; interagimos de diversas maneiras e utilizamos os mais variados suportes possíveis por necessidades momentâneas ligadas diretamente aos contextos de uso.

Bakhtin (1992ª, p. 40), postula que “a linguagem permeia toda a vida social e preenche nela um papel central na formação sociopolítica e nos sistemas ideológicos. O autor argumenta que a linguagem é de natureza sócio-ideológica, e tudo que é ideológico, possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo”, sendo a ideologia um reflexo das estruturas sociais. Entre linguagem e sociedade existem relações dinâmicas e complexas que se materializam nos discursos, ou melhor, nos gêneros do discurso.

Além disso, (Bakhtin, 1922b:279) ressalta que todas as atividades humanas estão relacionadas à utilização da língua e, portanto, não é de admirar que tenhamos tanta diversidade nesse uso e, consequentemente, uma variedade de gêneros que se afiguram incalculáveis. Para o autor, toda essa atividade “efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou outra esfera da atividade humana

Já os gêneros secundários se estruturam em um suporte de esferas institucionalizadas socialmente, pois fazem parte de domínios cristalizados por carregarem uma carga ideológica e situarem em lugar de comunicação legitimados pela sociedade como o discurso científico, o romance, as obras de cunho político e ideológico e etc.

Para Bakthin (2000, p.281),

os gêneros primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, os gêneros textuais são vistos como objeto de ensino. No documento eles são divididos em eixos: usos de linguagem e reflexão sobre a língua e a linguagem. Portanto, na perspectiva do documento, os usos da linguagem são vistos como enfoque enunciativo, pois valoriza-se a historicidade da linguagem ; o contexto de produção dos enunciados ; a produção de textos orais e escritos ; o modo como o contexto de produção contribui para a organização do discurso. Portanto, nos PCN, considera-se o texto como unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino. Tal concepção contempla um enfoque linguístico enunciativo ancorado na teoria dos gêneros do discurso defendida por Bakhtin (2000:279-287).

De acordo com os PCNs (1998, p. 21) todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos os quais geram usos sociais que os determinam. No documento a letra é considerada um gênero textual literário de natureza escrita que envolve elementos linguísticos e que consequentemente estarão ligados a outros componentes que letimam a caracterização do gênero.

Ao compreendermos a importância do gênero entendemos ao mesmo tempo o quanto estão filiados às necessidades comunicativas vinculadas à sociedade as quais traduzem o processo discursivo produzido por alguém em qualquer instância no sentido de legitimar qualquer tipo de interação social.

Assim, Bakhtin (1992b: 285) afirma que:

[...] os enunciados e o tipo a que pertencem, ou seja, os gêneros do discurso, são as correias de transmissão que levam da história da sociedade à história da língua. Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical, gramatical) pode entrar no sistema da língua sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo-gênero.

Nessa mesma linha, Maingueneau entende que “a explicitação das condições genéricas não representa uma finalidade para a Análise do Discurso” (1997, p.37) e que

“a Análise do Discurso não tem por objeto nem a organização textual considerada em si mesma, nem a situação de comunicação, mas a imbricação de um modo de enunciação e de um lugar social determinados” (1995, p.7).

Maingueneau (2004, p. 45) concebe o gênero de discurso como

dispositivos de comunicação sócio-historicamente definidos e elaborados, [...] normalmente caracterizados por parâmetros tais como os papéis dos participantes, suas finalidades, seu médium, seu enquadramento espaço- temporal, o tipo de organização textual que eles [os gêneros] implicam...

Maingueneau concebe o gênero na articulação entre a sua forma e a situação social de sua enunciação, bem como propõe o enfoque da análise sobre as coerções genéricas, já preconizadas por Bakhtin (1992, p.302), quando, ao comparar as formas do gênero e as da língua, menciona o caráter normativo e coercitivo do gênero sobre a fala do locutor.

2.7.2 O Gênero do Discurso: Letras de Música

A letra de música é um gênero textual que faz parte de vários contextos e é apreciado por uma grande parcela da sociedade e, necessariamente, também é produzido sob determinada circunstância atendendo uma função social determinada. Ao analisarmos este gênero, estamos diante de uma relação entre literatura e música podendo assim, compreendermos as características que contemplam esse universo textual, avaliando o estilo, a construção dos enunciados, a compreensão dos mecanismos da língua como estratégias de manifestação do pensamento, a sua relação com a cultura geral, as condições que favorecem sua produção e as formas como esse gênero textual circula na sociedade.

Compreender o universo textual existente no gênero letra de música, é compreender o domínio que o homem tem da linguagem, a maneira como ele consegue apreendê-la para participar efetivamente da sociedade em situações de comunicação. O gênero letra de música tratado na pesquisa é apreciado pela cultura jovem, os que são adeptos da música pop, principalmente aquela de caráter estritamente político e social que fazem crítica às problemáticas da sociedade contemporânea.

As letras produzidas por Gabriel o Pensador são bem conhecidas, pois fazem parte do estilo de música conhecido como música pop contemporânea que se constitui por meio do estereótipo da denúncia, tornar público os problemas sociais que existem na sociedade atual, e que se apresentam como uma das principais características nas letras do compositor,

Maingueneau (1989, p.34) afirma que “cada „gênero‟ presume um contrato específico pelo ritual que define” e que esta noção é complexa, já que um texto se encontra, geralmente, na interseção de vários gêneros. É preciso considerar, além disso, que o gênero define as condições de utilização dos textos derivados dele. Segundo o autor, a identidade de um gênero só pode ser compreendida pensando a relação deste com seus outros.

Bakhtin (1992) discorre sobre o caráter social dos fatos de linguagem considerando o enunciado como produto de interação social. Assim, leva em conta as situações concretas e os contextos mais amplos que determinam as condições de vida de uma determinada comunidade linguística, a diversidade das produções de linguagem que estão relacionadas além das condições de uso da língua. Para o autor, os discursos são produzidos de acordo com a diversidade de atividades produzidas pelo homem na dinâmica da sociedade.

Na concepção do autor:

Se os gêneros do discurso não existissem e se nós não tivéssemos o seu domínio e se fosse preciso criá-los pela primeira vez em cada processo da fala, se nos fosse preciso construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria quase impossível (BAKHTIN, 1992:302).

O Gênero deve ser trabalhado de forma codificada sócio-historicamente enquanto materialidade lingüística. Na perspectiva de Bakhtin ele é toda e qualquer manifestação concreta do discurso no âmbito de uso da linguagem por um determinado sujeito.

O gênero letra de música pode ser considerado um gênero que incita a inovação revelando-se inusitado por carregar traços do sujeito autor, estando, portanto sujeito a variações.

2.7.3 Autoria e Interpretação

Para estudiosos da música, a MPB de certa forma manifesta os fenômenos que representam os sentimentos de expressão estética e os conflitos individuais e coletivos como forma de canalizar os desejos de participação espontânea no contexto social. Na

MPB segundo Sant‟Anna se verificaria os grandes debates além de ser o campo de atuação de seus intérpretes e autores. Cada autoria se reveste de um tipo de linguagem que nos leva a uma maneira de dizer, seja verdade mentira, ou seja, de caráter irônico ou não e até mesmo ambígua, apresenta a forma enigmática de representar o pensamento do brasileiro.

A AD postula que para o analista do discurso, a língua não é só um código ou instrumento de comunicação, ideologicamente neutro, nem apenas um sistema abstrato.

Não há “conteúdos ideológicos”. Há funcionamento, modo de produção de sentidos ideologicamente determinados.

Maingueneau (2005) prepõe uma noção de autoria sem radicalizações, o que nos cria a possibilidade de articular categorias que antes eram congruentes na AD. Nosso objetivo ao tratarmos da noção de autor se relaciona com o compositor de letras de crítica social, Gabriel, o Pensador, ou seja, o conteúdo de suas letras e o seu papel enquanto enunciador e o universo de sentido que suas letras conferem no momento da enunciação atingindo seus co-enunciadores.

O autor afirma que:

A noção de autor não é só questão de responsabilidade é também uma abstração empírica que também pode ser oral, ou seja, não se trata apenas da dimensão oral/escrito. Para ser considerado um autor, o sujeito enunciador deverá ter conferido as palavras a seu texto, uma marca específica que os difere dos enunciados comuns, dos ditos da vida cotidiana. A obra textual é um enunciado original, inovador, que, diferentemente das frases feitas, dos clichês, dos estereótipos, dos lugares comuns, traz uma idéia nova, inédita, jamais proferida na cultura. O autor implica a capacidade de destacar, de ter um ponto de vista original, ou seja, se você produz um texto que reproduz um ponto de vista individual, você é o autor (MAINGUENEAU: 2010).

Charaudeau & Maingueneau (2004:85) apresentam um percurso histórico do significado de autor ao longo dos anos, Vejamos:

Em francês, o termo [autor] aparece ligado à escritura e à obra. A noção de autor transforma-se durante os séculos XVII e XVIII, à medida que se constrói o “primeiro campo literário” (Viala, 1985). Inicialmente, o autor é quem responde por seus escritos, é alvo potencial da censura e por esse motivo deve assinar suas obras. Paralelamente, a essa obrigação, afirma-se a reivindicação do direito de propriedade pelos escritores sobre suas próprias obras: sabe-se que são, sobretudo, os editores que se beneficiarão quando, em 1777, as primeiras disposições jurídicas são tomadas. O debate sobre o próprio princípio dos direitos do autor será acalorado. A uma concepção de texto como pertencente a ninguém, porque concebido em uma língua, com ideias que pertencem a todos, opõe-se o princípio de um reconhecimento de texto como “obra”, produto de um trabalho, portanto, suscetível de uma apropriação e de uma remuneração.

Na concepção de Maingueneau, o texto impresso não oferece uma escrita individualizada, ao contrário, é inalterável e fechado, supõe-se um autor, mas a comunicação não é direita, de uma pessoa a outra. Possui aparentemente características simplistas, mas considerando o contexto da expressividade de marca, o texto impresso consegue constituir em si uma imagem independente. Propõe ao leitor um texto que lhe

é dirigido, mas não isolado. Não instiga resposta e lhe deixa livre para interpretação.

Podemos observar que na perspectiva da AD que a interpretação é vista em sua relação com a ideologia e esta é postulada por Orlandi (1992, p. 100), “(...) como o processo de produção do imaginário, isto é, produção de uma interpretação particular que apareceria, no entanto, como a interpretação necessária que atribui sentidos fixos às palavras, em um contexto histórico”. Há por assim dizer uma materialidade marcada pelos sujeitos através da linguagem e os sentidos constituindo-se os processos que definem na mesma linha, língua, história e ideologia. Assim, na dimensão discursiva segundo Orlandi (199, p.96) a ideologia é uma prática significativa, um mecanismo estruturante do processo de significação.

A interpretação é definida a partir da ideologia que se constrói na interação existente entre o sujeito e a língua e sua relação com o contexto. Desse modo, há um processo de definição do contexto único no qual não se configura outros sentidos. A interpretação não é livre, nasce de um processo que configura ato linguístico-discursivo- ideológico que intervém do real inscrito por um sujeito e dos enunciados produzidos por ele.

A perspectiva discursiva estabelece que os sujeitos estão condenados a interpretar, pois, diante de quaisquer objetos simbólicos, o sujeito tem a necessidade de

“dar” sentido (Orlandi, 1996). Dar sentido, segundo a autora, “(...) é construir sítios de significância (delimitar domínios), é tornar possíveis gestos de interpretação”. (Orlandi,

1996: 64). Gestos de interpretação, por seu turno, são concebidos como um ato simbólico, um ato lingüístico-discursivo, que intervém no real. Dessa forma, o espaço da interpretação, marcado pelo trabalho da história como significante, vem a ser o espaço da falha, do equívoco, do efeito metafórico, do possível”. (cf. Orlandi).

Segundo Pêcheux (1997), podemos compreender esse processo quando damos conta da relação que se configura entre as palavras e o mundo. Para o autor o direito à interpretação é sócio-historicamente definido, pois a interpretação é institucionalmente administrada levando-nos a entendermos que há uma relação entre autoria e interpretação, ou seja, uma afeta a outra. Diante disso, o sujeito pode ocupar os dois lugares para instaurar do ponto de vista da língua e do ponto de vista histórico, atribuir sentido.

Segundo Foucault (2000:35),

...a escrita de hoje se libertou do tema da expressão: só se refere a si própria, mas não se deixa porém aprisionar na forma da interioridade; identifica-se com a sua própria exterioridade manifestada. O quer dizer que a escrita é um jogo ordenado de signos que se deve menos ao seu conteúdo significativo do que a própria natureza do significante; mas também que esta regularidade da escrita está sempre a ser experimentada nos seus limites, estando ao mesmo tempo sempre em vias de ser transgredida e invertida; a escrita dobra-se como um jogo que vai infalivelmente para além das suas regras, desse modo as extravagando. Na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever, nem da fixação de um sujeito numa linguagem; é uma questão de abertura de um espaço onde o sujeito de escrita está sempre a desaparecer.

Podemos entender o sujeito embrenhado em uma dimensão sócio-histórica que compreende um autor em certo lugar, instâncias sociais, de funcionamento discursivo.

Para Foucault, historicamente os textos passaram a ter autores a partir do momento em que houve uma transgressão dos discursos. De acordo com o modo como esses discursos se expandem na esfera da sociedade e de seu caráter de funcionamento é que se constrói a figura do autor, ou seja, deixa de se atribuir segundo ele o papel individualizado de autor a apenas a função de criação de determinados textos. Segundo

Foucault, (Op. Cit., p..46), caracteriza-se autor o indivíduo que escreve textos dos quais podemos recortar e delimitarmos com o objetivo de caracterizar o lugar de autor ocupado por ele.

Na concepção de Foucault (1994, p.777), o modo de pensar de um sujeito, ou seja, seu jeito de agir e sua própria escrita, corresponde ao que está determinado pela sociedade através das relações históricas construídas pela política, pela economia e pelas instâncias sociais gerais. Dessa forma, é possível compreender que o lugar da autoria corresponde sempre ao que se filiam as práticas discursivas gerais legitimadas institucionalmente pela sociedade. O ponto de vista de Foucault corresponde à idéia de que o autor se ocupa de sua audácia atrelada ao universo construído cotidianamente e determinado pela ideologia.

Segundo Barthes (2004:58), O autor é uma personagem moderna, produzida sem dúvida por nossa sociedade na medida em que, ao sair da Idade Média, com o empirismo inglês, o racionalismo francês e a fé pessoal da reforma, ela descobriu o prestígio do indivíduo ou, como se diz mais nobremente, da “pessoa humana”. Para

Barthes:

O autor ainda reina nos manuais de história literária, nas biografias de escritores, nas entrevistas de periódicos e na própria consciência dos literatos, ciosos por juntar, graças ao seu diário íntimo, a pessoa e a obra; a imagem da literatura que se pode encontrar na cultura corrente está tiranicamente centralizada no autor, sua pessoa, sua história, seus gostos, suas paixões... (...a explicação da obra é sempre buscada ao lado de quem a produziu, como se através da alegoria mais ou menos transparente da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o autor, a revelar a sua “confidência” (BARTHES, 2004:58).

Do ponto de vista de Barthes podemos compreender que há sempre no interior da obra uma relação de conluio introspectivo, ou seja, uma certa cumplicidade manifestada. Para Barthes o livro e o autor colocam-se por si mesmos numa mesma linha distribuída como um antes e um depois: considera-se que o autor nutre a obra, quer dizer que existe antes dele, pensa, sofre, vive por ele; está para a sua obra na mesma relação de antecedência que um pai para com o filho. Na concepção barthiniana o escritor moderno nasce ao mesmo tempo em que seu texto, nasce no tempo de sua enunciação e todo texto é escrito eternamente aqui e agora.

2.8 Cenas de Enunciação

As formulações teóricas de Maingueneau (1997; 2005; 2006) a respeito da relação entre ethos e cena de enunciação viabilizam a pesquisa no sentido de desenvolver e facilitar uma análise do gênero letras de música.

Segundo Maingueneau (2008:117), todo discurso desenvolve-se em uma cenografia qualquer, pretende convencer instituindo a cena de enunciação que o legitima. Em uma cenografia associam-se uma figura de enunciador e uma figura correlata de co-enunciadores. Esses lugares supõem igualmente uma cronografia (um momento) e uma topografia (um lugar), das quais pretende originar-se o discurso.

Quanto à cenografia, ela não é imposta pelo gênero, ela é construída pelo próprio texto.

De acordo com os postulados de Maingueneau (2005b), o “ethos” é parte constitutiva da cena de enunciação. A cena de enunciação se configura a partir de três diferentes instâncias: a cena englobante, definida por Maingueneau (2005b) como correspondente ao tipo de discurso, o qual, segundo ele, diz respeito aos discursos associados aos diversos setores de atividade social; a cena genérica, que se associa a um determinado gênero do discurso, e finalmente a cenografia, percebida pelo autor como um quadro (que não é estático, mas sim está em constante processo) no qual ocorre a enunciação.

Para o autor, esse “quadro” carrega todos os elementos que compõem o discurso: as imagens, os posts, o jogo de cores, os links, os enunciadores e coenunciadores etc. A saber podemos resumir as cenas enunciativas na seguinte ordem: a cena englobante , é equivalente ao tipo de discurso, ao seu estatuto pragmático, ou seja, avaliamos o tipo de discurso para então considerarmos a cena englobante e de que modo interpela seu leitor; a cena genérica, ou seja, o gênero do discurso; a cenografia, que é imposta pelo próprio texto no momento do discurso.

O homem como ser social está intimamente relacionado ao seu mundo através da linguagem. Esta o propicia uma interação contínua com os diversos tipos de conhecimentos que os obriga a legitimar um saber que corresponde necessariamente a uma cultura construída socialmente e atrelada a um momento determinado historicamente. Assim, esses conhecimentos instituídos se configuram como referentes culturais de seu estatuto na sociedade, marcando assim sua competência genérica.

O enunciador ao construir a imagem legítima de si diante de seus interlocutores se baseia nos estereótipos sociais constituídos coletivamente e que ele acredita ser legitimados pelos seus interlocutores. Na construção do discurso, verifica-se a figura de um “ethos” que se mostra nesse momento ancorado a valores sociais e ideológicos como uma maneira de garantia de eficácia em suas ações discursivas, que se configuram a partir de possíveis fiadores.

O fiador, cuja figura o leitor deve construir com base em indícios textuais de diversas ordens, vê-se, assim, investido de um caráter e de uma corporalidade. O caráter corresponde aos traços psicológicos enquanto que a corporalidade está associada uma compleição corporal ligada ao modo de mostrar na instância social, ou seja, sua maneira de se mostrar na esfera do social. O fiador se mostra a partir de representação ou comportamento global, o caráter e corporalidade do suposto fiador se apóiam sobre um conjunto de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de estereótipos sobre os quais a enunciação se apóia (AMOSSY, 2008: 72).

2.9 Sobre a Noção de Ethos Discursivo

A Análise do Discurso, tendo como principal expoente nos estudos do ethos

Maingueneau (1997, 2001, 2005a, 2005b, 2006), o autor retoma o conceito aristotélico de ethos, quando afirma que este é a imagem de si no discurso. No entanto, a Análise do Discurso faz um avanço e ultrapassa os estudos elaborados pela Retórica, pois pretende analisar as imagens criadas pelos enunciadores no discurso baseando-se não apenas em situações de eloquência judiciária ou em enunciados orais, mas se estendendo a todo e qualquer discurso, mesmo àqueles presentes no texto escrito.

Maingueneau a partir de seus pressupostos teóricos e contribui significativamente com os estudos da (AD) no sentido de legitimar os avanços nas pesquisas sobre o “ethos” discursivo na constituição do sujeito.

Na perspectiva da AD, todo discurso pressupõe a construção de uma imagem daqueles que estão envolvidos no processo interativo. Mas antes disso, é necessário entender que é a língua, instrumento que se materializa socialmente como um processo histórico-social organizado, responsável pela constituição interativa de uma sociedade é que nos leva a essa compreensão. Diante desse aspecto, entendemos a linguagem como uma maneira de moldarmos através da palavra, as estratégias responsáveis pela construção discursiva e de uma análise de nossas identidades.

Discurso é um evento de subjetividade tomado por um enunciador. Todo discurso é construído a partir da legitimação de pontos de vista, crenças, valores e ideologias sócio-determinadas que em diferentes contextos, instauram efeitos de sentido diversos.

A AD postula, atualmente, o ethos como imagem de si que se apresenta por meio das marcas de subjetividade construídas consciente ou inconscientemente pelo enunciador no discurso. Segunda a teoria, a imagem que contribui para a construção de efeitos de sentidos e, portanto, entendemos que ela contribui como prova capaz de conduzir o enunciatário para os propósitos de persuasão do enunciador.

Para Maingueneau, os enunciados adquirem sentido dentro de um contexto, sendo constituídos utilizando recursos que visam produzir um determinado efeito para o leitor, que irá interpretar seu sentido segundo as indicações presentes no texto lido. A formulação dos sentidos constituem um processo de significação presente na estrutura composicional do enunciado.

Partindo do princípio de que o contexto de um enunciado não se encontra apenas na materialidade linguística, mas no discurso que essa materialidade engendra, isto é, o texto não apresenta signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada (Maingueneau, 2002).

Nosso objeto de estudo nessa análise constitui-se por intermédio do jogo de linguagem, as estratégias discursivas construídas por Gabriel “O Pensador” para estabelecer a interação. Assim, a construção das imagens de si no discurso, ou seja, a imagem construída como “ethos” nas composições musicais.

Para Maingueneau (1998), o discurso, além de seu caráter de unidade linguística, forma uma unidade de comunicação, associada às condições de produção determinadas, ou seja, depende de um gênero de discurso determinado

Na perspectiva de estudos do discurso, entendemos o gênero como parte do estatuto dos parceiros legítimos. Dessa forma, no universo social, esses gêneros funcionam como práticas sociais legítimas e correspondem aos processos interacionais entre esses parceiros, portanto, há configurado nessa relação a figura constituída de um enunciador que ao fazer parte dessa interação cooperada, projeta uma imagem de si, legitimando dessa forma o seu discurso. Essa imagem, ou caráter podemos chamar, segundo Amossy, de ethos.

Segundo Maingueneau (2008) ethos é uma noção fundamentalmente híbrida

(sócio-discursiva, um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica.

a noção de ethos é uma noção com interesse essencialmente prático, e não um conceito teórico claro (…) Em nossa prática ordinária da fala, o ethos responde a questões empíricas efetivas, que têm como particularidade serem mais ou menos co-extensivas ao nosso próprio ser, relativas a uma zona íntima e pouco explorada de nossa relação com a linguagem, onde nossa identificação é tal que se acionam estratégias de proteção (AUCHLIN, 2001: 93).

Pensar a questão do “ethos” no discurso significa refazer o percurso que vem desde a antiguidade clássica e a retórica para se compreender então suas perspectivas na contemporaneidade, mas nesse momento, buscamos apenas a concepção postulada por

Maingueneau (2002).

Na concepção do autor, o “ethos” pode ser concebido como uma voz que se deixa falar na instância subjetiva do texto e instaura a incorporação da imagem do enunciador pelos enunciatários. Ao explicitar essa subjetividade cria-se um jogo cenográfico que faz projetar o “ethos” do enunciador, uma marca determinada como componente de persuasão ou convencimento no discurso.

A noção de “ethos” está ligada à perspectiva do enunciador e se configura no discurso através de suas ideias que representam sua maneira de dizer que remetem a uma maneira de ser. Na perspectiva de Maingueneau (2004), toda enunciação implica uma cena e todo texto é precisamente, é sustentado por uma voz. Essa voz, ou tom, segundo o autor, confere autoridade e legitimidade ao que é dito.

A noção de ethos, estabelecida pela análise do discurso encontra, assim, a sociologia dos campos, mas privilegia o imbricamento de um discurso e de uma instituição (AMOSSY, 2008:17).

De acordo com a autora, o ethos é uma noção discursiva; ele se constitui por meio do discurso, através de um processo interativo de influência sobre o outro. É uma noção fundamentalmente híbrida, um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa ligada a uma conjuntura sócio-histórica determinada.

CAPÍTULO III

ANÁLISE DA AMOSTRA

3. 1 Introdução

Eu não sei quem inventou essa mania e nem sei o que seria esse "ãh". Eu só sei que eu acordei no outro dia e só ouvia todo mundo dizer ãh. Eu nem sabia que existia essa palavra ou esse nome ou o que quer que seja ãh. E de repente vi que toda a minha gente enfiou na sua mente o tal do ãh. Tranqüilamente fui lá na padaria e falei bom dia, responderam ãh. Comprei um pão e fui ver televisão, só que na programação só tinha ãh... (Gabriel O Pensador:2001)

A propósito do ethos, pretendemos discorrer sobre a constituição do ethos discursivo em letras de música do compositor, Gabriel o Pensador, um dos maiores nomes do rap e do pop brasileiro.

Como se sabe Gabriel o Pensador é um compositor muito conhecido e se destaca por compor letras de conteúdo crítico e social. Surgiu no início dos anos 90 com a

“Música Tô Feliz Matei o Presidente”. O Personagem principal da letra era Fernando

Collor de Melo, presidente destituído pelo processo de impeachment. Além de letras muito contundentes, Gabriel também é produtor de obras de literatura para jovens e adolescentes.

O que nos interessa, aqui, é desenvolver uma análise com base na leitura de duas letras produzidas pelo compositor, à luz dos pressupostos teóricos da AD no que se refere às noções de ethos, a construção da cenografia, os aspectos políticos, sociais e culturais do homem brasileiro, além das marcas linguísticas constitutivas do discurso de

Gabriel o Pensador.

O estudo do ethos é feito por meio da análise discursiva, investigação da cenografia, aspectos linguísticos e discursivos que configuram os modos de dizer nas letras produzidas pelo compositor.

3.2 Gabriel O Pensador e a Construção do Ethos Discursivo

As reflexões em busca do conceito que explicite os princípios de constituição do ethos em letras de música de Gabriel O Pensador se deram a partir da obra Análise de textos de comunicação, de Dominique Maingueneau (2002). Nesta obra, o autor oferece condições e subsídios para uma fiel análise dos discursos que circulam socialmente, de modo concreto e atual.

Nossa investigação centra-se na observação e análise de como se dá a construção do ethos nas duas letras. Queremos mostrar que Gabriel o Pensador incorpora a sua imagem nas suas letras e busca consolidar o comportamento do brasileiro, aliando-se às imagens do povo, dos valores das pessoas diante do que elas enfrentam cotidianamente e das reações esperadas diante das problemáticas vigentes.

Pretendemos mostrar que a mudança do ethos do brasileiro diante das questões que são apresentadas por meio das letras torna-se necessária e urgente como garantia de se viver em um país mais feliz.

Abordaremos aqui uma contextualização da trajetória de vida com as composições das letras que apresentam as condições de produção dos discursos de

Gabriel o Pensador. Portanto, recortamos alguns critérios como, por exemplo: Na perspectiva da semântica global, levantamos as estratégias linguístico-discursivas que o enunciador utiliza para legitimar seu dizer nas produções das letras. A partir daí, como o enunciador constrói as cenas que legitimam uma situação de enunciação, o código linguageiro e um ethos discursivo.

Gabriel o Pensador é muito conhecido como compositor e cantor por produzir letras de protesto e por ser sujeito de suas músicas com o objetivo de atingir principalmente o público jovem. Em seu discurso o universo social é colocado em evidência quando o compositor faz um retrato fiel de tudo que o incomoda diante da sociedade contemporânea. Suas letras têm a finalidade de mostrar como forma de protesto, um apelo contra a falta de atitude das pessoas para resolver os problemas e ao mesmo tempo cobra uma urgente tomada de posição.

Embora o Brasil seja um país com uma diversidade incrível e além de ser conhecido mundialmente como um país acolhedor, bom pra se viver, pela sua gente, sua cultura, ser destaque na música, além de ser o país do seu futebol e possuir um carnaval famoso, etc, possui problemáticas que ainda incomodam nosso povo as quais precisam ser resolvidas com urgência. Dessa forma, o compositor de maneira sutil deixa implicado em suas letras esse grito do povo em geral de ver um Brasil mais justo, de ver afogar a injustiça e tranquilizar a população diante de tanta marginalização.

Para a AD, as condições de produção do discurso são consideradas peça-chave para se desvendar as condições em que foram escritas as letras do compositor. Como relatado em sua biografia, Gabriel o Pensador tem um histórico de vida social construído em família de classe média, não nasceu na periferia, mas tem consciência social para perceber e se revoltar com as injustiças que toda a população que vive ali passa e sofre todos os dias. Diante disso, Gabriel o Pensador mostra a cara do Brasil fazendo uma conexão com todas as questões que envolvem o brasileiro simples e humilde e sua posição hierárquica em relação aos governantes e à política aqui instituída, ou seja, aos que detém a estrutura do poder e os que são dominados por ele.

De acordo com a AD, o ethos se relaciona não só a fatores de ordem discursiva, mas ao contexto social, ou seja, a tudo que está ligado aos comportamentos do homem na sociedade, sua história social, ou seja, ao mesmo tempo que é mostrado no e pelo discurso, prende-se às tendências ligados às relações existentes ao homem e à sociedade.

É importante analisarmos as estratégias discursivas e os componentes linguísticos utilizados pelo compositor em suas letras, ou seja, do enunciador para ganhar a atenção do enunciatário. O enunciador mantém um diálogo com os enunciatários utilizando uma linguagem com tom de aconselhamento e ao mesmo tempo apresenta uma nítida convicção no seu dizer.

O estudo do ethos materializado nas composições de Gabriel o Pensador será analisado com base em duas letras que fazem parte da discografia produzida ao longo de sua carreira. A escolha deveu-se ao fato de se tratar de letras que se destacaram na mídia e que difundiram na socialmente por possuírem conteúdo crítico e se referem diretamente a comportamentos do homem contemporâneo.

Análise

Análise de trechos de Até Quando?

Exemplo 1

Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve Você pode e você deve, pode crer Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu Num quer dizer que você tenha que sofrer

O tom do texto conduz o cliente consumidor, em sua maioria os jovens, de suas letras instigando-os a tomar uma atitude e agir diante das circunstâncias. A linguagem utilizada reforça o ethos do enunciador ao mesmo tempo em que explicita a necessidade de ação do ethos do enunciatário, o público-alvo das letras de Gabriel o Pensador. O autor das letras demonstra uma proximidade, ou seja, familiaridade com os interlocutores de suas letras quando utiliza a palavra “você”. Você, pode se referir a cada um dos brasileiros que ouvem e apreciam suas letras quando ouvem e apreciam suas músicas.

Exemplo 2

Até quando você vai ficar usando rédea Rindo da própria tragédia? Até quando você vai ficar usando rédea Pobre, rico ou classe média? Até quando você vai levar cascudo mudo? Muda, muda essa postura Até quando você vai ficando mudo? Muda que o medo é um modo de fazer censura.

Gabriel o Pensador constrói um espaço discursivo e o faz para estimular um desejo e tenta aliá-lo aos interesses de seu público-alvo. Dessa forma, faz uma ancoragem social do seu discurso, utilizando-se de alguns efeitos de linguagem bem característicos de suas letras, quando retoma por meio dos elementos linguísticos as condições de produção dos discursos em determinadas épocas da história.

Os trechos são descritos com um tom provocador, pois através da materialidade linguística seu discurso atravessa momentos históricos legitimados socialmente dialogando com algumas posturas exercidas pelas camadas detentoras do poder. No fio de seu discurso, o autor procura sutilmente denunciar as injustiças sofridas pelo povo brasileiro em determinadas épocas da história do Brasil e que se configuram como posturas opressoras.

Usando rédea / Cascudo mudo / Ficando mudo

Portanto, motiva seus interlocutores para a mudança de postura diante das circunstâncias vividas, aconselhando-os e fazendo uma interlocução na tentativa de desconstruir o ethos social de um sujeito acomodado e passivo diante das injustiças, comportamentos e posturas de uma sociedade que viveu amargamente a ditadura dos anos 70, época em que a censura favorecia o comportamento alienado do cidadão brasileiro. O recorte da letra faz uma retomada direta ao período da história, porém retratada através de novos episódios os quais trazem conceitos perspectiva construída numa cenografia da sociedade contemporânea.

Exemplo 3

Até quando você vai levando porrada, porrada? Até quando vai ficar sem fazer nada? Até quando você vai levando porrada, porrada? Até quando vai ser saco de pancada?

Essa retomada à época da ditadura militar, quando reproduz o comportamento e a postura submissa dos sujeitos daquela época aponta a cenografia do medo, do calar a boca, do fingir que não vê e que nada aconteceu. A formação discursiva se alia diretamente ao interdiscurso, ou seja, há uma interdiscursividade com discursos de campos discursivos diferentes na perspectiva de (Maingueneau: 2008)

Exemplo 4

Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente Seu filho sem escola, seu velho tá sem dente Você tenta ser contente, não vê que é revoltante Você tá sem emprego e sua filha tá gestante Você se faz de surdo, não vê que é absurdo Você que é inocente foi preso em flagrante É tudo flagrante É tudo flagrante

A análise do trecho nos permite dizer que o modo de dizer do enunciador, ou seja, o tom apresentado por ele desvela uma instância enunciativa que se considera consciente diante dos problemas sociais existentes. O enunciador do texto mantém um diálogo com seus co-enunciadores e ao mesmo tempo faz uma intimação direta construindo o ethos de um fiador que se preocupa com esses problemas e ao mesmo tempo é vítima direta deles. Verifica-se, portanto, uma série de aspectos ou problemáticas que estão inseridas no universo da administração pública e apresentadas no texto em tom de denúncia.

Exemplo 5

A polícia matou o estudante

Falou que era bandido, chamou de traficante A justiça prendeu o pé-rapado Soltou o deputado e absolveu os PM's de Vigário

A polícia só existe pra manter você na lei Lei do silêncio, lei do mais fraco: Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco

Podemos perceber que o lugar social ocupado pela polícia é desconstruído na medida em que são elencadas as cenas que compõem os atos da instituição polícia. O mundo ético da polícia não permite o comportamento claro apresentado por ela. Assim emerge no texto uma certa corporalidade: um desrespeito total do ser humano pela condição de homem indefeso configurado pelo tom opressor legitimado por um fiador que adere esse tipo de atitude e ao mesmo tempo um tom submisso daquele que não tem armas e nem forças pra driblar o poder da polícia.

Ao analisar o discurso desse trecho da letra música, permite-nos retomar as imagens da cenografia instaurada, na Chacina do Vigário Geral na qual se caracteriza seus personagens do massacre ocorrido na cidade do Rio de Janeiro para mostrar a heterogeneidade e a retomada da memória discursiva. É preciso que o interlocutor recupere na memória as formas e discursos da mídia na época para compreender o que está sendo pretendido, tornando as retomadas justificáveis para o conceito de heterogeneidade e da interdiscursividade.

Exemplo 6

A programação existe pra manter você na frente Na frente da TV, que é pra te entreter Que pra você não ver que programado é você

O enunciador desse discurso no trecho da letra apresenta a eficácia social da TV pois aponta o cidadão diante de um veículo de comunicação tão conhecido e valorizado por muitos, mas que na verdade reflete negativamente na vida desse cidadão. Dessa forma, romper alguns mitos de que a TV é um veículo de transmissão de cultura enquanto que na verdade ele também é responsável pela alienação do cidadão.

Exemplo 7

Acordo num tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar O cara me pede diploma, num tenho diploma, num pude estudar E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado que eu saiba falar Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá

Consigo emprego, começo o emprego, me mato de tanto ralar Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar Não peço arrego mas na hora que chego só fico no mesmo lugar Brinquedo que o filho me pede num tenho dinheiro pra dar

Podemos observar que, o enunciador constrói um discurso apoiado na imagem de um sujeito que é vítima do que a própria sociedade faz com ele. A imagem é de um ser batalhador, mas que aponta os impasses que o impede de ter uma vida bem sucedida.

Segundo a concepção de Maingueneau (2001, p. 72) pode-se atribuir ao enunciador a função de fiador do discurso e é através desse fiador que o enunciatário irá posicionar-se em relação à veracidade do discurso. Assim, quando se trata do ethos discursivo, o leitor deve construí-lo com base nos indícios textuais através de seu caráter e corporalidade que varia em função de cada texto.

Assim como revela Maingueneau (2001), a cenografia construída não é apenas um cenário para as reivindicações do enunciador, mas é condição de sentido, que auxilia na constituição da enunciação. Além de essa cenografia, gerar esse tipo de discurso que prega direitos sociais cuja característica é o protesto, também valida o que está sendo dito em determinado lugar social, pois esse protesto tem garantia legítima, considerando que o os lugares sociais também legitimam lugares discursivos, até porque todo cidadão tem direito de protestar por melhores condições de vida. Sendo assim, vemos que o efeito de sentido produzido pela escolha dessa cena enunciativa na produção da letra é de mostrar como existe a injustiça no Brasil e como ela impede o cidadão de viver em plena cidadania como forma de garantia de direitos.

Exemplo 8

Escola, esmola Favela, cadeia Sem terra, enterra Sem renda, se renda. Não, não...

Os trechos acima legitimam claramente o enunciador como cidadão e refém da própria sociedade. Apresenta um ethos que está formado com base na cena enunciativa configurando um fiador que procura levar os co-enunciadores de suas letras a aderirem uma visão de mundo construída a cerca do papel exercido pelos homens públicos no exercício do poder e os descasos que geram consequências catastróficas para a sociedade. O percurso construído pelo discurso mostra o ponto de vista do enunciador sobre a situação em que se encontra o cidadão que é privado do seu direito de ter acesso aos bens culturais e àqueles que são essenciais para que se tenham condições de viver dignamente.

Exemplo 9

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente A gente muda o mundo na mudança da mente E quando a mente muda a gente anda pra frente E quando a gente manda ninguém manda na Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura Na mudança de postura a gente fica mais seguro Na mudança do presente a gente molda o futuro gente

Em relação ao ethos do enunciador, espera-se que os fiadores do seu discurso, percebam a relação passado/presente, reconheçam as representações dos atores sociais que compõem a trama discursiva no texto e que são legitimadas pelo seu dizer que revela a necessidade e transformação de suas práticas e interações, reflexão sobre as vivências cotidianas, os valores construídos no cotidiano enquanto cidadão, através da assimilação da mudança.

Podemos verificar o lugar político e ideológico que o enunciador ocupa através das marcas de enunciação no discurso. É possível observar os deslocamentos de sua posição enunciativa, bem como o ethos que emerge na materialidade linguística do discurso.

De acordo com Maingueneau (1984, 2001), observa-se as marcas dêiticas de pessoa, o modo de enunciação e o léxico que estão inseridos nos planos constitutivos da semântica global postulada pelo autor. O enunciador se apresenta como cúmplice nessa trama da mudança, consfigurando-se como fiadores partícipes no fio do discurso.

Segundo Maingueneau (2008), o fiador implica ele mesmo um “mundo ético” do qual ele é parte pregnante e ao qual ele dá acesso. Esse “mundo ético” ativado pela leitura subsume um certo número de situações estereotípicas14 associadas a comportamentos. Na letra em questão o enunciador tem como propósito inserir o co- enunciador no mundo ético do homem consciente dos problemas sociais vigentes os quais necessitam de um novo rumo.

Análise de trechos da letra “Pega Ladrão”

Exemplo 1

Pega ladrão! No governo! Pega ladrão! No congresso! Pega ladrão! No senado! Pega lá na câmara dos deputados! Pega ladrão! No palanque! Pega ladrão! No tribunal! É por causa desses caras que tem gente com fome, que tem gente matando, etc e tal.

O estilo do texto é bem objetivo, recorre-se ao léxico que se liga ao contexto político apresentando características negativas do comportamento do governo construindo-se uma na qual o lugar social do governo é ocupado pelo expressão negativa “ladrão”. Verifica-se que a cenografia política revela uma direção argumentativa do texto no qual observamos o peso negativo das palavras na construção do texto.

Para o enunciador, a figura do ladrão faz parte das instâncias do governo, ou seja, desde o espaço em que ele, o governo, começa a ser instituído. O governo começa

14 Estereótipo é, segundo Charaudeau e Maingueneau (2004, p. 213), “uma cristalização no nível do pensamento ou no da expressão (...) e emerge somente no momento em que um alocutário recupera, no discurso, elementos espalhados e freqüentemente lacunares, para reconstruí-los em função de um modelo cultural preexistente.” no palanque e vai ocupando as posições hierárquicas instituídas para ele até chegar ao espaço onde o mesmo governo é julgado. Várias cenas são construídas por atores que assumem o mesmo papel do ladrão, embora esses espaços venham se alternando em espaços diferentes. O tom de crítica percorre todo o texto conferindo aos homens do governo o rótulo de “ladrão” o que na verdade não é o comportamento esperado pela sociedade.

Exemplo 2

Pega, pega! Pega, pega ladrão!! Pega, pega! Pega, pega ladrão!! Pega, pega! Pega, pega ladrão!! A miséria só existe porque tem corrupção. Pega, pega! Pega, ladrão!! Pega, pega! Pega, pega, ladrão!! Pega, pega! Pega, pega ladrão!! Tira do poder! Bota na prisão!!

A construção linguística se opera no texto com o emprego do imperativo chamando-nos atenção de forma insistente para que se prenda o “ladrão”... O ladrão aqui assume a responsabilidade da miséria, ele é que é responsabilizado por ter patrocinado a corrupção. A sugestão é que ele seja destituído do poder e seja responsabilizado por tudo e seja mandado diretamente para a prisão. Mais uma vez se intensifica a figura do “ladrão” que ocupa o espaço do poder enquanto deveria participar da cenografia da prisão.

O ethos do homem desonesto, que rouba o povo brasileiro procura integrar os interlocutores das letras de música de Gabriel o Pensador ao mundo ético do homem honesto incorporando-o a uma tomada de atitude urgente, “Tira do poder” “bota na prisão”.

Exemplo 3

E você, que é um simples mortal, levando uma vidinha legal!

Alguém já te pediu um real? Alguém já te assaltou no sinal? Você acha que as coisas vão mal? Ou você tá satisfeito? Você acha que isso é tudo normal? Você acha que o país não tem jeito?

Há uma forte presença do diálogo com o cidadão para que o mesmo se dê conta dos problemas que o rodeiam. Verifica-se um interrogatório direto que leva o co- enunciador dos textos a uma reflexão sobre o país e os impasses que dificultam a vida do brasileiro, além de questioná-lo sobre as perspectivas existentes diante do próprio

Brasil. A ironia se faz presente quando se questiona sobre viver diante de situações polêmicas e ao mesmo tempo acreditar que está tudo bem. O ethos do conformismo é construído o tempo todo.

O mundo ético dos executivos que administram a política brasileira aparece em oposição ao mundo ético do cidadão comum constituído no texto como “você”, pois ambos se apóiam em um número de situações estereotípicas que estão ligadas a comportamentos bem diferentes. O diálogo construído no texto chama o cidadão para um mundo ético do homem que se preocupa com os problemas sociais, com o bem de todos e que se posiciona tomando atitudes mais positivas diante de tantas adversidades do mundo moderno.

Exemplo 4

Aqui não tem terremoto, aqui não tem vulcão. Aqui tem tempo bom, aqui tem muito chão. Aqui tem gente boa, aqui tem gente honesta, mas no poder é que tem gente que não presta. "Eu fui eleito e represento o povo Brasileiro. Confie em mim que eu tomo conta do dinheiro".

Na cena em questão, o Brasil é situado em relação aos desastres e problemas ocorridos em outros países, ou seja, legitima ponto positivo construído pelo enunciador em relação ao Brasil, além de avaliar o brasileiro, avalia, ao mesmo tempo, suas características tanto em um grau positivo, quanto negativo. Há uma evidência colocada lado a lado de um Brasil pacífico e uma cenografia leve em oposição a uma cenografia corrupta na qual o povo é privado do seu direito.

O trecho apontado, em termos de ethos implica uma competência interpretativa específica dos consumidores das letras de música, que devem identificar de que modo o compositor combina os elementos linguísticos intensificados no texto. O advérbio

“aqui” em oposição ao advérbio “lá”. “Lá” está se referindo a cenografias que se opõem às cenografias do Brasil apontando episódios negativos em relação a episódios positivos, embora não descarta que “aqui” se constitui também uma cenografia negativa no poder.

Há a presença da ironia explícita na construção “eleito – represento – povo – tomo conta do dinheiro”.

Exemplo 5 Tira esses malandro do poder executivo! Tira esses malandro do poder judiciário! Tira esses malandro do legislativo! Tira do poder que eu já cansei de ser otário! Tira esses malandro do poder municipal! Tira esses malandro do governo estadual! Tira esses malandro do governo federal! Tira a grana deles e aumenta o meu salário!

O emprego do verbo no imperativo marca mais uma vez a indignação do enunciador diante das façanhas exercidas por quem ocupa um lugar de ordem nas instituições públicas, tanto na esfera municipal, quanto na federal e até mesmo na própria justiça. As cenas são construídas em espaços públicos com o intuito de mostrar o ethos do homem que ocupa um lugar nas instâncias do governo, ou seja, apresenta um ethos de um administrador público e a realidade existente nas esferas públicas.

O texto emerge um ethos que legitima a figura do malandro em oposição a um ethos de um fiador que não aprova esse tipo de postura. A palavra “malandro” é socialmente avaliada como rótulo negativo em qualquer sociedade e está em oposição ao mundo ético do homem honesto e das entidades coletivas que não aprovam esse tipo de comportamento em hipótese alguma, portanto, os fiadores da letra de música em questão se apresentam como alguém que não legitima as cenas autorizadas no texto e que configuram a forma como os homens do poder exercem tal poder.

Exemplo 6

- Tá vendo esta mansão sensacional? Comprei com o dinheiro desviado do hospital. - E o meu cofre, cheio de dólar? É o dinheiro que seria pra fazer mais uma escola. - Precisa ver minha fazenda! Comprei só com o dinheiro da merenda! - E o meu filhão? Um milhão só de mesada! E tudo com o dinheiro das crianças abandonadas. - E a minha esposa? Só não me leva à falência porque eu tapo esse buraco com o rombo da previdência. - Vossa excelência... Cê não viu meu avião! Comprei com uma verba que era pra construir prisão! - E a superlotação? - Problema do povão! Não temo imunidade? Pra nós não pega não.

Indignação em relação aos desvios do dinheiro público onde são empregados e onde deveriam ser empregados, mas, infelizmente satisfazem aos desejos dos bandidos.

O ethos explicitado aqui não se preocupa com o que o outro vai dizer ou pensar.

Constrói-se uma cenografia de espaços públicos que sofrem um caos todos os dias diante das façanhas construídas e encenadas pelos atores sociais do poder público.

No exemplo aqui apresentado, o enunciador procura, no fio do discurso, desconstruir a figura do político honesto e assume todos os atos desonestos cometidos socialmente no âmbito da administração pública e que ora são expostos, ora não. A imagem dos políticos é totalmente desconstruída pela ideia de que isso é normal por meio do tom tranqüilidade que se apresenta no decorrer do texto.

Constrói-se uma encenação em torno dos comportamentos que caracterizam esses homens que se relacionam com a ideia de poder. É o caso, por exemplo, da pontuação utilizada que direciona o interlocutor das letras a fazer seus questionamentos, a escolha lexical e a cenografia construída pelo homem do poder e legitimada pela letra como: mansão, avião, cofre, dólar, mesada, fazenda, e, ao mesmo tempo a com uma cenografia discursiva através dos enunciados que confrontam com as bases sociais que são desrespeitadas como: escola, hospital, merenda, criança abandonada, prisão, previdência e povão.

Podemos verificar que a exibição do comportamento dos homens do poder público é uma cenografia conveniente e eficaz para mostrar os comportamentos dissimulados utilizados para satisfazer seus desejos fúteis construídos no trecho da letra de música pela enunciação discursiva.

Exemplo 7

A miséria só existe porque tem corrupção. Desemprego só aumenta porque tem corrupção. Violência só explode porque tem tanta miséria e desemprego. Porque tem tanta corrupção! "Todos que me conhecem sabem muito bem que eu não admito o enriquecimento do pobre e o empobrecimento do rico!"

Há uma reafirmação de uma cena de miséria relacionada ao desemprego e à violência. Responsabilidade da corrupção pelos problemas graves que afetam a população e ao mesmo tempo a desconstrução da ordem natural das coisas enriquecerem o pobre e empobrecer o rico.

Para a AD, as condições de produção do discurso são de extrema relevância.

Portanto, faz-se necessário levar em conta as condições em que foram produzidas as suas letras (composições). Gabriel o Pensador surgiu e consagrou-se como compositor e intérprete na década de 90, período em que a política brasileira estava vivendo um forte impacto devido às denúncias contra o governo Fernando Collor de Melo que resultou em “impeachement”.

Gabriel o Pensador escreve o que caracteriza como protesto, redigido em tom de relato sobre o cenário político e o comportamento corrupto dos homens públicos, e tendo como destinatários as classes críticas da sociedade brasileira que não aprovam tal comportamento. Embora o compositor se dirija, oficialmente, às camadas críticas da sociedade brasileira, constituídas pelos elementos linguísticos marcantes como “você” e

“todos sabem que eu”, verifica-se que seu relato caracteriza um diálogo consigo mesmo como forma de mostrar seu inconformismo diante de tanta corrupção.

Exemplo 8

E você, que nasceu nesse país. E que sonha e que sua pra ser feliz. Você presta atenção no que o candidato diz? Ou cê vota em qualquer um, seu babaca? E depois da eleição, você cobra resultado? Ou fica aí parado, de braço cruzado? Cê lembra em quem votou pra Deputado? E quem você botou lá no Senado

Gabriel o Pensador mantém um diálogo com o interlocutor e questiona sua posição na sociedade. O texto aponta para um tom do discursivo que é de questionamento e ao mesmo tempo de indignação e provocação sobre o comportamento do cidadão diante das questões políticas.

O universo de sentido do texto é construído em torno de um ideal de modernidade que configura um político honesto.

O estatuto do enunciador na letra de música é construído na intersecção do mundo do político desonesto e do cidadão acomodado. O enunciador aqui se apresenta como um cidadão que se preocupa com os destinos políticos do Brasil, ou seja, mostra- se um ethos revolucionário que é a favor da mudança de atitude que pode garantir uma outra direção para a história política.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O discurso, bem menos do que um ponto de vista, é uma organização de restrições que regulam uma atividade específica. A enunciação não é uma cena ilusória onde seriam ditos conteúdos elaborados em outro lugar, mas um dispositivo constitutivo da construção do sentido e dos sujeitos que aí se reconhecem.” Dominique Maingueneau, 1997

Esta dissertação tratou do estudo das representações linguístico-sociais que propiciam a construção da cenografia e da constituição do ethos discursivo em letras de músicas produzidas por Gabriel O Pensador.

Acredita-se que os resultados possam contribuir com os estudos da AD no sentido de mostrar a construção do ethos no gênero letra de música de Gabriel O

Pensador, relacionando a ancoragem social do discurso e de suas condições de produção. Consideramos também que o ethos se insere no estudo dos gêneros discursivos, pois os elementos constitutivos dos gêneros, segundo Bakhtin (2000), mantém a estabilidade do gênero e contribuem para a explicitação do ethos.

As análises levam em conta a ancoragem social do discurso e de suas condições de produção, pois nos discursos materializados nas duas letras de música deixam explicitada uma nítida associação a um contexto histórico no qual aponta os desejos do enunciador, sujeito-autor das letras, de explicitar seu ethos e, ao mesmo tempo, conquistar o co-enunciador tornando-o fiador do seu discurso.

Por meio da reunião de duas letras (textos) utilizadas como amostra para as análises, apropriamos do processo de legitimação do discurso literário através das cenas de enunciação e da construção do ethos do enunciador, sujeito-autor das composições selecionadas para reconhecer o gênero letra de música como um tipo de discurso literário.

As análises levaram em conta a ancoragem social do discurso e de suas condições de produção, pois nos discursos materializados nas duas letras de música mostra-se uma nítida associação a um determinado contexto histórico brasileiro.

Percebemos por meio dos textos os desejos do enunciador, sujeito-autor das letras, de explicitar seu ethos e, ao mesmo tempo, conquistar o co-enunciador tornando-o fiador do seu discurso.

Por meio das situações determinadas no fio discursivo das letras, pudemos observar que o ethos do enunciador articula-se com o mundo ético do co-enunciador e ambos configuram-se como fiadores partícipes do ethos social dos valores cidadãos, cujos princípios se fundamentam na postura de homens honestos que acreditam na justiça, no sentido ético e humano e que se vêem indignados com tantas atitudes de desgoverno nas instituições públicas brasileiras.

Através da descrição das cenografias construídas tornou-se possível identificar como se mostra o ethos do homem correto, que denuncia as injustiças, situado em um determinado tempo e espaço.

O código linguageiro está marcado pelas escolhas linguísticas que configuram a interação do enunciador com seus co-enunciadores. Percebemos que o enunciador faz uso da língua explorando recursos expressivos que marcam o tom do diálogo e ao mesmo tempo o tom didático do conselho e da ordem chamando para uma mudança de atitude.

As duas letras utilizadas como amostra possibilitaram explorar de forma bem direta o sentido que destaca e legitima o ethos do homem honesto e ao mesmo tempo o ethos do homem enquanto representante das instituições do governo, da polícia, no texto, caracterizado como o ethos do bandido, do ladrão etc.

Através das cenografias construídas, também foi possível, ao longo dos textos reconhecer e legitimar os espaços sociais ocupados por estes representantes públicos do governo, da polícia e da justiça e outros, o enunciador contribui para que o co- enunciador legitime esses espaços públicos e os reconheçam como sendo importantes para garantir a segurança, o respeito e a qualidade de vida do cidadão.

Quando trata da cenografia no discurso, Maingueneau (2004) postula que a cena genérica e a cena englobante definem conjuntamente o que poderia ser chamado de quadro cênico do texto. Assim, na amostra analisada o ethos do enunciador quer explorar o grau de criticidade dos brasileiros para sustentar sua imagem de homem questionador e crítico diante dos enunciatários, principalmente os que apreciam suas letras.

A nosso ver, os fiadores do discurso passam a reconhecer, por meio da imagem institucional representada pelo papel do governo, da justiça, do estado e etc, o ethos do homem público através do argumento de explicitação do ethos do enunciador.

Mostramos que a noção de ethos mantém relações estreitas com o interdiscurso.

Uma grande parcela dos brasileiros incorpora as imagens criadas a partir da maneira de dizer no discurso. O contexto produzido pelo discurso das letras apresenta uma imagem negativa dos homens públicos.

Os fiadores do discurso de Gabriel acreditam na justiça e na igualdade social no

Brasil e ao mesmo tempo fazem parte da parcela de brasileiros que negam as atitudes dos corruptos legitimada e explicitada através da ousadia na construção da linguagem empregada por Gabriel o Pensador. O tom com que se dirige traduz essa cumplicidade do discurso e explicita a negação dos valores do homem corrupto e do homem comodista diante dos fatos.

Evidencia-se, portanto, que o tom do enunciador explicita uma co- responsabilidade de enunciador e enunciatário-consumidor das letras de música de

Gabriel o Pensador construírem hibridamente, ou seja, em conjunto de fiadores, uma ideia de homem justo e homem de atitudes.

O enunciador compositor de letras de conteúdo crítico, dessa forma, utiliza como argumento a incorporação da justiça, do respeito, dos valores humanitários e da honestidade do enunciatário e instaura um fiador engajado com o tom de denúncia do ethos do brasileiro consciente e inconformado com a postura corrupta de nossos governantes.

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9

ANEXOS

FAIXA 05 2001 – SEJA VOCÊ MESMO (mas não Seja sempre o Mesmo)

01. Se Liga Aí 02. Ate Quando? 03. Ãh 04. Pega Ladrão! 05. Tem Alguém Ai? 06. Masturbação Mental 07. E Pra Rir Ou Pra Chorar? 08. Sem Parar 09. Mario 10. Brasa 11. Sei Lá

TEXTO 05

ATÉ QUANDO? (2001) Composição: Gabriel O Pensador; Itaal Shur; Tiago

Mocotó

Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta

Levanta aí que você tem muito protesto pra fazer e muita greve

Você pode e você deve, pode crer

Não adianta olhar pro chão, virar a cara pra não ver

Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu

Num quer dizer que você tenha que sofrer

Até quando você vai ficar usando rédea 10

Rindo da própria tragédia?

Até quando você vai ficar usando rédea

Pobre, rico ou classe média?

Até quando você vai levar cascudo mudo?

Muda, muda essa postura

Até quando você vai ficando mudo?

Muda que o medo é um modo de fazer censura

(Refrão)

Até quando você vai levando porrada, porrada?

Até quando vai ficar sem fazer nada?

Até quando você vai levando porrada, porrada?

Até quando vai ser saco de pancada?

(Repete refrão)

Você tenta ser feliz, não vê que é deprimente

Seu filho sem escola, seu velho tá sem dente

Você tenta ser contente, não vê que é revoltante

Você tá sem emprego e sua filha tá gestante

Você se faz de surdo, não vê que é absurdo

Você que é inocente foi preso em flagrante

É tudo flagrante

É tudo flagrante

(Refrão x2) 11

A polícia matou o estudante

Falou que era bandido, chamou de traficante

A justiça prendeu o pé-rapado

Soltou o deputado e absolveu os PM's de Vigário

(Refrão x2)

A polícia só existe pra manter você na lei

Lei do silêncio, lei do mais fraco:

Ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco

A programação existe pra manter você na frente

Na frente da TV, que é pra te entreter

Que pra você não ver que programado é você

Acordo num tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar

O cara me pede diploma, num tenho diploma, num pude estudar

E querem que eu seja educado, que eu ande arrumado que eu saiba falar

Aquilo que o mundo me pede não é o que o mundo me dá

Consigo emprego, começo o emprego, me mato de tanto ralar

Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar

Não peço arrego mas na hora que chego só fico no mesmo lugar

Brinquedo que o filho me pede num tenho dinheiro pra dar

Escola, esmola

Favela, cadeia

Sem terra, enterra 12

Sem renda, se renda. Não, não

(Refrão x2)

Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente

A gente muda o mundo na mudança da mente

E quando a mente muda a gente anda pra frente

E quando a gente manda ninguém manda na gente

Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura

Na mudança de postura a gente fica mais seguro

Na mudança do presente a gente molda o futuro

TEXTO 06

PEGA LADRÃO (2001) Composição: Gabriel O Pensador/Tiago Mocotó/Aninha

Lima/Liminha

Pega ladrão! No governo!

Pega ladrão! No congresso!

Pega ladrão! No senado!

Pega lá na câmara dos deputados!

Pega ladrão! No palanque!

Pega ladrão! No tribunal!

É por causa desses caras que tem gente com fome, que tem gente matando, etc e tal.

Pega, pega!

Pega, pega ladrão!!

Pega, pega! 13

Pega, pega ladrão!!

Pega, pega!

Pega, pega ladrão!!

A miséria só existe porque tem corrupção.

Pega, pega!

Pega, ladrão!!

Pega, pega!

Pega, pega, ladrão!!

Pega, pega!

Pega, pega ladrão!!

Tira do poder!

Bota na prisão!!

E você, que é um simples mortal, levando uma vidinha legal,alguém já te pediu um real?

Alguém já te assaltou no sinal?

Você acha que as coisas vão mal?

Ou você tá satisfeito? Você acha que isso é tudo normal?

Você acha que o país não tem jeito?

Aqui não tem terremoto, aqui não tem vulcão.

Aqui tem tempo bom, aqui tem muito chão.

Aqui tem gente boa, aqui tem gente honesta, mas no poder é que tem gente que não presta.

"Eu fui eleito e represento o povo Brasileiro.

Confie em mim que eu tomo conta do dinheiro". 14

(refrão)

Tira esses malandro do poder executivo!

Tira esses malandro do poder judiciário!

Tira esses malandro do legislativo!

Tira do poder que eu já cansei de ser otário!

Tira esses malandro do poder municipal!

Tira esses malandro do governo estadual!

Tira esses malandro do governo federal!

Tira a grana deles e aumenta o meu salário!

- Tá vendo esta mansão sensacional? Comprei com o dinheiro desviado do hospital.

- E o meu cofre, cheio de dólar? É o dinheiro que seria pra fazer mais uma escola.

- Precisa ver minha fazenda! Comprei só com o dinheiro da merenda!

- E o meu filhão? Um milhão só de mesada! E tudo com o dinheiro das criança abandonada.

- E a minha esposa? Só não me leva à falência porque eu tapo esse buraco com o rombo da previdência.

- Vossa excelência... Ce não viu meu avião! Comprei com uma verba que era pra construir prisão!

- E a superlotação?

- Problema do povão! Não temo imunidade? Pra nós não pega não.

(refrão)

A miséria só existe porque tem corrupção.

Desemprego só aumenta porque tem corrupção. 15

Violência só explode porque tem tanta miséria e desemprego.

Porque tem tanta corrupção!

"Todos que me conhecem sabem muito bem que eu não admito o enriquecimento do pobre e o empobrecimento do rico!"

E você, que nasceu nesse país.

E que sonha e que sua pra ser feliz.

Você presta atenção no que o candidato diz?

Ou cê vota em qualquer um, seu babaca?

E depois da eleição, você cobra resultado?

Ou fica aí parado, de braço cruzado?

Cê lembra em quem votou pra Deputado?

E quem você botou lá no Senado?